Você está na página 1de 125

Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Minas Gerais

PROJETO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA

É o CRMV-MG participando do processo de atualização


técnica dos profissionais e levando informações da
melhor qualidade a todos os colegas.

VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL
compromisso com você

www.crmvmg.org.br
Editorial
Caros colegas.
Os dados arqueológicos sugerem que a domesticação
do gato (Felis silvestres catus) pode ter ocorrido há 8.700
anos, em Jericó, e 9.500 anos, em Creta. A aproximação do
gato à habitação humana, em comensalismo, surge com o
desenvolvimento de estoques de cereais selvagens criados
há 21.000 anos no Oriente Próximo, anterior à agricultu-
ra, criando as condições para a presença de camundongos,
ratos e pardais, já atraídos há muitos anos. Entre as seis
subspécies de Felis silvestres, a F. silvestres catus é a sexta e
mais recente subespécie, aproximando-se de 500 milhões
de indivíduos no mundo, número maior que a dos cães
segundo o Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal
(International Fund for Animal Welfare). O gato doméstico
tornou-se um dos mais importantes animais de companhia,
mérito que demanda a formação profissional e a educação
continuada. A Escola de Veterinária da UFMG e o Conselho
Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais têm a
satisfação de encaminhar à comunidade veterinária e de
zootecnia mineira um volume dos Cadernos Técnicos in-
teiramente destinados à Medicina Felina. Embora artigos
a respeito de felinos tenham sido produzidos em edições
anteriores, este é o primeiro Caderno Técnico temático a
reunir textos exclusivamente sobre a saúde de gatos. O pre-
sente número, sob a coordenação e preparado por professo-
res e especialistas, discorre de forma atualizada sobre pon-
tos relevantes para o paciente felino, incluindo acupuntura,
Universidade Federal
de Minas Gerais choque circulatório, dermatites parasitárias, esporotricose,
manejo do paciente, nefrologia e obesidade. Consolida-se
Escola de Veterinária
Fundação de Estudo e Pesquisa em a parceria e o compromisso entre as duas instituições com
Medicina Veterinária e Zootecnia relação à Educação Continuada da comunidade dos médi-
- FEPMVZ Editora
cos veterinários e zootecnistas de Minas Gerais. Deseja-se
Conselho Regional de que este volume exerça uma contribuição contínua, como
Medicina Veterinária do
Estado de Minas Gerais um manual de consulta na rotina profissional na área de
- CRMV-MG Medicina Felina.
www.vet.ufmg.br/editora
Correspondência: Prof. Nelson Rodrigo da Silva Martins - CRMV-MG 4809
Editor dos Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia
FEPMVZ Editora
Caixa Postal 567 Prof. Renato de Lima Santos - CRMV-MG 4577
30161-970 - Belo Horizonte - MG Diretor da Escola de Veterinária da UFMG
Telefone: (31) 3409-2042 Prof. Antônio de Pinho Marques Júnior - CRMV-MG 0918
E-mail: Editor-Chefe do Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia (ABMVZ)
editora.vet.ufmg@gmail.com Prof. Nivaldo da Silva - CRMV-MG 0747
Presidente do CRMV-MG
Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Minas Gerais
- CRMV-MG
Presidente:
Prof. Nivaldo da Silva
E-mail: crmvmg@crmvmg.org.br
CADERNOS TÉCNICOS DE
VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
Edição da FEPMVZ Editora em convênio com o CRMV-MG
Fundação de Estudo e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia - FEPMVZ
Editor da FEPMVZ Editora:
Prof. Antônio de Pinho Marques Junior
Editor do Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia:
Prof. Nelson Rodrigo da Silva Martins
Editores convidados para esta edição:
Adriane Pimenta da Costa Val Bicalho
Rubens Antonio Carneiro
Revisora autônoma:
Giovanna Spotorno
Tiragem desta edição:
1.000 exemplares
Layout e editoração:
Soluções Criativas em Comunicação Ldta.
Impressão:
Imprensa Universitária da UFMG

Permite-se a reprodução total ou parcial,


sem consulta prévia, desde que seja citada a fonte.

Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia. (Cadernos Técnicos da Escola de Veterinária da


UFMG)
N.1- 1986 - Belo Horizonte, Centro de Extensão da Escola deVeterinária da UFMG, 1986-1998.
N.24-28 1998-1999 - Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia, FEP MVZ Editora, 1998-1999
v. ilustr. 23cm
N.29- 1999- Belo Horizonte, Fundação de Ensino e Pesquisa em Medicina Veterinária e
Zootecnia, FEP MVZ Editora, 1999¬Periodicidade irregular.
1. Medicina Veterinária - Periódicos. 2. Produção Animal - Periódicos. 3. Produtos de Origem
Animal, Tecnologia e Inspeção - Periódicos. 4. Extensão Rural - Periódicos.
I. FEP MVZ Editora, ed.
Prefácio
Adriane Pimenta da Costa Val Bicalho
Rubens Antonio Carneiro

A medicina veterinária de pequenos


animais sofreu grande crescimento nas
últimas décadas. Entretanto, o conheci-
mento gerado e, certamente, distribuído
é desigual quando se compara a medi-
cina de cães e de gatos. A discrepância
é ainda maior quando se percebe que o
crescimento do número de gatos como
animais de estimação supera aquele de
cães. Tal desequilíbrio gera abordagens
e tratamentos errôneos, insatisfação dos
tutores e danos à saúde dos pacientes
felinos. Procurou-se, portanto, selecionar
temas de importância atual, estimular
discentes de graduação e pós-graduação,
professores e profissionais a desenvolvê-
-los e ofertá-los à comunidade veteriná-
ria em forma de capítulos, que compõem
este volume dos Cadernos Técnicos.
Para nós, foi uma grata honra editorar
este tomo, que esperamos contribua para
o aperfeiçoamento da medicina desses
maravilhosos animais.

“Gatos são poemas ambulantes”


Roseana Kligerman Murray
Sumário
1. Acupuntura na Medicina Felina ....................................................................9
Maria Lopes Corrêa
As práticas de medicina veterinária complementar tradicional chinesa (MVCTC)
oferecem cuidado integral ao paciente buscando a manutenção da saúde do indivíduo
em equilíbrio com o meio do qual é parte. A reconhecida sensibilidade psicossomática
felina às alterações do meio é claramente interpretada à luz da MVCTC, fazendo com
que tal abordagem seja indicada para pacientes felinos.
2. Choque circulatório em felinos....................................................................20
Fernanda dos Santos Alves, Gabriela de Menezes Paz, Grazielle Amaro Siqueira de Sousa,
Manuela Bamberg Andrade, Nathália das Graças Dornelles Coelho
Os felinos apresentam características que os tornam muito diferentes dos cães quando
comparados como pacientes críticos. O reconhecimento precoce da instabilidade
cardiovascular, em conjunto com os achados de exames físicos e resultados de exames
realizados à beira de leito, são fatores necessários para iniciar o tratamento. Terapia
rápida e agressiva, com monitoração apropriada e associada à remoção da causa
subjacente, são necessárias para melhorar as chances de um desfecho favorável.
3. Dermatopatias parasitárias em felinos ........................................................33
Guilherme De Caro Martins, Larissa Silveira Botoni, Adriane Pimenta da Costa Val
As doenças parasitárias cutâneas são afecções bastante comuns na rotina dermatológica
de cães e gatos. Em felinos, a abordagem dessas doenças tem suma importância, vista
as diferenças significantes quando comparadas às dermatopatias parasitárias em cães.
Além disso, podem ocasionar em sinais clínicos diversos e, por isso, o diagnóstico muitas
vezes é desafiador. Este artigo objetiva revisar as principais dermatopatias parasitárias
em gatos a fim de auxiliar os médicos veterinários na abordagem dessas doenças.
4. Esporotricose e suas implicações à saúde pública com vistas à
ocorrência da doença no município de Belo Horizonte.............................46
Glendalesse Nunes Rocha de Faria Teixeira, Danielle Ferreira de Magalhães Soares, Kelly Moura Keller,
Joana Angélica Macêdo Costa Silva4, Graziella Coelho Tavares Pais, Maria Helena Franco Morais
Tradicionalmente considerada uma doença negligenciada, a esporotricose felina vem
ganhando evidência por alterações nos seus padrões epidemiológicos e por ter assumido
proporções epidêmicas em alguns municípios do Brasil. Aspectos relevantes da doença
são detalhados, bem como o início da investigação de sua difusão e propagação, para
detecção de um possível surto dessa zoonose e definição de estratégias de controle no
município de Belo Horizonte.
5. Hepatopatias em felinos ...............................................................................59
Manuela Bamberg Andrade, Raphael Mattoso Victor
O fígado é o órgão envolvido na complexa variedade de processos metabólicos e de
, podendo ser acometido por doenças e disfunções de forma local ou detoxificação
sistêmica. Os gatos apresentam um conjunto de enfermidades hepáticas cujos sinais
clínicos são, na maioria das vezes, inespecíficos, o que pode determinar um diagnóstico
tardio. Parâmetros clínicos, laboratoriais e histopatológicos devem ser conhecidos para
determinação precoce da causa da afecção.
6. Manejo do paciente felino............................................................................70
Nathália von Ruckert Heleno, Tulio Alves Avelar
O acompanhamento regular do animal é importante para sua qualidade de vida.
Gatos, por sua natureza predadora, escondem sinais de doenças e de dor. Além disso, o
estresse vivenciado pelo felino, desde o transporte até a permanência no estabelecimento
veterinário, faz com que muitos tutores acreditem que a experiência traumática é mais
prejudicial para o gato do que a falta de cuidado médico. O despreparo no manejo de
felinos também contribui para esse cenário. O objetivo do presente artigo é apresentar
técnicas de abordagem no consultório e de internação visando melhorar a qualidade do
atendimento ao paciente felino.
7. Nefrologia em felinos ...................................................................................88
Gabriela de Menezes Paz, Nathália das Graças Dornelles Coelho, Grazielle Amaro Siqueira de Sousa, Ma-
nuela Bamberg Andrade, Fernanda dos Santos Alves
A relevância dos rins no funcionamento dos processos fisiológicos é incontestável. O felino
possui um número inferior de néfrons quando comparado as espécies canina e humana.
Cerca de 50% a 60% dos gatos apresentarão alguma disfunção renal em algum momento
da vida. A identificação precoce das nefropatias faz com que intervenções rápidas sejam
instauradas retardando o progresso da grave doença.
8. Doenças do trato urinário inferior dos felinos..........................................103
Grazielle Amaro Siqueira De Sousa, Vítor Maia, Fernanda Dos Santos Alves,
Gabriela De Menezes Paz, Manuela Bamberg Andrade, Nathalia Das Graças Dorneles Coelho
As doenças do trato urinário inferior dos felinos (DTUIF’s) compreendem diversas
desordens que variam desde discretas disurias à possibilidade de óbito. São relacionados
como fatores de risco: idade superior à 6 anos, sexo masculino, castração, obesidade,
ingestão de água, pH urinário e estresse. Os gatos persas parecem apresentar
predisposição genética. O presente artigo visa abordar as diversas causas, os sinais
clínicos, o diagnóstico clinico e laboratorial desta importante afecção dos gatos
domésticos.
9. Obesidade felina.........................................................................................117
Dimitri Bassalo de Assis, Stephanie Karoline Pereira Passos, Marina França de Oliveira Pelegrino,
Adriane Pimenta da Costa Val Bicalho
A obesidade é tida atualmente como uma afecção que não se restringe apenas à espécie
humana. Cerca de 30% a 40% dos gatos podem ser considerados com sobrepeso ou
obesos. As consequências da obesidade são preocupantes. O clínico necessita de métodos
confiáveis que possibilitem diagnosticar precocemente o aumento de percentual de
gordura corporal ou estimar o quão acima do peso ideal o paciente encontra-se. Neste
trabalho, destaca-se o uso do Índice de Massa Corporal Felina e do escore visual para
o fim supraproposto, bem como destaque de achados laboratoriais relevantes em felinos
com sobrepeso.
1. Acupuntura na
Medicina Felina
Maria Lopes Corrêa
Médica Veterinária
- CRMV/RJ 11710

bigstockphoto.com

1. Introdução Práticas da
do paciente primordial-
mente curativa, cujo foco
As práticas de me- medicina veterinária
complementaroferecem terapêutico é o contro-
dicina veterinária com-
uma abordagem le das causas de base do
plementar (MVC) ofe-
integral do paciente, processo de doença2,3.
recem uma abordagem
buscando manutenção Em termos gerais,
integral do paciente,
da saúde do indivíduo MVCs sãoempíricas e
buscando a manuten-
ção da saúdedo indiví- em equilíbrio com o carreiam aspectos fi-
duo em equilíbrio com meio do qual é parte. losóficos relacionados
o meio do qual é parte1. ao contexto histórico
São técnicas terapêuticas conservativas e social nos quais sur-
e pouco invasivas, pois estimulam giram.Dentre essas, a medicina vete-
o organismo a ativar mecanismos rinária tradicional chinesa (MVTC)
intrínsecos para alcançar a homeostase. corresponde a um conjunto de práticas
As MVCs oferecem abordagem integral médicas difundidas mundialmente, al-

1. Acupuntura na Medicina Felina 9


cançando aplicação na clínica médica e dem desencadear processos de doenças
em estudos científicos. Especificamente físicas. Sinteticamente, o desequilíbrio
no âmbito da medicina felina, registros emocional altera o fluxo deenergia por
milenares evidenciam a participação de meio dos canais que percorrem todo o
animais dessa espécie no cenário socio- corpo e prejudica sua disponibilização
cultural da China antiga, sugerindo que, aos órgãos e vísceras, os chamados zang
sobretudo a partir da dinastia Han (206 fu8,9.
a.C a 220 d.C), o felino passou a ser do- Sendo assim, a avaliação da con-
mesticado, incitando a aplicaçãode téc- dição mental é fundamental para o
nicas de MVTC na medicina felina4,5. diagnóstico pela MVTC,sobretudo na
Há estudos evolucionistas sugerindoa abordagem dos felinos. Oadequado
existência de linhagem chinesa de an- levantamento de dados da anamnese
cestrais dos felinos domésticos atuais, requer especial participação dos res-
Felis silvestris bieti o gato chinês das ponsáveis para a cuidadosa coleta de
montanhas, fato que contribui para informações, e discernimento técnico
consolidar a compreensão de que indi- veterinário para interpreta-las1.
víduos da espécie eram frequentemente A etapa do exame físico da MVTC
presentes nas comunidades milenares 6. aborda o paciente de forma semelhante
à veterinária convencional, avaliando a
2. Abordagem do paciente saúde geral por meio dada inspeção, aus-
felino pela MVTC cultação, palpação e olfação. Contudo, a
palpação do pulso e a inspeção da língua
2.1. Exame clínico são fundamentais para o diagnóstico
Desde a avaliação clínica, elabora- pela MVTC, pois indicam a disponibi-
ção do diagnóstico até a prescrição da lidade das substâncias vitais para o ade-
estratégia terapêutica, o paciente é ca- quado funcionamento do organismo:
racterizado dentro do paradigma Yin e energia, sangue e líquidos corporais, Qi,
Yang com dados levantados a partir da Xue e Jin Ye, respectivamente10.
interpretação de sinais clínicos em as- A inspeção da língua avalia bri-
pectos fisiopatológicos e da atividade- lho, cobertura de saliva e coloração.
mental e cognitiva5,7,8. Recomenda-se que a exposição do ór-
A reconhecida sensibilidade psicos- gão seja atraumática, evitando exacer-
somática felina às alterações domeio é bação de estresse e consequente alte-
claramente interpretada à luz da MVTC, ração de sua coloração11. Contudo, no
considerando-se queas denominadas- ambiente ambulatorial, em geral, felinos
causas internas de doenças, também co- manifestam comportamento defensivo
nhecidos como fatores emocionais, po- mantendo a mandíbula cerrada; o vete-
10 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
rinário acupunturista deve valer-se de são categorizados nos tradicionais Cinco
estratégias para contornar tal desafio, Movimentos da Natureza ou os Oito
visando, sobretudo, preservaro bem es- Princípios de Diagnóstico. Segundo esse
tar dos pacientes9,12. Dentre as possíveis último, os sinais devem ser interpreta-
estratégias para proceder a inspeção da dos e classificados quanto à intensidade,
língua, considere: solicitar que o res- doença interna ou externa, natureza de
ponsável pelo paciente proceda a aber- frio ou calor e, por fim, quanto ao per-
tura da boca, ou ainda, oferecer peque- fil geral Yin ou Yang. A identificação das
nas porções de líquidos palatáveis que SChin que compõem cada caso é etapa
estimulem a lambedura e, consequente, fundamental para a elaboração da estra-
exposição do órgão. tégia terapêutica adequada a condição
Sob o mesmo intuito de uma abor- clínica de cada paciente .
15

dagem pouco invasiva, a palpação do 2.2. Abordagemdo felino pela


pulso femoral deve ser procedida sob AP
técnica acurada para pronta percepção
A acupuntura (AP) é uma terapia da
de aspectos de velocidade, ritmo, volu-
MVTC com boa aceitação pela veteri-
me e pressão do fluxo sanguíneo, evi-
nária ocidental por ser essencialmente
tando provocar situação de ansiedade e
não farmacológica, o que viabiliza sua
estresse do paciente7,10,13.
associação à protocolos alopáticos. Os
A criteriosa avaliação dos dados co-
fundamentos da AP remetem a aspec-
letados no exame físico e
tos da cultura tradicio-
na anamnese embasam A acupuntura é nal chinesa, sobretudo a
a diferenciação da sín- uma terapia da doutrinas confucionistas
drome chinesa (SChin), medicina veterinária e taoístas, cujas influên-
que identifica a raiz dos tradicional chineasa cias promoveram a for-
desequilíbrios homeos- com boa aceitação mação de uma lingua-
táticos responsáveis por pela veterinária gem médica própria que
desencadeara condição ocidental por não permeia todo processo
de doença, bem como ser farmacológica, o clínico. Tal terminolo-
os órgãos, canais e co- que possibilita sua gia é caracterizada por
laterais (meridianos) associação à protocolos elementos simbólicos
e substâncias funda- alopáticos relacionados a integra-
mentais afetados . A14
ção dos pacientes com
subjetividade e essência holística que os meios nos quais vivem, abrangendo
permeiam todo processo médico da diversos aspectos que são capazes de
MVTC são intrínsecas na caracteriza- influenciar os indivíduos: estações do
ção de tais SChin. Os achados clínicos
1. Acupuntura na Medicina Felina 11
ano, os ciclos orgânicos, metabolismo, o do das menos invasivas até a acupuntura
clima e os alimentos4,16. propriamente dita, além dos estímulos
A AP oferece diferentes possibili- com fármacos e impulsos elétricos. A
dades de recursos terapêuticos e téc- inserção de agulhas de acupuntura so-
nicas de estimulação de pontos. No bre os acupontos tem grande potencial
tratamento de felinos, essa diversidade para mobilizar a energia Qi ao longo dos
possibilita abordagem eficiente para canais e modular ações neuroendócri-
correção dos desequilíbrios fisiopatoló- nas e imunológicas no tecido adjacente
gicos, mas preservaos limites individu- aos acupontos8. Acupressão é estímulo
ais quanto à sensibilidade e aceitação de gerado pela força dos dedos sobre acu-
manipulação16,17. pontos ou em padrão de massagem ge-
De modo geral, todos os pacientes neralizada. A manipulação suave pode
são capazes de suportar os estímulos favorecer o relaxamento e aceitação do
sobre os pontos de acu- paciente, de modo que
puntura, contudo rela- A inserção de agulhas essa técnica pode ser em-
tos informais sugerem de acupuntura sobre pregada isoladamente ou
que felinos são mais os acupontos mobiliza associada como etapa
sensíveis à palpação e a energia Qi ao longo inicial da sessão de acu-
manipulação da super- dos canais e modula puntura. Amoxabustão
fície corporal. Pelo sim- ações neuroendócrinas e indiretacorresponde a
bolismo da MVTC, a imunológicas nos tecidos um método de terapia
sensibilidade observada
adjacentes térmica por meio do
na espécie estaria rela- aquecimento dos pon-
cionada à superficialidade na qual o Qi, tos com uso da erva medicinal chinesa
energia vital,circula através dos canais e Artemisia vulgaris. A resposta dos felinos
colaterais. Especificamente com relação a tal estímulo é variável e o veterinário
as regiões onde se localizam os pontos responsável deve manter-se atento a
de acupuntura, a sensibilidade tátil local possíveis intolerâncias cutâneas do ca-
é grande devido à suas características lor e da ação irritante dos gases gerados
histológicas e neurofisiológicas: proxi- pela combustão da erva sobre olhos e
midade a terminações nervosas noci- mucosas. A aplicação de radiação ultra-
ceptoras, abundante afluxo capilar, além violeta ou infravermelho, bem como a
de periósteo e tendões8,18. laserpuntura, ativam mecanismos celu-
Para a abordagem durante as sessões lares e teciduais, mais intensos nas re-
de AP, a escolha de técnica de estímulo giões de acupontos17,18.
ou das associações entre as técnicas deve Portanto,a prescrição de pontos e
considerar a aceitação do felino, varian- métodos de estímulo devem considerar
12 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
tais particularidades dos pacientes feli- clínicas de profissionais experientes na
nos de modo que o processo de trata- área, o agulhamento na AP de felinos
mento com AP seja realizado com omí- deve ser iniciado por pontos dorsais,
nimo estresse, máximo de colaboração que proporcionam relaxamento mais
do paciente, aumentan- eficaz, havendo inclusi-
do as chances de manu- Asessão de AP de felinos ve indicações de iniciar
tenção e assiduidade ao deve ser iniciadacom pelo ponto VG14, Da
tratamento durante todo o agulhamento zhui- localizado entre os
o período que se faça de pontos dorsais processos espinhos da
necessário . 19 que proporcionam 7a vértebra cervical e a
Inv a r i av e l m e n te,
relaxamento mais 1a torácica - e após cons-
a cada sessão de AP,
eficaz. Após a aceitação tatar a maior aceitação,
múltiplas agulhas podem
inicial do paciente, deve-se estimular outros
é feito oestimulo pontos cuja sensibilida-
ser aplicadas pela super-
de outros pontos de nociceptiva pode ser
fície corporal do pacien-
cuja sensibilidade mais intensa7,20.
te. Considerando que
nociceptiva pode ser O relato de O’Leary
de modo geral os proto-
mais intensa (2015)20sobre o caso da
colos elegem sessões se-
manais, é extremamente ingestão de agulha por
importante que sejam adotadas medi- um gato durante a sessão de AP reitera a
das de manejo do felino e de controle do necessidade da adoção das estratégias de
ambiente ambulatorial onde as sessões biossegurança para preservação da inte-
serão realizadas. A promoçãodobem es- gridade do paciente. Tal qual em outros
taré diretamente relacionada à sensação procedimentos ambulatoriais, durante a
sessão de AP, o felino tem de ser conti-
de segurança e confiança do paciente e
do adequadamente por equipe treinada
de seu responsável na equipe envolvida
para o manejo da espécie, alémdo em-
na terapia com AP12.
prego de equipamentos como toalhas,
2.3. Cuidados durante a AP colar elizabethano, a participação do
felina responsável pelo gato e a utilização da
O estímulo de pontos nos membros caixa de transporte ou de cama trazidos
e em outras regiões nas quais sabida- do domicílio para maior conforto .
12

mente felinos demonstram maior sensi-


bilidade tátil, devem ser evitadas sobre-
3. Indicações clínicas para
tudo em sessões iniciais, quando não se AP na medicina felina
conhece o padrão de reação imediata do Considerando que o tratamento
paciente. De acordo com experienciais pela MVTC é direcionado pelo diagnós-
1. Acupuntura na Medicina Felina 13
tico sindrômico próprio, as indicações canais, gerando dor que pode estar as-
clínicas para aplicação de AP na medi- sociada a alterações de coloração e da
cina felina contemporânea seguem lin- temperatura na pele, formação de mas-
guagem médica híbrida entre MVTC e sas, além da sensação de peso e formiga-
veterinária ocidental. A escolha pela te- mento. A sensação álgica também pode
rapia complementar com as técnicas de ser provocada por condições de defi-
AP amplia as possibilidades terapêuti- ciência da circulação das ditas substân-
cas com relação ao elenco de patologias cias fundamentais, configurando qua-
abordadas. A sumarização dos sinais dros de deficiência de nutrição tecidual,
clínicos em SChin pode ser aplicável a com atrofia, secura, perda de brilho7.
diferentes doenças diagnosticadas com Para as ambas condições, o felino tende
precisão pela veterinária convencional. a reagir com lambedura excessiva no lo-
cal da dor earrancamento de pelos, além
3.1. Controle da dor da manifestaçãode sinais de depressão e
O efeito analgésico da AP é confir- estresse21. A manifestação da dor pelos
mado por estudos científicos e sua indi- felinos ésubjetiva e pode ser associada
cação para tal finalidade tem se consagra- a diferentes causas. Portanto, aboa con-
do na medicina humana dução da terapia com AP
e veterinária. Guardados AP configura-se como depende da adequada in-
os devidos cuidados de alternativa favorável terpretação de tais sinais
manejo durante a sessão, para o controle da aos padrões das SChin.
AP configura-se como dor em gatos, pois
alternativa favorável para implica em mínimos 3.2. Oncologia
o controle da dor em efeitos colaterais e A prescrição de tera-
gatos, pois implica em quando é associada a pia complementar com
mínimos efeitos colate- terapias farmacológicas AP para felinos submeti-
rais e quando associada a possibilita redução dos a tratamentos onco-
terapias farmacológicas de doses e do lógicos é justificada por
possibilita redução de estresse associado promover alívio da dor
doses e do estresse asso- à administração de associada à doença e à in-
ciado à administração de fármacos tervenções cirúrgicas. A
fármacos21,22. aplicação de AP também
A dor pode ser cau- é relevante paraestimu-
sada por condições de excesso, quando laro apetite, reduzir a náusea e contri-
o acúmulo de determinada substância buir para a sensação de bem estar geral
fundamental (sangue, energia Qi ou lí- devido a liberação de opioides endóge-
quidos) bloqueia o fluxo de energia nos nos23. Apesar dos benefícios da AP para

14 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


o manejo oncológico de gatos, Looney de disúria, polaciúria, hematúria e piú-
(2010)24alerta sobre cuidados que de- ria são ocasionados pela presença de
vem ser tomados para evitar a implan- calor no sistema urinário. O caloré um
tação de contas de ouro ou de agulhas fator patogênico de natureza Yang rela-
de demora em pacientes leucopênicos, cionado à atividade e movimento, ten-
bem como o agulhamento direto sobre do, portanto, a capacidade de aumentar
tumores ulcerados ou infeccionados. No a energia cinética em determinado siste-
entanto, em situações em que sejam ne- ma. No organismo, o calor acelera o flu-
cessárias abordagens direta sobre massas xo de sangue e demais líquidos; quando
tumorais, o veterinário acupunturista po- está acumulado diretamente em Rins e
derá recorrer a técnicas que atuem na le- Bexiga, o fluxo urinário tende a aumen-
são, mas sem interferir diretamente sobre tar – poliúria e polaciúria– podendo
ela, como o uso de moxabustão indireta. estar associado ahemorragias devido ao
Além disso, todo o plano terapêutico turbilhonamento do sangue nos vasos e
deve estar focado na correção das sín- consequente extravasamento para os te-
dromes de base, comumente associadas cidos – hematúria.
a processos de estagnação (excesso) de Por sua vez, a umidade tem natu-
energia, sangue e líquidos patogênicos. reza Yin, implicando na lentificação do
fluxo energético. Seu acúmulo no siste-
3.3. Doenças renais e do ma urinário de felinos pode provocar
trato urinário a formação de urólitos, quando o fluxo
De acordo com Raditic(2015)26, a de energia Qi e dos líquidos é reduzido,
partir dos dados obtidos na literatura permitindo que as partículas se acumu-
médica é possível inferirmos que a AP lem e constituamtais estruturas sólidas.
pode ser eficiente terapia complementar No caso da patogênese das infecções
para as doenças do trato urinário infe- urinárias, a umidade é associada ao ca-
rior de pequenos animais. As doenças lor gerando microambiente propício à
do sistema urinário que mais frequen- proliferação de microrganismos, quan-
temente afetam os felinossão asurolitía- do são identificados clínica e laborato-
ses, as doenças do trato urinário inferior rialmente piúria e cistite.
e os graus de insuficiência renal. Todas Dentro do simbolismo da MVTC, a
essaspodem ser categorizadas dentro caracterização de cada órgão é relacio-
de SChin de Estagnação de Calor e nada, sobretudo, à sua função energéti-
Umidade em canais relacionados à fun- ca, que pode ser interpretada conforme
ção urinária, ou ainda de Deficiências a veterinária ocidental como a função
relacionadas ao zang Rim. do órgão e sua fisiologia. O zang Rim é
Na semiologia da MVTC os sinais considerado essencial para a manuten-
1. Acupuntura na Medicina Felina 15
ção da vida, pois armaze- metabólicos éfundamen-
AP tem potencial
na o elemento genético tada por estudos clínicos
para modular a
Jingpré-natal que está
10
e científicos28,29.
hiperatividade
relacionado à manuten- secretória em pacientes Shuai et al.(2008)
ção da vitalidade meta- portadores de and to compare the effect
bólica. A função renal hipertireoidismo felino, of EA 30on serum gastrin
corresponde fundamen- além de contribuir (GAS reiteram a apli-
talmente àdistribuição para o controle cação das técnicas de AP
e manutençãodo equi- de sinais clínicos e eletroestimulação para
líbrio Yin-Yang de todos associados à doença, estímulo da motilidade
os órgãos e sistemas. como a taquicardia e gastrointestinal de feli-
Portanto, as diferentes fa- hipertensão nos. Do mesmo modo, a
ses de comprometimento neuropatia diabética fe-
funcional do Rim podem lina, as doenças de disco
se manifestar em SChin de Deficiência intervertebral e aquelas cuja lesão medu-
de Qi, Yang, Yin, Jing, sendo a grande va- lar prejudique a transmissão de estímu-
riação entre cada uma a evidência de si- lossensoriais, podem ser incluídas nas
nais de morbidade do paciente. Podemos indicações de AP20,31.
concluir que a caracterização da doença AP tem potencial para modular a
renal crônica de felinos é ponto de con- hiperatividade secretória em pacien-
cordância entre as interpretações dos tes com hipertireoidismo felino, além
sinais clínicos realizada pela veterinária de contribuir para o controle de sinais
ocidental e pela MVTC. Visto que ambas clínicos associados à doença, como a
compreendem ser quadro de injúria pro- taquicardia e hipertensão32,33, e aqueles
gressiva, cuja intervenção precoce está secundários aos protocolos terapêuticos
diretamente relacionada à prolongada farmacológicos, radioterápicos ou da ti-
sobrevida do paciente 7,27. reoidectomia34. A AP tem sido descrita
como eficiente coadjuvante em casos de
3.4. Neurologia e hiperplasia mamária felina devido a sua
endocrinologia
ação anti-inflamatória e
A AP é uma terapia O estímulo dos modulatória de secreções
cuja ação depende da ati- acupontos contribui hormonais35.
vação de vias neuroendó- para o controle de
crinas aferentes e eferen- processos imuno 3.5. Imunologia e
tes. Sua indicação para inflamatórios via dermatologia
controle de comprome- ações teciduais e O estímulo dos acu-
timentos neurológicos e neuroendócrinas distais. pontos contribui para o
16 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
controle de processos imuno inflamató- cada caso depende de que o veterinário
rios via ações teciduais e neuroendócri- considere eticamente as limitações das
nas distais. A vasodilatação no nível da técnicas em potencial, valendo-se de
derme promove o afluxo de mediadores asssociações para promover o reestabe-
antiinflamatórios celulares e proteicos lecimento da saúde e do bem estar do
que atuam na modulação da resposta paciente37,39.
imune sistemica por ativarem interleu- Embasada no uso milenar e ampla
cinas, bradiquinina, e secreção de sero- indicação clínica, a AP deve ser asso-
tonina e cortisol37,38. ciada a protocolos convecionais de do-
A aplicação da AP deve ser conside- enças recorrentes nos felinos, como as
rada como estratégia terapêutica com- enumeradas por esta revisão. A abor-
plementar para o controle de doenças dagem terapêutica integral do paciente
cuja patogenese seja associada à ativida- proposta pela medicina veterinária tra-
de imunológica inadequada. Na medici- dicional chinesa e acupuntura é coeren-
na felina, a aplicação das técnicas de AP te com a práticacat friendlyrespeitando
é benéfica para o controle de inflama- as singularidades da espécie felina.
ção e adequação do padrão de resposta
imunológica em casos do diagnóstico 5. Referências
ocidental de retroviroses, panleucope- 1. Association AVM. Guidelines for alternative and
complementary veterinary medicine. AVMA Dir
nia, complexo respiratório e em padrões Resour Man [Internet]. 1999; Recuperado de:
dermatológicos de dermatite miliar e de http://scholar.google.com/scholar?hl=en&bt-
nG=Search&q=intitle:guidelines+for+alter-
complexo eosinofílico. native+and+complementar y+veterinar y+-
medicine#0\nhttp://scholar.google.com/
4. Discussão scholar?hl=en&btnG=Search&q=intitle:Guideli-
nes+for+alternative+and+complementary+vete-
rinary+medicin
O processo de especialização da
2. Caminal, Josefina; Rodriguez, Núria; Molina
prática veterinária tem promovido a for- JL. Las medicinas complementarias y alternati-
mação de profissionais atentos às par- vas y su contribución al sistema sociosanitario:
el qué, el porqué y el cómo. Atención Primaria
ticularidades das espécies domésticas, [Internet]. 2006;38(7):405–8. Recuperado de:
adequando a prestação da assistência http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/
S0212656706705339
clínica. A assistência veterinária atenta
3. Budgin JB, Flaherty MJ. Alternative Therapies
às demandas dos pacientes felinose per- in Veterinary Dermatology. Vet Clin North
mite interpretação acurada dos sinais Am - Small Anim Pract [Internet]. Elsevier Inc;
2013;43(1):189–204. Recuperado de: http://dx.
clínicos característicos da espécie, além doi.org/10.1016/j.cvsm.2012.09.002
de diagnósticos acertivos e consequen- 4. Jaggar, David H.; Robinson NG. História da
te escolha de protocolos terapêuticos Acupuntura Veterinária. In: Schoen AM, organi-
zador. Acupuntura Veterinária: da arte antiga à
eficicientes12. medicina moderna. 1st ed São Paulo: Roca; 2006.
O sucesso do protocolo eleito para p. 2–16.

