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A INDÚSTRIA DE FUNDIÇÃO RUMO À SUSTENTABILIDADE

M. S. Cilla, M. R. Morelli

Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Engenharia de Materiais –


Programa de pós-graduação em Ciência e Engenharia de Materiais

Rod. Washington Luis, km 235 - São Carlos - SP - BR - CEP: 13565-905 e-mail:


marcelocilla@ufscar.br

RESUMO

O processo de conformação de peças fundidas mais rápido, econômico e


convencional é o de moldagem em areia a verde, onde o ligante principal é uma
argila umedecida. Entretanto, devido a exigências tecnológicas, são utilizados
também ligantes tóxicos como resinas furânicas, fenólicas ou uretânicas. Novas
tecnologias vêm sendo desenvolvidas para a recuperação e inertização das areias,
porém as resinas disponíveis atualmente têm como limitação “ecológica” sua origem
química. Este trabalho teve como objetivo avaliar os efeitos da substituição destes
ligantes por compostos orgânicos derivados de fontes renováveis, tal como a resina
poliuretana derivada do óleo de mamona. Para isto, avaliou-se comparativamente a
resistência mecânica à compressão a frio e após tratamentos térmicos de moldes de
areia ligados com resina poliuretano vegetal e com fenol-uretânica. Os resultados
mostraram-se satisfatórios e apontam este novo material como um componente
promissor para utilização na fundição em moldes de areia.

Palavras-chave: fundição, tóxicos, problema ambiental, descarte, renováveis.


INTRODUÇÃO

De maneira genérica, podemos descrever o processo de fundição como o


vazamento de um metal líquido em um molde contendo uma cavidade com a
geometria da peça desejada. Como principal vantagem em relação a outros
processos de conformação está a possibilidade de obtenção de peças de
geometrias complexas de maneira econômica.
Em relação à modelação, a utilização de novos materiais para confecção
dos modelos e desenvolvimento de softwares de simulação da etapa de
solidificação, permitiram a otimização do processo, principalmente no que se refere
à qualidade das peças fundidas.
Quanto aos métodos de moldagem, o desenvolvimento de novos
processos e de novas matérias primas para confecção dos moldes ampliou sua
gama de aplicações a novas ligas, e peças com geometrias complexas.
Dentre os métodos, classificados pelo comportamento dos ligantes
utilizados na confecção dos moldes, a fundição em areia verde emprega como
ligante uma argila umedecida (bentonita). Porém, devido a exigências tecnológicas,
as fundições substituem a argila por ligantes tóxicos, tais como as resinas furânicas,
fenólicas ou uretânicas que permitem a obtenção de peças maiores, com geometrias
mais complexas e melhor acabamento. (1)
Nos últimos anos, porém, o aumento das exigências das
(2)
regulamentações ambientais tem impactado diretamente na indústria de fundição,
principalmente em relação ao descarte dos materiais utilizados, que se torna cada
vez mais onerosos às empresas.
Novas tecnologias vêm sendo desenvolvidas para a recuperação e
inertização das areias, ou mesmo o redirecionamento dos resíduos de areia de
fundição para serem incorporados em outros materiais como tijolos e massa
(3)
asfáltica , porém as resinas disponíveis atualmente têm como limitação “ecológica”
sua origem química.
Dentro deste contexto, o objetivo deste estudo está centrado na avaliação
de um novo ligante baseado em uma resina poliuretano vegetal bi-componente
obtida a partir do óleo de mamona (óleo de rícino extraído de sementes da planta
Ricinus communis), com adição de um componente inorgânico, formador de rede em
altas temperaturas.
MATERIAIS E MÉTODOS

Para obtenção de corpos de prova e confecção dos moldes foram


utilizados os seguintes componentes: areia industrial fornecida pela Mineração
Jundu de granulometria 60/70 mesh; resina poliuretano vegetal (PUV) bi-
componente formulada pela mistura a frio de um pré-polímero (componente A) e um
poliol (componente B), fornecida pela empresa Imperveg Comércio e Prestação de
Serviços Ltda; diferentes materiais inorgânicos tais como argilito e argila caulinítica
fornecidas pela empresa Minasolo S.A., bentonita sódica natural ARGEL 27
fornecida pela empresa Bentonita União Nordeste Ind. e Com. Ltda., pó de vidro de
granulometria 100 mesh (PV #100) fornecido pela da empresa Ematec, filito PDG e
filito branco fundente, ambos fornecidos pela empresa Mineração Itapeva, ulexita
anidra e ácido bórico, ambos fornecidos pela empresa Boro do Sul Ltda. e cal
hidratada comercial. Corpos de prova também foram confeccionados substituindo-se
a resina poliuretano vegetal (PUV) por resina Fenol-Uretânica PEP SET® da
empresa Ashland na proporção de 1,3% (conforme orientação do fabricante).
Diversas composições foram elaboradas visando à caracterização dos
moldes. Ênfase foi dada à determinação da: i) resistência à compressão a frio da
resina PUV, comparativamente a um sistema fenol-uretânico convencional, e ii)
resistência à compressão após tratamento térmico, para verificar a influência da
adição de diferentes componentes inorgânicos.
O desenvolvimento experimental utilizado para a determinação das
resistências à compressão a frio (moldagem) e após tratamento térmico pode ser
mais bem descrito separadamente.

