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DIONYSOS REDIVIVUS1

Michel Maffesoli2
Sociológo
Professor Catedrático da Université Paris-Descartes – Sorbonne
Membro do Institut Universitaire de France
Diretor e pesquisador do Centre d’Etude sur l’Actuel et le Quotidien (CEAQ/Sorbonne, Paris V)

* Tradução de Murilo Duarte Costa Corrêa


Advogado
Professor do Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Fundação de Estudos Sociais do
Paraná (CCSA/FESP)
Mestre em Filosofia e Teoria do Direito pelo Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de
Santa Catarina (CPGD/UFSC)
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (FD/UFPR).

1
O presente artigo teve sua tradução ao português, e posterior publicação, gentilmente autorizadas à RDF por Michel Maffesoli.
2
Dentre outros, é autor dos seguintes livros, traduzidos para o português: O instante eterno, A república dos bons sentimentos, A parte do
diabo, O tempo das tribos: o declínio do individualismo, O ritmo da vida, Elogio da razão sensível, O mistério da conjunção: ensaios sobre
comunicação, corpo e socialidade, A transfiguração do político: a tribalização do mundo e A Sombra de Dionisio, por diversas editoras
brasileiras.
L’actuel n’a de sens que par le O atual não tem sentido senão pelo
quotidien, c’est-à-dire l’impermanent. On quotidiano; isto é, o impermanente. Não
ne comprend ce qui advient que si l’on sait compreendemos o que advém se não
saisir ce qui est inaugural. Voilà pourquoi soubermos apreender aquilo que é inaugural.
toute pensée authentique reprend une Eis porque todo pensamento autêntico retoma
spécifcité de l’existence humaine : on sème uma especificidade da existência humana:
pour plus tard. nós semeamos para mais tarde.
C’est ainsi qu’à la fin des années É assim que no fim dos anos 70 eu
70 j’annonçais le retour de Dionysos, dieu anunciei o retorno de Dionísio, deus da orgia,
de l’orgie, soulignant ainsi le rôle, de plus sublinhando assim o papel, cada vez mais
en plus important, que la passion (orgé) importante, que a paixão (orgé) teria
allait jouer dans nos sociétés. De même, en adquirido em nossas sociedades. Da mesma
référence à un autre sens du mot (orgos: forma, em referência a um outro sentido da
initié), j’indiquais la place primordiale que palavra (orgos: iniciado), indiquei o lugar
l’initiation allait prendre dans le primordial que a iniciação tomaria no
néotribalisme contemporain. Qu’était-ce à neotribalismo contemporâneo. Que quer isso
dire, sinon qu’à l’encontre de ce qu’il était dizer, senão que de encontro a isso que se
convenu et demeure de dire, il y a de convencionou, e se continua a dizer, persiste
l’énergie dans la vie sociale ? Mais il faut a energia no interior da vida social? Porém, é
reconnaître, même si cela ne manque pas necessário reconhecer, mesmo que isto não
de chagriner nombre d’observateurs, que deixe de incomodar numerosos observadores,
cette énergie s’exprime à la fois dans la que essa energia se exprime, por sua vez, na
proximité, dans la quotidienneté, dans la proximidade, na quotidianeidade, na procura
recherche d’un hédonisme de bon aloi. En por um hedonismo de boa qualidade; em todo
tout cas, hors des institutions rationnelles, caso, essa energia se exprime fora das
terrain de prédilection de la sociologie instituições racionais – terreno de predileção
moderne. da sociologia moderna.
Il est ainsi fréquent d’entendre É deveras comum ouvir falar de
parler d’hyperconsommation. Encore une de hiper-consumo.3 Novamente, trata-se de um

3
[N. do T.]: Nesse ponto, Michel Maffesoli parece endereçar uma crítica a Gilles Lipovetsky, filósofo francês, professor da Université de
Grenoble, e inaugurador do conceito de hipermodernidade, que defende que a pós-modernidade não passaria da exacerbação de
características ainda demasiadamente modernas. Por isso, a utilização do prefixo hiper em hipermoderno, ou em hiperconsumo, por exemplo.
