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Funções executivas e dificuldades de aprendizagem em Crianças com

Paralisia Cerebral: A importância da avaliação e intervenção


Neuropsicopedagógica

Kelly Belai de Assis 1*; Ana Karina Fazza2


1
Acadêmico do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Neuropsicopedagogia Clínica da Faculdade
Censupeg 1; 2Professora Orientadora dos Cursos de Neuropsicopedagogia da Faculdade Censupeg 2.
*kebelai@gmail.com

Resumo
O objetivo deste artigo é fazer uma revisão sistemática de literatura a fim de analisar
produções científicas nacionais e internacionais que abordam as funções executivas
(FE) em crianças com Paralisia Cerebral bem como levantar a problemática no processo
de avaliação e intervenção dessas crianças em suas dificuldades ou transtornos de
aprendizagem. O método consiste num levantamento de artigos publicados na
Biblioteca Virtual em Saúde, PUBMED, SciELO e PePSIC. Resultados indicaram que
os estudos selecionados não avaliam as FE da mesma forma. Alguns avaliam as FE
como um componente global, o qual demonstra pouca diferença comparando os alunos
com PC dos neurotípicos, outros avaliam os componentes principais das FE, que são o
Controle Inibitório, a Flexibilidade Cognitiva e a Memória de Trabalho (MT). É
possível concluir que o estudo das FE em crianças com PC está em pleno
desenvolvimento, visto que a maioria dos estudos focam em reabilitação motora. Nos
últimos 5 anos, o interesse nesta temática aumentou, expresso pelo aumento no número
de estudos publicados. Porém, há escassez de estudos no Brasil e ainda muito que se
conhecer, principalmente sobre a importância da intervenção Neuropsicopedagógica
envolvendo as FE, transtornos e dificuldades de aprendizagem em crianças com PC.

Palavras-chave: Paralisia Cerebral, Funções Executivas, Avaliação cognitiva,


Transtornos de aprendizagem.

Abstract
The objective of this article is to carry out a systematic review of the literature in order
to analyze national and international scientific productions that address executive
functions (EF) in children with Cerebral Palsy as well as to raise the problem in the
process of evaluation and intervention of these children in their difficulties or learning
disorders. The method consists of a survey of articles published in the Virtual Health
1

2
Library, PUBMED, SciELO and PePSIC. Results indicated that the selected studies do
not assess EF in the same way. Some evaluate EF as a global component, which shows
little difference comparing students with CP to neurotypical ones, others evaluate the
main components of EF, which are Inhibitory Control, Cognitive Flexibility and
Working Memory (TM). It is possible to conclude that the study of EF in children with
CP is in full development, since most studies focus on motor rehabilitation. In the last 5
years, interest in this topic has increased, expressed by the increase in the number of
published studies. However, there is a scarcity of studies in Brazil and much remains to
be known, especially about the importance of Neuropsychopedagogical intervention
involving EF, disorders and learning difficulties in children with CP.

Keywords: Cerebral Palsy, Executive Functions, Cognitive Assessment, Learning


Disorders.

1. Introdução

A Neuropsicopedagogia é uma ciência transdisciplinar, fundamentada nos


conhecimentos das Neurociências aplicada à educação, com interfaces da Pedagogia
e Psicologia Cognitiva que tem como objeto formal de estudo a relação entre o
funcionamento do sistema nervoso e a aprendizagem humana numa perspectiva de
reintegração pessoal, social e educacional.1
A Neuropsicopedagogia estuda a relação entre o sistema nervoso e a
aprendizagem humana, as áreas do cérebro e em como cada área atua no
desenvolvimento da aprendizagem humana, sem dúvidas, pode gerar contribuições
significativas na aprendizagem de crianças com PC.
A Paralisia Cerebral (PC) descreve um grupo de desordens permanentes do
desenvolvimento do movimento e da postura, causando limitações nas atividades,
que são decorrentes de distúrbios não-progressivos ocorridos durante o
desenvolvimento fetal ou no cérebro infantil imaturo. As alterações motoras da PC
são frequentemente acompanhadas por distúrbios de sensação, percepção, cognição,
comunicação, comportamento, epilepsia e problemas osteomusculares secundários
(ROSENBAUM, 2007).