i) Resistência Mecânica à Compressão a Frio

A partir dos valores de referência fornecidos pelo fabricante da resina


fenol-uretânica, foram confeccionados corpos de prova cilíndricos de 5,0 cm de
(4)
diâmetro por 5,0 cm de altura, segundo a NBR10611 , com adição de 1,5 e 3,0%
em massa de resina PU vegetal e também corpos com a resina fenol-uretânica,
ilustrados na Figura 1.
Vale lembrar que a quantidade de ligante utilizada afeta a qualidade e as
características da moldagem, sendo o seu valor relativo uma função da areia (tipo,
área específica dos grãos e grau de contaminação) (5).
A seqüência de incorporação da resina à areia foi realizada da seguinte
maneira:
 Adição e mistura do componente B à areia até completa
homogeneização;
 Adição e mistura do componente A à mistura areia+componente
B até completa homogeneização;

PU vegetal

Fenol-Uretânica PEP SET

Figura 1. – Corpos de prova após moldagem, utilizados no ensaio de resistência


mecânica à compressão.

ii) Resistência Mecânica à Compressão após Tratamento Térmico

Antes do ensaio para a determinação da resistência mecânica à


compressão após tratamento térmico, foram realizadas fusões em moldes
preparados de diferentes composições. Essas composições foram constituídas de
1,5% em massa de resina PU vegetal, baseada nos resultados obtidos de
resistência mecânica a frio após moldagem e cura, e diferentes teores (1,0 a 5,0%)
dos componentes inorgânicos. Inicialmente o material inorgânico foi adicionado e
homogeneizado à areia e na seqüência a mistura da resina foi realizada conforme
descrito anteriormente.
Após a moldagem e etapa de cura, foram realizadas fusões com dois
tipos de metais que possuem diferentes temperaturas de fusão e pressões
metalostática: ferro fundido GGG 40 e liga de alumínio 356.0. Estes experimentos
foram realizados no Laboratório de Fundição do Departamento de Engenharia de
Materiais da Universidade Federal de São Carlos – SP.
Por meio da observação visual dos moldes (colapsibilidade e coesão)
após a desmoldagem, e inspeção das peças fundidas, selecionou-se cinco
composições para o estudo de resistência à compressão após tratamento térmico.
Foram escolhidas três composições (C1 a C3) utilizadas na fusão do ferro fundido e
duas (C4 e C5) na fusão da liga de alumínio.
As composições escolhidas são mostradas a seguir:
 Composição 1: 98,0% areia+1% CaO+1% H3BO3 (C1)
 Composição 2: 95,0% areia+5% FB (C2)
 Composição 3: 95,0% areia+5% FPDG (C3)
 Composição 4: 98,5% areia+1,5% H3BO3 (C4)
 Composição 5: 95,0% areia+5,0% PV (C5)

Buscando-se simular o efeito da temperatura na formação de fase líquida


a partir dos componentes inorgânicos, usados como promotores da coesão dos
grãos de areia, foram realizados tratamentos térmicos em corpos de prova moldados
segundo a NBR10611. No caso das composições C1, C2 e C3 as temperaturas de
teste foram de 1400, 1500 e 1600°C. Foi utilizado um forno de fusão (sistema
elevador) Lindenberg Blue.
Os tratamentos foram realizados da seguinte maneira: os corpos de prova
eram colocados no forno já com o patamar na temperatura estabelecida e desejada,
onde permaneciam por quinze minutos. Decorrido este tempo, os mesmos eram
retirados rapidamente para resfriar até a temperatura ambiente. Posteriormente,
todos foram testados para verificação da resistência mecânica a compressão.
Para as composições C4 e C5 adoto-se o mesmo critério de preparação
de corpos de prova e teste de resistência mecânica; utilizaram-se temperaturas
entre 100 e 1200 °C para os tratamentos térmicos realizados em mufla EDG 3000.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

i) Resistência Mecânica à Compressão a Frio

A partir do ensaio de resistência mecânica à compressão a frio (Figura 2)


foi possível observar um comportamento semelhante entre os valores obtidos para a
composição com adição de 1,5% de PUV comparados aos valores obtidos para a
composição convencional com a resina fenol-uretânica, no teor sugerido pelo
fabricante. Devido a este fato, este teor de 1,5% foi o escolhido para confecção dos
moldes para fusão; além do desempenho satisfatório este fato é economicamente
interessante.
7,0

