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Ética

e Responsabilidade
Profissional
Ética
e Responsabilidade
Profissional
Igor Roberto Borges
Maria Claudia Rodrigues
Conselho Editorial EAD
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora) Andréa Eick
Mara Lúcia Machado André Loureiro Chaves
Astomiro Romais Cátia Duizith

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira


responsabilidade dos autores a emissão de conceitos.
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prévia autorização da Editora da ULBRA.
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184 do Código Penal.

Igor Roberto Borges é graduado em Administração de Empresas e especialista em Gestão


Empresarial pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Atualmente, é mestrando em
Engenharia de Produção e Sistemas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
e professor dos Cursos Superiores Tecnológicos, modalidades EAD e presencial.
Maria Claudia Rodrigues é graduada em Turismo pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS), especialista em Gestão Empresarial e mestra em Educação pela
Universidade Luterana do Brasil. Professora dos Cursos Superiores Tecnológicos, modalidades
EAD e presencial.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


B732e Borges, Igor Roberto.
Ética e responsabilidade profissional / Igor Roberto Borges,
Maria Claudia Rodrigues. – Canoas : Ed. ULBRA, 2011.
134p.

1. Ética profissional. 2. Ética empresarial. 3. Responsabilidade


social. I. Rodrigues, Maria Claudia. II. Título.

CDU: 174

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas

ISBN 978-85-7528-408-7
Projeto Gráfico: Humberto G. Schwert Dados técnicos do livro
Editoração: Roseli Menzen Fontes: Minion Pro, Officina Sans
Capa: Juliano Dall’Agnol Papel: offset 90g (miolo) e supremo 240g (capa)
Medidas: 15x22cm
Coordenação de Produção Gráfica: Edison Wolf
Impressão: Gráfica da ULBRA
Setembro/2011
Sumário
Apresentação .............................................................. 7

1 | Introdução à ética e à moral ......................................... 9

2 | Conceitos fundamentais ............................................. 25

3 | Ética e profissão ....................................................... 37

4 | Ética e empresa ........................................................ 55

5 | Por uma cultura organizacional ética ............................ 63

6 | Por que ética nos negócios? ........................................ 79

7 | Contextualização histórica da responsabilidade social ..... 89

8 | Atuação da responsabilidade social: interna e externa ..... 97

9 | Marketing e responsabilidade social.............................105

10 | Responsabilidade social e o retorno social ....................115

Referências .............................................................129
Apresentação
Ao iniciarmos nossos estudos sobre a disciplina Ética e Responsabilidade
Profissional, faz-se importante compreendermos alguns aspectos históricos que
contribuíram para o estudo da ética nas organizações. Pretendemos abordar o
estudo da ética no contexto corporativo, nas relações entre colegas de trabalho,
entre empregados e empregadores, clientes internos e externos e na atuação
das empresas em relação à responsabilidade social e ambiental. Este livro
divide-se em dez capítulos. Assim, no primeiro capítulo, “Introdução à ética e
à moral”, abordaremos um breve histórico sobre a ética e a moral, apontando a
sua evolução. No segundo capítulo, trata-se de introduzir os conceitos de ética,
moral e valor, com o objetivo de diferenciá-los e servir de arcabouço para nossos
estudos. No terceiro capítulo, apresenta-se o estudo da ética aplicada à profissão.
Trata-se, também, da atuação ética e da responsabilidade do indivíduo em relação
à sua profissão e ao ambiente de trabalho. Já no quarto capítulo, abordaremos
a relação entre os indivíduos e as organizações. Apresentam-se situações em
que o funcionário deve tomar decisões que podem envolver dilemas éticos. No
quinto capítulo, trataremos da cultura organizacional, conceitos e funções, e
apontaremos algumas práticas para a constituição de uma cultura organizacional
mais ética. No sexto capítulo, abordaremos a ética nos negócios, e pretende-se
apresentar as vantagens e desvantagens da ética nas relações negociais. O capítulo
7 apresenta a contextualização histórica da responsabilidade social, abrangendo
a evolução da responsabilidade social na empresa e no Brasil e seus conceitos
fundamentais. O oitavo capítulo apresenta a atuação da empresa em relação à
8 Apresentação

responsabilidade social e seus stakeholders, sua influência em relação à empresa.


Também se trata da responsabilidade social direcionada ao público interno da
organização, seus empregados e os dependentes destes, e o desenvolvimento
de ações sociais responsáveis que beneficiem a comunidade. No capítulo 9,
tratamos do tema marketing social, como ferramenta para divulgar e comunicar
as organizações que atuam com responsabilidade social. Nesse sentido, iremos
apresentar os tipos de marketing social, a fim de diferenciá-los em relação às suas
atuações específicas. Assim, apresentaremos o marketing filantrópico, marketing
das campanhas sociais, marketing de patrocínio de projetos sociais, marketing
de relacionamento com base em ações sociais, marketing de promoções sociais.
E, finalmente, o último capítulo refere-se às vantagens e aos benefícios que as
empresas socialmente responsáveis usufruem, entre eles o retorno social.
1

Introdução à ética e à moral


Maria Claudia Rodrigues

Neste capítulo, trata-se de apresentar um breve histórico da ética. Espera-


se que ao fim deste estudo o aluno tenha uma visão mais ampla da evolução
histórica da ética e compreenda que a ética se refere a um estudo da moral e dos
comportamentos morais. Portanto, a ética refere-se ao comportamento do ser
humano, estuda suas crenças, seus princípios e valores em um indivíduo, grupo,
comunidade ou empresa. Espera-se que o estudo contribua para um melhor
entendimento do estudo da ética no contexto atual nas organizações.

A ética revisitada
Atualmente, a expressão ética é utilizada em vários contextos. Não é raro
ouvirmos: “aquele profissional não foi ético em relação a seu colega de trabalho”;
“aquela empresa não é ética”; “aquele funcionário é extremamente ético”. A
expressão é usada corriqueiramente pelas pessoas, sem se pensar muito no
sentido ou significado da palavra. Fala-se de ser ético, ou não ser ético, ética
na empresa, ética na universidade, ética médica. Trata-se, muitas vezes, de
confundir os termos ética e moral como, quando dizemos “pessoas sem ética”.
Conforme formos estudando, veremos que há uma distinção entre estes dois
termos: a ética e a moral.
10 Introdução à ética e à moral

A ética trata do estudo da moral. Conforme Srour (2005, p.306), o objeto de


estudo da ética é a “moralidade, os fenômenos morais, os fatos sociais regulados
por normas morais ou submetidos a avaliações morais”. Neste sentido, o autor
assinala que “tanto as regras de comportamento como os juízos sobre o bem
o mal, o certo e o errado, o justo e o injusto, o virtuoso e o vicioso, o legítimo
e o ilegítimo, são socialmente convencionados e partilhados” (SROUR, 2005,
p.306). Portanto, segundo este autor, estas formas de pensar e agir socialmente
constituem-se de padrões morais que “correspondem a fenômenos históricos
que distinguem os bons dos maus costumes” (SROUR, 2005, p.306).
Assim, as crenças e os valores de uma pessoa conduzem a um determinado
comportamento, que pode ser moral ou imoral, dependendo do contexto, grupo
social, cultura em que está inserido. As ações de um indivíduo, de um grupo ou
de funcionários em uma organização buscam respaldo em um sistema de normas
e regras morais para pautar uma determinada decisão ou comportamento. Neste
sentido, busca-se em códigos de conduta, ou códigos de ética que norteiam os
modos de agir e de pensar em uma empresa ou sociedade, como atuar em uma
determinada situação, ou que comportamento está adequado ou não, a fim
de decidir se foi uma ação moral, amoral, ou imoral. A partir destas normas
ou regras de conduta, decide-se se uma determinada decisão foi correta ou
condenável.
Mas, afinal, quando surgiu a ética enquanto ciência da moral? Segundo
vários autores, a ética tem suas raízes na Grécia antiga. A ética, enquanto ciência
da moral, ou seja, estudo do comportamento moral das pessoas, surge com o
filósofo grego Sócrates, a quem se atribui as célebres frases: “conhece-te a ti
mesmo” e “quanto mais sei, mais percebo que nada sei”. Lembra? Esse filósofo
empenhou-se em constituir um método denominado Maiêutica, cujo objetivo
é buscar dentro do homem a verdade. Nascido em Atenas, o filósofo percorria
as ruas e perguntava aos atenienses qual o significado para os valores em que
acreditavam e que respeitavam na sua prática diária.
A essência da ética socrática está na felicidade, a partir de conceitos que são
instituídos como lei universal com o intuito de alcançar o bem supremo. Neste
sentido, Sócrates levava as pessoas a se questionarem sobre os seus valores, sobre
a qualidade das virtudes, sobre o que era o “bem”. Assim, a ética socrática nasce
desta busca da essência das virtudes e do bem.
Introdução à ética e à moral 11

Também Platão segue a linha de Sócrates, de uma ética da felicidade, e


submete a moral à luz da razão. Já para Aristóteles a moral era entendida como
um conjunto de qualidades que definia o modo de vida e de relacionamento
entre as pessoas.
Conforme Gonçalves e Wyse (1997), com origem na Grécia antiga, o termo
ética compreendia que os juízos sobre o bem, a verdade, a justiça deveriam
ser ditados e decididos de maneira livre e racional em praça pública, na pólis.
Nesta sociedade, as decisões a respeito da coisa pública ou do bem comum
eram debatidas por homens livres e iguais em praça pública. Vale lembrar que
na sociedade grega antiga os escravos, as mulheres e as crianças não tomavam
partido das decisões. Portanto, os debates a respeito do que se entendia por
certo ou errado, bom ou mau era debatido pelos homens, os “senhores”. Neste
sentido, compreende-se que a ética abrange valores socialmente vigentes, dentro
de um contexto histórico.
Já na sociedade medieval, ocorre um rompimento do vínculo entre ética e
política. Segundo os autores citados, a partir do poder exercido pela Igreja, as
normas passam a ser reguladas pelo princípio do cristianismo. O cristianismo
tem como virtudes a fé e a caridade, que se traduzem “nas boas intenções e
no desejo em alcançar o bem para atender a vontade divina” (GONÇALVES e
WYSE, 1997, p.21).
Nesta perspectiva, na qual Deus é o juiz das ações humanas, passa a ser
avaliada a consciência do que é considerado bem ou mal. Assim, a culpa
funciona como um mecanismo de controle, que age como um “juiz, implacável
na avaliação, que tira a paz dos indivíduos, fazendo como que eles paguem por
suas faltas” (GONÇALVES e WYSE, 1997, p.21).
Para estes autores, esta mudança de finalidade da ética, da Antiguidade para
a sociedade medieval, constitui-se da desvalorização da autonomia e deliberação
humana, fragilizando a responsabilidade pessoal, ou seja, “se acreditamos que
tudo está predeterminado por uma ordem superior, divina, limitamos nossa
possibilidade de escolha, de decisão. E se não escolhemos, como podemos ser
responsáveis?” (GONÇALVES e WYSE, 1997, p.21).
Vale lembrar que esta sociedade estava fundamentada em um modelo de
produção feudal, ou seja, “as relações sociais caracterizavam-se por rígida
hierarquia entre os senhores (proprietários das terras) e os servos, aqueles que
12 Introdução à ética e à moral

as cultivavam” (GONÇALVES e WYSE, 1997, p.22). O papel da Igreja era da


manutenção do princípio da obediência que regulava as relações entre senhores
e servos.
Com a sociedade moderna nasce a burguesia, uma classe social fundamentada
em virtudes como a “laboriosidade, honradez, puritanismo, amor à pátria e à
liberdade, em contraponto aos vícios da aristocracia: desprezo ao trabalho,
ociosidade, libertinagem” (GONÇALVES e WYSE, 1997, p.23). O trabalho passa
a ser visto como uma expressão de liberdade, uma forma capaz de contribuir com
a prosperidade dos negócios. Estes autores destacam que em outras sociedades o
trabalho era visto de forma negativa, como, por exemplo, na Grécia antiga, onde
era desvalorizado por se tratar de uma função dos escravos e servos.
Conforme Gonçalves e Wyse (1997), na sociedade moderna o trabalho
passa a ser associado a valores materiais, como fator econômico, salário e poder
aquisitivo. Por outro lado, o trabalho também é identificado com as necessidades
psicológicas do indivíduo, determinando o status e o sentimento de realização
pessoal e pertencimento a um grupo social. Ainda segundo estes autores, é na
sociedade moderna que se desenvolve o estudo da ética no contexto do trabalho,
ou “ética do trabalho”:

A ética do trabalho consiste em entender essa atividade, o trabalho,


como fator fundamental à construção da identidade e da realização
pessoal ao estabelecimento de uma ordem social, onde prevaleçam
relações fundadas na dignidade, na liberdade e na igualdade entre
os homens. (GONÇALVES e WYSE, 1997, p.24)

Sobre a sociedade moderna, Saldanha (1998) alerta para as diversas mudanças


sociais que colocam em reflexão temas sociais sobre os limites da tecnologia e
da ciência, que influenciam a vida do ser humano. Segundo este autor, passamos
de um mundo científico para o da tecnologia; assistimos a duas guerras
mundiais e diversas guerras menores continuam ocorrendo em nossos dias;
questionamentos sobre as energias atômicas; debates acerca da racionalidade
e do relativismo; a ecologia e as relações do homem com a natureza são temas
que fizeram o ser humano questionar sua conduta social.
Introdução à ética e à moral 13

A ética é uma construção social, portanto alguns princípios éticos que


valiam para uma determinada época estão em desuso em nossos dias, ou seja,
os princípios valem enquanto a sociedade tiver a possibilidade de ser norteada
por eles.
Na atualidade, Leonardo Boff (2009) assinala algumas reflexões sobre um
comportamento ético e moral responsável e à altura dos desafios de nosso tempo.
Vivemos em uma economia globalizada. A globalização, segundo este autor:

trouxe, entre outras coisas, a planetarização da condição humana e


a consciência de que Terra e humanidade possuem destino comum.
Por isso devemos enfrentar juntos o futuro como um sujeito único.
Isso nos obriga a elaborar um projeto planetário solidário e uma
gestão coletiva dos problemas, visando conferir sustentabilidade à
vida do planeta. (BOFF, 2009, p.81-82)

Neste sentido, é preciso pensar em um ética global, ou seja, a ética e a


responsabilidade social por parte das organizações deve ser pensada de forma
global. Assim, dentro desta perspectiva, as empresas devem estar voltadas para
os temas globais, pois sua forma de atuação pode influenciar a sociedade e o
meio ambiente.
Nesta perspectiva, também Morin (2011) aponta para uma ética planetária,
pois a partir da globalização é necessário pensar em uma ética da comunidade
humana, que respeite e integre as éticas nacionais. Assim, Morin (2011)
assinala a necessidade de uma antropolítica que integre os imperativos da ética
planetária.
Em A Carta da Terra, aprovada na Unesco em Paris, no ano 2000, quando
trata do “meio ambiente global com seus recursos finitos”, assinala que deve ser
uma preocupação comum de todas as pessoas, pois é necessário pensar “em uma
visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um fundamento ético
à comunidade mundial emergente”. A seguir, apresenta-se A Carta da Terra:
14 Introdução à ética e à moral

A Carta da Terra

PREÂMBULO
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em
que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se
cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mesmo tempo, grande
perigo e grande esperança. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio
de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família
humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos nos juntar
para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natureza,
nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz.
Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos
nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade de vida
e com as futuras gerações.

TERRA, NOSSO LAR


A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso
lar, é viva como uma comunidade de vida incomparável. As forças da natureza
fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou
as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da
comunidade de vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de
uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de
plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global
com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todos os povos. A proteção
da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.

A SITUAÇÃO GLOBAL
Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação
ambiental, esgotamento dos recursos e uma massiva extinção de espécies.
Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão
sendo divididos equitativamente e a diferença entre ricos e pobres está aumentando.
A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são
causas de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana
Introdução à ética e à moral 15

tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global


estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.

DESAFIOS FUTUROS
A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos
outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias
mudanças fundamentais em nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos
entender que, quando as necessidades básicas forem supridas, o desenvolvimento
humano será primariamente voltado a ser mais e não a ter mais. Temos o
conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos
impactos no meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está
criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano.
Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão
interligados e juntos podemos forjar soluções inclusivas.

RESPONSABILIDADE UNIVERSAL
Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de
responsabilidade universal, identificando-nos com a comunidade terrestre como
um todo, bem como com nossas comunidades locais. Somos, ao mesmo tempo,
cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as dimensões local e global
estão ligadas. Cada um compartilha responsabilidade pelo presente e pelo futuro
bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de
solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando
vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida
e com humildade em relação ao lugar que o ser humano ocupa na natureza.
Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos
para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente.
Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, interdependentes,
visando a um modo de vida sustentável como padrão comum, através dos quais
a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições
transnacionais será dirigida e avaliada.
16 Introdução à ética e à moral

PRINCÍPIOS
I. RESPEITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DE VIDA
1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.
a. Reconhecer que todos os seres são interdependentes e cada forma de
vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres
humanos.
b. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no
potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.

2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e


amor.
a. Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos
naturais, vem o dever de prevenir os danos ao meio ambiente e de
proteger os direitos das pessoas.
b. Assumir que, com o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do
poder, vem a maior responsabilidade de promover o bem comum.

3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas,


sustentáveis e pacíficas.
a. Assegurar que as comunidades em todos os níveis garantam os
direitos humanos e as liberdades fundamentais e proporcionem a
cada pessoa a oportunidade de realizar seu pleno potencial.
b. Promover a justiça econômica e social, propiciando a todos a
obtenção de uma condição de vida significativa e segura, que seja
ecologicamente responsável.

4. Assegurar a generosidade e a beleza da Terra para as atuais e as futuras


gerações.
a. Reconhecer que a liberdade de ação de cada geração é condicionada
pelas necessidades das gerações futuras.
b. Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que
apoiem a prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da
Terra a longo prazo.
Introdução à ética e à moral 17

II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA


5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra,
com especial atenção à diversidade biológica e aos processos naturais
que sustentam a vida.
a. Adotar, em todos os níveis, planos e regulamentações de
desenvolvimento sustentável que façam com que a conservação e a
reabilitação ambiental sejam parte integral de todas as iniciativas
de desenvolvimento.
b. Estabelecer e proteger reservas naturais e da biosfera viáveis,
incluindo terras selvagens e áreas marinhas, para proteger os
sistemas de sustento à vida da Terra, manter a biodiversidade e
preservar nossa herança natural.
c. Promover a recuperação de espécies e ecossistemas ameaçados.
d. Controlar e erradicar organismos não nativos ou modificados
geneticamente que causem dano às espécies nativas e ao meio
ambiente e impedir a introdução desses organismos prejudiciais.
e. Administrar o uso de recursos renováveis como água, solo, produtos
florestais e vida marinha de forma que não excedam às taxas de
regeneração e que protejam a saúde dos ecossistemas.
f. Administrar a extração e o uso de recursos não renováveis,
como minerais e combustíveis fósseis de forma que minimizem o
esgotamento e não causem dano ambiental grave.

6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção


ambiental e, quando o conhecimento for limitado, assumir uma
postura de precaução.
a. Agir para evitar a possibilidade de danos ambientais sérios
ou irreversíveis, mesmo quando o conhecimento científico for
incompleto ou não conclusivo.
b. Impor o ônus da prova naqueles que afirmarem que a atividade
proposta não causará dano significativo e fazer com que as partes
interessadas sejam responsabilizadas pelo dano ambiental.
c. Assegurar que as tomadas de decisão considerem as consequências
cumulativas, a longo prazo, indiretas, de longo alcance e globais das
atividades humanas.
18 Introdução à ética e à moral

d. Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não


permitir o aumento de substâncias radioativas, tóxicas ou outras
substâncias perigosas.
e. Evitar atividades militares que causem dano ao meio ambiente.

7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as


capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar
comunitário.
a. Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas
de produção e consumo e garantir que os resíduos possam ser
assimilados pelos sistemas ecológicos.
b. Atuar com moderação e eficiência no uso de energia e contar cada
vez mais com fontes energéticas renováveis, como a energia solar e
a do vento.
c. Promover o desenvolvimento, a adoção e a transferência equitativa
de tecnologias ambientais seguras.
d. Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no
preço de venda e habilitar os consumidores a identificarem produtos
que satisfaçam às mais altas normas sociais e ambientais.
e. Garantir acesso universal à assistência de saúde que fomente a saúde
reprodutiva e a reprodução responsável.
f. Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e
subsistência material num mundo finito.

8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover o


intercâmbio aberto e aplicação ampla do conhecimento adquirido.
a. Apoiar a cooperação científica e técnica internacional relacionada
à sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações
em desenvolvimento.
b. Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria
espiritual em todas as culturas que contribuem para a proteção
ambiental e o bem-estar humano.
c. Garantir que informações de vital importância para a saúde
humana e para a proteção ambiental, incluindo informação
genética, permaneçam disponíveis ao domínio público.
Introdução à ética e à moral 19

III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA


9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e
ambiental.
a. Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar,
aos solos não contaminados, ao abrigo e saneamento seguro,
alocando os recursos nacionais e internacionais demandados.
b. Prover cada ser humano de educação e recursos para assegurar
uma condição de vida sustentável e proporcionar seguro social e
segurança coletiva aos que não são capazes de se manter por conta
própria.
c. Reconhecer os ignorados, proteger os vulneráveis, servir àqueles que
sofrem e habilitá-los a desenvolverem suas capacidades e alcançarem
suas aspirações.

10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os


níveis promovam o desenvolvimento humano de forma equitativa e
sustentável.
a. Promover a distribuição equitativa da riqueza dentro das e entre
as nações.
b. Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais
das nações em desenvolvimento e liberá-las de dívidas internacionais
onerosas.
c. Assegurar que todas as transações comerciais apoiem o uso de
recursos sustentáveis, a proteção ambiental e normas trabalhistas
progressistas.
d. Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras
internacionais atuem com transparência em benefício do
bem comum e responsabilizá-las pelas consequências de suas
atividades.

11. Afirmar a igualdade e a equidade dos gêneros como pré-requisitos


para o desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à
educação, assistência de saúde e às oportunidades econômicas.
a. Assegurar os direitos humanos das mulheres e das meninas e acabar
com toda violência contra elas.
20 Introdução à ética e à moral

b. Promover a participação ativa das mulheres em todos os aspectos


da vida econômica, política, civil, social e cultural como parceiras
plenas e paritárias, tomadoras de decisão, líderes e beneficiárias.
c. Fortalecer as famílias e garantir a segurança e o carinho de todos
os membros da família.

12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um


ambiente natural e social capaz de assegurar a dignidade humana,
a saúde corporal e o bem-estar espiritual, com especial atenção aos
direitos dos povos indígenas e minorias.
a. Eliminar a discriminação em todas as suas formas, como as
baseadas em raça, cor, gênero, orientação sexual, religião, idioma
e origem nacional, étnica ou social.
b. Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade,
conhecimentos, terras e recursos, assim como às suas práticas
relacionadas com condições de vida sustentáveis.
c. Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os a
cumprir seu papel essencial na criação de sociedades sustentáveis.
d. Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e
espiritual.

IV. DEMOCRACIA, NÃO VIOLÊNCIA E PAZ


13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e
prover transparência e responsabilização no exercício do governo,
participação inclusiva na tomada de decisões e acesso à justiça.
a. Defender o direito de todas as pessoas receberem informação
clara e oportuna sobre assuntos ambientais e todos os planos de
desenvolvimento e atividades que possam afetá-las ou nos quais
tenham interesse.
b. Apoiar sociedades civis locais, regionais e globais e promover a
participação significativa de todos os indivíduos e organizações
interessados na tomada de decisões.
c. Proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de reunião
pacífica, de associação e de oposição.
Introdução à ética e à moral 21

d. Instituir o acesso efetivo e eficiente a procedimentos judiciais


administrativos e independentes, incluindo retificação e compensação
por danos ambientais e pela ameaça de tais danos.
e. Eliminar a corrupção em todas as instituições públicas e
privadas.
f. Fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos
seus próprios ambientes, e atribuir responsabilidades ambientais
aos níveis governamentais onde possam ser cumpridas mais
efetivamente.

