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INSTITUTO DE LETRAS

GRADUAÇÃO

LET044 – LÍNGUA PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO

PROFA. ALBA VALÉRIA

SALVADOR
2015.1
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MÓDULO 2015.1 - SUMÁRIO

TEXTO PÁG.
PROGRAMA DA DISCIPLINA 03
CRONOGRAMA DA DISCIPLINA 05
TEXTOS 06
UBALDO – Memórias de livros
GRACILIANO RAMOS – Leitura
ÍTALO CALVINO – por que ler os clássicos?
PROUST – Trecho de “Em busca do tempo perdido”
TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS
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Órgão Ano Sem
SUPERINTENDÊNCIA ACADÊMICA PROGRAMA DA DISCIPLINA 2015 I
SECRETARIA GERAL DOS CURSOS
Código: LET044 equivalente a LETE19 Título: LÍNGUA PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO DE
COMUNICAÇÃO
Carga Horária: TEÓRICA : 68 INSTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS

EMENTA
Leitura critica e analítica de textos.
Análise de aspectos lingüísticos a partir de leitura e produção de textos, enfocando sobretudo aspectos da estrutura
textual-discursiva.
Produção de textos orais e escritos em gêneros argumentativos.
OBJETIVOS
1. Fornecer subsídios para o desenvolvimento da leitura e compreensão de textos.
2. Apresentar a noção de texto como produto social.
3. Abordar estratégias de produção textual.
4. Discutir e aprender, a partir da leitura e da produção, as características dos gêneros
textuais argumentativos.

METODOLOGIA
1. Avaliação diagnóstica;
2. Leitura e discussão de textos, envolvendo a temática de produção textual;
3. Aulas expositivas, abordando estratégias de produção dos tipos e gêneros textuais;
4. Rescrita de textos, considerando-se sobretudo os aspectos relacionados às estratégias de produção textual em
gêneros discursivos.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

1. Noção de texto
1.1. O texto como produto social
1.2. O texto como construção de sentido

2. Estratégia de produção textual


2.1. Argumentação: operadores argumentativos
2.2. Coesão
2.3. Coerência
2.4. Referenciação

3. Tipologia Textual
3.1. Tipos de textos
3.2. Gêneros textuais

AVALIAÇÃO

A avaliação será constante e continua, pela observação e interação docente-discentes, além de, pelo menos, duas
avaliações especificas de produção textual e de domínio de tópicos incluídos no conteúdo programático.
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BIBLIOGRAFIA

FARACO, CarIos Alberto, TEZZA, Cristóvão. Prática de texto. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco P. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1997.
KOCH, Ingedore; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2009.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão . São Paulo: Parábola Editorial,
2008.
PAULINO, Graça. Tipos de textos, modos de leitura. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2001.

Instituto de Letras/DLV/UFBA, 01 de março de 2015


ALBA VALÉRIA TINOCO ALVES SILVA
Responsável pela disciplina em 2015.1

APROVAÇÃO PELO DEPARTAMENTO DATA: / /


Salvador, de de CHEFE DO DEPARTAMENTO:
ESTE DOCUMENTO SÓ TERÁ EFEITO LEGAL SE ASSINADO E CARIMBADO PELO CHEFE DO DEPARTAMENTO
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CRONOGRAMA DE ATIVIDADES DA DISCIPLINA
CURSO TURNO: NOT HORÁRIO: 4ª – 18:30 às 22:30
CURSO
DISCIPLINA LET044 – Língua portuguesa como instrumento de comunicação
PROFESSOR ALBA VALÉRIA SEMESTRE: 2015.1
DATAAula ATIVIDADE
04/03 1. Plano de curso; objetivos; apresentação do curso, professor e alunos; kit de trabalho
O sujeito autor-leitor: a leitura e a escrita como objeto de estudo
O que é ler e escrever? Como leio e escrevo? (Item 1)
11/03 2. Minha história com a leitura e a escrita: reflexão e análise a partir de narrativas próprias e de outros.
Texto Ubaldo: Minha memória de livros.
Atividade individual 1 – Qual a sua relação com a leitura? (Item 2)
18/03 3. Os processos de leitura e de escrita como práticas sociais (Resumo 1) 40 dicas
25/03 4. Texto, textualidade, processos de textualização – (Resumo 2) Comida e antropologia
24/04 5. Tipos textuais –(3a)
01/04 6. Gênero textuais( 3b)
08/04 7. Entrega de anteprojeto Trabalho Semestral em grupo – Discussão e encaminhamento (3c)
15/04 8. Gêneros textuais: contextos de produção e recepção (propósitos, lugar discursivo, relação autor-
leitor/falante-ouvinte, suporte). (3d)
18/04 9. Textos literários; Proust:, Em busca do tempo perdido (3e)
Atividade Individual 2 – Qual a sua madelaine?
29/04 10. Textos críticos
Atividade Individual 3 – Resenha crítica (3f)
06/05 11. Multimodalidade, A imagem como texto: Leitura de imagens (Começar item 5)
13/05 12. Leitura de textos de humor: tira, charges e cartuns
20/05 13. Oficina de preparação de apresentação oral, Encaminhamento dos projetos de Trabalho – Trazer o esboço
da apresentação oral – Sorteio das equipes
27/05 14. Apresentação oral – Entrega de todos os trabalhos escritos
03/06 15. Apresentação oral
10/06 16. Apresentação oral
17/06 17. Entrega de resultados finais
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UFBA – LE044 - Língua Portuguesa como Instrumento de Comunicação


Fonte: RIBEIRO, J. Ubaldo. Memória de livros. Disponível em: www.releituras.com.br

