Você está na página 1de 10

3203

ARTIGO ARTICLE
A construção da interdisciplinaridade
no trabalho da Equipe de Saúde da Família

The implementation of interdisciplinarity


in the work routine of the family health care team

Magda Duarte dos Anjos Scherer 1


Denise Elvira Pires de Pires 2
Rémy Jean 2

Abstract Interdisciplinarity in the work routine Resumo Investigou-se a interdisciplinaridade no


of professionals of a Residency Course on Family trabalho de profissionais de um Curso de Resi-
Health in Southern Brazil was investigated in a dência em Saúde da Família na Região Sul do
qualitative study involving 11 residents and 5 su- Brasil em um estudo qualitativo com 11 residen-
pervisors of seven professions. Through interviews, tes e 5 supervisores de sete profissões. Através de
observations and focal groups the existence of in- entrevistas, observação e grupo focal analisou-se
terdisciplinarity in practice was analyzed, duly a vivência da interdisciplinaridade, identifican-
identifying favorable and unfavorable aspects for do elementos facilitadores e dificultadores. A in-
its implementation. Interdisciplinarity was ex- terdisciplinaridade foi expressa como um proces-
pressed as a complex process and concrete action, so complexo e de ação concreta, que ocorre nas
which occurs in the dramatic implications of its dramáticas do uso de si, numa relação dialética
usage, in a dialectical relationship with the polit- com o contexto político institucional. O estudo
ical and institutional context. The study revealed evidenciou que trabalhar na saúde da família com-
that working in family health care renders the plexifica o trabalho e que os profissionais viven-
work more complex and that the professionals ex- ciam a dificuldade de compartilhar saberes e de
perience difficulties in sharing knowledge and transitar entre o multi e o inter. Conclui-se que a
making the transition between multidisciplinari- interdisciplinaridade requer uso integrado de co-
ty and interdisciplinarity. The study concludes that nhecimentos na prática multiprofissional, inva-
interdisciplinarity requires the integrated use of são das fronteiras disciplinares, desenvolvimento
1
knowledge in the multi-professional practice, the de competências para lidar com os desafios do meio
Departamento de Saúde
Coletiva, Faculdade de crossing of disciplinary boundaries, the develop- e atitude individual como componente funda-
Ciências da Saúde, ment of competencies to address the challenges of mental para o agir profissional.
Universidade de Brasília. the work environment and personal attitude as a Palavras-chave Trabalho, organização e admi-
Campus Universitário
Darci Ribeiro. 70910-900 basic component for professional action. nistração, Equipe de assistência ao paciente, Ser-
Brasília DF Brasil. Key words Work, Oganization and administra- viços de Saúde, Recursos humanos, Saúde da fa-
magscherer@hotmail.com tion, Patient care team, Health Services, Human mília, Ergologia
2
Departamento de
Enfermagem, Centro de resources, Family health care, Ergology
Ciências da Saúde,
Universidade Federal de
Santa Catarina.
3
Institut d´Ergologie,
Aix-Marseille Université.

12 magda ok.pmd 3203 20/10/2013, 21:08


3204
Scherer MDA et al.

Introdução um município da Região Sul do Brasil, a partir


das percepções e expressões dos residentes e su-
O movimento histórico de produção do conheci- pervisores. Buscou-se identificar elementos faci-
mento que formou diversas disciplinas se refletiu litadores e dificultadores da prática interdiscipli-
no campo da saúde e influenciou a conformação nar. Apesar de se tratar de um contexto de for-
de diversos núcleos profissionais. As diversas pro- mação, a pesquisa concentrou-se na análise das
fissões de saúde têm um objeto de trabalho co- práticas profissionais, não tendo a pretensão de
mum que é o ser humano com carências de cui- analisar a política de educação em saúde ou o
dado em saúde1. Este objeto complexo e multidi- Curso de Residência.
mensional demanda uma abordagem multipro- A interdisciplinaridade, neste estudo, é enten-
fissional e interdisciplinar, no entanto, contradi- dida como instrumento e expressão de uma crí-
toriamente, cada profissão se estrutura com pa- tica do saber disciplinar e como uma maneira
radigmas e experiências específicas que vão com- complexa de entendimento e enfrentamento de
por modos distintos e fragmentares de atuar1,2. problemas do cotidiano. Exige a integração não
A complexidade do processo saúde doença e somente de saberes, mas também de práticas, e
a necessidade de uma abordagem interdiscipli- integra e renormaliza as disciplinas e as profis-
nar têm sido debatidas por diversos autores3-12. sões delas decorrentes, concretizando, ao final, a
A natureza multidimensional do ser humano re- íntima relação entre conhecimento e ação. Ou
quer práticas profissionais interdisciplinares que seja, falamos aqui de uma interdisciplinaridade
possam engendrar “formas mais abrangentes e como processo de construção de conhecimento e
totalizadoras de aproximar-se da realidade”13, ação, a partir de finalidades compartilhadas por
coerentes com os princípios da universalidade, coletivos de trabalho. Implica em um posiciona-
equidade e integralidade da atenção que nortei- mento ético e político que exige diálogo e negoci-
am o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. ação para definição das competências necessári-
O contexto brasileiro pós-Constituição de as para a resolução dos problemas enfrentados16.
1988 tem sido favorável ao desenvolvimento de Os conceitos de Campo e Núcleo17 contribu-
propostas inovadoras no sentido de provocar em para tratar da necessidade de articular dife-
mudanças no processo de trabalho em saúde rentes competências e responsabilidades de ma-
orientadas pelos princípios do SUS. A Estratégia neira a combinar a necessidade de polivalência e,
de Saúde da Família (ESF), incorporada à Políti- ao mesmo tempo, de especialização, assim como
ca Nacional de Atenção Básica (PNAB)14, como de lidar com a autonomia e a definição de res-
é chamada a política brasileira de atenção primá- ponsabilidades no trabalho em saúde. Estes con-
ria, inclui aspectos inovadores para o trabalho ceitos guardam estreita relação com o de inter-
em saúde em relação ao modelo biomédico vi- disciplinaridade que adotamos e ajudam a anali-
gente. Para substituir o modelo biomédico hege- sar a sua expressão nas práticas profissionais. O
mônico15 – centrado no indivíduo, no diagnósti- núcleo seria “o conjunto de saberes e de respon-
co e tratamento das doenças, na fragmentação sabilidades específicos de cada profissão” e o cam-
do ser humano e do trabalho e na assistência po dos “saberes e responsabilidades comuns ou
médica curativa e hospitalar – a ESF propõe o confluentes a várias profissões”17. Esses concei-
foco na família e comunidade, adscrição de clien- tos possibilitam evidenciar os processos de coo-
tela, valorização dos diversos saberes e práticas, peração e de mutação de cada profissão face às
integralidade e intersetorialidade das ações e es- exigências do trabalho.
tabelece que o trabalho multiprofissional deva O trabalho em saúde é marcado fundamen-
ser interdisciplinar e em equipe14. talmente por algumas características: atende a
Nesse cenário, entendendo que a educação necessidades complexas e variáveis; não pode ser
dos profissionais para serem protagonistas de totalmente padronizado, uma vez que envolve
novas práticas é estratégica, o Ministério da Saú- um encontro sempre singular entre sujeitos; os
de passou a investir em residências multiprofis- profissionais precisam de autonomia; é realiza-
sionais em todo o país. Partindo do pressuposto do por um grupo heterogêneo de trabalhadores;
de que esse contexto de formação é propício para os médicos direcionam o processo assistencial;
que a interdisciplinaridade aconteça, o presente há dependência do ambiente sociopolítico; parte
estudo teve por objetivo analisar a vivência da da força de trabalho é precarizada; e o cenário é
interdisciplinaridade nas práticas de profissio- de disputa entre atores com diversos interesses,
nais que participaram de um Curso de Residên- o que demanda um processo de negociação per-
cia Multiprofissional em Saúde da Família em manente1,18.

