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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E ECONOMIA
Curso de Licenciatura em História
Disciplina: História do Brasil III – 2016.1
Professor: Marcello Otávio N. C. Basile
Aluna: Nathália de Ornelas Nunes de Lima

FICHAMENTO

Texto 10:

LEAL, Victor Nunes. Indicações sobre a estrutura e o processo do “coronelismo”. In:


Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 5. ed. São
Paulo: Alfa-Ômega, 1986.

- Coronelismo: fenômeno que “envolve um complexo de características da política


municipal” (p. 19).

- Origem do termo: autênticos ou falsos coronéis da Guarda Nacional. Esse tratamento


passou pelos sertanejos a ser dado a qualquer chefe político das áreas rurais.

- Coronelismo como “resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime


representativo a uma estrutura econômica e social inadequada”. Uma adaptação, uma
“forma peculiar” de manifestação do poder privado em um “regime político de extensa
base representativa” (p. 20).

- Coronelismo como um “compromisso”: “troca de proveitos entre o poder público,


progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais,
notadamente dos senhores de terras” (p. 20).

- Fenômeno ligado à estrutura agrária brasileira e ao sistema representativo de sufrágio


amplo -> maior parte do eleitorado nacional da época era formado por trabalhadores rurais
(p. 25, nota 9) -> assim, “o governo não pode prescindir do eleitorado rural, cuja situação
de dependência ainda é incontestável” (p. 20).

- Características secundárias do sistema coronelista: mandonismo, filhotismo, falseamento


do voto, desorganização dos serviços públicos locais.

- O aspecto da liderança. Não só coronéis de fato, mas muitos “doutores” como chefes
políticos municipais. Em algumas partes, doutores e padres atuando como líderes
intelectuais, aliados dos coronéis. Rivalidades familiares na política (entre sogros, genros,
filhos, cunhados, etc.): mais aparentes que reais, pois, muitas vezes, servem apenas para
“atender às circunstâncias, a liderança passa de um para outro, continuando
substancialmente inalterada” (p. 22).

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- Absenteísmo: chefes políticos que se consolidam e obtém cargos de deputados estaduais
ou federais ou outros cargos na administração e negócios e retornam ao município apenas
de tempos em tempos (para fins partidários). Embora se afastem, podem conservar a chefia
política do município, deixando representantes (“lugares-tenentes”).

- Coronel -> força eleitoral e prestígio político, consequências de sua “privilegiada situação
econômica e social de dono de terras” -> “comanda discricionariamente um lote
considerável de votos de cabresto” (p. 23).

- Esfera de influência -> o coronel “resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes
instituições sociais” –> jurisdição, funções policiais -> papel da capangagem e do cangaço
auxiliando o coronel e, depois, das forças policiais.

- A ascendência do coronel resulta de sua condição de proprietário rural, em contraposição


à “massa humana que tira subsistência das suas terras [e] vive no mais lamentável estado
de pobreza, ignorância e abandono” (p. 24).

- Porém, em geral, os fazendeiros do Brasil nesse período são apenas “remediados”, isto é,
vivem com relativo conforto, mas não são propriamente ricos, embora assim sejam vistos
pelos trabalhadores, dadas as condições de pobreza, analfabetismo, falta de assistência
médica em que estes vivem -> situação de dependência: o trabalhador rural vê o patrão
como um “benfeitor” e dele recebe favores -> de tal organização econômica rural resultam
os votos de cabresto.

- Brasil, anos 1940: concentração fundiária.

- Maior frequência da pequena e média propriedade -> explicação de Caio Prado Jr. para
São Paulo - 5 fatores explicativos:
1) colonização oficial, cujo principal objetivo seria formar uma reserva de mão de obra
para os fazendeiros;
2) colonização particular, que junto com a oficial, procuravam atrair correntes migratórias;
3) pequenas propriedades nos arredores das fazendas como “depósitos de braços para a
grande lavoura”;
4) decomposição das fazendas pelo esgotamento da terra e crises econômicas;
5) abastecimento dos centros urbanos (gêneros alimentícios incompatíveis com a
agricultura extensiva).