Aracaju, a cidade onde nós morávamos no fim da década de 40, começo da de 50, era a orgulhosa capital de
Sergipe, o menor Estado brasileiro (mais ou menos do tamanho da Suíça). Essa distinção, contudo, não lhe tirava o
caráter de cidade pequena, provinciana e calma, à boca de um rio e a pouca distância de praias muito bonitas.
Sabíamos do mundo pelo rádio, pelos cinejornais que acompanhavam todos os filmes e pelas revistas nacionais. A
televisão era tida por muitos como mentira de viajantes, só alguns loucos andavam de avião, comprávamos galinhas
vivas e verduras trazidas à nossa porta nas costas de mulas, tínhamos grandes quintais e jardins, meninos não
discutiam com adultos, mulheres não usavam calças compridas nem dirigiam automóveis e vivívamos tão longe de
tudo que se dizia que, quando o mundo acabasse, só íamos saber uns cinco dias depois.
            Mas vivíamos bem. Morávamos sempre em casarões enormes, de grandes portas, varandas e tetos
altíssimos, e meu pai, que sempre gostou das últimas novidades tecnológicas, trazia para casa tudo quanto era tipo
de geringonça moderna que aparecia. Fomos a primeira família da vizinhança a ter uma geladeira e recebemos
visitas para examinar o impressionante armário branco que esfriava tudo. Quando surgiram os primeiros discos long
play, já tínhamos a vitrola apropriada e meu pai comprava montanhas de gravações dos clássicos, que ele próprio
se recusava a ouvir, mas nos obrigava a escutar e comentar.
            Nada, porém, era como os livros. Toda a família sempre foi obsedada por livros e às vezes ainda arma
brigas ferozes por causa de livros, entre acusações mútuas de furto ou apropriação indébita. Meu avô furtava livros
de meu pai, meu pai furtava livros de meu avô, eu furtava livros de meu pai e minha irmã até hoje furta livros de
todos nós.  A maior casa onde moramos, mais ou menos a partir da época em que aprendi a ler, tinha uma sala
reservada para a biblioteca e gabinete de meu pai, mas os livros não cabiam nela -- na verdade, mal cabiam na
casa. E, embora os interesses básicos dele fossem Direito e História, os livros eram sobre todos os assuntos e de
todos os tipos.  Até mesmo ciências ocultas, assunto que fascinava meu pai e fazia com que ele às vezes se
trancasse na companhia de uns desenhos esotéricos, para depois sair e dirigir olhares magnéticos aos
circunstantes, só que ninguém ligava e ele desistia temporariamente. Havia uns livros sobre hipnotismo e, depois de
ler um deles, hipnotizei um peru que nos tinha sido dado para um Natal e, que, como jamais ninguém lembrou de
assá-lo, passou a residir no quintal e, não sei por quê, era conhecido como Lúcio.   Minha mãe se impressionou,
porque, assim que comecei meus passes hipnóticos, Lúcio estacou, pareceu engolir em seco e ficou paralisado,
mas meu pai - talvez porque ele próprio nunca tenha conseguido hipnotizar nada, apesar de inúmeras tentativas -
declarou que aquilo não tinha nada com hipnotismo, era porque Lúcio era na verdade uma perua e tinha pensado
que eu era o peru.
            Não sei bem dizer como aprendi a ler. A circulação entre os livros era livre (tinha que ser, pensando bem,
porque eles estavam pela casa toda, inclusive na cozinha e no banheiro), de maneira que eu convivia com eles
todas as horas do dia, a ponto de passar tempos enormes com um deles aberto no colo, fingindo que estava lendo
e, na verdade, se não me trai a vã memória, de certa forma lendo, porque quando havia figuras, eu inventava as
histórias que elas ilustravam e, ao olhar para as letras, tinha a sensação de que entendia nelas o que inventara.
Segundo a crônica familiar, meu pai interpretava aquilo como uma grande sede de saber cruelmente insatisfeita e
queria que eu aprendesse a ler já aos quatro anos, sendo demovido a muito custo, por uma pedagoga amiga nossa.
Mas, depois que completei seis anos, ele não agüentou, fez um discurso dizendo que eu já conhecia todas as letras
e agora era só uma questão de juntá-las e, além de tudo, ele não suportava mais ter um filho analfabeto.   Em
seguida, mandou que eu vestisse uma roupa de sair, foi comigo a uma livraria, comprou uma cartilha, uma tabuada
e um caderno e me levou à casa de D. Gilete.
            -  D. Gilete - disse ele, apresentando-me a senhora de cabelos presos na nuca, óculos redondos e ar severo
-, este rapaz já está um homem e ainda não sabe ler. Aplique as regras.
            "Aplicar as regras", soube eu muito depois com um susto retardado, significava, entre outras coisas, usar a
palmatória para vencer qualquer manifestação de falta de empenho ou burrice por parte do aluno. Felizmente D.
Gilete nunca precisou me aplicar as regras, mesmo porque eu de fato já conhecia a maior parte das letras e juntá-
las me pareceu facílimo, de maneira que, quando voltei para casa nesse mesmo dia, já estava começando a poder
ler. Fui a uma das estantes do corredor para selecionar um daqueles livrões com retratos de homens carrancudos e
cenas de batalhas, mas meu pai apareceu subitamente à porta do gabinete, carregando uma pilha de mais de vinte
livros infantis. 
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           --  Esses daí agora não - disse ele.  - Primeiro estes, para treinar. Estas livrarias daqui são uma porcaria, só
achei estes. Mas já encomendei mais, esses daí devem durar uns dias.
            Duraram bem pouco, sim, porque de repente o mundo mudou e aquelas paredes cobertas de livros
começaram a se tornar vivas, freqüentadas por um número estonteante de maravilhas, escritas de todos os jeitos e
capazes de me transportar a todos os cantos do mundo e a todos os tipos de vida possíveis. Um pouco febril às
vezes, chegava a ler dois ou três livros num só dia, sem querer dormir e sem querer comer porque não me
deixavam ler à mesa -- e, pela primeira vez em muitas, minha mãe disse a meu pai que eu estava maluco,
preocupação que até hoje volta e meia ela manifesta.
            -  Seu filho está doido - disse ela, de noite, na varanda, sem saber que eu estava escutando. - Ele não larga
os livros. Hoje ele estava abrindo os livros daquela estante que vai cair para cheirar. 
            -  Que é que tem isso? É normal, eu também cheiro muito os livros daquela estante. São livros velhos,
alguns têm um cheiro ótimo. 
            -  Ontem ele passou a tarde inteira lendo um dicionário.
            -  Normalíssimo. Eu também leio dicionários, distrai muito. Que dicionário ele estava lendo?
            -  O Lello.
            -  Ah, isso é que não pode. Ele tem que ler o Laudelino Freire, que é muito melhor. Eu vou ter uma conversa
com esse rapaz, ele não entende nada de dicionários.  Ele está cheirando os livros certos, mas lendo o dicionário
errado, precisa de orientação.
            Sim, tínhamos muitas conversas sobre livros. Durante toda a minha infância, havia dois tipos básicos de
leitura lá em casa: a compulsória e a livre, esta última dividida em dois subtipos - a livre propriamente dita e a
incerta. A compulsória variava conforme a disposição de meu pai.  Havia a leitura em voz alta de poemas, trechos
de peças de teatro e discursos clássicos, em que nossa dicção e entonação eram invariavelmente descritas como o
pior desgosto que ele tinha na vida. Líamos Homero, Camões, Horácio, Jorge de Lima, Sófocles, Shakespeare,
Euclides da Cunha, dezenas de outros.  Muitas vezes não entendíamos nada do que líamos, mas gostávamos
daquelas palavras sonoras, daqueles conflitos estranhos entre gente de nomes exóticos, e da expressão comovida
de minha mãe, com pena de Antígona e torcendo por Heitor na Ilíada. Depois de cada leitura, meu pai fazia sua
palestra de rotina sobre nossa ignorância e, andando para cima e para baixo de pijama na varanda, dava uma aula
grandiloqüente sobre o assunto da leitura, ou sobre o autor do texto, aula esta a que os vizinhos muitas vezes