Lipovetsky escrevera, dentre outros livros, A Era do Vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo, A felicidade paradoxal, O luxo
eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas, O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas e A sociedade da
decepção.
ces exagérations qui s’emploient à masquer desses exageros empregados a fim de
le fait que nous sommes passés à autre mascarar que nós nos tornáramos outra coisa!
chose ! Por temor de que já não mais
Pour peu que l’on ne soit pas sejamos cegados pelo conformismo ambiente,
aveuglé par le conformisme ambiant, il est é evidente que a avidez por objetos, a rápida
évident que la fringale d’objets, obsolescência dos amores, o frénésie da
l’obsolescence rapide des amours, la novidade, tudo deverá nos incitar a nomear
frénésie de la nouveauté, tout cela devrait diferentemente o vertiginoso borboletear que
nous inciter à nommer autrement le caracteriza os modos de ser pós-modernos.
vertigineux papillonnage caractérisant les Georges Battaille, com sua noção de despesa,
manières d’être postmodernes. Georges pudera, profeticamente, esboçar tais
Bataille, avec sa notion de dépense en contornos. Entretanto, em nossos dias, o
avait, prophétiquement, esquissé les consumo, o fato de “torrar” a vida por todos
contours. Mais de nos jours, la os lados, tornou-se uma realidade quotidiana
consumation, le fait de brûler la vie par que se encontra nas antípodas da mitologia do
tous les bouts, est devenue une réalité progresso próprio à modernidade.
quotidienne qui est aux antipodes de la Justamente pela invenção de um
mythologie du progrès propre à la mito, o do Progresso, que Auguste Comte,
modernité. assim como Saint-Simon, quisera lutar contra
C’est bien par l’invention d’un o obscurantismo próprio aos diversos
mythe, celui du Progrès, qu’Auguste Comte, politeísmos, segundo eles, e então contra o
tout comme Saint-Simon, voulait lutter obscurantismo próprio aos monoteísmos
contre l’obscurantisme propre, selon eux, semitas.
aux divers polythéismes, puis aux Lembramos em Saint-Simon da
monothéismes sémitiques. “Religião Industrial”. Ela – estamos
On se souvient chez Saint-Simon suficientemente conscientes? – deveria
de « la Religion industrielle ». Celle-ci, - confrontar o todo produtivismo moderno, sua
en est-on assez conscient ? - devait grande ideologia do crescimento. Ademais, a
conforter le tout productivisme moderne, sociedade de produção, tal como se põe em
sa grande idéologie de la croissance. Et la prática durante todo o século XIX, e início do
société de la production, telle qu’elle se mit século XX, não poderia senão conduzir a esta
en place tout au long du XIXe et au début sociedade de consumo tão bem analisada por
du XXe siècle, ne pouvait qu’aboutir à cette Jean Baudrillard, que enxergava,
société de consommation si bien analysée precisamente nela, em um de seus livros mais
par Jean Baudrillard qui voyait précisément conhecidos, mas particularmente
en celle-ci, dans un de ses livres, moins impressionante, o espelho da produção.
connu, mais particulièrement percutant, le Toda mitologia tem necessidade de
miroir de la production. termos que são verdadeiros oscilógrafos,4 que
Toute mythologie a besoin de lhe servem de cursores. Esses termos
termes qui soient de véritables constituem uma espécie de caixa de
oscillographes, qui lui servent de ressonância na qual todo mundo pode,
curseurs. Ces termes constituent une sorte facilmente, reconhecer-se. Isto o fora
de caisse de résonance, en laquelle tout un inconscientemente. A trilogia Progresso,
chacun peut, aisément, se reconnaître. Produção, Consumo, possuía exatamente essa
Fût-ce inconsciemment. La trilogie função – suas palavras-chave fazendo eco às
Progrès, Production, Consommation, eut preocupações populares e fundando a
exactement cette fonction. Ces mots-clefs mitologia moderna. Todavia, elas se tornaram
faisant écho aux préoccupations populaires simples encantos. A saber, os termos que
et fondant la mythologie moderne. Mais ils continuamos a assoviar em diversos discursos
sont devenus de simples incantations. À oficiais, que se cantam religiosamente em
savoir des termes qu’on on continue de toda ocasião, que são parte da opinião
nous seriner lors de divers discours ofciels. comum, da retórica rotineira. Porém, e por
Qui se chantent religieusement en toute esta mesma razão, nós não lhes prestamos
occasion. Qui font partie de l’opinion grande atenção. Nós os sabemos de antiquada
commune, de la rhétorique routinière. Mais memória: litania, liturgia, letargia!
auxquels, pour cette raison même, on ne Com efeito, numerosos são os
prête plus grande attention. On le sait indícios contradizendo o torpor da sociedade
d’antique mémoire : litanie, liturgie, instituída e tomando o contrapé dos discursos
léthargie ! ou análises acordados, servindo-lhes de
Nombreux, en efet, sont les legitimação e de racionalização.
indices contredisant l’assoupissement de la É frequente que um valor que se
société instituée et prenant le contrepied realiza conheça, in fine, uma
des discours ou analyses convenus lui reincandescência.5 E nos lembraremos do
servant de légitimation et de rationalisation. legendário canto do cisne por meio do qual

4
[N. do T.]: Oscilógrafo é um aparelho que permite observar e registrar as variações de uma corrente elétrica variável em função do tempo.