14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida,


os conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo
de vida sustentável.
a. Prover a todos, especialmente a crianças e jovens, oportunidades
educativas que lhes permitam contribuir ativamente para o
desenvolvimento sustentável.
b. Promover a contribuição das artes e humanidades, assim como das
ciências, na educação para sustentabilidade.
c. Intensificar o papel dos meios de comunicação de massa no aumento
da conscientização sobre os desafios ecológicos e sociais.
d. Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma
condição de vida sustentável.

15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.


a. Impedir crueldades aos animais mantidos em sociedades humanas
e protegê-los de sofrimento.
b. Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca
que causem sofrimento extremo, prolongado ou evitável.
c. Evitar ou eliminar ao máximo possível a captura ou destruição de
espécies não visadas.

16. Promover uma cultura de tolerância, não violência e paz.


a. Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a
cooperação entre todas as pessoas, dentro das e entre as nações.
22 Introdução à ética e à moral

b. Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e


usar a colaboração na resolução de problemas para administrar e
resolver conflitos ambientais e outras disputas.
c. Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até o nível de uma
postura defensiva não provocativa e converter os recursos militares
para propósitos pacíficos, incluindo restauração ecológica.
d. Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de
destruição em massa.
e. Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico ajude a proteção
ambiental e a paz.
f. Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações corretas
consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas,
com a Terra e com a totalidade maior da qual somos parte.

O CAMINHO ADIANTE
Como nunca antes na História, o destino comum nos conclama a buscar um
novo começo. Tal renovação é a promessa destes princípios de A Carta da Terra.
Para cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a adotar e promover os
valores e objetivos da carta.
Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de
interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e
aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável nos níveis local,
nacional, regional e global. Nossa diversidade cultural é uma herança preciosa e
diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta
visão. Devemos aprofundar e expandir o diálogo global que gerou a Carta da Terra,
porque temos muito que aprender a partir da busca conjunta em andamento por
verdade e sabedoria.
A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode
significar escolhas difíceis. Entretanto, necessitamos encontrar caminhos para
harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem
comum, objetivos de curto prazo com metas de longo prazo. Todo indivíduo,
família, organização e comunidade tem um papel vital a desempenhar. As artes,
as ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as
empresas, as organizações não governamentais e os governos são todos chamados
Introdução à ética e à moral 23

a oferecer uma liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e


empresas é essencial para uma governabilidade efetiva.
Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem
renovar seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações
respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos
princípios da Carta da Terra com um instrumento internacionalmente legalizado
e contratual sobre o ambiente e o desenvolvimento.
Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face
à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação
dos esforços pela justiça e pela paz e a alegre celebração da vida.
(Fonte: BOFF, Leonardo. Ética e Moral a busca dos fundamentos, 2009,
p.109-125.)

Desde os povos antigos debate-se a respeito da moral e da ética. Em cada


época e sociedade a ética fez parte dos estudos de pensadores, com o objetivo de
compreender o comportamento do ser humano. Vimos que o comportamento
moral se difere conforme o contexto histórico, cultural e social em que se inserem
os grupos. Portanto um comportamento moral em uma determinada época pode
não ser considerado ético nos tempos atuais e vice versa. Nos moldes atuais,
as empresas tendem a preocupar-se com questões globais, pois estão inseridas
em uma economia globalizada, assim também a ética possibilita tal reflexão:
pensar em um ética planetária.

Reflexão
Atualmente, vive-se em um mercado caracterizado pela flexibilidade,
inovação tecnológica, rapidez na comunicação, mercados globalizados. Os
conceitos de ética e de moral nos ajudam a entender e a se posicionar frente a
esse mundo complexo e aos novos tempos. No mundo dos negócios, onde as
mudanças ocorrem com tanta rapidez e em que os profissionais devem estar
preparados para atuar sobre forte pressão, podemos nos sentir inseguros frente
a nossas antigas “certezas”. Tendo em vista que a ética e a moral se transformam
24 Introdução à ética e à moral

de acordo com a cultura, traga um exemplo do mundo do trabalho que aponte


como o que era considerado outrora ético hoje se modificou. Traga uma das
inúmeras temáticas que envolvem o mundo do trabalho hoje e problematize. O
que caracteriza hoje uma empresa socialmente responsável? O que mudou na
postura das empresas quanto a esses aspectos?
2

Conceitos fundamentais
Maria Claudia Rodrigues

Este capítulo apresenta os principais conceitos sobre ética e moral com o


objetivo de introduzir ao aluno alguns conceitos fundamentais e esclarecer a
diferença entre estes dois termos. Trata-se, também, de apresentar o conceito
de valor e a diferença entre ética, moral e direito. Espera-se que estas noções
sirvam de fundamento para a compreensão do estudo da ética aplicada às
organizações.

2.1 Ética e moral


Etimologicamente, o termo ética tem sua origem na palavra grega ethos, que
significava, inicialmente, paradeiro ou residência comum. Mais tarde, o termo
passou a ser entendido como hábito, temperamento, caráter, mentalidade.
Para Boff (2009) existe uma confusão entre os termos ética e moral. Para
este autor, no senso comum não há uma distinção entre os dois termos, que são
tratados como sinônimos. No entanto, o autor destaca que a ética refere-se a
parte da filosofia, enquanto a moral diz respeito a parte da vida concreta. Assim,
a partir deste autor, pode-se conceituar ética como:

A ética é parte da filosofia. Considera concepções de fundo acerca


da vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatuído
26 Conceitos fundamentais

princípios e valores que orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa é


ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos, então,
que tem caráter e boa índole. (BOFF, 2009, p.37)

Já a moral, termo latino oriundo de mos, mores, adquiriu na modernidade


sentido de dever. Conforme Boff, o termo moral é compreendido como:

na morada, os moradores têm costumes, tradições, hábitos, maneira


e usos de organizar as refeições, os encontros, as festas, os estilos
de relacionamento, que podem ser tensos e competitivos, ou
harmoniosos e cooperativos. (BOFF, 2009, p.39)

Segundo este autor, os gregos chamavam esse fenômeno de ethos (costumes,


hábitos, comportamentos concretos das pessoas), já os latinos vão chamar de
mores, de onde surge a palavra moral.
Conforme Boff (2009, p.39), o processo formador da ética começa no
ethos, ou seja, na “morada”, que segundo o autor pode ser “a casa concreta das
pessoas ou a [empresa], a comunidade, a cidade, o Estado e o planeta Terra. As
pessoas que moram nela têm valores, princípios, motivações inspiradoras para
o comportamento [moral]”. Nesta visão, segundo Boff, a moral significa:

A moral é parte da vida concreta. Trata da prática real das pessoas


que se expressam por costumes, hábitos e valores culturalmente
estabelecidos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade com
os costumes e valores consagrados. Estes podem, eventualmente,
ser questionados pela ética. Uma pessoa pode ser moral – segue os
costumes até por conveniência –, mas não necessariamente ética –
obedece a convicções e princípios. (BOFF, 2006, p.37)

Conforme Nelson Saldanha, “a ética corresponde ao conjunto de todas as


formas de normativas vigentes nas agrupações humanas” (SALDANHA,1998,
Conceitos fundamentais 27

p.7). Para o autor, a ética existe em cada contexto, seja cultural, social ou temporal,
como segue:

um conjunto de estruturas – inclusive institucionais – e de ideais de


comportamento, que se ligam a um ideal do ser humano: o que se
chama de ética, em seu sentido historicamente efetivo, é um plano de
relações entre aqueles ideais de comportamento e avaliação efetiva
dos comportamentos ocorridos. (SALDANHA, 1998, p.9)

Nesta perspectiva, a ética constitui-se de uma disciplina teórica que tem como
objeto de estudo a moral. Neste sentido, trata de um processo de reflexão sobre
“a moral, os fenômenos morais, os fatos sociais regulados por normas morais
ou submetidos a avaliações morais” (SROUR, 2005, p.306).
Segundo Srour, a moral representa “um conjunto de valores e regras de
comportamento, um código de conduta que coletividades adotam, que seja uma
nação, uma categoria social, uma comunidade religiosa ou uma organização”
(SROUR, 2000, p.29).
A moral constitui-se da prática real das pessoas que se expressam por costumes,
hábitos cotidianos e valores consagrados. Neste sentido, uma pessoa pode
apresentar um comportamento moral, porém não necessariamente ético.
Nesta direção, Srour destaca que os fatos sociais podem ser neutros ou
amorais, como, por exemplo, o fato de ir ao trabalho, assistir a um filme, ou o de
ler um livro. Para este autor, estes exemplos tornam-se fatos passíveis de serem
avaliados moralmente, a partir do momento em que afetam outras pessoas,
transgredindo “normas que regem o que é considerado socialmente bom ou mau”
(SROUR, 2005, p.306). Consideremos o exemplo anterior “assistir a um filme”.
Quando o fato de “assistir a um filme” passa a ser submetido a uma avaliação
moral? Vejamos o exemplo, destacado pelo autor:

Assistir a um filme pornográfico no computador da empresa, ao lado


de colegas do sexo feminino, não é amoral, é imoral. Por quê? Por
que fere regras de caráter moral, que são corporativa e socialmente
estabelecidas. No tocante à empresa trata-se do uso inapropriado
28 Conceitos fundamentais

de equipamentos; quanto às colegas, elas podem se sentir


constrangidas, para não dizer ofendidas e até mesmo assediadas
moralmente. (SROUR, 2005, p.356)

As relações humanas podem conter diversas situações em que as escolhas


podem repercutir em um fato moral, amoral ou imoral. Pode-se considerar
uma situação moral quando o indivíduo age de forma considerada positiva
em uma determinada sociedade. No entanto, em outro exemplo, em que um
superior expõe uma funcionária a uma situação humilhante, constrangedora,
repetidas e prolongadas vezes durante sua jornada de trabalho que a leva a
pedir demissão de seu emprego. Neste caso, a situação é imoral, caracterizando
em assédio moral, o que provavelmente levará a funcionário a procurar os
seu direitos.
Vejamos a situação seguinte, apontada por Srour: “empurrar uma pedra com
o pé, brincando com um colega, não tem implicações morais, mas arremessá-la
contra veículos em movimento tem. Além do delito, o ato recebe a desaprovação
moral da coletividade”(SROUR, 2000, p.28)
Uma outra situação relatada por este autor, no contexto organizacional: em
uma empresa, conduzir uma reunião de trabalho considera-se um ato amoral,
ou seja, é um fato neutro sem caráter moral. No entanto, para ter caráter moral,
o fato de conduzir uma reunião deve ser qualificado, ou seja, deve ser algum
juízo. Assim, conduzir uma reunião de trabalho e aproveitar a situação para
apresentar exemplos edificantes de conduta ética aos participantes (funcionários,
colaboradores, gerentes) considera-se um fato moral, de caráter positivo, tanto
para os clientes internos como para os clientes externos, pois certamente esta
ação irá repercutir e trazer aspectos positivos para a organização. Por outro
lado, se esta reunião foi utilizada para fins fraudulentos, imprime-se um fato
imoral, de caráter negativo.
A fim de exemplificar a diferença entre o fato, moral, amoral e imoral,
apresenta-se, no quadro a seguir, exemplos em que se busca comparar estas
relações sociais. Assim, no quadro, apresentam-se situações moral (positivo),
amoral (neutro) e imoral (negativo), apontados por Srour (2000, p.27), segundo
os padrões de moral da integridade brasileira contemporânea:
Conceitos fundamentais 29

Relação Moral Relação Amoral Relação Imoral


Tirar fotocópias de Tirar fotocópias de Tirar fotocópias de livro
documentos próprios para documentos próprios. alheio sem o respectivo
ensinar alguém. pagamento de direitos
autorais.
Estudar e esforçar-se para Submeter-se a uma prova Colar durante a prova.
fazer uma boa prova, não escolar.
esbanjando o dinheiro
das mensalidades e não
desperdiçando o seu
próprio tempo e o do
professor.
Produzir produtos Fabricar produtos para Piratear bens, ou adulterar
respeitando especificações uso próprio. sua composição.
técnicas, utilizando
energias e matérias-primas
que não degradem o meio
ambiente e satisfaçam às
necessidades dos clientes.
Utilizar o computador Utilizar o computador Utilizar o computador
da organização em da organização em que da organização em que
que trabalha, o mais trabalha. trabalha, para usos
eficientemente possível, pessoais, sem autorização.
para agregar valor a
mesma.

Quadro 1 – Padrões de moral e da integridade brasileira.


Fonte: adaptado de SROUR, Robert Henry. Ética empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.27.

Partindo-se da visão de que ética é uma construção social, constituída dentro


de um determinado universo de tempo, podemos afirmar que se baseia sobre
as normas morais dos indivíduos, portanto, a ciência da moral. Neste sentido,
ética constitui-se de um saber íntimo, que busca aprofundar seus estudos
nos princípios gerais que orientam a conduta de uma sociedade ou grupo,
objetivando alcançar o bem comum, ocupando-se da coletividade. Seu papel
é o de conciliar os interesses individuais com os interesses sociais; estabelece
princípios gerais e, como tal, não pode oferecer regras de condutas para cada
ação que execute. Neste sentido, é orientadora, mesmo quando é expressa pela
palavra “não”, ou seja, ela é normativa.
30 Conceitos fundamentais

Atualmente, podemos pensar em “éticas” e não apenas um uma ética, pois


vivemos num mundo multidimensional, onde somos multifacetados quanto
aos vários princípios éticos.
Ética, por sua amplitude, podemos agrupar nas seguintes definições:
a) Pesquisa da natureza moral do ser humano com a finalidade de se
descobrir quais são suas responsabilidades e quais os meios para
cumpri-las.
b) Ética, enquanto ciência ou filosofia da moral, é uma reflexão que discute,
problematiza e interpreta o significado dos valores morais.
c) Ética é a busca pela verdade e o que o homem deve fazer à luz desta
verdade descoberta
d) Ética refere-se a princípios gerais que orientam a conduta das pessoas
com o objetivo de alcançar o bem comum.
e) Ética é a ciência da conduta humana, que visa a uma atuação social
responsável.

Já o sujeito moral é construído pela vida intersubjetiva e social, precisando


ser educado para os valores morais e para as virtudes. Este sujeito age conforme
seu entendimento sobre o que é o bem e o mal, o certo e o errado. Por outro
lado, o direito trata-se da via jurídica, fundamenta-se em regras sociais positivas,
expressas num código, zelado pelo Estado. Neste sentido, o direito usa a lei
como instrumento coercitivo exterior para determinar quais ações são boas e
quais são más.
No quadro a seguir, apresenta-se a diferença entre moral, ética e direito.

MORAL ÉTICA DIREITO


Lida com o Certo Lida com o Certo Lida com o Certo
X Errado X Errado X Errado
Modo pessoal de agir Modo social de agir Modo legal de agir
Normas e regras Normas e regras sociais Normas e regras legais
pessoais
Individual Grupal e/ou coletivo Estatal e jurídico
É prática, ação É teórica, avaliativa É aplicativo
Conceitos fundamentais 31

MORAL ÉTICA DIREITO


Lida com o Certo Lida com o Certo Lida com o Certo
X Errado X Errado X Errado
É adquirida e formada Implica adesão íntima, É imposta aos cidadãos;
ao longo da vida, por já que a mesma exige cumprimento,
experiências... existe previamente na pois as leis já estão
sociedade, religião, estabelecidas em códigos
cultura, profissão, implica jurídicos (civil, penal).
adesão íntima. Implica obediência.
É guiada pela Guiada pela cultura Guiada pelas instituições
consciência. políticas
Orienta e pune. Orientadora Punitiva
Matéria-prima da ética Constrói-se a partir Estatiza (torna lei)
do consenso de várias um pensamento geral
“morais”. ou suprime a lei pela
mudança de costumes
Preventiva e saneadora Preventiva Corretiva e saneadora

Quadro 2 – Diferença entre moral, ética e direito.


Fonte: elaborado pelo professor Dr. Honor Neto.

2.2 Valor
Como determinar o que é bom ou ruim, certo ou errado? Você saberia dizer:
É certo roubar para matar a fome? Incentivar o desarmamento no Brasil é uma
decisão correta ou errada para o país? Instituir a pena de morte em nosso país é
bom ou ruim para nossa sociedade? Estas são questões que exigem pensar sobre
juízos de valores. Envolve argumentar contra ou a favor, posicionar-se frente a
debates sociais, crenças, princípios e valores.
Outro conceito relevante para nosso estudo refere-se ao termo “valor”. Para
Santos, atualmente a crise de valores em nossa sociedade atinge todas as áreas
do saber humano. Segundo a autora, enquanto, no século XVIII, observou-se
uma ruptura entre a casa e o local de trabalho, atualmente “a moral familiar é
que se aparta da moral do trabalho” (SANTOS, 2003, p.98). Assim, segundo a
autora, nas empresas o homem terá flexibilizar-se moralmente:
32 Conceitos fundamentais

Ele terá que construir um “sistema aberto” e habitar a desordem,


mostrando a capacidade de administrar os riscos. O termo “emprego”
é substituído por projetos temporários e o remanejamento do
pessoal é constante, resultando em convivência efêmera (SANTOS,
2003, p.98).

Boff (2009) também aponta que atualmente vivemos uma “grave crise de
valores”. Conforme este autor, “é difícil para a grande maioria da humanidade
saber o que é correto e o que não é” (BOFF, 2009, p.27). Para Boff:

Esse obscurecimento do horizonte ético redunda numa insegurança


e numa permanente tensão nas relações sociais que tendem a se
organizar mais ao redor de interesses particulares do que ao redor
do direito e da justiça. (BOFF, 2009, p.27)

O autor assinala que a crise de valores é agravada pela lógica da competição


estabelecida pelo mercado que gera exclusão e a falta de cooperação entre os
seres humanos. Boff alerta para o que constatou Eric Hobsbawm, na obra Era
dos Extremos: “houve mais mudanças na humanidade nos últimos 50 anos do
que desde a Idade Média” (BOFF, 2009, p.27). Com todas as mudanças que
ocorreram em nosso planeta, em que se discute desde clonagem de animais e
humana, uso ético da internet no ambiente empresarial, pedofilia, terrorismo,
homossexualismo, entre outros temas atuais, como pensar em um discurso
único sobre a ética?
Neste sentido, Boff identifica duas vertentes que orientam a ética e a moral
nas sociedades, até a atualidade: as religiões e a razão. Para Boff (2009), “as
religiões continuam sendo os nichos de valor privilegiados para a maioria da
humanidade” (BOFF, 2009, p.28). Já a razão, para este autor, “tentou estatuir
códigos éticos universalmente válidos”:

A fundamentação racional da ética e da moral (ética autônoma)


representou um esforço admirável do pensamento humano desde
os mestres gregos Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho,
Conceitos fundamentais 33

Tomás de Aquino, Immanuel Kant até os modernos Henri Bergson,


Martin Heidegger, Hans Jonas, Jürgen Habermas, Enrique Dussel
e, entre nós, Henrique de Lima Vaz e Manfredo Oliveira. (BOFF,
2009, p.29)

Nesta perspectiva, Boff assinala que “a crise cria a oportunidade de irmos às


raízes da ética e nos convida a descermos àquela instância na qual se formam
continuamente valores” (BOFF, 2009, p.29).
Boff (2009, p.30) assinala que a razão, “não é o primeiro nem o último
momento da existência”. Na perspectiva apontada por este autor, da razão
emerge a afetividade. Assim, a razão abre-se para o espírito, “que é o
momento em que a consciência se sente parte de um todo e que culmina na
contemplação e na espiritualidade” (BOFF, 2009, p.30). Neste sentido, Boff
destaca que “a experiência de base não é: ‘penso, logo existo’, mas ‘sinto,
logo existo’. Na raiz de tudo não está a razão (logos), mas a paixão (pathos)”
(BOFF, 2009, p.30).
Boff aponta que é pela paixão (pathos), que captamos o valor das coisas.
Assim, segundo este autor, “o valor é o caráter precioso dos seres, aquilo que os
torna dignos de serem e os faz apetecíveis. Só quando nos apaixonamos vivemos
valores. E é por valores que nos movemos e somos” (BOFF, 2009, p.30).
Para Nelson Saldanha (1998, p.41) todos os valores são políticos ou nascem da
politicidade. Para este autor, a politicidade é “como um conjunto de concepções
e de estruturas institucionais que circundam o ser humano e que dão sentido
ao seu comportamento”. Neste sentido, o autor assinala que, “de certo modo, as
religiões fazem parte deste conjunto, com o que os valores que têm raiz religiosa
se fundam também naquelas estruturas” (SALDANHA, 1998, p.42). Assim,
para este autor:

a interpretação entre religião e moral se revela quando observamos


o caráter ao mesmo tempo religioso e ético de certas noções ascese,
pecado, culpa, fraternidade, comunidade. A referência a algo sagrado
que penetra tais noções e lhes dá fundamento é correlata de seu
cunho normativo e vinculante. (SALDANHA,1998, p.42)
34 Conceitos fundamentais

Para Stephen Robbins (2004) os valores possuem “um elemento de


julgamento baseado naquilo que o indivíduo acredita ser correto, bom ou
desejável” (ROBBINS, 2004, p.16). Para este autor os valores são “identificados
nos termos da importância relativa que atribuímos a valores como liberdade,
prazer, autorrespeito, honestidade, obediência e justiça” (ROBBINS, 2004,
p.16). Robbins (2004) destaca a relevância em compreender que os valores
individuais variam entre si, desta forma esta constatação nos ajuda a entender,
explicar e prever certos comportamentos dos indivíduos dentro de uma
organização.

Vejamos no quadro a seguir, alguns tipos de valores:

Valores Características
São aqueles que têm uma relação com a nossa permanência como
seres humanos e também com a possibilidade da vida no planeta Terra.
existenciais
Representam a dignidade e a igualdade entre os seres humanos. Podem
ser vitais ou econômicos.
Estabelecem relação com a subjetividade e a manifestação do eu do
estéticos indivíduo na construção de sua personalidade e de seu autoconceito.
Os valores estéticos podem ser sensoriais ou artísticos.
Podem ser científicos ou culturais. Demonstram todo o potencial do
ser humano em relação aos meios de transformação e de trabalho,
produzindo a cultura, ou seja, eles compõem a capacidade do ser
intelectuais
humano de produzir sua própria forma de sobrevivência. Essa tarefa de
construção por meio do trabalho e da técnica produz o conhecimento
científico.
Podem ser éticos ou sociais e são ligados à formação do indivíduo e da
morais comunidade, pois envolvem os princípios morais, os contextos sociais e
as necessidades do indivíduo como membro de um grupo social.
Esses valores estão relacionados com as formas de crenças, fé e
esperança que temos para que possamos nos realizar como seres
religiosos
humanos à medida que realizamos os princípios de Deus na Terra. Os
valores religiosos podem ser divinos ou profanos.

Quadro 3 – Tipos de valores.


Fonte: MATTOS, Airton Pozo. Ética e responsabilidade profissional, 2007, p.14.
Conceitos fundamentais 35

Reflexão
Pesquise em uma organização os seus princípios ou valores e verifique como
se posiciona em relação à ética e à responsabilidade social e ambiental.
3

Ética e profissão
Maria Claudia Rodrigues

Neste capítulo é tratado o tema ética aplicado ao campo profissional. Trata-se,


também, da atuação ética e da responsabilidade do indivíduo em relação à sua
profissão e ao ambiente de trabalho. Espera-se que no final deste capítulo o aluno
compreenda os desafios da construção de um sujeito ético, responsável para com
a sua classe profissional, comunidade, clientes e ambiente de trabalho.

