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Da mesma orma Que o mll1Jster o proporoona m tas a egnas, porvezes lança

o pas or ao redemOInho dos con h os. t Impera IVO que os ,deres estejam
preparados para que esse prob ema ão co um não hes roube O 'gor e
en raq eça se mlOlS éno

(O venCido e que há hções na VIda Que só podem ser aprendidas em e o


aos prob emas, Ga Pres on au Ilta companheiros de mlOlSteno a resga ar a
paIX~O em seus cha ados, ainda q e murtos sonhos e IdeaIS estejam
adormeCIdos em d~orrenCla das lu as co dianas

o carater aperfeiçoado pelos confllros aJudara pastores Que se encontram em


erra seca e é1 da a deseobor agua resca na fenda de uma rocha Sob a
mlse cordlosa mão d na, estarão ap os a preservar tem o a luz de De s
quanto o chamado de e em suas das

GARY PRf I é pastor da Igreja Batista Be ãOla em Boulder, Colorado,

onde v e com a mulher, 5uzanne, e os dOIS filhos, Nate e TIm. Ele escreve para
a revista Leadershíp [Liderança] e para o Disopleship JoumaJ.

DAV ID ETZ. orgamzador da coleção A Alma do Pastor. é editor da


revista Leadership. a mais respeitada publicação americana direcionada a
pastores e lideres

GAR TON
Vida

Editora do grupo Dirqão executiva


E\Til. '\hl(i'I"J"
Zl)t"lILR\'·\:\
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Editor,l filiada a Cerênci;l financeira


C-\\l.~k" RHAS11,rTRA [)() Ll\k()

A,SOClAÇAO BRASIIYIIU Gerencid de cOlllunicaçJo c marktting


llE EUITORES CR1ST",US
S(R\ ~l() PAV.-\HlNI
ASSUCIA(An NAClCI".'\[
111 LI\'RARI.-V; C.::rência editorial

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LIVRA.R1AS FVA'-;(;II IC\,
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Obras para igreja c úmília AlJlo \11'1\1';1.';
Obra.'. leológicas c de referênód AIII() \1l-"I-I.LS
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Ohras infantis e juvenis R.n"""A BR-\:"nAu
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DAVID c.;OfTZ

TKADUÇÀU
MARCELLO TOLENTINO

GARY PRESTON
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Vida
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A Alma do f':lstor


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rodas as citaçfJes bíblicas foram extraídas d,1


"VOl-'rI t'ásâo Illtem,lcioua! (1"\'1),
i:,2001, pllblic~d;l por Editora \'ida,
salvo indicação em col1ldrio.

Dados lnlnnacionais de Catalogação na Publi~açã{) ((:11'1


(Câmara Br'l.\ilcira do Livro, \1', Brasil)

Pro,,,,n. ( \C\' I)
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David, 11, Tí1Ld" 111

Índice para ~atálogo sistem,itiw


AGRADECIMENTOS

M inha. mulher come.lltüu certa vez que embora tivesse me es-


colhIdo como mando, certamente não escolhera nossa voca-
ção corno pastor e mulher de pastor. Ela disse: "A vocação veio
como brinde no pacore do casamemo".
Com o passar dos anos aprendemos que, muitas vezes, há um
preço alto a ser pago no nlinisrério pastoral. A rnaior parte deste
livro narra a nossa história. Sem dúvida, há recompensas significa-
tivas c grandes alegrias no ministério. No entanto, se o crescente
número de pastores que deixam o 111inistério eclesiâstico pode ser
tomado como referência, parece que o preço a ser pago é mais alto
que a intensidade da alegria.
Escrever este livro tCIn sido a minha tentativa de ajudar os C0111-

panhciros pastores a resgatar a paixão por seu chamado, que pode


ter esfriado por causa das batalhas e feridas do ministério pastoral.
As palavras destas páginas foram moldadas na fundição da minha
vida. Assim como a maioria dos meus colegas, algumas vezes quis
trocar o pastorado por algo difereme.
No entanto, Deus não rne permitiu fazer isso. Em tl10111cntos
cruciais USOll all1igos maravilhosos c companheiros pastores para
renovar meu chamado e restaurar nlinha visão do ministério. Mi-
nha mulher e cu somos profundamente agradecidos a Bob e Sandy
SeweH por seu amor e compreensão ao nos mostrar como é a vida do
outro lado do púlpito. A família Sewell é co-fundadora do Sonscape
Ministries, ministério de renovação, no sudoeste do Colorado, para
B o CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLlTOS

ministros. Se não fosse pela família Sewell, ao menos do ponto de


vista humanO provaveltnenre eu estaria exercendo outra proflssão
l

em vez de ser pastor.


Também quero agradecer a Dave Goetz da revista Leadership
[Liderança] e da corporação Christianity Today [Cristianismo Hoje],
por sua amizade e sábios conselhos ao longo dos anos. Dave me
convenceu sobre a possibilidade do surgimento de um livro com
algumas de nossas experiências com partilhadas no trabalho da
igreja. Seu encorajamento, além da orientação técnica, ajudou a
escrevê-Ias.
Acima de tudo, agradeço a Deus pela companheira certa que
nle deu há vinte anos. Dedico este livro a rninha amorosa esposa
Suzanne. Ela escolheu viver o resto de sua vida comigo e recebeu
junto com isso o papel de mulher de pastor! Sem seu amor, conse-
lhos e amizade nunca teria chegado rão longe.
SUMÁRIO

lntroduçao 11

I. Expulso 15

2. Jogar machucado 27

3. Manter perfo os inimigos 37

4. Resistir ao impulso de revidar 45

5. Pregar durante controvérsias 53

6. Necessidades bmiliares 65

7. MalHcr o equilíbrio 73

8. Anjos na turbulência 81

9. O momento de retfoceder 91

1(). Livre da dor 101


INTRODUÇÃO

A lguns podem alegar que escrever um livro sobre o conAiro


no 111inistério é COl110 uma rllulher divorciada convidar seu
ex-marido para o jantar. Provavehncnte não haveria muita paz, nem
uma atmosfera saudável, durante a noite. Haveria um grande po-
tencial para que antigas hrigas fossem rctOlnadas, rnemórias dolo-
rosas descobertas c uma penosa dor na altna se intensificaria.
Ctlráter ilpelft'içotldo pelos cor~flíto5 não diz respeito a vencer bata-
lhas ou reiterar erros que sofri nas rnãos de membros de igrejas. Se
assim 6)sse, não seria um exercício útil. De fato, se esse fosse meu
propósito, seria evidência muito boa de que o conflito na igreja
havia ganhado vantagem enl minha alma.
'Iodo pastor cxperinlenta conHitos no ministério, e alguns 111Uito
severos. Creio que precisamos lidar com o conflito de maneira que
Deus possa trazer à nossa vida algo bom tirado de algo mau. Tiago,
innão de Jesus, estendeu-nos esta esperança quando escreveu:

Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de


passarem por diversas provaçocs, pois vocês sabem que a prova
da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve ter ar.;ão
completa, a fIm de que vocês sejam maduros e íntegros, sem
lhes bltar coisa alguma (Tg 1.2-4).

Muitos anos atrás, ouvi LIma afirmação de um pastor experiente:


"Na igreja de Jesus Cristo hoje, freqüentemente o conflito é a nor-
ma, enquanto a paz entre os irmãos é exceção".
12 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

A princípio entendi a frase COlllO um exagero ministerial. Po-


rém, mais tarde, reconsiderei minha conclusão. O conflito na igre-
ja não é onipresente ou a única condição das congregações em que
servimos, mas é inevitável e provavelmente mais conlUlll do que
gosraríamos de admirir.
Isso me confunde, especialmente quando abro os evangelhos.
No discurso do cenáculo, Jesus disse a seus discípulos: "A minha
paz lhes deixou". Disse que a arena de conflito deles seria o mundo.
O apóstolo Paulo escreveu que a paz é a marca distintiva do Reino
de Deus (Rm 14.17). De acordo com Gálatas 5.22, a paz também
resulra da ação do Espírito Santo em nossa vida. A grande herança
dos que possuem a jusriça de Cristo é a paz (Rm 5.1).
Por que, então, há tanto conflito na igreja?
Quando nossos dois filhos eram mais novos, passaram por um
período de brigas. Eles têm dois anos de diferença. Pareciam pensar
que Deus havia lhes dado um sparring para toda a vida. Um dia os
separei e perguntei:
- Por que vocês estão brigando tanto hoje?
O mais velho respondeu:
- Brigar significa que amamos um ao outro.
- Como assinl? - perguntei.
- Porque brigar é divertido! - disse sorrindo.
Às vezes penso que as pessoas eln nossas igrejas acreditam nisso
talnbénl. Não que call1inhern nessa direção intencional ou consci-
entemente. Há irmãos virtuosos que regularmente fazem nlais nlaI
do que bem, e ainda estão convencidos de sua defesa da verdade ou
da realização do que Deus pede. Dificilmente afastam-se de um
bom conflito. Em vez de se tornarem o sal que tempera o ministé-
rio da igreja, esses pilares de piedade podem ser lágrimas amargas
que secam nossa alma e nos deixam a ponto de abandonar nosso
chamado.
Por isso estou escrevendo este livro. Creio que nós pastores pre-
cisamos ser melhores ao lidar com o conflito na igreja, de maneira
a preservar a luz de Deus em nossa alma e o chamado de Deus em
INTRODUÇAO 13

nossa vida. Minha oração em defesa deste livro é que, de alguma


lnancira, quando o n1inisrro estiver na terra seca e árida do conflito,
possa encontrar uma fenda na rocha onde Deus nos auxilie por
lneio de seu profundo amor e nos proteja com sua lnáo. Son1ente
quando isto acontecer podercn10s continuar a experimentar sua graça
em nossa alma e ministrá-la em meio aos conflitos na igreja.
EXPULSO o
Q uando bati à porta sólida de carvalho do casal, uma mulher
respondeu. Seu marido estava ao telefone.
Seus olhos avermelhados indicavam imediatamente que aquela
poderia não ser UnlJ visita pastoral rotineira de un13 hora como
planejara. Rick c Becky eram novos na igreja, e queria conhecê-los
melhor. "Quase cancdalnos sua vinda aqui esta noite", ela disse
sem pensar. Rick e eu perdemos nossos empregos nesta Inanhã.
Nosso chefe nos procurou às nove horas e informou que, devido à
reorganização da companhia "para o benl de todos os interessados",
nós estávamos dispensados a partir de hoje.
O choque, disse ela, só foi ultrapassado pela falta de compaixão
da companhia - investiram quinze anos de sua vida nela. E sem
pensar ctn ninguém em particular, Becky perguntou com desespe-
ro: "Como podem crer que esta reorganização fosse o melhor para
rodos os envolvidos' Quem eles pensam que são?".
"Muito rultn que as corporações não lidem con1 demissões de
ulTla Inaneira I1lais cristã" - pensei.
Fiquei ali várias horas, IDas antes de sair sugeri não tomarem
qualquer decisão radical c, então, ajoelhei-me ao lado deles, termi-
nando com urna oração que iria me incomodar algunlas sclnanas
mais tarde.
Orei assim: "Senhor, ajude Rick e Becky a permanecerem abertos
a ti durante este momento difícil. Dê-lhes paciência para esperarem
16 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

em ti. Talvez esta seja a época quando tu os conduzirás a uma nova


e radical direção".
Após a oração, senti que nosso momento juntos lhes dera espe-
rança. Quando ia saindo nos abraçamos, e eles disseram: "Deus
sabia que não poderíamos ter cancelado este encontro com você
esta noite. Obrigado por seu encorajamento".
Era quase meia-noite. Ao dirigir para casa pela rodovia sinuosa e
iluminada pela lua, em silêncio agradeci ao Senhor pela visita pro-
videncial. Deus seria fiel durante aquela hora de agitação, acredirava
nisso firmemente, e poderia ser um momento de significante cres-
cimento para eles.
Tenho de admitir, entretanto, que minha mente também cogi-
tou outro pensalnento enquanto dirigia.
"Que bom que as chances disso acontecer comigo sejam remo-
tas", pensei. "É claro que muitos riscos acolllpanham o chamado
do pastor, mas ser mandado embora de surpresa não é um deles."
Senti-me confortado - ao menos estava livre dessa preocupação.
Seis semanas mais tarde, às 22h 15, nosso telefone tocou. Aten-
di, reconhecendo a voz do presidente do conselho.
Esrava esperando a ligação. O conselho estava reunido naquela
noite e haviam me prOlnetido informações após a reunião. Fiz UIlla
proposta aos líderes sobre como responder a alguns dos assuntos
transitórios enfrentados pela igreja. Informei-lhes achar melhor
renunciar à congregação dentro de seis meses, de maneira que outro
pastor pudesse trazer um novo começo para a igreja. Confirmando
minha decisão a um ministério debilitado por brigas, esperava usar
a transição para levar a cura tão necessária à congregação.
- O conselho pediu que ligasse para você esta noite - o presi-
dente começou - porque sou um grande amigo seu e minha es-
posa é sua assistente na igreja.
Quase sem respirar, continuou - o conselho pediu para in-
formar-lhe sobre a votação do término do seu período como
nosso pastor. Decidimos efetivar sua demissão planejada imedia-
tamente.
EXPULSO 17

- Quer dizer que o conselho está me mandando embota? -


fàlei hesitante.
- É claro que não - corrigiu. Estamos somente efetuando sua
demissão esta noite em vez de após seis meses.
- E como fica o voto dos dois membros ausentes) - repliquei.
Ele não foi dissuadido; minha demissão eta definitiva e imediata.
Na verdade, ele talllbém não queria prolongar essa dolorosa con-
versa. Concluiu da seguinte forma:
- O conselho acredita que esta é a decisão cerra e será a melhor
coisa para todos os envolvidos.
Ocorreu a lllim ter ouvido palavras semelhantes algu111as sema-
nas atrás.
Quando desliguei o telefone, t11inha esposa sentoU-se ao nlCU
lado na cama. MeSIllO tendo ouvido somente parte da conversa
não lhe custou imaginar o acontecido. Com nossos braços entrela-
çados, ficamos em proflJndo silêncio.
-Acho que nosso trabalho acahou por aqui - finalmente falei.
Com desespero na voz e lágrimas nos olhos, ela replicou:
- Como podem fàzer isso? O que vamos fazer'

DEPRESSÃO, DO TIPO "MO-L-IA")"

Descobrira em primeira mão que desemprego também atinge pas-


cores. No entanto, não se tratava de uma reestruturação corporativa.
Fui sumariamente despedido.
Na primeira senlarn senti-me vencido por uma depressão de
baixa intensidade, um sentimento de inlpotência. Por uma peque-
na provocação, ou por ncnhullla, gritava com rneus filhos ou ex-
plodia com minha esposa. Alguns dias sentava-me paralisado na
poltrona da sala, quase incapaz de responder ao telefone. O apoio
dos anligos parecia vazio.
"É fácil para você Etlar sobre a fidelidade de Deus, quando tem
seu emprego" - pensava.
Vários dias se passaram antes de fazer algo além de ficar olhando
para a floresta de pinheiros, da janela de nossa sala. Minha esposa
18 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLiTOS

finalmente persuadiu-me a sair da "poltrona da MO-I.-ZA"''', com o


seguinte convite: "Você iria comigo a urna caminhada no par-
que?" - então, comecei a recon1por-me. Não queria deixar a
segurança de minha poltrona, mas sua paciência com a minha
irrirabilidade fez-me sentir em débito com ela. Com relutância
cedi. Andando por trilhas naquela tarde, comecei a sentir-me
com esperanças pela primeira vez desde o recebimento do telefo-
nema.
Olhando para trás, tenho certeza de que navegar nas :íguas tur-
bulentas do desemprego seria mais fácil se eu conhecesse alguma
experiência anterior de desemprego como pastor. Mas nunca lera
qualquer coisa sobre o assunto. Precisava de ajuda para minhas in-
finitas perguntas diárias: "Como explicar para família, amigos e
colegas o acontecido? Como sobreviveríamos financeiramente até
achar outro emprego'''.
E, é claro, a pergunta fundamental: "O que Deus estaria tentan-
do me ensinar com essa terrível experiência?".
Quanto à primeira questão, sobre o que dizer à família e aos
amigos, decidimos ser abertos, dizer às pessoas que não estávamos
mais naquela igreja, ern vez de deixar as notícias correrern. Então
telefonamos para nossos familiares e amigos íntimos repetindo os
fatos sobre a quebra dos laços pastorais com a igreja. Não toi fácil.
O maior desafio foi ficar preso somente aos fatos. Rapidamente
descobrimos a ajuda provida por conversas breves. Quanro mais
falávarnos, lnais propensão tínhamos para criticar os rnernbros do
conselho ou extravasar sentimentos contraditórios.
Quando os vizinhos perceberam minha presença em casa todos
dias, informei-os com uma resposta adequada: "A igreja e eu decio
dimos juntos que seria melhor se eu me aposentasse rnais cedo".
Acei taram e raramente perguntaram detalhes.
A igteja prometeu um pacote de desligamento que nos ajuda.
ria financeiramente nas primeiras semanas. Infelizlnentc, por cau-
sa da queda na arrecadação e no declínio da freqüência, ela não
pôde cumprir sua promessa. Descobri isso quando nosso últi-
EXPULSO 19

mo cheque-desemprego veio somenre com merade da quanria


costun1eira. Não havia nenhu111a nota de observação acompa-
nhando o cheque ou uma ligação relefônica de aviso, somenre a
merade do valor do cheque. Mais uma vez senri-me irado e de-
sapontado.
Para suprir o que faltava financeitamente, tessuscitei minhas ha-
bilidades de carpinreiro e tornei-me um reparador. Suzanne tam-
bém pôde acumular um dia a mais por sen1ana no escritório onde
trabalhava meio período. O restanre foi providenciado por Deus
por meio de doaçôes especiais de amigos da igreja e da comunida-
de. 1ambém tivemos ajuda de um ministério do sudoeste do
Colorado, chamado Somcape, devotado a auxiliar ministros desilu-
didos com o ministério e suas esposas. Uma semana naquele lugar
nos fez começar a restaurar nossa caminhada com Deus, renovando
nosso desejo de servir.
Ao andar pelo vale do desemprego, comecei a aprender várias
lições importanres.

SR. MAMÃE

Quando perdi o trabalho no ministério não tive de lidar somenre


com a perda da autoconfiança e estabilidade financeira, mas tam-
bém com as perdas experimenradas pelos meus filbos, que estavam
na escola primária na época. Não conseguiam entender por que
não podiam ir mais àquela igreja e por que o papai não pregava
Il1ais aos domingos.
Durante as priIneiras seis semanas após a nlinha demissão,
Suzanne e eu fomos incapazes de ir a outra igreja. Primeiramente,
nossos dois garotos fIcaram entusiasmados corn o pensamento de
faltar à igreja.
"Vamos faltar à igreja amanhã de novo, papai'" tornou-se uma
rotinei ra pergunta de s<lbado;l noite. De algwua forma, sentiam-se
f~lzendo uma travessura, C01110 se estivessem escapando impunes de
algo.
20 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONflITOS

Tentamos explicar. "Para nós, ir a igreja é um pouco diferente


do conceito das pessoas freqüentadoras de nossa igreja" - disse-
lhes. "Não somente ffeqüentávamos a igreja, mas lá também era
onde eu trabalbava. E como não estou mais trabalhando lá, não é
bom freqüentarmos aquela igreja."
Não entenderam totalmente a relação entre as coisas. Mais tarde
perguntaram: "Por que não podemos cantar no coral das crianças,
que dará um concerto na pritnavera?", e "Por que não vanl0S ao
acampamento das famílias neste verão?".
Ainda que nossos garotos não pudessem compreender comple-
tamente o significado de rninha demissão, acreditávamos ser itn-
portante mantê-los informados. Nossa comunicação aberta parecia
acalmar a agitação causada pela perda de meu emprego.
Também descobrimos um livro que apresenta perguntas básicas
que pais desempregados podem não imaginar que seus filhos pos-
sam fazer. When a parem loses a job [Quando um dos pais perde o
emprego], publicado pelo National Childhood GriefInstitute [Ins-
tituto Nacional da Infância em Sofrimento], na cidadc de Edina,
no Estado de Minnesota, ajudou nossos filhos a enfrentar a gama
de emoções associadas a minha perda de emprego. F. comum a
perda de emprego desencadear problemas familiares e até levar ao
divórcio. Mas não precisa ser assiln. Pode ser o momento para a
família ficar junta e para as crianças ajudarem os pais a aceitar um
pouco do sofrimento ao compartilh,\-lo. A imaginação das crianças
vai longe. As crianças podem acreditar que coisas piores vão aconte-
cer e imaginar-se culpadas pelos problemas.
Ao observar seus pais, as crianças podem aprender liçôes impor-
tantes sobre conlO Inanter a esperança e a fé. Antes de ir para a
cama, por exemplo, nossos garotos regularmente oravam pedindo
pela ajuda divina nesta situação diHcil. Certa noite, nosso filho mais
novo pediu o seguinte: "Deus, ajude o papai a encontrar outra igre-
ja onde possa ser pastor e ajude-o a não atropelar (com o carro) os
membros do conselho". Os garotos tinham noção das minhas ne-
cessidades, e senso de humor.
ExPULSO 21

Adolescentes, particularmente, podem fazer parte de muitas


discussões de família sobre a perda de um emprego. É claro, a dis-
crição deve ser usada, sem detalhamento quando as crianças estão
l

presentes. Com oossos filhos pré-adolescentes, por exemplo, mi-


nha Inulher e eu nunca usamos nomes de mernbros do conselho.
Embora os garotos flcassem curiosos, achávamos desnecessário o
conhecimento de quais pais de seus amigos decidiram demitir-me.
Os garotos sofreram durante o tempo de adaptação à nova situ-
ação financeira. "Papai agora valnos ser pobres?" tornou-se uma
l

pergunta freqüente. Assegurei-lhes que Deus proveria nossas neces-


sidades. Decidimos compartilhar com eles as várias maneiras provi-
denciadas por Deus para suprir os recursos financeiros. Quando
recebíamos um bom cheque de um vizinho cristão pelo correio,
imediatamente mostdvamos aos garotos a carta e o cheque.
O fato de estarmos com o orçamento apertado também ajuda-
va nossa família a discernir rl1ais cuidadosanlente entre necessidades
e vontades. Todos reconhecemos a urgência do replanejamento das
férias de verão. Perguntamos aos garotos:
- Embora não tenhatnos grandes férias neste verão vocês ain-
l

da imaginam ter o que precisam'


- Bem, sim. - responderam - Mas não vemos a hora de
você conseguir um enlprego para poder comprar um brinquedo
novo.
Em vez de deixá-los fora do acampamento da igreja, de que tanto
gostavam, engolimos nosso orgulho e pedimos ajuda financeira.
Meu desemprego foi uma ótima oportunidade para eu passar
muito tempo com meus filhos. Aprendi a arte de dar e pegar carona.
Levar meus filhos até o ônibus escolar tornou-se o ritual nlatinal.
Uni-me a várias mães da escola de nosso filho mais novo para levar
os garotos em uma excursão chamada "um dia em Denver". Nosso
filho era o mais orgulhoso da classe naquele dia, o único que teve o
pai junto.
Minha mulher também me via mais. Coisas sobre as quais haví-
amos somente conversado antes agora fazíaInos: andar de bicicle-
l
22 O CARATER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

ta, jogar tênis, carninhar, aln10çar juntos. Essas atividades nos apro-
ximaram muito naquele momento difícil. Sem o apoio de Suzanne,
meu desemprego teria sido negativo em vez de positivo para os
relacionamentos de nossa família. Embora nosso dinheiro estivesse
curto, tínhamos tempo de sobra, e decidimos gastá-lo livremente
um com o OUtro. felizmente tínhamos casa própria e não sentimos
pressão imediata para mudarmos. Pastores que vivem na casa pas-
toral devem lidar com situações muito mais complexas, tais con10
encontrar um local para mudar de imediato e deslocar a família
para outro lugar. Não precisamos privar nossos filhos da escola e
dos amigos.

