Você está na página 1de 386

O r d e m dos A d v o g a d o s d o Brasil

Da R e d e m o c r a t i z a ç ã o a o E s tad o D e m o c r á t ic o de Direito ( 1 9 4 6 - 1 9 8 8 )

R ubens A p p ro b a to M achado
(V \0 2 .2 0 0 1 a 3 1 .0 1 .2 0 0 4 )

R o b e rto A n to n io Busato
( d e s d e 0 2 .2 0 0 4 )

Presidentes da OAB

H erm a n n A ssis Baeta


C o o rd e n a d o r

Marly Silva da M otta


A n d r é Vianna D antas T#
A utores-P esquisadores
________ H i s t ó r i a da
O r d e m dos A d v o g a d o s d o Brasil
Da R e d e m o c r a t i z a ç ã o ao Est ad o D e m o c r á t i c o de D i r e i t o ( 1 9 4 6 - 1 9 8 8 )
H is tó ria d a O r d e m d o s A d v o g a d o s d o Brasil:

D a R e d e m o c ra tiz a ç ã o a o Estado D e m o c r á tic o d e D ir e it o ( / 9 4 6 -1 9 8 6 )


C o p y rig h t Q 2 0 0 6 , O A B - O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B ra sil
C o n s e lh o F e d e ra l d a OAB

S/A5 Q u a d ra 5 B lo c o M L o te / E d ifíc io Sede da O A B


7 0 0 7 0 - 9 3 9 Brasília D F

Todos os d ire ito s reservados. A re p r o d u ç ã o n ã o -a u to riz a d a desta p u b lic a ç ã o ,


n o to d o o u e m p a rte , c o n s titu i v io la ç ã o d e d ire ito s a u to ra is. (Lei n ° 5 .9 8 8 )

V E d iç ã o • 2 0 0 6

C o n s e lh o C o n s u lt iv o

Rubens A pp rob ate M ach ad o - ex-Presidente da O A B / CF

Ivan A lk im in - Presidente d o lAB


H erm ann Assis Baeta - C oordenador - Projeto H istó ria da O AB
José G eraldo de Sousa Júnior - Advogado
A nna M aria B ia nch ini Baeta - Pedagoga

Projeto gráfico, capa e diagram ação;


Studio Creamcrackers

Cip-brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional Dos Editores De Livros, Rj.

M 875h Motta, M a rly Silva da


História da O rdem dos Advogados do Brasil, v .5 : da
redemocratização ao estado democrático de direito,
(1946-1988) / M a rly Silva da M otta, A n d ré Vianna
Dantas; [coordenação Hermann Assis Baeta}. ■ Rio de
Janeiro: OAB, 2006
377p. : il.
Anexos
Inclui bibliografia
ISBN 85-87260-86-3 - 978-85-87260-86-4

1. O rdem dos Advogados do Brasil - História. 2. Advo­


gados - Brasil. 3. D ireito e política - Brasil. I. Dantas,
André Vianna. II. Baeta, Hermann Assis. III. Ordem dos
Advogados do Brasil. IV. Título.
06-3958. C D D 340.06081
C D U 347.965.8(61)
________ H i s t ó r i a da
O r d e m dos A d v o g a d o s d o Brasil
Da R e d e m o c r a t i z a ç ã o ao Est ad o D e m o c r á t i c o de D i r e i t o ( 1 9 4 6 - 1 9 8 8 )

Diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil


(1^.02.2001 a 31.01.2004)
Rubens Approbato Machado - Presidente
Roberto Antonio Busato - Vice-Presidente
Gilberto Gomes - Secretário-Geral
Sergio Ferraz - Secretário-Geral Adjunto
Esdras Dantas de Souza - Diretor-Tesoureiro

Diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil


(desde 02.2004)
Roberto Antonio Busato - Presidente
Aristóteles Dutra de Araújo Atheniense - Vice-Presidente
Raimundo Cezar Britto Aragão - Secretário-Geral
ErcíHo Bezerra de Castro Filho - Secretário-Geral Adjunto
Vladimir Rossi Lourenço - Diretor-Tesoureiro
OS AUTORES

Marly Silva da Motta

Pesquisadora do C entro de Pesquisa e D ocum entação de H istória


Contemporânea do Brasil (CPDOC) e professora da Escola de Economia e
Administração da Fundação Getulio Vargas. Doutora em História Social pela
Universidade Federal Fluminense. Publicou livros e capítulos de livros, destacan­
do-se A nação fa z cem anos: a questão nacional no centenário da Independência
(1992); Engenheiros e economistas: novas elites burocráticas (1992); Saudades da
Guanabara: o campo político da cidade do Rio de Janeiro (2000); Rio de Janeiro:
de cidade-capital a Estado da Guanabara (2001); Um estado em questão: os 25
anos do Rio de Janeiro (2001); A política carioca em quatro tempos (2004); Rio,
cidade-capital (2004); História em curso: o Brasil e suas relações com o mundo
ocidental (2004).
André Vianna Dantas

Historiador, form ado pela Universidade Federal Fluminense (UFF).


Mestre em Memória Social e Documento, pela Universidade do Rio de Janeiro
(UNIRIO).
SUMÁRIO

A presentação ______________________________________________________________ 11

Parte I - A democracia na berlinda e a consolidação da OAB:


entre a denúncia e a vigília (1946-1968)_______________________________________ 19

Capítulo I - O instável interregno democrático (1946-1964) __________________ 21

1.1 D o processo de redem ocratização ao Estado de direito: percursos e percalços 21

1.2 Direito e Política: os limites da O rd e m ____________________________28

1.3 No caminho da maioridade: desafios internos e externos____________ 33

1.4 A Ordem consolida-se: defesa da classe, política e padrão institucional 50

1.5 O Estatuto de 1963: maioridade conquistada______________________ 78

Capítulo II - O golpe e a quebra da ordem constitucional (1 9 6 4 -1 9 6 8 )__________86

2.1 A Ordem pela ordem; primeiros m ovim entos_____________________ 86

2.2 A Ordem contra a ordem:


fechamento do regime e o prenuncio das trincheiras___________________ 98
Parte II - D os anos de chum bo à democracia consolidada (1 9 6 9 -1 9 8 8 )_________109

C ap ítulo I - A n o s de ch u m b o (1969-1974) _______ 111

1 . 1 0 que é negociável? O qu e não é negociável? ______________________________ 111

1.2 A tensa atm osfera de nosso t e m p o _______________________________________ 117

1.3 N o Conselho de Defesa dos D ireitos d a Pessoa H u m a n a ___________________ 125

1.4 Mais u m a reeleição frustrada ____________________________________________ 130

1.5 Advogados am eaçados___________________________________________________ 131

1.6 A O rdem am ea ça d a______________________________________________________136

Capítulo II - Idas e vindas da distensão (1 97 5 -1 9 7 8 )_________________________ 142