3.1 A ética e a responsabilidade profissional


Para Morin (2011, p.19) “ser sujeito é se autoafirmar situando-se no centro
do seu mundo, o que é literalmente expresso pela noção de egocentrismo”. Para
este autor, o sujeito carrega consigo o princípio da inclusão e o da exclusão,
enquanto um comanda o altruísmo, o outro comanda o egoísmo. Neste sentido,
segundo Morin, “ser sujeito é associar egoísmo e altruísmo”.
Assim, para Morin:

todo olhar sobre a ética deve perceber que o ato moral é um ato
individual de religação; religação com um outro, religação com uma
comunidade, religação com uma sociedade e, no limite, religação
com a espécie humana. (MORIN, 2011, p.21-22)
38 Ética e profissão

Com a evolução dos estudos da ética, expandiu-se devido às mais diversas


interpelações e começou a atuar em diferentes áreas, como, por exemplo, na
área médica, na área da economia, na política, na comunicação, entre outras.
Desta forma, passou a ser conhecida como “éticas aplicadas”: bioética, ética da
informação, ética econômica e empresarial, ética dos negócios, ética da ciência
e da tecnologia e ética das profissões.
A expressão profissão significa “ato ou efeito de professar”1, ou, ainda,
“atividade ou ocupação especializada, da qual se podem tirar os meios de
subsistências”2.
Para Lopes de Sá, na atualidade, o conceito de profissão significa: “trabalho
que se pratica com habitualidade a serviço de terceiros, ou seja, prática constante
de um ofício” (LOPES DE SÁ, 2001, p.130).
Ao escolher uma profissão, um conjunto de deveres profissionais passa a fazer
parte da rotina deste profissional. Ao completar a sua formação profissional, o
indivíduo faz um juramento e compromete-se com sua categoria profissional
onde irá ingressar. Conforme Glock e Goldim, este ato “caracteriza o aspecto
moral da chamada ética profissional, esta adesão voluntária a um conjunto
de regras estabelecidas como sendo as mais adequadas para o seu exercício”
(GLOCK e GOLDIM, 2005, p.2).
Para Antonio Lopes de Sá (2001) a profissão tem utilidade para o indivíduo,
e constitui-se de uma expressão social e moral. Na perspectiva deste autor a
profissão “como exercício habitual de uma tarefa, a serviço de outras pessoas,
insere-se no complexo da sociedade como uma atividade específica”. Esta ação
traz benefícios para quem pratica a profissão e para quem recebe os frutos
do trabalho.
Neste sentido, as relações de trabalho devem conter uma conduta condizente
com os princípios éticos da classe social a que pertence o profissional. Para Lopes

| 1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. Curitiba:


Ed. Positivo, 2008.
| 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. Curitiba:
Ed. Positivo, 2008.
Ética e profissão 39

de Sá (2001, p.137) o comportamento dos profissionais pode ser observado em


diversas modalidades em que se processa, tais como:
• perante o conhecimento;
• perante o cliente;
• perante o colega;
• perante a classe;
• perante a sociedade;
• perante a pátria;
• perante a própria humanidade como conceito global.

3.2 Ética aplicada


Para Antonio Lopes de Sá os deveres do profissional são “todas as capacidades
necessárias ou exigíveis para o desempenho eficaz da profissão” (SÁ, 2001, p.148).
Neste sentido, a ética profissional refere-se a algo mais amplo, enquanto “a ética
profissional aplicada a determinada profissão, como algo mais restrito” (SÁ,
2001, p.148). Assim, podemos falar de uma ética aplicada à contabilidade, ou à
gestão financeira. Segundo este autor, após a escolha por uma profissão, “inicia-
se um compromisso entre o indivíduo e o trabalho que se propõe a realizar.
Tal compromisso, essencial, está principalmente volvido para a produção com
qualidade” (SÁ, 2001, p.149).
O autor também aponta que o profissional tem o dever de conhecer a sua
profissão e a tarefa que irá realizar, e, além de saber executá-la com qualidade,
é necessário a prática de uma conduta lastreada em valores. Assim, a escolha
pela profissão envolve deveres: de conhecer a profissão (conhecimento); dever
de executar a profissão de forma adequada (qualidade).
Segundo este autor, após a eleição de uma profissão, a pessoa se compromete
“com todo um agregado de deveres éticos, pertinentes e compatíveis com a
escolha da tarefa a ser desempenhada” (SÁ, 2001, p.148). Assim, o autor aponta
que se deve “consultar a consciência”, para sabermos se a tarefa nos agrada e se
temos condições de realizá-la. Sá assinala que não basta escolher a profissão,
é preciso estar estimulado a exercer as tarefas e identificar-se com a profissão
escolhida. Sá destaca um trecho da vida de Mozart, para exemplificar a eleição
40 Ética e profissão

de uma tarefa habitual, que para este autor deve ser natural, “precisa fluir como
algo que traz bem-estar, e não uma obrigação imposta que se faz pesada e da
qual se deseja logo se livrar” (SÁ, 2001, p.150). No quadro a seguir, destaca-se
um trecho que ilustra o pensamento de Sá (2001), em relação à capacidade de
escolha:

Capacidade de escolha
Esta saga didática, sobre a capacidade de escolha, atribui-se à vida de Mozart e à de um
aluno que lhe perguntava sempre o que deveria compor, ao que o mestre respondia: “É
preciso esperar”. Um dia, o aluno, impaciente, retrucou afirmando que ele, Mozart, já
compunha aos cinco anos de idade, ao que o gênio da música respondeu: “Mas eu nunca
perguntei a ninguém sobre o que deveria compor”.

Quadro 4 – Capacidade de escolha.


Fonte: SÁ, Antonio Lopes de. Ética profissional, 2001, p.150.

O autor assinala: “Quando a seleção da tarefa está de acordo com uma


consciência identificada com a escolha, dificilmente ocorrem as transgressões
éticas, porque estas seriam violações da vontade, contrárias ao próprio ser”
(SÁ, 2001, p.150).
Para este autor, o dever da execução de tarefas também deve estar atrelado às
virtudes exigíveis, que envolvem “as virtudes do ser aplicadas ao relacionamento
com pessoas, com a classe, com o Estado, com a sociedade, com a pátria” (SÁ,
2001, p.153).
Este autor assinala como virtudes básicas de um profissional o zelo, a
honestidade, o sigilo e a competência. Complementares a estas virtudes estão:
a virtude de orientação e assistência ao cliente, que deve ser realizada de forma
ética; a virtude do coleguismo, que se fundamenta na fraternidade profissional,
baseada nos preceitos da moral e do direito; a ética classista, que busca difundir
o conhecimento, incluindo a atuação do profissional em funções de pesquisas
de literatura, de magistério, entre outras; a ética e remuneração; a ética da
resposta.
Sá também assinala o dever com o micro e o macrossocial, pois é necessário
ter uma visão de toda a sociedade que nos cerca:
Ética e profissão 41

Quando a consciência profissional se estrutura em um trígono,


formado pelos amores à profissão, à classe e à sociedade, nada
existe a temer quanto ao sucesso da conduta humana; o dever passa
a ser uma simples decorrência das convicções plantadas nas áreas
recônditas do ser, ali depositadas pelas formações educacionais
sadias. (SÁ, 2001, p.159)

Conforme o autor, “os deveres impõem-se e passam a governar a ação


do indivíduo perante seu cliente, seu grupo, seus colegas, a sociedade, o
Estado e especialmente perante sua conformação metal e espiritual” (SÁ,
2001, p.148).

3.3 O profissional no ambiente de trabalho


Para Sá, “o profissional, como empregado, tem sua ética voltada ao
compromisso com as finalidades empresariais ou institucionais específicas, em
geral, e, em especial, dentro dos limites de sua responsabilidade e autoridade”
(2001, p.168).
Conforme Srour (2000), citando Max Weber, existem duas teorias éticas: a
ética da convicção e a ética da responsabilidade.
A ética da convicção, também entendida como deontologia, diz respeito ao
cumprimento de obrigações. Segundo Srour, esta é uma teoria em que a ética
“se pauta em valores e normas previamente estabelecidos, cujo efeito primeiro
consiste em moldar as ações que deverão ser praticadas” (SROUR, 2000, p.51).
Segundo este autor, a deontologia, divide-se em duas vertentes, a do princípio
e a da esperança:

A do princípio, que se atém rigorosamente às normas estabelecidas,


num deliberado desinteresse pelas circunstâncias, e cuja máxima
sentencia: “Respeite as regras haja o que houver”. A da esperança,
que se ancora em ideais, moldada por uma fé capaz de mover
montanhas, e cuja máxima preconiza: “Os sonhos antes de tudo”.
(SROUR, 2000, p.51)
42 Ética e profissão

Conforme o autor, essas duas vertentes “correspondem a modulações


de deveres, preceitos, dogmas ou mandamentos introjetados pelos agentes
ao longo dos anos” (SROUR, 2000, p.51). Neste sentido, o autor assinala
que, “embora as obrigações se imponham aos agentes, estes não perdem seu
livre-arbítrio e, portanto, podem escolher seguir outros caminhos, diferentes
daqueles dos imperativos morais. Por outro lado, o autor destaca que “os
códigos morais traduzem valores, normas e vão sendo aplicados pelos agentes
a situações concretas (...), que servem como manuais de instruções a seguir
nas mais diversas ocorrências” (SROUR, 2000, p.51).
Vejamos, no quadro a seguir, o exemplo dado por este autor para a ética da
convicção:

O cônsul português Aristides de Souza Mendes, lotado no porto francês de Bordeaux,


preferiu ter compaixão a obedecer cegamente a seu governo e regeu seu comportamento
pela ética da convicção. Priorizou a seus riscos e custos um valor em relação ao
outro.
Diante do avanço do exército alemão, em junho de 1940, salvou a vida de 30 mil
pessoas, entre as quais 10 mil judeus, ao emitir vistos de entrada em Portugal a
qualquer um que pedisse, num ritmo frenético.

Quadro 5 – Ética da convicção.


Fonte: SROUR, 2000, p.51.

Já a ética da responsabilidade, conhecida como teleologia, diz respeito a


nossa responsabilidade por tudo que fazemos. Neste sentido, Srour assinala
que “os agentes avaliam os efeitos previsíveis que uma nação produz; contam
obter resultados positivos para a coletividade; e ampliam o leque de escolhas”
(SROUR, 2000, p.52). Nesta abordagem decisões de ordem política e financeira
são tomadas, a fim de evitar um mal maior para uma coletividade.
No quadro a seguir, duas situações em que se preconizou a ética da
responsabilidade, destacada por Srour:
Ética e profissão 43

A) Diante da queda acentuada das receitas, um dos cenários possíveis é o da forte


redução das despesas com o consequente corte de pessoal. O que fazer? Manter o
dispêndio representado pela folha de pagamento e agravar a crise (talvez até pedir
concordata), ou diminuir o desembolso e devolver à empresa o fôlego necessário para
tentar ficar à tona na tormenta? Vale dizer, cabe ou não sacrificar alguns tripulantes
para tentar assegurar sobrevida ao resto da tripulação e ao próprio navio? E o que mais
interessa do ponto de vista social? Uma empresa que feche as portas ou uma empresa
que gere riquezas?

B) Acossada por uma dívida de cerca de 250 milhões de dólares, a Arisco – uma das
mais importantes empresas de alimentos do país, sediada em Goiânia, vendeu fábricas
velhas e terrenos. Desfez a sociedade com a Visagis (dona da Visconti) e, com ela,
sua participação na Fritex. Interrompeu um acordo de distribuição dos inseticidas SBP,
mantido com a Clorox, e reduziu o número de funcionários de 8.200 para 5.800.
Às vésperas de alcançar seu primeiro bilhão de reais em vendas anuais, a Arisco estava
se preparando para acolher um novo sócio e virtual controlador. Por isso teve de aliviar
o excesso de carga e ficar enxuta.
Em fevereiro de 2000, a empresa foi comprada pelo grupo norte-americano Bestfoods,
um dos maiores do mundo no setor de alimentos, por US$ 490 milhões. A Bestfoods
também assumiu o passivo de US$ 262 milhões.
Ao transferir o controle para uma companhia mundial, a família Queiroz explicou que a
Bestfoods poderia dar sustentação aos planos de expansão da Arisco, além de guardar
simetria e coincidência de métodos em relação à estratégia empresarial adotada pelo
grupo goiano.

Quadro 6 – Ética da responsabilidade.


Fonte: SROUR, 2000, p.51.

As duas situações descritas referem-se à ética da responsabilidade, que,


segundo Srour (2000, p.54), busca analisar “as situações concretas e antecipa
as repercussões que uma decisão pode provocar” em relação à coletividade.
Conforme o autor, a ética da responsabilidade divide-se em utilitarista e da
finalidade.
Segundo Srour (2000, p.54), a vertente utilitarista “exige que as ações
produzam o máximo de bem para o maior número (...), que possam combinar
o critério da eficácia com a maior abrangência populacional (equidade)”.
Já na vertente da finalidade, segundo este autor, trata de “determinar que a
bondade dos fins justifica as ações empreendidas e dispõe que todas as medidas
necessárias serão tomadas” (SROUR, 2000, p.54).
44 Ética e profissão

No quadro a seguir, apresentam-se as duas teorias assinaladas por Srour:

Ética da convicção Ética da responsabilidade


Decisões decorrem da aplicação de uma Decisões decorrem de deliberação, em
tábua de valores preestabelecidos. função de uma análise das circunstâncias.
Máxima: “Faça algo porque é um Máxima: “Somos responsáveis por aquilo
mandamento”. que nossos atos provocam”.
Vertente de princípio: “Respeite as Vertente da finalidade: “Alcance os
regras haja o que houver”. objetivos custe o que custar”.
Vertente da esperança: “Os sonhos antes Vertente utilitarista: “Faça o maior bem
de tudo”. para mais gente”.

Quadro 7 – Ética da convicção e da responsabilidade.


Fonte: SROUR, 2000, p.55.

A partir destas duas teorias, a ética da convicção e a da responsabilidade


fundamentam-se nas tomadas de decisões. Vejamos situações destacadas por
Srour (2000), na perspectiva destas duas teorias.
No quadro a seguir, apresentamos alguns exemplos assinalados por Srour
(2000), em que a tomada de decisão se dá a partir da ética da convicção:

Como sou mãe, devo cuidar dos meus filhos e tenho de dedicar-me à família.
Como sou brasileiro, sinto-me obrigado a amar a minha pátria e defendê-la se ela for
agredida.
Como sou empregado, tenho de vestir a camisa da empresa.
Como sou aluno, cumpre-me respeitar os meus mestres e seguir as orientações de minha
escola.
Como tenho compromisso marcado, não posso me atrasar.

Quadro 8 – Ética da convicção.


Fonte: SROUR, 2000, p.58.

Para Srour, os imperativos na teoria da convicção referem-se à hipótese de


que uma autoridade superior avalizou tais preceitos, no que tange às “revelações
divinas, sagradas escrituras, ensinamentos da Igreja ou dos mais velhos, costumes
imemoriais que definem o que é apropriado fazer e o que não é apropriado fazer,
credos organizacionais” (SROUR, 2000, p.58).
Ética e profissão 45

Por outro lado, na perspectiva de quem se orienta por uma ética da


responsabilidade, Srour (2000) assinala algumas situações comparativas com a
ética da convicção, conforme o quadro 9, a seguir:

• Como tenho um compromisso marcado, vale a pena não me atrasar; caso contrário,
irei comprometer a atividade que me confiaram, posso prejudicar a firma que me
emprega e isso pode afetar minha carreira.
• Como sou aluno, é sensato não perturbar as aulas, concentrar-me nos estudos
e respeitar as regras vigentes; caso contrário, isso vai atrapalhar os outros e, por
extensão, pode me criar problemas.
• Como sou motorista, é de interesse – meu e dos demais – que existam regras de
trânsito e que sejam obedecidas, para circular em paz, evitar acidentes e não correr
riscos de vida.
• Como sou empregado, é importante me empenhar com seriedade para não atrapalhar o
serviço dos outros, comprometer os resultados a serem alcançados e minha promoção,
ou provocar sem pensar minha própria demissão.
• Como sou brasileiro, faz sentido ser patriota, principalmente se minha conduta puder
contribuir para o país e me fizer sentir fazendo parte da mesma identidade com meus
conterrâneos.

Quadro 9 – Ética da responsabilidade.


Fonte: SROUR, 2000, p.59.

3.4 Códigos de ética profissional


Em nossa sociedade existem diversos códigos de ética profissional, que
servem para reger um grupo social. Seja de administradores, médicos, jornalistas,
arquitetos, engenheiros, funcionários públicos, entre outros. Neste sentido, é
possível falarmos de uma moral profissional na medida em que ocorrem relações
entre os profissionais de hierarquias diferentes (dirigentes e subalternos) ou
de mesmas hierarquias. Assim, é necessário um código de ética que reja uma
profissão.
Os códigos de ética profissionais são organizados pelos Conselhos Regionais
Profissionais que estabelecem seus próprios códigos. No caso de profissionais
que trabalham como empregados, estes devem seguir tanto seus códigos de ética
profissional regional como o código de ética da empresa em que atuam.
A seguir, apresenta-se o código de ética do profissional administrador de
empresas.
46 Ética e profissão

Código de Ética Profissional do Administrador3


(Aprovado pela Resolução Normativa CFA n. 353, de 9 de abril de 2008)

PREÂMBULO
I – De forma ampla a ética é definida como a explicitação teórica do fundamento
último do agir humano na busca do bem comum e da realização individual.
II – O exercício da profissão de administrador implica compromisso moral
com o indivíduo, cliente, empregador, organização e com a sociedade, impondo
deveres e responsabilidades indelegáveis.
III – O Código de Ética Profissional do Administrador (CEPA) é o guia
orientador e estimulador de novos comportamentos e está fundamentado em um
conceito de ética direcionado para o desenvolvimento, servindo simultaneamente de
estímulo e parâmetro para que o administrador amplie sua capacidade de pensar,
visualize seu papel e torne sua ação mais eficaz diante da sociedade.

CAPÍTULO I – DOS DEVERES


Art. 1º São deveres do administrador:
I – exercer a profissão com zelo, diligência e honestidade, defendendo os direitos,
bens e interesse de clientes, instituições e sociedades sem abdicar de sua dignidade,
prerrogativas e independência profissional, atuando como empregado, funcionário
público ou profissional liberal;
II – manter sigilo sobre tudo o que souber em função de sua atividade
profissional;
III – conservar independência na orientação técnica de serviços e em órgãos
que lhe forem confiados;

| 3 Disponível em: http://www.cfa.org.br/arquivos/selecionaitem.php?p=selecionaitem.


php&coditem=63, acessado em: 20/6/2011, às 19h47in. Aprovado na 5ª reunião plenária do CFA,
realizada no dia 4 de abril de 2008. Adm. Roberto Carvalho Cardoso – presidente do CFA – CRA/
SP n. 097.
Ética e profissão 47

IV – comunicar ao cliente, sempre com antecedência e por escrito, sobre as


circunstâncias de interesse para seus negócios, sugerindo, tanto quanto possível,
as melhores soluções e apontando alternativas;
V – informar e orientar o cliente a respeito da situação real da empresa a que
serve;
VI – renunciar, demitir-se ou ser dispensado do posto, cargo ou emprego, se,
por qualquer forma, tomar conhecimento de que o cliente manifestou desconfiança
para com o seu trabalho, hipótese em que deverá solicitar substituto;
VII – evitar declarações públicas sobre os motivos de seu desligamento, desde
que do silêncio não lhe resultem prejuízo, desprestígio ou interpretação errônea
quanto à sua reputação;
VIII – esclarecer o cliente sobre a função social da organização e a necessidade
de preservação do meio ambiente;
IX – manifestar, em tempo hábil e por escrito, a existência de seu impedimento
ou incompatibilidade para o exercício da profissão, formulando, em caso de dúvida,
consulta ao CRA no qual esteja registrado;
X – aos profissionais envolvidos no processo de formação do administrador,
cumpre informar, orientar e esclarecer sobre os princípios e normas contidas neste
Código.
XI – cumprir fiel e integralmente as obrigações e os compromissos assumidos,
relativos ao exercício profissional;
XII – manter elevados o prestígio e a dignidade da profissão.

CAPÍTULO II – DAS PROIBIÇÕES


Art. 2º É vedado ao administrador:
I – anunciar-se com excesso de qualificativos, admitida a indicação de títulos,
cargos e especializações;
II – sugerir, solicitar, provocar ou induzir divulgação de textos de publicidade
que resultem em propaganda pessoal de seu nome, méritos ou atividades, salvo se
em exercício de qualquer cargo ou missão, em nome da classe, da profissão ou de
entidades ou órgãos públicos;
48 Ética e profissão

III – permitir a utilização de seu nome e de seu registro por qualquer instituição
pública ou privada onde não exerça pessoal ou efetivamente função inerente à
profissão;
IV – facilitar, por qualquer modo, o exercício da profissão a terceiros, não
habilitados ou impedidos;
V – assinar trabalhos ou quaisquer documentos executados por terceiros ou
elaborados por leigos alheios à sua orientação, supervisão e fiscalização;
VI – organizar ou manter sociedade profissional sob forma desautorizada
por lei;
VII – exercer a profissão quando impedido por decisão administrativa do
Sistema CFA/CRAs transitada em julgado;
VIII – afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente,
sem razão fundamentada e sem notificação prévia ao cliente ou empregador;
IX – contribuir para a realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-
la, ou praticar, no exercício da profissão, ato legalmente definido como crime ou
contravenção;
X – estabelecer negociação ou entendimento com a parte adversa de seu cliente,
sem sua autorização ou conhecimento;
XI – recusar-se à prestação de contas, bens, numerários, que lhes sejam
confiados em razão do cargo, emprego, função ou profissão, assim como sonegar,
adulterar ou deturpar informações, em proveito próprio, em prejuízo de clientes,
de seu empregador ou da sociedade;
XII – revelar sigilo profissional, somente admitido quando resultar em prejuízo
ao cliente ou à coletividade, ou por determinação judicial;
XIII – deixar de cumprir, sem justificativa, as normas emanadas dos Conselhos
Federal e Regionais de Administração, bem como atender às suas requisições
administrativas, intimações ou notificações, no prazo determinado;
XIV – pleitear, para si ou para outrem, emprego, cargo ou função que esteja
sendo ocupado por colega, bem como praticar outros atos de concorrência
desleal;
Ética e profissão 49

XV – obstar ou dificultar as ações fiscalizadoras do Conselho Regional de


Administração;
XVI – usar de artifícios ou expedientes enganosos para obtenção de vantagens
indevidas, ganhos marginais ou conquista de contratos;
XVII – prejudicar, por meio de atos ou omissões, declarações, ações ou
atitudes, colegas de profissão, membros dirigentes ou associados das entidades
representativas da categoria.

CAPÍTULO III – DOS DIREITOS


Art. 3º São direitos do administrador:
I – exercer a profissão independentemente de questões religiosas, raça,
sexo, nacionalidade, cor, idade, condição social ou de qualquer natureza
discriminatória;
II – apontar falhas nos regulamentos e normas das instituições, quando as
julgar indignas do exercício profissional ou prejudiciais ao cliente, devendo, nesse
caso, dirigir-se aos órgãos competentes, em particular ao Tribunal Regional de
Ética dos Administradores e ao Conselho Regional de Administração;
III – exigir justa remuneração por seu trabalho, a qual corresponderá às
responsabilidades assumidas a seu tempo de serviço dedicado, sendo-lhe livre
firmar acordos sobre salários, velando, no entanto, pelo seu justo valor;
IV – recusar-se a exercer a profissão em instituição pública ou privada onde as
condições de trabalho sejam degradantes à sua pessoa, à profissão e à classe;
V – participar de eventos promovidos pelas entidades de classe, sob suas
expensas ou quando subvencionados os custos referentes ao acontecimento;
VI – a competição honesta no mercado de trabalho, a proteção da propriedade
intelectual sobre sua criação, o exercício de atividades condizentes com sua
capacidade, experiência e especialização.
50 Ética e profissão

CAPÍTULO IV – DOS HONORÁRIOS PROFISSIONAIS


Art. 4º Os honorários e salários do administrador deverão ser fixados, por
escrito, antes do início do trabalho a ser realizado, levando-se em consideração,
entre outros, os seguintes elementos:
I – vulto, dificuldade, complexidade, pressão de tempo e relevância dos trabalhos
a executar;
II – possibilidade de ficar impedido ou proibido de realizar outros trabalhos
paralelos;
III – as vantagens de que, do trabalho, se beneficiará o cliente;
IV – a forma e as condições de reajuste;
V – o fato de se tratar de locomoção na própria cidade ou para outras cidades
do Estado ou do país;
VI – sua competência e renome profissional;
VII – a menor ou maior oferta de trabalho no mercado em que estiver
competindo;
VIII – obediência às tabelas de honorários que, a qualquer tempo, venham
a ser baixadas, pelos respectivos Conselhos Regionais de Administração, como
mínimos desejáveis de remuneração.