5
[N. do T.]: No original, “retour de flamme”, que exprime o momento em que uma brasa reacende.
Il est fréquent qu’une valeur qui este, ao morrer, transforma seu choro rouco
s’achève connaisse, in fine, un retour de em langorosa, se bem que inútil, melodia. É
flamme. Et l’on se souvient du assim, ainda, que podemos compreender o
légendaire chant du cygne par lequel ce cancioneiro sobre o valor-trabalho, e outros
dernier, en mourant, transforme son cri lamentos sobre a taxa de crescimento ou o
rauque en langoureuse, mais bien inutile, famoso poder de compra! Eles são tão mais
mélodie. C’est bien ainsi que l’on peut insistentes quanto mais e mais ignorados.
comprendre les diverses chansonnettes sur Como se, em profundidade, a vida se
la valeur travail, et autres complaintes sur resumisse à preocupação com um Plano de
le taux de croissance ou le fameux Financiamento Habitacional! Em verdade, a
pouvoir d’achat ! Elles sont d’autant plus Pretensa Crise Econômica (PEC) não possui
insistantes qu’elles sont, de plus en plus, outras fontes. Ela é, antes de tudo,
ignorées. Comme si, en profondeur, la vie civilizacional. Ela é, ao mais próximo de sua
se résumait au souci d’un Plan d’Epargne etimologia (krisis), um julgamento centrado
Logement ! En fat, la Prétendue Crise sobre o que se realiza. Julgamento que os
Economique (PEC) n’a pas d’autres valores dionisíacos fulminam contra a
sources. Elle est, avant tout, prevalência prometeica do todo econômico.
civilisationnelle. Elle est, au plus près de Há como que um odor incendiário
son étymologie (krisis), un jugement porté no ar do tempo. E, de diversas maneiras,
sur ce qui s’achève. Jugement que les trata-se de queimar sua vida por todos os
valeurs dionysiaques fulminent contre la lados, ou, o que resulta no mesmo, de não
prévalence prométhéenne du tout perder sua própria vida ao ganhá-la. Eis em
économique ! que uma mitologia do consumo tende a tomar
Il y a comme une odeur d’incendie o lugar do mito, um pouco usado e murcho,
dans l’air du temps. Et, de diverses da dupla “produção-consumo”.
manières, il s’agit de brûler sa vie par tous O paroxismo é, naturalmente, estas
les bouts, ou, ce qui revient au même, de dezenas de milhares de automóveis em
ne pas perdre sa vie à la gagner. Voilà bien chamas, a cada ano, nos portões das grandes
en quoi une mythologie de la consumation cidades francesas. Ousar-se-ia dizer que se
tend à prendre la place du mythe, quelque trata de um símbolo esclarecedor? Em todo
peu usé et défraîchi, du couple production- caso, é instrutivo quando sabemos de que
consommation. forma o automóvel fora o signo absoluto da
Le paroxysme étant, bien entendu, precedente sociedade de consumo. Objeto
ces dizaines de milliers de voitures qui caro a comprar. Ele é, de toda forma, o
brûlent, chaque année, aux pourtours des resultado de uma vida de trabalho, e que
grandes villes françaises. Faut-il oser dire permite, igualmente, que se vá ao trabalho.
qu’il s’agit d’un symbole éclairant ? En tout Ele é, ao mesmo tempo, essa graça por
cas instructif, quand on sait comment la intermédio da qual nós podemos escapar,
voiture était le signe absolu de la ci-devant realmente ou fantasmaticamente, à constrição
société de consommation. Objet cher à do labor. Ele significa a possibilidade do
acheter. Il est tout à la fois la résultante lazer e do tempo não coagido. Enfim, este
d’une vie de travail, et ce qui permet, “objeto-signo” é a soma de um investimento
également, de se rendre à ce travail. Il est, libidinal sobre a qual os psicanalistas
en même temps, ce grâce à quoi l’on peut anotaram longamente.
échapper, réellement ou fantasmatiquement, E é este objeto que queima!
à la contrainte du labeur. Il signife la Notemos, aliás, que não é o
possibilité du loisir et du temps non automóvel do rico, que é bem protegido em
contraint. Enfin, cet « objet-signe » est la sua garagem vigiada, que se incendeia. Não, é
somme d’un investissement libidinal sur aquele que se encontra na rua. Ao pé dos
lequel les psychanalystes ont, longuement, edifícios da cidade, naqueles que a mídia
glosé. doravante chama “bairros”.6 Ele pode
Et c’est cet objet qui brûle ! pertencer a um conhecido ou a um familiar.
