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5327/Z1982-1247201300010003
Resumo
As funções executivas (FE) são funções mentais complexas, responsáveis pela autoregulação. Apesar do crescente interesse científico no estudo dessas
funções, ainda existem indefinições acerca do construto. Este artigo objetiva agregar evidências de pesquisas no campo da avaliação neuropsicológica
infantil. Trata-se de revisão sistemática de publicações indexadas nas bases de dados PsycINFO e PubMed, nos últimos cinco anos (2008–2013).
Foram identificados 25 artigos. Os resultados indicam aumento da produção científica sobre o tema nos três últimos anos. Os principais instrumentos
de avaliação das FE identificados foram o BRIEF, as escalas Wechsler e tarefas baseadas nos paradigmas Go/No-Go e Stroop. Observou-se relativo
consenso acerca da natureza multidimensional das FE. Contudo, permanecem divergências teóricas e metodológicas quanto à natureza e à quantidade
desses componentes.
Abstract
The executive functions (EF) are complex mental functions, responsible for autoregulation. Despite growing scientific interest in the study of these
functions, there are still uncertainties about the construct. This article aims to add evidence of research in the field of neuropsychological assessment
of children. This is a systematic review of publications indexed in the databases PsycINFO and PubMed in the last five years (2008–2013). Twenty-
five articles were identified. The results indicate an increase of scientific literature on the topic in the last three years. The main identified tools for
evaluating EF were BRIEF, Wechsler scales and tasks based on Go/No-Go and Stroop paradigms. A relative consensus about the multidimensional
nature of the EF was observed. However, theoretical and methodological differences remain as to the nature and amount of these components.
I
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Natal), Brasil
especialmente relevantes diante de situações novas mais complexas de atividade humana dirigida a metas.
ou demandas ambientais que exijam ajustamento, Já para Lezak, Howieson e Loring (2004), as FE são
adaptação ou flexibilidade, como, por exemplo, a conceitualizadas como capacidades que permitem
situação de aprendizagem escolar. alguém manter um comportamento de autoregulação
Anatomicamente, as FE possuem um sistema com êxito, de maneira independente e intencional.
neural distribuído, em que o córtex pré-frontal Por essa característica reguladora,
(CPF) — porção terciária do lobo frontal — frequentemente, os autores definem essas funções
desempenha um fundamental papel, mediando pela analogia do “diretor executivo” ou “maestro” do
diferentes aspectos envolvidos no funcionamento funcionamento da atividade mental humana. Essas
executivo. Cabe salientar que, apesar do papel definições consideram que a interconectividade única
privilegiado do CPF na mediação das FE, é mais do CPF permite a coordenação e a integração de
apropriado afirmar que tais funções são resultado da todas as outras estruturas cerebrais, o que assemelha
atividade de diferentes circuitos neurais, sendo, no o funcionamento das FE ao trabalho de um regente
entanto, necessária a participação do cérebro na sua de orquestra. As estruturas coordenadas continuariam
totalidade para um eficaz funcionamento das mesmas existindo na ausência do regente, porém atuariam de
(Pires, 2010). modo descoordenado e menos eficiente (o que ocorre
O CPF apresenta níveis de especialização nos casos de lesão ou disfunção) (Goldberg, 2002).
funcional, o que significa que cada um de seus Duas décadas mais tarde, Lezak et al.
sistemas neurais está envolvido com aspectos (2004) propõem um modelo explicativo para as
cognitivos e comportamentais específicos. Seriam FE baseado em quatro componentes: volição,
cinco os circuitos frontais subcorticais paralelos, e três planejamento, comportamento premeditado e
destes estariam envolvidos no desempenho das FE: o desempenho efetivo. Volição (ou vontade) refere-se
circuito dorsolateral, lateral orbitofrontal e o cíngulo à capacidade de envolver-se em um comportamento
anterior (Fuentes et al., 2008). intencional e requer a capacidade de formular um
O CPF é a última porção cerebral a atingir objetivo. O planejamento envolve a identificação
o ápice maturacional, considerando-se tanto a e a organização dos passos necessários para este
evolução da espécie (filogênese) quanto o curso fim. Tal processo envolve a capacidade de iniciar
desenvolvimental individual (ontogênese) (Goldberg, e manter comportamentos, inclusive alterando seu
2002; Luria, 1981). Esse desenvolvimento tardio curso (flexibilidade cognitiva) ou interrompendo
aponta para a complexidade das atividades seu sequenciamento (controle inibitório). O
funcionais desempenhadas pelo lobo frontal, apenas comportamento premeditado, por sua vez, seria a
minimamente desenvolvidas em animais primatas e, tradução de um plano de atividade, ou melhor, um
portanto, característica predominantemente humana conjunto de sequências comportamentais complexas.