1. Acupuntura na Medicina Felina 17


5. Scognamillo-Sabó MVR, Bechara GH. 15. Sá Ferreira A. Misdiagnosis and undiagnosis
Acupuntura : histórico , bases teóricas e sua apli- due to pattern similarity in Chinese medicine:
cação em Medicina Veterinária. Cienc Rural St a stochastic simulation study using pattern di-
Maria. 2010;40(2):491–500. fferentiation algorithm. Chin Med [Internet].
BioMed Central Ltd; 2011;6(1):1. Recuperado
6. Driscoll BCA, Clutton-brock J, Kitchener de: http://www.pubmedcentral.nih.gov/article-
AC, Brien SJO. Taming of the Cat: Sci Am. render.fcgi?artid=3037949&tool=pmcentrez&re
2009;( June):68–75. ndertype=abstract
7. Schwartz C. Quatro patas, cinco direções: um 16. Jeong JH, Song JY, Jo HG, Kim JM, Yoon SS, Park
guia de medicina chinesa para cães e gatos. Ícone C, et al. Simple acupoints prescription flow chart
Edit. Barreto ÁD, organizador. São Paulo; 2008. based on meridian theory: A retrospective study
470 p. in 102 dogs. Evidence-based Complement Altern
8. Chang S. The meridian system and mecha- Med. 2013;2013.
nism of acupuncture-A comparative review. 17. Hayashi AM, Matera JM. Princípios gerais e
Part 1: The meridian system. Taiwan J Obstet aplicações da acupuntura em pequenos animais:
Gynecol [Internet]. Elsevier Taiwan LLC; revisão de literatura. Rev Educ Contin em Med
2012;51(4):506–14. Recuperado de: http:// Veterinária e Zootec. 2005;8(2):109–22.
dx.doi.org/10.1016/j.tjog.2012.09.004
18. Faria A, Scognamillo-Szabóo M. Acupuntura
9. Rodan I, Sundahl E, Carney H, Gagnon AC, Veterinária : Conceitos E Técnicas – Revisão.
Heath S, Landsberg G, et al. AAFP and ISFM ARS Veterináaria. 2008;24:83–91.
Feline-Friendly Handling Guidelines. J Feline
19. Glinski MH. Seleção de pontos. In: Schoen AM,
Med Surg [Internet]. Elsevier; 2011;13(5):364–
organizador. Acupuntura Veterinária: da arte an-
75. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.1016/j.
tiga à medicina moderna. 1st ed São Paulo: Roca;
jfms.2011.03.012
2006. p. 109–20.
10. Schwartz C. Diagnóstico pela medicina tradicio-
20. O’Leary DJ. A swallowed needle in a cat treated
nal chinesa em pequenos animais. In: Schoen, for feline hyperaesthesia syndrome. Acupunct
Allen M, organizador. Acupuntura Veterinária: da Med [Internet]. 2015;33(4):336–7. Recuperado
arte antiga à medicina moderna. 1st ed São Paulo: de: http://aim.bmj.com/lookup/doi/10.1136/
Roca; 2006. p. 147–58. acupmed-2015-010807
11. Lo LC, Chen YF, Chen WJ, Cheng TL, Chiang 21. Taylor PM, Robertson SA. Pain management in
JY. The study on the agreement between auto- cats - Past, present and future. Part 1. The cat is
matic tongue diagnosis system and traditional unique. J Feline Med Surg. 2004;6(5):313–20.
chinese medicine practitioners. Evidence-based
Complement Altern Med. 2012;2012. 22. Wright BD. Clinical pain management tech-
niques for cats. Clin Tech Small Anim Pract.
12. 1Carney HC, Little S, Brownlee-Tomasso 2002;17(4):151–7.
D, Harvey a. M, Mattox E, Robertson S,
et al. AAFP and ISFM Feline-Friendly 23. Carmady B, Smith CA. Use of Chinese medicine
Nursing Care Guidelines. J Feline Med Surg. by cancer patients : a review of surveys. Chin Med
2012;14(2012):337–49. [Internet]. BioMed Central Ltd; 2011;6(1):22.
Recuperado de: http://www.cmjournal.org/
13. Dang Y. Properties of Yin Yang [Internet]. [cita- content/6/1/22
do 22 de maio de 2016]. Recuperado de: http://
www.shen-nong.com/eng/principles/proper- 24. Looney A. Oncology Pain in Veterinary Patients.
tiesyinyang.html Top Compnion Anim Med [Internet]. Elsevier
Inc.; 2010; 25(1):32-44. Recuperado de http://
14. Jiang B, Liang X, Chen Y, Ma T, Liu L, Li J, et al. dx.doi.org/10.1053/j.tcam.2009.10.008
Integrating next-generation sequencing and tradi-
25. Vujanovic NL, Johnston MF, Sa EO, Li W.
tional tongue diagnosis to determine tongue coa-
Acupuncture May Stimulate Anticancer
ting microbiome. Sci Rep [Internet]. 2012;2:936.
Immunity via Activation of Natural Killer Cells.
Recuperado de: http://www.pubmedcentral.
2010;(15).
nih.gov/articlerender.fcgi?artid=3515809&-
tool=pmcentrez&rendertype=abstract 26. Raditic DM. Complementary and integra-

18 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


tive therapies for lower urinary tract disea- 33. Lin JH, Shih CH, Kaphle K, Wu LS, Tseng WY,
se. Vet Clin North Am - Small Anim Pract. Chiu JH, et al. Acupuncture effects on cardiac
2015;45(4):857–78. functions measured by cardiac magnetic reso-
nance imaging in a feline model. Evidence-based
27. Sparkes AH, Caney S, Chalhoub S, Elliott J, Complement Altern Med. 2010;7(2):169–76.
Finch N, Gajanayake I, et al. ISFM Consensus
Guidelines on the Diagnosis and Management 34. Chapman SF. Homeopathic and integrative tre-
of Feline Chronic Kidney Disease. J Feline atment for feline hyperthyroidism - four cases
Med Surg [Internet]. 2016;18(3):219–39. (2006-2010). Homeopathy [Internet]. Elsevier
Recuperado de: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ Ltd; 2011;100(4):270–4. Recuperado de:
pubmed/26936494 http://dx.doi.org/10.1016/j.homp.2011.05.004
28. Leung AY, Kim SJ, Schulteis G, Yaksh T. The effect 35. Simas SM, Beheregaray WK, Gouvea A, Contesini
of acupuncture duration on analgesia and peri- EA. Associa????o da acupuntura e aglepristone no
pheral sensory thresholds. BMC Complement tratamento de hiperplasia mam??ria em gata. Acta
Altern Med [Internet]. 2008;8:18. Recuperado Sci Vet. 2011;39(4):4–7.
de: http://www.pubmedcentral.nih.gov/article-
render.fcgi?artid=2386116&tool=pmcentrez&re 36. Yaghoobi J, Manesh Y, Shafiee R, Pedram B.
ndertype=abstract Improving the diagnosis , treatment , and biolo-
gy patterns of feline mammary intraepithelial le-
29. Wang J, Cui M, Jiao H, Tong Y, Xu J, Zhao Y, et sions : a potential model for human breast masses
al. Content analysis of systematic reviews on with evidence from epidemiologic and cytohisto-
effectiveness of traditional Chinese medicine. J pathologic studies. 2014;12109–17.
Tradit Chin Med [Internet]. 2013;33(2):156–63.
Recuperado de: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ 37. Kidd JR. Alternative Medicines for the Geriatric
pubmed/23789210 Veterinary Patient. Vet Clin North Am - Small
Anim Pract [Internet]. Elsevier; 2012;42(4):809–
30. Shuai X, Xie P, Liu J, Xiang Y, Li J, Lan Y. Different 22. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.1016/j.
effects of electroacupuncture on esophageal moti- cvsm.2012.04.009
lity and serum hormones in cats with esophagitis.
Dis Esophagus. 2008;21(2):170–5. 38. Carlsson C, Wallengren J. Therapeutic and ex-
perimental therapeutic studies on acupunctu-
31. Choi KH, Hill SA. Acupuncture treatment for re and itch: Review of the literature. J Eur Acad
feline multifocal intervertebral disc disease. J Dermatology Venereol. 2010;24(9):1013–6.
Feline Med Surg [Internet]. ESFM and AAFP;
2009;11(8):706–10. Recuperado de: http://dx. 39. Rollin BE. Ethical issues in geriatric feline medici-
doi.org/10.1016/j.jfms.2008.11.013 ne. J Feline Med Surg. 2007;9(4):326–34.

32. 32. Shengfeng L, Xin C, Ohara H, Nakamura


Y, Izumi-Nakaseko H, Ando K, et al. Common
parameters of acupuncture for the treatment of
hypertension used in animal models. J Tradit
Chinese Med [Internet]. 2015;35(3):343–8.
Recuperado de: http://www.sciencedirect.com/
science/article/pii/S0254627215301084

1. Acupuntura na Medicina Felina 19


2. Choque
circulatório
em felinos
bigstockphoto.com

Fernanda dos Santos Alves1


Gabriela de Menezes Paz2
Grazielle Amaro Siqueira de Sousa3
Manuela Bamberg Andrade4
Nathália das Graças Dornelles Coelho5
1
Médica Veterinária, mestre, doutoranda em Ciência Animal, CRMV-MG 9.539 (Escola de Veterinária - UFMG);
2
Médica Veterinária, residente (R2) de Clínica Médica de Pequenos Animais, CRMV-MG 15.308 (Escola de Veterinária – UFMG);
3
Médica Veterinária, residente (R2) de Clínica Médica de Pequenos Animais, CRMV-MG 12.695 (Escola de Veterinária – UFMG);
4
Médica Veterinária, residente (R2) de Clínica Médica de Pequenos Animais (Escola de Veterinária – UFMG);
5
Médica Veterinária, residente (R2) de Clínica Médica de Pequenos Animais, CRMV-MG 15.146 (Escola de Veterinária – UFMG).

1. Introdução de exames realizados à beira de leito,


são fatores necessários para iniciar o
Os felinos apresentam uma série de
tratamento. Terapia rápida e agressi-
características que os tornam muito di-
ferentes dos cães, quando comparados va, associada à monitoração apropria-
como pacientes críticos (Tello, 2007). da e à remoção da causa subjacente, é
O reconhecimento precoce da instabi- necessária para aperfeiçoar as chances
lidade cardiovascular, em conjunto com de um desfecho favorável (Laforcade e
os achados de exame físico e resultados Silverstein, 2015).
20 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
2. Definição e Choque é definido como (Fig.2), cardiogênico
apresentação (Fig.3), distributivo
produção de energia
(Fig.4) ou obstrutivo
clínica celular inadequada
(Fig.5). O obstrutivo
e é comum ocorrer,
Choque é definido seria causado por redu-
secundariamente, a
como produção de ener- ção do retorno venoso,
baixa perfusão tecidual
gia celular inadequada e por exemplo, por pneu-
devido a um fluxo
é comum ocorrer, se- motórax, tromboembo-
sanguíneo reduzido ou
cundariamente, a baixa distribuído de maneira lismo pulmonar, tam-
perfusão tecidual devi- desigual. ponamento cardíaco e
do a um fluxo sanguíneo outros. Ressalta-se que,
reduzido ou distribuído independentemente da
de maneira desigual. Essa situação oca- etiologia, todos os tipos de choque
siona uma diminuição a níveis críticos culminam em uma mesma via fisiopa-
na oferta de oxigênio (DO2) e aumento tológica: o desequilíbrio entre ofer-
no consumo de oxigênio (VO2) (fig. 1). ta e consumo de oxigênio (Feliciano,
A redução do DO2 pode ser decorrente Rodrigues e Ramos, 2015). O Quadro
de perda do volume intravascular, má 1 fornece a classificação funcional atual
distribuição do volume intravascular e os exemplos de patologias que po-
ou falha da bomba cardíaca. (Laforcade dem desencadear o choque. Na clínica
e Silverstein, 2015). Destaca-se que a médica de felinos, os tipos de choques
hipotensão arterial não é componente mais comuns são o hipovolêmico e o
essencial para caracterizar o choque, cardiogênico, e ressalta-se que um in-
entre outros motivos, porque a pressão divíduo pode apresentar mais de um
arterial sistêmica pode estar preserva- mecanismo de choque contribuindo
da nos estados de hipoperfusão, em de- para o déficit de perfusão (Murphy e
corrência de reflexos neuroendócrinos Hibbert, 2013).
e, por outro lado, pode cair significati- Sinais de doença, incluindo cho-
vamente sem que haja prejuízo à per- que, são tipicamente mais sutis em
fusão tissular (Mendes e Dias, 2012; felinos. Entre as características únicas
Feliciano, Rodrigues e Ramos, 2015). da espécie estão o menor volume de
O choque pode ser classificado sangue, a resposta ao choque distinta e
em hipovolêmico, cardiogênico, dis- os tipos sanguíneos e, por isso, felinos
tributivo, metabólico e hipoxêmico demandam atendimento diferenciado
(Laforcade e Silverstein, 2015) ou, (Murphy e Hibbert, 2013). O volume
de acordo com Feliciano, Rodrigues de sangue em gatos é de 50 ml/kg, ex-
e Ramos (2015), em hipovolêmico pressivamente inferior ao de cães (80 a
2. Choque circulatório em felinos 21
Figura 1 – Relação entre oferta
(DO2) e consumo (VO2) de oxigê-
nio em estado de choque. A curva
ascendente representa a fase pa-
tológica, na qual o consumo tor-
na-se dependente da oferta de
oxigênio e ocorre acidose lática.

Figura 2 – Choque hipovolêmico: a perda de vo- Figura 3 – Choque cardiogênico: há redução da


lume sanguíneo ou plasmático é a causa do cho- contratilidade cardíaca devido a uma anormali-
que hipovolêmico. dade do coração (ex.: arritmia, degeneração val-
Adaptado de: Nature.com var, ruptura de cordas tendíneas).
Adaptado de: Nature.com

Figura 4 – Choque distributivo: ocorre redução Figura 5 – Choque obstrutivo: ocorre devido a
da resistência vascular sistêmica, cursando com um impedimento do enchimento ventricular
vasodilatação e aumento de permeabilidade vas- durante a diástole (ex.: tamponamento pericár-
cular. Pode ser dividido em séptico, anafilático e dico) ou impedimento do retorno venoso (ex.:
neurogênico. síndrome da veia cava), culminando em redução
Adaptado de: Nature.com do débito cardíaco.
Adaptado de: Nature.com

22 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


90 ml/kg). Por isso essa
A hipotermia em felinos Hibbert, 2013), falha
espécie depende qua-
causa falha na resposta parcial com uma tem-
se exclusivamente do peratura de 34˚C e
de vasoconstrição
aumento da frequência
periférica esperada em total quando a tempe-
cardíaca para manuten- estados de hipovolemia. ratura atinge 32˚C ou
ção do débito cardíaco menos (Rabelo, 2012).
(Félix, 2009). Tanto na falha parcial
Uma das diferenças observadas quanto na total, ocorre aumento da
é a ocorrência de bradicardia ou fre- capacitância venosa. Desse modo, em
quência cardíaca normal, que pode um felino hipotérmico ressuscitado
ser considerada uma com grande volume de
bradicardia relativa em
um paciente hipoten- Um felino hipotérmico fluidos há elevado ris-
ressuscitado com co de sobrecarga hídri-
so (Murphy e Hibbert, ca (Murphy e Hibbert,
2013). Uma vez que
grande volume de
fluido tem elevado 2013), pois quando há
o débito cardíaco é o
risco de sobrecarga normalização da tem-
resultado da contrati-
hídrica ..., pois quando peratura ocorre vaso-
lidade e da frequência
há normalização constrição compensa-
cardíaca, o fato de ter
da temperatura tória e, consequente,
bradicardia ou uma fre-
ocorre vasoconstrição redução da capacitân-
quência normal reduz a
compensatória e, cia venosa (Rabelo,
resposta compensató- consequente, redução da
ria do gato ao choque 2012). Uma explicação
capacitância venosa. para tais diferenças é a
(Tello, 2006). Além dis-
so, ocorre comumente presença de fibras do
hipotermia - temperatura retal menor sistema nervoso autônomo (SNA)
que 37˚C -, pulsos periféricos fracos a parassimpático, próximas às fibras do
ausentes, depressão mental, mucosas SNA simpático, ocorrendo dessa for-
de coloração pálida ou acinzentada e ma a estimulação de ambos os siste-
tempo de preenchimento capilar redu- mas em resposta à hipotensão (Tello,
zido ou ausente (Murphy e Hibbert, 2006). A contração esplênica ocorre
2013), extremidades frias, fraqueza com menos eficiência em felinos devi-
generalizada ou colapso (Laforcade e do a tal correlação entre as fibras ner-
Silverstein, 2015). A hipotermia em vosas, podendo inclusive estar ausen-
felinos causa falha na resposta de va- te em alguns animais (Tello, 2009). O
soconstrição periférica esperada em Quadro 2 resume os sinais comuns de
estados de hipovolemia (Musphy e felinos em choque.
2. Choque circulatório em felinos 23
Quadro 1 – Classificação funcional do choque
A hipotermia em felinos causa falha na resposta de vasoconstrição periférica es-
perada em estados de hipovolemia.
Classificação Causa Exemplos
Redução do volume sanguíneo Hemorragia, desidratação grave,
Hipovolêmico
circulante. trauma.

Insuficiência cardíaca congestiva,


arritmias cardíacas, tamponamento
Cardiogênico Falha da bomba cardíaca. pericárdico, overdose de drogas (beta-
bloqueadores, anestésicos, bloquea-
dores de canais de cálcio).

Sepse, obstrução do fluxo sanguí-


Aumento ou redução acentuada neo (tromboembolismo arterial),
Distributivo na resistência vascular sistêmica anafilaxia, excesso de catecolaminas
ou má-distribuição do sangue. (feocromocitoma), síndrome da
dilatação-vólvulo-gástrica.

Hipoglicemia, toxicidade por cianeto,


Metabólico Desarranjos celulares. disfunção mitocondrial, hipóxia cito-
pática da sepse.

Anemia, doença pulmonar grave,


Redução do conteúdo arterial
Hipoxêmico toxicidade por monóxido de carbono,
de oxigênio.
metemoglobinemia.
Fonte: Laforcade e Silverstein, 2015.

Quadro 2 – Sinais de choque em felinos

Frequência cardíaca normal ou bradicardia (FC < 140bpm)

Hipotermia (TR < 37˚C)

Pulsos periféricos fracos ou ausentes

Estado mental deprimido

Mucosas pálidas ou acinzentadas

Tempo de preenchimento capilar reduzido ou ausente

Fonte: Murphy e Hibbert, 2013

24 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


3. Abordagem do paciente Alguns testes diagnósticos são ne-
em choque cessários para avaliar a extensão da injú-
ria orgânica e para identificar a etiologia
O manejo bem-sucedido de um feli- do choque. Entre os exames recomen-
no em choque depende de alguns fato- dados estão a gasometria venosa ou
res (Murphy e Hibbert, 2013): arterial, o hemograma, o painel bioquí-
• Identificação e tratamento de anor- mico, o lactato sérico, o painel de coa-
malidades ameaçadoras à vida; gulação, a urinálise e o tipo sanguíneo.
• Realização de exame físico rápido, in- Uma vez que o paciente estiver estável
cluindo cuidadosa avaliação do siste- radiografias torácicas e abdominais, ul-
ma cardiovascular; trassonografias e ecodopplercardiogra-
• Obtenção de acesso venoso e início da fias podem ser realizadas. Além disso,
ressuscitação volêmica;
destaca-se a necessidade de monitora-
• Coleta de exame laboratorial e realiza-
ção constante do paciente, essencial ao
ção de exame de imagem se o paciente
diagnóstico e tratamento, por eletrocar-
estiver estável e conforme a suspeita
diografia, monitoração da pressão arte-
clínica;
rial e oximetria de pulso (Laforcade e
• Ser capaz de verificar os problemas
Silverstein, 2015).
presentes e acessá-los por ordem de
prioridade; 4. Tratamento
• Providenciar cuidados de suporte
para estabilização do paciente; O tratamento do choque envolve o
• Realizar exame físico completo, in- reconhecimento precoce da condição
cluindo reavaliação dos parâmetros e a restauração do sistema cardiovascu-
vitais. lar para assegurar que o DO2 seja nor-
A abordagem inicial malizado rapidamente.
envolve o exame físico Pacientes em choque Ressalta-se que definir
rápido das funções vi- devem ser tratados em a terapia pode ser difícil
tais, com foco nos siste- Unidades de Terapia nos pacientes em cho-
mas cardiovascular, res- Intensiva (UTI) para que devido a necessida-
piratório e neurológico e melhor monitoração e de de tomar decisões rá-
por meio desses dados o tratamento. pidas e baseados em um
clínico deve ser capaz de histórico médico breve
reconhecer um estado de e, muitas vezes, incom-
choque. Se a parada cardiorrespiratória pleto (Laforcade e Silverstein, 2015).
for identificada, o suporte básico à Além disso, pacientes em choque de-
vida deve ser imediatamente iniciado vem ser tratados em unidades de tera-
(Murphy e Hibbert, 2013). pia intensiva (UTI) para melhor mo-
2. Choque circulatório em felinos 25
nitoração e tratamento desenvolvimento da sín-
A administração
(Feliciano, Rodrigues e drome de disfunção de
do déficit de fluido
Ramos, 2015). Uma es- múltiplos órgãos e morte
em pequenas
tratégia de ressuscitação alíquotas permite (Feliciano, Rodrigues e
envolve a manipulação melhor avaliação da Ramos, 2015). Uma vez
dos parâmetros, orien- capacidade do felino que a velocidade da ad-
tada por metas, descritas de acomodar o volume ministração de fluidos é
no Quadro 3, que po- infundido. proporcional ao diâme-
dem ser alcançadas com tro do lúmen do cateter
o tratamento. e inversamente propor-
O pilar da terapia de todos os ti- cional ao sem comprimento, cateteres
pos de choque, exceto o cardiogênico, curtos e de diâmetro grande devem ser
é a administração de grandes volumes colocados em uma veia central ou peri-
de líquidos intravenosos para propor- férica. Caso o acesso intravenoso esteja
cionar um volume circulante efetivo e difícil, devido ao colapso do sistema car-
perfusão tecidual (Murphy e Hibbert, diovascular, um acesso intraósseo ou a
2013; Laforcade e Silverstein, 2015). dissecção da veia podem ser necessários
No entanto, é importante lembrar que (Laforcade e Silverstein, 2015).
é essencial a definição da etiologia e o A administração do déficit de flui-
tratamento adequado da causa do cho- do em pequenas alíquotas permite
que, caso contrário, embora seja institu- melhor avaliação da capacidade do fe-
ído o suporte hemodinâmico, ocorrerá lino de acomodar o volume infundido.
perpetuação da hipoperfusão tecidual, Recomenda-se que sejam feitos bolus de
Quadro 3 – Metas de reanimação volêmica
Pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mm Hg
Normalização da frequência cardíaca
Normalização da qualidade do pulso
Melhora no tempo de preenchimento capilar e na coloração das mucosas
Melhora do estado mental
Débito urinário maior ou igual a 2 ml/kg/h
Extremidades mornas
Queda do lactato (normal < 2,5mmol/L)
Saturação venosa central maior que 70%
Pressão venosa central: 5 a 10 cm H2O
Saturação de oxigênio (SpO2) maior que 93%
Fonte: Adaptado de Laforcade e Silverstein, 2015; Murphy e Hibbert, 2013.

26 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


5 a 10 ml/kg de cristaloides, em 10 mi- evitar a sobrecarga, o paciente deve ser
nutos, e o fluido inicialmente recomen- continuamente monitorado (Murphy
dado é o Ringer com Lactato (Murphy e Hibbert, 2013) e deve-se utilizar a
e Hibbert, 2013). Entretanto, Rabelo bomba de infusão para reduzir o risco
(2012) recomenda que sejam realiza- de hipervolemia iatrogênica. Ressalta-
dos bolus de 10 ml/kg em 6 minutos, se que, caso o gato esteja hipotérmico, a
sempre seguido de verificação dos parâ- administração de fluido deve ser muito
metros clínicos. Se, após o primeiro bo- cautelosa e ser dada durante o aqueci-
lus, o paciente demonstrar melhora clí- mento em incubadora (Fig. 6) (Murphy
nica ou de seus parâmetros, dois bolus e Hibbert, 2013).
adicionais podem se realizados. Caso o Após a realização das provas de
felino persista hipotenso, após a realiza- carga e da estabilização clínica, o cál-
ção de três bolus, o uso de vasopresso- culo de reposição para 24 horas pode
res e ou inotrópicos pode ser necessário. ser realizado, sempre descontando o
Fluidoterapia agressiva deve ser evitada, volume infundido no atendimento
pois felinos são suscetíveis à sobrecarga emergencial. Segundo Rabelo (2012),
hídrica e a manifestam pelo aumento o cálculo deve ser realizado da seguinte
da frequência e do esforço respiratório, maneira:
crepitações pulmonares e secreção nasal 1. Desidratação em % x peso em gra-
serosa, devido à ocorrência de edema mas = volume em ml;
pulmonar agudo e efusão pleural. Para 2. Diarreia: 50 ml/kg/dia;

Figura 6 – Paciente felino admitido em choque cardiogênico após episódio de tromboembolismo aórti-
co em aquecimento na incubadora com suplementação de oxigênio durante fluidoterapia por bomba
de infusão. Fonte: Hospital Veterinário da UFMG.

2. Choque circulatório em felinos 27


3. Vômito: 50 ml/kg/ reavaliação crítica do
Pacientes com
dia;
hipoproteinemia aguda uso de coloides como
4. Perdas contínuas
ou com pressão oncótica estratégia de reanima-
(urina, fezes, perda ção volêmica na medi-
reduzida podem
pela respiração): 40 beneficiar-se da infusão cina veterinária deve
ml/kg/dia. de coloides sintéticos ser realizada (Cazzolli
Esse método é rápi- (ex.: hidroxietilamido - e Prittie, 2015). Um es-
do e eficiente na rotina HES) em uma dose de tudo recente, realizado
hospitalar, além de ser 5 a 10 ml/kg/dia. in vitro para avaliar os
flexível permite a adap- efeitos do ringer com
tação de acordo com lactato, o hidroxietila-
o paciente e suas necessidades. Tais mido (HES) e o plasma fresco conge-
valores servem como base para a flui- lado na coagulação de cães por meio da
doterapia e podem ser aumentados ou tromboelastografia, demonstrou efei-
diminuídos de acordo com a gravidade tos pronunciados no tempo de coagu-
do quadro clínico. lação com o uso de HES, ressaltando a
Pacientes com hipoproteinemia necessidade de mais estudos para veri-
aguda ou com pressão oncótica redu- ficar a segurança desse coloide para uso
zida podem beneficiar-se da infusão de em animais (Morris et al, 2016).
coloides sintéticos (ex.: hidroxietilami- A administração de hemocompo-
do - HES) em uma dose de 5 a 10 ml/ nentes é comumente necessária no
kg/dia. Coloides são hiperoncóticos e tratamento do paciente em choque. A
por isso causam a mudança do fluido maior parte dos pacientes responsivos
extravascular para o compartimento a fluidoterapia tolera uma hemodilui-
vascular e ajudam a manter esse volu- ção para um hematócrito menor que
me no vaso por um período de tempo 20%. Tanto a dose quanto a velocidade
prolongado. Na medicina humana há a da administração dependerão da con-
preocupação de que a infusão de HES dição subjacente e do estado hemodi-
esteja associada à ocorrência de injú- nâmico do paciente. Recomenda-se
ria renal aguda em pacientes críticos que a transfusão de sangue seja utiliza-
e em pacientes com sepse. Entretanto, da para estabilizar pacientes com sinais
não existem evidências que suportem de choque e para manter um hemató-
essa associação com a medicina vete- crito maior que 25% e os valores do
rinária, até o momento (Laforcade e coagulograma dentro da normalidade
Silverstein, 2015). Não obstante, devi- (Laforcade e Silverstein, 2015).
do às semelhanças fisiopatológicas en- Felinos que permanecem hipo-
tre humanos e pequenos animais, uma tensos apesar da reanimação volêmi-
28 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
ca em geral requerem
O choque cardiogênico da sempre que possível,
tratamento com drogas com auxílio da eco-
é caracterizado por
vasopressoras ou ino- cardiografia à beira de
disfunção sistólica ou
trópicas, uma vez que leito (Rosa, 2013). As
diastólica resultando
a entrega de oxigênio alterações resultantes
em anormalidades
depende tanto do dé- hemodinâmicas, como são redução da perfu-
bito cardíaco quanto aumento da frequência são tecidual e aumento
da resistência vascular cardíaca, redução da pressão venosa pul-
sistêmica (Fig. 3) do volume sistólico, monar que resulta em
(Laforcade e Silverstein, redução do débito dispneia e edema pul-
2015). A norepinefrina cardíaco, aumento da monar. Em pacientes
é um agente vasopres- resistência vascular com edema pulmonar,
sor associado à constri- periférica e aumento o uso de furosemida
ção arteriolar e veno- nas pressões arterial por via intravenosa ou
sa, causando aumento pulmonar, capilar intramuscular é um dos
da pressão arterial por pulmonar e do átrio principais pilares da
meio desse mecanismo. direito. terapia. Terapias mais
A dose é de 0,1 a 2 mcg/ específicas que visam
kg/min. A dobutamina outras condições, como
é uma droga com característica ino- disfunção diastólica ou disfunção sis-
trópica positiva que causa aumento do tólica, podem ser necessárias para es-
débito cardíaco com pouca alteração tabilização do paciente (Laforcade e
da pressão arterial e sua dose é 5 a 20 Silverstein, 2015).
mcg/kg/min (Haskins, 2015).
Diferente do choque hipovolêmico 5. Monitoração e medidas
ou do distributivo, o choque cardio- de suporte
gênico é caracterizado por disfunção Os parâmetros vitais devem ser ano-
sistólica ou diastólica resultando em tados desde o momento inicial da abor-
anormalidades hemodinâmicas, como dagem e reavaliados frequentemente - a
aumento da frequência cardíaca, re- cada 5 a 10 minutos. Associa-se a essa
dução do volume sistólico, redução reavaliação frequente a monitoração das
do débito cardíaco, aumento da resis- metas finais de reanimação volêmica
tência vascular periférica e aumento para verificar a resposta do paciente às
nas pressões arterial pulmonar, capilar terapias instituídas (Murphy e Hibbert,
pulmonar e do átrio direito (Laforcade 2013).
e Silverstein, 2015). A identificação da O reaquecimento do gato durante
causa desencadeante deve ser realiza- a fluidoterapia é importante, porque a
2. Choque circulatório em felinos 29
DO₂ = DC x CaO₂ Débito cardíaco
DC = VS x FC

CaO₂ = (PaO₂ x 0,0031) + (Hb x 1,34 x SatO₂)


Frequência cardíaca Volume sistólico
Onde:
Do₂ = oferta de oxigênio
DC = débito cardíaco
VS = volume sitólico Pré-carga Inotropismo Pós-carga
FC = frequência cardíaca
CaO₂ = conteúdo arterial de oxigênio
PaO₂ = pressão parcial de oxigênio no sangue arterial
em mmHg
0,0031 = coeficiente de solubilidade de oxigênio no
plasma
Hb = nivel de hemoglobina em g/dl
1,34 = quan‹dade de oxigênio em ml que cada grama
de hemoglobina 100% saturada é capaz de transportar
SatO₂ = saturação de hemoglobina pelo oxigênio

Figura 3 – Relação entre oferta de oxigênio (DO2), débito cardíaco (DC) e conteúdo arterial de oxigênio
(CaO2). O DO2 depende do DC que é convencionalmente definido como a quantidade de sangue, em
litros, bombeada pelo coração a cada minuto e do CaO2. O DC, por sua vez, é o resultado do produto
do volume sistólico (VS) em ml pela frequência cardíaca (FC). O VS é influenciado pela pré-carga, pela
eficiência contrátil do miocárdio (inotropismo) e pela pós-carga. Alterações em um desses parâmetros
podem ser responsáveis por desarranjos importantes na fisiologia cardiovascular e levar ao desenvol-
vimento de choque.
Fonte: Laforcade e Silverstein, 2015.

resposta vascular está atenuada até que reaquecimento do animal. Além de pre-
haja normalização da temperatura cor- judicar a resposta vascular, a hipotermia
poral. Fontes de calor diretas devem ser pode alterar a função plaquetária e pro-
evitadas por causarem vasodilatação pe- piciar o desenvolvimento coagulopatias,
riférica; a utilização de uma incubado- alteração dos sistemas cardíaco, renal,
ra ou de um sistema com insuflador de hepático e imune, e um risco aumenta-
ar aquecido é recomendada. Os fluidos do de parada cardiorrespiratória. Assim
que serão infundidos por via intrave- como a hipotermia, a hipertermia tam-
nosa também podem ser aquecidos até bém deve ser evitada e tratada adequa-
uma temperatura morna e auxiliarão no damente (Murphy e Hibbert, 2013).
30 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
Durante a abor- dada. Anti-inflamatórios
Durante a abordagem
dagem inicial, deve-se não esteroidais são con-
inicial, deve-
proporcionar suplemen- traindicados até que a
se proporcionar
tação de oxigênio para hipovolemia seja corri-
suplementação de
manter uma saturação gida e até que os perfis
oxigênio para manter
maior que 95% ou, caso renal e hepático tenham
uma saturação maior
não haja um pulso- que 95% ... para manter sido obtidos (Murphy e
-oxímetro disponível, as mucosas de coloração Hibbert, 2013).
para manter as muco- rosada... . É importante 6. Considerações
sas de coloração rosa- que o método escolhido
da (Murphy e Hibbert, cause mínimo estresse finais
2013). É importante ... não invasivos como O reconhecimento
que o método escolhido ... o fluxo livre (“flow- precoce de um felino
cause mínimo estresse by”), a máscara facial, em choque e das parti-
ao paciente. Os métodos o colar elisabetano cularidades da espécie
não invasivos sugeridos parcialmente vedado é essencial para o suces-
são o fluxo livre (“flow- com plástico filme, so terapêutico. O clíni-
-by”), a máscara facial, o a sonda nasal e a co deve ter sempre em
colar elisabetano parcial- gaiola de oxigênio ou mente que mais de um
mente vedado com plás- incubadora neonatal. tipo de choque pode
tico filme, a sonda nasal estar presente, ao mes-
e a gaiola de oxigênio ou mo tempo, no paciente
incubadora neonatal. Cada um dos mé- e todos devem ser abordados correta e
todos fornecerá uma fração inspirada rapidamente para maximizar as chances
de oxigênio diferente e o método a ser de sobrevivência do animal. Apesar do
utilizado deve ser aquele em que o gato pilar principal da terapia do paciente
permanece mais à vonta- em choque ser a admi-
de (Boyle, 2012). A combinação de nistração de fluidos para
Enfim, destaca- histórico, exame físico restaurar a oxigenação
-se que a frequência adequado, solicitação tecidual, outras medidas
cardíaca, a frequência e interpretação de suporte são necessá-
respiratória e o estado adequada de exames rias e irão variar de acor-
mental podem ser al- complementares e do com o choque apre-
terados pela dor. Caso abordagem terapêutica sentado. Apesar de uma
haja suspeita de dor, a cuidadosa são essenciais reanimação inadequada,
administração de um no atendimento do incompleta ou atrasada
analgésico é recomen- felino em choque. contribuir para um des-

2. Choque circulatório em felinos 31


fecho desfavorável, a abordagem exces- Critical Care Medicine. St Louis: Elsevier, p.26-
29, 2015.
siva ou agressiva também pode resultar
6. Mendes, C.L., Dias, F.S. Fisiopatologia do choque
em um edema pulmonar, coagulopatia circulatório. In.: Piras, C., Azevedo, L. Choque
dilucional, dentre outros. A combina- Circulatório. São Paulo: Editora Atheneu, p.1–9,
2012.
ção de histórico, exame físico adequado,
7. Morris, B.R., Delaforcade, A., Lee, J., Palmisano,
solicitação e interpretação adequada de J., Meola, D., Rozanski, E. Effects of in vitro he-
exames complementares e abordagem modilution with crystalloids, colloids, and plasma
terapêutica cuidadosa são essenciais no on canine whole blood coagulation as determined
by kaolin-activated thromboelastography. J Vet
atendimento do felino em choque. Emerg Crit Care, v.26, n.1, p.58-63, 2016.
8. Murphy, K., Hibbert, A. The flat cat: a logical and
7. Referências practical approach to management of this challen-
ging presentantion. Journal of Feline Medicine
bibliográficas and Surgery, v.15, p.175–188, 2013.
1. Boyle, J. Oxygen therapy. In.: Creedon, J.M.B., 9. Rabelo, R. Fluidoterapia optimizada. In.
Davis, H. Advanced monitoring and procedu- Congreso Latinoamericano de Emergencia y
res for small animal emergency and critical Cuidados Intensivos LAVECCS, 2012, Mexico
care. Oxford: Willey-Blackwell, 2012. DF. Proceedings... Mexico: IVIS, 2012.
2. Cazzolli, D., Prittie, J. The cristalloid-colloid de- Disponível em: <http://www.ivis.com/>
bate: consequences of resuscitation fluid selection 10. Rosa, K.T. Choque Cardiogênico. In.: Rabelo, R.
in veterinary critical care. J Vet Emerg Crit Care, Emergências de pequenos animais – Condutas
v.25, n.1, p.6-19, 2015. clínicas e cirúrgicas no paciente grave. São
3. Félix, N. Shock in the Feline patient. In.: Congress Paulo: Elsevier, p.293–298, 2013.
of the European College of Veterinary Internal 11. Tello, L.H. Feline as emergency patient: trauma.
Medicine – Companion animals – ECVIM-CA, In. Animal Veterinary Congress WSAVA, 34,
Porto. Proceedings... Porto: ECVIM, 2009. 2009, São Paulo. Proceedings... São Paulo: IVIS,
Disponível em: <http://www.vin.com/> 2009. Disponível em: <http://www.ivis.com/>
4. Haskins, S.C. Catecholamines. In.: Silverstein, 12. Tello, L.H. Feline as in hospital patient: trau-
D.C., Hopper, K. Small Animal Critical Care ma model. In. Animal Veterinary Congress, 31,
Medicine. St Louis: Elsevier, p. 829 – 834, 2015. 2006, Praga. Proceedings... Praga: IVIS, 2006.
5. Laforcade, A., Silverstein, D.C. Shock. In: Disponível em: <http://www.ivis.com/>
Silverstein, D.C., Hopper, K. Small Animal

32 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


3. Dermatopatias
parasitárias em gatos

bigstockphoto.com

Guilherme De Caro Martins, CRMV MG 10.970


Larissa Silveira Botoni, CRMV MG 11.711
Adriane Pimenta da Costa Val, CRMV 4.331

Introdução A demodicidose felina,


nóstico muitas vezes
diferentemente da sua é desafiador. Este ar-
As doenças parasi-
congênere canina, é tigo objetiva revisar as
tárias cutâneas são afec-
uma dermatopatia rara principais dermatopa-
ções bastante comuns
causada por ácaros do tias parasitárias em ga-
na rotina dermatológica
de cães e gatos. Em feli- gênero Demodex sp., que se tos, a fim de auxiliar os
nos, a abordagem des-
diferem morfologicamente. médicos veterinários
sas doenças tem suma na abordagem dessas
importância, visto a crescente deman- doenças.
da por atendimento dessa espécie, e as
diferenças importantes quando compa-
1. Demodicidose felina
radas às dermatopatias parasitárias em A demodicidose felina, diferente-
cães. Além disso, podem ocasionar em mente da sua congênere canina, é uma
sinais clínicos diversos, e por isso o diag- dermatopatia rara causada por ácaros
3. Dermatopatias parasitárias em gatos 33
do gênero Demodex sp., quando comparado ao
Os fatores envolvidos
que se diferem morfolo-
na multiplicação desse mesmo exame em cães
gicamente. Demodex cati
ácaro estão, na maioria (2).
e Demodex gatoi eram
das vezes, relacionados 1.1 Demodex cati
consideradas as únicas
às doenças sistêmicas O Demodex cati (Fig.
espécies desse gênero
imunodebilitantes,
que parasitavam os feli- 1) é um ácaro comensal
como imunodeficiência
nos, porém por meio de da pele de gatos de
felina, leucemia
sequenciamento e ampli- morfologia similar ao
felina, toxoplasmose,
ficação de DNA identifi- Demodex canisque resi-
hiperadrenocorticismo e
cou-se uma nova espécie de nos folículos pilosos
diabetes mellitus(3).
ainda sem nome(1) e glândulas sebáceas.
Os sinais clínicos se Os fatores envolvidos
diferenciam de acordo com a espécie de na multiplicação desse ácaro estão,na
ácaroque acomete o paciente (Quadro maioria das vezes, relacionados às doen-
1). Podem ser observados: prurido, ças sistêmicas imunodebilitantes, como
dermatite miliar e alopecia, geralmente imunodeficiência felina, leucemia feli-
autoinduzida(2). O diagnóstico da de- na, toxoplasmose, hiperadrenocorticis-
modicidose felina é desafiador e às vezes mo e diabetes mellitus (3).Os sinais clíni-
frustrante, pois a sensibilidade dos exa- cos, como pápulas, crostas, comedões,
mes parasitológicos cutâneo é pequena, seborreia e erosões são pronunciados
Quadro 1- Aspectos comparativos da demodicidose felina

Demodexcati Demodexgatoi
Morfologia Alongado (150-291 µm) Pequeno (91-108 µm)
Folículos pilosos e glândula
Região que habita Epiderme
sebácea.
Prurido Variável Presente
Geralmente presente (FIV, Felv,
Doença sistêmica toxoplasmose, neoplasias, diabe- Não
tes mellitus).
Contágio Não Sim
Raspado superficial. Difícil encontrar
Raspado profundo, fita adesiva,
Diagnóstico o parasita (anamnese + exame físico +
Tricograma.
resposta a terapia).
Dermatofitose, alopecia psico-
Diagnósticos Sarna notoédrica, alergopatias, alope-
gênica, outras causas de otite
diferenciais cia psicogênica.
externa.
Fonte: adaptado de Delayte, 2015