vinham assistir. Também tínhamos os resumos - escritos ou orais - das leituras, as cópias (começadas quando ele,
com grande escândalo, descobriu que eu não entendia direito o ponto-e-vírgula e me obrigou a copiar sermões do
Padre Antônio Vieira, para aprender a usar o ponto-e-vírgula) e os trechos a decorar. No que certamente é um
mistério para os psicanalistas, até hoje não só os sermões de Vieira como muitos desses autores forçados pela
goela abaixo estão entre minhas leituras favoritas. (Em compensação, continuo ruim de ponto-e-vírgula).
            Mas o bom mesmo era a leitura livre, inclusive porque oferecia seus perigos.  Meu pai usava uma técnica
maquiavélica para me convencer a me interessar por certas leituras. A circulação entre os livros permanecia
absolutamente livre, mas, de vez em quando, ele brandia um volume no ar e anunciava com veemência:
            -  Este não pode! Este está proibido! Arranco as orelhas do primeiro que chegar perto deste daqui!
            O problema era que não só ele deixava o livro proibido bem à vista, no mesmo lugar de onde o tirara
subitamente, como às vezes a proibição era para valer. A incerteza era inevitável e então tínhamos momentos de
suspense arrasador (meu pai nunca arrancou as orelhas de ninguém, mas todo mundo achava que, se fosse por
uma questão de princípios, ele arrancaria), nos quais lemos Nossa vida sexual do Dr. Fritz Kahn , Romeu e Julieta;
O Livro de San Michele, Crônica Escandalosa dos Doze Césares, Salambô, O Crime do Padre Amaro - enfim,
dezenas de títulos de uma coleção estapafúrdia, cujo único ponto em comum era o medo de passarmos o resto da
vida sem orelhas - e hoje penso que li tudo o que ele queria disfarçadamente que eu lesse, embora à custa de
sobressaltos e suores frios.
            Na área proibida, não pode deixar de ser feita uma menção aos pais de meu pai, meus avós João e Amália.
João era português, leitor anticlerical de Guerra Junqueiro e não levava o filho muito a sério intelectualmente,
porque os livros que meu pai escrevia eram finos e não ficavam em pé sozinhos. "Isto é uma merda", dizia ele,
sopesando com desdém uma das monografias jurídicas de meu pai. "Estas tripinhas que não se sustentam em pé
não são livros, são uns folhetos". Já minha avó tinha mais respeito pela produção de meu pai, mas achava que, de
tanto estudar altas ciências, ele havia ficado um pouco abobalhado, não entendia nada da vida. Isto foi muito bom
para a expansão dos meus horizontes culturais, porque ela não só lia como deixava que eu lesse tudo o que ele não
deixava, inclusive revistas policiais oficialmente proibidas para menores. Nas férias escolares, ela ia me buscar para
que eu as passasse com ela, e meu pai ficava preocupado.
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            -  D. Amália - dizia ele, tratando-a com cerimônia na esperança de que ela se imbuísse da necessidade de
atendê-lo -, o menino vai com a senhora, mas sob uma condição.  A senhora não vai deixar que ele fique o dia
inteiro deitado , cercado de bolachinhas e docinhos e lendo essas coisas que a senhora lê.
            -  Senhor doutor - respondia minha avó -, sou avó deste menino e tua mãe.  Se te criei mal, Deus me perdoe,
foi a inexperiência da juventude. Mas este cá ainda pode ser salvo e não vou deixar que tuas maluquices o
infelicitem. Levo o menino sem condição nenhuma e, se insistes, digo-te muito bem o que podes fazer com tuas
condições e vê lá se não me respondes, que hoje acordei com a ciática e não vejo a hora de deitar a sombrinha ao
lombo de um que se atreva a chatear-me. Passar bem, Senhor doutor.
E assim eu ia para a casa de minha avó Amália, onde ela comentava mais uma vez com meu avô como o filho
estudara demais e ficara abastalhado para a vida, e meu avô, que queria que ela saísse para poder beber em paz a
cerveja que o médico proibira, tirava um bolo de dinheiro do bolso e nos mandava comprar umas coisitas de ler -
Amália tinha razão, se o menino queria ler que lesse, não havia mal nas leituras, havia em certos leitores. E então
saíamos gloriosamente, minha avó e eu, para a maior banca de revistas da cidade, que ficava num parque perto da
casa dela e cujo dono já estava acostumado àquela dupla excêntrica. Nós íamos chegando e ele perguntava:
            - Uma de cada?
            - Uma de cada - confirmava minha avó, passando a superintender, com os olhos brilhando, a colheita de um
exemplar de cada revista, proibida ou não-proibida, que ia formar uma montanha colorida deslumbrante, num
carrinho de mão que talvez o homem tivesse comprado para atender a fregueses como nós. - Mande levar. E agora
aos livros!
            Depois da banca, naturalmente, vinham os livros. Ela acompanhava certas coleções, histórias de Arsène
Lupin,  Ponson du Terrail, Sir Walter Scott, Edgar Wallace, Michel Zevaco, Emilio Salgari, os Dumas e mais uma
porção de outros, em edições de sobrecapas extravagantemente coloridas que me deixavam quase sem fôlego. Na
livraria, ela não só se servia dos últimos lançamentos de seus favoritos, como se dirigia imperiosamente à seção de
literatura para jovens e escolhia livros para mim, geralmente sem ouvir minha opinião - e foi assim que li Karl May,
Edgar Rice Burroughs, Robert Louis Stevenson, Swift e tantos mais, num sofá enorme, soterrado por revistas, livros
e latas de docinhos e bolachinhas, sem querer fazer mais nada, absolutamente nada, neste mundo encantado. De
vez em quando, minha avó e eu mantínhamos tertúlias literárias na sala, comentando nossos vilões favoritos e
nosso herói predileto, o Conde de Monte Cristo - Edmond Dantès! - como dizia ela, fremindo num gesto dramático.   
E meu avô, bebendo a cerveja escondido lá dentro, dizia "ai, ai, esses dois se acham letrados, mas nunca leram o
Guerra Junqueiro".
            De volta à casa de meus pais, depois das férias, o problema das leituras compulsórias às vezes se
agravava, porque meu pai, na certeza (embora nunca desse ousadia de me perguntar), de que minha avó me tinha
dado para ler tudo o que ele proibia, entrava numa programação delirante, destinada a limpar os efeitos deletérios
das revistas policiais.  Sei que parece mentira e não me aborreço com quem não acreditar (quem conheceu meu pai
acredita), mas a verdade é que, aos doze anos, eu já tinha lido, com efeitos às vezes surpreendentes, a maior parte
da obra traduzida de Shakespeare, O elogio da loucura, As décadas de Tito Lívio, D. Quixote (uma das ilustrações
de Gustave Doré, mostrando monstros e personagens saindo dos livros de cavalaria do fidalgo me fez mal, porque
eu passei a ver as mesmas coisas saindo dos livros da casa), adaptações especiais do Fausto e da Divina
Comédia, a Ilíada, a Odisséia, vários ensaios de Montaigne, Poe, Alexandre Herculano, José de Alencar, Machado
de Assis, Monteiro Lobato, Dickens, Dostoievski, Suetônio, os Exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola e
mais não sei quantos outros clássicos, muitos deles resumidos, discutidos ou simplesmente lembrados em
conversas inflamadas, dos quais nunca me esqueço e a maior parte dos quais faz parte íntima de minha vida.
            Fico pensando nisso e me pergunto: não estou imaginando coisas, tudo isso poderia ter realmente
acontecido? Acho que sim, também joguei bola, tomei banho nu no rio, subi em árvores e acreditei em Papai Noel.
Os livros eram uma brincadeira como outra qualquer, embora certamente a melhor de todas. Quando tenho
saudades da infância, as saudades são daquele universo que nunca volta, dos meus olhos de criança vendo tanto
que entonteciam, dos cheiros dos livros velhos, da navegação infinita pela palavra, de meu pai, de meus avós, do
velho casarão mágico de Aracaju.
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I Atividade – Construa um texto sobre suas próprias memórias de livros e sobre qual o seu clássico, usando como
roteiro os tópicos abaixo.