NÃo TÃO PESSOAL

o fato de ter sido despedido fez-me sentir um fi'acasso total. Mi-


nha tendência era aceitar toda a culpa ou jogá-la sobre o conselho.
Nenhuma das posturas ajudava. Tive de reconhecer a necessidade
dos dois para que haja uma briga c para que cada um tome o seu
caminho.
Comecei a enumerar mentalmente algumas das lições dessa pro-
vação, tentando analisar o que poderia ter feito de forma diferente
ou melhor. Este processo ajudou. Reconheci minha culpa parcial
em relação ao fracasso, e isto era tudo o que Deus estava pedindo
para eu aceitar.
Reconheci que outros também tioham parte da culpa. Registrei
acusações iracundas em meu diário naqueles primeiros dias após a
demissão: "Como aquele conselho pôde ser tão cego e dono da
verdade?". Mas ao passo que a tinta fluía da caneta para o papel, um
pouco da ira da minha alma saía também. Reconheci a necessidade
de ter me comunicado mais ahertamente com o conselho sohre os
problemas profundos da igreja. Também deveria ter visto o conse-
lho, os assistentes e a mim mesmo como companheiros de equipe,
em vez de oponentes.
Ninguém jamais leu as palavras escritas por mitn, mas ao revê-
las agora, reconheço corno o rneu diário tornou-se meu terapeuta.
EXPULSO 23

Escrever no diário pernlitiu-nlC expressar pensanlentos e sentinlen-


tos injustos. Ao fazê-lo, questões como responsabilidade pessoal,
perdão, aceitação e confiança vieram à tona.
A perda de meu emprego demonstrou de maneira dura a inca-
pacidade de controlar a minha vida - mas precisava administrar o
que podia. Por causa das exigências do ministério, tinha negligenci-
ado atividades apreciadas.
O tempo de desemprego pode ser uma oportunidade para a
alimentação e o exercício adequados. Aperfeiçoar habilidades ador-
mecidas, cultivar um hobby e divertir-se não são coisas pecamino-
sas. Antes de nosso cheque-desemprego acabar, dei andamento a
vários projetos encostados de marcenaria. Construí um novo ba-
lanço para a varanda e uma mesa de piqueniques. Nossa garagem
nunca ficou tão organizada e a lista da lllinha mulher de coisas
para consertar finalmente foi concluída.
Investi mais tempo com minha família e com Deus. Após aque-
la terrível ligação telefônica, um dos primeiros amigos com quem
ainlocei desafiou-me a me aproximar do Senhor mais do que nun-
ca. "Só porque você se sente excluído da igreja neste momento, não
significa que o Senhor não queira a sua amizade" - disse.
foi um bom conselho. Usava a primeira hora do dia, após os
garotos saírem para a escola, com o Senhor, e de fato isso mos-
trou-se uma bênção. Em vez dos dez ou quinze minutos rápidos
de devoção selnpre feitos enllneu escritório, podia agora pergun-
tar coisas ao Senhor e ouvir respostas; lia capítulos em vez de
versículos e descobri a alegria de usar um hinário para ter comu-
nhão com Deus.

Foco NA FAMíLIA

Minha esposa observou que quando cu, como pastor, perdi meu
emprego, perdemos mais do que um salário. Perdemos também
nossa família da igreja, a mesma comunidade de outras pessoas de-
sempregadas que ainda podem se aproxilnar dda para encontrar
conforto, cOlnpreensao e encorajamento.
24 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

freqüentar uma igreja era algo que precisávamos resolver. Du-


rante as seis primeiras semanas após a minha demissão, não tive-
rnos o desejo de colocar os pés en1 uma igreja. Aceitamos nossos
sentimentos c nos permitimos aproveitar o domingo assim COll10
nossos vizinhos não-freqüentadores da igreja. A única diferença era
o 1l1on1ento de culto crn família, nos sábados à noite ou nos do-
mingos pela manhã, após o cafe. Então, usávamos o domingo como
dia de descanso familiar.
Quando finalrnente nos sentitnos confortáveis para ir a un1 cul-
to público, procuramos uma das maiores igrejas da região, onde
pudessemos ficar no anonimato. Foi uma boa ideia. Tanto Suzanne
quanto eu sofremos nos primeiros cultos. Tenho certeza de que as
pessoas sentadas ao nosso redor perguntavam-se qual seria nosso
problema, mas ao menos pernlitiam nossa reserva.
J-<inaln1ente estávamos prontos para estabelecer alguns relacio-
namentos pessoais nas nossas experiências de culto público. Foi
quando começamos a freqüentar uma grande igreja onde conhe-
cíamos algumas pessoas. Ficamos ali agradecidos por encontrar
liberdade e recobrar nossas forças sem qualquer pressão de envol-
vifnento.
Para completar nossa freqüência esporádica à igreja precisamos
do apoio de an1igos cristãos. Eu e Suzanne f011105 convidados a
participar de dois grupos pequenos. Embora tivéssemos recusado a
participação selnanal nos encontros, ocasionallnente nos reunÍan10s
com eles e era algo encorajador. Sabíamos de suas orações por nós
e, quando Ían10S às reuniües, nos sentíalnos aceitos e incondicio-
nalmente amados.
Embora a última coisa que tivesse vontade de fazer fosse falar
sobre como fui despedido, esta não era hora de ficar isolado. Des-
cobrimos haver pessoas em nossa antiga igreja que nos amavam e
estavall1 chateadas com a tninha demissão. Queriam nos dar apoio,
mas precisavam de nossa permissão para fazê-lo. Iniciamos contato
com eles e aceitamos a aproximação.
ExPULSO 25

Na igreja que servi, outros dois homens haviam perdido seus


empregos recenremente. Encontrava-me com eles regularmente para
apoio n1útuo e encorajamento. Quando un1 deles conseguiu Uln
emprego, seu sucesso aumentou nossa confiança de tambéln ver-
mos Deus agir.
Dutante as semanas finais de batalha em nossa igteja, decidi dei-
xar o lninistério pastoral após lninha demissão. Concluí: "Nenhum
emprego vale isto".
Minha mulher descreveu melhor o meu sentin1ento: "É colno
se nossa vida tivesse sido arruinada". Era con10 se alguém tivesse
invadido nossa vida, roubado nossos bens mais preciosos e avaria-
do o que nos era mais caro. Nossa confiança nos cristãos evaporo ll-
se, assim como nosso a1l10r para dar e servir. A idéia de considerar
ourra igreja era impossível; simplesmente não tínhamos mais nada
para oferecer.
Semanas após 1l1inha delnissáo, no entanto, o Senhor me fez
repensar sobre aquela conclusão. A primeira pessoa usada para isso
foi un1 professor do senlinário que encontrei. Mencionou ter ouvi-
do a notícia de minha demissáo. Após me consolar por alguns Ini-
nutos. disse:
- Espero que não deixe o pastorado; a igreja precisa de pastores
como você.
- Talvez você não entenda o que passan10S; todas as pressões e
exigências do ministério da igreja - repliquei. É bem diferente de
ensinar em um seminário, onde todos manifestam uma significante
maturidade espiritual.
- Nenhum serviço ou ministério vale a perturbação e a dor de
caheça que experin1entei no ano passado - continuei. Deve haver
outro modo aceitável para servir ao Senhor sem ser pastor eIl1 mna
igreja local.
Repetidas vezes, no entanto, a mensagem do professor era reite-
rada com palavras diferentes de conhecidos meus que observaram
meu lninistério durante anos. Conversar COIl1 quen1 tinha fàmilia-
ridade com meu ministério fez-me reconsiderar o meu chamado.
26 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Tinha de vencer o meu medo de pedir avaliações transparentes de


meus dons, habilidades, da minha efIcácia e do meu chamado.
Personalidade, temperamento e teste vocacional também eram
de muita ajuda. Eu e minha mulhet tecebemos essa ajuda no retiro
no sudoeste do Colorado.
Uma pergunta inquiridora de um amigo também ajudou a mi-
nha reavaliação: "Se Deus lhe desse qualquer habilidade desejada e
o abençoasse com sucesso, o que você faria para ganhar a vida?".
Cada vez que tespondia aquela questão, set pastor estava em
primeiro lugar na minha lista. Quanto mais o tempo passava, mais
acreditava na vocação divina para servir C0l110 pastor. Seis meses
após minha demissão, tornei-me pastor-auxiliar da igreja que fre-
qüentával110S.
Quando saí da residência daquele casal que perdera seu empre-
go, o conselho oferecido naquela noite era acadêtnico c não experi-
mentado. Mas isso não acontecia mais. Minha vida mudou para
sempre. O desemprego, descobri, pode ser redimido por Deus, ao
fazer alguém concentrar-se no clel11cnto mais precioso de nosso
relacionamento: a fidelidade divina.
O conflito na igreja, conclUÍ, pode ser a ferramenta mais eficaz
para Deus moldar nosso caeiter. Essa é a tese deste livro. Tanto no
exell1plo específico de minha dcnússão quanto no conflito diário
do ministério pastoral, descobri a operação de mudanças em mim.
Não teria escolhido este caminho, mas a frustração, a dor e a soli-
dão do conflito foram usadas por Deus para desenvolver a minha
alma.
JOGAR MACHUCADO

R ecentcrnente li sobre um jogador profissional de hóquei. Ele é


uma das estrelas do time da Liga Nacional de Hóquei, na re-
gião onde moro. A medida do valor daquele homem como joga-
dor de hóquei não se devia ao seu salário, ao núrnero de pontos
marcados, ou ao tempo CIn campo. Antes, o jornalista desportivo
local destacou-o por sua capacidade de "jogar mesmo machucado".
Analise os sintomas deste atleta depois de receber uma pancada
no primeiro tempo de jogo, em uma recente partida de hóquei:
não podia respirar profundamente, teve machucados sérios no tronco
e seu ombro e costelas doÍaln C01110 se tivessem passado por um
rnoedor de carne. A descrição dos seus ferimentos me assustou:
"Não podia respirar. Tive a sorte de minha cabeça não parar no
chão. Poderia esrar quase mono".
Não poderia mais jogar aquela partida.
Agora, considere o prognóstico para esse atleta: esperava-se seu
retorno àquela posição após a ausência em um OlI dois jogos, no
máximo. Para os atletas, jogar machucado é questão de honta, re-
flexo da medida de suas intenções. O time precisa deles. Eles de-
vern competir no evento. A rnissão deve ser cumprida.
Isso tanlbém é verdadeiro no ministério. Às vezes, precisan10s
jogar mesmo machucados. Aliás, freqüentemente jogamos machu-
cados. É como considero, em alguns dias, o trabalho pastoral. Os
conflitos na igreja deixam cicatrizes; algumas delas nunca saram
28 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

plenamente. Urna alma ferida não sara rapidamente, n1as a D1aioria


de nós precisa pôr comida na mesa - vamos todos os dias ao tra-
balho que nos causa dor. Permanecer no rrabalho pastoral significa
jogar machucado.
freqüentemente sornas chamados a pregar, orar, ensinar, visi-
tar, aconselhar, casar e realizar funcrais, estando com o coração
ferido.
Tenho um all1igo com quase oitenta anos, pastor aposentado,
ainda forte apesar da idade. Muitas vezes conversamos sobre os la-
do., bom e mau do ministério. Uma de suas afirmações permane-
ceu comigo: ele me disse após avaliar quantitativan1ente seus anos
de lninistério, a parte boa excede a má. E, então, continua: quando
faz a mesma avaliação da perspectiva qualitativa, o bom não est:'
assim tão longe do 111JU. E 111ais: diz ter perseverado porque se
apoiava na esperança expressa pelo apóstolo Paulo, de que à luz da
eternidade, "... nossos sofrimentos leves e momentâneos estão pro-
duzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos
eles" (lCo 4.17).
Em minhas leituras bíblicas, comuna ficar impressionado com a
minha vantagem aparentell1ente injusta sobre os santos da Escritura.
Quando leio relatos sobre Noé, Abraão, José, Davi, Jó, e muitos
outros, sei o final da história. (~ueln vive as histórias, naturalmente,
não teve essa perspectiva. Tinham dúvidas sobre o destino durante a
jornada. Não sabiam os desígnios de Deus.
Assim vivemos a vida. Também não sabemos os detalhes do fim
de nossa história. Somos chamados para viver fielmente sem saher
C0l110 nossa história terminará. Aplicado ao ministério, somos cha-
mados para jogar machucados, sem saber quando, ou se nos senti-
remos melhor.

POR QUE É TÃO DURO?

Com o passar dos anos orientei vários jovens desejosos de ser pas-
tores ou ter outra vocação ministerial. Não é incornum para 111im
ouvir deles após algum tempo no trabalho ministerial: "Não agüemo
JOGAR MACHUCADO 29

mais isto. Por que você não Ine contou que a vida no ministério
poderia ser tão brutal?".
Ao ouvir seus questionamentos e incertezas sobre seu chamado,
geralmente lhes faço uma pergunta, a qual já me fiz inúmeras vezes:
- Você i,i se questionou o porquê de Deus não cuidar melhor
de nós no ministério~
Surpresos de lhes fazer tal pergunta, normalmente respondem:
- Siln, já fiz tal pergunta, C01110 você sabe? Pensei que nin-
guém mais levantasse tal questão!
Se estivesse no lugar de Deus, fazendo seu trabalho por algum
tempo, iria 111e assegurar de proporcionar um cuidado especial para
os que estão na linha de frente do ministério. Mas Deus parece não
Etzer isso. Achamos não existir muito favorecirnento para ministros
vocacionados. Às vezes, parece que não va1110S .'lupanar a dor.
Nem todo pastor que está lendo minhas palavras será capaz de
dizer: "Passei pelo conflito e emergi melhorado, e não amargurado,
curado por meio da dor". Há vezes em que a palavra curar, desafian-
do a definição, parece longe de nós. Algumas vezes petguntei se
algum dia me sentiria completo novamente. Não renho chavões
piedosos.
Tenho unl drnigo que orientei durante seus anos de seminário.
Permanecemos em contato hei quinze anos, desde sua graduação e
seu primeiro pastorado. Muitas vezes, ele comenta sobre sua atual
igreja: "Sinto-me travado aqui. Essas pessoas não querem progre-
dir; querem só suprir suas necessidades c, depois, exigir mais ainda.
Querem tanto, pagam tão pouco e, então, chutam-me quando es-
tOU desanimado. Sinto-me usado e abusado por elas, mas Deus
não parece fãzer qualquer coisa sobre isto".
Se meu amigo lesse esre livro poderia perguntar: "Mas o que
você faz com as feridas não curadas? Quando estão cicatrizando,
alguém venl e arranca a casquinha".
Ouvi meu amigo parafrasear tanto as palavras de Já, que as me-
morizei: "Como dois e dois são quatro, assim o pastot também
está destinado a ser usado e abusado".
30 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Pela graça de Deus achei a cura para o conflito na igreja e a espe-


rança que o excede. Mas isso aconteceu ao desenvolver uma teolo-
gia do conflito na igreja. Não eliminou a dor, mas ajudou-me a
seguir adiante quando estava no meio da luta.

GRAÇA PLENA

o apóstolo Paulo aprendeu que na sua fraqueza a força de Deus era


evidente. Deus não removeu a dificuldade. Ao contrário, Deus ofe-
receu a Paulo a garantia de que" Minha graça é suficiente para você,
pois o meu poder se aperfeiçoa na traqueza" (2Co 12.9). Nossa
esperança não é tanto a remoção da dificuldade, mas a força divina
no momento exato de Slla necessidade. Isso não é muito conforto
por um lado - quero alívio das críticas constantes - mas, por
outro, a promessa da força de Deus significa tudo.
Outro aluno que orientei há alguns anos confidenciou-me te-
l11er levantar-se para pregar ern sua igreja por causa da ira e rnágoa
sentidas. Preocupava-se em dizer algo de que se arrependeria. Para
seu assombro, descobriu que enquanto lutava contra a ira e o res-
sentimento, Deus continuava a falar uma mensagem poderosa e
clara à congregação a cada domingo. Meu amigo se perguntava como
aquilo acontecia, quando acreditava proferir muitas daquelas men-
sagens na fraqueza de sua carne.
Descobriu a permanência do poder de Cristo nele, mesmo em
sua fraqueza. Não acho que Deus estivesse desculpando o ressenti-
rnento do rneu amigo, nem sua incapacidade para perdoar seus ini-
migos, ou seja qual fosse sua parte no conflito. Mas a graça de Deus
ainda operava em sua vida. Assim como meu amigo era fiel à tarefa
da pregação, Deus era fiel à sua Palavra.
Acho mais estimulante ler sobre os infortúnios do apóstolo
Paulo do que, talvez, sobre qualquer outra personagem bíblica. Suas
palavras e seu exemplo ajudam-me a seguir em frente. Paulo reco-
nheceu o valor da mensagem do Evangelho que lhe fora confiada
como servo de Jesus Cristo. Reconheceu sua fraqueza c ti'agilidade
para a tarefa. Com base neste entendimento, escreveu:
JOGAR MACHUCADO 31

Mas temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que


este poder que a tudo excede provém de Deus, e não de nós.
De todos os lados somos pressionados, mas náo desanima-
dos; ficamos perplexos, mas náo desesperados; somos perse-
guidos, mas não abandonados; abatidos, mas rúo destruídos.
Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que
a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo (2Co
4.7-10).

Embora os conflitos rasguem o coração, Deus nos dá seu podet


para fazermos sua obra. Isso nos desnuda do orgulho e da auto-
suficiência ~ algul11as vezes sigo adiante em meu serviço C0l110
pastor enl fraqueza total, rnovendo-111c unicamente no poder de
Deus. Paulo parece indicar que esta é a norrna, e não a exceção:

Traí'..cmos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que


a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo. Pois nós,
que estamos vivos, somos sempre emregues à morte por amor
a Jesus, para que a sua vida também se manifeste em nosso
corpo monal (2Co 4.10-11).

Com Cristo nunca estamos desprovidos de esperança, abando-


nados à própria força. Deus nunca nos desampata. Nossa fraqueza,
nossas feridas e fragilidade são oportunidades de experimentar o
poder e a presença de Cristo em nós.
ErTI meus primeiros anos de ministério pastoral experimentei
tudo isto de uma nlaneira que nunca mais me esqueci. Servia enl
uma igreja fora do país c fui fustigado por lutas constantes com um
jovem casal que me criticava e era contra nossa igreja. Temia até o
fàto de vê-los aos domingos pela manhã. Aquilo não parecia nada
etn relação às suas expectativas.
Por sugestão de um amigo da igreja, um líder leigo, programei
uma visita a esse casal para Ul11a terça-feira de 111anha. Ao atravessar
a cidade de bonde até o apartamento deles, a ansiedade me impor-
tunava e comecei a me arrepender de ter 111arcado o encontro. Es-
32 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONfliTOS

perando que Deus conflrnlasse meu vacilo e lne perlllitisse voltar,


abri minha Bíblia enquanto o bonde ruidosamente se arrastava por
ruas estreitas em direção a meu temido destino.
Duas paradas antes da minha, li o seguinte:

Mas agora assim diz o Sr:-:1l0R, aquele que o criou, ó Jacó, aquele
que o formou, ó Israel: "Não tema, pois eu o resgatei; eu o
chamei pelo nome; você é meu. Quando você atravessar as
águas, eu estarei com você; quando você atravessar os rios, eles
não o encobrirão. Quando você andar através do fogo, não se
queimará; as chamas não o deixarão em brasas. Pois eu sou o
SENHOR, o seu Deus, o Santo de Israel, o seu Salvador; dou o

Egito como resgate para livrá-lo, a Etiópia e Seb,i em troca de


você" (Is 43.1-3).

Naquele momento senti a presença de Deus, corno se seu poder


não estivesse só dentro de mim, mas ao meu redor.
Naquele dia meu relacionamento com aquele casal começou a
nludar. Durante os quatro meses seguintes experinlentalnos uma
renovada aInizade e parceria no ministério.

IDENTIDADE SOFREDORA

Lembro-me como se fosse esta manhã a primeira vez que li as pala-


vras de Paulo em filipenses 3.10-11: "Quero conhecer Cristo, o
poder da sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tor-
nando-me como ele em sua morte para, de alguma forma, alcançar
a ressurreição dentre os lnortos".
Como pôde Paulo honestanlente escrever isso?
Estava na f:lCuldade quando senti a alegria de servir a Cristo:
certamente não estava interessado em saber muito sobre o sofri-
Inento. Duas décadas lllJis tarde eu e minha nlulher participáva-
mos de um culto de Sexta-Feira Santa. Eu havia renunciado
recentemente ao pastorado na igreja onde ministrava. Estava fora
do pastorado. Suzanne e eu ainda estávamos chocados pela dor e
desilusão dos últimos dois anos.
JOGAR MACHUCADO 33

Participar do culto naquela Sexta-Feira Santa, me fez começar a


entender as palavras, até então, confusas do "PÓS tolo Paulo. De
meu sofrirnento por Cristo veio un1 entendimento mais profundo
do sofrimento que cle suportou para obter minha salvação. Não
pude escapar ao pensamenro de que se Jesus havia sofrido tanto
assim por mim, não tinha cle o direito de me pedir para participar
daquele sofrimento?
Cheguei ao entendimento mais profundo do amor de Deus por
mim - Onls realizou tudo para trazer-nlc para sua fanlí1ia. Assim,
pude suportar momentos de sofrimento, sabendo que isso faz par-
te do senhorio de Cristo em minha vida.