(Coolidge & Wynn, 2001). O desempenho efetivo seria a constante avaliação de
Em virtude do desenvolvimento significativo todas as operações citadas, de modo a garantir um
dessas funções apenas em humanos, o lobo frontal é sistema de automonitoramento.
considerado o “órgão da civilização” (Goldberg, 2002). Outros modelos teóricos decompõem as FE
Luria (1981) acrescenta que, além de ser a estrutura em dois grandes grupos: as funções executivas “frias”
cerebral de formação mais recente, a porção frontal e “quentes”. O primeiro grupo é caracterizado pelo
do cérebro também é considerada a estrutura “menos envolvimento de componentes lógicos e abstratos
organizada” do córtex cerebral. Isso significa que é a relacionados à região pré-frontal dorsolateral
porção menos diferenciada, cujas zonas individuais (planejamento e resolução de problemas, memória
são mais capazes de substituições recíprocas. operacional, atenção, flexibilidade cognitiva, abstração e
julgamento). Já as funções executivas quentes estão
Conceitos e Modelos Teóricos estruturalmente ligadas aos circuitos orbitofrontais e
possuem relações com os aspectos emocionais,
Luria (1981) considera as FE como funções motivacionais e interpretativos dos quadros
psíquicas superiores que exercem um importante de alterações abruptas da personalidade, como
papel na regulação da vigília e no controle das formas dificuldades de inibir comportamentos impróprios e
impulsivos e considerar consequências de longo prazo etapas desenvolvimentais podem ser compreendidas e
(Malloy-Diniz et al., 2010). previstas por meio da analise da maturação de seus
componentes.
Desenvolvimento das Funções Executivas Por exemplo, os processos cognitivos inibitórios
desenvolvem-se rapidamente entre um e seis anos de
No intercurso de seu desenvolvimento, as idade. Já o pensamento flexível é mais bem observado
crianças tornam-se capazes de controlar suas ações e por volta dos quatro anos, ocorrendo um posterior
pensamentos e direcioná-los a um objetivo. Esse grau desenvolvimento dessa habilidade entre os seis e
de maturação cerebral inicia-se nos primeiros anos de os dez anos de idade (Natale, 2007). Ainda segundo
vida, razão pela qual esse período é particularmente Natale (2007), entre quatro e cinco anos, as crianças
importante para a compreensão do desenvolvimento apresentam uma relativa melhora no desempenho
das FE (Espy, Sheffield, Wiebe, Clark & Moehr, de tarefas de planejamento e flexibilidade cognitiva,
2011; Huizinga, Dolan & Van Der Molen, 2006). como na tarefa da Torre de Hanói e em tarefas de
Como explicitado anteriormente, o CPF é a fluência verbal semântica.
região cerebral mais intimamente relacionada às FE.
A mielinização das conexões pré-frontais desenvolve- Avaliação Neuropsicológica do Funcionamento
se de forma gradual durante a infância e a adolescência. Executivo
Esse processo é um marco desenvolvimental, pois
a mielinização permite uma transmissão mais No contexto da avaliação neuropsicológica
rápida e eficaz dos impulsos nervosos, resultando pediátrica de FE, a maioria dos instrumentos são
na melhoria do processamento de informação e, adaptações ou aplicações de medidas inicialmente
consequentemente, ampliando a integração entre desenvolvidas para adultos (Natale, Teodoro, Barreto
processos cognitivos (Pinto, 2008). & Haase, 2008). Quando instrumentos construídos
As diferentes habilidades executivas e suas para adultos são aplicados em crianças em idade
respectivas trajetórias de desenvolvimento têm início escolar, os resultados devem considerar a diferença
na infância, continuam na adolescência, chegando qualitativa de habilidades linguísticas, motoras e
até a idade adulta. Esse processo maturacional é atencionais entre ambos, necessárias para alcançar
descrito por uma parábola, comumente representada o sucesso em tais tarefas. O “fracasso” das crianças
por uma curva de desenvolvimento no formato de U nesses tipos de tarefa, historicamente, tem sido visto
invertido (∩), também observada em outros processos como evidência da inexistência de FE nos primeiros
cognitivos básicos, como velocidade de processamento anos de vida (Hughes & Graham, 2002).
e memória de curto prazo (Natale, 2007; Tonietto, Na verdade, a falta de medidas adequadas
Wagner, Trentini, Sperb & Parente, 2011). em termos desenvolvimentais tem dificultado a
As FE desenvolvem-se intensamente entre os seis e avaliação clínica das FE em crianças até recentemente.
oito anos, atingindo seu ápice de maturação neurológica Por essa razão, a última década foi marcada pelo
por volta dos 20 anos de idade (Fuentes et al., 2008; desenvolvimento de testes destinados a avaliar o
Papazian, Alfonso & Luzondo 2006). Esse prolongado funcionamento executivo em populações pediátricas
processo de amadurecimento permite que a interação (Pires, 2010). Atualmente, a compreensão da
da criança com o seu meio molde as redes neuronais complexidade das FE e seus subdomínios admite
que sustentam o funcionamento executivo. uma avaliação integrativa de múltiplos instrumentos
O comportamento típico de crianças ou tarefas que podem estar agrupados em uma bateria
nos primeiros anos de vida é caracterizado por traços fixa ou em tarefas flexíveis e adaptadas.