1. Texto 1:
‫ ـ‬Faça um resumo do texto de João Ubaldo Ribeiro, citando título e nome do autor e destacando o que você
considera mais importante.
‫ ـ‬Diga se você gostou do texto de Ubaldo e por quê.
‫ ـ‬Dos livros e autores que o autor cita, diga os que você conhece, quais deles você já leu e qual você des/gostou
mais. Explique o porquê.
‫ ـ‬À maneira de Ubaldo, conte um pouco da sua história de leitura. Se você gosta de ler, conte um pouco sobre
seus livros favoritos, seus locais favoritos de leitura, seus cacoetes de leitura (ler comendo, ler grifando, etc).
2. Texto 2:
‫ ـ‬Faça um resumo do texto de Graciliano Ramos, citando título e nome do autor e destacando o que você
considera mais importante.
‫ ـ‬Diga se você gostou do texto de Graciliano e por quê.
‫ ـ‬À maneira de Graciliano, conte um pouco da parte ruim, árdua ou chata (se houver) da sua história de leitura.
‫ ـ‬Se você detesta ler, diga por que você acha que isso aconteceu e se você acha que isso é reversível, etc.

3. Texto 3:
‫ ـ‬Do texto de Ítalo Calvino, destaque a definição de clássico que você considera mais apropriada.
‫ ـ‬Diga se você gostou do texto de Calvino e por quê.
‫ـ‬
4. Faça um texto seu que dialogue com os três textos lidos.
5. Crie um título para seu texto.

6. resentação do texto final


CABEÇALHO ESTRUTURA
Universidade Federal da Bahia Papel: A4 (21 cm x 29,7cm)
Escola de Nutrição – Curso de Gastronomia – Turno: Noturno Margens: Superior e esquerda: 3,0 cm
LET044 – Língua Portuguesa como Instrumento de Comunicação Inferior e direita: 2,0 cm
Profa. Alba Valéria – Aluno: Fonte: Times New Roman ou Arial
Texto: 12 ; Título: 14
TÍTUL0 Texto: justificado
Parágrafo de texto: Recuo de 2cm na primeira linha.
Citações: sem recuo
Entre as linhas do texto: 1,5
Entre as linhas de citações com mais de 3 linhas;
referências: espaço simples.
Entre título e texto: dois espaço de 1,5
Entre as referências: 1,5

7 IMPORTANTE: PARA ESTE TEXTO NÃO É NECESSÁRIO FAZER CAPA E FOLHA DE ROSTO! O CABEÇALHO É
SUFICIENTE!
10
UFBA – LET044 - Língua Portuguesa como Instrumento de Comunicação
Fonte: RAMOS, Graciliano. Leitura. In: Infância. São Paulo: Record, 1982, p. 104-109.

Achava-me empoleirado no balcão, abrindo caixas e pacotes, examinando miudezas da prateleira. Meu pai, de bom
humor, apontava-me objetos singulares e explicava o préstimo deles.

