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ISSN 0103 8117

BAHIA ANÁLISE & DADOS


Salvador SEI v. 16 n. 1 p. 1-164 Trimestral jun. 2006
Governo do Estado da Bahia
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BAHIA ANÁLISE & DADOS é uma publicação trimestral da Superinten-


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Bahia Análise & Dados, v. 1 (1991- )


Salvador: Superintendência de Estudos
Econômicos e Sociais da Bahia, 2006.
v. 16
n. 1
Trimestral
ISSN 0103 8117
1. Energias alternativas. 2. Biodiesel. 3. Políticas
públicas. I. Superintendência de Estudos Econômicos
e Sociais de Bahia.
CDU 620.97 (05)

CEPO: 0110

Tiragem: 1.000 exemplares


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SUMÁRIO
Apresentação ........................................................................................................................................................................... 5

ENERGIAS RENOVÁVEIS, BIODIESEL E POLÍTICAS PÚBLICAS

Energias renováveis: ações e perspectivas na Petrobras .................................................................................................... 9


Ildo L. Sauer, Mozart S. de Queiroz, José Carlos G. Miragaya,
Ricardo C. Mascarenhas, Anário R. Quintino Júnior

Políticas públicas e energias renováveis: propostas de ações de indução


à diversificação da matriz energética na Bahia .................................................................................................................... 23
Roberto F. Carneiro, Pauletti K. Rocha

Energia solar para irrigação no Semi-árido baiano: o caso da Associação dos Produtores e
Horticultores do Açude do Rio do Peixe, Capim Grosso (BA) ............................................................................................. 37
Nicia Moreira da Silva Santos

Biodiesel no Brasil: estágio atual e perspectivas ............................................................................................................... 51


José Honório Accarini

Políticas públicas de fomento ao biodiesel na Bahia e no Brasil: impactos socioeconômicos


e ambientais com a regulamentação recente ..................................................................................................................... 65
Sidnei Silva Suerdieck

Apropriação dos recursos naturais e o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel ....................................... 79
Cezar Menezes Almeida, Mônica de Moura Pires, José Adolfo de Almeida Neto, Rosenira Serpa da Cruz

Biodiesel: o combustível para o novo século ....................................................................................................................... 89


Ednildo A. Torres, Hugo D. Chirinos, Carine T. Alves, Danilo C. Santos, Luis A. Camelier

Biodiesel: uma nova realidade energética no Brasil ........................................................................................................... 97


Rosenira S. da Cruz, Mônica de M. Pires, José A. de Almeida, Jaênes M. Alves, Sabine Robra,
Geovânia S. de Sousa, Cezar M. Almeida, Sérgio M. Soares, Geórgia S. Xavier

Viabilidade do biodiesel de dendê para a agricultura familiar ......................................................................................... 107


Vitor de A. Couto, Alynson dos S. Rocha, Edna M. da Silva, Graciela P. dos Santos,
Guilherme C. Martins e Souza, Leonardo M. Baptista, Maciene M. da Silva, Marcus Vinicius A. Gusmão,
Paulo Henrique C e Silva, Rosana V Santos, Washington Luiz S N Dias

Avaliação econômica da cadeia de suprimentos do biodiesel: estudo de caso da dendeicultura na Bahia ................ 119
Adriana Leiras, Silvio Hamacher, Luiz Felipe Scavarda

Viabilidade técnica e econômica para implantação de uma micro usina


de extração de óleo de mamona ........................................................................................................................................ 133
Telma C. de Andrade, Ednildo A. Torres, Hugo B. Lemos, Gustavo B. Machado

Vantagens e desafios da cultura mamoneira na Bahia .................................................................................................... 143


André S. Pomponet, Celia Regina S. Santana

GÁS NATURAL: algumas questões

Contratos e a indústria de gás natural ............................................................................................................................... 153


Oswaldo Guerra

Indicadores urbanos na previsão de expansão da rede canalizada de gás natural ....................................................... 159
Vanessa M. Massara, Murilo Tadeu W. Fagá, Miguel Edgar M. Udaeta
APRESENTAÇÃO

A
energia configura-se como um importante insumo, base da atividade econômica e
indispensável na promoção do desenvolvimento das nações. Isto evidencia o seu
grande valor para todos os setores da economia, não somente dos países desenvol-
vidos, mas, sobretudo, para aqueles em via de desenvolvimento, nos quais as necessidades
energéticas são ainda maiores. No cenário atual, as discussões acerca do abastecimento
energético mundial apontam para uma possível escassez das fontes fósseis de energia, as
chamadas não-renováveis, levando assim os países a repensarem os seus investimentos e
estratégias futuras para o setor energético.
Nesse contexto, surgem as energias alternativas, que possuem grande capacidade e
potencial de produção, com positivos impactos ambientais, preservando e utilizando de forma
racional os recursos naturais, além de proporcionar uma maior dinamização do desenvolvi-
mento econômico e social em diversas regiões diretamente envolvidas no processo produtivo.
Vale salientar, que essas novas formas de geração de energia, mesmo tendo pequenas parti-
cipações no atual modelo energético brasileiro, significam uma mudança na orientação da
produção de energia e na matriz energética do país.
Diante disso, e tendo como objetivo aprofundar essa discussão, a nova edição da
Revista Bahia Análise & Dados, uma parceria entre a Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Inovação- SECTI e a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia- SEI,
se propõe a aprofundar ainda mais a discussão sobre a questão energética, focando nas
energias alternativas na Bahia e no Brasil e nas políticas públicas voltadas para a produ-
ção de combustíveis via fontes alternativas, principalmente no biodiesel. Têm-se ainda
algumas considerações acerca da produção do combustível gás natural, envolvendo te-
mas políticos e econômicos. Para melhor situar os assuntos, a revista foi dividida em
duas seções, na qual a primeira vincula o biodiesel às políticas públicas e a segunda
seção discorre sobre o gás natural.
Para finalizar, destacamos a contribuição dos autores com o envio dos artigos, que foi
essencial para tornar a discussão sobre o tema mais rica com informações relevantes e
estratégicas, mostrando assim, a importância da produção de energia para o país.
Energias renováveis,
biodiesel e políticas
públicas
Energias renováveis: ações e
perspectivas na Petrobras

Ildo Luís Sauer,* Mozart Schmitt de Queiroz,** José Carlos Gameiro Miragaya***
Ricardo Campos Mascarenhas,**** Anário Rocha Quintino Júnior*****

Resumo Abstract

Neste artigo, apresentamos as iniciativas da PETROBRAS This paper presents PETROBRAS initiatives in the
no mercado de energias renováveis, que remontam à década de renewable energies market, which began during the seventies
70 com o apoio ao PROÁLCOOL. Ao longo desses trinta anos, a supported by PROÁLCOOL, a Brazilian governmental program
empresa multiplicou suas ações e diversificou as áreas de ne- that introduced sugarcane ethanol as a vehicular fuel in Brazil.
gócios, incluindo agora a produção de biodiesel e a geração de Throughout these thirty years, the Company has boosted its
energia elétrica e térmica a partir de fontes renováveis, tais actions and diversified its business areas in fields such as
como, a energia eólica, solar, biomassa e hidráulica. biofuels, and heat and power generation from renewable
Assim, a PETROBRAS atua no suprimento energético do sources, such as wind power, solar, biomass and hydropower.
país e contribui para a estruturação dos setores estratégi- Thus, PETROBRAS contributes with the national energy
cos, sociais e ambientais, colaborando com a sustentabilida- supply, also helping to structure strategic, social and environmental
de do planeta. sectors, cooperating with the planet's sustainabílity.
Palavras-chave: biocombustíveis, biodiesel, álcool, energia re- Key words: biofuels, biodiesel, ethanol, renewable energy,
novável, sustentabilidade. sustainability

INTRODUÇÃO internacionais de responsabilidade social e ambien-


tal e às políticas de mitigação das mudanças climáti-
O Planejamento Estratégico da PETROBRAS es- cas. Dentro desse contexto, diversas ações têm sido
tabeleceu a diretriz de atuar como uma empresa de tomadas pela companhia, em especial, na área de
energia integrada, visando a sustentabilidade de seu energias renováveis.
negócio ao mesmo tempo que atende aos padrões

* Doutor em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute of *** Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio
Technology, MIT; Diretor da área de Gás e Energia, Petróleo Brasileiro de janeiro, COPPE/UFRJ; Gerente de Biocombustíveis, Petróleo Brasilei-
S.A. – PETROBRAS; Professor Titular de Energia do Programa Inter- ro S.A. – PETROBRAS. miragaya@petrobras.com.br
Unidades de Pós-Graduação em Energia, Universidade de São Paulo **** MBA em Economia e Gestão de Energia pela Universidade Federal do Rio
– IEE/USP. de Janeiro, COPPEAD/UFRJ; Gerente de Energia de Fontes Renováveis,
** MBA em Economia e Gestão de Energia pela Universidade Federal Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS. rmascarenhas@petrobras.com.br
do Rio de Janeiro, COPPEAD/UFRJ; Gerente Executivo de Desenvol- ***** Especialista em Energia Eólica pelo Instituto de Energia Eólica Ale-
vimento Energético, Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS. mão – DEWI, Alemanha; Coordenador de Energia de Fontes Renováveis,
mozart@petrobras.com.br Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS. anario@petrobras.com.br

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 9-22, jun. 2006 9


ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

Uma das primeiras iniciativas da PETROBRAS BIOCOMBUSTÍVEIS: ações e perspectivas


nessa direção foi a instalação, no final de 2003, da
Usina Eólica Piloto de Macau, no Rio Grande do Nor- A demanda mundial por combustíveis renováveis
te. Outra iniciativa foi a criação, ainda em 2003, de tem se expandido de forma rápida nos últimos anos e
dois grupos de trabalho com o objetivo de analisar as deverá acelerar ainda mais em um futuro próximo.
perspectivas de atuação nos negócios de álcool Isso se deve à combinação de diversos fatores:
combustível e do biodiesel. Esses estudos (PETRO- • necessidade de redução da dependência de deri-
BRAS, 2004) deram sustentação para novas políti- vados de petróleo nas matrizes energéticas naci-
cas e estratégias recentemente empreendidas. onais e mundiais;
Hoje, diversas áreas da empresa vêm trabalhan- • incentivo à agricultura e às indústrias locais;
do no sentido de criar condições de aproveitamen- • desenvolvimento de estratégias para a redução e/
to para esse potencial energético renovável e me- ou limitação do volume de emissões de gases
nos poluente, alavancando o setor e o país na bus- causadores do efeito estufa até 2012, conforme
ca de soluções globais para o desenvolvimento acordado pelo Protocolo de Quioto.
sustentável.
Nos anos 70, a empresa apoiou o Programa Naci-
onal do Álcool – PROÁLCOOL, o que contribuiu para Álcool combustível
o sucesso de seu uso na matriz energética brasileira.
Considerando essa experiência em biocombustíveis, A utilização do álcool anidro como combustível é
a companhia estabeleceu um programa para instala- conhecida no Brasil desde 1925. Os choques do pe-
ção de usinas que possam produzir 855 mil m3/ano tróleo ocorridos na década de 70, quando os preços
de biodiesel em 2011. internacionais do produto foram significativamente
Além da atuação em biocombustíveis, a PE- elevados, tornaram premente a necessidade de en-
TROBRAS vem investindo na geração de energia contrar fontes de energia alternativas ao petróleo,
elétrica a partir de fontes renováveis, instalando uma vez que cerca de 80% do petróleo consumido no
unidades que utilizam especialmente o vento e o Brasil era importado. Em 1975, o governo lançou o
sol, buscando viabilizar empreendimentos nestas PROÁLCOOL através do Decreto nº 76.593/75. O
áreas, como também empregando a biomassa e objetivo era produzir álcool combustível, reduzindo a
recursos hídricos em pequenas centrais hidrelétri- importação de petróleo.
cas (PCH). Sua meta é alcançar, até 2011, uma Em um primeiro momento, esse programa fomen-
capacidade instalada para produzir 240 MW atra- tou a produção de álcool anidro para ser misturado à
vés de fontes renováveis. gasolina. Posteriormente, em 1979, iniciou-se a pro-
No presente texto, serão apresentadas as ações dução de álcool hidratado para ser utilizado em subs-
que vêm sendo desenvolvidas em biocombustíveis, tituição à gasolina, em automóveis que passariam a
álcool e biodiesel pela PETROBRAS e os benefícios ser produzidos, aumentando o alcance do PROÁL-
provenientes da produção e utilização desses produ- COOL. Ao mesmo tempo, a BR Distribuidora, subsi-
tos, bem como o valor agregado através desses pro- diária da PETROBRAS, lançava no mercado o pri-
gramas, contextualizados no panorama mundial e meiro lubrificante para motores a álcool.
nacional. Aproveitando a experiência adquirida com o Uma importante iniciativa foi a instalação, ainda
PROÁLCOOL, será feita uma análise crítica das pos- no ano de 1979, de bombas para abastecimento de
sibilidades de desenvolvimento do programa de biodi- álcool nos postos de bandeira BR e de centros cole-
esel da PETROBRAS. tores de álcool estrategicamente localizados junto às
No momento seguinte, será apresentado um bre- zonas produtoras no Centro-Sul do país. Esses cen-
ve resumo da atuação da empresa nas áreas de ener- tros contavam com tanques especialmente projeta-
gia eólica, solar fotovoltaica, termossolar, biomassa dos para estocagem de álcool combustível. Em pou-
e hidráulica nas chamadas PCH’s (Pequenas Cen- co tempo, a companhia dispunha de capacidade para
trais Hidrelétricas). tancagem de álcool superior a 1 bilhão de litros.

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ILDO LUÍS SAUER etal.

Os anos 90 trouxeram à agenda internacional a vado do petróleo. Como o biodiesel é isento de com-
relevância da questão ambiental. A Conferência das postos de enxofre e de aromáticos e contém aproxi-
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi- madamente 11% de oxigênio em peso, seu uso,
mento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, mesmo que apenas em adição ao óleo mineral, con-
foi um marco decisivo para a formalização de acordos tribui na redução de emissões de gases poluentes e
internacionais que objetivavam pro- de materiais particulados e poliaro-
mover a sustentabilidade do de- Atualmente, nosso país máticos.
senvolvimento global. Em 2005, produz 16 bilhões de litros A redução das emissões de
após 13 anos de muitas negocia- de álcool a cada ano em CO2 decorre da substituição de um
ções, entra em vigor o Protocolo mais de 300 unidades combustível fóssil, o diesel mine-
de Quioto. Com isso, as energias produtivas. Desse total, ral, por um renovável, o biodiesel.
renováveis, incluindo os biocom- aproximadamente 2,5 Isto poderá proporcionar a obten-
bustíveis, ganharam força como bilhões de litros são ção de créditos de carbono, sob o
meio para a redução de emissões destinados ao mercado Mecanismo de Desenvolvimento
de gases que contribuem para o internacional. Novos Limpo (MDL), no âmbito do Proto-
efeito estufa. Desde então, diver- investimentos são colo de Quioto.
sos países e investidores dos mais anunciados a cada dia e a Diversas oleaginosas podem
diferentes segmentos têm mani- expectativa é que a ser usadas na fabricação do biodie-
festado interesse na utilização e produção possa dobrar em sel, além de outras matérias-pri-
na produção do álcool combustí- um espaço de dez anos mas, como a gordura animal ou
vel, anunciando políticas para a in- sebo, óleo de fritura, algas e mes-
clusão desse produto em suas matrizes energéticas. mo esgoto doméstico. As principais plantas oleagino-
Como o Brasil é o maior produtor mundial de álcool, sas e suas características são mostradas na Tabela 1.
passou a ser visto como uma das potências energéti-
cas do futuro e foco de grande parte desses investi-
Tabela 1
mentos.
Potencialidade das plantas oleaginosas
A introdução dos veículos “flex-fuel”, em 2003,
brasileiras
trouxe outra dinâmica ao setor e uma nova forma de
relacionamento entre produtores e consumidores de
álcool, ampliando ainda mais a penetração e a impor-
tância do álcool combustível no Brasil.
Atualmente, nosso país produz 16 bilhões de li-
tros de álcool a cada ano em mais de 300 unidades
produtivas (INFORMAÇÃO UNICA, 2006). Desse
total, aproximadamente 2,5 bilhões de litros são
destinados ao mercado internacional. Novos inves-
timentos são anunciados a cada dia e a expectati-
va é que a produção possa dobrar em um espaço
Fonte: CONAB (Abril/2004)
de dez anos.

O Brasil apresenta ótimas condições para se tor-


Biodiesel nar um dos maiores produtores de biodiesel do mun-
do não só porque dispõe de solo e clima adequados
Biodiesel é a denominação genérica para com- ao cultivo de várias oleaginosas, mas também porque
bustíveis produzidos a partir de óleos e gorduras ve- possui o segundo maior rebanho comercial de bovi-
getais e animais, que podem ser utilizados como nos do mundo. A gordura animal ou sebo é uma exce-
substituto ou adicionado ao óleo diesel mineral deri- lente matéria-prima para biodiesel, já que seu apro-

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ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

veitamento é praticamente total. O Brasil produz O Gráfico 1 mostra a capacidade de produção de


hoje, aproximadamente, 900.000 t/ano de sebo, ha- biodiesel no mercado europeu a partir do ano de 2002
vendo assim um grande potencial para a produção de até 2005, e traz também as metas a serem alcança-
óleo utilizando esta matéria-prima. das até 2010. Verifica-se que a meta estabelecida
O biodiesel começou a ser utilizado na Europa para 2005 não chegou a ser atingida, o que ressalta as
em decorrência dos choques do petróleo dos anos dificuldades que existem para uma mudança de tal
70. A Áustria iniciou a produção comercial de biodie- porte numa cultura energética baseada no petróleo
sel a partir da década de 80, mas este novo combus- para fontes renováveis, mesmo com todos os ganhos
tível ganhou impulso apenas em 1992, quando, em ambientais e de sustentabilidade daí advindos.
conseqüência das rodadas de ne-
gociações da Organização Mundial Gráfico 1
do Comércio – OMC, ocorreu uma Capacidade de produção de biodiesel e metas no
mudança na Política Agrícola Co- mercado europeu
mum da União Européia. Foi estabe-
lecido um programa em que os pro-
dutores seriam obrigados, em troca
de compensação financeira, a reser-
var uma parte de suas terras cultivá-
veis para produção do biodiesel.
Em maio de 2003 foi aprovada
uma diretiva do Parlamento Euro-
peu – Diretiva 2003/30/EC – Conse-
lho de 08/05/2003 – recomendando
a adoção, por parte dos países
membros, de leis que garantam um
consumo mínimo de 2% de biocom-
bustíveis para transportes a partir
de 31 de dezembro de 2005. Esse
Fonte: Verband Deutsher Biodieselhersteller e. V. Am Weidendamm
consumo mínimo geraria uma de-
manda potencial de 5 milhões de t/
ano. Está previsto um percentual de 5,75% para de- No Brasil, foi criado em 2004, o Programa Brasi-
zembro de 2010 e de até 20% para 2020. leiro de Biodiesel com o objetivo de viabilizar a utiliza-
Como parte do incentivo à ampliação da produ- ção deste biocombustível, envolvendo aspectos de
ção de biocombustíveis, a União Européia estipulou, natureza social, estratégica, econômica e ambiental.
em junho de 2003, o pagamento de 45 euros por Esse conjunto de políticas públicas pode contribuir,
hectare cultivado, valor pago a título de crédito de favoravelmente, para o equacionamento de questões
carbono aos fazendeiros que produzam grãos para fundamentais do país, como geração de emprego e
uso não-alimentício. renda com inclusão social e diminuição das dispari-
Em outubro de 2003 foi aprovada outra diretiva – dades regionais de desenvolvimento, além de reduzir
Diretiva 2003/96/EC – Conselho de 27/10/2003 – re- emissões de poluentes.
comendando a adoção de políticas de redução ou O marco regulatório que autoriza o uso comercial
isenção fiscal para todos os biocombustíveis pelos do biodiesel no Brasil considera a diversidade de ole-
países membros. Essas políticas fariam parte de pro- aginosas disponíveis no país, a garantia do suprimen-
gramas locais de incentivo ao uso de biocombustí- to e da qualidade, a competitividade frente aos de-
veis e se estenderiam por seis anos, a contar de 1° mais combustíveis e uma política de inclusão social.
de janeiro de 2004, podendo ser prorrogados a crité- Em 06 de dezembro de 2004, o presidente da
rio de cada país até 31 de dezembro de 2012. República Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decre-

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ILDO LUÍS SAUER etal.

to nº 5.297, que dispõe sobre os coeficientes de re- CENPES, que desenvolveu processos de produção de
dução das alíquotas da contribuição para o PIS/PA- biodiesel direcionados para a utilização de matérias-
SEP e da COFINS incidentes na produção e na co- primas produzidas no Brasil, como a mamona, ofere-
mercialização de biodiesel. Esse decreto institui cendo uma diferenciação em relação aos processos
também o selo “Combustível Social”, concedido ao clássicos europeus, além de viabilizar economica-
produtor que adquirir matéria-prima mente a produção industrial de bio-
de agricultores familiares enqua- O Brasil apresenta diesel. Os dois principais processos
drados no Programa Nacional de ótimas condições para desenvolvidos podem ser denomina-
Fortalecimento da Agricultura Fa- se tornar um dos dos Rota Grão e Rota Óleo.
miliar – PRONAF, promovendo, as- maiores produtores de No primeiro caso, o biodiesel é
sim, a inclusão social. biodiesel do mundo não obtido diretamente dos grãos da
Objetivando a introdução do bi- só porque dispõe de solo planta oleaginosa utilizando eta-
odiesel na matriz energética bra- e clima adequados ao nol, que funciona não só como ál-
sileira, o governo federal determi- cultivo de várias cool esterificante como também
nou através da Lei nº 11.097, de oleaginosas, mas extrator do óleo. Esse processo
13.01.2005, a mistura opcional de também porque possui o elimina algumas etapas como a
2% de biodiesel ao diesel de pe- segundo maior rebanho extração e refino do óleo vegetal,
tróleo, gerando a mistura B2. A comercial de bovinos além de empregar uma matéria-pri-
partir de 2008, essa mistura será do mundo ma brasileira, o etanol, diferente-
obrigatória e a partir de 2013 o mente do processo empregado na
percentual será de 5%, resultando na mistura B5. Europa, que utiliza o metanol ou álcool de madeira.
Para atender essa determinação serão necessári- Em maio de 2006, a PETROBRAS inaugurou uma
os 900 milhões de litros de biodiesel em 2008 e 2,5 planta experimental em Guamaré, Rio Grande do
bilhões de litros em 2013. Norte, com o objetivo de comprovar, em escala semi-
Um dos mais importantes benefícios do Progra- industrial, a viabilidade da Rota Grão (Figura 1).
ma Brasileiro de Biodiesel é a
geração de empregos, principal- Figura 1
mente na agricultura. Para isso, Unidade experimental de biodiesel da Petrobras – rota grão
foi criado o incentivo para o uso
de matérias-primas produzidas
pela agricultura familiar. Entre-
tanto, dependendo da planta
oleaginosa utilizada, o nível de
mecanização praticado na agri-
cultura varia muito, assim como
o número de trabalhadores ne-
cessários. Mamona e dendê são
exemplos de plantas oleagino-
sas cuja produção é intensiva
em mão-de-obra. A soja, por ou-
tro lado, é uma cultura com um Fonte: PETROBRAS, 2006
alto nível de mecanização e,
portanto, de menor impacto na geração de empre- Uma outra unidade experimental de produção de
gos no campo. biodiesel foi projetada para consolidar a tecnologia
A inserção da PETROBRAS no Programa Brasilei- desenvolvida pela PETROBRAS, que utiliza óleos ve-
ro de Biodiesel deu-se, inicialmente, no âmbito tecno- getais (Rota Óleo). Essa unidade, também localiza-
lógico através de seu Centro de Pesquisas – da em Guamaré, pode operar com qualquer tipo de

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ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

óleo neutralizado e líquido em temperatura ambiente, um produto de alto valor comercial. Tendo em vista
como óleo de mamona, soja, algodão e girassol, e essa possibilidade, está sendo desenvolvido pela
emprega a transesterificação alcalina com etanol ou PETROBRAS e pela UFRJ um estudo de rota de pro-
metanol (Figura 2). dução de etanol a partir da torta da mamona, que adi-
cionalmente permite uma sensível re-
Figura 2 dução na sua toxidade de, aproxima-
Unidade experimental de biodiesel da Petrobras – rota óleo damente, 99%. Esses estudos estão
apresentando um potencial de produ-
ção de 200 litros de etanol a partir de
uma tonelada de torta.
As três primeiras plantas industriais
para produção de biodiesel da PETRO-
BRAS, cada uma com capacidade
para 50 mil toneladas por ano, serão
instaladas em Candeias, na Bahia, em
Montes Claros, no norte de Minas Ge-
rais, e em Quixadá, no Ceará. Deverão
aproveitar a oferta local de oleaginosas
como mamona, algodão e soja, além
do sebo bovino; na planta da Bahia
Fonte: PETROBRAS, 2006
também será utilizado o dendê.
A entrada em operação dessas
Os processos de produção do biodiesel geram unidades está prevista para o último trimestre de
outros produtos que são representativos em termos 2007. Atendendo aos critérios para obtenção do
de volume e valor, podendo ser importantes para via- selo “Combustível Social”, 50% da matéria-prima
bilizar economicamente o programa. utilizada nas plantas serão provenientes da agricul-
A glicerina é o principal co-produto, comum a to- tura familiar. Estima-se com isso a geração de ren-
das as rotas de produção de biodiesel, independente- da para cerca de 70 mil famílias de pequenos agri-
mente da planta oleaginosa e do álcool utilizado. A cultores. Apenas para a Usina de Biodiesel de Can-
simples implantação da mistura B5 no Brasil implica- deias, haverá a geração de renda para aproximada-
rá em um aumento de 200.000 t/ano na produção de mente 20 mil famílias no campo.
glicerina, o que representa, aproximadamente, um
terço do consumo mundial atual.
Embora possa ocorrer uma redução do preço da GERAÇÃO DE ENERGIA A PARTIR DE FONTES
glicerina no mercado, a oferta a preços substancial- RENOVÁVEIS
mente mais baixos poderá viabilizar novas oportuni-
dades de aplicação deste co-produto. Energia eólica
A extração do óleo do grão de mamona deixa
como resíduo a torta composta pela casca e pela A energia eólica é uma fonte de energia limpa e
polpa. A casca é utilizada como fertilizante por sua renovável resultante do aproveitamento da movimen-
riqueza em nitrogênio, além da sua propriedade de tação das massas de ar. Vem sendo mundialmente
controlar nematóides no solo – pequenos organis- utilizada para o fornecimento de energia em larga es-
mos que atacam raízes e plantas. cala, diretamente conectada à rede elétrica.
No entanto, a polpa da mamona não pode ser uti- Os principais países que têm investido nessa
lizada diretamente como ração para animais devido à área são Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Ín-
presença de substâncias tóxicas, entre elas a prote- dia e Dinamarca. É um mercado que se mantém em
ína ricina. A desintoxicação da polpa pode torná-la forte expansão. Em 2005, foram instalados 11.407

14 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 9-22, jun. 2006


ILDO LUÍS SAUER etal.

MW de energia eólica em todo o mundo, alcançan- O potencial eólico brasileiro é estimado em


do um total de 59.264 MW (BTM, 2006). O Instituto 143 GW, segundo o Atlas Brasileiro de Energia
de Energia Eólica da Alemanha – DEWI prevê que Eólica, elaborado pela ELETROBRAS-CEPEL
em 2014 sejam atingidos 210.000 MW instalados (CEPEL, 2001), totalizando 272 TWh/ano. Como
(MOLLY, 2006). o montante de energia elétrica consumido no Bra-
Dentro da perspectiva mundial de preservação sil em 2005 foi de 335,4 TWh (EPE, 2006), a ener-
ambiental e sustentabilidade, essa fonte de energia gia eólica poderia suprir algo em torno de 81% da
ganha relevância, entre outros fatores, porque não há demanda nacional.
necessidade de transferência da população local, A necessidade de viabilizar o suprimento de
pois as terras a serem ocupadas pelos parques eóli- energia através de fontes renováveis levou o gover-
cos continuarão sendo utilizadas para outros fins no federal brasileiro a lançar o Programa de Incen-
(agricultura, pecuária ou indústria) (Figura 3). tivo a Fontes Alternativas – PROINFA, regulamen-
tado pelo Decreto nº 5.025, de 30 de março de
2004, que prevê a contratação de 1.453 MW em
Figura 3 energia eólica para entrada em operação até de-
Usina eólica piloto de Macau, instalada no zembro de 2007.
meio do campo de produção de petróleo de Além dos fatores naturais, o Brasil possui condi-
Macau, Serra e Aratum ções adequadas para fabricação de aerogeradores e
de equipamentos complementares. Contamos com
uma fábrica de aerogeradores, a Wobben Wind Po-
wer, e uma de pás para aerogeradores, a Tecsis. Até
pouco tempo esses fabricantes tinham seus merca-
dos limitados à exportação. Considera-se, ainda, a
possibilidade estratégica do país vir a tornar-se for-
necedor representativo desses equipamentos.
Apesar das políticas de incentivo, o Brasil enfren-
ta o empecilho de um alto custo da geração eólica,
pois os melhores sítios se encontram a grande dis-
tância das subestações, acarretando encarecimento
Fonte: PETROBRAS, 2006
das conexões.
O crescimento da demanda mundial por aerogera-
Além disso, a energia eólica contribui para a redu- dores elevou o preço dos equipamentos em vários pa-
ção da emissão de gases causadores do efeito estu- íses. Como o país conta com apenas uma fábrica de
fa. Cada MWh gerado a partir dessa fonte evita a aerogeradores, a exigência do PROINFA, determi-
emissão de cerca de 74,5 kg de CO2, no caso da nando 60% de conteúdo nacional em valor nos seus
energia ser entregue no Sistema Interligado Nacional projetos, amplificou essa tendência geral de elevação
– Região Nordeste, e até 900 kg de CO2, no caso da de preços.
energia eólica substituir a energia fornecida por um Em 2003, o custo médio para a instalação de um
grupo gerador diesel. Essas reduções de emissões aerogerador no Brasil era da ordem de US$ 1.100,00
podem ser convertidas em créditos de carbono acor- por kW instalado, enquanto na Europa, era de cerca
dados pelo Protocolo de Quioto. de US$ 900,00. Atualmente, esse valor chega a atin-
O Brasil oferece excelentes sítios para instalação gir US$ 1.400,00 por kW instalado na Europa e apro-
de parques eólicos, sendo que as melhores áreas se ximadamente US$ 2.000,00 por kW no Brasil.
encontram ao longo da costa. Existem, ainda, alguns Apesar do aumento de preços dos aerogeradores,
bons sítios em áreas elevadas no interior dos esta- o valor de compra da energia eólica pelo PROINFA
dos da Bahia, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina faz com que alguns projetos sejam economicamente
e Rio Grande do Sul. atrativos. O preço para energia elétrica gerada por

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 9-22, jun. 2006 15


ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

fonte eólica foi fixado entre R$180,18 e R$204,35 por das no Rio Grande do Sul, com potência total de 100
MWh, dependendo do fator de capacidade do parque MW, e de Água Doce, em Santa Catarina, com po-
eólico. Esses valores serão corrigidos pelo IGPM, tência de 9 MW, totalizando assim a geração de
conforme a Portaria nº 45, de 30 de março de 2004/ 236,6 MW em todo país.
MME, sendo março de 2004 a data de referência para
reajuste dos valores.
A PETROBRAS inaugurou, em As três primeiras plantas Energia solar fotovoltaica
janeiro de 2004, sua primeira unida- industriais para produção
de de geração de energia eólica: a de biodiesel da A transformação da energia so-
Usina Eólica Piloto de Macau, Rio PETROBRAS, cada uma lar em eletricidade se dá por meio
Grande do Norte (Figuras 3 e 4), com capacidade para 50 de células fotovoltaicas, baseadas
instalada no campo de produção de mil toneladas por ano, em um conhecimento que remonta
petróleo de Serra. A potência insta- serão instaladas em ao século XIX. O efeito fotovoltaico,
lada é de 1,8 MW, composta por Candeias, na Bahia, em conversão da radiação solar em
três aerogeradores de 600 kW Montes Claros, no norte eletricidade, foi relatado pelo físico
cada, totalizando um investimento de Minas Gerais, e em francês Edmond Becquerel em
aproximado de R$ 6,8 milhões. Quixadá, no Ceará 1839. Em 1876 foi obtido o primeiro
Atualmente, além de desenvol- dispositivo a base de selênio. No
ver seus próprios projetos, a PETROBRAS vem estu- entanto, o primeiro dispositivo viável foi desenvolvido
dando parcerias e aquisições de projetos incluídos em 1953, nos Laboratórios Bell, nos EUA, em um
no PROINFA. substrato de silício.
Com a entrada em operação da usina eólica de Essa tecnologia ficou restrita à aplicação aeroes-
Osório, localizada no Rio Grande do Sul, com po- pacial até o princípio da década de 1970, quando, com
tência de 50 MW, e da usina eólica de Rio do Fogo, a primeira crise do petróleo, teve início uma investiga-
no Rio Grande do Norte, com potência de 49,3 ção mais apurada para sua aplicação. Uma das alter-
MW, as usinas eólicas brasileiras totalizaram, em nativas propostas foi o desenvolvimento de células em
agosto de 2006, uma capacidade instalada de silício policristalino, objetivando a redução do custo e,
127,6 MW. por sua vez, a viabilização econômica da tecnologia.
Até o final do ano entrarão em operação as usinas Esse avanço não era ainda suficiente para impulsionar
eólicas de Sangradouro e dos Índios, ambas localiza- os investimentos em células desse tipo, mas estimu-
lou a permanência de alguns grupos de pesquisa nes-
sa área.
Figura 4 Nesse período, o maior interesse estava voltado
Usina eólica piloto de Macau – Rio Grande do para o silício monocristalino, o silício amorfo e outros
Norte materiais semicondutores. Somente em 1990, com o
anúncio de um resultado de célula em escala labora-
torial com eficiência de conversão de 35% (em áreas
de 5 mm2), é que a tecnologia de fabricação de célu-
las em silício policristalino tornou-se interessante.
Conseqüentemente, houve uma retomada de investi-
mentos em pesquisa para a obtenção de silício poli-
cristalino de baixo custo.
Apesar de a energia solar ser a mais abundante
entre as fontes renováveis, ainda tem os custos por
kW instalado mais elevados, em especial em decor-
rência do oneroso processo de fabricação de painéis
Fonte: PETROBRAS, 2004 fotovoltaicos. Nesse processo, a melhoria da qualida-

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ILDO LUÍS SAUER etal.

de do material utilizado, no caso o silício, e o barate- Figura 5


amento dos equipamentos são os maiores desafios Telhas de placa solar fotovoltaica
a serem superados para uma utilização mais ampla
dessa fonte de energia inesgotável na escala da vida
no nosso planeta.
Mesmo assim, esse é um mercado em franca ex-
pansão, que cresceu 57,5% no ano de 2005, quando
foram instalados 1.460 MW em energia solar fotovol-
taica no mundo. A maior parte desses empreendi-
mentos encontra-se na Alemanha e no Japão, que,
juntos, totalizam 77% do potencial instalado. Na Ta-
bela 2 é apresentada a distribuição do mercado mun-
dial de energia solar fotovoltaica.
Fonte: RÜTHER: 2006.
Tabela 2
Capacidade instalada de painéis fotovoltaicos
Nos últimos 10 anos, a indústria fotovoltaica tem
no mundo, em 2005
crescido significativamente em decorrência de pro-
gramas governamentais de incentivo ao uso de siste-
mas fotovoltaicos residenciais conectados à rede
elétrica (Gráfico 2).

Fonte: SOLARBUZZ, 2006 Gráfico 2


Crescimento da produção mundial de painéis
fotovoltaicos
Até 1997, o silício empregado na produção de célu-
las solares policristalinas era proveniente do rejeito da
indústria de microeletrônica. Considerando as diferen-
ças de exigências da especificação do silício para apli-
cação em microeletrônica e para a área fotovoltaica,
além dos custos envolvidos no processo, surgiu um
especial interesse na busca de rotas mais econômi-
cas para a produção de silício grau solar. Por isso, nos
últimos cinco anos, importantes investimentos nessa
tecnologia começaram a ser feitos, em grande parte
impulsionados pela subida dos preços do petróleo.
Atualmente, está em crescimento a utilização de
células fotovoltaicas de filme fino, feitas principal-
mente de silício amorfo hidrogenado. Essa tecnolo- A demanda pelo silício de grau solar tem aumen-
gia, quando comparada com as outras existentes no tado muito rapidamente, sendo estimado um cresci-
mercado, consome pouca matéria-prima e energia, mento médio de 25% ao ano para os próximos dez
pois utiliza processos automatizados que barateiam anos. O consumo de silício policristalino e a projeção
a produção em larga escala. Outro fator importante de demanda para 2010 estão apresentados na Tabela
para o aumento desse mercado é que, por ser leve e 3, já levando em conta o aumento para 12% da parti-
muito fino, o módulo fotovoltaico possui boa aparên- cipação no mercado das tecnologias fotovoltaicas de
cia, como mostra a Figura 5 . filmes finos e não-convencionais.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 9-22, jun. 2006 17


ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

Tabela 3 baterias com oito baterias de 105 Ah, 12 volts, con-


Previsão do mercado mundial de painéis figuradas para fornecer 24 volts e 420 Ah. A capaci-
fotovoltaicos em 2010 dade de bombeamento é de 0,7 m3/dia de petróleo
e houve uma redução de potência consumida de 3
HP para 1 HP. O investimento nesse sistema foi da
ordem de 150 mil reais.

Energia termossolar

Fonte: Previsões da Associação Européia da Indústria Fotovoltaica – EPIA A energia solar é a fonte primordial de energia
*Preços de 2003 do planeta, uma vez que todas as formas de ener-
gia existentes são originadas da ação de radiação
Apesar do aumento de escala da indústria, os solar sobre a Terra. Essa radiação, que incide so-
preços dos módulos fotovoltaicos têm aumentado a bre a superfície do planeta, é cerca de 10.000 ve-
partir de 2003. Esse fenômeno é decorrente da cres- zes superior à demanda bruta de energia atual da
cente demanda por silício purificado e pelo aumento, humanidade.
em menor ritmo, da oferta. (Figura 6) A energia solar para a geração térmica é uma tec-
nologia limpa, ainda pouco explorada no Brasil ape-
sar do seu grande potencial. Quase todas as fontes
Figura 6 de energia – hidráulica, biomassa, eólica, combustí-
Evolução dos preços de módulos fotovoltaicos veis fósseis e energia dos oceanos – são formas indi-
retas de energia solar. Além disso, a radiação solar
Solarbuzz European and US All Solar Module
Retail Price Index pode ser utilizada diretamente como fonte de energia
térmica, para aquecimento de fluídos e ambientes e
para geração de potência mecânica ou elétrica.
Europe (Euro/Watt peak)
O Brasil possui um ótimo índice de radiação solar,
principalmente na região Nordeste. No Semi-árido es-
tão os melhores índices, com valores típicos de 1.752 a
2.190 kWh/m² por ano de radiação incidente. Isso posi-
ciona o local entre as regiões do mundo com maior po-
United States ($/Watt peak)
tencial de energia solar. Essas especificidades, como
clima quente e alto índice de insolação ao longo do ano,
compõem um quadro altamente favorável ao aproveita-
Fonte: SOLARBUZZ, 2006
mento em larga escala da energia solar. A maioria das
aplicações dos sistemas termossolares é para forneci-
A PETROBRAS possui cerca de 100 kW insta- mento de água quente para banho e cozinha em resi-
lados em painéis fotovoltaicos de baixa potência – dências, hotéis e instalações hospitalares e industriais,
até 3kW – para diversas finalidades: proteção cató- bem como para aquecimento de piscinas.
dica para dutos enterrados, suprimento de energia As ações da PETROBRAS na área termossolar,
elétrica para instrumentação, controle e sinaliza- inicialmente, focaram nos sistemas de aquecimento
ção de pequenas plataformas de petróleo. Merece de água de restaurantes e vestiários de unidades in-
destaque a unidade piloto de bombeio de petróleo dustriais, antes alimentados por energia elétrica ou
acionado por painéis fotovoltaicos, instalada em por gás, mas que agora estão operando utilizando
Mossoró, Rio Grande do Norte. O sistema foi inau- energia termossolar. Na Tabela 4 apresentamos os
gurado em janeiro de 2004 e conta com doze mó- projetos termossolares já instalados e os em implan-
dulos de 64 Wp, totalizando 768 Wp, um banco de tação nas unidades industriais da PETROBRAS.

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ILDO LUÍS SAUER etal.

Tabela 4 Através de parcerias com instituições de ensino,


Sistemas termossolares instalados e em criaram-se projetos de desenvolvimento de coletores
implantação nas unidades industriais da solares térmicos de alto desempenho, visando a cria-
Petrobras ção futura de centrais heliotérmicas de geração de
energia elétrica, projeto em desenvolvimento na CO-
PPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
também o fogão solar, sistemas de refrigeração, des-
salinização e de aquecimento híbridos gás-energia-
solar, que estão sendo desenvolvidos na Universidade
Federal do Ceará. Outros projetos de aquecimento ter-
mossolar para geração de vapor estarão sendo viabili-
zados ainda em 2006, visando aumentar o percentual
Fonte: PETROBRAS, 2006
de energia limpa na matriz energética da empresa.
Na área tecnológica, a PETROBRAS busca o do-
mínio da produção de energia elétrica, transformação
Nas Figuras 7 e 8, apresentamos fotos de alguns dos de energia solar em calor e frio, assim como constru-
sistemas termossolares instalados na PETROBRAS. ção de equipamentos e sistemas. Na área de pesqui-
sa estão sendo feitos testes com um sistema de re-
Figura 7 frigeração híbrido solar-gás natural, buscando investi-
Sistema termossolar - Regap gar o desempenho e avaliar os custos associados.
Sistemas de refrigeração termossolares podem ter
uso em comunidades isoladas, como, por exemplo,
aquelas de economia pesqueira no Brasil.
Estão também sendo feitos testes experimentais
com fogão solar com e sem armazenamento de calor,
e desenvolvimento da tecnologia necessária para a fa-
bricação nacional de coletores solares térmicos de
alto desempenho, além da fabricação e montagem de
um dessalinizador solar passivo – Cuba Solar.

Biomassa

Figura 8 Diferentes materiais de origem vegetal ou animal


Sistema termossolar Reduc podem ser aproveitados para geração de calor e eletrici-
dade, recebendo a denominação genérica de biomas-
sa. Dentre esses materiais, a lenha é o de mais antiga
utilização, tendo no Brasil ainda uma grande importân-
cia como combustível para fins energéticos, em especi-
al nas regiões de menor desenvolvimento econômico.
Mesmo a biomassa sendo uma fonte renovável,
seu impacto ambiental pode ser negativo quando a
vegetação nativa é usada de modo indiscriminado.
Entretanto, inúmeros restos orgânicos descartados
no lixo urbano, dejetos humanos e de animais, além de
resíduos das indústrias agrícola e alimentícia, como ba-
gaço de cana e lascas de madeira, podem ser utiliza-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 9-22, jun. 2006 19


ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

dos para fins de geração de calor e eletricidade. Isso Além da queima direta, existem outros modos para
contribui não só para a melhoria das condições ambien- processamento da biomassa, visando a sua utilização
tais com a reciclagem de rejeitos que seriam descarta- como insumo energético, que incluem a fermentação,
dos para o meio ambiente, como também ajuda a pro- a hidrólise, a pirólise e a gaseificação. A hidrólise, áci-
mover um desenvolvimento sustentável através da am- da ou enzimática, é uma tecnologia que desponta com
pliação da atividade econômica da indústria local. grandes possibilidades de sucesso. Quando for im-
A energia proveniente da biomassa tem ainda a plantado comercialmente, o processo de produção a
grande vantagem de gerar energia elétrica próxima partir da hidrólise das folhas e bagaço da cana permiti-
ao local de consumo, reduzindo os gastos com rá dobrar a produção atual de etanol no Brasil.
transmissão. Um grande potencial de ampliação de geração de
O processo mais usual de geração de energia elé- energia elétrica no Brasil é a otimização das usinas
trica a partir de biomassa no Brasil é a combustão de álcool e açúcar. Aumentando-se a eficiência ener-
direta, gerando vapor para acionar uma turbina aco- gética das usinas, ou seja, substituindo as caldeiras
plada a um gerador elétrico. e turbinas antigas por equipamentos atuais que ope-
A Tabela 5 apresenta o panorama brasileiro de usi- rem com uma maior pressão e temperatura de vapor,
nas termelétricas que utilizam a biomassa via queima haveria melhora no rendimento do sistema, possibili-
direta, de acordo com o tipo de combustível, a quantida- tando às usinas exportarem a energia excedente.
de de usinas em operação e a capacidade instalada.

Tabela 5 Energia hidráulica de pequenas centrais


Usinas termelétricas a biomassa instaladas no hidreléticas – PCH’s
Brasil
O aumento da demanda de energia trouxe para o
Brasil a retomada da construção de Pequenas Centrais
Hidrelétricas (PCH’s), cujo ciclo foi interrompido com a
construção das grandes barragens como Três Marias,
Itaipu e Tucuruí, entre outras. Nessa época, as PCH’s
tornaram-se economicamente pouco viáveis, tanto pelo
custo do kW instalado quanto pelo custo de operação.
Atualmente, no entanto, as restrições ambientais às
Fonte: ANEEL (2004) grandes áreas alagadas fazem com que Pequenas
Centrais Hidrelétricas tornem-se mais atrativas.
Os preços estabelecidos no PROINFA para com- O aproveitamento hidrelétrico, com potência su-
pra da eletricidade gerada por meio de diferentes tipos perior a 1 MW e igual ou inferior a 30 MW, destinado
de combustíveis de origem orgânica ou biomassa es- à produção independente, auto-produção ou produ-
tão representados na Tabela 6, de acordo com a Porta- ção independente autônoma, pode ser classificado
ria nº 45, de 30 de março de 2004, do MME. como Pequena Central Hidrelétrica – PCH, segundo
a Resolução nº 652/2003 da ANEEL.
Os custos médios de construção das PCH’s vari-
Tabela 6
am muito em função de características como local de
Preços de remuneração da energia no Proinfa
instalação, altura de queda e tipo de máquina, entre
outros. Um valor considerado bom para empreendi-
mentos em pequenas centrais é de R$ 2.400,00 por
kW instalado (CERPCH, 2006), com variações para
mais e para menos de cerca de R$ 500,00. Valores
mais precisos só podem ser calculados com o arran-
Fonte MME (2004) jo e o projeto básico definidos.

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ILDO LUÍS SAUER etal.

Os preços da energia oriunda das PCH’s variam duais e municipais interessados em seu desenvol-
entre R$ 131,00 e R$ 138,00 quando vendida dentro do vimento. O desafio criado pelo Programa Brasileiro
PROINFA; entre R$ 115,00 e R$ 120,00 quando vendi- de Biodiesel é que sejam mobilizadas, de forma in-
da para as distribuidoras; e de R$ 145,00 a R$ 150,00 tegrada, as capacitações dos setores industriais,
para o consumidor direto e nos leilões de energia. agrícolas, de desenvolvimento e pesquisa, institui-
Segundo a ANEEL (2006), há ções de assistência técnica e co-
em torno de 264 PCH’s em opera- Um grande potencial de operativas a fim de obtermos os
ção, com potência outorgada de ampliação de geração de benefícios sociais e econômicos
aproximadamente 1.400 MW. energia elétrica no Brasil esperados.
Além disso, 39 centrais estão sen- é a otimização das usinas Para impulsioná-lo, o governo
do construídas com potência em de álcool e açúcar. federal introduziu, através da lei nº
torno de 622 MW, enquanto outras Aumentando-se a 11.097, de 13.01.2005, a obrigatori-
218 foram outorgadas, com potên- eficiência energética das edade da adição de biodiesel ao di-
cia aproximada de 3.421 MW. usinas, ou seja, esel a partir de 2008. A tendência é
substituindo as caldeiras e que nos próximos anos a produção
turbinas antigas por de biodiesel no Brasil esteja bem
CONCLUSÃO equipamentos atuais que estruturada. A PETROBRAS tem
operem com uma maior como meta tornar-se a maior produ-
A atuação da PETROBRAS pressão e temperatura de tora de biodiesel no país, produzin-
para atenuar a dependência do país vapor, haveria melhora no do 855 mil m3/ano em 2011. Os in-
em relação ao petróleo importado rendimento do sistema, vestimentos da PETROBRAS na
iniciou-se muito antes da atual pre- possibilitando às usinas área de energia, a partir de fontes
ocupação mundial de redução de exportarem a energia renováveis, não se limitam apenas
poluentes e preservação das fontes excedente aos biocombustíveis, abrangendo
de energia. também a energia eólica, solar, bio-
Já na década de 70, os investimentos na pesqui- massa e hidráulica nas chamadas PCH’s (Pequenas
sa do álcool como combustível veicular estavam bem Centrais Hidrelétricas). Tais investimentos têm tido
avançados, e o país caminhava para o desenvolvi- seu reflexo na reconhecida tecnologia que o país vem
mento de uma tecnologia de ponta na produção des- desenvolvendo nessa área, em grande parte com o
se combustível renovável. O apoio ao PROÁLCOOL investimento da empresa, contribuindo não apenas
foi a primeira grande ação da empresa nesse sentido. para a geração de novos negócios, mas também para
A partir da década de 90, o destaque mundial para o reconhecimento cada vez mais amplo de sua atua-
a questão do meio ambiente e de sua sustentabilida- ção no cenário mundial.
de despertou o interesse de outros países pela tec-
nologia desenvolvida no Brasil, angariando novas polí-
ticas e investimentos para o país. Desde então, o REFERÊNCIAS
Brasil passou a ser visto como uma das potências
energéticas mundiais, com reconhecimento por sua ANEEL. Acompanhamento de Autorizações das PCH’s. Dispo-
potencialidade para novos negócios. nível em: www.aneel.gov.br. Acesso em 08 jun. 2006.
Nesse panorama, o Programa Brasileiro de Bio-
BRAGA, A. F. B. Estado-da-Arte para o desenvolvimento de ro-
diesel ultrapassa as questões de utilização das
tas de baixo custo para a produção de silício de grau solar: a
energias renováveis e avança na geração de empre- rota metalúrgica. Rio de Janeiro, 2006. Palestra proferida no
gos, visando a melhoria social, estimulando vários Hotel Glória, no Comitê Tecnológico Estratégico de Gás, Energia
setores em direção a sua produção, desde peque- e Desenvolvimento Sustentável, COMEG 2006.
nos produtores da agricultura familiar até investido- BTM Consult ApS. WORLD MARKET UPDATE 2005. Slide:
res interessados na produção do biocombustível, World Market Growth rates 2000-2005, mar. 2006. Disponível
passando pelo âmbito dos governos federal, esta- em www.btm.dk. Acesso em: 03. jul. 2006.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 9-22, jun. 2006 21


ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

CENTRO NACIONAL DE REFERÊNCIA EM PEQUENAS CENTRAIS Glória, no Comitê Tecnológico Estratégico de Gás, Energia e
HIDRELÉTRICAS. Estado da arte das pequenas centrais hidre- Desenvolvimento Sustentável. COMEG 2006.
létricas. Itajubá-MG: CERPCH, 2006.
PETROBRAS. Relatório do grupo de trabalho do biodiesel. Rio
CENTRO DE PESQUISA DE ENERGIA ELÉTRICA. Atlas do poten- de Janeiro, 2004.
cial eólico brasileiro. Brasília, DF: CEPEL, 2001
______. Relatório do grupo de trabalho do Álcool. Rio de Janei-
EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. Consolidação do mer- ro, 2004.
cado de energia elétrica e da economia 2005. Brasília, DF, EPE,
2006. (Relatório de 2006). SOLARBUZZ. Relatório anual da indústria solar fotovoltaica.
Disponível em: www.solarbuzz.com. Acesso em 29.
INFORMAÇÃO UNICA. São Paulo: Assessoria de Comunicação jun.2006.
da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, v.8, n. 69,
mar./abr. 2006. RÜTHER, Ricardo. Tecnologias fotovoltaicas de filmes finos:
estado-da-arte. Rio de Janeiro, 2006. Palestra proferida no Hotel
MOLLY, J.P. Questões técnicas, econômicas e políticas da Glória, no Comitê Tecnológico Estratégico de Gás, Energia e De-
energia eólica. Rio de Janeiro 2006. Palestra proferida no Hotel senvolvimento Sustentável, COMEG 2006.

22 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 9-22, jun. 2006


Políticas públicas e energias renováveis:
propostas de ações de indução
à diversificação da matriz
energética na Bahia
Roberto Fortuna Carneiro,* Pauletti Karllien Rocha**

Resumo Abstract

Ao longo dos tempos, o modelo de desenvolvimento vigente Presently development is based, as it was throughout the
baseia-se na energia originária dos combustíveis fósseis e não ages, on energy derived from non-renewable fossil fuels,
renováveis, sendo o petróleo a principal fonte, seguida do car- being oil the main source, followed by coal and natural gas.
vão mineral e do gás natural, todas responsáveis por uma gran- These sources are greatly responsible for the
de parcela dos desequilíbrios ambientais enfrentados na atuali- environmental imbalance we face in the present days. The
dade. Com o possível esgotamento das reservas mundiais de possibility of a worldwide exhaustion of the oil reserves
petróleo, faz-se necessário uma diversificação da matriz ener- makes it necessary to diversify the energy matrix aiming
gética visando a sustentabilidade econômica, social e ambiental. economic, social and environmental sustainability.
Dessa forma, o novo paradigma energético para a sustentabili- Therefore, the new energy paradigm aiming sustainability
dade deverá ter como pilares as fontes de energia renováveis. must have renewable energy sources as pillars. Many
Muitos esforços têm sido feito em todo o mundo no sentido da efforts have been made worldwide to use this type of energy
utilização dessas energias. Para isso, faz-se necessário a con- and, for that, public policies must be consolidate to
solidação de políticas públicas que estruturem a oferta para structure the offer and attend this new demand efficiently.
atender eficazmente essa nova demanda. Nesse sentido, o pre- Therefore, this paper will deal with the importance of public
sente artigo tratará da importância das políticas públicas para o policies for the energy sector development and will highlight
desenvolvimento do setor energético e destacará as ações em the actions being carried out by the Federal and State
execução pelos governos federal e estadual no sentido de di- Government of Bahia towards the diversification of the local
versificação da matriz energética local. Ao final, serão propos- energy matrix. To finalize, intervention actions will be
tas algumas ações de intervenção no sentido de contribuir para suggested aiming to contribute with this debate in Bahia.
esse debate na Bahia.
Key words: renewable energies, public policies, bioenergy,
Palavras-chave: energias renováveis, políticas públicas, bioe- energy matrix diversification.
nergia, diversificação da matriz energética.

* Diretor de Fortalecimento Tecnológico Empresarial da Secretaria de Ciência,


Tecnologia e Inovação - SECTI e Coordenador do Probiodiesel Bahia. Profes- ** Engª Agrônoma e Coordenadora Técnica da Rede Baiana de Biocombus-
sor dos cursos de Administração do Centro Universitário da Bahia - FIB e da tíveis. Professora do curso de Administração com Habilitação em Agrone-
Faculdade Baiana de Ciências - FABAC. rcarneiro@secti.ba.gov.br. gócios da Fundação Visconde de Cairu. pauletti.rocha@uol.com.br.

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POLÕTICAS P BLICAS E ENERGIAS RENOV¡VEIS: PROPOSTAS DE A«’ES DE INDU«√O...

INTRODUÇÃO mulos necessários à melhor alocação dos recursos


disponíveis. Essa análise é, fundamentalmente, mi-
O objetivo deste artigo é analisar o papel das políti- croeconômica e baseada no comportamento de atores
cas públicas como elemento de indução e estrutura- individuais e nas condições de um equilíbrio estático.
ção de um setor estratégico para a atividade socioeco- Não considera a existência de crises econômicas,
nômica: o de energia. Para tanto, será realizada uma porém, afirma que em determinadas situações o mer-
rápida abordagem acerca da importância das políticas cado não propicia a minimização dos custos de opor-
públicas como elemento de promoção do desenvolvi- tunidade dos recursos ocorrendo as “falhas de merca-
mento de atividades sócio-produtivas e uma breve aná- do”. As principais falhas de mercado podem ser des-
lise do conceito de energias renováveis. Após essa critas como: externalidades, informação assimétrica
etapa de contextualização, verificaremos como o Es- ou imperfeita, bens públicos e poder de monopólio. Na
tado vem atuando para fomentar, estruturar e regular análise microeconômica da Teoria Neoclássica, o Es-
essa atividade em nível mundial, nacional e estadual. tado atua como obstáculo à otimização de recursos,
Ao final, serão propostas algumas ações no sentido coisa que as forças de mercado produziriam na ausên-
de contribuir para esse debate na Bahia. cia da interferência governamental.
A segunda corrente, a Estruturalista, principal-
mente a de base neo-schumpeteriana, aceita que os
CONTEXTUALIZAÇÃO fatores produtivos de uma nação podem ser criados,
a exemplo da força de trabalho qualificada, da conso-
Esta contextualização está dividida em três par- lidação de uma base científico-tecnológico (POR-
tes: a primeira vai analisar a importância do planeja- TER, 1990) e, principalmente, das transformações
mento governamental para promover o desenvolvi- causadas pelo progresso técnico na base produtiva
mento de um país ou de uma indústria; a segunda (SCHUMPETER, 1982).
abordará a importância da energia como condição Para essa corrente, o Estado, na realidade, exer-
sine qua non para esse desenvolvimento, principal- ce de forma significativa, principalmente nos países
mente as energias renováveis, pelo seu caráter estra- em desenvolvimento ou de desenvolvimento recente,
tégico em um mundo dependente de uma fonte finita forte intervenção na economia. Além dos exemplos
de energia; e, por último, uma síntese das partes an- citados acima podem também ser criadas políticas
teriores no sentido de tentar demonstrar que, em fun- governamentais para financiamento de exportações
ção das características do setor de energia, princi- de bens e serviços e importações de bens de capital,
palmente das renováveis, uma ação governamental apoio a indústrias selecionadas, concessão de sub-
planejada é de vital importância para garantir o perfei- sídios, entre outros. Essa intervenção se dá através
to desenvolvimento do setor de maneira sustentável. de um aparato político-institucional (DAHAB; TEIXEI-
RA, 1990) que é uma tentativa do Estado de superar
as falhas existentes no mercado, sobretudo em tec-
O Estado e as políticas públicas de caráter nologia e finanças, que impedem ora a combinação
estruturante adequada dos fatores de produção existentes, ora o
crescimento da dotação nacional de fatores. Seu ob-
Durante muito tempo, duas correntes teóricas tra- jetivo é criar, portanto, vantagens comparativas dinâ-
varam um embate acerca do papel do Estado como micas para as indústrias e empresas locais.
agente promotor do desenvolvimento de novos setores Outros autores, entre eles Hasenclever (1991), Ha-
da atividade econômica: a Neoclássica, da teoria eco- guenauer (1989) e Perez (1989), analisaram o processo
nômica tradicional, e a Estruturalista, basicamente de intervenção estatal através de políticas tais como:
schumpeteriana e neo-schumpeteriana. Para a primei- política de competição, para influenciar o mercado; polí-
ra não há necessidade de intervenção do governo so- ticas regionais, para localização de atividades econômi-
bre a liberdade decisorial dos agentes econômicos, já cas; políticas de inovação, para influenciar a tecnologia
que a competição perfeita do mercado fornece os estí- utilizada pelas empresas; e políticas comerciais. Uma

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das principais é a de apoio à inovação, através da cria- Esgotamento das reservas de petróleo. Dados da
ção de sistemas nacionais e locais de inovação. Revisão Estatística de Energia Mundial de 2004, da
A ação de intervenção governamental através das British Petroleum, e constantes do Plano Nacional de
políticas públicas é, portanto, um elemento de supor- Agroenergia 2005, estimam que existiam reservas de
te às atividades socioeconômicas que não pode ser 2,3 trilhões de barris de petróleo antes de sua explora-
minimizado na sua importância ção. As atuais reservas comprova-
para o desenvolvimento de seto- A energia sempre teve um das do mundo, segundo a mesma
res produtivos, regiões e países. papel fundamental no fonte, somam 1,137 trilhões de
desenvolvimento e barris. Essas reservas permitem
crescimento de um país. suprir a demanda mundial por um
Energia: recurso estratégico Cada vez mais se faz período de 40 a 50 anos, mantido
para o desenvolvimento de necessário o uso das fontes o atual nível de consumo.
uma nação energéticas, renováveis ou O fator geopolítico. O Oriente
não, para a produção de Médio e os países exportadores
A energia sempre teve um pa- alimentos, bens de consumo (OPEP) dominam 78% das re-
pel fundamental no desenvolvi- e de serviços, lazer e, servas mundiais de petróleo. A
mento e crescimento de um país. principalmente, para vitória do Hammas nas eleições
Cada vez mais se faz necessário promover o palestinas e a crise internacional
o uso das fontes energéticas, re- desenvolvimento provocada pela polêmica produ-
nováveis ou não, para a produção econômico, social e cultural ção de energia nuclear pelo Irã
de alimentos, bens de consumo só agravam o já complicado pal-
e de serviços, lazer e, principalmente, para promover co de disputas políticas e bélicas do Oriente Médio.
o desenvolvimento econômico, social e cultural. Todos esses fatores provocaram, nos últimos anos,
A energia pode ser classificada em dois tipos: não- fortes impactos sobre os preços, os fluxos de abas-
renovável ou fóssil e renovável. Como energia fóssil tecimento e o cumprimento de contratos de forneci-
destacam-se as originadas do petróleo, como gasoli- mento. Essa pressão fez com que nos últimos 30
na, diesel, querosene e gás natural. As renováveis po- anos a valorização real do petróleo fosse de 505%,
dem ser classificadas em energia solar (painel solar, sendo de 85% entre o final de 2004 e meados de
célula fotovoltaica), energia eólica (turbina eólica, cata- 2005 (BRASIL, 2005).
vento), energia hídrica (roda d’água, turbina aquática, Demanda crescente de energia. Estudos do Banco
PCHs – pequenas centrais hidrelétricas), biomassa Mundial (WORLD BANK, 2004) e da International
(matéria de origem vegetal, a exemplo da produção de Energy Agency (2004) demonstram que além do cres-
etanol e biodiesel, pellets, sistemas de gaseificação), cimento econômico natural que os países apresen-
energia obtida dos oceanos e a geotérmica. tam, a globalização cultural e de mercados e a assimi-
Apesar do largo domínio das energias provenien- lação de costumes de países ricos pelos emergentes
tes de fontes fósseis na matriz energética mundial,1 também provoca uma forte pressão de consumo ener-
existe um grande esforço internacional em desenvol- gético. Enquanto os países ricos aumentaram seu
ver tecnologias para produção e uso de energias lim- consumo em menos de 100%, nos últimos 20 anos,
pas. Esse esforço decorre de uma conjunção de fato- no mesmo período, a Coréia do Sul aumentou sua de-
res que favorecem a mudança para uma nova matriz manda em 306%, a Índia em 240%, a China em 192%
energética de base renovável, em que haja a substi- e o Brasil em 88%. Segundo Mussa (2003), a deman-
tuição gradual do petróleo como matéria-prima para a da projetada de energia no mundo aumentará 1,7% ao
produção de combustíveis ou insumo para a indústria ano, de 2000 a 2030, quando alcançará 15,3 bilhões
química. Os fatores são: de toneladas equivalentes de petróleo (TEP) por ano.
As mudanças climáticas globais registradas nos
1
Atualmente, 80% da matriz é de fontes de carbono fóssil, com 36% de últimos anos induzem a uma crescente pressão da
petróleo, 23% de carvão e 21% de gás natural (IEA, 2004). sociedade civil organizada para que os países ela-

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borem políticas globais de redução da poluição. A para a produção de alimentos. O Brasil, por sua
taxa de acumulação de gás carbônico (CO2) na at- vez, é um país estratégico para a produção de
mosfera da Terra, principal responsável pelo aqueci- energias renováveis em função de suas imensas
mento anormal do globo, aumentou mais de 2 ppm extensões territoriais, excelentes condições eda-
ao longo dos biênios 2001/2002 e 2002/2003. Nos foclimáticas, forte incidência de radiação solar e
anos anteriores, essa taxa de crescimento havia do potencial eólico das regiões costeiras. Isso per-
sido de 1,5 ppm. mitiu que o país detivesse uma das mais limpas
Em função desses fatores, a corrida internacional matrizes energéticas do mundo. Estimativas da
para o desenvolvimento de programas de pesquisa, IEA mostram que 35,9% da energia fornecida no
produção e uso de energias renováveis ganhou di- Brasil são de origem renovável. No mundo, esse
mensões estratégicas, quer seja pela busca da auto- valor é de 13,5%, enquanto nos Estados Unidos é
suficiência quer pela liderança tecnológica e comer- de apenas 4,3% (Tabela 1).
cial do setor.
Na área de produção e uso de bio- Tabela 1
combustíveis, por exemplo, os EUA que- Suprimento mundial de energia
rem superar a produção brasileira de ál-
cool já em 2007, com 17 bilhões de litros
por ano, utilizando o milho como matéria-
prima. O país já possui grandes usinas
de produção de biodiesel à base de soja
e o percentual de mistura ao diesel é de
20%. A energia eólica também é forte-
mente explorada, além das pesquisas
com células de hidrogênio.
Fonte: IEA - Renewables Information 2004, Table 1, p.8.
Na Europa, a Diretiva 2003/30/CE do
* Tonelada Equivalente de Petróleo
Parlamento Europeu, de 08 de maio de
2003, adotou uma estratégia em favor do
desenvolvimento sustentável que consiste numa série O PAPEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO
de medidas, entre as quais o desenvolvimento dos bio- INDUTORAS DA ENERGIA RENOVÁVEL NA
combustíveis. Nesse objetivo, se preparam para a MATRIZ ENERGÉTICA
substituição de 20% dos combustíveis convencionais
por combustíveis alternativos no setor dos transportes Como afirmado anteriormente, o Brasil apresenta
rodoviários até 2020. A Segunda Cúpula Mundial de condições ideais para ser, num futuro relativamente
Fontes de Energia Renováveis, realizada na Alema- curto, o maior produtor mundial de energias renová-
nha, aprovou a criação de uma agência internacional veis. As condições locais são favoráveis tanto para a
para estimular o desenvolvimento das energias limpas energia solar e eólica quanto para a potência hídrica
no planeta, batizada de IRENA – International Renewa- e para os recursos de biomassa (com destaque para
ble Energy Agency (INTERNATIONAL ENERGY três grandes vertentes: o etanol, o biodiesel e os de-
AGENCY, 2004). rivados de madeira). Essas condições creditam o
A grande preocupação desses países com o de- país a ser um dos principais receptores de recursos
senvolvimento de energias renováveis se explica financeiros provenientes do mercado de carbono no
em função tanto dos quatro pontos abordados aci- segmento de produção e uso de bioenergia.
ma quanto pelo fato das grandes limitações edafo- Porém, a baixa difusão tecnológica, que nos dei-
climáticas que possuem. Além disso, à exceção xa à margem das normas de qualidade internacio-
dos EUA, não podem, devido a limitações geográfi- nalmente definidas, os relativamente elevados in-
cas, ampliar a área de agricultura energética sem vestimentos iniciais, a limitada capacidade de pes-
competir com outros usos da terra, principalmente quisa de muitas de nossas universidades e o desco-

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nhecimento do setor privado das vantagens de uma canismos de regulação, principalmente devido à sua
maior utilização da biomassa como fonte de ener- produção ser sazonal, o que leva à formação de esto-
gia, constituem, na prática, obstáculos para uma ques – demandando capital de giro a baixo custo –
maior valorização da bioenergia. como forma de minimizar os riscos de flutuação de
Ou seja, ainda existem fortes condicionantes ao preços e de desabastecimento do mercado no final
pleno aproveitamento da energia renovável, sejam da entressafra.
tecnológicos, políticos, culturais, econômicos, soci- Mais recentemente, o Governo Federal promulgou
ais, comerciais ou ambientais. A eliminação desses a Lei 10.336, de 19 de dezembro de 2001, que insti-
pontos críticos requer a construção de instalações tuiu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econô-
em escala eficiente, uma pesquisa vigorosa de redu- mico – CIDE, incidente sobre a importação e a co-
ções de custo pela experiência, um controle rígido de mercialização de petróleo e derivados, gás natural e
custos e das despesas em gerais e a minimização derivados e álcool etílico combustível, e a Lei 10.453,
do custo em áreas como P&D, assistência técnica, de 13 de maio de 2002, que definiu o conjunto de ins-
distribuição, etc. A solução de muitas dessas ques- trumentos de política econômica por meio dos quais
tões são inerentes e internas à firma, porém, é possí- o Governo poderá intervir na produção e comercializa-
vel uma intervenção governamental através da elabo- ção do álcool combustível.
ração de um conjunto de políticas públicas de regula- Outras ações de destaque foram a fixação dos
ção, de investimento direto, subsídios, regulação de níveis de mistura do álcool anidro à gasolina e a fixa-
quantidades, etc. ção de alíquotas menores do Imposto sobre Produtos
Que ações vêm sendo realizadas, portanto, no âm- Industrializados – IPI para os veículos movidos a ál-
bito do Governo Federal, para modificar esse cenário? cool, exceto para aqueles de até 1.000 cilindradas.
Quais os principais programas implantados e que pos-
Programa Nacional de Produção de Óleos Vegetais
suam como objetivo principal tornar mais competitivo o
para Fins Energéticos – PROÓLEO
custo da energia obtida de fontes renováveis? Respon-
der essas perguntas é o objetivo do item a seguir. Instituído em 1975 pela Resolução nº 7 do Conse-
lho Nacional de Energia. O objetivo do programa foi o
de gerar um excedente de óleo vegetal capaz de tornar
Principais ações estruturantes na esfera federal seus custos de produção competitivos com os do pe-
tróleo. Previa-se uma substituição de 30% de óleo ve-
Os programas listados a seguir constituem o getal no óleo diesel, com perspectiva para a sua subs-
marco referencial nacional para o setor energético. tituição integral a longo prazo. A chamada “crise do
A relação não é exaustiva, porém, inclui os mais sig- petróleo” (1972) foi a mola propulsora das pesquisas
nificativos. realizadas na época. Porém, a viabilidade econômica
era questionável em valores: para 1980, a relação de
Programa Nacional do Álcool – PROÁLCOOL preços internacionais óleos vegetais/petróleo, em bar-
ris equivalentes, era de 3,30 para o dendê; 3,54 para o
Instituído pelo Decreto 76.593, de 14 de novembro
girassol; 3,85 para a soja; e 4,54 para o amendoim.
de 1975, o programa visa o atendimento das necessi-
Com a queda dos preços do petróleo a partir de 1985,
dades do mercado interno e externo e da política de
a viabilidade econômica ficou ainda mais prejudicada e
combustíveis automotivos. O Decreto criou também
o programa foi progressivamente esvaziado, embora
o Instituto do Açúcar e do Álcool para controlar a in-
oficialmente não tenha sido desativado.
dústria sucroalcooleira, ação julgada necessária de-
vido ao papel estratégico do açúcar na pauta de ex-
Programa de Desenvolvimento Energético de
portações e do álcool na matriz energética. O merca-
Estados e Municípios – PRODEEM
do de álcool combustível, apesar do ambiente de livre
mercado vigente, possui algumas características que Criado em 1994, este programa é coordenado
impõem ao Governo a necessidade de dispor de me- pelo Departamento de Desenvolvimento Energético

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POLÕTICAS P BLICAS E ENERGIAS RENOV¡VEIS: PROPOSTAS DE A«’ES DE INDU«√O...