Notons, d’ailleurs, que ce n’est pas O fato de consumir um tal objeto
la voiture du riche, qui elle est bien protégée não é um ato político como é frequentemente
dans son garage surveillé, qui s’enfamme. analisado, mas, sobretudo, uma postura
Non, c’est celle qui se trouve dans la lúdica. Uma antiga estrutura antropológica
rue. Au pied de l’immeuble de la cité, dans situa a destruição no próprio âmago da
ce que les médias appellent désormais les construção. Nesse sentido, o adágio romano:
« quartiers ». Elle peut donc appartenir à pars destruens, pars construens. A
une connaissance ou à la parentèle. construção pela destruição, de qualquer
Le fait de consumer un tel objet modo. Ademais, não é defeso pensar que há
n’est pas un acte politique comme il est nesses incêndios curiosas reminiscências de
fréquent de l’analyser. Mais plutôt une festividades estudantis: Berkeley em 1964, ou
posture ludique. Une antique structure rue Gay-Lussac em 1968! De onde essa
anthropologique plaçant la destruction au opinião convencionada em que um

6
[N. do T.]: No original, “quartiers”.
coeur même de la construction. Ainsi petainismo7 inconsciente alia-se a um
l’adage romain : pars destruens, pars cretinismo bem-pensante para clamar a toda a
construens. La construction par la vez que é necessário: “trabalhar mais e
destruction, en quelque sorte. Et il n’est esquecer 68”. Os múltiplos mantras acerca de
pas interdit de penser qu’il y a dans ces “trabalho, família, pátria” tem sido moeda
incendies de curieuses réminiscences des corrente na inteligentsia francesa.
festivités estudiantines : Berkeley en 1964 Em Le combat avec le démon,
ou rue Gay-Lussac en 1968 ! D’où cette Stephan Zweig fala, a partir de Nietzsche, ou
opinion convenue où un pétainisme de Hölderlin, de um demonismo animando
inconscient s’allie à un crétinisme bien- suas obras e sua vida. Seria demasiado dizer
pensant pour clamer qu’il faut tout à la que, em certas épocas, um tal demonismo
fois: « travailler plus et oublier 68 ». Les estaria em obra nas sociedades em seu
multiples mantras autour de « travail, conjunto? Seria demasiado dizer que a
famille, patrie » étant maintenant monnaie sombra de Dionisio se estende sobre as
courante dans l’intelligentsia française. megalópoles pós-modernas?
Dans Le combat avec le démon, O que se põe em jogo no paroxismo
Stephan Zweig parle, à propos de na criação literária se exprime em sua menor
Nietzsche, ou de Hölderlin, d’un parcela pelo conjunto de objetos de consumo
démonisme animant leurs oeuvres et leur da vida cotidiana. Com efeito, eles não são
vie. Serait-ce abusif de dire, qu’à certaines mais nem construídos, nem mesmo
époques, un tel démonisme est à considerados como tal. Eles se inscrevem no
l’oeuvre dans la société en son ensemble ? círculo de tudo o que é concebido sob a égide
Que L’ombre de Dionysos s’étend sur les da precariedade. Objetos, situações, relações
mégapoles postmodernes ? marcadas pelo selo da obsolescência
Ce qui se joue en paroxysme dans programada.
la création littéraire s’exprime en mineur Isso se acelera, igualmente, no
pour l’ensemble des objets de consumation domínio dos afectos. Amour (amor) não rima
de la vie quotidienne. En efet, ils ne sont mais com toujours (para sempre). Desgaste,
plus ni construits, ni même envisagés pour cansaço, habituação, tudo isso faz com que,
tenir. Ils s’inscrivent dans la ronde de tout em geral, as relações de amizade ou amorosas
ce qui est conçu sous l’égide de la précarité. não se inscrevam mais sob a longa duração. E
Objets, situations, relations marqués du sabemos isso da instituição conjugal que

7
[N. do T.]: Referência à tendência política do Marechal Pétain durante a ocupação de França.
sceau de l’obsolescence programmée. procura mitigar sua fragilidade propondo o
Celle-ci se vit, également, dans le casamento aos homossexuais e a outras
domaine des afects. Amour ne rime plus orientações sexuais não-conformes! É preciso
avec toujours. Usure, fatigue, habitude, dar trabalho aos diversos padres e a outros
tout cela fait que, en général, les relations benfeitores de toda espécie.
amicales ou amoureuses ne s’inscrivent A teoria também não é mais a que
plus sur la longue durée. Et l’on sait ce costumava ser. Eis que os conceitos tomam
qu’il en est de l’institution conjugale qui beberagens de todas as partes. Os dogmas não
cherche à pallier sa fragilité en são mais receita. O universalismo não
proposant le mariage aux homosexuels et convence mais do que alguns fanáticos pela
autres orientations sexuelles non Razão, pela Ciência, pelo Progresso, ou
conformes ! Il faut bien donner du travail outras Igrejas da mesma laia.
aux divers curés et autres bénisseurs de tout O ar do tempo está nas verdades
poil ! parciais, momentâneas ou mesmo
La théorie aussi n’est plus ce aproximativas. Porém, um tal relativismo, ao
qu’elle était. Voilà que les concepts acentuar o instante, favorece a criação. Por
prennent eau de toutes parts. Les certo, a energia individual ou coletiva não é
dogmes ne font plus recette. mais mobilizada a longo prazo. Focalizada
L’universalisme ne convainc plus que sobre o instante, ela é tão mais veloz quanto
quelques fanatiques de la Raison, de la intensa.