2.1 O projeto Geisel_________________________________________________________ 142

2.2 E ntre as “feras” e o “aperfeiçoam ento d em ocrático” ________________________ 149

2.3 D o “Pacote de Abril” à M issão Portela_____________________________________ 158

2.4 “D entro da névoa autoritária acendem os a fogueira...” ______________________157

Capítulo III - Caminhos da abertura (1979-1984) ____________________________172

3.1 U m a ordem mais c o m b a tiv a_____________________________________________ 172

3.2 N o alvo do te rr o r ________________________________________________________ 179

3.3 E ntre os problem as da nação e os d a classe________________________________ 187

3.4 U m a eleição em cinco escrutínios_________________________________________197


3.5 “G ru p o de pressão para desestabilizar o p o d er tecn o-b uro crático”___________ 205

3.6 D estruir os resíduos da d ita d u r a __________________________________________211

C ap ítulo IV - Por u m a co n stitu in te livre e so b eran a (1985-1988) _____________ 219

4.1 A consolidação das conquistas d e m o c rá tic a s______________________________ 219

4.2 O s ru m o s d a O rd em em q uestão__________________________________________232

4.3 As bandeiras n a C o nstitu inte_____________________________________________ 238

Fontes e B ibliografia________________________________________________________ 247

índice O n o m á s tic o _________________________________________________________ 253

Anexo I - Exposição de m otivos do anteprojeto que aco m p a n h o u o


Projeto 1.751 de 1956, transform ad o, afinal, n a Lei n ú m e ro 4.215 de
27 de abril de 1963 _________________________________________________________ 269

Anexo II - Lei d e n“4.215 de 27 de abril de 1963 q ue dispõe sobre o


E statuto d a O rd em dos A dvogados do Brasil e regula o exercício d a profissão
do a d v o g a d o _______________________________________________________________ 293

Anexo III - Advogados seqüestrados e encapuzados____________________________333

Anexo IV - Presidentes de 1946 a 1988_______________________________________ 337

Anexo V - Prédios da sede da O A B___________________________________________ 361

Anexo VI - Ata da p rim eira sessão o rd in ária do Conselho Pleno, após a


m u d an ça da OAB para B rasília______________________________________________ 365

Anexo VII - Escritura pública de doação d o im óvel para a instalação da


OAB/CF em Brasília, feita pela U nião Federal, através d a C o m panh ia
U rbanizadora do B rasil-N O V A CA P_________________________________ 373
V ' o l u i n c ') I X i l \ ( ’ rl(,>iiK n I c'li) ,i< I I s i , K l( I | ' ) ( ' n i o M a l i ( () ( I f I "jii ( ’ i i ( )

APRESENTAÇÃO

Com este 5° Volume - intitulado “DA REDEMOCRATIZAÇAO AO ESTA­


DO DEMOCRÁTICO DE DIREITO { 1946/1988)” damos seqüência à coleção
HISTÓRIA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.
Não é difícil observar a demora ocorrida a partir da publicação do 4°
Volume, fato decorrente de alguns problemas de ordem administrativa, nota-
damente mudanças de profissionais inicialmente encarregados de elaboração
dos textos históricos. É que esses redatores tiveram de ser substituídos para
que não houvesse desvio na concepção global da presente obra, que se destina
a exprimir o que aconteceu realmente na vida de nossa instituição.
Este livro abrange um dos períodos mais complexos da história do Brasil,
no qual a Ordem dos Advogados se envolveu de forma vibrante e construtiva.
Alguns destaques devem ser feitos no sentido de despertar a atenção
dos leitores, especialmente dos profissionais do Direito, para fatos singulares
ocorridos, dos quais já extraímos algumas lições e que poderão produzir novos
ensinamentos, a saber:

I. Edição do Estatuto de 1963

De acordo com a Lei n° 4.215, de 27 de abril de 1963, foi criado o Estatuto


da Ordem dos Advogados do Brasil para o fim de regular o exercício da profis­
são de advogado. Como já sabemos, antes vigorava o velho Regulamento, que,
na verdade, serviu para organizar a Ordem do Advogados e seus profissionais
inscritos. No entanto, algumas questões importantes e indispensáveis à militân­
cia profissional exigiam um diploma legal mais tecnicamente elaborado e que

77
História da
O rdem dos Advogados do Brasil

incluísse em suas normas algumas que possibilitassem a atuação dos advogados


no ordenamento jurídico e no processo de aplicação da Justiça de m odo eíicaz e
com com petência expressa e explícita. Foi o que aconteceu com o art, 18 caput
e seu inciso /, que estabeleceram expressamente o seguinte:

“Art.18. Compete ao Conselho Federal:


I - defender a ordem jurídica e a Constituição da República, pugnar pela boa
aplicação das leis epela rápida administração da justiça e contribuir para o
aperfeiçoamento das instituições jurídicas (art. 145).” (grifamos)

Com efeito, o dispositivo legal acima transcrito estabeleceu norma ex­


pressa sobre a matéria não contida no velho Regulamento, que dificultava a ação
dos advogados na luta cotidiana pelo Direito e pela Justiça em busca do sonhado
Estado Democrático de Direito, como ocorreu ao tempo do ESTADO NOVO, no
qual os dirigentes da Ordem teriam de combinar dispositivos do velho Regula­
m ento com o Código de Ética para o fim de objetivar a sua atividade pública.
A partir do advento do Estatuto de 1963, por mais que se esforçassem algu­
mas pessoas, inclusive determinados causídicos, não poderia ser confundida a ativi­
dade poiítico-institucional com a atividade poUtico-partidária de forma a impedir
que a Ordem dos Advogados combatesse o arbítrio, a prepotência e a repressão.