12 magda ok.pmd 3204 20/10/2013, 21:08


3205

Ciência & Saúde Coletiva, 18(11):3203-3212, 2013


Para compreender o trabalho, a abordagem são requeridos para enfrentar problemas nem
ergológica de Schwartz propõe o conceito de ati- sempre “tipicamente de saúde”, as dramáticas se
vidade, que é a maneira como as pessoas se enga- intensificam e torna-se um desafio agir com com-
jam na gestão dos objetivos do trabalho, num petência. Agir com competência implica em uma
lugar e tempo dados, servindo-se dos meios dis- combinação dialética de diversos ingredientes
poníveis ou inventando outros, para fazer frente integrando o saber agir (ter domínio das nor-
às variabilidades e produzir sentido no trabalho. mas antecedentes), o querer agir (estar motiva-
É um entrecruzamento de normas antecedentes e do ou aderir a um projeto coletivo) e o poder
de tentativas de renormalização, na relação com agir (capacidade de enfrentar os constrangimen-
o meio de vida, onde ocorre um debate perma- tos do meio)23.
nente de valores que resultam em escolhas feitas A interdisciplinaridade pode ser um caminho
pelos indivíduos e pelos grupos. As normas an- para integrar conhecimento e ação e qualificar o
tecedentes são tudo que antecipa a atividade de agir, na busca pela integralidade da atenção.
trabalho que virá antes mesmo que a pessoa te-
nha começado a agir, tais como os protocolos,
as normas e os saberes conceitualizados. As re- Percurso metodológico
normalizações são as múltiplas gestões de varia-
bilidades, a transgressão de normas, assim como A pesquisa ocorreu de abril a julho de 2005, em
a construção de redes e da comunicação que toda duas unidades de saúde de um município da Re-
situação de trabalho requer19-21. gião Sul do Brasil. A população do estudo foi o
Toda atividade de trabalho é sempre um dra- conjunto dos alunos e supervisores locais que
mático uso de si, no sentido de um drama, indivi- participaram de todo o curso, sendo 16 profissi-
dual ou coletivo, que acontece quando eventos onais: entre os supervisores, 1 psicóloga, 1 médi-
não esperados rompem com a sequência habitu- co, 2 enfermeiras e 1 farmacêutico; entre os resi-
al e antecipável da vida, trazendo a necessidade de dentes, 2 nutricionistas, 1 farmacêutica, 1 odon-
reagir, buscar alternativas e exigindo novas rela- tóloga, 4 médicos, 1 psicóloga e 2 enfermeiras. O
ções com o meio e entre as pessoas19. Nessa dialé- contexto e os sujeitos da pesquisa foram escolhi-
tica de uso de si, o trabalhador faz uso de si mes- dos intencionalmente, sendo critérios de inclusão:
mo em função do que os outros lhe demandam e profissionais de saúde integrantes de equipes
do que ele próprio se demanda, e faz uso dos multiprofissionais em saúde que atuavam no con-
demais. Este jogo expressa o coletivo de trabalho. texto do SUS, vivendo situações de trabalho que
“A atividade coletiva não pode ser calcada so- lhes demandavam prática interdisciplinar e com
bre a estruturação a priori de coletivos, mas evo- suporte teórico-prático permanente para o exer-
lui segundo as normas daqueles que trabalham cício desta prática, o que permitiria supor que
juntos tentando construir no curso de sua experi- estes estariam mais preparados para trilhar o ca-
ência individual e coletiva de trabalho”22. Os cole- minho da interdisciplinaridade. Trata-se de um
tivos são “entidades” variáveis no tempo e no es- estudo qualitativo fundamentado no referencial
paço e se organizam para além dos organogra- teórico do processo de trabalho em saúde1,2,24,25,
mas, têm sua própria história. Nesse sentido cons- da interdisciplinaridade10,26-30 e da ergologia19-21,31.
tituem Entidades Coletivas Relativamente Perti- Os dados foram obtidos através de entrevis-
nentes (ECRP), que estão presentes em toda or- tas semiestruturadas, observação participante e
ganização. São entidades porque envolvem pessoas, grupo focal. A observação participante plena32
mas as fronteiras do coletivo são invisíveis e vari- constituiu-se em um suporte para a definição do
am conforme o conteúdo e o ritmo da atividade de desenho da pesquisa, para a coleta e para a aná-
trabalho; as pessoas podem pertencer a serviços di- lise dos dados, devido ao fato da pesquisadora
ferentes e trabalhar juntas por compartilharem va- ter atuado como supervisora e professora dos
lores. São coletivas porque são vários trabalhadores residentes durante dois anos do curso. Ciente do
buscando a eficácia e às vezes eficiência no seu tra- risco epistemológico, alguns cuidados foram to-
balho. São pertinentes para compreender como o mados: reconhecer rigorosamente os dados ob-
trabalho acontece. São relativas porque as frontei- tidos através dos instrumentos formais; usar a
ras são variáveis, se formam a partir dos atos de triangulação na coleta e na análise dos dados, o
trabalho, em função das pessoas, da necessidade de que permitiu olhar o fenômeno através de dados
trabalharem juntas e da história das organizações2. obtidos em diversas fontes e também, na análise
No contexto de complexidade da atenção pri- de cada categoria, confrontar as informações;
mária de saúde, onde vários saberes e práticas afastamento da pesquisadora do campo de pes-