de impulsividade, pensamento concreto (lócus de Dentre as mais conhecidas ferramentas
controle externo) e facilmente guiado por estímulos específicas para avaliação de componentes executivos,
(Tonietto et al., 2011). Progressivamente, as crianças podem ser citados o Teste Wisconsin de Classificação
tornam-se capazes de avaliar múltiplos aspectos de de Cartas, o Teste Stroop, o Teste Hayling, o Teste das
um problema, detectar possíveis erros na execução Trilhas, os Testes das Torres (Torre de Londres, Torre de
dessas ações e corrigi-los, mantendo um planejamento Hanói e Torre de Toronto) e o Teste de Fluência Verbal
inicial dirigido ao futuro e adiando gratificações. Essas e seus variantes. Afora esses instrumentos, a avaliação
pesquisadores sob três de seus componentes: atenção disponíveis para o processamento enquanto outros se
alternada, muitas vezes considerada como sinônimo mantêm “suspensos”. A habilidade de selecionar
de alternância (shifting), atenção seletiva e atenção somente as informações relevantes para execução de
concentrada. Um dos parâmetros tradicionalmente uma tarefa, ignorando outros elementos irrelevantes,
associados à atenção é a seleção de partes dos estímulos é imprescindível ao funcionamento adaptativo e
orientado a um propósito; por essa razão, a seletividade das pesquisas identificadas, principalmente na
da atenção está intimamente relacionada ao controle avaliação de pré-escolares (Tabela 3).
inibitório, e, junto à flexibilidade cognitiva, é Dentre as baterias mais utilizadas, destacam-se
considerada componente-chave das FE. as escalas Wechsler [WISC/WAIS/WIAT e WPPSI]
(52%), as tarefas do paradigma Stroop e Go/No-Go
Instrumentos de Avaliação: Especificidades e (36 e 16%, respectivamente) e o Behavior Rating
Variações de Protocolos Inventory of Executive Functions (BRIEF) (28%).
O Teste Wisconsin de Classificação de Cartas
Esse modelo triplo de avaliação do (WCST), considerado o padrão-ouro para a avaliação
funcionamento executivo (Controle Inibitório, das FE, não foi utilizado por nenhuma das pesquisas
Atenção Seletiva e Memória Operacional) corrobora em questão.
evidências da neuroimagem, da neurofisiologia e
da neuropsicologia, as quais sugerem a existência
de diferentes processos cognitivos envolvidos nas
FE e relacionados a diferentes regiões corticais
e subcorticais do cérebro (Joanette et al., 2008; Tabela 3 - Instrumentos construídos pelos autores
Tonietto et al., 2011). Antisaccade
Esses achados apontam para a inexistência de Attentional Flexibility Task
uma função executiva unitária e refletem diretamente
Barnes KNOW-IT
no modelo de avalição neuropsicológica adotada pelo
pesquisador. Essa perspectiva teórica admite que as Bear-Alligator
FE envolvem uma ampla gama de funções cognitivas Cancel Underline (CUL)
impossíveis de serem avaliadas por uma única prova Category switch
neuropsicológica. Por isso, adota protocolos de Color-shape
avaliação amplos e flexíveis, pois consideram que vários
Counting and Labeling
componentes executivos estariam implicados em
atividades rotineiras e poderiam ser observados D2 Test of Attention
separadamente em situações experimentais (Hamdan ETS
& Pereira, 2002). Keep track
Os estudos empíricos sujeitos desta pesquisa Letter memory
utilizaram uma ampla variedade de baterias
Listening Recall Memory
formais e tarefas flexíveis desenhadas para avaliar
componentes específicos das FE, como as tarefas Mr. X
do paradigma Go/No-Go e Stroop. A diversidade Number-letter
de instrumentos utilizados pode ser atribuída aos Peg Tapping Task
múltiplos componentes das FE investigados nas Pictorial Updating
pesquisas; também é reflexo da falta de concordância
metodológica desta temática e das diferentes correntes Rapid Automatized Naming (RAN)
teóricas existentes no estudo das FE. Reverse Categorization
Observa-se a preferência da maioria Ring puzzle
dos estudos revisados (56%) em avaliar o Set-Shifting Task
funcionamento executivo infantil por meio da
Simon-Like Spatial Conflict Task
união entre dados advindos de baterias formais
de avaliação e tarefas construídas para avaliação de Something’s the Same (STS)
componentes específicos. Todos os instrumentos Spatial 2-back
formais de mensuração das FE utilizados nos Spatial Span
artigos identificados estão elencados na Tabela 2. Spin the Pots
Além desses instrumentos, outras 28 tarefas
Task Orientation
de avaliação de subcomponentes das FE foram
criadas especialmente para os objetivos de algumas Walk-A-Line Slowly Task
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