- Explicação de Prado Jr. para o país: correntes imigratórias como fator primordial para a
criação da pequena propriedade, especialmente no sul. No entanto, em São Paulo esse fator
não teve tanta importância, já que a lavoura cafeeira absorveu grande parte dos imigrantes.
Outros fatores: necessidade de produzir gêneros para abastecimento dos centros urbanos e
decadência das fazendas (ambos não só em São Paulo, mas também em outros estados).

- Contradição: “apesar do aumento numérico das pequenas propriedades no Brasil, a


expressão percentual da concentração da propriedade rural não tem diminuído” (p. 27).

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- Para Leal (1986), as condições de permanência das grandes propriedades são cada vez
mais desfavoráveis a não ser que surjam novos fatores (novas culturas, técnicas mais
avanças, pecuária, etc.) para recompor ou as impedir o desmembramento das propriedades.

- Censo agrícola de 1940: os pequenos proprietários (propriedades de 5 a 50 ha) e ínfimos


proprietários (minifúndios de até 5 ha) representam cerca de 75% dos donos de terras,
porém, suas terras correspondem a apenas 11% da área total das propriedades agrícolas do
país. Por outro lado, pouco mais de 73% da área total das propriedades está nas mãos dos
grandes proprietários (200 ha ou mais), que são somente cerca de 8% dos proprietários de
terra.

- Mais de 21% dos proprietários de terra do país são donos de minifúndios, mas suas terras
não passam de 0,55% da área total agrícola do país -> pequenos e ínfimos proprietários
enfrentam grandes dificuldades, dada a pouca produtividade do solo e as dificuldades para
obter financiamentos -> esse quadro dos proprietários rurais mostrado no Censo de 1940 é
uma demonstração da enorme pobreza dos habitantes do meio rural.

- Censo de 1940: pirâmide censitária da sociedade rural – análise de Costa Pinto. Cinco
categorias/classes: empregadores, empregados, autônomos, membros da família, de
posição ignorada.

- As categorias de “autônomos” (proprietários de pequenos tratos de terra e colonos ou


rendeiros) e “membros da família” (exercem atividade em benefício de familiares ou como
colaboradores dos autônomos, mas sem perceberem salário fixo ou por tarefa) suscitam
dificuldades de interpretação. -> 1º) devem existir “membros da família” não só entre os
“autônomos”, mas também entre os “empregados”, ainda que em número
proporcionalmente menor; 2º) há diferença considerável entre o número de médias e
grandes propriedades e o número de “empregadores”, o que pode ser explicado pela
presença de médios proprietários que não têm empregados e por grandes proprietários que
possuem mais de uma propriedade.

- O autor cruza os dados sobre as propriedades e as categorias censitárias do Censo de


1940 e conclui: 66,95% da PEA ocupada em atividades agropecuárias é de não-
proprietários (empregados e parceiros) e somando-se a estes os pequenos proprietários,
tem-se 90, 12% da população do campo vivendo em condições precárias. Pouca diferença
de condições de vida há entre empregados, parceiros e pequenos proprietários rurais.

- Para o autor, esses dados revelam a situação de dependência dos habitantes das áreas
rurais e explicam os votos de cabresto.

- Questão das despesas eleitorais: a maior parte do eleitorado é de munícipios do interior,


cidades em que a zona rural predomina sobre a urbana -> “São, pois, os fazendeiros e
chefes locais quem custeiam as despesas do alistamento e da eleição. Sem dinheiro e sem
interesse direto, o roceiro não faria o menor sacrifício por isso” (p. 35).

- “O velho processo do bico de pena reduzia muito as despesas eleitorais. Os novos


códigos, ampliando o corpo eleitoral e reclamando a presença efetiva dos votantes,

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aumentam os gastos. É, portanto, perfeitamente compreensível que o eleitor da roça
obedeça à orientação de quem tudo lhe paga, e com insistência, para praticar um ato que
lhe é completamente indiferente” (p. 36).

- O autor observa que já em 1945 e 1947 esse quadro começa a se alterar, com “traições”
dos empregados aos fazendeiros, devido, provavelmente, à difusão do rádio pelo interior,
os transportes ferroviários e o êxodo da população para as cidades.

