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Agrárias e da Saúde
ISSN: 1415-6938
editora@uniderp.br
Universidade Anhanguera
Brasil
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
Diante do consumo de drogas: álcool, nicotina, maconha, cocaína, crack, pelas mulheres
em idade fértil e por gestantes, passa a ser fonte de preocupação a exposição do feto e as
possíveis consequências em curto, médio e longo prazo. Segundo o Manual Técnico sobre
Pré-natal e Puerpério, 2006, “o uso de drogas lícitas ou ilícitas é um dos fatores de risco na
gestação caracterizando-a em alta complexidade”, requerendo maior atenção dos diversos
profissionais envolvidos no atendimento à gestante pelas questões biopsicossociais, como
também, pela (de)formação do feto que se (des)envolve.
Em geral, as pessoas que usam drogas tendem a serem mais irritadiças, agitadas,
deprimidas, impedindo um ambiente afetivo e sadio para que a criança seja respeitada e
se desenvolva conforme tem direito. Ou seja, a criança nem nasceu ou mal nasceu e seus
direitos já começam a serem violados, processando-se a reprodução dos problemas
geracionais, sociais e de saúde. E, estando a gestante e/ou a puérpera numa etapa
importante de sua vida, qualquer intervenção nesse momento, voltada às suas
necessidades, tem um efeito melhor que em outros períodos de sua vida.
“promover o processo de inserção social às gestantes e/ou puérperas, usuárias de drogas lícitas ou
ilícitas visando uma reconstrução familiar, fomentada no trabalho em rede social, sob a perspectiva
da proteção social”, conforme preconiza a Política Nacional de Assistência Social, através do
Sistema Único de Assistência Social e a Política Nacional de Humanização do SUS –
Sistema Único de Saúde.
2. CASUÍSTICA E MÉTODO
A partir dos dados coletados foi construído o Projeto de Intervenção Social com a
participação da gestante/puérpera e familiares (quando possível), desencadeando o
processo de reflexão ante os problemas levantados, possíveis alternativas de resoluções e
1 em anexo
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Resumindo e tendo como referência o conceito de projeto “um esforço único com
duração definida e produz um produto, um serviço ou resultado exclusivo” do PMBOK4 temos a
seguinte WBS (Work Breakdown Structure), ou seja, EAP - Estrutura Analítica do Projeto
de Intervenção Social, na Figura 1.
4 É um guia de orientação aos profissionais sobre o conhecimento em gerenciamento de projetos. Trata-se de uma
102 Projeto de intervenção social com gestantes e/ou puérperas, usuárias de drogas lícitas e/ou ilícitas
Para atingir o objetivo geral “promover o processo de inserção social às gestantes e/ou
puérperas, usuárias de drogas lícitas ou ilícitas visando uma reconstrução familiar, fomentada no
trabalho em rede social, sob a perspectiva da proteção social” foram desenvolvidas as seguintes
ações:
Apenas uma pessoa, 7%, em situação de rua e sem vínculos familiares em função
do uso de drogas; 79% mantêm os vínculos e são membros de famílias nucleares,
monoparentais ou extensas; enquanto 14% constituíram novos arranjos familiares,
valorizando os laços afetivos e vivendo sob o mesmo teto.
O direito à assistência social não é acessado pela maioria, 57% não são assistidas,
não recebem nenhum benefício e também não são acompanhadas por quaisquer serviços
oferecidos através dos CRAS – Centros de Referências de Assistência Social e/ou CREAS
– Centros de Referências Especializados de Assistência Social; 22% participam do
Programa Bolsa Família e 21% ficaram distribuídas entre participantes do Bolsa Família e
Ação Jovem, beneficiárias do Programa Vivaleite e que fazem uso dos serviços de
106 Projeto de intervenção social com gestantes e/ou puérperas, usuárias de drogas lícitas e/ou ilícitas
45% fazem uso de crack (deste percentual 29% declararam fazer uso somente de crack). A
maioria faz uso de crack e nicotina concomitantemente.
Foi notável através da observação e do diálogo que o morar com, nem sempre
quer dizer conviver, compartilhar e ter laços afetivos; assim como o não compartilhar
110 Projeto de intervenção social com gestantes e/ou puérperas, usuárias de drogas lícitas e/ou ilícitas
em relação ao núcleo familiar. Tanto que as 21% (correspondente as 14% que formaram
novos arranjos familiares mais os 7% em situação de rua) das participantes solicitaram o
contato com pai, mãe, tia, irmã para que viessem até o Hospital Universitário efetuarem a
alta, trazerem roupas tanto para elas quanto para o bebê, na esperança da alta conjunta
(com o parto há uma maior sensibilização e visualização de possibilidade de barganha por
parte dessa mãe/parturiente).