Science, du Progrès, ou autres Eglises du Isso é o mesmo que exprime a
même acabit. sociedade de consumo. Uma outra mitologia
L’air du temps est aux vérités que não repousa mais sobre a “Religião
partielles, momentanées ou même industrial” de uma economia de si e do
approximatives. Mais un tel relativisme, mundo, mas, antes, sobre a despesa, a perda.
en mettant l’accent sur l’instant, favorise la Uma inconsciente inconsciência que sabe, de
création. Certes, l’énergie individuelle ou sabedoria imemorial, que algumas vezes
collective, n’est plus mobilisée sur la quem perde, ganha. Afinal de contas, por que
longue durée. Focalisée sur l’instant, elle se não fazer a aposta que se pode e ter no
vit avec d’autant plus d’intensité. consumo, esse luxo noturno da imaginação,
C’est cela même qu’exprime la as premissas de uma intensa e fecunda
société de la consumation. Une autre criação? Portanto, de uma verdade societal,
mythologie, ne reposant plus sur la Goethe nos lembrara: “Apenas o que é
« Religion industrielle » d’une économie de fecundo é verdadeiro”.
soi et du monde, mais plutôt sur la dépense, Fazer de sua vida uma obra de arte!
la perte. Une inconsciente inconscience qui Colocar todas as coisas, e tudo, em praça
sait, de sagesse immémoriale, que parfois pública inscreve-se bem nessa estetização da
qui perd, gagne. Après tout, pourquoi ne existência em que o que importa, antes de
pas faire le pari qu’il puisse y avoir dans tudo, é provar paixões e emoções comuns.
la consumation, ce luxe nocturne de Desse ponto de vista, a estética serve de
l’imagination, les prémisses d’une intense cimento ético. O que então era, nas
et féconde création ? Donc d’une vérité sociedades tradicionais, um elemento da vida
sociétale. Goethe nous l’a rappelé : « Seul quotidiana, a arte, progressivamente, foi
ce qui est fécond est vrai ». mumificada. Marginalizada, separada do
Faire de sa vie une oeuvre d’art ! quotidiano, a criação, a criatividade, o jogo, a
Mettre toutes choses et tous sur la place imaginação, contaminam novamente a
publique s’inscrit bien dans cette existência do homem sem qualidades.
esthétisation de l’existence où ce qui Nietzsche morreu louco por ter essa intuição,
importe, avant tout, est d’éprouver passions em um momento em que essa não se
et émotions communes. De ce point de vue, colocava. E eis que os bobos aux cailleras, do
l’esthétique sert de ciment éthique. Alors intelectual esteta ao esportista atento a seu
qu’il était, dans les sociétés traditionnelles, corpo, do nômade urbano ao eco cioso de
un élément de la vie de tous les jours, l’art, seus legumes bio, deram atenção à
progressivement, a été momifé. Mis à criatividade esvaziada no dia-a-dia. A arte se
l’écart, séparés du quotidien, la création, capilariza em tudo o que foi, até então,
la créativité, le jeu, l’imagination considerado como anódino.
contaminent à nouveau l’existence de Cada época tem suas imagens e seus
l’homme sans qualité. Nietzsche est mort mitos próprios. Entretanto, elas não fazem
fou d’avoir eu cette intuition, en un senão retomar e atualizar as potencialidades
moment où cela n’était pas de mise. Et arcaicas que nós há pouco ultrapassáramos e
voilà que des bobos aux cailleras, de que, de súbito, reencontram uma incrível
l’intellectuel esthète au sportif attentif à son jovialidade.
corps, du nomade rurbain à l’écolo soucieux Contudo, isso é bem difícil de
de ses légumes bio, l’on fait attention à la admitir, tão enraizada se encontra a ideia de
créativité vécue au jour le jour. L’art se um Progresso da humanidade, de um
capillarise dans tout ce qui était, jusqu’alors, desenvolvimento assegurado de uma História,
considéré comme anodin. portadora de um objetivo, distante de
Chaque époque a ses images et ses alcançar-se. A ideologia semita, através de
mythes propres. Mais ils ne font que suas nuanças judias, cristãs, muçulmanas,
reprendre et actualiser des potentialités acentuara um desenvolvimento histórico no
archaïques que l’on avait crues dépassées et, qual o linearismo é a marca essencial. De
qui soudain, retrouvent une étonnante todo outro é o pensamento grego, ou aquele
jeunesse. das diversas sabedorias orientais, que
Mais cela est bien difcile à descansa sobre o retorno cíclico das coisas.