- Para Leal (1986), é preciso relativizar a ideia de que falta espírito público ao político
local, já que as principais melhorias da localidade são obtidas por ele (escolas, estradas,
postos de saúde, etc.). Através dessas obras é que “o chefe municipal constrói ou conserva
sua posição de liderança” (p. 37).

- Para o autor, a mentalidade municipal predomina nas eleições.

- “(...) o ‘coronel’, como político que opera no reduzido cenário municipal, não é melhor
nem pior que os outros, que circulam nas esferas mais largas. Os políticos ‘estaduais’ e
‘federais’ – com exceções, é claro – começaram no município, onde ostentavam a mesma
impura falta de idealismo, que mais tarde, quando se acham na oposição, costumam
atribuir aos chefes locais” (p. 38).

- Outros fatores que explicam a liderança municipal:

* Paternalismo e favorecimento de amigos: prestação de favores pessoais (arranjar


emprego público, emprestar dinheiro, contratar advogado, conseguir médico, influenciar
jurados, etc.), muitas vezes em uma linha tênue entre o legal e o ilícito. Considera-se que a
única vergonha é perder nas eleições.

* Filhotismo: colocar agregados trabalhando na administração municipal e utilizar


dinheiro, bens e serviços públicos nas disputas eleitorais.

* Mandonismo: “outra face do filhotismo [...], que se manifesta na perseguição aos


adversários” (p. 39). Hostilidades entre o chefe local e seus adversários políticos. As
tensões se agravam nos períodos próximos às eleições, mas nos outros momentos as
rivalidades se atenuam e podem surgir acordos e facção dominante ganhar mais adeptos.
Também há “convencimento” por meio do emprego da violência. Como os compromissos
não são assumidos por princípios políticos propriamente, mas pela obtenção de coisas
concretas, os pactos só duram por uma ou poucas eleições.

- A “rarefação” do poder público no interior contribui para manter o status do coronel, que
acaba exercendo “extra-oficialmente, grande número de funções do Estado em relação aos
seus dependentes” (p. 42). No entanto, essa situação tende a mudar, com o avanço dos
meios de comunicação e transportes.

- Embora os partidos não possam dispensar a intermediação do fazendeiro junto aos


eleitores, os coronéis não podem ser “rebeldes” e se contraporem ao poder estadual, pois,
se isso funcionava no período Colonial, em meados do século XX poderia significar o

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enfraquecimento de sua influência. Se mantiver boas relações “entre o seu poder privado e
o poder instituído, pode o ‘coronel’ desempenhar, indisputadamente, uma larga parcela de
autoridade pública” (p. 43).

- Outro aspecto importante do coronelismo: o sistema de reciprocidade. Enquanto os


coronéis e chefes municipais conduzem os eleitores, o grupo político dominante no Estado
dispõe de dinheiro e cargos públicos.

- “É claro, portanto, que os dois aspectos – o prestígio próprio dos ‘coronéis’ e o prestígio
de empréstimo que o poder público lhes outorga – são mutuamente dependentes e
funcionam ao mesmo tempo como determinantes e determinados. Sem a liderança do
‘coronel’ – firmada na estrutura agrária do país –, o governo não se sentiria obrigado a um
tratamento de reciprocidade, e sem essa reciprocidade a liderança do ‘coronel’ ficaria
sensivelmente diminuída.” (p. 43).

- O sistema de reciprocidade opera em todos os graus da escala política. O coronel é a base


desse sistema. Os funcionários estaduais que vão trabalhar no município ou são escolhidos
pelo chefe político local ou devem por ele ser aprovados (professoras, funcionários da
saúde, promotor de justiça, coletor, etc.). Se o funcionário estadual entrar em choque com
o governo local, costuma ser removido, para que o prestígio do chefe local seja mantido. A
influência deste chega à nomeação de cargos federais e das autarquias.

- Outro aspecto da reciprocidade: como o Estado costuma dispor de poucos recursos,


prefere fazer obras e melhorias em municípios governados por aliados do poder estadual,
até por conta dos votos que poderia assegurar. -> “expressão governista” do coronelismo
(p. 45).