Art. 5º É vedado ao administrador:


I – receber remuneração vil ou extorsiva pela prestação de serviços;
II – deixar de se conduzir com moderação na fixação de seus honorários,
devendo considerar as limitações econômico-financeiras do cliente;
III – oferecer ou disputar serviços profissionais, mediante aviltamento de
honorários ou em concorrência desleal.

CAPÍTULO V – DOS DEVERES ESPECIAIS EM RELAÇÃO AOS COLEGAS


Art. 6º O administrador deverá ter para com seus colegas a consideração, o
apreço, o respeito mútuo e a solidariedade que fortaleçam a harmonia e o bom
conceito da classe.
Ética e profissão 51

Art. 7º Com relação aos colegas, o administrador deverá:


I – evitar fazer referências prejudiciais ou de qualquer modo desabonadoras;
II – recusar cargo, emprego ou função, para substituir colega que dele tenha
se afastado ou desistido, visando à preservação da dignidade ou aos interesses da
profissão ou da classe;
III – evitar emitir pronunciamentos desabonadores sobre serviço profissional
entregue a colega;
IV – evitar desentendimentos com colegas, usando, sempre que necessário, o
órgão de classe para dirimir dúvidas e solucionar pendências;
V – tratar com urbanidade e respeito os colegas representantes dos órgãos de
classe, quando no exercício de suas funções, fornecendo informações e facilitando
o seu desempenho;
VI – na condição de representante dos órgãos de classe, tratar com respeito e
urbanidade os colegas administradores, investidos ou não de cargos nas entidades
representativas da categoria, não se valendo dos cargos ou funções ocupados para
prejudicar ou denegrir a imagem dos colegas, não os levando à humilhação ou
execração;
VII – auxiliar a fiscalização do exercício profissional e zelar pelo cumprimento
do CEPA, comunicando, com discrição e fundamentadamente aos órgãos
competentes, as infrações de que tiver ciência.

Art. 8º O administrador poderá recorrer à arbitragem do Conselho Regional


de Administração nos casos de divergência de ordem profissional com colegas,
quando for impossível a conciliação de interesses.

CAPÍTULO VI – DOS DEVERES ESPECIAIS EM RELAÇÃO À CLASSE


Art. 9º Ao administrador caberá observar as seguintes normas com relação
à classe:
I – prestigiar as entidades de classe, propugnando pela defesa da dignidade e
dos direitos profissionais, a harmonia e a coesão da categoria;
52 Ética e profissão

II – apoiar as iniciativas e os movimentos legítimos de defesa dos interesses da


classe, participando efetivamente de seus órgãos representativos, quando solicitado
ou eleito;
III – aceitar e desempenhar, com zelo e eficiência, quaisquer cargos ou funções,
nas entidades de classe, justificando sua recusa quando, em caso extremo, achar-se
impossibilitado de servi-las;
IV – servir-se de posição, cargo ou função que desempenhe nos órgãos de classe,
em benefício exclusivo da classe;
V – difundir e aprimorar a Administração como ciência e como profissão;
VI – cumprir com suas obrigações junto às entidades de classe às quais se
associou, inclusive no que se refere ao pagamento de contribuições, taxas e
emolumentos legalmente estabelecidos;
VII – acatar e respeitar as deliberações dos Conselhos Federal e Regional de
Administração.

CAPÍTULO VII – DAS INFRAÇÕES DISCIPLINARES


Art. 10 Constituem infrações disciplinares sujeitas às penalidades previstas no
Regulamento do Processo Ético do Sistema CFA/CRAs, aprovado por Resolução
Normativa do Conselho Federal de Administração, além das elencadas abaixo, todo
ato cometido pelo profissional que atente contra os princípios éticos, descumpra
os deveres do ofício, pratique condutas expressamente vedadas ou lese direitos
reconhecidos de outrem:
I – praticar atos vedados pelo CEPA;
II – exercer a profissão quando impedido de fazê-lo ou, por qualquer meio,
facilitar o seu exercício aos não registrados ou impedidos;
III – não cumprir, no prazo estabelecido, determinação de entidade da profissão
de Administrador ou autoridade dos Conselhos, em matéria destes, depois de
regularmente notificado;
IV – participar de instituição que, tendo por objeto a administração, não esteja
inscrita no Conselho Regional;
Ética e profissão 53

V – fazer ou apresentar declaração, documento falso ou adulterado, perante


as entidades da profissão de administrador;
VI – tratar outros profissionais ou profissões com desrespeito e descortesia,
provocando confrontos desnecessários ou comparações prejudiciais;
VII – prejudicar deliberadamente o trabalho, obra ou imagem de outro
administrador, ressalvadas as comunicações de irregularidades aos órgãos
competentes;
VIII – descumprir voluntária e injustificadamente com os deveres do ofício;
IX – usar de privilégio profissional ou faculdade decorrente de função de forma
abusiva, para fins discriminatórios ou para auferir vantagens pessoais;
X – prestar, de má-fé, orientação, proposta, prescrição técnica ou qualquer
ato profissional que possa resultar em dano às pessoas, às organizações ou a seus
bens patrimoniais.

CAPÍTULO VIII – DAS DISPOSIÇÕES FINAIS


Art. 11 Caberá ao Conselho Federal de Administração, ouvidos os Conselhos
Regionais e a categoria dos profissionais de Administração, promover a revisão e
a atualização do CEPA, sempre que se fizer necessário.
Art. 12 As regras processuais do processo ético serão disciplinadas em
Regulamento próprio, no qual estarão previstas as sanções em razão de infrações
cometidas ao CEPA.
Art. 13 O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Administração
manterão o Tribunal Superior e os Tribunais Regionais, respectivamente,
objetivando o resguardo e a aplicação do CEPA.
Art. 14 É dever dos CRAs dar ampla divulgação ao CEPA.

Reflexão
A partir do conteúdo estudado neste capítulo, argumente sobre o motivo
pelo qual os profissionais devem seguir códigos de ética profissional no exercício
de suas funções.
4

Ética e empresa
Maria Claudia Rodrigues

Neste capítulo, trata-se de abordar a relação entre os indivíduos e as


organizações. Apresentam-se situações em que o funcionário deve tomar decisões
que podem envolver dilemas éticos. Espera-se que o aluno compreenda que não
existe apenas uma ética, ou um comportamento moral, mas que, dependendo
da situação, possibilita refletir sobre o contexto individual e o coletivo, sobre o
que é certo ou errado, dentro de contextos específicos.

4.1 Teoria ética e processos de decisão


Para Robbins (2004), a partir da década de 1980, os movimentos que
ocorreram no mundo dos negócios, por parte da competição globalizada,
ocasionaram nas organizações uma mudança de paradigma como, por exemplo,
“desfazer de políticas tradicionais baseadas na segurança no emprego, no tempo
no cargo ou na remuneração” (ROBBINS, 2004, p.11).
Segundo este autor, este não é apenas um privilégio das empresas norte-
americanas. Também as empresas brasileiras buscam adequar-se às mudanças,
em um mundo cada vez mais competitivo. O enxugamento de setores, a
transferência de operações para países que demandam custos menores, a venda
ou fusão com empresas com capital financeiro mais saudável, a substituição de
56 Ética e empresa

funcionários fixos por temporários fazem parte das operações no mundo dos
negócios.
Na perspectiva de Robbins, essas mudanças resultaram em declínio da
lealdade dos funcionários, gerando um sentimento de não comprometimento
com a empresa. Para este autor, o desafio dos gestores está em “motivar
os trabalhadores menos comprometidos e, ao mesmo tempo, manter a
competitividade global das organizações” (ROBBINS, 2004, p.13).
Nesta direção, outro desafio apontado pelo autor diz respeito, ao
enfrentamento, por parte dos membros das organizações de dilemas éticos,
“situações nas quais precisam definir as condutas corretas e erradas” (ROBBINS,
2004, p.14). Os dilemas éticos são situações em que é necessário tomar uma
decisão, fazer uma escolha, que nem sempre é a mais fácil.
Robbins (2004) aponta que os executivos estão reagindo a estes dilemas éticos,
a partir da elaboração e distribuição de códigos de ética a seus funcionários.
Além disso, o autor assinala outras formas que contribuem para melhorar o
comportamento ético dos membros da organização, tais como:

• promover seminários, workshops e programas de treinamento similares para tentar


aprimorar o comportamento ético;
• contratar conselheiros que podem ser procurados, em muitos casos anonimamente,
para fornecer assistência nas questões de dilemas éticos, e que também criam
mecanismos de proteção para funcionários que denunciam práticas antiéticas.

Quadro 10 – Sugestões para melhorar o comportamento ético.


Fonte: ROBBINS, 2004, p.12.

Para Robbins (2004),

o executivo de hoje precisa criar um clima eticamente saudável


para seus funcionários, em que eles possam realizar seu trabalho
com produtividade e confrontando o mínimo de ambiguidade em
relação ao que se constitui em comportamentos certos e errados.
(ROBBINS, 2004, p.12)
Ética e empresa 57

4.2 Dilemas éticos


Srour aponta que existem três dilemas éticos ao se tomar decisões em
uma empresa: o dilema dos valores, o dilema dos destinatários, dilema dos
meios.
O dilema dos valores coloca em pauta o interesse privado e o interesse
público. Conforme Srour (2000, p.98), “o direito à privacidade cessaria quando
a ação praticada tivesse relevância pública”. Vejamos as situações a seguir, que
envolvem interesses privados e públicos, destacadas por este autor:

1. Em 1999, a Xerox demitiu 40 funcionários por uso indevido de seus computadores;


2. A empresa aeroespacial norte-americana Lockheed Martin Corporation demitiu um
funcionário que paralisou por mais de seis horas o sistema da empresa ao enviar um
e-mail de caráter religioso para 60 mil colegas de trabalho.
3. A empresa de correio expresso United Parcel Sercvice of América Inc. pegou um
empregado usando seus computadores para tocar um empreendimento particular e o
dispensou.

Quadro 11 – Interesses públicos e privados.


Fonte: SROUR, 2000, p.98.

Em outra situação, citada por este autor, observa-se a contradição entre a


lealdade à empresa e a lealdade ao interesse público:

Um gerente constata que seus pares estão cometendo algumas


fraudes contábeis. Tenta comunicar o fato a seus supervisores, mas
estes não lhe dão ouvidos. Frustrado e inconformado, denuncia tudo
à receita federal. (SROUR, 2000, p.103)

Nesta situação, se você fosse o gerente, o que faria? Você seria leal à empresa
ou ao interesse público? E, se você fosse o superior deste gerente, como agiria?
O dilema dos destinatários diz respeito a quem a relação moral beneficia
ou prejudica, pois afeta desigualmente os agentes envolvidos. Srour (2000)
assinala:
58 Ética e empresa

Toda decisão ou ação pode beneficiar ou prejudicar coletividades


cuja abrangência recobre um vasto leque: da humanidade como
um todo ao indivíduo (átomo que se contrapõe à coletividade);
do absolutamente universal ao absolutamente singular. Entre
tantos outros argumentos, cabem no intervalo civilizações, classes
sociais, categoriais sociais, públicos, organizações, subunidades
organizacionais, redes informais de poder e famílias. E, por via de
consequência, desenha-se um mosaico de clivagens constituídos
por inúmeras identidades e lealdades: civilizacionais, imperiais,
confederativas, nacionais, de gênero, étnicas, confessionais,
classistas, provinciais, ideológicas, de preferências sexuais,
municipais, de setores empresariais, partidárias, associativistas,
sindicais, profissionais, organizacionais, departamentais, de
movimentos sociais, de bairros, de vizinhanças, de fraternidades,
de clãs, de círculos íntimos... (SROUR, 2000, p.109)

Para Srour esse “emaranhado de fidelidades cruzadas é de tal ordem que


decisões e ações só podem divergir e chocar-se” (SROUR, 2000, p.109). Neste
sentido, somente o confronto político pode dirimir este dilema.
Segundo este autor, em relação às organizações, o que pode ser considerado
moral pelo código de conduta ética de uma empresa, em outra pode ser
considerado imoral. Assim, Srour (2000) aponta alguns exemplos que podem ser
considerados moral ou imoral, dependendo do código de ética da empresa:
• permitir que os equipamentos sejam utilizados para tratar de assuntos
pessoais dos funcionários;
• autorizar o pagamento de propinas aos compradores de seus produtos
ou serviços;
• cultivar relações com autoridades e administradores públicos para a
promoção de seus próprios interesses;
• manipular o balanço contábil.

Para Srour as decisões ou ações “consideradas morais e legítimas por alguns


não o são necessariamente por outros, porque ferem interesses alheios; porque
Ética e empresa 59

põem em litígio coletividades diferentes; porque despertam velhos rancores,


estereótipos e preconceitos” (SROUR, 2000, p.110).
Para Srour, ao “cumprir prescrições (leis morais e ideais) ou para levar adiante
propósitos (fins e consequências), é preciso lançar mão de meios”. É provável
que você já tenha ouvido a seguinte frase: “os fins justificam os meios”. Neste
caso, “os meios é que justificam os fins. Aí está o “dilema dos meios”. O dilema
envolve saber se os “meios” são legítimos ou ilegítimos. Segundo o autor citado,
os “meios” podem ser “legítimos e aceitos virtualmente por todos, principalmente
por aqueles a quem se aplicam; ou podem ser meios ilegítimos, controversos,
rejeitados principalmente por aqueles a quem se aplicam” (SROUR, 2000, p.117).
No entanto, o autor assinala que:

o problema não se resume a meios lícitos ou ilícitos, meios apenas


submetidos à legalidade. Porque as implicações não se cingem ao
caráter jurídico-político dos meios, mas, também, à validade moral
– de caráter simbólico – que o uso desses meios supõe. (SROUR,
2000, p.117)

Srour (2000), destaca um trecho de Max Weber, o qual denomina “dilema


dos meios”:

Não há ética alguma no mundo que possa desconsiderar isso: para atingir fins
“bons”, somos obrigados na maior parte do tempo a contar, de um lado com meios
normalmente desonestos ou pelo menos perigosos, e de outro com a possibilidade ou
ainda a eventualidade de consequências desagradáveis. Nenhuma ética no mundo pode
dizer-nos tampouco quando e em qual medida um fim moralmente bom justifica os
meios e as consequências moralmente perigosas.

Quadro 12 – Max Weber – Dilema dos meios.


Fonte: SROUR, 2000, p.117.

A seguir, destacamos um exemplo, a respeito do dilema dos meios


apresentados por Srour (2000):

Um policial do FBI chamado Joeph Pistone, sob o codinome de


Donnie Brasco, infiltrou-se na máfia nova-iorquina nos anos 70 para
espionar o mundo do crime. A ação do policial acabou permitindo a
60 Ética e empresa

prisão de centenas de mafiosos e a condenação dos chefões, o braço


longo da justiça quedaria inerme: sendo bons os fins, aceitam-se os
meios. (SROUR, 2000, p.117)

Reflexão
Leia o artigo de Bernt Entschev, retirado do blog Vida Executiva, o qual
discorre sobre uma situação que envolve dilemas éticos e reflita: a partir da
situação relatada no texto, como você agiria?

Meu melhor amigo, meu maior concorrente (segunda-feira,


29 de novembro de 2010)

Imagine dois técnicos de futebol, amigos de longa data, que vão


se enfrentar em uma final de campeonato. Você acha que algum
deles falará sua estratégia para o outro?
É normal do ser humano ser sociável e fazer amizades em todos
os ambientes onde convive: em casa, na universidade e, claro, no
trabalho. Afinal de contas, passamos grande parte do nosso dia
com colegas. Nessas amizades empresariais, é comum debater
assuntos internos, procedimentos, etc. E quando um desses
nossos colegas – que se tornaram amigos – vai para a empresa
concorrente?
Antes de falar sobre isso, eu definiria dois tipos de amizade: no
primeiro, o contato que era restrito ao ambiente empresarial
acaba cessando aos poucos. No segundo, que é o mais forte, os
colegas se tornam verdadeiros amigos e parceiros – e a amizade
continua, mesmo em empresas diferentes. Neste caso, é preciso
tomar o cuidado para não misturar as coisas.
Por mais que você esteja com seu amigo – que, pior de tudo, agora
é também um concorrente –, não se pode entregar o caminho para
o tesouro em nome da amizade. Posso até fazer uma comparação:
dois técnicos de futebol, de times rivais, são amigos de longa data
e se enfrentarão pela final do campeonato. Você acha que algum
deles falará a estratégia para o amigo? Óbvio que não.
Ética e empresa 61

Portanto, o que vale para estes casos é a ética para com a sua
empresa (você assinou um contrato que previa confidencialidade,
não assinou?) e, claro, o bom senso. Caso seja questionado sobre
algo muito interno, puxe a conversa para conquistas ou realizações
que tenham a ver com você – como, por exemplo, um “sabia que
fui promovido?”, ou então um “entro em férias semana que vem”.
Além de tudo, grandes amigos sempre têm diversos outros temas
interessantes para conversar além do trabalho, não é mesmo!?
(Fonte: blog Vida Executiva. Bernt Entschev)
5

Por uma cultura organizacional ética


Maria Claudia Rodrigues

Neste capítulo trata-se de apresentar a cultura organizacional, conceitos


e funções, e apontar algumas práticas para a constituição de uma cultura
organizacional mais ética. Espera-se que o aluno compreenda o que é cultura e
qual sua função em uma organização, assim como algumas práticas para tornar-
se uma empresa com uma cultura mais ética.

5.1 Cultura organizacional


Conforme Srour (2005, p.141), as organizações podem ser definidas como
“coletividades especializadas na produção de um determinado bem ou serviço,
combinam agentes sociais e recursos, de forma a economizar esforços e tornar
seu uso eficiente”. Para este autor organizações constituem-se de:
• coletividades concebidas e planejadas para realizar um determinado
objetivo;
• agentes coletivos à semelhança das classes sociais, das categorias sociais
e dos públicos, mas diferentes desses todos pelo caráter deliberado de
sua criação;
• unidades de ação e de decisão, portadoras de necessidades e de interesses
corporativos;
64 Por uma cultura organizacional ética

• agrupamentos que desenvolvem vida própria, apesar de serem “meios”,


na medida em que sua dinâmica interna tende a perpetuá-los e a
transformá-los em “fins” em si mesmos (SROUR, 2005, p.141).

Para Lacombe (2005), as empresas devem considerar outros valores, além


dos materiais, que podem contribuir, a longo prazo, para resultados financeiros
como, por exemplo: “prestígio, respeito do público, dos empregados, dos
fornecedores e dos consumidores, confiança nos produtos e nas decisões da
empresa” (LACOMBE, 2005, p.379). Conforme este autor, a empresa ética “atrai
e retém empregados, clientes e fornecedores éticos e responsáveis” (LACOMBE,
2005, p.380).
Neste sentido, o autor sinaliza a necessidade de se considerar a sociedade em
que a empresa está inserida, “a contribuição que a empresa dá para a formação da
sociedade na qual opera se reflete, de alguma forma, no longo prazo, na própria
empresa” (LACOMBE, 2005, p.380).
Lacombe adverte que “nenhuma empresa pode ser ética se a alta
administração não transmite uma cultura organizacional baseada em premissas
éticas” (LACOMBE, 2005, p.381). Assim, o autor considera que se deva partir
da “vontade da alta administração de estabelecer objetivos, políticas, normas
e padrões éticos a serem seguidos por todos os que dirigem e trabalham na
empresa” (LACOMBE, 2005, p.381).
Para Srour (2005, as relações que estruturam uma organização referem-
se a “relações coletivas que abrangem e conectam coletividades (...), são
relações associativas e estão mediadas por meios de produção” (SROUR, 2005,
p.143). Dessa forma, as relações coletivas envolvem relações de trabalho e de
propriedade. Por um lado, temos as relações de trabalho, que definem “o modo
como os agentes [trabalhadores e gestores] se relacionam entre si em decorrência
da atuação no processo de trabalho” (SROUR, 2005, p.144). Neste sentido, as
relações de trabalho, segundo este autor, envolvem determinar a atuação do
gestor e de quem executa determinada função em uma organização, e, assim:

articulam quem comanda e quem opera, quem concebe e quem


executa; conformam-se à qualificação técnica dos trabalhadores
– quanto mais hábeis forem, mais controle poderiam ter sobre o
Por uma cultura organizacional ética 65

processo de trabalho; obedecem ao figurino da heteronomia (gestão


hierárquica) ou ao figurino da autonomia (cogestão ou autogestão).
(SROUR, 2005, p.144)

A cultura organizacional pode ser entendida como um conjunto de elementos,


um sistema de valores e crenças compartilhados que representam uma empresa,
seja ela pública ou privada. Srour (2005) assinala que a cultura organizacional
“especifica a identidade organizacional (...), que, construída ao longo do
tempo, serve de chave para distinguir diferentes coletividades” (SROUR, 2005,
p.212). Este autor destaca que nas empresas a cultura constitui-se de sistemas
simbólicos que moldam as ações de seus membros, contribuindo para a coesão
da organização em torno dos mesmos objetivos:

Nas organizações, a cultura impregna todas as práticas e constitui


um conjunto preciso de representações mentais, um complexo muito
definido de saberes. Forma um sistema coerente de significações e
funciona como um cimento que procura unir todos os membros em
torno dos mesmos objetivos. Isso os torna semelhantes no modo de
agir e, muitas vezes, de pensar. (SROUR, 2005, p.212)

Para Robbins (2004, p.240) a cultura organizacional refere-se ao sistema


de valores, que se constitui de sete características. No quadro a seguir, são
apresentadas estas características, segundo Robbins (2004):

1. A inovação e assunção de risco. O grau em que os funcionários são estimulados a


ser inovadores e a assumir riscos.
2. A atenção aos detalhes. Trata-se do grau esperado de precisão, análise e atenção
aos detalhes.
3. A orientação para os resultados. O grau em que os dirigentes focam os resultados
mais do que as técnicas e os processos empregados para alcançá-los.
4. A orientação para as pessoas. O grau em que as decisões dos dirigentes levam em
consideração o efeito dos resultados sobre as pessoas na organização.
5. A orientação para a equipe. O grau em que as atividades de trabalho são
organizadas mais em função das equipes do que dos indivíduos.
6. A agressividade. O grau em que as pessoas, em vez de afáveis e acomodadas, são
competitivas e agressivas.
7. A estabilidade. O grau em que as atividades organizacionais enfatizam a
manutenção do status quo em contraste com crescimento.

Quadro 13 – As sete características da cultura organizacional.


Fonte: ROBBINS, 2004, p.240.
66 Por uma cultura organizacional ética

Para Robbins (2004), as características apresentadas representam o sentimento


de compreensão partilhada entre os membros da organização, ou seja, “de como
as coisas são feitas e de como eles devem se comportar” (2004, p.240). Conforme
este autor, a cultura organizacional cumpre as seguintes funções:
• desempenha o papel de definidora de fronteiras;
• proporciona um senso de identidade aos membros;
• facilita o comprometimento com algo que se sobrepõe aos interesses
individuais;
• estimula a estabilidade do sistema social; e
• atua como sinalizador de sentido e mecanismo de controle, a fim
de orientar e dar forma às atitudes e aos comportamentos dos
trabalhadores.

Neste sentido, a cultura influencia o comportamento das pessoas. Assim,


como moldar o comportamento dos funcionários, a fim de atender às
expectativas da empresa?