12 magda ok.pmd 3205 20/10/2013, 21:08


3206
Scherer MDA et al.

quisa no período da análise dos dados. O afasta- mas com o tempo foi amadurecendo [...], é um
mento se deu durante seis meses para estudos no trabalho conjunto, mesmo que não estejam os dois
Departamento de Ergologia da Universidade Aix- profissionais presentes numa consulta, mas que
Marseille I para aprofundamento do diálogo aca- estejam integrados na resolução do problema. E
dêmico nesta abordagem. acho que isso foi sendo construído, porque veio a
Os dados obtidos com as entrevistas e a ob- história das interconsultas, como instrumento ofi-
servação foram analisados e organizados em pré- cial da interdisciplinaridade [...] (8E).
categorias, e levados para debate em dois grupos A interdisciplinaridade, segundo os sujeitos,
focais. As entrevistas foram codificadas com nú- além de ser um processo de construção difícil e
mero e letra inicial da categoria profissional do contraditório, às vezes parece ser um paradoxo,
entrevistado ou S de supervisor e o conteúdo do ela existe e não existe ao mesmo tempo, porque é
grupo focal identificado por GF. difícil visualizá-la na vivência do dia a dia.
A análise qualitativa seguiu os três passos (in- Acho que houve alguns momentos. O grupo
tegrados) sugeridos por Demo33: contextualiza- amadureceu muito ao longo desses dois anos. [...]
ção sócio-histórica, análise formal, e interpreta- cada pessoa pode se abrir, mais umas com as ou-
ção. O projeto de pesquisa foi aprovado no Co- tras, expor mais o que cada uma faz, cada área faz.
mitê de Ética da Universidade Federal de Santa [...] Antes [...] a gente conversava, mostrava o caso,
Catarina. alguém dava sugestões, mas a pessoa continuava a
trabalhar sozinha e não tinha um acompanha-
mento. [Foi possível] trabalhar multiprofissional,
Resultados e discussão mas não a interdisciplinaridade, que eu acho muito
difícil (16P).
A vivência da interdisciplinaridade foi expressa Havia uma tentativa de padronização das
pelos sujeitos da pesquisa através de exemplos condutas dos profissionais, no sentido do traba-
das atividades cotidianas de trabalho, bem como lho integrado, mas fatores como o direciona-
pelo relato das facilidades e dificuldades para a mento médico no cuidado em saúde provoca-
sua efetivação. vam tensões e exigiam permanente negociação.
Duas grandes categorias surgiram nessa cons- A gente percebia que havia diálogo, mas quan-
trução: “interdisciplinaridade – processo com- do se voltava, por exemplo, com o usuário e com a
plexo e ação concreta” e “elementos facilitadores família as atitudes continuavam as mesmas. A dis-
e dificultadores da interdisciplinaridade”. cussão, ela não tinha provocado realmente uma
mudança [...] a última palavra era sempre a do
Interdisciplinaridade – médico. [...]. Eu acho isso uma questão muito com-
Processo Complexo e Ação Concreta plicada porque daí tem essa cara de trabalho inter-
disciplinar [...] (11S).
A interdisciplinaridade se apresentou como Saupe et al.34 também encontraram que a
um processo complexo em função da multiplici- prática interdisciplinar é dinâmica e processual e
dade de recursos necessários para a sua efetiva- que não é vivida da mesma maneira pelos profis-
ção. Recursos estes entendidos como tudo aqui- sionais. Segundo esses autores, “nem todos os
lo que precisa ser mobilizado para que o empre- momentos vividos numa Unidade de Saúde são
endimento interdisciplinar se efetive, incluindo, interdisciplinares, não se é interdisciplinar o tem-
entre outros, saberes das mais diversas origens, po todo e não se é interdisciplinar sempre, com
ambiente favorável, projeto compartilhado e ati- todos os membros da equipe”34.
tude dos sujeitos26-30. A complexidade dos problemas e da atenção
O processo interdisciplinar apareceu como à saúde foi reconhecida pelos sujeitos da pesqui-
resultado de um processo de amadurecimento sa como mobilizador para o pensar e o agir in-
no trabalho em equipe e que necessita de um es- terdisciplinar.
paço institucional que possibilite a construção A complexidade dos problemas da população
de novas normas e formas de realização do tra- contribuiu para a interdisciplinaridade, para a
balho, a exemplo das interconsultas, que na ex- percepção de que uma [profissão] não dá conta
periência analisada constituiu-se em espaços de sozinha de um problema (1D).
clínica em equipe. Para alguns profissionais de saúde, a interdis-
Interdisciplinaridade não é só encaminhar, é ciplinaridade era considerada meio de resolução
um trabalho conjunto que vai desde o início até o de muitos problemas e, além disso, que as discus-
final. No inicio o grupo tinha um pouco essa visão, sões em equipe multiprofissional já eram a inter-