(DNDE) do Ministério de Minas e Energia e tem o Programa Nacional de Incentivo às Fontes


objetivo de viabilizar o fornecimento de energia por Alternativas – PROINFRA
meio de fontes renováveis e sustentáveis às popula-
Criado em 26 de abril de 2002, pela Lei 10.438, e
ções não atendidas pela rede elétrica convencional.
revalidado pela Lei 10.762, de 11 de novembro de
O programa considera o vetor energia importante,
2003. O programa tem por objetivo a diversificação da
mas não exclusivo, para o desenvolvimento social
matriz energética a partir do aumento da participação
das comunidades. Dessa forma, a seleção das loca-
das fontes renováveis de energia. É conferido enfoque
lidades é articulada com outras iniciativas de desen- na co-geração a partir de resíduos de biomassa, nas
volvimento nas áreas da saúde, educação e agricultu- pequenas centrais hidrelétricas e na energia eólica
ra e com o Programa Comunidade Solidária. (BRASIL, 2006).
Na sua execução o programa avalia aspectos fun-
damentais relativos à sustentabilidade técnica, econô- Programa Nacional de Produção e Uso de
mica e comercial de geração de energia em áreas iso- Biodiesel – PNPB
ladas, utilizando fontes alternativas (solar, eólica, bio-
massa e micro centrais hidrelétricas). Dentre esses É apresentado pelo governo como um instrumen-
to de inclusão social e de desenvolvimento regional a
aspectos, destacam-se: constituição de agentes ins-
partir da produção e uso do biodiesel de forma sus-
taladores dos equipamentos, treinamento de técnicos
tentável. O principal instrumento é a Lei 11.097, de
e usuários, formas de recuperação de custos de ope-
janeiro de 2005, que estabelece como meta o per-
ração e manutenção, criação de rede local de distribui-
centual mínimo obrigatório de 5% de adição de biodi-
dores de equipamentos e o acompanhamento do de-
esel ao óleo diesel comercializado até o consumidor
sempenho dos equipamentos e de suas conseqüênci-
final, a ser alcançado no prazo de oito anos, sendo
as sobre as comunidades. Nos aspectos de treina-
de três anos o prazo para atingir o percentual mínimo
mento e acompanhamento, ressalta o papel dos cen-
obrigatório intermediário de 2%.
tros tecnológicos estaduais (universidades e escolas
técnicas) que, em conjunto com o Centro de Pesquisa
Plano Nacional de Agroenergia (2005)
de Energia Elétrica – Cepel, serão os responsáveis
pela consolidação de capacitação e de informação ne- Integra a concepção e ações estratégicas do Mi-
cessárias à difusão intensiva do PRODEEM. nistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em
relação ao aproveitamento de produtos agrícolas para
Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL a produção de energia renovável. Orienta-se pelas di-
retrizes gerais de Governo, particularmente no docu-
A Agência é uma autarquia em regime especial vin- mento de Diretrizes de Política de Agroenergia. O
culada ao Ministério de Minas e Energia – MME. Foi Plano contempla as principais cadeias produtivas
criada pela Lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996 e (etanol, biodiesel, biomassa florestal, biogás e resí-
tem como atribuições: regular e fiscalizar a geração, a duos agropecuários e da agroindústria) e sistemas
transmissão, a distribuição e a comercialização da conexos, de forma integrada com os princípios do
energia elétrica; mediar os conflitos de interesses en- Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
tre os agentes do setor elétrico e deles com os consu- O objetivo geral do Plano é desenvolver e transferir
midores; conceder, permitir e autorizar instalações e conhecimento e tecnologias que contribuam para a
serviços de energia; garantir tarifas justas; zelar pela produção sustentável da agricultura de energia e o
qualidade do serviço; exigir investimentos; estimular a uso racional da energia renovável, visando a competi-
competição entre os operadores; e assegurar a univer- tividade do agronegócio brasileiro e o suporte às polí-
salização dos serviços. ticas públicas. Os objetivos específicos pretendem:
A missão da Agência é proporcionar condições conceder apoio à mudança da matriz energética,
favoráveis para que o mercado de energia elétrica se com vistas à sua sustentabilidade; aumentar a parti-
desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em be- cipação de fontes de agroenergia na composição da
nefício da sociedade. matriz energética; e gerar condições para permitir a

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interiorização e regionalização do desenvolvimento. contra 13,5% no mundo e apenas 4,3% nos Estados
O fator ambiental também está presente, pois o pla- Unidos (IEA, 2004) – e da liderança mundial na tecno-
no objetiva contribuir para a redução das emissões logia e na produção de etanol de cana-de-açúcar. Por
de gases do efeito estufa. outro lado, existem também alguns pontos que ainda
merecem atenção, como a elevada concentração da
Diretrizes de Política de Agroenergia (2006-2011) produção nacional de cana-de-açúcar, com São Paulo
sendo responsável por mais de 60% da produção.
O documento tem como pano de fundo a análise
da realidade e das perspectivas da matriz energética
mundial. Estabelece um direcionamento nas políti-
Principais ações estruturantes para as energias
cas e ações públicas de Ministérios diretamente en-
renováveis na Bahia
volvidos no aproveitamento de oportunidades e do
potencial da agroenergia brasileira, sob parâmetros
Segundo o Balanço Energético (BRASIL, 2004), a
de competitividade, sustentabilidade e equidade so-
Oferta Interna de Energia (OIE) no país alcançou
cial e regional.
14.542.000 TEP em 2003, refletindo a participação
Além desses programas, o Ministério de Minas e
preponderante da energia não-renovável, sendo seus
Energia elaborou um Termo de Referência, de agosto
principais itens o petróleo e seus derivados, regis-
de 2005, para nortear o trabalho de consultoria técni-
trando 54,5%, e o gás natural, com 16,0%. Em rela-
ca especializada contratada para elaboração do Pla- ção à energia renovável, cabe destacar a participação
no Nacional de Energia 2030 (PNE 2030). Esse da lenha e do carvão vegetal, com 13,5%, seguida
será um instrumento fundamental para o planejamen- pela energia hidráulica e elétrica, com 10,7%.
to de longo prazo do setor energético do país, orien- As principais modificações na estrutura da matriz
tando tendências e balizando as alternativas de ex- energética estadual para os anos de 1980, 1994 e
pansão do sistema nas próximas décadas através da 2003 são apresentadas no Gráfico 1. A OIE eviden-
orientação estratégica da expansão. ciou um aumento na participação da energia não-re-
Outra importante ação está em discussão no novável de 54,6% para 73,8%, enquanto a parcela
Congresso Nacional: a proposta de criação da Agên- relativa à energia renovável teve redução de 45,4%
cia Nacional de Energias Renováveis – ANER. A para 26,2%, entre 1980 e 2003.
idéia foi apresentada em audiência pública, ocorrida
em 16 de junho de 2004, na Comissão da Amazônia,
Gráfico 1
Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional
Estrutura da matriz energética da Bahia para
da Câmara dos Deputados. Basicamente, o objetivo
os anos de 1980, 1994 e 2003.
da proposta é a criação de uma agência de desenvol-
vimento destinada a fomentar a produção e o uso ra-
cional de energias renováveis para abastecimento
dos mercados nacionais e internacionais.
Do que foi exposto, observa-se que as ações do
Governo Federal nos últimos anos tiveram um caráter
estruturalista e de base neo-schumpeteriana. O obje-
tivo explícito dessas políticas foi o de criar mecanis-
mos para a indução do investimento em P&D&I, di-
versificação da matriz energética, incentivo à amplia-
ção do consumo e surgimento de novos negócios. Fonte: Bahia: Balanço Energético, 2004

Uma avaliação dos resultados desse conjunto de


políticas públicas aponta, por um lado, para resultados O crescimento das fontes não-renováveis deve-se
muito positivos, a exemplo do peso que a energia re- do grande aumento da evolução do gás natural, regis-
novável possui na matriz energética nacional – 35,9%, trando um incremento de 183,2%, tendo sua partici-

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POLÕTICAS P BLICAS E ENERGIAS RENOV¡VEIS: PROPOSTAS DE A«’ES DE INDU«√O...

pação elevada de 8,0%, em 1980, para 16,0%, em Riquezas da Boa Terra – Possui três linhas de
2003, principalmente pelo aumento do consumo in- intervenção, sendo que a que possui aderência ao
dustrial (petroquímico), que substituiu o óleo com- tema energia é a de Uso Sustentável dos Recursos
bustível por essa fonte energética. Outra contribuição Naturais e Culturais, cujo programa De Olho na Na-
para esse crescimento foi do setor de petróleo e seus tureza: gestão dos recursos ambientais, fomento a
derivados, que, em 2003, teve um incremento 67,7% tecnologias limpas, normatização e procedimentos
superior ao de 1980. tem como objetivos o desenvolvimento de ações vol-
Quanto à energia não-renovável, as principais mo- tadas para a gestão ambiental e a geração e adoção
dificações ocorridas estão associadas ao declínio na de tecnologias compatíveis com o manejo sustentá-
participação da lenha e carvão vegetal de 38,7%, em vel do meio ambiente, permitindo que os processos
1980, para 13,5%, em 2003, o que representou redu- produtivos se tornem cada vez mais eficientes e am-
ção de 50,6% na quantidade ofertada (Gráfico 2) – bientalmente corretos. As ações desse programa
por conta dos programas de eletrificação rural a partir são: Implantação e Recuperação de Sistema de
da energia convencional e do esgotamento das fon- Energia Renovável e a Realização de Pesquisas
tes de matéria-prima. para o Levantamento do Potencial Agroflorestal e a
A participação da energia hidráulica e elétrica as- Implantação de Florestas Energéticas. As secretari-
sinalou crescimento de 5,7%, em 1980, para 10,7%, as envolvidas são: SEAGRI, SEC, SICM, SEPLAN,
em 2003, ampliando sua oferta em 166,5%. SESAB, SSP, SEINFRA, SEDUR E SEMARH.
Essa é a linha de intervenção mais re-
Gráfico 2 presentativa, com um orçamento previs-
Matriz Energética da Bahia (2003) to de R$ 478,5 milhões, o que corres-
ponde a 89,5% do total orçado para a
estratégia.
Caminhos da Bahia – Esta estratégia
possui duas linhas de intervenção, sendo
a de reestruturação da matriz energética a
que interessa a este artigo. Para essa es-
tratégia o Governo reservou recursos no
valor global de R$ 3,3 bilhões, dos quais
R$ 1,5 bilhão do seu orçamento; o restan-
te será resultado das parcerias firmadas
com o Governo Federal. Caminhos da
Bahia está fundamentada no Programa Di-
Fonte: Bahia: Balanço Energético, 2004 versificação e Articulação da Matriz Ener-
gética, que tem como objetivo promover
As políticas públicas desenvolvidas no Estado da estudos visando o aproveitamento dos recursos ener-
Bahia para o setor de energia são elaboradas com géticos do Estado, propiciando a diversificação das
base no conjunto de Leis, Decretos e Programas que fontes alternativas de energia e garantindo a oferta ne-
formam o marco regulatório federal para o setor. Elas cessária ao desenvolvimento estadual. Para esse pro-
estão contidas no Plano Plurianual de Investimentos grama foram destinados recursos no valor de R$ 908,5
– PPA, que é o instrumento norteador da política es- milhões, dos quais 58,2%, ou R$ 528,5 milhões, origi-
tadual de investimentos nas áreas consideradas prio- nários de recursos do orçamento estadual e 41,8%, ou
ritárias para um período de quatro anos. Essas priori- R$ 380 milhões, provenientes de fontes extra-orça-
dades são, por sua vez, ordenadas em Estratégias, mentárias.
Linhas de Intervenção, Programas, Projetos e Ações. Como se pode observar, as energias renováveis
No PPA 2004-2007, o setor energético é contem- estão plenamente contempladas no PPA nas suas di-
plado em duas estratégias, apresentadas a seguir. versas estratégias. Porém, ao se analisar os relatórios

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ROBERTO FORTUNA CARNEIRO, PAULETTI KARLLIEN ROCHA

anuais de governo verifica-se que o foco principal da A ação SECTI/FAPESB, juntamente com seus
ação governamental em renováveis é a energia elétrica parceiros (secretarias, universidades, empresas,
de fontes hidráulicas (11% da matriz). Como a Bahia é etc.), propiciou, na área de energia e ambiente, a
um estado de grandes dimensões territoriais, possui a construção da seguinte infra-estrutura sistêmica: 1)
maior população rural do país e 50% do seu território Competência local do ponto de vista da pesquisa em
no semi-árido, esse foco torna-se energia; 2) Construção de redes in-
compreensível, pois o objetivo mai- As políticas públicas terinstitucionais; e 3) Novos pro-
or da ação governamental passa a desenvolvidas no Estado gramas.
ser o de aumentar os investimentos da Bahia para o setor de
em sistemas de distribuição, para energia são elaboradas Competência local em CT&I
facilitar o acesso da população à com base no conjunto de
O Quadro a seguir reúne os
energia. Isso pode ser observado a Leis, Decretos e Programas
principais grupos, laboratórios e li-
partir dos dados do Balanço Ener- que formam o marco
nhas de pesquisa existentes no
gético 2004, que demonstram que regulatório federal para o
estado que recebem forte apoio da
houve uma redução da participação setor. Elas estão contidas
FAPESB.
de lenha e carvão vegetal de 38,7.% no Plano Plurianual de
Esses grupos de pesquisa
para 13,5% no período de 1980 a Investimentos – PPA, que possuem, na sua maioria, parceri-
2003. Os instrumentos principais é o instrumento norteador as com diversas empresas, ele-
dessa ação são as parcerias do da política estadual de mento vital do processo de gera-
governo estadual com os progra- investimentos nas áreas ção e difusão de inovações no te-
mas Luz no Campo e Luz para To- consideradas prioritárias cido produtivo. As principais são:
dos, de âmbito federal. para um período de ELETROGOES S/A – empresa
A segunda fonte de energia re- quatro anos geradora, transmissora e transfor-
novável contemplada nas ações do madora de energia elétrica do es-
Governo do Estado, embora não apareça no Gráfico tado de Rondônia; BAHIAGÁS – Companhia de Gás
2, é a energia solar. Através de parceria com o PRO- da Bahia; COELBA – Companhia de Eletricidade da
DEEM e Luz Para Todos, o governo estadual realizou Bahia; e CHESF – Companhia Hidrelétrica do São
investimentos próprios da ordem de R$ 3,8 milhões, Francisco; PETROBRAS; FORD; IGUATEMI ENER-
em 2005, para promover o acesso da população rural GIA; e BRASKEM.
à essa energia. Porém, a energia solar apresentou
muitos problemas, a exemplo de roubos dos painéis
em muitas propriedades do interior, dificuldades de CONSTRUÇÃO DE REDES
manutenção em função das grandes distâncias en- INTERINSTITUCIONAIS
volvidas, quebras constantes dos kits, etc.
Somadas a essas ações constantes do PPA 2004- Instituto de Energia e Ambiente – ENAM
2007, formuladas no início do governo, em 2003, novas
ações foram sendo construídas ao longo desse perío- O ENAM é, na verdade, uma rede de instituições
do que justificam a construção de uma política mais e de pesquisadores baseados no Estado da Bahia
agressiva do ponto de vista da estruturação e consoli- que atuam na área de Energia e Ambiente. É uma
dação das energias renováveis, nas suas diversas for- organização essencialmente virtual que vai desempe-
mas, no Estado da Bahia. Com a criação da Secreta- nhar um papel de integrador e ampliador das compe-
ria de Ciência, Tecnologia e Inovação – SECTI, em tências interinstitucionais, promovendo a intermedia-
2003, que incorporou a Fundação de Amparo à Pes- ção entre os clientes e os executores de projetos
quisa do Estado da Bahia – FAPESB, a política de (rede de organizações e pesquisadores).
CT&I do governo passou a se dar fortemente por ade- A Missão do ENAM, definida no seu planejamento
rência a temas estratégicos ao desenvolvimento eco- estratégico, é “Integrar e ampliar as competências de
nômico e social do Estado da Bahia. pesquisa em Energia e Ambiente (E&A), contribuindo

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 23-36, jun. 2006 31


32
Tabela 2
Capacidade instalada de pesquisa em energias renováveis na Bahia
POLÕTICAS P BLICAS E ENERGIAS RENOV¡VEIS: PROPOSTAS DE A«’ES DE INDU«√O...

Fonte:SECTI/ENAM
* Por motivo de espaço, nem todas as pesquisas e projetos estão contemplados nessa tabela. A SECTI possui um levantamento completo dessas linhas de pesquisa e da carteira de projetos dessas
instituições.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 23-36, jun. 2006


ROBERTO FORTUNA CARNEIRO, PAULETTI KARLLIEN ROCHA

para uma matriz energética mais limpa”. Para cum- dutiva de petróleo e gás natural; empresas “âncora”
prir sua missão, a organização pretende ofertar pro- demandantes de bens e serviços com qualidade e tec-
dutos e serviços tecnológicos e formar recursos hu- nologia aprimorada; centros de pesquisa universitários
manos na área de Energia e Ambiente (E&A). especializados em petróleo e gás; e entidades financi-
Uma das principais ações do ENAM vem sendo a adoras, entre outras.
elaboração de um Plano Energético para o Estado da
Bahia, intitulado Matriz Energética do Estado da
Bahia para o período 2006-2020. Rede Baiana de Biocombustíveis – RBB

A Rede é formada por diversas instituições que


Fórum de desenvolvimento de energia possuem aderência com o tema biodiesel e
que interagem entre si a fim de apoiar as ações do
Reúne os principais agentes do setor energético e Programa de Biodiesel da Bahia – PROBIODIESEL
tem por finalidade identificar e propor soluções para BAHIA. A Missão da RBB é liderar o processo de
os gargalos existentes nas áreas de campos madu- definição e implementação de ações para que a
ros de petróleo, gás natural, lubrificantes, refino e bi- Bahia se torne o estado mais competitivo no seg-
odiesel através de projetos cooperativos envolvendo mento de produção e comercialização de combustí-
governo-empresa-universidade. O Fórum é presidido veis alternativos.
pelo Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação e Além de promover a interação entre os diversos
possui importante participação da PETROBRAS, Fe- atores, os principais objetivos da Rede são o fomento
deração das Indústrias, empresas de energia, univer- às pesquisas para o desenvolvimento de novas tec-
sidades, etc. nologias, capacitação, elaborar e submeter projetos
cooperativos – envolvendo governo/empresa/ universi-
dade – aos editais temáticos e fundos setoriais e di-
Comitê de petróleo e gás e rede PETRO vulgar informações relacionadas ao biodiesel.
A RBB possui quatro grupos de trabalho que es-
O objetivo básico deste Comitê é “Mobilizar e inte- tão vinculados a um objetivo ou necessidade especí-
grar a indústria baiana ao processo de expansão naci- fica do setor. Cada grupo possui um líder com a fun-
onal do setor de petróleo e gás, contribuindo para ma- ção de coordenar as ações propostas e se articular
ximizar a participação da indústria local nos projetos com a coordenação executiva. São eles: 1) Apoio a P
de P&G na Bahia e no Brasil. Sua principal estratégia & D e Rede Tecnológica e Laboratorial; 2) Sistemas
de atuação é “Formular e propor ações que otimizem o de Produção de Oleaginosas; 3) Fomento Empresari-
acesso às oportunidades do mercado de P&G junto al e Competitividade Econômica; e 4) Integração do
ao governo estadual, PETROBRAS e operadoras inde- Biodiesel à Pequena Produção Familiar.
pendentes, fornecedores de bens e serviços, agências
reguladoras, agentes financeiros, PROMINP, etc.
A Rede PETRO Bahia é a rede de apoio à compe- Rede de Inovação e Prospecção Tecnológica
titividade das empresas fornecedoras de bens e servi- para o Agronegócio – RIPA
ços na cadeia produtiva de petróleo e gás natural do
estado. Trata-se de uma iniciativa conjunta do Governo A Missão da RIPA é articular os atores envolvidos
da Bahia, através da SECTI, da Federação das Indús- com o agronegócio no Estado da Bahia, agrupando-
trias da Bahia (FIEB) e do SEBRAE-BA. A missão da os em grandes plataformas tecnológicas pré-defini-
Rede PETRO Bahia é criar e viabilizar soluções para a das pela RIPA Nacional, de acordo com as afinida-
inserção e manutenção das empresas da Rede no des das instituições com os temas propostos, para
mercado de petróleo e gás e integrar os seguintes se criar um ambiente de fluidez informacional sobre
atores: micro, pequenas e médias empresas fornece- novas tecnologias e tendências. Foram criadas 19
doras de bens e serviços especializados à cadeia pro- grandes plataformas temáticas, sendo a GP 01 -

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 23-36, jun. 2006 33


POLÕTICAS P BLICAS E ENERGIAS RENOV¡VEIS: PROPOSTAS DE A«’ES DE INDU«√O...

Fontes Renováveis de Energia vinculada ao tema A estratégia proposta seria sustentada pela ela-
agro-energia e energias alternativas. Essa GP é for- boração de um conjunto de estudos que envolvem
mada pelas seguintes instituições: SECTI, SEIN- desenvolvimento de cenários, estudos prospectivos,
FRA, SICM, SEAGRI, SEMARH, SECOMP, UESC, formação e manutenção de bancos de dados, balan-
UEFS, FVC, CAR, EMBRAPA, UFBA, UFRB, UNI- ços energéticos dos ciclos de vida das cadeias pro-
FACS e BATTRA. dutivas do agronegócio, nichos de mercado e oportu-
O foco da GP de Renováveis são as Associações nidades para atração de investimentos, inversões em
de Pequenos Produtores Rurais. A justificativa deve- logística e avaliações ex-ante e ex-post.
se ao fato delas serem mais carentes de incorpora- A meta principal dessa política seria aumentar a
ção de inovações tecnológicas e, justamente por participação das energias renováveis na matriz ener-
isso, possuem baixa competitividade e geram um gética estadual dos 26% de 2003 para 35% até 2030
maior passivo ambiental. As Áreas Temáticas seleci- e diversificar as fontes utilizadas para além da hidráu-
onadas para a GP 10 são: Solar (principalmente para lica e da solar.
hotéis e pousadas); Eólica, para bombeamento de Para operacionalização dessa política, propõe-se
água de poços (sistemas híbridos); e Combustão de a implantação de dois “programas âncora”, denomi-
resíduos de biomassa. nados Programa de Energias Renováveis do Estado
da Bahia e Programa Baiano de Biocombustíveis.
Estes programas, por sua vez, seriam formados pe-
ESBOÇO DE UMA ESTRATÉGIA PARA AS los seguintes projetos:
ENERGIAS RENOVÁVEIS NA BAHIA
Programa de Energias Renováveis do
Tendo em vista esse conjunto de ações e em fun- Estado da Bahia
ção da maturidade alcançada pelo estado com rela-
ção ao tema energia, propõe-se um conjunto de • projeto de apoio tecnológico à co-geração
ações a seguir que obedecem à mesma seqüência de energia. Voltado para os setores produtivos
lógica verificada na ação federal. São elas: políticas estratégicos da economia baiana, a exemplo da
de fomento, de apoio à PD&I, de investimento e de indústria sucro-alcooleira (que é carente no de-
regulação. E a mesma sistemática de planejamento senvolvimento de alternativas de aproveitamento
adotada pelo governo estadual: Estratégia-Progra- integral da energia da cana-de-açúcar) e o setor
mas-Projetos. O objetivo é tornar a Bahia um dos de hotelaria com a energia solar.
estados líderes na pesquisa, produção e uso de fon- • projeto de formação de bosques energéticos.
tes de energias renováveis Para desenvolver tecnologias para aproveitamento
A estratégia fundamental que baliza a presente integral da biomassa florestal para fins energéti-
proposição possui dois componentes: cos e de tecnologias de alcance social para inser-
• Elaboração de uma política energética para o es- ção de comunidades de baixa renda na cadeia de
tado da Bahia 2007-2030, cujo foco central são as florestas energéticas.
energias renováveis, principalmente os biocom- • projeto biogás, com o objetivo de desenvolver es-
bustíveis; e tudos e desenvolver modelos de biodigestores;
• Criação de um aparato político-institucional (um Efetuar a modelagem em sistemas de produção de
Comitê Gestor da Política) formado pelas Secre- biogás; Desenvolver equipamentos para geração
tarias de Infra-estrutura, de Ciência, Tecnologia e de energia elétrica, movidos a biogás; Desenvolver
Inovação, de Agricultura, de Meio Ambiente e Re- sistemas de compressão e armazenamento e pro-
cursos Hídricos, além do apoio da FAPESB, atu- cessos de purificação de biogás, entre outros.
ando através de ações transversais que envolvem • projeto para aproveitamento de resíduos no
o apoio às atividades de CT&I, o fomento a inves- meio rural: Desenvolver tecnologias para o apro-
timentos em biomassa para agroenergia e ações veitamento energético de resíduos da produção
de regulação. agrícola, pecuária e florestal e da agroindústria e

34 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 23-36, jun. 2006


ROBERTO FORTUNA CARNEIRO, PAULETTI KARLLIEN ROCHA

desenvolver tecnologias para a utilização de com- Bahia e perpassando várias Secretarias (exemplo
postos orgânicos resultantes da produção agro- do Cabra Forte), pois a área plantada está muito
pecuária na produção de agroenergia. abaixo do potencial agrícola do estado com apti-
• projeto energia solar: Apoiar novos estudos e dão para esta cultura.
projetos através de investimentos nos centros de • Criação de um Edital Temático no âmbito da
pesquisa, estimular a demanda do uso deste FAPESB específico para o Probiodiesel Bahia
tipo de energia e a nacionalização dos equipa- contemplando diversas áreas do conhecimento;
mentos, atração de empresas, financiamento de • Estruturação do território estadual em cinco (05)
projetos híbridos. macro regiões. O principal critério utilizado na de-
• projeto de energia eólica: Promover o desen- finição das mesmas é o estágio atual do grau de
volvimento da energia eólica através da implanta- integração dos diferentes elos da cadeia produtiva
ção de estudos e projetos, mapeamento do po- de biodiesel. A partir daí foram classificadas nas
tencial eólico da Bahia, financiamento de pesqui- seguintes categorias: Semi-estruturada; Deses-
sas, atração de empresas, desenvolvimento local truturada; Potencial e Especializada.
de equipamentos. Macro Região I - Oeste Baiano (Semi-estruturada
com forte vocação empresarial)
Programa Baiano de Biocombustíveis Macro Região II - Litoral Sul (Semi-estruturada
pro-etanol com presença empresarial articulada com a agricul-
tura familiar)
• Fomentar a atração e consolidação da indústria
Macro Região III - Região de Irecê, Piemonte
sucroalcooleira no estado da Bahia, principalmen-
da Diamantina e parte do Médio São (Semi-estru-
te para a produção de etanol, aproveitando as
turada)
grandes vantagens edafoclimáticas disponíveis no
Macro Região IV - Região Nordeste, Paraguaçu,
Baixio de Irecê, Juazeiro e Sul do Estado; Criação
Chapada Diamantina e Serra Geral (Potencial)
de programa de incentivo à formação de lavouras
Macro Região V - Região Metropolitana de Salva-
de cana-de-açúcar.
dor (Especializada)
probiodiesel Bahia
• Formalização no PPA do Probiodiesel Bahia CONCLUSÃO
como programa estratégico de Governo com re-
cursos próprios alocados no orçamento da SECTI Com base na análise realizada no presente texto,
e no orçamento de cada secretaria parceira do pôde-se observar a importância que o setor energéti-
programa (SEAGRI/SEINFRA/SECOMP/SECTI/ co tem para o desenvolvimento socioeconômico de
SEMARH/SICM); um país, estado ou região. As energias renováveis
• Criação do Comitê Gestor do Probiodiesel Bahia assumem um caráter estratégico, tendo em vista não
(Secretarias supracitadas e coordenação do Go- só o esgotamento futuro das energias de base fóssil,
vernador) através de Decreto Simples/Portaria mas, também, todas as implicações ambientais de-
pelo Governador com obrigação de elaboração de correntes do seu uso em escala industrial. Viu-se,
um plano de trabalho com definição de papéis, também, todas as ações implementadas no país e
recursos, metas; na Bahia na área energética.
• Implantação de uma política de fomento à atração Apesar dessas ações, verificou-se que ainda
de empresas com base no ICMS incidente sobre existem, tanto no âmbito federal quanto estadual,
o biodiesel que sai da usina para a refinaria ou dis- diversos pontos críticos para o pleno desenvolvi-
tribuidora de combustíveis (pode ser a partir de mento das energias renováveis. No caso da Bahia
uma revisão do DESENVOLVE); destacam-se:
• Criação do Programa de Arranjos Produtivos Lo- • Existência de um aparato institucional e de P&D
cais de Oleaginosas, no âmbito do Probiodiesel não amparado por uma política de fomento e regu-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 23-36, jun. 2006 35


POLÕTICAS P BLICAS E ENERGIAS RENOV¡VEIS: PROPOSTAS DE A«’ES DE INDU«√O...

lação para as energias renováveis, especifica- DAHAB, Sônia S. TEIXEIRA, Francisco Lima C. Ciência, tecnolo-
gia e competitividade industrial: subsídios teóricos para análise
mente biocombustíveis.
da nova política industrial. 11p. mimeo.
• Ausência de um modelo de Governança consis-
tente para gerir as políticas de energia. DOSI, G. Technological paradigms and technological trajecto-
• Carência de Programas aderentes ao tema ener- ries: a suggested interpretation of the determinants and directi-
ons of technical change. Research Policy, London, 1982.
gias renováveis.
• Ausência de uma política de desenvolvimento re- HAGUENAUER, Lia. Competitividade: conceitos e medidas: uma
gional estruturada para setores específicos. resenha bibliográfica. Rio de Janeiro: UFRJ/IEI, 1989. 38 p. (Tex-
to para discussão).
A Bahia tem todos os requisitos necessários – ca-
pacidade agrícola, infra-estrutura e capacitação técni- ______. Estrutura industrial e mudança tecnológica: proble-
ca – para tornar-se uma grande força nacional na pro- mas teóricos. Rio de Janeiro: UFRJ/FEA, 1991. 39p. (Texto didá-
tico, n. 49).
dução e uso de energias renováveis, principalmente o
biodiesel. Além disso, o estado construiu um aparato HOOGWIJK, M, et al. A Review of Assessments on the Future of
sistêmico que a coloca como um dos principais atores Global Contribution of Biomass Energy. In: WORLD
CONFERENCE ON BIOMASS ENERGY AND INDUSTRY, 1, 2001,
da produção e inovação em bioenergia. Fundamenta-
Sevilla. James & James, London (in press).
do por uma política mais agressiva nesse setor, a
Bahia consolidará sua vocação natural. INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. World Energy Outlook. Pu-
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36 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 23-36, jun. 2006


Energia solar para irrigação no
semi-árido baiano: o caso da
Associação dos Produtores e
Horticultores do Açude
do Rio do Peixe, Capim Grosso (BA)

Nicia Moreira da Silva Santos*

Resumo Abstract

A escassez de recursos hídricos apresenta-se uma das The lack of water resources is one of the causes of chronic
causas para a pobreza crônica na qual vivem as populações do poverty in which the semiarid inhabitants live, since it limits
semi-árido, uma vez que limita a ocupação humana e produção human occupation and agricultural production, and can also
agrícola, podendo vir a resultar na migração para os grandes cause the migration to big urban centers. Therefore, irrigation
centros urbanos. Dessa forma, a irrigação aparece como ele- emerges as an essential element for survival, however
mento essencial para a sobrevivência, sendo dificultada pela hindered by the lack of electric energy to power the necessary
falta de energia elétrica para mover bombas, motores, máquinas pumps, motors, machines and equipment. Photovoltaic solar
e equipamentos relacionados. A energia solar fotovoltaica con- energy configures itself as a feasible electricity supply option
figura-se opção viável de fornecimento elétrico em áreas remo- for remote and small areas, being highly applicable in the
tas e pequenas, tendo grande aplicabilidade no semi-árido baia- Bahian semiarid. Its use in irrigation tends to generate positive
no. Sua utilização para a irrigação tende a gerar impactos posi- impacts among producers by increasing their production,
tivos para os agricultores a partir do aumento na produção agrí- yielding bigger crops, diversifying cultures, improving income
cola, maior rendimento das lavouras, diversificação de culturas, by commercializing the exceeding production, and by
incrementos na renda pela comercialização do excedente e au- increasing consumption. In the case of the Associação dos
mento no consumo. No caso da Associação dos Produtores e Produtores e Horticultores do Açude do Rio do Peixe we
Horticultores do Açude do Rio do Peixe foram observadas me- observed improvements in regard to agricultural production,
lhorias no que diz respeito à produção agrícola, renda, consu- income, consumption, health and school education.
mo, saúde e educação.
Key words: semiarid, draught, irrigation, photovoltaic solar
Palavras-chave: semi-árido, secas, irrigação, energia solar energy.
fotovoltaica.

* Economista pela Universidade Federal da Bahia e assistente admi-


nistrativa da SEI. nicia@sei.ba.gov.br

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 37-50, jun. 2006 37


ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

INTRODUÇÃO da tecnologia solar para fins produtivos, em que se con-


siderou o emprego para irrigação como um dos usos
A escassez de água é um dos motivos da pobreza mais relevantes para o semi-árido; e o fato do projeto de
crônica que afeta a população do semi-árido baiano, irrigação com energia solar na APHARP ser um projeto
especialmente no que diz respeito aos pequenos “piloto”, ou seja, o primeiro no estado, possuindo cerca
agricultores, pois a seca dificulta a de dez anos de implantação (desde
produção, contribuindo inclusive Os sistemas solares 1996). A pesquisa foi feita mediante
para o aumento do êxodo rural. A são utilizados para observação participativa e entrevis-
irrigação, reconhecida como ele- iluminação e usos tas com questões norteadoras,
mento importante no combate à produtivos, sendo onde cinco pequenos produtores,
seca e à pobreza na região, é difi- que este último é de identificados como pessoas-chave,
cultada pela falta de energia para grande importância foram entrevistados. Variáveis eco-
mover bombas, motores, máqui- para as populações, nômicas e sociais como produção
nas e equipamentos relacionados. pois se apresenta como agrícola, renda, emprego, organiza-
Pela presença de características alternativa para ção coletiva, saúde e educação fo-
como alta dispersão geográfica e avanços em relação ram levadas em consideração para
baixo consumo por unidade, a ele- às condições de vida, compor o estudo de caso.
trificação rural em áreas remotas é a partir do acesso ao O projeto piloto de Energia So-
inviabilizada, sendo necessário o trabalho no campo e a lar para irrigação no Açude do Rio
uso de fonte energética que se geração de renda do Peixe foi implantado entre 1995
adeque às condições específicas e 1997, onde foram instalados
que tal demanda impõe. Nesse cenário, a energia nove kits de dezesseis placas solares e as respecti-
solar fotovoltaica configura-se como opção viável em vas bombas centrífugas. Foi realizado no âmbito da
áreas remotas e pequenas, tendo grande aplicabili- cooperação entre o Laboratório Nacional de Energias
dade no semi-árido baiano. Renováveis dos Estados Unidos (NREL), o Centro de
O emprego dos sistemas solares fotovoltaicos na Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL), a Compa-
Bahia é realizado por pequenas comunidades rurais nhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA),
do semi-árido, através do processo de eletrificação a Coordenação de Irrigação da Secretaria de Agricul-
rural, já que existem entraves para a implantação de tura e Irrigação do Estado da Bahia e a Associação
energia elétrica tradicional em áreas remotas e com de Moradores de Rio do Peixe.
alta dispersão demográfica. Os sistemas solares são Segundo relato dos pequenos produtores houve
utilizados para iluminação e usos produtivos, sendo impactos positivos no emprego da energia solar para
que este último é de grande importância para as po- irrigação na APHARP. Tais resultados dizem respeito
pulações, pois se apresenta como alternativa para ao aumento da produção agrícola, à diversidade de
avanços em relação às condições de vida, a partir do cultivos, à produtividade das lavouras, aos incremen-
acesso ao trabalho no campo e a geração de renda. tos na renda pela comercialização do excedente da
Este artigo tem como objetivo analisar as contri- produção, incrementos no consumo e bem-estar.
buições do emprego dos sistemas fotovoltaicos de Observou-se também ganhos em relação ao fortaleci-
bombeamento para irrigação na melhoria de vida dos mento da organização coletiva, saúde e educação.
produtores familiares da Associação dos Produtores Contudo, em 2002, os sistemas foram desativados
e Horticultores do Açude do Rio do Peixe – APHARP, por problemas técnicos nas bombas.
comunidade rural localizada no município de Capim
Grosso, semi-árido da Bahia. E de verificar até que
ponto este emprego pode vir a se configurar num fo- SEMI-ÁRIDO BAIANO: secas, irrigação e energia
mentador de desenvolvimento dessa comunidade.
A pesquisa de campo foi realizada em maio de O semi-árido baiano compreende aproximada-
2006, a escolha do local teve como critérios a utilização mente 62% dos municípios do estado, e abrange

38 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 37-50, jun. 2006


NICIA MOREIRA DA SILVA SANTOS

uma área de 360 mil km2, correspondendo a 68,7% sos extrapola seus efeitos danosos, atingindo a cria-
do território estadual e a 51,7% de todo o semi-árido ção dos animais. Sendo assim, dificulta a geração do
nordestino, sendo formado por nove das quinze Re- excedente econômico oriundo da venda dos cultivos,
giões Econômicas. forçando o agricultor a complementar a renda com
De modo geral, a região é caracterizada por bai- ocupações não agrícolas e, em casos extremos, in-
xos índices de pluviosidade, irregularidade na distri- duzindo à migração em busca de melhores oportuni-
buição de chuvas e temperaturas médias elevadas. dades.
O clima é quente e seco, com temperatura média As atividades econômicas do semi-árido são pro-
anual de 27ºC e cerca de 2.500 horas/ano de insola- fundamente afetadas e desorganizadas pelas secas,
ção, em média. A pluviosidade média anual varia pois com a falta de oportunidades de trabalho remu-
entre 400mm e 800mm. As precipitações caracteri- nerado, os chefes de família são forçados a buscar
zam-se por apresentar elevada irregularidade na dis- empregos em outras áreas (geralmente na Região
tribuição durante o ano e no decorrer dos anos, sen- Metropolitana de Salvador e no estado de São Pau-
do que metade está concentrada no trimestre mais lo), contribuindo para promover a desagregação fami-
chuvoso, geralmente nos meses de verão, e o perío- liar. Segundo Ghirardi (1998), os baixos níveis de ren-
do seco se estende, em média, por seis a oito me- da e de consumo, que se traduzem em precárias
ses. A caatinga se constitui no principal tipo de ve- condições de vida e remotas (ou nenhuma) expectati-
getação (CAR, 1995). vas de mudança, fazem com que milhares de pesso-
O semi-árido baiano tem como traços mais mar- as acorram às grandes cidades em busca de ascen-
cantes: a estrutura concentrada das áreas úteis; nú- são social. Assim, a migração é um dos mais graves
mero excessivo de pessoas ocupadas nos menores resultados das secas, onde seus habitantes impos-
estratos de área; condições ecológicas com alta vul- sibilitados de conviver com as condições adversas de
nerabilidade da produção agropecuária; baixo rendi- produção e trabalho, partem para regiões mais dinâ-
mento físico das produções em geral; baixo nível de micas em busca de melhores padrões de vida, culmi-
renda dos chefes de domicílios; altas taxas de anal- nando num processo de êxodo rural.
fabetismo; e infra-estrutura de serviços públicos defi- O fenômeno das secas também contribui para
citária, além do problema do déficit hídrico. aumentar as dificuldades na área educacional. Em
Historicamente, um dos entraves para o desenvol- anos de seca, as escolas rurais geralmente fecham
vimento econômico e social das populações no semi- ou deixam de funcionar por falta de água para consu-
árido tem sido a oferta insuficiente de água, por falta mo e higiene ou pela indisposição que a fome acarre-
de chuvas regulares, além da carência de sistemas ta. O nível de instrução no semi-árido é um dos mais
de captação e de distribuição das águas dos rios e baixos do país. Segundo Ghirardi (1998), em 87%
subterrâneas. A atividade agrícola do semi-árido é dos municípios a taxa de analfabetismo dos chefes
marcada pela baixa produtividade das culturas em de família é superior a 50%, e 47 municípios detêm
relação às demais áreas estaduais, utilização de tec- taxa de analfabetismo superior a 70%. Assim, as se-
nologias rudimentares, pequena renda gerada, cas têm contribuído para aumentar os índices de
grau de tecnologia mínima e existência, na maioria analfabetismo através do crescimento da evasão es-
dos casos, da agricultura de subsistência. As ativida- colar na região.
des são realizadas, quase na totalidade, em peque- Contudo, com o uso de sistemas de irrigação a
nas áreas, com exceção para a agricultura irrigada produção agrícola e a pecuária podem se tornar viá-
(CAR, 1995). veis do ponto de vista econômico, pois quando com-
As secas produzem impactos distintos em rela- binado a outros fatores permite aumento da produtivi-
ção às condições de saúde, educação, emprego, dade, possibilitando a geração de excedente comer-
migrações e setores produtivos da economia. A agri- cializável e, portanto, um aumento na renda. Ao con-
cultura de subsistência, que se configura como fonte viver com a instabilidade climática (distribuição irre-
de sustento e trabalho de grande parte dos pequenos gular e insuficiente de chuvas), o produtor que tem
produtores rurais, é a mais afetada, e em alguns ca- acesso à agricultura irrigada encontra uma opção

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

estratégica importante no processo de desenvolvi- zida, é elevado, inviabilizando a eletrificação através


mento setorial e regional. da rede convencional (a partir de postes, fios e outros
Contabiliza-se uma série de impactos positivos equipamentos). Portanto, faz-se necessária a utiliza-
pela utilização da irrigação na agropecuária do ção de outras fontes de energia, mais econômicas e
semi-árido baiano. Para a produção, verifica-se que possam adequar-se a essas condições, como
que, quando combinada com aplicação de defensi- as energias renováveis.
vos agrícolas e uso de sementes de qualidade, a ir- Em síntese, com as secas o uso da irrigação tor-
rigação permite dobrar a produtividade nas culturas na-se elemento importante para a melhoria das con-
tradicionais: feijão, milho e algodão, que são pre- dições de vida do semi-árido. E para que haja o bom-
dominantes nas unidades familiares voltadas para beamento de água através de poços ou açudes, é ne-
a subsistência (SOUZA, 1995). Dessa forma, o au- cessário o emprego da energia como força motriz.
mento da produtividade pode vir a possibilitar a ge- Dessa forma, a disponibilidade de energia apresenta-
ração de um excedente comercializável e, portan- se como elemento de grande importância para a so-
to, um aumento da renda e do bem-estar das famí- brevivência, enquanto fator de acesso à água via
lias. Facilita também a introdução de cultivos com bombeamento para consumo humano e, principal-
maior valor por unidade de área em comparação mente, na irrigação. Nesse contexto, configura-se a
com as atividades agrícolas de baixa produtivida- oportunidade para a utilização de painéis solares fo-
de. Permite, igualmente, a incorporação à ativida- tovoltaicos, uma fonte energética limpa e que se ade-
de econômica de terras impróprias ao cultivo. Po- que às condições específicas de eletrificação na re-
rém, o emprego da irrigação no semi-árido baiano gião semi-árida da Bahia.
esbarra na falta de um insumo básico: a energia
elétrica para bombeamento de água.
Nesse cenário, a questão da eletrificação rural O USO DA ENERGIA SOLAR FOTOVOLTAICA NO
na Bahia aparece como fator limitante para o de- SEMI-ÁRIDO BAIANO
senvolvimento da região através da irrigação, haja
vista que o estado possui um dos maiores índices A energia solar é obtida através da conversão di-
de não atendimento de energia elétrica. Segundo reta da luz solar em eletricidade. Tal fenômeno de-
dados do IBGE (2000), o percentual não eletrifica- nomina-se Efeito Fotovoltaico, no qual há o apareci-
do na Bahia é de 13,62% (433.052 domicílios não mento de uma diferença de potencial nos extremos
eletrificados), valor superior à média do Nordeste de uma estrutura de material semicondutor, produzi-
(12,30%). Dos domicílios sem atendimento elétrico da pela absorção da luz, sendo a célula fotovoltaica
no estado, quase a totalidade localiza-se na área a unidade fundamental no processo de conversão.
rural, em virtude da grande dispersão geográfica e As células fotovoltaicas, pela sua baixa tensão e
da predominância de comunidades geralmente si- corrente de saída, agrupam-se formando módulos
tuadas em áreas remotas e distantes das redes (CEPEL, 1995).
convencionais. Grande parte desses domicílios en- Um sistema fotovoltaico básico – nesse caso
contra-se em comunidades-núcleos altamente dis- para bombeamento de água, consiste nos módulos
persas, não atendendo a nenhum critério de aglo- solares, unidade de bombeamento, controlador de
meração, existência de serviços ou densidade po- carga, inversor de corrente, suportes para sustenta-
pulacional, e apresentando atividades essencial- ção dos módulos, cabo de aço para prender a bom-
mente agrícolas e pluriativas. ba, cabo para condução da energia elétrica, man-
Há uma série de barreiras à implementação da gueira para exaustão da água bombeada e materiais
energia elétrica no campo. A principal refere-se ao acessórios diversos. A quantidade de cada item, prin-
fato de que em comunidades relativamente pequenas cipalmente dos módulos fotovoltaicos, e a capacida-
e situadas em locais distantes da rede, o custo da de da unidade de bombeio são determinados de acor-
extensão de redes de transmissão e distribuição, do com os dados hidrodinâmicos de cada poço tubu-
dada uma demanda energética extremamente redu- lar e da altura manométrica total.

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NICIA MOREIRA DA SILVA SANTOS

Aplicabilidade no semi-árido baiano localidade a pelo menos 10 km da rede, o atendimen-


to através dos fotovoltaicos é mais vantajoso, caso o
A utilização dos sistemas solares fotovoltaicos na consumo situe-se no valor médio de 12,5 kwh (quilo-
Bahia vem sendo realizada especificamente nas pe- watthora) por mês, considerado como referência para
quenas comunidades rurais do semi-árido, no pro- um investimento de US$ 1,250.00 por consumidor
cesso de eletrificação rural. Seu para a implementação do sistema
uso ocorre tanto para fins de ilumi- Dessa forma, os sistemas fotovoltaico. Outro aspecto é que o
nação pública e residencial quanto solares fotovoltaicos custo de atendimento tradicional de
para fins produtivos como bombea- apresentam-se como 100 residências cresce de US$
mento de água para consumo de alternativa possível para o 5,000.00 por residência, para uma
animas, eletrificação de cercas, suprimento de distância de 10 km da rede, para
resfriamento e secagem de frutas e eletricidade nessas cerca de US$ 8,000.00 por residên-
grãos, piscicultura e como força condições, na medida em cia, para uma distância de 50 km
motriz de bombas para irrigação. que os fatores para a da rede.
Tais empregos produtivos são de incorporação de sua Dessa forma, os sistemas sola-
suma importância para a população tecnologia para res fotovoltaicos apresentam-se
na medida em que se apresentam eletrificação e outros fins como alternativa possível para o su-
como alternativa para a melhoria produtivos estão primento de eletricidade nessas
das condições de vida a partir do presentes nas condições, na medida em que os fa-
acesso ao trabalho no campo e a comunidades agrícolas de tores para a incorporação de sua
geração de renda. pequeno porte tecnologia para eletrificação e ou-
A aplicabilidade da energia solar tros fins produtivos estão presentes
no semi-árido se dá por um conjunto de fatores, quais nas comunidades agrícolas de pequeno porte. Por ser
sejam: presença de radiação solar abundante na re- uma fonte energética descentralizada pode ser aplica-
gião, insumo essencial para a geração energética; da nas propriedades localizadas nas áreas mais remo-
reunir as condições específicas para o atendimento tas. A modularidade permite que seja ajustada a carga
elétrico nas zonas rurais da região; ser descentraliza- energética adequada a cada emprego, sendo menor
da; apresentar modularidade e custos relativamente para iluminação residencial em comunidades com
baixos se comparados à implantação convencional; poucos habitantes e maior quando usada para usos
ser uma alternativa para amenizar o problema das se- produtivos.
cas a partir do bombeamento de água para consumo No que diz respeito aos usos produtivos, o bom-
humano, de animais e irrigação; e gerar impactos po- beamento de água aparece como um dos mais im-
sitivos para a população tanto em relação aos usos portantes para o consumo de animais ou para a ir-
produtivos (geração de renda) como para fins de ilumi- rigação no semi-árido. A partir da inserção da água
nação (melhoria nas condições de vida). como insumo básico para a produção de lavouras e
Por apresentar características como a alta disper- pecuária, pode-se resultar no incremento da renda
são geográfica entre as comunidades, grande distân- familiar e do nível de empregos rurais a partir do
cia da rede de transmissão e distribuição elétrica e trabalho na agropecuária. Com a escassez de rios
baixo consumo por unidade, a eletrificação convenci- perenes na região, a irrigação é realizada através
onal no semi-árido é inviabilizada economicamente. de bombeamento de água de açudes ou poços, fa-
Surge a necessidade de uma fonte energética que zendo-se mister o uso da energia elétrica para tal
atenda a essas condições: a energia solar fotovoltai- bombeio.
ca. Os custos para sua implantação em áreas remo- Em relação a essas fontes para bombeamento,
tas, se comparados aos custos da eletrificação via Fraidenrich e Vilela (1994) apud Ghirardi (1998) afir-
redes de transmissão, são incomparavelmente me- mam que as bombas manuais são ainda a opção
nores, haja vista as particularidades de tais deman- mais difundida no Nordeste para obter água para o
das. Segundo análise da CEPEL (1995), em qualquer consumo humano, já que as bombas a diesel são,

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

em geral, grandes demais para os níveis de deman- Devido ao fato da pequena agricultura possuir re-
da, o que faz com que funcionem com baixa capaci- duzida capacidade de gerar rendas – cerca de 66%
dade de carga e baixa eficiência. O Quadro 1 traz os da população da área rural não atendida por energia
principais elementos de comparação entre os siste- elétrica tem renda inferior a R$ 150,00 por mês, gas-
mas de bombeamento existentes. tando, no mesmo período, R$ 10,00 com energia
(querosene, pilhas, velas, etc.) (GOU-
Quadro 1 VELLO; POPPE, 1997) – e o alto custo
Comparação de sistemas para bombeamento de água dos sistemas fotovoltaicos,– sendo
que o de pequeno porte não é menor
que US$ 14,00 por Watt –, é fundamen-
tal que sejam disponibilizados siste-
mas de financiamento que possibilitem
a amortização, a longo prazo, dos mó-
dulos fotovoltaicos que demandam alto
valor inicial de investimento, notada-
mente para os sistemas fotovoltaicos
de bombeamento. Os organismos go-
vernamentais e organizações do tercei-
ro setor também são responsáveis por
financiar a energia solar fotovoltaica em
comunidades rurais do semi-árido.
Analisando os impactos dos siste-
mas fotovoltaicos, Krause (2003) afir-
ma que há uma correlação positiva en-
tre a eletrificação e o Índice de Desen-
volvimento Humano (IDH), já que o for-
necimento de energia pelos painéis so-
lares é capaz de promover o desenvolvi-
mento rural. Essa influência na qualida-
de de vida da população rural é medida
pelas condições de saúde, educação e
geração de renda. Especificamente
Fonte : Frainderich e Villela ( 1994) apud Ghirardi (1998).
em relação ao uso dos sistemas foto-
voltaicos de bombeamento para irriga-
As principais vantagens no uso dos sistemas ção, objeto do estudo de caso, muitos são os impac-
fotovoltaicos para bombeamento de água no semi- tos a fim de promover a melhoria das condições de
árido baiano referem-se a sua modularidade, sua vida da população das zonas semi-áridas:
instalação fácil, pouca manutenção e confiabilida- • melhorias na saúde pelo acesso à água e desuso
de. Por possuir modularidade, os sistemas fotovol- de produtos poluentes antes utilizados para gera-
taicos podem amoldar-se à demanda por bombea- ção de energia como, por exemplo, o diesel;
mento, impedindo a existência de capacidade oci- • aumento da produção e do número de culturas em
osa, e, ainda, o dimensionamento do sistema pode virtude da utilização da energia para usos produti-
ser alterado, ou seja, se a demanda aumentar, po- vos como a irrigação;
dem ser acoplados módulos adicionais. A fácil ins- • incrementos na renda a partir da comercialização
talação faz dos sistemas uma ótima opção para o do excedente da produção;
fornecimento em áreas distantes, como o caso do • incrementos no consumo devido ao aumento da
semi-árido baiano. renda;

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• melhorias na educação a partir da iluminação, pois Surgiu da necessidade de se instituir um órgão repre-
a população pode estudar no período noturno. sentativo que fosse em busca de apoio governamen-
Abordando os impactos para as comunidades tal para a pequena produção local e no combate dos
ressalta-se que a energia solar direta representa uma efeitos das secas na região. A Empresa Baiana de
alternativa ao suprimento de necessidades a partir da Desenvolvimento Agrícola S.A. (EBDA), o Sindicato
produção de alimentos via irrigação e geração de ex- dos Trabalhadores Rurais (STR) e a Prefeitura de
cedentes monetários. Além de representar uma alter- Capim Grosso apoiaram a criação do órgão, que tem
nativa para o suprimento de necessidades das comu- 18 anos de existência.
nidades – produção de alimentos via irrigação e gera- O trabalho da APHARP junto à comunidade con-
ção de excedentes monetários –, a energia solar di- siste em: pleitear e viabilizar a concessão de benefí-
reta representa também uma solicitação de mudan- cios públicos para as famílias junto às diversas insti-
ças de hábitos de consumo que podem significar, em tuições; tentar criar uma infra-estrutura produtiva e de
alguns casos, a reorganização da sociedade pelo moradia com a construção de escolas, igrejas, cer-
acesso à água e aos serviços domésticos. E o aces- cas, pequenas aguadas, obras de irrigação e a dispo-
so a tecnologia enquanto fator de organização comu- nibilizar uma área comunitária de 8,8 hectares (doa-
nitária dos pequenos produtores (GHIRARDI, 1998). da pela Prefeitura à Associação) para o cultivo agríco-
Contudo, as pequenas comunidades teriam, indivi- la dos moradores que não dispõem de terras.
dualmente, pouca ou nenhuma condição de acesso ao A horticultura constitui-se na atividade fundamen-
crédito, tornando-se indispensável a instituição de uma tal da economia local, sendo complementada com a
instância coletiva, como uma cooperativa de crédito, pesca e, em alguns casos, com a criação de poucas
que pudesse alavancar recursos junto aos organismos cabeças de gado leiteiro. Contudo, a escassez hídri-
responsáveis. A Associação de Desenvolvimento Sus- ca apresenta-se como principal entrave ao desenvol-
tentável e Solidário da Região Sisaleira (APAEB), em vimento da produção agropecuária, visto que o Açude
Valente, e a Associação dos Produtores e Horticultores do Rio do Peixe está localizado numa região de gran-
do Açude do Rio do Peixe, em Capim Grosso, são de incidência solar e baixos índices pluviométricos,
exemplos dessas instituições coletivas. em que as chuvas concentram-se em apenas três
meses do ano (entre abril e junho).
Como a questão mais relevante para os resi-
ENERGIA SOLAR PARA IRRIGAÇÃO: o caso da dentes do Açude do Rio do Peixe se refere aos im-
Associação dos Produtores e Horticultores do pactos negativos das secas sobre a produção agrí-
Açude do Rio do Peixe em Capim Grosso1 (BA) cola (única fonte de sustento das famílias), as prin-
cipais demandas da comunidade consistem em
A Associação dos Produtores e Horticultores do formas de minimizar tais impactos através da ces-
Açude do Rio do Peixe (APHARP) foi criada em sete são de equipamentos, assistência técnica para os
de maio de 19882 no município de Capim Grosso. cultivos, crédito rural, construção de cisternas e
outros. Dessa forma é que, em 1995, foi sugerido
1
O município de Capim Grosso foi criado em 1986, e está inserido, com para a APHARP o emprego da energia solar, por
outros 23 municípios, na Região Econômica Piemonte da Diamantina, no meio dos sistemas solares fotovoltaicos, para o
semi-árido baiano, ocupando uma área de 350,03 Km2, e se encontra a
uma distância de 268 km da capital. É caracterizado por apresentar clima bombeamento de água e irrigação no entorno do
semi-árido e a vegetação característica é a caatinga. Em termos econô- açude. O convite foi realizado pela Coordenação de
micos, o município pode ser definido como de atividade principalmente
agrícola e de serviços. Apresenta-se como uma região tradicionalmente Irrigação da Secretaria de Agricultura, Irrigação e
produtora de culturas de sequeiro como: mandioca, sisal, milho, feijão,
batata-doce, além dos cultivos de frutas (melancia, maracujá, banana) e
Reforma Agrária (SEAGRI), que escolheu a comu-
horticulturas. nidade pela condição de extrema pobreza em que
2
A Associação foi criada em 1988 com o nome de Associação dos se encontrava, pela incapacidade de produzir com
Horticultores da Fazenda do Rio do Peixe. Contudo, em 2000, por
questões administrativas, mudou a razão social para Associação dos a escassez de recursos hídricos, e por possuir
Produtores e Horticultores do Açude do Rio do Peixe. Como a estru-
tura e os membros são os mesmos, considerou-se que a Associação
uma organização coletiva forte, representada pela
possui 18 anos. Associação dos Produtores e Horticultores do

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

Açude do Rio do Peixe, capaz de gerir a utilização Os sistemas de bombeamento fotovoltaicos


de um tipo de tecnologia tão específica como a de implantados no Açude Rio do Peixe eram forma-
placas solares para a irrigação. dos por nove kits de dezesseis placas solares fo-
As expectativas foram positivas entre os residen- tovoltaicas e as respectivas bombas centrífugas.
tes da comunidade do Rio do Peixe, que esperavam Devido às variações sazonais do nível da água no
incrementos nos cultivos agrícolas açude, a solução mais prática foi
a partir da irrigação, visto que as Os sistemas de a instalação do sistema em balsa
plantações eram feitas nos leitos bombeamento flutuante. O sistema completo fi-
secos do açude para o aproveita- fotovoltaicos implantados cava a quinze metros da margem
mento da terra encharcada e, em no Açude Rio do Peixe do açude em época de cheia, e
alguns casos extremos, com o eram formados por nove bombeava a uma distância de
uso de baldes para molhar a terra. kits de dezesseis placas 350 metros com vazão de 12 m3
Nas duas situações pode-se inferir solares fotovoltaicas e as por dia. A água bombeada pelo
que a produtividade das lavouras respectivas bombas sistema era conduzida às hortas
era baixa. Na primeira, como se centrífugas. Devido às por meio de tubos conectados de
cultivava nos leitos do açude, onde variações sazonais do maneira a molhar toda a exten-
as águas haviam recuado, o espa- nível da água no açude, a são das plantações.
ço produtivo era reduzido. E na se- solução mais prática foi a Inicialmente, apenas um kit de
gunda, com o cultivo feito de forma instalação do sistema em bombeamento fotovoltaico para ir-
braçal, os agricultores carregavam balsa flutuante rigação foi instalado, em maio de
água no balde para regar planta- 1995, devido ao baixo nível das
ções, um trabalho extremamente desgastante e de águas no açude. Durante a implantação formou-se
baixo rendimento. uma equipe de cerca de 20 técnicos oriundos do
Assim, em 1995, o projeto piloto de energia solar NREL, CEPEL, COELBA, SEAGRI, EBDA e de-
para irrigação no Açude do Rio do Peixe foi implan- mais órgãos para acompanhar a implementação do
tado. O programa foi realizado no âmbito da coope- sistema, orientar o treinamento de técnicos da re-
ração entre o Laboratório Nacional de Energias Re- gião e instruir os pequenos produtores quanto ao
nováveis dos Estados Unidos (NREL), o Centro de funcionamento e manutenção do equipamento. So-
Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL) e a Compa- mente em 1997, quando o açude estava cheio, o
nhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA), restante do material, ou seja, os outros oito kits
com a participação da Coordenação de Irrigação da foram instalados. Dessa vez, vieram acompanha-
Secretaria de Agricultura e Irrigação do Estado da dos de um motor a diesel e doze placas solares fo-
Bahia (SEAGRI) e da Associação de Moradores de tovoltaicas para iluminação residencial. O motor a
Rio do Peixe. diesel foi doado pela SEAGRI como forma de com-
O Programa NREL–CEPEL tinha como finalida- plementar a demanda energética que as placas
de demonstrar a efetividade das tecnologias eólica e solares não suprissem, sendo alocado numa área
solar fotovoltaica para satisfazer as necessidades comunitária com a finalidade de beneficiar dez fa-
da eletrificação rural e estabelecer relações institu- mílias em 8,8 hectares.
cionais e comerciais entre os dois países. Com a Pela capacidade limitada de bombeamento dos
participação da Companhia de Eletricidade do Esta- sistemas solares, visto que não poderia atender às
do da Bahia, o CEPEL coordenou os trabalhos de necessidades de mais de uma família irrigando até
implantação e monitoramento da operação dos sis- um hectare de terra, os nove kits foram divididos en-
temas. A SEAGRI foi responsável pela escolha da tre nove famílias. A escolha foi realizada pela comuni-
comunidade, pela criação de um elo entre as entida- dade dentre as famílias mais carentes. Entretanto, foi
des e a associação e pela doação de equipamentos desenvolvido um sistema de parceria em que os de-
auxiliares na irrigação. Às famílias cabia o emprego mais associados poderiam utilizar o espaço irrigado
e a conservação dos sistemas. concomitantemente às famílias selecionadas.

