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Stefania Capone s yoruba do Novo Mundo: religião, etnicidade e

nacionalismo negro nos Estados Unidos, novo


livro de Stefania Capone traduzido no Brasil,
é um texto oportuno e surpreendente. A autora
já é conhecida dos leitores brasileiros, em
especial por A busca da África no candomblé,
também publicado pela Pallas Editora. No novo
texto, ela retoma o tema dos sentidos políticos
da busca pela “pureza” nas religiões de
matriz africana nas Américas, expandindo-o
muito além das fronteiras da cultura e da
religiosidade afro-brasileiras.

RELIGIÃO, ETNICIDADE E NACIONALISMO NEGRO NOS ESTADOS UNIDOS O livro é oportuno por tratar de um tema
de extrema atualidade — a construção da
identidade yoruba no mundo atlântico a partir
das confluências entre religião e política.
A partir do processo contemporâneo dessa e,
nele, do movimento de reafricanização das
religiões dos orisha — entre elas o candomblé
brasileiro e a santería cubana —, Stefania
descobre um novo objeto surpreendente para os
não iniciados: a tradição dos orisha no Estados
Unidos e seus vínculos com o nacionalismo
negro estadunidense do século XX. Aliás,
do diálogo fecundo entre a antropologia e
a história decorre grande parte da riqueza
da abordagem empreendida.

As ferramentas da antropóloga se unem com


as da historiadora na construção de uma
narrativa fascinante. Nela, descobrimos como
a produção intelectual de antropólogos e
historiadores africanistas nas universidades
norte-americanas foi apropriada por militantes
do nacionalismo negro em contato com
afro-cubanos imigrados em Nova York —
praticantes da santería — para reafricanizar a
religião dos orisha no país e torná-la símbolo
de pureza racial e nacionalismo cultural.
Essa é, sem dúvidas, uma abordagem criativa
que ilumina de maneira ímpar o tema dos
usos políticos da tradição em processos de
modernização e mudança.
A questão de fundo, já formulada em relação
ao universo afro-brasileiro, é aqui retomada,
descortinando uma amplitude insuspeitada
das inter-relações entre religião e política.
Quais as implicações práticas da tentativa de tefania Capone, já traduzida para o português em seu A busca da África no
apagar elementos culturalmente heterogêneos Candomblé (Pallas Editora, 2004), nos traz neste Os yoruba do novo mundo
das religiões de matriz africana nas Américas, um relato sobre a prática religiosa de origem afro-cubana nos Estados Unidos.
especialmente a forte influência do mundo
escravista colonial e da religião católica?
Enriquecido com imagens reveladoras, o novo livro da antropóloga e historiadora
A revitalização da cultura e da religião
africanas passa a constituir, então, um apresenta ao leitor brasileiro a metamorfose sofrida pelo culto dos orixás, tendo
verdadeiro projeto político. este se tornado símbolo tanto do pan-africanismo — reforçando, assim, a origem
única da cultura africana — quanto de sua atualização no universo do nacionalismo
Os yoruba do Novo Mundo nos permite acompanhar negro norte-americano.
essa aventura e, para isso, nos convida a entender
a produção universitária africanista na América do É preciso notar, no entanto, que o esforço de mostrar a unidade entre os que
Norte, as relações entre religião e nacionalismo compartilham heranças africanas implica uma tentativa de recomposição de
negro no país, bem como os movimentos culturais
uma história étnica fragmentada, reunindo os pedaços espalhados pelas duas
afro-americanos do século XX e a imigração
costas do Atlântico. Neste processo reconstrutivo, revelam-se continuidades —
afro-cubana para Nova York. Mas o livro nos fala
também das implicações da experiência esta-
há um ancestral comum compartilhado, Oduduwa — ao mesmo tempo que se
dunidense para a construção transnacional reafirmam descontinuidades — cuja marca mais clara reside na trágica presença
contemporânea de um novo campo religioso da escravidão.
afro-americano, que incorpora com destaque o
candomblé e a santería e lhes propõe uma nova Tudo isso leva a uma negociação constante dos valores, das práticas e dos símbolos
agenda, com implicações étnicas, religiosas e associados à identidade yoruba entre os praticantes do orisha-voodoo, os yoruba
de gênero. tradicionalistas da Nigéria e os santeros cubanos residentes nos Estados Unidos.
Hebe Mattos
Universidade Federal Fluminense
Todos reivindicam uma mesma origem yoruba, porém as práticas e os símbolos
associados a esta identidade são incessantemente envolvidos nesta micropolítica
de identidades.

Este debate, tão caro a uma nação como a brasileira, é desenvolvido com clareza e
competência pela autora, que nos oferece a oportunidade de conhecer os muitos
desafios e outras tantas curiosidades acerca de um histórico compartilhado por
afrodescendentes em toda a diáspora.

Stefania Capone

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