II. Golpe de Estado de 1964 e seu agravamento em 1968

O utra questão que destacamos refere-se ao movimento político-militar,


cognominado pelos militares de “Revolução”, e por outros de “Golpe de Estado”,
pelos efeitos que produziu no processo de democratização do País, provocando
a interrupção de sua normalidade.
O movimento político-militar de 1964 e 1968 marca, sem dúvida, um
período histórico de grande tensão que até hoje ainda observamos os seus efei­
tos. Quando os Presidentes da OAB se referem a fatos ocorridos naquela época,
alguns deles que atingiram diretamente os próprios advogados no exercício
profissional, deixam claro a impossibilidade prática de compatibilização da
advocacia com a tirania ou com regimes de exceção.
Alguns fatos lamentáveis e de triste m em ória hão de merecer sempre
a nossa reflexão e o nosso repúdio para que não mais aconteçam, como, por

12 •41
Xolun-x' I ) ,l K l '(1('[T!( K I l / . K .11 , ,11 ] I s l , u l ( ) I K 1. 1: li ( > ill’ I ) l r i' i l < I

exempio, a suspensão dos Direitos políticos, a cassação de mandatos eletivos, a


supressão do habeas corpus, as prisões arbitrárias e ilegais, as torturas, os assas­
sínios, os seqüestros, e outras medidas repressivas.
Convém ressaltar que exatamente nessa fase excepcional do Estado
nacional brasileiro editou-se o mais arbitrário, violento e cruel diploma legal
- o Ato Institucional n° 5. Quem fizer a leitura hoje desse Ato talvez não acredite
que ele tenha predominado, de forma absoluta, na sociedade brasileira, em face
de suas normas antidemocráticas e dirigidas inquestionavelmente aos vencidos
na luta política do País e a outros que iam se rebelando contra o sistema im ­
plantado.
É inacreditável que o tal Ato n° 5 tenha convivido no m undo jurídico
com a Constituição de 1967.0 saudoso homem público e senador da República
Theotônio Vilela costumava dizer que nós não vivíamos num Estado de Direito,
mas sim num simples Estado Legal. Há grande sabedoria na manifestação de
Theotônio, visto que à época as instituições político-jurídicas da Nação careciam
de plena legitimidade.
Os defensores da ditadura implantada tentavam justificar que o Ato n° 5
era necessário, doutrinando (uma má doutrina) que, na realidade, existiam dois
ordenamentos jurídicos: um institucional e outro constitucional. Segundo eles,
quando os assuntos se referiam às questões de sumo interesse da República e do
Poder aplicava-se o AI-5; e quando às questões se limitavam a direitos e vantagens
de menor importância, de natureza privada, poder-se-ia aplicar a Constituição.

III. M udança da O AB para Brasília

Com a transferência da Capital da República, instalada no Rio de Janeiro,


então Distrito Federal, para a cidade de Brasília, onde passou a funcionar o novo
Distrito Federal, em 1960, um dos assuntos predominantes entre os advogados,
e especialmente entre os dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil, quer
no Conselho Federal, quer nos Conselhos Seccionais, foi a mudança da sede da
Ordem para a nova Capital. Isto se deu principalmente em virtude da norm a
expressa no Estatuto de 1963, que dizia, textualmente, no art. 157, verbis:

“ Art. 157. A transferência do Conselho Federal para Brasilia será efetuada


logo que ali se achem funcionando todos os Tribunais Superiores e seja posta

m áM 13
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

à disposição do mesmo instalação condigna, pelo Poder Executivo, a quem


caberá também custear o transporte de seus bens e utensílios.”

Após 1960, transferida a Capital da República para Brasília, os Tribunais


Superiores, bem como outras instituições públicas, de âmbito federal, foram
também, paulatinamente, se transferindo para a referida Capital. Dentro de
pouco tempo, só restava na Capital do Rio de Janeiro, como entidade de ex­
pressão nacional, a Ordem dos Advogados.
Este fato fez surgir na com unidade jurídica várias críticas e grandes
discussões, visto que a Ordem do Advogados e seu respectivo Conselho Federal
funcionavam na Capital do Rio de Janeiro desde a sua fundação em 1930. Por
outro lado, constatava-se que grande núm ero de expressões do Direito exercia
os seus ministérios na Capital do Rio de Janeiro. E isso facilitava a presença
física desses luminares no referido Conselho. Assim, criou-se na m ente dos
integrantes do Conselho Federal e mesmo de advogados militantes na Capital
do Rio de Janeiro, certo desinteresse e até m esm o oposição à m udança da O r­
dem Nacional para Brasília. Variavam os argum entos contrários à mudança:
ora a possibilidade de ingresso no Conselho Federal de deputados e senadores
residentes em Brasília, em face do isolamento da Capital no planalto central;
ora as dificuldades naturais de remoção do corpo de funcionários do Conselho
Federal, todos residentes no Rio de Janeiro; e ora pelo fato de a expressiva
maioria do Conselho residente no Rio de Janeiro não desejar o incôm odo e
o custo de, mensalmente, locomover-se à nova Capital. E, assim, o tem po foi
passando de form a a verificar-se o retardam ento da m udança para a nova
Capital.
Diante desses fatos acima narrados, uma polêmica foi travada, prin­
cipalmente no que respeita aos advogados residentes e militantes em Brasília,
que já se aglomeravam em torno do seu Conselho Seccional ali instalado, logo
depois de efetivada a mudança.
A questão passou a ser discutida tam bém , e com mais veemência,
nas campanhas eleitorais para a nova composição do Conselho Federal e dos
Conselhos Seccionais. De forma que só em 1986, ou seja, 23 (vinte e três) anos
depois da mudança da nova Capital, a Ordem e seu Conselho foram transferi­
dos para a referida Capital, na gestão de H erm ann Assis Baeta, conforme Ata
da prim eira sessão ordinária ali realizada e constante do Anexo que se encontra
no final deste volume.

14 màM
V'olunii' 1 |),i Rcdciiii K i.ilí/.u j o ,H) I'siado I )('mo( r.itii o dc I ) i i( ‘ilo

Como a Ordem dos Advogados nacional ainda não possuía prédio


próprio na nova Capital, foi instalada provisoriamente na sede do Conselho
Seccional de Brasília, graças ao espírito público do advogado Amaury Serralvo,
então Presidente do aludido Conselho.
O Presidente da Ordem nacional conseguiu perante a União Federal
que prevalecesse o disposto no art. 157 do Estatuto, adquirindo-se um a gleba
de terra no Setor de Autarquia Sul, de Brasília, para construção da nova sede
do Conselho Federal, conforme se vê da escritura pública constante de outro
Anexo que figura, também, ao final deste livro.
Com essas duas providências, o Presidente do Conselho Federal tentava
transform ar a mudança, em face das pressões surgidas, em fato consumado.