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NICIA MOREIRA DA SILVA SANTOS

A assistência técnica foi instituída no âmbito da na figura da APHARP; baixo valor dos custos de ope-
EBDA e da COELBA. A EBDA prestava assistência ração (principalmente se comparado a outras fontes
no que diz respeito às questões agrícolas, auxilian- como o diesel); e existência de financiamento.
do e orientando nas plantações e no manuseio dos Vários foram os impactos econômicos e sociais
acessórios das bombas, permanecendo, contudo, para a comunidade com a implementação do projeto
apenas até o ano de 2000. A CO- de emprego dos sistemas solares
ELBA prestava assistência em re- O aumento da produção fotovoltaicos de bombeamento para
lação aos sistemas fotovoltaicos constitui-se no principal irrigação, segundo relato dos produ-
de irrigação propriamente ditos, fa- impacto para as famílias, tores. Os efeitos econômicos foram
zendo a manutenção, troca de pe- conforme relatos. A seca relativos ao aumento das produções
ças dos equipamentos e dando impossibilitava o cultivo agrícolas, à diversidade de cultivos,
instruções de uso e conservação das lavouras sem a à produtividade das lavouras, aos in-
aos agricultores. Em 2001, quando irrigação, produzindo-se crementos na renda pela comercia-
a COELBA foi privatizada, dando apenas para a lização do excedente da produção,
prioridade às ligações elétricas subsistência. Apesar de ao aumento do nível dos empregos
convencionais, a assistência foi não haver um registro de rurais e ao aumento do consumo.
cancelada. Cabe destacar que dados quantitativos, os Os efeitos sociais são notados,
para os pequenos produtores ru-
produtores afirmam ter principalmente, no fortalecimento
rais do Açude do Rio do Peixe
obtido grandes ganhos de da organização coletiva, na saúde,
existe uma correlação positiva en-
produção com a irrigação. na educação, na melhoria do bem-
tre produtividade das lavouras e as-
estar e nas condições de vida dos
sistência técnica, sendo esta uma
pequenos produtores.
fonte de motivação para os mesmos, conforme afir-
O aumento da produção constitui-se no principal
mação de representante da APHARP:
impacto para as famílias, conforme relatos. A seca
Quando tínhamos assistência técnica produzíamos mais. impossibilitava o cultivo das lavouras sem a irrigação,
Hoje se diminui muito a produção e creio que boa parte disso produzindo-se apenas para a subsistência. Apesar de
é pela falta de assistência técnica. Só pelo fato de se ter a
não haver um registro de dados quantitativos, os pro-
assistência, os agricultores sentem-se animados para pro-
duzir (Pesquisa de campo, 2006). dutores afirmam ter obtido grandes ganhos de produ-
ção com a irrigação. Além disso, os cultivos se esten-
Em condições de secas, quando as lavouras fi- diam por toda a extensão das propriedades e não
cam prejudicadas ou até inviabilizadas, a irrigação apenas nos leitos secos do açude, contribuindo para
aparece como subsídio primordial para a sobrevivên- o aumento do quantum colhido. Some-se a isso o fato
cia da população semi-árida. Porém, para que o dos rendimentos das lavouras também terem aumen-
bombeamento de água aconteça é necessária uma tado com o trabalho conjunto da irrigação, sementes
fonte energética. Como os residentes no Açude do selecionadas, uso de adubos, pulverizadores e assis-
Rio do Peixe não possuíam acesso à energia elétri- tência técnica. Sobre tais ganhos, um agricultor, be-
ca, a irrigação feita com os sistemas solares fotovol- neficiado com o kit de irrigação, afirmou que:
taicos de bombeamento torna-se uma opção viável,
A quantidade produzida depois da energia solar é incompa-
econômica e limpa. A comunidade possui ainda as
rável, rendemos muito mais. É impossível imaginar, fazer um
condições específicas para que o uso de tal tecnolo- cálculo do antes e depois. Chegamos a tirar produções aqui
gia torne-se vantajoso: alto grau de utilização com de caminhão, não de uma propriedade, mas de quatro a cin-
baixa demanda (kw) dos sistemas de bombeamento co ... Antes não tinha como produzir .... Não é que estejamos
produzindo muito, era que antes não produzíamos nada
fotovoltaico implantados; fácil instalação e pouca ne- (Pesquisa de Campo, 2006).
cessidade de manutenção dos sistemas, haja vista o
baixo nível educacional dos habitantes do Açude; Registrou-se uma maior variedade de culturas
moradores instruídos sobre manutenção e operação com o projeto. Antes, eram colhidos apenas batata,
dos sistemas; organização coletiva forte e atuante, abóbora e pouco quiabo. Depois foram implantadas

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

lavouras de tomate, repolho, pimentão, quiabo, agora foi com esforço da bomba, dela para cá foi que adquirimos
o que temos, porque antes não tínhamos nada (Pesquisa
em maior quantidade, feijão, milho, abóbora, melan-
de campo, 2006).
cia, goiaba, banana e maracujá.
Sensíveis modificações foram observadas na co- O fortalecimento da organização coletiva apresen-
mercialização dos produtos. Com o reduzido exce- tou-se como um dos mais notáveis impactos sociais.
dente gerado antes da irrigação, Os benefícios obtidos através do
quando a maioria das propriedades O fortalecimento da projeto de irrigação com energia
vivia em níveis de subsistência, co- organização coletiva solar acabaram por despertar a co-
mercializava-se apenas no municí- apresentou-se como um munidade para a importância da
pio de Capim Grosso. Na análise dos mais notáveis APHARP, ou seja, para a relevância
posterior, as vendas de horticultu- impactos sociais. Os que uma instituição coletiva forte e
ras estenderam-se para Queima- benefícios obtidos através coesa possui frente aos órgãos go-
das, Santaluz, Jacobina e outras do projeto de irrigação vernamentais. Quantificou-se que,
cidades próximas, conseqüência com energia solar depois do projeto, o número de fa-
direta do aumento da produção nas acabaram por despertar a mílias associadas à APHARP so-
lavouras. comunidade para a freu uma variação de 100%, pas-
O incremento na renda das fa- importância da APHARP, sando de 40 para 80 famílias.
mílias também foi uma das conse- ou seja, para a relevância As melhorias na saúde e na
qüências do emprego da energia que uma instituição educação são consideradas efeitos
solar para irrigação no Açude do coletiva forte e coesa indiretos do projeto de energia solar
Rio do Peixe. A partir do aumento possui frente aos órgãos para irrigação. Essas melhorias
dos cultivos, da produção e do ren- governamentais são fruto especialmente da qualida-
dimento, um excedente agrícola de da alimentação, com o consumo
maior era destinado à comercialização, acarretando de uma cesta maior de alimentos. Na educação, es-
renda adicional. Segundo informações dos produto- sas melhorias se verificaram na diminuição do nível
res, a renda gerada sem irrigação era insuficiente, de analfabetismo dos menores a partir da construção
pois a atividade era quase totalmente dedicada à de uma escola de ensino fundamental com a renda
subsistência. O acréscimo na renda pós-programa gerada pela horticultura irrigada.
alcançou aproximadamente um salário mínimo, re- Entretanto, a partir de 2002, as bombas alimenta-
presentando grande variação se comparado ao esta- das com energia solar, uma a uma, a começar pelas
do anterior, em que plantavam apenas para consu- que eram mais utilizadas, passaram a apresentar
mo próprio. problemas que não foram solucionados e, então, en-
Para os beneficiados, a ampliação do consumo traram num processo de estagnação. Segundo relato
dos pequenos produtores ocorreu como efeito direto dos produtores beneficiados, o defeito foi causado
da capitalização destes, resultando conseqüente- por uma peça chamada “escova de carvão”, fabricada
mente no aumento do seu bem-estar e melhoria das no México. A informação recebida foi de que os forne-
condições de vida. Os principais bens adquiridos fo- cedores não a importavam, pois a mesma tinha dei-
ram cabras, porcos, bovinos, eletrodomésticos e xado de ser confeccionada. Os agricultores, por sua
motos, além de alimentos processados a fim de vez, procuraram ajuda da COELBA e EBDA, que
compor a cesta básica. Outro produtor beneficiado através das empresas fornecedoras receberam a
ratificou a importância das bombas solares no que mesma informação. Técnicos da COELBA recomen-
tange aos impactos sobre a renda e consumo: daram o uso da “escova de Carvão” da marca Merce-
des, que por conter material diferente do original não
Quem não tinha nenhuma cabra hoje já tem uma vaquinha,
se adaptou às bombas antigas. Assim, sem outras
tem material para pescaria. Tudo através da força da bom-
ba solar, se ela não tivesse vindo estaríamos na mesma opções, uma vez que não poderiam parar a produção,
dificuldade, molhando as plantações na mão e o que pro- continuaram a utilizá-la até que os sistemas paras-
duzíamos só dava para comer... Tudo o que conseguimos sem. Há que se ressaltar que os produtores usaram

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NICIA MOREIRA DA SILVA SANTOS

os sistemas até a exaustão e lamentaram muito sua tanto, as bombas fotovoltaicas permaneciam ligadas
perda. Além disso, não foi verificado nenhum defeito ininterruptamente durante dias. Atualmente, isso sig-
no que diz respeito às placas solares. nifica um alto gasto de diesel, incompatível com a
No entanto, quando os sistemas começaram a renda das famílias.
apresentar defeito, não bombeando mais a mesma Com as bombas paradas, começaram a haver fur-
quantidade de água para irrigação, tos de placas solares – treze pla-
alguns produtores adquiriram moto- Com o prejuízo na cas desapareceram entre 2002 e
res a diesel como opção comple- capacidade de 2003. Por conseguinte, foi decidido
mentar ao bombeamento fotovoltai- bombeamento pela em assembléia na APHARP que as
co. Dessa maneira, no momento substituição dos sistemas mais de cem placas que acompa-
em que as bombas da energia solar fotovoltaicos pelos nhavam os kits de bombeamento e
foram desativadas, algumas famíli- motores a diesel, a estavam ociosas iriam ser distribuí-
as não sentiram tanto os resulta- produção de frutas ficou das para os associados para ilumi-
dos da perda, pois possuíam motor comprometida, uma vez nação residencial. Todos os asso-
bomba a diesel. Contudo, a grande que havia a necessidade ciados receberam as placas sola-
maioria das famílias não detinha tal de uma carga mais intensa res, e aquelas que restaram foram
equipamento. A queda na produção de irrigação (dia e noite). cedidas a outras instituições em
foi a principal conseqüência da de- Para tanto, as bombas troca de uma gratificação para a
sativação dos sistemas para a co- fotovoltaicas permaneciam construção da sede própria.
munidade. ligadas ininterruptamente No que diz respeito às expecta-
Apesar de constituir-se em fon- durante dias. Atualmente, tivas da comunidade, observa-se
te energética poluente e dos altos isso significa um alto que os principais problemas para
custos se comparada à energia so- gasto de diesel, os produtores dizem respeito aos
lar (para os produtores beneficiados incompatível com a renda impactos das secas, à pequena
no Açude do Rio do Peixe o custo das famílias quantidade de terras para cultivo e
para bombeamento de água via sis- ao acesso à energia elétrica.
temas fotovoltaicos era zero), em que o produtor gas- Como o nível das águas do Açude do Rio do Peixe
ta em média R$ 30,00 por semana para alimentá-la está baixo há cerca de três anos pela falta de chuvas
ou R$ 120,00 por mês, para continuar as plantações, (desde 2003), o principal pleito da comunidade se re-
os agricultores decidiram pelo uso do moto bomba a fere à construção de uma ligação com a barragem de
diesel como alternativa para a irrigação. Pedras Altas,3 com a finalidade de alimentar o açude
Em relação à desativação dos equipamentos, um de maneira a amenizar os efeitos das secas.
agricultor beneficiado expressa seu descontenta- Outra questão relevante para os produtores gira
mento: em torno das áreas disponíveis para plantações. Na
opinião deles, as áreas existentes no entorno do açu-
Depois das bombas melhorou muito a situação da gente,
passamos a nos envolver mais na roça mesmo, plantando
de são limitadas em relação ao número de famílias
de tudo, melancia, abóbora, quiabo.... Tudo o que a gente residentes na comunidade. Além de atentarem para o
plantava dava, e dava o suficiente. Mas agora como as fato de que os lotes de cada uma das famílias têm de
bombas deram problemas nós ficamos quase na mesma di-
ser divididos entre os filhos, diminuindo ainda mais a
ficuldade, por que para quem não pode comprar o motor (a
diesel) a plantação ficou devagar de novo (Pesquisa de parte designada para os cultivos. Em relação a isso,
campo, 2006). considerando-se que o módulo fiscal4 do município

Com o prejuízo na capacidade de bombeamento


3
A Barragem de Pedras Altas, inaugurada em 2 de abril de 2002, localiza-
pela substituição dos sistemas fotovoltaicos pelos se no Distrito de Capim Grosso, a 4 km de distância da comunidade.
motores a diesel, a produção de frutas ficou compro- 4
Módulo fiscal constitui uma referência de área definida pelo INCRA, que
varia conforme a região, e é definido para cada Município a partir de vários
metida, uma vez que havia a necessidade de uma
fatores: tipo de exploração predominante no município, renda obtida com
carga mais intensa de irrigação (dia e noite). Para a exploração predominante, outras explorações existentes no município

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

de Capim Grosso é de 60 hectares e sua fração míni- A primeira crítica diz respeito ao número de fa-
ma é de 25 hectares, pode-se inferir que o módulo fis- mílias beneficiadas e ao alcance limitado do proje-
cal é doze vezes maior que o tamanho médio das to. Das quarenta famílias associadas inicialmente,
propriedades do Açude do Rio do Peixe, que é de cin- apenas nove foram beneficiadas diretamente com
co hectares, e a fração mínima está cinco vezes aci- os nove kits de bombeamento fotovoltaico, enquan-
ma do tamanho médio das proprie- to que as demais tiveram que en-
dades. A principal crítica trar em sistemas de parceria para
O acesso à energia elétrica relaciona-se com a usufruir das benesses dos equipa-
também se constitui numa reivindi- assistência técnica, que mentos. Os entes responsáveis
cação importante, visto que se se apresenta como fonte poderiam ter cedido um maior nú-
apresenta como alternativa para de motivação e item de mero de kits ou aumentado a po-
produção a partir de seu uso para grande importância para tência instalada de modo a benefi-
alimentar bombas elétricas. Some- os agricultores da ciar maiores áreas ou a comuni-
se a isso o aumento do nível de comunidade. Inicialmente dade como um todo.
bem-estar da comunidade com o haveria a assistência Além disso, com as melhorias
incremento da carga consumida, técnica prestada às em relação à produção, ao rendi-
abrindo espaço para o consumo de famílias, principalmente mento das lavouras, incrementos
outros eletrodomésticos. para os equipamentos, na renda e no consumo das famíli-
A partir dessa análise, pode-se existia, mas não era as, e o efeito indireto sobre educa-
concluir que o emprego da energia constante e cessou após a ção e saúde, pode-se inferir que o
solar para irrigação na comunidade privatização da COELBA emprego da energia solar para irri-
do Açude do Rio do Peixe gerou um gação na comunidade do Açude do
conjunto de impactos positivos culminando no de- Rio do Peixe gerou avanços em relação às condições
senvolvimento do nível de vida dos moradores, confir- de vida dos habitantes com o aumento do bem-estar,
mando a hipótese apresentada. Tais impactos são mas ficou aquém do objetivo de vir a ser elemento
resumidos nos seguintes tópicos: promotor de desenvolvimento rural. Isso se deve prin-
1. aumento da produção em virtude do uso da ener- cipalmente ao alcance limitado do projeto, que não
gia para o processo de irrigação, além de maior beneficiou diretamente todas as famílias, uma vez
rendimento das lavouras; que algumas tiveram grandes progressos, outras fi-
2. maior variedade de culturas; caram a mercê dos sistemas de parceria e algumas
3. incrementos na renda a partir da comercialização nem chegaram a utilizar os sistemas solares de
do excedente da produção; bombeamento.
4. incrementos no consumo acarretando um maior A principal crítica relaciona-se com a assistên-
grau de inserção no sistema capitalista; cia técnica, que se apresenta como fonte de moti-
5. aumento do bem-estar em virtude do aumento no vação e item de grande importância para os agri-
consumo; cultores da comunidade. Inicialmente haveria a as-
6. melhorias em saúde e educação como efeito indi- sistência técnica prestada às famílias, principal-
reto da irrigação via energia solar. mente para os equipamentos, existia, mas não era
constante e cessou após a privatização da COEL-
BA. Já a assistência para as atividades agrícolas
que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda feita pela EBDA era mais assídua, contudo a partir
ou da área utilizada, e conceito de propriedade familiar. O Módulo Fiscal de 2000 e até maio de 2006 não vem sendo realiza-
serve de parâmetro para classificação do imóvel rural quanto ao tamanho,
na forma da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993: Pequena Proprieda- da. O modelo de intervenção dos órgãos públicos
de - o imóvel rural de área compreendida entre 1(um) e 4(quatro) módulos na área rural vem ocorrendo de forma desorganiza-
fiscais; Média Propriedade - o imóvel rural de área superior a 4 (quatro) e
até 15(quinze) módulos fiscais. Serve também de parâmetro para definir da e desarticulada, com duplicação de funções,
os beneficiários do PRONAF (pequenos agricultores de economia famili-
ar, proprietários, meeiros, posseiros, parceiros ou arrendatários de até
atuações pontuais, falta de planejamento e de con-
4(quatro) módulos fiscais). tinuidade.

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NICIA MOREIRA DA SILVA SANTOS

No caso específico dos equipamentos de irriga- forma desarticulada, com duplicação de funções,
ção com energia solar para a APHARP, pode-se des- atuações pontuais, falta de planejamento e de con-
tacar que para sua cessão não foi levado em conta o tinuidade.
fato de não haver similares no país. Ou seja, os siste- As melhorias em relação à produção, o aumento no
mas foram desativados pelo desgaste de uma mes- rendimento das lavouras, os incrementos na renda e no
ma peça, que, de acordo com depoimentos, não pos- consumo das famílias e o efeito indireto sobre a educa-
suía similares no mercado, culminando na desativa- ção e a saúde tiveram alcance limitado, uma vez que
ção das nove bombas. foram produzidos avanços em relação às condições de
vida e bem-estar somente para os beneficiados direta e
indiretamente com os sistemas, tendo deixado desejar
CONSIDERAÇÕES FINAIS no que se refere à promoção do desenvolvimento rural.
É válido destacar que tais críticas referem-se à forma
O emprego da energia solar para irrigação no em que a energia solar para irrigação foi implantada pe-
semi-árido por parte da Associação dos Produtores e los entes no referido projeto e não em relação aos efei-
Horticultores do Açude do Rio do Peixe resultou em tos de sua utilização de modo geral.
impactos positivos no que diz respeito ao aumento Em suma, a despeito do pequeno número de be-
das produções agrícolas, à diversidade de cultivos, à neficiados, da falta de planejamento em todas as
produtividade das lavouras, aos incrementos na ren- etapas da implantação do projeto de energia solar
da pela comercialização do excedente da produção, para irrigação na APHARP, e do reduzido alcance
aos incrementos no consumo e ao bem-estar. Obser- para o desenvolvimento econômico e social, deve-se
vou-se também ganhos em relação ao fortalecimento salientar a importância do Estado como agente pro-
da organização coletiva, na saúde e na educação. motor e financiador de projetos, cujas finalidades
Esses sistemas fotovoltaicos de bombeamento são o aumento do bem-estar social a partir do pro-
instalados no Açude do Rio do Peixe foram desativa- gresso econômico e a melhoria das condições de
dos em 2002, por causa do desgaste numa peça das vida da população. Além disso, vale ressaltar o valor
bombas. A partir disso, os pequenos produtores, com da prestação da assistência técnica (mesmo que
a renda auferida na horticultura irrigada, adquiriram deficitária) realizada pelos entes governamentais,
motores a diesel para continuar o bombeamento de visto que se apresenta como fator elementar para a
água e a irrigação. produção agrícola para pequenos produtores famili-
Contudo, pode-se enumerar uma série de críticas ares do semi-árido.
à implantação do projeto, como o número reduzido
de beneficiados – das quarenta famílias associadas
inicialmente, apenas nove foram beneficiadas direta- REFERÊNCIAS
mente com os kits de bombeamento fotovoltaico, en-
quanto as demais tiveram que entrar em sistemas de
CAR - COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL
parceria para usufruir das benesses dos equipamen- (BA). A Agropecuária no semi-árido da Bahia. Salvador : CAR,
tos. Some-se a isso a falta de planejamento dos en- 1995. 139 p.
tes governamentais, que apesar de financiarem o pro-
CEPEL. Manual de engenharia para sistemas fotovoltaicos.
jeto, não estipularam todas as etapas de sua implan- Brasília,1995.
tação, deixando a responsabilidade da escolha dos
beneficiados para a instituição local, e, ainda, a defi- GHIRARDI, André Garcez. Energia como fator de competitivida-
de na agricultura Baiana.In: Prêmio BANEB de pesquisa. Salva-
nição das normas para a assistência técnica a cargo
dor: BANEB, 1998. 35 p. il. 1998.
da COELBA.
Pode-se criticar o modelo de intervenção dos GOUVELLO, C.; POPPE, M. Study of the photovoltaic market for
rural electrification in northeastern Brazil – final report for the
órgãos públicos na área rural, mais especificamen-
World Bank. Washington, 1997.
te os programas de eletrificação rural executados
no estado. Tais políticas foram e são realizadas de IBGE.Censo Demográfico 2000. Rio de Janeiro, 2001.

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

KRAUSE, Matthias et al. Sustainable provision of renewable Monografia (graduação). Faculdade de Ciências Econômicas da
energy technologies rural eletrification in Brazil: an assess- Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006.
ment of the photovotaic opcion. Bonn: GDI, 2003. 99 p.
______. Relatório de pesquisa. Capim Grosso, Bahia, jul.
MILHO, quiabo, feijão de corda, um novo alento para o povo do 2006.
sertão. Informe CRESESB, Rio de Janeiro,v.2,n.1, p.7, jun. 1996.
SOUZA, Hermínio Ramos. Agricultura irrigada no semi-árido nor-
SANTOS, Nicia Moreira da Silva. Energia solar para irrigação no destino. In: GOMES, Gustavo Maia; SOUZA, Hermínio Ramos de;
semi-árido: o caso da Associação dos Produtores e Horticulto- AGUIAR, Antonia Rocha (Orgs). Desenvolvimento Sustentável
res do Açude do Rio do Peixe, Capim Grosso (BA). 2006, 82 f. no Nordeste. Brasília: IPEA, 1995.

50 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 37-50, jun. 2006


Biodiesel no Brasil:
estágio atual e perspectivas
José Honório Accarini*

Resumo Abstract

O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel The National Program of Biodiesel Use and Production
(PNPB) foi concebido e vem sendo implementado visando (PNPB) was conceived and is being implemented aiming to
promover a inclusão social e o desenvolvimento regional, promote social inclusion and regional development, by
mediante o engajamento progressivo de agricultores familiares gradually engaging small producers and the Brazilian
e de regiões carentes do País num mercado que não pára de poorest regions in a continuously growing market. Instead of
crescer. Ao invés de subsidiar a produção, o PNPB optou por um subsidizing the production, PNPB chose a differentiated tax
modelo tributário diferenciado por categorias de agricultores, model for categories of producers, regions and raw
regiões e matérias-primas. materials.
As operações contratadas nos quatro leilões de compra de The operations contracted in four biodiesel purchasing
biodiesel atingiram 840 milhões de litros, envolveram cifra da auctions reached 840 million liters, involved R$ 1.5 billion and
ordem de R$ 1,5 bilhão e proporcionaram a criação de oportuni- created work opportunities for about 205 thousand families of
dades de trabalho para cerca de 205 mil famílias de agricultores small producers. Currently, the production capacity
familiares. Considerando-se projetos em operação, em fase de (considering projects in operation, being implemented and
implantação e de estudos de viabilidade, a capacidade atual de undergoing feasibility studies) reaches 1.7 billion liters, and
produção atinge 1,7 bilhão de litros e a mistura B2 está sendo more than 2,300 gas stations are selling the B2 mixture. These
vendida em mais de 2.300 postos. Essas realizações represen- accomplishments represent only part of the Brazilian biodiesel
tam apenas parte do potencial do biodiesel no Brasil e vêm con- potential and have been contributing to stimulate local and
tribuindo para dinamizar economias locais e regionais. regional economies.

Palavras-chave: biodiesel, inclusão social, biocombustíveis, Key words: biodiesel, social inclusion, biofuels, family
agricultura familiar e matriz energética. farming and energy matrix.

INTRODUÇÃO do largamente no mundo para finalidades as mais di-


versas, especialmente em veículos para transporte
Não se faria justiça histórica escrever sobre biodi- de pessoas e cargas.
esel sem uma referência, ainda que muito breve, a Segundo registros históricos, ele recebeu a
Rudolf Christian Karl Diesel, engenheiro de origem patente de sua invenção em 23 de fevereiro de
alemã, nascido em Paris aos 18 de março de 1858, 1893, em Berlim, levando-a, em 1911, à mostra
inventor do motor diesel. Constantemente aperfeiçoa- mundial de Paris, quando o motor teria funcionado
do ao longo do tempo, esse motor vem sendo utiliza- com óleo vegetal. Embora se pudesse dizer que o

* Mestre em Economia pela Universidade de São Paulo, Professor de Gra- Comissão Executiva Interministerial e do Grupo Gestor do Biodiesel e autor
duação e Pós-Graduação em Instituições de Ensino Superior de Brasília de diversos livros e artigos relacionados à Economia do Agronegócio, dos
(DF), assessor na Casa Civil da Presidência da República, membro da Recursos Hídricos e Finanças Públicas. jose.accarini@planalto.gov.br.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 51-63, jun. 2006 51


BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

motor diesel tenha nascido essencialmente eco- GÊNESE DO PROGRAMA NACIONAL DE


lógico, hoje se sabe que o uso do óleo vegetal PRODUÇÃO E USO DE BIODIESEL (PNPB)
puro como combustível causa danos aos motores
atuais, além de acarretar a emissão de poluentes Para que se disponha de uma visão geral sobre o
cancerígenos. PNPB, esta primeira parte do trabalho tem por objeti-
A abundância relativa do petróleo acabou inviabili- vo sumariar suas principais etapas e medidas.
zando o emprego do óleo vegetal e de outras fontes
como combustível, passando a ser usado o óleo die-
sel, nome concedido em homenagem àquele inven- Ciclo de audiências e estudos de viabilidade
tor. As crises do petróleo nos anos de 1970 reaviva-
ram o interesse por fontes alternativas de energia, Em julho de 2003 foi criado, por Decreto Presiden-
mas o recuo de seus preços voltou a desestimular os cial, um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para
combustíveis alternativos ao diesel, embora tenha analisar a viabilidade da produção e uso do biodiesel
sido fator importante para o desenvolvimento do eta- no Brasil, usando como metodologia a realização de
nol, substituto da gasolina, em cuja produção e de- um ciclo de audiências com representantes de enti-
senvolvimento tecnológico o Brasil hoje ocupa posi- dades públicas e privadas da cadeia do biodiesel
ção de liderança no cenário mundial. (pesquisa, universidades, agricultura, fabricantes,
O interesse por substitutos do óleo diesel voltou à governos estaduais, indústria automobilística, etc.) e
cena nos anos de 1990, com a consolidação do con- parlamentares envolvidos com o assunto, de modo a
ceito de desenvolvimento sustentável e as crescen- proporcionar debate o mais amplo possível e o exa-
tes preocupações com o efeito estufa, com os confli- me de experiências e potencialidades do biodiesel no
tos no Oriente Médio e com a disponibilidade de Brasil e em outros países.
energia ante a finitude do petróleo e a volatilidade de No início de dezembro do mesmo ano, os traba-
seus preços. A segurança energética comparece lhos foram encerrados, oportunidade em que se pro-
hoje na agenda de ações e preocupações de países duziu o Relatório Final do GTI contendo diversas con-
desenvolvidos, em desenvolvimento e até mesmo de clusões. A principal delas foi a de que o biodiesel po-
exportadores de petróleo. deria contribuir para o equacionamento de questões
Embora não haja unanimidade,1 o Brasil deteve, fundamentais para o País, tais como:
em 1980, a primeira patente mundial do biodiesel, a) promover a inclusão social de agricultores familia-
processo criado pelo professor e pesquisador da Uni- res mediante a geração de emprego e renda de-
versidade do Ceará, Expedito Parente. Na mesma corrente de seu progressivo engajamento na ca-
década, em países da Europa, especialmente na Ale- deia produtiva do biodiesel;
manha, a produção de biodiesel começou a ganhar b) atenuar disparidades regionais;
impulso e hoje mobiliza número crescente de países, c) contribuir para a economia de divisas e a redução
tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento. da dependência do petróleo importado (denomina-
No Brasil, como se busca mostrar neste artigo, o da “petrodependência”); e
biodiesel vem superando metas e inserindo-se grada- d) fortalecer o componente renovável de nossa ma-
tivamente como novo combustível em nossa matriz triz energética e reduzir a emissão de poluentes e
energética, considerada uma das mais limpas do custos na área de saúde com o combate aos cha-
mundo. Esse processo teve início em julho de 2003, mados males da poluição.
passou por várias fases e já se encontra em franco Em resumo, vislumbraram-se, com a introdução
desenvolvimento, a caminho de sua consolidação. do biodiesel no Brasil, benefícios de natureza social,
econômica, ambiental, estratégica e mesmo geopolí-
1
Disputas relacionadas a patentes e inventos são comuns. As dificulda- tica. Por isso, a recomendação final contida no aludi-
des de comunicação, no início do século passado, e o fato de os proces-
sos industriais modernos muitas vezes se diferenciarem por simples de-
do Relatório foi no sentido de se criar uma comissão
talhes (que, não obstante, podem fazer toda diferença) têm sido as prin- interministerial permanente para propor e acompa-
cipais fontes dessas controvérsias.
nhar as providências necessárias à introdução desse

52 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 51-63, jun. 2006


JOSÉ HONÓRIO ACCARINI

novo combustível no Brasil. Para essa decisão tam- assunto convergiram para a obrigatoriedade da mis-
bém contribuíram as perspectivas de elevação e a vo- tura B5, concedendo-se, entretanto, um prazo para
latilidade dos preços internacionais do petróleo e o sua entrada em vigor (até janeiro de 2013), com a
fato de a matriz energética nacional ser 47% depen- meta intermediária do B2, em janeiro de 2008.
dente dessa fonte de energia, cujos preços médios
de importação cresceram 125%
entre 2000 e 2006 (dados até ju- Em resumo, vislumbraram- Medidas integrantes do PNPB
nho, da ANP). se, com a introdução do
O óleo diesel, passível de biodiesel no Brasil, Definidas as prioridades e o pla-
substituição parcial/total pelo bio- benefícios de natureza no de trabalho, seguiram-se diver-
diesel, é responsável por 55% de social, econômica, sas providências aprovadas pela
nosso consumo para transporte ambiental, estratégica e Comissão Executiva Interministeri-
veicular. No período janeiro-2004/ mesmo geopolítica. Por al do Biodiesel. Respeitadas as ca-
junho-2006, respondeu por 32% isso, a recomendação final racterísticas, prazos, trâmites, es-
(média de US$ 84 milhões/mês) contida no aludido feras de decisão e peculiaridades
dos dispêndios com importações Relatório foi no sentido de das várias medidas, foram editados
de derivados de petróleo, sendo se criar uma comissão leis, decretos, resoluções, portari-
suplantado apenas pela nafta, interministerial as, instruções normativas e outros
com média de US$ 100 milhões/ permanente para propor e documentos que hoje integram o
mês (38%). acompanhar as Programa Nacional de Produção e
providências necessárias Uso de Biodiesel (PNPB), lançado
à introdução desse novo em 6 de dezembro de 2004.
Comissão Executiva combustível no Brasil Inicialmente, a então Agência
Interministerial e Grupo Gestor Nacional do Petróleo (ANP) ficou
do Biodiesel incumbida de estabelecer as especificações físico-
químicas e os padrões de qualidade para o biodiesel
A primeira providência da Comissão Executiva destinado à mistura com o diesel mineral. Em segui-
Interministerial, apoiada por um Grupo Gestor, foi da, foi necessário criar e modificar diversos normati-
identificar as medidas necessárias à introdução do vos legais e regulatórios visando definir o biodiesel,
biodiesel como novo combustível. Foram elenca- uma vez que, até então, embora viesse sendo produ-
das dezesseis metas; quatro foram consideradas zido e comercializado em pequena escala, como és-
prioritárias: ter, para finalidades específicas, ele não era reconhe-
a) autorizar oficialmente a mistura de até 2% de bio- cido como combustível.
diesel ao diesel mineral; A palavra biodiesel não existia legalmente no País
b) desenvolver mecanismos para produção de olea- e, do ponto de vista regulatório, foram modificadas
ginosas e biodiesel visando a inclusão social; quase duas dezenas de Resoluções da ANP para
c) definir modelo tributário aplicável à cadeia produti- acolher o novo combustível.
va do biodiesel; e Em 24.11.2004 foram também editadas duas no-
d) estabelecer a segmentação do mercado e suas vas resoluções: a nº 41, que institui a regulamenta-
especificidades, tais como uso de biodiesel em ção e obrigatoriedade de autorização daquela Agên-
geradores de energia, frotas veiculares cativas e cia para o exercício da atividade de produção de bio-
veículos de transporte metropolitano. diesel, e a nº 42, que estabelece a especificação
A idéia inicial contida na Medida Provisória que para a comercialização de biodiesel adicionável ao
tratou da introdução do biodiesel na matriz energéti- diesel na proporção de 2% em volume.
ca brasileira previa o uso facultativo da mistura B2 O PNPB exigiu a edição de Medidas Provisórias
(2% de biodiesel e 98% de diesel), mas as discus- que foram modificadas e aprovadas pelo Congresso
sões no Congresso Nacional durante a análise do Nacional e sancionadas pelo Presidente da Repúbli-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 51-63, jun. 2006 53


BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

ca. Uma delas, considerada básica, transformou-se nas contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins, por
na Lei nº 11.097, de 13.01.2005, que definiu o biodi- meio dos Decretos nº 5.297, de 06.12.2004, e nº
esel como novo combustível na matriz energética 5.457, de 06.06.2005.
brasileira e estabeleceu a mistura obrigatória de 2% A Tabela 1 fornece uma visão resumida dos tri-
a partir de janeiro de 2005 e de 5% em janeiro de butos federais incidentes sobre esses dois com-
2013, em todo território nacional. Esse mesmo do- bustíveis, podendo-se constatar (duas últimas co-
cumento legal transformou a ANP em Agência Naci- lunas) que a carga tributária total é a mesma (R$
onal do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 0,218 por litro), embora haja diferenças em sua
preservando-lhe a sigla ANP e atribuindo-lhe a com- composição. A regra geral aplica-se às indústrias
petência adicional de regular e fiscalizar a produção de biodiesel não detentoras do Selo Combustível
e a comercialização de biocombustíveis. Social, tratado adiante.
O biodiesel foi legal-
mente definido (Lei nº Tabela 1
11.097/2005) como o “bio- Modelo tributário federal aplicável ao biodiesel e ao diesel
combustível derivado de bi-
omassa renovável para uso
em motores a combustão
interna com ignição por
compressão ou, conforme
regulamento, para geração
de outro tipo de energia,
que possa substituir parcial
ou totalmente combustíveis
de origem fóssil”, proporcio-
nando amplas possibilidades de usá-lo em transportes Pode-se deduzir que, ao invés de subsidiar a pro-
urbanos, rodoviários, ferroviários e aqüaviários de pas- dução de forma generalizada, o modelo tributário
sageiros e cargas, geradores de energia, motores es- busca atender os princípios orientadores básicos do
tacionários, etc. PNPB de promover a inclusão social e reduzir dis-
A Lei nº 11.116, de 18.05.2005, estabeleceu a exi- paridades regionais mediante a geração de emprego
gência de registro do produtor ou importador de biodi- e renda. Para tanto, concede redução total ou parci-
esel na Secretaria da Receita Federal e a incidência al das contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins
de tributos federais diferenciados por região, matéria- para indústrias de biodiesel que apóiem a agricultu-
prima oleaginosa e tipo de agricultor. Por essa mes- ra familiar, especialmente nas regiões mais caren-
ma lei é permitido ao Executivo ajustar incentivos ao tes do País, empregando como matérias-primas
biodiesel conforme a evolução do mercado e as ne- oleaginosas a mamona (Nordeste e semi-árido) e o
cessidades do PNPB. Entretanto, foi-lhe vedado fi- dendê (região Norte).
xar, para o biodiesel, carga tributária federal superior De fato, os produtores de biodiesel que adqui-
à aplicada ao diesel mineral. rem matérias-primas de agricultores familiares,
Essa mesma Lei é a base do chamado modelo qualquer que seja a região brasileira, podem ter re-
tributário aplicável ao biodiesel, que se completa com dução de até 68% nos tributos federais PIS/Pasep
outros dispositivos legais e normativos. Pelo Decreto e Cofins. Se essas aquisições forem feitas de pro-
nº 5.298, de 06.12.2004, a alíquota do Imposto sobre dutores familiares de dendê (palma) na região Nor-
Produtos Industrializados (IPI) sobre o biodiesel foi fi- te ou de mamona no Nordeste e no semi-árido,
xada em 0%. Como a Contribuição de Intervenção no esse percentual pode chegar a 100%. Se as maté-
Domínio Econômico (CIDE) sobre o biodiesel inexis- rias-primas e regiões forem as mesmas, mas os
te, o nivelamento da tributação federal aplicável ao bi- agricultores não forem familiares, a redução máxi-
odiesel e ao diesel mineral foi feito mediante ajuste ma é de 32%.

54 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 51-63, jun. 2006


JOSÉ HONÓRIO ACCARINI

Entretanto, para usufruir desses benefícios tribu- 0,174/litro. Se adquirir 50%, a redução será de 34%
tários, os produtores de biodiesel precisam ser de- (pagamento de R$ 0,144/litro) e assim sucessiva-
tentores de um certificado (Selo Combustível Soci- mente, até atingir 68%, pagando R$ 0,070/litro.
al), previsto em instruções normativas específicas2 Se essa mesma empresa operasse no Nordes-
do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e te ou no semi-árido e empregasse mamona como
concedido, por aquele Ministério, matéria-prima, teria de adquirir,
a produtores de biodiesel habilita- Pode-se deduzir que, ao no mínimo, 50% de suas neces-
dos pelas leis brasileiras a operar invés de subsidiar a sidades para obter o Selo Com-
na produção e comercialização produção de forma bustível Social, situação em que
desse novo combustível e que, generalizada, o modelo teria direito à redução de 50% no
adicionalmente, atendam aos se- tributário busca atender pagamento do PIS/Pasep e Co-
guintes requisitos: os princípios fins (pagaria R$ 0,109/litro). Se
a) adquiram percentuais mínimos orientadores básicos do adquirisse 100%, não precisaria
de matéria-prima de agriculto- PNPB de promover a recolhê-los. Todavia, se os forne-
res familiares, sendo de 10% inclusão social e reduzir cedores não fossem agricultores
nas regiões Norte e Centro- disparidades regionais familiares, pagaria R$ 0,183/litro
Oeste, de 30% nas regiões Sul mediante a geração de se a mamona representasse 50%
e Sudeste e de 50% no Nordes- emprego e renda de seu consumo de matéria-pri-
te e no semi-árido; e ma e R$ 0,148/litro se utilizasse
b) celebrem contratos com os agricultores familiares apenas essa oleaginosa.
estabelecendo prazos e condições de entrega da Esses exemplos deixam clara a opção do modelo
matéria-prima e respectivos preços e lhes pres- tributário de viabilizar benefícios aos agricultores familia-
tem assistência técnica. res e às áreas mais pobres do País. Para apoiar o al-
As empresas detentoras desse certificado podem cance dos objetivos que embasaram a concepção des-
participar dos leilões de compra (assunto objeto de se modelo, outras medidas passaram a integrar pro-
seção específica) e usá-lo para diferenciar a origem/ gressivamente o Programa Nacional de Produção e
marca do biodiesel no mercado. Além disso, tais Uso de Biodiesel (PNPB), especialmente nas áreas de
empresas podem ter redução parcial ou total de tribu- financiamento, tecnologia e desenvolvimento do merca-
tos federais, conforme definido no modelo tributário do interno. Já no lançamento do PNPB, a Resolução
aplicável ao biodiesel, o que implica dizer que o Selo BNDES nº 1.135/2004 instituiu o Programa de Apoio
Combustível Social é uma espécie de passaporte Financeiro a Investimentos em Biodiesel, prevendo fi-
que define a possibilidade de usufruir os benefícios nanciamentos para todas as etapas da cadeia produti-
tributários previstos e sua magnitude. va, financiando até 90% dos projetos com Selo Com-
Se, por exemplo, uma empresa das regiões Sul bustível Social e até 80% sem essa característica.
ou Sudeste adquire o mínimo de 30% de suas neces- Os financiamentos direcionados aos segmentos
sidades de matérias-primas de agricultores familia- ligados ao biodiesel são concedidos por bancos ofici-
res, terá direito ao Selo Combustível Social e esse ais com recursos do Banco Nacional de Desenvolvi-
percentual será aplicado sobre a redução prevista mento Econômico e Social (BNDES), do Programa
para essa situação no modelo tributário, permitindo- Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
lhe abater 20,4% (30% de 68%) do valor das contri- (Pronaf) e de outras fontes. Diversas instituições de
buições para o PIS/Pasep e a Cofins relativo à regra crédito estão financiando ou planejam financiar elos
geral (R$ 0,218/litro), ou seja, pagará cerca de R$ da cadeia produtiva do biodiesel, como vem ocorren-
do com o Banco do Brasil (BB-Biodiesel) e com ou-
2
tros bancos oficiais e privados.
A Instrução Normativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
nº 01, de 05.07.2005, estabelece critérios e procedimentos para conces- No final de março de 2005 foi lançada a Rede Bra-
são de uso do Selo Combustível Social e a MDA nº 02, de 28.09.2005, fixa
sileira de Tecnologia de Biodiesel, congregando insti-
critérios e procedimentos para enquadramento de projetos de produção de
biodiesel no mecanismo do aludido Selo. tuições de pesquisa e desenvolvimento de 22 Esta-

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BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

dos da Federação. Na mesma oportunidade foi inau- Pontos centrais do PNPB


gurado o Portal do Biodiesel (www.biodiesel.gov.br),3
concebido e administrado pelo Ministério da Ciência Como o título sugere, são examinados, a seguir,
e Tecnologia (MCT). Ele busca oferecer espaço ágil os aspectos considerados centrais do Programa Na-
para troca de experiências e informações e esclareci- cional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB).
mento de dúvidas entre institutos
de pesquisa, universidades, em- Os financiamentos Inclusão social e desenvolvimento
presas privadas, associações de direcionados aos regional
agricultores, pesquisadores, técni- segmentos ligados ao
Ao lançar o PNPB, o Governo
cos, organizações não-governa- biodiesel são concedidos Federal apoiou-se na crescente
mentais e interessados em geral. por bancos oficiais com demanda por combustíveis de fon-
Por meio da Rede são direcio- recursos do Banco tes renováveis e no potencial brasi-
nados recursos de fundos federais Nacional de leiro para atender parte expressiva
de incentivo e financiamento ao de- Desenvolvimento dessas necessidades, gerando
senvolvimento tecnológico. Nesse Econômico e Social empregos e renda na agricultura
contexto, a seleção de matérias- (BNDES), do Programa familiar, reduzindo disparidades re-
primas segundo as características Nacional de gionais e contribuindo para a eco-
diferenciadas de solo e clima regi- Fortalecimento da nomia de divisas e a melhoria das
onais é muito importante devido à Agricultura Familiar condições ambientais. Isso sinteti-
diversidade de oleaginosas exis- (Pronaf) e de outras za a lógica do PNPB.
tentes no Brasil e ao fato de as fontes Para melhor entendê-la, cabe
mesmas representarem algo em destacar alguns aspectos impor-
torno de 75% dos custos de produção do biodiesel. tantes. O primeiro: energia é considerada uma espé-
Outro componente importante é o desenvolvimen- cie de combustível indispensável ao desenvolvimento.
to/aperfeiçoamento de processos de produção indus- No século XVIII, a fonte predominante foi o carvão, se-
trial e testes em motores e componentes com dife- guida pelo petróleo nos séculos seguintes. Há consi-
rentes proporções de biodiesel, inclusive para apoiar derável consenso entre analistas de que o século XXI
tecnicamente o uso de misturas biodiesel/diesel em será da agroenergia, campo em que o Brasil é visto
percentuais superiores a 2% num futuro próximo. como predestinado a exercer importante papel no ce-
Novos usos e aplicações para co-produtos da fabrica- nário mundial, conforme assinala Ignacy Sachs:
ção de biodiesel (principalmente farelos, tortas e gli- Se há um país onde a saída da civilização do petróleo4 é
cerina) também recebem apoio para o desenvolvi- possível, eu não estou dizendo amanhã, estou falando de
mento tecnológico. um período de vinte a trinta anos, este país é o Brasil. Se há
um país onde se pode pensar em construir uma civilização
Para estimular a produção de biodiesel enquanto
moderna de biomassa, este país é o Brasil. A maior reserva
sua mistura ao diesel mineral não é obrigatória (até de biodiversidade, uma enorme reserva de terras cultivá-
janeiro de 2008), foram definidos leilões de compra veis sem mexer numa árvore da floresta amazônica, climas
pela ANP, dos quais somente podem participar em- variados, uma dotação de recursos hídricos entre ótima e
razoável na maioria dos territórios e um fator muito importan-
presas detentoras do Selo Combustível Social. Es-
te, uma pesquisa agronômica e biológica de classe interna-
ses leilões são regulados por instrumentos emitidos cional, uma indústria capaz de produzir equipamentos para
pelo Conselho Nacional de Política Energética a produção de etanol e para a produção de biodiesel, todos
(CNPE), pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e esses elementos estão presentes aqui para avançar nesse
caminho. (SACHS, 2005, p. 202)
pela ANP, constituindo medida das mais importan-
tes, como examinado mais à frente.
4
A expressão “fim da civilização do petróleo” precisa ser compreendida
adequadamente. Na verdade, significa que essa fonte perderá sua posi-
ção hegemônica, como ocorreu com o carvão, embora este seja usado
3
Além desta, as principais páginas eletrônicas de órgãos federais sobre até hoje. Quando isso ocorrer, é provável que o petróleo remanescente,
biodiesel no Brasil são as seguintes: www.mme.gov.br; www.anp.gov.br; em face de seus elevados preços, passe a ser empregado para fins
www.mda.gov.br e www.petrobras.com.br. mais nobres.

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JOSÉ HONÓRIO ACCARINI

O segundo aspecto a considerar para a compre- ra superiores, incluindo o biodiesel puro (B100), para
ensão da lógica do PNPB é o de que o petróleo tende uso em geradores, locomotivas, embarcações e fro-
a esgotar-se. Não há unanimidade quanto aos pra- tas veiculares cativas, mediante autorização da ANP.
zos, mas em média se estima que as reservas mun- A existência de um mercado cativo e crescente
diais ainda durem aproximadamente meio século, para o biodiesel, decorrente da obrigatoriedade de
enquanto, no Brasil, cerca de me- sua mistura ao diesel mineral, re-
tade desse tempo. Assim, a verda- Nesse contexto, a seleção presenta estímulo econômico
deira e definitiva auto-suficiência de matérias-primas muito importante para empresas
ou segurança energética passa segundo as características capitalizadas e com maior escala
pela crescente produção de com- diferenciadas de solo e de produção. Como é próprio
bustíveis de fontes renováveis, o clima regionais é muito numa economia de mercado, es-
que requer o atendimento de requi- importante devido à sas empresas vão se posicionan-
sitos de sustentabilidade em senti- diversidade de do conforme suas características
do amplo: ambiental, econômica, oleaginosas existentes no e estratégias de negócios, ca-
social e tecnológica. Brasil e ao fato de as bendo às políticas públicas pro-
Pelas suas condições de solo mesmas representarem porcionar condições para que o
e clima, o Brasil tem potencial de algo em torno de 75% dos mercado funcione de modo efici-
produção de biomassa que não se custos de produção do ente e atenda aos objetivos de
encontra em qualquer parte do Pla- biodiesel promover a inclusão social de
neta. Portanto, sua vocação natu- agricultores familiares e o desen-
ral é a agregação de valor à produção primária. O bio- volvimento de regiões mais carentes, com susten-
diesel é uma dessas possibilidades, talvez a mais tabilidade no seu sentido amplo.
promissora, porque a demanda de energia vai aumen-
tar enquanto a economia mundial estiver crescendo. Liberdade de escolha e garantia de qualidade
Isso implica dizer que a demanda por agroenergia
Embora haja incentivos tributários para o biodie-
não pára de crescer, ao contrário do que ocorre com
sel fabricado com matérias-primas cultivadas por
a maioria dos produtos do agronegócio.
agricultores familiares e nas regiões mais carentes
Nesse contexto, o Governo vislumbrou a possibili-
do País, não cabe ao Governo Federal produzir biodi-
dade de engajar agricultores familiares e produtores
esel, mas promover sua produção e uso com susten-
de regiões mais pobres do País na cadeia produtiva
tabilidade e qualidade compatíveis com as exigênci-
do biodiesel. Isso foi feito mediante estímulos tributári-
as dos mercados interno e externo.
os às empresas que adquirem oleaginosas produzidas
Além disso, o Brasil tem diferentes peculiarida-
por esses segmentos e já vem surtindo efeitos práticos
des regionais e potencial para produzir biodiesel com
mesmo antes do prazo fixado para a obrigatoriedade le-
diversas matérias-primas (mamona, dendê, soja,
gal da mistura B2 (janeiro de 2008) com a aplicação do
nabo forrageiro, girassol, pinhão-manso, babaçu, óle-
modelo tributário, com o Selo Combustível Social e com
os e gorduras residuais coletados nos centros metro-
o mecanismo dos leilões de compra conduzidos pela
politanos, etc.) e com diferentes finalidades e tecno-
ANP, conforme será examinado adiante.
logias (craqueamento, transesterificação, etc.).
Por essas razões, o Governo Federal considera
Mistura obrigatória, mercado crescente
de responsabilidade dos agentes econômicos a sele-
Para inserir a inclusão social numa lógica de mer- ção das melhores alternativas, condicionadas por
cado, a mistura do biodiesel ao diesel de petróleo, pesquisas, experimentos e testes, em boa parte
em proporções crescentes nos próximos anos, foi apoiados com recursos federais. Isso implica dizer
tornada obrigatória pela Lei nº 11.097/2005, anterior- que o PNPB não é excludente em termos de catego-
mente examinada. Pelo Decreto nº 5.448, de rias de agentes econômicos, matérias-primas oleagi-
20.05.2005, foram autorizados percentuais de mistu- nosas ou rotas tecnológicas.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 51-63, jun. 2006 57


BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

Entretanto, o PNPB apóia-se num balizador rígi- mativa SRF nº 628, de 02.03.2005, fixou o regime es-
do: o biodiesel deve atender especificações físico- pecial de apuração e pagamento dos tributos federais
químicas e padrões de qualidade estabelecidos pela PIS/Pasep e Cofins.
ANP, que tem a responsabilidade As empresas em condições
de autorizar o funcionamento de in- Ao lançar o PNPB, o de usufruir benefícios tributários
dústrias de biodiesel e de fiscalizar Governo Federal apoiou- direcionados à inclusão social e
sua produção e comercialização. se na crescente demanda ao desenvolvimento regional (ge-
Sem atender essas exigências, por combustíveis de ração de emprego e renda para
monitoradas e fiscalizadas com fontes renováveis e no agricultores familiares, especial-
sistemas modernos, como o mar- potencial brasileiro para mente das regiões mais carentes
cador molecular, o biodiesel não atender parte expressiva do País) devem obter, adicional-
pode ser comercializado e mistu- dessas necessidades, mente, o Selo Combustível Soci-
rado ao diesel mineral. gerando empregos e al, mecanismo intimamente as-
renda na agricultura sociado ao modelo tributário do
Autorizações e registros familiar, reduzindo biodiesel e aos leilões de com-
necessários ao produtor de disparidades regionais e pra, tratado a seguir.
biodiesel: ANP, SRF e MDA contribuindo para a
O primeiro aspecto a ressaltar
economia de divisas e a
é o de que inexistem lacunas nor- melhoria das condições PERSPECTIVAS DO BIODIESEL
mativas, legais e operacionais ambientais. Isso sintetiza a NO BRASIL
para produzir e comercializar biodi- lógica do PNPB
esel no Brasil. De fato, estão em Partindo da análise da curva de
vigor os marcos legal e regulatório; incentivos tributá- aprendizado e dos leilões de compra conduzidos
rios direcionados à inclusão social e ao desenvolvi- pela ANP, são examinadas, a seguir, as perspectivas
mento regional; a reserva de mercado decorrente da do biodiesel no Brasil, sobretudo em termos de mer-
obrigatoriedade da mistura (B2 em 2008 e B5 em cado e geração de empregos.
2013); a garantia legal de tributação federal sobre o
biodiesel nunca superior à do diesel mineral; a dispo-
nibilidade de financiamentos à toda cadeia produtiva; Curva de aprendizado e leilões de compra de
o apoio à pesquisa e ao desenvolvimento; o intercâm- biodiesel
bio e a troca de experiências e informações; e o en-
gajamento progressivo de Estados e municípios que
Enquanto a mistura B2 não é obrigatória (período
buscam integrar suas economias e finanças ao cres-
2005/2007), a demanda por biodiesel seria infinita-
cente mercado do biodiesel.
mente elástica ao nível do preço do diesel (D2005/2007) e
Os estímulos econômicos decorrem da obrigatori-
somente as empresas competitivas estariam em
edade legal da mistura, em proporções crescentes
condições de vender o novo combustível. A partir de
(B2 e B5). Assim, todo agente econômico que se inte-
janeiro de 2008, a obrigatoriedade tornaria a deman-
ressar em produzir e comercializar biodiesel pode
da infinitamente inelástica na marca de 800 milhões
fazê-lo, devendo, inicialmente, obter autorização da
de litros5 por ano (D2008) e os preços dependeriam da
ANP, cujos requisitos estão expressos em sua Reso-
evolução da oferta, conforme Gráfico 1.
lução nº 41, de 24.11.2004.
Numa seqüência ideal, a oferta evoluiria de S2006
Em seguida, é necessário que a pessoa jurídica
para S2007 e depois para S2008, situação em que a traje-
beneficiária de autorização da ANP obtenha, junto à
tória AB representaria a chamada “curva de aprendi-
Secretaria da Receita Federal, um registro especial,
zado” da produção de biodiesel. A inclinação dessa
como prevê a Lei nº 11.116/2005. A regulamentação
dessa medida consta na Instrução Normativa SRF nº 5
Esse volume representa 2% do consumo de óleo diesel estimado para
516, de 22.02.2005. Posteriormente, a Instrução Nor- 2008, assunto tratado na seção seguinte.

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JOSÉ HONÓRIO ACCARINI

Gráfico 1 do biodiesel e do diesel, mais os custos


Representação do mercado de biodiesel e da curva unitários do processo de mistura.
de aprendizado Além disso, as distribuidoras que já
operam com o B2 têm constatado a ex-
celente aceitação do novo combustível e
o aumento de vendas, inclusive de outros
combustíveis e produtos. O biodiesel
vem se mostrando importante “promotor
de vendas”, tornando ainda menos rele-
vante a pequena diferença entre seus
preços e os do diesel, que em condições
outras tenderia a ser repassada ao preço
ao consumidor.
Assim, o mecanismo dos leilões
curva é tanto mais acentuada quanto mais eficientes pode ser considerado medida das mais acertadas por
as inovações tecnológicas introduzidas na cadeia estimular o desenvolvimento do mercado de biodiesel
produtiva do biodiesel, cabendo destacar a produção antes mesmo de seu uso obrigatório, por alavancar
de oleaginosas, por representarem cerca de 75% investimentos e por acelerar a curva de aprendizado e
dos custos de produção. a organização dos agricultores familiares para que
A competitividade do biodiesel depende da evolu- participem de forma crescente na cadeia produtiva
ção tecnológica, mas contém importante componen- desse novo combustível.
te de learning by doing para que os ajustes possam Os resultados finais dos quatro leilões realiza-
ser mais bem identificados e introduzidos. Assim, dos podem ser sintetizados na Tabela 2, na qual se
não seria aconselhável esperar 2008 para constatar pode constatar o interesse dos agentes econômi-
os resultados e essa foi uma das razões de se optar cos pelo biodiesel, uma vez que as ofertas supera-
pelo mecanismo dos leilões de compra conduzidos ram o volume arrematado. Entre o primeiro e o
pela ANP e pela antecipação da obrigatoriedade da quarto leilões, os preços médios finais tiveram re-
mistura B2 para 2006, mas somente até o limite de dução de aproximadamente 9%. Como eles são fi-
produção das indústrias detentoras do Selo Com- xos em termos nominais, a redução real é maior,
bustível Social que tiverem suas ofertas total ou par- indicando que a cadeia produtiva do biodiesel já
cialmente arrematadas nesses leilões. vem encontrando sua curva de aprendizado e ofer-
As refinarias ficaram obrigadas a adquirir o biodie- tando o novo combustível a preços cada vez mais
sel arrematado em leilão e a utilizá-lo para a mistura competitivos com o diesel mineral.
B2, na proporção de
suas respectivas parti-
Tabela 2
cipações no mercado
Resumo dos leilões de compra de biodiesel
de diesel. Embora o
preço médio tenha
sido decrescente (veja
Tabela 2, a seguir), ele
ainda supera o do die-
sel, mas seu impacto
na ponta do consumo
é pequeno, sendo re-
presentado, basica-
mente, por 2% da dife-
rença entre os preços Fonte: ANP, 2006

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 51-63, jun. 2006 59


BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

Cabe assinalar, todavia, que o mecanismo dos lei- porcionou ocupação para cerca de 205 mil famílias de
lões de compra foi concebido como instrumento de pequenos agricultores. Assim, estima-se que o atendi-
caráter transitório, enquanto a mistura não é obriga- mento das necessidades para a mistura B5 (2,1 bi-
tória, para atingir os objetivos antes realçados. Ainda lhões de litros) tenderá a proporcionar oportunidades
que se estude a possibilidade de estender os leilões de trabalho para aproximadamente 520 mil famílias em
para atender as necessidades da mistura B5, o mo- 2013. O adensamento de cadeias produtivas e a dina-
delo de médio e longo prazos implícito no PNPB pre- mização de economias locais e regionais constituem
vê a livre negociação entre fabricantes, refinarias e outros impactos positivos, cujo dimensionamento se-
distribuidoras. ria exercício dos mais interessantes.
Como resultados concretos, o Brasil possui mais
de 2.300 postos em funcionamento, que vendem a
Mercado e geração de empregos mistura B2. Esse número tende a crescer com a ade-
são de novas revendedoras, seguindo os exemplos
As misturas obrigatórias B2 e B5 permitem que a da ALE Combustíveis e da BR Distribuidora. Entre
demanda de biodiesel para atendê-las seja calculada projetos em fase de produção, de implantação e de
com base na projeção do consumo de óleo diesel. estudos de viabilidade, a capacidade nominal, da or-
Estimativa econométrica deveria levar em conta a influ- dem de 1,7 bilhão de litros de biodiesel por ano, su-
ência das variáveis preço e renda. Entretanto, pode-se planta as necessidades (cerca de 800 milhões de li-
chegar a um número referencial examinando-se a evo- tros) para a mistura B2 e aproxima-se dos 2,1 bilhões
lução do consumo de diesel nos últimos anos. de litros necessários para o B5.
Dados publicados pela ANP mostram que o con- Não é demais lembrar que o potencial de cresci-
sumo de diesel foi de 35,1 milhões de m3 (bilhões de mento do biodiesel no Brasil, sempre referenciado ao
litros) em 2000. Nos primeiros sete meses de 2006, o consumo de diesel, é dado pelo crescimento dos per-
consumo situou-se em 21,6 bilhões de litros. Como, centuais de mistura (B5, B10, B20, etc.) viabilizados
na média do período 2000/2005, o consumo janeiro/ pela evolução das pesquisas, testes, investimentos e
julho representou 56,3% do total anual, pode-se esti- produção. Admitindo-se a mistura de 20% ao diesel
mar que, em 2006, o diesel consumido deverá alcan- mineral (B20), teríamos um mercado na casa dos R$
çar 38,4 bilhões de litros. 15 bilhões e potencial para gerar aproximadamente
Isso significa uma taxa de crescimento média anu- dois milhões de oportunidades de trabalho diretas e
al de 1,48% no período 2000/2006, permitindo que se indiretas no setor agrícola, incluindo a agricultura fa-
projete, para 2008, consumo da ordem de 39,6 bilhões miliar, isso sem se considerar o crescimento do con-
de litros e, para 2013, de 42,6 bilhões de litros de die- sumo interno e a perspectiva de conquistar mercados
sel. Assim, as necessidades de biodiesel deverão si- externos para esse combustível de fontes renováveis.
tuar-se ao redor de 800 milhões de litros, em 2008,
para atender a mistura B2, e de 2,1 bilhões de litros,
em 2013, para o B5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A um preço médio de R$ 1,86 por litro, teríamos
um mercado da ordem de R$ 1,5 bilhão em 2008 e de Num prazo de aproximadamente vinte meses de
R$ 4 bilhões em 2013. Esses números fornecem intenso trabalho conjunto (Governo, instituições de
uma primeira aproximação do impacto econômico da pesquisa, empresários e representantes do Congres-
introdução do biodiesel na matriz energética nacional so Nacional e da sociedade civil organizada) foi pos-
em termos de valor da produção de bens intermediá- sível sair da fase de estudos de viabilidade (julho de
rios, sem se considerar os investimentos necessári- 2003) e inaugurar a primeira planta industrial e o pri-
os e seus efeitos multiplicadores sobre a renda e o meiro posto revendedor de biodiesel no Brasil (março
emprego direto e indireto. de 2005). Esse aspecto deve ser realçado diante da
A oferta de 840 milhões de litros de biodiesel, arre- complexidade de se lançar um novo combustível num
matada nos quatro leilões conduzidos pela ANP, pro- país com nossas dimensões e peculiaridades.

60 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 51-63, jun. 2006


JOSÉ HONÓRIO ACCARINI

O Brasil já conta com mais de 2.300 postos re- mente, incidência média superior à tributação federal
vendedores da mistura B2 e capacidade nominal máxima do biodiesel, com expressivas diferenças de
de produção da ordem de 1,7 bilhão de litros consi- tratamento entre Unidades da Federação. Em várias
derando-se o conjunto de plantas industriais em delas, o ICMS sobre o biodiesel tem alíquota superior
funcionamento, em fase de implantação e de estu- à do diesel de petróleo – o que é vedado no caso dos
dos de viabilidade. Nessa trajetó- tributos federais.
ria, o papel das políticas públicas O Brasil já conta com mais Como as decisões no âmbito
tem sido o de propiciar condições de 2.300 postos do Confaz são tomadas por unani-
para que o mercado de biodiesel revendedores da mistura midade, a compatibilização dos in-
funcione da forma mais eficiente B2 e capacidade nominal centivos estaduais com os fede-
possível e de dar suporte aos de produção da ordem de rais é tarefa das mais complexas.
elos mais frágeis do mercado. 1,7 bilhão de litros O ICMS é o tributo mais importan-
Aos agricultores familiares, o considerando-se o te do País em termos de arrecada-
Selo Combustível Social e o mo- conjunto de plantas ção e dele muito dependem as fi-
delo tributário buscam proporcio- industriais em nanças estaduais e também as
nar a compra de matérias-primas funcionamento, em fase municipais em razão dos repasses
a preços contratualmente defini- de implantação e de constitucionalmente fixados.
dos e a assistência técnica às la- estudos de viabilidade Os receios com a perda de ar-
vouras. Aos consumidores se recadação e a chamada “guerra
procura oferecer um combustível de qualidade, me- fiscal” são outros empecilhos consideráveis. Embora
diante especificações físico-químicas e fiscaliza- se admita a compensação de certa perda tributária a
ção rigorosa. curto prazo com aumentos mais que proporcionais
Não obstante, há desafios a serem superados. no futuro (em face dos efeitos multiplicadores advin-
Um deles é estimular e apoiar a organização dos dos da introdução e do adensamento de uma nova
agricultores familiares em associações, cooperativas cadeia produtiva), a situação das finanças estaduais
e outras formas de aglutinação social em busca de nem sempre oferece os graus de liberdade necessá-
escalas mais econômicas de produção. Isso se ali- rios à tomada de uma decisão como essa, sobretudo
nha aos objetivos centrais do PNPB de promover a quando se considera as unidades da Federação em
inclusão social e a redução de disparidades regio- conjunto.
nais. Nessa complexa e importante tarefa de organi- Não menos desafiadoras são as pesquisas e
zar pequenos produtores devem engajar-se não ape- experimentos voltados à geração ou adaptação de
nas o Governo Federal, mas número crescente de oleaginosas mais produtivas, pois respondem por
governos estaduais e municipais, de organizações percentuais ao redor de 75% dos custos de produ-
não-governamentais e de entidades da sociedade ci- ção de biodiesel. Ademais, é indispensável seleci-
vil organizada.6 onar, regionalmente, as oleaginosas mais competi-
Junto aos governos estaduais e municipais, o tivas. Uma das candidatas mais promissoras para
Governo Federal vem procurando estimular iniciativas se produzir biodiesel é o pinhão-manso (Jatropha
que impulsionem a produção e o uso do biodiesel. A Curcas L.), planta perene cultivável sob condições
definição de carga tributária estadual compatível com de solo e clima as mais variadas, incluindo o semi-
o modelo tributário federal vem sendo debatida no árido.
Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), O fato de no Brasil existirem dezenas de oleagi-
órgão responsável pela coordenação de medidas re- nosas passíveis de transformação em biodiesel deve
lacionadas ao ICMS. Esse tributo apresenta, atual- ser examinado com equilíbrio. De fato, embora isso
possa constituir vantagem e pré-condição para que
6
Um conceito útil para se avaliar a lógica e se compreender os estímulos esse novo combustível não se apóie exclusivamente
de organizações sociais é o de capital social. Para uma abordagem desse
conceito nos Pólos de Desenvolvimento Integrado do Nordeste, veja
na monocultura, é preciso considerar a tendência de
Accarini (2002). ocorrer pulverização de esforços e recursos ao se tra-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 51-63, jun. 2006 61


BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

balhar com número excessivo de oleaginosas, o que de empregos (inclusão social urbana) com ativida-
se agrava com a perspectiva de longo prazo associa- des de coleta.
da à pesquisa e à experimentação agropecuária.7 Em síntese, o biodiesel vem crescendo no merca-
Nem tantas oleaginosas (para não se perder o foco), do interno a olhos vistos e se credenciando paulatina-
nem tão poucas (para se ganhar graus de liberdade) mente para se tornar, em breve, item importante de
parece a abordagem recomendável para o equaciona- nossas relações com o mundo. A direção e o sentido
mento dessa questão central para o futuro do biodie- corretos, com qualidade e sustentabilidade econômi-
sel no Brasil. ca, social, ambiental e tecnológica mostram-se, nes-
Encontrar novos usos econômicos para co-produ- ta fase, mais importantes do que a velocidade. Quan-
tos gerados pela fabricação de biodiesel é outro con- do o rumo está certo, a velocidade pode ser ajustada.
junto permanente de desafios que depende de pes- Sempre há aperfeiçoamentos a fazer e oportuni-
quisas, experimentos e testes, pois isso pode viabili- dades a viabilizar e essa trajetória vem sendo e preci-
zar fontes adicionais de receita e maior economicida- sa ser permanentemente construída com a supera-
de à cadeia produtiva. São os casos do farelo e da ção contínua de desafios, para o que não têm faltado
torta (derivados da extração do óleo e com elevada a determinação, o esforço e o apoio de políticas pú-
toxidade, em alguns casos), da glicerina (com mer- blicas e de todos os elos da cadeia produtiva com vi-
cado limitado) e do álcool (com excesso de água), são de futuro.
neste caso quando se produz biodiesel por transes-
terificação etílica.
De outro lado, há oportunidades que podem e de- REFERÊNCIAS
vem ser aproveitadas, como o emprego de biodiesel
em proporções de mistura superiores ao B5 em fro- ACCARINI, José Honório. Economia rural e desenvolvimento
tas cativas e para geração termoelétrica, especial- - reflexões sobre o caso brasileiro, Petrópolis: Vozes, 1987,
224 p.
mente em áreas isoladas e regiões onde o preço do
diesel é impactado pelos elevados custos de trans- ______. Pólos de desenvolvimento integrado do Nordeste bra-
sileiro e capital social, Revista Econômica do Nordeste, Forta-
porte. A recuperação e o uso de áreas degradadas
leza, v. 33, n. 1, p. 07-24, jan./março 2002.
com o cultivo de oleaginosas para produção de biodi-
esel é outra possibilidade de alto potencial econômi- BNDES. Resolução nº 1.135, de 17 de novembro de 2004. Ban-
co Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Aprova o
co e ambiental, mas que requer pesquisa e desenvol-
Programa de Apoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel no
vimento, além de ajustes na legislação sobre meio âmbito do Programa de Produção e Uso do Biodiesel como Fonte
ambiente. Alternativa de Energia.
O reaproveitamento de resíduos gordurosos BRASIL. Decreto de 2 de julho de 2003. Institui o Grupo de Tra-
descartados nos centros urbanos pode conjugar balho Interministerial encarregado de apresentar estudos sobre
benefícios econômicos, ambientais e de saúde pú- a viabilidade de utilização de óleo vegetal - biodiesel. Diário Ofi-
cial (da) República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 jul.
blica, para citar apenas os mais importantes. Isso
2003. Seção 1, p. 4.
traria efeitos favoráveis ao meio ambiente e à saú-
de da população ao diminuir o lançamento de gor- BRASIL. Decreto de 23 de dezembro de 2003. Institui a Comis-
são Executiva Interministerial encarregada da implantação das
dura na rede de esgotos e, assim, a poluição e a
ações direcionadas à produção e ao uso de óleo vegetal - bio-
atração de insetos, ratos e outros organismos no- diesel como fonte alternativa de energia. Diário Oficial (da)
civos à saúde pública e vetores de diversas doen- República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 dez. 2003. Se-
ças. Ademais, contribuiria para reduzir os custos ção 1, p. 14.

de manutenção da rede e para aumentar sua vida BRASIL. Decreto nº 5.297, de 6 de dezembro de 2004. Dispõe
útil, isso sem se considerar o potencial de geração sobre os coeficientes de redução das alíquotas da Contribui-
ção para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes na produção e
na comercialização de biodiesel, sobre os termos e as condi-
7
Para uma discussão sobre as diferentes rotas das inovações tecnológi-
ções para a utilização das alíquotas diferenciadas, e dá outras
cas na agricultura, de seus condicionantes, dos prazos envolvidos e da
participação pública e privada em seu financiamento, veja Accarini providências. Diário Oficial (da) República Federativa do
(1987). Brasil, Brasília, DF, 07 dez. 2004. Seção 1, p. 2.