12 magda ok.pmd 3206 20/10/2013, 21:08


3207

Ciência & Saúde Coletiva, 18(11):3203-3212, 2013


disciplinaridade acontecendo e o suficiente para O novo modelo ESF
tal. No entanto, na reflexão coletiva ocorrida no complexifica o trabalho
grupo focal sobressaiu a conclusão de que a in- O atual contexto político institucional brasi-
terdisciplinaridade manifesta-se na realização da leiro de tentativas de mudança no modelo de aten-
atividade, como ação concreta produtora de sa- ção, materializado na prescrição da Estratégia de
beres e práticas, integrando conhecimento e ação. Saúde da Família, tem como ingredientes a com-
A discussão tem que se transformar em ação. O plexidade dos problemas a serem enfrentados e
que [...] às vezes não acontece. Às vezes, a gente as histórias dos indivíduos e dos coletivos. As
discute, discute, mas [...] a ação permanece a mes- tarefas exigidas para a configuração de um novo
ma. E é justamente na ação que a gente vê a trans- modelo multiprofissional e interdisciplinar fazem
formação daquela conduta. É onde tu vês que aquilo com que se ampliem interfaces a serem geridas
foi apropriado, fez sentido e houve modificação. pelos trabalhadores que compõem as equipes.
Eu, às vezes, vejo que a gente discute, mas não muda Por exemplo, [...] quantas vezes a gente não
o jeito de fazer (GF). tem que falar sobre nutrição com o paciente, quan-
A interdisciplinaridade é prescrita na política tas vezes a gente não tem que orientar o paciente
de saúde e assumida pelos profissionais, mas [...] porque ele está pedindo a aposentadoria, ou
existem lacunas entre o prescrito e o realizado. está pedindo seguro saúde, qualquer coisa. Eu sem-
Na realização da atividade de trabalho, no senti- pre tento levar em consideração [...] todas estas
do de Schwartz19 e Schwartz e Durrive20, os tra- disciplinas que permeiam a abordagem do pacien-
balhadores vivenciam uma dramática, fazendo te. Se eu estou explicando ao paciente [como usar
escolhas que orientam a tomada de decisões. Na um medicamento], ele começa me falar que – Ah,
gestão dos elementos envolvidos no trabalho, a [...] eu estou me incomodando em casa com o meu
cada momento, os profissionais tomam decisões filho, eu não vou dizer para ele assim – está tudo
que nem sempre correspondem ao prescrito. bem, mas este medicamento tem que tomar as oito
Os profissionais manifestaram que a inter- e as oito. Se ele está falando aquilo, eu estou enten-
disciplinaridade pode ser percebida como ação dendo que ele tem algum outro problema que não é
concreta ao produzir mudanças no processo de sobre o medicamento, [...] quer que eu o ajude,
trabalho. Ao mesmo tempo, consideraram que [...] tem que parar de falar sobre o medicamento e
se efetivou na realização conjunta do diagnóstico ouvir o que ele está me trazendo daquela queixa
de saúde, no levantamento de problemas e no dele, ver como eu posso resolver o problema para
planejamento das ações. No mesmo sentido, a ele [...] (5S).
literatura também registra que a interdisciplina- Percebe-se que o enfrentamento do modelo
ridade “se constrói em cima de uma realidade biomédico intensifica o trabalho e exige a gestão
muito concreta, ou seja, no âmbito das práticas, de situações de trabalho que extrapolam o que
dos cotidianos, das demandas e necessidades”34. teoricamente seria da competência do trabalha-
As falas dos profissionais sobre a vivência da dor, o que implica na ampliação dos saberes e
interdisciplinaridade sinalizaram um descompas- das práticas de cada núcleo profissional. Coloca-
so entre conhecimento e ação, ou seja, sugeriram se o desafio de articular a multiprofissionalida-
a existência de consenso no plano dos valores e de, ou seja, a autonomia de cada profissão na
das normas antecipadoras do trabalho, mas no relação com as demais, para realizar o cuidado
momento de agir existe a dificuldade de efetivar a em saúde, na busca da eficácia e da eficiência14.
cooperação e o trabalho integrado. Segundo Schwartz e Durrive “a eficácia se obtém
graças a um trabalho de apropriação normativa
Elementos Facilitadores e de incessantes renormalizações, que no proces-
e Dificultadores da Interdisciplinaridade so, articulam e redefinem saberes e valores”31.
A complexidade da atenção à saúde exige, ain-
Os resultados desta pesquisa mostraram que da, o engajamento do profissional, a capacidade
as facilidades e as dificuldades se entrecruzam e de escuta, o compromisso ético e a visão integral
se transformam rearticulando e reconfigurando, do sujeito do cuidado. O trabalho aparece como
permanentemente, as ações e os saberes envolvi- articulado à vida, exigindo quebra de preconcei-
dos na sua execução, bem como redimensionam tos, mudança de atitude, e às vezes se confunde
escolhas em uma relação dialética entre o contex- entre relações profissionais e pessoais.
to político institucional e a história de vida dos Ter trabalhado dessa forma com os vários pro-
profissionais. fissionais foi um crescimento para mim, acho que
muito mais para minha vida pessoal até. Poder