IV. Diretas Já e Constituinte

O General Ernesto Geisel ocupou a Presidência da República no período


de 15/03/1974 a 14/03/1979, com a promessa de realizar um a “distensão lenta,
gradual e segura” para que a sociedade brasileira se descomprimisse e reto­
masse o processo de democratização. Durante o m andato de Geisel, isto é, no
dia 17 de outubro de 1978, foi revogado o AI-5, de 13/12/1968, pela Emenda
Constitucional n° 11, de 17/10/1978, com vigência somente a partir de 1° de
janeiro de 1979.
Acontece que nesse período amplas camadas da sociedade brasileira
já se movimentavam, se organizavam e lutavam pela plena democratização da
vida nacional, verificando-se a reunião de entidades do movimento estudantil e
sindical, organizações populares e instituições de porte da sociedade civil, como
a OAB, a ABI e a CNBB, entre outras. Objetivava-se, assim, um a anistia “ ampla,
geral e irrestrita”. Mas a vitória do referido movimento circunscreveu-se a uma
anistia parcial, nos termos da Lei n° 6.683, de 23 de agosto de 1979, visto que
restringiu os direitos dos punidos pelos atos de exceção não lhes concedendo o
direito à reintegração nos cargos e funções públicas a contar da data dos quais
foram violentamente afastados.
Nessa fase de relativa descompressão social, registrou-se a reivindicação
de convocação de eleições diretas para Presidente da República, Governadores e
Prefeitos, por meio de uma Emenda Constitucional cognominada de “Emenda
pelas Diretas Já”, de autoria do então deputado Dante de Oliveira, do Estado

m áM 15
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

de Mato Grosso do Sul. Tal Emenda Constitucional pelas “Diretas Já” não
obteve êxito, tendo em vista que no dia 25/04/1984 foi rejeitada pelo plenário
da Câmara dos Deputados, com o seguinte resultado: 298 deputados votaram
a favor, 65 contra, 3 abstiveram-se e 113 simplesmente não compareceram
ao plenário. Convém esclarecer que seriam necessários mais 22 votos para se
atingir o quorum de 2/3 do total. Com a rejeição da referida Emenda, a eleição
para Presidente da República de 1985 permaneceu indireta, tendo o Congresso
Nacional escolhido Tancredo Neves para próximo Presidente da República, que
nunca viria tomar posse, falecendo em 21 de abril de 1985, assumindo em seu
lugar 0 Vice-Presidente de sua Chapa lose Sarney.
Ressalte-se que o movim ento pelas “Diretas Já” mobilizou amplas
camadas da população. Já em novembro de 1983, o Partido dos Trabalhadores
iniciou a disputa Presidencial, reunindo no dia 27, cerca de 10.000 pessoas
em São Paulo e em outras cidades para pressionar o Congresso no sentido de
aprovação da Emenda do deputado Dante de Oliveira. Esse movimento cresceu
de forma espetacular. As maiores manifestações ocorreram em São Paulo> onde
em 12 de fevereiro de 1984, reuniram -se 200.000 pessoas e no Rio de Janeiro,
onde realizaram-se duas grandes manifestações, a prim eira em 21 de março,
com 300.000 pessoas, e a segunda com 1.000.000 de pessoas. O m ovim ento
se espalhou por todo País. Porto Alegre, Capital do Estado do Rio Grande do
Sul, foi às ruas em 13 de abril com 150.000 manifestantes e Vitória, Capital
do Estado do Espírito Santo, em 18 de abril, com 80.000 pessoas. A Capital do
Estado de São Paulo, um dia antes, já havia feito nova manifestação com 1,7
m ilhão de pessoas. O movim ento ficou conhecido como “Diretas Já” e teve
no deputado Ulysses Guimarães o seu mais popular defensor, reconhecido
como o “Senhor Diretas”.
A Ordem dos Advogados do Brasil teve atuação constante nesse movi­
mento, quer através de notas e outras manifestações escritas, pronunciamentos e
conferências, bem como através de manifestações públicas, como, por exemplo, o
famoso comício da Praça da Candelária, onde, pela primeira vez, o Presidente da
Ordem dos Advogados à época, o ilustre advogado Mário Sérgio Duarte Garcia,
compareceu pessoalmente ao palanque onde se reuniam os líderes políticos e
da sociedade civil, usando da palavra em vibrante discurso. Também o grande
advogado Sobral Pinto empolgou os participantes do comício num a eloqüente
oração em que invocava o art. 1° §1°, da Constituição em vigor à época: “Todo
poder emana do povo e em seu nome é exercido.”

16 #àm
I ),l ls(,’(l(‘tl(.)( 1,1’ i / j ( j n ,1(1 I 'I.k Id I ) c i 1 1 ( )I 1.111( (1 ( ||' I )| I'riU )

Já antes dessas manifestações vários líderes da sociedade civil e parti­


dários, como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Tancredo Neves, Theotònio
Vilela, Marcos Freire, Miguel Arraes, Luiz Ignácio Lula da Silva entre outros,
se reuniram na sede do Conselho Federal da OAB, à época na cidade do Rio
de Janeiro, em cuja m anhã foi constituída uma comissão, sob a presidência do
batônier Mário Sérgio Duarte Garcia, escolhido por todos para organizar, dirigir
e comandar o movimento pelas “Diretas Já”.
Derrotada, na Câmara dos Deputados a Emenda Dante de Oliveira,
restava a luta pela convocação da Constituinte livre e soberana para outorgar
uma nova Constituição para o País.
É preciso que fique elucidado que a idéia de convocação da Constituinte
já estava inserida nos movimentos sociais existentes que pugnavam contra o
sistema ditatorial implantado desde 1964.
A Ordem dos Advogados, sob a presidência de Herm ann Baeta, prati­
cou atos do Norte ao Sul do País, sempre defendendo uma Constituinte livre,
soberana, autônom a e representativa de todos os segmentos da Nação, sem
nenhum a vinculação ao Congresso Nacional preexistente. Daí o surgimento
da expressão Constituinte Exclusiva.
Para concretizar a luta foram convocados e realizados dois Congressos
Pró-Constituinte: uma na gestão do Presidente Mário Sérgio Duarte Garcia,
de abril de 1983 a abril 1985, na capital do Estado de São Paulo; e o outro na
gestão do Presidente H erm ann Assis Baeta, de abril de 1985 a abril de 1987, na
capital da república.
Não prosperou a proposta da OAB, mas foi afinal convocada a Consti­
tuinte nos termos da Emenda Constitucional n° 26, de 27/11 /1985, que atribuiu
ao Congresso Nacional poder constituinte originário.

V. Explosão da bomba na OAB

A explosão de um artefato remetido à sede do Conselho Federal, através de


via postal, constitui o fato mais degradante e lamentável já ocorrido na história
da OAB em face do seu caráter criminoso e repulsivo. No dia 27/08/1980, ao
abrir um a correspondência dirigida ao Presidente Eduardo Seabra Fagundes, a
funcionária e secretária Lyda Monteiro da Silva foi atingida com a explosão de

17
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

uma bom ba de fabricação caseira em seu colo, que redundou na sua morte em
poucas horas. Esse artefato destinava-se, segundo interpretações e comentários
vários, ao Presidente do Conselho Federal, na pessoa do eminente advogado
Eduardo Seabra Fagundes, em razão da sua combatividade cotidiana em defesa
da ordem democrática e dos Direito Humanos.
Ao que se presumiu no dia do sinistro, a autoria desse crime hediondo
provinha dos setores clandestinos da repressão e da perseguição política, num a
tentativa de intimidar ou calar a voz poderosa do Presidente da OAB e de outros
líderes da advocacia que não mediam esforços na luta pela denúncia dos atos
arbitrários, manifestamente ilegais, na exigência do restabelecimento do Estado
Democrático de Direito.