APRENDENDO A CONFIAR E OBEDECER

Uma verdade final da Palavra de Deus que me sustcnta em meio ao


conflito, em momentos de "jogar machucado" é; até Jesus, o Filho
de Deus, "embora sendo Filho, ele aprendeu a obedecer por meio
daquilo que sofreu" (Hb 5.8). Jesus não estava seguindo um rotei-
ro. Ele viveu plenamente sua vida, escolhendo a obediência em cada
situação. Os evangelhos registram como algumas dc suas cscolhas
resultaram em sofrimento, mesmo para o Filho de Deus. Mas foi
daquele sofrimento - aruar machucado - que Jesus aprendeu
rnais sobre a obediência contínua à vontade de seu Pai.
fiquei impressionado com essa verdade na vida de Gladys
Aylward, missionária na China durante e depois da Segunda Guer-
ra Mundial. O ministério de Gladys na China foi descrito no filme
The irm o[the Jixth happiness [A pOUJrlda drl sextrl ftlicidade]. Ela
sofreu terrivelmente durante sua viagem por entre as montanhas da
China par" levar cem órfãos em segurança até Sian, em Shensi. As
crianças, entre quatro e quinze anos de idade, foran1 salvas por cau-
sa da obediência fiel de Gladys a Deus.
Mas não foi sem custo.
Quando Gladys chegou em Sian com as crianças, estava grave-
mente doente e quase delirante. Sofrera ferimentos internos de uma
34 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

surra dada por invasores japoneses na propriedade da missao em


Tsechow. Além do mais, teve febre reincidente, tifo, pneumonia,
desnutriçao, choque e fadiga.
Apesar de sua provaçao, Gladys aprendeu a escolher Cristo sobre
qualquer outra coisa oferecida pela vida - tanto que quando o ho-
mem que a amava, coronel Linnan, veio visitá-la em Sian enquanto
ela se recuperava, e a pediu em casamento, Gladys nao aceitou. Em
seu coraçao sabia que nao poderia se casar com ele e continuar a obra
que Deus tinha para ela entre as crianças da China. Pela obediência a
Deus despediu-se de Linnan na estaçao de trem de Sian e nunca mais
eles se viram de novo. Gladys continuou servindo a Deus fielmente
na China e na Inglaterra até sua morte em 1970.
Por meio de nossos sofrimentos no ministério, Deus quer au-
mentar nossa maturidade em Cristo. Hoje sou mais capaz de con-
fiar em Deus e obedecer por causa de minhas experiências dolorosas.
Críticas duras recebidas no passado ensinaram-me a escutar mais e a
responder de maneira mais suave a meus críticos de hoje. Do sofri-
mento aprendi mais sobre obediência.
Recentemente um homem de nossa igreja disse em uma reunião
que eu havia mentido à congregaçao durante um sermao. Houve
um tempo em minha vida em que não o deixaria terminar sua frase
antes de questioná-lo e colocá-lo em seu devido lugar. Mas, às ve-
zes, há sabedoria em permanecer silencioso diante de nossos acusa-
dores. Nunca tive chance de responder às suas acusações. Uma pessoa
após outra levantou-se, confrontou suas declarações errôneas e de-
safiou suas acusações ásperas. Sua resposta depois das repreensões,
foi: "Acho que fui precipitado em minhas conclusões e áspero em
meus julgamentos". Entao, virando-se para mim, falou: "Sinto
muito pelo que disse".
Estou aprendendo mais sobre o significado de permitir que Deus
seja meu defensor, em vez de saltar em defesa própria. É difícil
confiar em Deus com relaçao a esse assunto, mas faz parte da obe-
diência, permite o cumprimento de seu plano em minha vida e por
meio dela.
JOGAR MACHUCADO 35

Atuar machucado no trabalho pastoral não é o ideal de diverti-


mento de ninguém. De alguma maneira, por meio da dor e da
perseverança podemos descobrir a verdade que Paulo expressou tão
eloqüentemente:

Não só isso, mas tamhém nos gloriamos nas trihulações, por-


que sabemos que a trihulação produz perseverança; a perseve-
rança, um caráter aprovado; c o caráter aprovado, esperança. E
a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu
amor em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele
nos concedeu (Rm 5.3-5).
MANTER PERTO OS INIMIGOS

E stava em meu novo pastorado há mais ou 111cnos três meses


quando um dos memhros-fundadores da igreja, um leigo, con-
vidou-me para almoçar. "Parece-me", começou ele, "e já conlIrmei
isto com outras pessoas importantes da igreja, que você provavel-
mente não é a pessoa certa para este trabalho".
Destacou algumas mudanças feitas por mim nos cultos, insigni-
fiGll1tes, e corno isso havia ofendido algumas pessoas envolvidas
C0111 111ÚSICa na igreja.
"Na verdade", disse, "há muitas pessoas na igreja que não gos-
tam de você ou do rumo dado à igreja. E não tenho certeza se
essas pessoas permanecerão nela se você ficar".
Este é um outro exemplo do que contei no capítulo 1. Talvez
losse o prenúncio do futuro. Isto nem passava pela minha cabeça
na época. Após minha saída forçada, percebi ter ignorado, evitado,
ou ainda, não reconhecido um papel chave da liderança: como pas-
tor, devo manter bons relacionamentos com todas as pessoas da
igreja, mesmo quando 101' muito difícil. Posto de modo claro, devo
orientar pessoas que não gostam de mim - c aqueles de quenl eu
tanlbérn não gosto.
Isso é llIn grande desafio, especialmente quando você está exaus-
to, inseguro e a ponto de desistir de tudo. Outro desafio pode ser
adlnitir honest31TICI1te não gostar de certas pessoas na igreja. Tenta-
mos acreditar que amamos todos os filhos de Deus.
38 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Parece ser normal em rodas as igrejas a exisrência de algumas


pessoas difíceis de gostar, e em conseqüência difíceis de guiar. Po-
rém, nao cuidar de quem nos persegue somente tornará as coisas
piores no futuro. Nossos instintos nos levam a evitar o desconfor-
ro, mas isso pode ferir nossa eficácia como líderes.
Em nenhum lugar nas Escrituras sou instruído a pasrorear so-
mente a ovelha agradável.

RESISTA AO QUE É NATURAL

No ministério, Elzer o que ven1 naturahncnte é muitas vezes a lnc-


lhor opção. Ao lado da cama de um doente em um hospital, junto a
famílias em um funeral ou compartilhando o Evangelho com um
descrente, meus instintos pastorais geralnlcnte me guiam na direçao
certa. No entanto, isto não é verdade quando orientamos pessoas
difíceis. Uma de minhas reações naturais é distanciar-me delas.
Portanto, tive de aprender a procurar pessoas difíceis e gastar
alguns lnomentos em conversa COIn elas.
Recentemente, urna mulher em nossa igreja tornou pública sua
opinião ao dizer que eu havia tomado uma atitude com hase na
raiva e no rigor. Ela pronunciou suas críticas após nlC mandar uma
carta desculpando-se por seu papel na questão e elogiando-me pela
maneira corno havia lidado com o assunto!
Quando a encontrei em um evento da igreja dias depois, passou
por mim sem dizer nada além de "oi". Poderia ter deixado aquilo
passar e racionalizado que a frieza era seu prohlema. Em tais situa-
ções geralmente penso: "Ela vai superar o caso". Queria ignod-Ia,
deixá-la de molho e esperar que viesse até mim.
Em vez disto, decidi não ti,zer o que para mim seria o mais
natural. Tive praticamente de persegui-la pelo corredor. Quando
a alcancei não a confrontei con1 suas ações ou COIn a raiva contra
mitn; conversei an1igavelmente, deixando claro meu desejo de
aproximar-me dela.
Foi maravilhoso o que aqueles dois minutos produziram. Aca-
bamos rindo sohre um comentário de um de seus tIlhos naquela
MANTER PERTO OS INIMIGOS 39

semana. Ela se despediu de mim com um abraço e dirigiu-me um


olhar que transmitiu um "obrigado por convetsar comigo; eu esta-
va precisando disto".
Mesmo que o nosso contato com a pessoa não resolva o proble-
rna, construirá uma ponte, en1 vez de unla parede entre nós. Há
alguma coisa positiva e tetapêutica no contato face a face com pes-
soas em desarmonia conosco.

CONVITE PARA UMA CONVERSA SÉRIA

Quando enconttei aquela mulher outra vez estávamos dispostos a


conversar com nlaÍs tranqüilidade. Então, levantei o assunto de nosso
conflito. Meu propósito não era defender um ponto de vista ou
acrescentar algo ao assunto. Simplesmente disse: "Estive pensando
em como você tem lidado com a sua frustração. Saiba que me
importo con1 isso".
O segundo contato foi mais fácil para nós dois e transmiti-lhe o
desejo de conversar sobre a questão. O assunto não precisaria ser
ignorado. É importante as pessoas saberem que mesmo assuntos
referentes a conflitos podem ser discutidos; não precisam pôr fim a
um relacionarnento.
Tive muitas diferenças de opinião com um casal sobre o esti-
lo de nosso culto. Encontrei-me com eles algumas vezes para tà-
lar especificamente sobre a questão. Continuamos discordando.
Encontramo-nos regularrnente e, às vezes, quando conversamos
sobre algo não relacionado ao culto, intencionalmente puxo o
assunto. Às vezes, pergunto assim: "Gostaria de saber se vocês
têm notado alguma diferença positiva nos cultos ultimamen-
te?", ou: "Vocês gostaram do fato de termos cantado mais hinos
hoje?" .
Não estou tentando causar controvérsia; simplesmente quero
informar que não h:í problemas em conversar sobre algo acerca do
qual discordamos. Podemos discordar e ainda assim trabalhar-
mos Juntos.
40 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONfLITOS

MANTENHA AS BRIGAS PARTICULARES, PARTICULARES

Um de meus grandes erros na ,irea de relacionamentos surgiu


cln unla reunião da igreja. Ulna pessoa havia refutado várias ve-
zes minha ênfase no evangelismo. Em uma reunião administra-
tiva o assunto "evangelismo" surgiu e muitas pessoas expressaranl
seu cntusiaS1110 sobre C01110 a igreja estava finalmente se expan-
dindo.
Aproveitei a oportunidade e disse: "Há algumas pessoas na igre-
ja julgando esrarmos perdendo mais pessoas que ganhando, pelo
grande foco no evangelismo".
Quase todos reconheceram a referência aos "anti-evangelismo".
A maioria das pessoas apoiava nossa filosofia de evangclismo. Fi-
cou claro a referência em minha crítica a Ulna pequena minoria.
Havia alcançado importante vitória naquela questão, e publicamente
- ao menos foi o que pensei.
Mais tarde aquela declaração virou-se contra n1im. Da rncslna
forma que uma propaganda negativa de uma campanha política
pode gerar simpatia pelo oponente, o mesmo pode acontecer com
um ataque público a um membro da igreja. Nas semanas seguin-
tes ouvi comentários assim: "Achei justo o que disse sobre o Ed.
Ele não deve ser tão contrário ao evangelismo quanto você colo-
cou".
Outra pessoa disse: "Não foi uma atitude correta falar sobre a
posição de Ed sem ele estar presente para responder".
Poderia sustentar todas as afirmações feitas snbre a oposição de
Ed ao evangelismo. Aquilo não parecia importante. Mesmo que as
pessoas não concordassenl COln sua posição, discordavarn lnuito
mais do meu ataque público contra ele.
Moral da história: é melhor não dizer algumas coisas - um
princípio óbvio ignorado quando o assunto começa a esquentar.
Não leve brigas parriculares para o ambiente público. Isso se aplica
a reuniões do conselho da igreja, ao púlpito ou a urna conversa
com quem não precisa saber daquilo.
MANTER I'ERTO OS INIMIGOS 41

PRATIQUE A BONDADE

Um adesivo enfeita o pára-choque dc muitos catros em meu bair-


ro. Diz o seguinte: "Pratique boas ações para quem quer que seja e
belas atitudes desptendidas". É uma boa lembrança de uma das li-
ções mais úteis que já aptendi sobte como otientar pessoas que
acho diflceis de amar.
Procuro oportunidades para sct gentil com elas. É impressio-
nante como atos bondosos constroem pontes de relacionamento.
U1TI h0l11elTI de Ulna antiga igreja deixava claro todas as vezes que
falhava em atingir suas expectativas. Quer retornando uma liga-
ção telefônica dentro do prazo estipulado por ele, tetribuindo
um convite para aln10çar ou saudando-o na I11esma proporção,
parecia sempre marcar os pontos que fariam de mim um eterno
perdedor.
Achava muito diflcil ficat próximo dele. Depois de Deus con-
denar Il1inha atitude, comecei a procurar Il1anciras de mostrar bon-
dade para com esse homem.
Fui até ele em um domingo, após o culto, e disse: "Estava pen-
sando se você teria um teI11pO na próxin1a semana para me ensinar
a pescar". Ele era um ávido pescador e eu não conseguia pescar nada.
Nas semanas após nossa saída, sempre se referia à lição sobre pesca
ao conversar comigo e C01n os outros.
Pescando sozinho mais tarde, finalmente consegui pegar um peixe
gtande o suficiente. No caminho de volta, parei na casa do meu
"instrutor" e dei-lhe de presente meu ptimeiro peixão por ter me
ajudado a aprender a pescar.
()utra vez, cOl1videi-o para esquiar, c ele pediu-Ine para Inostrar-
lhe colno remar. Em alguns encontros conversalnos sobre sua ne-
cessidade de manter um registro do comportamento das pessoas
para poder ser melhor que elas, vencê-las. Finalmente admitiu corno
isso aferava negativamente sua esposa e seu filho mais velho. Ofere-
ci-lhe ajuda para lidar com aquilo.
42 O CARÁTER APERFEiÇOADO PElOS CONFLITOS

QUANDO OS MELHORES ESFORÇOS NÃO FUNCIONAM

É claro que nenhuma técnica de como lidar com pessoas difíceis


será um sucesso com todos o tempo todo. Em Romanos 12.18 o
apóstolo Paulo diz: "Façam todo o possível para viver em paz com
todos". Paulo reconhece que nem todo mundo vai querer viver em
paz conosco.
O que fazer quando nossos melhores esforços não são suficientes'
Em uma igreja em que fÍJi pastor havia uma senhora sempre insa-
tisfeita com o que eu fazia. Era raro falar-me diretamente sobre seu
desapontamento; geralmente sabia de sua crítica por outras pessoas.
Enconrrei-a e disse: "Não consigo adequar-me a seus padrões de
desempenho e suas expectativas em relação ao meu rninistério. Sin-
to-me como se não pudesse lhe agradar". Então, eu iria parar de
tentar.
Ela afirmou que não precisava agradá-Ia.
Respondi: "Então não vai se importar se não me preocupar mais
em agradá-la em todas as ações e decisões'''.
Disse que não. Aquilo aliviou a tensão e afastou algumas recla-
mações constantes. Compartilhei com os presbíteros sobre mi-
nha conversa com aquela mulher, de maneira que, se suas
reclamações continuasscrn, poderianl tratar da questão conl ela
direta e decisivamente.
É claro que, às vezes, as pessoas decidem não mais fazer parte de
nlinha vida ou ministério e saenl da igreja. Aprendi nlesmo ncssa
situaçao a abrir a porta da conlunicação o máxirno possível.
Um casal disse não agüentar mais nleu ministério ou minhas
pregações. Minha reação natural seria deixá-los ir embora e nunca
mais contatá-los. Em vez disso, telefonei e perguntei se poderia
fazer-lhes uma breve visita. Com dificuldade concordaram.
Quando nos encontramos, falei que não estava ali para convencê-
los a mudar sua decisão. Perguntei se em algum momento havia
errado ou ofendido os dois. Queria pedir desculpas se fosse o caso.
Disseram tratar-se mais de uma diferença de filosofia e direção,
MANTER PERTO OS INIMIGOS 43

assim decidiram ser melhor procurar outra igreja. Agradeci pelos


anos de estada conosco e convidei-os para voltatem quando quises-
sem. Antes de sair perguntei se poderia orar C0111 eles.
Ao caminhar em direção à porta, a mulher pegou em minha
lnão e disse: "Fiquei surpresa por querer vir nos visitar, n1as estou
feliz com isso. Agora, quando o vit no supermetcado não ptecisatei
evitar falar COln você".
A porta da comunicação ainda estava aberta. Podem até não
voltar mais para a igreja, nus ao n1enos não Saíralll com o espírito
amargurado.
Essa forma de abordagem não só é útil para cOllStruir bons
relacionamentos, nlas pron1ove o crescinlcnto pessoal na minha
rclacão com Cristo. Quanto lnais procuro alnar pessoas difíceis,
mais DellS as usa para moldar-me segundo a imagem de Cristo.
Afinal de contas, aprender a amar as pessoas é um dos modos de
nos tornar como Cristo. Talvez seja o instrumento principal dos
pastores nesse processo.
O fato de ficarmos perto de nossos inimigos geralmente abrid
as portas do sacerdócio alénl do que itnaginamos. Isso deve nos
Illotivar a dar importância até aos santos mais difíceis.
RESISTiR AO IMPULSO DE REVIDAR

A cabara de receber a carta tTIordaz de um casal descontente so-


bre uma questão da mocidade. A reação deles não foi espiri-
tual; certamente não entendianl toda a situação. Ainda não conse-
guira encontrar-me C0l11 eles.
Quando subi para pregar naquele domingo pela manhã, sentia-
111C 1113\ e carregava um rcssentinlentO. Enl 111inha introdução fiz
algumas observações extclnporáneas que IIIcxeram cotn todo mun-
do - todos, menos o casal autor daquela carta. Enquanto a con-
gregação explodia em risadas, o casal estava estoicamente sentado,
lá no segundo banco da fileira do meio, com os braços cruzados, os
olhos fixos a me atravessar.
Quando tcrl11inei o sermão (senl outras brincadeiras), senti-me
fisicamente mal e espiritualmente desgastado. Minha inflexibilidade
estava se transfornlando rapidanlCl1te em anlargura e ressentinlcnto
- as duas tentações do conflito na igreja. Muitos pastores já prega-
ranl que a tentação não é pecado, IDas que cair em tentação é. Para
mim, aquela tentação era difícil de resistir. Perdão é uma questão de
caráter, e minha tendência a não perdoar quando sou ofendido força-
me a pensar claramente sobre os passos necessários para restaurar llleu
relacionanlento COIn Deus e com o ofensor.

RECONHEÇA SUAS FRAQUEZAS

A nlaioria das pessoas são suscetíveis onde foram machucadas várias


vezes. A crítica lançada sobre mim pela raiva da família com o evento
46 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

do ministério de jovens era só um de uma série de conflitos com


eles. Sua atitude, destituída de boa vontade, foi a gota d'água para
mim. Senti que não tinham interesse em dar a ninguém o benefí-
cio da dúvida.
Talvez porque alguns de meus piores conflitos no ministério
envolveram pessoas sem boa vontade e entendimento, acabo rea-
gindo com ira em tais situações. Sou facilmente provocado por
quem se excede em achar erros nos outros.
Ao aprender a reconhecer minhas fraquezas, descobri poder con-
trolar melhor minhas reações. Meu desafio é receber graça e perdão
do Espírito Santo para esses irmãos, em vez de revidar com ira,
falta de perdão e amargura.

RESISTA AOS PRIMEIROS IMPULSOS

Quando leio sobre alguém ter escondido uma arma no bolso de


seu casaco para acertar as contas com o chefe que o havia tratado
injustamente, ou sobre alguém ter bombardeado um prédio cheio
de cidadãos inocentes, geralmente penso assim: "Como alguém pode
fazer tal coisa? Pessoas nornlais não reagenl assim".
Mas já tive todos os tipos de maus pensamentos sobre acertar as
contas com qnem me ofendeu. Talvez esta seja a próxima atitude
e1l1 direção ao perdão - reconhecer que as circunstâncias poderi-
am gerar uma vingança cruel. Na verdade, se não perdôo uma pes-
soa, posso começar a fantasiar meios de ficar qnite com ela.
Após uma devastadora discórdia com uma família da igreja que
havia se levantado contra Jnim em praticamente todos os aspectos
e temas, pensei: "Se Deus não trouxer um julgamento rápido, po-
derei dar uma mãozinha".
Pensei em alertar a Receita Federal sobre suas irregularidades fis-
cais, por acaso, de meu conhecinlento. Ou poderia irrid-Ios à noite
ao passar de carro pela casa deles buzinando, com o rádio alto c
dando farol alto em direção às suas janelas.
Quando compartilhei esses covardes pensalnentos secretos com
um amigo, ele olhou-me com espanto.
RESISTIR AO IMPULSO DE REVIDAR 47

- Você faria mesmo essas coisas com eles?


- É claro, assim como qualquer um que cai em tentaçáo poderia
fazer para se vingar, em vez de cuidar do desafio do perdão - respondi.
Lembro-me da observação que James Broderick fez sobre o papa
Paulo IV: "Nunca se esqueceu de tais ofensas, uma de suas fraquezas
fundamentais. Podia fàzer as pazes por um tempo, mas dava a im-
pressão de estar sempre vigilante".
Evitei isso ao cortar quaisquer fantasias de vingança.

ADMITA SUA CULPA

Em Deuteronômio 32.35, Deus instruiu o povo por meio de


Moisés: "A mim pertence a vingança c a retribuição. No devido
tempo os pés deles escorregarão: o dia da sua desgraça está chegan-
do e o seu próprio destino se apressa sobre eles".
Minha obsessão a respeito da vingança é uma tentativa de parti-
cipar do julgamento de Deus. Isto somente agrava o conflito, exa-
cerba a lembrança e causa mais dor. É como se uma das partes
culpadas em uma disputa contratual participasse do julgamento e
sentença da outra parte.
O fato de ser também, muitas vezes, culpado, de não ser perfei-
tamente justo nas suas ações, pode ser difícil de aceitar. Em muitas
situações há duas partes culpadas em conflito. Portanto, não posso
retribuir o mal. fico me perguntando quantas oportunidades de
reconciliação não aconteceram porque os dois lados se reuniram a
fim de perdoar, mas esravam despreparados para serem perdoados.
John Oglethorpe, amigo de John Weslcy, supostamente lhe disse:
- Eu nunca perdôo.
O senhor Weslcy replicou sabiamente:
- Então, senhor, espero que nunca peque.

EVITE O REVIDE DO PÚLPITO

Descobri que demorar em perdoar pode levar a abusos no ministé-


rio público de pregação. Uma vez usei uma carta recebida para ilus-
48 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

traI' como é errado criticar alguém quando não se conhece todos os


fatos. Durante o sermão li urna parte da carta contendo acusaçües e
conclusües baseadas em desinf()fmação. Então, esclareci tudo à con-
gregação ao descrever os fatos. É claro que os fatos demonstravam
como nleus críticos tiraram a conclusão errada e estavanl equivoca-
dos. A congregação pareceu concordar comigo e viu meu acusador
corno um antagonista negligente e nocivo. Havia ilustrado um as-
pecto bíblico e silenciado meu oponente ao mesmo tempo.
Na senlana seguinte recebi outra carta desse homern, dizendo
estar se desligando da igreja com sua família e pedindo-me que não
ligasse para eles, nem tentasse fazer qualquer contato. Ainda que
tenha cuidadosamente protegido a identidade deles naquela ilustra-
ção do sermão, todos sabiam a quem estava me referindo. Não lhes
dei outra opção senão deixarem a igreja.
Não iInporta o quão ofendido possa ter me sentido; não inl-
porta o quão forte era a tentação; o foro público não é o lugar para
confrontar urna crítica. Isso me dá urna vantagem desigual que fre-
qüentemente resulta eIll urna apresentação tendenciosa de nleu lado
da história, sem dar oportunidade para uma réplica justa.
Descobri que o melhor caminho para evitar essa tentação é ofe-
recer perdão em particular.