Esta doença possui uma prevalência de 2 a 2,5% a cada 1.000 nascimentos e pode
ocorrer devido a fatores pré, peri ou pós-natais9. Entre as causas pré-natais
encontram-se as infecções intra-uterinas, mal formações cerebrais, anomalias
genéticas e teratógenos10. Os fatores peri-natais são prematuridade, encefalopatia
hipóxico-isquêmica, infecções do SNC, distúrbios metabólicos transitórios e
hemorragias intracranianas. Entre os fatores pós-natais destacam-se as infecções, o
traumatismo cranioencefálico, a desidratação grave e a parada cardiorrespiratória. A
afecção em estudo afeta entre duas e três crianças por 1000 nascidos vivos, e se
constitui a causa mais comum da deficiência física na infância (Vigilância da
Paralisia Cerebral na Europa, 2000).
A classificação da PC pode ser realizada de acordo com a região acometida no
cérebro, segundo o seu grau de comprometimento, pela distribuição topográfica da
lesão e pelas aquisições da função motora grossa (GRAHAM, 2005) 9.
Poucos estudos abordam a capacidade cognitiva e avaliação das funções
executivas em crianças com PC, por isso, a importância do olhar
neuropsicopedagógico diante dessa pesquisa a fim de contribuir com visão das
potencialidades de aprendizagem e consequentemente qualidade de vida dessas
crianças.
Se faz necessário ampliar pesquisas sobre PC não se resumindo apenas nos
déficits motores presentes na condição, visto que a Paralisia Cerebral é uma
encefalopatia não evolutiva da infância e a partir da avaliação Neuropsicopedagógica
é possível criar um plano de intervenção, para ensino de habilidades
neuropsicomotoras: vias motoras, sensitivas, sensoriais, de linguagem, raciocínio e
memória dos sistemas nervoso central e periférico e através destas intervenções é
possível promover melhorias transcendentes na aprendizagem dessas crianças que de
acordo com os estudos na maioria dos casos estão preservadas as capacidades
cognitivas, comunicação, socialização e linguagem receptiva.

2. Metodologia

A pesquisa bibliográfica foi realizada na base de dados PubMed para o período de


2003 a 2022, complementada com SciELO e PePSIC. Os termos de pesquisa foram:
Paralisia Cerebral, Funções Executivas, avaliação cognitiva, transtornos de
aprendizagem.

N Ação realizada (coleta de dados, Como foi realizado (grupo Cronologia


º leitura, organização das informações) de pessoas envolvidas, (quanto tempo foi
detalhamento da ação) dedicado para
cada ação)
01 Pesquisa de Artigos Científicos Busca em base de dados 2 meses

02 Leitura e tradução de Artigos Utilização do software 2 meses


Científico Deepl tradutor e Google
Acadêmico
03 Escrita do Artigo Científico Modelo da Faculdade 2 meses
Censupeg.

2.1. Procedimentos

O método consiste num levantamento de artigos publicados na Biblioteca Virtual em


Saúde, PUBMED, SciELO e PePSIC. O termo de busca Paralisia Cerebral foi
encontrado em 21,734 artigos no período de 2003 até 2022, foram selecionados somente
artigos relacionados as FE e dificuldades de aprendizagem em crianças com Paralisia
Cerebral como também fundamentação teórica com base na leitura do código de ética
da Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia - SBNPP Conselho Técnico -
Profissional Nota Técnica Nº 02/2017 e Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

3. Revisão de Literatura, discussão e resultados

A presente pesquisa justifica-se pela contribuição para pesquisadores e profissionais