62 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 51-63, jun. 2006


JOSÉ HONÓRIO ACCARINI

BRASIL. Decreto nº 5.298, de 6 de dezembro de 2004. Altera a vel Social. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente Brasília, DF, 07 jul. 2005. Seção 1, p. 65.
sobre o produto que menciona. Diário Oficial (da) República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 07 dez. 2004. Seção 1, p. 3. BRASIL. Instrução Normativa nº 2, de 28 de setembro de 2005.
Ministério do Desenvolvimento Agrário. Dispõe sobre os critéri-
BRASIL. Decreto nº 5.448, de 20 de maio de 2005. Regulamen- os e procedimentos relativos ao enquadramento de projetos de
ta o § 1º do art. 2º da Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, produção de biodiesel ao Selo Combustível Social. Diário Oficial
que dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energéti- [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 set. 2005.
ca brasileira, e dá outras providências. Diário Oficial (da) Seção 1, p. 125.
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 maio de 2005,
Seção 1, p. 1. BRASIL. Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005. Dispõe sobre a
introdução do biodiesel na matriz energética brasileira e dá ou-
BRASIL. Decreto nº 5.457, de 6 de junho de 2005. Dá nova reda- tras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do
ção ao art. 3º do Decreto nº5.297, de 6 de dezembro de 2004, Brasil, Brasília, DF, 14 jan. 2005. Seção 1, p. 8.
que reduz as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da
COFINS incidentes sobre a importação e a comercialização de BRASIL. Lei nº 11.116, de 18 de maio de 2005. Dispõe sobre
biodiesel. Diário Oficial [d]) República Federativa do Brasil, o Registro Especial, na Secretaria da Receita Federal do Mi-
Brasília, DF, 07 jun. 2005. Seção 1, p. 1. nistério da Fazenda, de produtor ou importador de biodiesel
e sobre a incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da
BRASIL. Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de Cofins sobre as receitas decorrentes da venda desse pro-
2001. Altera os artigos 149, 155 e 177 da Constituição Federal. duto, e dá outras providências. Diário Oficial [da] Repúbli-
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, ca Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 de maio de 2005.
12 dez. 2001. Seção 1, p. 2.

BRASIL. Instrução Normativa nº 516, de 22 de fevereiro de BRASIL. Resolução nº 41, de 24 de novembro de 2004. Agência
2005. Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda. Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Institui a
Dispõe sobre o Registro Especial a que estão sujeitos os produ- regulamentação e obrigatoriedade de autorização da ANP para
tores e os importadores de biodiesel, e dá outras providências. o exercício da atividade de produção de biodiesel. Diário Oficial
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 dez. 2005,
23 fev. 2005. Seção 1, p. 19. Seção 1, p. 52-53.

BRASIL. Instrução Normativa nº 628, de 02 de março de 2006. BRASIL. Resolução nº 42, de 24 de novembro de 2004. Agência
Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda. Apro- Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Estabele-
va o aplicativo de opção pelo Regime Especial de Apuração e ce a especificação para a comercialização de biodiesel que
Pagamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins inci- poderá ser adicionado ao óleo diesel na proporção 2% em volu-
dentes sobre Combustíveis e Bebidas (Recob). Diário Oficial me. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 06 mar. 2006. DF, 09 dez. 2005, Seção 1, p. 53-59.
Seção 1, p. 8.
SACHS, Ignacy. Da civilização do petróleo a uma nova civiliza-
BRASIL. Instrução Normativa nº 01, de 05 de julho de 2005. Mi- ção verde. Estudos avançados, Set./Dez. 2005, vol. 19, nº 55, p.
nistério do Desenvolvimento Agrário. Dispõe sobre os critérios e 195-214. Disponível em <www.scielo.br/pdf/ea/v19n55/
procedimentos relativos à concessão de uso do Selo Combustí- 13.pdf>. Acesso em 10.09.2006.

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BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

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Políticas públicas de fomento ao
biodiesel na Bahia e no Brasil: impactos
socioeconômicos e ambientais com a
regulamentação recente1
Sidnei Silva Suerdieck*

Resumo Abstract
O biodiesel tem sido objeto de políticas governamentais e Biodiesel has been object of governmental policies and
de pesquisas no Brasil desde a década de 1970. Somente no researches in Brazil since the 1970s. However, only in the
início dos anos 2000, contudo, chegou-se a uma maturidade beginning of 21st century did it reach a technologic and
tecnológica e institucional capaz de concatenar ações de di- institutional maturity capable of coordinating actions from
versos setores governamentais federais e estaduais, além de diverse federal and state governmental sectors, besides
pesquisadores, empresários e trabalhadores rurais para im- researchers, rural entrepreneurs and workers, to implement a
plementar uma Política de Estado visando torná-lo uma realida- State Policy aimed to make it happen. The official launching of
de. O lançamento oficial do Programa Nacional de Produção e the National Program of Biodiesel Use and Production - PNPB,
Uso de Biodiesel – PNPB, bem como dos respectivos progra- as well as the respective state programs, demanded (and still
mas estaduais, exigiu (e ainda demanda) um grande esforço demands) a great articulation and regulation effort to enable
de articulação e regulamentação para viabilizar o alcance das the goals to be reached; nonetheless they bring great social-
metas fixadas, mas abrem grandes oportunidades de dinami- economic dinamization opportunities in the rural area, as well
zação socioeconômica no meio rural, bem como perspectivas as favorable perspectives of environmental impact with its
favoráveis de impactos ambientais com sua introdução na introduction in the Brazilian energy matrix.
matriz energética brasileira.
Key words: biodiesel, regulation, public policies, Bahia,
Palavras-chave: biodiesel, marco regulatório, políticas públi- social-economic and environmental impacts.
cas, Bahia, impactos socioeconômicos e ambientais.

1
Um agradecimento especial ao Pe. Clodoveo Piazza, Dr. José Carlos CONCEITUAÇÃO E ANTECEDENTES DE
Alves Gallindo, Dr. Benito Juncal, Dra. Risalva Telles, Prof. Roberto For-
tuna Carneiro e Tereza Cristina Pamponet pela confiança e apoio na reali- PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DE
zação desta pesquisa. As opiniões e considerações presentes neste artigo BIODIESEL NO BRASIL
não representam posicionamento institucional de qualquer tipo, sendo
decorrentes da análise e reflexão deste autor, incluindo os erros e omis-
sões ainda existentes. Antes de iniciar a descrição e análise do pro-
* Especialista em Gestão Social para o Desenvolvimento (EAUFBA) e cesso de regulamentação e operacionalização
Bacharel em Ciências Econômicas (FCE-UFBA). Especialista em Políti-
cas Públicas e Gestão Governamental do Governo do Estado da Bahia. dos programas nacional e baiano de biodiesel,
sidssuerdieck@click21.com.br bem como de descrever sucintamente os benefíci-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 65-77, jun. 2006 65


POLÕTICAS P BLICAS DE FOMENTO AO BIODIESEL NA BAHIA E NO BRASIL: IMPACTOS SOCIOECON‘MICOS...

os socioeconômicos e ambientais advindos de os testes com a utilização de biodiesel e misturas


sua produção e consumo em larga escala no Bra- combustíveis alternativas em veículos automotores
sil para os próximos anos, convém definir o que (HOLANDA, 2004).
seja este biocombustível e apontar rapidamente
seus antecedentes históricos em termos de políti-
ca pública no país. A REGULAMENTAÇÃO E
Segundo o professor Expedito Desde o início do IMPLEMENTAÇÃO DO
Parente Jr. (autor da primeira pa- processo de PROGRAMA NACIONAL DE
tente internacional, na década de implementação, foi PRODUÇÃO E USO DE
1980) o biodiesel é um combustível identificado como de BIODIESEL (PNPB)
renovável e biodegradável, substi- relevância fundamental a
tuto do óleo diesel petrolífero, definição de um marco Inicialmente conhecido como
constituído de uma mistura de és- regulatório para ordenar o Programa Brasileiro de Biodiesel
teres monoalquímicos de ácidos funcionamento de um (PROBIODIESEL), o primeiro re-
graxos que pode ser obtida por programa intersetorial gistro jurídico recente de política
uma reação de (trans)esterificação complexo como o PNPB, pública de biodiesel no Brasil foi a
entre qualquer fonte de ácidos gra- viabilizando uma elevação Portaria nº 702/02 do Ministério de
xos2 e um monoálcool de cadeia da confiança dos diversos Ciência e Tecnologia (MCT), que
curta (basicamente metanol ou atores sociais envolvidos instituiu uma rede de pesquisa e
etanol). A transesterificação é a re- no processo em relação à desenvolvimento tecnológico para
ação química que dá origem ao bi- consistência e integração iniciar os trabalhos de pesquisa e
odiesel, sendo constituída pela in- das diversas operacionalização com o intuito de
teração de uma gordura com um responsabilidades viabilizar a implementação definiti-
álcool por meio de um catalisador envolvidas va do biodiesel na matriz energéti-
para formar ésteres, gerando como ca do país. Renomeado como Pro-
co-produto a glicerina (PARENTE JÚNIOR, 2004). grama Nacional de Produção e Uso de Biodiesel
As experiências pioneiras com o desenvolvimen- (PNPB), tem sido articulado pelo Governo Federal
to de combustíveis renováveis alternativos no Brasil desde 2003 por meio de um arranjo interministerial
remontam à década de 1920, com o Instituto Nacio- envolvendo treze pastas federais e mais uma secre-
nal de Tecnologia (INT). O primeiro programa gover- taria diretamente vinculada à Presidência da Repúbli-
namental relacionado ao biodiesel no Brasil foi o ca, sob a coordenação da Casa Civil. A prioridade do
PROÓLEO (Programa de Produção de Óleos Vege- PNPB tem sido fomentar a ampliação da produção e
tais para Fins Energéticos), criado através da Reso- o consumo em escala comercial do biodiesel como
lução n° 07 da Comissão Nacional de Energia, em aditivo ao diesel petrolífero no Brasil, com enfoque na
1980. Mas antes disso, na década de 1970, já eram inclusão social e no desenvolvimento regional por
desenvolvidas pesquisas no âmbito do Instituto de meio da diversificação de fontes de matérias-primas
Pesquisas Tecnológicas (IPT) e da Comissão Exe- vegetais e de regiões produtoras. A Lei 11.097, de tre-
cutiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC) ze de janeiro de 2005, instituiu juridicamente o início
para a geração de combustíveis a partir de óleos ve- de implementação do PNPB, introduzindo o biodiesel
getais, com destaque para o DENDIESEL. Em na Matriz Energética Brasileira ao estabelecer a obri-
1983, uma nova alta dos preços internacionais do gatoriedade da adição de 2% desse biocombustível
petróleo motivou o Governo Federal a lançar o Pro- ao óleo diesel de origem fóssil no país a partir de
grama de Óleos Vegetais (OVEG), que intensificou 2008 (mistura também conhecida como B2). Tal re-
gulamentação prevê ainda a ampliação da mistura
obrigatória para 5% a partir de 2013 (B5).
2
Óleos e gorduras vegetais e animais, assim como rejeitos com elevado
teor de óleos e gorduras, a exemplo dos óleos de fritura, “nata” sobrena-
Desde então, diversas normatizações tem sido
dante de esgotos e ácidos graxos residuais. editadas por órgãos diversos da União, compondo

66 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 65-77, jun. 2006


SIDNEI SILVA SUERDIECK

um marco regulatório do biodiesel com o objetivo de ma nacional e também dos necessários programas
regulamentar sua caracterização, organizar sua ca- estaduais, indicando incentivos como o regime tribu-
deia produtiva de forma integrada, definir linhas de fi- tário diferenciado para regiões menos desenvolvidas,
nanciamento e sistematizar incentivos e estímulos por matérias-primas preferenciais da agricultura fami-
diversos para apoiar produtores rurais, empresários e liar e por categoria de produção (diferenciando agri-
consumidores a participarem de um esforço amplo cultura familiar do agronegócio). No âmbito desse
para sua introdução na matriz energética do país. O marco regulatório também foi criado o Programa Selo
PNPB, assim, busca estimular a produção de biodie- Combustível Social do Ministério do Desenvolvimento
sel a partir de diferentes oleaginosas (além da mamo- Agrário (MDA).
na, a palma ou dendê, o girassol, o algodão e a soja, Os atos legais que formam o marco regulatório do
dentre outras) e rotas tecnológicas (transesterifica- PNPB estabelecem, dentre outros requisitos: os per-
ção metílica ou etílica, craqueamento catalítico) para centuais de mistura do biodiesel ao diesel petrolífero;
facilitar a inserção tanto do agronegócio quanto da um regime tributário diferenciado para estimular a
agricultura familiar no processo produtivo desse bio- produção da agricultura familiar em regiões menos
combustível. desenvolvidas do país (Norte e Nordeste); a criação
Dentre as medidas que antecederam o lançamen- do Selo Combustível Social, para viabilizar a inserção
to oficial do PNPB, houve a instituição, em julho de dos produtores familiares na cadeia produtiva; e a
2003, de um Grupo de Trabalho Interministerial para isenção da cobrança de Imposto sobre Produtos In-
analisar a viabilidade de utilização desse biocombus- dustrializados (IPI) sobre o biodiesel. Destaca-se ain-
tível como fonte alternativa de energia no país, esfor- da a regulamentação da Agência Nacional de Petró-
ço que culminou com um relatório propondo o desen- leo (ANP), que criou a figura do “produtor de biodie-
volvimento e a implementação de um programa naci- sel”, estabeleceu especificações técnicas rigorosas
onal de estímulo à produção e consumo de biodiesel para esse biocombustível, bem como propôs a estru-
como ação estratégica para o Brasil. Em dezembro turação de sua cadeia de comercialização.4
do mesmo ano foi estruturado o funcionamento bási- Pesquisas já realizadas e a experiência internaci-
co do programa por meio de uma Comissão Executi- onal na área indicam que a adição de percentuais
va Interministerial (CEIB),3 tendo um Grupo Gestor baixos de biodiesel (até 5%) ao diesel de petróleo
como unidade executiva responsável por definir, ao não resulta em alterações ou desgastes nos motores
longo de 2004, um plano de trabalho para o lança- movidos a diesel. A mistura B2, que terá sua comer-
mento oficial do PNPB, assim como para promover a cialização iniciada em 2006, funciona muito mais
gestão operacional e administrativa do programa como um aditivo que proporciona maior viscosidade e
(FOSTER; MURTA, 2004). qualidade na combustão do que como um combustí-
Desde o início do processo de implementação, foi vel propriamente dito. A regulamentação existente
identificado como de relevância fundamental a defini- também permite usos específicos do biodiesel, quan-
ção de um marco regulatório para ordenar o funciona- do autorizados pela ANP, em testes e experiências
mento de um programa intersetorial complexo como para misturas superiores ao B2 e B5 com o objetivo
o PNPB, viabilizando uma elevação da confiança dos
diversos atores sociais envolvidos no processo em 4
Outras das principais regulamentações presentes no marco regulatório
brasileiro do biodiesel são: a Lei nº 11.116/05, que trata do registro de pro-
relação à consistência e integração das diversas res- dutor ou importador de biodiesel na Secretaria da Receita Federal e da
ponsabilidades envolvidas. O marco regulatório seria, incidência de PIS/PASEP e COFINS na comercialização; a Resolução n°
03 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), Portaria MME
assim, uma condição necessária para o desenvolvi- 483/05, que aponta as diretrizes para realização de leilões públicos de
aquisição de biodiesel; a Portaria ANP 240/03, que regulamenta a utiliza-
mento efetivo do programa, constituindo um conjunto
ção do biodiesel; a Resolução ANP 41/04 e a Resolução ANP 42/04, que
de atos legais que iriam nortear as ações do progra- apresentam a especificação técnica do biodiesel e a obrigatoriedade de
autorização da ANP para a produção de biodiesel, respectivamente; os
Decretos 5.297/04, 5.298/04, 5448/05 e 5.457/05, que regulamentam as
3
São funções da CEIB: elaborar, implementar e monitorar o PNPB de principais Leis do marco regulatório e as Instruções Normativas n° 526 e
forma integrada, analisando, avaliando e sugerindo outras recomenda- n° 516 da Secretaria da Receita Federal (SRF), que tratam sobre o registro
ções, ações, diretrizes e políticas públicas, bem como propondo atos nor- especial de produção de biodiesel e sobre os regimes de incidência de PIS/
mativos para garantir a implementação do programa. PASEP e CONFINS.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 65-77, jun. 2006 67


POLÕTICAS P BLICAS DE FOMENTO AO BIODIESEL NA BAHIA E NO BRASIL: IMPACTOS SOCIOECON‘MICOS...

de gerar informações para viabilizar o aumento poste- alíquota geral. Existe ainda uma redução de 30,5%
rior do percentual de adição de biodiesel ao diesel na alíquota tributária básica passível de ser auferida
comum e para a geração de energia elétrica em co- pelo agronegócio desde que o biodiesel tenha sido
munidades isoladas, substituindo o óleo diesel em produzido com mamona ou palma produzida nas áre-
geradores e usinas termelétricas. As misturas supe- as prioritárias indicadas acima.
riores a 10% (B10, B20, B50 e B100), quando come- Na esfera do financiamento, foi estabelecido pelo
çarem a ser introduzidas no mercado nacional, por BNDES (Resolução nº 1.135/2004) o Programa de
outro lado, vão constituir o início de utilização do bio- Apoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel, que
diesel efetivamente como combustível renovável, a busca financiar a produção e o uso comercial de bio-
exemplo do que ocorre com o álcool anidro, desde a diesel em diversas etapas da cadeia produtiva, fo-
década de 1970, no âmbito do PROÁLCOOL. A mis- mentando a demanda por máquinas e equipamentos
tura do biodiesel ao diesel de petróleo deverá ser feita nesse setor. Os financiamentos são destinados a to-
pelas distribuidoras, sendo também as refinarias au- dos os elos da cadeia produtiva (agrícola, produção
torizadas a fazerem a mistura para posteriormente de óleo bruto, armazenamento, logística e beneficia-
repassarem o B2 às distribuidoras. mento de co-produtos), bem como para a aquisição
A despeito dos benefícios sociais e ambientais de máquinas e equipamentos homologados para o
previstos com a produção e utilização do biodiesel, uso do biocombustível, com destaque para veículos
os maiores incentivos para acelerar sua adoção no de transporte de carga e passageiros, tratores, co-
país a curto prazo se encontram na esfera econômi- lheitadeiras e geradores. Os financiamentos previs-
ca, por meio de um regime tributário diferenciado que tos podem chegar a 90% dos itens passíveis de
isenta de IPI e reduz as alíquotas de tributos como o apoio em projetos do Selo Combustível Social ou
PIS/PASEP e a COFINS sobre sua produção. Estes 80% nos demais.
últimos serão cobrados uma única vez e sua incidên- Outra relevante ação de fomento à cadeia produ-
cia ocorrerá apenas no produtor industrial de biodie- tiva do biodiesel no país é o Programa Selo Com-
sel, que poderá optar por uma alíquota percentual bustível Social do MDA, que desde 2005, através
sobre o preço do biocombustível ou pelo pagamento das Instruções Normativas nº 01 e nº 02, dispõe so-
de um valor fixo por metro cúbico (conforme a Lei nº bre critérios e procedimentos para enquadramento e
11.116/05). Visando potencializar os objetivos de concessão de incentivos diferenciados a projetos de
transferência de renda e desenvolvimento regional do produção de biodiesel que incluam agricultores fa-
programa, foram definidos, inclusive, índices de redu- miliares. Tal programa permite o enquadramento de
ção nas alíquotas conforme a região de produção, a projetos ou empresas produtoras de biodiesel como
matéria-prima utilizada e o tipo de fornecedor envolvi- de interesse social, permitindo-lhes participar em
do (agricultura familiar ou agronegócio) na produção leilões de compra de biodiesel, facultando a deso-
do biodiesel. De acordo com o Decreto nº 5.457/05, neração de algumas tributações e permitindo aces-
alterado pelo Decreto nº 5.297/05, foi estabelecido sar melhores condições de financiamento junto ao
que a alíquota máxima de PIS/PASEP e COFINS BNDES e outras instituições financeiras. As condi-
sobre a receita bruta do produtor ou importador de ções para enquadramento no programa são: a com-
biodiesel seria de R$ 217,96 por metro cúbico, equi- provação por parte da empresa ou Pessoa Jurídica
valente à carga tributária sobre o diesel de petróleo. inscrita de que garante, por meio de contrato, a
O regime tributário definido busca estimular a pro- compra de matérias-primas para a produção de bio-
dução de biodiesel a partir de palma ou mamona pela diesel junto a agricultores familiares (com preços
agricultura familiar nas regiões Norte e Nordeste e no pré-estabelecidos, especificando renda prevista e
semi-árido (onde há isenção tributária total de PIS/ prazos para entrega das matérias-primas) e a ga-
PASEP e COFINS). Quaisquer outras matérias-pri- rantia de assistência e capacitação técnica aos pro-
mas fornecidas por agricultores familiares para a pro- dutores com o apoio do MDA. Os agricultores fami-
dução de biodiesel, independentemente da região, liares também têm acesso a uma linha de crédito
têm direito a uma redução de 67,9% em relação à adicional do PRONAF.

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SIDNEI SILVA SUERDIECK

Uma possibilidade facultada aos agricultores fa- eventuais prejuízos, o que não acontece com os
miliares no Programa Selo Combustível Social é a produtores familiares.
de se habilitarem à função de “produtor de biodie- Atentando para essa possibilidade, sugeri aos
sel”, participando como sócios ou quotistas de in- técnicos da Brasil Eco-Diesel (em reunião realizada
dústrias extratoras de óleo ou de produção de biodi- na sede da CODEVASF, em Irecê, no início de 2005,
esel através de suas associa- para negociar a realização de con-
ções/cooperativas ou mesmo por Tal arranjo, contudo, pode tratos para aquisição de mamona
meio de participações negociadas apresentar algumas dos produtores familiares da re-
com empresários, algo que pode- desvantagens potenciais gião) que incluíssem, nos contra-
ria ser considerado como “joint para os agricultores tos a serem firmados com os pro-
ventures de interesse social”. De familiares, uma vez que os dutores locais, cláusulas de rene-
acordo com informações do MDA, contratos são firmados gociação de preços para ambas as
já foram certificadas 10 empresas para o médio e longo partes no caso de oscilações ex-
com o Selo Combustível Social. A prazos com estimativas de cessivas de preços da mamona
obrigatoriedade de garantia de preços baseados em (principal matéria-prima adquirida
preços aos produtores familiares cotações atualizadas, de produtores familiares do semi-
presente no Selo Combustível So- desconsiderando árido atualmente) a ser utilizada
cial visa oferecer-lhes maior segu- possíveis valorizações das para a produção de biodiesel, situ-
rança em termos de comercializa- matérias-primas. Ou seja, ação bastante provável no curto
ção de sua produção, podendo nos casos de elevações de prazo tendo em vista que a mamo-
ocorrer ainda a possibilidade de preços, a priori, os na é uma commodittie com seu
obterem adiantamentos dos em- agricultores não teriam preço determinado pela dinâmica
presários para financiarem a pró- direito a um aumento de do mercado internacional, liderado
pria produção, o que reduziria o sua remuneração por produtores asiáticos, e apre-
risco envolvido com a produção e senta perspectiva de demanda
sua necessidade de financiamento junto a bancos. crescente com o advento do biodiesel.
Tal arranjo, contudo, pode apresentar algumas
desvantagens potenciais para os agricultores fami-
liares, uma vez que os contratos são firmados para IMPACTOS ECONÔMICOS E PERSPECTIVAS
o médio e longo prazos com estimativas de preços SÓCIO-AMBIENTAIS DO BIODIESEL
baseados em cotações atualizadas, desconside-
rando possíveis valorizações das matérias-primas. O cultivo de matérias-primas, a produção industri-
Ou seja, nos casos de elevações de preços, a priori, al de biodiesel (conhecido como B100 em sua forma
os agricultores não teriam direito a um aumento de pura, antes da adição ao petrodiesel para ser vendido
sua remuneração. Isso, em última instância pode- aos consumidores), sua adição ao diesel de petróleo
ria ser prejudicial também para as próprias empre- e suas operações logísticas de distribuição (tanto na
sas, uma vez que a baixa cultura empresarial des- forma B100 como B2) constituem, grosso modo,
tes agricultores em geral poderia levá-los a sim- aquilo que se pode denominar como cadeia produtiva
plesmente descumprir tais contratos quando as do biodiesel. O conjunto dessas atividades, por ra-
empresas se recusassem a repassar aumentos zões inequívocas, apresenta grande potencial de ge-
em situações de elevação significativa nas cota- ração de trabalho e renda no país, especialmente as
ções de mercado. Nos casos em que ocorressem atividades no setor primário e de beneficiamento inici-
reduções acentuadas das cotações de preços, por al das matérias-primas vegetais, como as de sele-
outro lado, tais contratos protegeriam os produto- ção/limpeza e de esmagamento primário das semen-
res familiares em termos de redução de renda, ex- tes, que podem ser realizadas ainda no campo por
pondo apenas as empresas produtoras de biodie- meio das cooperativas e associações de produtores
sel, que geralmente têm maior fôlego para suportar familiares, não obstante as elevadas exigências de

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POLÕTICAS P BLICAS DE FOMENTO AO BIODIESEL NA BAHIA E NO BRASIL: IMPACTOS SOCIOECON‘MICOS...

qualificação do óleo necessárias à produção do biodi- do Centro Nacional de Pesquisas do Algodão


esel. A priorização da mamona como matéria-prima (CNPA), núcleo de pesquisas e desenvolvimento da
para o biodiesel na região semi-árida decorre de di- EMBRAPA, localizado em Campina Grande, Paraí-
versas pesquisas que indicam o elevado de potencial ba, que é responsável também pelas pesquisas com
de resultados sócio-ambientais e econômicos com a mamona, dentre outras lavouras típicas do semi-
sua utilização por associações e cooperativas de árido com potencial de geração de óleo para a produ-
produtores familiares para abastecer as usinas pro- ção de biodiesel.
dutoras do biocombustível. A importância social e Esse valor desconsidera a renda que pode ser
econômica do incentivo à lavoura da mamona deve- obtida ainda em função do consorciamento da produ-
se ao fato dela ser uma lavoura temporária resistente ção de mamona com outras lavouras, como o feijão,
à seca e de ciclo longo, o que a torna uma regular a melancia, o amendoim e a abóbora, além dos gan-
fonte de emprego e renda para os trabalhadores ru- hos diretos e indiretos que podem ser auferidos pelos
rais no semi-árido, mantendo a ocupação da força- produtores familiares com a utilização dos co-produ-
de-trabalho durante todo o ano, o que pode reduzir a tos a serem gerados no processo de transesterifica-
pauperização e o sofrimento excessivo de um contin- ção do óleo de mamona para produção de biodiesel
gente expressivo de trabalhadores rurais em períodos (a torta de mamona, que é extremamente útil para a
de estiagem prolongada, que reforçam o êxodo rural adubação do solo, e a glicerina). Destaca-se que o
desordenado para os grandes centros urbanos quan- princípio geral recomendado para o consorciamento
do das perdas de safra nas secas (ITURRA, 2003; com a mamona é a adoção de lavouras temporárias
MARTELLI; TRENTO, 2004). rasteiras e de ciclo curto que não se tornem concor-
Dentre suas características, destacam-se uma rentes da mamona no consumo de água, principal-
excelente adaptabilidade ao regime de sequeiro e a mente nos estágios iniciais de desenvolvimento da
boa produtividade média de 0,47 t/ano de óleo por lavoura. Tal recomendação indica como altamente
hectare. De acordo com estimativas do MDA e do desaconselhável a utilização do milho em consórcio
Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento com mamona – como apontou o Dr. Napoleão Bel-
(MAPA), a área plantada necessária para atender à trão, pesquisador da EMBRAPA-CNPA, em diversas
demanda de B2 no Brasil seria de 1,5 milhão de oportunidades durante o I Congresso Brasileiro de
hectares, equivalente a apenas 1% dos 150 milhões Mamona – prática comum dos agricultores familiares
de hectares plantados e disponíveis para agricultura que reduz consideravelmente o rendimento da ma-
no país. A renda líquida estimada de uma família mona em todo o semi-árido brasileiro.
com o cultivo de cinco hectares de mamona num Com relação às matérias-primas preferenciais
sistema de produção que apresente um rendimento para cultivo no semi-árido, tem-se buscado recente-
médio entre 700 e 1,2 mil quilos por hectare pode mente intensificar as pesquisas e esforços para di-
variar entre R$ 2,5 mil e R$ 3,5 mil reais por ano versificar ainda mais as possibilidades de inserção
(HOLANDA, 2004). da produção familiar do semi-árido, que, além da
Tal rendimento, segundo os especialistas da mamona, poderia incluir também o pinhão manso e o
área, pode ser duplicado ou triplicado, dentre outros amendoim, dentre outras oleaginosas. A necessida-
fatores, com a utilização de sementes de maior qua- de recentemente apontada de descentralizar a priori-
lidade (as chamadas fiscalizadas, como a BRS Nor- dade da mamona como matéria-prima de biodiesel
destina e a BRS Paraguaçu, recentemente desenvol- no semi-árido decorre de algumas limitações que
vidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope- têm sido apontadas, a exemplo do menor teor de
cuária – EMBRAPA), bem como pela adoção de me- óleo em relação a outras oleaginosas. A principal li-
lhores técnicas de manejo na lavoura. Isso já pôde mitação da mamona, contudo, é o considerável risco
ser verificado in loco na região de Irecê (maior centro em termos de garantia de manutenção da sua oferta
produtor de mamona do país, localizado na Região para as usinas de biodiesel, pois seu óleo é uma
Econômica da Chapada Diamantina, distando cerca commodittie com preços determinados pelas flutua-
de 470 km de Salvador, capital da Bahia) por técnicos ções do mercado internacional e que apresenta diver-

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SIDNEI SILVA SUERDIECK

sas outras aplicações, consideradas inclusive mais dem realçar os aspectos ambientais do biodiesel,
“nobres” do que a produção de biodiesel. Essas flutu- alavancando a capacidade de captação de recursos
ações foram bastante elevadas no passado recente e externos do Brasil via registro e comercialização de
têm sido determinadas nas últimas décadas pelo Reduções de Emissões Certificadas (CERs), os “cré-
comportamento da produção na Índia e na China. ditos de carbono” previstos pelo Protocolo de Quioto
Essa característica poderia gerar (HOLANDA, 2004; PARENTE JÚ-
oscilações excessivas de preços, A principal limitação da NIOR, 2004).
como as verificadas nas décadas mamona, contudo, é o Outro exemplo das amplas
de 1970 e 1980, podendo prejudi- considerável risco em possibilidades de benefícios soci-
car não somente a sustentabilida- termos de garantia de ais e ambientais que a cadeia de
de dos contratos firmados entre manutenção da sua oferta biodiesel pode proporcionar por
agricultores familiares e produto- para as usinas de meio de lavouras como a de ma-
res de biodiesel, como a própria vi- biodiesel, pois seu óleo é mona pode ser observado nas ativi-
abilidade econômica da produção uma commodittie com dades do Instituto de Permacultura
de biodiesel a partir desta lavoura. preços determinados pelas da Bahia, ONG que tem sido apoi-
As próprias características do flutuações do mercado ada pela SECOMP e já trabalha há
biodiesel enquanto combustível já internacional e que mais de cinco anos testando a
começam a denotar suas vanta- apresenta diversas outras transferência da tecnologia de per-
gens ambientais, pois é produzido aplicações, consideradas macultura a agricultores familia-
com matérias-primas renováveis, inclusive mais “nobres” do res. Essa é uma estratégia de con-
biodegradável, não-tóxico, enfim, que a produção de vivência com a seca, uma espécie
limpo. Além desses fatores, outro biodiesel de policultura orgânica, que está
impacto ambiental positivo da sua sendo praticada no semi-árido bai-
utilização é a possibilidade de redução da poluição ano, em alguns municípios das microrregiões de Ja-
atmosférica nos grandes centros urbanos (a mistura cobina e Irecê, possibilitando a ampliação sustentá-
B100 proporciona redução de 90% de fumaça e vir- vel da produção e do rendimento agrícola de mamona
tual eliminação do óxido de enxofre, responsável consorciada com diversas outras culturas de subsis-
pela chuva ácida), com rebatimento imediato na tência e comerciais sem necessidade de irrigação,
melhoria da qualidade de vida e redução de gastos em pleno bioma da caatinga. O segredo desse su-
no sistema de saúde para atendimento de proble- cesso tem sido o trabalho de forte capacitação em
mas respiratórios nos grandes centros urbanos associativismo e técnicas de manejo do solo e de la-
(HOLANDA, 2004). vouras de ciclos diferenciados, que mantêm a umida-
Além desses benefícios ambientais gerais, o bio- de do solo e auxiliam no combate à desertificação. O
diesel na sua forma pura (B100) pode permitir que a grande desafio que tem sido posto a essa experiên-
emissão líquida de dióxido de carbono (CO2) – o prin- cia em curso é, principalmente, sistematizar os da-
cipal dentre os Gases do Efeito Estufa (GEE), que dos estatísticos comparados de diferença de rendi-
abrangem ainda metano, óxido nitroso, ozônio e hi- mento agronômico e rentabilidade econômica desta
drofluorcarbonos – seja reduzida em até 80%. A la- atividade, uma vez que os impactos sociais (apesar
voura de mamona permite ainda uma fixação líquida de também não terem sido quantificados ainda) são
de oito toneladas de carbono por hectare plantado. evidentes em termos de organização social de produ-
Enquanto no Brasil as necessidades socioeconômi- tores, estabilização das oscilações no nível de produ-
cas são o principal fator de estímulo à produção e ção agrícola e reversão do processo de desertifica-
consumo de biodiesel, nos países desenvolvidos os ção, dentre outros.
benefícios ambientais são o principal incentivo para Os CERs ou créditos de carbono a serem gerados
seu uso. O advento do Mecanismo de Desenvolvi- no âmbito do MDL, um dos instrumentos de flexibiliza-
mento Limpo (MDL) e o desenvolvimento do mercado ção comercial do Protocolo de Quioto, permitem que
internacional de créditos de carbono, contudo, po- os maiores países poluidores do mundo (integrantes

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 65-77, jun. 2006 71


POLÕTICAS P BLICAS DE FOMENTO AO BIODIESEL NA BAHIA E NO BRASIL: IMPACTOS SOCIOECON‘MICOS...

do Anexo I do Protocolo) realizem seus investimentos mação de estoques dinâmicos de carbono fixado
para redução e/ou adequação aos limites de emissões em formações florestais (conhecidos como LULU-
de GEE em países menos desenvolvidos (ou não-inte- CF, sigla em inglês para o conceito de “uso do
grantes do Anexo I), com menores custos e, geral- solo, mudança no uso do solo e reflorestamento”).
mente, maiores impactos sociais. No mundo todo, di- O segundo tipo é conhecido como de eficiência
versos projetos têm sido concebi- energética, resultante de ações
dos e estão sendo implementados, A capacidade de geração de redução de consumo de ener-
o que tem gerado early credits, um de CERs em projetos de gia ou prevenção de emissões ge-
ativo potencial de CERs que já está produção e consumo de radas por fontes não-renováveis
sendo negociado no mercado se- biodiesel no Brasil, (como a substituição do consumo
cundário, principalmente na Europa, portanto, ficará restrita aos de energia elétrica produzida em
numa base de US$ 3,5 a US$ 10, investimentos realizados usinas termelétricas por unidades
em média, para cada tonelada de até 2008, justamente o ano eólicas ou solares) ou a redução
carbono fixado ou seqüestrado, em que se prevê o início de emissões de carbono pela re-
pois o início de funcionamento do de funcionamento do dução no consumo de combustí-
mercado internacional só deverá mercado internacional de veis fósseis por fontes renováveis,
ocorrer a partir de 2008, quando for créditos de carbono como no caso do biodiesel.
iniciada a primeira etapa de imple- O terceiro tipo, que pode ser
mentação do Protocolo de Quioto (FERRETTI, 2001; considerado como o mais interessante, seria de proje-
ECOSECURITIES, 2001a; SUERDIECK, 2002a). tos mistos onde poderiam ser combinados componen-
A produção e o consumo de biodiesel, ao possibi- tes das duas linhas de ação (ECOSECURITIES,
litar a captação de recursos internacionais no futuro 2001b; SUERDIECK, 2003). Pode-se avaliar como po-
mercado internacional de créditos de carbono por sitivas as perspectivas de captação de recursos adici-
meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo onais por meio do mercado de créditos de carbono,
(MDL) do Protocolo de Quioto, constitui-se numa im- pois este vem gradativamente se consolidando, mes-
portante alternativa de desenvolvimento principalmen- mo sem a participação formal do governo americano
te para as regiões mais estagnadas do país, como as até o momento, uma vez que o setor privado e o
do semi-árido. No caso do biodiesel, poderiam ser legislativo americano estão atentos à necessidade de
planejados projetos integrados de produção e consu- sua participação em determinado momento
mo de biodiesel em atividades de agricultura familiar (ECOSECURITIES, 2001b; SUERDIECK, 2002b).
que resultariam na formação de estoques dinâmicos Não obstante tais perspectivas favoráveis, deve-
de carbono fixado e poderiam evitar emissões adicio- se observar que os processos de certificação para
nais pela substituição de petrodiesel. emissão de créditos de carbono via projetos de
Tais investimentos, para serem elegíveis em ter- produção de biodiesel no Brasil apresentam uma
mos de emissão de CERs, devem obedecer a cer- importante restrição decorrente de um elemento
tos critérios estabelecidos no âmbito do MDL, no presente no marco regulatório recentemente defini-
caso, a realização do estudo de linha de base (ba- do. O potencial de captação de recursos via MDL
seline, que deve indicar qual o nível de emissões nos projetos brasileiros de biodiesel ficou bastante
que ocorreriam na ausência do projeto), a adiciona- prejudicado devido à introdução da obrigatoriedade
lidade (deve comprovar que consegue realizar uma de adição de biodiesel no diesel de petróleo já a
redução adicional no nível de emissões) e a contri- partir de 2008. Consta no Protocolo de Quioto e
buição para o desenvolvimento social das comuni- nos documentos referentes ao MDL que os CERs
dades localizadas na sua área de entorno não são passíveis de emissão no âmbito do MDL
(SCHWARTZMAN; MOREIRA, 2000). Nesse senti- quando os projetos forem decorrentes de atendi-
do, os projetos de MDL podem ser classificados mento à regulamentação e obrigatoriedades im-
em três tipos básicos. Primeiro, os projetos de se- postas por legislações governamentais. Ou seja,
qüestro ou fixação de carbono que resultam da for- quando tais investimentos não forem decorrentes

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SIDNEI SILVA SUERDIECK

de “iniciativas espontâneas” do setor privado, do portador de biodiesel; e fortalecer e integrar a agricultu-


Terceiro Setor ou da Sociedade Civil, passando a ra familiar à cadeia produtiva de biodiesel.
ser obrigatórios, resultantes de adequação ou O programa tem buscado, desde as fases iniciais
atendimento à legislação, tais projetos perdem o de planejamento e articulação, enfatizar e potenci-
direito de elegibilidade no âmbito do MDL e, con- alizar algumas vantagens competitivas que têm colo-
seqüentemente, sua capacidade de geração de cado a Bahia em posição de destaque no cenário na-
CERs. A capacidade de geração de CERs em pro- cional do biodiesel, a exemplo das condições natu-
jetos de produção e consumo de biodiesel no Bra- rais favoráveis à produção de oleaginosas diversas
sil, portanto, ficará restrita aos investimentos reali- nas diferentes regiões do estado (como a alta insola-
zados até 2008, justamente o ano em que se prevê ção, a aptidão de clima, a adequada altitude na região
o início de funcionamento do mercado internacio- semi-árida, a boa qualidade de solos e disponibilida-
nal de créditos de carbono. de de terras em geral) e de uma adequada “densidade
institucional” já trabalhando com a temática (capaci-
dade instalada e histórico de P&D na área, com des-
PLANEJAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DO taque para a atuação da UESC, UFBA, UNIFACS,
PROBIODIESEL BAHIA SENAI-CETIND, SENAI-CIMATEC e CEPLAC, dentre
outras). Tais fatores, acrescidos ao decisivo apoio do
No contexto de articulação do PNPB, surge o Governo Estadual e à atuação de dirigentes, técni-
Programa de Biodiesel da Bahia (PROBIODIESEL cos, pesquisadores e agricultores articulados por
BAHIA). Sob a coordenação técnica da Secretaria meio da Rede Baiana de Biocombustíveis (RBB), têm
de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), conta possibilitado à Bahia constituir um dos mais consis-
com um Comitê Executivo coordenado pelo Vice-Go- tentes e bem articulados programas estaduais de bio-
vernador que articula ações de diversas secretarias diesel no Brasil. Assim como no âmbito federal, o
setoriais e órgãos do Governo da Bahia (como a Se- PROBIODIESEL BAHIA tem como um de seus princi-
cretaria de Infra-Estrutura – SEINFRA, a Secretaria pais objetivos estratégicos proporcionar a inclusão
de Agricultura – SEAGRI, a Secretaria de Combate à social por meio do estímulo ao beneficiamento das
Pobreza – SECOMP e a Empresa Baiana de Desen- matérias-primas vegetais dos agricultores familiares.
volvimento Agrícola – EBDA, dentre outras) com o Tendo como base o PNPB, a articulação do
objetivo de apoiar a descentralização da matriz ener- PROBIODIESEL BAHIA se iniciou ainda no ano de
gética do estado em direção às fontes renováveis. 2003, a partir de um Seminário na Universidade Es-
Assim como o programa nacional, o PROBIODIE- tadual de Santa Cruz (UESC), quando da divulgação
SEL BAHIA é resultado de uma articulação interinsti- dos trabalhos da Rede de Energia Renovável e Meio
tucional que envolve não somente órgãos do governo Ambiente (RENOMA) em parceria com a Universida-
estadual como também as Universidades, pesquisa- de Federal da Bahia (UFBA). A partir desse seminá-
dores da área, empresários e trabalhadores rurais rio, deu-se início à articulação para o seu processo
sob as mais diversas formas. de planejamento sob a coordenação da SECTI, que
São objetivos específicos do programa: apoiar a contou com o apoio de técnicos de diversas Secre-
ampliação e consolidação na produção e processa- tarias e órgãos governamentais do Estado da Bahia
mento de oleaginosas no estado da Bahia; fomentar o envolvidos, além de representantes das Universida-
surgimento de micro e mini-usinas de biodiesel no des e pesquisadores da Rede Baiana de Biocom-
estado para atender às necessidades de comerciali- bustíveis (RBB), que estava em formação. Tendo
zação no âmbito do PNPB, bem como para abastecer como meta viabilizar a geração de biodiesel para
empreendimentos agroindustriais e frotas privadas e substituir cerca de 5% do consumo estadual do die-
públicas de veículos; fomentar a implantação de usi- sel petrolífero até 2007, uma das estratégias princi-
nas de produção contínua, em larga escala; aproveitar pais adotadas pelo programa tem sido a consolida-
as vantagens logísticas e edafoclimáticas do estado ção da Rede Baiana de Biocombustíveis (RBB).
para viabilizar o estabelecimento da Bahia como ex- Essa é uma articulação interinstitucional que visa

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POLÕTICAS P BLICAS DE FOMENTO AO BIODIESEL NA BAHIA E NO BRASIL: IMPACTOS SOCIOECON‘MICOS...

elevar a cooperação e a consistência nas atividades mais de 90% da safra nacional mesmo após a crise
de planejamento e mobilização de recursos, assim do setor verificada na década de 1980), como apoia-
como proporcionar um grau elevado de articulação do ações diversas para viabilizar o aproveitamento de
dos diversos atores envolvidos na integração dos outras matérias-primas presentes no estado, a
esforços de desenvolvimento de projetos para a con- exemplo do dendê no Baixo Sul/Litoral Sul, o algodão
solidação do biodiesel na Bahia e a soja no Oeste/Sudoeste, bem
(BAHIA, 2004). Dentre os diversos como a utilização de óleos e gor-
A RBB funciona como um am- resultados alcançados pela duras residuais (OGR) na Região
plo grupo de trabalho que visa fa- RBB sob a coordenação da Metropolitana de Salvador (RMS),
cilitar a comunicação e o estabe- SECTI, pode-se destacar a além de observar o potencial de in-
lecimento de parcerias entre as conclusão de que um dos serção de outras lavouras na ca-
diversas instituições envolvidas maiores gargalos no curto deia estadual de biodiesel que ain-
com a implementação do biodie- prazo para a cadeia da não têm plantio comercial, mas
sel no estado, possuindo quatro estadual de biodiesel seria apresentam boas condições de in-
grupos de trabalho temáticos vin- a escassez de sementes trodução, como o girassol e o pi-
culados às necessidades de forta- fiscalizadas para plantio nhão manso, dentre outras.
lecimento e consolidação da ca- imediato e a baixa Dentre os diversos resultados
deia produtiva de biodiesel na capacitação dos alcançados pela RBB sob a coor-
Bahia: apoio a Pesquisa e Desen- trabalhadores em técnicas denação da SECTI, pode-se des-
volvimento (P&D) e Rede Tecnoló- de cultivo e reprodução de tacar a conclusão de que um dos
gica e Laboratorial, sistemas de sementes qualificadas maiores gargalos no curto prazo
produção de oleaginosas, implan- para a cadeia estadual de biodie-
tação de unidades produtivas de biodiesel e compe- sel seria a escassez de sementes fiscalizadas para
titividade econômica e integração do biodiesel à pe- plantio imediato e a baixa capacitação dos trabalha-
quena produção familiar. São objetivos da rede: pro- dores em técnicas de cultivo e reprodução de se-
mover a interação entre os diversos atores (Gover- mentes qualificadas. Tal situação, ademais, tende-
no, Universidades públicas e privadas, empresas ria a se agravar com a perspectiva de elevação da
privadas, ONGs, agentes financeiros, pesquisado- demanda devido ao processo recente de implanta-
res da área, etc.) que tenham interesse no tema; ção de usinas de biodiesel na Bahia e na região Nor-
fomentar pesquisas para o desenvolvimento tecnoló- deste. Articulou-se, então, no âmbito dos grupos de
gico e a capacitação dos atores que apóiam o PRO- Sistema de Produção de Oleaginosas e Integração
BIODIESEL BAHIA; divulgar informações relaciona- do Biodiesel à Pequena Produção Familiar, sob lide-
das ao biodiesel; elaborar e submeter projetos em rança da SECTI, a realização de um convênio entre
regimes cooperativos (envolvendo governo, empre- a SEAGRI, EBDA e SECOMP para apoiar a amplia-
sas e universidades) aos editais temáticos e fundos ção da área plantada de mamona por meio de pe-
setoriais no tema; e criar bancos de dados com in- quenos produtores familiares. Executado ao longo
formações das diversas áreas ligadas à cadeia pro- de 2005, o Projeto de Desenvolvimento da Lavoura
dutiva de biodiesel na Bahia, dentre outros. Atual- de Mamona para Viabilização do PROBIODIESEL
mente a RBB possui pelo menos 12 projetos rele- BAHIA financiou a organização e edição de um ma-
vantes no âmbito do PROBIODIESEL BAHIA sendo nual com um sistema de produção racional para os
implantados em diversas áreas e regiões do estado produtores familiares de mamona, a geração de se-
com diversos parceiros a exemplo da UESC, UFBA, mentes básicas para reprodução de sementes fis-
PUC-Rio e SENAI/CETIND, dentre outros. calizadas por parte dos produtores familiares, bem
Em termos de matérias-primas, o PROBIODIE- como a realização de pesquisas no estado para de-
SEL BAHIA não somente tem fomentado a prioriza- senvolvimento de novas variedades de maior rendi-
ção da mamona no semi-árido (a Bahia é historica- mento da mamona. Com uma abrangência espacial
mente o maior produtor de mamona do país, com de até 190 municípios da Bahia, o mesmo pretende

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SIDNEI SILVA SUERDIECK

beneficiar um conjunto de cerca de 4.000 produtores A Rede Baiana de Biocombustíveis tem sido forta-
familiares, representando uma das diversas ações lecida com a implantação de um portal na internet,
recentes do Governo do Estado para apoiar a reto- facilitando a comunicação e a troca de informações
mada do fomento à lavoura de mamona no estado, entre seus membros. Enfim, os inúmeros resultados
que se apresenta atualmente em cerca de metade positivos alcançados em um período de tempo tão
do nível de produção existente na década de 1970. curto indicam, inequivocamente, o acerto no anda-
Apesar de ainda ser o maior produtor de mamona do mento do programa estadual de biodiesel, possibili-
Brasil (com mais de 90% da produção nacional), tando à Bahia se firmar no cenário nacional, fortale-
houve uma queda acentuada da produção e do ren- cendo e concretizando suas inúmeras vantagens e
dimento desta lavoura no estado devido à falta de potencialidades com a ampliação de oportunidades
cuidados na produção de sementes, queda da área de trabalho e renda no campo e nas cidades, assim
plantada pela falta de preços mínimos e secas pro- como fomentando o desenvolvimento científico e tec-
longadas, dentre outros motivos. nológico nesta promissora cadeia produtiva.
Apesar do ainda recente processo de implementa-
ção do PROBIODIESEL BAHIA, pode-se observar al-
guns resultados positivos que atestam a eficácia de CONSIDERAÇÕES FINAIS
sua implementação. A Bahia tem conseguido firmar
protocolos de intenção com diversos grupos empresa- O recente advento e implementação do Programa
riais (inclusive internacionais) para o aporte de investi- Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) in-
mentos em ampliação da produção e beneficiamento dica um avanço em termos de desenvolvimento de
de oleaginosas. Algumas usinas de produção de biodi- políticas públicas no Brasil, tendo em vista o eficaz
esel têm sido instaladas, a exemplo da região de Irecê processo de articulação de esforços intersetoriais
(em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia entre os diversos ministérios envolvidos e atores so-
– MCT), com destaque para o anúncio recente de in- ciais relevantes, bem como a positiva articulação
vestimentos vultosos da PETROBRAS em uma usina com os governos estaduais (a exemplo do estado da
na RMS. A produção agrícola necessária ao desenvol- Bahia) na complementação e potencialização dos in-
vimento da cadeia produtiva no estado também tem vestimentos e iniciativas envidadas. O PNPB tem se
crescido gradativamente, com destaque para a mamo- constituído num eficaz vetor para operacionalizar
na que passou de 114 mil toneladas em 2004 para 135 uma estratégia de integração de objetivos de desen-
mil em 2005. E isso apenas com a mobilização e re- volvimento energético e científico-tecnológico com as
cursos próprios dos produtores familiares da região de necessárias diretrizes de desenvolvimento sócio-pro-
Irecê, que têm sido estimulados pelo Governo do Esta- dutivo regional e de inclusão social.
do a acreditarem no biodiesel através de palestras, O PNPB, assim, representa um avanço em rela-
reuniões e seminários diversos para disseminar co- ção a programas anteriores de renovação da matriz
nhecimentos sobre a cadeia aos diversos atores no energética nacional (como o PROÁLCOOL, por
estado. Pesquisas e investimentos em capacitação e exemplo), uma vez que a adequada definição de seu
melhoramento do parque tecnológico no estado tam- marco regulatório na áreas fiscal e tributária abre
bém têm sido feitas por meio de recursos captados perspectivas favoráveis de apoio à concretização dos
pela SECTI junto ao Governo Federal para aporte nas objetivos fundamentais de inclusão social e distribui-
principais Universidades do estado (com destaque ção de renda para os produtores familiares, para
para a instalação de uma usina experimental de produ- além de uma mera proposição retórica ou boas inten-
ção de biodiesel com óleos e gorduras residuais – ções dos gestores públicos envolvidos. Nesse senti-
OGR na Universidade Federal da Bahia – UFBA), bem do, destaca-se a priorização de ações para viabilizar
como por meio da publicação de edital através da Fun- o desenvolvimento da produção rural de forma sus-
dação de Apoio à Pesquisa do Estado da Bahia (FA- tentável, buscando utilizar tecnologias inteligentes e
PESB) para financiar projetos de pesquisa e desenvol- de baixo custo que possam integrar os produtores
vimento para o biodiesel. familiares à cadeia produtiva do biodiesel por meio do

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 65-77, jun. 2006 75


POLÕTICAS P BLICAS DE FOMENTO AO BIODIESEL NA BAHIA E NO BRASIL: IMPACTOS SOCIOECON‘MICOS...

melhoramento de seu rendimento com lavouras re- Não obstante tais perspectivas, deve-se atentar
sistentes à seca, como a mamona (que pode, ainda, para o fato de que a inclusão prematura no marco re-
ser consorciada com feijão e outras lavouras de sub- gulatório da obrigatoriedade de adição do biodiesel
sistência, gerando rendas diretas e indiretas adicio- ao diesel de petróleo a partir de 2008 (coincidente-
nais). Tais diretrizes podem ajudar os agricultores fa- mente, o primeiro ano de funcionamento efetivo do
miliares do semi-árido brasileiro a mercado internacional de créditos
reagirem contra a exclusão social a A despeito dos grandes de carbono) reduz o potencial de
que estão historicamente expos- avanços obtidos, uma captação de CERs, uma vez que a
tos. No caso da mamona, o poten- avaliação crítica do PNPB legislação internacional pertinente
cial de resgate econômico e social até o momento aponta torna inelegível no âmbito do MDL
das famílias rurais é elevadíssimo, para a necessidade de os projetos de fixação de carbono e
pois se trata de uma lavoura comer- continuar trabalhando prevenção de emissões que ocor-
cial com alta e crescente demanda para solucionar uma série ram mediante exigências de regula-
no mercado internacional, o que de dificuldades mentações governamentais. Ape-
deve ser reforçado com a demanda operacionais, de logística, sar de reconhecer as dificuldades
adicional desta matéria-prima de- de gestão e culturais que envolvidas, seria recomendável que
corrente da gradativa implementa- poderão afetar os gestores públicos competentes
ção do PNPB. Esse fator acrescen- principalmente os avaliassem a possibilidade de edi-
ta um ingrediente adicional de or- produtores familiares e tarem regulamentação adicional
dem ambiental que fortalece ainda suas entidades postergando por mais alguns anos
mais a viabilidade sócio-política de representativas na o início da inclusão obrigatória de
decisivo apoio ao desenvolvimento tentativa de viabilizarem biodiesel na matriz energética com
do programa e de suas vertentes sua efetiva inclusão na vistas e aproveitar melhor as opor-
estaduais. Consumidores industri- cadeia produtiva do tunidades que serão criadas com o
ais estimam que o preço de merca- biodiesel início do primeiro período de imple-
do da mamona pode dobrar assim mentação do Protocolo de Quioto.
que a cadeia nacional de biodiesel começar a funcio- Seria recomendável, também, ampliar o apoio aos
nar efetivamente, representando um forte instrumento empreendedores e organizações representativas de
de transferência de renda para os produtores familia- produtores familiares já envolvidos com o biodiesel
res se inserirem nas atividades previstas. para estabelecerem estudos de linha de base e adi-
O elevado impacto social que o desenvolvimento cionalidade nos projetos de desenvolvimento de la-
de projetos de produção de biodiesel pode trazer a vouras no semi-árido e de produção de biodiesel, vi-
esses produtores se constitui, inclusive, num compo- sando submeterem à avaliação para geração de cré-
nente fundamental para fortalecer a elegibilidade de ditos de carbono uma vez que as atividades imple-
projetos de produção integrada de biodiesel no âmbi- mentadas no período atual têm plena elegibilidade
to do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) em termos de potencial para geração de CERs ou
do Protocolo de Quioto. Devido às características créditos de carbono.
anteriormente apontadas, os projetos de biodiesel A despeito dos grandes avanços obtidos, uma
podem gerar uma renda adicional para os produtores avaliação crítica do PNPB até o momento aponta
familiares e empreendedores envolvidos por meio da para a necessidade de continuar trabalhando para
geração de créditos de carbono e captação de recur- solucionar uma série de dificuldades operacionais,
sos internacionais em função do seqüestro de carbo- de logística, de gestão e culturais que poderão afetar
no que a ampliação das lavouras poderá proporcio- principalmente os produtores familiares e suas enti-
nar, bem como pela redução de emissões de Gases dades representativas na tentativa de viabilizarem
do Efeito Estufa (GEE) que a utilização desse bio- sua efetiva inclusão na cadeia produtiva do biodiesel.
combustível poderá gerar no processo de substitui- Tais dificuldades tendem a se agravar especialmente
ção gradativa do diesel de petróleo. a partir de 2008, quando tem início o primeiro pata-

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SIDNEI SILVA SUERDIECK

mar obrigatório de adição de 2% deste biocombustí- nordestino. In: HOLANDA A (Org). Biodiesel e inclusão social.
Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações,
vel ao diesel de petróleo, pois o setor empresarial
2004. cap.8, p. 131-142. (Série cadernos de altos estudos, n. 1).
terá amplas condições (e uma imposição legal, inclu-
sive) de ocupar os espaços que os produtores famili- ITURRA, A. Perspectivas da agricultura familiar na agroindústria
do biodiesel: uma proposta de inclusão social. In: SEMINÁRIO DE
ares não tiverem condições de atender na cadeia pro-
POLÍTICAS PARA O BIODIESEL, 2003, Salvador,
dutiva do biodiesel, reduzindo o potencial de distribui- Anais...Salvador, SECTI, 2003. 5p.
ção de renda e o impacto que os incentivos e benefí-
______. Bio-diesel History, Strategies and Policies in Brazil. In:
cios previstos no marco regulatório buscam trazer
INTERNATIONAL WORKSHOP ON BIOENERGY, POLICIES, TECH-
aos trabalhadores do campo. NOLOGIES AND FINANCING, 2004, Ribeirão Preto,
Tais dificuldades, dentre outras, têm induzido os Anais…Ribeirão Preto (SP), 2004.Disponível em:
pesquisadores a buscarem estabelecer arranjos al- <www.bioenergy-lamnet.org/publications/source/bra2/
Iturra.pdf>. Acesso em março de 2006.
ternativos, com destaque para a diversificação de
matérias-primas na produção de biodiesel. O debate HOLANDA, A. Biodiesel e inclusão social. Brasília: Câmara
dos Deputados, Câmara dos Deputados, Coordenação de Pu-
em torno da necessidade de diversificação de lavou-
blicações, 2004. 200 p. : il.color. (Série cadernos de altos estu-
ras familiares para a produção de biodiesel no semi- dos, n. 1)
árido tem apontado para pesquisas e experimenta-
JUNCAL, B. Políticas e arranjos sócio-produtivos de base fami-
ções com outras matérias-primas, destacando-se o
liar para a geração de biocombustíveis nas comunidades rurais
pinhão manso, que apresenta um índice superior em do semi-árido. In: SEMINÁRIO DE POLÍTICAS PARA O BIODIESEL,
termos de produção de óleo (50% a 52% contra 45% 2003, Salvador. Anais....Salvador: SECTI, 2003. 5p.
da mamona, em média) e um rendimento superior em
MARTELLI, J; TRENTO, M. Combustíveis renováveis: emprego
termos de geração de óleo por área plantada. Outra e renda no campo. In: HOLANDA A (Org). Biodiesel e inclu-
vantagem do pinhão manso em relação à mamona são social. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de
seria o menor risco de escassez na oferta de maté- Publicações, 2004. p.113-124. (Série cadernos de altos estu-
dos, n. 1)
ria-prima decorrente de choques externos adversos
(uma elevação ou redução excessiva de preços no SCHWARTZMAN, S; MOREIRA, A. O Protocolo de Quioto e o
curto prazo) que poderiam dificultar o abastecimento MDL. In: As mudanças climáticas globais e os ecossistemas bra-
sileiros. Brasília: Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia,
regular das usinas produtoras de biodiesel, tendo em 2000. p. 13-22.
vista que seu óleo não tem uma diversidade tão am-
PARENTE JÚNIOR, Expedito. Biodiesel no plural: oportunidades e
pla de aplicações com significativo valor comercial,
ameaças para um programa nacional. In: HOLANDA A (Org). Bi-
com conseqüentes reflexos em termos de valoriza- odiesel e inclusão social. Brasília: Câmara dos Deputados, Co-
ção e demanda potencial para usos alternativos, a ordenação de Publicações, 2004. p. 153-167. (Série cadernos
exemplo do óleo de mamona. de altos estudos, n. 1).

SUERDIECK, Sidnei. Impactos sócio-ambientais da cadeia do bi-


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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 65-77, jun. 2006 77


POLÕTICAS P BLICAS DE FOMENTO AO BIODIESEL NA BAHIA E NO BRASIL: IMPACTOS SOCIOECON‘MICOS...

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Apropriação dos recursos naturais
e o Programa Nacional de Produção
e Uso do Biodiesel1
Cezar Menezes Almeida,* Mônica de Moura Pires,** José Adolfo de Almeida Neto***
Rosenira Serpa da Cruz****

Resumo Abstract

Com a crise do petróleo da década de 1970, intensificaram- With the oil crisis during the 1970’s, studies aiming energy
se os estudos de alternativas energéticas em substituição às de alternatives to substitute fossil energy, intensified. Thus, the
origem fóssil. Nesse sentido, foi pensada a inserção do biodie- insertion of biodiesel in the Brazilian energy matrix, was
sel na matriz energética brasileira. Este trabalho contextualiza o considered. This work contextualized the introduction process
processo da introdução do biodiesel na matriz energética naci- of biodiesel in the national energy matrix, in the point of view of
onal sob o ponto de vista da apropriação dos recursos naturais, appropriation of natural resources, aiming to broaden
objetivando ampliar as discussões ambientais que envolvem a environmental discussions involving its production and
produção e o consumo desse combustível. São analisados os consumption. Legal texts, part of the National Program of
textos legais que fazem parte do Programa Nacional de Produ- Biodiesel Use and Production and incentive mechanisms for
ção e Uso do Biodiesel e os mecanismos de incentivo à produ- biodiesel production, are analyzed. As theoretical base,
ção do biodiesel. Como base teórica, foram adotadas as teorias theories of environmental, ecologic and Marxist economy were
da economia ambiental, ecológica e marxista. Observa-se que o adopted. We can observe that the Program, in spite of attending
Programa, apesar de atender aos aspectos socioeconômicos social-economic aspects in its conception, doesn’t discuss
em sua concepção, não discute aspectos ambientais que envol- the environmental aspects that involve the production and
vem a produção e o consumo de combustíveis no Brasil. consumption of fuels in Brazil.

Palavras-chave: biocombustíveis, meio ambiente, economia Key words: biofuels, environment, economy of natural
dos recursos naturais, economia ecológica, economia marxista. resources, ecologic economy, Marxist economy.

INTRODUÇÃO no seio da teoria econômica tradicional. Nesse sentido,


tem-se buscado analisar, interpretar e propor novas for-
As discussões relativas às ações antrópicas no mas de estabelecimento da relação homem-ambiente
meio ambiente, apesar de se tratar de uma nova abor- em uma economia de mercado e discutir a apropriação
dagem científica, vem tomando cada vez mais espaço dos recursos naturais pela sociedade moderna.
Os recursos naturais, em uma visão antropocên-
trica, podem ser considerados como todas as matéri-
1
Universidade Estadual de Santa Cruz, Grupo Bioenergia e Meio Ambiente. as-primas que podem ser obtidas na natureza e apro-
* MS Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. cezar@dalecarnegieba.com.br veitáveis pelo homem. Esses recursos podem ser re-
** DS Economia Rural, Professora Adjunta DCEC/UESC. mpires@uesc.br
nováveis, como, por exemplo, os grãos de um modo
*** MS Engenharia Agrícola, Professor Assistente DCAA/UESC.
jalmeida@uesc.br geral, ou não-renováveis, como é o caso do petróleo
**** DS Química, Professora Adjunta DCET/UESC. roserpa@uesc.br (IBGE, 2004).