Conclusão

Ressalte-se que, neste período conturbado, a O rdem dos Advogados


sempre exerceu o seu papel institucional, não só porque não se omitiu, mas,
ao contrário, pelo fato de ter protagonizado ações corretas e justas à frente dos
acontecimentos.
Por fim, devemos registrar que todas essas questões, fatos e aconteci­
mentos foram narrados com sobriedade pelos ilustres historiadores Marly Motta
e André Dantas, cujos textos demonstram de forma insofismável a competência
e a responsabilidade de ambos, tanto no que respeita à história nacional, quanto
no que se refere à história institucional da Ordem dos Advogados do Brasil.

Herm ann Assis Baeta


Coordenador

18
I ) j R<‘(l('mni t,ili/,K ,1o .H) I si.ido D c n io í i j t i , c de I )iicilo

Parte I
A Democracia na Berlinda e a Consolidação da OAB:
Entre a Denúncia e a Vigília (1946-1968)

A n d ré Vianna Dantas

Criada sob um regime de exceção, mas com o fim último de zelar pela
m anutenção da ordem democrática, como órgão de classe mas com caráter de
serviço público, impedida regimentalmente de assumir posições políticas mas
reconhecida pelo seu engajamento, a Ordem dos Advogados do Brasil carrega,
como marca indelével de nascença, o signo da contradição, no sentido mais
dialético que possa ser emprestado ao termo. Curiosamente, mas não paradoxal­
mente, quanto mais se cumprem os seus propósitos fundamentais, no sentido da
m anutenção da ordem constitucional e do respeito às liberdades democráticas,
menos ela carece de despontar no cenário político como entidade guardiã do
direito. Sem a pretensão de esgotá-las, serão estas algumas das questões de fundo
perseguidas neste trabalho.
Definimos como marcos fundamentais da análise o início do processo de
redemocratização após o fim do Estado Novo (1937-1945), em 1946, e o começo
dos “anos de chum bo”, em 1968, com a instituição do Ato Institucional n<* 5 .0
foco, cambiante, ora parte da Ordem para referenciar-se na conjuntura mais
ampla, ora adota o processo inverso. Se hoje é possível reconhecer a Ordem
por seu padrão de atuação, foi em grande parte ao longo desses 22 anos que o
esqueleto institucional se estabeleceu em seus traços fundamentais.
Assim, na primeira parte do texto, veremos que desafios estavam postos
para a Ordem, já em 1946, quando se viu, ao mesmo tempo, diante da necessi­
dade de estruturar-se para dentro e afirmar-se para fora, junto ao meio social,

19
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

político e jurídico nacional. Das questões internas e externas, emerge uma outra,
que se constitui num a espécie de espinha dorsal da Ordem: onde residem as
fronteiras entre Direito e Política?
Até que ponto a defesa da dignidade da classe, de um a condição econômica
e social confortável para o advogado - que ao fim e ao cabo significa a própria
legitimação da instituição - permite eximir-se dos assuntos político-partidá-
rios, diretamente relacionados com a administração do Estado? Este é outro
ponto que abordaremos no registro ainda das questões ligadas à consolidação
da Ordem como instituição.
Caberá ainda tom ar pé de um assunto controverso e que, para a Ordem,
foi uma pedra no sapato durante pelo menos duas décadas: Brasília. “Somos
um país de improvisadores”? Veremos.
Por fim, na segunda parte do trabalho, vamos nos ater exclusivamente ao
período que vai da tomada do poder pelos militares à instituição do AI-5, acom -
panhando a trajetória tortuosa da Ordem nesse período, que vai do apoio inicial
à derrubada de João Goulart ao início da guerra de trincheiras contra o regime
militar, intensificada sob os “anos de chumbo” e que, ao fim e ao cabo, redundaria
no imenso prestígio da instituição, hoje, junto à sociedade brasileira.

20 máM
\ n lu illr > [ i\('( Ictiii u I ,i; l/.ii ,'in ,i( I i 'l,U l() i uil i( I ) (!(' I I

Capítulo I
O instável interregno democrático (1946-1964)

1.1 Do processo de redemocratização ao Estado de direito:


percursos e percalços

A 30 de outubro de 1945, um dia após a deposição de Getúlio Vargas, o


Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em sessão ordinária,
aprovou unanim em ente um a moção congratulatória pelo fim da ditadura,
assinada por parte considerável dos conselheiros, a começar pelo seu então
presidente, Raul Fernandes. A satisfação do m om ento não excluiu, no entanto,
o reconhecimento de que, em verdade, apenas se iniciava um processo político
que visava à restauração democrática:

Ê um primeiro passo para a reentrada do Brasil na ordem e na legalidade (...)


sob a inspiração tão patente do mais puro e desinteressado devotamento aos
interesses nacionais, que justifica a mais confiante segurança de que outros
hão de seguir para recompor a verdadeira fisionomia de nossa Pátria, grossei­
ramente deformada pelo regime execrado sob o qual temos vivido, oprimidos
e humilhados, desde o golpe noturno de 10 de novembro de 1937.'

Assim, o ano de 1946 inaugurou-se sob a expectativa da instalação da As­


sembléia Constituinte, a cargo da qual estaria a tarefa de elaboração de uma nova
carta magna, em substituição à de 1937. A despeito da vitória do general Eurico
Gaspar Dutra nas eleições presidenciais de dezembro de 1945,^ em grande parte
por obra do apoio político de Vargas, recém-deposto - o que em última análise

' C f. A m da sessão da O AB, 30/10/1945.


^ D e sc o n ta d o s n u lo s e b ra n c o s, D u tra obtev e 5 5% d o s v o tos c o n tra 3 5% a trib u íd o s a o seu ad versário ud en ista,
o b rig a d e iro E d u a rd o G om es. (FAUSTO, Boris. H istória d o Brasil. São P au lo : E d u sp , 1999. p . 398.)