34 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


Figura1:Fotomicroscopia de Demodexcatiem exame parasitológicoporavulsão de pelos. Cortesia: Dr
Charlie Walker, UK.

na região cefálica e cervical, mas podem nóstico(3). Biópsia pode ser necessária
acometer a região dorsal bem como cul- em lesão ulcerada ou bastante inflama-
minar com otite ceruminosa (Figura 2). da,e observam-se na histopatologiaos
O prurido é variável, mas geralmente ácaros nos folículos pilosos (2). Existem
são lesões apruriginosas. algumas opções de tratamento dispo-
O diagnóstico é realizado por meio níveis no Brasil, principalmente com o
do exame parasitológico após o raspado uso de lactonasmacrocíclicas (Quadro
profundo, ou ainda por 2).Independentemente
tricografia, ou fita adesi- O Demodex gatoi (Fig. do fármaco utilizado o
va, em áreas em que o ras- 3) é um ácaro pequeno, tratamento deve ser rea-
pado éde difícil execução. encontrado no estrato lizado, no mínimo, até a
Nesses exames podem-se córneo. Diferentemente obtenção de um raspado
encontrar adultos, ninfas, do Demodex cati, negativo.
larvas e ovos, e, apesar de não é comensal
comensal da pele, a vi- da pele e possui 1.2 Demodex gatoi
sibilização de um ácaro característica de elevada O Demodex gatoi
é suficiente para o diag- infecciosidade(4). (Fig. 3) é um ácaro pe-
3. Dermatopatias parasitárias em gatos 35
Figura 2: Lesão eritemato-crostosa e alopécica na ponte nasal de um felino por Demodex cati, secun-
dária a uso de spray nasal com corticosteroide para o tratamento de asma felina. Cortesia: Dra Sarah
Bartlett, EUA
queno, encontrado no estrato córneo. de escabiose felina ou alergopatia, e es-
Diferentemente do Demodex cati, não é tão diretamente relacionados ao prurido
comensal da pele e possui característica intenso. Portanto, podem ser observadas
de elevada infecciosidade(4). Os acha- áreas de escoriação, escamas e crostas,
dos clínicos são semelhantes ao quadro principalmente nas regiões cefálicas,
cervical e articulações
úmero-radio-ulnares
ou ainda áreas de alo-
pecia em região ven-
tral pela lambedura
excessiva(2).A der-
matopatia ocasionada
por esse ácaro é consi-
derada rara no Brasil,
sendo mais prevalente
em algumas regiões
dos EUA(5).
O diagnóstico é
desafiador, já que é
um ácaro superficial,
Figura 3: Fotomicroscopia de Demodex gatoi em exame parasitológico
por raspado cutâneo. Cortesia: Dra Željka Starcevic, CZE
facilmente removido

36 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


durante o ato de lam- zes, observar a resposta à
A escabiose felina ou
bedura, levando, usual-
sarna notoédrica é uma terapia(3). Algumas mo-
mente,àfalsos negativos dalidades terapêuticas já
doença causada pelo
nos exames de raspado foram propostas apesar
ácaro Notoedrescati,
cutâneo(5). Sendo as- um sarcoptídeo, que de ainda não se ter um
sim, recomenda-se a rea- pode também acometer protocolo definitivo em
lização do parasitológico coelhos, cães e humanos. relação ao melhor fár-
cutâneo por diversos maco e duração de trata-
raspados superficiais ou mento (Quadro 2). Por
por fita adesiva, em regiões acometidas, ser uma doença de alta transmissibilida-
bem como em regiões de difícil acesso de, todos os felinos contactantesdevem
pelo felino. Há ainda que se considerar ser tratados(5).
o histórico do animal, como contato
com outros felinos com a mesma sinto- 2. Escabiose felina
matologia, histórico de tratamento com A escabiose felina ou sarna notoé-
fármacos que diminuem o prurido sem drica é uma doença causada pelo ácaro
boa resposta (6). Para o diagnóstico de- Notoedres cati, um sarcoptídeo, que
finitivo, é necessário, na maioria das ve- pode também acometer coelhos, cães

Quadro 2- Opções de tratamento na demodicidose felina de acordo com a


espécie de Demodex parasitária.
Demodexcati Demodexgatoi
Banhos com enxofre 2-4% a cada 3-7 dias
Banhos com enxofre 2-4% a cada 3-7
Enxofre 2-4% até raspado negativo (no mínimo 6-8 se-
dias por 6-8 semanas.
manas).
Ivermectina
Efetivo. Deve-se continuar a terapia até
0,2-0,3mg/kg Geralmente eficaz, deve-se continuar
a obtenção de pelo menos um raspado
PO por duas semanas após a cura clínica.
cutâneo negativo.
q 24-48h
Tratamento eficaz, porém com riscos de Tratamento eficaz, porém com riscos
Banhos com
intoxicação. Atualmente não recomenda- de intoxicação. Atualmente não reco-
amitraz
do. mendado.
Doramectina 600µg/kg SC semanalmente.
Alguns relatos de caso relatam sucesso, Alguns relatos de caso relatam suces-
outros insucesso. Portanto resultados so, outros insucesso. Portanto, resul-
M ox i d e c t i n a
anedóticos inconsistentes. Não aconse- tados anedóticos inconsistentes. Não
tópica
lhado como primeira linha de tratamen- aconselhado como primeira linha de
to. tratamento.
Fonte: adaptado de Beale, 2012

3. Dermatopatias parasitárias em gatos 37


Figura 4: Fotomicroscopia de Notoedres cati em exame parasitológico por raspado cutâneo superficial.

e humanos. N. catié muito semelhante


ao Sarcoptes scabiei em taxonomia, mas
diferencia-se por ser menor, ter mais
estriações e possuir o ânus dorsal ao
invés de terminal(Fig.4).A transmissão
se dá por contato direto ou por fômites.
O ácaro cava galerias na epiderme e se
alimenta de debris celulares e fluidos te-
ciduais. A fêmea permanece na pele du-
rante todo o ciclo, que se completa com
17 a 21 dias (7,8).
O quadro clínico é caracterizado
por prurido intenso, lesões crosto-
sas secas na região da cabeça, pesco-
ço e pavilhões auriculares (Fig. 5).
Ocasionalmente, podem disseminar-se
pelos membros e pela região perianal. A Figura 5: Felino apresentando lesões crostosas e
incidência é mais vista em filhotes (6). secas na região cefálica, por Notoedres cati.

38 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


O diagnóstico é feito por exame direto Austrália e na Nova Zelândia. No Brasil,
do exame parasitológico, por raspado estudos epidemiológicos mostram
cutâneo. Diferentemente do que ocorre tratar-se de uma dermatopatia inco-
na escabiose canina a sensibilidade des- mum, identificada principalmente em
se exame é muito alta, sendo rotineira a estados do Norte do país, porém com
observação de vários ácaros na lâmina ocorrência no Sudeste -sobretudo Rio
de microscopia (8). de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo
O tratamento deve ser feito por -, Nordeste e Sul (9-11). A transmissão
via sistêmica, com ivermectina (0,2- desse ácaro ocorre por contato direto,
0,3mg/kg, VO/SC) semanalmente, ou- inclusive com o homem, ou por meio
selamectina (6-15mg/kg por via tópica) de fômites, mas não é considerado de
a cada duas semanas, ou doramectina elevada infectividade. O
(0,2-0,4mg/kg, SC) se- ácaro é capaz de se per-
manalmente, ou moxi- A lincaxacariose é petuar, compondo po-
dectina por via tópica uma dermatopatia pulação estável em hos-
mensalmente. Todos os ocasionada pelo ácaro pedeiros assintomáticos,
tratamentos devem du- Lynxacarus radovskyi o que transforma alguns
rar entre quatro a seis que parasita os felinos felinos em fonte de infec-
semanas. Todos os con- e já é identificada no
ção duradoura (9).
tactantesdevem ser tra- Brasil, nos Estados
Os sinais clínicos
tados, mesmo assinto- Unidos, na Austrália e
observados incluem pru-
máticos. Recomenda-se na Nova Zelândia.
rido,pelagem irregular
também a tosa dos ani- e mal cuidada, escamas
mais e a retirada das crostas com banho, fúrfuro-micácias e áreas de alopecia,
usando xampus neutros e água morna. principalmente nas regiões do pescoço,
Pode ser necessário o uso concomitan- tórax, membros pélvicos, região sacro-
te de antibióticos para o tratamento de coccígea e perianal (10). A intensida-
infecções secundárias. O prognóstico de dos sinais clínicos é dependente da
é bom e normalmente a resposta ao cronicidade e intensidade de infestação.
tratamento é rápida se todos os animais Alguns autores determinam como ca-
são cuidados (6,8,7). racterística clínica marcante o aspecto
de “sal e pimenta” devido ao contraste
3. Linxacariose felina ocasionado pela parte anterior do ácaro
A lincaxacariose é uma dermatopatia que é amarronzada(Fig. 6)(9).
ocasionada pelo ácaro Lynxacarus rado- O diagnóstico baseia-se na associa-
vskyi que parasita os felinos e já é identi- ção do histórico, sinais clínicos com o
ficada no Brasil, nos Estados Unidos, na encontro do ácaro, que pode ser visto
3. Dermatopatias parasitárias em gatos 39
Figura 6 - Fotomicroscopia de Lynxacarus radovskyi aderido ao pelame de um animal na técnica de tri-
cografia. Notar aparelho bucal de coloração amarronzada (seta), o que confere em animais de pelame
branco o aspecto “sal e pimenta”(aumento de 100X).Cortesia: Dr. Lenilson Filho, Brasil.

com o auxílio de lupa ou por meio de 0,3mg/kg por via oral semanalmente.
exames parasitológicos por raspado su- Alguns trabalhos demonstram eficácia
perficial, avulsão de pelos (Fig. 6) ou de 100% com o uso de fipronil em pipe-
fita adesiva. Sugere-se ainda, buscar o ta (0,5ml por gato, em única aplicação),
ácaro em material fecal, devido a sua re- bem como de banhos semanais com
moção mecânicapela lambedura, que é tetraetil-tiuran(11).
excessiva em alguns animais (9).
O tratamento pode ser realizado 4. Sarna otodécica
com diversos medicamentos que pos- A sarna otodécica, otoacaríase, ou
suem poder acaricida, visto que o ácaro sarna do ouvido, como é popularmen-
é bastante susceptível te conhecida, é causa-
àqueles comercialmen- A sarna otodécica, da pelo ácaro Otodectes
te disponíveis. No en- otoacaríase, ou sarna cynotis, da Ordem dos
tanto, deve-se atentar do ouvido, como Sarcoptiformes, Família
para a toxicidade de é popularmente Psoroptidae, parasita
alguns produtos na es- conhecida, é causada obrigatório do conduto
pécie felina. As lacto- pelo ácaro Otodectes auditivo de cães e gatos
nasmacrocíclinas, como cynotis,parasita (Fig.7). É uma das doen-
ivermectinadevem ser obrigatório do conduto ças parasitárias mais
utilizadas na dose de auditivo comuns nesses animais,
40 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
auditivos (7, 13)
Os sinais clínicos são
variáveis, de forma que
alguns gatos apresentam
quantidade intensa de
secreção auricularsem
prurido, enquanto ou-
tros manifestam prurido
intenso, com discreta
secreção. Essa secreção,
com característica de
“borra de café”, é resulta-
do do acúmulo de debris
epiteliais, ácaros, sangue
Figura 7: Fotomicroscopia de Otodectes cynotis em exame parasito- e cerúmen (8) (Fig.8).
lógico de cerúmen de felino acometido por otoacaríase. Cortesia: Dr. As lesões são geralmen-
Ramón Almela, Alemanha
te restritas aos condutos
apresentando elevada incidência em fi- auditivos, mas alguns
lhotes(8,12). O. cynotisé um ácaro não animais podem ter ácaros ectópicos em
escavador que vive na superfície da pele outras áreas do corpo, especialmente
do conduto auditivo. Os ácaros adul- na região cervical, na dorsal e na cauda.
tos são grandes, brancos e podem ser Esses ácaros,na maioria das vezes, não
vistos a olho nu. Possuem quatro pares causam lesões, mas, em alguns animais,
de patas e todas, exceto a quarta pata podem ocasionar prurido intenso e as-
rudimentar da fêmea, estende-se além sim mimetizar dermatites alérgicas (7,
das margens do corpo. O ciclo de vida 12, 14) .
ocorre todo no hospedeiro e dura cer- O diagnóstico é feito por visualiza-
ca de três semanas. Os adultos vivem ção direta do ácaro na avaliação otoscó-
aproximadamente dois meses e a sobre- pica do conduto auditivo ou por exame
vivência fora do hospedeiro varia entre parasitológico direto do cerúmen em
cinco a 17 dias, dependendo da tempe- microscópio. Nesse teste, a amostra de
ratura e da umidade ambiental. O con- cerúmen é colhida por haste de algodão
tágio se dá por contato direto, sendo o estéril e alocada na lâmina de vidro para
ácaro altamente contagioso para cães e então ser examinadadiretamente(8, 14).
gatos. Ocasionalmente, O. Cynotis pode O tratamento deve-se iniciar pela
causar dermatite papular em humanos, limpeza dos condutos auditivos para
podendo raramente parasitar condutos remoção do acúmulo de debris. Os ani-
3. Dermatopatias parasitárias em gatos 41
Figura 8- Imagem de orelha esquerda de um felino jovem com sarna otodécica. Notar secreção escura
e ressecada, característica marcante da infestação pelo Otodectes cynotis.

mais acometidos e todos os seus contac- de parasiticidas em spot onou pouronà


tantes devem ser tratados. O tratamento base de ivermectina, selamectina, mo-
ótico é feito instilando-se localmente xidectina e fipronil são eficazes quan-
solução parasiticida, de acordo com as do aplicadas duas vezes, intervaladas
recomendações do fabricante (6). Os de duas a quatro semanas. Ivermectina
principais parasiticidas disponíveis por via oral ou subcutânea na dose de
em soluções otológicas veterinárias no 0,2 – 0,4 mg/kg, semanalmente, por
Brasil são o diazinon e o tiabendazol, quatro semanas, também pode ser uti-
sendo que ambos se mostraram efica- lizada. Recomenda-se que o tratamento
zes no tratamento de infestações por O. por via otológica seja associado a um
cynotis, em estudos realizados com cães produto tópico ou sistêmico no intuito
e comgatos(13,14). Aplicação otológi- de se eliminar os parasitas ectópicos.
ca de duas gotas da solução de fipronil O prognóstico da otoacaríase é bom,
10%, uma ou duas vezes intervaladas de mas, devido ao caráter contagioso, re-
duas semanas, também pode ser realiza- comenda-seo tratamento de todos os
da (6). Além disso, formulações tópicas contactantes(6-8).
42 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
5. Queileitielose grandes (385µm), com quatro pares de
patas e apresentam como característica
A queiletielose, caspa ambulante marcante dois ganchos na peça bucal
ou sarna induzida por Cheyletiella, é (Fig.9). Movem-se rapidamente nos
causada por Cheyletiella blakeiem ga- pseudotúneis, em debris epidérmicos e,
tos, Cheyletiella yasguri vez ou outra, aderem-se
em cães e Cheyletiella A queiletielose, firmemente na epider-
parasitivorax em am- caspa ambulanteou me perfurando-a, o que
bos. Cheyletiella parasi- sarna induzida por provoca a movimenta-
tivorax, C. furmani e C. Cheyletiella, é causada ção dessas escamas. Daí
strandimanni são parasi- por Cheyletiellablakei surgiu a expressão “caspa
tas de coelhos e lebres. em gatos, Cheyletiella ambulante” (7). O ciclo
Todas as espécies po- yasguri em cães de vida dura em torno
dem parasitar humanos e Cheyletiella de 35 dias e se dá todo
de forma transitória (8). parasitivorax em no hospedeiro, com um
São espécies de ácaros ambos. período de incubação

Figura 9. Fotomicroscopia de Cheyletiella sp. em exame parasitológico por raspado cutâneo de felino
acometido por queiletielose. Notar ganchos no aparelho bucal na ponta da seta. Cortesia: Dra Sheila
Torres, EUA.

3. Dermatopatias parasitárias em gatos 43


de quatro dias, em média. O ciclo não pode ser realizado por via tópica, com
pode ser completo em humanos, assim, intervalo semanal de aplicação ou por
as infestações nessa espécie normal- via sistêmica. O parasiticida mais indica-
mente sãoautolimitantes em três dias.A do para felinos é o fipronil, devido à ele-
doença é não sazonal, variavelmente vada toxicidade de outros comumente
pruriginosa e transmissível por contato utilizados na espécie canina. Na maioria
direto e por fômites. Os gatos normal- das vezes o tratamento sistêmico é mais
mente apresentam lesões leves, prurido eficiente que o tópico para queiletielose
e escamas secas e esbranquiçadas, prin- e pode ser feito com ivermectina (0,2-
cipalmente no dorso. Dermatite miliar, 0,3mg/kg, VO/SC) semanalmente, se-
erupções e crostas também podem lamectina (6-15mg/kg TO) a cada duas
ocorrer. Portadores assintomáticos po- semanas,doramectina (0,2-0,4mg/kg,
dem existir(7,15). SC) semanalmente ou moxidectinapor
O diagnóstico é feito pela visualiza- via tópica mensalmente. Todos os trata-
ção direta do ácaro por diversas técni- mentos devem durar entre quatro a seis
cas. O exame parasitoló- semanas (6). Scarampela
gico por fita adesiva deve As dermatopatias e colaboradores (2005)
ser feito pressionando-a parasitárias em felinos reportaram 100% de efi-
na pelagem do felino, podem ser classificadas cácia no tratamento de
em múltiplas áreas, no como rotineiras ou até felinos com queiletie-
intuito de capturar as es- raras, dependendo da lose com fipronil 10%,
camas contendo o ácaro. localização geográfica spot on, em aplicação
Posteriormente, a fita é do paciente. única. O prognóstico é
alocada em uma lâmina favorável, mas todos os
de vidro e analisada em contactantesdevem ser
microscópio. Pode ser feito também o tratados, assim como o ambiente desin-
raspado cutâneo e o exame microscó- fectado com uso de produtos frequen-
pico de escamas coletadas após pentear temente utilizados para erradicação de
o pelame do animal com um pente fino pulgas, já que os ácaros sobrevivem até
ou com uma escova de dentes. Todos duas semanas fora do hospedeiro, o que
os testes costumam ser bem sucedidos. pode causar reinfestação(6-8).
Entretanto, com o hábito de se limpar
dos felinos, as escamas podem ter sido 6-Considerações finais
removidas, nesses casos o ideal é a rea- As dermatopatias parasitárias em
lizaçãodo exame parasitológico de fezes felinos podem ser classificadas como ro-
para a detecção de parasitas(6-8). tineiras ou até raras, dependendo da lo-
Após o diagnósticoo tratamento calização geográfica do paciente. Como
44 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
nas demais dermatopatias felinas, os Animal Dermatology. Elsevier; 2013.
sinais clínicos são restritos a uma pe- 8. Nesbitt GH, Ackerman LJ. Canine & Feline
Dermatology. Trenton: Veterinay Learning
quena gama em que lesões superficiais, Systems; 1998.
descamativas e pruriginosas são 9. Maruyama S. Linxacariose. In: Larsson C, Lucas
R, editors. Tratado de medicina externa: derma-
majoritárias. Na maioria das vezes o tologia veterinaria. 1st ed. São Caetano do Sul:
diagnóstico é obtido por técnicas sim- Interbook editorial; 2015. p. 423–5.
ples, como raspado de pele, exame dos 10. Figueiredo FB, Pereira SA, Okamoto T, Santos
IBDOS, Leme LRP. Nota De Pesquisa Relato De
pelos avulsionados ou do material obti- Mais 42 Casos De Linxacariose Felina Na Região
do por aderência à fita adesiva. Drogas Metropolitana Da Cidade Do Rio De Janeiro , Rj ,
Brasil 1. 2004;43:41–3.
acaricidas rotineiras e de fácil obtenção 11. Serra-freire NM, Benigno RN de M, Oliveira SA,
são efetivas na maioria dos casos, en- Lopes LMS, Galvão G. Lynxacarus radovskyi-
tretanto, o clínico deve observar aque- Diagnóstico e tratamento em felinos de Belém-
Pará. Rev Univ Rural Série Ciências da Vida.
las que podem ser tóxicas aos felinos. 2002;22(1):57–60.
Deve-se observar naquelas dermatopa- 12. Six RH, Becskei C, Mazaleski MM, Fourie JJ,
Mahabir SP, Myers MR, et al. Efficacy of sarola-
tiasparasitárias transmissíveis que gatos, ner, a novel oral isoxazoline, against two com-
cães e até mesmo humanoscontactantes mon mite infestations in dogs: Demodex spp.
and Otodectes cynotis. Vet Parasitol [Internet].
podem estar acometidos e que podem Elsevier B.V.; 2015; Available from: http://dx.doi.
necessitar ou não de tratamento. org/10.1016/j.vetpar.2016.02.027
13. Pimentel de Souza C, Gomes Verocai G, Ribeiro
Referências bibliográficas Correia T, Moreira Pires Dos Santos Melo R,
Cruz Holanda Cavalcanti M, Barbour Scott F.
1. Ferreira D, Sastre N, Ravera I, Altet L, Francino Eficácia do diazinon em uma formulação de uso
O, Bardagí M, et al. Identification of a third feline otológico no tratamento da sarna otodécica em
Demodex species through partial sequencing of cães EFFICACY OF DIAZINON IN AN OTIC
the 16S rDNA and frequency of Demodex spe- SOLUTION FOR THE TREATMENT OF
cies in 74 cats using a PCR assay. Vet Dermatol. OTODECTIC MANGE ON DOGS. Parasitol
2015;26(4):239-e53. Latinoam. 2006;61:176–8.
2. Beale K. Feline demodicosis. J Feline Med Surg. 14. Pimentelde Souza C, Ribeiro Correia T, Moreira
2012;14(3):209–13. Pires Dos Santos Melo R, Gomes Verocai G,
Castro D dos SE, Cruz Holanda Cavalcanti M, et
3. Delayte E. Demodicidose felina. In: Larsson CE,
al. Eficácia do tiabendazol sobre Otodects cyno-
Lucas R, editors. Tratado de medicina externa:
tis (HERING, 1838) em cães. Rev Bras Parasitol
dermatologia veterinaria. 1st ed. São Caetano do
Veterinária. 2006;15(4):143–6.
Sul: Interbook editorial; 2015. p. 394–7.
15. Scarampella F, Pollmeier M, Visser M, Boeckh
4. Short J, Gram D. Successful Treatment of Demodex
A, Jeannin P. Efficacy of fipronil in the treat-
gatoi with 10% Imidacloprid/1% Moxidectin. J
ment of feline cheyletiellosis. Vet Parasitol.
Am Anim Hosp Assoc. 2016;52(1):68–72.
2005;129(3–4):333–9.
5. Saari SAM, Juuti KH, Palojärvi JH, Väisänen
KM, Rajaniemi R-L, Saijonmaa-Koulumies LE.
Demodex gatoi-associated contagious pruritic
dermatosis in cats--a report from six households
in Finland. Acta Vet Scand. 2009;51:40.
6. Hnilica KA. Small Animal Dermatology a color
atlas and therapeutic guide. 3rd ed. Hnilica KA,
editor. Missouri: Elsevier Saunders; 2011. 620 p.
7. Miller WH, Griffin CE, Campbell KL. Small

3. Dermatopatias parasitárias em gatos 45


4. Esporotricose e implicações
à saúde pública com vistas
à ocorrência da doença no
município de
Belo Horizonte

bigstockphoto.com
Glendalesse Nunes Rocha de Faria Teixeira1, CRMV-MG 15075
Danielle Ferreira de Magalhães Soares2, CRMV-MG 7296
Kelly Moura Keller3, CRMV-MG 13579
Joana Angélica Macêdo Costa Silva4, CRMV-MG 15124
Graziella Coelho Tavares Pais5, CRMV-MG 13575
Maria Helena Franco Morais6, CRMV-MG 4129
1
Residente em Saúde Pública UFMG
2
Docente UFMG
3
Docente UFMG
4
Residente em Saúde Pública UFMG
5
Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte - Gerência de Controle de Zoonoses/Barreiro
6
Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte - Gerência de Controle de Zoonoses

1. Introdução vegetativos ou são capazes de reprodu-


zirem-se. Têm grande importância, tan-
Os fungos são organismos que con- to econômica quanto ecológica, já que
vivem no mesmo ambiente do ser hu- além de serem utilizados em diversas
mano, encontrados em locais como ar, áreas da saúde, nutrição, agricultura e
solo e plantas. Suas estruturas reprodu- biotecnologia, são capazes de degradar
tivas ao caírem em um substrato ade- restos orgânicos. Além disso, eles po-
quado desenvolvem novos organismos dem provocar doenças no ser humano,
46 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
em animais e plantas desenvolvidos visando
A esporotricose é uma
(Molinaro et al., 2009). a melhoria da saúde pú-
infecção fúngica que
A esporotricose é blica global (Carlos et al.,
acomete diferentes
uma infecção fúngica 2009).
espécies de animais
que acomete diferentes e o homem e pode O objetivo do pre-
espécies de animais e ser naturalmente sente trabalho foi des-
o homem podendo ser transmissível entre eles, crever alguns aspectos
naturalmente transmis- portanto trata-se de dessa zoonose e suas
sível entre eles, portanto uma zoonose. principais implicações
trata-se de uma zoonose para a saúde pública,
(Corgozinho, 2009). O com vistas a auxiliar os
homem pode infectar-se ao manipular profissionais quanto às medidas neces-
ou ferir-se com materiais contaminados, sárias para sua prevenção e controle nas
como farpas e espinhos, solo ou vegeta- populações humana e animal.
ção onde o fungo geralmente habita.
Animais contaminados também trans- 2. Revisão bibliográfica
mitem a doença por meio de arranhões,
mordidas e contato direto da pele lesio- 2.1. Esporotricose
nada (Fiocruz, 2015). A doença foi relatada pela primeira
A esporotricose é uma doença de vez em 1898, pelo médico Benjamin
caráter endêmico em diversos países do Schenck, em um paciente do Hospital
mundo (Carlos et al., 2009), inclusive Johns Hopkins, em Baltimore, Estados
no Brasil, onde vem ocorrendo um au- Unidos. Após o isolamento do fungo
mento significativo a amostra foi estuda-
de casos clínicos em Negligenciada, a da pelo micologis-
humanos, principal- esporotricose atualmente ta Erwin F. Smith,
mente relacionados à vem ganhando evidência o qual identificou
transmissão por gatos pelo fato de ser considerada o gênero desse fun-
domésticos (Cruz, uma doença oportunista e go inicialmente
2013). acometer principalmente como Sporothrichum
Tendo em vista grupos de risco, como (Schenck, 1898;
que o ambiente fa- pessoas portadoras do HIV Hektoen e Perkins,
vorece o desenvolvi- (vírus da imunodeficiência 1900). Mais tarde,
mento de doenças, humana) ou pessoas em em 1900, Hektoen e
como a esporotri- tratamento com drogas Perkins, descreveram
cose, mais estudos a imunossupressoras, além de outro caso da doença
respeito devem ser ser uma importante zoonose. e, após o isolamento
4. Esporotricose e implicações à saúde pública com vistas à ocorrência da doença no município de Belo Horizonte 47
do fungo, denominaram o agente como Silva, 2016). A rota de transmissão tam-
Sporothrix schenckii (Hektoen e Perkins, bém pode ocorrer por inalação, causan-
1900). do a manifestação extracutânea (Barros
Negligenciada, a esporotricose et al., 2010).
atualmente vem ganhando evidência
pelo fato de ser considerada uma doença
2.1.1. Sporothrix schenckii
oportunista e acometer principalmente Sporothrix schenckii é um fungo
grupos de risco, como pessoas portado- termodimórfico, ou seja, ele assume uma
ras do HIV (vírus da imunodeficiência morfologia diferente de acordo com as
humana) ou pessoas em tratamento condições de temperatura encontradas
com drogas imunossupressoras, além para o seu desenvolvimento. Em
de ser uma importan- temperatura ambiente
te zoonose (Carlos A partir de estudos baseados (25ºC) ele assume uma
e Batista-Duharte, em sequenciamento de configuração micelial
2015). DNA, morfologia, nutrição (Fig. 1), lembrando
Doença de ma- e fisiologia a espécie o desenho de flores
nifestação crônica, Sporothrix schenckii (como margaridas ou
normalmente se ini- passou a ser considerada crisântemos) e encon-
cia com um nódulo um complexo composto trado no solo ou na
cutâneo ou subcutâ- por seis espécies crípticas: superfície de vegetais
neo ulcerado. O pro- S. schenckii, S. brasiliensis, na forma sapróbia.
cesso infeccioso pode S. globosa, S. mexicana, No parasitismo
evoluir por meio do S. luriae e S. albicans ou em meio de cultu-
sistema linfático e (Marimon et al., 2007), ou ra a 37ºC ele se torna
causar uma linfangi- seja, são espécies que não leveduriforme (Fig.
te ulcerativa no tra- são diferenciadas apenas 2), caracterizando-se
jeto. No homem, a morfologicamente. por células predomi-
forma disseminada é nantemente alonga-
mais comum em in- das, mas também com
divíduos imunocomprometidos. Já nos a presença de células ovoides e arredon-
gatos o comprometimento sistêmico dadas (Hirsh e Biberstein, 2004; Cruz,
é mais comumente observado. Ocorre 2013).
com maior frequência em gatos domés- A espécie Sporothrix schenckii foi
ticos, humanos, equídeos e cães (Hirsh considerada, durante os primeiros rela-
e Biberstein, 2004), porém pode aco- tos e por vários anos, a única patogêni-
meter uma grande variedade de animais ca pertencente ao gênero Sporothrix. A
(Costa, 1994; Schubach et al., 2006; partir de material obtido de lesões nos
48 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
Figura 1- Sporothrix schenckii na forma micelial.
Fonte: Cruz, 2013

Figura 2- Sporothrix schenckii na forma de levedura.


Fonte: Bazzi, 2016

4. Esporotricose e implicações à saúde pública com vistas à ocorrência da doença no município de Belo Horizonte 49
animais e no homem ou do próprio am- nas lesões desses animais. Alguns auto-
biente, a espécie era sempre reconheci- res acreditam que os gatos sejam os úni-
da por uma uniformidade de caracterís- cos que realmente apresentam potencial
ticas fenotípicas (Cruz, 2013). zoonótico relevante (Silva, 2016).
A partir de estudos baseados em Estudos comprovaram isolamento
sequenciamento de DNA, morfologia, do agente a partir de 100% das lesões
nutrição e fisiologia a espécie Sporothrix cutâneas, 66,2% das cavidades nasais,
schenckii passou a ser considerada um 41,8% das cavidades orais e 39,5%
complexo composto por seis espécies das unhas em gatos infectados com S.
schenkii (Schubach et al., 2002).
crípticas: S. schenckii, S. brasiliensis, S.
globosa, S. mexicana, S. luriae e S. albi- Atualmente são observadas altera-
cans (Marimon et al., 2007), ou seja, são ções nos padrões epidemiológicos dessa
espécies que não são diferenciadas ape- doença, seja pelo modo de transmis-
nas morfologicamente. são ou pela distribuição geográfica dos
casos. Possíveis explicações sobre essa
2.2. Epidemiologia mudança no perfil podem ser relaciona-
A esporotricose apresenta padrão das aos fatores ambientais, como o au-
de transmissão considerado clássico, mento da urbanização e o refinamento
por meio da inoculação traumática do dos diagnósticos (Barros et al., 2011).
fungo na pele e no tecido subcutâneo Diferenças relacionadas à distribuição
provocada por algum material contami- e virulência são associadas às diferen-
nado, geralmente relacionado a alguma ças de espécies do gênero Sporothrix,
atividade ligada ao cul- sendo S. brasiliensis con-
tivo do solo, conhecida O gato doméstico siderado a espécie mais
tradicionalmente como tem sido a principal virulenta do complexo
“doença do jardineiro”. espécie envolvida na e agente predominante
Esse contato com plan- transmissão zoonótica nos gatos, nas regiões
tas e com solo é uma da esporotricose. sul e sudeste do Brasil
forma comum de conta- (Rodrigues et al., 2014)
minação de humanos e No estado do Rio de
animais (Cruz, 2013; Carlos e Batista- Janeiro a doença assumiu proporções
Duharte, 2015). epidêmicas nos últimos anos (Barros
O gato doméstico tem sido a prin- et al., 2010), onde tem sido constatada
cipal espécie envolvida na transmissão grande ocorrência da enfermidade nos
zoonótica da esporotricose (Schubach gatos e aumento de casos de transmissão
et al., 2002; Silva, 2016), em razão de aos humanos por esses animais (Cruz,
uma elevada carga fúngica encontrada 2013; Fiocruz, 2015). Relatos de au-

50 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


mento do número de casos humanos as- nóstico diferencial na esporotricose, es-
sociados à doença animal também vêm pecialmente em gatos, cães e humanos
ocorrendo em outras áreas urbanizadas (Santos et al., 2007; Souza et al., 2009).
(Nobre et al., 2001; Xavier et al., 2004; Apesar dos gatos domésticos também
Silva et al., 2015; Conselho Regional de serem considerados reservatórios para
Medicina Veterinária do Paraná, 2016). Leishmania spp. (Maroli et al., 2007)
Ao contrário do que acredita-se que são sub-
ocorre em humanos, nos Tanto em cães quanto diagnosticados, devido à
gatos a esporotricose em gatos o quadro grande variedade e ines-
costuma apresentar cur- de lesões ulceradas, pecificidade de achados
so longo, acometimen- localizadas ou clínicos que podem ser
to de forma sistêmica e disseminadas, deve confundidos com outras
apresentação mais gra- ser diferenciado de doenças, tal como a es-
ve. Além disso, o tempo outras enfermidades porotricose (Souza et al.,
médio de tratamento de etiologia fúngica, 2005).
pode ser maior do que bacteriana e neoplásica O diagnóstico deve
no homem. Essas cir- (Larsson, 2011). ser sempre amparado
cunstâncias resultam no por exames, tais como:
abandono dos animais infectados ou citologia, cultura fúngica, histopato-
no sacrifício desses, com deposição das logia, provas sorológicas, testes intra-
carcaças em locais inadequados, favore- dérmicos, inoculação em animais e re-
cendo a manutenção do fungo no am- ação em cadeia da polimerase (PCR)
biente (Barros et al., 2010). (Larsson, 2011).
Considerando a predileção do agen-
2.3 – Diagnóstico te pelo sistema linfático, pode ser rea-
Tanto em cães quan- lizada a análise de um
to em gatos o quadro de No exame citológico linfonodo infartado re-
lesões ulceradas, locali- a observação tirado por meio de uma
zadas ou disseminadas, microscópica do fungo incisão cirúrgica. Na
deve ser diferenciado de no material coletado presença de ulcerações o
outras enfermidades de pode ser realizada em material pode ser coleta-
etiologia fúngica, bac- esfregaços submetidos do com o auxílio de um
teriana e neoplásica às colorações swab estéril (Fig. 3 e 4)
(Larsson, 2011). A convencionais, como - friccionando a super-
leishmaniose tegumen- Gram, Giemsa, fície da lesão que é rica
tar americana também panótico ou novo azul em células do fungo - e
é um importante diag- de metileno. utilizado para a cultura e
4. Esporotricose e implicações à saúde pública com vistas à ocorrência da doença no município de Belo Horizonte 51
isolamento do agente (Cruz,
2013). Essa técnica é consi-
derada padrão-ouro por di-
versos autores (Bazzi, 2016).
No exame citológico a
observação microscópica do
fungo no material coletado
pode ser realizada em esfre-
gaços submetidos às colora-
ções convencionais, como
Gram, Giemsa, panótico ou Figura 3 – Animal com lesão suspeita no focinho
novo azul de metileno (Cruz, Fonte: Maria Helena Franco Morais

2013). Utiliza-se uma lâmi-


na de vidro pressionada na
superfície da lesão (Fig. 5)
sem presença de crosta, sen-
do esse um exame rápido de
simples execução e de baixo
custo (Silva, 2016).
2.4. Terapêutica
Atualmente, a droga de
escolha para o tratamento da
Figura 4 – Coleta de material com swab.
esporotricose é o itraconazol, Fonte: Maria Helena Franco Morais
mesmo nas formas sistêmi-
cas, devido à sua menor to-
xicidade e alta eficácia, subs-
tituindo o iodeto de potássio
ou a anfotericina B. O iodeto
de potássio em solução sa-
turada é um medicamento
indicado e muito utilizado
para o tratamento da espo-
rotricose, tanto em humanos
quanto nos animais, porém
ele é normalmente utiliza- Figura 5 – Coleta de material com imprint de le-
são em lâmina.
do como opção nas popula- Fonte: Maria Helena Franco Morais