5.2 Construindo uma cultura organizacional ética


Para Robbins “a força e o conteúdo da cultura de uma organização têm
influência sobre o clima e o comportamento ético de seus membros” (ROBBINS,
2004, p.251). Para este autor a cultura organizacional com maior probabilidade de
atingir alto padrão ético é aquela em que “os administradores recebem apoio para
correr riscos e ser inovadores, são desestimulados à competitividade excessiva
e prestam atenção não só em quais objetivos foram alcançados, como também
na maneira como o foram”.
Veja, no quadro a seguir, as sugestões de práticas para criar uma cultura
organizacional mais ética, segundo Robbins (2004, p.252):
Por uma cultura organizacional ética 67

Seja um modelo visível. Os funcionários observam o comportamento dos executivos


de alto escalão como ponto de referência. Quando percebem que os modelos agem
eticamente, eles depreendem uma mensagem positiva.
Comunique expectativas éticas. As ambiguidades éticas podem ser minimizadas com
a criação e a divulgação de um código organizacional de ética que deve conter os
valores essenciais da organização e estabelecer as regras éticas a serem respeitadas
pelos funcionários.
Ofereça treinamento ético. Organize seminários, workshops e outros programas de
treinamento ético. Aproveite as seções de treinamento para reforçar os padrões de
conduta desejáveis, esclarecer quais práticas são ou não permitidas e tratar de possíveis
dilemas éticos.
Seja bastante claro ao recompensar atitudes e punir as antiéticas. Nas avaliações de
desempenho dos executivos deveriam ser detalhadamente analisadas as decisões por eles
tomadas segundo o código de ética da organização, com especial atenção tanto para
os fins como para os meios. Aqueles cujo comportamento foi sempre ético devem ser
recompensados publicamente. Da mesma forma, os que transgredirem o código devem
ser punidos exemplarmente.
Forneça mecanismo de proteção. A organização precisa fornecer mecanismos formais
para que os funcionários possam discutir os dilemas éticos e reportar as transgressões
eventuais sem medo se sofrer represálias. Esses mecanismos poderiam ser compostos por
conselhos de ética, mediante a atuação de fiscais de ética ou ombudsmen.

Quadro 14 – Como criar uma cultura organizacional mais ética?


Fonte: ROBBINS, 2004, p.252.

5.4 A liderança e a ética


A liderança, conforme Srour (2005, p.187), “transcende cargos ou posições
formais, não carece de institucionalização, é fruto da sintonia espontânea e
informal estabelecida entre líderes e seguidores”. Portanto, um líder é quem
conquista um espaço de liderança, é um influenciador, tem a capacidade
de influenciar pessoas e torná-las seus seguidores. Sua força esta na adesão
obediente e consentida de seus seguidores e ele se identifica com eles. Vejamos
algumas diferenças entre um líder e um gestor, conforme Srour:

vetor gestor líder


Confiança dos superiores Credibilidade dos seguidores
Posição
(dever de defendê-los) (identidade de propósitos)
Exercício Mando, autoridade política Influência, autoridade moral
68 Por uma cultura organizacional ética

vetor gestor líder


Chefe dá ordens: obediência Mentor que semeia orientação:
Relação
compulsória obediência consentida
Controle Disciplina do corpo Adesão da mente

Quadro 15 – Diferenças entre líder e gestor.


Fonte: SROUR, 2005, p.187.

Portanto a liderança se faz relevante ao construir uma organização pautada


em preceito éticos. Os liderados confiam em seus líderes. Assim, ter confiança,
segundo Robbins, é a disposição de assumir um risco: “assim, quando confio
em alguém, presumo que essa pessoa não tentará tirar vantagem disso. Essa
disposição para assumir riscos é comum a todas as situações que envolvem
confiança” (ROBBINS, 2004, p.152). Para este autor, as dimensões básicas
que envolvem a confiança são a integridade (honestidade e à confiabilidade),
a competência (habilidades, conhecimentos técnicos e interpessoais), a
consistência (segurança, previsibilidade e capacidade de julgamento na
administração das situações), a lealdade (disposição de defender e proteger
outras pessoas) e a abertura (acreditar que a outra pessoa tem confiança em
você). A partir destas dimensões, como construir relações de confiança entre
empregados e empregadores, entre a organização e seus clientes?
Para Robbins (2004, p.154-155) as relações que têm como fundamento a
confiança devem seguir algumas práticas:
• mantenha-se aberto: mantenha as pessoas informadas, deixe claro
os critérios segundo os quais as decisões são tomadas, explique
a racionalidade de suas decisões, seja sincero sobre problemas e
comunique totalmente as informações relevantes;
• seja justo: dê crédito àqueles que o merecem, seja objetivo e imparcial
nas avaliações de desempenho e preste atenção nas percepções sobre a
equidade das recompensas distribuídas;
• exponha seus sentimentos: compartilhe os sentimentos, pois desta forma
pode ser visto como um ser real e humano;
• diga a verdade: as pessoas preferem ouvir “aquilo que não querem” a
descobrir que aquele que os lidera mentiu;
Por uma cultura organizacional ética 69

• demonstre consistência: dedique um tempo para analisar os valores e


as convicções em que você acredita. Depois deixe que eles o orientem
em suas decisões;
• cumpra promessas. A confiança requer que as pessoas acreditem que
você é digno de fé. Para isso, é necessário assegurar-lhes que você
mantém sua palavra e seus compromissos. Promessa feita deve ser
promessa cumprida;
• mantenha sigilo sobre as confidências: confiamos nas pessoas discretas
e com as quais podemos contar. Assim, se elas se abrem com você e lhe
contam algo confidencial, certifique-se de que isso não será discutido
com mais ninguém, que a confiança não será traída;
• demonstre competência; ganhe admiração: ganhe a admiração e o
respeito dos outros demonstrando capacidade técnica e profissional.
Dê atenção especial ao desenvolvimento de suas capacidades de
comunicação e de negociação e de outras habilidades interpessoais.

5.6 Código de ética da empresa


Cada vez mais se observa a necessidade de criar laços fortes entre empregados
e empregadores; a confiança, a lealdade, a ética fazem parte das características
que o líder deve assumir em sua relação com seus seguidores. Para se ter uma
cultura organizacional ética e uma empresa que cumpra os preceitos éticos a que
se propõem, é necessário que também seus funcionários estejam em sintonia
com estes preceitos.
A ética é vista por algumas empresas como um valor da organização. Não
é raro vermos expostos nos valores de uma empresa os princípios éticos que
a norteiam. A sociedade espera das empresas um comportamento compatível
com os princípios éticos e de responsabilidade social e ambiental.
No entanto, como torná-los claros, deixando explícitos à sociedades os
preceitos que norteiam a conduta ética das empresas para que não sofram
julgamentos subjetivos? As empresas socialmente responsáveis tornam explícitos
a seus stakeholders as normas ou regras, diretrizes, princípios e ou valores a partir
de seus códigos de ética. A partir de suas políticas de responsabilidade social
e ambiental, firmam um compromisso ético com a sociedade, que vai além da
oferta de bens e serviços e da lucratividade.
70 Por uma cultura organizacional ética

Em uma empresa, o código de ética serve como fundamento para nortear o


comportamento da organização e seus stakeholders. Neles expressam os temas
relativos a responsabilidade social, meio ambiente, comunidade, conduta dos
funcionários, acionistas, consumidores, atividades políticas e tecnologias.
A empresa é um espaço social, envolve relações entre seus stakeholders, sofre
influência e é influenciada por diversas variáveis. Neste sentido, a implantação
de políticas que consolidem os códigos ou manuais de ética trazem vantagens
para as organizações, deixando claro para a sociedade seu posicionamento.
Assim também deve ocorrer para o público interno, a partir de programas de
educação que disseminem as diretrizes do código de ética entre os funcionários.
Os códigos de ética também servem como uma ferramenta que auxilia o gestor
na tomada de decisão em relação a dilemas éticos. Desta forma, é necessário
colocar as normas morais no papel e disseminá-las aos funcionários, fazendo
com que eles as compreendam e sigam as orientações da empresa.
Para Srour (2000), é preciso ir além da ação pedagógica, é necessário
conscientizar gestores e funcionários “quanto aos efeitos perniciosos que
condutas inidôneas geram sobre stakeholders (...), definir a responsabilidade de
cada um no esforço de traduzir normas morais em ações reais” (SROUR, 2000,
p.245). Além disso, o autor recomenda que se monte “controles preventivos e
corretivos, e estabelecer suas respectivas sanções, lançar mão de parâmetros,
indicadores de monitoramento, medidas de contenção, rodízio de funções,
auditorias periódicas, regras mínimas que sejam rigorosamente observadas”
(SROUR, 2000, p.245). O autor também sugere que se demonstre por atos e fatos
a ideia de um trabalho de qualidade e que se transmita os valores da igualdade
de oportunidade e do tratamento não discriminatório.
Em relação aos clientes, Srour assinala algumas formas de demonstrar a
importância crucial dele para a empresa. Neste sentido, Srour (2000, p.246)
indica as seguintes ações:
• oferecer sempre produtos de qualidade, a preços competitivos e nos
prazos prometidos;
• incorporar sempre inovações tecnológicas, design atualizado, garantias
contra defeitos, assistência técnica ou serviços pós-venda;
• prestar informações precisas e objetivas que assegurem um
monitoramento competente de transação;
Por uma cultura organizacional ética 71

• servir de forma prestativa e profissional, para que o negócio se oriente


pela premissa dos ganhos mútuos.

No excerto a seguir, retirado do site da Caixa Economia Federal, apresenta-se


o código de ética desta instituição bancária:

Consciência Ética – Respeito, Honestidade, Compromisso, Transparência,


Responsabilidade
A conjuntura em que vivemos exige uma profunda reflexão em torno dos caminhos
percorridos, com o objetivo de se delinear ações que favoreçam a prosperidade, a
sustentabilidade, a segurança e a cidadania para todos, por meio de um esforço conjunto
de todas as sociedades e culturas.
Do contrário, as gerações futuras estarão comprometidas.
Nesse contexto, delineia-se o papel da CAIXA como um espaço de promoção de melhores
condições de vida, em todos os sentidos, e de formação de pessoas socialmente
responsáveis.
A consciência ética surge como um elemento fundamental desse processo e se revela na
prática cotidiana por meio da ação alicerçada na responsabilidade socioambiental.
Revela-se, portanto, como instrumento de natureza imprescindível para a CAIXA, o
seu Código de Ética, por sistematizar os valores éticos que devem nortear a condução
dos negócios, orientar as ações e o relacionamento com os interlocutores internos e
externos.

Quadro 16 – Código de ética da Caixa.


Fonte: www.caixa.gov.br/acaixa/codigo_etica.asp

Para Cohen e Segre (2005, p.4) o que mais se aproxima a um código de


ética é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que o princípio
fundamental da ética deva passar pelo respeito ao ser humano, como sujeito
atuante e autônomo.

Declaração Universal dos Direitos do Homem


Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros
da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da
liberdade, da justiça e da paz no mundo;
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram
em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento
72 Por uma cultura organizacional ética

de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da


liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a
mais alta aspiração do homem comum;
Considerando ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo
império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à
rebelião contra a tirania e a opressão;
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas
entre as nações;
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé
nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor de pessoa humana
e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o
progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla;
Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em
cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades
fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades;
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da
mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso;
Agora portanto: A ASSEMBLEIA GERAL proclama
A PRESENTE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM
como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o
objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente
esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito
a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter
nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância
universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados membros quanto
entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I. Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São


dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito
de fraternidade.
Artigo II.
1 – Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,
Por uma cultura organizacional ética 73

cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional
ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2 – Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política,
jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se
trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito
a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo III. Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança
pessoal.
Artigo IV. Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e
o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo V. Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo VI. Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido
como pessoa perante a lei.
Artigo VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção,
a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer
discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a
tal discriminação.
Artigo VIII. Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais
competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que
lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo IX. Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X. Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública
audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus
direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo XI.
1. Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei,
em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias
necessárias à sua defesa.
74 Por uma cultura organizacional ética

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento,
não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não
será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era
aplicável ao ato delituoso.
Artigo XII. Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na
sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e
reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências
ou ataques.
Artigo XIII.
1. Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das
fronteiras de cada Estado.
2. Todo homem tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e
a este regressar.
Artigo XIV.
1. Todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar
asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente
motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e
princípios das Nações Unidas.
Artigo XV.
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito
de mudar de nacionalidade.
Artigo XVI.
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,
nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma
família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua
dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos
nubentes.
Por uma cultura organizacional ética 75

3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à


proteção da sociedade e do Estado.
Artigo XVII.
1. Todo homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo XVIII. Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e
religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade
de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, em público ou em particular.
Artigo XIX. Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este
direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber
e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras.
Artigo XX.
1. Todo homem tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo XXI.
1. Todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente
ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será
expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto
ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo XXII. Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança
social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de
acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos,
sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da
sua personalidade.
Artigo XXIII.
1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
76 Por uma cultura organizacional ética

2. Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por
igual trabalho.
3. Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e
satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível
com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios
de proteção social.
4. Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para
proteção de seus interesses.
Artigo XXIV. Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação
razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Artigo XXV.
1. Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua
família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios
de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais.
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma
proteção social.
Artigo XXVI.
1. Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos
nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A
instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior,
esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e
pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância
e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será
ministrada a seus filhos.
Por uma cultura organizacional ética 77

Artigo XXVII.
1. Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus
benefícios.
2. Todo homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais
decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja
autor.
Artigo XXVIII. Todo homem tem direito a uma ordem social e internacional
em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser
plenamente realizados.
Artigo XXIX.
1. Todo homem tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo homem estará sujeito apenas
às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido
reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as
justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade
democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos
contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XXX. Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada
como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer
qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer
dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

Reflexão
A partir do conteúdo estudado neste capítulo, reflita sobre as empresas onde
você é cliente. Você saberia dizer o quanto elas estão comprometidas com a ética
e a responsabilidade social? Estas empresas têm seus códigos de éticas divulgados
de forma que os seus stakeholders e o público em geral tenha acesso? E você, ao
comprar um determinado produto ou serviço, preocupa-se se a empresa é uma
78 Por uma cultura organizacional ética

organização socialmente responsável? Sabe a procedência da matéria-prima,


ou se a embalagem é reciclável, ou se existe um local adequado para o descarte
destes produtos? Antes de comprar um produto ou contratar um serviço, você
se preocupa em saber se a empresa é socialmente responsável, ou para você é
indiferente?
6

Por que ética nos negócios?


Maria Claudia Rodrigues

Neste capítulo, trata-se da ética aplicada às relações negociais e pretende-se


apresentar as vantagens e desvantagens da ética nas relações negociais.

6.1 Ética nas relações negociais


Por que ética nos negócios? A resposta a esta questão nos parece a chave
para que as relações negociais sejam traçadas de forma ética e coerente com a
cultura da empresa.
A empresa é um sistema aberto e como tal recebe influência de seus
stakeholders, comunidade, agentes públicos, clientes internos e externos.
Levando em conta que a empresa é um sistema aberto, compreende-se que
as decisões tomadas pelas organizações têm repercussão no ambiente em que
atua a comunidade, portanto suas decisões são de responsabilidade social e
ambiental.
Para Srour (2000) as decisões afetam aos stakeholders, que são os agentes
que mantêm vínculos com a empresa. Assim, segundo este autor, na empresa
temos os trabalhadores, gestores e proprietários; na parte externa encontram-se
os clientes, fornecedores, prestadores de serviços, autoridades governamentais,
credores, concorrentes, mídia, comunidade local, entidades e sociedade civil.
80 Por que ética nos negócios?

Neste sentido, conforme Srour, “em um ambiente competitivo, as empresas têm


uma imagem a resguardar, uma reputação, uma marca” (SROUR, 2000, p.43).
Além disso, os clientes, a comunidade e a mídia influenciam a empresa, que
pode sofrer boicotes na compra de seus produtos.
Vejamos o exemplo, a seguir:

Na primeira página de um grande jornal do interior de São Paulo, a foto de uma mulher
careca, afirmando que ficou assim logo depois de usar um xampu da Gessy Lever
(xampu Seda, uma de suas principais marcas e líder do segmento), desencadeou uma
reação imediata da empresa.
Os gestores da Gessy Lever fizeram consultas a seu laboratório, mandaram recolher
produtos para análise, despacharam um médico independente e um advogado para a
cidade interiorana. Em algumas horas, respiraram aliviados: a mulher raspara a cabeça!
Mesmo assim, a Gessy Lever teve de responder a inquérito policial e definir uma
estratégia de comunicação para dirimir quaisquer dúvidas.

Quadro 17 – Caso Gessy Lever.


Fonte: SROUR, 2000, p.47.

Para Srour (2000), quando ocorrem escândalos sobre empresas que cometem
atos imorais ou idôneos, “eles geram altos cultos, multas pesadas, quebra de
rotina, baixa moral dos empregados, aumento da rotatividade, dificuldade para
recrutar funcionários qualificados, fraudes internas e perda da confiança pública
na reputação das empresas, entre outros” (SROUR, 2000, p.47).
Nesse sentido, a ética nos negócios busca “estudar e tornar legível a moral
vigente nas empresas capitalistas contemporâneas e, em particular, a moral
predominante em empresas de uma nacionalidade específica” (SROUR, 2000,
p.30). Portanto, deve-se compreender que em cada sociedade existem normas
sociais pautadas em ações “que expressam valores, balizas definidas por uma
coletividade qualquer para guiar o comportamento, tais exigências tornam
obrigatórias as condutas e operam como fatores de coesão social ou como
regras de convivência visando à coexistência entre interesses contraditórios”
(SROUR, 2000, p.34).
Para Srour (2000, p.34) as normas sociais são acatadas por três razões:
1. a convicção de que a vida em sociedade requer o respeito a regras de
interesse comum (é o caso das normas morais); essa convicção decorre
da sociedade ou da reflexão;
Por que ética nos negócios? 81

2. a submissão dos agentes diante da ameaça representada por sanções


que a coletividade pode exercer (é o caso das normas jurídicas);
3. a adesão motivada pela necessidade de identificar-se e pertencer a dada
coletividade (é o caso das normas de etiqueta).

Muitas iniciativas voltam-se para a criação de ações eticamente responsáveis.


Entre elas está o Cadastro de Empresas Pró-Ética.
A Controladoria Geral da União, em parceria com o instituto Ethos, passa
a divulgar uma lista com as empresas éticas, no Brasil. Denominado Cadastro
Nacional de Empresas Comprometidas com a Ética e a Integridade – Cadastro
Empresa Pró-Ética. Esta iniciativa busca analisar e divulgar as empresas
engajadas na construção de um ambiente de integridade e confiança nas relações
comerciais. Conforme a Controladoria Geral da União, este cadastro tem como
objetivo dar visibilidade às empresa engajadas voluntariamente a prevenir a
corrupção e promover a ética e a integridade no meio corporativo. Neste sentido,
a adesão à lista de empresas Pró-Ética busca:

I – consolidar e divulgar relação de empresas que adotam


voluntariamente medidas reconhecidamente desejadas e necessárias
para se criar um ambiente de integridade e confiança nas relações
entre o setor público e o setor privado;
II – conscientizar empresas de seu relevante papel no enfrentamento
da corrupção ao se posicionarem afirmativamente pela prevenção e
pelo combate de práticas ilegais e antiéticas e em defesa de relações
socialmente responsáveis;
III – fomentar, no âmbito do setor privado, a implementação de
medidas de promoção da ética e integridade e contra a corrupção;
IV – reduzir os riscos de ocorrência de fraude e corrupção nas relações
entre o setor público e o setor privado.

Para seu conhecimento, busque informar-se sobre as organizações que já


aderiram à lista de empresas com ações eticamente responsáveis.
82 Por que ética nos negócios?

6.2 Negociações ganha/ganha


Covey (2003), em seu famoso livro Os sete hábitos das pessoas altamente
eficazes, nos recomenda a negociação ganha/ganha, ou seja, um acordo que
implica que ambas as partes envolvidas em qualquer negociação devem
sair beneficiadas. Baseia-se no paradigma de que a vitória de um não
necessariamente acontece às custas da derrota de outro.
Infelizmente, em geral, as relações negociais se baseiam no que o autor
chama de ganha/perde, ou seja, eu (fabricante) ganho e você (cliente) perde, o
que pode ser satisfatório para a empresa ganhadora em uma primeira análise
a partir da ótica da transação específica. Todavia, é cada vez mais notório
que as organizações buscam a fidelização, e, sendo assim, a busca deve ser
pela satisfação cumulativa de um mesmo cliente com a empresa, pois isso
influencia diretamente na fidelização do mesmo, conforme Olsen e Johnson
(2003). Agora, se o cliente percebe que saiu perdendo, por que vai nos procurar
novamente?
Obviamente, isso não significa inverter tal lógica para o perde/ganha, ou
seja, eu (fabricante) perco e você (cliente) ganha, tendo em vista que toda e
qualquer organização visa o lucro, até mesmo as filantrópicas que precisam
do mesmo para reinvestir em suas ações sociais.
Ainda outra alternativa ao ganha/ganha, descrita por Covey (2003), seria
o antagônico perde/perde, mas este obviamente não tem o porquê acontecer,
só acontecendo diríamos no longo prazo, em que um cliente insatisfeito por
ter perdido da primeira vez não volta mais, gerando uma perda de cliente
para organização.
Quando nos referimos a negociação, também fazemos alusão às demais partes
interessadas na organização, incluindo aí fornecedores, colaboradores, etc.
No caso específico de fornecedores é comum grandes empresas
pressionarem demais seus fornecedores no que tange a preços, reduzindo
drasticamente suas margens. Há inclusive um caso conhecido de uma empresa
que não conseguiu suportar a pressão do cliente e deixou de fornecer para o
mesmo por conta de uma proposta indecorosa que lhe inviabilizaria o lucro.
Nesse caso, a grande empresa não conseguiu nenhum outro fornecedor que
Por que ética nos negócios? 83

lhe fornecesse pelo preço que queria e tampouco alguma que lhe entregasse o
componente pelo mesmo preço praticado pelo antigo fornecedor. Logo, assim
como seu fornecedor, também saiu perdendo, já que teve de pagar mais caro
pelo mesmo produto.
A partir desse relato, recomenda-se que, se não se pode alcançar um trato
ganha/ganha, é preferível não fazer a negociação. Conforme Covey (2003), é
preferível pelo menos manter a relação, abrindo o campo para um acordo ganha/
ganha no futuro.
Ainda, conforme Covey (2003), a negociação ganha/ganha necessita de cinco
elementos ou dimensões:
1. Caráter: só quando conhece bem os seus valores, saberá o que significa
ganhar para você. Além do mais, você terá integridade para manter suas
promessas aos outros.
2. Relações: se constroem sobre a base do caráter. Para tanto, é necessário
trabalhar desenvolvendo sua credibilidade ao longo do tempo, pois
assim estaremos investindo em relações abertas ao sucesso de ambas
as partes.
3. Acordos: os acordos surgem a partir das relações, devendo haver
cinco elementos muito explícitos para deixar claras as expectativas:
resultados desejados, regras ou parâmetros dentro das quais se obterão
esses resultados, recursos disponíveis para conseguir os resultados,
medidas para avaliação dos objetivos alcançados e as consequências
que perseguem os objetivos.
4. Sistema: para que os acordos funcionem, o sistema deve estar em
capacidade de controlá-lo. Inclui sistemas para capacitação, planificação,
comunicação, informação, etc.
5. Processo: um processo de quatro passos deve ser utilizado para
conseguir um acordo ganha/ganha:
• tente ver a situação desde a perspectiva do outro;
• identifique os aspectos e preocupações-chave;
• faça uma lista de resultados que consideraria uma solução
aceitável;
• busque novas opções para obter esses resultados.
84 Por que ética nos negócios?

Reflexão
Realize o exercício de conhecimento do próprio perfil moral, proposto por
Srour (2000), e verifique o seu perfil.

Logo a seguir estão listadas dez situações em que dois conjuntos de proposições
deverão ser classificados. Tente identificar-se melhor com um dos conjuntos.
Na coluna à direita, você deverá conferir a cada conjunto uma nota. Você dispõe
apenas de três pontos para distribuir entre os dois conjuntos, baseado na importância
que você atribui a cada um. Assim, as possibilidades são apenas quatro:
Letra 3 0 2 1
Letra 3 3 1 1

Quando você acabar, tabule os resultados. Você deverá computar um total de 30


pontos, ou seja, dez situações multiplicadas por três pontos.
• Não existem respostas certas ou erradas; seja então absolutamente sincero.
• Não diga o que você gostaria de ser ou pensar se o mundo fosse diferente, mas
como você é e pensa na atual realidade.
• Não repita nem divida notas.

Situação 1

Evito ao máximo subornar fiscais e sonegar impostos. Mas se um fiscal A


forçar a barra, eu pago, e se minha empresa estiver em dificuldade,
sonego e pronto. Nos negócios, bom senso e pragmatismo são
fundamentais.
Estou convencido de que um comportamento reconhecido como B
idôneo pelos clientes traz bons negócios, em prazos médio e longo.
De modo que a sonegação de impostos ou o suborno de fiscais são
práticas difundidas que só merecem repulsa, porque prejudicam a
coletividade, bem como a imagem da empresa.