4. DISCUSSÃO
“Um povo escravo da droga é facilmente dominado e perde, junto com a sua dignidade,
a capacidade de lutar por seus direitos e de construir seu futuro”.
(SERRAT, 2001, p. 150)
as participantes sem e com menor escolarização; são filhas naturais de Jundiaí (22%),
Várzea Paulista (22%) e São Paulo (22%), igualando-se em número de amostras
participantes no projeto; o Estado de São Paulo representou 86% das amostras; residem
em Jundiaí, seja em imóvel próprio, cedido ou alugado, sendo este o de maior uso (43%);
sem dispor de infraestrutura (57%); quanto ao lazer, assistem televisão (43%) ou não tem
(29%); não tem acesso à assistência social (57%), não recebem nenhum benefício e também
não são acompanhadas por quaisquer serviços oferecidos através dos CRAS – Centros de
Referências de Assistência Social e/ou CREAS – Centros de Referências Especializados de
Assistência Social; acessaram as Unidades Básicas de Saúde realizando o pré-natal (86%);
fazem uso de crack e nicotina concomitantemente (45%); não relataram agravantes sociais
(57%); tiveram seus bebês encaminhados à UTI Neonatal com notificação judiciária (50%);
todas as gestantes/parturientes, participantes do Projeto de Intervenção Social, foram
encaminhadas com humanização à Rede de Proteção Social.
A minoria está inserida neste mesmo contexto com agravantes, ou seja, está todas
em situação de alta vulnerabilidade social refletindo diretamente na saúde mãe-bebê,
devido uma questão social maior e não tratada, não cuidada que é a dependência química.
E assim afirma o Professor Saulo Monte Serrat, “Um povo escravo da droga é facilmente
dominado e perde, junto com a sua dignidade, a capacidade de lutar por seus direitos e de construir
seu futuro”, explicando o porquê da dependência química não ser tratada, pelo contrário,
ser ignorada e quando não, utiliza-se de paliativos como a Política de Redução de Danos,
que no Brasil tem como principais atividades desenvolvidas: disponibilidade de
equipamento estéril e descartável para injeção, disponibilização de material informativo,
disponibilização de preservativos, aconselhamento, encaminhamento aos serviços de
saúde e assistência social, vacinação contra hepatite B, ações de advocacy (advogar em
favor de uma causa) e comunicação social, vigilância epidemiológica, formação
continuada de agentes redutores de danos (agentes treinados que efetivam as ações de
campo com os usuários de drogas e suas redes de interface), seguidos de avaliações
sistemáticas das ações citadas. Ou seja, não tratamos, ignoramos, ou nos tornamos
aliados. Jamais prevenimos.
condução de políticas públicas, não podendo ser vista apenas como estratégia dessas
políticas:
[...] a tese aqui defendida é homeopática: defende o trabalho socioeducativo e militante,
adota a família como lócus do protagonismo social para usar o feitiço contra o feiticeiro,
usando o mesmo remédio para obter efeitos contrários, em lugar da disciplinarização a
liberdade, em lugar do isolamento a abertura ao coletivo. A escolha da família se
justifica graças à sua principal característica, o valor afeto. Sua eficiência depende da
sensibilidade e da qualidade dos vínculos afetivos. O perigo é que, por essas
características, ela possa se tornar instrumento privilegiado de sustentação do poder:
uma união de indivíduos atomizados e reprimidos pautada por fidelidade pessoal e
agressão a tudo o que é diferente; o poder transvertido de amor (uma forma de inclusão
perversa, eficiente, onde se associa amor, autoritarismo e respeito, troca afeto por
obediência, a submissão é sentida como amor, para ter afeto dos pais é preciso
obedecer); confundir intimidade com democracia e liberdade – a proximidade não
aumenta o calor humano, segundo Sennet “quanto mais chegadas as pessoas, menos
sociais, mais dolorosas serão suas relações” (1989:412). (SAWAIA, 2010, p.44)
Sawaia ainda nos lembra, os crimes em família que aparecem com frequência na
mídia, destacando que a causa relatada pelos assassinos é a necessidade de recuperar
aquilo de que foram privados ou que julgam ser seu de direito – a ação repressiva dos
pais, o uso de drogas, a falta de amor, a falta de dinheiro e a loucura. Todos esses motivos
alegados tem em comum a supremacia do culto ao individuo, a busca individual e
solitária da felicidade. Os dados estatísticos da pesquisa refletem essa realidade
apresentando como agravante o fato de que as gestantes/parturientes já estiveram
reclusas ou o companheiro está recluso. E reforçam uma das hipóteses apresentadas de
que a gestante/puérpera, usuária de drogas lícitas e/ou ilícitas, traz consigo o resultado
de vários problemas, a reprodução de situações impostas por um contexto social e a busca
por uma solução individualista, até mesmo quando se recusam a fazer o pré-natal.