PERDOE UM DE CADA VEZ

Gostaria de dizer que descobri a fórmula para o perdão, que fiJl1ci-


ona todas as vezes. Mas não descobri. Perdão não é algo que posso
fazer uma vez e, então, esd acabado. O alcance do perdão é geral-
mente proporcional à severidade da dor. O perdão se assemelha mais
a escrever UIn livro do que unla carta. Quando escrevo uma carta,
ponho meus pensamentos no papel, assino, selo o envelope e a
envio. Escrever um livro envolve aparentemente Uln ciclo infinito
de escrever e reescrever.
Geralmente consigo lidar com pequenos conflitos rapidamente,
no espírito de [Pedro 4.8: "Sobretudo, amem-se sinceramente uns
RESISTIR AO IMPULSO DE REVIDAR 49

aos outros, porque o amor perdoa muitíssimos pecados". Mas quan-


do a ofensa é severa, o processo de perdão pode ser igualmente
duro. Após a experiência mais diHcil no ministério - minha de-
missão - aptendi mais sobre o processo de perdão do que gostaria
de saber. 'Iodo o processo levou uns dois anos. Parecia que meu
perdão estava completo depois de alguns meses após a saída daque-
la igreja. Levei o assunto ao Senhor em oração e disse-lhe querer
perdoar a quem para mim eram os responsáveis. Até Inencionei
seus nOlnes. O perdão pareceu libertar-me.
Algumas semanas mais tarde deparei-me com um dos líderes da
oposição em um restalltante da região. Depois que cu e meu amigo
rerminanl0S nosso café da rnanhã, paran10s à mesa daquela pessoa
para uma breve e cordial conversa. Ao sairmos do restalltame, meu
amigo fez a seguinte observação:
- Puxa, você realInente parecia tranqüilo ao conversar C0111
Steve. Acho que conseguiu deixat todas aquelas coisas sobre a igreja
no passado.
Murmurei:
- É, agora é tudo passado; é hora de prosseguir.
Mas, pelo resto do dia, toda vez que tinha um minuto ocioso, o
nome de Steve, seu rosto e suas atitudes surgiam em minha mente.
Não conscguia livrar-me de meus pensamentos. Aquele velho res-
sentimemo parecia tão real e poderoso como nunca - um cboque
para meu equilíbrio espiritual.
Pensei ter petdoado os participames daquele mau momento.
Por que estava reagindo daquela maneira?
- Senhor, já não foi o suficieme colocar toda aquela confusão
Cn111Ill pacote, amarr<l-lo beIn apertado e, então, escrever nele "per-
doado'"
Evidentemente não. Ainda tinha que perdoar cada um dos oito
indivíduos do conflito. Ao pensar que poderia pcrdoar a todos de
uma só vez, descobri tcr de perdoá-los um a um.
O processo durou muitos meses. Cada vez que imaginava uma
pessoa, identificava claramente o sentimento a respeito dela c por-
50 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

que Deus a trouxera a minha menre. À, vezes, aquilo levava alguns


dias para ser digerido completamente. Mas finalmente conseguia
tegistrar meus sentimentos, assim como identificar as razões por
trás deles. Descobri que o simples ato de orar por alguém, mesmo
quando parecia vazio e ensaiado, de alguma forma abria meu cora-
ção para aquela pessoa.
Deus foi muito criativo ao mostrar a próxima pessoa que preci-
sava perdoar. Eu estava no supermercado procurando pasta de den-
te e creme de barbear, quando vi de relance outro casal que havia
contribuído para a minha saída da igreja. Minha reação foi escon-
der-me entre as prateleiras de verduras. Mas era tarde demais. Ouvi
aquela familiar fala lenta: "Oi, Gary". Depois de trocarmos algu-
mas palavras, cada um foi para seu lado.
Soube imediatamente qual seria a próxima pessoa a perdoar.

FALAR DA PESSOA PARA OS OUTROS

Uma técnica que me ajudou a perdoar foi falar sobre o ofensor ao


conversar com alguém.
Lembro-me de falar sobre um de meus opositores a um amigo
que o conhecia; assim, coloquei-Ine eIn uma posição que Ine força-
va a falar gentilmente a seu respeito. Mas descobri ser irrelevante o
meu interlocutor conhecer ou não quem eu precisava perdoar. Ao
falar de maneira positiva sobre alguém, sentia-me inclinado à re-
conciliação; as palavras positivas provenientes de meus lábios co-
meçaram a operar nos sentimen tos de meu coração. A tranqüilidade
daquelas palavras também se tornou um medidor de meu perdão
- quanto mais fácil fluíam, mais próximo estava do perdão.

LEVE-OS AO SENHOR EM ORAÇÃO

O passo final que me ajudou a perdoar foi reunir meus pensamen-


tos e sentimentos e levá-los ao Senhor. Às vezes, escrevia-os no pa-
pel e lia para Deus em oração. Outras vezes, recitava-os para Deus
diretamente de meu pensamento. Recitar pensamentos e sentitnentos
RESISTIR AO IMPULSO DE REVIDAR 51

negativos ao Senhor permitiu-me pedir a Deus que me perdoasse


por meu pecado. Podia, então, seguir em frente e oferecer perdão
aos outros.
Essa longa experiência ensinou-nle o quanto o perdão divino
me capacita a perdoar os outros.
Há a história de um viajante atravessando a floresta de Burma com
um guia. Chegaranl a um rio largo e raso c o atravessaram. Quando o
viajante saiu do rio, várias sanguessugas estavanl grudado em seu torso
e pernas. Seu primeiro insrinto foi agarrá-las e arranGÍ-las.
O guia impediu-o, avisando que ao puxar as sanguessugas pe-
quenos pedaços delas ficariam sob a pele. E, conseqüentemente, a
infecção apareceria.
A melhor maneira de se livrar das sanguessugas, segundo o guia,
era um banho de banheira morno e aliviador por alguns minutos.
O banho incharia as sanguessugas e elas logo se soltariam do corpo.
Quando sou muito mach ucado por outra pessoa, não posso
simplesmente arrancar o machucado de minha alma e esperar que
toda amargura, malignidade e emoção vão embora. O ressentimento
ainda se esconde sob a superfície. O único modo de livramento
total da ofensa e perdoar os ourros é mergulhar no banho suave do
perdão de Deus. Quando finalmente sentimos a extensão do amor
de Deus em Jesus Cristo, perdoar os outros acontece naturalmente.
PREGAR DURANTE CONTROVÉRSIAS

N este último verão, minha família participou de uma confe-


rência sobre a família cristã conduzida pelo serviço 111inistc-
rial radiofônico de um pastor norre-americano ben1 conhecido.
Acompanho suas pregações por anos, j<l ouvi inúmeros de seus ser-
mões, tanto pessoalmente quanto gravados. Suas exposições das
Escrituras fazem ben1 ao mell espírito.
Durante uma mensagem na conferência, ele usou um exemplo
extraído de sua vida. Aquilo não foi surptesa. Era muito comum
inserir experiências pessoais e111 seus sermões. FreqüentC111cntc, as
histórias contadas eram do tipo "acontecimentos na viagcIll de féri-
as da família". Aquela, no entanto, era diferente. Um silêncio pai-
rou sobre a audiência quando contou sua história.
Discorria a respeito de um conflito íntimo e doloroso que afe-
tou toda a sua fàmília. Mas não foram os detalhes da hisrória que
me prenderam a atenção - os detalhes eram até vagos por causa da
natureza pessoal e intensa da dor. O impacto não proveio de suas
palavras, mas de seu silêncio.
A hisrória não tinha uma conclusão; ele e a família ainda esta-
vam no meio da luta. Assim que finalizou a ilustração, disse: "Que-
ria poder concluir essa hisrória contando-lhes a resolução de tudo
c o toque fiel da cura divina, mas não posso, porque isso não
aconteceu. Ainda estamos feridos e esperando para ver C01110 Deus
resolverá. E assim eSpera1110S ... esperamos ... e continuamos espe-
rando".
54 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

Foi um lembrete poderoso do desafio peculiar enfrentado pelos


pastores ao pregar sobre as grandes promessas de Deus durante mo-
mentos em que nós mesmos ainda esperamos o seu cUlnprimento.
Às vezes, suportamos a dor e o sofrimento do conflito enquanto
pregamos extensamente sobre a esperança em Deus. Talvez esse de-
safio não seja tão grande como quando pregamos para quem per-
petra a dor em nossa vida. Falar as verdades de Deus para quem
sabemos conspirar contra nós não é nada encorajador. Entro em
conflito ao pregar quando sei que uma pessoa na congregação não
gosta de mim.
Como pregar, em meio à dor, para pessoas de quem não gosta-
mos e nos desconsideram? C0l110 levar a 1l1Cnsagern de Deus en-
quanto lutamos contra a ira c todas as feridas não saradas' Embora
tenha pregado por mais de vinte anos, ainda tento responder a to-
das essas questões. As conclusões esboçadas neste capítulo são certa-
mente provisórias, visto que em cada novo conflito aprendo lllais
sobre o significado da proclamação das verdades de Deus em meio
à fragilidade da vida.

PROMESSA NÃO CUMPRIDA

Um dos desafios dos santos do Antigo Testamento era proclamar


as promessas de Deus e demonstrar fé inabalável, quando eles mes-
mos ainda não tinham recebido a promessa.
Na conclusão do grande capítulo da fé, Hebreus 11, o autor
surpreende seus leitores ao anunciar que os heróis da fé morreram
sem receber o cumprimento total das promessas de Deus:

Que mais direi? Não tenho tempo para falar de Cidcão, Baraquc,
Sansão, Jefré, Davi, Samuel e os profetas, os quais pela te con-
quistaram reinos, praticaram a justiça, alcançaram o cumpri-
mento de promessas, fecharam a boca de leões, apagaram o
poder do fogo e escaparam do fio da espada; da fraqueza tira-
ram força, tornaram-se poderosos na batalha e puseram em
fuga exércitos estrangeiros. I louve mulheres que, pela rcssur-
PREGAR DURANTE CONTROVÉRSIAS S5

reição, tiveram de volta os seus mortos. Uns foram torturados e


recusaram ser libertados, para poderem alcançar uma ressur-
reição superior; outros enfrentaram zombaria e açoites; outros
ainda foram acorrentados e colocados na prisão, apedrejados,
serrados ao meio, postoS à prova, mortos ao fio da espada. An-
daram errantes, vestidos de pele de ovelhas e de cabras, neces-
sitados, afligidos e maltratados. O mundo não era digno deles.
Vagaram pelos desenos e montes, pelas cavernas e grutas. To-
dos estes receberam bom testemunho por meio da fé; no en-
tanto, nenhum deles recebeu o que havia sido prometido. Deus
havia planejado algo melhor para nós, para que conosco fos-
sem eles aperfeiçoados (Hb 11.32-40).

Mesmo assim, esses líderes ainda proclamaram as promessas de


Deus para a nação necessitada. Suspeito que Deus chama os pasto-
res para fazer isso. No meio do conflito a ser resolvido devemos
proclan1ar as prOlnessas de Deus. Pois são as promessas, e não so-
mente o cumprimento delas, que requerem fé.
Quando prego durante um período de conflito, pergunto-me
quais promessas específicas de Deus podem ser relevantes naquela
situação. Uma vez, um homem na igreja acusou-me de ser ganancio-
so porque pedi que a comissão de finanças desse um metecido au-
mento (que nunca vinha) a todos os empregados da igreja. Ele não
parecia entender que um princípio espiritual de semear e colher
estava em jogo na maneira como a igreja tratava seus colaborado-
res. Em sua mente, quando pedi tal aumento de salário para todo o
pessoal, estava demonstrando usura, e não generosidade. Depois de
un1a crítica particularmente dura feita em un1a reunião da comis-
são de finanças, fui para casa nervoso e machucado. Relutei o resto
da semana com o fato de precisar ficar à frente da igreja no domin-
go e pregar a graça de Deus, quando a minha vontade era aplicar a
ira de Deus.
Então, sábado de manhã, sentei-me e comecei a listar as pro-
messas de Deus aplicáveis àquela situação. Em um pedaço de papel
escrcvt:
56 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

o meu Deus suprirá todas as necessidades de vocês, de acordo


com as suas gloriosas riquezas em Cristo Jesus. (Fp 4.19).
Não estou dizendo isso porque esteja necessitado, pois
aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância (Fp
4.11) .
O Deus de toda a graça, que os chamou para a sua glória
eterna em Cristo Jesus, depois de terem sofrido durante um
pouco de tempo, os restaurarcÍ, os confirmará, lhes dará forças
e os porá sobre firmes alicerces (1 Pe 5.10).
Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a
sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas (Mt
6.33) .
Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã
trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu pró-
prio mal (Mr 6.34).

Memorizara a maioria daqueles versículos na escola dominical


quando criança. Durante a minha vida, Deus os cumprira várias
vezes. Mas não nesse momento ~ ao lncnos ainda não. Contudo,
o processo de escrever no papel essas promessas, embora ainda não
cumpridas, ajudou a livrar-me do meu desapontamento e hostili-
dade. Entendi que a questão estava nas mãos de Deus; reler as pro-
messas ajudaram-me a entregar de volta a responsabilidade daquilo.

CORAÇÕES TERNOS

Quando o apóstolo Paulo confí-ontou seus acusadores em Atos 24,


usou o método da pregação. Diante do governador romano l'élix,
a resposta de Paulo ao advogado de acusação, Térrulo, foi em for-
ma de sermão. A defesa de Paulo foi tão eficaz que T érrulo se calou
e o governador Félix foi movido a dar a Paulo maior liberdade,
mesmo sob custódia.
Novamente, em Atos 26, Paulo respondeu aos acusadores com
um sermão perante o rei Agripa. Paulo falou no poder do Espírito
Santo querendo convencer Agripa a tornar-se cristão. E1l1bora isso
PREGAR DURANTE CONTROVERS1AS 57

não tenha acontecido, Deus usou a proclamação de Paulo para con-


vencer Agripa da inocência do apóstolo.
Pregar durante o conflito pode ser um meio de permitir que o
Espírito Santo enterneça o coração dos adversários. Certamente isso
é perigoso, pois conftontar adversários com a pregação requer habi-
lidade e integridade. Há uma linha muito tênue entre pregar alllen-
ticamente a verdade bíblica aos acusadores e usar o sermão e a Bíblia
para ameaçá-los.
Surgiu um dehate em nossa igreja sobre o aumento do número
de jovens presentes nos cultos. Muitos jovens haviam descoberto
recenten1ente um relacionan1ento pessoal com Deus por n1eio da
fé em Jesus Cristo. Para enlàtizar a ação divina entre os adolescen-
tes, pedimos ao pastor dos jovens que guiasse a igreja no culto em
um domingo.
A mocidade atirou-se à proposta, com energia, criatividade e
entusiasmo. O resultado foi uma instigadora experiência de culto
para toda a comunidade. Deus nos pennitiu envolver corações e
mentes de três gerações simultanean1ente, aproxirnando-as no cul-
tO eil1 uma só direção.
Face a esse encontro forte com Deus, fiquei surpreso ao ouvir
críticas sobre o modo C01no alguns jovens cstavarn vestidos no cul-
to. Disseram estar vesridos de modo casual, inadequado para o tra-
balho em nome do Espírito Santo, e também falta de respeito para
com alguns adultos na igreja. Nas duas semanas seguintes discllli o
fato COln as pessoas descontentes. As conversas pareciarn inúteis,
somente a virulência aumentava e começava a ser dirigida contra
mim. Igualtnente, a mocidade e seus partidários davam n1ais voz
aos seus argumentos. Un1a nlldher lne disse de maneira precisa: "Se
tivennos de escolher entre a reverência a Deus no culto e ter nossos
jovens participando daquela maneira, então, tanto os jovens quan-
to o senhor perderão!".
A disputa esrava maior do que pensei. Em vez de continuar
no eaminho do diálogo particular, decidi tratar do problema
publicamente. Cuidadosamente, focalizei a mensagem no proble-
58 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

IDa e não nas pessoas discordantes com o que acontecia. Para isso,
usei a mensagem de Atos 15 e intitulei o sermão "Liberdade pela
qual vale a pena lutar". O ponto era que nossa liberdade espiritual e
autononlia são valores cristãos centrais. Tentei mostrar COlno desde o
livro de Atos houve constantes araques à liberdade conquistada por
Jesus Cristo para nós na cruz. Atos 15 diz que nosso relacionamento
COIll Deus COIlleça solllente pela graça, por lneio da fe; a vida resul-
tante é uma vida de liberdade e autonomia em Jesus Cristo.
Em minha exposição tratei de ambos os grupos que entreolha-
vam-se separados pelo corredor. Mostrei como a decisão do concí-
lio de Jerusalém, em Atos 15, dificulta determinar a intenção do
coração de uma pessoa para com Deus apenas julgando-a pelo esti-
lo de sua roupa ou a ausência de sapatos ou meias. Entretanto, a
liberdade de não calçar sapatos não deve menosprezar as convicções
dos outros. Antes, devemos exercitar nossa liberdade em Cristo
com um espírito de sensibilidade e interesse pelos outros membros
da família de Deus.
A resposta ao sermão foi maior do que havia pedido a Deus.
A primeira pessoa a conversar comigo após o culto foi uma se-
nhora idosa que havia chorado duas semanas antes, após o culto de
jovens, tanto pelo desgaste quanto pelo desrespeito dos jovens pela
casa de Deus. Segurou na minha mão e disse: "Não sei se posso me
acostumar com as pessoas não usaretn sapatos na igreja, mas agora
vejo que isto não diz nada sobre o quanto amam o Senhor". Senti-
mentos similares foram externados repetidamente naquela manhã
por pessoas de ambos os lados do problema. Fiquei maravilhado
com a força da palavra de Deus para trazer reconciliação.

VENDA NOS OLHOS

No conflito posso ficar muito centralizado em cruzar a nlensagem


das Escrituras com a vida de quem discordo. Isso inibe o impacto
das Escrituras em minha vida.
Uma vez preguei uma série de sermões baseados na epístola de
Tiago quando havia uma guerrinha de palavras acontecendo na igre-
PREGAR DURANTE CONTROVERSIAS 59

ja. A maior parte da conversa à toa centralizava-se nas diferenças de


opinião sobre nosso projeto de construção.
Ao planejar a série de sermões, quase não podia esperar até che-
gar ao capítulo 3. O que Tiago tinha a dizer sobre "dominar a lín-
gua" era justamente o que tnuitos precisavam ouvir! Finalmente
chegou o domingo de pregar aquela passagem. Orei a semana toda
para que o Senhor usasse a mensagelu para abrandar os corações
endurecidos. Fiz o mel bar que pude para relacionar a mensagem
de Tiago às palavras ditas por membros de nossa congregação.
Senti Deus responder minhas orações. Depois do sermão pessoas
admitiram para mim que o Senhor lhes falara naquela manhã e
intencionavam consertar alguns erros naquela semana.
N a terça-feira à tarde, no grupo de estudos dos homens, trans-
miti n1eu entusiasrno sobre con10 Deus tinha usado o sermão de
domingo para contestar as pessoas. Alguns dos homens admitiram
estar também graros pelo jeito como Deus usara a minha mensa-
gem. Então, um deles limpou a garganta, olhou-me direto no ros-
to, e disse:
- Isso significa que você quer esclarecer conosco algllIuas das
coisas que tem dito nas últimas sen1anas?
Eu não tinba idéia do que ele queria dizer. A princípio pensei
que estava tentando pegar-me com seu hurnor seco, assill1, reagi
C0l11 uma IronIa.
- Não, nós estamos falando sério - disse. Enquanto ouvia a
mensagem no domingo me perguntei se vocês oLIviam o que falavam.
Eles me pegaram. Falaram direro comigo, lembrando-me das afir-
mações que lhes havia feito durante o conflito sobre a construção.
Alguns dos meus comentários tinham sido fofoqueiros e até malicio-
sos. En1 meio à preparação e pregação do sermão sobre "dorninar a
língua", ficara surdo à voz do Espírito sobre minhas transgressões. Eu
também precisava prestar atenção à mensagem de Tiago.
Aquele incidente lembrou-me da importância de dirigir meu
estudo e minha pregação primeiramente a mim. É facil para os
pregadores estudar, preparar e pregar as verdades santas de Deus
60 O CARATE.R APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

para uma congregação sem antes aplicá-las a si mesmos. Phillip


Brooks, o grande reitor da Trinity Church [Igreja de Trindade] de
Boston no século XIX, ilusuava este perigo com a analogia de um
condutor de trem que passa a acreditar já ter estado em todos os
lugares anunciados aos passageiros por ter falado alto e por muito
tempo os nomes daqueles lugares.
Permitir que minha pregação seja endereçada a mim primeiro
evita o uso do sern1ão con10 anna. Assiln, deixo Ul11 caderno de
anotações sobre minha escrivaninha durante o estudo do sermão.
Durante a Sen1al1a peço ao Espírito Santo trazer a minha Inente
problemas particulares ou situações da minha vida em que a men-
sagem em preparação possa aplicar-se. Quando tais questões vêm
ao meu pensamento, escrevo-as para poder orar sobre elas antes da
conclusão de meu estudo naqnela manhã. Sempre fico impressio-
nado colno Deus aplica minuciosalncnte en1 minha vida as verda-
des estudadas para o domingo. Isto me ajuda a identificar a venda
sobre meus olhos, antes de ficar obcecado com a dos olhos dos
outros.