admettre, tant est enracinée l’idée d’un Daí, o acento é posto sobre estas idades
Progrès de l’humanité, d’un míticas, privilegiando a experiência vivida.
développement assuré d’une Histoire, ayant Podemos, dessa perspectiva, nos
un but, lointain à atteindre. L’idéologie recordar de uma passagem deveras instrutiva
sémite, au travers de ses nuances juives, da “Cidade de Deus” (XII, 14, 1), na qual
chrétiennes, musulmanes a mis l’accent sur Santo Agostinho vitupera, com firmeza, os
un développement historique, dont le “sábios desse mundo que creram dever
linéarisme est la marque essentielle. Tout introduzir uma marcha circular do tempo a
autre est la pensée grecque ou celle des fim de renovar a natureza”. O mito, com
diverses sagesses orientales reposant sur efeito, remete à renascença periódica de toda
le retour cyclique des choses. Dès lors coisa. Círculo ou espiral, pois as coisas não
l’accent était mis sur ces âges mythiques retornam exatamente ao mesmo nível. É
privilégiant l’expérience vécue. dessa forma que a sociedade do trabalho está
On peut, à cet égard, se souvenir em vias de dar lugar à sociedade da criação.
d’un passage très ins-ructif de la « Cité de Que nós vivamos uma era de
Dieu » (XII,14,1) dans lequel Saint perturbação é, atualmente, algo admitido. De
Augustin vitupère, avec fermeté, les « sages uma maneira, seja larval, seja explosiva, o
de ce monde qui ont cru devoir introduire colapso dos grandes valores que presidiram à
une marche circulaire du temps pour solidez da vida social está provado. Todavia,
renouveler la nature ». Le mythe, en é com maiores reticências que nós iremos
efet, renvoie à la renaissance périodique de aceitar as consequências psicológicas e
toute chose. Cercle ou spirale, car les choses sociais. Tanto isso é verdade que a
ne reviennent pas exactement au même (re)novação de certos mitos que causaram
niveau. C’est ainsi que la société du travail suores frios aos clérigos (políticos,
est en train de laisser la place à celle de la intelectuais, jornalistas) tiveram por função
création. gerar mitos em que eles não quiseram, de
Que nous vivions une ère de forma alguma, ver saturação.
bouleversement est, maintenant, chose Nos períodos chuvosos, nada, nem
admise. D’une manière soit larvée, soit ninguém, escapa ao choque das diversas
explosive, l’efondrement des grandes ondas de maré em que a atualidade é pródiga.
valeurs qui avaient présidé à la solidité de la Assim, este submerge a base fundadora da
vie sociale est avéré. Mais, c’est avec modernidade: o trabalho.
beaucoup de réticences que l’on va en Para retomar uma expressão
accepter les conséquences psychologiques conhecida do filósofo Emmanuel Kant, eis
et sociales. Tant il est vrai que le aqui o imperativo categórico maior. Este
(re)nouveau de certains mythes donne des preside à realização de si e à realização do
sueurs froides aux clercs (politiques, mundo.
savants, journalistes) ayant pour fonction de Por ela mesma, elabora-se a
gérer des mythes dont ils ne veulent, en mitologia do labor, inaugurando a prevalência
aucun cas, voir la saturation. do trabalho, do produtivismo e da economia,
Dans les périodes diluviennes, rien que é sua consequência. Contudo, o próprio
ni personne n’échappe au choc des divers fato de que este valor seja recente não incita a
raz de marée dont l’actualité n’est pas avare. pensar que ele seja eterno. Na verdade,
Ainsi, celui submergeant le socle numerosos são os indícios que,
fondateur de la modernité : le travail. empiricamente, sublinham sua saturação. Isso
Pour reprendre une expression é que obriga a observar que podem existir
connue du philosophe Emmanuel Kant, outras maneiras de agir sobre o meio
voilà bien l’impératif catégorique majeur. ambiente social e natural.