12 magda ok.pmd 3207 20/10/2013, 21:08


3208
Scherer MDA et al.

enxergar outras profissões, conviver, eu tinha cer- Transitar entre o multi e o inter
to ranço em relação a algumas profissões, e daí não é simples
você vai conviver com eles e você vê, não, há pro- Os profissionais de maneira geral pareciam
fissionais que são assim, não é a profissão, é a pes- confusos, sem saber como se mover entre os li-
soa [...]” (12N). mites imprecisos do campo e do núcleo de com-
Segundo os sujeitos da pesquisa, o proposto petências e de responsabilidades pelo cuidado em
na ESF é difícil de ser seguido, porque os serviços saúde, o que poderia estar relacionado ao fato de
de saúde e os profissionais não estão preparados terem pouco tempo de formação e de experiên-
para lidar com a complexidade dos problemas cia profissional.
de saúde, principalmente em populações com [...] às vezes, ficava meio vago o que se queria
carências de todas as ordens. da interdisciplinaridade. Por que de um lado tu
A situação lá de saúde era muito dramática, o querias a interdisciplinaridade, mas, do outro tu
serviço pouco envolvido, poucos funcionários, eu precisavas que as profissões se fortalecessem, tives-
me sentia perdido [...], porque os problemas eram e sem a competência específica. Parece que eram coi-
continuam grandes, a fragilidade da situação de sas antagônicas, ou tu fazias um trabalho interdis-
vida das pessoas lá é tão dramática que quando a ciplinar ou tu eras bom na tua profissão de origem
residência chegou, eu disse – puxa vida dez profis- (14M).
sionais chegando, a gente vai conseguir realmente [...] Essa dificuldade de trocar experiências com
avançar muito e na verdade, eu fui percebendo no as outras áreas faz parte do próprio processo da cons-
decorrer do tempo de que isso não seria uma coisa trução do trabalho interdisciplinar. [...] como é um
tão rápida, por vários motivos:as visões de cada processo que se constrói no cotidiano, ele se cons-
um, eram profissionais recém saídos dos seus cur- trói com a história das pessoas que estão lá (GF).
sos; a fragilidade dos nossos vínculos como super- A observação participante permitiu visuali-
visores locais e também pelo fato de não termos zar que toda a equipe planejava e executava ações
tido espaços para elaborar melhor a nossa forma de em conjunto quando estas eram voltadas para a
trabalho. Isto tudo foi uma construção [que] con- coletividade. No entanto, na Unidade de Saúde,
sumiu grande parte do nosso tempo e, talvez para trabalhavam em geral isoladamente, cada um
uma próxima [...] a gente consiga avançar. Então, cuidando daquele “pedaço do ser humano”, típi-
eu acho que eu tenho que reduzir o meu nível de co do modelo biomédico. No decorrer do curso,
ansiedade, mas ao mesmo tempo, a gente não pode essa situação timidamente foi se modificando,
permitir que esta ansiedade diminua demais, por com a instituição da Interconsulta como espaço
que os problemas das pessoas e, às vezes, a não reso- de clínica em equipe, e dos Momentos de Inte-
lução destes problemas pode resultar em prejuízo gração (MI) criados para impulsionar a elabo-
muito grande pra vida das pessoas [...] (4S). ração de planos terapêuticos em equipe e a inter-
Na ESF os profissionais devem atuar sobre venção conjunta. Observou-se que no trabalho
os determinantes do processo saúde doença, ocorreram mutações no núcleo de competências
rompendo com o modelo focado na atenção à as quais foram articulando, rearticulando e re-
demanda espontânea e à doença14, o que provo- definindo, de alguma maneira, lugares e autono-
ca um exercício permanente de reflexão sobre os mias, conformando o coletivo de trabalho.
próprios atos e no que eles irão resultar. A interdisciplinaridade, segundo os sujeitos
O trabalho requer um triplo engajamento: da pesquisa, acontecia nos momentos de plane-
com o mundo, com os outros e consigo mesmo. jamento, nos atendimentos conjuntos e quando
A exigência de eficácia coloca o trabalhador num trocavam saberes para os atendimentos profis-
permanente debate de normas e valores31. Um sionais específicos. Caracterizava-se pelo estabe-
cenário como este é composto por elementos de lecimento de um plano terapêutico comum, pela
sofrimento, frustrações, ansiedades e dificulda- atitude em trocar saberes, pela liberdade de “in-
des de agir nas situações de trabalho. Os sujeitos vadir” o atendimento do outro e pela liberdade,
se angustiavam diante das poucas possibilidades também, do usuário participar das decisões so-
de intervir no processo saúde-doença para além bre o seu processo terapêutico.
do aspecto biológico, porque, segundo eles, re- Constituíam-se Entidades Coletivas Relativa-
solver a doença tem resultado visível imediato, mente Pertinentes (ECRP)22 expressando as mi-
mas mexer no social é demorado. crorrecomposições dos coletivos de trabalho em
torno da equipe e dos usuários, na busca da efi-
cácia. Eram situações de trabalho em movimen-
to, nas quais a equipe ou os profissionais desen-