Situação 2

Lamento que muita gente lance mão de expedientes, no velho estilo A


do Brasil tradicional. Numa economia aberta, quem não fornece
qualidade, atendimento personalizado, preços competitivos, garantias
de pós-venda, está fadado a desaparecer. Minha empresa veio para
ficar e não para fazer negócios com uma visão imediatista.
Penso que não deve misturar negócios e questões morais. Afinal, B
quem põe capital de risco quer ganhar dinheiro; não está aí para
fazer caridade ou bancar o missionário. Vamos deixar de hipocrisia:
quem faz negócios não pode ser santo. Dadas as muitas complicações
que existem no Brasil, é preciso ter jogo de cintura para que as coisas
funcionem. Quem tem juízo sabe como se virar.
Por que ética nos negócios? 85

Situação 3

Acho que maximizar os lucros dos acionistas não pode ser o único A
dínamo das empresas: estas precisam agir com claro sentido de
responsabilidade social. Por exemplo, devem repartir ganhos com
clientes e funcionários, além de respeitar o meio ambiente.
Creio que a frase anterior só faz sentido se outros agentes forem B
contidos em seu apetite: as autoridades com seus impostos, os
sindicatos com seus pleitos, os ecologistas com suas exigências,
os fornecedores com seus preços, os bancos com seus juros e suas
taxas.

Situação 4

Penso que a única maneira de sobreviver para as empresas é preparar- A


se para o que der e vier. A concorrência está cada vez mais acirrada
e desleal. Seria ingênuo arriscar o negócio bancando o bom-moço.
Cabe um acordo entre as empresas para que não haja concorrência
predatória e para que não se ponha em perigo o emprego de muita
gente.
Não importa o tipo de concorrência, se estrangeira ou nacional. B
Quem é competente saiba reduzir custos e repensar o próprio
negócio, sabe inovar sempre e lançar produtos novos, com qualidade
e bom design. Apelar para o vale-tudo é uma atitude desesperada
de curto alcance.

Situação 5

Se souber que a empresa em que trabalha vai adquirir uma empresa A


concorrente cujas ações estão a um preço muito baixo, compro um
lote de ações, já que seu valor certamente subirá.
Não compro ação alguma, a não ser que minha empresa autorize B
tal procedimento, porque, caso contrário, eu estaria me valendo de
informações confidenciais que podem trazer prejuízo à operação
como um todo.
86 Por que ética nos negócios?

Situação 6

Se eu, como presidente de uma empresa, souber que um concorrente A


acabou de desenvolver uma nova tecnologia que vai lhe garantir
boa fatia de mercado, faço com que um dos especialistas deste
concorrente me repasse o know-how. Como todo mundo procura se
defender, também me adapto às circunstâncias, embora o faça de
contragosto. Quem está na chuva é para se molhar.

Procuro manter-me sempre atualizado e não me deixar surpreender B


pelos concorrentes. Lanço produtos com inovação, me valendo apenas
da inteligência competitiva, e não da espionagem econômica. A meu
ver, quem se socorre de manobras escusas não merece o respeito de
ninguém e demonstra miopia empresarial.

Situação 7

Acredito que as empresas devem adotar políticas criteriosas na área A


da publicidade, na qualidade dos produtos ou dos serviços prestados,
no atendimento aos clientes e nos preços competitivos. Enganar
os clientes ou omitir deficiências pode realmente dar resultados
imediatos, mas está errado. Além de poder trazer problemas com
Código de Defesa do Consumidor, o Procon, a mídia e até a justiça.
Não faço negócio com espertezas.

Seria ingenuidade minha lançar um produto e não ressaltar todas B


as suas qualidades, ao mesmo tempo em que omito naturalmente
as possíveis deficiências ou insuficiências. Isso não quer dizer que
eu deixe de ter produtos competitivos. O mercado está aberto para
qualquer um poder comparar os produtos e os preços, os serviços
prestados e o tipo de atendimento. Os clientes não são crianças que
devem ser pajeadas. Cabe a eles apreciarem a publicidade que se
faz e aquilo que compram. Minha responsabilidade é para com os
acionistas em primeiro lugar.
Por que ética nos negócios? 87

Situação 8

Obedeço à praxe do mercado e considero que oferecer brindes, A


presentes e gratificações a compradores e gerentes das empresas
clientes é uma atitude de boa educação. Danço conforme a música,
como todo mundo faz. Aliás, quem deixa de fazê-lo perde negócios e
reduz suas próprias oportunidades.
Acho que é preciso estabelecer uma política explicita e restritiva no B
tocante à aceitação ou à oferta de convites, favores, brindes e presentes.
Trata-se de um dos itens que um código de conduta empresarial deve
ter, porque deixar cada funcionário orientar-se segundo sua própria
consciência é abandoná-lo num mato sem cachorro.

Situação 9

Sendo eu presidente de uma empresa, não vejo nada de errado em A


possuir ações de uma companhia com a qual minha empresa faz
negócios regularmente. É um modo inteligente de estabelecer uma
boa parceria. E mais: não vejo por que não sentar juntos para procurar
regular o mercado (acabando coma guerra entre os concorrentes)
e para descobrir o melhor método de contornar tantos impostos –
afinal, a carga tributária no Brasil é altíssima e bem mal distribuída.
Acho inadequado possuir ações de um concorrente se eu for presidente B
de uma empresa. Certamente haverá conflito de interesses e eu ficaria
impedido de tomar certas decisões. E mais: é um absurdo combinar
os preços dos produtos com as empresas concorrentes, porque isso
prejudica os clientes. Mas cabe apoiar-se mutuamente no que diz
respeito aos interesses do setor para pressionar o Executivo e o
Legislativo e conseguir diminuir a carga tributária..

Situação 10

Não basta elaborar um código de conduta, é preciso conscientizar os A


funcionários a respeito das normas morais nele contidas e controlar
o que fazem sem esmorecer. Isso significa que o código de conduta é
para valer, devendo corresponder a cada uma das práticas de gestão.
Códigos de conduta acabam servindo para jogar poeira nos olhos do B
pessoal de fora. Quem conhece a realidade dos negócios sabe disso.
Afinal, o que se escreve não é para ser cumprido, caso contrário não
se faria mais negócio algum. Felizmente, nós aprendemos a dissociar
desde sempre o discurso e os atos. Então, vamos deixar isso para lá e
parar com esses modismos tolos.
88 Por que ética nos negócios?

Tabulação
Identifique as notas que você deu em cada situação, nas colunas à direita, diante de
cada letra, a nota respectiva.
No final, some as notas por coluna.

Situação Coluna I Coluna I


1 B= A=
2 A= B=
3 A= B=
4 B= A=
5 B= A=
6 B= A=
7 A= B=
8 B= A=
9 B= B=
10 A= B=
Totais = 30

Não alcançando exatamente 30 pontos, reveja sua pontuação: é possível que tenha
ocorrido algum erro de lançamento.

Resultados
Em tese, sua postura deveria corresponder àquela que obteve a maior pontuação. No
caso, não há como adotar uma leitura linear, por causa do próprio rigor inerente à
moral e à integridade (coluna I). De fato, esta moral não autoriza deslize algum e exige
a pontuação plena de 30 pontos. A coluna II corresponde à moral do oportunismo,
de maneira que, quem obteve nota maior nesta postura, simplesmente é forte adepto
desta moral. Entretanto, quem somou de 25 a 29 pontos na coluna I costuma fazer
algumas concessões concorrentes à moral do oportunismo e, portanto, vive numa
situação ambígua. Agora, quem somou de 20 a 24 pontos nesta mesma coluna mantém
relações bastante confusas com a moral da integridade e adota decisões que padecem
de grande ambiguidade, como se tivesse adentrado numa terra de ninguém. Menor
pontuação ainda remete simplesmente à moral do oportunismo.

Quadro 18 – Exercício de conhecimento do próprio perfil moral.


Fonte: SROUR, Robert Henry. Ética empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.130-136.
7

Contextualização histórica
da responsabilidade social
Igor Roberto Borges

Neste capítulo, apresenta-se a contextualização histórica da responsabilidade


social, abrangendo a evolução da responsabilidade social na empresa e no Brasil
e seus conceitos fundamentais.

7.1 Responsabilidade social empresarial


A responsabilidade social empresarial, para Bourscheidt (2002), passou a
ser um tema emergente no mundo da administração a partir do advento da
globalização, gerando vantagem competitiva. Ainda, segundo o mesmo autor,
a consciência de uma responsabilidade social no Primeiro Mundo remonta há
mais tempo, e como prova disso teríamos a criação da Fundação Nobel, na Suécia,
ainda no início do século passado. Acrescenta que só ao longo das décadas mais
recentes é que as ações deixaram de ter caráter de caridade, evoluindo para a
filantropia, que, por meio do investimento social privado, passou a dar apoio à
cidadania corporativa.
Duarte e Dias, apud Bourscheidt (2002), apontam o livro Social Responsabilities
of the Businessman, lançado por Howard Bowen em 1953 nos Estados Unidos,
como um marco no campo da responsabilidade social das empresas. Estes
90 Contextualização histórica da responsabilidade social

autores relatam que ideias anteriores a este livro foram rechaçadas no meio
acadêmico, porque soavam como heresias socialistas, entretanto, o livro de
Bowen teve grande repercussão e logo foi traduzido para diversos idiomas,
incluindo o português. Para os mesmos autores, foi a partir de então que o
assunto emergiu nos meios acadêmicos e empresariais norte-americanos,
passando a ser tema de encontros, simpósios, cursos regulares e seminários.
Os autores acrescentam que a popularização do tema intensificou-se a partir de
uma série de reportagens exibidas na década de 60 pela rede norte-americana
Pacific Northwest, que resultou num livro, intitulado Business and Society. Estes
acontecimentos prepararam o campo, segundo os autores, para a aceitação da
ideia de responsabilidade social no contexto empresarial.
A partir desses acontecimentos, na mesma década surgiram as primeiras
cobranças da sociedade europeia e norte-americana pelos direitos civis. Como
resultado, as empresas que almejavam apenas o lucro passaram a considerar a
prática de ações sociais como algo inerente ao negócio (DUARTE e DIAS, apud
BOURSCHEIDT, 2002).
Para Melo Neto e Froes (2002) o aspecto social do setor empresarial teve
início na década de 70, com o “aumento da contestação econômica quantitativa”,
cuja expressão máxima foi o primeiro relatório do Clube de Roma, também
chamado de “Relatório Meadows”, sobre os limites do crescimento, datado de
1972. Para os autores constitui-se nesse fato histórico o início do processo de
conscientização para a necessidade de uma extensa agenda empresarial na busca
de soluções para os problemas sociais.
No campo histórico da responsabilidade social empresarial, temos um outro
divisor de águas e talvez o principal, citado por diversos autores, assumindo
caráter de unanimidade, que foram as publicações dos primeiros balanços sociais,
que, conforme Bourscheidt (2002), foram elaborados na Alemanha e na França,
respectivamente, pelas empresas Steag em 1970 e Stinger no ano seguinte.
Na mesma década, precisamente no ano de 1977, surge na França o “Relatório
Sudreau”, sobre a reforma da empresa e a lei sobre o balanço social (Lei de
12 de julho de 1977), que passou a exigir que as empresas instaladas em seu
território, com mais de 300 empregados, fizessem balanços periódicos sobre o
seu desempenho social no tocante à mão de obra e às condições de trabalho
(MELO NETO e FROES, 2002).
Contextualização histórica da responsabilidade social 91

7.2 A responsabilidade social no Brasil


No Brasil, a responsabilidade empresarial está ganhando força, principalmente
no contexto das grandes empresas, que buscam integrar-se aos parâmetros dos
países desenvolvidos.
Bourscheidt (2002), a partir de relato de Ciro Gomes, destaca como
primeiro indício de uma consciência social empresarial a Carta de Princípios da
Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas, datada de 1965, que afirmava que
muitos dos problemas sociais ocorriam em função da omissão das organizações.
Entretanto, concretamente, a mobilização em torno da responsabilidade
social empresarial emergiu a partir de 1980, com a elaboração dos primeiros
balanços sociais por empresas paulistas, ganhando força nos anos 1990, com
o engajamento de entidades empresariais, como a Associação Brasileira de
Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ), Grupo de Instituições Empresariais,
Fundações e Empresas (GIFE) e o Instituo Ethos. Além desses fatos, há de se
considerar, conforme Melo Neto e Froes (2002), o sociólogo Betinho, que através
do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), entidade
a qual presidia, iniciou uma verdadeira cruzada nos anos 1980 em prol do
balanço social, e, já no início da década de 90, como resultado de seu esforço,
surgiram os primeiros investimentos sociais de peso realizados por empresas, e
na segunda metade da mesma década intensificou-se a elaboração do balanço
social das organizações.
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei n. 0032
de 1999, que tornaria obrigatória às empresas brasileiras a publicação do
balanço social. No âmbito regional há o projeto de lei n. 11.440, de 18/1/2000,
que institui o balanço social para empresas estabelecidas no estado do Rio
Grande do Sul que desejam ser certificadas, outorgando-lhes o Certificado de
Responsabilidade Social – RS. Para tanto, as organizações precisam apresentar
o balanço social, o qual será assinado por contador ou técnico em contabilidade
devidamente habilitado perante o Conselho Regional de Contabilidade do Rio
Grande do Sul. Assim como no âmbito regional, há municípios, como Porto
Alegre, que possuem a Lei n. 8.118/98, que institui o balanço social para toda
e qualquer empresa com sede em Porto Alegre que tiver mais de 20 (vinte)
empregados.
92 Contextualização histórica da responsabilidade social

Conforme Bourscheidt (2002), atualmente, a globalização surge como grande


catapulta para a responsabilidade social, tanto no âmbito individual quanto no
organizacional. Vejamos a seguir:

Mundialização econômica, aliada à redução do papel do Estado,


redefinição das estratégias e dos investimentos para o desenvolvimento
local e nacional, combinadas com o reconhecimento de que a maioria
das questões sociais não pode apenas ser resolvida por ações de
governo ou do mercado, tende a explicar o surgimento de um
ambiente mais favorável ao protagonismo dos cidadãos. (AMBROSI
apud BOURSCHEIDT, 2002)

Existem diversas posições em relação ao excerto anterior: a primeira é


que com o neoliberalismo econômico e consequente enxugamento do estado,
instituído com o patrocínio de grande parte das empresas, acentuou-se a pobreza,
logo, as empresas têm o dever de exercer papel social relevante.
A segunda posição defende que prover todas as funções essenciais à população
é de responsabilidade do estado, e que especialmente no caso do Brasil, onde a
carga tributária é extremamente elevada, o investimento deveria ser maior ainda;
logo, o governo, através de campanhas, estaria repassando a responsabilidade
que é sua para as empresas que já contribuem com a sociedade ao promoverem
o emprego e ao pagarem seus impostos. Posicionamento à parte, acredita-se que
as tentativas de esquivar-se da responsabilidade é negativo para ambos os lados,
e é fato consumado que a responsabilidade social empresarial já é realidade,
fato demonstrado pela quantidade de empresas certificadas pela Assembleia
Legislativa do Rio Grande do Sul no Prêmio Responsabilidade Social.
Em 2004, tivemos 193 organizações certificadas, e em 2010 esse número
passou a 223. A partir disso, podemos afirmar que a responsabilidade social
empresarial não é apenas um modismo, prêmios como o distribuído pela
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul têm similares em outros estados
e talvez se trate de uma tentativa de passar a responsabilidade da esfera pública
para a privada, entretanto vem logrando êxito com inclusão de um número
cada vez maior de empresas, e a partir disso fica a pergunta: a sua empresa vai
ficar de fora?
Contextualização histórica da responsabilidade social 93

7.3 O que é responsabilidade social?


Primeiramente, conforme Melo Neto e Froes (2004), há de se diferenciar
filantropia empresarial e responsabilidade social. Nesse caso, a primeira diz
respeito ao empresariado bem-sucedido em seus negócios, que decide retribuir à
sociedade parte dos ganhos que obteve em suas empresas, demonstrando vocação
para a benevolência, através de atos de caridade para com o próximo, praticando
atos de “assistencialismo” no auxílio aos desvalidos, desfavorecidos, miseráveis,
excluídos e enfermos. Enquanto que, no segundo caso, se busca estimular o
desenvolvimento do cidadão e fomentar a cidadania individual e coletiva.
Nesta mesma direção, os autores apontam que a filantropia se baseia na doação
a grupos ou entidades, precisando de planejamento, organização, monitoramento,
acompanhamento e avaliação. Já as ações de responsabilidade social exigem
periodicidade, método, sistematização e gerenciamento efetivo. A filantropia
objetiva contribuir para a sobrevivência de grupos desfavorecidos, enquanto
que a responsabilidade social busca a sustentabilidade e autossustentabilidade
de grandes e pequenas comunidades. Portanto, podemos sintetizar o conceito de
responsabilidade social através do projeto de nome “Pescar” e seu lema: “Não dê
o peixe, ensine a pescar”. A responsabilidade social busca intervir diretamente na
busca de soluções de problemas sociais, que podem ser caracterizados como:

um estado de carência de serviços sociais básicos que afeta


determinado segmento populacional, residente numa determinada
área geográfica com características sociais, culturais, econômicas e
demográficas bem definidas. A ocorrência deste problema representa
um déficit social que significa a falta ou insuficiência de serviços
fundamentais para a sobrevivência ou melhor qualidade de vida de
um segmento populacional. (MELO NETO e FROES, 2002)

Conforme Bourscheidt (2002), teríamos um terceiro conceito chamado


“cidadania empresarial”, alusivo à participação ativa nas decisões relativas
ao espaço público onde se inserem as empresas, atuando junto à cidade e à
comunidade.
94 Contextualização histórica da responsabilidade social

A principal diferença entre responsabilidade social e cidadania empresarial é


que na primeira teríamos atuação estendida, ou seja, além da atuação na cidade
e na comunidade, a empresa socialmente responsável assume atitude condizente
junto a toda cadeia produtiva da empresa, incluindo-se aí clientes, funcionários,
fornecedores e ambiente, assumindo responsabilidades junto a todos aqueles
que são impactados por suas atividades. Vemos então a cidadania empresarial
como uma atitude com enfoque mais político e a responsabilidade social, embora
possa ter caráter político, com enfoque mais ativo.
Acreditamos ser de grande relevância a diferenciação quanto ao grau de
envolvimento que uma organização poderá ter ao assumir compromissos e
iniciativas sociais, proposta por Montana e Charnov apud Burscheidt (2002),
que apontam três abordagens nesse sentido:
• abordagem de obrigação social: refere-se às empresas que buscam
apenas satisfazer as obrigações sociais mínimas impostas pela lei,
basicamente pela crença de que essa obrigação é atribuição do estado e
não da iniciativa privada, que se deve focar em atingir metas de natureza
econômica, otimizando o lucro dos acionistas. Ainda sim, poderão
realizar doações, mas muito mais porque beneficiam a própria empresa,
onde obterão no mínimo a dedução dessa contribuição do imposto de
renda.
• abordagem da responsabilidade social: supõe que a empresa não possua
apenas metas econômicas, mas também responsabilidades sociais. As
empresas que adotam esse critério tendem a assumir decisões não apenas
pensando nos ganhos econômicos, mas também utilizam o critério do
benefício social, ressalvando-se que não serão tomadas medidas que
possam trazer danos econômicos à empresa. Essas organizações buscam
ativamente a aprovação da comunidade ao seu envolvimento social e
desejam ser vistas como politicamente corretas.
• abordagem de sensibilidade social: supõe que a empresa não possua
apenas metas econômicas e sociais, mas que também precise se antecipar
aos problemas sociais do futuro, agindo no presente em resposta.
Nesse enfoque, a empresa pode comprometer recursos da organização
agora, criando impacto negativo na otimização dos lucros, porém será
em benefício dela mesma, pois a empresa faz negócios para a mesma
sociedade em que atua socialmente.
Contextualização histórica da responsabilidade social 95

Acreditamos que os enfoques mais comuns sejam o de abordagem de obrigação


social e o de responsabilidade social, o terceiro, abordagem de sensibilidade social,
seria um próximo estágio, ainda utópico, embora existam casos de iniciativas
na área da educação por parte da iniciativa privada que possam objetivar maior
segurança, mão de obra mais qualificada, entre outros resultados futuros, mas
acreditamos que poucas criariam impacto negativo em seus lucros para tal fim.
O comum ainda é o enfoque da obrigação social, embora o discurso seja
muitas vezes diferente, principalmente nas empresas que utilizam ainda o modelo
instrumental de recursos humanos, retrógrado, que, segundo Vasconcelos,
Mascarenhas e Protil (2004), baseiam-se na escola clássica de administração,
encontrado em contextos onde o formalismo, a autoridade e a rigidez permeiam
as relações sociais, sendo a gestão de pessoas considerada como um instrumento
racional de produção, cuja estratégia é definida por seus diretores em função das
pressões do mercado, sendo a administração de recursos humanos um meio de
implementar esta estratégia, buscando a maximização do resultado econômico,
uma vez que, em tese, toda comunidade organizacional será beneficiada.
Já a abordagem de responsabilidade social, que começa a ganhar espaço,
estaria contagiando aquelas empresas que exercem o modelo político de recursos
humanos, que conforme os autores, compreendem as organizações nas quais o
consenso, a diversidade de ideias e a igualdade de direitos entre os membros da
organização permeiam as relações sociais, inspirado nos estudos de Herzberg e da
Teoria das Relações Humanas. Ou seja, as empresas acabam refletindo as crenças de
seus presidentes e da maioria acionária nas suas relações sociais como um todo.
De posse de tais conceitos, vejamos a figura 1, que aponta a expectativa do
consumidor quanto à ação das empresas:

Figura 1 – Expectativa do consumidor quanto à ação das empresas.


Fonte: ETHOS e AKATU, 2010.
96 Contextualização histórica da responsabilidade social

Ao analisarmos essa pesquisa, podemos pressupor que a utilização


da abordagem da obrigação social recebe aprovação de apenas 15% dos
consumidores brasileiros, levando em consideração a expectativa dos mesmos
de que a empresa deve concentrar-se apenas no que está estabelecido nas leis
(13%) ou nem isso (2%). Partindo desse pressuposto, poderíamos afirmar que a
abordagem de responsabilidade social por parte das empresas já está na mente
de 60% dos consumidores, tendo em vista as respostas à pesquisa em que os
consumidores acreditam que as empresas deveriam fazer mais do que está
estabelecido nas leis, buscando trazer mais benefícios à sociedade.
Logo, isso leva a crer que a postura de apenas obrigação social, principalmente
quanto às grandes empresas por serem mais visíveis aos consumidores, é
retrógrada e está e provavelmente estará cada vez mais em descrédito frente
aos mesmos.

Reflexão
A partir da evolução histórica da responsabilidade social e de seus principais
conceitos, faça uma comparação entre a abordagem de obrigação social e a
abordagem da responsabilidade social, citando vantagens e desvantagens para
uma empresa.
8

Atuação da responsabilidade social:


interna e externa
Igor Roberto Borges

Neste capítulo aborda-se a atuação da empresa em relação à responsabilidade


social e seus stakeholders. Neste sentido, busca-se apresentar aos alunos quem
são os stakeholders e qual sua influência na empresa. Também se argumenta
sobre a responsabilidade social direcionada ao público interno da organização,
seus empregados e os dependentes destes. Por outro lado, destaca-se a
responsabilidade social externa, que corresponde ao desenvolvimento de ações
sociais empresariais que beneficiem a comunidade.