6,0

5,0
RMC (Mpa)

4,0

3,0

2,0

1,0

0,0
PUV1,5% PUV3,0% PS 1,3%

Figura 2. - Comparativo de RMC de composições com diferentes adições de resina


PU vegetal e resina PEP SET.

ii) Resistência Mecânica à Compressão após Tratamento Térmico

As Figuras 3 e 4 mostram o comportamento de RMC em função da


exposição do corpo de prova a diferentes temperaturas. Neste caso é possível
observar como a fase inorgânica contribuiu para a manutenção ou aumento da
resistência pela formação de uma rede entre os grãos de areia resultante do
surgimento de fase líquida promovida pelas altas temperaturas.

0,9

0,8

0,7

0,6
RMC (Mpa)

1,0% H3BO3/1,0%CaO - (C1)


0,5 5,0% FB - (C2)
5,0% FPDG - (C3)
0,4

0,3

0,2

0,1

0
1400 1500 1600
T (°C)

Figura 3. – Variação da RMC em função da temperatura de tratamento térmico para


as composições C1, C2 e C3.
3,5

3,0

2,5
RMC (Mpa)

2,0
1,5% H3BO3 - (C4)
5,0% PV #100 - (C5)
1,5

1,0

0,5

0,0

00

00

00
0

0
10

20

30

40

50

60

70

80

90

10

11

12
T (°C)

Figura 4. – Variação da RMC em função da temperatura de tratamento térmico para


as composições C4 e C5.

CONCLUSÕES

Para as condições experimentais utilizadas neste estudo pode-se concluir


que, com relação à resistência mecânica a frio, os moldes confeccionados com 1,5%
da resina PUV apresentaram valores próximos aos obtidos para a composição
convencional com 1,3% da resina PS, isto é, para aproximadamente a mesma
quantidade de resinas, não houve alteração significativa no desempenho mecânico.
A resistência mecânica após tratamento térmico aumenta quando a
temperatura de queima aumenta até temperaturas próximas às de fusão de ferrosos,
para composições que contém filito como formador de fase líquida (C2 e C3). A
composição constituída pela mistura de ácido bórico e óxido de cálcio (C1), apesar
de uma queda na resistência mecânica, em torno de 1500ºC, ainda possui
resistência superior a das demais.
A adição de ácido bórico (C4) na composição com resina vegetal (C5) confere
maior estabilidade de valores de resistência mecânica após tratamento térmico,
quando comparada a composição C5, com adição de pó de vidro, sendo mais
indicada para a fusão de metais não ferrosos.

AGRADECIMENTOS
Agradeço ao PPGCEM – UFSCar pela oportunidade e apoio para o desenvolvimento
deste trabalho.
REFERÊNCIAS
1. JUNIOR, T. R. Aspectos práticos do trabalho com aglomerantes à base de resina.
Fundição e Serviços, v. 47, p. 29 – 38, 1996

2. CASTRO, C. A. G. A produção de areia base para fundição e o meio ambiente:


Sibelco Mineração Ltda. In: Congresso de Fundição, São Paulo, 2001. Anais
ABIFA. São Paulo, 2001

3. METALURGIA & MATERIAIS. Preservação ambiental desafia criatividade e se


constitui em nova fonte de receita. Metalurgia & Materiais, v. 53, n. 467, jul. 1997,
p. 330-331

4. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Cavidade das caixas-de-


macho para confecção de corpos-de-prova para ensaios tecnológicos em
laboratórios de areias - Dimensões, NBR 10611. RJ, 1989.

5. MORELLI, G. L. Utilização do cimento de fosfato de magnésio como ligante


na produção de moldes de areia para fundição. 2005, 77p. Dissertação (Mestrado
em Ciência e Engenharia de Materiais), Universidade Federal de São Carlos, SP.

THE FOUNDRY INDUSTRY TOWARDS TO THE SUSTAINABILITY

ABSTRACT

The casting process faster, economical and conventional is the green sand molding,
where the main ligand is moist clay. However, due to technological requirements, are
also used toxic ligands as furan resin, phenolic resin or urethane resin. New
technologies have been developed to the recovery and blanketing the sands, but the
resins available today has the ecological limitation it’s chemical origin. Thus, the
replacement of these ligands by organic compounds derived from renewable sources
such as polyurethane resin derived from castor oil minimizes environmental impacts,
leading the casting process towards sustainability required by the tightening of
environmental legislation applied to industrial operations and high cost of disposal.

Keywords: casting, toxic, environmental problem, disposable, renewable.

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