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 79-88, jun. 2006 79


APROPRIA«√O DOS RECURSOS NATURAIS E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODU«√O E USO DO BIODIESEL

Tida inicialmente como uma fonte inesgotável de impacto ambiental, demonstrando a possibilidade
insumo (os recursos naturais eram todos considera- de mudança do atual padrão de consumo de com-
dos infinitos pelo homem), a natureza, agora, com bustíveis líquidos de origem fóssil. A introdução do
os sinais claros de sua degradação como, por álcool como combustível na matriz energética brasi-
exemplo, a perda de biodiversidade provocada pela leira foi realizada através do Programa Nacional do
extinção de espécies e as altera- Álcool (PROÁLCOOL), criado com
ções no clima global, se coloca no No Brasil, a indústria do o objetivo de incentivar a produção
centro da discussão do desenvolvi- álcool combustível é e o consumo de álcool como com-
mento econômico e do atual pa- considerada uma bustível no Brasil.
drão de produção e consumo da demonstração do Nesse sentido foi pensada a in-
sociedade contemporânea. O de- potencial da biomassa serção do biodiesel na matriz ener-
senvolvimento sustentável, mesmo como fonte de energia gética brasileira em 2004. O biodi-
ainda como um conceito em evolu- eficiente e de menor esel pode ser definido como um
ção, emerge no seio da sociedade impacto ambiental, combustível com características fí-
como uma alternativa para o cres- demonstrando a sico-químicas semelhantes ao die-
cimento desenfreado do consumo possibilidade de sel do petróleo, que pode ser pro-
dos recursos naturais. mudança do atual padrão duzido a partir de óleos e gorduras
Mesmo com essa nova aborda- de consumo de vegetais ou animais, in natura ou
gem, ainda atualmente a socieda- combustíveis líquidos de residuais, através do processo de
de global se organiza em torno de origem fóssil transesterificação.
um modelo econômico capitalista, Partindo-se desse contexto,
voltado para o mercado e tendo como premissa o este trabalho procura contextualizar o processo da
equilíbrio do consumo dos recursos naturais através introdução do biodiesel na matriz energética nacio-
do mecanismo de preços e do fenômeno da escas- nal sob o ponto de vista da apropriação dos recur-
sez. Diante disso, torna-se necessário entender sos naturais, objetivando ampliar as discussões
como se dão as relações da sociedade com o meio ambientais que envolvem a produção e o consumo
ambiente, discutindo como se alinham as diversas desse combustível.
políticas públicas em um modelo de gestão de re-
cursos naturais.
Nesse caminho, muitos países têm procurado PESQUISAS SOBRE BIOCOMBUSTÍVEIS
adotar políticas que possibilitem utilizar as fontes
energéticas disponíveis de maneira eficiente e racio- As primeiras pesquisas sobre o uso de biocom-
nal. Seguindo esses novos padrões, há um incentivo bustíveis datam do século XIX. Em 1832, houve a
para a priorização do uso dos transportes coletivos, primeira utilização do álcool como fonte energética
produção de bens e serviços pautados no conceito e em 1893 foram feitos diversos ensaios a respeito
de ecoeficiência e utilização de produtos reciclados, da substitutibilidade entre o álcool e a gasolina. Na
entre outras mudanças. Tal comportamento traz in- década de 1920, com a crise no abastecimento do
trinsecamente o conceito da preservação e da con- petróleo, foram estudadas várias alternativas ener-
servação dos recursos naturais. géticas. Nesse período, os países da Europa e os
Nota-se que, nessa mesma direção, desde a Estados Unidos, em particular, passaram a utilizar
emergência do movimento ambientalista e, principal- o álcool como combustível, fabricado a partir de di-
mente, após a crise do petróleo da década de 1970, versas matérias-primas. Nesse sentido, também
tem-se intensificado a discussão sobre alternativas no Brasil, nos anos de 1920, realizaram-se experi-
energéticas em substituição às de origem fóssil. ências pioneiras com a utilização do álcool mistu-
No Brasil, a indústria do álcool combustível é rado ao éter e gasolina ou ao éter e querosene e os
considerada uma demonstração do potencial da bio- primeiros testes em motores de explosão (MENE-
massa como fonte de energia eficiente e de menor ZES, 1980).

80 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 79-88, jun. 2006


CEZAR MENEZES ALMEIDA, MÔNICA DE MOURA PIRES, JOSÉ ADOLFO DE ALMEIDA NETO, ROSENIRA SERPA DA CRUZ

No Brasil, somente na década de 1930 foram im- sil foram determinados por meio das Medidas Provi-
plantadas políticas voltadas para os biocombustíveis, sórias nº 214 e 227, convertidas nas respectivas Leis
quando, através do Decreto nº 19.717, estabeleceu- nº 11.097/05 e 11.116/05. Essas medidas e seus
se o uso compulsório de 5% de álcool à gasolina, desdobramentos estão contidos no Programa Nacio-
motivado pela crise do açúcar e pela recessão insta- nal de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB).
lada naquela década. Posteriormente, através do De- A principal diretriz do Programa é implantar um
creto Lei nº 25.174-A, de 03 de julho de 1948, foram modelo de energia sustentável, a partir da produção e
estabelecidos incentivos à fabricação de álcool para uso do biodiesel obtido de diversas fontes oleagino-
uso em motores de combustão (MENEZES, 1980). sas, que promova a inclusão social, garantindo pre-
No entanto, somente em 1975, com a criação do ços competitivos, produto de qualidade e abasteci-
PROÁLCOOL, o Brasil passa, realmente, a utilizar o mento. De acordo com o PNPB, desde janeiro de
álcool como combustível, tendo um novo impulso, cri- 2005 está autorizada a adição de 2% de biodiesel ao
ando uma alternativa à flutuação dos preços do açú- óleo diesel, sendo que esse percentual se ampliará
car e, em certa medida, dando uma primeira resposta ao longo dos anos.
à crise do petróleo. Partindo desse contexto, este trabalho procura
O motivo principal para a introdução do álcool na analisar a relação do PNPB com os mecanismos
matriz energética brasileira foi a elevação do preço do de apropriação dos recursos naturais contidos no
barril de petróleo, que passou de US$ 1,88, em 1972, programa, adotando como base teórica os méto-
para US$ 18,00, em junho de 1979, custando ao Bra- dos de apropriação dos recursos naturais preconi-
sil algo em torno de US$ 7 bilhões com a sua impor- zados nas teorias econômicas ambiental, ecológi-
tação. Tal fato provocou impactos negativos sobre o ca e marxista.
balanço de pagamentos, dada a importância da parti- A economia ambiental, pautada nos fundamentos
cipação do petróleo nas importações brasileiras. É da teoria neoclássica, tem como principal caracterís-
nesse cenário que emerge o PROÁLCOOL. tica a tentativa de internalização das externalidades,
Esse programa teve seu período áureo até a me- reduzindo os recursos naturais à lógica do mercado e
tade dos anos de 1980, com a produção de cerca de valorando-os de acordo com os princípios da escas-
70% dos veículos com motor a álcool. Porém, em sez da oferta e da demanda. Em outro sentido, a eco-
1986, esse ciclo ingressou em um período negativo, nomia ecológica fundamenta tais questões nos limi-
e, em 2002, apenas 3,3% da produção de veículos le- tes físicos do planeta e na sinergia energética entre
ves eram movidos a álcool. Em 2004, com a fabrica- diversos componentes ambientais. Essa visão é um
ção de veículos bi-combustíveis, os denominados contraponto ao método clássico de análise, que se
motores flex fuel, o consumo do álcool automotivo é fundamenta nos aspectos físicos da produção e con-
novamente impulsionado, ao mesmo tempo em que sumo dos recursos naturais. A abordagem da econo-
se retomam as políticas para os biocombustíveis. mia marxista parte do princípio de que a dialética das
Essa iniciativa vem obtendo relativo sucesso no Bra- relações sociais determina as relações do homem
sil sob o ponto de vista de substituição das fontes com a natureza. Essa corrente refuta as relações ca-
fósseis de energia. pitalistas de produção e as coloca como causa cen-
Atualmente, no país, adiciona-se à gasolina o ál- tral da degradação socioambiental, em razão das re-
cool em proporção próxima a 25%. Alinhado a tal di- lações produtivas serem norteadas por interesses de
recionamento é que se lançou o Programa Nacional classe (SOUZA LIMA, 2004).
de Produção e Uso do Biodiesel, com objetivo de in- Tomando-se tais correntes teóricas, analisa-se a
troduzir o biodiesel na matriz energética brasileira a implementação do PNPB a partir das leis, decretos,
partir de projetos auto-sustentáveis, considerando resoluções e instruções normativas que compõem o
preço, qualidade, garantia do suprimento e uma polí- denominado marco regulatório do programa. Neste
tica de inclusão social. estudo são analisados os seguintes textos legais:
Da mesma forma que no lançamento do PROÁL- Lei nº 11.097, Lei nº 11.116, Instrução Normativa RF
COOL, a produção e o consumo de biodiesel no Bra- nº 516, Decreto nº 5.297 e Decreto nº 5.298.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 79-88, jun. 2006 81


APROPRIA«√O DOS RECURSOS NATURAIS E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODU«√O E USO DO BIODIESEL

O PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E art. 6º da Lei nº 9.478/97 os incisos XXIV e XXV


USO DE BIODIESEL (PNPB) transcritos a seguir:

XXIV - Biocombustível: combustível derivado de biomassa


O biodiesel foi inserido na matriz energética naci- renovável para uso em motores a combustão interna ou,
onal através da Medida Provisória (MP) nº 214/2004, conforme regulamento para outro tipo de geração de ener-
convertida na Lei nº 11.097/05. Essa lei pode ser con- gia, que possa substituir parcial ou totalmente combustível
de origem fóssil.
siderada como um marco na história do biodiesel no
XXV - Biodiesel: biocombustível derivado de biomassa reno-
Brasil, uma vez que é a partir dela que o biodiesel
vável para uso em motores a combustão interna com ignição
encontra sustentáculo jurídico na legislação brasilei- por compressão ou, conforme regulamento para geração
ra (Quadro 1). A partir desse momento surge, legal- de outro tipo de energia, que possa substituir parcial ou to-
mente, o mercado de biodiesel no Brasil. talmente combustível de origem fóssil. (BRASIL, 2005a)

A justificativa principal para a implementação do


As alterações nas Leis nº 9.478/97 e nº 10.636/
PNPB no Brasil está nos benefícios energéticos,
02, introduzidas pela Lei nº 11.097 (BRASIL. PRESI-
econômicos, sociais e ambientais advindos da sua
DÊNCIA DA REPÚBLICA, 2005a) visam também
produção e uso, como pode ser observado no trecho
destinar recursos para projetos ambientais, de pes-
da Medida Provisória que deu origem ao programa:
quisa e de desenvolvimento tecnológico nas áreas de
(...) cumpre ressaltar que a medida ora proposta representa biocombustíveis. Os recursos serão advindos da dis-
uma oportunidade para demonstrar que o Brasil atua forte- tribuição da arrecadação da CIDE2 e de royalties de
mente na pesquisa e no desenvolvimento de novas tecnolo-
gias energéticas, capazes não só de contribuir para o de-
petróleo, a serem administrados pelo Ministério do
senvolvimento econômico e social do País, gerando empre- Meio Ambiente e pelo Ministério de Ciência e Tecno-
gos, oportunidades e renda, para uma parcela importante da logia, respectivamente.
nossa sociedade, mas também, permitir que tais descober-
Com a MP nº 227/04, convertida na Lei nº 11.116,
tas e soluções sejam mais um recurso que tornará o meio
ambiente mais saudável e menos poluente, melhorando a de 18 de maio de 2005 (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA
qualidade de vida da população (BRASIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2005b), foram estabelecidas regras so-
REPÚBLICA, 2005f). bre a concessão de registro especial para produtor e
importador de biodiesel e também as alíquotas de
A questão central enfocada é de geração de em-
contribuição do PIS/PASEP3 e da COFINS4 inciden-
prego e renda na região Nordeste do país decorrente
tes na produção de biodiesel (Tabelas 1, 2 e 3).
da produção de oleaginosas para obtenção de biodie-
Assim, para atingir os objetivos sociais e de ge-
sel, especialmente com a produção de mamona no
ração e melhoria na distribuição de renda no Brasil,
semi-árido. No Quadro 1 são apresentados os princi-
destacados pelo governo federal desde o início do
pais instrumentos legais do marco regulatório do bio-
Programa, concederam-se incentivos definidos nos
diesel no Brasil.
Decretos nº 5.297 e nº 5.298, de 06 de dezembro
A Lei nº 11.097 fixa o percentual mínimo de 2%
de 2005 (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,
para a adição de biodiesel ao diesel comercializado
2005d; 2005e). Nesses decretos foram definidos
no território nacional a partir de janeiro de 2006. Essa
os coeficientes de redução das alíquotas de tribu-
medida, apesar de relevante, traz alguns entraves re-
tos incidentes na produção e comercialização do
sultantes de mecanismos de criação de mercado por
biodiesel.
meio de atos legais. Outro aspecto da lei é atribuir a
Os principais benefícios concedidos para a produ-
então Agência Nacional de Petróleo, denominada
ção e comércio do biodiesel estão relacionados a
atualmente de Agência Nacional de Petróleo, Gás
seguir:
Natural e Biocombustíveis (ANP), a competência de
órgão regulador da indústria de biodiesel, além do
petróleo, gás natural e seus derivados.
2
Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico.
Com o intuito de padronizar as discussões, a Lei 3
Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Ser-
nº 11.097 define os conceitos de biodiesel e bio- vidor Público.
combustível no mercado brasileiro, adicionando ao 4
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social.

82 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 79-88, jun. 2006


CEZAR MENEZES ALMEIDA, MÔNICA DE MOURA PIRES, JOSÉ ADOLFO DE ALMEIDA NETO, ROSENIRA SERPA DA CRUZ

Quadro 1
Principais diplomas legais a respeito do biodiesel no Brasil

Notas: 1Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; 2Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; 3Secretaria da Receita
Federal; 4Ministério do Desenvolvimento Agrário; 5Conselho Nacional de Política Energética; 6Ministério das Minas e Energia.

a) redução para 0% da alíquota do IPI incidente na e) redução de 100% nas alíquotas de PIS/PASEP e
produção de biodiesel; COFINS para produtor de biodiesel que atenda as
b) instituição do selo “Combustível Social”, concedi- condições dos itens c e d;
do ao produtor de biodiesel que adquirir matéria- f) redução de 67% nas alíquotas de PIS/PASEP e
prima dos agricultores familiares enquadrados no COFINS para produtor de biodiesel que não este-
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricul- ja enquadrado nas situações descritas nos itens
tura Familiar (PRONAF) e comprovar regularidade c, d, e.
perante o Sistema de Cadastramento Unificado Dessa forma, o benefício para cada litro de biodie-
de Fornecedores (SICAF); sel produzido para as situações descritas nos itens c,
c) redução de 77,5% nas alíquotas de PIS/PASEP e d, e e f é de R$ 0,522, R$ 0,603, R$ 0,673 e R$ 0,451,
COFINS para produtor de biodiesel que utilize pal- respectivamente. Esses benefícios estão descritos
ma ou mamona das regiões Norte, Nordeste e nas Tabelas 1, 2 e 3.
Semi-árido; Os benefícios tributários concedidos dirigem-se
d) redução de 89,6% nas alíquotas de PIS/PASEP e apenas à produção de oleaginosas, prioritariamente
COFINS para produtor de biodiesel que esteja en- mamona e dendê (palma), adquiridas da agricultura
quadrado no PRONAF; familiar ou localizadas no Norte, Nordeste e Semi-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 79-88, jun. 2006 83


APROPRIA«√O DOS RECURSOS NATURAIS E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODU«√O E USO DO BIODIESEL

Tabela 1
Alíquota base do PIS/PASEP e reduções aplicáveis à produção de biodiesel

NOTAS: i - Alíquota de contribuição de PIS/COFINS definidas na MP nº 227/2004, convertida na Lei nº 11.116/2005; ii - Coeficiente de redução definido
no Decreto nº 5.297/2004.

Tabela 2
Alíquota base do COFINS e reduções aplicáveis à produção de biodiesel

NOTAS: i - Alíquota de contribuição de PIS/COFINS definidas na MP nº 227/2004, convertida na Lei nº 11.116/2005; ii - Coeficiente de redução definido
no Decreto nº 5.297/2004.

Tabela 3
Benefício fiscal por litro de biodiesel produzido de acordo com matéria-prima e região produtora

árido do Brasil. Por outro lado, os benefícios faculta- por exemplo, o aumento da incidência de doenças
dos a outras matérias-primas que proporcionem be- respiratórias, principalmente em crianças e idosos
nefícios ambientais, a exemplo dos óleos e gorduras (MARTINS et al., 2002).
residuais (OGR) e outras oleaginosas produzidas Além desses pontos, o PNPB não democratiza o
nas demais regiões do país, são comparativamente acesso à produção do biodiesel ao instituir o limite
menores. Também não são concedidos incentivos à mínimo de R$ 500 mil para o capital social integraliza-
utilização do biodiesel em um percentual superior ao do de produtores desse combustível (BRASIL, 2005c),
definido na lei, bem como não é estimulado o consu- dado que existem plantas comerciais com investimen-
mo desse combustível nas regiões metropolitanas, to inicial inferior a esse valor. Para superar esse garga-
onde existe uma maior concentração de poluentes lo, os pequenos produtores poderiam se organizar por
atmosféricos. Observa-se também que a população meio de entidades associativistas ou cooperativistas.
nos grandes centros urbanos do Brasil enfrenta pro- Outrossim, não são concedidos incentivos para essa
blemas agudos e crônicos de saúde pública, como, forma de organização da produção.

84 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 79-88, jun. 2006


CEZAR MENEZES ALMEIDA, MÔNICA DE MOURA PIRES, JOSÉ ADOLFO DE ALMEIDA NETO, ROSENIRA SERPA DA CRUZ

CONCLUSÃO nológica (Technology Assessment - TA). Uma maté-


ria-prima com performance socioambiental claramen-
As bases legal e técnica que norteiam as medi- te favorável e que deve ser considerada para possível
das de inserção do biodiesel na matriz energética inclusão como beneficiária no PNPB são os óleos e
nacional indicam que o programa não priorizou na gorduras residuais (OGR), como o sebo de bovinos
prática os aspectos ambientais, mesmo se tratando ou os óleos residuais de fritura. (ALMEIDA NETO et
de um programa interministerial com a participação, al., 2000; DUTRA; ALMEIDA NETO, 2003).
inclusive, do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O OGR como resíduo do processo de fritura de
O PNPB não discutiu questões centrais que en- alimentos é geralmente descartado ou utilizado em
volvem o padrão de produção e de consumo de com- casos pontuais para a fabricação de sabão e ração
bustível no país, aspecto central em qualquer pro- animal. Nesse sentido, é possível torná-lo uma fonte,
grama que pretenda atacar a raiz dos problemas so- propiciando benefícios ambientais evidentes da sua
cioambientais associados à produção e uso de utilização na produção de combustível, ao invés de
combustíveis. descartá-lo no meio ambiente. O resultado do pro-
O programa não propôs medidas de racionaliza- cesso de fritura possui também benefícios econômi-
ção ambiental e de gestão dos recursos fósseis, re- cos adicionais, uma vez que se atribui valor a um pro-
novação da frota de veículos, discussão do modelo duto que atualmente é descartado em sua maioria,
de transporte, dentre outros tópicos, restringindo-se tendo, quando comercializado, baixo valor comercial
a reproduzir o atual modelo energético, ancorado no (ALMEIDA NETO et al., 2000).
petróleo. Um outro ponto que pode ser inserido no PNPB é
Com base nessas premissas, o PNPB pode ser o incentivo ao consumo de biodiesel em percentual
alinhado aos fundamentos da economia ambiental, superior ao estabelecido em lei em casos onde haja
em que a valoração ambiental é determinada pelo va- interesse na redução de emissões de gases. Isso
lor de uso e escassez dos recursos naturais. pode ser observado em grandes centros urbanos que
Na busca de ampliar os objetivos do PNB em con- sofrem com os males da poluição. Além dos benefíci-
sonância com princípios de sustentabilidade sócio- os ambientais em termos globais que a utilização de
ambiental, sugere-se incluir uma reflexão sobre o pa- biodiesel deverá proporcionar nesses locais, existiri-
drão atual de produção e consumo, quando se discu- am benefícios adicionais, como possíveis ganhos à
te uma mudança de modelo energético baseado em saúde humana com a redução da concentração de
fontes não-renováveis para fontes renováveis. Especi- gases. Além de um benefício para a qualidade de vida
almente relevante para o debate sobre os desdobra- da população, também é provável que ocorra redução
mentos do PNPB é a inclusão da dimensão ambien- dos gastos públicos e privados com saúde, tendo em
tal, dado que os aspectos sociais e econômicos es- vista que poderia haver reduções de casos de doen-
tão, em parte, contemplados no programa. ças, principalmente as relacionadas ao aparelho res-
A agregação de uma discussão ambiental poderá piratório, assim como uma possível redução de afas-
ampliar a abrangência e o padrão de sustentabilidade tamentos de trabalho por conta desses problemas.
do PNPB, resultando em benefício tanto para a popu- Uma adoção do uso descentralizado poderia tam-
lação atual como para as gerações futuras. bém proporcionar uma ampliação do mercado de bio-
Nesse sentido, o programa poderia conceder be- diesel no curto prazo. Em regiões produtoras de ma-
nefícios adicionais a fontes de matéria-prima para téria-prima de biodiesel poder-se-ia estimular a pro-
produção de biodiesel que apresentassem benefícios dução e o consumo local deste combustível. Nota-se
ambientais superiores às demais. Como instrumento que essa medida poderia provocar uma redução dos
para monitorar e avaliar comparativamente as matéri- custos de combustíveis, uma vez que o biodiesel se-
as-primas potenciais sugere-se o emprego de meto- ria produzido e utilizado localmente, diferente do mo-
dologias de análise ambiental adotadas em outros delo atual em que a matéria-prima é transportada
países para tal fim, como a análise do ciclo de vida para a unidade de transformação da oleaginosa em
(Life Cycle Assessment - LCA) e a prospecção tec- óleo, que em seguida é encaminhado para produção

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 79-88, jun. 2006 85


APROPRIA«√O DOS RECURSOS NATURAIS E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODU«√O E USO DO BIODIESEL

de biodiesel e depois para a unidade de distribuição ______. Presidência da República Lei nº 11.116. 2005. Disponí-
vel em: www. presidencia. gov.br. Acesso em: 11 jul. 2005b.
de óleo diesel. Nessa etapa, o biodiesel é misturado
com o óleo diesel e posteriormente enviado de volta ______. Ministério da Fazenda .Secretaria da Receita Federal.
para a região que produziu a matéria-prima do biodie- Instrução Normativa nº 516. 2005. Diário Oficial da União, se-
ção 1, 23 fev. 2005c.
sel onde é reincorporado como energia no sistema
produtivo, principalmente no uso das máquinas agrí- ______. Presidência da República Decreto nº 5.297. 2004. Dis-
colas e no transporte da oleaginosa. ponível em: www. presidencia.gov.br. Acesso em: 11 jul. 2005d.

É importante também que o PNPB contemple ______. Presidência da República Decreto nº 5.298. 2004. Dis-
estudos de impactos ambientais para a implan- ponível em: www. presidencia.gov.br. Acesso em: 11 jul. 2005e.
tação das culturas energéticas, uma vez que o ______. Presidência da República EM n. 44/MME. 2004. Disponí-
aumento da área plantada com as diversas olea- vel em: www. presidencia.gov.br. Acesso em: 17 nov. 2005f.
ginosas pode provocar impactos de elevada mag-
______. Presidência da República Decreto de 02 de julho de
nitude ambiental. O estímulo à produção de de- 2003a. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 17
terminada cultura sem a sua respectiva avaliação nov. 2005g.
ambiental pode provocar sérios danos ao meio
______. Presidência da República Decreto de 23 de dezembro
ambiente, alguns irreversíveis, como a extinção de 2003b. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em:
de espécies. 17 nov. 2005h.
O emprego da avaliação ambiental, LCA, na análi- ______. Presidência da República Medida Provisória nº 214.
se da cadeia de produção de biodiesel pode ser uma 2004. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 17
ferramenta importante no auxílio da tomada de deci- nov. 2005i.
são sobre as matérias-primas que deverão ser priori- BRASIL. Ministério das Minas e Energia – Agência Nacional do
tárias no programa. Essa análise possibilitará visuali- Petróleo. Resolução nº 41. 2004a. Disponível em:
zar quais fontes são as mais recomendadas para a nxt.anp.gov.br/NXT/gateway.dll/leg/resolucoes_anp/2004/de-
zembro/ranp%2041%20-%202004.xml. Acesso em: 17 nov.
produção de biodiesel do ponto de vista energético e
2005j.
ambiental, respondendo a questões (como, por
exemplo, de quanta energia fóssil é necessário para ______. Ministério das Minas e Energia – Agência Nacional do
Petróleo. Resolução nº. 42. 2004. Disponível em: <http://
produzir uma unidade de energia renovável?) e apon- nxt.anp.gov.br. Acesso em: 17 nov. 2005k.
tando as alternativas que mais podem gerar econo-
mia de petróleo. ______. Presidência da República Medida Provisória nº 227.
2004. Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: 17
Concluindo, ressalta-se a importância de incluir nov. 2005l.
no PNPB a dimensão ambiental, direcionando o pro-
______. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Instrução Nor-
grama para o paradigma do desenvolvimento susten-
mativa nº 01. 2005. Disponível em: www.biodiesel.gov.br/docs/
tável, no qual a conservação dos recursos energéti- Minuta1.pdf. Acesso em: 17 nov. 2005m.
cos nacionais além de ser um objetivo estratégico no
______. Ministério das Minas e Energia – Conselho Nacional de
curto prazo, poderá ser decisiva para garantir a quali-
Política Energética. Resolução nº. 03. 2005. Disponível em:
dade de vida das atuais e futuras gerações. www.biodiesel.gov.br. Acesso em: 17 nov. 2005n.

______. Ministério das Minas e Energia. Portaria nº. 483. 2005.


Disponível em: www.biodiesel.gov.br. Acesso em: 17 nov.
REFERÊNCIAS 2005o.

______. Ministério de Ciência e Tecnologia. O Programa Nacio-


ALMEIDA NETO, J. A. et al. Projeto bio-combustível: processa- nal de Produção e Uso de Biodiesel. Brasília, jul. 2005. Disponí-
mento de óleos e gorduras vegetais in natura e residuais em vel em: <www.biodiesel.gov.br>. Acesso em: 11 jul. 2005p.
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NO MEIO RURAL, 2., 2000, Campinas. Proceedings... Campinas: DUTRA, A. C.; ALMEIDA NETO, J. A. Uso da ACV na avaliação
NIPE/UNICAMP, 2000. preliminar das categorias ambientais efeito estufa e chuva ácida
para o diesel e o biodiesel de OGR. In: CONGRESSO INTERNACI-
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.097. 2005a. Dispo- ONAL DE BIODIESEL, 1., 2003, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão
nível em: www. presidencia.gov.br. Acesso em: 11 jul. 2005a. Preto, SP. 1 CD-Rom.

86 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 79-88, jun. 2006


CEZAR MENEZES ALMEIDA, MÔNICA DE MOURA PIRES, JOSÉ ADOLFO DE ALMEIDA NETO, ROSENIRA SERPA DA CRUZ

IBGE. Vocabulário básico de recursos naturais. 2. ed. Rio de MENEZES, T. J. B. Etanol, o combustível do Brasil. São Paulo:
Janeiro: IBGE, 2004. Agronômica Ceres, 1980. 223 p.

MARTINS, L.; et al. Poluição atmosférica e atendimentos por SOUZA-LIMA, J. E. Economia ambiental, ecológica e marxista
pneumonia e gripe em São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pú- versus recursos naturais. Revista FAE. Curitiba, v.7, n.1, p. 119-
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www.scielosp.org.br. Acesso em: 19 nov. 2005.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 79-88, jun. 2006 87


APROPRIA«√O DOS RECURSOS NATURAIS E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODU«√O E USO DO BIODIESEL

88 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 79-88, jun. 2006


Biodiesel: o combustível
para o novo século1
Ednildo Andrade Torres,* Hugo David Chirinos,** Carine Tondo Alves***
Danilo Cardoso Santos,**** Luis Alberto Camelier*****

Resumo Abstract
Biodiesel é um combustível biodegradável derivado de fon- Biodiesel is a biodegradable fuel derivative from renewable
tes renováveis como óleos vegetais e gorduras animais que, sources as vegetal oils and animal fat; that, stimulated by a
estimulados por um catalisador, reagem quimicamente com o catalysts, chemically react with ethylic alcohol or methanol. A
álcool etílico ou o metanol. Desse processo químico resulta um high quality fuel results from this chemical process substituting
combustível de alta qualidade que substitui o óleo diesel fóssil fossil diesel oil with no need to modify the engine. In Bahia, the
sem necessidade de modificação do motor. Na Bahia, as pes- first researches began during the eighties, and more recently,
quisas iniciais datam da década de 1980, e mais recentemente, supported by sponsoring agencies, the projects, both on-going
com o apoio das agências de fomento, os projetos executados and accomplished, have leveraged researches and the
e em execução têm alavancado as pesquisas e o desenvolvi- development of human resources. The process of a pilot plant
mento de recursos humanos. Também é descrito o processo with capacity for 5,000,000 liters per year, in operation at the
de uma planta piloto com capacidade de 5.000.000 litro por Polytechnical School of the Federal University of the Bahia, is
ano, em operação na Escola Politécnica da Universidade Fede- also described.
ral da Bahia.
Key words: alternative energy, biodiesel, transesterification,
Palavras-chave: energia alternativa, biodiesel, transesterifica- pilot plant.
ção, planta piloto.

INTRODUÇÃO esel em motores de ignição por compressão, sen-


do o seu uso testado já em fins do século XIX, pro-
A maior parte de toda a energia consumida no duzindo resultados satisfatórios no próprio motor
mundo provém do petróleo, do carvão e do gás na- diesel.2
tural. Essas fontes são limitadas e com previsão Essa possibilidade de emprego de combustíveis
de esgotamento no futuro, portanto, a busca por de origem agrícola em motores do ciclo diesel é bas-
fontes alternativas de energia é de suma importân- tante atrativa tendo em vista o aspecto ambiental, por
cia. Nesse contexto, os óleos vegetais aparecem serem uma fonte renovável de energia e pelo fato do
como uma alternativa para substituição ao óleo di- seu desenvolvimento permitir a redução da depen-

1
Os autores agradecem aos financiadores dos projetos associados à cadeia *** Aluna de Mestrado PPEQ/DEQ/LEN - Bolsista Fapesb e CNPq - LEN
produtiva do biodiesel: FAPESB/SECTI, FINEP/MCT, CNPq, ANEEL/ Nor- Laboratório de Energia e Gás. carinealves60@hotmail.com
deste Generation, BOM BRASIL, Resort Praia do Forte, Hospital Português e **** Aluno de Mestrado PPEQ/DEQ/LEN - Bolsista Fapesb e CNPq - LEN
o LPQ/LABLESER do Instituto de Química da UFBA. Laboratório de Energia e Gás. dcs02@ig.com.br
* Prof. Dr. Escola Politécnica Coordenador do LEN Laboratório de Energia e ***** Pesquisador do LEN Laboratório de Energia e Gás/Escola Politécnica.
Gás. ednildo@ufba.br lcamelie@ufba.br
** Prof. Dr. Bolsista PRODOC FAPESB. hdccoll@terra.com.br 2
Rodolfo Diesel testou seu invento inicialmente com óleo de amendoim.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 89-95, jun. 2006 89


BIODIESEL: O COMBUSTÕVEL PARA O NOVO S…CULO

dência de importação de petróleo (FERRARI; OLI- Diversos estudos demonstraram que a obtenção
VEIRA; SCABIO, 2005). de ésteres metílicos e etílicos a partir de óleo de
Biodiesel é um combustível biodegradável deriva- colza (canola), girassol, soja, palma (dendê), óleo de
do de fontes renováveis como óleos vegetais e gordu- fritura e mamona é ecologicamente recomendável,
ras animais que, estimulados por um catalisador, re- sobretudo porque apresentam menor combustão in-
agem quimicamente com o álcool etílico ou o meta- completa do que os hidrocarbonetos e menor emis-
nol. Desse processo químico resulta um combustível são de monóxido de carbono, materiais particulados,
de alta qualidade que substitui o óleo diesel fóssil óxidos de enxofre, óxidos de nitrogênio e fuligem.
sem necessidade de modificação do motor. (KALAN; MUSJUKI, 2003; DORADO et al., 2003;
O biodiesel pode ser feito com qualquer óleo ve- CARRARETO et al., 2004; SILVA; PRATA; TEIXEI-
getal novo ou usado e até com RA, 2003; PINTO et al. 2005)
resíduos ou borras. Por isso é Biodiesel é um combustível Atualmente, existe um cres-
um combustível renovável, tam- biodegradável derivado de cente interesse por fontes alter-
bém conhecido como petróleo fontes renováveis como nativas de energia, principalmen-
verde. É comum que empresas óleos vegetais e gorduras te por aquelas que contribuam
que utilizem óleo vegetal em animais que, estimulados em mitigar as emissões de CO2,
grande quantidade, como as in- por um catalisador, reagem característica das fontes tradici-
dústrias de salgadinhos e as re- quimicamente com o álcool onais de energia fóssil. Para
des de fast food, doem o óleo etílico ou o metanol. Desse isso, o uso de biocombustíveis
usado para empresas fabrican- processo químico resulta um como álcool, biodiesel, lenha,
tes de biodiesel. combustível de alta resíduos são vistos como alter-
No Rio de Janeiro, a Rede qualidade que substitui o nativas viáveis.
MacDonalds tem doado seus re- óleo diesel fóssil sem
síduos para a UFRJ produzir bio- necessidade de modificação
diesel. Em Salvador, foram iden- do motor O BIODIESEL DA MAMONA
tificados cerca de 250 estabele-
cimentos que podem fornecer o óleo de fritura para A mamona (Ricinus communis L.) é uma das cul-
ser processado na Planta Piloto de Biodiesel da turas eleitas pelos programas federal e estadual para
UFBA/Escola Politécnica/LEN como baianas de fornecer matéria-prima para a produção do biodiesel,
acarajé, restaurantes, hotéis e hospitais, o Resort um biocombustível renovável e menos poluente que o
Praia do Forte e o Hospital Português são exemplos seu concorrente fóssil, o diesel (AMORIM, 2005).
dessa parceria. Assim, além de descartarem o óleo A mamoneira é importante devido à sua tolerância
usado a custo zero, ajudam no combate à poluição à seca, tornando-se uma cultura viável para a região
ambiental deixando de jogar os resíduos no esgoto. semi-árida do Brasil, onde há poucas alternativas
O Brasil consome cerca de 40 milhões de t/ano de agrícolas. No entanto, seu cultivo não é exclusivo do
óleo diesel3 e com a ampliação desse mercado a eco- semi-árido, sendo também plantada com excelentes
nomia de petróleo importado seria expressiva, poden- resultados em diversas regiões do país.
do inclusive minimizar o déficit de nossa balança de O Brasil é atualmente o terceiro país produtor de
pagamentos. Além disso, o processo de transesterifi- mamona e tem potencial para aumentar rapidamente
cação resulta como subproduto a glicerina, sendo seu sua participação nesse mercado, pois dispõe de áre-
aproveitamento outro aspecto importante na viabiliza- as aptas, tecnologia e experiência no cultivo, que já
ção do processo de produção do biodiesel, fazendo teve grande importância para a economia nacional
com que ele se torne competitivo no mercado de com- (EMBRAPA, 2006).
bustíveis (FERRARI, OLIVEIRA, SCABIO, 2005). As áreas de plantio de mamona no Brasil estão
sendo ampliadas de forma rápida para atender à de-
3
Consumo de óleo diesel para o ano de 2006, segundo a ANP manda por biodiesel, um mercado em expansão em
(www.anp.gov.br). todo o mundo e que tem potencial para trazer impor-

90 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 89-95, jun. 2006


EDNILDO ANDRADE TORRES etal.

tantes benefícios para o país: geração de renda no os 800 milhões de litros de biodiesel necessários
meio rural, redução da emissão de gás carbônico para a mistura determinada pela lei. Esta situação
causador do Efeito Estufa, diminuição da poluição do cria um nicho de mercado para os pioneiros na produ-
ar nas cidades e fortalecimento da economia nacio- ção do biodiesel.
nal (EMBRAPA, 2006). O Brasil tem posição de destaque no cenário in-
Conforme dados da Companhia Nacional de ternacional de biocombustíveis devido ao seu poten-
Abastecimento – CONAB, a produção de mamona cial de produção e também ao sucesso alcançado
na safra 2004/05 cresceu 50,7%, chegando a 161,7 com o PROÁLCOOL, implantado em 1970, que entre
mil toneladas. No Nordeste, o aumento foi de 47,5%, acertos e erros, atingiu e superou suas metas.
atingindo 154,1 mil toneladas. O programa do gover- Além disso, o país está cotado para ser o líder
no já envolve 100 mil famílias assentadas e a meta é mundial na produção do biodiesel, como é hoje o
atrair mais 200 mil famílias até 2008, com plantio de maior produtor mundial de álcool combustível. Seu
400 mil hectares (CONAB, 2005). clima e sua vocação agrícola o credenciam a ser o
grande fornecedor mundial do petróleo verde. As re-
servas de petróleo conhecidas deverão diminuir signi-
O biodiesel no Brasil ficativamente em no máximo 50 anos. Por esse moti-
vo, paises como o Brasil terão grande importância
Comparado ao óleo diesel derivado de petróleo, o estratégica para o mundo. Instituições renomadas
biodiesel pode reduzir em 78% as emissões de gás como o NBB (National Biodiesel Board)5 afirmam que
carbônico, considerando-se a reabsorção pelas plan- o Brasil poderá suprir 60% da demanda mundial de
tas. Além disso, reduz em 90% as emissões de fu- biodiesel para substituição do óleo diesel.
maça e praticamente elimina as emissões de óxido Na Figura 1 encontra-se descrito o processo ge-
de enxofre. É importante frisar que o biodiesel pode nérico do processamento de biodiesel.
ser usado em qualquer motor de ciclo diesel, com
pouca ou nenhuma necessidade de adaptação (TOR- Figura 1
RES; et al, 2006). Fluxograma genérico da produção de
Apesar de ter requerido a primeira patente mundi- Biodiesel
al para o biodiesel em 1970, o Brasil está ainda muito
atrasado em relação a outros paises.
A lei 11.097, de 13 de janeiro de 2005, além de dar
incentivo às empresas produtoras de biodiesel tornou
obrigatória a adição de 2% de biodiesel no óleo diesel
vendido no país de 2008 até 2013, quando o percen-
tual será aumentado para 5%, o que exigirá a produ-
ção interna de mais de 2 bilhões de litros de biodiesel
por ano4. Se a produção interna de oleaginosas au-
mentar, poderemos alcançar os 20% de mistura utili-
zados em diversos paises.
Com a adição de apenas 2% ao diesel, o país irá
deixar de importar cerca 840 milhões de litros de óleo
diesel por ano. Este programa poderá ser comparado
ao PROÁLCOOL e transformar o Brasil num grande
produtor e exportador de biocombustíveis. Entretan-
to, como a produção atual é mínima, serão necessá-
rios alguns anos para que a Petrobras possa receber

4 5
www.biodiesel.gov.br www.nbb.org

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 89-95, jun. 2006 91


BIODIESEL: O COMBUSTÕVEL PARA O NOVO S…CULO

Reação de transesterificação da de 1980 vários testes foram realizados na Esco-


la Politécnica, inicialmente, com óleos vegetais in
Segundo Parente (2003), a reação de transeste-
natura e, posteriormente, com o biodiesel (TOR-
rificação é a etapa da conversão, propriamente dita,
RES, 2000).
do óleo ou gordura em ésteres metílicos ou etílicos
No ano de 2002, atendendo ao Edital da FA-
de ácidos graxos, que constitui o biodiesel. A rea-
PESB, a Universidade Federal da Bahia/Escola Poli-
ção pode ser representada pela seguinte equação
técnica e a Universidade Estadual de Santa Cruz tive-
química:
ram um projeto aprovado e com ele foi criada a Rede
de Biodiesel da Bahia e a Secretária de Ciência, Tec-
nologia e Inovação – SECTI que oficializou, em 26 de
Óleo ou Gordura + Metanol → Ésteres Metílicos
janeiro de 2004, o ENAM – Instituto de Energia e
+ Glicerol (1)
Ambiente, composto de uma Rede virtual de entida-
ou
des e pesquisadores, que visa promover a integração
Óleo ou Gordura + Etanol → Ésteres Etílicos +
e ampliação da capacidade instalada de pesquisa
Glicerol (2)
em energia e ambiente no Estado da Bahia, de ma-
neira a atender às principais demandas do setor pro-
A equação (1) representa a reação de conversão, dutivo às questões energéticas e ambientais nele
quando se utiliza o metanol (álcool metílico) como envolvidas, atuando na cadeia produtiva do petróleo,
agente de transesterificação obtendo-se, portanto, gás (com ênfase em campos maduros) e sistemas
como produtos os ésteres metílicos, que constituem energéticos, especialmente para biocombustíveis e
o biodiesel, e o glicerol (glicerina). energias renováveis. Posteriormente, a SECTI am-
A equação (2) envolve o uso do etanol (álcool etíli- pliou e lançou a Rede Baiana de Biocombustíveis,
co) como agente de transesterificação, resultando em 20 de abril de 2004, no auditório da Federação
como produtos o biodiesel, ora representado por és- das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB). A rede é
teres etílicos, e a glicerina. formada por diversas instituições que possuem ade-
Ressalta-se que, sob o ponto de vista objetivo, as rência com o tema Biodiesel e que interagem entre si
reações químicas são equivalentes, uma vez que os a fim de apoiar as ações do Programa de Biodiesel
ésteres metílicos e os ésteres etílicos têm proprieda- da Bahia – PROBIODIESEL BAHIA, discutindo e ela-
des equivalentes como combustível, sendo ambos borando projetos com temas relacionados à Cadeia
considerados biodiesel. Produtiva do Biodiesel. Posteriormente, com apoio
As duas reações acontecem na presença de da SECTI, é oficializado em 26 de janeiro de 2004, o
um catalisador, que pode ser tanto o hidróxido de ENAM – Instituto de Energia e Ambiente, composto
sódio (NaOH) quanto o hidróxido de potássio de uma Rede virtual de entidade e pesquisadores,
(KOH), usados em diminutas proporções; devido que visa promover a integração e ampliação da capa-
ao baixo custo, o hidróxido de sódio é o mais utili- cidade instalada de pesquisa em energia e ambiente
zado. A diferença entre eles, com respeito aos re- no Estado da Bahia, de maneira a atender às princi-
sultados na reação, é muito pequena. No Brasil, o pais demandas do setor produtivo e às questões
hidróxido de sódio é muito mais barato que o hidró- energéticas e ambientais nele envolvidas, atuando na
xido de potássio. Pesando as vantagens e desvan- cadeia produtiva do petróleo, gás com ênfase em
tagens é muito difícil decidir, genericamente, o ca- campos maduros e sistemas energéticos, especial-
talisador mais recomendado. mente para biocombustíveis e energias renováveis.

Antecedentes do biodiesel na Bahia A planta piloto de biodiesel

Além do que foi desenvolvido no Centro de Pes- A Universidade Federal da Bahia (UFBA), através
quisa e Desenvolvimento – CEPED, ainda na déca- de grupos de pesquisa localizados no Instituto de

92 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 89-95, jun. 2006


EDNILDO ANDRADE TORRES etal.

Química e na Escola Politécnica, atuando na cadeia Também foi montado um Laboratório de Emis-
produtiva do biodiesel, apresenta em seu conjunto sões Veiculares, com o apoio da FINEP/FAPESB,
experiência prévia consolidada na preparação de bio- que dará o suporte necessário para os testes com
diesel através de reações de transesterificação em os motores. O Laboratório deverá: avaliar o desem-
escala de bancada e de planta piloto;na análise de penho do biodiesel puro e em misturas de diferen-
espécies químicas orgânicas e inorgânicas nas fa- tes proporções em motores ciclo diesel em banca-
ses líquida, gasosa e aerossol;em síntese orgânica, da dinamométrica; determinar as curvas de potên-
no estudo de reações químicas em fase gasosa e na cia versus consumo de combustível, de torque e de
caracterização de emissões veiculares. Dessa for- consumo específico; comparar os níveis de emis-
ma, a Universidade contribuirá no scale up das novas sões atmosféricas para os poluentes regulamenta-
rotas desenvolvidas para: a preparação de biodiesel, dos (CO, CO2, NOx e HC) e particulados com os do
os testes dos combustíveis e misturas em motores diesel convencional; realizar testes de emissões
estacionários e veiculares, a avaliação dos desgas- não regulamentadas – aldeídos, polícíclicos aro-
tes de motores e seus componentes, o estudo de re- máticos, combustíveis de referência (diesel); reali-
ações fotoquímicas envolvendo gases de emissões zar testes de campo de longa duração em motores
veiculares, as análises e especificações de matérias- de frota cativa; monitorar o desempenho, o consu-
primas, combustíveis misturas e co-produtos, atuan-
mo, a manutenção e o desgaste das peças do mo-
do na busca de novas aplicações para a glicerina.
tor; efetuar estudo financeiro e econômico da pro-
A Planta Piloto foi financiada pela ANEEL – Agen-
dução de biodiesel e do seu ciclo de vida; desen-
cia Nacional de Energia Elétrica, com o apoio da Nor-
volver estudos sobre biodegradabilidade e biorre-
deste Generation. Foi aprovada e visa projetar, di-
mediação do biodiesel em ambientes aquáticos e
mensionar, operar uma planta otimizada, em escala
em solo;estudar métodos de purificação do biodie-
piloto, para produção de biodiesel a partir de gorduras
sel em escala piloto, a produção em planta contí-
residuais (OGR) e/ou óleos vegetais in natura, parti-
nua de éteres metílicos e etílicos de ácidos gra-
cularmente óleo de dendê, mamona, pinhão manso,
xos, a glicerina e a torta para geração de energia
soja, algodão, girassol etc., com capacidade de até
térmica ou elétrica, dentre outras atividades envol-
5.000.000 litro por ano, podendo ser ampliada.
vendo a cadeia produtiva do biodiesel.

Figura 2 Processamento do biodiesel


Vista Parcial da Planta Piloto de Biodiesel – As principais etapas do processamento da planta
UFBA (cap. 5.000.000 litro/ano) piloto de biodiesel são relacionadas a seguir.
Tratamento da matéria-prima (mamona, OGR,
soja e etc): O processo inicia-se com a recepção da
matéria-prima, que é estocada no tanque e bombea-
da, passando por uma peneira ou filtro (F) para a eli-
minação dos materiais em suspensão de maior gra-
nulometria.
A seguir, é conduzida para o decantador (DC),
onde são separados os finos em suspensão que
não possam ser retidos na peneira. Essa etapa é
fundamental para a eliminação de insaponificáveis.
Em seguida é realizado o controle (C) da matéria-
prima para determinação de acidez e, logo depois, o
bombeamento para o tanque (TCA) para correção de
acidez. Após o controle da acidez, o óleo neutraliza-
do é bombeado para o tanque de estocagem de

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 89-95, jun. 2006 93


BIODIESEL: O COMBUSTÕVEL PARA O NOVO S…CULO

matéria-prima (MP), onde aguarda o início da tran- Deve-se salientar a criação do Centro Interdiscipli-
sesterificação. nar de Energia e Ambiente – envolvendo as compe-
Tratamento do álcool: O álcool recebido, guar- tências do Instituto de Química, Instituto de Geociên-
dando as condições de segurança exigidas, também cias, Instituto de Física e a Escola Politécnica – e o
é estocado num tanque (E-álcool), passa pelo con- lançamento do curso de doutorado, que potenci-
trole de umidade (C) e segue para a secagem, onde é alizou as ações e os recursos financeiros e materiais
desidratado. Depois, segue para o tanque de maté- para as questões associadas aos biocombustíveis.
ria-prima reacional (MP- álcool). O Governo do Estado da Bahia, através da Secre-
Preparo e dosagem da solução alcalina: O taria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), vem
álcool é transferido quantitativamente para um mistu- envidando esforços fundamentais para a consolida-
rador (TMA) onde também é adicionado o KOH, para ção da cadeia produtiva do Biodiesel, com apoio fi-
formar o alcoolato. A mistura reacional é analisada nanceiro operado pela FAPESB – Fundação de Apoio
quanto ao conteúdo de água (C) e pode entrar nova- á Pesquisa do Estado da Bahia. O Ministério de Ci-
mente na secagem, sempre que o teor de água pro- ência e Tecnologia, através da FINEP – Financiamen-
to de Estudos e Projetos, e o CNPq – Conselho Naci-
duzido na reação for alto. A solução de alcoolato, ho-
onal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico fi-
mogeneizada e seca, é dosada e novamente transfe-
nanciam os projetos para o desenvolvimento científi-
rida para o reator.
co e tecnológico e as bolsas para a formação de re-
Transesterificação: A matéria-prima e o alcoola-
cursos humanos qualificados. Ressaltamos também
to–MP são dosados e bombeados para o reator onde
a criação da Rede Baiana de Biodiesel e do Instituto
é processada a reação de produção do Biodiesel.
de Energia e Ambiente, atores importantes dentro do
Deve ser feito um controle (C) para verificar o avanço
elo produtivo.
da reação e a qualidade do produto final.
Separação dos produtos: Após verificação do
fim da reação, a mistura reacional é transferida para o REFERÊNCIAS
decantador/deparador. Após a separação das fases,
são produzidos biodiesel e glicerina.
AMORIM, P. Q. R. Perspectiva histórica da cadeia da mamona e
Produto final específico: O biodiesel, fração a introdução da produção de biodiesel no semi-árido brasilei-
superior da fase anterior, é então transferido para o ro sob o enfoque da teoria dos custos de transação. Piracicaba:
reservatório de estocagem. Pode ser transferido USP, 2005.

para um caminhão e comercializado ou utilizado BOIODIESEL- ETANOL. Disponível em: www.admworld.com/


nos motores de testes do Laboratório de Energia e lapo/fuels/petroleum.asp.Acesso em: 15 maio 2006.
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nos para o setor. www.cnda.org.br. Acesso em: 16 maio 2006.

Atualmente, são mais de 50 pessoas da UFBA COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Disponível em:
envolvidas no projeto, relacionando professores pes- www.conab.gov.br. Aceso em: 16 maio 2006.
quisadores, técnicos e alunos de graduação, mestra- DORADO M. P. et al. Exhaust emissions from a diesel engine
do e doutorado. fueled with transesterified waste olive oil. Fuel, n. 82, 2003.

94 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 89-95, jun. 2006


EDNILDO ANDRADE TORRES etal.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 89-95, jun. 2006 95


BIODIESEL: O COMBUSTÕVEL PARA O NOVO S…CULO

96 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 89-95, jun. 2006


Biodiesel: uma nova realidade
energética no Brasil
Rosenira Serpa da Cruz,* Mônica de Moura Pires,** José Adolfo de Almeida Neto,***
Jaênes Miranda Alves,**** Sabine Robra,***** Geovânia Silva de Souza,******
Cézar Menezes Almeida,******* Sérgio Macedo Soares,******** Geórgia Silva Xavier,*********

Resumo Abstract

Os aumentos do preço do petróleo e as preocupações ambien- The increase in the price of oil and environmental concerns
tais renovaram o interesse de países na utilização de combustíveis have renewed the countries’ interest in the use of alternatives
alternativos como o biodiesel, substituto natural do diesel, produzi- fuels such as biodiesel, a natural substitute for diesel, produced
do a partir de óleos vegetais e gorduras animais. O Brasil, com sua from vegetable oils and animal fat. Brazil, with its territorial
extensão territorial e diversidade edafoclimática, apresenta um extension and edaphoclimatic diversity, has a big production
grande potencial para a produção desse biocombustível. O Progra- potential for this biofuel. The National Program of Biodiesel Use
ma Nacional de Produção e Uso do Biodiesel estabeleceu medidas and Production established procedures for its production in all
para a sua produção em todo o território nacional, priorizando o uso national territory, prioritizing the use of castor and palm seeds
da mamona e do dendê produzidos sob condições de agricultura produced under family agricultural conditions, especially in the
familiar e, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país, North and Northeast, as a job and income generator. In Bahia,
como geradora de emprego e renda. Na Bahia, a mamona e o den- castor and palm seeds have a big biodiesel production potential
dê apresentam grande potencial para a produção de biodiesel na in both semiarid and costal regions, given their capacity to adapt
região do semi-árido e na região costeira, respectivamente, dada a to the climate and soils conditions.
adaptabilidade dessas culturas a essas regiões.
Key words: biofuel, energetic matrix, economic feasibility,
Palavras-chave: biocombustível, matriz energética, viabilidade regulatory mark.
econômica, marco regulatório.

BIODIESEL: conceituação Paris, em 1900 (ALTIN et al., 2001). Historicamente,


porém, o uso de óleos vegetais in natura como com-
Um dos primeiros registros da utilização de óleos bustível foi rapidamente superado pelo uso de óleo
vegetais em motores a combustão foi quando o pró- diesel derivado de petróleo, tanto por fatores econô-
prio criador do motor, Rudolf Diesel, utilizou óleo de micos quanto técnicos. Contudo, os sucessivos au-
amendoim para uma demonstração na Exposição de mentos do preço do petróleo e as crescentes preocu-

* Professora Adjunta, Doutora em Química, Universidade Estadual de ****** Estudante de graduação do Curso de Ciências Econômicas, Universidade
Santa Cruz. roserpa@uesc.br. Estadual de Santa Cruz, bolsista PIBIC/CNPq. gsilvadsousa@yahoo.com.br.
**Professora Adjunta, Doutora em Economia Rural, Universidade Estadu- ******* Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Universida-
al de Santa Cruz. mpires@uesc.br. de Estadual de Santa Cruz, bolsista FAPESB. cezaralmieda@terra.com.br.
*** Professor Assistente, Mestre em Engenharia Agrícola, Universidade ******** Estudante de graduação do Curso de Licenciatura em Química,
Estadual de Santa Cruz. jalmeida@uesc.br. Universidade Estadual de Santa Cruz, bolsista PIBIC/CNPq.
**** Professor Adjunto, Doutor em Economia Aplicada, Universidade Es- serginhomac1@hotmail.com.
tadual de Santa Cruz. jaenes@uesc.br. ********* Estudante de graduação do Curso de Licenciatura em Química,
***** Mestranda em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Univer- Universidade Estadual de Santa Cruz, bolsista UESC.
sidade Estadual de Santa Cruz, bolsista CAPES. srobra@web.de. geosx@hotmail.com

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006 97


BIODIESEL: UMA NOVA REALIDADE ENERG…TICA NO BRASIL

pações ambientais renovaram o interesse de muitos Tabela 1


países na utilização de combustíveis alternativos. Oleaginosas disponíveis por região do território
A utilização direta de óleos vegetais pode causar nacional para a produção de biodiesel
danos aos motores ciclo diesel, especialmente pela
ocorrência de excessivos depósitos de carbono; obs-
trução nos filtros de óleo, linhas e bicos injetores; dilui-
ção parcial do combustível no lubrificante e compro-
metimento da durabilidade do motor (MA e HANNA,
1999). No entanto, por meio de uma reação de tran-
sesterificação esses problemas podem ser superados
obtendo-se, assim, além do biodiesel, a glicerina. Fonte: Adaptado de Kucek (2004).
O biodiesel é um biocombustível derivado mono-
alquil éster de ácidos graxos de cadeia longa, prove- O uso dessas fontes de matéria-prima para produ-
nientes de fontes renováveis (ABREU et al., 2004), ção de biodiesel deverá, portanto, considerar alguns
possuindo propriedades físico-químicas similares ao aspectos específicos, destacando-se entre eles: o
óleo diesel de petróleo. Pelas suas características é monitoramento de toda a cadeia de produção do bio-
um substituto natural ao diesel, podendo ser produzi- combustível (cultivo, processamento, uso/conversão
do a partir de óleos vegetais, gorduras animais e óle- e destinação dos resíduos) e os limites da capacida-
os utilizados em frituras de alimentos. de de regeneração dos recursos naturais (solo, água
Embora alguns autores definam biodiesel como etc.), de tal modo que a taxa de utilização não supere
um tipo de biocombustível, outros adotam de forma a de renovação e possíveis conflitos e concorrências
genérica o termo biodiesel a qualquer tipo de biocom- no uso dessas matérias-primas e recursos naturais
bustível que possa substituir o diesel em uma matriz utilizados na produção do biocombustível, como, por
energética. Assim, óleos vegetais in natura, puros ou exemplo, a produção de alimentos versus produção
em misturas e bioóleos – produzidos pela conversão de energia.
catalítica de óleos vegetais (pirólise) e microemul- Assim, o tipo de óleo vegetal a ser utilizado como
sões, que envolvem a injeção simultânea de dois ou matéria-prima para o biodiesel dependerá da sua via-
mais combustíveis, geralmente imiscíveis, na câma- bilidade técnica, econômica e sócioambiental. Sob o
ra de combustão de motores do ciclo diesel – são ponto de vista agronômico, aspectos como o teor em
denominados de biodiesel (RAMOS et al., 2003). óleos vegetais (Tabela 2), a produtividade por unidade
Neste artigo, define-se biodiesel como o produto de área, o equilíbrio agronômico, o atendimento a di-
originado da transesterificação de óleos vegetais ferentes sistemas produtivos, a sazonalidade e de-
em conformidade com os parâmetros determinados mais aspectos relacionados ao ciclo de vida da plan-
na Resolução nº 42/2004 da Agência Nacional de ta, tornam-se relevantes.
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que esta-
belece as especificações do produto para o merca-
do doméstico. Tabela 2
Rendimento anual em óleos vegetais brutos de
algumas culturas oleaginosas
Fontes de matéria-prima

Com sua extensão territorial e diversidade edafocli-


mática, o Brasil apresenta um grande potencial para a
produção de diferentes espécies oleaginosas (Tabela
1). Assim, o biodiesel pode ser produzido a partir do
dendê, babaçu, milho, girassol, soja, canola, colza,
amendoim, mamona, óleos utilizados em fritura, etc. Fonte: Adaptado de Lopes (1982).

98 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006


ROSENIRA SERPA DA CRUZ et al.

Sob o ponto de vista econômico e ambiental, torna- Aspectos tecnológicos


se relevante analisar a relação entre a energia gasta
na produção de um combustível (Input) e a energia A transesterificação de óleos vegetais ou gordu-
obtida na sua combustão (Output). Conforme Almeida ras animais (Figura 1) pode ser conduzida por uma
et al. (2004) verificaram, o balanço energético (O-I) é variedade de rotas tecnológicas, dependendo, prin-
positivo, no caso da mamona, tanto cipalmente, do tipo de catalisador
para a rota etílica como metílica em Sob o ponto de vista utilizado.
todas as alternativas de alocação econômico e ambiental, O rendimento em ésteres (biodi-
dos co-produtos (ração e adubo). torna-se relevante esel) pode ser influenciado por uma
Quanto ao aspecto tecnológi- analisar a relação entre a série de fatores que podem atuar
co, as características inerentes à energia gasta na isoladamente ou em conjunto,
matéria-prima empregada deverão produção de um como: a pureza dos reagentes, o
possibilitar a sua viabilidade produ- combustível (Input) e a tipo e concentração do catalisador,
tiva e, para tanto, se devem consi- energia obtida na sua a razão molar álcool: óleo e a tem-
derar alguns aspectos como: me- combustão (Output). peratura da reação (MA e HANNA,
nor complexidade no processo de Conforme Almeida et al. 1999). Conversões totais são im-
extração do óleo, número reduzido (2004) verificaram, o praticáveis em uma única etapa de
de etapas de tratamento e de com- balanço energético (O-I) reação, pois além de reversíveis,
ponentes indesejáveis no óleo é positivo, no caso da tem-se a ocorrência de reações se-
(como fosfolipídeos, presentes no mamona, tanto para a rota cundárias como a saponificação;
óleo de soja), adequado teor de etílica como metílica em por isso a maioria dos processos
ácidos graxos poli-insaturados e todas as alternativas de de produção ocorre em duas eta-
de ácidos graxos saturados e alocação dos co- pas seqüenciais que garantem ta-
aproveitamento dos co-produtos produtos (ração e adubo) xas de conversão maiores que
gerados (hormônios vegetais, vita- 98%. Convém salientar que para a
minas, anti-oxidantes, proteínas e fibras). obtenção de um biodiesel que atenda às especifica-
Assim, o biodiesel constitui-se em uma alternati- ções de qualidade são necessárias etapas de purifi-
va para geração de energia limpa, que além do apelo cação para eliminação de sabões, triglicerídeos não
ambiental, a produção desse combustível, a partir de reagidos, catalisador residual e glicerina livre.
diversas oleaginosas, implica na necessidade de ex- Em nível mundial, a produção de biodiesel utili-
pansão da produção agrícola das potenciais culturas za o metanol como agente de transesterificação e
para atender a esse novo merca-
do. Como resposta a essa maior Figura 1
demanda por oleaginosas, es- Equação geral para uma reação de transesterificação
pera-se um aumento no nível de C H 2O CO R C H 2O H
C a ta lis a d o r
emprego e uma realocação na H CO CO R 3 R' OH 3 R' O CO R HC OH

distribuição de renda, principal- C H 2O CO R CH2OH


( B I O D IE S E L )
mente em regiões mais caren- T R IG L IC E R ÍD E O S Á LC O O L ÉSTER ES G L IC E R O L

tes do Norte e Nordeste do país.