Celui présidant à la réalisation de soi et à No entanto, como eu indicara, cada
celle du monde. coisa completada lança seu canto de cisne: o
Par là -même s’élabore la último antes de morrer. E, não fosse que por
mythologie du labeur, inaugurant la parêntese, é divertido revelar como a
prévalence du travail, du productivisme et expressão valor-trabalho constitui a base
de l’économie qui en est la conséquence. irrefragável das diversas antífonas
Mais le fait même que cette valeur soit sociopolíticas. Valor-trabalho que, nos
récente n’incite pas à penser qu’elle est recordamos, fora justamente o elemento
éternelle. En fait, nombreux sont les indices chave da suma teológica de Karl Marx: o
qui empiriquement, soulignent sa Capital! Revanche do marxismo? Em todo
saturation. Ce qui oblige à observer qu’il caso, segundo uma intelligentsia, não
peut exister d’autres manières d’agir sur podemos estar mais defasados; é pela
l’environnement social et naturel. revalorização do trabalho iremos
Mais, comme je l’ai indiqué, revolucionar, conservar, modificar, reformar,
chaque chose s’achevant, lance son chant a sociedade. E se o problema não estiver aí?
du cygne: le dernier avant de mourir. Et, ne Se esse encantamento não for, no fim das
fût-ce que par parenthèse, il est amusant contas, mais que o verão indiano de uma
de relever comment l’expression valeur modernidade decadente?
travail constitue le socle irréfragable des Com efeito, de diversas maneiras,
diverses antiennes sociopolitiques. Valeur em particular para suas jovens gerações, que
travail, qui, on s’en souvient, était justement são já a sociedade de amanhã, bem sentimos
l’élément clef de la somme théologique de que o essencial da existência não consiste em
Karl Marx : le Capital ! Revanche du perder sua vida ao ganhá-la. O imperativo, tu
marxisme ? En tout cas, selon une deves, progressivamente cede lugar ao
intelligentsia on ne peut plus déphasée, optativo deveria. Certamente, dever-se-ia
c’est par la revalorisation du travail que trabalhar; mas este não passa de um elemento
l’on va révolutionner, conserver, changer, entre outros. Um simples aspecto,
réformer, la société. Et si le problème n’était forçosamente não o mais importante, dos
plus là ? Si cette incantation n’était, en fn de investimentos pessoais.
compte, que l’été indien d’une modernité A mitologia do bem-estar, aquela do
déclinante ? hedonismo latente, faz com que, a cada vez,
En efet, de diverses manières, en possamos ser um bom manager e ter
particulier pour ces jeunes générations, múltiplos centros de interesse, tendo cada
qui sont déjà la société de demain, l’on qual uma importância própria. Hobbies
sent bien que l’essentiel de l’existence múltiplos, práticas amadoras de diversas
ne consiste pas à perdre sa vie à la gagner. artes, trabalho interino, turn over de
L’impératif, tu dois, laisse progressivement molduras, atenção deslocada à estética dos
la place à l’optatif il faut bien. Certes, il escritórios, heliotropismo re-atribuindo
faut bien travailler. Mais cela n’est qu’un importância às regiões do Sul, até mesmo,
élément parmi d’autres. Un simple aspect, dando uma revanche a seus valores, tudo é
pas forcément le plus important, des bom para relativizar o aspecto constritivo do
investissements personnels. labor.
La mythologie du bien-être, celle Daí, as condições de vida, durante o
de l’hédonisme latent fait que, tout à la tempo coagido do trabalho, não são mais
fois, on peut être un bon manager et avoir negligenciadas. Em suma, o qualitativo está
de multiples centres d’intérêt, ayant chacun na ordem do dia. Todas as suas práticas
une importance propre. Hobbies multiples, quotidianas, pouco teorizadas, mas
pratiques en amateur de divers arts, travail largamente vividas, lembram-nos de que é
intérimaire, turn over des cadres, nas civilizações, e não menos, em que se
attention portée à l’esthétique des bureaux, encontra a criação que tende a prevalecer.
héliotropisme redonnant de l’importance Prometeu cede lugar a Dionisio.
aux régions du Sud, voire, accordent une Nessa perspectiva, o que é a criação,
revanche à leurs valeurs, tout est bon pour senão a capacidade de mobilizar todos os
relativiser l’aspect contraignant du labeur. parâmetros humanos que são o lúdico, o
Dès lors, les conditions de vie, onírico, o imaginário coletivo? A Renascença
dans le temps contraint du travail, ne sont fora um desses momentos em que banqueiros,
plus négligées. En bref, le qualitatif est à empresários, artistas e aventureiros de todas
l’ordre du jour. Toutes ces pratiques as ordens pensaram a vida social como um
quotidiennes, peu théorisées, mais todo; e, de consequência, agiram. É qualquer
largement vécues, nous rappellent qu’il est coisa dessa ordem que se exprime nos mitos
des civilisations et non des moindres où “holísticos” da pós-modernidade nascente.