Demorei a atenção nuns cadernos de capa enfeitada por três faixas verticais, borrões, nódoas cobertas de riscos
semelhantes aos dos jornais e livros. Tive a idéia infeliz de abrir um desses folhetos, percorri as páginas amarelas,
de papel ordinário. Meu pai tentou avivar-me a curiosidade valorizando com energia as linhas mal impressas,
falhadas, antipáticas. Afirmou que as pessoas familiarizadas com elas dispunham de armas terríveis. Isto me
pareceu absurdo: os traços insignificantes não tinham feição perigosa de armas. Ouvi os louvores incrédulos.

Aí, meu pai me perguntou se eu não desejava inteirar-me daquelas maravilhas, tornar-me um sujeito sabido como
Padre João Inácio e o advogado Bento Américo. Respondi que não. Padre João Inácio me fazia medo, e o
advogado Bento Américo, notável na opinião do júri, residia longe da vila e não me interessava. Meu pai insistiu em
considerar esses dois homens como padrões e relacionou-os com as cartilhas da prateleira. Largou pela segunda
vez a interrogação pérfida. Não me sentia propenso a adivinhar os sinais pretos do papel amarelo?

Foi assim que me exprimiu o Tentador, humanizado, naquela manhã funesta. Em geral, não indagavam se qualquer
coisa era do meu agrado: havia obrigações, e tinha de submeter-me. A liberdade que me ofereciam de repente, o
direito de opinar, insinuou-me vaga desconfiança. Que estaria para acontecer?

Mas a pergunta risonha levou-me a adotar procedimento oposto à minha tendência. Receei mostrar-me descortês e
obtuso, recair na sujeição habitual. Deixei-me persuadir, sem nenhum entusiasmo, esperando que os garranchos do
papel me dessem as qualidades necessárias para livrar-me de pequenos deveres e pequenos castigos. Decidi-me.

E a aprendizagem começou ali mesmo, com a indicação de cinco letras já conhecidas de nome, as que a moça,
anos antes, na escola rural, balbuciava junto ao mestre barbado. Admirei-me. Esquisito aparecerem, logo no
princípio do caderno, sílabas, pronunciadas em lugar distante, por pessoa estranha. Não haverá engano? Meu pai
asseverou que as letras eram batizadas daquele jeito.

No dia seguinte surgiram outras, depois outras – e iniciou-se a escravidão imposta ardilosamente. Condenaram-me
à tarefa odiosa, e como não me era possível realizá-la convenientemente, as horas se dobravam, todo o tempo se
consumia nela. Agora eu não tocava nos pacotes de ferragens e miudezas, não me absorvia nas estampas das
peças de chita: ficava sentado num caixão, sem pensamento, a carta sobre os joelhos.

Meu pai não tinha vocação para o ensino, mas quis meter-me o alfabeto na cabeça. Resisti, ele teimou – e o
resultado foi um desastre. Cedo revelou impaciência e assustou-me. Atirava rápido meia dúzia de letras, ia jogar
solo. À tarde pegava um côvado, levava-me para a sala de visitas – e a lição era tempestuosa. Se não visse o
côvado, eu ainda poderia dizer qualquer coisa. Vendo-o, calava-me. Um pedaço de madeira, negro, pesado, da
largura de quatro dedos.

Minha mãe e minha irmã natural me protegeram: arredaram-me da loja e, na prensa do copiar, forneceram-me as
noções indispensáveis. Arrastava-me, desanimado. O folheto se puía e esfarelava, embebia-se de suor, e eu o
esfregava para abreviar o extermínio.

Isso de nada servia. Chegava outro folheto – e as linhas gordas e safadas, os três borrões verticais, davam-me
engulhos. Que fazer? A lembrança do Côvado me arregalava os olhos. Mas ia-me pouco a pouco entorpecendo, a
cabeça inclinava-se, os braços esmoreciam – e, entre bocejos e cochilos, gemia a cantiga fastidiosa que Mocinha
sussurrava junto a mim. Queria agitar-me e despertar. O sono era forte, enjoo enorme tapava-me os ouvidos,
prendia a fala. E as coisas em redor mergulhavam na escuridão, as ideias se imobilizavam. De fato eu compreendia,
ronceiro, as histórias de Trancoso. Eram fáceis. O que me obrigavam a decorar parecia-me insensato.

Enfim consegui familiarizar-me com as letras quase todas. Aí me exibiram outras vinte e cinco, diferentes das
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primeiras e com os mesmos nomes delas. Atordoamento, preguiça, desespero, vontade de acabar-me. Veio o
terceiro alfabeto, veio o quarto, e a confusão se estabeleceu, um horror de quiproquós. Quatro sinais com uma só
denominação. Se me habituassem às maiúsculas, deixando as minúsculas para mais tarde, talvez não me
embrutecesse. Jogaram-me simultaneamente maldades grandes e pequenas, impressas e manuscritas. Um inferno.
Resignei-me – e venci as malvadas. Duas porém, se defenderam: as miseráveis dentais que ainda hoje me causam
dissabores quando escrevo.

Sozinho não me embaraçava, mas na presença de meu pai emudecia. Ele endureceu algumas semanas, antes de
concluir que não valia a pena tentar esclarecer-me. Uma vez por dia o grito severo me chamava à lição. Levantava-
me, com um baque por dentro, dirigia-me à sala gelado. E emburrava: a língua fugia dos dentes, engrolava ruídos
confusos. Livrara-me do aperto crismando as consoantes difíceis: o T era um boi, o D uma peruinha. Meu pai rira da
inovação, mas retomara depressa a exigência e a gravidade. Impossível contentá-lo. E o côvado me batia nas
mãos. Ao avizinhar-me dos pontos perigosos, tinha o coração desarranjado num desmaio, a garganta seca, a vista
escura, e no burburinho que me enchia os ouvidos a reclamação áspera avultava. Se as duas letras estivessem
juntas, o martírio se reduziria, pois, libertando-me da primeira, a segunda acudia facilmente. Distanciavam-se, com
certeza havia colocação um desígnio perverso – e os meus tormentos se duplicavam.

As pobres mãos inchavam, as palmas vermelhas, arroxeadas, os dedos grossos mal se movendo. Latejavam, como
se funcionassem relógios dentro delas. Era preciso erguê-las. Finda a tortura, sentava-me num banco da sala de
jantar, estirava os braços em cima da mesa, procurando esquecer as palpitações dolorosas. Os sapos cantavam no
açude da Penha; o descaroçador rangia no Cavalo-Morto; D. Conceição, além do beco, se esganiçava chamando as
filhas. Estavam ali perto, no alpendre e no corredor, brincando com minhas irmãs, e eu não as enxergava. Os meus
olhos molhados percebiam a custo o portão do quintal. As mãos descansavam na tábua, imóveis. Julgo que estive
meio louco. E amparei-me ansioso às figurinhas de sonho que me atenuavam a solidão. O mundo feito caixa de
brinquedos, os homens reduzidos ao tamanho de um polegar de criança.