Partindo-se dessa premissa inicial, o governo federal, catálise homogênea em meio alcalino (hidróxido de
através do Programa Nacional de Produção e Uso do potássio ou de sódio). Embora essa tecnologia
Biodiesel, lançado em dezembro de 2004, estabele- prevaleça como a opção mais imediata e economi-
ceu as medidas de política para a sua produção em camente viável, a opção pela produção de biodiesel
todo o território nacional, priorizando algumas matéri- utilizando o etanol deve ser considerada como es-
as-primas, principalmente a mamona e o dendê pro- tratégica e de alta prioridade para o país por diver-
duzidos sob condições de agricultura familiar, espe- sas razões, que vão desde implicações ambien-
cialmente nas regiões Norte e Nordeste do país. tais, econômicas e políticas até implicações soci-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006 99


BIODIESEL: UMA NOVA REALIDADE ENERG…TICA NO BRASIL

ais (PAZ, 2003), além do domínio tecnológico na Marco regulatório


produção do etanol.
Quimicamente, o biodiesel possui característi- A utilização comercial do biodiesel no Brasil está
cas apropriadas de uso, especialmente pela au- amparada no marco regulatório lançado em 6 de de-
sência de enxofre e compostos aromáticos, melhor zembro de 2004 pelo Governo Federal, por meio da
qualidade de ignição, ponto de Medida Provisória 214, convertida
combustão apropriado, não tóxico Assim, o biodiesel na Lei 11.097/2005 em 13 de janei-
e biodegradável. Ademais, quando constitui-se em uma ro de 2005. Conforme definido nes-
comparado ao diesel ele é menos alternativa para geração se marco, autorizou-se a mistura
poluente, reduzindo sensivelmen- de energia limpa, que de 2% de biodiesel ao diesel (B-2),
te as emissões de materiais parti- além do apelo ambiental, desde janeiro de 2005, tornando-a
culados, óxidos de carbono, óxi- a produção desse obrigatória em 2008, quando será
dos de enxofre e hidrocarbonetos combustível, a partir de autorizado o uso de 5% (B-5).
policíclicos aromáticos. diversas oleaginosas, O marco regulatório é constituí-
implica na necessidade do por atos legais, em que se defi-
de expansão da nem os percentuais de mistura do
PROGRAMA NACIONAL DE produção agrícola das biodiesel ao diesel, a forma de utili-
PRODUÇÃO E USO DO potenciais culturas para zação do combustível e o regime
BIODIESEL – PNPB atender a esse novo tributário. Quanto à regulação e fis-
mercado calização da comercialização dos
O PNPB envolve 14 ministérios biocombustíveis, a competência é
no âmbito da Comissão Executiva Interministerial da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Bio-
(CEI) – coordenado pela Casa Civil da Presidência da combustíveis (ANP), conforme Medida Provisória
República, tendo como gestor operacional o Ministé- 227, de 6/12/2004. Por meio do Conselho Nacional
rio de Minas e Energia. A evolução desse programa de Política Energética – CNPE estabeleceram-se as
pode ser delineada pelos seguintes fatos: diretrizes de produção e o percentual de mistura do
Decreto Presidencial – 23 de dezembro de 2003; biodiesel ao diesel de petróleo. Com isso, criou-se,
Nomeação dos Membros – 19 de janeiro de 2004; por meio de resoluções, a figura do produtor de biodi-
Primeira Reunião da Comissão – 6 de fevereiro esel (RANP 41/2004) e estabeleceram-se as especi-
de 2004; ficações do novo combustível (RANP 42/2004), estru-
Aprovação do Plano de Trabalho – 30 de março turando a cadeia de comercialização. Além disso, fo-
de 2004; ram alteradas 18 Portarias do Abastecimento Nacio-
Lançamento Oficial do Programa – 6 de dezem- nal de Combustíveis (biodiesel e/ou mistura óleo die-
bro de 2004; sel/biodiesel especificado ou autorizado pela ANP) –
Lançamento do Portal do Biodiesel RANP 23 a 40/2004.
(www.biodiesel.gov.br) e da Rede Brasileira de Tecno- No regime tributário adota-se uma diferenciação
logia de Biodiesel – 29 e 30 de março de 2005. de alíquotas em função da região de plantio, do tipo
A Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel de oleaginosa e da categoria de produção, se agrone-
(RBTB), coordenada pelo Ministério de Ciência e gócio ou agricultura familiar, e prevê a isenção do Im-
Tecnologia, é composta por 56 instituições e inte- posto sobre Produtos Industrializados (IPI).
gra cerca de 210 pesquisadores, que atuam nas di- Em 22 de fevereiro de 2005, a Secretaria da Re-
versas áreas da cadeia produtiva do biodiesel. A fi- ceita Federal, por meio da Instrução Normativa SRF
nalidade dessa rede é discutir os aspectos agronô- nº 516, estabeleceu que os estabelecimentos produ-
micos, processo de produção, especificação de tores e importadores de biodiesel são obrigados a fa-
qualidade, aproveitamento de co-produtos, condi- zer sua inscrição no Registro Especial instituído pelo
ções de armazenamento e ensaios em motores art. 1º da Medida Provisória no. 227/2004, não poden-
com biodiesel. do exercer suas atividades sem prévio atendimento a

100 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006
ROSENIRA SERPA DA CRUZ et al.

essa exigência. A concessão desse Registro dar-se- a) adquirir percentual mínimo de matéria-prima defi-
á por estabelecimento, de acordo com o tipo de ativi- nido de acordo com o Ministério de Desenvolvi-
dade desenvolvida, e será específico para produtor e mento Agrário (MDA);
para importador de biodiesel. b) realizar contratos com agricultores familiares espe-
O modelo tributário aplicável ao PIS/PASEP e cificando condições de comercialização, garantin-
COFINS, Lei 11.116, de 18 de maio de 2005, prevê do renda e prazos compatíveis com a atividade,
que a incidência ocorra uma única vez sobre a receita conforme requisitos estabelecidos pelo MDA;
bruta auferida pelo produtor ou importador de biodie- c) assegurar assistência e capacitação técnica aos
sel, com alíquotas de 6,15% (PIS/PASEP) e 28,32% agricultores familiares.
(COFINS), podendo o contribuinte optar por uma alí- Sob tais condições, o produtor de biodiesel pode-
quota específica, com o recolhimento dos valores de rá utilizar o selo “Combustível Social” objetivando:
R$ 120,14 (PIS/PASEP) e R$ 553,19 (COFINS) por a) usufruir de políticas públicas específicas volta-
m3. Assim, os níveis de PIS/PASEP e COFINS po- das para a promoção da produção de combustí-
dem ser reduzidos conforme disposto na Tabela 3. veis renováveis com inclusão social e desenvolvi-
mento regional;
Tabela 3 b) promover a comercialização da produção.
Níveis de redução do PIS/PASEP/COFINS O Selo “Combustível Social”, por-
tanto, tem como meta promover a in-
clusão social dos agricultores famili-
ares enquadrados no Programa Na-
cional de Fortalecimento da Agricul-
tura Familiar – PRONAF e compro-
var regularidade perante o Sistema
de Cadastramento Unificado de For-
Fonte: dados da pesquisa.
necedores – SICAF.
Comparando-se a lei sem o redu-
Assim, o coeficiente de redução geral fica fixa- tor e o decreto que estabelece os índices de redução
do em 67,9%, sendo distribuídos da seguinte for- (Tabela 4), têm-se as seguintes relações:
ma: R$ 0,03965/L (PIS/PASEP) e R$ 0,18255/L Nesse contexto, o modelo tributário para a cadeia
(COFINS), implicando em um total de redução em produtiva do biodiesel visa coibir fraudes e desvios no
termos monetários de R$ 0,2222/L. recolhimento de tributos e conceder tratamento dife-
O governo, no entanto, procura privilegiar o biodie- renciado ao biodiesel, Quanto ao financiamento da
sel produzido a partir de mamona ou dendê, dado que produção agrícola, a Resolução BNDES nº 1.135/
o uso dessas matérias-primas, sob determinadas 2004 institui o Programa de Apoio Financeiro a Inves-
condições, poderia ter a carga tributária das contri- timentos em Biodiesel no âmbito do Programa Nacio-
buições de PIS/PASEP e COFINS reduzida em até nal, prevendo investimentos em todas as fases da
100%. Os benefícios tributários serão concedidos cadeia produtiva: fase agrícola; equipamentos para
apenas aos produtores industriais de biodiesel que produção de óleo bruto e de biodiesel; armazena-
tiverem o Selo combustível social. Isso acontece mento; logística; e aquisição de máquinas e equipa-
quando o produtor industrial compra matéria-prima de mentos homologados para uso de biodiesel. Estabe-
agricultores familiares. leceu-se, assim, redução do percentual de garantias
Para o biodiesel de mamona ou dendê, produzi- reais de 130% para 100% do valor do financiamento e
dos na região Norte, Nordeste e no Semi-Árido, pelo possibilidade de dispensa de garantias reais e pes-
agronegócio a redução da alíquota é de 30,5%. soais quando houver contrato de longo prazo para
O Selo “Combustível Social” será concedido ao compra e venda de biodiesel.
produtor de biodiesel que cumprir as seguintes exi- No que se refere à logística de suprimento do bi-
gências: odiesel, esta se dá da seguinte forma: produtor

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006 101
BIODIESEL: UMA NOVA REALIDADE ENERG…TICA NO BRASIL

agrícola – transporte para unidade de produção de BIODIESEL NA BAHIA


biodiesel – transporte para unidade de distribuição
ou refinaria (agentes autorizados para adicionar bi- A inserção do biodiesel na matriz energética do
odiesel ao diesel) – mistura (especificada ou auto- país implica em consideráveis mudanças, seja pelos
rizada pela ANP) – distribuição aos revendedores. aspectos econômicos, seja pelos aspectos sociais.
No caso específico da Bahia, a mamona e o dendê
Tabela 4 são as oleaginosas que apresentam grande potencial
Modelo tributário para diesel e biodiesel para alavancar o
programa estadual
de biodiesel, dada
a adaptabilidade
dessas culturas às
condições edafocli-
máticas da região
do semi-árido e da
região costeira,
respectivamente.
A mamoneira
Unidades de produção (Ricinus communis L.), por exemplo, é uma espécie
de oleaginosa que possui uma adaptabilidade pro-
Como resultado dos esforços governamen- dutiva em quase todas as zonas tropicais e subtro-
tais, o Brasil, em 24 de março de 2005, inaugu- picais do mundo (PIRES et al., 2004). No Brasil, o
rou a primeira usina industrial de biodiesel (Gru- cultivo da mamona tem sido, tradicionalmente, reali-
po Biobras), com capacidade de produção de 12 zado por pequenos e médios produtores, consorcia-
milhões de L/ano, no município de Cássia, Mi- do com feijão e milho. Constitui-se em importante
nas Gerais; posteriormente foram autorizadas alternativa agrícola para o semi-árido nordestino,
oito unidades de produção. Segundo a ANP, como geradora de emprego e como fonte de maté-
existem 61 projetos de solicitação de autoriza- ria-prima para a indústria química do país. O modelo
ção para produção de biodiesel. A implementa- atual de produção da mamona possibilita a geração
ção de tais projetos resultaria em mais 1,6 mi- de emprego para uma população situada em locali-
lhão de litros, ampliando assim a capacidade dades que estão à margem do processo de desen-
nominal atual. Porém, isso ainda é pouco frente volvimento do país e inibe a existência de monocul-
a uma demanda de 840 milhões de litros, no turas, dado o caráter de produção consorciada. Tais
caso do uso do B2. características representam um cenário favorável
A ANP vem adotando os leilões para comercia- para o emprego dessa cultura como fonte de maté-
lização do biodiesel. Tal política visa garantir o es- ria-prima na produção de biodiesel.
coamento da matéria-prima, principalmente da Da mamona pode-se extrair o óleo e outros co-
agricultura familiar, garantindo, assim, mercado produtos, sendo o óleo o produto mais nobre. Em
para os produtores do biodiesel. Nesse sentido, já cada amêndoa, pode-se retirar cerca de 43% a 49%
foram realizados quatro leilões, sendo que os dois de óleo, segundo experimentos realizados pela Em-
primeiros conseguiram vender para a Petrobras presa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRA-
240 milhões de litros e a expectativa é que os dois PA) em Campina Grande, Paraíba.
últimos, realizados em julho de 2006, atinjam 600 Historicamente, o estado da Bahia tem-se revela-
milhões de litros de biodiesel. Atualmente, existem do como principal produtor nacional. Segundo o Insti-
500 postos da BR Distribuidora comercializando o tuto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, em
biodiesel e a expectativa é que se atinja 7 mil pos- 2003, a área plantada foi de 125 mil hectares (93% de
tos em 2007. toda área plantada com mamona no país), distribuí-

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ROSENIRA SERPA DA CRUZ et al.

da, basicamente, em quatro microrregiões: Irecê dessas palmáceas é de, aproximadamente, 20 anos,
(84.900 ha – 68%), Jacobina (19.270 ha – 15%), Se- implicando em níveis declinantes de produtividade.
nhor do Bonfim (7.475 ha – 6%) e Seabra (5.060 – Portanto, tornam-se necessárias políticas que propi-
4%). Essas microrregiões apresentam grande poten- ciem a inserção de novos plantios e novas tecnologi-
cial de expansão, pois as condições locais prevale- as de produção, colheita e processamento para que
centes são favoráveis, em função se possa incorporar essa matéria-
da pouca exigência quanto à fertili- No que se refere à prima na produção de biodiesel,
zação e aos tratos fitossanitários. logística de suprimento pois o rendimento de óleo por hec-
Com relação aos aspectos so- do biodiesel, esta se dá tare pode atingir entre três e seis
ciais, a mamona é uma cultura de da seguinte forma: toneladas/hectare/ano, o que ca-
grande apelo social por fixar mão- produtor agrícola – racteriza uma vantagem para essa
de-obra e gerar emprego em uma transporte para cultura comparativamente a outras
região do estado com poucas al- unidade de produção oleaginosas (Tabela 2).
ternativas de trabalho e renda para de biodiesel – Em termos de área produtiva, o
o agricultor. Além disso, essa ole- transporte para país possui, ainda, 750 mil hecta-
aginosa produz co-produtos que unidade de distribuição res com aptidão para o cultivo de
possuem valor de mercado, como ou refinaria (agentes dendê, o que implicaria em uma
a torta, para uso como fertilizante, autorizados para expansão de, aproximadamente,
a polpa, para ração animal, e o adicionar biodiesel ao oito vezes a área atual (86 mil hec-
caule, utilizado na fabricação de diesel) – mistura tares). Do total atualmente cultiva-
papel e tecidos rústicos. Assim, o (especificada ou do, a Bahia possui segundo dados
cultivo da mamona tem grande autorizada pela ANP) – do IBGE, quase 42 mil hectares lo-
perspectiva de expansão no Nor- distribuição aos calizados predominantemente na
deste brasileiro, em especial no revendedores microrregião de Valença (Nilo Pe-
semi-árido, seja pelo uso atual do çanha, Taperoá, etc.), região cos-
óleo, seja pela possibilidade de uso como combus- teira do estado.
tível na produção de biodiesel. Diferentemente da mamona, o dendê concorre na
Estima-se que o nordeste brasileiro disponha de cadeia alimentar humana, pois seu óleo é usado
mais de 45 milhões de hectares de terras com apti- como fonte de alimento em algumas localidades do
dão para o cultivo da mamona (PIRES et al., 2004). país. No entanto, a produção nacional de dendê, as-
Nesse sentido, a expansão da cultura é importante, sim como a da mamona, deve aumentar dada a maior
pois, além da produção atual estar comprometida demanda pelo óleo.
com outros usos (cola, náilon, lubrificação de avião, Percebe-se, porém, que enquanto a produção
tinta, cosmético, papel, entre outros), a quantidade de óleo de dendê tem crescido ao longo dos últi-
produzida de óleo é ainda insuficiente, o que tem im- mos anos, a produção de mamona praticamente
plicado em importação do produto (FAO, 2004). se estagnou ao longo do período de 1990 a 2002
A mamona, dentre as diversas alternativas de (Tabela 5).
matéria-prima para produção de biodiesel, possui A substituição de 2% de diesel por biodiesel retira
uma característica peculiar que é a não concorrência do mercado cerca de 800 milhões L/ano de diesel,
com o mercado de alimentos, pois não se insere nas para um consumo anual em torno de 40 bilhões de L,
cadeias alimentar humana e animal, diferentemente minimizando assim o impacto das importações, que
de outras oleaginosas, como, por exemplo, a soja. estão em torno de 10% (4 bilhões de L de diesel im-
O dendê constitui-se em outra potencial fonte de portado) na balança de pagamentos do país. Como o
matéria-prima para produção de biodiesel, sendo que setor de transportes de cargas e passageiros repre-
seus plantios encontram-se localizados na região senta, aproximadamente, 38 bilhões de L da deman-
costeira do estado da Bahia. A maioria dos plantios da interna de diesel, este deverá sofrer os primeiros
baianos adota manejos inadequados e a idade média impactos nos custos.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006 103
BIODIESEL: UMA NOVA REALIDADE ENERG…TICA NO BRASIL

Tabela 5 mente com óleos in


Produção brasileira e mundial de óleo das principais oleaginosas, período natura, em função da
de 1990 a 2002 complexidade da sua
coleta e da quantida-
de gerada.

Biodiesel na UESC

Em relação às
pesquisas sobre bio-
diesel na Universida-
de Estadual de Santa
Cruz (UESC), Ilhéus,
Bahia, estas toma-
ram impulso a partir
do “I Workshop Sobre
Fonte: FAO (2004). Nota: TGC significa taxa geométrica de crescimento; *** significativa pelo teste de t de a Geração de Energia
student a 1% e; ns, não significativo estatisticamente.
a Partir de Óleos Ve-
getais”, em março de
Para atender a essa demanda de importação, são 1998. Naquele momento, as propostas priorizavam o
necessários 4 bilhões de L de biodiesel, o que impli- estudo de oleaginosas locais, como o dendê, na pro-
caria na necessidade de expansão da área plantada dução de combustíveis para uso local, na geração
com oleaginosas para fins energéticos. A dimensão termoelétrica ou para aplicação em motores estacio-
dessa área dependerá da produtividade de óleo/hec- nários de moendas, prensas ou conjuntos moto-bom-
tare. Como o país dispõe de cerca de 150 milhões de ba para irrigação.
hectares para a agricultura e, no caso da Bahia, de Os estudos preliminares realizados em 1998,
cerca de 12 milhões de hectares. com o dendê como combustível em motores ciclo di-
Com relação ao B-2, cria-se um mercado interno esel, apontaram alguns problemas para sua execu-
potencial, nos próximos três anos, de pelo menos ção. O principal problema inicialmente verificado es-
800 milhões de L/ano para o novo combustível, sendo tava associado à qualidade da matéria-prima a ser
necessários cerca de 1,5 milhões de hectares, o que utilizada para produção do combustível. Com isso
representa apenas 1% da área plantada e disponível houve uma mudança na direção desses estudos e
para agricultura no país. partiu-se para pesquisas com outras matérias-pri-
Outra matéria-prima importante são os óleos e mas, em especial com óleos e gorduras residuais
gorduras residuais (OGR). A principal vantagem (OGR), em função de estudos realizados na Universi-
dessa matéria-prima reside no fato do aproveita- dade de Kassel, na Alemanha. O reaproveitamento
mento de um resíduo, implicando em uso mais ra- de óleos e gorduras usados na produção de combus-
cional das redes de esgoto, evitando o descarte via tível tipo diesel apresentou resultados e perspectivas
rede fluvial. Atualmente, o Brasil gera de 1,8 a 2,2 promissoras, tanto do ponto de vista técnico como
kg/per capita/ano, o que implicaria na produção de econômico. Diante dessa perspectiva, foi firmado um
300 mil L de biodiesel/ano. acordo de cooperação entre a UESC e o Departa-
Dados da pesquisa realizada em 2000 por pesqui- mento Agrartechnik da Universidade de Kassel, em
sadores da UESC indicaram que as cidades de Sal- outubro de 1998, o que propiciou o intercâmbio de
vador, Itabuna e Ilhéus geram, em média, 4.500 T/ pesquisadores entre as Universidades.
ano, 234 T/ano e 144 T/ano, respectivamente. No en- Em 1999, foram realizados estudos preliminares
tanto, essa matéria-prima deve ser empregada junta- sobre o potencial, a qualidade e a origem dos OGR

104 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006
ROSENIRA SERPA DA CRUZ et al.

descartados pelo setor alimentício nas cidades de de biodiesel e verificação da conformidade dos resul-
Ilhéus, Itabuna e Salvador. A partir desse estudo foi tados com a especificação ANP, Portaria nº 255, de
estruturada uma rede de coleta de OGR junto a 40 15/09/2003, modificada em 2004 (RANP 42/2004).
estabelecimentos comerciais, localizados nas cida- As amostras foram analisadas em três laboratórios
des de Ilhéus e Itabuna, com a finalidade de colocar Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR), Institu-
em operação a planta piloto doa- to Nacional de Tecnologia (INT) e
da pela Universidade de Kassel O dendê constitui-se em Instituto de Pesquisas Tecnológi-
para a UESC, inaugurada em outra potencial fonte de cas (IPT), sob a coordenação da
março de 2000. Essa planta ope- matéria-prima para produção ANP. Essas análises mostraram
ra em regime de batelada, com de biodiesel, sendo que que o biodiesel produzido na
capacidade de produção de até seus plantios encontram-se planta piloto da UESC, usando
2.000 litros de combustível por localizados na região OGR e metanol como matérias-
dia, por meio de processo de costeira do estado da Bahia. primas e hidróxido de potássio
transesterificação. Com a reali- A maioria dos plantios como catalisador, atendeu à mai-
zação da Campanha “Saúde e baianos adota manejos oria dos itens constantes na por-
Meio Ambiente”, no verão 2000/ inadequados e a idade taria, à exceção do ponto de ful-
2001, junto aos estabelecimen- média dessas palmáceas é gor, resíduo de carbono e teor de
tos colaboradores, foi possível de, aproximadamente, 20 potássio. Esses resultados mos-
um controle mais rigoroso do pro- anos, implicando em níveis tram que devem ser feitas peque-
cesso de fritura dos alimentos, declinantes de nas modificações técnicas na
resultando na melhoria na quali- produtividade planta piloto da UESC para que o
dade dos OGR descartados nas biodiesel atenda plenamente às
cidades de Ilhéus e Itabuna, refletindo positivamente especificações, conforme discutido entre represen-
na saúde da comunidade regional. tantes do Ministério de Minas e Energia, da ANP e da
Atualmente, o projeto encontra-se na fase de UESC. A Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado
aprofundamento das pesquisas com mamona e den- da Bahia – FAPESB aprovou projeto de infra-estrutu-
dê tendo como objetivo: a otimização da reação em ra para a realização de modificações na planta piloto
laboratório (utilizando tanto o etanol como metanol da UESC, que se encontra em fase final. Outros pro-
como agente de transesterificação), o estudo de ca- jetos na área que contam com aporte financeiro da
talisadores heterogêneos, a avaliação da qualidade FAPESB são o de Fortalecimento da Rede Baiana de
do biodiesel produzido e a avaliação econômica (via- Biodiesel e o Projeto de Unidade Industrial de Pro-
bilidade econômico-financeira, determinação de cus- cesso Contínuo para a Produção de Biodiesel, visan-
tos de produção, análise de cenários, entre outros) e do a estruturação de um laboratório de controle de
ambiental (análise de ciclo de vida, entre outros), qualidade na UESC e um laboratório de avaliação de
além da transferência de tecnologia de unidades de desempenho e emissões na Escola Politécnica da
produção para escala comercial, em parceria com o Universidade Federal da Bahia (UFBA). Recentemen-
setor privado. te foi aprovado projeto de implantação de dois mode-
Os experimentos até então realizados mostraram los de produção sustentável em pequenas unidades
que o uso do biodiesel em veículos da frota da UESC nos estados da Bahia e Ceará, com aporte financeiro
não apresentou problemas quanto ao motor, pois, da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e de
desde março de 2000, vários veículos rodaram com secretarias do estado da Bahia (Secretaria de Com-
misturas diferenciadas de biodiesel/diesel e passa- bate à Pobreza - SECOMP e Secretaria de Ciência,
ram por avaliação técnica na Retífica de Itabuna – Tecnologia e Inovação - SECTI).
ITAREL. A experiência do Grupo Bioenergia e Meio Ambi-
Em 2004, a UESC participou de um programa in- ente da UESC, responsável pelas pesquisas de bio-
terlaboratorial, dentro do Programa Nacional de Pro- diesel na instituição, ao longo desses anos, propi-
dução e Uso do Biodiesel, para análise de amostra ciou sua participação ativa no Programa Nacional de

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006 105
BIODIESEL: UMA NOVA REALIDADE ENERG…TICA NO BRASIL

Produção e Uso Biodiesel e na Rede de Tecnologia (UNIFACS), Centro de Tecnologia Industrial Serviço
para a Produção de Biodiesel, cabendo à UESC, jun- Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI/CE-
tamente com a Universidade de Brasília (UNB) e a TIND), EMBRAPA, Universidade Estadual do Sudo-
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a coordena- este da Bahia (UESB) e Universidade do Estado da
ção do tema produção do combustível nessa rede. Bahia (UNEB).
Em nível estadual, o grupo organizou, em maio de
2003, o I Seminário da Rede de Biodiesel da Bahia
(UESC/UFBA – Escola Politécnica), impulsionando a REFERÊNCIAS
implementação no estado do Programa Estadual de
Biodiesel (PROBIODIESEL BAHIA), coordenado ABREU, R. F.; LIMA, D. G.; HAMAÚ, E. H.; WOLF,C.; SUAREZ, P.
pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação A. Z. Utilization of metal complexes as catalysts in the
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106 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006
Viabilidade do biodiesel de dendê
para a agricultura familiar1
Vitor de Athayde Couto,* Alynson dos Santos Rocha,** Edna Maria da Silva***
Graciela Pereira dos Santos,**** Guilherme Cerqueira Martins e Souza****
Leonardo Mota Baptista,**** Maciene Mendes da Silva****
Marcus Vinicius Abreu Gusmão,**** Paulo Henrique C e Silva****
Rosana V Santos,**** Washington Luiz S N Dias****

Resumo Abstract

O biodiesel, como alternativa de combustível, apresenta, além Biodiesel, as an alternative fuel, presents, besides
de vantagens ambientais e socioeconômicas, a capacidade de environmental and social-economics advantages, the
promover a diversidade das culturas utilizadas como matérias- capacity to promote the diversity of cultures used as raw
primas, beneficiando, sobretudo, a agricultura familiar. A inserção materials, benefiting, overall, the family farming. The
do biodiesel pode significar o desenvolvimento econômico de re- insertion of biodiesel may mean economic development in
giões como o Semi-Árido nordestino, áreas de extrativismo na regions such as the Semiarid Northeast, extractivism areas
região Norte do país e do Litoral Sul da Bahia. Considera-se, nes- in the Brazilian Northern Region, and the South Coast of
se processo, as relações entre os agentes das cadeias produti- Bahia. In this process, the relations between local production
vas locais, para compreender os impactos gerados. Neste artigo, chains agents are considered, to understand the impacts
pretende-se, a partir do estudo de caso na comunidade Cajaíba, generated. Considering the case studies from the
em Valença, Baixo Sul da Bahia, observar a viabilidade econômi- communities of Cajaíba, Valença, and South of Bahia, this
ca do biodiesel de dendê no âmbito do Programa Nacional da Pro- paper intends to observe the economic feasibility of palm oil
dução e Uso de Biodiesel (PNPB). Utilizando-se a metodologia biodiesel within the National Program of Biodiesel Use and
Análise-Diagnóstico de Sistemas Agrários, verifica-se que o den- Production (PNPB). Utilizing the Agrarian System Analysis
dê nem sempre proporciona as maiores rendas aos produtores, and Diagnosis methodology, we observe that palm oil doesn’t
porém é viável economicamente enquanto matéria-prima para a always provide the highest income for the producers, however
indústria processadora do biodiesel. Observe-se ainda que os it is economic feasible as raw material for the biodiesel
agricultores familiares em Cajaíba destinam grandes parcelas do processing industry. We can also observe that family farmers
dendê ao beneficiamento de óleo para a indústria de alimentos. in Cajaíba send big amounts of palm oil to be processed for
Sendo assim, a inserção dos agricultores no ciclo produtivo do the food industry. Therefore, the insertion of producers in the
biodiesel pode significar a desarticulação dessas ligações, com a biodiesel productive cycle may break these connections, with
criação de novas relações e novos agentes, como grandes com- the creation of new relations and new agents, such as big
pradores e empresas processadoras de dendê. purchasers and palm oil processing companies.

Palavras-chave: biodiesel, dendê, PNPB, Valença, agricultura Key words: biodiesel, palm oil, PNPB, Valença, family
familiar. farming.

1
Este artigo é um subproduto do relatório técnico elaborado pelos alunos *** Estudante de mestrado em Economia da UFBA.
da disciplina Economia Agrária do curso de graduação em Ciências Econô- ednasilv@hotmail.com
micas da UFBA, semestre 2006.1. (*) Colaboraram: Alynson dos Santos **** Estudantes de graduação de Economia da UFBA. gracielap.@gmail.com;
Rocha e Edna Maria da Silva. guilhermecmsouza@yahoo.com.br; leomotabaptista@hotmail.com;
* Professor Doutor (Titular da UFBA). vitor@ufba.br macienem@yahoo.com.br; mgusmão@gmail.com; paulo_eco_ufba@yahoo.com.br;
** Mestrado em Economia pela UFBA. alynson@sei.ba.gov.br rosanavieira@oi.com.br; wdias.afro@ hotmail.com

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006 107
VIABILIDADE DO BIODIESEL DE DEND  PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

INTRODUÇÃO va local do dendê. Para isso, identifica-se como a la-


voura de dendê está articulada aos demais cultivos e
O biodiesel, como fonte alternativa de combustí- criações e sistemas de transformação nas unidades
vel, apresenta vantagens ambientais (menor emissão produtivas, e verifica-se a composição da renda dos
de poluentes no uso em motores a explosão), econô- agricultores, classificada como sendo agrícola e não-
micas e sociais ao promover a diversidade de cultu- agrícola, de acordo com as atividades desenvolvidas.
ras utilizadas como matérias-primas, beneficiando, Utiliza-se a metodologia Análise-Diagnóstico de Sis-
sobretudo, a agricultura familiar. Com base na explo- temas Agrários, com a qual se elabora a tipologia dos
ração das oleaginosas vegetais (soja, mamona, ba- produtores, identificando-se os mais característicos
baçu e dendê, por exemplo), a gradual inserção do de cada grupo homogêneo de sistemas de produção
biodiesel pode significar um passo importante no de- (subdivididos em sistemas de criação, de cultivo e de
senvolvimento econômico de regiões como o Semi- transformação), verificando-se os diferentes níveis de
Árido nordestino, áreas de extrativismo vegetal na re- integração (interna e com o mercado). Em seguida
gião Norte e o Litoral Sul da Bahia, produtoras de al- faz-se a análise econômica de sistemas de produ-
gumas das principais fontes de matéria-prima. ção, especificamente através dos custos de produ-
Especificamente para a Bahia, a lavoura de dendê ção, considerando-se também as atividades não-
desponta com significativo potencial para a produção agrícolas e sua importância para os agricultores.
do biodiesel, uma vez que as condições edafoclimáti- Com as informações recolhidas em campo pode-
cas permitem o desenvolvimento dos cultivos, parti- se afirmar que, nos sistemas de produção visitados
cularmente no Baixo Sul do estado. Some-se ao fato (todos diversificados), o dendê nem sempre propor-
de se constituir em nova alternativa econômica para ciona os melhores resultados na composição da
os produtores locais, uma vez que a cadeia produtiva renda dos produtores, mas é viável economicamen-
do dendê está estreitamente voltada à produção de te. A análise dos custos revela ser o dendê viável
óleo para a indústria alimentícia. Nesse contexto, o enquanto matéria-prima (cachos) para as indústrias
Programa Nacional da Produção e Uso de Biodiesel da cadeia do biodiesel. Todavia, observaram-se al-
(PNPB) – iniciativa do Governo Federal cujo objetivo é guns entraves: não agregação de valor; queda da
implementar a produção e uso do biodiesel, ao mes- produtividade da lavoura, devido à ultrapassada vida
mo tempo em que promove a inclusão social e o de- útil dos dendezeiros, ocasionando baixa produtivida-
senvolvimento regional – deve considerar amplamen- de; produtores de pequena escala sem poder ex-
te a organização dos agentes, as técnicas utilizadas pandir a área produtiva; existência de alternativas
pelos produtores primários, a importância da lavoura mais lucrativas, como o dendê para fins culinários,
de dendê nas unidades produtivas e os preços prati- entre outros fatores. Conclui-se ser necessária uma
cados. A assertiva se faz necessária uma vez que a política de incentivo para os agricultores familiares
produção de biodiesel pode-se configurar em fator de superarem esses entraves.
desagregação das relações entre os agentes locais
ao criar, por exemplo, grandes compradores de maté-
ria-prima para satisfazer a demanda originada com o BIODIESEL: expectativas para o meio rural
processo de produção do óleo combustível. Esse as- brasileiro
pecto pode gerar a dispensa de parcelas da mão-de-
obra ocupada na produção tradicional do óleo de den- A crescente preocupação com o uso de fontes
dê para a produção de alimentos. alternativas de energia – que reduzam a dependên-
Neste artigo, analisam-se essas questões, verifi- cia em relação ao petróleo – configura-se em estí-
cando a viabilidade econômica do dendê para o biodi- mulo à pesquisa e ao desenvolvimento especial-
esel. Pretende-se, a partir do estudo de caso na co- mente de novos combustíveis para veículos com
munidade de Cajaíba (realizado em maio de 2006), motores de combustão interna. No Brasil, por força
em Valença, região Baixo Sul da Bahia, observar os das crises do petróleo nos anos 1970, põe-se em
possíveis impactos do PNPB sobre a cadeia produti- prática iniciativas como o PROÁLCOOL e consoli-

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VITOR DE ATHAYDE COUTO etal.

dam-se os estudos para a utilização de combustí- B2, gerem-se aproximadamente 200 mil ocupações
veis a base das chamadas oleaginosas vegetais. diretas e indiretas (PORTAL..., 2006).
Nos primeiros anos do século XXI, freqüentes inter- Com esses objetivos implanta-se, a partir de
rupções de fornecimento de petróleo (conflitos nos 2004, o Programa Nacional da Produção e Uso de
principais países fornecedores, especulação com Biodiesel (PNPB). O PNPB é um programa intermi-
os preços da commoditie, etc.) reanimam o debate nisterial do Governo Federal2 que tem como objetivo
em torno da gradual substituição ao petróleo, consi- a implementação, de forma sustentável – tanto técni-
derando aspectos técnicos e econômicos. O que ca como economicamente – da produção e uso do
distingue essa nova fase de pesquisas é a maior biodiesel, com enfoque na inclusão social e no de-
atenção aos aspectos ambientais – o substituto não senvolvimento regional. Voltam-se as atenções para
pode gerar poluição nos níveis que a queima de deri- a agricultura familiar, uma vez que tem grande poten-
vados de petróleo produz – e aos aspectos sociais – cial para o fornecimento da matéria-prima privilegiada
como a geração de empresas e desenvolvimento para o biodiesel. Isso por que, tecnicamente, produz-
para as regiões produtoras das matérias-primas. se óleo de quaisquer das oleaginosas citadas: soja,
O biodiesel desponta como capaz de reunir mui- mamona, babaçu e dendê, por exemplo. A escolha
tas qualidades desejáveis a um substituto do petró- de uma delas como principal matéria-prima na produ-
leo. Nome genérico dado ao óleo produzido a partir ção do óleo combustível significa também indicar a
de fontes biológicas renováveis, o biodiesel substitui direção das medidas de crescimento econômico.
total ou parcialmente o óleo diesel de petróleo nos Assim, no caso da soja percebe-se o interesse volta-
motores ciclodiesel automotivos (de caminhões, tra- do aos grandes empresários do agronegócio dos cer-
tores, automóveis, etc.) ou estacionários (geradores rados nacionais; no caso da mamona, para áreas do
de eletricidade, calor, etc.). O biodiesel como alterna- Semi-árido nordestino; no caso do babaçu e do den-
tiva de combustível surge na seqüência dos debates dê, para áreas de extrativismo vegetal no Norte e
em torno do desenvolvimento sustentável: sua produ- meio Norte (mota de cocais) e litorâneas, como o
ção possui vantagens de caráter ambiental, pois, pro- Baixo Sul da Bahia.
duzido a partir de oleaginosas vegetais, gorduras ani- Como estímulo à produção de biodiesel, particu-
mais e até pela reutilização de óleos de cozinha, re- larmente pela agricultura familiar, o PNPB utiliza
duz as emissões de poluentes para a atmosfera du- mecanismos diretos e indiretos. De forma direta
rante o processo de queima nos motores. tem-se o acesso à linha de crédito do Programa
No âmbito econômico, a expectativa é que, com Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
a autorização, em 2005, da mistura de 2% (o cha- (PRONAF), por meio de instituições bancárias. De
mado B2) de biodiesel ao diesel comum – elevando- maneira indireta tem-se o Selo Combustível Social,
se gradativamente esse percentual para 5% até um conjunto de medidas específicas visando a in-
2013 – reduza-se a dependência das importações clusão social ao longo das etapas das cadeias pro-
brasileiras de diesel. Conseqüentemente, economi- dutivas. O selo é concedido às empresas que adqui-
zam-se divisas: com o B2 já se prevê uma substitui- rem matéria-prima de produtores familiares, garan-
ção de 760 milhões de m3 por ano; com a mistura de tindo-lhes a compra a preços pré-estabelecidos,
10% de biodiesel ao diesel, o país deixa de importar
diesel (PORTAL..., 2006). No que diz respeito ao
2
aspecto social, a expectativa é de geração de ocu- O PNPB foi inaugurado oficialmente em 06 de dezembro de 2004, e é
composto pela Comissão Executiva formada pelos órgãos: Casa Civil da
pações em toda a cadeia produtiva do biodiesel, Presidência da Republica ; Secretaria de Comunicação de Governo e
Gestão Estratégica da Presidência da República; Ministério da Fazenda;
desde o cultivo da matéria-prima (quando se tratar
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Ministério do Trabalho
de oleaginosas vegetais) até a produção industrial. e Emprego; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exteri-
or; Ministério de Minas e Energia; Ministério do Planejamento, Orçamento
A possibilidade de geração de ocupações surge e Gestão; Ministério da Ciência e Tecnologia; Ministério do Meio Ambiente;
como forma de inclusão e crescimento socioeconô- Ministério do Desenvolvimento Agrário; Ministério da Integração Nacional;
Ministério das Cidades; Agência Nacional do Petróleo – ANP; Petróleo
mico, particularmente para a agricultura, e, dentro Brasileiro S.A. – Petrobras; Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
desta, da agricultura familiar. Espera-se que, com o – EMBRAPA.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006 109
VIABILIDADE DO BIODIESEL DE DEND  PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

bem como assistência técnica às lavouras. As em- local/regional se faz necessária como elemento
presas, em contrapartida, ao obterem o selo, têm para atestar a viabilidade econômica do óleo com-
tratamento tributário diferenciado. bustível para uma determinada região. Outros as-
Apesar da expectativa positiva quanto à incorpo- pectos, como os impactos sociais e ambientais,
ração do biodiesel ao cenário produtivo do meio rural também são considerados, uma vez que são reco-
brasileiro, algumas questões emergem do debate nhecidos pelo PNPB como objetivos paralelos a
sobre os reais impactos para a agricultura familiar e, serem alcançados com o biodiesel.
conseqüentemente, para as regiões produtoras de
matérias-primas. É de amplo conhecimento que, no
caso do PROÁLCOOL, assistem-se a um processo BIODIESEL DE DENDÊ: análise a partir da
de concentração de terras e criação de grandes gru- comunidade de Cajaíba, Valença (Bahia)
pos de produtores e de indústrias processadoras
(usineiros). Teme-se que, com o biodiesel, aconteça Valença, município localizado na região Baixo Sul
processo semelhante (grandes grupos, monocultu- da Bahia, tem uma população de 77.509 habitantes
ras, concentração fundiária). ocupando uma área de 1.190 km2 (IBGE, 2000); é
Em 2006, realiza-se o primeiro leilão para aquisi- formada por cinco distritos, além de inúmeras comu-
ção de óleo no âmbito do PNPB. Uma das empresas nidades rurais, entre elas Cajaíba. O relevo do muni-
participantes, localizada no estado do Pará, e que já cípio é bastante acidentado, caracterizado pela exis-
possui o Selo Combustível Social, compra dos agri- tência de planícies marinhas e fluviomarinhas, tabu-
cultores a matéria-prima in natura (os frutos em ca- leiros interioranos, tabuleiros pré-litorâneos e serras
chos inteiros de dendê) por R$ 102,50 a tonelada de marginais. O clima é úmido, apresentando tempera-
cacho fresco. No mercado internacional, esse preço tura média anual de 25ºC. As precipitações pluviomé-
é praticado em um patamar aproximadamente dez tricas registradas apresentam uma amplitude variável
vezes maior.3 Diante disto, à agricultura familiar, foco entre 1600 e 2400 mm, com período chuvoso entre
do Programa, compete somente o fornecimento de abril e junho, sendo raros, entretanto, os meses se-
matéria-prima in natura, nível mais baixo de agrega- cos (VALENÇA, 2006).
ção de valor na cadeia produtiva. As condições edafoclimáticas proporcionam
Nas áreas de exploração através do extrativis- grande diversidade agrícola local, como: banana,
mo essa situação adquire contornos mais comple- borracha, cacau, café, coco, guaraná, laranja, ma-
xos. Para a lavoura de dendê na Bahia, por exem- mão, maracujá, pimenta-do-reino e dendê (lavouras
plo, os agricultores familiares, em sua maioria, ex- permanentes); abacaxi, cana-de-açúcar, feijão,
ploram o extrativismo de dendezeiros subespontâ- mandioca e milho (lavouras temporárias). Na pecuá-
neos, em pequenas escalas, que possuem a vida ria destacam-se: bovinos, suínos, eqüinos, asini-
útil avançada, com poucos tratos culturais e baixa nos, muares, aves e caprinos. Dentre as lavouras
produtividade. Some-se à falta de recursos dos permanentes, o dendê é aquela que apresenta a
agricultores para expansão das áreas produtivas maior área plantada/colhida, com 9.940 ha, e a mai-
para atender a escala necessária ao biodiesel e or produção, 39.760 toneladas, em 2003 (IBGE,
alternativas (até então) mais lucrativas, como o 2003). Sintetizando-se as informações gerais da re-
dendê para fins culinários. Considerando-se todos gião, confirmam-se as informações de Couto (2005,
esses aspectos, a análise da cadeia produtiva da p. 5 ), que caracteriza o Sistema Agrário4 local
matéria-prima (nesse caso, do dendê), das articu- como sendo
lações entre os agentes e entre estes e o mercado
4
O Sistema Agrário é“[...] um modo de exploração do meio historicamente
constituído, um sistema de forças de produção, um sistema técnico adap-
3
Os preços do dendê são pagos com base na cotação internacional do tado às condições bioclimáticas de um espaço determinado, que responde
palm oil, acertado em 10% da cotação Rotterdam do óleo por tonelada de às condições e às necessidades sociais do momento. Um modo de explo-
cacho fresco (inteiro). A média desta cotação para 2005 foi de US$ ração do meio que é o produto especifico do trabalho agrícola, utilizando um
422,00/ton; com a cotação média do dólar para 2005 em R$ 2,43 (Banco meio cultivado, resultante das transformações sucessivas sofridas histori-
Central), o valor do palm oil seria igual a R$ 1.025,46/ton. camente pelo meio natural (MAZOYER, apud BRASIL 2004c, p. 21).

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VITOR DE ATHAYDE COUTO etal.

[...] complexo e bastante diversificado. Influenciado pelo É de se esperar que uma inovação radical surja [...] como
sistema cacaueiro, onde esta incluída, caracteriza-se pela uma mudança significativa na base do conhecimento cientí-
combinação de atividades extrativistas da Mata Atlântica fico e tecnológico, provocando ruptura no velho paradigma.
com policultivos comerciais e de subsistência, além da pes- Já as pequenas inovações que se fazem num mesmo para-
ca. Destacam-se como lavouras comerciais importantes: digma, ao longo de uma trajetória, são inovações incremen-
cacau, coco, borracha, dendê, banana, e mandioca. Trans- tais. Elas são importantes para a rentabilidade da empresa,
formações recentes revelam a introdução de inovações e mas não têm o significado de uma inovação radical. (COUTO
de novas culturas vegetais e animais a exemplo de abacaxi, FILHO. et al. 2004, p. 53).
bovinos e suínos (COUTO, 2005).
Então, pode-se relacionar, a partir dessas idéias,
a Teoria do Progresso Técnico às inovações incre-
Itinerário técnico e impactos ambientais da mentais e radicais encontradas na produção do óleo
extração de dendê: do pilão à prensa de dendê na Comunidade Cajaíba, bem como aos
impactos ambientais resultantes. Nessa comunida-
Para entender como as transformações da ca- de, a extração do óleo de dendê começa antes mes-
deia produtiva do dendê repercutem na conformação mo do século XX, conforme entrevistas realizadas em
do atual cenário a ser considerado para a produção campo. Essa extração era realizada através de pi-
de biodiesel, é preciso conhecer as noções da cha- lões (instrumentos artesanais, almofarizes), e causa-
mada Teoria do Progresso Técnico. Essa teoria bus- va tênue impacto sobre o meio ambiente por ser des-
ca explicar o desenvolvimento tecnológico através tinada, praticamente, ao autoconsumo.
da noção de paradigma. Dessa forma, as transfor- Uma inovação radical ocorre nesse processo com
mações econômicas, sociais, bem como as mu- a invenção do rodão, instrumento movido a tração
danças técnicas ocorridas ao longo do tempo, re- animal que consiste em uma roda feita de pedra ou
presentam a ruptura de um ciclo, ou o abandono de cimento que gira sobre um círculo cavado no chão,
uma determinada trajetória tecnológica, para surgi- onde o peso da roda esmaga os frutos de dendê.
mento de outra mais moderna. Segundo a teoria, Enquanto que utilizando os pilões as quantidades de
paradigma “é um conjunto de princípios que formam óleo são menores e o tempo exigido maior, com o
uma metodologia para resolver um problema e que rodão a quantidade extraída é significativamente
ajudam a resolver problemas semelhantes que se maior, sendo que o tempo gasto para o trabalho dimi-
apresentam” (JETIN, 1996, p.7). A partir do momen- nui. No entanto, o crescimento da produção passa a
to em que essa metodologia não resolve mais o pro- demandar maior quantidade de lenha para os fornos
blema, além de outros que surgirem a partir deste, de cozimento, aumentando os desmatamentos e vo-
são necessários diferentes conhecimentos, novas lumes de resíduos depositados nos manguezais.
técnicas, inovações. A inovação é o processo de A partir da difusão do motor a explosão (meados
ruptura de um paradigma, o produto criado a partir do século XX), abandona-se o rodão com tração ani-
do esgotamento daquele. mal nas unidades de beneficiamento5. Em seu lugar
Estabelecendo-se um novo paradigma, vários ca- introduz-se o macerador movido a diesel, desenvol-
minhos podem ser percorridos, de modo que não se vido em meados do século passado, que consiste
esgotem os seus pressupostos. Esses caminhos num tubo metálico onde existe uma espécie de cen-
são denominados trajetórias tecnológicas, que, em- trífuga que esmaga o fruto de dendê de forma mais
bora não rompam o paradigma, compreendem uma homogênea e mais eficiente do que o rodão. O ma-
nova descoberta fundamentada nos mesmos princípi-
os formadores do paradigma; trata-se aí de uma ino-
5
vação incremental. Mas, se ocorre o esgotamento do Encontram-se relatos do uso do rodão de tração animal em municípios
próximos a Valença, porém, durante a pesquisa de campo, na comunidade
conjunto de conhecimentos, tem-se uma inovação de Cajaíba não se verifica rodão deste tipo. Porém, qualquer unidade de
beneficiamento de dendê, da mais simples à mais complexa, é ainda cha-
radical; e o paradigma agora ultrapassado deixa em
mada pelos produtores de rodão. Assim, a partir deste ponto do texto a
seu tempo conceitos, produtos, processos, caracte- unidade produtiva de óleo de dendê é grafada como Rodão (com R maiús-
culo), enquanto que rodão (r minúsculo) remete ao instrumento tradicional
rísticas de uma era, de uma idade, chamados de ida- utilizado durante os primeiros estágios de desenvolvimento da produção
de tecnológica. de óleo de dendê local.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006 111
VIABILIDADE DO BIODIESEL DE DEND  PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

cerador movido a diesel foi uma inovação tecnológi- tensidade de tecnologia, o que corresponde a au-
ca radical. Mais uma vez se observa o aumento da mento da produtividade, dos impactos ambientais,
produtividade nas unidades de beneficiamento, as- bem como uma redução na intensidade do trabalho,
sociada à redução da mão-de-obra empregada (a abordada na próxima seção.
ocupação gerada pelo manuseio dos animais nos
rodões se extingue).
Continua-se utilizando lenha, Pode-se encontrar Relações de trabalho,
mas a dificuldade de encontrar situação em que o produção e produtividade no
madeira em locais próximos e a trabalho na unidade de Rodão
crescente fiscalização de órgãos beneficiamento do dendê
federais e/ou estaduais6 resulta (nos médios produtores) As diversas formas de relação
na adoção, pelos agricultores, seja desempenhado com de trabalho encontradas acompa-
dos resíduos do dendê (bucha e a utilização de mão-de- nham concomitantemente as ida-
nata)7 no processo de cozimento obra familiar. Todavia, des tecnológicas verificadas no
dos frutos. A bucha passa a ser percebe-se nas unidades sistema. Essas formas correspon-
utilizada nos fornos como uma al- de produção visitadas dem também ao tamanho relativo
ternativa à lenha e como aduba- que a utilização dos das unidades de beneficiamento.
ção nas lavouras; quanto à nata, trabalhadores, não As primeiras unidades analisadas
devido à regulamentação do Con- familiares, é fundamental são as dos pequenos produtores,
selho Municipal de Defesa do para manter a produção caracterizados por possuírem pe-
Meio-Ambiente (que estabelece que já está muito quena produção de azeite de den-
que os rodões devem implementar integrada ao mercado dê (até 50 latas por semana),8 por
filtros para diminuir a quantidade estarem em uma faixa de idade
desse resíduo lançada nos cursos de água), trans- tecnológica em que se usa o macerador elétrico e
forma-se em bambá, espécie de pasta utilizada utilizarem basicamente o trabalho familiar, diaristas,
como alimento para porcos e galinhas. e sistema de meia.9
Com a eletrificação da comunidade, no início da Os produtores médios são caracterizados por
década de 1970, o macerador a diesel foi adaptado apresentarem produção próxima de 150 latas de
para o motor movido a eletricidade, não havendo ino- óleo de dendê por semana. Quanto à idade tecnoló-
vações significativas na sua estrutura; dessa forma gica, não chegam a diferenciar-se dos pequenos
tem-se uma inovação incremental. A inovação incre- produtores, pois possuem estrutura baseada, tam-
mental mais recente encontrada na comunidade é a bém, na utilização do macerador elétrico. A diferen-
prensa, máquina semi-industrial que acoplada no ça se verifica em termos quantitativos, pois existe
macerador permite uma maior homogeneidade na ex- uma distinta capacidade produtiva responsável por
tração do óleo de dendê, diminuindo os resíduos e o um aumento de até 200% na produção semanal de
emprego da mão-de-obra nas unidades. latas de dendê – de 50 para 150 latas. Nas unidades
No caso particular das idades tecnológicas obser- médias, a própria produção de cachos de dendê não
vadas nas unidades de beneficiamento do dendê na é suficiente para atender à produção do óleo, sendo
comunidade, verificou-se que a teoria do progresso necessário comprar cachos de dendê de outros pro-
técnico ajuda a compreender as transformações dutores. Verifica-se, pois, uma inter-relação no mer-
ocorridas. Na medida em que ocorrem as sucessões cado entre aqueles que produzem cachos e aqueles
dos paradigmas técnicos, revela-se aumento na in- que produzem cachos e óleo.
8
A lata utilizada equivale a, aproximadamente, 19 litros.
6
Fiscalização de órgãos governamentais como o Instituto Brasileiro do 9
Esse sistema é caracterizado pela divisão do que é colhido com quem
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Centro o colhe. O proprietário contrata um terceiro para se responsabilizar pela
de Recursos Ambientais (CRA). colheita; ao final, ao invés de pagá-lo com dinheiro, o pagamento é feito
7
Os produtores chamam de bucha o cacho de dendê sem o fruto, e de com metade do que é colhido (metade da produção é do proprietário e a
nata o óleo que não conseguem separar da água. outra metade é do meeiro).

112 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006
VITOR DE ATHAYDE COUTO etal.

Pode-se encontrar situação em que o trabalho na de cada unidade produtiva. Com essas informações
unidade de beneficiamento do dendê (nos médios torna-se possível inferir a respeito da viabilidade eco-
produtores) seja desempenhado com utilização de nômica do biodiesel de dendê, considerando-se a es-
mão-de-obra familiar. Todavia, percebe-se nas unida- trutura da cadeia produtiva local.
des de produção visitadas que a utilização dos traba-
lhadores, não familiares, é funda-
mental para manter a produção que Sinteticamente, define-se Análise econômica dos
já está muito integrada ao merca- Sistema de Produção sistemas de produção na
do. Nesse caso, verifica-se que as (SP) como sendo o comunidade Cajaíba
relações de produção são mais pró- conjunto formado por
ximas de uma forma desenvolvida subsistemas de cultivo Sinteticamente, define-se Siste-
de divisão do trabalho e o regime de (lavouras), subsistemas ma de Produção (SP) como sendo
assalariamento já é passível de ser de criação (animais) e o conjunto formado por subsiste-
encontrado, mas a principal forma subsistemas de mas de cultivo (lavouras), subsiste-
de pagamento dos trabalhadores é transformação mas de criação (animais) e subsis-
feita através de diárias. (beneficiamento da temas de transformação (beneficia-
Nas unidades grandes (produ- matéria-prima) realizados mento da matéria-prima) realizados
ção de até 300 latas por semana, em cada parcela em cada parcela homogênea (área)
um aumento de 100% comparando- homogênea (área) da da unidade produtiva. A observação
se com os sistemas médios de pro- unidade produtiva. do SP inicia-se com a leitura de
dução), a idade tecnológica consi- paisagem, entrevistas com infor-
derada é dominada pela mecanização da produção, mantes-chave da comunidade, construção de uma
com exceção da colheita (utilização da prensa e de pré-tipologia de SP e de produtores, além da tipolo-
esteiras), e com uma rígida divisão do trabalho. Nas gia, com a ratificação e/ou retificação das informa-
unidades que utilizam a prensa, observa-se desem- ções durante a pesquisa de campo.
prego da mão-de-obra feminina em função da extin- Em Cajaíba, no que se refere à tipologia de produ-
ção da etapa específica da produção do óleo (separa- tores, são consideradas características como a pro-
ção do óleo dos demais resíduos), em que o trabalho priedade (ou não) de Rodão e sua caracterização, de
é realizado apenas por mulheres. acordo com a capacidade produtiva do óleo: peque-
Um fator importante para a compreensão das rela- no, médio e grande. Diante disso, são identificados
ções de trabalho é que a produção de óleo de dendê três tipos característicos de produtores (P1, P2, P3):
varia de acordo com a época do ano, sendo o verão o os que não possuem Rodão; os que possuem Rodão
período de pico da produção. Esta situação gera uma pequeno; os que possuem Rodão médio. As princi-
sazonalidade na utilização da força de trabalho em pais características dos três produtores representati-
todo o Rodão. Por isso, em determinada época do vos da comunidade são:
ano uma parcela dos trabalhadores é realocada em P1: proprietário de Rodão pequeno; sem funcioná-
diversas atividades para manter suas rendas (cultura rios; não compra dendê; aposentado;
de cravo-da-índia, pesca, mariscos, etc.) ou partem P2: não proprietário de Rodão; sem funcionários;
para as cidades próximas em busca de emprego. trabalha com meeiro; aposentado;
Com esse cenário faz-se a análise econômica dos P3: proprietário de Rodão médio; com funcionári-
sistemas de produção encontrados em Cajaíba. Ini- os; compra dendê.
cia-se pela observação e classificação dos produto- Para os sistemas de produção, utiliza-se o crité-
res em tipos, de acordo com os elementos mais re- rio do cultivo de dendê aliado à propriedade (ou não)
presentativos encontrados. Dentre cada tipo de pro- de Rodão. Essa classificação resultou na caracteri-
dutor tem-se um representante típico, do qual são zação dos seguintes tipos de sistemas de produção:
analisadas a composição das rendas e, concomitan- SP1: Quintal; Pasto x dendê; Dendê; Dendê x
temente, a participação do dendê dentro da estrutura cravo; Banana x jaca x cacau x dendê; Cravo; Rodão;

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006 113
VIABILIDADE DO BIODIESEL DE DEND  PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

SP2: Quintal; Dendê; Cravo; Cacau; Banana; em termos de renda monetária (segregada entre
SP3: Quintal; Banana; Dendê; Coco x manga x agrícola e não-agrícola).
cana x dendê; Sabão; Rodão. A renda monetária anual é de R$ 11.041,60. Sen-
A seguir são apresentadas as análises econômi- do uma família composta por três pessoas, a renda
cas dos três agricultores familiares (P1, P2 e P3), monetária per capita é de R$ 3.680,53/ano. Compu-
representantes típicos dos sistemas de produção tando-se a renda de dois membros aposentados na
(SP1, SP2 e SP3). família, a renda total (soma da renda monetária com
O produtor P1 é aposentado, proprietário de Ro- a renda não-agrícola) eleva-se para R$ 18.652,27/
dão pequeno, transforma apenas o próprio dendê. ano, e a renda per capita para R$ 6.217,42/ano. A
Pratica o SP1 caracterizado pela presença de muitas renda monetária por unidade de trabalho familiar (RM/
variedades agrícolas (diversificado) e considerável ní- UTf), que representa a produtividade do trabalho para
vel de integração entre os subsistemas de cultivo e o SP1, foi calculada em R$ 3.680,53/ano. Esses va-
transformação. Trata-se de uma unidade familiar que lores funcionam como parâmetros do custo de opor-
contrata diarista para a execução das atividades de tunidade do produtor para decidir permanecer na ativi-
colheita. Foram identificados sete subsistemas, inte- dade. Os subsistemas que se apresentam com mai-
grados conforme o Fluxograma 1. or produtividade do trabalho são o dendê e o cravo. A
renda monetária por área (RM/ha)
Fluxograma 1 mostra a produtividade por área culti-
Sistema de Produção – SP1 vada, calculada em R$ 8.935,11/ano.
Os subsistemas Cravo, Quintal e
Dendê x cravo são os que apresen-
tam maior produtividade em relação à
área.
O Gráfico 1 mostra a eficiência de
cada subsistema, sendo que a reta
mais inclinada positivamente repre-
senta o subsistema mais eficiente.
Os subsistemas mais eficientes são
Cravo, Quintal e Dendê x cravo. A bai-
xa eficiência do subsistema Dendê x
pasto resulta da subutilização do
pasto, área relativamente grande,
com poucos pés de dendê e um úni-
co animal (boi).
O produtor P2 diferencia-se do
Fonte: Pesquisa de campo, 2006 outros produtores por não possuir
Rodão e por possuir família pluriati-
va (um dos membros divide sua jornada de trabalho
O subsistema Rodão utiliza toda a produção entre a unidade produtiva e o comércio local). O P2
colhida de dendê dos outros subsistemas. Da também é aposentado, o que, juntamente com o
transformação do dendê é extraído o óleo (azeite salário do filho, garante uma renda não agrícola re-
de dendê), o coquilho para venda, e a bucha, apro- lativamente alta, correspondendo, aproximada-
veitada como adubo em todos os outros subsiste- mente, a 84% da renda total.
mas e como combustível no próprio Rodão. Os re- No SP2, a mão-de-obra é predominantemente
sultados econômicos do estudo permitem a análi- familiar, contratando-se diaristas na época da co-
se de cada um dos subsistemas, no que concerne lheita do cravo, além do trabalho no sistema de
ao uso da mão-de-obra, da área e seus retornos meia na colheita do dendê. Como se pode observar

114 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006
VITOR DE ATHAYDE COUTO etal.

no Fluxograma 2, essa unidade produtiva é com- tema Cravo vende-se o cravo e utiliza-se a contrata-
posta por cinco subsistemas sem nenhuma inte- ção de diarista para colheita. No subsistema Quintal,
gração entre si. No subsistema Dendê utiliza-se vende-se cacau, tendo-se ainda maracujá e banana
mão-de-obra de meeiro, que é remunerado com (destinados ao autoconsumo da família).
metade do que é colhido. A venda da produção é Constata-se que 69% da renda monetária são ori-
feita em forma de cacho, o que explica a não inte- ginadas no subsistema Cravo, seguindo-se o subsis-
gração com os outros subsistemas. tema Dendê. A produtividade do trabalho (RM/UTf) foi
calculada em R$ 1.119,72/
Gráfico 1 ano, sendo o cravo e o
Sistema de Produção do Produtor 1 – Renda monetária por Unidade dendê os mais produtivos.
de Trabalho familiar (UTf) e área utilizada (ha) Em termos de retorno por
área utilizada (RM/ha), o
subsistema Cravo conti-
nua sendo o mais rentável,
seguido pelo subsistema
quintal.
O produtor P3 possui
Rodão médio, com pro-
dução insuficiente de
dendê, tendo que adquirir
cachos de outros produ-
tores. Pratica o sistema
de produção SP3, em
que combina poucas vari-
Fonte: Pesquisa de campo, 2006
edades agrícolas, com
baixo nível de integração.
Trata-se de uma unidade
Fluxograma 2: Sistema de Produção – SP2 familiar que possui traba-
lhadores próprios do sis-
tema de processamento
(Rodão) e diaristas para
a execução das ativida-
des de colheita. Com ex-
ceção do dendê (que é
utilizado como matéria-
prima no Rodão) e do ca-
cau, a produção desse
sistema destina-se ao
autoconsumo.
No subsistema Rodão
produz-se óleo de dendê
(azeite) e como subprodu-
Fonte: Pesquisa de campo, 2006 to tem-se o coquilho que,
juntamente com o óleo,
O subsistema Banana foi implantado em 2005, também é vendido. Esse subsistema integra-se com
daí o resultado econômico ser negativo; o produtor os subsistemas Banana x cacau e Quintal, para onde
adquire mudas e fertilizantes no mercado. No subsis- são enviadas as buchas não utilizadas no próprio sub-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006 115
VIABILIDADE DO BIODIESEL DE DEND  PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

sistema. Integra-se ainda com o outro subsistema de Ao considerar a unidade produtiva como um todo,
processamento, o Sabão, através do óleo sem quali- o P3 aufere uma renda monetária por UTf de R$
dade para venda direta. O subsistema Sabão só funci-
43.474,33/ano; os subsistemas Rodão, Dendê, e Ba-
ona quando sobra óleo que não tem condição de ser nana x cacau são os que apresentam maior produtivi-
vendido como azeite. Sua produção é utilizada para dade. No entanto, é importante frisar que a renda mo-
uso da família e para venda. netária do subsistema Dendê não pode ser conside-
rada, visto que os cachos não são vendidos e entram
Gráfico 2 como custo intermediário para o
Sistema de Produção do Produtor 2 – Renda monetária por Rodão. A renda monetária por
Unidade de Trabalho familiar (UTf) e área utilizada (ha) área utilizada alcança R$
17.685,67/ano, sendo os subsis-
temas Dendê e Banana x cacau
os de maior produtividade. Esse
indicador não é considerado para
os subsistemas de processa-
mento, pois a produtividade dos
mesmos não está necessaria-
mente relacionada com a área
utilizada.
O subsistema Banana x cacau
é o que aparece como o mais in-
tensivo, conforme inclinação da
Fonte: Pesquisa de campo, 2006 curva no Gráfico 3. O subsistema
Rodão é o que aufere maior renda
monetária anual (R$ 97.605,73), representando mais de
89% da renda monetária de todo o sistema de produ-
ção, o que demonstra sua importância para o produ-
Fluxograma 3 tor. No entanto, é importante ressaltar que é a venda
Sistema de Produção – SP3 do coquilho que financia o Rodão,
sem o que esse subsistema
apresentaria prejuízo.
De modo geral, a cultura do
dendê mostra-se viável para os
produtores, seja com a venda in
natura, seja transformando óleo e
coquilho. Com relação à viabilida-
de do dendê como matéria-prima
para biodiesel, a partir dos cus-
tos, é viável para os três produto-
res, porém com ressalvas. O pre-
ço praticado no âmbito do PNPB
– R$ 102,50 pela tonelada de ca-
chos frescos (inteiros) – cobre os
custos de produção de todos os
produtores, resultando em renda
monetária positiva. Contudo, o
Fonte: Pesquisa de campo, 2006. valor de mercado desses mes-

116 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006
VITOR DE ATHAYDE COUTO etal.

Gráfico 3 bustível. Especifica-


Sistema de Produção do Produtor 3 – Renda monetária por Unidade de mente para a agricultu-
Trabalho familiar (UTf) e área utilizada (ha) ra familiar em Valença,
no Baixo Sul da Bahia,
onde os produtores de
dendê destinam gran-
des parcelas dos ca-
chos para o beneficia-
mento do óleo comes-
tível, revelando a exis-
tência da articulação
entre os agentes da
cadeia produtiva. Sen-
Fonte: pesquisa de campo, 2006. do assim, a inserção
dos agricultores famili-
mos cachos é superior para outros fins – R$ 130,00. ares de dendê na cadeia produtiva do biodiesel pode
Ademais, destinar a produção de dendê para o PNPB significar, no limite, a desarticulação dessas liga-
significa abrir mão do subsistema Rodão para os que ções, com a criação de novos agentes, grandes com-
o possuem, e no caso de P3, significa auferir renda pradores e empresas processadoras de dendê.
monetária inferior. Na comunidade Cajaíba, o beneficiamento do
Adicionem-se outros impactos à análise. A escala dendê é uma atividade antiga, com diversas idades
de produção de matéria-prima necessária à transfor- tecnológicas, com transformações e inovações incre-
mação em óleo combustível pode aprofundar a divi- mentais e radicais. Nos sistemas de produção obser-
são entre produtores primários e as indústrias pro- vados se verifica que o cultivo e o beneficiamento
cessadoras do dendê. A figura do grande comprador dendê (Rodão) estão entre os mais eficientes, consi-
de dendê pode se estabelecer na região, destinando derando-se custos e rendas gerada, à exceção do P3
aos agricultores apenas o papel de fornecedores da (SP3). Para esse produtor, o Rodão representa qua-
matéria-prima. Tem-se também que, consolidando se 90% da renda monetária familiar.
esse papel ao agricultor familiar, as pequenas ativida- Entretanto, em todos os sistemas de produção
des no interior das unidades produtivas tenderiam à os subprodutos do dendezeiro (cachos, coquilho e
desagregação, uma vez que basta apenas o forneci- óleo) mostram-se viáveis economicamente aos pro-
mento da matéria-prima para o posterior processa- dutores, bem como à produção de biodiesel. Porém,
mento. Isso pode significar a desocupação de mão- no caso do SP3, ao destinar sua produção de dendê
de-obra local. A princípio, a comercialização de den- para o PNPB, mesmo com o preço pago pelo Progra-
dê para o PNPB possui como vantagens a garantia ma cobrindo os custos de produção, significa auferir
de um canal de escoamento da produção, com pre- rendas inferiores àquelas oriundas de outras ativida-
ços estabelecidos – o que minimizaria as possíveis des. Para o agricultor torna-se melhor, portanto, con-
oscilações de mercado –além da assistência técnica tinuar no mercado de dendê para culinária.
destinada aos produtores que integram o Programa.

REFERÊNCIAS
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118 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006
Avaliação econômica da cadeia de
suprimentos do biodiesel: estudo de
caso da dendeicultura na Bahia
Adriana Leiras,* Silvio Hamacher,** Luiz Felipe Scavarda***

Resumo Abstract
As energias renováveis vêm ganhando muita importância Renewable energies have been growing in the political and
no cenário político e econômico brasileiro. Apesar da questão do economic scenario in Brazil. Despite the fact, biodiesel is being
biodiesel estar sendo amplamente investigada, as característi- deeply investigated, the regional production characteristics
cas regionais de produção ainda não foram suficientemente have not been sufficiently addressed. Therefore, this paper
abordadas. Assim, este artigo contribui para a análise da transi- contributes to the transition analysis from studies that regard
ção de estudos voltados a técnicas de produção para um cená- production techniques to an agro-industrial scenario that
rio que permita a criação de uma estrutura para produção e dis- enables the creation of an organized structure for the production
tribuição do biodiesel ao longo da cadeia produtiva. Os objetivos and distribution of biodiesel throughout its supply chain. This
deste artigo são: analisar a cadeia de suprimentos do biodiesel paper aims to analyze the biodiesel supply chain and elaborate
e elaborar um modelo de simulação que possibilite a realização a simulation model enabling the performance of economic
de estudos de viabilidade econômica desta cadeia. O escopo feasibility studies for this chain. The scope of this research is
desta pesquisa é delimitado à produção do biodiesel na Bahia a limited to the biodiesel production in Bahia based on the dendê
partir do óleo de dendê. Dos 13 cenários simulados, 12 levam a palm oil. From the 13 scenarios simulated, 12 reached a
uma produção a preços inferiores ao menor valor obtido nos production with prices that were lower than the lowest reached in
quatro leilões realizados no Brasil. the 4 biodiesel auctions recently carried out in Brazil.

Palavras-chave: biodiesel, cadeia de suprimento, Bahia, avali- Key words: biodiesel, supply chain, Bahia, economic
ação econômica, dendê. evaluation, palm.

INTRODUÇÃO nhar, força mecânica, transporte e comunicações. As


vantagens proporcionadas pelas energias renováveis
As energias renováveis são elementos essenciais variam de acordo com as condições e prioridades lo-
para se alcançar o desenvolvimento sustentável e cais, destacando-se: a minimização da ameaça das
adquirem importância maior ao prover serviços como mudanças climáticas do planeta decorrentes da
luz, calefação, refrigeração, calor seguro para cozi- queima de combustíveis fósseis; o crescimento eco-
nômico; a ampliação do acesso à energia para cerca
de um terço da população mundial; a geração de
* Mestre em Engenharia Industrial pela PUC-Rio. adrianaleiras@
yahoo.com.br empregos e a fixação do homem no campo; a redu-
** Professor Doutor do Dept. de Engenharia Industrial da PUC-Rio. ção dos níveis de pobreza; a diminuição da desigual-
hamacher@ind.puc-rio.br
dade social; e a diversificação da matriz energética
*** Professor Doutor do Dept. de Engenharia Industrial da PUC-Rio.
lfscava@ind.puc-rio.br. (PETROBRAS, 2005).

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 119-131, jun. 2006 119
AVALIA«√O ECON‘MICA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DO BIODIESEL: ESTUDO DE CASO DA DENDEICULTURA NA BAHIA

Pode-se destacar, entre as energias renováveis: Uso de Biodiesel – do Ministério da Ciência e Tecno-
a solar (fotovoltaica e térmica), o biogás (de lixo, es- logia –, a Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel,
terco ou esgoto), a biomassa (restos agrícolas, ser- a Coordenação do Programa de Biodiesel – no âmbi-
ragem, biodiesel, álcool e óleos in natura), a eólica to da Gerência de Energia Renovável da Petrobrás –,
e as centrais hidrelétricas. além da participação ativa de diversas Secretarias
O Brasil é um país de destaque Estaduais de Ciência e Tecnologia
na utilização de Biomassa desde a As energias renováveis demonstram a importância estraté-
década de 1920, utilizando o álco- são elementos gica do biodiesel na Matriz Energé-
ol combustível. Com o Programa essenciais para se tica Brasileira.
Nacional do Álcool (PROÁLCO- alcançar o No entanto, as questões das
OL), criado em 1975, o País foi pi- desenvolvimento características regionais de produ-
oneiro na efetiva substituição da sustentável e adquirem ção ainda não foram suficientemen-
gasolina em meio à crise dos pre- importância maior ao te abordadas nas pesquisas, mas
ços do petróleo (NEGRÃO; UR- prover serviços como são essenciais para avaliar a viabili-
BAN, 2004). Atualmente, o Brasil luz, calefação, dade econômica das alternativas
possui uma nova oportunidade tec- refrigeração, calor de produção do biodiesel. Dessa
nológica e estratégica na utiliza- seguro para cozinhar, forma, este trabalho contribui para
ção de biomassa: a produção de força mecânica, a análise da transição de estudos
biodiesel. Este é um biocombustí- transporte e pontuais, voltados a técnicas de
vel derivado de biomassa renovável comunicações produção ou transformação, para
para uso em motores a combustão um cenário agroindustrial que per-
interna com ignição por compressão ou, conforme mita a produção de 800 milhões de litros de biodiesel
regulamento, para geração de outro tipo de energia, em 2008 e 2 bilhões de litros de biodiesel a partir de
que possa substituir parcial ou totalmente combus- 2013 (Lei nº 11.097, BRASIL, 2005).
tíveis de origem fóssil (MCT, 2005). Assim, a viabilização do biodiesel requer a imple-
A importância do biodiesel para o Brasil provém mentação de uma estrutura organizada para produ-
principalmente dos argumentos: ser uma alternativa ção e distribuição de forma a atingir, com competitivi-
de diminuição da dependência dos derivados de petró- dade, os mercados potenciais. Logo, a introdução do
leo, ajudando a diversificar a matriz energética brasilei- biodiesel demanda investimentos ao longo da cadeia
ra; ser um componente obrigatório no curto/médio pra- produtiva para garantir a oferta do produto com quali-
zo na composição do óleo diesel comercializado no dade, além da perspectiva de retorno do capital em-
território nacional; criar um novo mercado para as ole- pregado no desenvolvimento tecnológico e na susten-
aginosas, possibilitando a geração de novos empre- tabilidade do abastecimento em longo prazo.
gos em regiões carentes do país e aumentando o seu Nesse contexto, os objetivos deste artigo são: ana-
valor agregado com a sua transformação em biodiesel; lisar a cadeia de suprimento do biodiesel, englobando
proporcionar uma perspectiva de redução da emissão áreas rurais, usinas e bases distribuidoras de combus-
de poluentes e uma alternativa para exportação de cré- tíveis, bem como transporte e armazenagem de maté-
ditos de carbono relativos ao Protocolo de Kyoto, con- ria-prima, óleos e biodiesel; e elaborar um modelo de
tribuindo para uma melhoria no meio ambiente. simulação que possibilite a realização de estudos de
viabilidade econômica da cadeia produtiva do biodiesel.