52 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


ções com menor acesso
Nos gatos o tratamento mento dos pacientes
a derivados triazólicos
com iodeto de potássio humanos é realizado
ou quando não se con- no serviço público de
tem sido evitado pelos
segue resultados satisfa- saúde com o forne-
médicos veterinários
tórios com eles, embora por causar um iodismo cimento gratuito do
o custo de ambos seja, secundário nessa espécie. medicamento, redu-
muitas vezes, inacessí- zindo a morbidade
Opta-se, portanto, pela
vel à população de baixa da doença. Contudo,
substituição com o
renda (Lacaz et al., 2002; não é só o homem que
itraconazol.
Barros et al., 2010). mantém a endemia
Nos gatos o trata- da esporotricose. A
mento com iodeto de potássio tem sido carência de um serviço público de
evitado pelos médicos veterinários por atendimento veterinário e o custo dos
causar um iodismo secundário nessa medicamentos que não são fornecidos
espécie. Opta-se, portanto, pela substi- gratuitamente para os animais é
tuição com o itraconazol (Cruz, 2013). um entrave no controle da situação
(Barros et al., 2010; Pereira et al.,
2.5. Controle 2014).
Alguns cuidados são importan- O controle da doença deve ser
tes para se evitar a disseminação da norteado pelas ações educativas que
esporotricose, tais como: a proteção ressaltem a importância da guarda
individual ao trabalhar e ao manipular responsável dos animais e incentivo
às medidas de controle
o solo e os vegetais; o
Alguns cuidados são reprodutivo dos gatos
isolamento dos animais
importantes para se (Pereira et al., 2014).
contaminados e em
tratamento; e a prote- evitar a disseminação 2.6. Implicações à
ção com luvas durante da esporotricose, tais saúde pública
a manipulação desses como: a proteção
animais. A incineração individual ao trabalhar 2.6.1 – Notificação
das carcaças dos ani- e ao manipular o Na maioria dos
mais infectados é uma solo e os vegetais; o países, assim como no
forma de se evitar a isolamento dos animais Brasil, a esporotricose
contaminação ambien- contaminados e não faz parte da lista
tal e um aumento da em tratamento; e a das doenças de notifi-
carga fúngica no solo proteção com luvas cação compulsória, o
(Cruz, 2013). durante a manipulação que dificulta o conhe-
O acompanha- desses animais. cimento sobre a real
4. Esporotricose e implicações à saúde pública com vistas à ocorrência da doença no município de Belo Horizonte 53
incidência, ficando restrito aos dados tivou a publicação da Portaria nº
gerados por publicações científicas 064/2016 de 29/07/2016, na cidade
(Barros et al., 2011). Embora não seja de Guarulhos, que determina a noti-
uma doença de notificação obrigató- ficação compulsória dos casos huma-
ria, é um agravo de importância à saú- nos suspeitos e confirmados e defi-
de pública (Barros et al., 2010). ne fluxo de informações (Secretaria
No Rio de Janeiro, mais de 4000 Municipal de Guarulhos, 2016).
casos humanos e 3000 casos felinos
foram diagnosticados na Fundação
2.6.2. Situação atual no
município de Belo Horizonte
Oswaldo Cruz entre os anos de 1998
a 2012 (Gremião et al., 2015). Devido Belo Horizonte, capital de Minas
ao status hiperendêmico relacionado Gerais, tem área de 331,0 Km² e po-
aos gatos domésticos, desde 1998 os pulação de 2.375.151 habitantes, com
casos humanos passaram a ser de no- densidade de 7.176,77 hab./Km², a
tificação obrigatória no Estado, por maior cidade da Região Metropolitana
meio da resolução SES nº 674 de 12 de MG (IBGE, 2010). Subdivide-se
de junho de 2013 (Silva, 2016). em nove áreas administrativas regio-
Em 2011, ocorreram rumores so- nais que coincidem com nove distritos
bre casos de esporotricose em gatos no sanitários: Barreiro, Centro-Sul, Leste,
Distrito Administrativo de Itaquera, Nordeste, Noroeste, Norte, Oeste,
pertencente ao muni- Pampulha e Venda
cípio de São Paulo, fato Embora não seja uma Nova (PBH, 2011). Em
até então inédito para o doença de notificação 2015, surgiram rumores
Centro de Controle de obrigatória, é um de casos suspeitos de
Zoonoses (CCZ-SP). agravo de importância animais com esporotri-
A partir de então se ini- à saúde pública. cose, que se tornaram
ciou a investigação, rea- visíveis e registrados
lizada principalmente por busca ativa de forma mais específica em 2016, no
(casa a casa), para confirmar a ocor- Distrito Sanitário Barreiro (DISAB). O
rência, verificar a extensão e propaga- DISAB tem uma população estimada
ção dessa zoonose e estabelecer estra- de 282.552 habitantes (IBGE, 2010),
tégias de atuação de forma a controlar que corresponde aproximadamente a
a transmissão entre animais e pessoas 12% da população total do município.
(Silva et al., 2015). Segundo informações da Gerência
Recentemente, o aumento do de Controle de Zoonoses do DISAB
número de casos em São Paulo e (GERCZO/B), no segundo semestre
em especial no Rio de Janeiro mo- de 2015, munícipes da área de abran-

54 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


gência do Centro de Saúde Milionários Seguindo as normativas de vigilância
informaram, por contato telefônico, em saúde do município, o DISAB pro-
sobre a ocorrência da “doença da ar- pôs o fluxo de atenção aos casos huma-
ranhadura do gato”. Em 2016, foi rea- nos, assim como as medidas para vigi-
lizado no DISAB o primeiro registro lância e acompanhamento dos novos
clínico de caso humano, com vínculo casos.
epidemiológico com gato doméstico Foi também estabelecida uma
que, segundo a descrição do paciente, nova parceria entre a Gerência de
apresentava lesões características da Controle de Zoonoses (GECOZ), o
esporotricose felina. Não foi possível Departamento de Medicina Veterinária
diagnóstico do animal que foi a óbito Preventiva (DMVP) e o Departamento
e teve seu corpo descartado em terreno de Clínica e Cirurgia Veterinárias
baldio. A ocorrência de novos casos, (DCCV) da EV/UFMG que visa tra-
humanos e felinos, mostrou-se cres- çar diretrizes para enfrentamento do
cente a partir desse momento. agravo no município, com proposta
O diagnóstico laboratorial de es- de inclusão de entidades de classe e da
porotricose em gatos domésticos da sociedade.
Regional Barreiro e na Regional Centro
Sul foi realizado em parceria com a 3. Considerações finais
Escola de Veterinária da A esporotricose é
Universidade Federal ...no segundo semestre uma doença de caráter
de Minas Gerais (EV/ de 2015, munícipes da endêmico no Brasil.
UFMG). Diagnóstico área de abrangência Até o momento, ne-
laboratorial de caso do Centro de gligenciada e sem ne-
humano na Regional Saúde Milionários cessidade de notifica-
Barreiro foi estabelecido informaram... sobre a ção. Especialmente, a
no Hospital Eduardo de ocorrência da “doença partir de 1998, surtos
Menezes, confirmando a da arranhadura do localizados em algu-
ocorrência do agravo no gato”. Em 2016, foi mas regiões do país
município. realizado no DISAB o chamaram a atenção
Como doença emer- primeiro registro clínico para alterações im-
gente, em Belo Horizonte, de caso humano, com portantes no padrão
não havia até esse mo- vínculo epidemiológico epidemiológico dessa
mento vigilância estabe- com gato doméstico enfermidade, que há
lecida para a esporotrico- que... apresentava algum tempo estava
se ou políticas públicas lesões características da mais relacionada às
para contenção dos casos. esporotricose felina. pessoas que lidam ou
4. Esporotricose e implicações à saúde pública com vistas à ocorrência da doença no município de Belo Horizonte 55
trabalham diretamente Com recentes registros de nidade, a importância
com o solo e a vegeta- novos casos humanos e de da guarda responsável,
ção, portanto, conside- animais, em Belo Horizonte, do controle populacio-
rado um risco ocupa- ações estratégicas foram nal de cães e gatos e da
cional. Hoje observa-se demandadas pelo serviço de educação sanitária para
um potencial zoonóti- controle de zoonoses... melhoria das condições
co relacionado, princi- de saúde humana, ani-
palmente, à interação mal e ambiental.
dos humanos com os gatos.
Para alguns autores as distintas 4. Referências
manifestações, hospedeiros e distri- bibliográficas
buição podem ser explicadas pelas al- 1. BARROS, M.B.L.; SCHUBACH, T.M.P.; COLL,
terações ambientais e comportamen- J.O. et al. Esporotricose: a evolução e os desafios
de uma epidemia. Rev Panam Salud Publica, v.27,
tais da população, além das diferenças p.455-60, 2010.
existentes entre as espécies do com- 2. BARROS, M.B.; PAES, R.A.; SCHUBACH,
plexo Sporothrix. A.O. Sporothrix schenckii and Sporotrichosis.
Com recentes registros de novos Clin Microbiol Rev, v.24, p.633-654, 2011.

casos humanos e de animais, em Belo 3. BAZZI, T.; MELO, S.M.P.; FIGHERA, R.A.;
KOMMERS, G.D. Características clínico-epi-
Horizonte, ações estratégicas foram demiológicas, histomorfológicas e histoquími-
demandadas pelo serviço de controle cas da esporotricose felina. Pesq Vet Bras, v. 36,
p.303-311, 2016.
de zoonoses, tais como: mapeamento
da situação global do município, in- 4. CARLOS, I.Z.; SASSÁ, M.F.; SGARBI, D.B.G. et
al. Current Research on the Immune Response
formações sobre histórico de registros to Experimental Sporotrichosis. Mycopathologia,
da doença e capacitação dos profis- v.168, p.1-10, 2009.
sionais envolvidos na vigilância desse 5. CARLOS, I.Z.; BATISTA-DUHARTE,
agravo. Essas intervenções realizadas A. Sporotrichosis: An Emergent Disease.
Sporotrichosis: New Developments and Future
em parceria com a EV/UFMG têm Prospects. Araraquara: Springer, 2015. p.1-9.
como objetivo estabelecer medidas
6. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA
específicas para a educação da popu- VETERINÁRIA DO PARANÁ – CRMV-PR.
lação, contenção e expansão do agravo Unidade de Vigilância de Zoonoses de Curitiba
alerta para casos de esporotricose. 2016.
para outras áreas do município, diag-
nóstico correto e tratamento eficaz 7. CORGOZINHO, K.B.; SOUZA, H.J.M.;
NEVES, A. et al. Um caso atípico de esporotri-
nos casos já identificados. cose felina. Acta Sci Vet., v.34, p.167-170, 2006.
O envolvimento da classe vete- 8. COSTA, E.O. et al. Epidemiological study of
rinária é fundamental para o enfren- sporotrichosis and histoplasmosis in
tamento dessa e de outras zoonoses, 9. captive Latin American wild mammals, São
com vistas a estabelecer, junto à comu- Paulo, Brazil. Mycopathologia, v.125: p.

56 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


10. 19-22, 1994. para a Formação de Profissionais em Laboratórios
de Saúde Volume 4: Micologia.   Rio de Janeiro:
11. CRUZ, L.C.H. Complexo Sporothrix schenckii. EPSJV, 2009. 496 p.
Revisão de parte da literatura e considerações
sobre o diagnóstico e a epidemiologia. Vet e 22. NOBRE, M.O.; CASTRO, A.P.; CAETANO, D.
Zootec, v.20, p.08-28, 2013. et al. Recurrence of sporotrichosis in cats with
zoonotic involvement. Rev Iberoam Micol, v.18,
12. FIOCRUZ. Esporotricose: pesquisadores escla- p.137-140, 2001.
recem sobre a doença que pode afetar animais
e humanos. 2015. Disponível em: <http:// 23. PEREIRA, S.A.; GREMIÃO, I.D.F.; KITADA,
portal.fiocruz.br/pt-br/content/esporotricose- A.A.B. et al. The epidemiological scenario of fe-
-pesquisadores-esclarecem-sobre-doenca-que- line sporotrichosis in Rio de Janeiro, State of Rio
-pode-afetar-animais-e-humanos>. Acesso em de Janeiro, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop, v.47,
01/09/2016. p.392-393, 2014.

13. GREMIÃO, I.D.F.; MENEZES, R.C.; 24. Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Histórias
SCHUBACH, T.M.P. et al. Feline sporotricho- de bairros de Belo Horizonte. Belo Horizonte:
sis: epidemiological and clinical aspects. Med Arquivo Público da Cidade, 2011. p.62.
Mycol, v.53, p.15-21, 2015. Disponível em: < http://www.pbh.gov.br/ his-
toria_bairros/NorteCompleto.pdf>. Acesso em:
14. HEKTOEN, L.; PERKINS, C.F. Refractory 09/09/2016.
subcutaneous abscesses caused by Sporothrix
schenckii. A new pathogenic fungus. The Journal 25. RODRIGUES, A.M.; HOOG, G.S.; ZHANG,
of Experimental Medicine, v.55, p.77-89, 1900. Y.; CAMARGO, Z.P. Emerging sporotrichosis
is driven by clonal and recombinant Sporothrix
15. HIRSH, D.C.; BIBERSTEIN, E.L. Agents species. Emerg Microbes Infect. v.3, p.1-10, 2014.
of Subcutaneos Mycoses. In: HIRSH, D.H.;
MACLACHLAN, N.J.; WALKER, R.L. 26. SANTOS, I.B.; SCHUBACH, T.M.P.; LEME,
Veterinary Microbiology. 2aed. Iowa: Blackwell L.R.P. et al. Sporotrichosis - The main differen-
Publishing, 2004. cap. 47, p.279-284. tial diagnosis with tegumentary leishmaniosis
in dogs from Rio de Janeiro, Brazil. Vet Parasitol,
16. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e v.143, p.1-6, 2007.
Estatística. Censo Demográfico, 2010. Disponível
em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/per- 27. SCHENCK, B. On refractory subcutaneous
fil.php?lang=&codmun=310620&search= abscesses caused by a fungus possibly related
minas-gerais|belo-horizonte>. Acesso em: to the Sporotricha. Bulletin of the Johns Hopkins
15/09/2016. Hospital, v. 240, p. 286-290, 1898.

17. LACAZ, C. S.; PORTO, E.; MARTINS, J.E.C. et 28. SCHUBACH, T.M.; SCHUBACH , A.O.; REIS,
al. Tratado de Micologia Médica. 9a ed. São Paulo: R.S. et al. Sporothrix schenckii isolated from do-
Sarvier, 2002. cap.20, p.479-491. mestic cats with and without sporotrichosis in
Rio de Janeiro, Brazil. Mycopathologia, v.153,
18. LARSSON, C. E. Esporotricose. Braz J Vet Res p.83-86, 2002.
Anim Sci, São Paulo, v.48, n.3, p.250-259, 2011.
29. SCHUBACH, T.M.; SCHUBACH, A.O.;
19. MARIMON, R.; CANO, J.; GENÉ, J. et al. OKAMOTO, T. et al. Canine sporotrichosis in
Sporothrix brasiliensis, S. globosa, and S. mexi- Rio de Janeiro, Brazil: clinical presentation, la-
cana, Three New Sporothrix Species of Clinical boratory diagnosis and therapeutic response in
Interest . J Clin Microbiol. 2007. v.45, p.198-206. 44 cases (1998-2003). Med Mycol, v.44, p.87-92,
2006.
20. MAROLI, M.; PENNISI, M.G.; DI MUCCIO,
T. et al. Infection of sandflies by a cat naturally 30. SECRETARIA MUNICIPAL DE
infected with Leishmania infantum. Vet Parasitol, GUARULHOS. Determina que seja de notifica-
v.145, p.357-360, 2007. ção compulsória, de importância municipal, os
casos suspeitos e confirmados de esporotrico-
21. MOLINARO, E.M.; CAPUTO, L.F.G.; se humana. Portaria n. 064/2016-SS de 29 jul.
AMENDOEIRA, M.R.R. Conceitos e Métodos 2016. Diário Oficial, Guarulhos, 29 jul. 2016,

4. Esporotricose e implicações à saúde pública com vistas à ocorrência da doença no município de Belo Horizonte 57
p. 27. Disponível em: <http://www.guarulhos.
sp.gov.br/uploads/pdf/1506189977.pdf>.
Acesso em: 05/09/2016.

31. SILVA, D. T. et al. Esporotricose conjuntival feli-


na. Acta Sci Vet, v.36, n.2, p.181-184, 2008.

32. SILVA, E.A.; BERNARDI, F.; MENDES,


M.C.N.C. et al. Surto de esporotricose em gatos
– investigação e ações de controle, município de
São Paulo/SP. Bepa, v.12, p.1-16, 2015.

33. SILVA, J.N. Avaliação da sensibilidade de métodos


diagnósticos e da carga fúngica durante o tratamento
com itraconazol na esporotricose felina. 2016. 109
f. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária) –
Faculdade de Veterinária, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

34. SOUZA, A.I.; BARROS, E.M.S.; ISHIKAWA,


E. et al. Feline leishmaniasis due to Leishmania
(Leishmania) amazonensis in Mato Grosso do
Sul State, Brazil. Vet Parasitol. v.128, p.41-45,
2005.

35. SOUZA, A.I.; NUNES, V.L.B.; BORRALHO,


V.M. et al. Domestic feline cutaneous leishma-
niasis in the municipality of Ribas do Pardo,
Mato Grosso do Sul State, Brazil: A case report.
J Venom Anim Toxins Trop Dis. v.15, p. 359-365,
2009.

36. XAVIER, M.O.; NOBRE, M.O.; JUNIOR,


D.P.S. et al. Esporotricose felina com envolvi-
mento humano na cidade de Pelotas, RS, Brasil.
Cienc Rural, v.34, p.1961-1963, 2004.

58 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


5. Hepatopatias
em felinos

bigstockphoto.com

Manuela Bamberg Andrade1, CRMV-MG 15.196.


Raphael Mattoso Victor2

1
Médica Veterinária
2
Acadêmico em Medicina Veterinária

Introdução sias, desvio portossistêmico, hepatopa-


tia tóxica aguda, dentre outras. Os sinais
O fígado é um órgão envolvido em clínicos são, na maioria das vezes, ines-
ampla variedade de processos metabóli- pecíficos. Podem apresentar anorexia,
cos e de detoxificação que pode ser aco- letargia e perda de peso, sinais estes co-
metido de forma local ou sistêmica por muns a quase todas as doenças dos fe-
doenças e disfunções. Os gatos apresen- linos. Isso muitas vezes só permite um
tam um conjunto de doenças hepáticas diagnóstico tardio. Dessa forma, é ne-
que incluem lipidose hepática, comple- cessário um estudo mais aprofundado
xo colangite-colangiohepatite, neopla- dos parâmetros clínicos, laboratoriais e
5. Hepatopatias em felinos 59
histopatológicos para um diagnóstico fosfatase alcalina (FA) induzida por es-
preciso. O diagnóstico definitivo só é teroides e a junção anatômica do ducto
possível apenas através de biópsia hepá- biliar comum com o ducto pancreático
tica, todavia esse procedimento além de antes da sua abertura na papila duode-
ser uma técnica invasiva, exige um cor- nal (Stonehewer, 2006).
po técnico bem capacitado.
Colângio-hepatites
Funções do fígado e De acordo com Grace (2011) as
as particularidades do hepatopatias inflamatórias são a segun-
sistema hiato-biliar dos da afecção hepática mais comum dos
felinos felinos, ficando atrás apenas da lipido-
O sistema hiato-biliar compreende se hepática. As colangio-hepatites se
o fígado, a vesícula biliar e os ductos bi- referem a desordem inflamatória que
liares. Juntos eles são responsáveis por acomete os ductos biliares e o parênqui-
produzir, armazenar e secretar a bile ma hepático e podem ser classificadas
(Schmeltzer; Norsworthy, 2012). O fí- principalmente em aguda e crônica. A
gado possui funções metabólicas vitais, classificação dos diferentes tipos é ainda
compreendendo o metabolismo de pro- complexa, pois não se sabe se são ma-
teínas, carboidratos, lipídios, vitaminas nifestações distintas da mesma doença
e minerais. É o único responsável pela ou se possuem relação evolutiva entre
síntese de albumina, participando tam- si (Couto, 2006). Acredita-se que feli-
bém na síntese de algumas globulinas. nos costumam ser acometidos por essas
Além disso, é importante na detoxifi- afecções devido a particularidade anatô-
cação do conteúdo do sangue portal e mica que possuem, o duto pancreático
produz a maioria dos fatores de coagu- se une ao duto biliar comum antes de
lação (Atonehewer, 2006). O fluxo san- se abrir para o duodeno. Sendo assim,
guíneo total para o fígado responde por existe maior possibilidade de ascensão
certa de 20 a 25% do débito cardíaco e bacteriana do intestino além do duto
desta porcentagem 70 a 80% provém biliar estar mais suscetível a alterações
da veia porta. Os felinos apresentam decorrentes de inflamações pancreáti-
algumas características que são únicas cas. O prognóstico é variável, e a terapia
desta espécie: grande uso de proteínas deve ser monitorada por meio de exa-
na gliconeogênese hepática; menor ca- mes bioquímicos e hematológicos. A
pacidade de metabolismo de drogas e permanência de enzimas como FA ou
toxinas devido á baixa concentração da alanina aminotransferase (ALT) em va-
enzima glicuronil-transferase; incapaci- lores elevados ou aumento progressivo,
dade de síntese de arginina; ausência da são sugestivos de terapia inadequada ou
60 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
ineficaz (Armstrong, 2005). 2005). A duração da doença é de duas
A colângio-hepatite aguda tem semanas ou mais, podendo progredir
como etiologia provável infecção bac- para cirrose, apresentando sinais clíni-
teriana ascendente do trato biliar, intes- cos inespecíficos, como letargia, vômi-
tino ou por via hematógena. O felino to, dor abdominal, anorexia, perda de
que apresenta alguma alteração no sis- peso, ascite, sendo rara a ocorrência de
tema biliar, intestino ou pâncreas pode febre (Stonehewer, 2006). No exame
ser mais predisposto a desenvolver essa histopatológico, verifica-se infiltrado
doença (Stonehewer, 2006; Grace, celular misto de neutrófilos, linfócitos
2011). Gatos de qualquer idade podem e plasmócitos no espaço portal ao redor
apresentar a doença, porém os jovens do ducto biliar. Pode haver hiperplasia
são os mais acometidos. Os sinais clíni- do ducto biliar e fibrose portal (Nelson
cos tendem a aparecer de forma aguda e Couto, 2006). A presença de eosinófi-
cursando com alterações inespecíficas los é sugestiva de infestação por trema-
de doença hepática tais como, anorexia, tódeos e não é encontrada em outros
perda de peso, vômito, diarreia e icterí- casos de doença hepática inflamatória
cia (deve ser avaliado principalmente o (Weiss et al., 2001)
palato, onde é mais frequente a visuali-
zação da icterícia) (Stonehewer, 2006; Alterações Laboratoriais
Jhonson, 2004). Dor abdominal e febre Segundo Stonehewer (2006), no-
são os sinais mais observados na forma venta por cento dos animais acometi-
aguda da doença. No exame histológico, dos com colangio-hepatite aguda apre-
se observam ductos biliares intra-hepá- sentam leucocitose com neutrofilia e
ticos dilatados com presença de exsuda- desvio nuclear a esquerda. As enzimas
to de neutrófilos degenerados e invasão hepáticas apresentam valores variados,
de neutrófilos nas paredes dos ductos sendo comum um aumento moderado
biliares e hepatócitos periportais adja- da ALT e da AST, atividade sérica nor-
centes (Nelson e Couto, 2006). mal ou pouco aumentada da FA e um
A colângio-hepatite crônica pode aumento modesto da atividade da GGT.
ser decorrente da cronificação da for- A maioria dos pacientes apresenta bilir-
ma aguda ou imunomediada, podendo rubinemia (Center, 2009; Grace, 2011).
ser induzida por ascensão bacteriana Na colangio-hepatite crônica não é co-
ou outros agentes como toxoplasmo- mum aparecer desvio a esquerda, como
se, trematódeos hepáticos, vírus da ocorre na forma aguda. No entanto, de-
leucemia felina ou coronavírus felino vido à disfunção hepática, componen-
(Stonehewer, 2006). Os gatos de meia tes da membrana das hemácias ficam
idade são os mais acometidos (Ritcher, alterados (colesterol e fosfolípides) ge-
5. Hepatopatias em felinos 61
rando como consequência a formação manejo adequado da dieta é fundamen-
de poiquilócitos (Center, 2006; Zoran, tal para se evitar lipidose secundária a
2012).. As enzimas ALT e AST cos- colangio-hepatite, o que agravaria mui-
tumam aumentar de forma moderada to mais o quadro. O ideal seria usar uma
a intensa, já a atividade da FA e GGT sonda esofágica para fazer a alimentação
apresenta valores variados, assim como de forma progressiva, sem sobrecarre-
a concentração de bilirrubina. gar o sistema digestivo e sem deixar o
animal nauseado. A suplementação de
Alterações taurina é essencial, pois ela é indispen-
ultrassonográficas sável na conjugação de sais biliares, que
Observa-se o parênquima hepático são secretados somente conjugados,
normalmente sem alterações, mas pode pois caso contrário, ficam acumulados
apresentar hiperecogênico de forma di- no fígado causando mais injúria. Além
fusa. Em alguns casos notam-se defeitos da taurina, suplementar a arginina, que
na conformação dos ductos biliares, é o aminoácido responsável pelo ciclo
distensão, presença de cálculos ou hi- da ureia. Para o controle de vômitos e
poecogenicidade e espessamento de pa- náusea pode ser usado o cloridrato de
rede denotando inflamação da vesícula ondansetrona na dose de 0,5 a 1,0 mg/
(Nelson e Couto, 2006). kg de BID ou TID. A antibióticoterapia
se mostra fundamental, tanto na colan-
Tratamento gio-hepatite aguda, quanto na colan-
gio-hepatite crônica. Podem ser usado
O restabelecimento da hidrata-
a amoxicilina na dose de 10 a 20 mg/
ção com reposição de eletrólitos é um
kg, BID, associado ao metronidazol na
dos grandes pilares do tratamento das
dose de 7,5 mg/kg também duas vezes
colangio-hepatites, visto que os ani-
ao dia. O tempo do tratamento pode va-
mais podem apresentar vômito, além
riar de quatro a 12 semanas. Se houver
de estarem anoréticos. O potássio e o
a suspeita de platinosomose, deve-se
bicarbonato podem estar
administrar praziquan-
baixos, necessitando
então de serem O manejo adequado tel por três dias. A dose
repostos. Normalmente, da dieta é fundamental pode variar de 30 a 50
quando a hidratação é para se evitar mg/kg, uma vez ao dia
restabelecida, o bicarbo- lipidose secundária a (Royal Canin, 2001).
nato volta a níveis nor- colângiohepatite. Deve-se empregar a pre-
mais, porém o potássio dnisolona em dose imu-
deve ser reposto de acordo com a ne- nossupressora nos casos
cessidade mostrada em gasometria. O de colangio-hepatite não responsivos à
62 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
terapia antibacteriana, com redução da a danos oxidativos com grande facilida-
dose progressivamente. autor? de. O mais eficaz antioxidante no caso
O ácido ursodesoxicólico (15 mg/ de doenças necroinflamatórias, coles-
kg VO por dia) deve ser integrado à te- tase, hepatopatias vacuolares e lipidose
rapia, pois age como anti-inflamatório hepática são a SAMe. A dose recomen-
e imunomodulador nas vias biliares, dada de SAMe é de 20mg/kg SID, de 30
impedindo maiores danos com reações a 60 dias.
imunomediadas e reduzindo a inflama-
ção (Royal Canin, 2001). Na doença Lipidose Hepática
crônica é indicados testes de coagula- Idiopática
ção e se necessário suplementar vitami- A Lipidose Hepática Felina (LHF),
na K1, em dose de 0,5 a 1,5 mg/kg SC também chamada de lipidose hepá-
ou IM repetindo após 7 a 21 dias. Para tica idiopática, é a doença do fígado
retardar o progresso da colangio-hepa- mais comum nos felinos domésticos
tite crônica, empregam-se antioxidantes na América do Norte, Reino Unido,
que protegem o fígado. Japão e países ocidentais
Um dos mais potentes O jejum pode afetar o da Europa (Rothuzien,
antioxidantes hepáticos metabolismo de ácidos 2001; Center, 2005;
é a glutamina, sua pro- graxos hepáticos Nelson e Couto, 2009).
dução é decorrente de em três maneiras: O elevado catabolismo
uma cascata que tem aumentando o aporte de proteínas da dieta é
como precursor a metio- de ácidos graxos para uma característica da es-
nina. No fígado normal, o fígado; reduzindo pécie felina e, um jejum
a metionina é convertida o consumo de prolongado pode levar à
em S-adenosilmetionina aminoácidos essenciais; deficiência de proteínas
(SAMe) e depois em cis- e, através da deficiência transporte, necessárias
teína que irá dar origem de carnitina. para a secreção hepato-
a glutationa, à taurina celular de triglicerídeos
(em gatos a enzima con- (Center, 2005; Nelson
versora tem baixa atividade) e sulfatos. e Couto, 2009). A LHF pode culminar
Quando o fígado não apresenta seu em falência hepática devido a combi-
funcionamento normal, a conversão da nação de fatores como o acúmulo de
metionina em S-adenosilmetionina não lipídios, a resistência à insulina, e a de-
ocorre e não há produção de glutationa. ficiência de aminoácidos (especialmen-
Com a agressão hepática, a glutationa te de arginina, taurina e metionina). A
previamente existente é rapidamente exigência diária de proteína para gatos
depletada e o fígado torna-se suscetível adultos é cerca de duas a três vezes su-

5. Hepatopatias em felinos 63
periores àquela para espécies onívo- sária para a síntese de metionina a partir
ras. A rápida e essencial utilização de da homocisteína, uma reação essencial
aminoácidos como taurina, arginina, quando a ingestão de metionina é bai-
metionina e cisterna, juntamente com xa em decorrência da hiporexia, como
a baixa capacidade de conservá-los, re- ocorre na LHF. Assim, a deficiência de
sulta em elevada demanda diária para cobalamina possivelmente aumenta as
esses aminoácidos. Essa particularida- alterações metabólicas que promovem
de explica o porquê a rápida instalação o aparecimento da lipidose. Um aporte
da doença em gatos submetidos à limitado de metionina tem impacto di-
hiporexia/anorexia (Center, 2005; reto sobre a disponibilidade de SAMe
Nelson e Couto, 2009). A arginina é e, assim, secundariamente limita o fun-
um aminoácido essencial para o corre- cionamento das reações de transmeti-
to funcionamento do ciclo da ureia e a lação e transulfuração. Essas vias são de
carência provocada pela baixa ingestão extrema importância no felino uma vez
desse aminoácido na dieta, comprome- que há elevada utilização de proteínas e
te a detoxificação da amônia, levando a elevado fluxo de aminoácidos ao longo
hiperamonemia. A taurina por sua vez, das vias de degradação (Center, 2005).
é essencial na conjugação do ácido bi- A carnitina, composto sintetizado
liar e sua ingestão favorece a excreção a partir da lisina e do SAMe, é essencial
desses acido. A metionina é essencial para o transporte de ácidos graxos de ca-
para reações catabólicas que dão origem deia longa para o interior das mitocôn-
a S-Adenosilmetionina (SAMe), que drias para que estes sejam submetidos à
juntamente com a cisteína, funcionam β-oxidação. Além disso, a sua molécula
como principais doadores de radicais age também como transportadora de
tiol para a glutationa hepatocelular (um ácidos graxos esterificados da mitocôn-
protetor hepático contra a oxidação) e dria para o citoplasma dos hepatócitos
para a sínteses de sulfato. A glutationa e deste, para o plasma sanguíneo. A
e os sulfatos desempenham um papel síntese de carnitina acontece tanto no
importante nas funções de conjugação e fígado quanto nos rins, e para que ela
de desintoxicação no fígado em outras ocorra, substratos como as vitaminas
partes do corpo. Gatos aparentemente do complexo B, lisina, ferro e SAMe são
exigem maiores quantidades de vitami- fundamentais. Em um paciente anoré-
nas do complexo B em comparação com xico há deficiência de todos esses com-
outras espécies e estão predispostos à ponentes (Center, 2005). Dessa forma,
exaustão durante a prolongada inape- o jejum pode afetar o metabolismo de
tência, má digestão ou má assimilação. ácidos graxos hepáticos em três ma-
A cobalamina (vitamina B12) é neces- neiras: aumentando o aporte de ácidos
64 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
graxos para o fígado através da indução Diagnóstico
da lipólise periférica; reduzindo o con-
Devido à inespecificidade dos si-
sumo de aminoácidos essenciais, o que
nais clínicos, o diagnóstico definitivo
contribui para o acumulo de lipídios nos
da LHF deve ser feito através de bióp-
hepatócitos; e, através da deficiência de
sia hepática ou por citologia de aspi-
carnitina, essencial para o catabolismo
rado hepático, feito com agulha fina e
de ácidos graxos no fígado (Rothuzien,
guiado por ultrassonografia (Center,
2001). 2005; Nelson e Couto, 2009), onde se
observa a vacuolização hepatocelular.
Predisposição e Sinais Entretanto, tais procedimentos só de-
Clínicos vem ser realizados após a estabilização
Embora gatos machos e fêmeas, do paciente.
de qualquer idade ou raça possam ser As alterações clínico-patológicas
acometidos igualmente pela lipido- comuns refletem a colestase imposta
se hepática, grande parte dos animais pelo acúmulo de triglicérideos, que dis-
acometidos tem idade superior a dois tendem os hepatócitos e causam a com-
anos, apresentam escore de condição pressão dos canalículos, restringindo o
corporal acima do ideal, sendo em geral, fluxo da bile (Center, 2005; Nelson e
Couto, 2009). Anormalidades hemato-
obesos. Quando a LHF cursa concomi-
lógicas observadas incluem poiquilo-
tantemente a pancreatite, os animais são
citose e a predisposição à formação de
geralmente magros (Nelson e Couto,
Corpúsculos de Heinz. A anemia pode
2009). Outro fator predisponente, é o
estar presente em uma avaliação inicial
emagrecimento rápido de gatos obesos.
mas desenvolve-se mais comumen-
Como a inapetência é um sinal comum
te durante o tratamento. Isso pode ser
a diversas outras enfermidades felinas, a devido à realização seriada de coletas
observação de sinais clínicos da doença para acompanhamento do perfil hema-
primária podem também estarem pre- tológico, por hemólises associada aos
sentes, sendo o evento desencadeante corpúsculos de Heinz ou à hipofosfate-
da inapetência nem sempre algo fácil de mia grave, ou até mesmo, pela perda de
ser elucidado. Os gatos com LHF pos- sangue quando na colocação do tubo de
suem histórico de inapetência superior alimentação.
a dois dias, rápida perda de peso, e sinais Na avaliação bioquímica, observa-
gastrointestinais como vômitos, diarreia -se aumento moderado da atividade das
e/ou constipação. A icterícia é observa- enzimas (ALT) e aspartato aminotrans-
da em 70% dos pacientes como mani- ferase (AST), e um aumento acentuado
festação inicial da LHF (Center, 2005). da FA. Porém, este aumento na ativida-
5. Hepatopatias em felinos 65
de da FA é também observado em casos doença primária (Center, 2005; Zoran,
de obstrução do ducto biliar extra-hepá- 2012). A quantidade de alimento a ser
tico. A atividade da GGT está normal ou oferecida deve ser adequada para prover
discretamente aumentada. Alguns gatos ao paciente energia e proteína suficien-
podem apresentar também, aumento tes para cessar o catabolismo. A dieta
moderado da creatina quinase (CK) rica em proteína além de reduzir o cata-
devido a injuria tecidual causada pelo bolismo muscular, reduz o acúmulo de
catabolismo, pelo decúbito, ou pela rab- lipídios no fígado. Carboidratos não de-
domiólise oriunda do desequilíbrio ele- vem ser utilizados para aumentar o in-
trolítico (Center, 2005). Anormalidades cremento calórico da dieta, pois podem
da coagulação sanguínea são observa- promover desordens intestinais, como
das mais frequentemente em gatos com diarreia e cólicas, e causarem hiperglice-
LHF e pancreatite aguda concomitante mia (Zoran, 2012). Embora o requeri-
(Nelson e Couto, 2009.) A lipidúria é mento exato de energia para gatos não
verificada quando na obtenção de um ser bem determinado, a utilização de
sobrenadante lipídico na avaliação de energia metabolizável em uma taxa de
sedimentação urinária (Center, 2005). 60 a 80 kcal/kg do peso corporal ideal
À palpação, observa-se que o supre a demanda diária satisfatoriamen-
fígado está aumentado de tamanho, te (Center, 2005).
com contornos abaulados e sem a A alimentação pode ser feita direta-
manifestação de dor pelo animal. A mente via oral, de forma “forçada” com
hepatomegalia pode ser confirmada por o auxilio de uma seringa. Todavia, mui-
meio de radiografia abdominal e, na ul- tos animais não aceitam a dieta de forma
trassonografia, observa-se aumento ge- satisfatória e isso pode levar a aversão
neralizado da ecogenicidade hepática ao alimento ou às determinadas mar-
devido ao acúmulo de lipídios. Apesar cas, além de ser altamente estressante.
de sugestivos, esses achados não são A aversão por sua vez retarda o retorno
confirmatórios de LHF. (Center, 2005). à alimentação voluntária. Como alter-
nativas para alimentação mais eficien-
Terapêutica te utilizam-se tubos nasogástricos ou
O primeiro passo deve ser a corre- esofágicos.
ção de qualquer anormalidade hidroele- O tubo nasogástrico é uma boa al-
trolítica existente em decorrência do ternativa para alimentação nos primei-
jejum prolongado. Entretanto, o aspec- ros dias de hospitalização, já que o risco
to mais importante do tratamento é um de sangramento nesse período é maior.
suporte nutricional completo aliando, Por serem tubos de lúmen pequeno
quando necessário, o tratamento da (5-8 French), é necessário que a dieta
66 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
seja exclusivamente líquida. Esta via não gem. A aplicação diária de antibióticos
deve ser utilizada por longo período tópicos é aconselhada. A alimentação
de tempo, pois o desconforto causado pode ser iniciada assim que o animal
pela irritação da faringe e/ou laringe apresentar despertar completo da anes-
pode levar ao vômito com consequen- tesia. A retirada do tubo deve ocorrer
te deslocamento do tubo. O uso do co- apenas após o animal retornar a se ali-
lar Elisabetano é obrigatório (Center, mentar voluntariamente por pelo me-
2005). nos uma semana (Zoran, 2012).
O uso de tubos esofágicos é me- A quantidade de alimento diária
lhor opção com relação à característica deve ser calculada e dividida em quatro
do alimento forneci- ou mais porções meno-
do e à sua implantação A colocação de um res a serem fornecidas
(Center, 2005; Zoran, tubo esofágico requer ao longo do dia. A ca-
2012). Devido ser de sedação, ou mesmo pacidade estomacal do
maior diâmetro, entre anestesia. Para felino é um fator limi-
10 e 18 French, torna- isso, é importante tante no inicio da reali-
-se viável a alimentação que o animal não mentação após o jejum
com patês e/ou sachês apresente nenhuma prolongado sendo acon-
batidos. A colocação de descompensação selhável um volume de
um tubo esofágico re- hidroeletrolítica, 10 a 15 ml a cada 2 ou
quer sedação, ou mes- hemodinâmica ou de 3 horas. Deve-se forne-
mo anestesia. Para isso, coagulação. cer apenas 25% da exi-
é importante que o ani- gência energética de re-
mal não apresente nenhuma descom- pouso no primeiro dia, ampliando para
pensação hidroeletrolítica, hemodinâ- 50% no segundo dia, e assim por diante
mica ou de coagulação. (Zoran, 2012).
Após a colocação do tubo, é obri- O uso de estimulantes de apetite
gatória radiografia torácica para a ve- é desencorajado já que alguns, como
rificação do posicionamento apropria- benzodiazepínicos, são metabolizados
do. Episódios de vômito podem ser pelo fígado. Além disso, nos felinos há
observados quando o tubo estiver mal o risco da ocorrência de falência hepá-
colocado. O tubo não deve adentrar no tica fulminante com o uso de diazepam
estômago a fim de se evitar esofagite de (Center, 2005; Center, 2006; Zoran,
refluxo. A ancoragem do tubo na região 2012).
cervical deve ser feita com auxilio de Em casos de náusea mesmo com
suturas e o ostoma deve ser mantido a alimentação auxiliada por sondas, o
sempre limpo e protegido por banda- uso de antieméticos é benéfico.
5. Hepatopatias em felinos 67
Uma vez que o fígado é importan- gumas toxinas que agem sobre o cére-
te para estoque e ativação de vitaminas bro levando a manifestação dos sinais
hidrossolúveis, em pacientes com lipi- neurológicos. Os sinais variam desde
dose hepática a suplementação deve inespecíficos, como depressão, ano-
ser feita com o dobro das necessidades rexia e letargia até sinais mais agressi-
diárias requeridas, principalmente de vos como convulsões, ataxia, histeria,
tiamina (B1), de cobalamina (B12) e vi- agressividade, cegueira cortical, entre
tamina K. outros. A hiperamonemia é uma das
Devido à falta de substratos e causas mais comuns e as terapias mais
a baixa síntese de carnitina pelo fí- usuais estão relacionadas à redução
gado doente, a suplementação com desse composto. A administração de
L-carnitina é recomendada para todos lactulose via oral leva a uma redução
os gatos com lipidose hepática. do pH do cólon favorecendo a con-
Finalmente, o uso de hepatoprote- versão da amônia em amônio (NH4) ,
tores e antioxidantes, como SAMe ou molécula não absorvível pela corrente
Silimarina, auxiliam no aumento da sanguínea. O uso da lactulose é asso-
glutationa hepática. Entretanto, a cáp- ciado ao do Metronidazol ou ampici-
sula de SAMe tem liberação entérica, lina, que reduzem a carga bacteriana
por isso, quando administrado via son- sintetizadora de amônia. A alimen-
da, deve-se aumentar a dose em pelo tação de um paciente com EH deve
menos 50% devido às perdas (Zoran, ser com teores de proteína reduzi-
2012). dos. (Nelson e Couto, 2009; Webster,
Quando recebem os cuidados ime- 2010; Zoran, 2012).
diatos e de maneira intensiva, gatos Considerações Finais
com lipidose hepática apresentam óti- Considerando as peculiaridades
mas chances de recuperação completa. dos felinos quanto ao desenvolvimen-
Deve-se evitar também, o uso de fárma- to e manifestações de doenças hepato-
cos com metabolização hepática. biliares, o clínico veterinário precisa
sempre ter em mente a importância
Encefalopatia Hepática das doenças hepáticas no paciente
A encefalopatia hepática (EH) é felino para diagnóstico. O histórico e
uma condição neurológica, reversí- sinais clínicos são semelhantes e sua
vel, associada com a incapacidade do distinção por métodos diagnóstico
fígado em detoxificar neurotoxinas por muitas vezes é difícil, requeren-
inibitórias advindas do trato gastroin- do para isso procedimentos invasivos.
testinal. Amônia (NH3), mercaptanos O sucesso do tratamento está direta-
e ácidos graxos de cadeia curta são al- mente relacionado com a precocidade
68 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
de diagnóstico e a escolha acertada da 7. Nelson, R. W.; Couto, C. G. Doenças
Hepatobiliares no Gato. Medicina Interna de
terapia. Gatos não devem ser tratados Pequenos Animais. 4ª ed. p.520-541, 2009.
como “cães pequenos”, e por isso, o 8. Richter, K.P. Doenças do Fígado e do Sistema
conhecimento adequado das caracte- Biliar. In: Tams, T.R. Gastroenterologia de
Pequenos Animais. 2 Ed. São Paulo: Roca. Cap.9,
rísticas dos felinos pelo profissional p. 512-514, 2005.
veterinário permite a garantia do res- 9. Rothuzien. J.; Hepatopatias e Doenças do Trato
peito ao individuo e a promoção do Biliar. In: Dunn, J. K. (Ed); Tratado de Medicina
seu bem-estar quando em ambiente de Pequenos Animais. ROCA p.443-487. 2001.