21
História da
O rdem dos Advogados do Brasil

significou uma declaração de força do getulismo^ a 16 de abril, na abertura anual


dos trabalhos do Conselho Federal, mais uma vez a redemocratização foi saudada/
No mesmo sentido, outras manifestações tiveram lugar ainda ao longo de 1946,
por ocasião da conclusão dos trabalhos constituintes, no mês de setembro, e do
“aniversário” de um ano da deposição do ex-presidente, a 29 de outubro/
No entanto, no que concerne especialmente à garantia do exercício pleno
da advocacia e do cumprimento do texto da lei em todos os âmbitos da esfera
pública, não escaparam ao Conselho as tentativas de desrespeito ou os ataques
à ordem constitucional que, mesmo arrefecidos com a redemocratização, não
cessaram de todo. As denúncias de arbitrariedades e atos violentos cometidos
por parte das autoridades governamentais, sob a forma de moções de protesto,
notificações, comissões para apuração dos fatos, pedidos de esclarecimentos e
providências às autoridades competentes,^ determinaram, em definitivo, a insti­
tuição de um padrão de atuação da Ordem mesmo em tempos de normalidade
democrática, como se veria/
Não foi por outra razão que o conselheiro José Augusto, em setembro
daquele ano, propôs e viu aprovada unanim em ente um a moção de repúdio à
violência policial sofrida por dois advogados mineiros, entre os quais se encon­
trava o renomado Adauto Lúcio Cardoso:

Lançamos daqui o nosso veemente protesto contra a brutalidade policial que


atingiu, através de colegas eminentes., a própria dignidade da classe, e indi­
camos que 0 Sr. Presidente leve às altas autoridades da República a expressão
da sua indignação, reclamando providências que conduzam, com a punição
dos criminosos, a desagravar os advogados brasileiros}

Ainda naquele ano, no mês de novembro, novos protestos e pedidos de


apuração rigorosa surgiram na pauta das sessões, em virtude do assassinato de
um advogado, na Bahia, em plena atividade profissional,^ indicando que, se por

’ I b id e m ,p. 398-399.
* C f. A ta da sessão d a O AB , 16/4/1946.
' C f. Atos das sessões da OAB, d e 24/9 e 2 9 /10/1946.
" Cf. A tas das sessões da O A B , d e 2 3 /4 .2 8 /5 ,3 /9 ,1 0 /9 ,2 4 /9 e 19/11.
' A in d a em 1945, sob a in te n s a a ção repressiva d a d ita d u ra vargu ista, o C o n se lh o F ed eral d e te rm in o u que
to d o s os casos d e violência o c o rrid o s e m q u a lq u e r p a rte d o te rritó rio n a cio n al c o n tra a d v o g ad o s, esp e ­
cialm en te, fossem p r o n ta m e n te c o m u n ic ad o s. Cf. A m da sessão d a O AB , 11/9/1945.
* Cf. A ta áa sessão da O AB . 3/9/1946.
" C f A ta d a sessão da O A B , 19/11/1946.

22 •àl
V 'í) liJ )T ) <' "> | ) , i K c í J r n i o f í Mí / A i <")<> .íd D c i n i i í r.íli, d t ) f H i r r i l o

um lado, a defesa intransigente do livre exercício da profissão era condição para


a legitimação da Ordem e delimitação clara dos seus espaços de atuação; por
outro, a gravidade dos atos cometidos contra advogados justificava a veemência
dos protestos. Nos anos subseqüentes, as denúncias não se ausentaram da ordem
do dia, tendo a sua intensidade variado, quase sempre, de acordo com os estados
de tensão vividos pela política nos âmbitos regional e nacional, sobretudo.
Nesse contexto, com a sua legitimidade constantemente sendo posta à
prova, 0 que se pode notar pela análise das atas do Conselho Federal é que as
atenções estiveram menos voltadas, no período, para os trabalhos constituintes,
em que pese o fato de a Assembléia ter sido presidida por Fernando de Melo
Viana - que esteve à frente da Ordem entre 1942 e 1944. Ao longo dos sete
meses de trabalho, por um a única vez, em resposta a uma solicitação feita pela
Seccional do Distrito Federal, o Conselho emitiu parecer relativo a uma emenda
c o n stitu cio n al.N o mais, somente já em fins de setembro, após a promulgação
da nova Carta, foi designado o conselheiro Arthur Rocha,

para proceder a um estudo da legislação da Ordem dos Advogados em face da


nova Constituição, para indicar quais as alterações resultantes da aplicação
do texto constitucional."

Não mereceram, ao menos formalmente, uma apreciação mais detida os


debates travados em torno de temas como a adoção do perfil liberal-democrático
de Estado ou a reorganização da Justiça. Como nos informa Alberto Venâncio
Filho, somente a partir de meados de 1947, já com a reconstitucionalização
assegurada, os trabalhos do Conselho começaram a passar, em maior medida,
pelo “exame dos projetos em curso no Congresso”.'^
De fato, a 3 de junho daquele ano, uma comissão composta pelos con­
selheiros Aristeu Aguiar, Ubaldo Ramalhete, João Nicolau Máder Gonçalves e
Washington de Almeida foi criada para o acompanhamento, junto à Câmara
dos Deputados, dos projetos que dissessem respeito diretamente ao exercício
do direito pelos advogados.'^ No mês seguinte, por proposta deste último, o
Conselho aprovou uma indicação no mesmo sentido, que pode ainda nos ajudar

Cf. A ta da sessão da OAB, 18/6/1946.


" C í.A ta da sessão da OAB, 2 4/9/1946.
'^Ver A lb erto V en ân cio Filho, N oticia histórica da O rdem dos Advogados do Brasil R io d e Janeiro;
F o lh a C ario c a E d ito ra, 1982. p. 75.
Cf. A ta da sessão da O AB , 3/6/1946.

23
_____________ Historia da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

a compreender melhor um outro padrão de atuação da Ordem, que consiste
na presença indireta em espaços políticos estratégicos através da influência de
seus integrantes ou de colaboradores próximos:

Indico que se faça um apelo aos homenageados deputados Nelson Carneiro e


Eurico de Aguiar Salles, membros que são do Conselho Federal, para que se
encontrem vigilantes, na Câmara Federal, sobre vários projetos que, na referi­
da Câmara, têm sido apresentados sobre a profissão do advogado, mantendo
assim, a Comissão nomeada por este Conselho, ciente do que ocorre sobre o
assunto, Comissão, da qual, são eles componentes.^*

Em outro âmbito, a nem sempre cordial relação entre advogados e m a­


gistrados e, por vezes, também, as arbitrariedades cometidas por estes últimos
em relação aos primeiros - o que em última análise, pela ótica dos advogados,
compromete o funcionamento adequado da justiça e, portanto, oferece ameaça à
ordem constitucional foram desde sempre tema recorrente nos debates trava­
dos no Conselho e preocupação constante da classe, sobretudo sob conjunturas
políticas excepcionais, em geral pouco afeitas ao respeito das liberdades civis,
ou em função da fragilidade das instituições democráticas, como era o caso do
momento político que por ora nos ocupa.
Nesse sentido, por ocasião do ingresso do dr. Cunha Melo no Tribunal
Federal de Recursos, em meados de 1947, o já citado conselheiro Washington
de Almeida, em nom e da Seccional de São Paulo, proferiu um discurso que
simbolizava a tensão à qual nos referimos e a não menos constante percep­
ção da necessidade da busca de um equilíbrio entre as partes que, ao fim e ao
cabo, seria condição e resultado do funcionamento adequado das instituições
democráticas:

Ninguém pode viver por si epara si. O isolamento não é só uma monstruo­
sidade, mas, antes de tudo, um germe de corrupção e morte. Por isso, talvez,
andem acertados os advogados que clamam por uma colaboração respeitosa
e dignificante entre eles e a magistratura. Um juiz, um magistrado, é a per­
sonificação do direito e da Justiça; é o instrumento decisivo na garantia dos
interesses das pessoas físicas e jurídicas, harmonizando a vida social (...). E
0 advogado é, ao mesmo tempo, a espada e o escudo, a iniciativa e a impug-

Cf. A ta da sessão da O AB, 29/7/1947.

24 máM
i Xl l\C'( k' lTH K I a l l / < U ,'li I j n I <l,1( l( ) I ' i r l l K )( m I k n ( !( ■ I ) i l ( ' i l u

nação, o impulso e o embargo, o ataque e a defesa, a arenga e o recurso, a


pugna judiciária em suma. É o mundo do direito que os dois constróem. Não
há antagonismo defunções.^^

No plano externo, terminada a Segunda Guerra Mundial e vencida a “cor­


dialidade” forjada entre os aliados - sobretudo entre Estados Unidos e União
Soviética a luta pelo restabelecimento ou manutenção da democracia liberal
confundia-se com a condenação do totalitarismo de esquerda e, por extensão,
do próprio campo político da esquerda de uma maneira geral, dentro do con­
texto de Guerra Fria.
A experiência recente de um a ditadura no Brasil, em que pairaram fortes
suspeitas quanto à simpatia do seu chefe pelos regimes fascistas europeus,'^
agravadas pela hesitação do governo, à época do conflito, em aderir às fileiras
dos aliados, contribuíram para reduzir a disputa ideológica a maniqueísmos
que, gradativamente, polarizariam a sociedade organizada e a opinião pública
- não só no Brasil - ao longo das décadas seguintes, entre os lados inconfun­
díveis da disputa.
É simbólica, portanto, a visita ao Brasil do presidente dos Estados Unidos,
H arry Truman, em agosto de 1947, por ocasião da realização, na cidade de
Petrópolis (RJ), da VIII Conferência Interamericana da Manutenção da Paz e
Segurança do Continente. Não por coincidência, 1947 foi também o ano em
que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi posto novamente na ilegalidade
e que o Brasil rompeu relações diplomáticas com a União Soviética.”
Saudada a chegada do presidente Truman,'* bem com o a realização da
Conferência,'^ não menos representativa do posicionam ento do Conselho
Federal diante das questões do m om ento foi a aprovação de um “voto de
aplausos” ao presidente D utra pelo rom pim ento diplomático com os sovi­
éticos. Assim descreve a ata do dia 28 de outubro o conteúdo das falas dos
conselheiros Augusto Pinto Lima (então presidente interino) e Nelson Car­
neiro a respeito do tema:

Cf. A ta da sessão da O AB, 17/6/1947.


Boris Fausto, op. cit., p. 379-382.
'' Ver N ilo O d ália, “O Brasil n a s relações in te rn a c io n a is: 1945-1964" In: M O T A , C arlo s G u ilh e rm e (org.).
Brasil e m perspectiva. Rio d e Janeiro: B e rtra n d Brasil, 1990. (19® ed iç ão ), p. 357.
'* Cf. A ta da sessão da OAB, 2/9/1947.
" Cf. A ta da sessão da O AB, 19/8/1947.

•àl 25
_____________ História da
O r d e m dos Advogados d o Brasil

O primeiro (...) salientou a atitude sobranceira da Ordem dos Advogados em


face da ditadura que, desgraçadamente, dominou por longo tempo a nação
brasileira. Conseqüentemente, não fazia o Conselho, aprovando a indicação [de
aplausos pelo rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e “Rússia”],
senão continuar a sua grande obra em prol da independência e soberania na­
cionais. O conselheiro Nelson Carneiro rememorou fatos e expressou sinceros
votos para que perdure o regime legal que atualmente desfruta o BrasiV’^

No entanto, mesmo antes da intensificação da guerra fria, o Conselho


Federal m ostrou-se perm anentem ente antenado com as questões externas.
Basta lembrar que ainda em 1946, o seu então presidente, Raul Fernandes,
participou, como mem bro da delegação brasileira, da Conferência de Paz de
Paris^' - destinada a definir os termos finais da Segunda Guerra - , bem como,
desde 1945, a partir da histórica Conferência de São F ra n c is c o ,a criação da
Associação Internacional de Advogados, no ano seguinte, foi acompanhada
atentamente pela Ordem/^
Novamente em 1947, no mês de maio, por ocasião da viagem do presidente
D utra à Argentina e ao Uruguai, o Conselho manifestou-se a favor da aproxi­
mação crescente entre os países da América Latina, como forma de reafirmar
os valores da democracia, que

têm suas raízes na liberdade, na justiça e no direito, elementos indispensáveis


para a existência dos povos cultos e civilizados a que pertencemos.^''

Meses mais tarde, a assinatura do Tratado do Rio de Janeiro, como des­


dobram ento da Conferência Interamericana, foi comemorada no Conselho,
que recebeu um telegrama assinado pelo presidente da República, em agra­
decimento às congratulações enviadas pelo sucesso do evento.” Este mesmo
tratado, como se veria, ofereceria as bases para a criação da Organização dos
Estados Americanos (OEA), em 1948, durante a realização da IX Conferência
Interamericana, em Bogotá.

Cf. A ta da sessão da O AB. 28/10/1947,


" Cf. A ta da sessão d a O AB, 16/4/1946.
“ N e sta C o n ferên cia, a 25 d e a b ril d e 1945, foi c ria d a a O rg a n iz aç ã o das N ações U nidas (O N U ),
" V erA íflí das sessões da O A B , 1 0 /7 ,2 8 /8 /1 9 4 5 e 2 3 /4 ,3 0 /4 /1 9 4 6 .
C C A ta da sessão d a O AB, 27/5/1947.
C f. A ta da sessão da O AB, 23/9/1947.