8.1 Identificando os stakeholders


Antes de diferenciarmos os focos da responsabilidade social interna e da
externa, faz-se necessário identificarmos todas as partes interessadas na empresa
(stakeholders).
Segundo Lourenço e Schröder (2003), as partes interessadas (ou stakeholders)
são qualquer grupo dentro ou fora da organização que tem interesse no
desempenho da organização. Cada parte interessada tem um critério diferente
de reação, porque tem um interesse diferente na organização.
98 Atuação da responsabilidade social: interna e externa

Mas quem seriam as partes interessadas? A seguir veremos o quadro 19, que
sintetiza as partes interessadas, com suas contribuições para a empresa, bem
como suas demandas básicas em relação a ela:

Stakeholders Contribuições Demandas básicas


Acionistas Capital. Preservação do patrimônio.
Empregados Mão de obra; Salários justos;
Criatividade; Segurança e saúde no trabalho;
Idéias. Realização pessoal;
Condições de trabalho.
Fornecedores Mercadorias. Respeito aos contratos.
Clientes Dinheiro. Segurança dos produtos;
Fidelidade. Boa qualidade dos produtos;
Preço acessível;
Propaganda honesta.
Comunidade / Infraestrutura. Respeito ao interesse comunitário;
sociedade Contribuição à melhoria da
qualidade de vida na comunidade;
Conservação dos recursos naturais;
Proteção ambiental;
Respeito aos direitos de minorias.
Governo Suporte institucional, Obediência às leis;
jurídico e político. Pagamento de tributos.

Concorrentes Competição; Lealdade na concorrência.


Referencial de
Mercado.

Quadro 19 – Stakeholders (partes interessadas).


Fonte: LOURENÇO e SCHRÖDER, 2003.

A partir quadro 19, verificamos a existência de nove grupos de interesse


frente às ações da empresa. Obviamente, quanto maior e mais conhecida é a
empresa, maiores serão as demandas sobre ela, assim como os Estados Unidos,
por serem a nação mais rica do planeta, recebem maiores cobranças de postura
ética do que os demais países, assim como artistas e jornalistas, pela grande
exposição, também recebem esse tipo de cobrança por serem referenciais de
Atuação da responsabilidade social: interna e externa 99

comportamento e formadores de opinião, ou seja, quanto maior a visibilidade,


maiores serão as responsabilidades frente à sociedade como um todo.
Identificados os stakeholders, diferenciaremos a responsabilidade social
interna e a externa na seção que segue.

8.2 Responsabilidade social interna


Segundo Melo Neto e Froes (2002), a responsabilidade social interna focaliza
o público interno da organização, seus empregados e os dependentes destes. Tem
como objetivo a motivação dos mesmos, de forma a otimizar o desempenho,
criar um ambiente agradável de trabalho e contribuir para o seu bem-estar,
atendendo no mínimo as demandas básicas expostas no quadro 19, no que se
refere aos empregados. Conforme os mesmos autores, as principais ações de
responsabilidade social interna desenvolvidas pelas empresas são:
• investimentos no bem-estar dos empregados e seus dependentes, através
de programas de remuneração e participação nos resultados, assistência
médica e odontológica, alimentar e de transporte;
• investimentos na qualificação dos empregados, através de programas
de financiamento de cursos externos, regulares ou não, realizados por
seus funcionários com vistas à sua maior qualificação profissional e
obtenção de escolaridade mínima.

Além dos empregados, algumas empresas estendem sua rede de ações


internas de responsabilidade social aos funcionários de empresas contratadas,
terceirizadas, fornecedores e parcerias (MELO NETO e FROES, 2002). Alguns
poderão estranhar, quando os autores escrevem sobre estender aos fornecedores,
mas, se utilizarmos um exemplo local, o complexo da General Motors,
que engloba num mesmo parque fabril inúmeras empresas fornecedoras, a
visualização desse modelo fica mais factível, tendo em vista que a empresa é
dependente dos fornecedores para a otimização do seu funcionamento. Logo,
poderá no mínimo promover ações sociais no âmbito esportivo, promovendo
campeonatos de diferentes modalidades esportivas entre eles, de forma a
promover a socialização, além de tornar-se exemplo de melhores práticas para
os seus fornecedores.
100 Atuação da responsabilidade social: interna e externa

Em muitos casos, grandes empresas aceitam apenas empresas com


certificações, não só a ISO 9000 (qualidade), mas também ISO 14000 (ambiental),
SA 8000 (relações de trabalho) e OHS 18000 (saúde e segurança ocupacional),
justamente para assegurar-se de que esses fornecedores sejam condizentes com
os princípios e valores preconizados por elas. De que adiantaria uma empresa
utilizar-se de ações de responsabilidade social para construir uma boa imagem,
se um de seus fornecedores recebe uma multa ambiental ou é denunciado no
Ministério do Trabalho por utilizar mão de obra infantil?
Em casos como esses, vale o ditado popular: “me diga com quem andas e eu
te direi quem és”, ao menos é o que prevalece na mente da comunidade e dos
clientes da empresa, ou seja, problemas com fornecedores tenderão a respingar
na empresa.
No âmbito da responsabilidade social interna, uma das ações sociais
que vem ganhando força é o investimento em educação, desde aplicação de
recursos para que os colaboradores concluam o ensino fundamental e médio
até cursos de ensino superior e de pós-graduação, tanto em nível lato sensu,
bem como stricto sensu. Aliás, dentre os motivos que levaram à criação dos
mestrados profissionalizantes encontra-se justamente o interesse das empresas
em qualificar seus quadros, gerando demanda para essa modalidade. Em nível
superior, temos exemplos de diversas universidades onde existem inúmeros
convênios com empresas, que custeiam os estudos de seus funcionários tanto em
cursos de bacharelado como em cursos tecnológicos. Há inclusive empresas que
condicionam o percentual de custeio ao aproveitamento do aluno/funcionário,
motivando-o para um desempenho ótimo.
Conforme Melo Neto e Froes (2004), as empresas, com o advento da
responsabilidade social, não têm mais como deixar de investir em seus quadros.
As áreas de recursos humanos inovadoras já incorporaram as novas práticas de
responsabilidade social, e tal evolução tem precedência na passagem de gestão de
recursos humanos para a gestão do capital intelectual, em que se costuma dizer
que o capital intelectual é o principal ativo intangível da organização, responsável
pela diferenciação delas em relação à concorrência. Além disso, temos o fato de
que a percepção de empresa socialmente responsável está intimamente atrelada
à atuação da empresa frente aos empregados, conforme pode ser vislumbrado
na figura 2, tanto no Brasil como no mundo.
Atuação da responsabilidade social: interna e externa 101

Figura 2 – Ações indicativas de responsabilidade social


de uma grande empresa – Brasil e mundo – 2005.
Fonte: Globescan.

Aliados a esses dados, os colaboradores retornam com maior produtividade


para a empresa e também produzem retorno para os acionistas dela. Estes dois
retornos, produtividade e para os acionistas, são duas das modalidades de retorno
social, tópico que veremos na seção a seguir.

8.3 Responsabilidade social externa


Segundo Melo Neto e Froes (2002), a responsabilidade social externa
tem como foco a comunidade, ou seja, corresponde ao desenvolvimento de
ações sociais empresariais que beneficiem esta. Tais ações sociais são voltadas
principalmente para as áreas de educação, saúde, assistência social e ecologia.
Vejamos a opinião de outro autor:

Uma vez que a empresa está inserida numa comunidade, a


responsabilidade social da empresa também se relaciona com esse
entorno, logo, merece atenção especial em todas as suas atitudes,
102 Atuação da responsabilidade social: interna e externa

desde aquelas de aspecto estratégico até as que forem meramente


operacionais (BOURSCHEIDT, 2002).

A partir desse pensamento, relembramos a questão da visibilidade da


empresa, pois obviamente que a repercussão das ações da empresa causarão
repercussão de forma mais alta nas comunidades às quais elas estão instaladas.
Em conjunto a este fato temos também o interesse da população brasileira na
atuação social da empresa, como pudemos observar no capítulo anterior.
Para Hoppe, Hofstatter e Furtado (2004) a presença de grandes indústrias,
comércio e serviços para a economia da comunidade local é fundamental, mas
também é de grande relevância que elas sejam parceiras no desenvolvimento
local, através do apoio a projetos comunitários sem fins lucrativos, pois os
benefícios advindos para uma empresa parceira e solidária à comunidade onde
atua pode ajudar no seu próprio crescimento e fortalecimento, tanto de seus
produtos quanto de sua marca.
A responsabilidade social externa das empresas é feita de doações, dos
programas e projetos sociais que desenvolve ou patrocina, das parcerias que
desenvolve com os diversos atores sociais, como o governo e instituições do
terceiro setor, bem como das ações sociais desenvolvidas por seus colaboradores,
fornecedores e demais parceiros (MELO NETO e FROES, 2002).
Nesse sentido, Bourscheidt (2002) sugere algumas ações que a empresa pode
adotar, dentre elas:
• incentivar os colaboradores a participarem em projetos comunitários,
inclusive com a possibilidade de recompensá-los;
• utilizar serviços promovidos por organizações comunitárias, ou, por
intermédio delas, recrutar pessoas carentes;
• instalar-se em locais carentes;
• apoiar o comércio local, seja negociando descontos para seus
funcionários ou subsidiando as compras efetuadas nas lojas da própria
comunidade; e
• ceder seu espaço interno e infraestrutura para encontros de
organizações sem fins lucrativos, bem como para aulas de alfabetização,
aulas particulares, campeonatos esportivos e outras iniciativas
comunitárias.
Atuação da responsabilidade social: interna e externa 103

Tais ações visam ao desenvolvimento sustentável, pois fomentam o comércio


local, proporcionam aumento da renda local quando contratadas pessoas da
região e integram a empresa e a comunidade a partir da cessão de sua estrutura
e espaço físico.
Além de promover o desenvolvimento sustentável, tais ações agregam valor
à marca da empresa, sendo importante averiguar como os públicos de interesse
de uma organização percebem o trabalho social desenvolvido pela mesma. Isso
para que se descubra até que ponto o consumidor pensa ser melhor adquirir
um produto e saber que parte do seu valor irá beneficiar causas sociais, do que
simplesmente adquiri-lo sabendo que o valor apenas contribuirá para o lucro da
empresa. Ou, ainda, se a imagem da empresa melhora na mente do consumidor
e da comunidade, estes poderão ser agentes de marketing de relacionamento,
através do boca a boca, que pode se tornar em diferencial competitivo para a
empresa, principalmente em tempos de competitividade acirrada (HOPPE,
HOFSTATTER e FURTADO, 2004).
Exposto isso, é lógica a íntima relação entre responsabilidade social externa e
marketing social, assim como o retorno social proporcionado por ambos, através
do retorno de imagem, publicitário, de vendas e de mercado, para os acionistas,
tributário-fiscal e o social propriamente dito, que também estudaremos no
próximo capítulo.

Reflexão
Pesquise em empresas e apresente exemplos de responsabilidades interna
e externa.
9

Marketing e responsabilidade social


Igor Roberto Borges

Neste capítulo, trata-se do tema marketing social. Objetiva-se apresentar


ao aluno o marketing social, como ferramenta para divulgar e comunicar as
organizações que atuam com responsabilidade social. Neste sentido, iremos
apresentar os tipos de marketing social, a fim de diferenciá-los em relação as suas
atuações específicas. Assim, apresentaremos o marketing filantrópico, marketing
das campanhas sociais, marketing de patrocínio de projetos sociais, marketing de
relacionamento com base em ações sociais, marketing de promoções sociais.

9.1 Marketing social


Os consumidores estão mudando. Os mercados estão em transformação.
Percebe-se, em mercados maduros, uma alteração de foco, em que as empresas
buscam satisfazer não só as necessidades dos seus clientes, mas preocupam-
se também em atender às necessidades da sociedade como um todo. É o
chamado marketing social (CZINKOTA et al., apud HOPPE, HOFSTATTER
e FURTADO, 2004).
Conforme Burscheidt (2002), a abordagem clássica e a própria prática do
marketing sempre estiveram centradas na arte de atrair novos consumidores
para a empresa, esquecendo da manutenção dos atuais. Hoje em dia, busca-se
o marketing de relacionamento, que, além de buscar novos consumidores, trata
106 Marketing e responsabilidade social

de estabelecer fortes laços de lealdade dos clientes atuais para com a empresa,
de forma a garantir trocas duradouras. Para Burscheidt (2002) não resta dúvida
de que a postura socialmente responsável constitui-se de parte estratégica para
movimentar-se nesse cenário de consumidores cada vez mais esclarecidos e
exigentes. Ainda, segundo o autor, vale salientar que as próprias práticas de
marketing venham ao encontro da ética e da responsabilidade social.
De encontro ao exposto, Melo Neto e Froes (2002) afirmam que as empresas
desenvolvem projetos sociais com dois objetivos: exercer filantropia empresarial
e desenvolver estratégias de marketing com base em ações sociais.
Nessa linha de pensamento, o exercício da filantropia empresarial caracteriza-
se por ações de doações de produtos fabricados pela própria empresa ou de
grandes somas de dinheiro para entidades beneficentes.
Algumas empresas utilizam essa prática como uma ação de marketing ao
promoverem seus produtos e marcas quando são distribuídos a escolas, hospitais,
universidades, órgãos de serviços públicos e entidades do terceiro setor.
Ainda, segundo Melo Neto e Froes (2002), são também ações de filantropia
as doações para campanhas sociais e concessão de bolsas e prêmios para
pessoas carentes. É o que denominamos de marketing social, cujas principais
modalidades são:
• marketing de filantropia;
• marketing das campanhas sociais;
• marketing de patrocínio de projetos sociais;
• marketing de relacionamento com base em ações sociais;
• marketing de promoção social do produto e da marca.

Antes de analisarmos cada um destes itens, vale destacar o seguinte


conceito:

Marketing social constitui-se em comunicar questões importantes


à sociedade de uma maneira mais eficaz, de modo a gerar mudança
de atitudes e comportamentos sociais. Não é fazer marketing da
atuação social da empresa. (ALESSIO, 2003)
Marketing e responsabilidade social 107

Deste pensamento vale destacar o trecho a seguir: “(...) não é fazer marketing
da atuação social da empresa”. Ao analisarmos o trecho, verificamos a divergência
entre o conceito de Melo Neto e Froes (2002), que caracteriza marketing social
como ações de filantropia através de doações para campanhas sociais e concessão
de bolsas e prêmios para pessoas carentes.
Mas o conflito dá-se no campo conceitual, já que para Alessio (2003) haveria
um segundo conceito chamado de marketing para causas sociais, onde neste
haveria a associação de uma empresa ou marca a uma questão ou causa social
relevante em benefício mútuo, onde as empresas e instituições de caridade ou
causas tornam-se parceiras para comercializar um produto ou serviço, gerando
retorno para ambas. Também defende a divulgação da atuação social das
empresas como forma de estímulo e mobilização de outras empresas a seguirem o
exemplo, além da divulgação de maneiras de como atuar, já que muitas empresas
querem e não sabem como colaborar.
Melo Neto e Froes (2002) destacam que para alguns especialistas a filantropia
jamais é utilizada como uma ação de marketing, por ser vista como prática de um
mecenato. Mas creem que muitas empresas utilizam a prática filantrópica através da
doação de equipamentos, como estratégia de promoção de produtos e marcas.
Devido ao fato de crermos que este pensamento está correto, utilizaremos a
classificação proposta por estes autores, que analisaremos a seguir. Antes, fazemos
a seguinte ressalva: as empresas devem avaliar se investem mais na ação social
ou na sua divulgação, pois, se a segunda recebe maiores investimentos, trata-se
de prática antiética, e cremos que, se os stakeholders perceberem dessa forma, o
retorno social esperado pode ter efeito contrário do desejado. Reforçando nossa
teoria, temos a seguinte argumentação de Bourscheidt:

O que mais se discute atualmente é até que ponto as empresas devem


fazer marketing de suas atividades sociais. Isso para que não se torne
corriqueiro o exemplo do “milhão”, em que a empresa investe R$
100 mil num projeto social e R$ 900 mil na programação de mídia
para divulgar a iniciativa, e com isso reforça sua imagem. Posturas
desse tipo certamente abrem um questionamento sobre o bem que
poderia ter sido feito pela empresa a outros nove projetos sociais.
(BOURSCHEIDT, 2002)
108 Marketing e responsabilidade social

9.2 Marketing de filantropia


Trata-se de processo iniciado nos Estados Unidos, em que milionários
do business norte-americano começaram a doar grandes somas de suas
fortunas para ações do governo e da sociedade civil, principalmente através
de fundações, ou ainda criavam suas próprias fundações, aproveitando-se
dos benefícios fiscais existentes na época. Basicamente, então, o marketing
de filantropia é exercido através de “programas de doações” para entidades
beneficentes ou através da criação de fundações próprias para execução de
ações sociais.
Conforme Melo Neto e Froes (2002), em pesquisa realizada junto à
consultoria de projetos sociais norte-americana Business & Community
Services, empresa de consultoria em projetos sociais, as empresas daquele país
investem em média 1% de seus lucros brutos em ações sociais. Infelizmente,
segundo os mesmos autores, no Brasil a realidade ainda é bem diferente, pois as
500 maiores empresas brasileiras investem 2,8 bilhões de dólares em segurança
patrimonial e apenas 18 milhões de dólares por mês em filantropia. Embora
saibamos que a segurança patrimonial é um de nossos maiores problemas
sociais e que investimentos na área seriam justificados, lembramos que
investimentos para a inclusão de parte da sociedade marginalizada configuram-
se estratégicos para minimizar gastos com segurança a longo prazo, logo,
acreditamos que parte desses investimentos poderiam ser direcionados para
ações sociais deste cunho.
Ainda, ao exemplificarmos tal diferença, basta pegarmos um caso,
encontrado em Melo Neto e Froes (2002), em que a Microsoft doou 200 milhões
de dólares para abastecer bibliotecas públicas norte-americanas com softwares
educacionais. Ao efetuarmos a comparação, vemos que apenas uma empresa
doou quantia dez vezes maior do que todas as 500 maiores empresas brasileiras
fazem em um mês. Entretanto, vale ressaltar tratar-se de uma das maiores
empresas do mundo, localizada na maior economia mundial com um PIB muito
superior ao brasileiro, por isso seria interessante a comparação percentual do que
é investido no Brasil com os investimentos norte-americanos, o que infelizmente
não encontramos disponível.
Marketing e responsabilidade social 109

Conforme os autores citados, o marketing de filantropia caracteriza-se


através de “programas de doações”, sejam eles através de fundações próprias ou
de terceiros, com as seguintes características:
• promovem a imagem do empresário como grande benfeitor e alguém
dotado de grande sensibilidade para com os problemas sociais,
principalmente quando carregam o nome dele;
• divulgam e reforçam a imagem da empresa doadora como entidade
benfeitora e dotada de espírito filantrópico;
• buscam o apoio do governo, a preferência de consumidores, o
respeito dos clientes e a admiração dos seus funcionários e o apoio da
comunidade;
• não estão direcionados para marketing da empresa; e
• atenuam o estereótipo social da empresa que obtém o lucro final.

Como afirmado anteriormente por Melo Neto e Froes (2002), embora


muitos especialistas considerem que a filantropia jamais é utilizada como uma
ação de marketing, na prática isso acaba ocorrendo, seja através da doação de
equipamentos como estratégia de promoção de produtos e marcas, seja como
estratégia de vendas especiais ao destinarem parte dos recursos obtidos a
entidades beneficentes ou como estratégia de promoção institucional, estreitando
laços com a comunidade, governo e demais parceiros.

9.3 Marketing das campanhas sociais


O marketing das campanhas sociais consiste no patrocínio ou na elaboração
de campanhas sociais.
Segundo Melo Neto e Froes (2002), nos Estados Unidos, em 1997, as empresas
investiram meio bilhão de dólares apenas pelo direito de patrocinar campanhas
que incluíram desde campanhas de prevenção à AIDS até o financiamento de
unidades do corpo de bombeiros.
No Brasil, conforme Melo Neto e Froes (2002), a onda das campanhas sociais
surgiu na década de 80, com o Movimento Nacional em Defesa das Crianças
110 Marketing e responsabilidade social

Desaparecidas e a Campanha pela Cidadania e Contra a Miséria e a Fome, de


Betinho.
No caso brasileiro, o grande “boom” desse tipo de marketing foi preconizado
pela novela Explode Coração, que abordava o tema das crianças desaparecidas,
veiculando suas imagens. Esta campanha, que contava com forte apelo emocional,
sensibilizou a todos e rapidamente contou com a colaboração de empresas dos
mais diferentes segmentos.
Também na campanha de Betinho tivemos grande adesão das empresas,
que aderiram doando alimentos e recursos para a compra de alimentos pelo
governo e entidades assistenciais e filantrópicas em benefício das populações
mais carentes. Melo Neto e Froes (2002) afirmam que este foi o início do
marketing das campanhas sociais em nosso país, principalmente por contarem
com a mídia televisiva.
Mais recentemente, podemos apontar a campanha social “Fome Zero” como
a última grande campanha de marketing, embora hoje tenha sido esquecida,
mas na época de seu lançamento a adesão por parte das empresas a este projeto
do governo foi bastante intensa.
Também há campanhas isoladas, como o “Mc Dia Feliz” da rede McDonald’s,
em que o dinheiro arrecadado neste dia é revertido para entidades de combate
ao câncer.
Conforme Melo Neto & Froes (2002), o marketing das campanhas sociais
tem as seguintes características:
• um forte apelo emocional;
• contribui para um movimento sério, que rapidamente obtém a adesão
de empresas, governo e sociedade civil;
• geralmente conta com o apoio da mídia, em especial da televisão;
• assegura grande retorno publicitário para as empresas que participam
das campanhas;
• valoriza o produto, cuja embalagem adquire mais “valor” para o
consumidor;
• dá mais visibilidade ao produto nas prateleiras e, com isso, alavanca
suas vendas;
Marketing e responsabilidade social 111

• mobiliza os próprios funcionários, servindo como poderoso instrumento


de endomarketing; e
• constrói uma imagem simpática da empresa para o consumidor.

Além disso, as empresas que participam das campanhas estreitam laços com
os stakeholders, pois ganham em confiabilidade, responsabilidade, publicidade
e admiração pelo público em geral.

9.4 Marketing de patrocínio de projetos sociais


Conforme Melo Neto e Froes (2002), o marketing de patrocínio de projetos
sociais divide-se em patrocínio de projetos de terceiros ou próprios. No
primeiro caso, patrocínio de projetos de terceiros, temos as empresas que atuam
em parceria com os governos no financiamento de suas ações sociais. Como
exemplos citados por Melo Neto e Froes (2002) temos o programa Comunidade
Solidária do governo federal, bem como inúmeros casos de empresas que
atuam em parceria nas Câmaras de Comércio e demais entidades patronais e
associações profissionais.
No segundo caso, o patrocínio de projetos sociais próprios, temos as
empresas que, através de institutos e fundações próprias, criam e implementam
seus próprios projetos sociais com a utilização de seus recursos. Normalmente,
escolhem uma área de atuação específica, especializando-se nela, como a
Fundação Bradesco, que atua na educação, por exemplo.
Conforme Melo Neto e Froes (2002), o marketing de patrocínio de projetos
sociais, principalmente o de projetos sociais próprios, tem as seguintes
características:
• busca retorno de imagem e de vendas;
• utiliza o marketing social como uma modalidade de promoção da
marca, do produto e de vendas;
• valoriza as ações do seu projeto como instrumento de fidelização de
clientes, captação de novos clientes, aproximação com o mercado,
melhoria de relacionamento com os fornecedores, distribuidores e
representantes e abertura de novos canais de venda e distribuição;
112 Marketing e responsabilidade social

• visa à maximização do retorno publicitário e à potencialização da


marca; e
• avalia os resultados de cada programa e projeto, pois administra o
instituto ou fundação como centro de custos e de resultados.

Conforme Melo Neto e Froes (2002), ao utilizarem-se dessa tipologia de


marketing social, as empresas buscam alavancar e desenvolver seu negócio,
fazendo isso com a utilização das potencialidade do marketing social.
Ainda, segundo os mesmos autores, é de fundamental importância o foco
e o lócus dos projetos patrocinados. O foco deve ser direcionado para áreas de
atuação onde a empresa obtenha maior visibilidade e sensibilidade para seus
clientes. O lócus deve privilegiar o mercado atual e futuro da empresa.
Por isso, num projeto de patrocínio, a ênfase deve ser dada às ações
promocionais do tipo sorteios, cuponagem, distribuição de brindes, obtenção
de ingressos nos postos de venda, etc.