hospitalar. 10. Schmeltzer, LE.; Norsworthy, G.D. Diseases of


the Digestive System. (Ed.) Nursing the feline pa-
tiente. 1ª ed., p. 172-177, 2012.
Bibliografia 11. Stonehewer, J. Fígado e Pâncreas. In: Chan dler,
1. Armstrong, P.J. Inflammatory Liver Disease in E.A; Gaskell, C.J.; Gaskell, R.M. (Ed.) Clínica e
Cats. Disponível em: http://wvc.omnibookson- Terapêutica de Felinos. 3. Ed São Paulo: Roca.
line.com/data/papers/2005_V162.pdf. Acesso Cap. 17, p. 358-372, 2006
em 10 de jul. 2016. 12. The Royal Canin Dog Encyclopedia. Aniwa
2. Center, A. S.; Feline Hepatic Lipidosis. Veterinary Publishing, 640p, 2001
Clinic Small Animal Practice, 35, p.225–269, 13. Webster, C. R.L.; History, Clinical Signs, and
2005. Physical Findings in Hepatobiliary Diseases.
3. Center, A.S., Current Considerations for In: Ettinger, S. J.; Feldman, E. C. Textbook of
Evaluating Liver Function. In: August, J.R., Veterinary Internal Medicine. 7ªEd. v.2, p.1612-
Consultations in Feline Internal Medicine. 5ed. 1625. Saunders Elsevier. 2010.
Missouri. SAUNDERS ELSEVIER. Cap 11. p.89- 14. Weiss, D.J.; Gagne, J.; Armstrong, P. J.
108, 2006. Inflammatory Liver Disease In Cats.
4. Grace, S.F. Hepatitis, Inflammatory. In: Compendium. Yardley, v.23, n.4, p. 364-372, 2001
Norsworthy, G.D. (Ed.) The Felin Patient. 4ª ed. 15. Zoran, D. L. Diseases Of the Liver. In: Little, S.;
[S.I.]: Blackwell Publishing. Cap. 117, p. 227-279, The Cat: Clinical Medicine and Management.
2001 Missouri. SAUNDERS ELSEVIER. p.522-537,
5. Johnson, S.E. Tratado de Medicina Interna 2012.
Veterinária. 5 ed. São Paulo: Manole, p. 2256,
2004.
6. Nelson, R.W.; Couto, C.G. Manifestações Clínicas
da Doença hepatobiliar. Medicina Interna de
Pequenos Animais. 3. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier.
Cap 35, p. 455-465, 2006.

5. Hepatopatias em felinos 69
6. Manejo
do Paciente
Felino
bigstockphoto.com

Nathália von Ruckert Heleno CRMV MG 4331


Tulio Alves Avelar CRMV MG 14.694

Introdução porção que a de cães, e deve predomi-


nar sobre esta em aproximadamente
Um levantamento feito pelo IBGE de dez anos (Abinpet, 2015).
(2013) mostrou que o Brasil tem a se- O crescimento do número de ga-
gunda maior popula- tos pode ser explica-
ção de pets do mun- A população de gatos cresce do principalmente
do, com 22,1 milhões cerca de 8% ao ano, em pela diminuição e
de felinos e 52,2 mi- maior proporção que a de verticalização das
lhões de cachorros. cães, e deve predominar sobre moradias, redução
A população de gatos esta em aproximadamente do tempo de perma-
cresce cerca de 8% ao de dez anos (Abinpet, nência dos morado-
ano, em maior pro- 2015). res em casa e do en-
70 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
velhecimento da população. Os gatos nem aconteçam, e, na grande maioria
têm se mostrado melhor adaptados a dos casos, os gatos são levados quan-
esse estilo de vida atual, poispodem do já estão com alguma doença avan-
viver em espaços reduzidos, não pre- çada ou de difícil tratamento. Os tuto-
cisam ser levados para passear, são ca- res relatam certa relutância devido ao
pazes de realizar sua higiene pessoal, e estresse vivido por eles e seus gatos,
se manter limpos e não precisam sair desde o transporte até a permanência
de casa para fazer suas necessidades no estabelecimento veterinário (Lue
(Rodan et al., 2011). et al., 2008; Volk et al., 2015).Alguns
Apesar da frequência de visitas proprietários até acreditam que a ex-
de felinos a estabelecimentos veteri- periência traumática é mais prejudi-
nários estar crescendo, ainda não se cial para a saúde do gato do que uma
compara à de cães. Pesquisas já indi- falta de cuidado veterinário (Little,
cavam que mesmo a população felina 2011).
nos EUA sendo maior que a de cães, O despreparo no manejo de feli-
as visitas ao veterinário somavam pou- nos também contribui para esse ce-
co mais da metade do número das de nário. Apesardos grandes avanços na
cães.Uma pesquisa em 2011 revelou medicina felina, muitos veterinários
que 44,9% dos tutores de gatos não le- têm dificuldade de entender a nature-
varam seu pet ao veterinário neste ano, za e comportamento normais da espé-
enquanto dos tutores de cães apenas cie felina. A falta de compreensão de
18,7% não o fizeram. Ao se comparar como os gatos reagem ao medo e à dor
com 2006 houve uma melhora nos acaba trazendo dificuldades durante a
dois casos, sendo que em relação aos consulta veterinária (Lue et al, 2008).
felinos a diminuição foiproporcional- Toda a equipe do estabelecimento
mente melhor (Burns, 2013). veterinário e também o tutor devem
O acompanhamento regular de estar preparados para lidar com o pa-
um animal para cuidados profiláticos ciente. O uso de técnicas de manejo
ou em início de curso de doenças é adequadas, desde a saída de casa até o
importante para melhorar sua qua- retorno, reduz os problemas relaciona-
lidade de vida. Os gatos são animais dos ao medo e ao estresse para o ani-
repletos de peculiaridades, são alta- mal. O estresse felino pode se trans-
mente estressáveis e por sua natureza formar em medo e gerar agressão, e,
predadora normalmente escondem além disso, pode alterar os resultados
sintomas de doenças e de dor. Tudo do exame físico e laboratoriais, inter-
isso contribui para que as visitas ao ferindo em diagnósticos e tratamento
veterinário sejam muito tardias ou corretos (Greco, 1991 e Kaname et
6. Manejo do Paciente Felino 71
al., 2002 apud Rodan et racterísticas comporta-
Fatores estressantes
al., 2011). mentais foram mudadas
são capazes inclusive
Fatores estressantes e muitos dos instintos
de acionar gatilhos
são capazes inclusive de seus predecessores
patológicos, como o
de acionar gatilhos pa-
caso da doença do trato selvagens ainda são ob-
tológicos, como o caso servados. Para entender
urinário inferior de
da doença do trato uri- as respostas de felinos
felinos (DTUIF), que
nário inferior de felinos pode vir a se desenvolver frente ao estresse e saber
(DTUIF), que pode vir após o animal ter a importância de mi-
a se desenvolver após o passado por momentos nimizá-las é necessário
animal ter passado por desconfortáveis. entender suas caracterís-
momentos desconfor- ticas fisiológicas e com-
táveis (Seawright et. al, portamentais. A falta de
2008). entendimento sobre seus comporta-
Por outro lado, a abordagem e mentos normais e suas necessidades é o
manejo adequados aos felinos trazem que culmina na maioria dos problemas
muitos benefícios devido aos meno- que surgem com tutores e veterinários
res níveis de estresse produzidos. O (Robinson 1984; Young, 1985;Fogle,
bem-estar do paciente aumenta,con- 1997; Case, 2003).
seguimos realizar um exame clínico Atualmente os gatos vivem varia-
mais elaborado e com menor variação dos estilos de vida e possuem persona-
de parâmetros vitais,a satisfação dos lidades que variam dos mais dóceis e
tutores aumenta e com isso o número sociáveis que vivem dentro de casa, aos
de visitas e consultas. A maior satisfa- insociáveis e ferozes que têm vida livre e
ção com o serviço vai facilitar a fide- não gostam de ser manipulados (Miller,
lização com sua equipe e até mesmo 1996). Os felinos possuem compor-
difundir seu nome e marca (Nibblett tamento e humor diferentes do de um
et al., 2015). cão, e, por isso, devem ser tratados tam-
bém de maneira diferenciada (Griffin e
Conhecendo o paciente Hume, 2006).
felino É importante tanto para os tutores
Os felinos começaram a ser domes- quanto para os médicos veterinários
ticados muito depois dos cães, quando entender a comunicação dos felinos
estes já eram totalmente domesticados. e sua linguagem corporal, para assim
Apesar da domesticação dos gatos, eles poder interpretar sinais de estresse,
ainda hojepossuem traços da natureza relaxamento e prazer (Elis et. al, 2013).
selvagem de seus ancestrais. Poucas ca- Gatos são notoriamente sensíveis aos
72 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
seus arredores e têm res- portantes pois indicam o
Aquiescência, silêncio e/
posta de luta e fuga bem
ou falta de movimento estado de medo e agres-
desenvolvida. Estas res- sividade. Alterações na
não sinalizam a
postas de autoproteção, face e pupilas de um gato
falta de dor ou falta
normalmente essenciais dão indicios sobre o grau
de ansiedade. Um
para a sobrevivência, gato que se comporta de ansiedade (Figura 1).
podem ser prejudiciais desta forma está Gatos ansiosos ou com
no ambiente da clínica sinalizando ansiedade medo podem aumentar
veterinária (Caney et al., ou desconforto produção de suor nos
2012). coxinspalme-plantares.
Gatos costumam Também podem ser re-
responder ao confronto pela evasão ou conhecido por mudanças na vocaliza-
escondendo. Aquiescência, silêncio e/ ção de miando para rosnado, sibilos e
ou falta de movimento não sinalizam a cuspidelas (Hellyer et al., 2007)
falta de dor ou falta de ansiedade. Um Felinos que ronronam, fazem fricção
gato que se comporta desta forma está e rolamentos em superfícies horizontais
sinalizando ansiedade ou desconforto
sugerempadrões comportamentais de
(Hellyer et al., 2007).
aproximação amigável (Moelk, 1979).
O medo é a causa mais comum de
agressão por gatos na prática veteriná- Transporte até o
ria ereconhecer os sinais iniciais deste
permite anteceder e tomar decisões que
estabelecimento
evitem desconfortos. Observar o posi- O cuidado do paciente felino
cionamento das orelhas, a postura cor- deve iniciar no primeiro contato por
poral e os movimentos da cauda são im- telefone com a clínica veterinária.

Figura 1 – Ilustrações de alterações postural e facial de gatos, representando evolução do medo e da


agressividade.
Adaptado de Bowen e Heath, 2005.

6. Manejo do Paciente Felino 73


Sempre que possível deve-se questio- um cheiro familiar para o gato, como
nar os tutores sobre possíveis dificul- roupas de cama ou brinquedos fa-
dades em transportar o gato à clínica, voritos.Isso o ajuda areconhecê-la
e assim instruí-los sobre as melhores como sua e o instigar a entrar (Little,
formas de realizar esse transporte 2011; Rodan et al., 2011). A utiliza-
(Little, 2011). ção de ferormônios sintéticos felinos
Ensaiar visitas à clínica veteriná- na caixa também é interessante(Grif-
ria, com recompensas positivas, ofe- fith, 2000).
recendo petiscos ou brincadeiras, na Caixas de transportes desenhadas
tentativa de criar uma experiência para abrir a partir do topo e /ou que
positiva e acostumar permitem a remoção
o gato a locais e pes- O ideal é que o gato da metade superior são
soas diferentes do seu entre na caixa de preferíveis,pois permi-
círculo familiar, pode transporte por conta tem o manuseio com
ser uma boa estratégia própria sem ser forçado. mais facilidade no con-
para minimizar medos É importante que sultório (Caney et al.,
futuros (Rodan et al., ele tenha a caixa de 2012).
2011).Outra opção se- transporte como algo Durante a viagem
ria incentivar os clien- familiar, e não a associe para clinica o tutor
tes a trazerem seus a visitas ao veterinário. deve garantir que a
gatinhos para a clínica Deixe a caixa disponível caixa de transporte
eventualmente para para o animal explorar permaneça firmemen-
verificações de peso, em casa e coloque te segura no veículo,
visando o aumento da dentro dela itens que colocando-a no chão
socialização especial- tenham um cheiro ou usando um cinto de
mente durante o pri- familiar para o gato, segurança, pois os mo-
meiro ano de vida do como roupas de cama vimentos do veículo
gato (Little, 2011). ou brinquedos favoritos. podem causar insegu-
O ideal é que o rança e assustar o gato
gato entre na caixa de (Rodan et al., 2011).
transporte por conta própria sem Ao chegar ao estabelecimento ve-
ser forçado.É importante que ele te- terinário, deixe a caixa de transporte
nha a caixa de transporte como algo de gatos coberta com uma toalha até
familiar, e não a associea visitas ao o momento da consulta. Essa medi-
veterinário. Deixe a caixa disponível da contribui para evitar o estresse de
para o animal explorar em casa eco- contato visual (Carlstead et al.,1993;
loquedentro dela itens que tenham
Kry e Casey, 2007).
74 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
Maximizando o (Casey e Bradshaw, 2005).Caso exista
conforto ambiental do uma entrada lateral ou de fundos, per-
mita que animais muito medrosos ou
estabelecimento irascíveis passem por ela para que não
Animais que passaram medo e dor vejam outros animais e pessoas (Herron
em visitas ao veterinário podem se e Shreyer, 2014).
condicionar a associar estímulos do Como o contato en-
ambiente local como tre cães e gatos também
uma resposta emocional Animais que passaram não é favorável,deve ha-
negativa (Mazur, 2006; medo e dor em visitas ver uma sala de entrada
Yin, 2009).Existe inclu- ao veterinário podem
e espera separada para os
sive a chamada “síndro-
se condicionar a
felinos ou área separada
me do jaleco branco”
associar estímulos do
com algum tipo de ante-
que é quando os animais
ambiente local como
uma resposta emocional paro entre cães e gatos: o
fazem associação do ja- importante é minimizar
negativa ... Existe
leco ou roupas brancas ao máximo o contato
inclusive a chamada
com experiências ruins, visual entre animais das
“síndrome do jaleco
e neste caso alterar a ves- duas espécies (Rodan et
branco” que é quando
timenta pode ser benéfi- al., 2011). Como suges-
os animais fazem
co (Belew et al., 1999). associação do jaleco ou tões sugerem-se provi-
Várias medidas de- roupas brancas com denciar uma superfície
vem ser tomadas para experiências ruins, e elevada ou algum tipo
maximizar o conforto do neste caso alterar a apoio ou plataforma
estabelecimento veteri- vestimenta pode ser para colocar as caixas
nário que atenda felinos, benéfico... de transporte dos gatos,
adequando os estímulos evitando que fiquem
visuais, auditivos, olfató- no chão perto dos cães.
rios, táteis, gustatórios e sociais. Assentos segregados com anteparos
Primeiramente, é importante citar para evitar contatos visuais também são
que todos os ambientes que irão receber opções (Little, 2011; Caney, 2012).
os gatos na clínica devem ser devida- Luz muito clara ou constante pode
mente telados para evitar uma possível ser estressante aos animais (Morgan e
fuga. Tromborg,2007; Pollard e Littlejhon,
Já na sala de espera os gatos podem 1994) pois a presença do tapetumlu-
passar por momentos de estresse con- cidum faz com que eles tenham maior
siderável ao serem expostos ou só de percepção de luz do que nós (Gunter,
terem contato visual com outros gatos 1995; Miller e Murphy,1995).Sugere-
6. Manejo do Paciente Felino 75
se utilizar lâmpadas de fícies, aguarde o tempo
Utilize feromônios
60W no consultório e necessário para que o
artificiais felinos no
internação(Herron e
consultório, internação, odor de produtos quí-
Shreyer, 2014). micos se dissipe evite a
toalhas de contenção,
No ambiente cole- exposição a odores de-
mesas e até mesmo na
tivo, evite músicas prin- sagradáveis aos pacien-
vestimenta médica.
cipalmente do tipo hard Isso pode ajudar o tes. O mesmo se aplica
rock ou heavy metal, e gato a sentir segurança à limpeza de gaiolas na
recomende o uso de e reduzir seu estresse internação (Herron e
fones de ouvidos pes- associado a medo e Shreyer, 2014).
soais (Wells et al., 2002; ansiedade. Utilizeferomônios
Kogan et al., 2012). artificiais felinos no con-
Músicas clássicas, por sultório, internação, toa-
outro lado, podemdeterminar compor- lhas de contenção, mesas e até mesmo
tamentos associados a relaxamento. na vestimenta médica. Isso pode ajudar
Utilize janelas e portas acústicaspa- o gato a sentir segurança e reduzir seu
ra diminuir sons e ruídos estressantes estresse associado a medo e ansiedade
aos internadoscomo latidos de cães e (Herron e Shreyer, 2014). Há opções
pessoas conversando ou se movendo no de produtos para serem usados como
recinto (Herron e Shreyer, 2014). difusor no ambiente ou como spray para
O cheiro de um potente predador borrifar sobre superfícies.
pode gerar resposta ao estresse, por isso Alimentos palatáveis são uma opção
deve-se minimizar a exposição de gatos interessante para tentar mitigar o estres-
a odores de cães, limpando e mantendo se, alterar estados de medo para prazer
boa ventilação entre cada atendimento, e evitar comportamentos indesejáveis
ou reservando um consultório específi- e ofensivos. (Herron e Shreyer, 2014).
co para gatos. (Takahashi et al., 2005). Por isso ofereça sempre que julgar
Limpar sempre todas as superfícies, necessário
incluindo o chão e paredes, após passa-
gem de animais estressados, pois estes
Equipamentos para uso
podem ter deixado odores e feromônios na clínica de felinos
associados a medo e alarme. É bom evi- O pequeno tamanho dos pacientes
tar que estes animais fiquem muito tem- felinos é uma importante consideração
po em locais como a entrada e sala de para selecionar materiais e equipamen-
espera (Herron e Shreyer, 2014). tos para uso na rotina. Balanças pediá-
Entre um atendimento clínico e ou- tricas e estetoscópios pediátricos são
tro, após a limpeza do recinto e super- mais indicados para se obter melhor
76 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
precisão. Em se tratando sionais e o próprio tutor
O nível de estresse
de injeções medicamen- (Megan e Traci, 2014).
exibido por gatos
tosas, seringas de 1ml e O tempo de espe-
examinados em uma
3ml são úteis na admi- ra para o atendimento
clínica é sempre maior
nistração de doses pre- do paciente felino deve
que em casa.
cisas; agulhas de peque- ser o menor possível e
no diâmetro e tamanho o ideal é encaminhar o
causam menos dor na aplicação e são paciente diretamente para o consultó-
preferíveis para injeção e coleta de san- rio (Little, 2011).Podem-seagendar os
gue. Tubos endotraqueais de tamanhos compromissos e encaixar pacientes fe-
pequenos (3,5 a 5,0mm)são essenciais linos durante as horas mais calmas do
(Little, 2011). dia (Rodan et al., 2011). Se possível,
Termômetros com mensuração de adote dias ou horários para atendimen-
3 a 10 segundos são preferíveis, pois to exclusivo de gatos (Herron e Shreyer,
reduzem o tempo de estresse desse pro- 2014).
cedimento. Colares elisabetanos leves e Antes de iniciar a consulta do pa-
transparentes são mais indicados para ciente felino deve-se assegurar que to-
esta espécie. dos os suprimentos e equipamentos
necessários estão disponíveis no con-
Abordagempara a sultório, para evitar tráfego desnecessá-
consulta clínica rio e a interrupção do exame (Caney et
O nível de estresse exibido por gatos al., 2012).
examinados em uma clínica é sem- Alguns animais podem se sentir me-
premaior que em casa (Nibblett et al., nos ansiosos e mais seguros com a pre-
2015). Com o hábito de sença do tutor e assim
praticar manejo de pou- Alguns animais podem permitir melhor mani-
co estresse aumentamos se sentir menos ansiosos pulação pelo veterinário.
o bem-estar do paciente, e mais seguros com Contudo tutores rece-
reduzimos o tempo para a presença do tutor e osos, agitados ou que
conseguir manipular o assim permitir melhor repreendam o animal
paciente e os recursos manipulação pelo podem desencadear ain-
utilizados paraas pró- veterinário. Contudo da mais medo e agressão
ximas visitas, obtém-se tutoresreceosos, agitados (Waiblinger et al., 2001)
menos alterações em ou que repreendam e nestes casos se a situa-
parâmetros fisiológicos o animal podem ção for pior para o gato,
e diminui-seo risco de desencadear ainda mais devemos educadamen-
injúrias contra os profis- medo e agressão. te pedir ao cliente para
6. Manejo do Paciente Felino 77
sair da sala (Rodan et al., 2011).Em A ordem do exame clínico pode ser
outros casos, animais podem ser menos modificada de acordo com a colabora-
agressivos quando afastados do tutor ção de cada paciente, então deve-se co-
(Carlstead et al., 1993). meçar pelas partes menos estressantes
Enquanto obtém- se o histórico e edeixe as áreas que os gatos não gostam
anamnese do paciente deixea caixa de de serem tocados por último(Little,
transporte aberta para que o gato fareje 2011).
e explore o ambiente. Segundo Caney Se o gato ficar tenso ou agitado, in-
et al, (2012) deixar o gato sair por con- terrompa temporariamente o exame
ta própria pode dar à elea sensação de para que o gato relaxe. Reforce compor-
controle e segurança. Se o gato não qui- tamentos positivos com um petisco ou
ser deixar o transporte voluntariamen- carinho, incentivando o gato a relaxar
te, pode-se remover cuidadosamente o (Caney et al., 2012). Caso o estresse não
topo, de modo que o gato permaneça na seja controlável, reprogramar a consulta
metade inferior durante o exame físico para outro momento muitas vezes é a
(Little, 2011). melhor estratégia (Rodan et al., 2011).
Examine o gato onde ele permitir, Fale sempre em tom baixo de voz e
seja na mesa de exame, no chão, no colo pouco próximo aos animais para mantê-
do proprietário ou do veterinário ou no -los calmos. Sons que passam de 85dB
próprio transporte(Caney et al., 2012). podem induzir estresse, por isso tente
Muitos gatos preferem ser examinados manter abaixo de 60dB. Evite repreen-
sobre um cobertor ou peça de roupa sões ou tons de voz rudes e punitivos,
familiarizada, que já tenha o cheiro do independente da atitude do animal, pois
gato (Little, 2011). isso pode elevar o estresse e culminar
Para ter uma interação mais bem-su- em agressões ainda piores (Anthony et
cedida movimentos bruscos e rápidos al., 1959).
devem ser evitados, pois os animais po- Utilize álcool com moderação, pois
dem se assustar ou se sentir ameaçados. o forte odor pode ser desagradável. Se o
O contato visual direto deve ser evitado, animal já passou por alguma experiên-
bem como manter-se acima do gato: cia negativa enquanto sentia este odor,
a abordagem lateral deve ser utilizada ele poderá aflorar respostas emocionais
(Little, 2011; Rodan et al., 2011). Caso negativas (Mazur, 2006; Yin, 2009).
convenha, utilize toalhas ou outras op- Evite colocar o animal sobre su-
ções para bloqueio visual. Durante todo perfícies frias e escorregadias. Cubra
exame físico pode-se utilizar a toalha as mesas de metal com toalhas ou ta-
para tampar a cabeça do gato (Herron e petes e utilize tapetes acolchoados ao
Shreyer, 2014). posicionar o animal em decúbito late-
78 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
ral, a fim de produzir Na tentativa de acalmar
Evite colocar o animal
uma sensação tátil mais o gato, o clínico e o tu-
sobre superfícies
confortável (Herron tor não devem fazer as-
frias e escorregadias.
e Shreyer, 2014). Isso sobios ou sons como os
Cubra as mesas de
também deve ser aplica- destinados a acalmar be-
metal com toalhas
do durante o manejo na bês humanos (‘shhhh’),
ou tapetes e utilize
internação. pois esses sons podem
tapetes acolchoados ao
posicionar o animal imitar o ruído de outro
Contenção do em decúbito lateral, a do gatos.
paciente fim de produzir uma A contenção física de
Pesando-se em fe- sensação tátil mais alguns gatos mais difíceis
linos, a melhor conten- confortável. e medrosos pode ser fei-
ção será sempre a me- ta a partir de técnicas de
nor contenção (Little, manipulação com o uso
2011). Se o gato está posicionado con- de toalhas. Cobrir a cabeça do gato com
fortavelmente ele está menos propenso uma toalha elimina o contato visual com
a lutar, fugir ou se proteger. Algumas o meio e pode ser muito benéfico. Já co-
técnicas podem distrair e acalmar o brir o animal inteiro com uma toalha, de
gato, facilitando o exa- forma a manter o gato
me e minimizando a A contenção física de confortavelmente em-
contenção. Muitos ga- alguns gatos mais difíceis brulhado e ir desco-
tos gostam de ser mas- e medrosos pode ser feita brindo as partes con-
sageados na cabeça, a partir de técnicas de forme a execução do
atrás das orelhas, ou manipulação com o uso de exame pode ajudá-lo
sob o queixo. Outra toalhas. Cobrir a cabeça a se sentir mais segu-
técnica calmante é fa- do gato com uma toalha ro (Little, 2011; apud
zer uma leve pressão elimina o contato visual Yin, 2009). Colocar
enquanto massageia com o meio e pode ser delicadamente uma
lentamente o topo da muito benéfico. Já cobrir toalha torcida em vol-
cabeça com os três o animal inteiro com uma ta do pescoço substi-
dedos médios (Little, toalha, de forma a manter tui o uso de focinhei-
2011). o gato confortavelmente ras, que não são bem
Segundo Caney et embrulhado e ir descobrindo aceitas pelos gatos e
al, (2012) alguns sons as partes conforme a podem aumentar o
que fazemos podem execução do exame pode estresse.
agravar o estado de ajudá-lo a se sentir mais Colocar uma to-
excitação de um gato. seguro. alha em volta do pes-
6. Manejo do Paciente Felino 79
coço e sobre os membros torácicos, da venopuntura jugular, e este local per-
expondo somente uma pata, é uma boa mite coleta rápida e grande quantidade
forma de contenção para colocação de de amostra. Outros gatos não permi-
cateter intravenoso ou para coleta de tem a contenção para a coleta na jugu-
sangue a partir da veia cefálica, confor- lar e ficam mais tranquilos com a coleta
me ilustra a Fig. 2 (Little, 2011). nas veias cefálicas ou nas veias safenas
mediais.
Coleta de sangue Bolsas de contenção próprias para
É interessante verificar com o gatos também são uma opção para
laboratório de confiança a quantidade a contenção para coletas de sangue,
de sangue que é realmente necessária colocação de acesso intravenoso ou
para processar as amostras, pois aplicação de soro subcutâneo em ga-
se o laboratório aceitar pequenas tos mais difíceis de conter (Fig. 2). A
quantidades de
amostras, os tubos
de microcoletas são
preferíveis para a espécie
felina porque permitem
pequenos volumes de
sangue sem que ocorra
diluição da amostra com
anti-coagulantes (Little,
2011).
A depilação de área
da coleta, apesar de ser
indicada por questão de
assepsia, pode perturbar
muito o gato. Para tor-
nar o processo mais rá-
pido e menos estressan-
te, deve-se aplicar álcool
(etanol) 70 ºGLou soro
estéril, que ao molhar o
pelo do animal facilita a
visualização do vaso.
Muitos gatos tole- Figura 2 – Gato contido por bolsa de contenção,. Observa-se a tran-
ram bem a coleta através quilidade do animal e facilidade de coleta de material para exames.
80 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
colocação do gato na bolsapode ser o estresse para o gato, para o tutor e para
difícil, bolsas muito apertadas podem a equipe veterinária. Recomenda-se
causar estresse e as frouxas podem não consultar um anestesista para informa-
fornecer contenção suficiente(Rodan ções de drogas seguras para contenção
et al., 2011). química na prática da clínica de felinos
A técnica de contenção pela pele (Rodan et al., 2011).
do pescoçopode muitas vezes tornar o
gato mais excitado e com medo.Little Abordagem durante a
(2011) indica essa técnica mais para fi- internação
lhotes, que ainda preservam o instinto A hospitalização de gatos deve ser
de ficarem quietos a partir desse tipo de evitada sempre que possível.Estar longe
contenção, pois suas mães o fazem para de casa leva à ruptura do círculo social
transportá-los ou os imobilizar. Alguns do animal e pode afastá-lo de seu senso
veterinários usam essa técnica apenas de controle, contribuindo para o medo
em procedimentos de curta duração, e estresse. O elevado nível de estresse
quando necessário para proteger o bem- nos ambientes hospitalares inibe com-
-estar do gato ou para proteção pessoal. portamentos normais dos gatos como
Apesar de imóvel o gatopode não estar alimentação, higiene corporal, sono e
confortável, por isso avalie seu compor- eliminação. Para idosos ou gatos que
tamento(Little, 2011; Rodan, 2011). não tenham sido bem socializados,pode
Se o gato está com ser ainda mais estressan-
dor ou passará por pro- A hospitalização de te (Little, 2011).
cedimentos dolorosos gatos deve ser evitada Se a hospitalização é
considere a realização sempre que possível. essencial, os gatos devem
de analgesia prévia. Estar longe de casa leva ser mantidos numa zona
Pacientes idosos ou que à ruptura do círculo tranquila onde eles não
têm artrite podem sentir social do animal e pode vejam outros cães ou ga-
dor com a manipulação, afastá-lo de seu senso de tos. O ideal é que as áreas
posicionamento para controle, contribuindo de internação de cães e
radiografias ou outros para o medo e estresse. gatos sejam separadas.
procedimentos (Little, Uma ala de isolamento
2011). é importante para sepa-
Se o gato luta muito e dificulta a rar gatos com suspeitas doenças conta-
contenção, pode ser necessário o uso giosas confirmadas. Os gatos infectados
de sedação ou anestesia (Caney et al., com vírus da Leucemia Felina (FeLV)
2012). A contenção química muitas ve- e/ou pelo vírus da Imunodeficiência
zes pode aumentar a segurança e reduzir Felina (FIV), sem outra doença infec-
6. Manejo do Paciente Felino 81
ciosa, não devem ser alojados no isola- paciente poder se esticar e a caixa de
mento, devido a imunodeficiência cau- areia ficar separada da comida, água e
sada por essas doenças e a predisposição local de descanso (Caney et al., 2012).
para contrair doenças presente neste lo- Prateleiras são boas opções para aumen-
cal (Little, 2011). tar o espaço disponível para os animais
Estímulos olfativos também devem e enriquecer o ambiente da internação
ser minimizados, sempre remova os aro- (Little, 2011).
mas de outros animais anteriormente Providencie um possível esconderi-
internados com produtos apropriados. jo dentro da gaiola do animal internado
Pulverizar feromônio sintético felino para evitar o estresse de contato visual.
na gaiola, 30 minutos antes de colocar Como opções sugere-se tampar uma
um novo paciente pode ajudar a acal- parte da frente da gaiola com uma toa-
mar o gato e fazê-lo se sentir mais segu- lha, colocar uma caixa dentro ou a pró-
ro no novo ambiente. Colocar difusores pria caixa de transporte (Carlstead et
desse feromônio na área de internação al.,1993; Kry e Casey, 2007).
também promove resultados positivos Gatos preferem descansar em super-
na redução do estresse desses animais fícies macias, por isso deve-se fornecer
(Little, 2011). uma cama confortável com travesseiro,
O ambiente de internação deve ter colchão ou toalhas grossas. Isso também
a temperatura controlada e isolamento evita que se deitem na caixa higiênica. É
acústico (Rodan et al., 2011). Os gatos normal que esses animais experimen-
domésticos evoluíram dos felinos do de- tem longos períodos de sono, principal-
serto, assim a temperatura do ambiente mente quando estão com algum tipo de
em torno de 26°C (um pouco maior do morbidade. Fornecer objetos familiares
que a da zona de conforto humana - cer- como roupa de cama e brinquedos ajuda
ca de 21°C) pode proporcionar mais o animal a se ambientar melhor na inter-
conforto (Little, 2011). nação (Crouse et al., 1995; Hawthorne
A utilização de gaiolas não metáli- et al., 1995).
cas diminui tanto a condução do som Os proprietários devem ser encora-
quanto a do calor, além de não terem su- jados a visitar periodicamente o pacien-
perfície reflexiva. Imagens refletidas nas te hospitalizado, pois gatos preferem o
gaiolas podem causar medo e estresse. contato com pessoas familiares (Little,
O posicionamento dos gatis lado a lado 2011).
é preferível para evitar que os gatos ve- Apesar de alguns animais gostarem
jam uns aos outros (Rodan, 2011). de carícias, outros podem se sentir ame-
As gaiolas ou gatis de internação açados e desconfortáveis, por isso evite
devem ser grandes o suficiente para o o toque. Deve-se acariciar no sentido do
82 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
pelo e evitar o abdômen, começar dietas terapêu-
O manejo dietético
limitando-se à face e pes- ticas é indicado somen-
durante a internação
coço (Herron e Shreyer, te quando o gato voltar
do paciente felino é
2014). para casa com o apetite
muito importante,
O manejo dietético muitos gatos podem normal, do contrário há
durante a internação do ter o apetite reduzido o risco de criarem aver-
paciente felino é muito quando internados, são ao alimento (Caney
importante, muitos ga- pelo estresse ou somente et al., 2012).
tos podem ter o apetite devido à condição de Para administrar
reduzido quando inter- saúde. O alimento deve medicações via oral,
nados, pelo estresse ou estar sempre fresco, utilize comida ou cal-
somente devido à con- fornecido em pequenas dos, para disfarçar o sa-
dição de saúde.O ali- porções e reabastecido, bor indesejado. Felinos
mento deve estar sem- conforme necessário. ao terem contato com
pre fresco, fornecido substância estranha
em pequenas porções podem fazersialorréia
e reabastecido, conforme necessário. intensa. Coloque o medicamento di-
Patês podem ser oferecidos em peque- reto na garganta. Para maior seguran-
nas quantidades no dedo ou na palma ça, é interessante o uso de aplicadores
da mão eem temperatura ambiente próprios ou de seringas modificadas
ou levemente aquecidospara servir de para esse fim. (Herron e Shreyer,
melhor estímulo. Não se deve deixar 2014). Sempre após a administração de
alimento para gatos que exibem muita comprimidos, deve-se fornecer de 3 a 6
náusea e aversão ao alimento(Caney et ml de água com ajuda de uma seringa
al., 2012). para evitar esofagites medicamentosas.
A alimentação forçada em peque- A melhora clínica do paciente no
nas quantidades com auxílio da se- hospital é apenas um aspecto do su-
ringa algumas vezes e necessária para cesso do tratamento. A capacidade do
gatos que não comem voluntariamen- proprietário do gato para continuar os
te. Quando as outras estratégias para cuidados em casa vai contribuir subs-
incentivar a alimentação não apresen- tancialmente para um resultado posi-
tam sucesso, é indicada a colocação de tivo. Deste modo, o veterinário deve
sondas de alimentação nasogástrica orientar e envolver o proprietário no
ou esofágicas. Estimulantes de apetite manejo adequado do gato, na clínica e
podem ser úteis em alguns casos e por em casa, após a alta. O veterinário, no
breves períodos, em conjunto com os momento de prescrição, pode oferecer
métodos descritos acima. Prescrever e sugestões de formulações de drogas
6. Manejo do Paciente Felino 83
preferíveis ao paciente imediatos com a rein-
Antes de levar o gato
felino e também de- trodução, o ideal é abrir
para casa os tutores
monstrar as várias téc- o transporte e deixar os
devem levar algo que
nicas de administração, gatos livres na mesma
tenha o cheiro da casa
para ajudar os proprie- sala, monitorando qual-
e colocar junto no
tários decidirem qual quer reação.Se ocorre-
transporteou passar
opção que melhor cor- rem sinais de agressão, é
uma toalha nos gatos
responde com a perso- melhor distrair os gatos
que permanecerama
nalidade do gato e com para separá-los,porque
na casa e, em seguida,
as capacidades físicas se ficar entre eles ou
limpar o gato que
do proprietário (Caney, pegá-los pode ocorrer
está retornando com
2012). agressão redirecionada
a mesma toalha para
transferir a ele o aroma (Rodan et al., 2011).
O retorno para familiar. O uso de brincadei-
casa ras e petiscos pode aju-
No retorno para casa dar a distrair a atenção e
da consulta clinica ou da hospitalização facilitar a reintrodução. Se houver uma
o gato pode não ter mais o cheiro fami- reação negativa depois destas aborda-
liar do grupo a que pertence. Isso pode gens, pode-se colocar o gato em outro
ser um problema para a reintrodução, cômodo da casa silencioso e seguro e
pois os outros gatos da casa podem não deixar durante pelo menos 24 horas,
o reconhecer e atacar (Rodan et al., permitindo que os outros gatos da casa
2011). sintam o cheiro pela fresta da porta e
Antes de levar o gato para casa os tu- possam se ir se acostumando novamen-
tores devem levar algo que tenha o chei- te, até tentar uma nova reintrodução.
ro da casa e colocar junto no transporte O feromônio sintético também é uma
(Rodan et al., 2011) ou passar uma toa- opção para a reintrodução em casa, po-
lha nos gatos que permaneceram na casa dendo ser borrifado no transporte e/ou
e, em seguida, limpar o gato que está instalar um difusor na casa (Rodan et
retornando com a mesma toalha para al., 2011).
transferir a ele o aroma familiar (Little,
2011). Considerações finais
Ao chegar em casa, manter gato no Entender melhor o comportamen-
transporte por um tempo até que todos to felino é de suma importância para os
os gatos estejam calmos, na maioria das médicos veterinários, pois permite me-
situações é o suficiente para reintrodu- lhor abordagem ao paciente e trás inú-
zir o animal. Se não houver problemas meros benefícios.
84 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
O estabelecimento tecem menos agressões
O estabelecimento
que recebe um felino físicas,menos desapon-
que recebe um felino
merece atenção em sua
merece atenção em sua tamentos e maior satis-
estrutura e logística e
estrutura e logística e fação dos tutores.
fator como ambiente fator como ambiente Tudo isso resultará
tranquilo e organizado, tranquilo e organizado, em um aumento do nú-
menorinteração com menor interação com
cães e outros gatos e mero de visitas de gatos
cães e outros gatos e ao veterinário. Os feli-
utilizar feromônio no utilizar feromônio no
local e utensílios são local e utensílios são nos seriam trazidos mais
importantes. importantes. cedo ao veterinário, visi-
Com o hábito de tariam com maior frequ-
praticar manejo de pou- ência para consultas ou
co estresse aos animais é possível ob- realizar exames de rotina, e alterações
servar benefícios variados como me-
no estado geral de saúde seriam mais
lhora do bem-estar do paciente, menor
precocemente detectadas. Sem dúvi-
tempo para conseguir manipulá-lo efi-
cientemente, menor uso de contenção das os gatos seriam mais bem assistidos
física ou química e diminuição do risco pelo profissional, e,no final das contas,
de injúrias.Obtém-se maior segurança todos se beneficiam: paciente, médico
para o animal, tutor e veterinário, acon- veterinário e tutor.