Muitas infelicidades me haviam perseguido. Mas vinham de chofre, dissipavam-se. Às vezes se multiplicavam.
Depois, longos períodos de repouso. Em momentos de otimismo supus que estivessem definitivamente acabadas.

Agora não alcançava esse engano. As três manchas verticais, úmidas de lágrimas, estiravam-se junto à mão doída,
as letras renitentes iriam afligir-me dia e noite, sempre. As réstias que passeavam no tijolo e subiam a parede
marcavam a aproximação do suplício. Dentro de algumas horas, de alguns minutos a cena terrível se reproduziria:
berros, cólera imensa a envolver-me, aniquilar-me, destruir os últimos vestígios de consciência, e o pedaço de
madeira a martelar a carne machucada.

Afinal meu pai desesperou de instruir-me, revelou tristeza por haver gerado um maluco e deixou-me. Respirei, meti-
me na soletração, guiado por Mocinha. E as duas letras amansaram. Gaguejei sílabas um mês. No fim da carta elas
se reuniam, formavam sentenças graves, arrevesadas, que atordoavam. Certamente meu pai usara um horrível
embuste naquela maldita manhã, inculcando-me a excelência do papel impresso. Eu não lia direito, mas, arfando
penosamente, conseguia mastigar os conceitos sisudos: “ A preguiça é chave da pobreza – Quem não houve
conselhos raras vezes acerta – Fala pouco e bem: ter-te-ão por alguém.”

Esse Terteão para mim era um homem, e não pude saber que fazia ele na página final da carta. As outras folhas se
desprendiam, restavam-me as linhas em negrita, resumo da ciência anunciada por meu pai.

- Mocinha, quem é Terteão?

Mocinha estranhou a pergunta. Não havia pensado que Terteão fosse homem. Talvez fosse. “ Fala pouco e bem:
ter-te-ão por alguém”.

- Mocinha, que quer dizer isso?


Mocinha confessou honestamente que não conhecia Terteão. E eu fiquei triste, remoendo a promessa de meu pai, aguardando novas
decepções.
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UFBA – LE044 - Língua Portuguesa como Instrumento de Comunicação


Fonte: CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos? São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou relendo..." e nunca "Estou lendo...".
Isso acontece pelo menos com aquelas pessoas que se consideram "grandes leitores"; não vale para a juventude,
idade em que o encontro com o mundo e com os clássicos como parte do mundo vale exatamente enquanto
primeiro encontro.
O prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma pequena hipocrisia por parte dos que se envergonham de
admitir não ter lido um livro famoso. Para tranquilizá-los, bastará observar que, por maiores que possam ser as
leituras "de formação" de um indivíduo, resta sempre um número enorme de obras que ele não leu. (...)

2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem
uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições de
apreciá-los.

De fato, as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das
instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão
uma forma as experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de
classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos
recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar
aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe
uma força particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente. A definição
que dela podemos dar então será:

3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também
quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

Por isso, deveria existir um tempo na vida adulta dedicado a revisitar as leituras mais importantes da juventude. Se
os livros permanecerem os mesmos (mas também eles mudam, à luz de uma perspectiva histórica diferente), nós
com certeza mudamos, e o encontro é um acontecimento totalmente novo.

4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.

5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura. (...)

6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. (...)

7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a
nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na
linguagem ou nos costumes).

Isso vale tanto para os clássicos antigos quanto para os modernos. Se leio a Odisséia, leio o texto de Homero, mas
não posso esquecer tudo aquilo que as aventuras de Ulisses passaram a significar durante os séculos e não posso
deixar de perguntar-me se tais significados estavam implícitos no texto ou se são incrustações, deformações ou
dilatações. Lendo Kafka, não posso deixar de comprovar ou de rechaçar a legitimidade do adjetivo kafkiano, que
costumamos ouvir a cada quinze minutos, aplicando dentro e fora de contexto. (...)
A leitura de um clássico deve oferecer-nos alguma surpresa em relação à imagem que dele tínhamos. Por isso,
nunca será demais recomendar a leitura direta dos textos originais, evitando o mais possível bibliografia crítica,
comentários, interpretações. A escola e a universidade deveriam servir para fazer entender que nenhum livro que
fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão; mas fazem de tudo para que se acredite no contrário. Existe
uma inversão de valores muito difundida segundo a qual a introdução, o instrumental crítico, a bibliografia são
13
usados como cortina de fumaça para esconder aquilo que o texto tem a dizer e que só pode dizer se o deixarmos
falar sem intermediários que pretendem saber mais do que ele. Podemos concluir que:

8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas
continuamente as repele para longe.

O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre
soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se
liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como sempre dá a
descoberta de uma origem, de uma relação, de uma pertinência. De tudo isso poderíamos derivar uma definição do
tipo:

9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se
revelam novos, inesperados, inéditos.

Naturalmente isso ocorre quando um clássico "funciona" como tal, isto é, estabelece uma relação pessoal com
quem o lê. Se a centelha não se dá, nada feito: os clássicos não são lidos por dever ou por respeito mas só por
amor. Exceto na escola: a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos
dentre os quais (ou em relação aos quais) você poderá depois reconhecer os "seus" clássicos. A escola é obrigada
a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e
depois de cada escola.
É só nas leituras desinteressadas que pode acontecer deparar-se com aquele que se torna o "seu" livro (...). Por
esta via, chegamos a uma idéia de clássico muito elevada e exigente:

10. Chama-se clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.

Com esta definição nos aproximamos da idéia de livro total, como sonhava Mallarmé. Mas um clássico pode
estabelecer uma relação igualmente forte de oposição, de antítese. Tudo aquilo que Jean-Jacques Rousseau pensa
e faz me agrada, mas tudo me inspira irresistível desejo de contradizê-lo, de criticá-lo, de brigar com ele (...), mas
por isso seria melhor que o deixasse de lado; contudo não posso deixar de incluí-lo entre os meus autores. Direi
portanto:

11. O "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e
talvez em contraste com ele.

Creio não ter necessidade de justificar-me se uso o termo clássico sem fazer distinções de antiguidade, de estilo, de
autoridade. (...). Aquilo que distingue o clássico no discurso que estou fazendo talvez seja só um efeito de
ressonância que vale tanto para uma obra antiga quanto para uma moderna mas já com um lugar próprio numa
comunidade cultural. Poderíamos dizer:

12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele,
reconhece logo o seu lugar na genealogia.