A IMPRESCINDíVEL ALMOFADA

Unl anúgo estava envolvido em um conflito en1 sua igreja nos úl-
timos seis meses. A situação era tão complicada que ele estava pla-
nejando desligar-se dentro de duas semanas. Quando falei com ele
naquela selnana, perguntei-lhe como conseguia pregar todo dOInin-
go enquanto seus adversários f'llavam mal dele e ganhavam terreno
na btiga ao dividir a igreja.
Sua resposta foi: "Coloquei uma almofada entre mim e a con-
gregação".
Explicou que um senhor da igreja, amigo e ctistão maduro, colo-
cara-se na lacuna aberta entre pastor e congregação. Aquele senhor
pern1itiu a meu amigo externar seus pensamentos e en10ções em Ulll
ambiente seguro. Meu amigo pastor diz que aquilo evitava que ele
lançasse um ressentin1cnto envenenador na congregação durante sua
PREGAR DURANTE CONTROVERSIAS 61

pregação. Contou: "Quando descarrego minha frustração durante


a semana na minha 'almofada', não sinto a necessidade ardente de
f:tzê-Io no sermão de domingo".
Durante meus dias sombrios no ministério, descobri o valor de
tais amigos. Um homern de negócios, um oftalrnologista, urTI en-
genheiro e um cientista foram os amigos procurados para desabafar
minhas frustrações, fázer algumas perguntas e oferecer minhas so-
luções. Na nlaioria das vezes ouviam, ocasionalmente ofereciam
conselhos, mas sempre me deram suporte e torça.
Em um momento bem ruim liguei para um desses amigos,
como últirna esperança:
- Posso dar unla passadinha por aí e tOnIar um pouco de seu
tempo esta noite' - perguntei.
- Venha sim - respondeu - o café estará prontO quando
você chegar.
Dez minutos depois, sentava conl ele e sua rnulher à mesa da
sala de jantar e dizia-lhes não sentir mais vontade de continuar.
Falei: "Ser pastor requer doação constante, tcnIO não ter nada
nIais a oferccer para ninguélTI. Preciso sair antes que isso me l1late".
Nunca pensei dizer tais palavras. Queria me livrar daquilo, um sen-
timento estranho para mim.
Bebemos duas garrafas de café durante nossa conversa naquela
noite. Finalmente meus amigos me convenceram de não ser o nlO-
menta de pendurar as chuteiras. Disseram: "Cobriremos seu lugar.
Tire duas selnanas de folga e irenI0s até o conselho e a igreja e expli-
caremos que você precisava de algum tempo longe daquela pressão".
Como meu amigo rambém era presbítero, sabia que sua decisão
seria aceitável ao conselho. Também entendi ter o apoio da congre-
gação. Minha preocupação era com as três famílias líderes da opo-
sição e derentoras do poder na igreja. O que poderiam fazer diante
da notícia de minha vulnerabilidade? Dariam o golpe final?
Meus al1Iigos me disserarn que aquilo não deveria ser mais mi-
nha preocupação. Estava de folga por duas semanas. Queriam que
fosse esquiar e deixasse a igreja um pouco de lado.
62 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

A ousadia deles foi convincente. Nada de demissão: parei de me


preocupar (ao menos pelos próximos meses) e fui esquiar com minha
mulher no dia seguinte.
Aquele ripa de proteção por parte dos meus amigos poupou-
me de mais conflitos - daqueles que vêm quando se diz coisas
inapropriadas pelo desgaste e cansaço. Permitiram-me canalizar mi-
nhas frustrações, questões, e aré mesmo hostilidades, na direção
deles, e não dos instigadores do conflito.
Tive de aprender a confiar naquelas pessoas e valeu a pena fazê-
lo. Quando me apoio neles sinto-me espiritualmente melhor pre-
parado para lidar com a palavra de Deus de maneira objetiva. Procuro
não deixar que minhas feridas distorçam minha pregação c, assim,
não LISO erroneamente o ministério da Palavra.

A PREGAÇÃO QUE ME CONFORTA

Durante conflitos na igreja, minha pregação me conforta. Sei que


isso soa um pouco estranho, mas se permito que Deus faça seu
trabalho em mim antes de realizar sua obra por meio de mim,
posso encontrar restabelecimento em minha pregação. Uma vez
preguei a partir do salmo 139, em meio a um intenso conflito. Ao
me preparar para o domingo, os versos líricos tocantes do salmo
trouxeram-me conforto. Deus f.1lara diretamente a mim. Nunca
antes havia experimentado tanta intimidade com Deus, suas inten-
çôcs se tornaran1 mais e mais preciosas para milHo Senti a certeza de
que Deus estava no controle, tudo sairia como ele planejara.
(J ensinamento especial de Deus para mim naquela semana
encorajou-me a proclamar a mesma esperança no domingo. De-
pois do culto, em vez do costumeiro corre-corre para a mesa de
refrescos, muitas pessoas permaneceram em seus lugares para con-
tinuar ouvindo c falando com o Senhor. Um pequeno grupo apro-
ximou-se e pediu-me para orar com eles nos degraus do púlpito.
Ajoelhamo-nos e oramos, cxpcrimcl1tan10S Uln profundo senso
da presença de Deus. Em uma época em que as ondas do conflito
PREGAR DURANTE CONTROVÉRSIAS 63

agitavam a igreja, o salIno 139 dominou-nos completamente conl


a presença de Deus:

Como são preciosos para num


os teus pensamentos, ó Deus!
Como é grande a soma deles!
Se eu os contasse, seriam mais
do que os grãos de areia.
Se terminasse de contá-los,
eu ainda estaria contigo.
Quem dera matasses os ímpios, ó Deus!
Afas(em-se de mim os assassinos!
Porque falam de ti com maldade;
em vão rebelam-se contra ti.
Acaso não odeio os que te odeiam, SL\JIJOR?
E não detesto os que se revoltam contra ti?
Tenho pOt eles ódio implacável!
Considero-os inimigos meus!
Sonda-me, ó Deus,
e conhece o meu coração;
prova-me, e conhece as minhas inquietações.
Vê se em minha conduta algo te ofende,
e dirige-me pclo caminho eterno (SI 139.17-24).
NECESSIDADES FAMILIARES

E stava em meu segundo ano da f"culdade quando o pastor de


minha igreja fez um anúncio chocame. Ainda lembro a dor em
meu cstônugo ao participar daquela reunião da igreja em um J0111in-
go à tarde, quando ouvi o pastor, a quem admirava c amava, explicar
que sua esposa mantinha um caso C0111 um membro da igreja.
Aquilo ocorreu Cl11 uma época em que tais revelações ainda eram
raras c escandalosas.
A congregação ficou pasma. Ninguém sabia o que dizer. Nin-
guénl sabia como responder às necessidades de sua família e ao seu
coração partido. Mais tarde soube que ele saiu da igreja depois da-
quele encontro e só retornou para limpar e pegar as coisas de seu
escritório e encaixotar seus livros. Saíram da igreja, 111udaram para
outra cidade e nunca mais ouvimos falar deles nOVJrnente.
O pastor não era o único tnachucado cm sua família, é claro.
Naquela reunião da congregação, falou da mágoa sentida por sua
esposa há lnais de um ano. Muitas de suas dores eram o resultado
do conflito que acontecia na igreja há meses. Ela ia para casa depois
do ensaio do coral chorando, jurando nunca mais volrar Lí. Acho
que o conflito chegara ao limite.
Seu papel no conflito era principalmente como espectadora, embo-
ra seu marido estivesse no centro da controvérsia. Poucas pessoas ofere-
ceraJn-lhe conforto ou f()fam compreensivas, entendendo que ela e a
fàmília de algurna forma vencerianl aquilo sozinhas. Não venceram, e
suponho ter ela achado consolo nos braços de outro homem.
66 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Ainda que não justifique seu comportamento, posso compre-


ender sua solidão. Quando deixamos uma igreja em meio a um
conflito, minha mulher me disse o seguinte: "Serei eternamente
grata a Deus se ele permitir que você saia do pastorado".
Durante outro período de tumulto, confidenciou: "Se você dei-
xasse o pastorado eu não me arrependeria. Esta vida de íàmília de
pastor é muito dolorosa e solitária".
Em um dos momentos mais críticos, ela me disse: "Odeio
a igreja e não me arrependeria por Uln minuto se não voltasse
mais lá".
O conflito na igreja pode ferir profundamente a mulher do
pastor, às vezes, irrevogavelmente (porque a maioria dos cônjuges
de pastores continuam a ser mulheres, usarei neste capítulo o ter-
mo mulher em vez de cônjuge). Ela está machucada, seu marido
está machucado e Ulll não pode ajudar o outro. Há muitos anos,
depois que o pior conflito na igreja em meu ministério levou-me
a minha demissão e expulsão imediata da igreja, tive a sorte de
um colega de ministério oferecer-me sua amizade. Em um de
nossos encontros, perguntou-me: "COlllO Suzanne está lidando
com tudo isto?".
Lágrimas encheram meus olhos porque sabia que estava tão
machucada quanto eu, lllas não sabia como suprir suas necessida-
des. Quando o ministério é tomado pelo conflito, o casamento
do pastor pode - e deveria - ser uma proteção, tanto para o
pasror quanto para sua mulher. Mesmo havendo desunião no cor-
po de Cristo, o casal pode, com a ajuda de Deus, estar unido em
seu cOlllpromisso com Cristo e um com o outro.
Mas não é fácil para o pastor envolvido em um conflito ir para
casa e pensar sobre as necessidades de sua mulher. O fato de Deus
tomar os conflitos e moldar por meio deles o nosso caráter é um
dos temas principais deste livro, mas não podenlos esquecer do
cuidado para com a família. No capítulo inicial do livro, falei bre-
vemente como Suzanne e eu resguardamos nossa família durante
minha saída forçada do ministério. Nesre capítulo, contudo, quero
NECESSIDADES FAMILIARES 67

enfocar a importância do empenho para entender, reconhecer e res-


peitar os sentimentos de sua mulher.

o TORMENTO DA TRAiÇÃO

Mulheres de pastores formam suas relações dentro da igreja. Quan-


do o conflito atravessa o ministério, elas podem sentir-se profun-
damente traídas por pessoas em quem confiavam. Durame um dos
conflitos na igreja, Suzanne encontrava-se regulannente com várias
mulheres na igreja. Era um grupo que a alegrava e em quem confi-
ava. Com freqüência, tratavam de assuntos 1l1lÚtO pessoais. Suzannc
imaginou poder confidenciar a essas amigas sobre nossa situação.
Falou honestalllenre sobre seus sentimentos para com dois mem-
bros do conselho da igreja que se opunham a minha liderança.
Embora nâo tivesse citado o nome dos indivíduos, expressou seus
semimemos de raiva, desconfiança e desgosto.
Quando o conflito tomou maiores proporções, algumas de suas
amigas do grupo tomaram o partido de quem estavam contra mim.
Não demorou muito para ser relatado em uma reunião da congre-
gação: "Não era surpresa o fato de o pastor estar em desacordo COIn
o conselho; pois até sua mulher guardava amarguras no coração
comra dois de seus membros". O moderador continuou a falar,
dizendo citar o que ela dissera.
Quando sentimentos honestos são usados contra nós, não há
juízo maior de traição.
Ao chegarmos em nossa arual igreja, Suzanne admitiu para mim
a dificuldade de confiar nas pessoas ali por causa do passado. De-
pois de ouvir sua honesta posição, comecei a notar que também
me sentia precavido contra novas amizades. Havíamos nos dado
anteriormente às pessoas com grande liherdade; agora esdvamos
mais cuidadosos, desconfiados. Admitirmos aquilo um para o ou-
. .
tro aproximou-nos mais.
Suzanne fazia parte de um "clube de aniversário" com um grupo
de mulheres da antiga igreja. Achava que era uma maravilhosa fonte
68 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

de amizade e apoio - até algumas de suas companheiras do clube


viraren1-se contra nós. H~í. pouco tempo perguntei-lhe se estaria
interessada em corlleçar um grupo de aniversário na nossa atual
igreja. Ela não respondeu. Nem precisava responder. Seu olhar dis-
se tudo o que eu precisava saher.
Confiança traída não é de Eícil reconsrrução, e aprendi nova-
mente como preciso oferecer apoio e espaço para permitir a minha
mulher seu restabelecimento - do jeito dela e no seu ritmo. Não
há um grande segredo sobre como realizar isto. Simplesmente pre-
ciso ouvir, e não ficar chocado com o que diz ou preocupado com
a velocidade de seu processo de cura. Sentimentos de traição e des-
conflança não reconhecidos podem nos levar à amargura e ao res-
sentitllento. É muito Hci! nos tornarmos cínicos.
ficava incomodado com a mulher de um amigo que fina pas-
tor. Toda vez que Suzanne e eu os encontrávaIllos, ouvíamos
uma longa sessão sobre as fraquezas dos irmãos da igreja local. A
nlltlher mencionava pessoas da congregação. [)escrevia muitos
deles con10 hostis, materialistas, retrógrados e pecaminosamente
críticos.
Em vez de confrontar sua atitude, Suzanne e eu rendvamos
auxiliá-la como podíamos. O Elto de a escutarmos aos poucos pa-
recia ser recompensado. O casal percebeu que os entendíamos e
realmente nos importâvamos com eles. Finalmente, depois de uma
enxurrada de observações sarcásticas, a mulher falou sem pensar:
"Acho que agora vocês sabem o quanto odeio esta igreja!".
Sabíamos. Não condenavatllos sua amargura, entendíanl0s e
estavamos dispostos a agüentar até que Deus mostrasse aqLlilo
para ela. Lembro de ter-lhe dito gentilmente: "Agora que você
reconheceu seu ódio, penso que está pronta para começar a
perd oa-. Ios " .
Assisti a Suzanne sofrer pelo desapontamento e pelas desilusões
com a igreja, e descobri que a melhor coisa a ser feita para ajudá-Ia
era não julgar sua atitude, confiar na atuação de Deus e estar emo-
cionalmente presente quando estivesse pronta para falar.
NECESSIDADES FAMILIARES 69

OÁSIS FAMILIAR

Recentemente, Suzanne e eu participamos de urn retiro de nossa


denominação para pastores e suas mulheres, ern nossa região. To-
dos os anos aguardamos por esta conferência. Nesse evento anual
fiz amizade com um casal que chamou minha arenção quando os
ouvi conversando sobre pastorear uma igreja localizada eil1 un1a
região et11 transição. A congregação COll1posta quase toda por pes-
soas de orlgern inglesa estava envelhecendo e era resistente à mu-
dança. Resisriam à assimilação de pessoas da sua comunidade em
transição, assim C0l110 questionavam a perrnanência do pastor
naquela igreja. Muitos queriam os velhos e bons tempos de volta.
A igreja que um dia fora próspera estava agora dividida por um
conflito profundo, e o pastor estava hem no meio daquela situa-
ção, sem o conf1ito ser culpa sua.
Enquanto o casal contava sua história, pude sentir sua fragilida-
de. A mulher do pastor disse que se não tivesse a família ao seu lado
durantc aquele último ano, não teria superado a situação. Então,
descreveu como o amor e o apoio de seus três filhos tinham sido
urn oásis para eles. Contou C0l110 os rapazes, em torno dos vinte
anos e ainda viviall1 por perto, chegavam inespcradall1ente na casa
deles no domingo após o culto para o jantar. Além do rosbife,
batatas, molho e torta de maçã, riram juntos, contarall1 piadas,
brincaram e se divertiram. Foi como se esquecesserl1 por algumas
horas todos os conflitos da igreja ao esrar com as pessoas que os
conheciam e os amavall1. COlno a mulher disse: "Nunca itnaginei
o quanto viria a anur, estimar e precisar de minha família". L acres-
centou: "sabia que il1eus filhos poderiam estar fazendo uma série de
outras coisas COll1 o telnro deles nos domingos, mas escolheran1
gastar aquele tempo conosco - jogando, conversando e Elzendo
qucstão que soubésselnos que éramos amados".
A parte mais difícil era no final dos domingos, quando o casal
se despedia dos filhos. A despedida era amenizada pelo costume de
darem as mãos na sala de estar e orarem uns pelos outros. (J casal
70 O CARATER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

disse que a princípio era diflcil contar aos filhos sobre os problemas
da igreja. Mas contaram-lhes, tentando não maldizer os membros
da igreja, e os rapazes os apoiaram, algo inesperado pelos pais.
Não há nada semelhante ao apoio da família durante momen-
tos de crises no ministério. É claro que nossos filhos não podem
ser nossos terapeutas c precisamos pesar bem as informações pas-
sadas para eles. Mas nossos familiares significam muito para nós e
é encorajador quando se reúnem para nosso apoio e aceitação dos
fatos.
Na época que fui forçado a sair do pastorado (a história contada
no capítulo 1), nossa família nos apoiou tremendamente. Ainda
que nossos filhos fossem novos na época, Suzanne e eu tentalnos
cOlllpartilhar com eles nossas lutas de uma forrna apropriada ao
entendimento deles. Não eram maduros o suficiente para entender
os detalhes do conflito, mas sabiam ser hora de nossa família se
. .
unrr e apOIar um ao outro.
Permitir que os filhos cuidem de nós em momentos de crise
emocional é uma experiência de humildade. Ainda lembramos
com gratidão as noites jogando dama e dominó ou montando
um quebra-cabeça. Caminhadas juntos, em lugares montanho-
sos, longas trilhas pedalando e passeios de canoa forneceram re-
novação e descanso.

A PROTEÇÃO DOS AMIGOS

Tenho uma teoria de que quanto mais tempo um casal esd no


pastorado, menor seu círculo de amigos Íntinlos. Na verdade, se o
casal não tomar cuidado, o círculo poderá fIcar tão pequeno que,
depois de um tempo, eles serão os únicos membros.
Parte disso provém da falta de confi..mça mencionada antcriornlcn-
te. Mesmo assinl) ainda precisanlos de pessoas que nos apóienl e
compreendam. Amigos íntimos cuidam de nossa alma quando ela
está mach ucada.
Lembro-me de lima amizade que minha mulher desenvolveu
logo depois de uma de nossas crises ministeriais. Em nossas convcr-
NECESSIDADES FAMILIARES 71

sas, Suzanne geralmente citava alguma palavra confortante desta anliga.


Ainda hoje, elas permanecem em contato; Deus as aproximou para
encorajar a fé e confiança de Suzanne no cuidado divino.
Uma maneira de ajudarmos nossas mulheres a passar pelo con-
flito na igreja é encorajando-as a abrir-se com amigos de confiança
- pessoas não ligadas ao conflito da igreja ou até de fora dela.
Quando perguntei para a mulher de um pastor como enfrentara
conflitos em sua antiga igreja, ela me disse: "Não enfrentei. Só
sobrevivi com o auxílio de duas amáveis amigas cristãs do meu
bairro!".
Achar tais amigos nem sempre é fácil. Requer paciência e cora-
gem. Um jeito de resolver isso é orar a Deus para mostrar a sua
mulher uma amizade segura. A pessoa mencionada acima disse que
uma delas, sua amiga especial, era alguém que conhecia só de vista.
Ela disse: "Uma noite estava orando e chorando, perguntando a
Deus como proceder. Sem querer, o nome de Shannon passou por
minha mente, então, soube naquela hora que precisava ligar para
ela e combinar um café juntas". Elas se encontraram e ali começou
Ullla anlizade que forneceu o apoio tão necessário.
Até hoje minha mulher fala sobre sua amiga Marcia como uma
das pessoas especiais enviadas por Deus para socorrê-la durante uma
experiência difícil na igreja. O comentário f.worito dc Marcia cra:
"Não há problema em ser quem você é, pois Deus fez você ser
única" .
Além de amigos e fàmília, as mulheres precisam de seus maridos
durante um conflito. Isto parece óbvio, mas estou envergonhado
de não tcr percebido quão sozinha Suzanne sc sentia. Quando me
disse que se sentia sozinha, perguntei:
- Você quer dizer sozinha em relação aos outros, não e
- Não - disse Suzanne - sinto-me longe até mesmo de você.
E continou:
- Você não percebe que cu rne sinto corno se ninguém se inl-
portasse cornigo) nern n1esn10 você?
Ela se sentia abandonada. Eu, reprovado.
72 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Desde então tenro aptendet ouvi-la, estar perto dela e incentivá-


la a abrir-se para revelar seus pensamentos Íntimos. Embora um
conl1ito não seja algo venerável, posso dizer que os momentos em
que eu e Suzanne nos sentinlos mais próximos um do outro foram
as grandes dificuldades passadas. Estamos aprendendo a orientar
um ao outro.
Quando em luta contra o sofrimento durante esse conflito na
igreja, nossos sentinlentos são refletidos e geralnlente intensifica-
dos em nossas mulheres. Um pastor pode em geral engajar-se dire-
tamente na batalha - tem que it trabalhar e enfrentar o problema
todo dia - desse modo eliminando alguns de seus sentimentos
negativos, nlas a esposa não teru essa escapatória. É rnuito irnpor-
tante, portanto, que ela ache lugares seguros para libertar-se de seus
sentimentos, para sentir-se incentivada e encontrar a cura divina. (j
lugar rnais óbvio onde isto precisa acontecer é em casa com seu
marido.
MANTER O EQUILíBRIO

F azia alguns meses que nao me sentia tao renovado. O tempo


passado com minha mulher e meus dois filhos adolescentes
durante o verão foi o ll1e1hor de todos que l1le recordo: ulna Se111a-
na eIn utn sítio nas 1110ntal1ha5, U111a reunião de família no Clube
das Rochas, acampando, passeando de canoa e fazendo refeições ao
ar livre - tudo isso compôs um verão cheio de ll1ernórias e a tão
necessána renovação.
Quando nossas férias acabaram, preparei-me para a próxirna reu-
nião do conselho da igreja, quando nossos líderes renovariam nossa
cornunhâo e planejaríamos as atividades para o outono. A reunião
começou suave como inlaginara. No entanto, percebi um item es-
tranho na agenda: preocupações dos membros. Depois de momen-
tos de comunhão, oração, revisão das minutas e inforrnação sobre a
posição financeira da igreja, o presidente do conselho apresentou
um membro que tinha algumas preocupações.
Nos tninutos seguintes, aquela pessoa reclamou do período de
férias aprovado pelo conselho para mim. Disse assim: "Precisamos
do pastor aqui durante os fInais de semana no verão porque pessoas
estão visitando a igreja e queren1 ouvi-lo, e não algun1 substituto
que nunca mais verão".
Depois de sua partida, o conselho discutiu suas considerações.
Aquilo !cvou à discussao do significado de uma vida equilibrada. A
maioria dos membros do conselho admitiu que dificilmente se sen-
74 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFliTOS

ti riam culpados com aquilo. Quando falei sobre meu compromis-


so de uma vida bem equilibrada, o conselho pareceu ver a reclama-
ção de um ângulo diferente. Alguém fez a seguinte observação: ''Acho
que não é surpresa o fato de termos algumas reclamações sobre os
horários de trabalho do pastor. Quando se tenta levar urna vida
equilibrada, provavelmente haverá quem pense que o pastor não
está trabalhando o bastante".
A maioria dos membros das igrejas não compartilham da mes-
ma visão de urna vida equilibrada. Descobri que pensar especifica-
mente sobre minha visão de um estilo de vida saudável é importante
se vou orientar a esse respeito. Mas é assunto conflituoso. Nin-
guém discordará que um pastor deve ter uma vida equilibrada; mas
quando vive assim, pode ouvir rumores. A verdade é que se um
pastor desenvolve outras áreas de sua vida fora do ministério, quan-
do conflitos ampliados da igreja absorvem a alegria do ministério,
ele não deve se sentir diminuído ou completamente desolado.

FILOSOFIA DE VIDA

Em termos gerais, defino uma vida equilibrada corno aquela vivida


de acordo com as prioridades bíblicas. Isto parece simples. A maio-
ria do que já ouvi sobre prioridades ensina a organizá-las da mais
para a menos importante. No entanto, acho a analogia da "torta"
melhor, o que implica completar a primeira prioridade antes de ir
para a segunda. Vejo minhas prioridades como fatias de uma torta.
Cada fatia é importante (ou não seriam prioridades!): o desafio não
é mantê-las em ordem, mas em equilíbrio.
Por exemplo, em vez de lutar por cumprir a prioridade de Deus
em minha vida para que só então possa considerar a prioridade de
minha mulher, família, n1inistério e finalmente da cOD1unidade,
dedico-me a todos esses aspectos ao lnesmo tcmpo. Tentar rnanter
o equilíbrio entre todos ajusta o foco necessário às minhas priori-
dades em vários rn0111entOS.
Quando tratei do assunto com os líderes, usei meu programa de
verão para ilustrar. Tinha certeza de que nenhum dos membros do
MANTER O EQUILlBRIO 75

conselho duvidava da prioridade do ministério pastoral para mim.