Referências tps://www.avma.org/news/javmanews/pa-
ges/130201a.aspx. Acessoem: 29 set 2016.
1. ANTHONY, A.; ACKERMAN, E.; LLOYD, J. A.
Noise stress in laboratory rodents: I. Behavioral 5. CARLSTEAD, K.; BROWN, J. L.; STRAWN,
and endocrine responses of mice, rats, and gui- W. Behavioral and physiological correlates of
nea pigs. J AcoustSoc Am, v. 31, p.1437-1440, stress in laboratory cats. ApplAnimBehavSci,v.
1959. 38, p. 143-58, 1993.

2. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE 6. CARNEY, H. C., LITTLE, S., BROWNLEE-


INDÚSTRIAS DE PRODUTOS PARA TOMASSO, D., HARVEY, A. M., MATTOX, E.,
ANIMAIS DOMESTICOS. Acessado em ROBERTSON, MANLEY, D. S , et al.AAFP and
25/09/2016 em http://abinpet.org.br/site/fa- ISFM feline-friendly nursing care guidelines.  J
turamento-do-setor-crescera-74-e-fechara-em- fel med surg, v. 14, n. 5, p. 337-349, 2012.
-r-179-bilhoes-em-2015/
7. CASE, L. P. The cat: its behavior, nutrition
3. BELEW, A. M.; BARLETT, T.; BROWN, S. A. and health. 1 ed. Ames: Blackwell, 2003.
Evaluation of the white-coat effect in cats. J Vet
Intern Med,v. 13, p.134-142, 1999. 8. CASEY, R. A.; BRADSHAW, J. W. S.; The as-
sessment of welfare. In: Rochlitz, I. (Ed.). The
4. BURNS, K. Vital statistics. JAVMAnews. welfare of cats. Dordrecht: Springer, 2005, p.
,Schaumburg, jan. 2013. Disponível em: ht- 23-46.

6. Manejo do Paciente Felino 85


9. CROUSE, S. J.; ATWILL, E. R.; LAGANA, M. KOJIMA, K.; KUBO, C.; TASHIRO, N.
et al. Soft surfaces: a factor in feline psychologi- Changes in the leukocyte distribution and sur-
cal well-being. Contemp top lab animsci,v. 34, face expression of adhesion molecules induced
p. 94-97, 1995. by hypothalamic stimulation in the cat.  Brain,
behavior, and immunity, v. 16, n. 4, p. 351-367,
10. ELLIS, S.; RODAN, I.; CARNEY, H. et al. 2002.
AAFP and ASFM Feline Environmental Needs
Guidelines. J Fel Med Surg, v. 15, p. 219-30, 21. KOGAN, L. R.; SCHOENFELD-TACHER,
2013. R.; SIMON, A. A. Behavioral effects of auditory
stimulation on kenneled dogs. J Vet Behav, v. 7,
11. FOGLE, B. The encyclopedia of the cat. Ed. 1, p.268–275, 2012.
New York:Dorling Kindersley, 1997.
22. KRY, K.; CASEY, R. The effect of hiding enrich-
12. GRECO, D. S. The effect of stress on the evalu- ment on stress levels and behavior of domestic
ation of feline patients.Consultations in feline cats (Felissylvestriscatus) in a shelter setting
internal medicine, v. 1, p. 13-17, 1991. and the implications for adoption potential.
AnimWelf, v. 16, p. 375–383, 2007.
13. GRIFFIN, B.; HUME, K., R. Recognition
and management of stress in housed cats. In: 23. LITTLE, S.  The cat: clinical medicine and ma-
AUGUST, J. R. Feline internal medicine. nagement. Elsevier Health Sciences, p. 17-40.
St. Louis: Elsevier Saunders, 2006, cap. 76, p. 2011.
732-733.
24. LUE, T.W.; PANTENBURG, D.P.;
14. GRIFFITH, C. A.; STEIGERWALD, E. S.; CRAWFORD, P.M. Impact of the owner-pet and
BUFFINGTON, C. A. T. Effects of a synthetic client-veterinarian bond on the care that pets re-
facial pheromone on behavior of cats. J Am Vet ceive. J Am Vet Med Assoc, v. 232, p. 531–540,
Med Assoc, v. 217, n. 8, p. 1154-1156, 2000. 2008.
15. GUNTER, R. The absolute threshold for vision 25. MAZUR, J. E. Basic principle of classical condi-
in the cat. J Physiol, v. 114, p. 8-15. tioning. In: Learning and behav. Upper Saddle
River (NJ): Pearson Education; 2006, ed.6, p.
16. H AWTHORNE, A. J.; LOVERIDGE, G. G.; 76–81.
HORROCKS, L. J. The behavior of domestic
cats in response to a variety of surface tex- 26. MILLER, J. The domestic cat: perspective on
tures. In: Holst B. (ed.); 2nd International the nature and diversity of cats. J Am Vet Med
Conference on Environmental Enrichment,p. Assoc, v.208, p.498, 1996.
84–94, 1995, Copenhagen.Anais…
Copenhagen, 1995. 27. MILLER, P. E.; MURPHY, C. J. Vision in dogs. J
Am Vet Med Assoc, v.207, p.1623–1634, 1995.
17. HELLYER, P.; RODAN, I.; BRUNT, J.;
DOWNING, R.; HAGEDORN, J. E.; 28. MOELK, M. The Development of Friendly
ROBERTSON, S. A.AAHA/AAFP pain mana- Approach Behavior in the Cat: A Study of
gement guidelines for dogs and cats.  J FelMed Kitten-Mother Relations and the Cognitive
Surg, v. 9, n. 6, p. 466-480, 2007 Devel006Fpment of the Kitten from Birth to
Eight Weeks. Advstudbehav. v.10, Brockport.
18. HERRON, M., E.; SHREYER, T. The Pet-
friendly Veterinary Practice: A Guide for 29. MORGAN, K. N.; TROMBORG, C. T. Sources
Practitioners. Vet Clin Small Anim, v.44, of stress in captivity. ApplAnimBehavSci,
p.451–481, 2014. v.102, p.262–302, 2007.

19. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e 30. NIBBLETT, B. M.; JENNIFER, K. K.; EMMA,
Estatística. Disponível em: <.http://www.agri- K. G. Comparison of stress exhibited by cats
cultura.gov.br/arq_editor/file/camaras_tema- examined in a clinic versus a home setting.
ticas/Insumos_agropecuarios/79RO/IBGE_ AppAnimBehavSci, v. 173, p. 68–75, 2015.
PAEB.pdf> Acesso em: Agosto. 2016.
31. POLLARD, J.C; LITTLEJOHN, R.P.
20. KANAME, H.; MORI, Y.; SUMIDA, Y.; Behavioural effects of light conditions on red

86 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


deer in a holding pen. ApplAnimBehavSci, 37. VOLK, J.O.; FELSTED, K.E.; THOMAS, J.G.;
v.41, p.127–134, 1994. SIREN, C.W.. Executive summary of the Bayer
veterinary care usage study. J Am Vet Med
32. RAMOS, D.; ARENA, M.N.; RECHE-JUNIOR, Assocv. 238, 1275–1282, 2011.
A. et al. Factors affecting faecal glucocorticoid
levels in domestic cats (Feliscatus): a pilot stu- 38. WAIBLINGER, S.; MENKE, C.; KORFF, J. et al.
dy with single and large multi-cat households. Effects of different persons on the behavior and
AnimWelf, v.21, n.285–291, 2012. heart rate of dairy cows during a veterinary pro-
cedure.KuratoriumfürTechnik und Bauwesen
33. ROBINSON, R. Cat. In Mason IL, editor: in der Landwirtschaft, v. 403, n. 54–62, 2001.
Evolution of domesticated animals,Longman:
New York, 1984. 39. WELLS, D. L.; GRAHAM, L.; HEPPER, P. G.
The influence of auditory stimulation on the
34. RODAN, I.; SUNDAHL, E.; CARNEY, H.; behavior of dogs housed in a rescue shelter.
GAGNON, A-C; HEATH, S.;LANDSBERG, G. AnimWelf, v. 11, p. 385–393, 2002.
et al. AAFP and ISFM feline-friendly handling
guidelines.J FelMed Surg, v. 13, n. 5, p. 364-375, 40. WELLS, D. L.; HEPPER, P. G. The influence of
2011. olfactory stimulation on the behavior of dogs
housed in a rescue shelter. ApplAnimBehavSci,
35. SEAWRIGHT, A. et al. A case of recurrent feline v. 91, p. 143–153, 2005.
idiopathic cystitis: The control of clinical signs
with behavior therapy. Journ of Vet Behav, v.3, 41. YIN, S. Classical conditioning (aka associative
n.1, p. 32-38, 2008. learning). In: Low stress handling, restraint,
and behavior modification of dogs and cats.
36. TAKAHASHI, L.K.; NAKASHIMA, B.R.; Davis: Cattle Dog Publishing, 2009. p. 83–84.
HONG, H.C. The smell of danger: a behavioral
and neural analysis of predator odor-induced 42. YOUNG, M., S. The evolution of domestic pets
fear. NeurosciBiobehav Rev,v. 29, n. 1157– and companion animals. Vet Clin North Am
1167, 2005. Small AnimPract, v.15, p. 297, 1985.

6. Manejo do Paciente Felino 87


7. Nefrologia
em medicina felina
bigstockphoto.com

Gabriela de Menezes Paz1- CRMV-MG 15308


Nathália das Graças Dornelles Coelho2 - CRMV-MG 15146
Grazielle Amaro Siqueira de Sousa3 - CRMV-MG 12695
Manuela Bamberg Andrade4 - CRMV-MG 15196
Fernanda dos Santos Alves5 - CRMV-MG 9539
1
Médica Veterinária, residente (R2) de Clínica Médica de Pequenos Animais (Escola de Veterinária – UFMG)
2
Médica Veterinária, residente (R2) de Clínica Médica de Pequenos Animais (Escola de Veterinária – UFMG)
3
Médica Veterinária, residente (R2) de Clínica Médica de Pequenos Animais, especialização em clínica e cirurgia de felinos (Escola de
Veterinária – UFMG)
4
Médica Veterinária, residente (R2) de Clínica Médica de Pequenos Animais, (Escola de Veterinária – UFMG)
5
Médica Veterinária, mestre, doutoranda em Ciência Animal (Escola de Veterinária - UFMG)

Introdução Cerca de 20% a 25% componentes relevantes


para o organismo, pela
A relevância dos do fluxo total do corpo
é destinado aos rins, produção de hormô-
rins no funcionamento
necessitando de um nios para controle en-
dos processos fisiológi-
cos é incontestável, pois volume maior de fluxo dócrino e barométrico
são responsáveis pela sanguíneo quando (Cunningham e Klein,
homeostasia, pela excre- comparado a outros 2004; Langston, 2008).
ção de metabólitos, pelo órgãos. Cerca de 20% a 25% do
controle e equilíbrio dos fluxo total do corpo é
fluidos corporais, pelo balanço eletro- destinado aos rins, ne-
lítico e ácido-base, pela reabsorção de cessitando de um volume maior de flu-
88 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
xo sanguíneo quando comparado a ou- lhanças são claras em cada definição:
tros órgãos (Rieser, 2005). a insuficiência renal aguda (ou injú-
Esse abundante fluxo é necessário ria renal aguda) é a perda abrupta de
para manter o excesso de atribuições uma ou mais funções, já a doença renal
do órgão adequadamente, tornando- crônica é a perda progressiva e irrever-
-o sensível as lesões causadas por hi- sível da função dos rins (Veado, Santos
poperfusão e por toxinas circulantes e Anjos, 2014; Santos, 2014).
(Rieser, 2005). A distribuição da cir-
O felino possui um número limita-
culação renal não é uniforme, aproxi-
do de néfrons, quando comparado a es-
madamente 90% irriga a córtex renal e
pécie canina e humana,
10% destina-se a região
com cerca de 190.000 a
medular. Portanto, é O felino possui um número
justificável que uma re- limitado de néfrons, quando 200.000. E a insuficiên-
gião mais vascularizada comparado a espécie canina cia renal é uma afecção
seja mais suscetível a e humana, com cerca de muito comum na espé-
lesões causadas por to- 190.000 a 200.000. E a cie, cerca de 50% a 60%
xinas, já a porção com insuficiência renal é uma dos gatos apresentarão
pequena irrigação san- afecção muito comum na alguma disfunção renal
guínea apresenta mais espécie, cerca de 50% a em algum momento da
problemas no caso de 60% dos gatos apresentarão vida, sendo um evento
hipotensão sistêmica, alguma disfunção renal em de ocorrência natural,
sofrendo facilmente algum momento da vida... principalmente nos pa-
episódios isquêmicos cientes senis. As princi-
(Labato, 2001; Rieser, 2005; Langston, pais nefropatias na espécie felina são:
2010). insuficiência renal aguda, doença renal
Quando os rins apresentam um
crônica, pielonefrite bacteriana, glo-
quadro de insuficiência entende-se que
merulopatias, doença policísticarenal,
a funcionalidade está comprometida,
amiloidose, nefrotoxicoses e neopla-
cabendo ao clínico veterinário iden-
sias (Anjos, 2014). O ideal seria que
tificar qual a função foi prejudicada e
qual o tipo de insuficiência, crônica ou a sensibilidade para identificar esses
aguda. A identificação, a caracteriza- pacientes de forma precoce fosse al-
ção e a diferenciação entre essas duas tíssima, para que assim o clínico pu-
insuficiências no paciente deve-se aos- desse interceder rapidamente com o
distintos modos de condutas clínicas. tratamento e acompanhamento desse
Apesar de ambas causarem grandes felino, retardando o progresso da grave
prejuízos sistêmicos, suas disseme- doença (Kasiske e Keane, 1991).
7. Nefrologia em medicina felina 89
Anatomia e A injúria renal aguda Afecções renais
fisiologia renal (IRA) é uma síndrome
clínica que desenvolve Injúria renal
O rim é uma estru- aguda
tura com bordas no for- um quadro súbito e
mato côncavo e convexo, muitas vezes reversível A injúria renal aguda
que ao corte transversal de insuficiência renal, (IRA) é uma síndrome
apresenta duas zonas: o responsável por desbalanços clínica que desenvolve
córtex (mais externo) e a hidroeletrolíticos e ácido- um quadro súbito e mui-
medular (mais interno). base graves ao organismo. tas vezes reversível de
Os rins do felídeo apre- insuficiência renal, res-
sentam uma posição retro peritoneal, ponsável por desbalanços hidroeletrolí-
sendo que o rim direito localiza-se uma ticos e ácidos-bases graves ao organismo
costela mais cranialmente que o esquer- (Santos, 2014). O prognóstico da IRA é
do. As dimensões renais normais de um reservado em felinos, aproximadamente
felino adulto quando avaliado pelo exa- 50% dos pacientes vão a óbito por essa
me de ultrassom são 3,8 a 4,4 centíme- síndrome, visto que a maior parte das
tros, já nos gatos filhotestendem a serem causas de injúria renal aguda em felinos
maiores e com passar dos anos dimi- não são facilmente controladas (Santos,
nuírem de tamanho (Ellenport, 1986; 2014).
Anjos, 2014). Causas de IRA em felinos podem ser
As alterações patofisiológicas renais divididas em pré-renais, renais intrínse-
resultam na incapacidade do órgão em cas e pós-renais (Bragato, 2013). Entre
realizar as funções excretora, reguladora as causas de injúria renal de origem pré-
e sintética. A ausência ou diminuição da -renal podemos citar a redução da perfu-
função excretora gera retenção de meta- são renal causada por inúmeros fatores,
bólitos nitrogenados, como ureia e crea- como hipotensão, hipovolemia aguda
tinina, que são eliminados via filtração e desidratação. Das desordens renais,
glomerular. A incapacidade de realizar podemos citar a presença de nefrotoxi-
as funções reguladoras causa alterações nas, doenças infecciosas parenquimais
nos equilíbrios eletrolíticos, ácido-base e glomerulonefritesimunomediadas.
e hídrico. E por fim, a falha na síntese Já nas causas pós-renais não podemos
de alguns produtos, como eritropoeti- deixar de citar a de maior incidência em
na, conversão da vitamina D e a pobre felinos, as obstruções do trato urinário
excreção de fósforo, podem ocasionar inferior (Melchert et al., 2007).
a anemia e hiperparatireoidismo se- A casuística da IRA no ambiente
cundário renal (Osbourne et al., 1972; hospitalar ou doméstico em humanos
Forrester e Lees, 1998). já está bem estabelecida. Estima-se que
90 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
aproximadamente 50% Em contraste aos dados 4 mL/kg/hora. Outro
dos casos são originados humanos há pouca ponto extremamen-
por isquemia renal, 35% documentação quanto te importante é que a
por agentes nefrotóxi- à frequência e casuística intensidade da azote-
cos, 10% são atribuídos das causas da IRA em mia não parece ser um
à nefrite intersticial e felinos, sendo os agentes fator prognóstico na
5% à glomerulonefri- nefrotóxicos a principal IRA, e sim o tempo de
te aguda (Costa et al., causa. permanência da mes-
2003). Em contraste aos ma (Castro, 2012).No
dados humanos há pou- ano de 2013, o IRIS
ca documentação quanto à frequência (International Renal Insterest Society)
e casuística das causas da IRA em fe- adaptou um esquema semelhante ao
linos, sendo os agentes nefrotóxicos a estadiamento da doença renal crônica
principal causa (Lunn, 2011). Por ou- para classificar e estratificar a gravida-
tro lado, Cooper e Lobato de da IRA em cães e gatos. Essa clas-
(2011) verificaram em sificação não se baseia
Independente da causa da em um paciente esta-
um estudo com 22 felinos IRA, a produção urinária
uma casuística diferente cionário, estável, pelo
é considerada um fator contrário representa
da relatada pelo autor aci- prognóstico importante. um momento no cur-
ma, sendo 36% dos casos Gatos olíguricos (< 0,5 mL/
so da doença e a mes-
de IRA causados por obs- kg/hora) ou anúricos (< ma pode mudar com a
trução urinária, 32% pela 0,08mL/kg/hora) têm mais
condição de melhora
descompensação da DRC chances de virem a óbito ou piora do paciente,
instalada, 14% por causas do que gatos com produção ou ainda evoluir para
desconhecidas e somente urinária normal (> 0,5 a doença renal crôni-
18% por nefrotoxinas. mL/kg/hora). ca. O estadiamento
Independente da cau-
discutido se baseia na
sa da IRA, a produção creatinina sérica, na produção urinária
urinária é considerada um fator prog- e na necessidade de terapia renal subs-
nóstico importante. Gatos olíguricos titutiva e destina-se a facilitar a tomada
(< 0,5 mL/kg/hora) ou anúricos (< de decisão terapêutica.
0,08mL/ kg/hora) têm mais chances O estágio I define gatos não azotê-
de virem a óbito do quegatos com pro- micos (creatinina < 1,6 mg/dL), mas
dução urinária normal (> 0,5 mL/kg/ com histórico, sinais clínicos e exames
hora) (Veado, Santos e Anjos 2014). laboratoriais e/ou evidência de ima-
Pacientes em fluidoterapia hidratados gem de lesão renal aguda, cuja apresen-
devem produzir a urina na taxa de 2 a
7. Nefrologia em medicina felina 91
tação clínica é facilmente responsiva ao do paciente em risco, como azotemia
tratamento de fluidoterapia. Os gatos grave, hipercalemia, distúrbios acido-
com aumentos séricos progressivos de básicos, hiper-hidratação, oligúria ou
0,3 mg/dL de creatinina, ao longo de anúria, ou a necessidade de eliminar
horas ou dias, mesmo estando nos va- nefrotoxinas(Santos, 2014).
lores de normalidade são considerados O tratamento do paciente com in-
estágio I. O estágio II define gatos com júria renal aguda baseia-se na etiologia,
lesão renal aguda, caracterizado por na sintomatologia clínica, nas comor-
azotemia discreta, progressiva e lenta bidades e nas informações obtidas nos
(creatinina 1,6 - 2,5 mg/dL), presen- exames complementares realizados,
ça de nefropatia crônica preexistente tais como: perfil urinário, hemogra-
e outras características de anamnese, ma, perfil bioquímico, ultrassonogra-
bioquímicas e/ou anatômicas (IRIS, fia abdominal, hemogasometria, entre
2013). outros. O paciente azotêmico pode
Nos estágios III, IV e V os gatos evoluir para um quadro de intoxica-
com IRA bem documentada apre- ção sistêmica pela ação dos compostos
sentam perda progressiva de função e nitrogenados em contato com as célu-
dano em parênquima renal. Os pacien- las e tecidos. Essa condição denomi-
tes estão com azotemia moderada a nada uremia ou síndrome urêmica é
grave, com intensidade crescente e até responsável por vários sinais clínicos,
mesmo insuficiência renal. Estão en- como gastroenterite, pneumonite, en-
quadrados no estadiamento III, IV e V, cefalopatia, hemólise, alterações de
respectivamente, os gatos com creati- permeabilidade endotelial e acidose.
nina entre 2,6 - 5 mg/dL , 5,1 - 10 mg/ Os mecanismos para tais sinais clíni-
dL e >10 mg\dL (IRIS, 2013). cos são: lesão endotelial, que resulta
Cada estágio da IRA informado em aumento da permeabilidade capi-
anteriormente é subestadiado com lar, ativando a cascata de coagulação
base na produção urinária e de acordo e predispondo ao tromboembolismo,
com a terapia renal substitutiva (TSR). hipoperfusão e infarto tecidual. Altas
Podemos considerar o paciente como concentrações de amônia na saliva e
oligúrico (O) ou não olígurico (NO). no suco gástrico geram estomatite ul-
Quanto ao subestadiamento, de acor- cerativa e necrótica, gastroenterite ul-
do com a terapia renal cerativa e hemorrágica,
substitutiva, é estabele- O paciente com IRA associados a alterações
cido sobre a necessida- geralmente apresenta sinais hidroeletrolíticas, como
de de correção de fato- clínicos devido ao acúmulo acidose metabólica, hi-
res que coloquem a vida de compostos nitrogenados. percalemia, hipercalce-
92 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
mia, hiperfosfatemia e outros (Castro, As orientações básicas para aten-
2012). der tais objetivos são: interromper a
O paciente com IRA geralmen- administração de todos os agentes ne-
te apresenta sinais clínicos devido ao frotóxicos; identificar e tratar toda e
acúmulo de compostos nitrogenados. qualquer causa de injúrias pré-renal,
Logo, para tratar esse felino é necessá- renal ou pós-renal; iniciar a fluidotera-
rio tentar retirar o mais pia intravenosa e repor a
rápido possível a causa A doença renal crônica desidratação em no má-
da IRA e manejar com (DRC) é definida como a ximo seis horas, além de
destreza a crise urê- presença de lesão persistente fornecer fluidos de ma-
mica. Os objetivos do por um período mínimo de nutenção e repor perdas
tratamento da IRA são três meses, caracterizada contínuas; avaliar e con-
eliminar os distúrbios pela perda definitiva e trolar o volume de pro-
hemodinâmicos e ali- irreversível da estrutura e da dução urinária; corrigir
viar os desequilíbrios função desse órgão. os distúrbios ácidos-
de água e solutos, a fim -bases e eletrolíticos. Ao
de dar tempo adicional hidratar o paciente sem-
aos néfrons para reparação e/ou hiper- pre monitore o peso corporal, os sóli-
trofia. Uma resposta positiva ao trata- dos plasmáticos totais, o hematócrito e
mento é indicada por um decréscimo a pressão do paciente, juntamente com
na concentração de creatinina sérica e o tratamento para controle do vômito,
um aumento na produção de urina. A da gastrite, da produção excessiva de
indução de diurese facilita o manejo da ácido gástrico e da hiperfosfatemia.
IRA por meio da diminuição das con- Considerando diálise peritoneal se não
centrações séricas de ureia, fósforo e houver resposta ao tratamento des-
potássio e por diminuir a probabilida- crito anteriormente (Nelson e Couto,
de de hiper-hidratação. Embora a Taxa 2010).
de filtração glomerular (TFG) e o fluxo
sanguíneo renal possam melhorar em Doença renal crônica
resposta à diurese, eles frequentemente A doença renal crônica (DRC) é
encontram-se inalterados e o aumento definida como a presença de lesão per-
da produção urinária é, na verdade, um sistente por um período mínimo de
resultado da diminuição da reabsor- três meses, caracterizada pela perda
ção tubular do filtrado. O aumento da definitiva e irreversível da estrutura e
produção urinária, por si só, não indi- da função desse órgão. O diagnóstico
ca melhora na TFG (Nelson e Couto, da DRC é efetuado por meio da anam-
2010). nese, dos achados no exame clínico e