A esta altura, não posso mais adiar o problema decisivo de como relacionar a leitura dos clássicos com todas outras
leituras que não sejam clássicas. Problema que se articula com perguntas como: "Por que ler os clássicos em vez
de concentrar-nos em leituras que nos façam entender mais a fundo o nosso tempo?" e "Onde encontrar o tempo e
a comodidade da mente para ler clássicos, esmagados que somos pela avalanche de papel impresso da
atualidade?".
É claro que se pode formular a hipótese de uma pessoa feliz que dedique o "tempo-leitura" de seus dias
exclusivamente a ler Montaigne, Proust, Valéry [entre outros]. (...) Essa pessoa bem-aventurada, para manter sua
dieta sem nenhuma contaminação, deveria abster-se de ler os jornais, não se deixar tentar nunca pelo último
romance nem pela última pesquisa sociológica. Seria preciso verificar quanto um rigor semelhante poderia ser justo
e profícuo. O dia de hoje pode ser banal e mortificante, mas é sempre um ponto em que nos situamos para olhar
para a frente ou para trás. Para poder ler os clássicos, temos de definir "de onde" eles estão sendo lidos, caso
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contrário tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atemporal. Assim, o rendimento máximo da leitura dos
clássicos advém para aquele que sabe alterná-la com a leitura de atualidades numa sábia dosagem. E isso não
presume necessariamente uma equilibrada calma interior: pode ser também o fruto de um nervosismo impaciente,
de uma insatisfação trepidante.
Talvez o ideal fosse captar a atualidade como o rumor do lado de fora da janela, que nos adverte dos
engarrafamentos do trânsito e das mudanças do tempo, enquanto acompanhamos o discurso dos clássicos, que
soa claro e articulado no interior da casa. Mas já é suficiente que a maioria perceba a presença dos clássicos como
um reboar distante, fora do espaço invadido pelas atualidades como pela televisão a todo volume. Acrescentemos
então:

13. É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não
pode prescindir desse barulho de fundo.

14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.

Resta o fato de que ler os clássicos parece estar em contradição como nosso ritmo de vida, que não conhece os
tempos longos, o respiro do ócio humanista; e também em contradição com o ecletismo da nossa cultura, que
jamais saberia redigir um catálogo do classicismo que nos interessa.(...) Os velhos títulos foram dizimados, mas os
novos se multiplicaram, proliferando em todas as literaturas e culturas modernas. Só nos resta inventar para cada
um de nós uma biblioteca ideal de nossos clássicos; e diria que ela deveria incluir uma metade de livros que já
lemos e que contaram para nós, e outra de livros que pretendemos ler e pressupomos possam vir a contar.
Separando uma seção a ser preenchida pelas surpresas, as descobertas ocasionais.
Agora deveria reescrever todo o artigo, deixando bem claro que os clássicos servem para entender quem somos e
aonde chegamos (...). Depois deveria reescrevê-lo ainda uma vez para que não se pense que os clássicos devem
ser lidos porque "servem" para qualquer coisa. A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é
melhor do que não ler os clássicos.
E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não um clássico, pelo menos por enquanto,
mas um pensador contemporâneo que só agora começa a ser traduzido na Itália): "Enquanto era preparada a
cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. 'Para que lhe servirá?', perguntaram-lhe. 'Para aprender
esta ária antes de morrer' ".
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UFBA – LET044 - Língua Portuguesa como Instrumento de Comunicação
Fonte: MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 2008.

I - TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS

• Tipo textual designa uma espécie de seqüência teoricamente definida pela natureza lingüística de sua
composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas).
• Gêneros textuais referem-se a textos materializados encontrados na vida prática diária e que apresentam
características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição
característica. São inúmeros: telefonema, sermão, ofício, carta, romance, bilhete, reportagem, aula, ata. Bula,
receita, cardápio, piada, edital, etc.

II –TIPOS TEXTUAIS

• Os tipos textuais são virtuais; limitados e realizam-se nos diversos gêneros de textos, que costumam ser
tipologicamente heterogêneos; abrangem categorias como: narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção.
• Os tipos textuais, grosso modo, apresentam em sua estrutura um elemento organizador predominante:
– nos textos narrativos, o elemento organizador seria a seqüência temporal;
– nos textos descritivos, há uma predominância de seqüências de localização;
– nos textos expositivos, o predomínio de seqüências analíticas ou então explicitamente explicativas.
– nos textos argumentativos, o predomínio de seqüências contrastivas explícitas;
– os textos injuntivos, por sua vez, apresentam o predomínio de seqüências imperativas.

III – O TIPO DESCRITIVO

• Representação verbal de um objeto (real ou imaginário) que pode ser percebido sensorialmente (pessoa,
animal, objeto; ambiente; paisagem; cena), considerada fora da relação de anterioridade e de posterioridade,
portanto simultaneamente.
• Características:
– ocorrência de nomes (substantivos e adjetivos) e verbos de ligação ou de estado;
– tempos verbais: presente; pretéríto imperfeito;
– organização é espacial: de cima para baixo, da esquerda para a direita, de dentro para fora, do
conteúdo para o continente, etc. Ex:

“Luiz Cuiúba, pessoa muito respeitada, entre todas as pessoas da família dos Cuiúbas. Como se sabe, a cuiúba é
um pássaro bastante afundado de cara, com os olhos miúdos e pregueados e jeito de quem está sempre
reclamando da claridade. A cuiúba, aliás, parece que você fez a cara dela num saco de papel, estufou soprando e
depois botou para murchar um pouco. A cara da cuiúba não é tida em alta conta como tipo de beleza, havendo uns
que dizem que ela é uma espécie de periquito da Austrália adoentado, outros que dizem que é mais uma coruja com
defluxo, porém existindo a concordância que a cuiúba não foi o pássaro que Jesus Cristo disse: vai voar, minha
boniteza de penas”. João Ubaldo Ribeiro