12 magda ok.pmd 3208 20/10/2013, 21:08


3209

Ciência & Saúde Coletiva, 18(11):3203-3212, 2013


volviam ações ou atividades de atenção à saúde, dos indivíduos e as relações que se estabeleciam
de caráter individual ou coletivo, ora fragmenta- entre eles.
das, ora integradas, precedidas de um planeja- Acho que atrapalha bastante a falta de inicia-
mento coletivo ou não. tiva de algumas pessoas, até minha. Alguns mais
A atitude dos sujeitos de comprometimento autoritários outros mais sentimentalistas, como
com o cuidado das pessoas, mesmo diante de eu. As pessoas se respeitavam, a gente procurava
adversidades, apareceu como um potencializa- conversar, esclarecer as coisas, ser o mais sincero
dor do trabalho da equipe. A atitude implica não possível. Às vezes, era difícil, [...] (9E).
se deixar limitar pelas antecipações, se autorizar Se fala muito da formação acadêmica. Eu vou
a recriar normas em nome daqueles que são su- falar da formação pessoal dos sujeitos. Que tem a
jeitos do cuidado e a interpretar e questionar as ver com o modelo de sociedade, com a cultura, a
normas que são impostas. lógica que tu és educada. Se tu és educado a ser
A situação de trabalho é o lugar, segundo uma pessoa competitiva, que não sabe trabalhar
Schwartz19 e Schwartz e Durrive20, de uma dra- em equipe, é muito difícil você se tornar um adulto
mática subjetiva onde são negociadas em circuns- e aprender a trabalhar dessa forma. Tu vais apa-
tâncias pessoais, históricas, sempre particulares, nhar [...]. Ou, tu vais buscar equipes que traba-
as modalidades dos compromissos entre nor- lhem dessa forma, cada um faz seu trabalho isola-
mas hetero e autodeterminadas, entre uso de si do. Então, as pessoas buscam trabalhos por afini-
pelos outros e uso de si por si. dades pessoais também (GF).
Toda situação de trabalho supõe, no uso dra-
Dificuldades de compartilhar saberes mático de si, experiências, “arbitragens, ponde-
Segundo os entrevistados, alguns fatores con- rações, critérios, portanto engajamento”35, mais
tribuíram como limitadores para que os profis- ou menos conscientes, construídos ao longo de
sionais compartilhassem seus saberes no traba- um processo de renormalizações que se trans-
lho em equipe, tais como a fragilidade do núcleo formam em patrimônio não só para o trabalho,
de competência profissional, a não valorização mas para a vida dos sujeitos. Segundo Schwartz,
do seu próprio trabalho, dificuldades pessoais, nosso “corpo-si”, durante a vida, é colocado à
timidez, imaturidade, medo de errar, disputas de prova, se historiciza através dos entrecruzamen-
poder, desconhecimento de como trabalhar de tos de normas e valores e cada renormalização é
forma interdisciplinar, e limitações da formação um momento de escolha, de ressingularização
na graduação. A questão do poder médico esta- de nós mesmos e que possibilita o enfrentamen-
va sempre presente, bem como a dificuldade das to do meio hostil36. Isso significa que os profissi-
demais profissões de saúde de lidar com essa onais têm potencialidades e podem desenvolver
problemática. a capacidade de agir diferente.
E aí eu fico pensando, até que ponto eu não
fiquei nesse papel de passivo, de ser convidado para O contexto político-institucional
discutir um processo terapêutico. Será que tam- influenciando a interdisciplinaridade
bém eu não tinha um pouco de medo, já que eu O contexto político-institucional e a estrutu-
não tinha muitos conhecimentos a respeito da te- ra do sistema de saúde, incluindo a organização,
rapia [...] (13F). a gestão dos serviços de saúde e a cultura institu-
[...] dificuldade de entender os papeis, a dispu- cional, também influenciaram a interdisciplina-
ta de poder, a dificuldade de reconhecer a impor- ridade. O contexto inclui ainda os elementos or-
tância do saber do outro, porque o médico é o Deus, ganizativos e estruturais do curso de residência.
então há uma hierarquia. A enfermeira abaixo do Foi unânime entre os profissionais que as
médico, a nutricionista só fala de comida, o psicó- práticas de atenção à saúde nas Unidades Básicas
logo é pra conversar (1D). não correspondem ao que é preconizado pelo
A medicina é o grande vilão da história, mas as Ministério da Saúde, ou seja, para eles, havia um
ciências humanas também têm dificuldades de in- modelo teórico de como trabalhar, em aprendi-
serir o biológico nas suas discussões, têm os seus zagem no curso de Residência, que não se coadu-
tabus. [...]. Todo objeto para mim é complexo quan- nava com o trabalho cotidiano dos serviços.
do tu trabalhas com a realidade. Então, exige as O modelo novo quem vai fazer é a gente. Eu
várias abordagens (GF). não fui formado para ir trabalhar num lugar que
Para os profissionais, o que influenciava pre- está esperando um profissional novo. [...], eles não
dominantemente o processo de tomada de deci- estão esperando alguém que vá fazer acolhimento,
são na equipe eram as características pessoais que vá fazer planejamento [...]. Eles estão esperan-