7. Nefrologia em medicina felina 93


laboratorial e das alterações morfológi- cador, pois tem baixo limiar sérico já
cas que podem ser notadas no exame que boa parcela formada é completa-
de imagem ou biópsia renal (Polzin, mente eliminada pelos rins, caracte-
2005; Sanderson, 2009). rística que a torna favorável para ser
São avaliados valores de marcado- utilizada como índice de filtração glo-
res sanguíneos e urinários que desto- merular, além de ser um fácil exame de
em da normalidade, como: aumento rotina (Silveira, 1988).
das concentrações séricas de ureia e O estágio I inclui gatos que não são
creatinina (azotemia), hiperfosfatemia, azotêmicos (valores menores que 1,6),
alterações eletrolíticas, acidose meta- porém apresentam alguma anormali-
bólica, hipoalbuminemia, anemia não dade renal, como incapacidade de con-
regenerativa e aumento sérico de ami- centrar urina pelos rins, palpação renal
lase e lipase (Polzin, 2005; Mcgrotty, anormal e/ou achados de imagens ul-
2008). Um dos primeiros achados clí- trassonográficas anormais,proteinúria
nicos é a isostenúria, na qual reflete a de causa renal, resultado de biópsia
inabilidade de concentração da urina renal anormal. Enquanto que no es-
pelos rins, porém outros achados uri- tágio II estão os animais com dis-
nários comuns são: proteinúria, cilin- creta azotemia (1,6 - 2,8) e, geral-
drúria, hematúria renal, alterações do mente, não apresentam alterações
pH urinário, glicosúria renal e/ou cis- clínicas, com exceção de poliúria e
tinúria (Mcgrotty, 2008). polidpsia. Às vezes, esses pacientes
Os rins tornam-se incapazes de podem apresentar nesse estágio apetite
concentrar urina quando, aproxima- seletivo e perda de peso.Os felinos com
damente, 66% da funcionalidade dos valores séricos que os classificam como
néfrons é perdida e a azotemia ocorre azotemia moderada (2,9 – 5,0) são
apenas quando 75% deles já estão ina- classificados no estágio III da doença
tivos. Os valores de ureia e creatinina renal. E podem apresentar diversas
por vezes se elevam de tal modo que sintomatologias devido à perda da
causam sinais clínicos (uremia), porém capacidade de filtração. Caso não
a disfunção renal está presente no pa- recebam a terapia mais benéfica para
ciente antes mesmo das alterações bio- esse estágio, ou por uma progressão es-
químicas (Polzin, 2005). pontânea, o paciente pode avançar os
Para facilitar a escolha do trata- estágios (Polzin, 2005).
mento adequado e monitorar o pacien- O estágio IV da doença encontram-
te doente renal foi criado um sistema -se os animais com azotemia grave
de classificação em quatro estágios da (maior que 5), é a fase de falência renal.
DRC, pela IRIS. A creatinina é o mar- Ocorrem sinais significantes da uremia
94 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
e o tratamento designado deve princi- importante manter o animal hidratado,
palmente melhorar essas sintomatolo- permitindo sempre um acesso livre e
gias, como alterações gastrointestinais, interessante à água. Se necessário cor-
neuromusculares ou cardiovasculares rigir alterações, como hipertensão e
(Polzin, 2005). proteinúria.O tratamento é recomen-
Há também subclassificação por do quando a RPCU é superior a 0,4 no
meio da avaliação de proteinúria e pres- estágio I, II, III e IV (IRIS, 2015). A
são sanguínea sistêmica. terapia indicada é o uso
Esses valores são impor- Há também subclassificação de inibidores de enzima
tantes para predizer de por meio da avaliação conversora da angioten-
forma mais adequada o de proteinúria e pressão sina (iECA), como ena-
prognóstico da doença sanguínea sistêmica. Esses lapril ou benazepril, pois
valores são importantes
renal crônica (King et tem o intuito de modular
para predizer de forma mais
al., 2007). A relação pro- a pressão intraglomeru-
adequada o prognóstico da
teína/creatinina urinária lar.Quando não ocorre
doença renal crônica.
(RPCU) é considerada a resposta adequada aos
normal quando seus va- fármacos iECA, poderá
lores são inferiores a 0,2;os valores en- ser utilizado bloqueadores de receptor
tre 0,2 a 0,4 são considerados no limite de angiotensina II (BRAII), como lo-
superior; e acima de 0,4 são pacientes sartan ou irbesartan (Polzin, 2007).A
proteinúricos. A pressão arterial é clas- hipertensão deve ser tratada se exceder
sificada de acordo com o risco de dano 180 mmHg, ou se houver evidências
aos órgãos devido à hipertensão. Valores de retinopatia hipertensiva, ou lesões
menores que 150 mmHg produzem ris- centrais. O ideal é uma correção gradu-
co mínimo;aqueles entre 150 mmHg al da pressão, de modo que não lesione
a 160 mmHg produzem baixo risco;os órgãos-alvos ou cause uma súbita hipo-
que estão entre 160 mmHg a 180 mmHg tensão (Polzin, 2007; Elliott e Watson,
produzem risco moderado; e, finalmen- 2009). Em felinos, a terapia de escolha
te, osvalores acima de 180 mmHg pro- é o uso dos bloqueadores de canais de
duzem alto risco. A relação proteína / cálcio, como besilato de anlodipino.
creatinina urinária e a pressão arterial Indicações de dose são 0,625 mg/gato
sistólica variam de forma independente para felinos de até 5 kg de peso e 1,25
uma da outra e independente do estágio mg/gato com pesos acima de 5 kg, se
da doença renal (IRIS, 2013). não houver sucesso terapêutico deve-se
A abordagem terapêutica é de acor- dobrar a dose (Polzin, 2007).
do com os estágios da DRC classifica- No estágio II, pode-se notar o au-
dos pelo IRIS (2013). No estágio I é mento sérico do paratormônio, mesmo
7. Nefrologia em medicina felina 95
na presença de concentrações séricas so, necessitando de terapia intensiva.
de fósforos normais. Portanto, nesses Ocorre também perda de vitaminas
pacientes estágio II da DRC, o ideal é hidrossolúveis, por isso recomenda-
manter o fósforo em concentrações de -se a suplementação de vitaminas do
4,5mg/dl, o qual é possível com balance- complexo B (Polzin e Osborne, 1995;
amento dietético, opção por uma ração Plotnick, 2007).Com a progressão da
hipofosfórica (Elliott e Lefebvre, 2006; doença os sinais da uremia persisten-
Polzin, 2007; Polzin. 2008). Contudo, te são muito mais graves. Ocorre uma
em estágios mais avançados geralmen- perda de peso acentuada, disorexia e
te é necessário o uso de quelantes para perda de qualidade de vida. Nesse es-
atingir esse objetivo, podendo utilizar tágio a indicação de dieta terapêutica é
o hidróxido de alumínio administrado baseada numa dieta com baixos níveis
junto com o alimento ou logo após a de proteína, a composição deve apre-
refeição, na dose de 30 a 90 mg/kg/dia. sentar proteína de alto valor biológico
Outro quelante eficiente é o carbo- em teores adequados e que permitam
nato de cálcio (90 a 150 mg/kg/dia) menor formação de compostos nitro-
(May e Langston, 2006). Pacientes genados, deve ser uma nutrição hi-
no estágio II podem apresentar aci- possódica para evitar a hipertensão e
dose metabólica devido a inabilidade hipofosfórica, para não elevar os níveis
de excreção de ácidos e reabsorção de fósforo. Outros ingredientes impor-
de bicarbonato, desse modo pode ser tantes são as fibras, que atuam como
necessário a reposição sérica de bi- substrato para as bactérias que utilizam
carbonato (Polzin, 2007). O felino a ureia como fonte de crescimento, e
desenvolve mais facilmente hipocale- os ácidos graxos (ômega 3),no intuito
mia, 20% a 30% dos gatos com DRC de diminuir o processo inflamatório
podem apresentar hipocalemia crônica (Elliott e Lefebvre, 2006).
(May e Langston, 2006). O tratamen- Para os pacientes III e IV pode ser
to da hipertensão é indicado quando necessário a indicação de calcitriol na
for superior a 160 mmHg, o uso do tentativa de diminuir os fatores que
anti-hipertensivo deve ser conforme o contribuem para a formação de hiper-
prescrito para o estágio I. Esse valor de paratireoidismo secundário, como a
pressão sistólica também requer trata- deficiêncida de vitamina D3 ativa. A te-
mento para pacientes do estágio III e rapia só deverá ser iniciada após os ní-
IV (Polzin, 2005). veis de fósforo sérico forem inferiores a
No estágio III todos os sinais clíni- seis mg/dl. A posologia terapêutica é de
cos que apareceram no I e II, também 1,5 a 3 mg/kg/dia, sendo a monitoração
estão presentes, porém mais inten- rigorosa, mensurando paratormônio,
96 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
cálcio iônico e fósforo sérico (Polzin, da bomba de prótons,antieméticos e
2005; May e Langston, 2006; Elliott e protetores de mucosa. Considerando
Watson, 2009). recalcular a dose para medicamentos
A anemia é um dos fatores mais que apresentam excreção renal, para
comprometedores da qualidade de vida evitar grandes lesões e superdosagens
do paciente nefropata, sendo vista facil- (Polzin, 2005).
mente nos estágios III e IV. A interven- O estágio IV compreende a evolu-
ção deve ser feita quando o hematócrito ção final da DRC, as manifestações clíni-
for inferior a 20% e manifestações pos- cas são extremamente mais exacerbadas
sam ser atribuídas à anemia. O objetivo e também mais refratárias, as indicações
é de manter o hematócrito desse pa- terapêuticas são semelhantes às citadas
ciente entre 30% e 40% (Polzin, 2005; em estágio III. Nessa fase é possível
Nelson e Couto, 2009). Após a exclusão apresentar oligúria, anúria e hipercale-
de outros fatores que poderiam cau- mia nas crises urêmicas (Polzin, 2008;
sar anemia, a indicação é o uso de eri- Elliott e Watson, 2009).Nas crises urê-
tropoietina recombinante humana, na micas a indicação de hemodiálise pode
dose de 50 a 100 UI/kg de duas a três ser proposta, mas sabendo que essa te-
vezes por semana. Alguns efeitos cola- rapia apresenta apenas uma melhora
terais podem ser notados, como hiper- temporária, pois o retorno das toxinas
tensão sistêmica, hipercalemia, convul- nitrogenadas é certo (Adin et al., 2001;
sões, além da produção de anticorpos Katayama e Mcanulty, 2002).
antieritropoetina. A suplementação de
ferro é fator importante, pois concomi- Amiloidose
tante com a eritropoietina promovem a A amiloidose é uma afecção causada
hemoglobinização, a dose para felinos pelo depósito extracelular de material
é de 50 a 100 mg/dia (Plotnick, 2007; eosinofílico, amorfo de característica
Polzin, 2008). proteico-fibrilar (pro-
Os sintomas conco- A amiloidose é uma afecção teína amilóide). Pode
mitantes à uremia não causada pelo depósito ter origem familiar,
devem ser negligencia- extracelular de material apresentando a forma
dos, pois compromete eosinofílico, amorfo de sistêmica e hereditária,
significativamente o es- característica proteico- devido a uma provável
tado geral do paciente. fibrilar (proteína amilóide). herança autossômica
Náusea, vômitos, diar- dominante de penetrân-
reia e diminuição do cia incompleta. Essa for-
apetitedevem ser controlados com fár- ma é comum no caso das raças felinas:
macos bloqueadores de H2,inibidores Abissínio, Oriental e Siamês. O diagnós-
7. Nefrologia em medicina felina 97
tico é confirmado por A DRP é a principal ficos (renomegalia e alte-
meio da biópsia e por doença hereditária em ração morfológica), pela
análise histopatológica, felinos. Tem caráter imagem ultrassonográfi-
a terapêutica é restrita e autossômico dominante, ca (presença de diversos
limitada, principalmente acomete principalmente cistos renais, sensibili-
devido ao prognóstico gatos da raça persa ou dade de 91% do exame)
ser predominantemente seus cruzamentos, sendo e exame genético (cons-
desfavorável, já que o de- prevalente em 38% dos tatação da presença do
pósito proteico estabele- persas. gene). A terapia não é
cido na medular dos rins específica para DRP, mas
é irreversível (Reis et al, sim com o intuito de
2001, Ménsua et al, 2003; Anjos, 2014). amenizar a progressão da doença renal
e sinais da uremia, caso somente um rim
Doença renal policística esteja afetado, há a opção de nefrecto-
(drp) mia (Gonzales e Froes, 2003;Colletti,
A DRP é a principal doença heredi- 2006; Maske, 2009; Anjos, 2014).
tária em felinos. Tem caráter autossômi-
co dominante, acomete principalmente
Linfoma renal
gatos da raça persa ou seus cruzamentos, A neoplasia renal mais comum na
sendo prevalente em 38% dos persas. A espécie felina. O prognóstico a longo
doença causa o crescimento progressi- prazo é reservado, apesar da respos-
vode cistos espalhados no parênquima ta inicial à quimioterapia ser favorável
renal causando renomegalia. Os cistos (Anjos, 2014). Em mais da metade dos
são formados pela obstrução intralumi- casos de linfoma renal os pacientes são
nal ou extraluminal dos túbulos renais, negativos para FeLV. O gato com linfo-
podem acometer um ou ambos os rins, ma renal pode apresentar renomegalia
além de outros órgãos, como fígado, unilateral ou bilateral. A Probabilidade
pâncreas e útero. Os sinais clínicos po- de um gato com linfoma renal vir a apre-
dem estar ausentes, a depender da ma- sentar, subsequentemente, envolvimen-
nifestação e do estágio da afecção ou to do SNC é de aproximadamente 40%
sinais semelhantes à da a 50% (Crystal, 2004).
doença renal crônica. A neoplasia renal mais Os sinais clínicos são
O diagnóstico é basea- comum na espécie felina. relacionados à insufi-
do pelos sinais clínicos O prognóstico a longo ciência renal, uma vez
(uremia), resultados la- prazo é reservado, apesar que a doença é usual-
boratoriais (azotemia), da resposta inicial à mente bilateral (Morris
pelos achados radiográ- quimioterapia ser favorável. e Dobson, 2007).
98 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
Nefrotoxicose Pielonefrite
os rins são altamente susceptíveis a pielonefrite refere-se a infecção da
aos agentes tóxicos, devido as suas ca- pelve e do parênquima renal, especial-
racterísticas anatômicas e fisiológicas mente da medula adjacente, com exten-
únicas. O grande fluxo sanguíneo renal são potencial para o córtex. A doença
resulta no afluxo aumen- pode manifestar-se de
tado de agentes tóxicos Os agentes tóxicos forma unilateral ou bila-
oriundos do sangue para perturbam as vias teral, aguda ou crônica.
o rim, do que compara- metabólicas que geram A infecção pode ocorrer
do a outros órgãos. O trifosfato de adenosina por migração ascenden-
(ATP), com a consequente te de bactérias patogê-
córtex renal é especial-
perda de energia a bomba nicas presentes no trato
mente susceptível aos
de sódio-potássio falha, urinário inferior ou via
tóxicos, pois recebe 90%
causando edema e morte hematógena, provenien-
do fluxo sanguíneo renal
celular. tes de focos distantes. O
e contém a grande área
diagnóstico é fundamen-
de superfície endotelial
tado no histórico clínico, no exame físi-
dos capilares glomerulares. Os agentes
co e nos achados laboratoriais (Galvão,
tóxicos perturbam as vias metabóli-
Odani e Ferreira, 2010).
cas que geram trifosfato de adenosina
A pielonefrite é menos comum na
(ATP), com a conse-
espécie felina do que ca-
quente perda de energia A pielonefrite refere- nina. Suspeita-se dessa
a bomba de sódio-po- se ainfecção da pelve e afecção quando houver
tássio falha, causando do parênquima renal, dilatação das pelves re-
edema e morte celular. especialmente da medula nais ao ultrassom abdo-
Os principais agentes adjacente, com extensão minal ou urografia excre-
nefrotóxicos em gatos potencial para o córtex. A tora. Os achados clínicos
são anti-inflamatórios doença pode manifestar- e laboratoriais na pielo-
não esteroides (AINES) se de forma unilateral ou nefrite são leucocitose
e antimicrobianos, den- bilateral, aguda ou crônica. persistente responsiva
tre os antimicrobianos ou não à antibioticote-
pode-se citar os aminoglicosídeos, cefa- rapia, dor na região renal, entre outros
losporinas, sulfonamidas e tetraciclinas sinais relacionados a síndrome urêmi-
(Nelson e Couto, 2010). Em especial, ca. A etiologia geralmente é bacteriana.
os AINES inibem a ação nefroprotetora Entre os diagnósticos diferenciais de
das prostaglandinas e autorreguladora pielonefrite está a obstrução urinária,
do fluxo sanguíneo renal, levando à IRA. com desenvolvimento de hidronefrose
7. Nefrologia em medicina felina 99
e fluidoterapia 12 horas antecedentes aplicados ao programa de pós-graduação em ci-
ência animal da escola de veterinária e zootec-
ao exame. O diagnóstico deve ser con- nia da universidade federal de Goiás, Goiânia,
firmado com punção guiada por ultras- 2013.
som da pelve renal ou da bexiga no in- 4. CASTRO, A. V. Lesão Renal Aguda. In:
tuito de coletar urina para a realização RABELO, R. C. Emergência de pequenos ani-
mais: Condutas clínicas e cirúrgicas no pacien-
da cultura e do antibiograma. A escolha te grave. Rio de Janeiro: Elsevier, p. 1011-1015,
do antibiótico deve ser de acordo com 2012.

o resultado laboratorial e administrado 5. COLLETTI, A.F. Doença renal policística fe-


lina. Especialização “Lato Sensu”, Curso de
por um período mínimo de quatro a seis Pós-Gradução em Clínica Médica de Pequenos
semanas. Nova cultura e antibiograma Animais. Universidade Castelo Branco, São
Paulo, 2006.
devem ser realizados após esse período
(Santos, 2014). 6. COOPER, R. L., LOBATO, M. A. Peritoneal
dialyses in cats acute kidney injury: 22 cases
(2001-2006). Journal of Veterinary Internal
Considerações finais Medicine. Lawrence, v.25. p.14-19, 2011.

As afecções relatadas são de grande 7. CRYSTAL, M. A. Linfoma. In:


NORSWORTHY, G. D., CRYSTAL, M. A.,
importância na medicina felina devi- GRACE, S. F., TILLEY, L. P. O paciente feline.
do à sua alta casuística, sendo que uma 2aEd. São Paulo: Manole, p.386-389, 2004.
porcentagem considerável cursará com 8. CUNINGHAM, J., KLEIN, B. Tratado de
óbito do animal. O papel do médico Fisiologia Veterinária. 3ªEd., Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan. p.375-478, 2004.
veterinário é a identificação rápida des-
9. ELLIOTT, D., LEFEBVRE, H. Chronic re-
se paciente, instituindo um tratamento nal disease: the importance of nutrition. In:
adequado e precoce de modo a minimi- PIBOT, P. et al. Encyclopedia of canine clinical
nutrition. France: Edta. Aniwa SAS on behalf of
zar os danos permanentes e contribuir Royal Canin. p.252-282, 2006.
para um bom prognóstico.
10. ELLIOTT, J., WATSON, A.D.J. Chronic kid-
ney disease: staging and management. In:
Referências bibliográficas BONAGURA, J.D., TWEDT, D.C. Kirk’s cur-
rent veterinary therapy XIV. St. Louis: Saunders
1. ADIN, C.A., GREGORY, C.R., KYLES, A.E., Elsevier. p.883-891, 2009.
COWGILL L. Diagnostic predictors of compli-
cations and survival of renal transplantation in 11. FORRESTER, S. D., LEES, G. E. Nefropatia e
cats. VeterinarySurgery, v.30, p. 515-521, 2001. ureteropatias. In BICHARD, S. J., SHERDING,
Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley. R. G. Manual Sauders: clínica de pequenosani-
com/10.1053/jvet.2001.28418> Acesso em: mais. São Paulo: Roca. p.901-925, 1998.
10 ago. 2016.
12. GALVÃO, A. L. B, ONDANI, A. C.;
2. ANJOS, T. M. Nefrologia em medicina felina. FERREIRA, G.S. Pielonefrite em peque-
In: SANTOS, K. K. F. Guia prático de nefrolo- nos animais – Revisão de literatura. Revista
gia em cães e gatos. Rio de Janeiro: L. F. Livros, Científica Eletrônica Medicina Veterinária,
p. 109-142, 2014. n.15, 2010.

3. BRAGATO, N. Fisiologia renal e insuficiência 13. GONZALES, J.R.M., FROES, T.R. Doença
renal aguda: causas e consequências. Seminário renal policística autossômica dominante. In:
apresentado junto à disciplina de seminários SOUZA, H.J.M. Coletâneas em Medicina e

100 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


Cirurgia Felina. São Paulo: L.F. Livros, p.165- 24. MAY, S.N., LANGSTON, C.E. Managing chro-
172, 2003. nic renal failure. Compendium Veterinary, v.2,
p.853-864, 2006.
14. IRIS.Stagingof CKD, 2013. Disponível em:
<http://www.iriskidney.com/guidelines/en/ 25. MCGROTTY, Y. Diagnosis and management
staging_ckd.shtml>. Acesso em: 18 ago. 2016. of chronic kidney disease in dogs and cats.
Companion Animal Practice, v.30, p.502-507,
15. IRIS.Stagingof CKD, 2015. Disponível em: 2008.
<http://www.iris-kidney.com/guidelines/sta-
ging.shtml>. Acessoem: 18 ago. 2016. 26. MELCHERT, A., LAPOSY, C. B.,
MOTTA, Y. P., GARCIA, A. C. F. Z.
16. KASISKE, B. L., KEANE, W. F. Laboratory as- Gamaglutamiltranspeptidase urinária como
sessment of renal disease: clearance, urinalysis indicador na insuficiência renal aguda indu-
and renal biopsy. In: BRENNER, B. M. The zida por gentamicina em cães. Arquivos de
Kidney. Philadelphia: W.B. Saunders Company, Ciências Veterinárias e Zoologia da UNIPAR,
p.1137-1174, 1991. Umuarama, v.10, p.111-116, 2007.
17. KATAYAMA, M., MCANULTY, J.E. Renal 27. MÉNSUA C., CARRASCO L., BAUTISTA
transplantation in cats: techniques, complica- M.J., BIESCA E., FERNÁNDEZ A., MURPHY
tions and immunosuppression. Compendium C.L., WEISS D.T., SOLOMON A., LUJÁN L.
on Continuing Education for the Practicing AA amyloidosis in domesticsheepandgoats.
Veterinarian, v.24, n.11, p.874-882, 2002. VeterinaryPathology. v.40, p.71-80, 2003.
18. KING, J. N, TASKER, S., GUNN-MOORE, 28. MORRIS, J., DOBSON, J. Sistema hematopoi-
D. A., STREHLAU, G., BENDERIC STUDY ético. In: Oncologia em pequenos animais. São
GROUP. Prognostic factores in cats with chro- Paulo: Roca, p.229-252, 2007.
nic kidney disease. Journal Veterinary Internal
Medicine, v.21, n.5, p.906-916, 2007. 29. NELSON, R. W., COUTO, C. G. Medicina
interna de pequenos animais. Rio de Janeiro:
19. LABATO, M. STRATEGIES for management Elsevier, p.609-694, 2010.
of acute renal failure. Veterinary Clinics of
North America: Small Animal Practice , v.31, 30. NELSON, R.W., COUTO, G.C. Small Animal
p.1265-1287, 2001. Internal Medicine, St. Louis: Elsevier Saunders.
p.645-659, 2009.
20. LANGSTON, C. Acute uremia. In S. J. Ettinger,
E. C. Feldman, Textbook of Veterinary Internal 31. OSBOURNE, C. A., LOW, D. G., FINCO, D.
Medicine: Diseases of the Dog and the Cat, R. Extrarenal manifestations of uremia. In.:
7aed. St Louis: Elsevier Saunders, p.1969-1985, Canine and feline urology. Philaphelphia: W.B.
2010. Saunders Company. p.135-146, 1972.
21. LANGSTON, C. Managing fluid and elec- 32. PLOTNICK, A. Feline chronic renal failure:
trolyte disorders in renal failure. Veterinary long-term medical management. Compendium
Clinics of North America: Small Animal Veterinary, v.1, 2007.
Practice, v.38, p.677-97, 2008.
33. POLZIN, D., OSBORNE, C. Conservative me-
22. LUNN, K. F. The kidney in critically ill small dical management of chronic renal failure. In:
animals. Veterinary Clinicals of North America OSBORNE, C.A.; FINCO, D.R. Canine and
Small Animal Practice, Philadephia, v.41, feline nephrology and urology. United States of
p.727-744, 2011. America: Williams & Wilkins. p.505-507, 1995.
23. MASKE, M.C. Prevalência da doença renal 34. POLZIN, D.J. 11 Guidelines for conservative-
policística em gatos na cidade de Blumenau- ly treating chronic kidney disease. Veterinary
Santa Catarina, no período de agosto de 2006 a Medicine, peer-reviewed. p.788- 799, 2007.
fevereiro de 2009. Curso de Especialização em
Diagnóstico por Imagem Veterinária, Análogo 35. POLZIN, D.J. Chronic kidney disease. In:
ao Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”. ETTINGER, S.J., FELDMAN, E.C. Textbook
ANCLIVEPA-SP, 2009. of veterinary internal medicine. St. Louis:

7. Nefrologia em medicina felina 101


Elsevier Saunders. p.1756-1785, 2005.

36. POLZIN, D.J. Diagnosing & staging kidney


disease in dogs and cats, 2008. Disponível em:
<www.chicagovma.org/pdfs/ceprograms/
CVMA%20Notes.pdf. acesso em: 10 ago. 2016.

37. REIS J.L., SILVA F.L., RACHID M.A. ;


NOGUEIRA R.H.G. Amiloidose renal em cão
Shar-Pei: Relato de caso. Arquivo Brasileiro de
Medicina Veterinária e Zootecnia. v.53, n.4,
p.1-4, 2001.

38. RIESER, T. M. Urinary Tract Emergencies.


Veterinary Clinics of North America: Small
Animal Practice v.35, p.359-373, 2005.

39. SANDERSON, S.L. Measuring glomerular


filtration rate: practical use of clearance tests.
In: BONAGURA, J.D., TWEDT, D.C. Kirk´s
current veterinary therapy XIV. St. Louis:
SaundersElsevier. p.872-879, 2009.

40. SANTOS, K. K. F.Guia Prático de Nefrologia


em Cães e Gatos, Rio de Janeiro: L.F.Livros,
p.272, 2014.

41. SANTOS, K. K. F. Nefrologia em medicina


felina. In: SANTOS, K. K. F. Guia prático de
nefrologia em cães e gatos. Rio de Janeiro: L. F.
Livros. p.33-44, 2014.

42. SILVEIRA, J. Bioquímica clínica. In.: Patologia


clínica veterinária – teoria e interpretação. Rio
de Janeiro: Guanabara. p.86-97, 1988.

43. VEADO, J. C. C., SANTOS, K. K. F., ANJOS,


T. M. Nefrologia em medicina felina. In:
SANTOS, K. K. F. Guia prático de nefrologia
em cães e gatos. Rio de Janeiro: L. F. Livros,
p.23-31, 2014.

102 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


8. Doenças do trato
urinário inferior
dos felinos

bigstockphoto.com

Grazielle Amaro Siqueira De Sousa1 – CRMV-MG-12695 1


Mv, Especializaçao em clínica e cirurgica de felinos,
Vítor Maia2 residente da UFMG
Fernanda Dos Santos Alves3 – CRMV-MG-9539 2
Estudante de veterinária da UFMG
3
Mv, Msc, doutoranda em ciência animal (UFMG)
Gabriela De Menezes Paz4 – MG-15308 4
Mv, residente da UFMG
Manuela Bamberg Andrade5 5
Mv, residente da UFMG -MG-15196
Nathalia Das Graças Dorneles Coelho6 6
Mv, Residente da UFMG -MG-15146

Introdução Como fatores de risco, observam-se


idade, sexo, estado reprodutivo, fatores
Dentre as doenças que acometem
dietéticos, ingestão de água, pH urinário
os gatos domésticos, as doenças do trato
e estresse (Reche, 1998; Horta, 2006).
urinário inferior dos felinos (DTUIFs)
compreendem diversas desordens que, Os gatos persas parecem apresentar pre-
como sinal clínico, apresentam: hema- disposição genética (Costa, 2009).
túria, disúria, polaquiúria, periúria e Os animais de dois a seis anos,
presença ou não de obstrução completa machos e castrados, são os mais
ou parcial (Souza, 2003; Kaufmann, frequentemente acometidos; os machos
2009; Giovaninni, 2010). devido à menor elasticidade e diâme-
8. Doenças do trato urinário inferior dos felinos 103
tro uretral, e os castrados devido à re- ção parassimpática, de modo que, logo
dução da atividade física, à tendência que a vesícula alcança certo grau de
à obesidade e às mudanças metabóli- distensão, impulsos são liberados e ini-
cas (Norsworthy,2004; Horta, 2006; bem as atividades simpáticas, promo-
Kaufmann, 2009). vendo a contração do músculo detru-
sor e o relaxamento uretral e do colo e,
Neurofisiologia assim, o esvaziamento vesical (Souza,
Para que ocorra micção, é 2003). A neurofisiologia possibilita
necessário o relaxamento dos es- diferenciar causas obstrutivas e pato-
fíncteres uretrais externo e interno logias que atingem o sistema nervoso
e a contração do músculo detrusor (Souza, 2003; Almeida, 2009).
(Souza, 2003). A inervação simpáti-
ca da vesícula urinária e da uretra é Etiologia
efetuada pelo nervo hipogástrico, já A etiologia das doenças do trato
a inervação parassimpática colinér- urinário inferior dos felinos pode ser
gica é realizada pelo nervo pélvico multifatorial, complexa e muitas ve-
e atua sobre o músculo detrusor es- zes indeterminada (Kaufmann, 2009;
timulando a contração vesical. O Giovaninni, 2010).
nervo pudendo é responsável pela A obstrução do lúmen uretral pode
inervação somática da ocorrer de forma me-
uretra e pela inervação A micção é controlada cânica, anatômica ou
do esfíncter uretral pela inervação funcional, seja por meio
externo (Souza, parassimpática, de debris no sítio de
2003; Almeida, 2009; ...promovendo obstrução, denominada
Giovaninni, 2010). a contração do obstrução intramural,
A continência uri- músculo detrusor e o seja por lesão no sítio
nária é denominada fase relaxamento uretral de obstrução, poden-
simpática e ocorre pelo e do colo e, assim, o do ser mural ou extra-
relaxamento do múscu- esvaziamento vesical mural, seja por oclusão
lo detrusor devido ao (Souza, 2003). funcional (Souza, 2003;
aumento da atividade Almeida, 2009; Martin,
β-adrenérgica, ao con- 2011).
trole do esfíncter uretral interno pela Dentre as principais causas intra-
influência α-adrenérgica e do esfíncter murais, têm-se os urólitos, as neopla-
uretral externo pelo nervo pudendo sias e os tampões uretrais, também no-
(Souza, 2003). meados “plugs” (Souza, 2003; Galvão,
A micção é controlada pela inerva- 2010; Rosa, 2011). As causas murais

104 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


ou extramurais estão relacionadas a es- A formação dos cristais estéreis
tenoses uretrais por edema ou fibrose, está provavelmente ligada a um con-
e, em menor frequência, a neoplasias e junto multifatorial: queda no volume e
a lesões na glândula prostática (Souza, aumento na densidade urinária, secun-
2003; Hardie, 2004). A obstrução fun- dários à baixa ingestão de água; consu-
cional ocorre devido à inabilidade de mo excessivo de alimentos, podendo
micção em virtude da resistência ex- resultar em obesidade, e alta excreção
cessiva da musculatura do colo vesical de minerais (alguns calculogênicos)
ou da uretra, na ausência de obstrução pela urina (Lazarotto, 2001).
anatômica (Souza, 2003; Almeida, Já para os cristais induzidos por in-
2009; Galvão, 2010). Entre as princi- fecção, a hipótese principal se relaciona
pais causas de obstrução em gatos, po- à urease microbiana: hidrólise da ureia
de-se citar a urolitíase, os tampões ure- com alcalinização da urina e, conse-
trais, os agentes infecciosos e a cistite quentemente, formação de íons fosfato
idiopática (Horta, 2006; Rosa, 2011). e amônio (Lazarotto, 2001).
Por sua vez, o terceiro mecanismo,
Urolitíase ligado aos tampões uretrais de estru-
A hiperestenúria dos felinos natural- vita, é sugerido como resultante de
mente os predispõe à formação de cálcu- uma associação dos fatores predispo-
los urinários. Sua baixa ingestão de líqui- nentes do cristal de estruvita estéril e
dos determina reduzido volume urinário, dos induzidos por infecção, sendo uma
tornando-os mais susceptíveis a quadros das causas mais comuns de obstrução
clínicos de desidratação e desenvolvi- uretral em gatos (Lazarotto, 2001;
mento da urolitíase (Monferdini, 2009; Pinheiro, 2009).
Lazarotto, 2001; Galvão, 2010). Os urólitos de oxalato de cálcio
Os urólitos mais frequentes são ocupam cerca de 40% dos encontra-
os de estruvita e de oxalato de cálcio. dos em felinos. O risco de formação
Outros menos frequentes são os de ura- desses urólitos parece estar associado
to de amônio, o fosfato de cálcio, a cis- ao uso frequente de dietas acidifican-
tina e a sílica ou mesmo mistos (Horta, tes, com restrição do teor de mag-
2006; Almeida, 2009; Pinheiro, 2009). nésio (Horta, 2006; Almeida, 2009;
A formação e o desenvolvimen- Pinheiro, 2009).
to dos cristais de estruvita parecem Urólitos largos com mais de 5mm
ocorrer por meio de três mecanismos: de diâmetro podem obstruir a uretra
cristais estéreis, induzidos por infec- de fêmeas (Costa, 2009) e, nos ma-
ção e por tampões uretrais de estruvita chos, urólitos superiores a 0,7mm po-
(Lazarotto, 2001). dem levar à obstrução.
8. Doenças do trato urinário inferior dos felinos 105
Tampões uretrais por cateterizações urinárias, ure-
trostomias perineais ou cistotomias
Tampões uretrais constituem a (Pinheiro, 2009; Giovaninni, 2010).
maior causa de obstrução nos gatos
machos. São compostos primaria- Cistite idiopática
mente por uma matriz orgânica (mu-
coproteínas, albumina, globulina, Essa síndrome é caracterizada por
células, entre outros), polaciúria e disúria.
com consistência si- As infecções bacterianas Felinos com DTUIF
milar à gelatina, e por são raras em gatos, apresentam inflamação
uma matriz inorgânica ocorrendo em animais neurogênica da vesícula
(os cristais). Podem cujo sistema imune urinária, diminuição da
estar envolvidos por encontra-se debilitado excreção renal de gli-
material amorfo de devido a doenças ou cosaminoglicano e al-
origem diversa como tratamentos. teração na permeabili-
eritrócitos, leucócitos, dade epitelial da bexiga
células epiteliais e/ (Reche, 1998; Almeida,
ou bactérias (Horta, 2006; Almeida, 2009; Rosa, 2011). Caso não haja
2009; Pinheiro, 2009). evidências radiográficas, a análise de
A matriz orgânica se desprende
sedimentos apresente-se sem altera-
da parede vesical por inflamação,
ções e a urocultura não revele resulta-
ocorrendo esta devido a causas idio-
dos positivos, o diagnóstico de cistite
páticas, neurogênicas ou secundárias
idiopática poderá ser estabelecido por
a infecções, neoplasias ou em razão
exclusão (Balbinot, 2006; Pinheiro,
da presença de urólitos (Pinheiro,
2009). 2009).

Agentes infecciosos Outros

As infecções bacterianas são ra- Outras causas de DTUIF, bem


ras em gatos, ocorrendo em animais menos frequentemente relatadas, são
cujo sistema imune encontra-se de- traumatismo, alterações neurogêni-
bilitado devido a doenças ou trata- cas, neoplasias e defeitos anatômicos,
mentos. A possibilidade de infec- como anomalias do úraco, estenose
ções do trato urinário aumenta com uretral e uretra mal posicionada. As
a idade, com a existência de cálculos alterações congênitas são mais encon-
e devido à urina diluída, bem como tradas nas raças Persa e Manx (Costa,
em gatos que já tenham passado 2009).
106 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
Sinais clínicos conjunta a oligúria e hematúria, lon-
go período de tempo em posição de
Nos felinos obstruídos, os sinais
micção, periúria, lambedura da geni-
clínicos evidentes dependem do tem-
tália e miados incessantes (Kaufmann,
po de duração da obstrução. Tentativa
2009).
de micção falha, andar de um lado
No animal com obstrução total ou
para o outro, lambedura compulsiva
parcial, a bexiga pode estar repleta e
da genitália, demonstração de ansie-
distendida, apresentando parede es-
dade, sensibilidade abdominal e pênis
pessada, sensibilidade à palpação, es-
exposto ou congesto surgem inicial-
vaziamento difícil ou impossível pela
mente. A obstrução total cursa com
compressão, com alto risco de ruptura
a sintomatologia de azotemia pós-re-
(Horta, 2006; Kaufmann, 2009).
nal dentro de 36 a 48 horas, que leva
à anorexia, ao vômito, à desidratação,
à depressão, à fraqueza, ao colapso, ao
Diagnóstico
estupor, à hipotermia, à acidose com A avaliação do histórico clínico e
hiperventilação, à bradicardia e/ou à o exame físico do paciente, o diag-
morte súbita (Horta, 2006; Almeida, nóstico por imagem (radiografia e
2009; kaufmann, 2009). ultrassonografia) e os exames labo-
Na obstrução parcial, observa-se ratoriais constituem importantes
principalmente polaciúria polaquiúria ferramentas para determinar diag-

Turgor cutâneo reduzido em paciente com obstrução uretral recebido no HV-UFMG.


Arquivo pessoal

8. Doenças do trato urinário inferior dos felinos 107


nóstico, evolução da presença e espécie de
A análise do urólito
afecção e prognóstico bactéria, se presente. A
é fundamental
do paciente (Horta, urocultura com antibio-
para conhecer sua
2006; Galvão, 2010; composição, a fim de grama está indicada em
Martin, 2011). selecionar protocolos todos os gatos cujos si-
terapêuticos para sua nais de DTUIF sejam re-
Análise de urina correntes e sempre que o
dissolução e prevenção.
A urina deve ser felino tenha mais de 10
coletada preferencial- anos, tenha passado por
mente por cistocentese, e a amostra uma uretrostomia perineal ou uma cate-
deve ser analisada nos 15 a 30 minu- terização e/ou apresente uma densida-
tos seguintes à coleta. A refrigeração de urinária inferior a 1,030 (Pinheiro,
poderá levar à formação de cristais e, 2009).
assim, a falsos positivos em aproxi- Hematologia e bioquímica sérica
madamente 28% dos gatos (Pinheiro, As alterações mais frequentes são:
2009; Kaufmann, 2009). A cristalú- proteína sérica aumentada, hipercale-
ria, por si só, não é patogênica, mas mia, hipercalcemia, hiperfosfatemia,
representa um potencial fator de ris- hipermagnesemia, hipercolesteremia,
co para a formação de urólitos, sendo acidose metabólica, creatinina, ureia e
importante em animais que tenham outros catabólicos de proteína em níveis
ou tiveram urolitíase, história de obs- séricos aumentados (Almeida, 2009;
truções urinárias ou cristalúria per- Lima, 2009; Galvão, 2010).
sistentes (Pinheiro, 2009). A análise
do urólito é fundamental para conhe-
Exame de imagem
cer sua composição, a fim de sele- O exame radiográfico é recomenda-
cionar protocolos terapêuticos para do em todos os casos, para investigação
sua dissolução e prevenção (Alves, de urolitíase e por permitir a avaliação
2006). da coluna vertebral, verificando a pre-
sença de trauma espinal (Souza, 2003;
Cultura de urina Tilley, 2003; Galvão, 2010). A radio-
Os resultados da urinálise compa- grafia simples pode identificar a exis-
tíveis com a infecção do trato urinário tência de cálculos radiopacos na uretra
incluem bacteriúria, hematúria, piúria, e na vesícula urinária, assim como nos
aumento da quantidade de células rins. As posições lateral e ventrodor-
epiteliais e proteinúria, contudo a sua sal auxiliam no diagnóstico diferencial,
ausência não exclui infecção. Desse pois podem revelar alterações em vérte-
modo, a cultura de urina confirma a bras lombossacrais e/ou coccígeas, que
108 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
causam distúrbios de micção (Souza, Tratamento
2003; Kaufmann, 2009). A radiografia
contrastada é efetiva na identificação de 1. Sem obstrução uretral
cálculos radioluscentes, ruptura uretral
Normalmente, animais com estran-
ou vesical, estenose uretral, divertículo
gúria, disúria e hematúria tornam-se as-
uracal, neoplasias e processos inflama-
sintomáticos dentro de cinco a sete dias,
tórios. Agentes de contraste negativo ou
independentemente de o tratamento
positivo podem ser introduzidos através
ser instituído ou não (Souza, 2003;
de um catéter uretral, após a vesícula
Kaufmann, 2009).
urinária ter sido esvaziada pela primeira
Em casos de cristalúria por estruvi-
vez (Souza, 2003; Kaufmann, 2009).
ta, pode-se instituir uma dieta calculo-
A ultrassonografia pode ser sensí-
lítica, altamente energética e com con-
vel à detecção de pequenos urólitos ou
teúdo proteico em torno de 40%, com
de pequenas massas presentes no tra-
o intuito de diminuir o pH urinário.
to urinário (Tilley, 2003; Costa, 2009;
Um baixo nível de magnésio também
Galvão, 2010).

Radiografia com foco na uretra peniana e na região sacrococcígea.