IV – O TIPO NARRATIVO

• As narrativas podem ser histórias reais ou fictícias; biografias ou autobiografias; contos, novelas, romances,
anedotas; entrevistas e reportagens.
– caracteriza-se pelo emprego dos verbos de ação que traduzem a movimentação das personagens no
espaço e no tempo, bem como a sucessão dos fatos em função do enredo
– é um conjunto de transformação de situações referentes a personagens ou coisas determinadas, num
tempo preciso e num espaço bem configurado;
– opera com personagens, situações, tempos e espaços bem determinados, trabalha predominantemente
com termos concretos, sendo, portanto, um texto figurativo;
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– relata acontecimentos em uma progressão temporal, isto é, conta eventos concomitantes, anteriores ou
posteriores uns aos outros. Ex:

Branca-Flor olhou para trás e viu a nuvem preta. Vinha que vinha. Ela transformou então o cavalo num lago, os
arreios numa barca, o moço num pescador e ela mesmo num cisne branco. O diabo chegou ao rio, perguntou ao
pescador se tinha visto um moço e uma moça, assim assim, montados num cavalo alazão. O pescador nada
respondia. Aí, o diabo, danado com o pouco caso dele, voltou ao inferno. Branca-Flor desmanchou a mágica,
montaram de novo e galoparam para frente, no seu cavalo escuro, rápido como o vento”. (Artes de Branca-Flor)

V – O TEXTO DISSERTATIVO

• A dissertação não conta fatos (função do texto narrativo), também não retrata seres (função do texto descritivo),
cita fatos para interpretá-los e relacioná-los.
• O texto dissertativo é temático, ou seja, não trata de episódios ou seres concretos e particularizados, mas de
análises e interpretações genéricas válidas para muitos casos concretos e particulares; opera
predominantemente com termos abstratos.
• A ordenação não é cronológica, mas obedece às relações lógicas: analogia, pertinência, causalidade,
coexistência, correspondência, implicação etc.
• A dissertação pretende expor verdades gerais válidas para muitos fatos particulares, por isso o tempo da
dissertação é o presente no seu valor atemporal. Ex:

O príncipe & “gente que rala"


Orígenes Lessa tem um romance delicioso intitulado “ O feijão e o sonho”: é a história de um casal, ele poeta,
idealista e sonhador, construtor de projetos lindos que nunca passam de devaneios, ela dona de casa, realista, pés
no chão, preocupada com o que botar na mesa para o almoço das crianças, como vesti-Ias e educá-las, em
consertar a goteira e o encanamento. Ela era o feijão, ele, o sonho. Seu ressentimento maior poderia ser traduzido
assim: "Quanto mais ele sonha, mais me empurra para o feijão, mais eu fico prática, terra-a-terra, chata, enfim. Ele
rouba a minha capacidade de sonhar, se eu for sonhar também a casa cai". E o ressentimento dele: "Cada crítica
que ela me faz, cada pia entupida que ela me cobra consertar, mais a vida prática me parece feia e árdua, mais o
ideal me parece lindo. O devaneio me seduz, me puxa, e ela me empurra para ele".
Mas então por que diabos eles continuavam casados, se havia ressentimentos? É que não era bem assim. O que
não estava dito era a admiração e a inveja que um nutria pelo outro. Ela acreditava em segredo que a beleza estava
com ele e nele, e nutria um certo consolo por pensar que ela era pelo menos pilar de sustentação daquela beleza.
Ele, amedrontado do mundo, admirava a coragem com que ela lidava com as contas do armazém, as crianças, as
panelas e a roupa suja. Para ele, ela era “gente que rala". Para ela, ele era o príncipe. Francisco Veiga. O aprendiz
do desejo

VI – O TEXTO EXPOSITIVO

• Objetivo: expor informações


• Característica: linguagem objetiva, verbos no presente, predomínio da 3ª. pessoa.
• Gêneros nos quais predomina: seminário, verbete de enciclopédia, relatório de pesquisas. Ex:

Estudos mostram que os exercícios físicos aumentam o número de vasos sanguíneos no cérebro, melhorando a
nutrição e a oxigenação dos neurônios. A prática de atividades também estimularia a geração de células no
hipocampo, a área do cérebro encarregado da memória e impulsionaria a produção de um tipo de substância,
chamada fator de crescimento que aumenta as conexões entre os neurônios . Época, São Paulo, n. 573, p. 74-75, 11
de maio 2009.

VII – O TEXTO INJUNTIVO

• Injuntivo vem de injungir, que significa ‘ordenar’. Esse é o tipo textual em que o locutor dá uma ordem ao
interlocutor. A ordem pode ser dada com a intenção de instruí-lo: instrucional.
• A ordem pode ser dada com a intenção de persuadi-lo: persuasivos.
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• Características: verbos no imperativo
• Gêneros nos quais predomina: manual de instruções, receitas, regras do jogo, anúncios

VIII – SUPORTES
“Paulo, te amo, me ligue o mais rápido que puder. Te espero no fone 55 44 33 22. Verônica”.
– escrito num papel sobre a mesa da pessoa: bilhete;
– remetido pelos correios num formulário: telegrama;
– enviado pela secretária eletrônica; recado, mensagem.
• Suporte:
– é um lugar (físico ou virtual),
– tem formato específico,
– serve para fixar e mostrar o texto
• Os gêneros são ecológicos no sentido de que desenvolvem nichos ou ambientes de realização mais adequados,
seja para se fixarem ou circularem. Hipótese: os gêneros têm preferências e não se manifestam na indiferença a
suportes.

IX – TIPOS DE SUPORTES
• Suportes convencionais, típicos ou característicos, produzidos para essa finalidade: livro, livro didático, jornal,
revista, revista científica, rádio, TV, telefone, quadro de avisos, outdoor, encarte, folder, luminosos, faixas.
• Suportes incidentais: podem trazer textos, mas não são destinados a esse fim de modo sistemático:
embalagens, para-choques/para-lamas de caminhão, roupa, corpo humano, paredes, muros, paradas de
ônibus, estações de metrô, calçadas, fachadas, janelas de ônibus

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