12 magda ok.pmd 3209 20/10/2013, 21:08


3210
Scherer MDA et al.

do o médico que vai chegar lá e atender a demanda ço e tempo compartilhado são importantes para
(14M). que as pessoas se conheçam, troquem e cons-
O serviço não tem clareza de que é possível fa- truam vínculos entre si. A construção do coletivo
zer um trabalho mais multiprofissional e interdis- depende de haver um mínimo de estabilidade e
ciplinar, as discussões dentro da instituição sobre de certa permanência no emprego e na organiza-
trabalho inter são muito incipientes (4S). ção, porque a confiança e a cooperação se cons-
[...] Uma equipe do PSF trabalhando como é troem com o tempo pelo conhecimento da for-
previsto eu não conhecia. A gente estudava [...], ma de trabalhar.
mas na prática não era o que se apresentava e nós Observou-se que os residentes contavam com
como residentes não conseguíamos implementar espaço e tempo propícios ao trabalho interdisci-
isso (3M). plinar. Eram seis categorias profissionais com seus
Um modelo é uma prescrição generalizante, respectivos supervisores buscando uma atuação
descontextualizada, que, ao ser aplicado a uma conjunta e contribuindo para a vivência da inter-
realidade concreta, se efetiva de acordo com as disciplinaridade. Atividades estruturadas dentro
singularidades locais. Todo lugar de trabalho tem e fora da unidade de saúde eram orientadas pe-
suas próprias normas antecedentes que orien- los princípios da interdisciplinaridade, integrali-
tam as escolhas dos indivíduos e coletivos, e par- dade e intersetorialidade.
te delas é criada a partir da atividade de trabalho Entretanto, muitos supervisores não eram pre-
e não está escrita em nenhum lugar31. Além dis- parados para lidar com uma complexidade tão gran-
so, as antecipações do trabalho não são suficien- de e não tinham conteúdo suficiente de saúde pú-
tes para a eficácia face à complexidade do fazer, blica. Cada um orientava no seu núcleo de saber,
sendo assim as normas são renormalizadas per- isso confundia o residente (11S).
manentemente e ao mesmo tempo pode haver O agir humano só pode ser compreendido
vazios de normas que poderiam tornar o traba- na sua relação com o meio, relação esta sempre
lho mais resolutivo. O profissional recente na permeada por certa tensão diante das adversida-
equipe vai precisar de um tempo para se apro- des. Como relatado na literatura, o contexto de
priar do que está implícito nas situações de tra- instabilidade trabalhista, a inadequação da for-
balho e para ampliar a sua capacidade de agir mação, o foco na atenção à demanda e o predo-
diante dos constrangimentos do meio. mínio do modelo médico centrado persistem
Como eu falei, tem profissionais e profissio- como desafios para efetivar a ESF37.
nais. Agora, a gente está com CTD [contrato por
tempo determinado], de seis em seis meses, como
é que você vai fazer um trabalho interdisciplinar? Conclusões
A gente ainda tem um desfalque da equipe. Só te-
mos uma equipe PSF. [As outras] equipes são con- Este estudo revelou que a interdisciplinaridade
tratadas. Mas de seis em seis meses muda tudo, requer uso integrado de conhecimentos na práti-
auxiliar, enfermeiro, médico (7S). ca multiprofissional, invasão das fronteiras dis-
Mas pensando nos funcionários, o que a gente ciplinares, desenvolvimento de competências para
aprende é o quanto uma gestão de um município lidar com os desafios do meio e atitude individu-
influencia o fazer saúde. Se os funcionários estão al como componente fundamental para o agir
mal-humorados, se existe muito afastamento por profissional.
doença, então eu acho que tudo isso é reflexo da O trabalho multiprofissional na perspectiva
gestão. Não percebi outra contribuição do serviço interdisciplinar apareceu como possibilidade con-
que não fosse isso, mostrar a quase crueldade da creta no plano intelectual, mas na prática era ori-
realidade do trabalho em saúde desses profissionais entado predominantemente pelo modelo biomé-
(13F). dico hegemônico. Além de se mostrar dependen-
Refletir sobre as possibilidades de constru- do da consciência e do compromisso dos profis-
ção de um trabalho interdisciplinar é complexo e sionais, de conhecimentos e competências, en-
deve-se considerar uma variedade de elementos volvendo a subjetividade e a intersubjetividade
influenciando nesse processo. Um contexto como dos atores, o trabalho é condicionado pelo mo-
o da pesquisa vai exigir mais do coletivo e pode delo de gestão e pelas condições materiais e or-
dificultar a cristalização de experiências, proces- ganizacionais nas quais se desenvolvem as ativi-
sos esses nem sempre visíveis, difíceis de avaliar, dades de trabalho.
mas que muitas vezes aparecem como sendo re- O modelo Saúde da Família complexifica o
sistências dos trabalhadores às mudanças. Espa- trabalho. Atuar segundo o princípio da integra-

12 magda ok.pmd 3210 20/10/2013, 21:08


3211

Ciência & Saúde Coletiva, 18(11):3203-3212, 2013


lidade na atenção primária amplia as interfaces a
gerir e coloca novas dificuldades e desafios no
plano das competências, questões que devem ser
consideradas ao se pensar sobre o potencial de
cada profissional e as possibilidades dos coleti-
vos trabalharem interdisciplinarmente.
A pesquisa evidenciou a dimensão de uso de
si presente na relação com os usuários ao produ-
zir “desvios” no que havia sido planejado pelo
profissional. A busca de eficácia provoca o deba-
te de normas e valores e a renormalização das
normas antecedentes, e também leva o trabalha-
dor a reinventar seu modo de trabalhar.
Conclui-se que a interdisciplinaridade não tem
um fim em si mesmo, não está presente em todos
os momentos e se constrói a partir de necessida-
des e capacidades determinadas pelo meio e pelos
sujeitos que produzem o cuidado em saúde.

Colaboradores Referências

MDA Scherer, R Jean e D Pires participaram igual- 1. Pires D. Reestruturação produtiva e trabalho em saú-
mente de todas as etapas de elaboração do artigo de. 2ª Edição. São Paulo: Annablume; 2008.
2. Scherer MDA, Pires D, Schwartz Y. Trabalho cole-
tivo: um desafio para a gestão em saúde. Rev Saude
Publica 2009; 43(4):721-725.
3. Nunes ED. A questão da interdisciplinaridade no
estudo da saúde coletiva e o papel das ciências
sociais. In: Canesqui AM, organizadora. Dilemas e
desafios das ciências sociais na saúde coletiva. São
Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec, Abrasco; 1995. p.
95-113.
4. Paim JS. Saúde da Família: espaço de reflexão e de
contra-hegemonia. Interface (Botucatu) 2001; 5(9):
143-146.
5. Minayo MCS. Estrutura e sujeito, determinismo e
protagonismo histórico: uma reflexão sobre a práxis
da saúde coletiva. Cien Saude Colet 2001; 6(1):7-19.
6. Almeida MCP, Mishima SM. O desafio do trabalho
em equipe na atenção à saúde da família: constru-
indo “novas autonomias” no trabalho. Interface (Bo-
tucatu) 2001; 5(9):150-153.
7. Meirelles BHS, Erdman AL. A interdisciplinaridade
como construção do conhecimento em saúde e en-
fermagem. Texto Contexto Enferm 2005; 14(3):411-
418.