que trabalham com crianças com Paralisia Cerebral no âmbito clínico, visando
conhecimento técnicos científicos, a fim de, contribuir com uma melhora nas FE e nas
possíveis dificuldades ou transtornos de aprendizagem dessas crianças.
Os alunos com paralisia cerebral mostraram poucas limitações nas tarefas cognitivo-
comportamentais. O estudo indica dois importantes aspectos a serem estruturados: a
necessidade de programas de capacitação para professores e o planejamento de
intervenção para as crianças com paralisia cerebral por uma equipe multiprofissional
com o objetivo de melhorar a participação escolar desse aluno com problemas motores
importantes (SILVA, 2007) 3.
Um estudo sobre o desenvolvimento de habilidades de memória de sequência que
são definidas como uma mistura de competências implícitas e explícitas cruciais para a
aquisição e consolidação da maioria das habilidades adaptativas ao longo da vida em
um grupo de participantes com Paralisia Cerebral Bilateral Espástica (PC) e seus
controles pareados desenvolvimento típico (DT). Concluiu que as habilidades de
memória de trabalho em crianças com Paralisia Cerebral (PC) são independentes da
idade como em crianças com desenvolvimento normal4.
Outro estudo que abordou memória operacional em crianças com PC obteve
resultado discutido à luz de um comprometimento específico da memória implícita e do
desenvolvimento anormal da substância branca, conexões frontoestriatais e parietais. E
mesmo crianças com paralisia cerebral bem-sucedidas nas sequências de aprendizagem
foram menos precisas do que seus controles em desenvolvimento normal e precisavam
de mais tentativas para aprender, mas sem diferenças significativas quanto ao tipo de
erro. Ao avaliar processos de memória e principalmente aprendizagem implícita ou
incidental pode ser um pré-requisito funcional chave para prever a eficácia dos
programas de reabilitação, destacando a relevância de um equilíbrio entre modalidades
conscientes/inconscientes, que por sua vez dependem de circuitos neuro anatômicos
diferentes, mas não totalmente independentes 5.
Crianças com distúrbio de aprendizagem por comprometimento anterior no
desenvolvimento da linguagem apresentam a relação desenvolvimento/aprendizagem
comprometida desde os primeiros anos de vida. Como a criança com PC apresenta,
geralmente, em seu histórico, atraso no desenvolvimento da fala e linguagem,
comumente, o distúrbio de aprendizagem está presente, secundário ao quadro de
paralisia cerebral7.
A ocorrência de limitações no processamento fonológico ou lingüístico pode
desencadear problemas de leitura e escrita. As possibilidades de manifestações deste
processo podem causar: alteração no desenvolvimento do processo de leitura e escrita;
alteração na segmentação fonêmica; dificuldade na elaboração de especificações
fonológicas na memória a curto prazo, durante o processo de aquisição lexical
(vocabulário); alteração na discriminação e diferenciação entre palavras e sentenças e
déficits de memória fonológica a curto prazo8.

Com base no DSM- V o profissional da Neuropsicopedagogia clínica “trabalhará na


especificidade do indivíduo e seu espaço de atuação pode ser: Atendimentos
individuais, como em Consultório Particular ou Clínicas, Postos de Saúde e Centros de
Referência de Atendimento Social” 1.Busca agir em cada contexto da atuação,
conhecendo o uso correto dos objetivos de avaliações levando em conta as
características dos pacientes como: Idade, nível educacional, nível sociocultural, entre
outras possíveis limitações que dificultem ou impeçam a realização dos testes.

Entende-se que sua atuação na área clínica deve contemplar: Avaliação,


intervenção e acompanhamento do indivíduo com dificuldades de
aprendizagem, transtornos, síndromes ou altas habilidades que causam
prejuízos na aprendizagem escolar e social Utilização de protocolos e
instrumentos de avaliação e intervenção devidamente validados e abertos para
uso da Neuropsicopedagogia. Elaboração de Relatório de Avaliação
Neuropsicopedagógica Clínica, bem como participação em relatórios de
avaliação multiprofissional. Encaminhamento a outros profissionais quando o
caso for de outra área de atuação/especialização 1.
Transtorno Específico da Aprendizagem

Critérios Diagnósticos

A. Dificuldades na aprendizagem e no uso de habilidades acadêmicas, conforme


indicado pela presença de ao menos um dos sintomas a seguir que tenha persistido por
pelo menos 6 meses, apesar da provisão de intervenções dirigidas a essas dificuldades:

1. Leitura de palavras de forma imprecisa ou lenta e com esforço (p. ex., lê palavras
isoladas em voz alta, de forma incorreta ou lenta e hesitante, frequentemente adivinha
palavras, tem dificuldade de soletrá-las).
2. Dificuldade para compreender o sentido do que é lido (p. ex., pode ler o texto com
precisão, mas não compreende a sequência, as relações, as inferências ou os sentidos
mais profundos do que é lido).
3. Dificuldades para ortografar (ou escrever ortograficamente) (p. ex., pode
adicionar, omitir ou substituir vogais e consoantes).
4. Dificuldades com a expressão escrita (p. ex., comete múltiplos erros de gramática
ou pontuação nas frases; emprega organização inadequada de parágrafos; expressão
escrita das ideias sem clareza).
5. Dificuldades para dominar o senso numérico, fatos numéricos ou cálculo (p. ex.,
entende números, sua magnitude e relações de forma insatisfatória; conta com os dedos
para adicionar números de um dígito em vez de lembrar o fato aritmético, como fazem
os colegas; perde-se no meio de cálculos aritméticos e pode trocar as operações).
6. Dificuldades no raciocínio (p. ex., tem grave dificuldade em aplicar conceitos,
fatos ou operações matemáticas para solucionar problemas quantitativos).

B. As habilidades acadêmicas afetadas estão substancial e quantitativamente abaixo


do esperado para a idade cronológica do indivíduo, causando interferência significativa
no desempenho acadêmico ou profissional ou nas atividades cotidianas, confirmada por
meio de medidas de desempenho padronizadas administradas individualmente e por
avaliação clínica abrangente 11.