Arquivo pessoal

8. Doenças do trato urinário inferior dos felinos 109


é indicado. O cloreto de sódio pode ser levar ao óbito em 72 horas (Kaufmann,
adicionado com o objetivo de estimu- 2009).
lar a ingestão hídrica e, consequente- As principais complicações decor-
mente, a diurese. Gatos com compro- rentes da obstrução uretral são desidra-
metimento sistêmico devem receber tação, que pode levar à hipovolemia e
tratamento de suporte antes de iniciar a ao choque; azotemia com acidose me-
dieta (Kaufmann, 2009; Martin, 2011). tabólica; hiperfosfatemia; hipercalemia
Acidificantes urinários podem ser in- e hipocalcemia. Deve-se corrigir a hi-
cluídos, porém com cuidado devido ao povolemia e a hipercalemia. O ideal é
risco de acidose metabólica, hipocale- coletar sangue para análise laboratorial,
mia, disfunção renal, desmineralização como hemograma, perfil bioquímico,
óssea e formação de urólitos de cálcio. gasometria e eletrólitos, antes de iniciar
A urina é ácida na maior parte dos casos a fluidoterapia (Souza, 2003; Costa,
de DTUIF e sem a presença de cristais 2009; Kaufmann, 2009). Após a deso-
de estruvita; então, não se recomenda a bstrução, antes de lavar a bexiga, deve
dieta acidificante com restrição de mag- ser coletada a urinálise e a cultura com
nésio (Kaufmann, 2009). antibiograma (Costa, 2009).
No tratamento da cistite idiopática Para correta exposição e inspeção
em gatos, agentes como antiespasmódi- peniana, pode ser realizada a contenção
cos, antibióticos, anticolinérgicos, tran- química, associada ao emprego de mior-
quilizantes e anti-inflamatórios têm sido relaxantes. Todavia, em alguns casos,
utilizados. A amitriptilina não possui nenhuma intervenção medicamentosa é
eficácia comprovada, tendo efeito cal- necessária (Galvão, 2010).
mante (Tilley, 2003; Kaufmann, 2009). Tampões uretrais ou urólitos, na
A única alternativa prática para a re- porção distal da uretra peniana, podem
moção de urólitos de oxalato de cálcio e ser removidos por meio de massagens
de urato de amônio é a cirurgia, quando suaves no pênis do gato. Uma descom-
a retirada por retro-hidropropulsão e pressão da vesícula urinária repleta, por
sondagem não é possível. Os divertícu- meio da cistocentese, pode facilitar a re-
los uracais são raros como fator primá- tropulsão de tampões ou urólitos para o
rio da DTUIF em felinos (Kaufmann, interior da vesícula urinária e diminuir a
2009). pressão intrauretral, além de proporcio-
nar uma amostra de urina não contami-
2. Com obstrução uretral nada para cultura. Porém não é indicada
o tratamento vai depender do grau em casos de obstrução uretral prolon-
e da duração dessa obstrução. A obs- gada, ou quando houver desvitalização
trução total, quando não aliviada, pode tecidual da vesícula urinária, que, com
110 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
Cateterização da uretra com catéter 20G e realização de retro-hidropropulsão com solução fisiológica
em seringa de 10mL.
Arquivo pessoal

a introdução da agulha, pode resultar que promove uma pressão sobre o ma-
em sua ruptura (Souza, 2003; Galvão, terial obstrutor, forçando sua remoção
2010). (Souza, 2003; Galvão, 2010). Após a
A introdução da sonda no lúmen ure- desobstrução uretral, é necessário rea-
tral deve ser feita até alcançar a oclusão lizar o processo de lavagem vesical. A
mecânica (tampão, urólito, coágulos). maioria dos tampões uretrais é expelida
O catéter não deve ser forçado para o in- da uretra após essa técnica, não havendo
terior do lúmen, devido à possibilidade necessidade de cateterizar toda a uretra,
de ruptura da uretra. As sondas uretrais pois o local mais comum de obstrução
flexíveis ou catéteres uretrais de polipro- uretral é na uretra peniana, que apre-
pileno são as preferidas para desobstru- senta um diâmetro interno de 0,7mm
ção uretral em gatos. Quantidades de (Souza, 2003; Galvão, 2010).
solução salina estéril são impelidas sob Após o restabelecimento do fluxo
pressão, deixando que ocorra o escoa- urinário, alguns gatos obstruem 24 a 48
mento do líquido ao redor da sonda, o horas após o alívio da obstrução primá-
8. Doenças do trato urinário inferior dos felinos 111
ria, quando a sonda uretral não é fixa- que auxilia na compensação da diurese
da. Recomenda-se, então, a fixação de pós-obstrutiva. Recomenda-se o uso
sonda uretral e sua permanência por 24 inicialmente de soluções livres de
a 48 horas em gatos com elevado grau potássio, antes mesmo da anestesia
de dificuldade para desobstrução. Após ou da tentativa de desobstrução.
a retirada da sonda, recomenda-se que Posteriormente, soluções eletrolíticas
o animal fique internado por, no míni- balanceadas, apesar de conterem pe-
mo, 24 horas para avaliar a recorrência quenas concentrações de potássio, auxi-
da obstrução e verificar se o músculo liam na correção da acidose metabólica
detrusor da bexiga já retornou a sua to- (Galvão, 2010).
nicidade (Souza, 2003; Galvão, 2010). O paciente, após a desobstrução
Os objetivos terapêuticos adicio- uretral, pode apresentar hipocalemia
nais são os de corrigir a hipercalemia, o devido à fluidoterapia e à diurese pós-
desequilíbrio de ácido/base, a desidra- -obstrutiva. É aconselhada a aferição
tação e a uremia com uma terapia apro- sérica do potássio, principalmente em
priada de líquidos e eletrólitos (Souza, gatos com bradicardia, como também
2003; Galvão, 2010). o acompanhamento eletrocardiográfico
Deve-se corrigir a uremia e preco- (Lima, 2009; Galvão, 2010).
nizar medidas que, em conjunto, cor- Quando presente a arritmia, devido
rijam a desidratação e o desequilíbrio à hipercalemia severa (8-10mEq/L),
hidroeletrolítico, como a fluidoterapia, recomenda-se o uso de moderadores

Micção por massagem vesical em paciente desobstruído. Observar coloração avermelhada da urina.
Arquivo pessoal

112 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


de potássio sérico, como a glicose, ou -prostáticos apresentam musculatura
o uso da solução polarizante (glicose/ lisa e estriada, e a região peniana com
insulina) e, como último recurso, o uso predomínio de musculatura circular e
de antagonistas funcionais de potás- estriada. O tônus uretral é gerado por
sio, como o gluconato de cálcio, que musculatura lisa e estriada, portanto
devolve a excitabilidade da membrana os relaxantes devem ser utilizados para
atrioventricular. A hipercalemia branda ambos. Os antiespasmódicos de mus-
ou moderada inferior a 8,0mEq/L, ge- culatura lisa incluem acepromazina,
ralmente, resolve-se com a fluidoterapia prazozina e fenoxibenzamina. Para a
inicial (Costa, 2009; Galvão, 2010). musculatura esquelética, os relaxantes
Uma dieta altamente palatável e ca- vão promover redução da resistência
lórica deve ser oferecida após o térmi- do esfincter externo, sendo, assim, os
no dos episódios de vômito. Mudanças mais efetivos. O diazepam é o mais
para rações terapêuticas só devem ser utilizado para esse propósito e, apesar
realizadas após o retorno da apetência de não estar totalmente comprovada
e da estabilidade metabólica e hidroele- sua ação, age facilitando a eliminação
trolítica (Galvão, 2010). de urina e a compressão manual da ve-
Os glicocorticoides, devido ao seu sícula cerca de 20-30 minutos após a
efeito catabólico, geralmente são con- administração. O dantroleno também
traindicados em gatos com obstrução é uma opção, apesar de não possuir
uretral e uremia (Souza, 2003; Galvão, efeito nas junções neuromusculares,
2010). como a maior parte dos relaxantes es-
Uma complicação pós-obstrutiva é queléticos. Para uso prolongado, são
a hipotonia da vesícula urinária. Nesse indicadas a prazozina e a dantrolene, a
caso, os gatos apresentam ausência de fim de promover relaxamento de toda
fluxo urinário ou eliminação de pouca a uretra, com desmane lento (Costa,
quantidade de urina devido à ausência 2009).
de contratilidade. Portanto, manter o Gatos com atonia de origem mio-
animal sondado durante dois ou três gênica podem ser tratados com paras-
dias ajuda no restabelecimento da to- simpaticomiméticos, como o betanecol,
nicidade muscular vesical, assim como apesar dos riscos envolvidos (Costa,
a compressão manual da bexiga a cada 2009).
quatro a seis horas, durante dois a três Em felinos que não estão urinando,
dias (Galvão, 2010). após a desobstrução, deve ser conside-
A bexiga e a uretra pré-prostática rada a possibilidade de obstrução fun-
apresentam, principalmente, muscula- cional devido à irritação na uretra, ao
tura lisa; os segmentos prostáticos e pós- aumento de tônus simpático e à redução
8. Doenças do trato urinário inferior dos felinos 113
do tônus do musculo detrusor (Costa, A dieta como tratamento e preven-
2009). ção de cálculos de estruvita e oxalato de
Quando os tratamentos clínico, far- cálcio inclui o controle dos constituin-
macológico e dietético não são possíveis tes minerais dos urólitos, o aumento dos
ou não são bem-sucedidos, torna-se ne- inibidores urinários dos constituintes
cessário recorrer ao tratamento cirúr- dos urólitos e o controle do pH urinário.
gico. Este inclui essencialmente duas Existem atualmente dietas no mercado
técnicas: a cistotomia e a uretrostomia que tratam e previnem simultaneamen-
perineal (Pinheiro, 2009). te os urólitos de estruvita e o oxalato
A cistotomia é realizada com a fi- (Pinheiro, 2009; Almeida, 2009).
nalidade de remover cálculos que es- Para os cálculos de estruvita,
tejam alojados na uretra ou na vesícula são utilizadas dietas calculolíticas
urinária, bem como identificar e coletar comerciais que são acidificantes, res-
amostras de massas na bexiga (Pinheiro, tritas em magnésio e suplementadas
2009). com sal, tendo como objetivos alcan-
A uretrostomia perineal está indica- çar um pH urinário inferior a 6,3 e uma
da para prevenir a recorrência de obs- densidade urinária inferior a 1.030
trução em gatos machos, ou para tratar (Pinheiro, 2009).
obstruções não resolvidas (Pinheiro, A cistite idiopática felina não tem
2009). cura; sua etiologia não esta bem definida
Em suma, o tratamento da urolitía- e seu diagnóstico ocorre por exclusão. O
se, quando presente, está na dependên- tratamento é feito para diminuir a gravi-
cia do tipo de urólito, tornando-se de dade dos sinais e o espaçamento entre
fundamental importância a identifica- as recorrências. Os principais fármacos
ção dos fatores que acarretaram sua for- são a amitriptilina, anti-espasmódicos
mação. Assim, o tratamento é direcio- como a prazosina, analgésicos como
nado tanto no sentido de destruição do o butorfanol, anti-inflamatórios como
urólito quanto na prevenção da recidiva, o meloxican, os glicosaminoglicanos
sendo primordal a formação de uma uri- (125mg/gato PO q24h). Recomenda-
na diluída (Galvão, 2010). se uso de feromônios no ambiente, ma-
Uma vez que os constituintes dos nejo do estresse e alimentação com o
alimentos influenciam o volume, o pH objetivo de estimular a ingestão hídrica
e a concentração dos solutos na urina, (Pinheiro, 2009; Silva, 2013).
a dieta pode contribuir para a etiologia, O ambiente físico deve ser agradá-
o tratamento e a prevenção de recor- vel, com enriquecimento ambiental, as-
rências de algumas causas da DTUIF pectos sanitários preservados e com boa
(Pinheiro, 2009). oferta hídrica (Pinheiro, 2009).
114 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
Prognóstico 4. Filgueira, F.G.F.; Carneiro, R.S.; Nunes, G.D.L.et
al. Urolitíase vesical em gata – diagnóstico e
tratamento. X Jornada de Ensino, Pesquisa e
Alguns gatos podem sofrer recidi- Extensao – JEPEX – UFRPE: Recife, Out, 2010.
vas, como cistite, reobstrução, ou for-
5. Galvão, A.L.B et al. Obstrução uretral em ga-
mação de urólitos de forma recidivante. tos machos – revisão literária. Acta Veterinaria
O prognóstico geralmente é desfavorá- Brasilica, v.4, n.1, p.1-6, 2010.
vel quando o animal apresentou quadro 6. Giovaninni, L.H.; Piai, V.S. O uso da acupuntu-
de letargia, choque ou arritmias cardía- ra no auxílio à terapia da doença idiopática do
trato urinário inferior dos felinos. Ciência Rural,
cas na presença da obstrução (Galvão, Santa Maria, v.40, n.3, p.712-717, mar, 2010.
2010). 7. Hardie ,E.M.; Kyles, A.E. Management of ure-
Realizar monitoramento dos ani- teral obstruction. Vet Clin Small Anim. v.34,
p.989-1010, 2004.
mais com histórico de urólitos, bus-
cando a presença de cristalúria, após a 8. Horta, P.V.P. Alterações clínicas, laboratoriais
e eletrocardiográficas em gatos com obstru-
apresentação do quadro, semanalmente, ção uretral. 2006. Dissertação (Mestrado em
atingindo, de forma gradual, o acompa- Medicina Veterinária) - Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia, Universidade de São
nhamento até o intervalo de três meses, Paulo: São Paulo, 87f., 2006.
constitui uma medida preventiva a re-
9. Kaufmann, C., Neves, R.C., Habermann, J.C. A.
cidivas. Exames como urinálise, perfis Doença do trato urinário inferior dos felinos.
bioquímicos séricos e exames radiográ- Anuário da produção cientifica dos cursos de
pós-graduação, v. 4, n. 4, p.193-214, 2009.
ficos devem ser solicitados para que, na
10. Lazzarotto, J.J. Doença do trato urinário inferior
descoberta da presença de cristais ou dos felinos associada aos cristais de estruvita –
infecção, seja realizada uma terapia ade- revisão. Rev. Fac. Zootec. Vet. Agro. Uruguaiana,
v.7/8, p.55-58, 2001.
quada preventiva ou precoce (Galvão,
2010). 11. Lima, E.R.; Reis, J.C.; Almeuda E.L.et al.
Avaliação clínica e laboratorial em gatos domés-
ticos com doença do trato urinário inferior sub-
Referências bibliográficas metidos a uretrostomia. Ciênc. vet. tróp., Recife,
v. 10, n. 2/3, p. 62 - 73 - mai/dez, 2007.
1. Almeida, D.L. Doença do trato urinário infe-
rior de felinos. Monografia – Pós-graduação 12. Lima, E.R.; Vasconcelos, E.L.; Teixeira, M.N. et
em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos al. Avaliação das concentrações séricas dos mi-
Animais – Instituto Qualittas. São Paulo, 2009. nerais, proteínas, enzimas e urinálise em gatos
domésticos com doença do trato urinário infe-
2. Balbinot, P. et al. Distúrbio Urinário do Trato rior. Medicina Veterinária: Recife, v.3, n.1, p.1-
Inferior de Felinos: caracterização de prevalên- 10, jan-mar, 2009.
cia e estudo de caso-controle em felinos no perí-
odo de 1994 a 2004. Revista Ceres, Viçosa, v. 53, 13. Martin, J.; Gigliotti, A.; Hirano, B. et al.
p. 645-653, nov./dez. 2006. Avaliação clínico-terapêutica e anestésica de feli-
nos obstruídos: sua importância clínica. Nucleus
3. Costa F.V.A. Contribuição ao estudo da doen- Animalium, v.3, n.1, p.61-78, mai, 2011.
ça do trato urinário inferior felino (DTUIF)
– Revisão de literatura. Medvep - Revista 14. Monferdini, R.P.; Oliveira, J. Manejo nutricional
Científica de Medicina Veterinária - Pequenos para cães e gatos com urolitíase – revisão biblio-
Animais e Animais de Estimação 7(23); 448- gráfica. Acta Veterinaria Brasilica, v.3, n.1, p.1-4,
463. 2009. 2009.

8. Doenças do trato urinário inferior dos felinos 115


15. Norsworthy, G. D. et al. O paciente felino. 2. ed.
Barueri, SP: Manole, 2004.

16. Oliveira, J.L.P. Uretrostomia perineal em felinos:


revisão. Clín. Vet., v. 4, p.38-42, 1999. Pinheiro,
A.P. Doença do Tracto Urinário Inferior Felino:
um estudo retrospectivo. Dissertação (Mestrado
Integrado em Medicina Veterinária) apresenta-
da à Escola de Ciências Agrárias e Veterinárias
- Departamento de Ciências Veterinárias - da
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Vila Real, Portugal: 2009.

17. Reche, J.R.A.; Hagiwara, M.K.; Mamizuka, E.


Estudo clínico da doença do trato inferior em
gatos domésticos de São Paulo. Braz. J. Vet. Res.
Anim. Sci. , São Paulo, v. 35, n. 2, p. 69-74, 1998.

18. Rosa, V.M.; Quitzan, J.G. Avaliação retrospecti-


va das variáveis etiológicas e clínicas envolvidas
na doença do trato urinário inferior dos felinos
(DTUIF). CESUMAR, v. 13, n. 2, p. 103-110,
Jul/Dez, 2011.

19. SILVA, A. C. da; MUZZI, R. A. L.;


OBERLENDER, G. et al. Cistite idiopática feli-
na: revisão de literatura. Arq. Ciênc. Vet. Zool.
UNIPAR, Umuarama, v. 16, n. 1, p. 93-96, jan./
jun. 2013.

20. Souza, M.J.H. Condutas na desobstrução uretral.


In: Souza M. J. H. (ed.) Coletânea em medicina e
cirurgia felina. Ed. AS Livros de Veterinária: Rio
de Janeiro, p. 67-88, 2003.

21. Tilley, L.P.; Smith Junior, F.W.K. Consulta


Veterinária em 5 minutos: Espécies Canina e
Felina. Ed.Manole, ed.2, p.1423, 2003.

116 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


9. Obesidade felina:
estudo clínico e
laboratorial

bigstockphoto.com

Dimitri Bassalo de Assis1


Stephanie Karoline Pereira Passos - CRMV MG 14.123
Marina França de Oliveira Pelegrino - CRMV MG 14.472
Adriane Pimenta da Costa Val Bicalho - CRMV MG 4331

1
Acadêmico em Medicina Veterinária

1. Introdução A obesidade é o
em cães e gatos [1], sen-
do que 30% a 40% des-
A obesidade é tida problema nutricional
tes últimos podem ser
atualmente como uma mais comum em cães e
considerados com so-
afecção que não se res- gatos [13], sendo que
aproximadamente 30% brepeso ou obesos [2].
tringe apenas à espécie Importante salientar que
a 40% dos gatos podem
humana. Sabe-se que um gato é considerado
ser considerados com
esse é o problema nu- sobrepeso ou obesos[5]. com sobrepeso caso seu
tricional mais comum peso exceda em 10% o
9. Obesidade felina: estudo clínico e laboratorial 117
peso ótimo e conside- um dos maiores órgãos
A descoberta das
rado obeso caso o exce- endócrinos. As princi-
adipocinas quebrou
dente seja de 20% [3]. pais adipocinas são a adi-
o paradigma de que
O tecido adiposo ponectina e leptina, am-
o tecido adiposo
branco é um tecido al- configurava-se bas exercem profundos
tamente vascularizado e simplesmente como efeitos em uma gama de
inervado. As principais um reservatório inerte, células como miócitos,
células que compõe esse sendo considerado, adipócitos, neurônios e
tecido são adipócitos, atualmente, como um hepatócitos. Sabe-se que
cuja principal função dos maiores órgãos a obesidade felina altera
fisiológica constitui-se endócrinos. a concentração das adi-
no armazenamento de pocinas o que faz essen-
triglicerídeos. Além dos cial a compreensão das
adipócitos, o tecido adiposo possui ou- mesmas no entendimento da fisiopato-
tras células, como pré-adipócitos, célu- logia da obesidade.
las endoteliais, fibroblastos e macrófa- A palavra leptina vem do grego lep-
gos. O último é conhecido pelo papel to que significa magro. Esse hormônio
de defesa imunológica celular, mas nos é produzido pelos adipócitos, tendo
últimos anos vem adquirindo impor- sua produção aumentada quando ocor-
tância no estudo da obesidade. Nos re ampliação do percentual de gordura
últimos anos notou-se que tecidos adi- corporal. Atualmente, tem-se que o
posos hipertróficos possuíam números principal papel da leptina seja o de sina-
aumentados de macrófagos com uma lizar a saciedade a um grupo de neurô-
infiltração copiosa dos mesmos em indi- nios do centro hipotalâmico relaciona-
víduos obesos. Atualmente sabe-se que do ao controle do apetite [4], portanto
os macrófagos tem importante papel na espera-se que ao intensificar a produ-
fisiopatologia da obesidade, dado que ção de leptina, como ocorre em indiví-
essas células têm uma profusa produ- duos obesos, o consumo de alimentos
ção de citocinas locais com efeitos mar- diminua, entretanto foi demonstrado
cantes na produção de adipocinas [4]. em ratos obesos que os mesmos ficam
Adipocinas são substâncias produzidas em um estado de oposição a esse hor-
pelo tecido adiposo e são caracterizadas mônio. Uma das hipóteses sobre como
como hormônios. A descoberta das adi- indivíduos obesos não diminuem o ape-
pocinas quebrou o paradigma de que o tite e permanecem com seu percentual
tecido adiposo configurava-se simples- de gordura elevado é justamente a re-
mente como um reservatório inerte, sistência à leptina. [4,5] Além de exer-
sendo considerado, atualmente, como cer efeitos hipotalâmicos, a leptina atua
118 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
também como um pró-inflamatório e do que ocorre com os humanos, a obe-
estimula o aumento do metabolismo sidade não é tida como um estado infla-
basal [6]. matório crônico de baixo grau. Estudos
A adiponectina tem é uma corre- recentes mostram que esses animais não
lação negativa com o percentual de têm alta de marcadores inflamatórios
gordura corporal, portanto gatos com circulantes, como inteleucina-6 e 1 e fa-
sobrepeso ou obesos apresentam uma tor de necrose tumoral alfa, corroboran-
menor produção desse hormônio [4]. do a hipótese de que, apesar de ocorrer
Esse hormônio exerce importantes efei- dislipidemia em gatos obesos – à seme-
tos anti-inflamatórios e antiaterogênicos lhança do que ocorre em humanos [13]
[5]. Em relação ao metabolismo energé- – , a ausência de resposta inflamatória
tico foi demonstrado que a adiponecti- impede a ocorrência de problemas car-
na possui a capacidade de aumentar a diovasculares [14].
sensibilidade tecidual à ação da insulina, Os principais fatores predisponen-
portanto, a perda de peso é um impor- tes para a obesidade incluem: predis-
tante mecanismo para aumentar a sensi- posição genética, castração, diminuto
bilidade à insulina[5]. nível de atividade física, microbiota
As consequências da obesidade são intestinal e dietas e petiscos muito ca-
preocupantes. Sabe-se que gatos obesos lóricos [15]. Diante do cenário atual, o
têm de duas a quatro clínico necessita de mé-
vezes mais chances de Sabe-se que gatos obesos todos para avaliar seus
desenvolverem diabe- têm de duas a quatro pacientes felinos, pos-
tes mellitus em relação a vezes mais chances de sibilitando diagnosticar
animais magros [7,8].
desenvolverem diabetes precocemente a elevação
Outros problemas tam-
mellitus em relação a do percentual de gordura
bém acometem gatos
animais magros. corporal e no caso de pa-
em decorrência da obe- cientes já com sobrepeso,
sidade, como dermatoses, neoplasias, estimar o quão acima da normalidade o
lipidose hepática, urolitíase além do paciente encontra-se. A fim de buscar
aumento de chance de neoplasias. E melhores respostas sobre a obesidade,
até mesmo uma moderada alteração do de forma a compreendê-la em um pa-
peso é tida como deletério – experimen- tamar mais satisfatório é que se fez um
tos com ratos e cães mostram que ani- estudo detalhado a respeito.
mais com maior percentual de gordura
corporal possuem menor expectativa de 2. Materiais e métodos:
vida [9,10,11,12]. O trabalho apresenta licença conce-
No caso dos gatos, diferentemente dida pelo CEUA sob número 242/2014.
9. Obesidade felina: estudo clínico e laboratorial 119
2.1 Gatos: la, apófises vertebrais e proeminências
ósseas do osso coxal não visíveis, mas
A população em estudo foi consti-
facilmente palpáveis. Pouca gordura
tuída por 100 gatos (Feliscatus), escolhi-
abdominal.
dos aleatoriamente de um contingente
• Escore 4: Costelas, espinha da escápu-
de 250 animais resgatados de vida er-
la, apófises vertebrais e proeminências
rante, residentes em um abrigo em Belo
ósseas do osso coxal não facilmente
Horizonte. Cada animal passou por exa-
palpáveis. Clara distensão abdominal.
me clínico completo.
• Escore 5: Grandes depósitos de gor-
2.2 Aferição da gordura dura torácicos e abdominais com dis-
corporal: tensão abdominal proeminente.
A composição de gordura foi esti- 2.3 Coleta e conservação do
mada por dois métodos: o Índice de material biológico
Massa Corporal Felina (FBMI)™ [16] e Todas as amostras foram coletadas
o escore visual. O primeiro método usa no próprio ambiente de moradia dos
as medidas morfométricas da circunfe- gatos. A coleta de sangue foi realiza-
rência torácica na altura da nona costela da prioritariamente da veia jugular e,
e a distância do calcâneo até a patela. As ocasionalmente, da veia cefálica com
medidas obtidas eram então aplicadas à seringa (BD, Juiz de Fora, Brasil) de 5
fórmula descrita na Fig. 1, obtendo-se ml e agulha BD (25 x 0,7. 22GX1). O
então a porcentagem de gordura corpo- sangue obtido foi fracionado em tubo
ral. Já a avaliação do escore visual varia- para soro (com gel separador Hemogard
va de um (muito magro) a cinco (obeso) cap. 3,5ml). As amostras foram conser-
(Fig. 2) [17]. Os seguintes critérios fo- vadas em uma caixa térmica com gelo
ram utilizados para definir em qual es- biológico para o posterior encami-
core os animais se enquadravam: nhamento ao Laboratório de Análises
• Escore 1: Costelas, espinha da escápu- Clínicas Patologia Clínica da Escola de
la, apófises vertebrais e proeminências Veterinária da UFMG.
ósseas do osso coxal facilmente visí-
veis. Perda de massa magra e ausência 2.4 Exames realizados
de cobertura de gordura sobre gradil
costal. 2.4.1 Perfil bioquímico
• Escore 2: Costelas, espinha da escápu- A amostra, colocada em tubo com
la, apófises vertebrais e proeminências gel separador, foi centrifugada por cin-
ósseas do osso coxal visíveis. Gordura co minutos a 4000 rpm (Centribio®,
abdominal mínima. modelo 80-2B-5ML, São Paulo, Brasil),
• Escore 3: Costelas, espinha da escápu- no qual foi separado o soro para reali-
120 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016
zação dos exames: perfil renal (ureia tísticas usaram-se frequências abso-
e creatinina), perfil hepático (ALT lutas e percentuais (relativas) para a
- Alanina aminotransferase; AST - apresentação das variáveis estudadas
Aspartatoaminotransferase, GGT - e dispostas em tabelas. Para a reali-
Gama glutamiltranspeptidase e FoAl zação das associações estatísticas foi
- Fosfatase alcalina) e proteinograma utilizado o método de correlação.
(proteínas totais e frações - albumi-
Para as associações entre variáveis o
nas e globulinas). Todos esses exames
nível de significância assumido foi p<
que compõem o perfil bioquímico fo-
0,05, para um intervalo de confiança
ram realizados no aparelho automático
(IC) de 95%. É importante ressaltar
Cobas® (São José do Rio Preto, Brasil).
que r é o coeficiente de correlação de
2.5 Análise estatística Pearson e um r = 1 significa uma cor-
Foram utilizados métodos de esta- relação perfeita positiva entre duas
tística descritiva e como medidas esta- variáveis.

Circunferência toráxica
Percentual Distância patela calcâneo
0,7062
de gordura Distância patela calcâneo
corporal 0,9156

Figura 1. Fórmula para mensuração do percentual de gordura felino [3].

Condição Condição Condição Condição Condição


corporal 1 corporal 2 corporal 3 corporal 4 corporal 5

MUITO MAGRO ABAIXO DO PESO IDEAL ACIMA DO OBESO


Menos de 5% de PESO IDEAL 16 a 25% de PESO IDEAL Mais de 35% de
gordura corporal. 5 a 15% de gordura corporal. 26 a 35% de gordura corporal.
15 a 30% abaixo gordura corporal. gordura corporal. 15 a 30% acima
do peso ideal. 10 a 15% abaixo 10 a 15% acima do peso ideal.
do peso ideal. do peso ideal.

Figura 2. Escore visual felino [17]

9. Obesidade felina: estudo clínico e laboratorial 121


3. Resultados p<0,0001), a alta correlação corrobora
Os resultados foram compilados em para a interdependência prévia, dado
duas tabelas, a tabela 1 é composta pelos que um dos componentes da equação
parâmetros laboratoriais, enquanto a ta- FBMI™ é a circunferência torácica. O es-
bela 2 pelos parâmetros morfométricos. core visual também obteve alta corres-
A análise estatística não revelou pondência com a FoAl sérica (r=0,5224
correlação significativa , p<0,0001), sugestivo
entre valores de globu- A elevada correlação de que o aumento
lina, albumina, proteína positiva do escore visual do escore corporal e
sérica total, creatinina, com a circunferência consequentemente do
ureia, AST, ALT, GGT, torácica e percentual percentual de gordura
triglicérides e coleste- de gordura corporal corporal pode vir a
rol e o percentual de nos permite dizer que levar patologias ou
gordura corporal. No apesar de simples e condições fisiológicas
entanto, o escore visual rápido o escore visual que aumentem a FoAl.
apresentou alta correla- ainda é um método de
ção com a circunferên- grande valia para o uso 4. Discussão
cia torácica na altura da clínico rotineiro. A elevada correlação
nona costela (r=0,8797, positiva do escore visual
p<0,05)]. Além da circunferência torá- com a circunferência torácica e percen-
cica o percentual de gordura estimado tual de gordura corporal nos permite
pelo FBMI™ também foi altamente rela- dizer que apesar de simples e rápido
cionado com o escore visual (r =0,8097, o escore visual ainda é um método de
Tabela 1. Parâmetros laboratoriais grande valia para o uso clínico rotineiro.
Apenas utilizando tal método é possível
ParâmetrosMédia-DP fazer interpretações próximas à men-
Globulina (g/dL) 6,17±1,14 surações morfométricas quantitativas,
Albumina (g/dL) 3,11±0,50 como o cálculo do percentual de gor-
Proteína (g/dL) 9,08±1,46 dura corporal.Esse é dependente da
Creatinina (mg/dL) 1,64±0,32 mensuração da distância da patela ao
Uréeia (mg/dL) 44,62±13,45
Tabela 2. Parâmetros morfométricos
AST (U/L) 43,77±20,21
ALT (U/L) 56,68 ± 23,00 ParâmetrosMédia – DP
GGT (U/L) 7,49 ± 10,39 Caixa Torácica (cm) 35,53± 4,59
FOAL (U/L) 36,54 ±28,86 DPC (cm) 14,82 ± 1,25
Triglicérides (mg/dL) 42,41 ± 26,43 Gordura Corporal (%) 18,76± 4,38
Colesterol (mg/dL) 128,65 ± 30,19 Escore 3,11 ± 0,58

122 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


calcâneo e da circunferência torácica impedem a adipogênese com a conco-
na altura da nona costela. Salienta-se mitante redução de depósitos de gordu-
também que o escore visual demons- ra corporal em humanos [26,27]. Além
trou alta correlação em estudos prévios do aumento fisiológico da atividade da
com métodos mais sofisticados, como FoAl em gatos obesos devido a produ-
o método de absorciome-triabifotónica ção enzimática por adipócitos, a alta da
de raio-x, considerado atualmente o pa- atividade enzimática pode decorrer do
drão ouro para estimar fato de que animais com
o percentual de gordura A obesidade felina é –grande percentual de
corporal [17,20,21], o uma afecção que tende a gordura corporal, sujei-
que ratifica a validade tornar-se mais frequente tos a situações de estres-
da implementação do nos consultórios se fisiológico e patológi-
escore visual no uso cli- veterinários, juntamente co, são mais propensos
nico diário. Por sua vez, com comorbidades que ao desenvolvimento de
a correlação do aumento a acompanham, sendo a lipidosehepatica, pato-
do escore visual com o diabetes mellitus a mais logia essa que acarreta
da FoAl está de acordo notória. na ampliação substan-
com estudos recentes cial da atividade da FoAl
em humanos, no qual indivíduos obe- em decorrência do dano às membranas
sos possuem níveis séricos de FoAl mais canaliculares e celulares dos hepatoci-
elevados em relação a indivíduos não tos [28]. Esse crescimento ocorre sem
obesos [22,23], observando-se uma elevação concomitante da atividade de
reciprocidade positiva entre índice de GGT [29,30]. Apesar de ocorrer altera-
massa corporal e a enzima FoAl sérica ção da atividade enzimática da FoAl na
[24]. Estudos com modelos animais lipidosehepatica, podendo chegar a 15
também demonstraram uma alteração vezes mais o valor de referência [31],
da atividade enzimática da FoAl em in- entende-se que não foi o caso no pre-
divíduos obesos [25]. Uma das hipóte- sente estudo, dado que apenas seis valo-
ses para a alta da FoAl nos indivíduos res ficaram acima do número de referên-
obesos foi recentemente aventada por cia superior para FoAl (93 U/L), com
um estudo que descobriu a expressão a quantidade máxima de 114,09 U/L
de uma isozima da FoAl em adipócitos ligeiramente superior ao teto máximo
[26]. Tem-se que essa isozima é impor- de referência. Acredita-se que mudan-
tante na regulação da deposição de tri- ças intensas nos parâmetros laborato-
glicerídeos em pré-adipócitos durante a riais não foram detectadas pelo fato de
adipogênese, com estudos demonstran- que não havia no estudo gatos com um
do que inibidores da atividade da FoAl percentual de gordura muito elevado

9. Obesidade felina: estudo clínico e laboratorial 123


(35%), o valor máximo encontrado foi um biomarcador para a obesidade, devi-
de 28,16% considerado como um gato do a sua produção pelo tecido adiposo
acima do peso e próximo do percentual e, em termos práticos, é um exame co-
ideal de 25%. mum e difundido na prática clínica de
pequenos animais.
5. Conclusão
A obesidade felina é uma afecção
Referências:
1. Margarethe Hoenig. Comparative Aspects of
que tende a tornar-se mais frequente Human, Canine, and Feline Obesity and Factors
nos consultórios veterinários, junta- Predicting Progression to Diabetes. Vet. Sci. 2014,
1, 121-135; doi:10.3390/vetsci1020121.

mente com comorbidades que a acom-
2. John P Loftus Joseph J Wakshlag. Canine and
panham, sendo a diabetes mellitus a mais feline obesity: a review of pathophysiology, epi-
notória. Faz-se necessário, portanto, demiology, and clinical management. Veterinary
Medicine: Research and Reports 2015:6 49–60.
que o clínico possua métodos de fácil
3. Lund EM, Armstrong PJ, Kirk CA, et al.
aplicação, com satisfatória acurácia, a Prevalence and risk factors for obesity in adult
fim de detectar o mais precocemente cats from private US veterinary practices. Intern
J Appl Res Vet Med 2005; 3: 88-96.
as possíveis alterações no escore corpo-
ral, como peso e percentual de gordura 4. R. Ricci, F. Bevilacqua. The potential role of leptin
and adiponectin in obesity: A comparative review.
. O método conhecido como Índice de The Veterinary Journal 191 (2012) 292–298.
Massa Corporal Felina (FBMI)™ [3] 5. Brennan AM, Mantzoros CS. Leptin and adi-
apresenta uma grande precisão ao apre- ponectin: their role in diabetes. CurrDiab Rep
(2007);7:1–2. 

sentar o percentual de gordura corpo-
6. 
Lord GM, Matarese G, Howard JK, et al. (1998).
ral muito semelhante aos exames mais Leptin modulates the T-cell immune response
sofisticados, como o método de absor- and reverses starvation-induced immunosuppres-
sion. Nature 1998;394:897–901.
ciometriabifotónica de raio-x. O escore
7. Panciera DL, Thomas CB, Eicker SW, et al.
visual de cinco pontos mostrou-se neste Epizootiologic patterns of diabetes mellitus in
estudo um método de grande valia no cats: 333 cases (1980-1986). J Am Vet Med Assoc
1990;197(11):1504–8.
uso rotineiro da clínica, pois apresenta
8. Scarlett JM, Donoghue S. Associations between
uma rápida curva de aprendizado por body condition and disease in 
cats. J Am Vet Med
parte do clínico e sua aplicação é rápi- Assoc 1998;212(11):1725–31.
da. Apresenta ainda uma alta correlação 9. Hubert, M., Laroque, P., Gillet, J. & Keenan, K.
P. The effects of diet, ad libitum feeding, and mo-
com o percentual de gordura corporal, derate and severe dietary restriction on body wei-
apesar de ser um método aparentemen- ght, survival, clinical pathology parameters, and
cause of death in control Sprague-Dawley Rats.
te superficial nos indica com relativa Toxicological Sciences 58, 195-207 (2000).
exatidão se o percentual de gordura en- 10. Kealy, R. D., Lawler, D. F., Ballam, J. M., et al.
contra-se alto ou baixo. A FoAl mostrou Effects of diet restriction on life span and age-
related changes in dogs. Journal of the American
uma alta correlação com o escore visual, Veterinary Medical Association 220, 1315-1320
podendo ser utilizada no futuro como (2002).

124 Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, nº 82 - dezembro de 2016


11. Lawler, D. F., Evans, R. H., Larson, B. T., et al. 22. Ali AT, Paiker JE, Crowther NJ. The relationship
Influence of lifetime food restriction on causes, between 
anthropometry and serum concen-
time, and predictors of death in dogs. Journal of trations of alkaline phosphatase isoenzymes, li-
the American Veterinary Association 226, 225- ver enzymes, albumin, and bilirubin. Am J Clin
231 (2005). Pathol.2006; 126:437-42. 

12. Lawler, D. F., Larson, B. T., Ballam, J. M., et al. 23. Al-Sultan AI. Assessment of the relationship of
Diet restriction and aging in the dog: major ob- enzymes with obesity and insulin resistance in
servation over two decades. British Journal of adults in saudiarabia. Sultan Qaboos Univ Med J.
Nutrition 99, 793-805 (2008). 2008; 8:185-92. 

13. Jordan E, Kley S, Le NA, Waldron M, 24. Abdul Rehman Khan, Fazli Rabbi Awan, Syeda
Hoenig M. Dyslipidemia in obese cats. Sadia Najam, Mehboob Islam, Tehmina Siddique,
DomestAnimEndocrinol 2008;35:290–299. Maryam Zain. Elevated serum level of human
alkaline phosphatase in obesity. JPMA 65: 1182;
14. Margarethe Hoenig, Nicole Pach, Karl Thomaseth, 2015.
et al. Cats Differ From Other Species in Their
Cytokine and Antioxidant Enzyme
 Response 25. Menahan L, Sobocinski K, Austin B.
When Developing Obesit. Obesity (2013) 21, Characterization of elevated plasma alkaline
E407-E414. doi:10.1038/oby.20306 . phosphatase activity in genetically obese mice.
Metabolism.1985; 34:272-7.
15. Beth Hamper. Current Topics in Canine and
Feline Obesity.Veterinary Clinics of North 26. Ali AT, Ferris WF, Penny CB, Van der Merwe M-T,
America: Small Animal Practice, Volume 46, Jacobson BF, Paiker JE, et al. Lipid accumulation
Issue 5, Pages 785-795. and alkaline phosphatase activity in human prea-
dipocytes isolated from different body fat depots.
16. Hawthorne AJ, Butterwick RF. Predicting the J Endocrinol Metabol Diabetes SA 2013; 18:
body composition of cats: development of a zoo- 58-64. 

metric measurement for estimation of percentage
body fat in cats. J Vet Inter Med 2000; 14: 365. 27. Ali AT, Penny CB, Paiker JE, Psaras G, Ikram F,
Crowther NJ. The effect of alkaline phosphatase
17. Laflamme DP. Development and validation of inhibitors on intracellular lipid accumulation in
a body condition score for cats: a clinical tool. preadipocytes isolated from human mammary
FelPract1997; 25:13-18. tissue. Ann ClinBiochem.2006; 43:207-13.
18. Ginzinger DG, Wilson JE, Redenbach D, et al. 28. HARDY, R. M. Moléstias do fígado e seus tra-
Diet-induced atherosclerosis in the domestic cat. tamentos. In: ETTINGER, S. J. Tratado de me-
Lab Invest 1997; 77: 409-419. dicina interna veterinária: moléstias do cão e do
19. S. Muranaka et al. Obesity induced changes to gato. 3a ed. São Paulo: Manole, 1992. cap. 89. p.
plasma adiponectin concentration and choles- 1577-1580.
terol lipoprotein composition profile in cats 29. CENTER S.A. FelineHepaticLipidosis.
/ Research in Veterinary Science 91 (2011) Veterinary Clinical North America - Small Animal
358–361. Practice, Ithaca, v.35, n.4, p.225-269, 2005.
20. German AJ, Holden SL, Moxham GL, et al.: A 30. WEBSTER, C., COOPER, J. (2009). Diagnostic
simple reliable tool for owners to assess the body approach to hepatobiliary disease. In J. Bonagura
condition of their dog or cat. J Nutr. 136:2031S & D. Twedt. Kirk’s Current Veterinary Therapy.
2006. 14 ed. p. 543 – 549.
21. Mawby D, Bartges JW, d’Avignon A, et al.: 31. BUSH, B. M. Enzimas. In:______. Interpretação
Comparison of various methods for estimating de Resultados Laboratoriais para Clínicos de
body fat in dogs. J Am Anim Hosp Assoc. 40:109 Pequenos Animais. São Paulo: Roca, 2004. cap. 6,
2004. p. 238-248.


9. Obesidade felina: estudo clínico e laboratorial 125

Você também pode gostar