Objetivo
Delimitação do estudo
A questão do biodiesel está sendo amplamente
investigada por universidades, instituições de pesqui- A aplicação do modelo de simulação está delimi-
sa, órgãos governamentais e pela iniciativa privada. tada à Bahia e considera as particularidades geográ-
Iniciativas como o Programa Nacional de Produção e ficas e logísticas deste estado. Essa delimitação se

120 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 119-131, jun. 2006
ADRIANA LEIRAS, SILVIO HAMACHER, LUIZ FELIPE SCAVARDA

deve ao fato de existir um acordo de cooperação en- Importância do biodiesel


tre a Secretaria de Ciência e Tecnologia da Bahia
(SECTI-BA) e a Pontifícia Universidade Católica do O biodiesel pode substituir total ou parcialmen-
Rio de Janeiro (PUC-Rio), tornando acessíveis os da- te o óleo diesel de petróleo em motores ciclo diesel
dos necessários ao estudo, o que dificultaria a esco- automotivos (de caminhões, tratores, camionetas,
lha de um outro estado. Este tra- automóveis, etc) ou estacionári-
balho está delimitado ao estudo Atualmente, o Brasil os (geradores de eletricidade,
da cadeia produtiva do biodiesel possui uma nova calor, etc). Segundo estatísti-
produzido a partir do óleo vegetal oportunidade tecnológica cas da Agência Nacional do Pe-
do dendê, cujo cultivo se adapta e estratégica na utilização tróleo (apud MEIRELLES,
às condições climáticas do esta- de biomassa: a produção 2003), o consumo brasileiro de
do da Bahia, para o qual existem de biodiesel. Este é um óleo diesel apresentou um cres-
dados disponíveis sobre custos e biocombustível derivado cimento acumulado de 42,5%,
produtividades. Essa escolha de biomassa renovável no período de 1992 a 2001. Para
deve-se à importância que o den- para uso em motores a suprir a demanda crescente, foi
dê possui para a economia da re- combustão interna com necessário aumentar o volume
gião do Baixo Sul baiano e, por ignição por compressão importado do combustível de
conseqüência, a possibilidade de ou, conforme 2,3 milhões de m3, em 1992,
melhorar a economia local com a regulamento, para geração para 6,6 milhões de m3, em
sua inclusão na cadeia produtiva de outro tipo de energia, 2001. É importante destacar
do biodiesel. Além disso, estu- que possa substituir que, em 1992, 8,5% do consu-
dos do Economic Research Ser- parcial ou totalmente mo brasileiro de óleo diesel era
vice (2006) mostram que essa é combustíveis de origem suprido via importações. Em
a principal fonte de oferta de óle- fóssil (MCT, 2005) 2001, essa participação já havia
os vegetais em nível mundial. O saltado para 16,5%. De acordo
óleo de dendê destaca-se ainda pelo seu preço mais com a ANP (apud MEIRELLES, 2003), cada 5% de
baixo quando comparado com outras oleaginosas, biodiesel misturado ao óleo diesel consumido no
como soja, girassol, mamona ou algodão, como é país representa uma economia de divisas de cerca
demonstrado pelos relatórios do Oil World. de US$ 350 milhões/ano.
O trabalho está dividido em oito seções, sendo O biodiesel pode ser usado puro ou misturado
esta primeira a introdutória. A segunda seção apre- ao diesel de petróleo em diversas proporções.1 O
senta considerações gerais sobre o biodiesel e sua Art. 2º, Lei nº 11.097, de 13.01.2005, determina a
cadeia de suprimentos. A terceira seção descreve a introdução do biodiesel na matriz energética brasi-
metodologia de pesquisa adotada e a quarta a es- leira, fixado em 5% (cinco por cento) em volume o
trutura do modelo de simulação. A quinta seção dis- percentual mínimo obrigatório de adição de biodie-
corre sobre a cadeia produtiva do dendê na Bahia. sel ao óleo diesel comercializado ao consumidor
As sexta e sétima seções apresentam os dados uti- final em qualquer parte do território nacional. O pra-
lizados no modelo de simulação e os resultados zo para aplicação do disposto no caput desse arti-
obtidos. A última seção oferece as principais con- go é de 8 (oito) anos após a publicação da Lei, sen-
clusões desenvolvidas pelos autores deste artigo. do de 3 (três) anos o período, após a publicação da
Lei, para se utilizar um percentual mínimo obrigató-
rio intermediário de 2% (dois por cento) em volume
BIODIESEL (BRASIL, 2005).

Esta seção apresenta inicialmente considerações


1
A denominação B2 refere-se à mistura de 2% de biodiesel ao diesel de
sobre a importância do biodiesel e, posteriormente, os petróleo, o termo B5 é usado no caso da mistura de 5% e B100 é a deno-
principais elementos que compõem a sua cadeia. minação para o biodiesel puro.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 119-131, jun. 2006 121
AVALIA«√O ECON‘MICA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DO BIODIESEL: ESTUDO DE CASO DA DENDEICULTURA NA BAHIA

A introdução do biodiesel no mercado representa- do Fundo Bio de Carbono (CBF), administrados pelo
rá uma nova dinâmica para a agroindústria, com seu Banco Mundial (MEIRELLES, 2003).
conseqüente efeito multiplicador em outros segmen-
tos da economia, envolvendo óleos vegetais, álcool,
óleo diesel e mais os insumos e subprodutos da pro- Cadeia produtiva do biodiesel
dução do éster vegetal. A produção de oleaginosas
poderá expandir significativamente para atender o A Figura 1 mostra os principais elos da cadeia pro-
aumento da demanda por óleo para a produção de bi- dutiva do biodiesel, quais sejam: a produção do grão, a
odiesel, destacando-se o potencial de 70 milhões de extração do óleo, a produção do biodiesel a partir do
hectares com aptidão para o cultivo do dendê, locali- grão, a distribuição e a revenda ao consumidor. O biodi-
zados principalmente na região Amazônica e no leste esel produzido será inevitavelmente inserido na logística
do Estado da Bahia, destacando que o Brasil possui dos combustíveis. Assim, terá de ser transportado para
apenas 50 mil hectares plantados com dendê. os locais de estocagem de diesel das grandes distribui-
As curvas do preço do óleo de dendê e de soja de- doras de produtos refinados, onde será misturado ao
crescem à taxa de 3% ao ano, em dólares deflacio- mesmo.
nados (média dos últimos 20
anos), enquanto que as curvas Figura 1
de preço do óleo diesel são Cadeia de produção do biodiesel
crescentes em função da es-
cassez de combustíveis fós-
seis, não havendo previsão de
inversão da tendência de cres-
cimento do preço do óleo die-
sel (CAMPOS, 2003).
O biodiesel é um combustí-
vel biodegradável derivado de
fontes renováveis e pode ser
produzido a partir de gorduras
animais, óleos e gorduras resi-
duais ou de óleos vegetais
(PROGRAMA NACIONAL DE
PRODUÇÃO E USO DE BIO-
DIESEL, 2005). A substituição Fonte: Souza (2005) – ANP
do óleo diesel mineral pelo bio-
diesel resulta em diversos benefícios ambientais que Segundo dados primários obtidos com uma distri-
podem, ainda, gerar vantagens econômicas, pois o buidora, hoje o biodiesel é transportado puro (B100)
país poderia enquadrar o biodiesel nos acordos esta- até as bases, onde é armazenado em tanques exclu-
belecidos no protocolo de Kyoto e nas diretrizes do sivos por um período máximo de 3 meses – prazo a
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Tam- partir do qual o mesmo deve ser re-certificado pela
bém existe a possibilidade de venda de cotas de car- Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bio-
bono através do Fundo Protótipo de Carbono (PCF), combustíveis (ANP). A mistura do biodiesel ao diesel
pela redução das emissões de gases poluentes, e é simples e pode ser feita nos próprios tanques dos
também créditos de “seqüestro de carbono”,2 através caminhões, até atingir a proporção desejada, por
exemplo, B2.
As matérias-primas para a produção de biodiesel
2
O biodiesel permite que se estabeleça um ciclo fechado de carbono, no
qual o CO2 é absorvido durante o crescimento da planta e é liberado quan-
são óleos vegetais, gordura animal, óleos e gorduras
do o biodiesel é queimado na combustão do motor (HOLANDA, 2004). residuais. Algumas fontes para extração de óleo ve-

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ADRIANA LEIRAS, SILVIO HAMACHER, LUIZ FELIPE SCAVARDA

getal são: baga da mamona, polpa do dendê, amên- METODOLOGIA DE PESQUISA


doa do coco de babaçu, semente de girassol, caroço
de algodão, grão de amendoim, semente de canola, Para proceder ao estudo de caso, foi feita uma tri-
polpa de abacate, grão de soja, nabo forrageiro e angulação de métodos que inclui investigação docu-
muitos outros vegetais em forma de sementes, mental e levantamentos de percepções por meio de
amêndoas ou polpas (PARENTE, 2003). questionários estruturados, entrevistas para a coleta
As etapas operacionais envolvidas no processo de dados e visitas in loco com observação direta. A
de produção de biodiesel são apresentadas no fluxo- Figura 3 esquematiza a triangulação de métodos
grama da Figura 2. adotada.

Figura 2
Fluxograma do processo de produção do biodiesel

Fonte: Parente (2003)

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AVALIA«√O ECON‘MICA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DO BIODIESEL: ESTUDO DE CASO DA DENDEICULTURA NA BAHIA

Figura 3
Triangulação de métodos

Fonte: Yin (2005)

A partir das informações obtidas pelo método de de cadeias produtivas do biodiesel. A metodologia de
triangulação, foi proposto um modelo para simulação pesquisa é representada na Figura 4.

Figura 4
Framework da metodologia de pesquisa

Fonte: Baseado em Menon et. al. (1999)

O formato final do modelo de simulação foi deter- Para a coleta de dados primários, foram aplicados
minado a partir de diversas interações com empresá- questionários a empresários e pesquisadores da
rios/especialistas da área do agronegócio e de bio- área por meio de amostragem não probabilística. A
combustíveis. Dessa forma, foi desenvolvido um mo- Tabela 1 sintetiza a inserção dos respondentes da
delo que, além de ser coerente com a perspectiva pesquisa.
acadêmica, é uma ferramenta útil aos empresários e
pesquisadores.

124 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 119-131, jun. 2006
ADRIANA LEIRAS, SILVIO HAMACHER, LUIZ FELIPE SCAVARDA

Tabela 1
Entrevistas realizadas =0 (2)

O projeto é economicamente viável se a taxa de


retorno esperada for maior que a taxa de retorno re-
querida, ou seja, se TIR > custo de oportunidade do
capital.
ESTRUTURA DO MODELO DE SIMULAÇÃO • retorno sobre o investimento: VPL Lucros/ In-
vestimentos (Superintendência da Zona Franca
O modelo de simulação desenvolvido permite ava- de Manaus - SUFRAMA; Fundação Getúlio Var-
liar a viabilidade econômica de um projeto de produ- gas - FGV, 2003).
ção de biodiesel (1) ou qualquer empreendimento ver- • lucro líquido médio: média das estimativas de
ticalizado para a produção de óleo vegetal + biodiesel lucro ao longo do horizonte de planejamento (SU-
(2) ou de oleaginosas + óleo vegetal + biodiesel (3). FRAMA; FGV, 2003).
As verticalizações, embora aumentem a comple- • margem de lucro: lucro líquido médio/receita to-
xidade de gestão, trazem economias ao eliminar im- tal média (SUFRAMA; FGV, 2003).
postos, fretes e margens intermediárias, que onerari- • rentabilidade: igual ao lucro líquido médio/inves-
am o produto final - o biodiesel. timento total (SUFRAMA; FGV, 2003).
Trata-se essencialmente de um modelo de análi-
Os resultados financeiros determinados a partir
se financeira da exploração comercial, conduzindo
dos fluxos de caixa dependerão basicamente de uma
ao fluxo de caixa do projeto. São usados os seguin-
combinação de: receitas obtidas com os produtos;
tes indicadores para avaliar a viabilidade econômica
custos de capital e sua remuneração; custos das
do projeto:
matérias-primas; custos operacionais industriais; e
• valor presente líquido (VPL): De acordo com custos logísticos.
Samanez (2002), o VPL mede o valor presente Além do nível de verticalização, o modelo consi-
dos fluxos de caixa gerados pelo projeto ao longo dera os seguintes dados de entrada para a simula-
da sua vida útil. O VPL é definido por: ção: oleaginosa utilizada e origem desta - agricultu-
ra familiar ou intensiva -, processo de produção e
capacidade da planta de biodiesel, rota de produ-
(1) ção, alíquotas para impostos, custo de capital, coe-
ficientes técnicos do processo produtivo, preço dos
insumos e co-produtos, dados logísticos e margens
Onde FCt representa o fluxo de caixa no t-ésimo de comercialização.
período, I é o investimento inicial, n é o horizonte de O usuário determina ainda o cenário da simula-
planejamento e ia.m é o custo do capital mensal. ção. Há três cenários possíveis: pessimista, provável
O objetivo do VPL é encontrar projetos ou alterna- e otimista. Os custos, produtividades no plantio e
tivas de investimento que sejam economicamente vi- teor de óleo extraído e preços dos subprodutos vari-
áveis, ou seja, projetos que tenham um VPL positivo. am de acordo com o cenário escolhido, logo, para
Foi utilizado o índice 12t-6, pois o fluxo de capital é cada elo da cadeia há três fluxos de caixa (pessimis-
distribuído ao longo do ano, logo, foi considerada a ta, provável e otimista).
média de distribuição do fluxo - a metade do ano. As planilhas de fluxos de caixa consideram, basi-
• taxa interna de retorno (TIR): De acordo com camente, os mesmos itens de custos para os dife-
Samanez (2002), a TIR é uma taxa hipotética de rentes elos da cadeia produtiva. Os custos dividem-
desconto que anula o VPL, ou seja, é o valor de i se em investimento inicial e custos operacionais (no
que satisfaz à seguinte equação: caso do plantio são custos com produção e colheita).

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AVALIA«√O ECON‘MICA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DO BIODIESEL: ESTUDO DE CASO DA DENDEICULTURA NA BAHIA

Também são consideradas as receitas obtidas com entre as espécies Dura x Psifera) possui característi-
os subprodutos gerados no processo de produção. cas genéticas que permitem produtividade de até 30
O fluxo de caixa do produtor de dendê considera ton. / ha / ano e rendimentos muito superiores na pro-
um horizonte de planejamento de 27 anos, sendo os dução de óleo (em torno de 22%) - (SANDE, 2002).
custos distribuídos anualmente da seguinte maneira: A produção de dendê nacional atual equivale a
• Ano -1: Investimento inicial e custo com preparo 0,1% da mundial, hoje estimada em 25 milhões de to-
da área a ser plantada; neladas, sendo o estado do Pará o principal produtor
• Ano 0: Custos com aquisição, plantio das mudas do país (VALE VERDE, 2005). Na Bahia, a produção
e tratos culturais; média foi de aproximadamente 170.000 toneladas en-
• Anos 1, 2 e 3: Fase de crescimento do dendezei- tre os anos 2000 e 2004 (IBGE/PAM apud ROCHA,
ro, ainda sem produção. Há custos com tratos 2005), estando a produção de dendê concentrada na
culturais. região do Baixo Sul, conforme mostra a Figura 5.
• Anos 4 ao 25: Fase de produção do dendezeiro. O agronegócio do dendê na Bahia apresenta
Há custos relacionados aos tratos culturais e à dois segmentos fortemente diferenciados. O pri-
colheita. meiro, constituído pelos chamados “rodões” (uni-
Essa distribuição de custos foi determinada com dades artesanais de extração de óleo), represen-
base nas entrevistas realizadas e nos estudos da tando a grande maioria das unidades processado-
Suframa/ FGV (2003) e da Empresa Brasileira de ras do óleo.
Pesquisa Agropecuária - Embrapa (2005). O segundo segmento está concentrado em quatro
O fluxo de caixa do produtor de óleo de dendê e empresas de médio e grande porte, que juntas proces-
do biodiesel considera um horizonte de planejamento sam a maior parte da matéria-prima produzida no esta-
de 16 anos, sendo os investimentos realizados no do e normalmente controlam os preços pagos ao pro-
Ano 0 e os custos operacionais nos 15 anos subse- dutor (BAHIA INVEST, 2005). A distribuição da produ-
qüentes, quando a fábrica estará em operação. Esse ção entre essas empresas é apresentada na Tabela 2.
horizonte de planejamento foi determinado pela vida
útil média dos equipamentos (15 anos).
DADOS UTILIZADOS NO MODELO DE
SIMULAÇÃO
CADEIA PRODUTIVA DO DENDÊ NO
ESTADO DA BAHIA As seções deste capítulo apresentam os dados
utilizados no modelo de simulação relativos ao plantio
O dendê (Elaeis guineensis) é uma palmeira de do dendê, extração do óleo e produção do biodiesel.
origem africana que chegou ao Brasil no século XVI Os dados utilizados no modelo de simulação são
e se adaptou ao litoral do sul da Bahia. Dos seus resultado da comparação entre dados primários e
frutos são extraídos dois tipos de óleo: o de palma, dados secundários obtidos por entrevistas, visitas in
retirado da polpa ou mesocarpo; e o de palmiste, loco, investigação documental e revisão da literatura,
obtido da amêndoa ou endosperma. Além desses conforme descrito anteriormente na metodologia de
óleos, obtém-se também a torta de palmiste como pesquisa. Considera-se importante a comparação
subproduto resultante do processo de extração do para, assim, justificar os valores de custos adotados
óleo de palmiste (SUFRAMA; FGV, 2003). em uma primeira simulação.
Entre as variedades existentes, a Dura é predomi-
nante nas áreas de dendezeiros no sul da Bahia.
Essa variedade apresenta baixa produtividade por Dados de plantio de dendê
hectare (entre 4 a 6 ton./ ha / ano) e baixo rendimento
na produção de óleo (em torno de 16%) - (SANDE, Os dados primários obtidos indicam uma grande
2002). Já a variedade Tenera (híbrido do cruzamento variação da produtividade de acordo com a adubação e

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ADRIANA LEIRAS, SILVIO HAMACHER, LUIZ FELIPE SCAVARDA

Figura 5
Distribuição geográfica do dendê na Bahia

Fonte: Rocha (2005) – SEAGRI/BA

Tabela 2 Considera-se na simula-


Características das empresas produtoras de óleo de dendê na Bahia ção a existência de 25.000
mudas de Tenera no viveiro de
uma das empresas visitadas
no Baixo Sul, com previsão de
produção de mais 57.000 mu-
das em 2005. Além disso, fo-
ram distribuídas 350.000 mu-
Fonte: Furlan (1999) e Moraes (2000 apud SANDE, 2002)
das de Tenera a 2.000 produ-
tores do Baixo Sul.
a idade da plantação. A Tabela 3 sintetiza as produtivi- A área necessária para o projeto considerado
dades de Tenera obtidas no Baixo Sul, de acordo com (planta de extração de 20.000 ton/ano), conside-
a idade e com o nível de adubação da plantação: rando o cenário de produtividade de 22 toneladas
Segundo dados primários, em média, a produtivi- por ha, seria de cerca de 1.000 ha. Levando-se em
dade da espécie Tenera no Baixo Sul ao longo do pri- conta que são necessárias 145 mudas por ha,
meiro ano de produção (6º ano) fica entre 6 e 8 tone- essa área equivaleria a cerca de 145.000 mudas.
ladas/ hectare/ ano. Entre o 7º e o 16º ano a produti- Assim, as mudas plantadas seriam mais do que
vidade é maior ou igual a 20 toneladas/ hectare/ ano. suficientes para atender ao projeto de produção de
Nas empresas pesquisadas só há plantio de Te- biodiesel analisado.
nera, mas a produção é complementada em cerca Os dados primários obtidos indicam um preço
de 40% com a espécie Dura, comprada de pequenos de R$150,00/ ton de CFF entregue na fábrica de
produtores da região. A produtividade média do den- óleo (preço CIF) ou R$120,00/ton na região produ-
dê do tipo Dura no Baixo Sul é 4 ton/ha/ano. tora (preço FOB).

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 119-131, jun. 2006 127
AVALIA«√O ECON‘MICA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DO BIODIESEL: ESTUDO DE CASO DA DENDEICULTURA NA BAHIA

Tabela 3 Dados de produção de


Variação da Produtividade no Baixo Sul biodiesel

Os dados de investi-
mentos e custos de produ-
ção de biodiesel utilizados
na simulação consideram
os custos de produção para
as seguintes capacidades:
10, 30, 60, 82 e 100 mi-
lhões de litros de biodiesel
por ano. Os dados dessas diferentes fontes foram or-
Em relação aos custos, são considerados no pri- ganizados para formar três cenários possíveis para
meiro ano de projeto investimentos em ativos fixos e custos de biodiesel: pessimista, provável e otimista –
preparo da área para o plantio, tais como: aquisição onde cada fonte constitui um cenário.
de terreno; obras civis e instalações prediais; equipa- A escolha dos cenários foi feita de acordo com o
mentos, ferramentas, máquinas e veículos. Já no se- custo total por litro obtido em cada estudo, conforme
gundo ano de projeto, os principais custos envolvem apresentado na Tabela 4.
o plantio, sendo necessário, incorrer em custos com Os insumos do processo de transesterificação
a aquisição das mudas e mão-de-obra para o plantio, são: óleo vegetal, álcool e catalisador. São gerados
além de materiais e insumos necessários à ativida- glicerina e ácidos graxos como subprodutos da rea-
de. Os custos dos anos 3 ao 5 referem-se aos tratos ção. Os coeficientes técnicos e preços desses com-
culturais, já que nessa fase ainda não há produção. ponentes são apresentados na Tabela 5.
Já partir do 6º ano, a esses custos somam-se os
custos de colheita.
Tabela 4
Comparação de custos de produção de biodiesel
Dados de extração de óleo
de dendê

O teor de óleo de palma con-


siderado no estudo variou entre
20 e 28 %, de acordo com os
cenários analisados. Foram si-
mulados os custos operacionais Tabela 5
e de investimento de uma usina Coeficientes técnicos e preços dos insumos
de extração de cerca de 20.000
ton de cachos por ano, capaci-
dade equivalente à produção
atual das maiores empresas
produtoras de óleo de dendê no
Baixo Sul. Para essa usina, fo-
ram considerados investimentos
entre 2,6 e 5,2 milhões de reais
e custos operacionais de cerca
de R$ 200,00 por tonelada de
cachos processada.

128 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 119-131, jun. 2006
ADRIANA LEIRAS, SILVIO HAMACHER, LUIZ FELIPE SCAVARDA

RESULTADOS OBTIDOS E ANÁLISE DOS ak even – ponto onde o somatório dos VPLs das
RESULTADOS receitas e despesas acumuladas em cada ano é
nulo ao final do horizonte de planejamento. A esco-
Os resultados preliminares obtidos na simulação lha do break even como opção para a análise de-
consideram os três cenários já descritos: pessimis- veu-se ao fato deste ser o ponto em que as recei-
ta, otimista e provável. O custo do biodiesel na base tas igualam-se aos custos (incluídos os custos de
é igual ao seu custo na fábrica mais o ICMS e o seu investimento e de remuneração do capital), portan-
custo final inclui despesas com impostos. Para o to, a partir do qual o projeto passa a ser economi-
cálculo total de imposto pago por litro de biodiesel camente viável.
considera-se que 40% da matéria-prima é provenien- A Tabela 7 apresenta os resultados das simula-
te da agricultura familiar e 60% da agricultura intensi- ções para a cadeia verticalizada apenas para a extra-
va. Outro parâmetro considerado é o grau de ociosi- ção do óleo e produção de biodiesel, considerando
dade das fábricas de óleo e biodiesel. um preço de compra dos cachos de frutos frescos
A Tabela 6 apresenta os resultados das simula- (CFF) igual a R$150,00 por tonelada.
ções para a cadeia totalmente verticalizada (plan- No caso da cadeia desverticalizada (apenas pro-
tio de oleaginosa + extração do óleo + produção de dução de biodiesel), considera-se um preço de com-
biodiesel), considerando os 3 cenários possíveis pra do óleo vegetal de R$1,50 por litro. Nesse caso, o
para as etapas de plantio e extração e o cenário custo do biodiesel na base chega a R$2,09 por litro.
provável para biodiesel (fabrica de 82 milhões de li- A Figura 6 sintetiza o preço do biodiesel na base,
tros). São mostrados os custos por tonelada de com custos logísticos e todos os impostos, inclusive
cachos de frutos frescos (CFF) e por litro de óleo ICMS. Verifica-se que em 8 dos 13 cenários analisa-
de dendê, do biodiesel na fábrica e na base no bre- dos consegue-se um preço final inferior a R$1,60.

Tabela 6
Resultados das simulações para a cadeia totalmente verticalizada

Tabela 7
Resultados das simulações para a cadeia parcialmente verticalizada

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AVALIA«√O ECON‘MICA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DO BIODIESEL: ESTUDO DE CASO DA DENDEICULTURA NA BAHIA

Figura 6 óleo obtido pelas empresas do Baixo


Resultados para o preço do biodiesel Sul varia entre 2,5% e 5,5%. Para que
se consiga produzir um biodiesel que
atenda às especificações da ANP,
deve-se utilizar como insumo um óleo
vegetal com, no máximo, 1% de aci-
dez. Verifica-se, assim, uma incongru-
ência entre os graus de acidez exigi-
dos e os praticados. Esse problema
pode ser atenuado através de uma ca-
pacitação logística local, diminuindo o
tempo entre a colheita e o processa-
mento. Assim, os cachos chegariam
mais rápido ao seu destino e, portanto,
mais frescos e com menor acidez.
Pela questão da perecibilidade do
dendê (que acarreta num aumento da
acidez do óleo), a extração do óleo tem
que ocorrer em no máximo 48 horas
após a colheita. Dessa forma, a usina
CONCLUSÃO de extração de óleo vegetal deverá ser localizada pró-
ximo à região produtora, ou seja, no Baixo Sul.
O modelo de simulação utilizado revelou preços Outra questão a ser destacada é que o estudo
mais atrativos que os praticados nos quatro leilões da cadeia agrícola considerou as hipóteses de
de biodiesel no Brasil. Estes leilões tiveram como uso da espécie Tenera e condições adequadas de
objetivo garantir aos produtores de biodiesel e aos trato cultural. Todavia, essas hipóteses não são a
agricultores, especialmente os que praticam agri- realidade atual dos pequenos agricultores do Bai-
cultura familiar, um mercado para a venda da produ- xo Sul, que trabalham em sua maioria com a es-
ção. O preço FOB máximo de referência estabeleci- pécie Dura, com pouco apoio técnico. Assim, tor-
do pela ANP e pelo Ministério de Minas e Energia na-se mister o apoio de órgãos públicos para a
(MME) foi de R$1,90 por litro, sendo que a oferta capacitação do pequeno agricultor no cultivo da
vencedora foi de R$1,74 por litro. Esse preço pode espécie Tenera. Devido ao elevado tempo de ma-
ser comparado ao preço do biodiesel de óleo de turação do dendezeiro (pelo menos 4 anos desde
dendê na fábrica e nesse caso, 12 dos 13 cenários o plantio), também se preconiza o financiamento
analisados levam a uma produção de biodiesel a de longo prazo ao pequeno produtor. As questões
preços inferiores ao valor mínimo do leilão, mostran- da perecibilidade do cacho, tratos culturais e fi-
do a competitividade da cadeia produtiva do dendê nanciamento agrícola poderiam ser melhor trata-
na Bahia. Os investidores e demais interessados das a partir da cooperação e associação dos pe-
podem usar os indicadores de desempenho gerados quenos agricultores, estruturas estas ainda incipi-
pelo modelo de simulação em seu processo de entes no Baixo Sul.
apoio à decisão de investir na cadeia produtiva do bi- Por fim, deve-se destacar ainda que a desonera-
odiesel. ção de impostos em todos os elos da cadeia produ-
Apesar dos estudos realizados revelarem um bom tiva é um fator fundamental para que o preço do bio-
desempenho da cadeia produtiva do biodiesel de óleo diesel possa ser competitivo com o do diesel de pe-
de dendê no sul da Bahia, algumas considerações tróleo, além de permitir as margens adequadas para
devem ser tecidas, como a acidez do óleo de dendê. os produtores e industriais. Considerando-se a de-
De acordo com dados primários, o grau de acidez do soneração total de impostos, obteve-se um custo de

130 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 119-131, jun. 2006
ADRIANA LEIRAS, SILVIO HAMACHER, LUIZ FELIPE SCAVARDA

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 119-131, jun. 2006 131
Viabilidade técnica e econômica para
implantação de uma micro usina de
extração de óleo de mamona
Telma Côrtes Quadros de Andrade,* Ednildo AndradeTorres**
Hugo Barbosa Lemos,*** Gustavo Bitencourt Machado****

Resumo Abstract
A extração de óleo de mamona é um elo de fundamental im- Castor oil extraction is a fundamentally important link in the
portância para a cadeia produtiva do biodiesel, assim como os co- biodiesel productive chain that, along with the castor residues,
produtos torta, casca, caule e aparas, e que pode ser utilizada no can be used to combat poverty in the Brazilian semiarid
combate à pobreza nas regiões semi-áridas do Brasil. Neste tra- regions. This work discusses the dimension and feasibility of
balho são discutidos o dimensionamento e a viabilidade de cons- building a productive extraction unit of castor oil. To calculate
trução de uma unidade produtiva de extração de óleo de mamona. the planted area we considered a pressed unit of 100kg/hour, in
Para o cálculo da área plantada foi considerada uma unidade de an 8h/day, 260 days/year. The thermal energy used to preheat
prensagem de 100 kg/hora, jornada de 8h/dia, 260 dias/ano. Para the castor seeds was estimated in 6.77 kW, equivalent to 14 kg
o aquecimento das sementes a energia térmica estimada foi de of biomass per day, or, if an Indian type biodigestor were used,
6,77 kW, o que equivale a cerca de 14 kg por dia de biomassa, ou, to a herd of 72 - 157 goat or sheep. The total cost of the castor
se for utilizado um biodigestor tipo indiano, a um plantel de 72 a oil and co-product production unit was estimated around R$
157 caprinos ou ovinos, a depender do tipo de criação. O custo 112,400.00 (a hundred and twelve thousand and four hundred
total da unidade de produção de óleo de mamona e co-produtos reais). Due to its low implantation cost, the equipment must go
foi estimado em R$ 112.400,00 (cento e doze mil e quatrocentos to communities of small-farmers organized in social groups
reais). O equipamento é destinado a comunidades de agricultores such as associations to supply raw material to biodiesel
familiares, em virtude de seu baixo custo de implantação, organi- processing refineries. These low cost industrial structures can
zadas em coletivos sociais, como associações e cooperativas, multiply throughout the State.
fornecedoras de óleo bruto para as refinarias que processam
Key words: castor oil; micro powerplant; castor oil extraction;
biodiesel. Essas estruturas industriais de baixo custo podem se
energy; familiar agriculture.
multiplicar pelas varias regiões do estado.

Palavras-chave: mamona; micro usina; extração de óleo vege-


tal; energia; agricultura familiar.

* Física, Doutora em Geofísica pela USP, Pesquisadora do Laboratório de INTRODUÇÃO


Energia e Gás da Escola Politécnica da LEN/UFBA; Bolsista de DTR-1 /
FAPESB. cortes@ufba.br
** Eng. Mecânico, Doutor em Eng. Mecânica pela UNICAMP, Coordenador O estado da Bahia é o maior produtor de mamona
do Laboratório de Energia e Gás da Escola Politécnica da LEN/UFBA.
ednildo@ufba.br do país, com cerca de 85% do total produzido, se-
*** Bolsista de Iniciação Científica do Laboratório de Energia e Gás da gundo dados da Secretária da Agricultura, e com a
Escola Politécnica da LEN/UFBA. hugonildo@hotmail.com
produção estimada no ano de 2005 em 166.406 tone-
**** Economista. Doutorando em Agricultura Comparada e Desenvolvi-
mento Agrícola pelo Instituto Nacional Agronômico Paris-Grignon (INA- ladas (IBGE, 2006). Porém, não há uma cultura de
PG). Bolsista da CAPES/Governo do Brasil; gubimac@yahoo.com.br extração do óleo de mamona em cooperativas ou as-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 133-141, jun. 2006 133
VIABILIDADE T…CNICA E ECON‘MICA PARA IMPLANTA«√O DE UMA MICRO USINA DE EXTRA«√O DE ”LEO DE MAMONA

sociações. O agricultor comercializa as sementes dades agrícolas. É oportuno se pensar em pequenas


para intermediários ou vende para as grandes empre- estruturas industriais que, mantidas por comunida-
sas. Este trabalho foi realizado no intuito de contri- des de agricultores familiares e dos movimentos so-
buir para a melhoria das condições de vida do homem ciais organizados, possam processar a mamona em
do campo, com agregação de valor à matéria-prima, óleo bruto e fornecê-los às refinarias que o transfor-
isto é, óleo de mamona, a ser forne- marão em biodiesel, a ser mistura-
cido para produção de biodiesel, O estado da Bahia é o do ao óleo diesel.
assim como para identificar as van- maior produtor de A construção de micros usinas
tagens e os gargalos da implanta- mamona do país, com de extração de óleo de mamona
ção de uma micro usina de extra- cerca de 85% do total será uma ação estruturante de
ção de óleo de mamona. produzido, segundo combate à pobreza, que poderá tra-
É no Nordeste que se concentra dados da Secretária da zer maior retorno do cultivo da ma-
a maior parte de agricultores famili- Agricultura, e com a mona aos agricultores, uma vez
ares do Brasil, e a Bahia é o estado produção estimada no que o óleo bruto e a torta de mamo-
com o maior numero de pessoas ano de 2005 em 166.406 na, co-produto associado, têm valor
inseridas na agricultura familiar, so- toneladas (IBGE, 2006). de mercado maior se comparado à
bretudo nas regiões semi-áridas. A Porém, não há uma venda de mamona em bagas. Além
produção de mamona e de seu óleo cultura de extração do disso, é importante que a torta de
pelos agricultores familiares para a óleo de mamona em mamona retorne para os agriculto-
cadeia produtiva do biodiesel con- cooperativas ou res familiares, pois é um adubo de
siste numa política que tende a de- associações excelente qualidade.
senvolver as regiões habitadas por A região do semi-árido baiano,
essa categoria social, superando, em curto e médio em especial a região do médio São Francisco, é ca-
prazos, a condição de pobreza de boa parte da popu- racterizada por baixa pluviosidade anual, cerca de
lação rural da Bahia. Esse “grande salto” social só 550 a 600 mm chuva/ano, e uma altitude média de
será possível mantendo-se a estrutura fundiária distri- 500m acima do nível do mar. Essas condições favo-
buída entre os agricultores familiares, impedindo a recem o cultivo da mamona na região a nível econô-
concentração fundiária decorrente da valorização das mico. O semi-árido baiano está inserido no zonea-
terras e realizando a reforma agrária nos espaços mento proposto pela EMBRAPA (BELTRÃO et al,
onde existem latifúndios. Também deve manter-se a 2004) para o cultivo da oleaginosa. Segundo o autor,
diversidade produtiva da agricultura familiar, impedin- os limites de pluviosidade (500 a 800 mm/ano) e de
do a especialização na produção de mamona, que temperatura (20 a 30°C) são os recomendados para
subordinaria as famílias a uma estrutura de preços e a melhor produtividade da mamona não irrigada. A
de mercado. A diversificação das unidades familiares mamoneira plantada no semi-árido brasileiro é o cul-
valoriza a produção para o autoconsumo (quintais), tivar Nordestina, com 60.000 plantas por ha. A mé-
mantendo-se a perspectiva autoconsumo e mercado, dia, porém, é de 3.000 plantas por ha. Segundo a
e a garantia da presença do Estado, inclusive através EMBRAPA (EBDA, 2006), a produtividade da ma-
da Petrobras, na regulação da política de consolida- mona irrigada pode chegar a 6 t/ha, com muita tec-
ção da cadeia produtiva do biodiesel. Na região do nologia associada, alcançando hoje cerca de 2.500
semi-árido, há uma agricultura familiar, produtora de kg/ha com irrigação.
caprinos e ovinos, com boa parte da lavoura de milho, Os cultivares Paraguaçu e Nordestina contêm
feijão e mandioca destinada ao autoconsumo, e áre- cerca de 50 % de óleo, se plantados a altitudes aci-
as de produção de mamona. ma de 400 m, com densidade de 25 a 30 mil plantas
Há que se destacar que a Bahia é o estado que por hectare (2 a 3 plantas por metro). Para que se
recebe mais bolsas-família, do Programa Fome Zero, obtenha essa produtividade deve ser usado herbici-
do Governo Federal e possui ainda boa parte de sua da, pois a erva daninha prejudica a mamona (DOU-
população habitando o semi-árido e vivendo de ativi- RADO, 2006).

134 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 133-141, jun. 2006
TELMA CÔRTES QUADROS DE ANDRADE etal.

A instalação de uma micro usina deverá aproveitar se otimista de 6% de participação da agricultura fa-
o potencial da região assim como o seu histórico no miliar no mercado de biodiesel, seriam gerados
cultivo dessa oleaginosa. A mamoneira já é plantada mais de um milhão de empregos. Tudo isso vai de-
na região e não será preciso fazer desmatamento ou pender da tributação do biodiesel, dos incentivos
adaptações para a sua cultura. fiscais e de crédito rural para pequenos e grandes
A mamona pode ser plantada produtores (LOPES et al, 2005).
consorciada com gergelim, feijão e A construção de micros Conforme Tabela 1, observa-se
café (EBDA, 2006). A região tam- usinas de extração de o potencial de geração de empre-
bém apresenta uma grande área óleo de mamona será gos no campo em função do cultivo
plantada de culturas que podem ser uma ação estruturante de de algumas oleaginosas no Brasil.
consorciadas com a mamona, combate à pobreza, que O Governo Federal anunciou o
como o feijão e o amendoim. poderá trazer maior uso comercial de biodiesel que dis-
Nos tempos atuais, os recursos retorno do cultivo da ciplina a produção e comercializa-
energéticos desempenham um pa- mamona aos agricultores, ção de óleo de combustível de ori-
pel fundamental na sustentabilidade uma vez que o óleo bruto gem vegetal para mistura facultati-
e é um desafio para o desenvolvi- e a torta de mamona, co- va ao diesel de petróleo – numa
mento cientifico e tecnológico com produto associado, têm proporção de 2% (B2), desde 2005.
vistas à produção de energias reno- valor de mercado maior Ao optar pela implementação do
váveis. O desafio concerne não so- se comparado à venda de programa de biodiesel, tendo a ma-
mente às tecnologias no nível da mamona em bagas mona como a base do programa,
conversão e de energia útil, mas, ampliam-se as experiências com
também, à gerência de modelos e às infra-estruturas esta oleaginosa que possui um mercado crescente
energéticas. A responsabilidade política de desenvol- dentro e fora do Brasil, já que a mesma pode ser uti-
ver infra-estrutura em energia que permita o desenvol- lizada em inúmeras aplicações.
vimento sustentável deve ser uma preocupação de Em estudo prospectivo da produção nacional de
toda a sociedade. biodiesel de mamona e determinação do nível de in-
A partir da produção de biodiesel, o mercado vestimento público necessário para atingir as metas
potencial energético, não só brasileiro, mas mundi- de produção propostas, para o ano de 2006, de acor-
al, poderá dar sustentação a programas de gera- do com os dados da ANP, estão previstos consumir
ção de emprego e renda. Estima-se que para cada 40 bilhões de litros de óleo diesel. Portanto, para
1% de substituição de óleo diesel por biodiesel atender a adoção de 2% de biodiesel ao óleo diesel,
produzido com a participação da agricultura famili- a partir de 2008, serão necessárias cerca de 1,8 mi-
ar podem ser gerados cerca de 45 mil empregos no lhões de toneladas de sementes para produzir 1 mi-
campo, com uma renda média anual de aproxima- lhão de litros de biodiesel.
damente R$ 4.900,00 por ocupação. Numa hipóte- Acrescenta-se ainda mais 440.000t de torta e 80
mil litros de glicerol. Desse volume, se forem admiti-
dos que 40% serão obtidos a partir de óleo de mamo-
TABELA 1 na, e considerando
Potencial de geração de empregos em relação ao cultivo de oleaginosas uma produtividade
no Brasil agrícola da mamo-
na de 1,5 t/ha, com
rendimento indus-
trial em óleo de
45%, será neces-
sário o plantio de
533 mil ha e inves-
Fonte: Lopes et al, 2005 timentos na ordem

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 133-141, jun. 2006 135
VIABILIDADE T…CNICA E ECON‘MICA PARA IMPLANTA«√O DE UMA MICRO USINA DE EXTRA«√O DE ”LEO DE MAMONA

de R$ 540 milhões. Além desse potencial, existe ain-Existem vários processos de extração de óleos ve-
da o mercado para os principais descartes (casca getais, dentre eles o de prensagem mecânica des-
das bagas e torta celulósica processada), que são contínua, o mais antigo, e o de prensagem contí-
utilizados nas etapas de adubação e compostagem. nua, ambos a frio ou a quente, além de extração
Nesse contexto, este trabalho visa discutir a viabi-
por solvente ou associado prensagem contínua/
lidade técnica e econômica da instalação de uma solvente. Neste trabalho é analisado o processo
micro usina de produção de óleo de mamona, dimen- prensagem mecânica descontínua com pré-aque-
sionando-a e estimando os custos de implantação, cimento das sementes.
levando em conta o aproveitamento de recursos natu- A Figura 1 mostra o fluxograma simplificado das
rais disponíveis no local. fases de processamento da mamona, e irá facilitar o
entendimento do dimensionamento e dos parâmetros
aplicados.
METODOLOGIA Para o balanço de massa do processo foi consi-
derado o fluxograma apresentado na Figura 2.
Extração do óleo Partindo das sementes com cascas, 75,2% do
total são aproveitados no processo. Daí, 33,85% do
Para o dimensionamento da micro usina foram total ou 45% com relação à massa de sementes se-
considerados os dados médios para o estado, bem rão transformados em óleo de mamona.
como as capacidades dos equipamentos existentes A energia para o processo será de dois tipos: elé-
no mercado nacional. O regime de trabalho para a trica e térmica. A energia elétrica poderá ser forneci-
equipe de trabalho foi uma jornada de 8 horas sema- da pela concessionária ou produzida em um grupo
nais, cinco dias por semana, totalizando 260 dias gerador tendo como combustível o biodiesel. Neste
por ano.Na Tabela 2 são apresentados os municípi- estudo de caso foi considerada a energia elétrica for-
os da região do médio São Francisco que produzem necida pela concessionária.
mamona, a área plantada de mamona e sua produti- A energia térmica para o cozimento das semen-
vidade média. O cálculo da produtividade média le- tes poderá ser de duas fontes: combustão dos resí-
vou em conta a área plantada de cada município. duos vegetais oriundos do processamento ou biogás,
tendo como matéria-prima esterco de
TABELA 2 animais (caprinos ou bovinos), a de-
Municípios produtores de mamona da região do médio São pender do caso. Na estimativa de
Francisco energia térmica foram considerados o
calor específico da água, uma varia-
ção de temperatura de 55°C e a efici-
ência térmica da caldeira de 60%.
Para a biomassa foi considerada a
combustão da torta, cujo poder calorí-
fico superior medido em laboratório foi
de 18.089 kJ/kg, analisado na Univer-
sidade Federal de Itajubá/NEST. Mas
se for considerado o caule, o poder
calorífico superior é de 16.000 kJ/kg,
com um teor de umidade de 15%
Fonte: IBGE/2003 (AMORIM et al, 2005).
Para calcular a energia térmica le-
A extração do óleo pode ser a partir da semente vou-se em consideração a conservação da massa e
completa (sem descascar) ou da baga (semente o primeiro princípio da termodinâmica. O processo
descascada por meio de máquinas apropriadas). foi considerado em regime permanente, com ener-

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TELMA CÔRTES QUADROS DE ANDRADE etal.

gia cinética, potencial e trabalho mecânico despre- Com isso é possível calcular a quantidade de ca-
zíveis. Dessa forma, lor necessária e, conseqüentemente, a vazão de
combustível necessária por unidade de tempo.
Conservação da Massa Também se adotou, de acordo com o fornece-
dor, uma prensa com capacidade de 100 kg/h e o
descascador com 500 kg/h, os menores existen-
tes no mercado.

Primeiro Princípio da Termodinâmica


CUSTOS DA MICRO USINA E PROCESSO

Os custos de implantação da micro usina estão


divididos em duas partes: construção civil de um gal-
Simplificando de acordo com as premissas, temos.
pão para comportar o processo de extração e aquisi-
m1=m2 e ção das máquinas.
O maquinário da micro usina compreenderá
uma descascadora, um cozinhador, uma prensa,
Figura 1 um triturador, filtros, um decantador e um reserva-
Fluxograma simplificado do processamento da tório para armazenagem do óleo, de acordo com o
mamona fluxograma apresentado na Figura 1. Como a micro
usina irá trabalhar com uma baixa vazão de mamo-
na, não se justifica a utilização de transportadores
mecânicos como o transportador helicoidal e o ele-
vador de canecas. Esse trabalho será suprido pe-
los operadores.
O cozinhador funcionará em batelada com aproxi-
madamente 300 kg por vez. A capacidade nominal é
de 500 kg por vez. Depois de aquecida, a semente é
prensada e é extraído o óleo. Após a primeira pren-
sagem, a torta poderá ser reaquecida para a extração
de uma maior percentagem de óleo. Para extrair to-
talmente o óleo residual será necessário lavar a torta
com um solvente antes da nova prensagem, o que
encarecerá o processo. Neste estudo não foi consi-
derada a extração por solvente.
Figura 2 Após a prensagem o óleo pode ser transferido
Balanço de massa simplificado do processo de para o decantador, seguindo posteriormente para a
extração filtragem e armazenagem.
Observa-se no layout (Figura 3) que o estoque
respeita a ordem do descarregamento das sacas de
mamona no estoque. Assim como há a facilidade
para retirada do produto.
Considerando a função da edificação, estima-se
que os custos da obra civil seriam de aproximada-
mente R$ 400,00 (quatrocentos reais) por metro qua-
drado, o que daria um total de R$ 30.000,00 (trinta mil
reais) para a área proposta de 75m².

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 133-141, jun. 2006 137
VIABILIDADE T…CNICA E ECON‘MICA PARA IMPLANTA«√O DE UMA MICRO USINA DE EXTRA«√O DE ”LEO DE MAMONA

RESULTADOS E DISCUSSÃO A micro usina deve ser montada de forma a com-


portar os equipamentos, o estoque e os operadores.
Considerando que os gargalos da unidade são o Os equipamentos devem estar dispostos tanto para
processamento e a prensagem, foi este o ponto de facilitar a operação quanto para evitar interferências
partida para o dimensionamento. Para uma quantida- na manutenção de cada equipamento em específico.
de diária de 1.070 kg de sementes de mamona inse- A área total proposta é de 75m². Além da área desig-
ridas no descascador, e considerando que o menor nada às maquinas, é necessária uma área para esto-
descascador de mamona fabricado tem capacidade cagem da matéria-prima que será processada, como
de operar a 500 kg de fruto por hora, se o descasca- indicado no layout da Figura 3. O layout também su-
dor operar durante 3 horas diárias fornecerá matéria- gere uma facilidade para a estocagem da matéria-pri-
prima suficiente para atender a produção. ma e dos produtos da extração, um sanitário e um
Portanto, considerando o balanço de massa apre- escritório.
sentado na Figura 1, serão produzidos cerca 800 kg
de sementes, que serão processados na prensa
com capacidade de 800 kg/dia. Sistema de aquecimento
Considerando as premissas adotadas e uma pro-
dutividade média de 664 kg/ha, serão necessários Para o cálculo da potência térmica, Q & , necessá-
cerca de 420 ha de área planta. Sendo assim, uma
ria ao aquecimento das sementes de mamona, con-
siderou-se: m
unidade desse porte pode ser operada por uma coo- & a quantidade horária de combustível;
∆T a variação de temperatura, estimada em 55 °C; e
perativa ou associação ou por um produtor de médio
a grande porte. o calor específico da água c = 4,184 kJ/kgK.
A Tabela 3 apresenta uma estimativa de custos A partir desses valores, a potência térmica esti-
para o maquinário da micro usina de extração de óleo
mada foi igual a 14.644 kJ/h; com a eficiência da cal-
de mamona, com um total de R$ 82.400,00 (oitenta e
deira de 60% a energia necessária é de 24.406 kJ por
dois mil e quatrocentos reais). Grande parte do equi-
hora ou 6,77 kW. Portanto, considerando o poder ca-
pamento de extração do óleo, entretanto, pode ser
lorífico inferior da biomassa de 11.000 kJ/kg, são ne-
construída na Bahia com a mesma qualidade ofereci-
cessários cerca de 18 kg/dia para combustão.
da por empresas do território nacional, reduzindo oFoi estudada a possibilidade do uso de biogás
custo final. produzido em biodigestores, do tipo indiano, por
exemplo, uma alternativa em comunidades rurais or-
ganizadas. Nesse contexto, a instalação de um bio-
TABELA 3 digestor poderia ser
Orçamento do maquinário da micro usina de extração de óleo de mamona uma fonte de biogás
para a comunidade.
Para satisfazer a
segunda alternativa
seria necessário
construir um biodiges-
tor em área contígua à
unidade de extração
do óleo bruto. A insta-
lação de um biodiges-
tor, além de represen-
tar uma fonte de ener-
gia através da queima
de biogás, é parte do
Fonte: ECIRTEC, 2006.
sistema baseado em

138 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 133-141, jun. 2006
TELMA CÔRTES QUADROS DE ANDRADE etal.

Figura 3 zem o poder calorífico do biogás, tornando economi-


Layout da Micro usina camente inviável a sua compressão (KAPDI et al.,
2005). No entanto, é imprescindível envidar esforços
para melhorar a qualidade do biogás e viabilizar a sua
estocagem.

Viabilidade econômica

Os custos da obra civil foram estimados em apro-


ximadamente R$ 30.000,00 (trinta mil reais), para a
um modelo agro-ecológico em assentamentos huma- área proposta de 75m². Somando a esse último valor
nos caracterizados como de agricultura familiar, a estimativa de custos para o maquinário da micro
onde, em geral, a lavoura é individual, porém a cria- usina de extração de óleo de mamona, que apresen-
ção de animais é coletiva, o que torna viável a implan- tou um total de R$ 82.400,00 (oitenta e dois mil e
tação de biodigestores. Porém, é necessário fazer quatrocentos reais), tem-se um total de R$ 112.400,00
um estudo detalhado da viabilidade desse sistema e (cento e doze mil e quatrocentos reais).
das dificuldades operacionais inerentes. Como resultado, foi estimada a produção da uni-
Com relação ao metano, ARROYO (1984) faz re- dade em 360 kg/dia de óleo, ou seja, 93.600 kg/ano.
ferência aos seguintes parâmetros termodinâmicos Também deve ser considerada a torta, pois serão pro-
para as condições normais de pressão e temperatu- duzidos 114.400 kg/ano.
ra: densidade, ρ = 0,72 kg/m3, PCI = 50.000 kJ/kg e Valorando o óleo na faixa de R$0,80/kg, tem-
PCS = 55.545 kJ/kg. Como referência, o poder calorí- se o valor anual igual a R$ 74.880,00, que somado
fico superior, PCS, do GLP é 49.000 kJ/kg. a torta, valorada em R$ 0,2/kg, totaliza R$
Para suprir a potência térmica necessária, será 97.780,00 por ano. Como o investimento da unida-
calculado o número de cabras adultas necessárias de é de R$ 112.400, a unidade se paga em menos
para a produção diária de esterco. Para produzir 1m3 de dois anos.
de biogás, foi considerado que uma cabra produz de
1,64 kg/dia (LOPES, 2006) a 0,350 kg/dia de ester-
co. Partindo de 1,64 kg/dia, para produzir 1 m3 de bi- CONCLUSÕES
ogás seriam necessários 12,5 kg de esterco fresco
de cabra (1 m3 de biogás/kg de esterco = 0,08 m3/ A extração de óleo de mamona é um importante
kg). Em um dia precisa-se de pelo menos 8 cabras, elo para a cadeia produtiva mamona/biodiesel e, quan-
que geram 13,12 kg de esterco fresco para gerar 1 m3 do o foco são agricultores familiares, pode ser uma fer-
de Biogás. Como 1 m3 de Biogás representa cerca de ramenta de combate à pobreza. O cultivo de mamona
25.080 kJ, então, para produzir 117.152 kJ/dia serão poderá melhorar a renda de agricultores e agricultoras
necessários 4,67114 m3/dia de biogás, o que repre- da região, uma vez que o óleo bruto e a torta de mamo-
senta 72 cabras presas por 12 horas. Considerando na, co-produto associado, têm um valor de mercado
que uma cabra elimine 0,350 kg/dia, seria necessário maior se comparado à venda de mamona em bagas.
um mínimo de 154 animais. Além disso, é importante que a torta de mamona retor-
O uso de biogás como um combustível tem sido ne para os agricultores familiares, pois esta é compro-
analisado de perspectivas técnicas, econômicas e vadamente um adubo de excelente qualidade.
ambientais. As opções podem conduzir a uma subs- Neste trabalho foi discutida a viabilidade técnica e
tituição de parte do combustível fóssil atualmente uti- econômica da instalação de uma micro usina de pro-
lizado e a uma redução em emissões de gases de dução de óleo de mamona, com pré-aquecimento
efeito estufa. A presença de gases não combustíveis das sementes, dimensionando-a e estimando os
como, por exemplo, CO2, H2S e vapor d´água redu- custos de implantação.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 133-141, jun. 2006 139
VIABILIDADE T…CNICA E ECON‘MICA PARA IMPLANTA«√O DE UMA MICRO USINA DE EXTRA«√O DE ”LEO DE MAMONA

Foi considerada uma vazão mínima de 100 kg/ A inserção da agricultura familiar no Programa
hora de semente inseridos na prensagem para a Nacional de Biocombustíveis, como estratégia de
extração de óleo tornar-se economicamente viável. superação das condições de pobreza de boa parte
Levando em consideração o tempo de operação de da população rural da Bahia, deve ser garantida não
8 horas por dia, serão processadas diariamente somente com a produção exclusiva da mamona,
800 kg de sementes de mamona, produzindo 360 mas com a implantação de micro usinas que produ-
litros de óleo. zam óleo bruto, gerando mais renda para as comu-
Para atender a essa demanda de sementes foi nidades e regiões. Essa integração agricultor famili-
estimado que, tendo em média uma colheita de 664 ar e unidade de beneficiamento do óleo de mamona,
kg/ha, será necessária uma área plantada de aproxi- estruturada com a participação das organizações
madamente 420 ha de mamona para que a micro usi- locais e movimentos sociais, contribuirá para a ex-
na opere nos dias úteis, 8 horas por dia. pansão dos investimentos públicos e privados no in-
A potência térmica necessária para pré-aquecer terior do estado da Bahia, e terá um efeito multipli-
os grãos no processo de extração do óleo, conside- cador no aumento do consumo e da renda familiar. É
rando uma faixa de 60°C a 80°C, foi estimada em necessário, porém, que a estrutura agrária seja dis-
117.152 kJ, em 8 hora por dia. Como fontes de calor tribuída, que as ações estruturantes de regulariza-
possíveis para esse processo são consideradas a ção fundiária e reforma agrária sejam ampliadas,
queima dos resíduos da mamoneira ou lenha e a substituindo os latifúndios por unidades familiares
queima de biogás produzido em biodigestor que utili- menores, os fazendeiros absenteístas por agriculto-
ze esterco de cabras. res familiares e garantindo a diversificação produtiva
A queima diária de cerca de 18 kg de caules, ta- na organização do trabalho familiar em atividades
los, casca ou farelo da mamoneira, com um poder agrícolas e não-agrícolas, tanto para o mercado
calorífico inferior a 11.000 kJ/kg, seria suficiente quanto para o autoconsumo. Essas tecnologias de
para a produção de calor necessária ao processo. baixo custo podem chegar às várias regiões da
Por outro lado, o número de cabras adultas presas Bahia, principalmente com o fomento e intervenção
no período noturno, necessárias para a produção do Governo e órgãos do Estado.
diária de esterco para alimentar um biodigestor,
produzindo biogás, está na faixa de 72 a 154 ani-
mais. REFERÊNCIAS
Por fim, a estimativa de custos dos equipa-
mentos e do espaço físico comunitário totalizou AMORIM, H.B.C.de; SILVA, S.P.R.da. Estudo da viabilidade da
R$ 112.400,00 (cento e doze mil e quatrocentos utilização dos resíduos da mamona na geração de energia. Re-
reais), considerando uma área de 75m², sendo es- latório final das atividades do bolsista. Recife, PE. 2005. Disponí-
timado o tempo de retorno do investimento em vel em: <http://www.upe.poli.br/posgraduacao/pibic/files/
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Para implantação, permanência e sustentabili- ARROYO, N.A.R. O "kit" metano-diesel - atual estádio da pesqui-
dade da micro usina, a médio e longo prazos, é ne- sa. In: ENCONTRO DE BIOGÁS AUTOMOTIVO PARA O MEIO
cessária a participação das comunidades locais, RURAL, Brasília. Anais... Brasilia, 1984. v.1, p.29-36. 1984.
assim como do público que será beneficiado direta- BELTRÃO, N.E. de M.; ARAÚJO, A.E. de; AMARAL, A.B. do; SE-
mente ou indiretamente pelas ações da intervenção. VERINO, L.S.; CARDOSO, G.D.; PEREIRA, J.R. Zoneamento e
Sem a utilização de metodologias participativas, época de plantio da mamoneira para o nordeste brasileiro. Re-
qualquer projeto de desenvolvimento agrícola, rural latório da Embrapa Algodão. Campina Grande, PB. 2004. Dispo-
ou territorial estará destinado ao fracasso. Hoje é nível em: http://www.cnpa.embrapa.br/publicacoes/2004/
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so de conhecimento de sua realidade local e regio- DOURADO, Valfredo. Comunicação oral. In: SEMINÁRIO PERS-
nal e na implantação dos equipamentos e realiza- PECTIVAS ATUAIS PARA O CULTIVO DE MAMONA, Salvador.
ção das intervenções. Anais... EBDA , Salvador, 2006.

140 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 133-141, jun. 2006
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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 133-141, jun. 2006 141
Vantagens e desafios da cultura
mamoneira na Bahia
André Silva Pomponet,* Celia Regina Sganzerla Santana**

Resumo Abstract

O presente texto tem por objetivo identificar a cultura ma- This text aims to identify castor bean (Ricinus commnuis
moneira (Ricinus commnuis L.) como uma alternativa de gera- L.) culture as an alternative income for inhabitants of the
ção de renda para os moradores da região do semi-árido baia- Bahian semiarid region, thus contributing to reduce the high
no, contribuindo para a redução de seus elevados índices de poverty levels in the region. While the replacement of fossil
pobreza. Enquanto no cenário global a substituição das fontes energy sources is already certain in the global scenario, on a
energéticas de origem fóssil já é uma certeza, em nível nacio- national level law 11.097 determines the gradual addition of
nal a lei n° 11.097 determina percentuais graduais de adição de vegetal oil in the Brazilian energy matrix, favoring the
óleo vegetal na matriz energética brasileira, o que favorece a production of biomass. With respect to castor bean, the state
produção de biomassa. No que se refere à mamona, o estado of Bahia is already responsible for 90% of the national
da Bahia já é responsável por 90% da produção do país e, de production and, according to a recent mapping by (Embrapa),
acordo com mapeamento recente da Embrapa, o sertão apre- the backlands present the ideal edaphoclimatic conditions for
senta as condições edafoclimáticas ideais para o plantio da growing it. We aimed to discuss these potential advantages
oleaginosa. Procurou-se discutir essas vantagens potenciais and, simultaneously, present some possible challenges -
e expor os possíveis desafios econômicos, logísticos e de in- economic, logistic and social - to be faced in order to reach the
clusão social que serão enfrentados para se alcançar a sus- desired sustainability and success.
tentabilidade e o êxito almejado.
Key words: semiarid region, castor bean, social inclusion,
Palavras-chave: semi-árido, mamona, inclusão social, bio- biodiesel.
diesel.

INTRODUÇÃO – semente da mamoneira – está entre os produtos


empregados na geração do biodiesel, combustível
O plantio da mamoneira no semi-árido nordestino não poluente que será adicionado ao óleo diesel con-
tem se constituído ultimamente como uma alternati- sumido no Brasil a partir de 2008, conforme o Progra-
va de geração de emprego e renda para os moradores ma Nacional de Produção e Uso do Biodiesel.
da região, acenando com a possibilidade de redução Nesse cenário, a Bahia desponta como um dos
dos elevados índices de pobreza vigentes. A mamona estados mais favorecidos com a medida, já que é
responsável por 90% da mamona produzida no Bra-
sil, sendo que 192 dos seus municípios – conforme
*Graduado em Economia pela UEFS e gestor governamental, atuando na
Diretoria de Estudos da SEI. andré@sei.gov.ba.br
mapeamento realizado pela Embrapa – estão aptos
**Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFPR e gestora governamen- para a produção da semente. A vantagem adicional é
tal, atuando na Diretoria de Estudos da SEI. celiaregina@sei.gov.ba.br que o cultivo pode favorecer justamente os baianos

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 143-150, jun. 2006 143
VANTAGENS E DESAFIOS DA CULTURA MAMONEIRA NA BAHIA

mais pobres – aqueles que sobrevivem da agricultura, Gráfico 1


residem na zona rural de municípios do semi-árido e Produção de Mamona – Em toneladas (t)
possuem baixo nível de escolaridade – através da
geração de emprego e maior integração à sociedade.
Porém, a Bahia precisa superar alguns desafios
para aproveitar melhor suas vantagens competitivas
e, ao mesmo tempo, combinar estas vantagens de
produção com a inclusão social. O objetivo do pre-
sente artigo é o de apontar e discutir, de maneira não
exaustiva, alguns desafios cuja superação pode con-
tribuir para a sustentação do crescimento econômico
Fonte: IBGE/PAM- Produção Agrícola Municipal
baiano e, ao mesmo tempo, favorecer parcela consi- Elaboração: SPA/ Coordenação de Conjuntura Agrícola – SEAGRI-Ba
derável de uma população historicamente excluída.