12 magda ok.pmd 3211 20/10/2013, 21:08


3212
Scherer MDA et al.

8. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa 25. Ribeiro EM, Pires D, Blank VLG. A teorização so-
qualitativa em saúde. 10ª Edição. São Paulo: Huci- bre processo de trabalho em saúde como instru-
tec; 2007. mental para análise do trabalho no Programa Saú-
9. Saintrain MVL, Vieira LJES. Saúde bucal do idoso: de da Família. Cad Saude Publica 2004; 20(2):438-
abordagem interdisciplinar. Cien Saude Colet 2008; 446.
13(4):1127-1132. 26. Japiassu H. Interdisciplinaridade e patologia do saber.
10. Luz M. Complexidade do Campo da Saúde Coleti- Rio de Janeiro: Imago; 1976.
va: multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, e 27. Fazenda ICA. Interdisciplinaridade: um projeto em
transdisciplinaridade de saberes e práticas – análi- parceria. São Paulo: Edições Loyola; 1991.
se sócio-histórica de uma trajetória paradigmática. 28. Frigotto G. A interdisciplinaridade como necessi-
Saúde Soc 2009; 18(2):304-311. dade e como problema nas ciências sociais. In:
11. Guedes LM, Ferreira Junior M. Relações Discipli- Jantsch AP, Bianchetti L, organizadores. Interdisci-
nares em um Centro de Ensino e Pesquisa em Prá- plinaridade: para além da filosofia do sujeito. Pe-
ticas de Promoção da Saúde e Prevenção de Doen- trópolis: Vozes; 1995.
ças. Saúde Soc 2010; 19(2):260-272. 29. Morin E. Por uma reforma do pensamento. In:
12. Borges MJL, Gurgel IGD, Sampaio AS. Trabalho Pena-Vega A, Nascimento EP, organizadores. O pen-
em equipe e interdisciplinaridade: desafios para a sar complexo: Edgar Morin e a crise da modernida-
efetivação da integralidade na assistência ambula- de. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Garamond; 1999. p.
torial às pessoas vivendo com HIV/Aids em Per- 21-46.
nambuco. Cien Saude Colet 2010; 17(1):147-156. 30. Di Ruzza R. L´Aventure ergologique. In: Di Ruzza
13. Minayo-Gomes C, Thedim-Costa SMF. A constru- R, Halevi J, organizadores. De l´economie politique
ção do campo da saúde do trabalhador: percursos e à l´ergologie – lettre aux amis. Paris: Éditions
dilemas. Cad Saude Publica 1997; 13(Supl.2):21-32. L´Harmattan; 2003. p.51-85.
14. Brasil. Portaria MS/GM nº 2.488, de 21 de outubro 31. Schwartz Y, Durrive L. Travail & Ergologie: entreti-
de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção ens sur l´activité humaine II. Toulose: Octarés; 2009.
Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e nor- 32. Cruz Neto O. O trabalho de campo como desco-
mas para a organização da Atenção Básica, para a berta e criação. In: Minayo MCS, organizador. Pes-
Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de quisa social: teoria, método e criatividade. Petrópo-
Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Ofi- lis, RJ: Vozes; 1994. p. 51-66.
cial da União 2011; 24 out. 33. Demo P. Pesquisa e informação qualitativa. 2ª Edi-
15. Mendes EV. Uma agenda para a saúde. São Paulo: ção. São Paulo: Papirus; 2004.
Hucitec; 1996. 34. Saupe R, Cutolo RLA, Wendhausen ALP, Benito
16. Scherer MDA, Pires D. Interdisciplinaridade: pro- GAV. Competência dos profissionais de saúde para
cesso complexo de conhecimento e ação. Revista o trabalho interdisciplinar. Interface (Botucatu) 2005;
Tempus Actas de Saúde Coletiva 2011; 5(1):69-84. 9(18):521-536.
17. Campos GW. Saúde pública e saúde coletiva: cam- 35. Schwartz Y. Trabalho e valor. Tempo soc 1996;
po e núcleo de saberes e práticas. Cien Saude Colet 8(2):147-158.
2000; 5(2):219-230. 36. Schwartz Y. Qual sujeito para qual experiência? R
18. Dussault G. A Gestão dos serviços públicos de saú- Tempus Actas Saúde Col 2011; 5(1):55-67.
de: características e exigências. Rev Adm Publica 37. Costa GD, Cotta RMM, Ferreira MLSM, Reis JR,
1992; 26(2):8-19. Franceschini SCC. Saúde da Família: desafios no
19. Schwartz Y. Reconnaissances du travail: pour une processo de reorientação do modelo assistencial.
approche ergologique. 2ª Edição. Paris: PUF; 1998. Rev Bras enferm 2009; 62(1):113-118.
20. Schwartz Y, Durrive L. Travail & Ergologie: entreti-
ens sur l´activité humaine. Toulose: Octarés; 2003.
21. Rosa MI. Usos de si e densificação do trabalho. In:
Dieese, CESIT, organizadores. Trabalho e aborda-
gem pluridisciplinar: estudos Brasil, França e Ar-
gentina. São Paulo, Campinas: Dieese, CESIT; 2005.
p. 17-33.
22. Efros D, Duc M, Faita D. Travailler ensemble? In:
Schwartz Y. Reconnaissances du travail: pour une
approche ergologique. 2ª Edição. Paris: PUF; 1998.
p. 57-58.
23. Schwartz Y. Os ingredientes da competência: um
exercício necessário para uma questão insolúvel.
Educ. Soc 1998; 19(65):101-139.
24. Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: con- Artigo apresentado em 15/06/2012
ceito e tipologia. Rev Saude Publica 2001; 35(1):103- Aprovado em 28/08/2012
109. Versão final apresentada em 17/09/2012

12 magda ok.pmd 3212 20/10/2013, 21:08

Você também pode gostar