Disse: "Tenho o mesnlo conlprOlnisso com minha esposa, meus
filhos e nleu bem-estar pessoal, bem como com 111eu relaciona-
mento com Deus e con1 o próximo. O verão foi o momento de
priorizar esposa e filhos em vez de o ministério da igreja".
Um membro do conselho brincou: "Acho que o melhor meio
de discernir se a vida esd equilihrada é pelo número de pessoas
rcclan1ando por você não estar na igreja o suficiente!".
Deve haver mais verdade nesta aflrnlação do que a maioria das
pessoas quer admitir. Os pastores geralmente apoiam-se em uma
lei não escrita sobre a obrigação de nos dedicarmos por um número
de horas suficiente para que ningué,n nunca duvide de nosso com-
promisso com um ministério de sacrifício. A última coisa que que-
remos ouvir é: "Não acho que você esteja trabalhando duro o
hastan te, pastor" .
Recentemente li uma entrevista que Jcrry falwell concedeu para
a revista Clmstianity Today [Cristitmismo Hoje], onde afirmava não
achar que a 111aioria dos pastores trabalhavanl o bastante. Poi 1lI11a

crítica dura. Nos orgulhamos de ser trabalhadores e dedicados.


Quando alguém questiona minha ética de trabalho, minha reação
instintiva é: "Acho que vou mostrar a você o contrário trabalhando
mais horas" .
Agora sugiro outra resposta para aquela colocação, "Nosso pas-
tor não está trahalhando o suficiente". Pergunte para essa pessoa se
poderia definir o que é "suficiente". Raramente obtive uma defini-
ção aceitável. As definiçães são geralmente inexatas, do tipo: "Sufi-
ciente seria a mesma quantidade de horas que eu gasto trabalhando".
Mas contesto que muitos proflssionais hoje trabalheI11 tantas
horas assiIn.

QUANTO É O "SUFICIENTE"?

Ao formular aspectos espedfIcos de uma vida equilibrada desen-


volvi dois critérios para as horas que dedico à igreja:
76 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

1. Será que minhas horas de trabalho siio compatíveis com minha


atualsituaçiiojámiliar? Há dezoito anos, no meu primeiro pastorado,
perguntci para minha mulher se ela poderia ajudar-me a cuidar de
minha vida, tornando-a mais equilibrada. Ela o fez muitas vezes.
Geralmente, começava dizendo assim: "Os garotos sentem sauda-
de quando você fica muito tcmpo fora". Ou: "Sinto saudade de
nO.ssas caminhadas juntos pela manhã". Essa é a dica que preciso
perceber ao priorizar o trahalho de maneira que outras prioridades
entrcm em equilíbrio.
Quando nossos dois meninos estavam na pré-escola, eu dedica-
va menos horas à igreja do que dedico hoje que são rapazes. Chega-
va 111ais cedo no escritório para con1pensar a saída antecipada.
Chegava em casa quase scmpre às 16h30. Por volta daquela hora
Ininha 111ulher precisava de U111 descanso das crianças, então, me
organizava de tal maneira a brincar coln os garotos enquanto ela
dedicava algum tempo para si. Ela não somente apreciava o inter-
valo, lnas expressou I11uitas vezes o quanto adlnirava o fato de eu
ser sensível eil1 relação a suas necessidades e de colocar a fanlÍlia etn
pé de igualdade com o ministério.
2. Será que minha agenda de tmbalho é um exemplo positivo?
Ou será que reforça o desequilíhrio da prioridade dada ao trahalho
por homens e mulheres da igreja'
Se trahalho rcgularmente setc dias na semana, acumulando 60.
70 ou 80 horas, C01110 posso contestar alguém que esd. Elzendo o
111esrno e prejudicando sua fa111ília? J,:í tive várias conversas com
um homem de minha congregação sohre seus háhitos de trahalho.
Ele trabalha ao lnenos 70 horas por selnana. Sua esposa conversou
C0111 a rninha sobre C01110 lidar com seus hodrios de trabalho, LUna
pressão sobre o casamento e a família deles.
A sernana passada ele I11e disse: "Se você pode encontrar algun1
equilíbrio em sua vida com todas as delnandas C01110 pastor desta
igreja, então, com a ajuda de Deus rambém posso. Estou bzendo
planos de reduzir o trahalho no Ano-Novo". Contratou um novo
assistente para cobrir algumas de suas responsabilidades e está
MANTER O EQUILillRIO 77

treinando mais duas pessoas para ajudá-lo CIn outras etapas de scu
trabalho. Até mesmo me perguntou se podia cobrá-lo quanto às
suas decisões.
Posso ouvir a objeção de alguns: "Mas como fica a execução do
trabalho' Como você pode conseguir realizar algo em apenas 50 ou
55 horas por semana no ministério?".
Minha reposra é simples: "Você poderia, por favor, definir 'su-
ficiente' para mim?".
Descobri que meu trabalho nunca termina e preciso de discipli-
na para dizer "terminei". Sabet quando parar a cada dia de trabalho,
é crucial para a vida equilibrada.

ENSINANDO A IGREJA

Como pastor, trabalho mais coIno vendedor anlbulante ou con-


sultor do que como engenheiro em um escritário. Trabalho quan-
do estou ~l minha escrivaninha, é claro, mas tanlbém quando visito
uma criança no hospital, almoço C0111 um casal novo da igreja,
gasto o dia e111 oração eln uma 1110ntanha retirada ou convido ami-
gos para saborear uma sobremesa em minha casa no domingo à
noite. Estou trabalhando mesmo quando 111CU carro não está esta-
cionado na igreja. Isso é o que tenho para comunicar à igreja.
Um amigo pastor surgiu com um jeito criativo para relembrar
as pessoas sobre o quanto o pastor trabalha, ao pendurar um cartaz
com o hodrio de trabalho em sua porta. Dizia assim:

Horário de trabalho:
Estou aqui na maioria dos dias a panir de 8 ou 9 horas. Ocasio-
nalmentc chego às 7 horas, mas em alguns dias chego às 10 ou
11 horas. Geralmcnte saio às 16 ou 17 horas, mas ocasional-
mente saio às 18 ou 19 horas. Algumas vezes saio às 23 horas.
Outros dias, ou manhãs ou tardes não venho e, ultimamentc,
estou aqui praticamente o tcmpo todo, cxceto quando me en-
contro em algum outro lugar, mas deveria estar aqui ao mesmo
tempo também.
78 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONfliTOS

Quero ajudar nossa igreja a reconhecer trabalho de modo dife-


rente do de muitos profissionais. Que é um desafio constante e que
o modo como os pastores trabalham nunca será totalmente enten-
dido por ninguén1. Já tive inluncras discussões com comissões, COill
auxiliares e com membros da igreja sobre ter uma vida equilibrada.
Somente uma vez fui punido por tentar manter o trabalho em
equilíbrio com o resto das prioridades da vida. Todas as outras ve-
zes as pessoas apreciaram minha honestidade e franqueza.
O proveito dessas discussões sobre minha ética de trabalho tem
sido enotme. Regularmente escrevo um sumário da minha agenda
de trabalho en1 nosso boletim informativo para que as pessoas sai-
bam quando estarei disponível para encontros a fim de tratar de
questões rotineiras. (É claro que en1ergências não prccisan1 se ade-
quar à agenda.)
Minha secretária apresenta um simples anúncio para o boletim
que é distribuído uma vez por mê.s. Ele diz assim:

Para a sua conveniência em marcar um encontro com o pastor,


seus horários são os seguintes (por favor, ligue para o escritório
da igreja e marque uma entrevista, jeÍ que suas horas não são
sempre "gastas" no escritório):
Segunda-feira: atendimento pela manhã; reunião com a
J(:it:ninistração das 11h 30 até 14h; atendimento à tarde.
Terça-feira: Atendimento o dia rodo.
Quarta-feira: Estudos/dia de oração.
Quinta-feira: Trabalho sobre o sermão pela manhã; atendi-
mento à tarde.
Sexta-feira: Descanso do Pastor (por favor, ligue para o es-
critório da igreja em caso de emergência).
Sábado e Domingo: Disponíveis com marcação prévia; Sá-
bado à noite reservado para as preparações do domingo.
Noites durante a semana: Disponíveis com marcação pré-
via, contudo limitado a 3 noites para encontros ou compro-
illlSSOS.
MANTER O EQUiLíBRIO 79

Queria que as pessoas soubessem que a minha agenda é do inte-


resse deles rambém, e com alegria comparrilho-a com eles. Dou-
lhes o direiro de comentar minhas prioridades, mas rambém lhes
digo rer o direiro de fazer o mesmo com eles.
Discuro minha agenda com o conselho ao menos duas vezes ao
ano. Faço isso no começo do outono e novamente próxinlo do
verão. Quero que o conselho saiba que minha agenda muda muiro
nestes dois mOlnentos do ano. Peço opiniões e quesrionanlcnros
sobre minha agenda. Isso também dá ao conselho uma oporruni-
dade para discutir suas prioridades e estilo de vida.

EXCEÇÃO À REGRA

Alguns pastores podem ser tentados a trabalhar muito pouco, mas


em minha experiência e conversas com outros pastores isso é Ullla
exceção.
Uma vez, no entanto, algumas pessoas em nossa igreja começa-
ram a questionar a ética do trabalho de um de nossos pastores.
Levei a sério aquelas reclamações, da mesma forma que o faria se
uma pessoa estivesse gastando muito tempo na igreja. Em vez de
esconder o problema, falei-lhe honestamente que algumas pessoas
achavam que ele não estava trahalhando tempo suficiente. Isso per-
mitiu que lidássemos com o assunto de frente.
Perguntei-lhe sobre suas horas de trabalho usuais. Depois de
calculá-las, disse-lhe que, para mim, seus horários eram um pouco
folgados. Geralmente requeria que a equipe trabalhasse entre 42 e
45 horas por semana. Explicou sua preocupação em estar em casa
com a mulher e três filhos pequenos. O que era legítimo. Conver-
sei com ele sobre horários alternativos de trabalho que não seriam
um peso sohre sua família. Finalmente chegamos a um plano equi-
librado de mais cinco horas de trabalho a cada semana.
O próximo passo era comunicar o plano aos envolvidos com a
questão, assim como às pessoas para as quais lninistrava direta-
mente. Dirigi-me àqueles que levantaram a questão escrevendo-
80 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

lhes uma carta, dizendo que o momento da vida familiar daquele


pastor requeria sua permanência rnais ternpo em casa. E entáo
l l

deralhei como ele compensaria isso, trabalhando em hodrios alrer-


narivos. Agradeci a preocupação deles, assegurando-lhes o
n10nitoramento de seus horários.
Aquele pastor imprimiu seus horários no informativo da igreja
e afixou-o na porta de seu escritório. No mês scguinte deu-me um
l

relatório semanal de colno adn1inistrava seus horários.

FORTE EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS

Esta comunicação aberta afetou a atitude da igreja para com meu


trabalho e minha necessidade dc equilíbrio. Em um evento social
para receber novos n1embros ouvi alguém do conselho dizer: "Ten-
ta1110S proteger o teInpo e os horários do pastor para que possa
cumprir seu dever na igreja e rambém tenha tempo para as outras
prioridades de sua vida".
Eu não poderia ter dito aquilo de forma melhor.
Sempre haverá quem questione minha definição de equilíbrio
ou o jeito que adn1inistro cada semana. ];i houve selnanas em que
trabalhei 40 horas e parei por causa de ourras prioridades.
Se eu já n1e arrependi? Algumas vezes. Mas então vi corno mi-
nha tentativa de ser equilibrado afeta meu relacionamento com
Deus, com minha nlulher igreja e an1igos. Concluindo, quero ser
l

uma pessoa e um pastor que pode dizer: "Cumpri meu papel em


todos os eventos onde Deus me colocou".
ANJOS NA TURBULÊNCIA m
L embro-me do primeiro anjo que encontrei. Foi no início de
nossa lua-de-mel, minha mulher e eu viajávamos pelo litoral
de AnulE, no sul da Itália. De repente a van que dirigíamos parou.
Não havia oração que a fizesse funcionar de novo.
Sabíamos estar parados em um trecho perigoso da estrada, em
uma curva fechada ao longo daquela bela costa ao sul de Nápoles.
Ü trecho da estrada de AmalE era famoso por ataques de bandidos
e ladrões. Se houvesse urna estrada no sul da Itália comparável àquela
entre Jerusalétn e Jericó, seria esta. Suzannc e eu esdvamos atentos
ao que Jesus disse ter acontecido com o homelll naquela estrada.
Depois que a VIUl deu seu último suspiro) G11l1inhamos em dire-
ção à cidade mais próxima, muitos quilômetros adiante. Urna área
muito perigosa para um de nós permanecer no carro, então, reuni-
mos o m~iximo de pertences que podíamos carregar e pedinl0s ca-
rona. Esdvamos certos de que seria a última vez que veríamos nosso
carro e os pertences deixados lá. Só queríamos chegar a salvo até a
próxima cidade.
Enquanto esdvamos espremidos perto do muro de pedras sepa-
rando a estreita estrada do penhasco que se precipitava para o mar,
orávanlos para [)cus colocar anjos ao redor do carro para protegê-
lo enquanto íamos até a cidade, e enviasse um anjo para nos levar
en1 segurança até a cidade mais próxima. Então, apareceu um carro
cantando pneus ao fazer a curva antes do lugar onde estava nosso
veículo quebrado. () motorista viu-nos e imediatamente pisou no
82 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

breque e encostou seu Alfa Romeo perto do muro. Não sabíamos


se devíamos correr ou arriscar conversar com aquele homem. Antes
de decidirmos, o motorista italiano estava fota de seu carro e nos
perguntou com um sorriso descontraído: "Vocês precisam de uma
carona para Ravello, não é?".
Balançamos as cabeças afirmativamente e em um piscar de olhos
estávamos a caminho de Ravcllo.
Nosso companheiro era muitíssimo agradável e gentil. Deixou-
nos em nosso hotel e foi embora con1 un1 caloroso Ciao, arrivederci.'
As primeiras palavras que saíram da boca de minha mulher foram:
"Acho que acabamos de pegar carona com um anjo".
Estava certo daquilo.
Na manhã seguinte, corremos apressadamente até onde havía-
mos deixado o carro na noire anterior. Imaginando que o carro
estivesse danificado ou roubado, avisanl0s a polícia antes de utn
amigo missionário nos pegar no hotel para irmos até o local e veri-
ficar o prejuízo. Quando viramos na curva, vimos nossa van estaci-
onada próximo ao muro de pedra. Ao examiná-la rapidamente,
descobrimos ter deixado a porta traseira destrancada. Assim que
olhamos dentro para ver se faltava alguma coisa, ficamos surpresos
ao ver que nada fora mexido. Nem mesmo a porta traseira fora
aberta. Tudo estava exatamente como deixan10s!
Será mesmo que Deus dera ordens a seus anjos para proteger
aquela van dos ladrões? Certamente que sim.
Etn momentos de turbulência no ministério lenlbro-me dos
"anjos de Amalfi". Quando sinto os ventos do infortúnio, peço
novamente que Deus envie seus anjos de proteção e conforto.
Será que ele responde? Sim, sempre. Talvez não do jeito imagi-
nado ou pedido, mas Deus cuida e de fato age. Temos sua palavra
sobre o assunto (1 Pe 5.7). Deus não escolhe umas poucas circuns-
tâncias para executar sua vontade em nossa vida. "Sabemos que
Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos
que foram chamados de acordo com o seu propósito" (Rm 8.28).
ANJOS NA TURBUL~NCIA 83

o desafio é aprender a reconhecer Deus em ação e ouvir sua voz


quando estivermos distraídos pelo sofrimento do ministério.
Voltando à época quando o telégrafo era o meio mais rápido
de comunicação a longa distância, havia uma história, talvez du-
vidosa, sobre U111 jovem que se inscreveu para um trabalho como
operador de código Morse. Respondendo a um anúncio no jor-
nal foi ao endereço impresso. Quando chegou lá, entrou no gran-
de e barulhento escritório. Ao fundo, um telégrafo funcionava.
Uma placa no balcão da recepcionista indicava que os interessa-
dos no emprego deveriam preencher uma ficha e esperar até que
fossem chamados.
O jovem completou o formulário e sentou-se ao lado de outros
sete interessados na vaga. Depois de alguns minutos, o rapaz se pôs
eln pé, atravessou a sala em direção a outra porta do escritório e foi
entrando. Naturaltnente os outros interessados na vaga pergunta-
vam-se o que estava acontecendo. Por que aquele moço tinha sido
tão ousado? Murmuraram entre si por não ouvirem nenhunla cha-
lnada. No entanto, acharam que ele seria advertido por seu atrevi-
mento e desqualificado para o trabalho.
Depois de alguns minutos, o jovem saiu da sala acompanhado
pelo entrevistador, anunciando para os denlais interessados na vaga:
"Senhores, muito obrigado por comparecerem, mas a vaga já foi
preenchida por este rapaz".
()s outros interessados demonstraranl descontentanlento. En-
rão, um deles disse:
- Espere um minuto, não entendi uma coisa. Ele foi o último
a chegar aqui, e nós não tivemos sequer a chance de sermos entre-
vistados. Mas, mesmo assim, ele conseguiu a vaga. Isto não é justo.
O entrevistador respondeu:
- Desculpe-me, mas durante todo o tempo que vocês perma-
neceraln sentados aqui, o telégrafo enviou a seguinte mensagem
enl código Morse: "Se você entende esta mensagem, então venha e
entre aqui. O emprego é seu". Nenhum de vocês ouviu ou enten-
deu isso. Este Inoço entendeu, então o emprego é dele.
84 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Deus usa rTIuitas maneiras para demonstrar seu cuidado - não


somente por meio de suas palavras, seu Espírito e o n1inistério de
anúgos cristãos, mas também por meio de muitos rnétodos lláo-
convencionais - como sarças ardentes, jun1entos falantes, criatu-
ras farTIintas do n1ar, anjos visitantes ou U111a estrela brilhante no
céu escuro. Nós precisamos somente estar atentos a esses sinais.
Pois é certo que Deus cuida de nós durante o conflito.

PALAVRA E EspíRITO

Sempre fico maravilhado com a sensibilidade do apósrolo Paulo à


amação de Deus em sua vida. Ele pôde ver os sinais da ação de Deus
nas circunstâncias mais difíceis. Quando a vida de Paulo estava che-
gando ao fim na prisão em Roma. falou a Timóteo que em um
determinado momento, somente Deus ficou ao seu lado e lhe deu
força (2Tm 4.17). Os crentes o abandonaram, Paulo foi deixado
sozinho para defender-se de seus acusadores - mas sabia que Deus
o fortaleceria.
Certa vez almocei com um homem aliado a um grupo da igreja
contra mim e os outros da equipe. Esse homem não tinha escutado
toda a história, mas estava certo sobre quem precisava de advertên-
cia. Ao ouvi-lo pude sentir minha raiva crescer e queria falar. Mas
antes que pudesse iniciar minha defesa, senti a voz do Espírito den-
tro de rnim: "Deixe isto para lá. Lidarei con1 essas acusações". Relu-
tantemente guardei o que tinha na mente para outro dia e saí de
nosso almoço dizendo somente "Orarei pelo que você disse".
Antes do meio-dia do dia seguinte, aquele homem deu urna
rápida parada em meu escritório. Estava indo para uma reunião ali
por perto, e me disse sussurrando: "Peço desculpas pelo que lhe
disse ontem. Descobri a noite passada que só tinha ouvido um lado
da história e tirado falsas conclusões".
Se não tivesse sentido a amação de Deus por meio do Espírito
Samo no dia anterior, provavelmente teria respondido com aspere-
za às acusações, alimentando o fogo.
ANJOS NA TURBULÊNCIA as

Não só tive a sensação de que o Espírito Santo me cutucava


durante o conflito da igreja, como tamhém experimentei o cui-
dado de Deus por meio de sua Palavra. Passagens da Escritura que
havia lido e estudado uma dúzia de vezes falaram à minha alma
em certas ocasiões inesperadas com poder, intimidade e relevân-
cia. Além disso, o Espírito Santo usara também trechos da Escri-
tura com os quais não estava familiarizado, para estender seu
cuidado sobre mim.
Depois de ser despedido da igreja, minha mulher e eu participa-
mos de uma conferência para pastores realizada pela Sonscape
Ministries no Estado do Colorado. C01110 escrevi anteriormente,
aquela semana que passamos ali foi maravilhosamente renovadora
e restabelecedora. Um destaque f,Ji a noite de culto e comunhão.
Por todo aquele dia, até à noite, o Senhor aproximou-se tanto de
mim quanto de Suzanne pela Palavra. Naquela noite, ao nos ajoe-
lharmos juntos diante da mesa da comunhão, compartilhamos um
com o outro as prolncssas que Deus havia nos dado por sua Pala-
vra. Foi a primeira oportunidade que tivemos naquele dia para fa-
zer ISSO.
No começo da tarde marquei eln Ininha Bíblia U111a palavra
poderosa que Deus me mostrara em Isaías 43. Esrava ansioso para
compartilhar aquilo com Suzanne. Mas primeiro perguntei o que
Deus lhe havia mostrado naquele dia. Ela abriu sua Bíblia e leu:

Mas agora assim diz o SE:-.JHUR,/ aquele que o criou, Ó Jacó,!


aquele que o formou, Ó Israel:/ "Não tema, pois eu o resgatei;/
eu o chamei pelo nome; você é meu.! Quando você atravessar
as águas'! cu estarei com você;/ quando você atravessar os rios,!
eles não o encobrirão.! Quando você andar através do fogo'!
não se queimará;/ as chamas não o deixarão em brasas.! Pois eu
sou o SL:-.JHOR, o seu Deus,! o Santo de Israel, o seu Salvador;!
dou o Egito como resgate para livrá-lo,! a Etiópia e Sebá em
troca de você.! Visto que você é precioso! c honrado à minha
vista,! e porque cu o amo,/ darei homens em seu lugar,! c na-
86 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

ções em troca de sua vida.! Não tenha medo,! pois eu estou


com você,! do oriente trarei seus filhos/ e do ocidente ajunta-
rei você.

Nem pude responder-lhe depois que terminou a leitura. Fiquei


extremamente emocionado. Aquelas etam as mesmas palavras de
Isaías 43.1-5 que Deus tinha me dado à tarde para me confortar e
encorajar a seguir em frente apesar de minhas dúvidas sobre perma-
necer no ministério.
Descobri que nlesrno não reconhecendo de inlediato seu cui-
dado, ele estava lá, como urna rede protetora para acrobatas. Du-
rante sua demonstração, o acrobata está distraído quanto à rede
abaixo. Enquanto a demonstração prossegue c as acrobacias cora-
josas são realizadas com perfeição, o acrobata não precisa reco-
nhecer a presença da tede. Mas quando o artista cai, deve sua vida
à rede. Aprendi a estar mais consciente da rede de Deus em minha
vida, e perceber corno ele está cuidando de mim durante os mo-
mentos difíceis. Em episódios de conflito freqüentemente come-
ço o dia orando assim: "Deus, ajude-nle a vê-lo eln ação em mim
e ao meu redor hoje".
O que Deus geralmente me mostra é como está operando pelo
ministério de outros fiéis no corpo de Crisro.