Nas últimas décadas do século XX e continuando até o início do século XXI, tem
havido um número crescente de estudos sobre o tema das dificuldades matemáticas (por
exemplo, Dehaene, Piazza, Pinel, & Cohen, 2003; Geary, Brown , & Samaranayake,
1991; Russel & Ginsburg, 1984; Siegler, 1988).Essas décadas também viram esforços
colaborativos crescentes por parte de pesquisadores nas áreas de educação,
neuropsicologia e neurociência cognitiva com o objetivo de aumentar nossa
compreensão das dificuldades de aprendizagem (matemáticas) relacionando essas
dificuldades a processos cognitivos subjacentes e mecanismos cerebrais (por exemplo, ,
de Jong et al., 2009)12.
Dificuldades de aprendizagem matemática muitas vezes co-ocorrem com
dificuldades de leitura (Dirks, Spyer, van Lieshout, & De Sonneville, 2008). Alloway e
Alloway (2010) descobriram que, embora o QI fosse preditivo do desenvolvimento
tanto da alfabetização quanto da matemática, a MT era um preditor independente dessas
habilidades.
Déficits de FEs têm sido associados à dislexia (Helland & Asbjornsen, 2000). Uma
compreensão de quais correlatos cognitivos são comuns a dificuldades de matemática e
leitura e quais são preditivos de dificuldade em apenas uma área pode contribuir para a
identificação precoce de dificuldades específicas de aprendizagem, possibilitando a
intervenção precoce12.
Tanto a atenção espacial quanto a representação cognitiva de números, que seriam
ativadas durante a computação mental, são mediadas por áreas cerebrais sobrepostas (ou
seja, o sulco intraparietal;Dehaene et al., 2003).
Conforme pesquisa pontuações baixas e desempenho ruim em um teste de
desempenho em matemática podem refletir comprometimento cognitivo na mesma área
do cérebro.
Além disso, a atenção espacial também tem sido implicada na habilidade de leitura
(Facoetti, Paganoni,Turatto, Marzola, & Mascetti, 2000).
Explorar a natureza e a origem das dificuldades de aprendizagem em uma população
específica de pacientes em comparação com crianças com desenvolvimento típico pode
aumentar a compreensão teórica, esclarecer implicações práticas e fornecer caminhos
potenciais para intervenção na população específica de pacientes, bem como em
crianças em geral.
A presença de PC pode ser vista como uma 'bandeira vermelha' indicando uma maior
probabilidade de déficits de WM e/ou EF que, quando presentes, podem levar a
problemas de matemática e/ou leitura. No entanto, déficits de MT e FE certamente não
são exclusivos de crianças com PC. Nos resultados da revisão implicam que é a
presença desses déficits cognitivos subjacentes, e não a própria PC, que contribui para o
desenvolvimento de problemas de aprendizagem de matemática e/ou leitura 12.
Déficits cognitivos e motores combinados também podem expor constantemente a
criança com PC, mesmo aquelas com déficits sutis, a condições de dupla tarefa
(Portanto, deve-se evitar considerar uma relação simplista entre as lesões cerebrais
perinatais causais e os déficits cognitivos observáveis subsequentes. A interação é
provavelmente muito mais complexa e mediada por inúmeras vias 14.
Espera-se que crianças com PC unilateral (UCP), na maioria das vezes (mas nem
sempre) relacionadas a lesões cerebrais vasculares perinatais focais unilaterais em
recém-nascidos a termo, demonstrem melhores capacidades de plasticidade cerebral, o
que pode eventualmente amortecer as consequências do insulto cerebral, em
comparação com crianças com lesões bilaterais responsáveis por PC espástica bilateral
15-16
.

Exemplo de uma criança de 9 anos com Paralisia Cerebral discinética por *kernicterus. A RM ponderada em T2
mostra a lesões bilaterais características hiperintensas em T2 no globo pallidus (setas) 15-16.

*kernicterus é um tipo de dano cerebral que pode acontecer


nos recém-nascidos quando a icterícia neonatal não é tratada
corretamente, surgindo como consequência dos elevados níveis
de bilirrubina no sangue do bebê e causando complicações, como
paralisia cerebral e/ ou perda da audição, por exemplo 22.