Conforme já assinalado, a Bahia contribui com


EVOLUÇÃO DO CULTIVO DA MAMONA NA BAHIA 90% da mamona produzida no Brasil e a região de
Irecê particularmente se destaca, com 19 municípios
A mamona tornou-se objeto de maior atenção no circunvizinhos sendo responsáveis por 80% da pro-
Brasil depois que o governo federal sancionou, no iní- dução baiana. Em 2004, por exemplo, o estado pro-
cio de 2005, a Lei nº 11.097, que determina a adição duziu cerca de 150 mil toneladas da semente, cola-
de óleo vegetal na matriz energética brasileira. Além borando para que o Brasil seja considerado o terceiro
da mamona, a soja, o dendê, o pinhão manso e ou- maior produtor do mundo, atrás apenas da Índia e da
tros produtos podem ser utilizados na produção do China. Além de Irecê e região, existem núcleos pro-
biodiesel. As apostas iniciais de êxito, no entanto, dutores em cidades como Senhor do Bonfim, Jacobi-
estão na mamona, já que estudos técnicos prelimi- na, Seabra e Itaberaba (Ver Gráficos 2 e 3)
nares apontam a semente como mais apropriada
para a geração do biodiesel. Gráfico 2
A importância da mamona para a economia baia- Área colhida de Mamona – em hectares (ha)
na, no entanto, é maior do que se pensa e precede em
décadas as discussões sobre o uso da semente para
a produção do biodiesel. É que no passado a produção
de mamona na Bahia já foi mais significativa: nos anos
60 a área total cultivada era de 370 mil hectares (con-
tra 134 mil em 2004 – Ver Gráfico 1) e a produção três
vezes maior. Além do potencial uso como óleo com-
bustível, a semente é utilizada também na composi-
ção de mais de 400 produtos, como vernizes, cosmé- Fonte: IBGE/PAM- Produção Agrícola Municipal

ticos, lubrificantes, plásticos e tintas. Elaboração: SPA/ Coordenação de Conjuntura Agrícola – SEAGRI-Ba

Os principais demandantes das sementes da


mamoneira são os Estados Unidos, a Alemanha, a Um mapeamento recente da Embrapa apontou as
França e a China, que a empregam na indústria quí- condições exigidas para o plantio da mamoneira, o
mica, no ramo conhecido como ricinoquímica (deriva- que favorece o semi-árido baiano: altitude variando
do do nome científico Ricinus commnuis L.). No Bra- entre 300 e 1.500 metros, temperatura que oscile
sil, porém, até décadas atrás, o principal uso da ma- entre 20 e 30 graus centígrados e precipitação pluvio-
mona era na produção do óleo de rícino, substância métrica anual entre 500 e 1.500 milímetros, com re-
purgativa com larga utilização medicinal pelo interior gularidade. Além de apresentar perfil adequado às
do país. condições climáticas do sertão nordestino, a mamo-

144 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 143-150, jun. 2006
ANDRÉ SILVA POMPONET, CELIA REGINA SGANZERLA SANTANA

na possui uma vantagem adicional no que se refere à suficiente em sua produção, segundo autoridades
utilização de mão-de-obra: ela é intensiva em relação governamentais. Dotado de grande extensão terri-
a este insumo, exigindo em média um trabalhador torial e de largas áreas agricultáveis, o Brasil optou
rural para cada quatro hectares plantados. Uma ra- pela utilização do combustível derivado da cana-
zão para o uso intensivo de trabalhadores é a inexis- de-açúcar a princípio, em meados dos anos 70. O
tência de uma máquina apropriada para a colheita PROÁLCOOL fracassou porque o rendimento dos
das sementes, que impõe o uso da colheitadeira do veículos que empregavam o combustível não agra-
milho, com adaptações. dou os consumidores, e também porque não favo-
receu os pequenos produtores, conforme se previa
inicialmente. A certeza de que o petróleo é uma
Gráfico 3
fonte finita de energia e que alternativas para o lon-
Rendimento Médio da Mamona – em Kg/ha
go prazo devem ser buscadas (além do evidente
aprimoramento tecnológico que aumentou o de-
sempenho dos automóveis movidos a álcool e rea-
vivou o interesse dos consumidores) levou as auto-
ridades a repensar a utilização de biomassa, o que
resultou na recente legislação.
Além de constituir alternativa para atender às ne-
cessidades energéticas internas, a biomassa repre-
senta também fonte potencial de geração de divi-
Fonte: IBGE/PAM- Produção Agrícola Municipal
sas, já que os países centrais são os principais de-
Elaboração: SPA/ Coordenação de Conjuntura Agrícola – SEAGRI-Ba
mandantes de combustíveis e não dispõem de ter-
ras agricultáveis na dimensão necessária. É o caso
da União Européia, que precisaria ocupar 61% de
VANTAGENS E DESAFIOS DO BIODIESEL suas terras aráveis para substituir apenas 20% dos
combustíveis fósseis que utiliza. E o principal con-
sumidor mundial, os Estados Unidos, precisaria
O cenário atual das fontes energéticas destinar toda sua produção de soja e milho para
substituir apenas 12% dos combustíveis que conso-
Conforme informações oficiais, a realidade do cul- me. Caso esses países incluam a biomassa em sua
tivo da mamona está começando a mudar com a vi- matriz energética, o Brasil e a Bahia, em particular,
gência da Lei nº 11.097, que prevê a adição de 2% de surgem como potenciais fornecedores.
biodiesel ao óleo diesel consumido no país até 2008. A utilização de óleos vegetais na composição do
A partir de 2013 serão 5%, podendo o prazo ser redu- combustível não tem apelo apenas econômico. Gran-
zido a critério da Agência Nacional do Petróleo, Gás des emissores de gases poluentes que têm degrada-
Natural e Biocombustíveis (ANP), conforme determi- do a atmosfera do planeta, os combustíveis fósseis
na a lei. A previsão oficial é que esses 2% iniciais re- são criticados por ambientalistas e têm sofrido restri-
presentem 800 mil metros cúbicos anuais de biodie- ções em sua utilização. Uma evidência é o Protocolo
sel para o mercado interno. de Quioto, que prevê a redução da emissão de gases
A substituição de combustíveis fósseis pela bio- tóxicos no planeta nos próximos anos e elege os
massa, no entanto, não é uma preocupação recen- combustíveis fósseis como um dos seus principais
te. Desde os dois choques do petróleo (1973 e geradores.
1979) que a utilização de fontes energéticas alter- Assim, a biomassa surge como alternativa
nativas vem sendo discutida, já que o petróleo é energética viável para países como o Brasil, em-
uma fonte finita e cartelizada (através da Organiza- bora provavelmente venha a sofrer a concorrência
ção dos Países Produtores do Petróleo) e sujeita a de outras fontes alternativas e não poluentes de
oscilações de preços, mesmo sendo o Brasil auto- energia.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 143-150, jun. 2006 145
VANTAGENS E DESAFIOS DA CULTURA MAMONEIRA NA BAHIA

O desafio da sustentabilidade econômica suportar cultivo consorciado nos primeiros dois me-
ses de vida e necessitar de renovação a cada dois
É inegável a importância crescente do cultivo da anos, o que não acontece com o pinhão manso. O
mamoneira para a economia baiana. Dados do cultivo deste, todavia, ainda está em fase preliminar e
IBGE indicam que em 2003 o valor da produção lo- a Embrapa mantém estações experimentais em Se-
cal alcançou R$ 63,815 milhões. nhor do Bonfim, na Bahia, além de
No ano seguinte houve um salto Conforme já assinalado, a Glória (SE) e Petrolina (PE).
para R$ 119,814 milhões. Esse Bahia contribui com 90% O contínuo aprimoramento ge-
desempenho, inclusive, foi anteri- da mamona produzida no nético e o desenvolvimento de mé-
or à legislação que trata dos bio- Brasil e a região de Irecê todos para elevar a produtividade
combustíveis. Conforme já dito, particularmente se são imperativos nas modernas ati-
80% da produção provém da mi- destaca, com 19 municípios vidades agrícolas, mas é ainda
cro-região de Irecê, embora o cul- circunvizinhos sendo mais relevante no cultivo da ma-
tivo seja apropriado para 192 mu- responsáveis por 80% da mona voltada para a produção de
nicípios baianos. Esses dados re- produção baiana. Em 2004, biodiesel, que compete com fon-
velam que existe um enorme po- por exemplo, o estado tes energéticas alternativas e, de
tencial para expansão do cultivo, produziu cerca de 150 mil forma mais acirrada, com outros
principalmente no semi-árido. toneladas da semente, produtos vegetais aplicáveis ao
O cultivo da mamoneira pode colaborando para que o mesmo uso.
tornar-se mais atraente. Porém, Brasil seja considerado o
ainda depende de maior aprimora- terceiro maior produtor do
mento genético. O problema é que mundo, atrás apenas da O desafio da logística
o balanço energético – que signifi- Índia e da China
ca a quantidade de energia gerada O melhoramento genético e as
dividida pela quantidade de energia (de origem fóssil) condições adequadas para o plantio da mamoneira,
gasta para gerá-la, medida em Giga joules – fica em porém, não são as únicas exigências para assegurar
torno de 2,0 Giga joules, quantidade considerada a viabilidade econômica do cultivo. O atual estágio da
muito baixa quando comparada ao retorno oferecido economia mundial tende a igualar custos de produ-
pela cana-de-açúcar (8,06 Giga joules), por exemplo. ção, deslocando o diferencial nos preços para a esfe-
Esse desempenho pode ser melhorado caso seja ra da circulação dos produtos. Esses efeitos também
elevada a quantidade de óleo vegetal da semente, são visíveis nas atividades agrícolas, principalmente
hoje situada em 48%. Verificou-se que o aprimora- naquelas voltadas para o setor externo. Daí a impor-
mento genético da mamona pode ser obtido através tância de existir uma infra-estrutura adequada para o
da seleção de melhores variedades e pelo uso de le- escoamento da produção, notadamente num país
guminosas em consórcio (adubos verdes). Esforços com as dimensões continentais do Brasil.
com essa finalidade vêm sendo desenvolvidos, inclu- O raciocínio sobre o Brasil é aplicável à Bahia,
sive na Bahia. Para tanto, foi firmada uma parceria pois o estado possui grande dimensão territorial e
entre a UFBA e a UESC, que além de buscar aumen- necessita, também, de uma infra-estrutura capaz de
tar o teor de óleo, pretende tornar a planta mais resis- escoar competitivamente seus produtos. Um detalhe
tente e produtiva. A parceria tem também a finalidade adicional sobre a importância dessa infra-estrutura é
de avaliar o desempenho de biocombustíveis em mo- que grande parte dos municípios apropriados para o
tores automotivos. cultivo da mamona situa-se na porção interior do es-
As preocupações com a produtividade da mamo- tado, afastados da região litorânea e, freqüentemen-
na se justificam também porque já há quem defenda te, a grande distância das maiores cidades. Apesar
o uso do pinhão manso como alternativa à semente, dos problemas de subutilização de ferrovias e da hi-
mesmo com um teor de óleo inferior, variando entre drovia do São Francisco e da má conservação das
28% e 40%. A razão está no fato da mamona não rodovias federais, a Bahia possui uma estrutura viária

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ANDRÉ SILVA POMPONET, CELIA REGINA SGANZERLA SANTANA

diversificada e que pode representar um diferencial Para se alcançar o objetivo da inclusão social,
competitivo, desde que plenamente aproveitada. porém, é necessário que desafios secundários sejam
A exemplo de grande parte do Brasil, as rodovias superados, o que tornará esta inclusão sustentável,
baianas possuem relevância especial no que se re- evitando que a miséria se perpetue através da repeti-
fere à circulação de produtos e de pessoas. As BR ção de erros do passado que levaram outros cultivos
242, 101, 116 e 324, particular- à decadência.
mente, são ainda mais importan- Além de constituir De imediato, o principal desafio
tes porque unem regiões estratégi- alternativa para atender é a sustentação de preços que esti-
cas do estado. A conservação des- às necessidades mulem o produtor a manter seus
sas vias tradicionais de circulação energéticas internas, a cultivos. No mês de julho/06, por
é decisiva para a redução dos cus- biomassa representa exemplo, o quilo da semente da
tos de transporte, favorecendo os também fonte potencial mamona custava R$ 0,25 no Sub-
produtores. Nesse sentido, as al- de geração de divisas, já médio São Francisco, valor consi-
ternativas hidroviária e ferroviária, que os países centrais derado muito baixo em relação
hoje pouco utilizadas, podem re- são os principais àquilo que o governo inicialmente
presentar auxílio adicional, redu- demandantes de projetava (R$ 1,50). Só obtêm pre-
zindo a demanda em relação às combustíveis e não ços melhores os produtores que
rodovias e contribuindo para que dispõem de terras têm contrato firmado com empre-
estas permaneçam em condições agricultáveis na dimensão sas produtoras de biodiesel, mas
trafegáveis. necessária mesmo assim o preço do quilo não
O governo baiano vem se esfor- supera os R$ 0,55. Outros proble-
çando para ofertar uma melhor infra-estrutura para o mas apontados são: a ausência de compradores,
setor, tendo firmado uma parceria entre a Secretaria crédito para o plantio e garantias de venda.
Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (SEC- Existe a preocupação de se evitar que a mono-
TI), a FAPESB e a PUC do Rio de Janeiro. O objeti- cultura da mamona se espalhe pelo semi-árido, tor-
vo da parceria é avaliar a estrutura portuária, rodovi- nando os agricultores suscetíveis às oscilações de
ária, ferroviária e a hidrovia do São Francisco, consi- preços no longo prazo, mesmo que se assegure um
derando as necessidades da cadeia produtiva do bi- preço atraente no curto prazo. A saída apontada é a
odiesel, abrangendo do plantio da mamoneira à ven- diversificação no cultivo, evitando a dependência ex-
da do biodiesel nos postos de combustíveis. cessiva da mamona. Na região de Irecê, por exem-
plo, existe o cultivo consorciado da mamoneira com
o feijão, o que constitui uma fonte alternativa de ren-
O desafio da inclusão social da para os produtores. Há, no entanto, outras ra-
zões para se evitar a monocultura da mamona: o ris-
O sucesso da adição do biodiesel ao óleo com- co de que haja elevação nos preços dos alimentos
bustível consumido no Brasil ainda é fonte de dúvi- nas regiões produtoras da semente (decorrente da
das de especialistas, apesar do otimismo das auto- redução nas áreas plantadas com alimentos) e os
ridades que apostam na biomassa e, no caso baia- riscos ambientais, pois a monocultura pode com-
no em particular, no êxito da mamona. As contesta- prometer a biodiversidade local, com efeitos desas-
ções vão da viabilidade energética da semente à lo- trosos para a região.
gística para escoar a produção, passando por uma A alternativa para combinar a redução dos riscos
política consistente de preços para estimular o pro- ambientais e sociais decorrentes da monocultura e
dutor a preservar seus cultivos. Mas mesmo que su- gerar emprego e renda é o fortalecimento da agricul-
pere os desafios expostos, o êxito só será completo tura familiar entre os plantadores da mamoneira. A
caso a cultura mamoneira gere emprego e renda, história da Bahia mostra que a busca por resultados
incluindo no mercado de trabalho os trabalhadores obtidos pela monocultura no curto prazo sempre se
rurais residentes no semi-árido. sobrepuseram aos seus efeitos perversos de longo

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 143-150, jun. 2006 147
VANTAGENS E DESAFIOS DA CULTURA MAMONEIRA NA BAHIA

prazo. No Brasil Colônia houve a cana-de-açúcar, dos plantadores de mamona baianos, a alternativa é
que depois dos resultados encorajadores dos pri- inviável individualmente. Porém, é perfeitamente fac-
meiros anos mergulhou em prolongada letargia, ar- tível através da associação e da cooperação dos
rastando a economia local, pouco dinâmica. No sé- agricultores, desde que contem com o suporte go-
culo XX, a monocultura cacaueira entrou em deca- vernamental (fornecendo informações técnicas, via-
dência, gerando uma multidão de bilizando a infra-estrutura, imple-
desempregados e problemas so- Apesar dos problemas de mentando uma política de crédito
ciais crônicos, embora com efei- subutilização de ferrovias para plantio e assegurando a sus-
tos menos nocivos sobre a econo- e da hidrovia do São tentação dos preços).
mia baiana, que à época já se di- Francisco e da má No caso da mamona e demais
versificara. Em menor escala, o conservação das rodovias oleaginosas empregadas na pro-
fumo cultivado no Recôncavo re- federais, a Bahia possui dução do biodiesel, está prevista
produziu esse ciclo vicioso. uma estrutura viária a geração de emprego e renda
Assim, o fortalecimento dos diversificada e que pode principalmente no processo de
pequenos agricultores combina representar um diferencial beneficiamento (esmagamento e
inclusão social, maiores possibili- competitivo, desde que produção do biodiesel propria-
dades de conservação ambiental plenamente aproveitada mente dita). Entidades como a
e mercado competitivo, o que não Central Única dos Trabalhadores
se verifica no moderno agronegócio. Contudo, há (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais
outras questões urgentes, e uma delas é que os Sem-Terra (MST) anunciam que pretendem pressio-
pequenos agricultores ainda não estão em condi- nar o governo para que facilite a participação de co-
ções de competir com os grandes produtores pela operativas e associações nesses estágios da ca-
fatia de mercado que se abre com a obrigatoriedade deia produtiva do biodiesel, inclusive assegurando o
de se adicionar 2% de biodiesel ao óleo combustível acesso ao crédito nas mesmas condições que as
até 2008. Vale ressaltar, inclusive, que nesse mer- grandes empresas do setor.
cado competem não apenas os produtores de ma- No entanto, as oito fábricas de biodiesel que se-
mona, mas também de outros cultivos solidamente rão construídas na Bahia não têm esse perfil. Qua-
consolidados no Brasil, como a cana-de-açúcar tro empresas já assinaram protocolos (incluindo a
(com extensas plantações em Alagoas e São Pau- Petrobras) e deverão investir R$ 250 milhões, produ-
lo) e a soja (disseminada pelo Centro-Oeste e tam- zindo 300 milhões de litros de biodiesel anualmen-
bém no Oeste da Bahia). te, em unidade localizadas em Candeias, Feira de
Uma das características da monocultura, que se Santana, Ourolândia e Iraquara. A entrada em ope-
disseminou pelos países periféricos desde os pri- ração das oito fábricas, conforme se estima, permi-
mórdios da colonização, é a sempre baixa agrega- tirá a produção de 640 milhões de litros de biodie-
ção de valor ao produto. Normalmente, a produção sel, beneficiando 83 mil famílias de agricultores no
sempre foi baseada em intensa exploração da mão- plantio da mamona.
de-obra pouco qualificada e em cultivos extensivos A concentração de todo o processo de beneficia-
de baixa produtividade. A inelasticidade da demanda mento em unidades localizadas em apenas alguns
por esses produtos no longo prazo, a concorrência municípios tende a sustentar o perfil atual da econo-
entre os produtores e a deterioração dos termos de mia baiana, em que municípios grandes ou de mé-
troca freqüentemente pressionam os preços para dio porte concentram parcela expressiva do PIB es-
baixo, a despeito dos corriqueiros surtos otimistas. tadual. A pulverização das etapas iniciais de benefi-
A solução que se coloca é o beneficiamento desses ciamento em vários municípios produtores favorece-
produtos primários, agregando valor e incrementan- ria a desconcentração, facilitando a geração de em-
do a renda dos trabalhadores envolvidos no proces- pregos e estimulando o empreendedorismo em regi-
so produtivo. Num mercado com inúmeros produto- ões em que a cultura empresarial é parcamente dis-
res que dispõem de pouco capital, como é o caso seminada.

148 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 143-150, jun. 2006
ANDRÉ SILVA POMPONET, CELIA REGINA SGANZERLA SANTANA

Mas, ainda que esse passo não tenha sido dado, cluir segmentos da população que sempre estiveram
o desenvolvimento do cultivo da mamona para a pro- à margem do circuito produtivo é um desafio hercúleo
dução do biodiesel pode apontar nesta direção. A que exige a mobilização da sociedade e do Estado.
perspectiva otimista se justifica pelo fato de, ao con- Esse desafio não deixa de delinear-se como uma
trário do passado, existir uma maior preocupação alternativa inovadora: não se busca a antiga monocul-
com a questão social, embora a vi- tura pouco complexa e altamente
abilidade econômica do cultivo não Assim, o fortalecimento excludente e não se busca o mo-
possa ser deixada de lado. dos pequenos agricultores derno agronegócio com sua eleva-
combina inclusão social, da produtividade e sua baixa ab-
maiores possibilidades de sorção de mão-de-obra. O que se
CONSIDERAÇÕES FINAIS conservação ambiental e busca é combinar inserção social
mercado competitivo, o através da agricultura familiar, ge-
Em 2004, havia na Bahia cerca que não se verifica no ração de emprego e renda, susten-
de 150 mil hectares de mamona moderno agronegócio tabilidade ambiental, diversificação
plantados em 80 municípios, embo- produtiva e, coroando o ciclo virtuo-
ra a produção estivesse concentrada na micro-região so, encontrar uma alternativa energética viável ao
de Irecê. Segundo dados do Ministério do Desenvolvi- combustível fóssil poluente cujas fontes são finitas.
mento Agrário, para que atenda à demanda nacional
pelo produto nos próximos anos, o Nordeste precisa
plantar 1,8 milhão de hectares da semente ou 1,5 mi- REFERÊNCIAS
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BAHIA. Secretaria da Ciência, Tecnologia e Inovação; PONTIFÍCIA
Brasil e ao semi-árido nordestino, o principal desafio UNIVERSIDADE CATÓLICA (R.J.). Estudo de logística e de viabi-
que se coloca é gerar emprego e renda para a popula- lidade técnico-econômica da cadeia de produção do biodiesel.
ção marginalizada que reside nas zonas rurais das Apresentação de projeto para estudo de infra-estrutura viária da
Bahia. Disponível em: <redebaianadebiocombustiveis.ba.gov.br/
pequenas cidades. Sem recursos, sem educação
index.> Acesso em: 10 ago. 2006.
adequada e habitando locais pouco dinâmicos eco-
nomicamente, essa parcela da população baiana (e BARTELÓ, Cassandra. Preocupação de especialistas é que o
programa lançado este mês pelo governo federal consiga cum-
nordestina) tem diante de si a possibilidade rara de prir papel social. A Tarde, Salvador, 27 dez. 2004. Disponível em:
inserir-se socialmente, melhorando as condições de www.seagri.ba.gov.br/noticias. Acesso em: 12 ago. 2006.
vida no interior do Nordeste.
CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA ARQUITETURA E
Mas, para tanto, é necessário evitar os erros his- AGRONOMIA DA BAHIA. A hora e a vez do biodiesel. Apresen-
tóricos cometidos no passado em relação à mono- tação de vantagens da utilização do biodiesel,[ s.d]. Disponível
cultura e que apenas contribuíram para alimentar a em: www.creaba.org.br/revista/Edicao_11/biodiesel. Acesso
em: 8 ago. 2006.
pobreza e a exclusão social que hoje constituem a
principal fonte dos problemas enfrentados pelo Bra- EMBRAPA. Apresentação do produto. Disponibiliza informações
sil. Combinar uma atividade humana milenar como a sobre a semente da mamoneira, [s.d]. Disponível em:
www.cnpa.embrapa.br/produtos/apresentacao. Acesso em:
agricultura com os métodos cada vez mais sofistica- 26 jul. 2006.
dos do capitalismo moderno e, ao mesmo tempo, in-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 143-150, jun. 2006 149
VANTAGENS E DESAFIOS DA CULTURA MAMONEIRA NA BAHIA

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150 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 143-150, jun. 2006
Gás natural:
algumas questões
Contratos e a indústria
de gás natural
Oswaldo Guerra*

Resumo Abstract

A decisão do governo da Bolívia de nacionalizar as reser- The decision by the government of Bolivia to nationalize the
vas de gás e expropriar os ativos da Petrobras naquele país gas reservoirs and expropriate the assets of Petrobras in that
trouxe à tona um tema tratado na literatura econômica: os pro- country, raised a theme addressed in economic literature:
blemas contratuais que costumam estar presentes nas chama- contract problems that tend to exist in the so-called network
das indústrias de rede. Foi com a teoria dos custos de transa- industries. The contract concept became relevant in the
ção que o conceito de contrato ganhou relevância na teoria eco- economic theory thanks to the theory of transaction costs. A
nômica. Uma breve revisão dessa teoria e uma análise dos con- brief review of this theory and an analysis of the outlines of the
tornos da crise gerada com a decisão boliviana permitem que se crisis generated by the Bolivian decision, allow us to learn an
extraia uma importante lição. Há que se ter cautela antes de se important lesson. Caution must be taken before making
realizar alianças políticas envolvendo investimentos públicos e political alliances involving public and private investments,
privados e de se estabelecer contratos em países com baixo and before establishing contracts with countries with low
apreço pelas instituições, especialmente em uma indústria na regard for institutions, especially in an industry where such
qual tais contratos são marcados por uma forte incerteza ambi- contracts are marked by strong environmental and behavioral
ental e comportamental. uncertainties.

Palavras-chave: gás natural, indústrias de rede, teoria dos Key words: natural gas, network industries, theory of
custos de transação, contratos, incertezas. transactions costs, contracts, uncertainties.

INTRODUÇÃO implicações econômicas. Uma delas foi a ameaça


feita pela Petrobras de suspender novos investimen-
Antes da inauguração do gasoduto Bolívia-Brasil tos no país vizinho e recorrer à justiça internacional,
(GASBOL), o consumo de gás natural no Brasil era caso os contratos firmados que estabelecem condi-
incipiente. Desde então, os governos FHC e Lula tra- ções de oferta e preço para o gás boliviano sejam
taram de estimular o uso do gás natural, sendo a rompidos unilateralmente.
atratividade da tarifa cobrada pela Petrobras o princi- O principal objetivo deste artigo é examinar essa
pal instrumento utilizado. Como a produção nacional implicação. Ela traz à tona os problemas contratuais
cresceu bem menos que o consumo, o Brasil se tor- que costumam estar presentes nas chamadas indús-
nou refém do gás boliviano. Diante desse quadro, a trias de rede, como é o caso do gás natural. A litera-
recente crise entre a Bolívia e o Brasil gerou diversas tura econômica trata desses problemas e uma sucin-
ta revisão desta literatura, com base nos trabalhos
clássicos de Ronald Coase e Oliver Williamson, será
* Doutor em Economia pela UNICAMP. Professor do Curso de Mestrado
em Economia da Universidade Federal da Bahia. oguerra@ufba.br apresentada ao leitor na próxima seção. Na seção

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 153-158, jun. 2006 153
CONTRATOS E A INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL

seguinte, as características estruturais da indústria mercados e firmas são instituições alternativas de


de gás natural e as causas que levaram ao avanço do coordenação das atividades produtivas no interior das
uso desse insumo na matriz energética brasileira são sociedades econômicas.
expostas. A última seção contém as considerações Oliver Williamson (1985) herda a herança de Coa-
finais. Nela busca-se entrelaçar conceitos da teoria se e promove avanços na chamada Economia dos
dos custos de transação com aspectos que aflora- Custos de Transação. Sua abordagem não se restrin-
ram no contencioso entre a Bolívia e o Brasil. ge aos dois extremos para a realização das transa-
ções (firma ou mercado), uma vez que ele introduz na
análise estruturas de governança intermediárias.
CONTRATOS NA TEORIA ECONÔMICA Além disto, trata de definir custos de transação em
termos de variáveis passíveis de mensuração e inclui
Quando Adam Smith (1776) cunhou a expressão a dimensão intertemporal para o entendimento e evo-
“mão invisível”, ele inaugurou uma tradição na teoria lução dos mecanismos institucionais.
econômica: o mercado seria capaz de coordenar, da Nesse último aspecto, Williamson destaca que
maneira mais eficiente possível, as atividades produ- as interações entre os agentes na economia capita-
tivas dos diversos agentes econômicos. O mecanis- lista ocorrem em um contexto onde a repetibilidade
mo de preços, subjacente aos mercados, sinalizaria condiciona os processos decisórios e estabelece a
desequilíbrios entre oferta e demanda e estimularia confiança mútua. Essa repetibilidade é construída a
os agentes a realocarem os recursos da economia. partir de compromissos firmados ao longo do tempo,
Ou seja, Smith não vislumbrava a possibilidade de nos quais se estabelece um conjunto de relações
conflitos de interesse entre as partes gerar perdas contratuais baseadas em promessas de condutas
nas relações entre os agentes econômicos. futuras que ultrapassam os acordos jurídicos for-
Em seu famoso artigo, The Nature of the Firm, mais, com possibilidades de ajustes a eventos im-
Ronald Coase (1937) expressa sua discordância previstos e mecanismos de tomada de decisões
com relação à Smith. Para ele, as atividades produti- (MORAES, 2003).
vas dos diversos agentes econômicos dificilmente Vale dizer, a economia dos custos de transação
poderiam ser coordenadas, exclusivamente, pelo em Williamson trata o problema da organização da
mecanismo de preço. Quando as transações mer- produção como um problema de contratação. As
cantis – compra de um insumo, por exemplo – ocor- transações econômicas podem ser analisadas como
rem via mercado, elas exigem algum tipo de arranjo contratos e para cada tipo de transação há um meca-
contratual que custa algo. Dessa perspectiva surge o nismo explícito ou implícito de contrato.
conceito de custos de transação (custos de se utili- Nas indústrias de rede, como é o caso do gás
zar o mercado), até então largamente ignorado pelos natural, diversos contratos precisam ser firmados,
economistas que privilegiavam a análise dos custos seja porque se trata de relações internacionais, seja
de produção. porque reformas foram feitas nessas indústrias, pro-
Quanto maior o número de transações e os atribu- movendo desintegração vertical, redução de barreiras
tos a elas inerentes (especificidade de ativos e incer- à entrada e novas formas de comercialização. A tare-
tezas), mais elevados seriam esses custos. A substi- fa de coordenar esses contratos exige o conheci-
tuição das transações via mercado por mecanismos mento das variáveis que afetam diretamente os cus-
de coordenação internos à firma eliminaria tais cus- tos de transação ex ante (coletar informações, nego-
tos. Os agentes econômicos, ao adquirirem a propri- ciar, redigir e criar salvaguardas para os contratos) e
edade de determinados fatores de produção, reali- ex post (monitorar, renegociar e adaptar os termos
zando, por exemplo, um movimento de integração contratuais a novas contingências). Como os agen-
vertical para trás, conseguem o direito de utilizar tais tes econômicos são incapazes de ter pleno conheci-
fatores sem a necessidade de confeccionar uma sé- mento de todas as informações e a incerteza associ-
rie de contratos, como ocorreria caso utilizassem o ada à imprevisibilidade de eventos futuros não pode
mecanismo de preços. Portanto, na visão de Coase, ser reduzida a um cálculo probabilístico, os contratos

154 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 153-158, jun. 2006
OSWALDO GUERRA

não podem ser completos, abrindo precedente para feito também através de navios ou caminhões na for-
futuras negociações e barganhas. ma liquefeita (GNL), sendo que o meio marítimo re-
Quando as incertezas envolvidas nas transa- quer uma tecnologia mais avançada e uma infra-es-
ções econômicas estão associadas a mudanças trutura portuária específica, o que torna o custo de
nos parâmetros básicos que norteiam as relações operação mais alto.
comerciais, como a escassez de A importação de GNL é um pro-
um insumo, ela é do tipo ambien- Nas indústrias de rede, cesso que começa com a transfor-
tal. No caso da incerteza vincula- como é o caso do gás mação do gás em líquido no seu
da ao comportamento dos agen- natural, diversos contratos país de origem para que possa ser
tes após o comprometimento en- precisam ser firmados, seja acondicionado em navios e expor-
tre as partes de uma transação porque se trata de tado em seguida. No destino, é ne-
em determinado contrato, ela é relações internacionais, cessária uma planta que transfor-
dita comportamental. Este segun- seja porque reformas me o produto novamente em gás.
do tipo está vinculado às chama- foram feitas nessas Em vista disso, o gasoduto é o
das práticas oportunistas. Como indústrias, promovendo meio mais viável economicamente
sublinha Williamson (1985, p. 57), desintegração vertical, para transportar o gás natural, es-
o oportunismo em termos econô- redução de barreiras à pecialmente nos casos de grandes
micos se refere a uma revelação entrada e novas formas de distâncias, ainda que sua constru-
incompleta ou distorcida das in- comercialização ção exija um elevado investimento.
formações, especialmente quan- Apesar do gás ser considerado
do existem esforços premeditados para equivocar, uma commodity (produto homogêneo, muito influen-
ocultar, ofuscar ou, de alguma outra forma, confun- ciado por movimentos de oferta e demanda e transa-
dir. O oportunismo ex ante se dá quando uma das cionado em bolsas de futuro), o fato de ele ser finito e
partes oculta informações essenciais antes da o fator geopolítico tornam-no uma commodity estraté-
execução do contrato e o ex post surge durante a gica e transnacional. Enquanto vastos recursos eco-
fase de execução do contrato. nomicamente aproveitáveis se localizam em regiões
Em suma, com a teoria dos custos de transação, de limitada demanda, outras, fortemente industriali-
o conceito de contrato ganhou relevância na teoria zadas, ressentem-se da sua existência. Os desdo-
econômica. Ele é também tratado em duas outras bramentos geográficos desse desequilíbrio natural
vertentes teóricas: a teoria dos incentivos e a teoria têm sido uma constante fonte de incertezas e riscos
dos contratos incompletos (BROSSEAU; GALLANT, para a atividade produtiva e têm marcado profunda-
2002; COOTER; ULEN, 1998). Essas três vertentes mente a história desse energético.
têm capacitado os economistas a renovarem suas Diante desse quadro é que se deve entender a
análises sobre os problemas de coordenação nos construção do GASBOL: o Brasil interessado em di-
campos da Microeconomia, Economia Industrial e versificar sua matriz energética e a Bolívia em escoar
Institucional. sua produção. Sua construção envolveu um investi-
mento de cerca de US$ 2 bilhões e a capacidade pro-
jetada inicialmente de transporte foi de 30 milhões de
GÁS NATURAL: características e m³/dia. A Petrobras assumiu os riscos do empreendi-
demanda no Brasil mento, incluindo o financiamento e a construção do
duto nos dois lados da fronteira. Para viabilizar esse
A cadeia produtiva da indústria de gás natural é financiamento, a empresa chegou a pagar antecipa-
composta pelos segmentos de exploração, produção damente por capacidades de transporte. Em contra-
e distribuição. Esses segmentos são interligados por partida, obteve o controle da operação do trecho bra-
redes de gasodutos que transportam o gás natural sileiro do gasoduto e a posição de carregador exclu-
das unidades produtivas para os distribuidores e des- sivo do gás boliviano até o volume de 30 milhões de
tes para o consumidor final. Esse transporte pode ser m³/dia, firmando com os bolivianos um contrato de

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 153-158, jun. 2006 155
CONTRATOS E A INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL

compra por prazo de 20 anos com cláusula do tipo do foi importado da Bolívia. Em São Paulo, o produto
take or pay. Contratos desse tipo protegem os inves- boliviano responde por 91% do consumo total de gás.
timentos feitos pelas firmas em ativos específicos, Nos Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
como é o caso do gasoduto, e resguardam o seu di- Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o gás
reito de propriedade e de retornos de longo prazo so- da Bolívia corresponde a 100% do consumo e, em
bre o capital fixo. Na perspectiva do Minas Gerais, a 50% (Tabela 1).
ofertante, ele estimula os investi- O GASBOL entrou em Frente a esses números, o de-
mentos em exploração e produção operação em 1999. A opção creto que nacionalizou todas as
e garante um fluxo de renda inde- brasileira pelo gás natural operações da indústria de hidro-
pendente do volume consumido. foi estratégica. O objetivo carbonetos da Bolívia trouxe sérias
O GASBOL entrou em operação era reduzir a dependência preocupações, especialmente aos
em 1999. A opção brasileira pelo que o Brasil possuía em segmentos industriais brasileiros
gás natural foi estratégica. O objeti- relação ao petróleo e à que passaram a usar o gás natural
vo era reduzir a dependência que o energia produzida pelas como fonte energética de seus
Brasil possuía em relação ao petró- usinas hidrelétricas processos produtivos. Pelas dis-
leo e à energia produzida pelas usi- posições do decreto, para continu-
nas hidrelétricas.Todavia, no primeiro semestre de arem a operar no país, as empresas petrolíferas de-
2002, apenas 12 milhões de m³/dia de gás estavam vem, após um período de transição de 180 dias, as-
sendo carregados, o equivalente à demanda brasilei- sinar novos contratos atendendo as novas condi-
ra da época. Como, contratualmente, o Brasil era ções legais que as tornam meras operadoras a se-
obrigado a pagar aos bolivianos por um gás que não rem remuneradas pela prestação de serviços. O
estava utilizando, houve várias negociações, com di- Estado boliviano fará jus a 32% do valor da produção
ferentes governantes do país vizinho, para que o pre- de cada campo, a título de imposto direto, e a 18%
ço fosse reduzido. Todas sem sucesso. de royalties.
Como mencionado na introdução, diante
dessa ociosidade do GASBOL, os governos Tabela 1
FHC e Lula buscaram estimular uma maior de- Demanda de gás natural no Brasil – março de 2006
manda pelo gás natural, sendo a atratividade
da tarifa cobrada pela Petrobras o principal ins-
trumento utilizado. Esse estímulo ganhou for-
ça com o racionamento de energia, em 2001,
que lançou incertezas sobre a disponibilidade
de eletricidade. Com o gás, as empresas po-
dem produzir a própria eletricidade, utilizando
para isso geradores especiais. Outro fator que
impulsionou a venda do gás natural foi a esca- Fonte: ABEGÁS, 2006
lada no preço do petróleo. O gás liquefeito de
petróleo (GLP), o popular gás de botijão, é um deriva- Ademais, a partir de agora, as empresas reco-
do do petróleo e chega a custar 80% mais do que o lherão à empresa estatal boliviana (YPFB) uma
gás natural. Houve também um forte avanço na utili- participação adicional sobre o valor da produção
zação automotiva. A frota nacional de carros converti- dos campos. Durante o período de transição, a par-
dos para rodar com o gás natural veicular (GNV), um ticipação será de 32% para campos que produzi-
combustível bem mais barato que a gasolina, cres- ram em 2005, em média, mais de 100 milhões de
ceu bastante. pés cúbicos por dia, e nula para os demais. A me-
Como a produção nacional se expandiu bem me- dida penaliza os grandes campos de gás, em es-
nos que o consumo, o Brasil se tornou refém do gás pecial os da Petrobras e da Repsol, que serão re-
boliviano. Em março de 2006, 44% do gás consumi- muneradas com apenas 18% do valor da produção,

156 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 153-158, jun. 2006
OSWALDO GUERRA

para remunerar seus custos de operação, depreci- CONSIDERAÇÕES FINAIS


ação dos investimentos e utilidades.
A rigor, o decreto foi além do processo de nacio- A sucinta revisão da teoria dos contratos feita
nalização, pois expropriou os ativos das empresas acima deixa claro que a distribuição de riscos entre
que exploram e produzem hidrocarbonetos na Bolí- os agentes envolvidos em determinada relação co-
via. Como se não bastasse, o go- mercial é determinada pelo forma-
verno boliviano tem insinuado que Como a produção nacional to do contrato. Esse formato é de
gostaria de aumentar o preço do se expandiu bem menos particular importância quando a
gás natural fornecido ao Brasil dos que o consumo, o Brasil transação comercial requer investi-
atuais US$ 3,2 para algo entre se tornou refém do gás mentos em ativos fixos específi-
US$ 6 e US$ 7. A Petrobras pro- boliviano. Em março de cos, como é o caso de um gasodu-
mete negociar com a Bolívia para 2006, 44% do gás to. Esse tipo de investimento traz
manter as regras do atual contrato. consumido foi importado implícito o problema de custos ir-
A estatal tem afirmado que não da Bolívia. Em São Paulo, recuperáveis (sunk cost), pois o
aceitará modificação unilateral no o produto boliviano ativo não pode ser transferido para
preço do gás e lembra que quando responde por 91% do outro fim sem significativas per-
quis negociar redução de preços, à consumo total de gás das.
época da ociosidade no GASBOL, Nesse caso, deve-se estabele-
a Bolívia foi irredutível. cer um sistema de incentivos para evitar que a rela-
Um outro aspecto merece destaque. Nota-se na ção contratual seja rompida unilateralmente. Ônus
Tabela 1 que as termelétricas aparecem em segun- por descumprimento de cláusulas e comprometi-
do lugar no ranking de demanda por gás natural. mento de capital no investimento em ativos especí-
Em razão das chuvas que têm garantido o abaste- ficos são dois exemplos que podem ser utilizados
cimento de energia hidrelétrica, a situação, do pon- (MAHER, 1997). No caso em tela, como a Petro-
to de vista conjuntural, é tranqüila. Se, todavia, to- bras assumiu quase integralmente o ônus com o
das as termelétricas do país entrassem em opera- GASBOL, o segundo tipo de incentivo não foi usa-
ção e as demais demandas continuassem cres- do. Dirigentes da estatal reconhecem o erro e têm
cendo no mesmo ritmo, o atual déficit potencial de afirmado que não haverá mais modelos de viabiliza-
gás natural cresceria. ção de projetos como foi o do Gasoduto Bolívia-
Diante desse quadro, existia uma agenda míni- Brasil, no qual a empresa investiu 90% dos US$ 2
ma de investimentos estabelecida pelo governo bilhões aplicados e ficou com 51% das ações, en-
brasileiro que incluía, entre outras decisões, a ex- quanto os demais sócios (um grupo de empresas
pansão da capacidade do GASBOL em mais 15 internacionais) aplicaram US$ 180 milhões e fica-
milhões de m³/dia. Com a crise, a expansão foi ram com 49% do capital.
suspensa e os segmentos industriais demandan- É preciso ter claro que Bolívia e Petrobras têm
tes de gás já falam em reconversão dos seus pro- muito a perder na disputa que travam: não há alterna-
cessos produtivos para óleo. A motivação para tal tivas de escoamento do gás por parte da Bolívia, que
comportamento não está associada apenas às in- não detém tecnologia e recursos financeiros para li-
certezas ambientais e comportamentais, mas quefazer seu gás e exportá-lo – mesmo porque não
também à elevação do preço do gás natural. Des- detém uma saída para o mar – e muito menos condi-
de setembro de 2005, já foram anunciados três re- ções, em prazo razoável, de construir por conta pró-
ajustes de preço. Para este ano, a Petrobras, res- pria um novo gasoduto para outros clientes que, por
ponsável pela distribuição, anunciou que fará au- sua vez, precisariam estar dispostos a negociar com
mentos trimestrais devido ao encarecimento do um governo idiossincrático.
gás boliviano. Os reajustes de agora são uma cla- A Petrobras, por sua vez, não dispõe de reservas
ra estratégia para desestimular a expansão do de gás alternativas, nem poderia importar em escala
consumo. suficiente gás liquefeito de petróleo (GNL) para gasei-

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 153-158, jun. 2006 157
CONTRATOS E A INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL

ficá-lo. O comércio internacional de GNL é intenso, pelas instituições e em uma indústria com as ca-
mas o Brasil não dispõe de unidades de gaseificação racterísticas da de gás natural, pois neste caso os
– apenas um projeto pioneiro em Paulínia (SP), de contratos são marcados por forte incerteza ambi-
pequena escala – que permitam a adoção dessa al- ental e comportamental.
ternativa (a construção de unidades dessa natureza Relembrando, o primeiro tipo de incerteza asso-
requer cerca de dois anos). Ademais, o GNL, em ra- cia-se a mudanças nos parâmetros básicos que
zão dos custos de transporte e transformação, é al- norteiam as relações de comércio, como foi o caso
ternativa energética cara vis-à-vis o gás natural trans- do decreto de nacionalização das reservas de gás.
portado por gasoduto. No segundo tipo, os agentes econômicos agem de
Visando alterar essa correlação de forças, o go- forma oportunista, algo que pode ser ilustrado pelo
verno brasileiro divulgou três novas determinações desejo expresso pelo governo boliviano de aumentar
para que o país obtenha sua auto-suficiência na pro- o preço do gás fornecido ao Brasil. Aceito esse de-
dução de outras fontes de energia, além do petró- sejo, a renegociação dos contratos hoje vigentes irá
leo: antecipação para 2008 da produção de 24 mi- gerar custos de transação ex post e um sobrepreço
lhões de m³/dia de gás do Espírito Santo; substitui- ao gás. Além desses danos econômicos, não se
ção do gás natural pelo álcool nas usinas termelétri- deve esquecer dos associados à insegurança jurídi-
cas; e uma inovação, a introdução do óleo vegetal ca que tanto marcam o continente latino-americano.
no processo de refino do diesel, gerando um com- Em segundo lugar, é urgente a definição de um
bustível de melhor qualidade, com menos enxofre e marco regulatório para o mercado do gás no Brasil.
mais metano. As duas primeiras afetam diretamente Regras claras poderão atrair novos investimentos que
o mercado interno de gás natural. No que diz respei- se somarão aos da Petrobras, dando chance ao país
to à produção capixaba de gás natural, acredita-se de alcançar em prazo razoável sua auto-suficiência
que em 2008 ela substituirá quase toda a importa- em gás natural, algo importante para o incremento da
ção atual de gás da Bolívia e será maior que a previ- competitividade da economia brasileira.
são inicial de produção do campo gigante de Mexi-
lhão, na bacia de Santos.
Com isso, o suprimento para o Sudeste, que an- REFERÊNCIAS
tes seria garantido pelo gás de Santos, ficará a cargo
do Espírito Santo. Já o campo de Mexilhão, quando BROSSEAU, E.; GLACHANT, J. M. Contracts Economics and the
começar a produzir, será direcionado para o Nordeste Renewal of Economics. The Economics of Contracts: theories
e outros mercados. Cumprir essas determinações é and applications. Cambridge University Press, UK, 2002.

uma tarefa gerencial de fôlego para a Petrobras. Os COASE, R. H. The Nature of the Firm. In: STIGLER, G.; BOUL-
projetos originais da estatal previam que a Bacia do DING, K. (Eds.). Readings in Price Theory. New York: George
Espírito Santo estaria pronta para produzir gás daqui Allen and Urwin, 1952.

a seis ou sete anos, mas a empresa está adiantando COOTER, R.; ULEN, T. Derecho y economia. México: Fondo de
esse prazo para 2008. A Petrobras tem conseguido Cultura Económica, 1998.
obter seguidos lucros recordes e para a empresa não MAHER, M. E. Transaction cost economics and contractual rela-
seria difícil a captação de recursos extraordinários tion. Cambridge Journal of Economics, v. 21, n. 2, p. 151-175,
para financiar esses planos de auto-suficiência do 1997.
país. Para o Brasil, não há dúvidas do ganho no caso MORAES, A. G. T. Livre acesso à rede de dutos e proteção ao
de qualquer avanço em termos de redução das com- investimento no transporte de gás natural. Dissertação (Mes-
pras de fontes de energia. trado) – Curso de Mestrado em Economia, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2003.
Duas lições podem ser retiradas de toda essa
crise. Em primeiro lugar, há que se ter cautela an- SMITH, A. A riqueza das nações. São Paulo: Nova Cultural,
tes de se realizar alianças políticas envolvendo in- 1988.

vestimentos públicos e privados e o estabeleci- WILLIAMSON, O. Las instituciones económicas del capitalis-
mento de contratos em países com baixo apreço mo. México: Fondo de Cultura Económica, 1985.

158 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 153-158, jun. 2006
Indicadores urbanos na previsão
de expansão da rede canalizada
de gás natural1
Vanessa Meloni Massara,* Murilo Tadeu Werneck Fagá**
Miguel Edgar Morales Udaeta***

Resumo Abstract

Este artigo tem como objetivo identificar prioridades na ex- This paper aims to identify expansion priorities for the
pansão da infra-estrutura de distribuição do gás natural. Pro- natural gas infrastructure. A methodology is proposed using
põe-se uma metodologia que utiliza matrizes considerando as matrixes that consider the relations between urban dynamics
relações entre a dinâmica urbana e as possibilidades do gás and the possibility natural gas might displace other types of
natural deslocar outras formas de energia final. Como resultado final energy. A conjugated analysis of the systems is carried
é obtida uma análise conjugada dos sistemas, propiciando a out, furthering the combination of parameters generating pairs
combinação de parâmetros formando pares de interesse espe- of specific interest, when a real case is applied in an example
cífico, quando da aplicação do caso real, em um exemplo para o for the municipality of São Paulo. From the results, we come to
Município de São Paulo. Dos resultados, conclui-se que a metró- the conclusion that the metropolis has industrial districts with
pole apresenta distritos com grande consumo de energia para high energy consumption, not yet served by a network of natural
fins industriais ainda não servidos por rede de gás natural e gas, and other central districts, which haven’t been using the
outros, centrais, que vêm subutilizando o serviço já instalado. service installed in all its potential.

Palavras-chave: desenvolvimento urbano, energia, gás natu- Key words: urban development, energy, natural gas,
ral, infra-estrutura, rede de distribuição. infrastructure, distribution network.

INTRODUÇÃO devem ser considerados para a priorização do aten-


dimento a áreas que constituirão um mercado con-
Na tomada de decisão para construção e amplia- sumidor potencial para o serviço em questão. Neste
ção das redes de infra-estrutura, diferentes fatores trabalho, propõe-se a análise conjunta de aspectos
sociais, técnicos e econômicos associados ao pro-
cesso de ocupação dos grandes centros urbanos
1
Os autores agradecem o apoio da Agência Nacional do Petróleo - ANP, da como base para verificação de estimativas de mer-
Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP e do Ministério da Ciência e cado, custos e técnicas mais apropriadas para a
Tecnologia - MCT, por meio do Programa de Recursos Humanos da ANP
para o Setor Petróleo e Gás - PRH-ANP/MCT. ampliação da infra-estrutura de distribuição canali-
* Doutoranda em Energia do Programa Interunidades de Pós-Graduação em zada de gás natural.
Energia - PIPGE/USP e bolsista do PRH - ANP/04. vmassara@iee.usp.br
Como respaldo ao estudo proposto, sugere-se a
** Professor do PIPGE/USP, Coordenador do PRH - ANP/04.
murfaga@iee.usp.br criação de um modelo (MASSARA et al, 2004; 2005)
*** Professor Visitante do PRH - ANP/04. udaeta@pea.usp.br que integre a compreensão da dinâmica urbana às

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INDICADORES URBANOS NA PREVIS√O DE EXPANS√O DA REDE CANALIZADA DE G¡S NATURAL

estratégias de expansão da rede de distribuição de a 5, conforme seu valor numérico (no caso de parâ-
gás, caracterizando as possibilidades de consumo em metros quantitativos) e sua importância na atração
faixas de atratividade. A metodologia desenvolve-se ao uso do gás (no caso de parâmetros qualitativos,
através da organização de 4 sistemas de informações: que fornecem indicativos subjetivos associados às
aspectos de qualidade de vida, planejamento urbano, características da dinâmica urbana do distrito).
projeções de demanda por estratifi- De forma resumida:
cação em tipos de uso do solo e sis- Relacionando dados Faixa 1 – Baixa atratividade à im-
tema canalizado (obra civil). sociais e consumo plantação da rede;
Relacionando dados sociais e estimado por tipo de Faixa 2 – Baixa a média atrativi-
consumo estimado por tipo de ocu- ocupação do solo às dade à implantação da rede;
pação do solo às características de características de Faixa 3 – Média atratividade à
ramificação da rede, a metodologia ramificação da rede, a implantação da rede;
permite classificar cada distrito que metodologia permite Faixa 4 – Média a alta atrativida-
compõe uma cidade segundo a via- classificar cada distrito de à implantação da rede;
bilidade (atratividade) de implanta- que compõe uma cidade Faixa 5 – Alta atratividade à im-
ção da rede de distribuição de gás segundo a viabilidade plantação da rede.
e os locais com potencial de aden- (atratividade) de A atribuição da escala inicial de
samento da rede já existente. implantação da rede de 1 a 5 está associada à utilização da
Para verificação da coerência distribuição de gás e os escala semântica. Ao final do estu-
metodológica, selecionamos como locais com potencial de do será determinado se essa esca-
exemplo o município de São Paulo, adensamento da rede já la linear é válida ou não, através de
composto por 96 distritos com as existente teste e comparação com progra-
mais diferentes características. Por mas computacionais baseados em
fim, o modelo testado para o mercado paulistano análise de múltiplos critérios como o Decisions Lens,
será generalizado em sistema computacional, que que também utiliza a escala de priorização como fer-
permita sua utilização em outras cidades brasileiras, ramenta de tomada de decisão.
a fim de apontar as possibilidades do gás natural A Figura 1 mostra a dinâmica entre os sistemas
substituir outras formas de energia final nos usos ur- de informação para o cálculo do índice de atratividade
banos, além de apresentar diretrizes para os Planos à expansão da rede de gás natural.
Diretores das cidades, visando a incorpora-
ção sustentável dessa infra-estrutura. Figura 1
Interação entre os sistemas de informações visando a
orientação da expansão da rede canalizada de GN
METODOLOGIA

O conjunto de dados é composto por


quatro sistemas de informações referentes
à região de estudo, agrupados em distritos,
segundo a denominação oficial do IBGE,
ou, com maior nível de detalhamento, em
bairros, quarteirões e unidades, conforme a
disponibilidade de informações. Esses sis-
temas determinam quatro respectivos indi-
cadores vinculados ao desenvolvimento ur-
bano da cidade ao longo do tempo.
A cada um dos parâmetros que com-
põem os sistemas é atribuído um peso de 1 Elaboração: MASSARA, V.M., 2004.

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VANESSA MELONI MASSARA, MURILO TADEU WERNECK FAGÁ, MIGUEL EDGAR MORALES UDAETA

Indicadores de qualidade de vida da no mapeamento e classificação do Plano Diretor


da Cidade de São Paulo, verificando os tipos de uso
Este sistema de informações é representado por atuais e suas perspectivas de expansão, na intenção
valores numéricos, distribuídos em intervalos calcula- de elaborar um perfil dos bairros com maior tendência
dos conforme sua dimensão, expressos pelos três à aglomeração industrial (grande atrativo ao uso do
fatores descritos a seguir. gás natural), seguido dos outros usos, conforme es-
Índice de exclusão social (IEX): tem por objetivo cala de projeção de consumo, descrita a seguir.
identificar o grau de desenvolvimento social dos dis- Uso do solo: característica de ocupação do dis-
tritos, considerando variáveis associadas à qualidade trito, pelo mapa de uso do solo (SÃO PAULO,
de vida (SÃO PAULO, 2004). O índice final atribuído a 2004), considerando a maior porcentagem de qua-
cada um dos distritos foi calculado pela soma dos dras com determinado tipo de uso. Embora a Prefei-
índices em cada campo, criando uma escala em um tura forneça várias categorias de ocupação, para
intervalo compreendido entre -1,00 (refletindo a pior efeito de projeção da atratividade ao consumo de
situação de exclusão, faixa 1) e +1,00 (refletindo a gás natural foi elaborado um agrupamento em cinco
melhor situação de inclusão, faixa 5). principais usos:
Índice de desenvolvimento humano (IDH): é uma Faixa 1: predominância em ocupação residencial
adaptação do índice criado pelo ONU e tem como horizontal;
objetivo comparar o grau de desenvolvimento humano Faixa 2: predominância em uso misto (comercial
entre os distritos. Inclui variáveis como escolaridade, e residencial horizontal);
condições básicas de saúde e equipamentos sociais Faixa 3: predominância em ocupação residencial
por distrito (SÃO PAULO, 2004). Esses indicadores vertical;
são transformados em índices que, somados, com- Faixa 4: predominância em uso misto (comercial,
põem o IDH, em um intervalo que varia de 0 (faixa 1, a serviços e residencial vertical);
pior condição de desenvolvimento) até 1 (faixa 5, a Faixa 5: predominância em uso misto (residencial
melhor condição). e industrial).
Porcentagem de atendimento por redes prioritári- Desenvolvimento urbano: conforme definição do
as: são consideradas “prioritárias” as redes de abas- Plano Diretor do Município de São Paulo (SÃO PAU-
tecimento de água, coleta de esgotos e iluminação LO, 2002), atribuiu-se faixas de importância com re-
pública (EMPRESA METROPOLITANA DE PLANE- ferência à projeção de atratividade ao uso do gás na-
JAMENTO, 2003; IBGE, 2003; SÃO PAULO, 2002). tural em relação a cinco descrições de “macroáre-
Esse parâmetro é introduzido no sistema, entenden- as” que correspondem às especificações quanto ao
do que um distrito não será atrativo à rede de gás desenvolvimento urbano atual e futuro dos distritos
natural se ainda não possuir essas infra-estruturas. paulistanos:
Sua abordagem considera a média da porcentagem Faixa 1: proteção ambiental – limites de áreas
de atendimento das três redes, expressas em faixas públicas e de preservação;
representando o percentual de cobertura da rede, em Faixa 2: urbanização e qualificação urbana – áre-
intervalos de 20%. as ocupadas predominantemente por população de
baixa renda, com grande concentração de loteamen-
tos irregulares e favelas;
Indicadores de planejamento urbano Faixa 3: reestruturação e requalificação – áreas
com boa infra-estrutura, mas que passam atualmen-
Estes indicadores são trabalhados em uma base te por processos de esvaziamento populacional e
de dados composta por parâmetros qualitativos (uso desocupação dos imóveis;
do solo, desenvolvimento urbano e zoneamento) e Faixa 4: urbanização em consolidação – áreas
quantitativos (taxa de urbanização e número de lan- com condições de atrair investimentos imobiliários
çamentos imobiliários). Para a análise dos valores privados em residências e estabelecimentos comer-
não numéricos, a estratificação em faixas foi basea- ciais e de serviço;

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INDICADORES URBANOS NA PREVIS√O DE EXPANS√O DA REDE CANALIZADA DE G¡S NATURAL

Faixa 5: urbanização consolidada – áreas forma- bairros combinados a informações da distribuidora de


das por bairros consolidados habitados por popula- gás que serve a região em estudo. Os parâmetros
ção de renda média e alta e com boas condições de são todos numéricos, possibilitando a criação das
urbanização. cinco faixas através da simples divisão dos valores
Zoneamento: regra imposta pela Prefeitura que li- obtidos, listadas a seguir.
mita o uso do solo, ou seja, a destinação dos vários Estratificação por setores de consumo: consiste
“pedaços” da cidade para determinados usos (comér- no desmembramento do bairro em domicílios e nas
cio, serviços, moradia, indústria). Através de consulta diversas atividades econômicas segundo o Cadastro
a mapas da PRODAM (SÃO PAULO, 2004), verifi- Nacional (IBGE, 2003), agrupados em setores de
cou-se a predominância dessas normas de ocupa- consumo baseado na contagem do número de esta-
ção do solo, utilizando a maior porcentagem de qua- belecimentos na unidade de estudo mais propícios à
dras com um determinado tipo de zoneamento. Fo- utilização do gás natural, como hotéis, hospitais,
ram criadas cinco faixas para atratividade à implanta- centros empresariais, supermercados e indústrias
ção da rede, agrupadas da seguinte forma: cerâmica, química e metalúrgica, entre outras.
Faixa 1: zona exclusivamente residencial de bai- Densidade demográfica: corresponde ao quoci-
xa densidade / zona de proteção ambiental; ente entre o número de pessoas residentes e a
Faixa 2: zona exclusivamente residencial de mé- área do distrito (SEADE, 2004), tendo em vista que
dia densidade / zona mista de baixa densidade; maior concentração populacional gera demanda
Faixa 3: zona exclusivamente residencial de alta por energia.
densidade / zona mista de média densidade / usos Renda familiar: corresponde ao número médio de
especiais (aeroportos, cidade universitária); salários mínimos nos domicílios do distrito (SÃO
Faixa 4: zona mista de alta densidade; PAULO, 2004), considerando a influência da relação
Faixa 5: zona com grande ocupação industrial. “renda versus consumo de energia”.
Nesse item, a definição de “zona mista” corres-
ponde à combinação dos usos residencial, comercial
e serviços. Obra civil – implantação dos dutos
Taxa de urbanização: porcentagem da área total
do distrito, ocupada por uso urbano (residências A função do sistema de informações que con-
mescladas a comércio e indústrias), em relação à tem os indicadores da obra civil é a de representar
população total (SÃO PAULO, 2004), representada valores associados ao custo da obra civil, como
em intervalos de 20%. extensão dos dutos e seu diâmetro, assim como
Lançamentos imobiliários residenciais e no setor apontar diretrizes de interdição de vias de grande
de serviços: relacionado à exigência do Código de importância no distrito. Assim como no sistema
Obras de prever instalações prediais para gás nas anterior, as cinco faixas são elaboradas por sim-
novas construções, o que incrementa o consumo de ples divisão dos valores obtidos, expressos por
gás natural. Para atribuição do peso de atratividade quatro fatores:
da rede, elaborou-se o agrupamento em cinco faixas, Extensão da rede de distribuição: distância entre
tendo em vista o maior e o menor número de lança- o distrito a servir e a área de cobertura atual da con-
mentos por distrito, considerando o levantamento cessionária.
elaborado pela Empresa Brasileira de Estudos de Extensão da ramificação: somatório das vias in-
Patrimônio (2004). ternas do bairro a servir.
Vale ressaltar que nesses dois parâmetros as fai-
xas são consideradas em ordem inversa, ou seja,
Potencial de consumo de gás natural quanto menor a distância, maior o peso. Assim, dis-
tritos localizados na área já parcialmente servida por
Neste sistema são armazenados dados proveni- gás canalizado recebem índice 5, expressando a
entes de informações do IBGE sobre a ocupação dos melhor condição de atratividade.

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VANESSA MELONI MASSARA, MURILO TADEU WERNECK FAGÁ, MIGUEL EDGAR MORALES UDAETA

Densidade Construída: é obtida pelo quociente servido daquele que já possui a rede, são aspectos
entre a área construída por tipo de uso do solo (resi- determinantes.
dencial, comercial, serviços e industrial) e a área do Já no critério econômico, a distribuição de renda
distrito, fornecido através do Cadastro de Imóveis da (desta vez sob o ponto de vista da relação de propor-
Prefeitura (SÃO PAULO, 2004). Em distritos com cionalidade entre consumo e renda), a ocupação do
grande densidade construída industrial, supõe-se solo (médio ou alto padrão residencial, escritórios,
menor investimento com ramificações (capilaridade etc.), o custo de ramificação da rede (expresso pela
da rede de distribuição). densidade construída por tipologia de uso) e a voca-
Vias de tráfego com grande importância: mes- ção imobiliária do bairro (tendência à ocupação de
mo com a evolução do processo construtivo, e es- espaços vazios por pólos industriais ou a transfor-
tando a interdição de uma mesma quadra limitada mação de domicílios horizontais em verticais) serão
a dois dias, esse parâmetro indica a importância preponderantes.
do distrito como ligação entre bairros e outros mu- A verificação de cada bairro é relacionada com o
nicípios e a especial atenção que deve ser dada ao levantamento análogo de seu entorno, tendo como
plano de interdição. O número de vias é obtido por base sua distância euclidiana da área já servida.
simples consulta a qualquer mapeamento de ruas, Essa observação é de suma importância para os
contabilizando avenidas e ruas de maior extensão distritos da periferia, que podem mostrar, no estudo
do distrito. numérico, inadequação à expansão da rede, mas
que na análise conjunta dos distritos ao redor, com
melhores índices de atratividade, podem vir a ofere-
Resultados – estudo de caso na cidade cer, a médio prazo, novos eixos de consumo.
de São Paulo Na amostra apresentada através da Figura 2,
que utiliza a escala de valores com base na criação
Através da atribuição de pesos relacionados à de cinco faixas de atratividade, é apresentado um
atratividade do gás natural, foram analisados três dis- exemplo da relação entre esses parâmetros. O índi-
tritos da zona norte da Cidade de São Paulo. ce de atratividade é expresso como a somatória de
Como objetivo, propôs-se mostrar que distritos todos os pesos nas diversas categorias estudadas.
periféricos com consumo de energia predominante- Nessa análise preliminar, optou-se pela utiliza-
mente industrial que ainda não possuem rede, ou são ção de todos os parâmetros com distribuição de
parcialmente servidos pela distribuição de gás natu- peso em intervalos de 1 a 5. No decorrer do estudo,
ral, apresentam perfil de atratividade superior a outros a formulação de hipóteses e a verificação detalhada
bairros já cobertos pelo serviço, apontando novos nú- dos “pares de características que se combinam”,
cleos de consumo, passíveis de expansão da infra- através da aplicação do método de múltiplos critéri-
estrutura. Através do mercado gerado pelo consumo os (AHP: Analytic Hierarchy Process) para apoiar a
industrial, outros usos cotidianos, como residencial, modelagem, irão definir o grau de influência que de-
comercial e serviços, podem ser criados mesmo que verá ser atribuído a cada parâmetro de acordo com
em bairros de menor poder aquisitivo. suas características (como, por exemplo, o consu-
A análise conjugada dos sistemas propicia a mo industrial que pode ou não ter maior influência
combinação de parâmetros formando pares de inte- na atratividade quando comparado ao residencial e
resse específico. Por exemplo, quando o enfoque é talvez deva ter um diferencial nos pesos iniciais de 1
social, a relação densidade demográfica e distribui- a 5, enfatizando essa maior importância). É também
ção de renda ganha interesse com o objetivo de me- intenção da pesquisa evidenciar a controvérsia entre
lhorar a qualidade de vida em áreas com maior con- o menor investimento no suprimento industrial com
centração populacional e menor renda familiar. No grandes consumos versus o maior investimento na
âmbito técnico, a densidade construída representa- ramificação para servir outros usos em menor esca-
da pela verticalização residencial ou concentração la, mas que podem resultar em maior retorno às
industrial, bem como a distância do distrito a ser concessionárias.

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INDICADORES URBANOS NA PREVIS√O DE EXPANS√O DA REDE CANALIZADA DE G¡S NATURAL

Figura 2 uso”, explicando como funcio-


Resumo da influência de parâmetros urbanos para a atratividade nará o programa e a simplifica-
ção da atribuição de pesos para
ao uso do gás natural canalizado
cada parâmetro em cidades de
menor porte que não dispo-
nham de plano diretor, mapea-
mento e tabulações usados na
coleta dos dados.
Dessa forma, pretende-se
identificar as possibilidades de,
em um futuro próximo, utilizar o
gás natural canalizado em bair-
ros próximos ao centro e em ou-
tros periféricos com a mesma
intensidade e facilidade com
que atualmente utilizamos, por
exemplo, a energia elétrica, ge-
rando empregos, desenvolvi-
mento da nossa indústria e mai-
or qualidade de vida para a popu-
lação, independentemente de
Fonte: EMBRAESP, 2004 / EMPLASA, 2003 / PRODAM, 2004 / SEADE, 2004 / SEMPLA/ 2002 sua condição social.

CONCLUSÕES REFERÊNCIAS

Dentre os parâmetros estudados na metodologia,


EMPRESA BRASILEIRA DE ESTUDOS DE PATRIMÔNIO. Relatório
o potencial de consumo de gás natural industrial foi o anual sobre número de lançamentos imobiliários por região.
principal alicerce da demonstração. São Paulo: Embraesp, 2004.
São também determinantes da atratividade o po-
tencial de consumo de GN, os usos residencial, co- EMPRESA METROPOLITANA DE PLANEJAMENTO. Sumário de
mercial e serviços e a combinação uso do solo resi- Dados da Grande São Paulo. São Paulo: Emplasa, 2003.
dencial e uso industrial com probabilidade de incre- FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS. Pes-
mento, bem como a proximidade dos bairros já servi- quisa Municipal Unificada. São Paulo: Seade, 2004.
dos que conseguiram suplantar os baixos índices de
renda familiar, desenvolvimento humano e urbano e, IBGE. Cadastro Nacional das Atividades Econômicas. Rio de
também, de inclusão social. Janeiro: IBGE, 2003.
Outro ponto marcante do trabalho é a verifica-
MASSARA, V. M.; FAGÁ, M. T. W. Distritos industriais como
ção de que vários distritos centrais estão subutili- alicerces da expansão da rede de gás natural em usos resi-
zando a infra-estrutura de GN. Bairros do centro denciais e comerciais. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE P&D
histórico da cidade de São Paulo que se caracte- EM PETRÓLEO E GÁS, 3., 2005, p.1-6.
rizam por baixa renda, uso misto com grande pre-
dominância de indústrias e problemas com a eva- MASSARA, V. M.; FAGA, M. T. W.; SANTOS, E. M. Ampliação de
são populacional, que já ocorre há alguns anos, mercado para o gás natural utilizando informações urbanas –
Estudo de caso nos distritos paulistanos. Rio Oil & Gas Expo
evidenciam o não aproveitamento da rede existen-
and Conference, p. 1-7, out. 2004.
te, como também outros distritos, de melhor ren-
da e ocupação sofisticada, que apresentam po- SANTOS, E. M.; et al. Gás natural: estratégias para uma nova
tencial para adensamento dessa infra-estrutura, energia no Brasil. São Paulo: Anamblume, 2002.
apontando a importância da abordagem desse
SÃO PAULO (SP). DEPARTAMENTO DE PROCESSAMENTO DE
aspecto na aplicação da metodologia em desen-
DADOS. Sumário de Dados 2004. São Paulo: Prodam, 2004.
volvimento.
Junto ao sistema computacional para cálculo SÃO PAULO (SP). SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO
automático do índice de atratividade para qualquer URBANO. Plano Diretor estratégico do Município de São Paulo
cidade brasileira será elaborado um “manual de 2002-2012. São Paulo: Sempla, 2002.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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• No final do artigo deve aparecer a referência bibliográfica completa, por ordem alfabética, em conformidade com a norma NBR-
6.023 da ABNT.

EXEMPLOS:

Para Livros:
• BORGES, J.; LEMOS, G. Comércio Baiano: depoimentos para sua história. Salvador, Associação Comercial da Bahia, 2002, 206
páginas.
• Livro: Comércio Baiano: depoimentos para sua história (Título: Comércio Baiano; Subtítulo: depoimentos para sua história)
• Autor: Jafé Borges e Gláucia Lemos
• Editor: Associação Comercial da Bahia
• Local de edição: Salvador
• Ano da edição: 2002
• Volume da edição: 206 páginas

Para Artigos:
• SOUZA, L. N. de. Essência X Aparência: o fenômeno da globalização. Bahia: Análise & Dados, Salvador, SEI, v.12, n.3, p.51-
60,dez.2002.
• Artigo: Essência X Aparência: o fenômeno da globalização
• Autor: Laumar Neves de Souza
• Publicação: Bahia: Análise & Dados
• Editor: SEI
• Local de edição: Salvador
• Data de edição: dezembro de 2002
• Volume da edição: 12
• Número da edição: 3
• Páginas referentes ao artigo: 51 a 60
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