AMIGOS COMO TIMÓTEO

O apóstolo Paulo certamente era consciente do cuidado de outros


fiéis. Suas cartas registram sua gratidão aos outros: Epafrodito (FI
2.25), Timóteo (FI 2.19s.), Tíquico (CI 4.7), Aristarco, Marcos,
Justo (CI4.10s.) e Lucas (2Tm 4.11), entre outros.
Algumas vezes quelTI se inlportou cornigo foi quern eu espera-
va. Em outros momentos Deus surpreendeu-me conl alguénl ines-
perado, e me perguntei: "De onde veio essa pessoa'''. Os dias
depois da chamada telefônica informando a minha demissão da-
quele ministério, foram tão longos que quase não agüentei. Lem-
bro-me vagamente de alguns eventos daquela primeira semana.
ANJOS NA TURBULfNCIA 87

Foi muito grande o choque de ser cortado de meu trabalho, do


meu chalnado.
Posso lembrar-me, todavia, de um dia naquela semana, quarta-
feira à noite. Minha mulher e eu esrávamos sentados na sala e o
telefone fInalmente tocou. Um amigo ligara, um conselheiro cris-
tão. Nossas famílias eram bem próximas quando eles moravam em
nossa cidade, mas desde que se mudaram para o leste do país dois
anos antes, só mantínhamos contato por cartões de Natal. Por cau-
sa de nosso pouco contaro, sabia que não estava ligando pela crise
que passávamos; não tinha como saber sobre aquilo. Estava ligan-
do para cumprimentar-nos e pedir o número de telefone de um
alnlgo enl conllUll.
Perguntei a minha mulher se poderia procurar o número do
telefone que ele queria. Continuamos o bate-papo mas, de repente,
ele parou na metade da sentença e perguntou cuidadosamente:
- A propósito, vocês estão bem? Talvez haja uma razão a mais
para meu telefonema do quc pegar este número de telefone.
- Engraçado você estar perguntando - eu disse - e muito
mais estranho você ter ligado esta noite... ".
Nos trinta minutos seguintes ouviu, orou e pronunciou pala-
vras bem escolhidas de amor e encorajamento. Quando finalmente
nos despedimos, parecia que eu havia caído diretamente naquela
rede de acrobata debaixo de mim. O telefonema foi como estar
recebendo uma mensagem direta de Deus.
Por alguns minutos depois da ligação, Suzanne e eu refletimos
sobre o cuidado de Deus por meio daquele amigo. O telefone to-
cou novamente. Era ele, o mesmo amigo. Disse: "Realmente liguei
antes só para pegar aquele número de telefone, qual é o núnlero?".
Além do cuidado, aparente intervenção direta de Deus, também
fui fortalecido por um pequeno grupo de amigos de alguns anos.
Quanto mais velho fico, mais grato sou por esses amigos. O após-
tolo Paulo também tinha amigos a seu redor durante os momentos
difkeis. Quando Paulo era um prisioneiro solitário enfrentando
seus dias finais na prisão Malnertine, em ROlna, mandou chamar
88 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONfLITOS

Timóteo. Aquele fiel amigo havia unido seu coração ao do após-


tolo. Estiveram juntos desde o início da pregação missionária de
Paulo. Como companheiros navegaram pelo mar Egeu e atraves-
saram o interior da Macedônia. Foi a Timóteo que Paulo confiou
seu querido tebanho em Éfeso. Timóteo foi quem esteve com ele
c o apoiaria até o fIm. Conhecia até mesmo a capa da qual Paulo
sentia falta e queria de volta - ele a deixata na casa de Carpa em
Trôade.
Mais importante, Paulo precisou dos códices e dos rolos de per-
ganlinho. Os documentos estavam entre seus nlaiorcs valores. A
capa era algo prático, nlaS os perganlinhos eranl essenciais. Aqueles
trechos da Escritura trariam o conforto final a ele, enquanto lia os
salmos de Davi, a sabedoria de Salomão e as exortações dos profe-
tas. Tinlóteo era de confiança para carregar os tesouros.
Finalmente, Paulo confessou precisar de Timóteo - não pelo
que o jovem poderia trazer-lhe ou f"zer por ele. Ele precisava de seu
allligo ·1·ünóteo.
"Timóteo, preciso que você venha e esteja comigo. E faça o
máxinl0 para chegar aqui antes do inverno".
Até onde sabemos, aquelas foram as últimas palavras escritas
por Paulo, palavras direcionadas a um amigo sem igual.
Deus tenl me enviado alnigos como Titllóteo, cujo cuidado
tem vindo de diversas formas - um bilhete, uma ligação telefôni-
ca, urna oferta em dinheiro ou simplesmente a oportunidade de
me retirar c ficar sozinho eln suas casas de praia. Senti o carinho
deles até quando me olharam nos olhos e disseram onde bavia erra-
do em palavra ou em atitude.
Suzanne e eu tínhamos E,lado sobre corno são raros esses rela-
cionamentos no nlinistério pastoral. Muitas vezes, somos vistos
como separados dos fiéis CQlllunS na igreja - não SOlllOS "co-
llluns" o suficiente para anlizades. Tenho tentado acabar com esse
mito, mas cultivar amizades no trabalho pastoral requer um com-
pronlisso especial. Venho f:lzendo um esforço consciente para
empregar mais tempo com cristãos de dentro e de fora da igreja
ANJOS NA TURBULENCIA 89

com quem sentia alguma afinidade. Quando encontro alguém


para poder revelar o que há en1 meu coração, sinto como se tives-
se encontrado ouro.
No ano passado, nossa igreja experimentou um pouco da poda
de Deus. Desde o zelador até meu pastor associado mais chegado,
todo o pessoal adn1inistrativo mudou. As razões são legítimas:
casamentos, transferência de trabalho do cônjuge, graduação na
escola, dificuldades físicas ou o chamado para um ministério di-
ferente. Mas o efeito na igreja foi enorme. As pessoas têm se sen-
tido inseguras, sem rumo, vazias e U111 pouco temerosas sobre o
futuro. Compartilho com a maioria de seus desconfortos espiri-
. "
tualS e emOCIOnaIS.
Logo depois que fui despedido, um amigo da igreja perguntou-
rne após um culto de domingo: "Posso lne encontrar corn você
esta semana para orar?". Veio na terça de l11anhã e nosso tempo
juntos estendeu-se até a tarde; conversamos e oralnos muito duran-
te várias horas. Ao sair, disse: "Gostaria de repetir isso com você na
próxima semana, se tiver tempo". Na terça seguinte oran10S juntos
pela segunda vez.
Com o passar das semanas, aquela pessoa tornou-se meu confi-
dente. Foi inexorável em sua atenção e em reunir outros homens ao
lneu redor para orar por 111irn e para me dar apoio e encorajarnen-
to. Não passa un1a semana sern que ele envie ao menos um recado
ou me ligue, além de nossos momentos regulares de oração. Sua
farnília aproxin10u-se muito da minha; tornamo-nos parte do cír-
culo de oração matinal deles, quando pedem para Deus proreger-
nos e abençoar-nos.
São a rede de Deus esticada embaixo de nós durante este tempo
de teste e tribulação. Se não tivesse aprendido a reconhecer como
Deus cuidou de nós nos momentos difíceis do passado, os enxergaria
somente como amigos preocupados. Ou poderia ser um pouquinho
lnais cínico e os veria de maneira suspeita, perguntando-n1c se aca-
so não teriam algwn interesse escondido. Mas agora os vejo corno
agentes do próprio Deus.
90 O CARÁTE.R APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Ao arriscar deixar os outros se inlportarem conosco, podemos


colher recompensas duradouras. Além do benefício óbvio da ami-
zade verdadeira, esrá a alegria de experimentar no cuidado deles a
ação de Deus. Anjos vêm sob muiras formas.
o MOMENTO DE RETROCEDER

N ,:ssa família está aprendendo muito sobre lacrosse] nesses dias.


E um esporte relatIvamente novo em nossa regIão, 111as nos-
so filho mais novo joga. Há várias técnicas de lidar com a bola,
aracar o oponente, fazer gols e defender.
Em um jogo recente, ao ver nosso filho em sua posição, fiquei
confuso com os movimentos feitos no campo. Após o jogo, per-
guntei:
- () que eralll aqueles 1110vimentos que você fez no campo
quando era marcado pelo oponente?
Respondeu timidamente:
- Estava tentando evitar que aquele cara grandão me amassasse!
Ri j unto com c1e:
- É sempre uma boa idéia saher con10 evitar ser 111JSSacrado!
Tive de aprender uma estratégia senlelhante no 111inistério: há
momentos em que a melhor maneira de lidar com o conflito é
evitá-lo.
Quando era garoto, tentando fazer amizade com os outros no
pátio da escola, meu pai costumava dizer: ''As brigas mais fáceis de
vencer são aquela..'1 em que você não entra". Estava certíssiJno. No
entanto, é mais fácil dizer do que fazer. Tenho uma caricatura gruda-
da no lado de meu arquivo de aço que mostra um pastor atrás do

IJogo de origem cwadcnse, semelhante dO hóquei. (N. da E.)


92 O CARÁTE.R APERFEiÇOADO PELOS CONfliTOS

púlpito no domingo pela manhã dizendo: "Interrompo este sctmão


pata infotmá-los que os garotos da quarta sétie tomatam o conttole
da classe da escola dominical. E estão mantendo a senhorita Mosby
C01110 refenl neste n10mento". É a maneira suave de hlar sobre un1a
dura verdade: conflitos na igreja podem ser desagracHveis e danosos,
perigosos para a saúde tanto do pastor como da igreja.
Como evitar ser refém de alguém? Não é algo discutido no
seminário, ou se foi, faltei naquele dia. Aprendi da forma mais
difícil, pot meio de anos de erros causados por um esrilo insoleme
de liderança que afastava quem não compartilhava da minha posi-
ção. Pensei realizar a obra de Deus com paixão e zelo. Não aceitava
nada menos que meu compromisso total- o problema foi tcr as
meSInas expectativas rígidas dos outros. Para miln o conflito era a
companhia natural de alguém devotado ao serviço de Cristo.
COln o teInpo e a dor aprendi outras coisas. Deus mostrou-me
que evitar um conflito não equivalia a ser indiferente ou Inaterialis-
ta; ao contr:oirio, a Escritura pronuncia UIna bênção específica sobre
quem se destaca na arte da pacifIcação. Disse Jesus: "Bem-avemura-
dos os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus" (Mt 5.9).
Tenho aprendido a estender rnais benefícios aos outros e a cons-
truir relacionamentos mais duradouros mediante o ministério
participativo. Sei agota que embora nenhum pastorado seja livre de
conflitos, taInbém não deve ser Ininitnizado con10 um obstâculo
de trabalho com o qual o pastor é obrigado a conviver.
Um ministério eficaz não tem que acontecer eln um an1biente
hostil.

ESCOLHENDO AS DISCUSSÕES

Foi uma grande revelação descobrir que não vale a pena engajar-se
em toda batalha e nem todo conflito vale meu envolvimento. Al-
guns assuntos incencli<lrios simplcsn1ente precisanl ser evitados.
Quando Neemias liderava a reconstrução do muro de Jerusalém,
teve muitas oportunidades para conflitos. Sempre me impressiono
o MOMENTO DE RETROCEDER 93

com sua habilidade em decidir quais conflitos mereciam resposra c


quais deviam ser ignorados para que a obra pudesse conrinuar.
Após reperidas renrarivas de Sambalate, 1übias e Gesém para frus-
trar os esforços de Neemias, eles tramaran1 um esquema para se livra-
rem dele de uma vez por todas (Ne 6). O truque o atrairia para um
banquete de paz para pegá-lo em uma armadilha. Em vez de confrontá-
los, N eemias evitou a armadilha. Simplesmenre enviou-lhes suas
desculpas: "Estou executando um grande projeto e não posso descer.
Por que parar a obra para ir enconrrar-me com vocês)" (Ne 6.3bl.
Enquanto escrevia este capítulo tive uma oportunidade de prati-
car algumas coisas aprendidas com Neemias. Normalmente recebo
de nossa equipe de culto um plano com duas semanas de antece-
dência. No entanto, devido ao recesso escolar da prinlavera, rllui-
tos mernbros da equipe estavam fora da cidade, enrao não recebi o
plano até a segunda-feira anterior ao culto. Havia alguns problemas
significativos com a liturgia afetando negativamente o fluir do cul-
to. Liguei para nosso líder leigo de culto e falei sobre as mudanças
necessárias para o andamento do culto e uma rnais forte experiência
de adoração naquele domingo. Um pouco relutante, ele concor-
dou ern fazer as mudanças.
Então, no s;íbado à noire, recebi um e-mrú! dele informando-
me rer reconsiderado e desejava manter a liturgia original. Disse ter
certeza de que eu entenderia.
Houve unla época em meu nlinistério que, se algo assim tivesse
ocorrido, eu faria uma ligação telefônica dois minutos depois, exi-
gindo uma explicação. De maneira diplom~ítica, mas direta, eu o
lembraria da maneira apropriada de lidar com algo assim uma con-
versa pessoal, não por e-mai!, e já que cu era o responsável pelo culto,
faríamos da manei ra como eu havia proposto.
Desta vez respirei fundo, orei para que Deus abençoasse o cedto,
e pedi ajuda para ser compreensivo c positivo com nosso líder de
culto e com os assistentes no domingo pela manhã. Então, deixei o
assunto de lado. No domingo disse ao líder de culto que havia
recebido seu e-mai!, agradeci por ter analisado a situação, e confir-
94 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

mei sua decisão de prosseguir com o culto como planejado origina-


riamente. Nada mais foi dito sobre isso.
Aquela resposta encerrou o assunto.
O culto seguiu como planejado. Ainda que, em minha humilde
opinião, seu andamento estivesse um pouco desarticulado no iní-
cio, ninguém pareceu notar. Depois agradeci a Deus por sua sabe-
doria em me ensinar a escolher minhas discussões cuidadosamente.

QUANDO IR À LUTA

Ao decidir quais questões são significantes o suficiente para um


confronto e correr o risco de um conflito, geralmente faço três
perguntas a mim mesmo:
1. A situação envolve a{"uma coisa contrária a nossa missão como
igreja? Se a questão diante de mim não conflita com a missão de
nossa igreja, de ajudar as pessoas a ter um relacionamento com Deus
e seguirem com dedicação a Jesus Cristo, então, é algo a ser deixado
para lá, ou resolvido de maneira não conflituosa.
O líder do grupo de culto faz um bom trabalho liderando o
culto, mas telll dificuldades para se comunicar com o grupo e COlll
a equipe da igreja. Um membro do grupo recentemente me disse:
"Trabalharíamos beIll juntos se não precisássenlos nos comunicar".
Não que o líder não se comunique; o problema é o modo como
o faz. Ele prefere não fálar fáce a láce com as pessoas. Usa làxes,
deixa mensagens nas secretárias eletrônicas, Illanda e-mf1i!:J ou me-
morandos. Dificilmente fála com alguém por muito tempo.
Em vez de fazer de seu estilo de comunicação uma grande polê-
mica, disse às pessoas para se adaptarem a sellS métodos. E mais,
sugeri ao grupo tomar a iniciativa de organizar reuniões com ele,
com a presença de todos os membros. O líder tem ouvido do gru-
po o quanto apreciam unla interação pessoal COll1 ele e está se tor-
Iundo Inais receptivo para readaptar seu estilo de comunicação.
2. A questão pôe em rúco nosso compromisso de ser e formar fiéis
seguidores de Cristo' Surgiu um problema com os líderes das classes
o MOMENTO DE RETROCEDER 95

de adultos que não estavam se pteparando adequadamente pata as


aulas de domingo de manhã. Aquilo atrapalhava nossos esfotços
para modelar e ensinar o princípio de que oferecemos nosso me-
lhor para Deus ao servi-lo, então, decidi que precisávamos tratar do
assunto direramente com os líderes das classes. fui à reunião men-
sal dos professores da escola dominical e pedi para falar com eles
sobre o assunto. Expliquei: "Esta não é somente uma questão sobre
o dia da semana em que você prepara a lição ou a quantidade de
tempo dedicada para isso. Diz respeito a nossa liderança, a dar um
modelo para toda a igreja sobre o preço de servir a Cristo.
"Se estamos dispostos a pagar esse preço nas coisas pequenas,
então, Deus nos confiará responsabilidades maiores e nos dará bên-
çãos maiores para nosso serviço".
A reação foi benevolente por parte daqueles líderes. Comprome-
teram-se a melhorar naquela área. Um líder disse descontraidamente:
"Se você me ligar sábado pela manbã e minha lição não estiver 80%
pronta, então, prometo penitenciar-me em frente da classe no do-
mingo pela manhã!".
3. Dentro de um ano fàrá diftrença para a nossa igreja termos
lidado com o assunto? Se percebo que aquela situação não fará dife-
rença na igreja, de maneira que ninguém mais se lembrará daquilo
ou reconhecerá aquilo em um ano, então, esqueço o assunto ou o
trato de lnaneira não conflituosa.
É inlpressionante C01no alguns assuntos ainda são significantes
ou relembrados após um ano. O que faz muitos deles significantes
ou relembrados não é o assunto ern si, mas o grau de conflito des-
necessário que causaram. Tento avaliar o "significado dentro de um
ano" de assuntos potenciailnente passageiros e uso isso como UIll
indicador para evitar ou tratar da situação.
Um desafio em nossa congregação é conseguir que os partici-
pantes do ministério de educação cristã cheguem cedo o bastante
para que as aulas comecen1 no horário. Muitas vezes ouço: "Nossa
igreja tem sido 'flexível' aos domingos com o horário de início da
96 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CON~LITOS

Bible discovery Hour [Hora de descoberta da Bíblia]". Essencial-


mente quer dizer que algumas aulas começam às 9h 15 da manhã,
no horário certo, mas outras começam às 9h3ü ou até 9h45.
Ninguém se desgastava com aquilo, exceto cu'
Fui tentado a participar da reunião dos organizadores da educa-
ção cristã C anunciar que não dcvcrían10s nlais ter atrasos nos do-
mingos pela manhã. Mas perguntei a mim mesmo: "Será que se as
aulas começarem no hodrio certo f3xá diferença para a igreja no
próxinlo ano?".
Já que o ministério educacional estava crescendo c nunca corne-
çara no horário antes de minha ida para a igreja, tive que responder
não. Deixei o assunto de lado e denominei-o "peculiaridade de nos-
sa igreja". Não houve confronto e, portanto, evitou-se o conflito.
Se respondo negativamente a todas as três questões, isto me diz
que o assunto não vale o risco de um conflito.

DESLIZE NA INTEGRIDADE

Uma farnília em nossa igreja recentemente contratou U111 emprei-


teiro para [lzer o acabamento no porão de sua casa. O processo
acabou virando um daqueles pesadelos de reforma de casas. Co-
nhecia ambas as partes e não sei Colno fui parar no 111eio da briga.
Quando o conflito piorou, recebi telefonemas de ambos; cada
um tentava me usar para ddender seu lado. Tais conversas toma-
ram um rurno negativo. () dono da casa I11e disse: "O empreiteiro
não somente tlZ um trabalho ruirn, lnas já ouvi dizer quão antiético
foi ao pagar antigos empregados".
Ele rambém foi culpado de ser desleal com o dono da casa en-
quanto o conflito aun1entava.
ConseqüCntC111ente vi-nle tentado a deixar que soubessem o que
falavam um do outro. Demorou um pouco até controlar-Ine e
tornar uma posição neutra. Mas quando isto aconteceu já havia
dito muira coisa. Um dos lados acusou-me de fofoca. Tive de ad-
I11itir meu erro e, então, procurei o Olltro e fiz o rneSI110. No final,
o MOMENTO DE RETROCEDER 97

meu erro acabou se tornando UIna lição para nós três; o empreitei-
ro e o dono da casa adnlitiram ter cOI11etido o meSI110 erro.
O conflito tem um jeito especial de crescer de um pequeno
deslizamento de terra para um desmoronamento completo, e a ter-
ra faz vítimas enquanto desce morro abaixo. Um conflito tem o
potencial de arruinar a integridade de ambos os contendores de
uma questão. Isso acontece quando cada lado procura juntar apoio
a seu favor - fazendo afirmações exagcradas, escondendo a verda-
de, contestando os Inativos do outro.
Como podemos nos guardar disto? Um passo importante é re-
cusar discutir questões relevantes com os não envolvidos direta-
Inente no caso. Precisamos ser fiéis ao citar fatos de uma situação e
não exagerar os detalhes. Quando mantemos nossa integridade, não
somente exibimos um comportamento cristão, mas também não
arriscamos perder nossa credibilidade com outros - incluindo as
pessoas do outro lado da discussão.
Um grande amigo recentemente pediu para sair de sua igreja,
após mais de um ano de incansáveis conflitos. A grande maioria das
pessoas da igreja ficou chocada ao ouvir sobre sua demissão. Elas
não tinham idéia de que ocorriam problemas na igreja.
Perguntei-lhe como as pessoas não sabiam de nada sendo o con-
flito tão severo. Sua resposta revelou muito de sua integridade du-
rante aquele sofrimento. Ele disse: "Nunca falei sobre os problemas
con1 ninguém na igreja indiretan1cnte envolvido. E os que estavam
do outro lado da quesrao só se comunicaram com quem pensava
da mesma maneira que eles".
Não devemos usar a Inesma arn1a do adversário, pois isso C0111-
promete nossa integridade. Como Oswald Chambers uma vez es-
creveu: "Buscar que meu adversário reconheça meus direitos é algo
natural: mas do ponto de vista do Senhor não importa se fui enga-
nado ou não; o que importa é que eu não engane pessoa alguma".
A reação de meu anligo ao conflito em sua igreja foi um exem-
plo poderoso do que chamo de "liderança por eocarnação". É o
98 O (ARÁ TER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

tipo de liderança que Jesus exibiria na igreja - uma liderança que


recusa vencer a batalha a qualquer custo. A vitória conseguida às
custas de nossa integridade não é vitória.