9.5 Marketing de relacionamento com base em ações


sociais
Segundo Melo Neto e Froes (2002), o marketing de relacionamento com
base em ações sociais é caracterizado pelas empresas que utilizam seu próprio
pessoal de vendas, representantes e distribuidores para orientar seus clientes,
como usuários de serviços sociais, estreitando seu relacionamento com estes.
Dessa forma, a empresa estreita relacionamento com clientes e parceiros.
Segundo Melo Neto e Froes (2002), as características dessa modalidade de
marketing social são:
• ênfase no relacionamento com clientes e parceiros;
• uso da força de vendas e representantes como “prestadores de serviços
sociais”;
• ênfase na questão de serviços do tipo aconselhamento, orientações
médicas e educacionais;
Marketing e responsabilidade social 113

• fidelização de clientes;
• promoção do produto e da marca.

Conforme Melo Neto e Froes (2002), um grande exemplo disso é a


Avon, que através de suas representantes fornece informações sobre exames
e procedimentos para prevenção de doenças como câncer de mama. Suas
representantes dão conselhos, distribuem folhetos e divulgam endereços de
hospitais e casas especializadas na prevenção da doença.
Consideramos esse marketing ideal para as empresas de marketing de
vendas porta a porta, tendo em vista que a própria ênfase é dada no marketing
de relacionamento, e então por que não fazê-lo com base em ações sociais
também?

9.6 Marketing de promoção social


O marketing de promoção social consiste no licenciamento do nome ou logo
de uma entidade sem fins lucrativos ou de uma campanha social do governo
para uma empresa em troca de uma porcentagem do faturamento. Estas agregam
valor social ao seu negócio e aumentam as vendas de seus produtos. Além disso,
obtêm retorno de imagem (MELO NETO e FROES, 2002).
As principais características dessa tipologia de marketing social são as
seguintes (MELO NETO e FROES, 2002):
• agrega valor à marca ou produto através da incorporação social;
• reforça o conceito e o posicionamento da marca e do produto;
• confere o status de socialmente responsável para a marca e o produto; e
• confere atributos sociais ao produto.

Um grande exemplo, em nível global, foi o time de futebol espanhol Barcelona,


que utilizou o logo da UNICEF, feito que teve grande repercussão mundial, tendo
em vista este time nunca ter estampado um patrocínio em sua camiseta. Vale
salientar as características de clube-empresa que possuem os times europeus e
consequente busca da captação e retenção de seus quadros sociais.
114 Marketing e responsabilidade social

Reflexão
Pesquise em uma empresa que tipo de marketing social ela usou recentemente
e que repercussão teve na mídia:
10

Responsabilidade social
e o retorno social
Igor Roberto Borges

São apresentadas, neste capítulo, as vantagens e os benefícios que as empresas


socialmente responsáveis usufruem, entre eles o retorno social. Para tanto,
abordam-se os tipos de retorno social mais comuns: retorno de imagem, retorno
sobre as vendas e de mercado, retorno para os acionistas, retorno publicitário,
retorno tributário, retorno de produtividade e retorno social propriamente
dito. Espera-se que o aluno compreenda as vantagens e os benefícios que a
responsabilidade social traz para as empresas e os tipos de retorno social.

10.1 Retorno social


Burscheidt (2002) afirma que, atualmente, com a economia globalizada,
em que produtos e serviços são cada vez mais parecidos em preço e qualidade,
devemos agregar valor aos mesmos, de forma a diferenciarmos aquilo que
oferecemos ao mercado do que oferece a concorrência.
Ribeiro apud Bourscheidt (2002) afirma que as práticas de responsabilidade
social podem contribuir firmemente neste sentido, referindo que o aumento da
responsabilidade da empresa com suas partes interessadas torna-se uma nova
tendência no mercado, podendo ser, inclusive, uma vantagem competitiva,
116 Responsabilidade social e o retorno social

principalmente se a concorrência não o faz. Ainda assim, se a concorrência o


faz, a empresa deve fazê-lo para eliminar a vantagem competitiva do concorrente
sobre ela.
Segundo Ribeiro apud Bourscheidt (2002), as empresas socialmente
responsáveis usufruem dos seguintes benefícios:
• valor agregado à imagem da empresa;
• nova fonte de imaginação e escola de liderança para seus
empregados;
• consciência coletiva interna;
• mobilização de recursos disponíveis na empresa sem implicar custos
adicionais.

O chamado retorno social, nomenclatura utilizada por Melo Neto e Froes


(2002), constitui-se na abordagem de maior abrangência, no que tange aos
benefícios usufruídos pelas empresas que investem em responsabilidade social.
Vejamos o conceito:

O retorno social corresponde aos ganhos materiais e imateriais


obtidos pela empresa investidora que canaliza recursos para projetos
sociais e ações comunitárias de interesse da comunidade e do governo
local. (MELO NETO e FROES, 2002)

Os ganhos referidos pelos autores ocorrem principalmente quando a


maioria dos consumidores privilegia a atitude da empresa de investir em ações
sociais, obtendo com isso o reconhecimento público. Sendo assim, as empresas
normalmente viram notícias, potencializam sua marca, reforçam sua imagem,
asseguram a lealdade de seus funcionários, fidelizam clientes, reforçam seus
laços com parceiros, conquistam novos clientes e novos mercados, incrementam
suas vendas e aumentam sua participação de mercado.

10.2 Os tipos de retorno social


Os benefícios ao implantar ações sociais são de toda ordem: econômico-
financeiros (aumento das vendas), estratégicos (conquista de novos clientes
Responsabilidade social e o retorno social 117

e mercados), éticos (nova imagem ética), motivacionais (maior fidelização e


maior lealdade dos empregados, parceiros, clientes, etc.) e tributário-fiscais
(abatimento de tributos) (MELO NETO e FROES, 2002).
Para uma melhor compreensão desses benefícios, faz-se necessária uma
classificação dos tipos de retorno social que a empresa obtém, que podem ser
diretos, como o retorno tributário-fiscal, e indiretos, como o retorno de imagem
da organização, que traz consigo retorno de vendas e de mercado, retorno
para os acionistas, retorno publicitário, de produtividade e o retorno social
propriamente dito. Vale salientar que os ganhos são obtidos através de uma
reação em cadeia, tendo em vista que um benefício tende a ir ao encontro do
próximo. Para visualizarmos isso, utilizaremos a classificação de tipos de retorno
social proposta por Melo Neto e Froes (2002), que veremos a seguir.

10.3 Retorno de imagem


Melo Neto e Froes (2002) afirmam que uma das formas de retorno
provenientes de uma atuação socialmente responsável dá-se através do
reconhecimento junto aos seus empregados e dependentes, cidadãos, governo,
clientes, fornecedores, distribuidores, colaboradores e parceiros, acionistas e até
mesmo a seus concorrentes e à sociedade.
Segundo os mesmos autores, o maior dos benefícios é a contribuição da
empresa para a solução dos problemas sociais e o resgate da dívida social do
país. A empresa assume o papel de promotora do desenvolvimento social e,
consequentemente, reforça sua imagem.
Vejamos a opinião do presidente da Natura, Guilherme Leal: “A marca é o
maior patrimônio que uma empresa pode ter, e ela só se fortalece se houver
um conceito amplo de responsabilidade social” (D’AMBROSIO e MELLO apud
MELO NETO e FROES, 2002).
Logo, acreditamos que a empresa socialmente responsável fortalece sua
imagem, ganhando a confiança de todos, e torna-se alvo da admiração em
conjunto, ou seja, de todos os seus stakeholders.
118 Responsabilidade social e o retorno social

10.4 Retorno sobre as vendas e de mercado


O retorno sobre as vendas e de mercado é o resultado do retorno de imagem.
Como? Reforçando ou melhorando sua imagem, a empresa alavanca suas vendas,
ganhando a simpatia do consumidor, porque este cada vez mais privilegia em
suas opções de compras as empresas socialmente responsáveis. Como prova
disso, temos as figuras 3 e 4, que demonstram, respectivamente: a propensão
do consumidor brasileiro a premiar empresas por sua atuação socialmente
responsável, e a puni-las por não considerarem sua atuação dessa forma.

Figura 3 – Comportamento do consumidor: premiação – Brasil – 2004.


Fonte: ETHOS e AKATU, 2004

Figura 4 – Comportamento do consumidor: punição – Brasil – 2004.


Fonte: ETHOS e AKATU, 2004.
Responsabilidade social e o retorno social 119

Conforme dados dos Institutos Ethos e Akatu (2005), embora estejamos


distantes dos países desenvolvidos, que chegam a atingir o patamar de 51%, na
Austrália, de consumidores que efetivamente não compraram algum produto
como forma de punir uma empresa por sua atuação socialmente irresponsável,
verificamos que no caso brasileiro, em 2004, conforme a figura 4 temos 14% de
consumidores que fizeram isso e 9% propensos a fazê-lo, ou seja, ao somarmos
os dois índices temos 23% dos consumidores com propensão efetiva e potencial
de punição. Ao mesmo tempo, como exposto na figura 3, temos 17% de
consumidores que premiaram empresas socialmente responsáveis em suas
opções de compra e 11% de consumidores propensos a fazê-lo, ou seja, temos
28% dos consumidores brasileiros com propensão efetiva e potencial de premiar
empresas socialmente responsáveis.
Além disso, temos o caso relatado por Melo Neto e Froes (2002), em que as
empresas que obtiveram o selo Amigos das Crianças, em face de seus investimentos
sociais nesse segmento, receberam diversos depoimentos de pessoas que teriam
mudado de marcas e feito sua opção por empresas premiadas.
Alguns podem pensar que estamos muito longe de índices de grande
relevância, mas se levarmos em consideração a competitividade predatória,
existente na maioria dos setores da economia, e os pequenos índices que
normalmente separam as empresas líderes de mercado e as seguidoras,
podemos crer que uma atuação socialmente responsável poderá influenciar no
posicionamento de mercado delas.
Conforme Melo Neto e Froes (2002), ao mesmo tempo, as empresas que
direcionam ações para locais onde não possuem ponto de venda podem abrir
portas para instalação de futuros postos de vendas nessas regiões, pois angariam
a simpatia de boa parte dos consumidores locais.
Logo, acreditamos que empresas que desejam se instalar em novos locais
podem implantar antes ações sociais na região como forma de preparar a
comunidade e os consumidores para sua instalação. Talvez, assim, empresas
que tiveram problemas para se instalar em determinadas regiões poderiam
ter minimizado esse problema, embora a implantação destas resultassem em
impacto ambiental na região escolhida.
De toda forma, acreditamos que seria uma estratégia melhor do que sair
comprando diversas quantidades de terra para depois ver como ficaria a situação,
120 Responsabilidade social e o retorno social

sob risco da proibição ou da não aceitação por parte da comunidade de sua


atuação, trazendo uma imagem negativa. Esses problemas que ocorreram com
tais empresas são provas vivas de que o apelo empregatício de grandes empresas
não são suficientes para convencer a todos, a variável socioambiental como um
todo já pesa bastante. Ainda mais se levarmos em consideração o pensamento de
Godoy (2004), que afirma que o sucesso empresarial demanda que as empresas
conheçam o consumidor, detectem os seus desejos e o encantem a fim de
“fidelizá-lo”, logo, a responsabilidade social empresarial surge como resposta
das organizações a cada ambiente social, cabendo então às empresas praticá-la
como uma das formas de obter esse encantamento dos consumidores potenciais
que compõem cada ambiente social. O que poderia ter sido aplicado, para, no
mínimo, obter a aprovação da instalação através da conquista prévia da simpatia
da comunidade local.

10.5 Retorno para os acionistas


Para Melo Neto e Froes (2002), as empresas que investem no social tornam-se
institucionalmente fortes e, aliando-se a isso um possível e provável aumento nas
vendas, acabam por ter suas ações valorizadas. Vejamos como os ganhos relativos
às ações sociais empreendidas proporcionam ganhos em escala, uma vez que
temos retorno de imagem, e este acarreta maiores vendas e consequentemente
ocorre valorização das ações da empresa.
Como dado concreto disso, conforme Arantes (2006), vide figura 5,
é que de dezembro de 1993 a dezembro de 2005, as ações nas bolsas das
empresas atreladas ao Dow Jones Sustainability Index (DJSI), que congrega
empresas consideradas socialmente responsáveis, pois enfatiza a necessidade
de integração dos fatores econômicos, ambientais e sociais nas estratégias de
negócios das empresas, subiram 225% em dólares. Enquanto isso, o Dow Jones
General Index (DJGI), que contabiliza empresas sem preocupações sociais,
subiu menos, 167%.
Responsabilidade social e o retorno social 121

Figura 5 – Valorização das ações de empresas segundo o Dow Jones


Sustainability Index (DJSI) em comparação ao Dow Jones General Index
(DJGI) – dez/1993 a dez/2005 – em US$.
Fonte: ARANTES, 2006.

No Brasil, segundo Arantes (2006), conforme se apresenta na figura 6,


o Fundo Ethical, primeiro fundo de investimento socialmente responsável
do mercado brasileiro, composto de empresas selecionadas a partir de um
questionário que avalia indicadores ligados a padrões de gestão, gerenciamento
de riscos, oportunidades ambientais e indicadores de desempenho, lançado
em setembro de 2001 pelo Banco Real/ABN AMRO Bank, obteve resultado
acumulado de 267% entre outubro de 2001 e dezembro de 2005, enquanto que
o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (IBOVESPA), que congrega as ações
das empresas em geral, acumulou 237%. Em 2009, o DJSI World superou o MSCI
– World Morgan Stanley Capital International, que é um índice do mercado
composto por mais de 6 mil ações de companhias mundiais, acumulando 36,06%
frente a 29,99% do segundo4. Ou seja, tanto em nível nacional como mundial,
as empresas socialmente responsáveis têm obtido valorização mais elevada do
que as empresas que não demonstram tal preocupação.

| 4 http://www.corporate-citizenship.com/wp-content/uploads/2010/03/Corporate-Citizenship-DJSI-
Webinar-Presentation-March-2010.pdf
122 Responsabilidade social e o retorno social

Figura 6 – Valorização das ações de empresas integrantes do Fundo ABN AMRO


ETHICAL em comparação ao IBOVESPA – Out/2001 a Dez/2005 –US$.
Fonte: ARANTES, 2006.

Devido à compra do ABN Amro Bank pelo Santander, o fundo atualmente


é chamado de Santander Ethical, e em 2010, segundo dados do próprio banco5,
valorizou 2,02%, enquanto que o índice IBOVESPA obteve valorização de 1,04%
neste mesmo ano.
Além destes fundos, conforme Gradilone apud Bourscheidt (2002), diversos
fundos de investimentos vêm adotando critérios de responsabilidade social
em suas aplicações, principalmente em países emergentes como o Brasil. As
motivações seriam sociais permeadas por justificativas financeiras, já que
empresa socialmente responsável tende a representar menor risco, pois a
probabilidade de incorrer em multas ambientais ou de que faça algo que leve os
consumidores a rejeitar a marca é menor.
Outro critério que consideramos é que empresas que adotam programas de
responsabilidade social revelam solidez financeira, tendo em vista que, se não
a tivessem, dificilmente estariam investindo em projetos sociais.

| 5 www.santander.com.br
Responsabilidade social e o retorno social 123

Além disso, acreditamos que, a partir do retorno de produtividade, um


dos retornos que veremos a seguir, as empresas tendem a oferecer maiores
rendimentos aos acionistas.

10.6 Retorno publicitário


O retorno publicitário “é medido através da divulgação na mídia, quando as
ações sociais da empresa viram notícia, porque são direcionadas à solução de
problemas sociais” (MELO NETO e FROES, 2002).
Obviamente que o retorno publicitário gerará efeito em escala com retorno
de imagem, de vendas e de mercado, para os acionistas e de produtividade.
Faz-se a ressalva que a empresa poderá ter retorno quando divulgar seus
investimentos na mídia investindo em publicidade, mas acreditamos que o
resultado será muito maior e melhor quando a empresa for procurada para
reportagens pelo seu desempenho, quando receber prêmios pela sua atuação,
pois normalmente oferecem retorno publicitário. Podemos citar, como exemplo
o Rio Grande do Sul onde temos o Prêmio Responsabilidade Social, concedido
pela Assembleia Legislativa às empresas do estado que se destacaram a cada ano
por seus investimentos sociais. Além disso, existe também a certificação pela
SA 8000, primeira norma de certificação social, que utiliza como princípios a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Convenção das Nações Unidas
ou a ISO 14000, que atesta os cuidados das empresas com meio ambiente.

10.7 Retorno tributário


Conforme Melo Neto e Froes (2002), os investimentos sociais trazem para
as empresas o retorno tributário fiscal, pois a legislação permite às empresas
socialmente responsáveis deduzirem parte do valor investido em projetos sociais
e ações comunitárias do valor devido dos impostos. Um dos exemplos citados
por Melo Neto e Froes (2002) é o Fundo da Criança e Adolescência que permite
que as empresas destinem 1% de seu imposto de renda para o financiamento
de ações sociais previstas no Fundo. Assim, como esse exemplo, no âmbito
federal há a Lei de Incentivo a Cultura, Lei n. 8.313/91, e mais recentemente a
Lei de Incentivo ao Esporte, Lei n. 11.438, que assim como o Fundo, permite
124 Responsabilidade social e o retorno social

deduções do imposto de renda, tanto para pessoas jurídicas bem como para
pessoas físicas.
Também temos exemplos, em níveis estadual e municipal, que variam
conforme a legislação local, entre eles o caso da prefeitura de Santo André,
Estado de São Paulo, que incentiva as empresas a utilizarem a Lei n. 9.532/97,
que permite a doação de 1% do Imposto de Renda devido para os fundos sociais
(MELO NETO e FROES, 2002). Ainda, conforme Melo Neto e Froes (2002), a
prefeitura de Santo André criou seu próprio Fundo Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente, que em 1999 já contava com o montante de R$ 850
mil e tendo como investidores sociais empresas como Rhodia e Pirelli, entre
outras, chegando ao número de mais de 300 empresas.
Para as empresas que desejam saber o quanto é possível obter de retorno
tributário – fiscal, uma boa sugestão é visitar o site do Grupo de Institutos,
Fundações em Empresas (GIFE6), que possui a “Calculadora Online”, uma
ferramenta para que institutos, fundações e empresas possam identificar
instantaneamente o seu potencial aproximado para patrocínios ou investimento
social privado, beneficiados por diversas leis de incentivo. Há opções de cálculo
para empresas tributadas por lucro real ou lucro presumido.

10.8 Retorno de produtividade


Os funcionários e parceiros de empresas socialmente responsáveis trabalham
mais e melhor e ainda participam como voluntários nos programas e projetos
sociais da empresa, integrando-se e tornando-se engajados tanto na atividade
social, bem como no exercício profissional. Este seria, conforme Melo Neto
e Froes (2002), o retorno de produtividade que as empresas obtém, sendo
socialmente responsáveis.
Ainda segundo os autores, o retorno de produtividade trata-se de um dos
benefícios que usufruem as empresa, pois os colaboradores aumentariam
a motivação e lealdade à mesma, exercendo criatividade e inovação, que se
traduziriam em novas práticas e modelos de gestão com redução de custos,

| 6 www.gife.org.br
Responsabilidade social e o retorno social 125

agilização de processos, racionalização de procedimentos, além da diminuição


de gastos com saúde, absenteísmo e turn-over.
Segundo Vassalo apud Bourscheidt (2002), a empresa socialmente
responsável atrai talentos, como prova de tal fato, cita uma pesquisa realizada
com 2500 estudantes de cursos MBA nos Estados Unidos que revelou que
mais da metade deles aceitaria salários menores para trabalhar em negócios
socialmente responsáveis. Cita também que após a veiculação de um artigo,
revelando a empresa C&A como empresa cidadã, o número de candidatos a
estágio na organização subiu de 400 para 3000.
Há casos, inclusive, conforme o site Akatu apud Bourscheidt (2002), nos
Estados Unidos, de campanhas via sites da internet lançando movimentos
para que os estudantes aceitem apenas trabalhar em empresas socialmente
responsáveis, que não causem danos ao meio ambiente. Além disso, empresas são
listadas, conforme a sua contribuição para a sustentabilidade ou a destruição do
meio ambiente, numa clara alusão às últimas: “Se vocês continuarem a ameaçar
nosso futuro, certamente não trabalharemos para vocês”.
É óbvio que no Brasil, onde o desemprego é grande, dificilmente teremos
movimentos como esse com grande adesão, mas apenas ter o nome citado como
empresa que contribui para a destruição do planeta, acarreta em prejuízos de
imagem enormes.
Há de se fazer ressalva que o investimento social, também pode e deve
realizar-se internamente, a isso denominamos responsabilidade social interna,
que conforme Melo Neto e Froes (2002), compreende os programas de
contratação, seleção, treinamento e manutenção de pessoal realizado pelas
empresas em benefício de seus empregados, bem como os demais programas
de benefícios voltados para a participação nos resultados e atendimento aos
dependentes.
Fazemos essa ressalva, pois acreditamos que se as demandas sociais
internas não forem atendidas e partirmos diretamente para o investimento
em responsabilidade social externa, que corresponde ao desenvolvimento de
ações sociais para a comunidade, podemos ter efeito contrário, pois além dos
funcionários não se engajarem como voluntários, podem ainda tornarem-se
insatisfeitos com a política da empresa se a considerarem demagógica, ou seja,
se acreditarem que a empresa busca passar uma imagem para a comunidade
126 Responsabilidade social e o retorno social

de empresa socialmente responsável e na sua prática interna do dia a dia ter


postura diferente.
Logo, recomenda-se que as empresas iniciem seus programas de
responsabilidade social, primeiro internamente, para depois estenderem suas
ações sociais à comunidade. Melo Neto e Froes (2004), ao elaborarem um passo-
a-passo de como implantar a responsabilidade social nas empresas iniciam o
mesmo a partir da discussão e análise da implantação da responsabilidade social
interna, até mesmo para engajar os colaboradores, para, depois de conclusa essa
etapa, partir para a implantação da responsabilidade social externa, que trata
das relações da empresa com a comunidade.

10.9 Retorno social propriamente dito


Segundo Melo Neto e Froes (2002), o retorno social propriamente dito
corresponde aos benefícios sociais gerados pela ação social e empresarial,
que se traduzem na solução de problemas existentes na comunidade ou na
diminuição das carências sociais existentes. É quando a empresa, ao exercer sua
responsabilidade social, torna-se verdadeiramente uma empresa – cidadã, com
suas ações gerando meios de satisfação das demandas sociais da comunidade.
Conforme Melo Neto e Froes (2002), há diferentes atividades sociais que
agregam maior ou menor valor social, dentre essas temos: esportivas, culturais,
ecológicas, de assistência médico-odontológica, de formação para o trabalho e
capacitação profissional. Tais atividades integram o que os autores denominam
de cadeia de valor dos projetos sociais, como se demonstra na figura 7:

Figura 7 – A cadeia de valor social.


Fonte: MELO NETO e FROES, 2002.
Responsabilidade social e o retorno social 127

Essas atividades, dispostas em sequência de intensidade de agregação de


valor social, contribuem de diferentes formas para o desenvolvimento social
da comunidade.
Vejamos a análise dessa, proposta por Melo Neto e Froes (2002):
• atividades esportivas e recreativas: promovem a socialização através
do esporte, desenvolvem talentos esportivos e melhoram as aptidões
para a prática do esporte;
• atividades sociais e culturais: mobilizam e integram a comunidade,
desenvolvem a cultura e a preservação de valores morais e religiosos;
• atividades educacionais: agregam valor através do resgate escolar, da
formação para o trabalho e da melhoria do rendimento escolar;
• atividades assistenciais: promovem a prestação de serviços de
assistência social, médica e odontológica;
• atividades geradoras de emprego e renda: asseguram a sustentabilidade
para a comunidade, que passa a se desenvolver com base nos seus
próprios recursos produtivos.

Para Melo Neto e Froes (2002) as atividades que mais agregam valor social
são as duas últimas: assistenciais e geradoras de emprego e renda, no entanto,
as demais não devem ser diminuídas na elaboração de projetos sociais, pois
também agregam valor à comunidade.
As melhores alternativas de elaboração de projetos sociais congregam o
maior número de atividades sociais possíveis em seu âmbito, pois garantem
um maior valor agregado, e, consequentemente, maior retorno social para o
desenvolvimento da comunidade (MELO NETO e FROES, 2002).

Reflexão
Cite pelo menos dois benefícios que as empresas socialmente responsáveis
usufruem e dê um exemplo concreto.
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