- O patrimonialismo das estruturas políticas: familiarismo e outras formas de nepotismo


(quem ocupa um posto de comando na estrutura política-administrativa, leva consigo
amigos e parentes para ocuparem outros cargos). (Ver nota 43).

- O apoio oficial para o custeio das despesas eleitorais e a utilização do (pouco) dinheiro
público do município para apoio dos candidatos governistas. O Estado e a União também
prestam apoio financeiro aos candidatos do governo.

- O chefe político local também pode fazer o “mal”, com apoio da oficialidade estadual,
principalmente com a nomeação do delegado e do subdelegado de polícia. Essas
nomeações são “uma das mais valiosas prestações do Estado no acordo político com os
chefes locais” (p. 47). A polícia fica sob as ordens do chefe político local e “fecha os
olhos” às perseguições sofridas pelos inimigos políticos. -> regra geral: recorrer
simultaneamente “ao favor e ao porrete” (uso de ameaças e violência).

- Embora a oposição seja desconfortável, existiam casos de coronéis e chefes de facções


municipais que não eram aliados do oficialismo estadual. Em geral, as correntes políticas
municipais lutam para obter a preferência do governo estadual, para nele se “apoiarem”.

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- “Essência” do compromisso coronelista: “da parte dos chefes locais, incondicional
apoio aos candidatos do oficialismo nas eleições estaduais e federais; da parte da situação
estadual, carta-branca ao chefe local governista (de preferência o líder da facção local
majoritária) em todos os assuntos relativos ao município, inclusive na nomeação de
funcionários estaduais do lugar.” (p. 50).

- Problema de falta de autonomia municipal. Momentos de maior autonomia: as câmaras


do período colonial (momento em que o sistema escravista e patriarcal estava em seu
apogeu) e, depois, brevemente no início da República e 1934. O municipalismo é
reconsiderado na constituinte de 1946. Porém, apesar de faltar autonomia legal, os chefes
municipais governistas sempre tiveram ampla autonomia extralegal.

- Os candidatos não são eleitos de forma espontânea, a escolha é “mais ou menos forçada”
(p. 52). Como os candidatos ao governo municipal apoiados pelo estado são os que têm
mais oportunidades de fazer uma melhor administração, o eleitorado acaba condicionado a
escolhê-los.

- A “vista grossa” que os governos estaduais faziam sobre a administração municipal ou a


“carta-branca” que davam aos chefes locais em troca de apoio nas eleições estaduais e
federais fazem parte do compromisso coronelista. -> “os cofres municipais eram
instrumentos eficazes de formação da maioria desejada pelos governos dos Estados nas
eleições estaduais e federais” (p. 52).

- A atitude dos legisladores estaduais (deputados): pactuam com o sistema coronelista para
continuarem a se manter no Congresso (do Estado ou da República), continuarem na chapa
do governo e continuarem a receber votos dos seus municípios de origem.

- Relativizar a hegemonia social do dono de terras, pois ela não ocorre em todo o
município, mas sim “em relação aos dependentes de sua propriedade, que constituem seu
maço de votos de cabresto” (p. 53). Os munícipios são divididos em distritos: o distrito
sede (urbano) e os distritos rurais (cada um, por sua vez, compõe-se de várias fazendas).
Um só coronel não é dono de um distrito, em geral, os fazendeiros de um distrito se
agrupam em torno de um deles, e os chefes dos distritos se agrupam em torno de uma
liderança municipal. -> Chefias municipais muitas vezes obtidas pelo nascimento,
casamento ou uma amizade protetora.

- “Força aglutinadora do governo”: evita conflitos locais, ao predispor o eleitorado a votar


nos candidatos governistas.

- Complexidade do coronelismo, que é fruto mais da decadência dos senhores de terra do


que de sua importância. Assenta-se tanto na fraqueza do senhor de terras, quanto na
fraqueza da massa de pessoas desamparadas que dele depende em suas propriedades. E a
maior prova da decadência dos senhores rurais é o fato de o coronelismo sacrifica a
autonomia municipal para sobreviver.

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