MEDIDA DE PREVENÇÃO

A escassa instrução recebida no seminário para lidar com pessoas e


questões na igreja poderia ser colocada em uma única folha de pa-
pel. No emanto, houve alguns conselhos dados entre aquelas limi-
tadas lições que poderiam ter evitado tantas anotações angustiantes
em meu diário pessoal. Um pastor, professor-adjunto, disse: "Tra-
balhe mais para manter bons relacionamentos na igreja do que para
resolver problemas nela".
Ele queria dizer que se procurássenlos construir e manter relacio-
nalnentos saudáveis e redentores C01n as pessoas, teríalnos n1uito
menos problemas para resolver - e menos problemas significa
menos conflito.
Foi uma afirmação sábia, à qual deveria ter prestado mais aten-
ção nos anos do início de meu n1inistério. Deveria ter feito a n1im
mesmo duas perguntas: 1) Esra luta vale o rompimento de um
relacionamento?: 2) Há outro modo de lidar com o conflito que
não danifique os relacionamentos?
Um líder em uma igreja que trabalhei criticava-me constantemente
por não atingir suas expectativas. Parecia que n1inhas sugestões seri-
am dificilmente aceitas e meus melhores esforços geralmente não
eram bons o bastante. A tensão em nosso relacionamento era tão
grande que dificilmente falávamos um com o outro. Não rivemos
uma discussão acirrada; sil11plesmente nos ignorávalnos.
Depois de meses de guerra fi-ia, em um domingo, ele discutiu
comigo sobre uma questão do culto. Eu estava convencido que
nosso relacionan1ento não era o que deveria ser e oraVa a Deus que
desse un1 jeito para nos reconciliarmos.
Minutos após o confronto fui em sua direção e perguntei-lhe se
podíamos conversar. Disse-lhe que não queria que o conflito entre
o MOMENTO DE RETROCEDER 99

nós continuasse. Sinceramente me desculpei por minha atitude e


ações erradas e pedi seu perdão. Ele perdoou imediatamente e abra-
çou-nle. EIll nlCU ouvido sussurrou: "Precisava ouvir isto de você,
mais do que pode imaginar. Só espero poder bzer o mesmo um
dia desses".
Sabia o que queria dizer. As pessoas que o conheciam sabiam
que dificilmente admitia estar errado sobre algo. Não esperava ou-
vir um pedido de desculpas dele, mas ao menos dei conta de mi-
nhas mazelas.
Para que soubesse conl certeza que eu queria um novo começo
convidei-o para ser meu companheiro de oração por duas semanas.
Oro com alguém da igreja toda terça-feira e, na primeira terça de
oração, cle chegou um pouco mais cedo. Conversamos e fOIllOS ao
meu escritório para orar. Um pouco antes de ternlinarmos, parou e
disse: "Preciso que você saiba que estou arrependido do tratamento
que lhe dei no ano passado. Estava errado e preciso do seu perdão,
assim conlO você precisou do meu".
Aquela confissão eliminou a última ferida do prolongado con-
flito com ele. Novamcnte nos abraçanl0s e reconhecelnos que nos-
sa nova amizade era mais importante do que qualquer problema a
enfrentar. Desde então nos baseamos naquele compromisso e nos
tornanl0S bons amigos.
Em minha leitura de lazer, gosto de livros sobre a história das
várias guerras em que os Estados Unidos se envolveram. Aprendi
muito estudando a liderança de Abraham I.incoln durante a guerra
civil. Próximo do fim da guerra, quando os Jcalawag,~ estavam
ocupados em dominar seus conterrâneos do sul, Ulll exaltado con-
tingente de rebeldes reaciOldrios confederados conseguiu Ulna au-
diência com o presidente para tratar do assunto. A gentileza de
Lincoln, sua forma amig:ível com o grupo, logo quebrou o gelo e

2Panid<irios de ScaLl'wag, sulista branco do [J"rrido Rcpubliclno, depois da euerra de


Secessão. (N. da E.)
100 O CARA TER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

os sulistas saíram com um novo respeito por seu adversário. Um


congressista do norte aproximou-se do presidente e o criticou por
ser amigável com um inimigo. Em vez disso, disse que Lincoln
deveria ter atirado neles por serem traidores. Lincoln sorriu e repli-
cou, "Não destruo lllCUS inimigos ao fazer deles Il1CUS allligos?".
LIVRE DA DOR

A cabara de conversar ao telefone com um homem do conse-


lho da igreja. Ligou-me para avisar que meu maior oponen-
te, tambérn rnenlbro do conselho, iria me confrontar naquela noi-
tc na reunião. Iria recornendar que o conselho voltasse atrás em
Sllas decisões prévias de acordo com a 111issao e direção da igreja.
De repente, minha pressão sangüínea subiu e gritei: "Não acre-
diro que isro esd acontecendo. Isto significa guerra!". Minha secre-
«Iria veio correndo ao meu escritório e perguntou o que estava
ocorrendo. Disse: "ESGUllOS prestes a ter a maior batalha da vida
desta igreja na reunião do conselho desta noite".
Nos minutos seguintes, tornei-me UHl cOlnandantc de infàntaria
ao agitar-me pelo escritório gritando ordens aos suhordinados. Que-
ria reunir informações negativas sohre aquele membro do conselho,
e sabia exatalnente onde era mais vulnerável- em sua contribuição.
Pedi que a secretária imprimisse o regisrro das contribuições daquele
homem nos últimos dois anos. () relatório reforçava minhas suspei-
tas: aquele rico indivíduo havia dado somente 300 dólares para a igreja
durante esse período. Planejei levar o relatório à reunião, jo[;á-lo na
lnesa na hora certa, e dizer: "Senhores, querclllos ouvir nlais críticas
mordazes de alguém que tem investido tão pouco em nossa igreja'''.
Se aquilo não o colocasse etn seu lugar) nada l1lais o faria.
Felizmente não levei o plano avante) ainda que parecesse a tática
certa para silenciar nlinha oposição para sempre. Agora nle sinto
um pouco envergonhado daquilo.
102 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONfliTOS

Uma das coisas que mais gosto nas revistas e jornais é a seção
"Onde eles andam agora''', sobre a vida de personalidades em uma
perspectiva comparativa entre passado e presente. É interessante des-
cobrir a direção que a vida de alguém tomou desde a fama. Acho
valiosa tal reflexão em minha própria vida, especialmente ao relacio-
nar a eventos que de alguma forma eram significantes. Escrever este
livro deu-me uma visão do passado e do presente em minha vida
desde a saída da igreja descrita no prin1eiro capítulo. Posso agora ver,
a partir desta perspectiva do conflito, Deus usando minha experiên-
cia para amadurecer-me - COIllO pessoa e como pastor.
A maioria das lições que aprendi esrão entrelaçadas nas páginas
anteriores desre livro, mas ao reflerir nos escritos de v;írios anos de
meu diário pessoal, percebo que pelo conflito no minisrério, Deus
ajudou-me a descobrir o tipo de bem ele revela por meio da dor.

A DOR PURIFICADORA

Quando estava no selllin<lrio, ouvi un1 palestrante afirmar algo que


dificilmente acreditaria na época. C:irando A. W Tozer, disse: "Deus
não pode fazer de U111 horne111 seu instflullento até que machucá-lo
profundamente". Na mesma época li uma observação semelhante
de Alan Redpath: "Quando Deus quer realizar algo muito difícil,
pega uma pessoa difícil e esmaga".
"Será que aquilo poderia ser verdade?" - perguntava a mim
mesn10. "Deus nos fere, até C0111 o propósito de nos purificar ou
tornar-nos mais úteis?"
Depois de muitos anos e dores compreendi haver lições na vida
que só podem ser aprendidas pelo conjunto de dores permitidas
por Deus. Isto é parte do ponto que Jesus queria chegar em João
15.2 quando disse a seus discípulos: "Todo ramo que, estando em
mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá truta ele poda, para que
dê mais fruto ainda".
Por exemplo, a dor ensinou-me a ter mais compreensão com
pessoas necessitadas disso. Em 1I1ll retiro para pastores e suas espo-
LIVRE DA DOR 103

sas, lembro ter ouvido um amigo relarar as dificuldades experi-


mentadas em sua igreja no ano anterior. Falou sobre mal-entendi-
dos, rnágoas e duras acusações que havianl surgido na igreja. V;írias
famílias da liderança haviam saído e cle e a mulher sentiam-se der-
rotados.
Eu não estava preparado para a emoção que se abareu sobre mim.
De repente pude sentir a sua dor como se fosse minha. Só sentira
tal dor um ano c meio atrás. Quando terminou, abracei a ele e a
sua mulher. Vários outros aproximaram-se do círculo c nossas
orações por eles partiranl de coraçôes unidos pelas experiências
comuns de dor.
Outra maneira de Deus agir em minha vida, é por meio da dor
para rue fazer mais tranqüilo e paciente COlll as pessoas. Minhas
idéias e desejos pela igreja não são mais tão importantes para serem
aceitos imediatamente, ou sequer aceitos. Reconheço agora que
Deus pode usar a idéia de outra pessoa para realizar sua obra em
nossa igreja. Também aprendi a aceitar o fato de os outros nem
sempre corresponderem às minhas expectativas. Entendo que rela-
cionanlentos saudáveis sao mais irnporrantes do que meramente
ter cunlprido urna tarefa. Mesmo ao escrever isto, estas lições pare-
cem tão óbvias e tão básicas para a obra pastoral. Mas foram terrí-
veis para aprender.
Não mui[() tempo atrás, trabalhava com nosso conselho para
contratar mais uma pessoa para a administração da igreja. Senti que
o processo não era tão dpido como deveria. Alguns presbíteros não
haviam terminado suas tarefas como planejado e por isso não pu-
demos tornar umadccisao final. Alguns anos atrás, teria ficado ira-
do ou impaciente. Agora digo: "Mais importante que resolver a
contratação de alguém é o que acontece em nossa vida. Obviamen-
te há algUInas coisas acontecendo que Deus está usando para revisar
nossa decisão. Vamos tlcar tranqüilos e seguir a liderança de Deus
nesta quesrao".
Eu não estava desculpando a falta de atenção ou irresponsabilidade
de alguém. Havia, no entanto, aprendido a ser mais sensível à vida de
outras pessoas - às lutas que provavelmente afetaram seu trabalho.
104 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

TODOS À ESPERA

Lembro-me de minha primeira volta na montanha russa quando


garoto. Eu era mais velho que meus amigos quando foram pela
priIncira vez. Até meu irmão lnais novo havia se divertido lá antes
de mim. Mas eu era cuidadoso, um pouco medroso. Finalmente,
com O incentivo de meu irmão mais velho e de meu pai - e por
sentir-lHe envergonhado por meu irmão lnais novo ter ido antes
de mim - ton1ei coragem e deixei meu pai levar-me à n10ntanha
russa.
Meu pai falava o tempo todo que tudo sairia bem. Suas últimas
palavras foram: "Se ficar com muito medo é só enfiar a cabeça
debaixo de mcu braço e eu segurarei você". Desde o momento que
o carrinho despencou na primeira descida até parar minha cabeça
ficou enterrada sob o braço de meu pai. Sabia que meu pai nunca
me machucaria intencionalmente ou me colocaria em risco. Se dis-
se que estaria a salvo, estaria a salvo. Aquilo não eliminou o medo
do passeio, mas me fez enfrentá-lo. Do mesmo modo, a dor de ser
expulso de uma igreja levou-me a confIar em Deus de urna maneira
nunca feita antes. Embora não entcndesse o que Deus estava fazen-
do ou porquê, descobri que podia confiar nele completamente para
me conduzir pelo sofrimento. Acreditava e descobria novamente
que Deus não é pego de surpresa. Ele não esfregava as mãos e se
perguntava: "O que vou fazer com Preston agora?". A dor cra parte
dos planos de Deus para minha vida e precisava aprender a confiar
nele durante o processo.
Não sei o que me estimulou a confiar em Deus. A confiança
simplesmente estava lá. Talvez fosse o acúmulo de anos de estudos
bíblicos, pregação e ensino. () que tinha em minha mente era agora
posto em ação. Durante os primeiros dias após minha demissão
relembrei os planos divinos para a vida de Moisés. De acordo com
Êxodo 2, Moisés chegou ao poço em Midiã, onde se sentou, pro-
vavelmente com sua face enterrada entre as mãos, sentindo-se um
fracasso. Ficaria no deserto de Midiã pelos próximos 40 anos, cui-
dando do rebanho de ovelhas de seu sogro Jetro. Moisés estava ali
LIVRE DA DOR 105

porque havia matado o egípcio. Mas em vez de Clllpar Deus ou


reclamar por não ter prevenido tal situação, Moisés aguardou, es-
perou e confiou. Moisés confIava que de alguma maneira Deus
ainda estava no controle e esperou que algum dia o chamasse nova-
mente para servi-lo.
Aquela confiança f'li hem colocada, pois Deus se lemhrou do
pacto com seu povo e foi procurar Moisés no longínquo deserto
perto de Horebe. A comovente história de como Deus apareceu a
Moisés nas chalnas de lllna sarça ardente e o chan10u lnais un1a vez
para liderar o povo de Israel na fuga do Egito é bem conhecida.
Mas oculta na grande verdade da fidelidade de Deus está a lição da
fé de Moisés, capacitando-o a manter seu caminho durante 40 anos
no deserto, enquanto esperava por Dcus.
O fàto de confiar em Deus me permitiu ficar tranqüilo sobre o
que teria de fàzer em seguida no ministério. Senti certa compulsão
para seguir Ineu instinto natural de fazer contatos para encontrar
um novo ministério e uma nova fonte de renda. No entanto, Deus
deu-Ine a certeza de que nos supriria de outra forma. Nas semanas
seguintes após a minha demissão, fiquei in1pressionado con1 os tc-
lefonemas e cartas recebidas de amigos e colegas. Todos ofereceram
orações e muitos deram sugestões ou ajuda para eu encontrar outro
lninistério como pastor. Deus nos reassegurara que, como Moisés,
não fomos esquecidos.
Aprendi de outro modo que a responsabilidade de Deus é suprir
todas as nossas necessidades, enquanto que a nossa é confiar nele.
Isso não significa que o modo de Deus nos suprir será o mesmo em
todas as situações. Confiar em Deus pode reI' levado outros a fazer
ligações telefônicas e escrever cartas. Em nosso caso, foi exatamente
o oposto. Preferiria ter tomado algumas atitudes, mas Deus disse:
"Espere, con f'le e o bserve o que farei.
c ."

NINGUÉM É INOCENTE

No aconselhamento de casais quase SClnpre acho necessário fazer o


papel de juiz ou mediador em desacordos. Destaco aos casais que
[06 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELüS CONFLITOS

ambos têm responsabilidades por seus problemas, mas até reco-


nhecer isso não h,í muita esperança do casamento voltar ao normal.
O mesmo aconteceu comigo. Nos meses após minha demissão
comecei a reconhecer o papel desempenhado no desastre. Era Hcil
jogar toda a culpa em meus opositores - culpar as falhas do con-
selho ou o silêncio dos administradores ou a falta de suporte da
igreja. Mas reviver aquela dor não me ajudou. Só comecei a olhar
para dentro de mim quando um amigo fez um comentário casual:
"Acho que agora você também já descobriu sua parte de erro em
tudo isto".
Pensei sobre sua observação durante o resto de nosso altnoço.
Sabia a necessidade de pensar sobre meu papel naquela bagunça.
O Espírito Santo trouxe a minha mente vários pontos onde
havia falhado. As poucas famílias que haviam arquitetado minha
saída não estavam sozinhas em suas falhas. Eu tivera as minhas
tambén1.
Por exemplo, Deus me mostrou que não havia feito tudo o que
podia para dar atenção a uma das famílias opositoras, quando o
filho deles sofreu um acidente sério. Não havia lidado com uma
crise financeira muito beIn. Não deveria ter sido tão Gípido ao ex-
pressar minhas opiniões sobre questões irrelevantes. Minha lista de
erros continuava a crescer enquanto o Espírito Santo operava eIn
meu coração. Nenhun1 dos erros da lista eram graves enl si llles-
mos, mas tOInados juntos contavanl un1a história inegável - eu
contribuíra para aquela situação. Tinha que confrontar e resolver
aquelas falhas. O reconhecimento e a confissão permitiram-me ex-
perimentar o perdão de Deus, que em retribuição liberraram-me
para começar o processo de perdoar os outros.

COMPAIXÃO MAIS PROFUNDA

() nosso sofrimento ajuda a aprofimdar a compaixão pelos outros.


Jesus é a única pessoa que não precisou crescer em sua habilidade de
ter compaixão por quem passa por necessidades. Para ele veio
naturalrnente e de forn13 plena. O rnesmo não aconteceu cornigo.
LIVRE DA DOR 107

Tornei-me mais sensível com quem sofre. Quando alguém me


conta sobre dor e aflição em sua vida, geralmente meus olhos se
enchem de lágrimas. Narrar uma história de alguém arruinado du-
rante um sermão pode também me levar às lágrimas.
Ao pregar uma série de sermôes sobre a vida de Davi, descobri
que esre mesmo processo aconteceu na vida dele como resultado
do relacionamento rompido com seu filho Absalão. No livro Leap
over a Wáll rSalto sobre o muro], Eugene Peterson escreve: "A pior
rejeiçao de sua vida precipitou o mais n1aravilhoso alnor - amor
por Absalão". Pela dor da desavença com Absalão, Davi "resgatou
sua extraordinária capacidade para amar".'
A recém-descoberta compaixão de Davi deve ter impressio-
nado a todos. Quem esperava que reagisse ao golpe de Absalão,
ao passar em revista as tropas e enviá-Ias para batalha, com o
aviso aos comandantes para não matar Absalão? Davi os adver-
tiu: "O rei ordenou a Joabe, a Abisai e a Irai: 'Por amor a mim,
tratem bem o jovem Absalão" E rodo o exéreiro ouviu quando
o rei deu essa ordem sobre Absalão a cada um dos comandantes"
(25m 18.5).
Seria aquilo un1a ordem sentimental e irracional? Ou era o re-
sultado da extraordinária obra de Deus no coração daquele homem,
dando-lhe capacidade maior para a compaixão? A Escritura deixa
poucas dúvidas sobre o lamento do rei por seu filho decaído Absalão.
Era urna expressão autêntica de cornpaixão, aprendida por meio da
dor da rebelião de seu filho. Ouça o lamento de Davi:

Então o rei, abalado, subiu ao quarto que ficava por cima da


porta e chorou. Foi subindo e clamando: "Ah, meu filho
Absalão! Meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera (er
morrido em seu lugar! Ah, Absalão, meu filho, meu filho!"
(25m 18.33).

It\'nv \'ork: IlarperCollins, 1998.


108 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Richard DeHaan conta a história de um homem que ouvia os


ourros compartilharem suas passagens hlvoritas da Escritura com a
congregação. A maioria dos versículos falava de salvação, seguran-
ça, ou da provisão de Deus. E, então, um idoso levantou-se para
tomar sua vez. Disse que sua palavra favorita na Bíblia era: "pas-
sou". Explicou: "Quando a doença atinge, saber que passar,í me
anima. Quando me deparo com problemas, sei que não durarão
para sempre. Logo, logo, poderei dizer: 'passou"'.
Embora esse homem houvesse inferido um significado diferen-
te do que os autores bíblicos pretendiam, achou nelas urna impor-
tante verdade encontrada na Bíblia: não in1porta quão interminável
possa parecer um sofrimento ou quão intensa a dor experimentada,
chegará o dia quando não mais será um peso ou uma fonte de
preocupação. Na verdade, se parecerá como nada à luz da eternida-
de. Em 2Coríntios 4.17 est,í escrito: "Pois os nossos sofi-imemos
leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna
que pesa mais do que todos eles".
Anos depois dos 1l10mentos mais intensos de dor ctn Illeu mi-
nistério posso olhar para trás e dizer corno o apóstolo Paulo: "So-
mos perseguidos, mas não abandonados: abatidos, mas não
destruídos. lí-azemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus,
para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo"
(2eo 4.9-10).
Alguns anos amís uma família começou a frcqüemar nossa igre-
ja. A mulher me disse: "Estamos aqui para nos recuperar das lutas
que meu marido teve COll1 companheiros missionários", Ouvi as
histórias de conflito com os companheiros de trabalho que eles
pensavall1 ser seus a1l1igos. O casal sentiu-se mal-interpretado e
machucado. Precisavam de um lugar para curar suas feridas.
Admiro que a presença deles na igreja pegou-me desprevenido.
Logo depois daquela conversa, um execurivo da sede da igreja deles
ligou perguntando: "Sua igreja trabalharia conosco para desenvol-
ver um plano para ajudar essa hmília a se recuperar'''.
LIVRE DA DOR 109

A memória de como uma congregação havia cuidado de mim e


de minha família após ter sido mandado embora da igreja anos
atrás voltou rapidamente à minha mente. Ainda estou no pastorado
por causa da compaixão daquela igreja. Seu pastor, embora soubes-
se de nossa situação, não nos deu as boas-vindas publicamente ou
apressou-se para que nos envolvêssemos. Deu-nos a possibilidade
do anonimato. Eu precisava daquilo. Precisava de um espaço emo-
cionai para o golpe sofrido por nossa família. Nem mesmo me
pediu para lhe dizer o que acontecera.
Pouco tempo depois de nossa làmília começar a freqüentar a
igreja, vários grupos pequenos nos convidaram para nos juntarmos
a eles. Era lllna nlaneira suave e graciosa das pessoas da igreja nos
dizerem que se importavam conosco. Expliquei aos líderes dos pe-
quenos grupos que Suzanne e eu não estávamos prontos para aque-
le nível de intimidade. Dois líderes disseram que manteriam contato
comigo periodicanlente. ()fereceram-se para tomar a iniciativa. Gos-
tei daquilo, pois não havia mais muita iniciativa em mim.
Após vários meses tive o desejo de servir novamente. Enl unl
dOlningo, mencionei aquilo coln o pastor e, na quarta-feira seguin-
te, o pastor auxiliar me ligou e perguntou se gostaria de substiruir
um professor da escola dominical de adultos no domingo de ma-
nhã. Aceitei.
Então, não muito depois daquilo, um presbítero da igreja, a
quem já conhecia, convidou-me para almoçar. Surpreendeu-me ao
perguntar se consideraria se unir à equipe da igreja como pastor
auxiliar. Exatamente 30 dias após o almoço, participei de uma reu-
nião administrativa como pastor do ministério de adultos. Fui fran-
co com o pastor titular, dizendo:
- Estou interessado na oportunidade, mas não me vejo como
pastor-auxiliar por muito tempo.
- Quer seja por seis Ineses ou seis anos - disse o pastor -
meu objetivo é ver Deus trazê-lo de volta ao ministério.
fiquei dois anos com eles e quando saí, orei para Deus dar-me a
chance de fazer por alguém o que aquela igreja fizera por mim.
110 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

Quando uma família missionária ferida chegou em nossa igreja,


tive minha chance. Aquela tlmília uniu-se à nossa igreja e o matido
acabou trabalhando conosco. Quando saiu, disse: "Obrigado por
deixar-me experinlentar relacionamentos saudáveis".
A igreja, que tem tanto potencial para infligir dor a um pastor e
sua família, tem também grande potencial para ser um instrumen-
to de cura, para restaurar a visão positiva para o nlinistério. Ao
menos, o sofrimento experimentado nas mãos de algumas igrejas
forçaram-me a pensar nos outros. O caráter moldado pelo confli-
to, no fim, não diz respeito a como lidar melhor com minha dor,
nlas conlO lidar com o sofriInento dos outros.
Sobre o livro

,\1iniSlério paswral

Fi'tll r!rl excClI{áo :lgOSto de 2004


f. " ({lIç,-jo ourubro de 2001

Tiragcm Ano
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FOrllltlto $ 14 x 21 em
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(texto): Alhcnlls 17/20,4 (tilulos e ,'llbtitlJlos)


J'tlpe/ on~Stt 7') g/m l (miolo); Cartjo Supremo
25() g/m 2 (capa)

J/mgem 4 mil exemplares


hl'lpffS,rlio Imprema &1 Fé

Equipe de rtali/ac;ao jmpresso no Brasil I Prinfl'd in Bm",i/

Produção gráfica

Supcrl'isiio
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Foto/ito
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Produção editorial

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