Na DCP, (Paralisia Cerebral discinética) a carga da lesão e a conectividade da


substância branca estão associadas às funções motoras e cognitivas de uma maneira
específica da região13.
Todos os domínios e funções, memória, linguagem, recursos executivos e
atencionais, habilidades de percepção visual e visuoconstrutiva, podem ser afetados em
várias combinações em crianças com PC, resultando em perfis heterogêneos13.
Na DCP, relacionada à lesão profunda da substância cinzenta, a inteligência pode ser
surpreendentemente bem preservada em aproximadamente metade das crianças, mas seu
nível é frequentemente subestimado devido à comunicação e ao comprometimento
motor fino, portanto, avaliar adequadamente as habilidades cognitivas é difícil, porém
necessário 17.
A paralisia cerebral está frequentemente associada a disfunções cognitivas que levam
a dificuldades de aprendizagem ao longo da infância e adolescência e afeta diretamente
a qualidade de vida, a participação e posterior integração socioprofissional 13.
No entanto, a maioria das crianças com PC ainda apresenta melhor desempenho em
tarefas verbais do que não verbais. Terceiro, a maioria dos pacientes com PC, mesmo
em grau menor, apresenta déficits leves a moderados nas funções visuoespaciais,
atenção e/ou funções executivas. Esses problemas dizem respeito ao desempenho
acadêmico e à participação social cotidiana, principalmente quando as crianças
frequentam escolas regulares 13.
Temos poucos dados sobre o desempenho educacional nessa população. Em muitas
crianças, as habilidades acadêmicas são apenas rudimentares, mas algumas crianças
podem atingir pontuações normais de leitura e enumeração 20.
A avaliação da prontidão escolar no momento do ingresso na escola, incluindo
habilidades motoras finas, conhecimento de letras e competências numéricas iniciais, é
altamente recomendada, desde que os pais, os principais cuidadores, sejam informados
de que, além da deficiência motora "mais visível", problemas de aprendizagem podem
aparecer durante a escola primária. Nas séries primárias, atenção especial deve ser dada
às habilidades de caligrafia, conhecimentos básicos de aritmética e habilidades de
decodificação. Além disso, devem ser buscados elementos a favor dos déficits de
atenção e executivos. A avaliação Neuropsicopedagógica deve ser oferecida quando
surgem questões educacionais e, idealmente, deve ser precedida por várias entrevistas
com os pais e professores para capturar o contexto familiar e escolar pessoal. O objetivo
é oferecer orientação precoce a pais e professores, que na maioria das vezes estão
despreparados e intrigados com crianças com PC nas escolas regulares 13.
Intervenções cognitivas destinadas a melhorar as funções executivas e promover a
autonomia também são atualmente em estudo e são perspectivas promissoras 18-19.
Com possibilidades de novas perspectivas para esses crianças, promovendo a
participação social e a aprendizagem 13.
Embora a classificação atual da PC ainda seja "motora orientada" (ou seja, o déficit
motor principal e sua topografia explicam o tipo de PC), no cenário clínico, as
chamadas comorbidades não motoras muitas vezes respondem por uma parte
substancial da incapacidade e limitação funcional experimentada pelo paciente, ao invés
do componente motor 21. Essa observação ainda levou alguns autores a reconsiderar o
termo guarda-chuva CP, que tende a restringir excessivamente a deficiência à sua fração
motora 21.
A consciência e o reconhecimento destes problemas associados, por vezes
“escondidos”, aumentaram entre os profissionais e devem agora traduzir-se na prática
clínica. Além da avaliação neuro-ortopédica tradicional, os profissionais que trabalham
com indivíduos com PC devem indagar sistematicamente sobre deficiências não
motoras que merecem avaliação, investigação, orientação e gerenciamento adequados.

4. Conclusões

É possível concluir que o estudo das FE em crianças com PC está em pleno


desenvolvimento, visto que a maioria dos estudos focam em reabilitação motora. Nos
últimos 5 anos, o interesse nesta temática aumentou, expresso pelo aumento no número
de estudos publicados. Porém, há escassez de estudos no Brasil e ainda muito que se
conhecer, principalmente sobre o efeito da avaliação e intervenção
Neuropsicopedagógica envolvendo as FE, transtornos e dificuldades de aprendizagens
em crianças com PC. Notavelmente poucos estudos investigaram a natureza e a origem
das dificuldades de aprendizagem em crianças com paralisia cerebral (PC).
A avaliação e intervenção Neuropsicopedagógica como ciência transdisciplinar,
fundamentada nos conhecimentos das Neurociências aplicada à educação atua com
expertise sobre o funcionamento do cérebro avaliando e intervindo nos possíveis
transtornos e dificuldades de aprendizagem com objetivo de promover
Neuroplasticidade. Ressaltando a importância de conhecimentos com base científica dos
mecanismos e das estruturas cerebrais visando proporcionar assim, melhor compreensão
e concomitantemente contribuição com a qualidade de vida de crianças com PC.

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