c’est la création qui tend à prévaloir. Metrossexuais e todo o camafeu das
Prométhée laisse la place à classes médias, alteromundialistas, adeptas do
Dionysos. decréscimo e do pacto ecológico, empenham-
Dans cette perspective, qu’est-ce se, de diversas maneiras, em secundarizar a
que la création, sinon la capacité de prevalência do trabalho. Globalização de
mobiliser tous ces paramètres humaines que ajuda, o próprio da pós-modernidade é
sont le ludique, l’onirique, l’imaginaire acentuar a sinergia existente entre o prazer
collectif ? La Renaissance fut un de ces arcaico do bem-estar e o desenvolvimento
moments où banquiers, entrepreneurs, tecnológico. É essa relativização que marca o
artistes et aventuriers de tous ordres retorno da criatividade na vida social.
pensaient la vie sociale comme un tout. Et O campo aberto por uma tal
agissaient en conséquence. C’est quelque transmutação do valores é imenso, e resta
chose de cet ordre qui s’exprime dans les explorá-lo. Em uma palavra, e é o que se vai
mythes « holistiques » de la postmodernité encontrar em todos os mitos enfatizando o
naissante. vivido, a experiência, o florescimento etc., é
Métrosexuels et tout le camaïeu que não há real competência senão em função
des classes moyennes, altermondialistes, de uma apetência dada. Em breve, não
adeptes de la décroissance et du pacte podemos mobilizar a energia individual e
écologique, s’emploient, de diverses coletiva se não estivermos em fase com o
manières, à secondariser la prévalence du inconsciente da época. Na matéria, serão
travail. Globalisation aidant, le propre de la esperados, isto é, de acordo com um futuro
mythologie postmoderne est de mettre próximo, esses que saberão apostar nos
l’accent sur la synergie existant entre le valores presentes no imaginário do momento,
plaisir archaïque du bien-être et le e que um racionalismo estreito tivera sido
développement technologique. Et quand on relegado à pré-história. O ego cogito,
sait que plus de la moitié du trafc sur les fundamento da modernidade, encontra-se,
réseaux d’Internet a trait aux rencontres progressivamente, em vias de ceder lugar a
amicales, érotiques, philosophiques ou um ego affectus est. Afetado pelos outros,
religieuses, on voit bien en quoi consiste pelo sagrado, pela natureza, pelos humores
cette relativisation de la valeur travail. C’est (pessoais, coletivos). É isso em que convém
cette relativisation qui souligne le retour de pensar: a mutação de uma existência
la créativité dans la vie sociale. dominada pelo materialismo moderno, isto é,
Le champ ouvert par une telle algo datado, em direção a uma outra maneira
transmutation des valeurs est immense. Et de estar-junto em que o imaterial reencontra
il reste à explorer. D’un mot, et c’est cela força e vigor.
qui va se trouver dans tous les mythes Esses são os valores imateriais que
mettant l’accent sur le vécu, l’expérience, estão em plena revivescência na vida política,
l’épanouissement, etc., c’est qu’il n’y a de social e econômica. E não é neutro que as
réelle compétence qu’en fonction d’une novas gerações sejam as protagonistas dessa
appétence donnée. En bref, on ne peut nova visada apoiada sobre a natureza e a
mobiliser l’énergie, individuelle et sociedade. É por isso que em sua atitude um
collective, que si l’on est en phase avec pouco desenvolta, os “criativos” multiformes
l’inconscient de l’époque. En la matière, são homens de seu tempo ao redizerem a
seront prospectifs, c’est-à-dire en accord eterna jovialidade do mundo. É precisamente
avec un futur proche, ceux qui savent miser isso que se cristaliza na figura emblemática
sur ces valeurs présentes dans l’imaginaire de Dionisio, aquela do Puer æternus!
du moment et qu’un rationalisme étroit avait
reléguées dans la préhistoire. L’ego cogito, Michel Maffesoli
Membro do Instituto Universitário de França
fondement de la modernité est, 1º de janeiro de 2010, D.C.

progressivement, en train de laisser la place


à un ego affectus est. Afecté par les autres,
par le sacré, par la nature, par les humeurs
(personnelles, collectives). C’est cela qu’il
convient de penser : la mutation d’une
existence dominée par le matérialisme
moderne, c’est-à-dire quelque peu datée,
vers une autre manière d’être-ensemble où
l’immatériel retrouve force et vigueur.
Ce sont ces valeurs
immatérielles qui sont en pleine
reviviscence dans la vie politique, sociale et
économique. Et il n’est pas neutre que les
jeunes générations soient les protagonistes
de ce regard nouveau porté sur la nature
et la société. C’est par là même que dans
leur attitude un peu désinvolte, les
« créatifs » multiformes sont hommes de
leur temps en redisant l’éternelle jeunesse
du monde. C’est cela même qui se cristallise
dans la fgure emblématique de Dionysos,
celle du Puer aeternus !

Michel Maffesoli
Membre de l’Institut Universitaire de France
A.D. 2010, le 1 du mois de janvier

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