Tentam ser protagonistas de suas histórias marcadas para serem assim e devido à ausência
de escolarização e educação vivem na mais absoluta alienação.
Sem adesão ao pré-natal as ações educativas não acontecem e sem confiança nos
serviços ofertados, também não. Profissionais e cidadãos de mãos atadas, sem diálogo,
não se envolvem, não participam nas resoluções dos problemas sociais e de saúde, ficando
estas a cargo do Estado – um Estado máximo para o capital e mínimo para o cidadão. Um
Estado que pactua com um sistema de mercado neoliberalista: cortes de despesas
públicas, liberalismo econômico, privatização do domínio público, prioridade absoluta no
combate à inflação, transformação do direito em judicialização e num formalismo jurídico
processual, progressiva preeminência da mercadoria acima de qualquer outra
consideração. A saúde e a educação foram transformadas em mercadorias desde então,
tornaram-se sem qualificação tanto na esfera pública como privada. Tudo isso representa
sinal de crise, frutos de um sistema que oprime, manipula, destrói gerando uma enorme
concentração de renda e uma grande massa de excluídos sociais.
As políticas públicas são meros paliativos apesar de ser uma construção social,
através da participação nos conselhos paritários (representatividade: 50% governo e 50%
sociedade civil), ainda são excludentes, os que mais precisam são exatamente os que
menos têm acesso às ações de prevenção, promoção e recuperação ao binômio
saúde/vida. Em pleno século XXI as relações de favor e de privilégios ainda prevalecem,
seja no acesso à saúde, à educação, à seguridade social, ao mundo do trabalho formal, ao
lazer, à habitação, ... “A ideologia do favor atravessa a formação política brasileira, o favor é a
nossa mediação quase universal” (IAMAMOTO, 2007).
Assim, quando Acosta e Vitale propõem pensar e repensar a família como uma
exigência fundamental independente dos novos arranjos familiares, porque é um forte
agente de proteção social de seus membros: idosos, doentes crônicos, dependentes,
crianças, adolescentes e desempregados, não podendo ser vista apenas como estratégia de
políticas. Reforçam ainda “não podemos ignorar esse potencial protetivo sem lhe ofertar
apoio”, despertando-nos à responsabilidade e compromisso de todos os envolvidos:
cidadão, família, sociedade, mercado e Estado.
Assim, não basta apenas lamentar a dissolução da família é preciso repensar todo
o processo de construção social, pois ansiamos pelo sentido das coisas (não há sentido o
dinheiro pelo mais dinheiro; o poder pelo mais poder, se isso traz sofrimento, violência e
guerra). A questão não é apenas a gestante/puérpera ser usuária de drogas, dependente
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando as pessoas trabalham juntas, constroem
confiança e respeito e se tornam capazes de
solucionar problemas”. (ELINOR OSTROM, 2009)
A estrutura analítica do projeto é simples apesar da complexidade pela questão social que
o envolve e o tempo que requer. O seu desenvolvimento dentro do hospital é
fundamental para garantir o acesso às políticas públicas lembrando que 57% das
participantes da pesquisa, não haviam acessado o direito à assistência social e 14% não
realizaram o pré-natal. Valorizar a participação da gestante/puérpera e de seus familiares,
demais profissionais e rede de proteção social é de suma importância, assim como,
realizar todo o processo de desenvolvimento do projeto com humanização, via diálogo,
estabelecendo vínculos, respeitando os diversos arranjos familiares, promovendo a
inclusão social das gestantes/puérperas e garantindo o acesso aos direitos e proteção
social para criança, puérpera-mãe, família.
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