26
\'u lu n ic ) I X ) K r d c i i i n t . r . i h / . H , u ) ,10 I ' s l . l f l o 1 ) ( ' m u ( i \ ! t i ( n (k> l l i i n ' i t o

Como reflexo da bipolarizaçâo crescente da política internacional, a partir


do agravo representado pela doutrina Truman (1947), que fazia da sua política de
auxílio e reconstrução uma questão de segurança nacional, o continente latino-
americano se viu inserido diretamente na contenda. Segundo Nilo Odália,

0 efeito imediato da divisão do mundo em dois blocosfoi o estabelecimento de


organizações regionais militares ou paramilitares, cujo objetivo era a m anu­
tenção de um estado de alerta e de defesa permanente contra as possibilidades
de irrupçãOy sem aviso prévio, de uma nova guerra mundiaV^

A Ordem dos Advogados não passaria incólume por esta tensão, seja em
âmbito mais geral, no tocante ao seu posicionamento político propriamente,
ou mesmo em âmbito mais restrito, no que tange à rotina diária do exercício
do direito. Prova disso, a título de ilustração, é o telegrama de um advogado
alagoano, de nome Aristides Saldanha, recebido pelo Conselho em meados de
1948, no qual se lê:

Comunico Vossencia fu i vítima nefando crime exercício profissão. Polícia


alagoana seqüestrou-me Maceió onde fui defender parlam entares com u­
nistas [grifo nosso] processados fantástico assalto cadeia São Luiz Quitunde.
Governador mesmo caso coagira recentemente Tribunal local. Nenhum colega
alagoano tendo aceitado patrocínio causa desembarquei Maceió dia dezoito.
Dia vinte doze horas fu i raptado Hotel Bela-Vista conduzido penitenciária
local. Vinte horas fu i assaltado cubículo bando quinze detentos chefiados
encarregado presídio. Amordaçado, pulsos amarrados, quase asfixiado, saco
envolvendo cabeça, fu i jogado automóvel juntam ente meu constituinte par­
lamentar José Maria. Depois penosa viagem ameaças assassinato atirados
estrada, espancados, abandonados, cerca seis manhã. Grandes esforços con­
seguimos retirar mordaças, cordas, verificando estar litoral pernambucano
próximo ponte Persinunga. Prova material, circunstancial, testemunhai,
exuberante responsabilidade direta Governo Alagoano.^''

Além da notificação ao ministro da Justiça, em que se cobravam provi­


dências, o Conselho decidiu comunicar o fato ao presidente da República e ao

O p . cit., p. 357-358.
Cf. A ia da sessão da O A B , 27/4/1948.

27
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

governador de Alagoas. Em outras situações congêneres, para além das ine­


vitáveis contradições internas, em função das diferenças de posicionamentos
políticos de seus membros, a Ordem, sobretudo através do Conselho Federal,
manteve-se atuando na fronteira entre a defesa das liberdades políticas e civis
- que fundamentalmente incluía o livre exercício da profissão - e o elogio geral
anticomunista propalado por significativos setores da sociedade organizada.

^.2 Direito e Política: os limites da Ordem

A 27 de abril de 1948, o presidente interino do Conselho, Augusto Pinto


Lima, fez consignar em ata um voto de pesar pelos acontecimentos do dia 17
do mês corrente, que vitimaram o jornalista Carlos Lacerda, agredido quando
chegava à Rádio Mayrink Veiga, no centro da cidade do Rio de Janeiro, por
motivos que remetem à sua rivalidade política com o então prefeito da cidade,
o general Mendes de Morais:^*

“...quero (...) fazer consignar em ata a repulsa e reprovação de todos nós ao


ato de selvageria praticado por pessoas destituídas de qualquer senso moral
contra o jornalista Carlos de Lacerda Vigilante como é o Conselho
Federal, órgão supremo da Ordem dos Advogados do Brasil, em todos os
assuntos e fatos que dizem respeito à liberdade, aos direitos individuais e à
Ordem Pública, não precisarei justificar o voto em tal sentido que submeto
à apreciação deste Conselho’T

Em seguida, o conselheiro Nelson Carneiro, reforçando a crítica ao que


entendia como um “clima generalizado de insegurança”, que incluía ainda a
intermitência dos casos de violência cometidos contra advogados no exercício
da profissão, apresentou ao Conselho o seguinte substitutivo:

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - na defesa, a que


nunca faltou, do regime legal - manifesta, de público, o seu veemente protesto

Sobre o ep isó d io ver, e n tre o u tro s, C lá u d io Lacerda Paiva (o rg.), Carlos Lacerda - depoim ento. Rio d e Janeiro;
N o v a F ro n teira , 1978. p. 84, e ABREU, Alzira; B EL O C H , Israel; LAM A RÃ O , Sérgio; LATTM AN-W ELT-
M A N , F e rn a n d o (o rg .). D icionário H istórico-Biográfico Brasileiro (D H B B ) - Pôs'1930. R io d e Janeiro:
E d ito ra FGV, 2002 (c d -ro m ), (v erb ete M O R A IS , Â n g elo M en d e s de).
O p . c i t , 27/4/1948.

28
\'()lu n ic ) I )ci R s ' ( I r n t D í M t i / . n c'li) , i ( ) I ) ( ( a!i< 11 ( I r I )j ( 'i|()

contra violações do texto constitucional, que se vão perpetrando no país, e que,


já não só perturbam, mas até impossibilitam o livre exercício da profissão.
Atentados pessoais e violências sucessivas voltam a intranqüilizar a família
brasileira, com excessos que podem abrir clareiras para a restauração da
época de truculências e de discricionarismo, unanimemente repelida pela
consciência jurídica nacional. E reitera a sua confiança em que o Governo
tomará amplas e enérgicas providencias no sentido de que à apuração das
responsabilidades, que quaisquer que sejam os culpados por tais violações se
assegurem de necessárias garantias, afim de que se restaurem no país o clima
de tranqüilidade indispensável à manutenção da ordem constitucionaV°

Instalado o debate, o conselheiro Luiz Machado Guimarães, em apoio à


manifestação primeira do presidente Pinto Lima, salientou que

o Conselho não se deve ater a uma interpretação restritiva e puramente


gramatical do seu Regulamento^' [grifonosso]. Cumpre-lhe principalmente
defender a ordem jurídica, zelando pelas liberdades individuais; atentar contra
essas liberdades eqüivale a atentar contra o Direito”?^

Por seu turno, o conselheiro Themístocles Marcondes Ferreira

declarou votar contra todas as moções ou manifestações desta natureza. No


caso em apreço, lamentava profundamente o incidente e particularmente se
reservava o direito de recriminá-lo veementemente. Achava, entretanto, que
o Regulamento da Ordem sabiamente repelia essas manifestações (...).
A ação da Ordem é delimitada à seleção, defesa e disciplina da classe dos
advogados. Não seria, pois, transgredindo a Lei que se insurgiria contra
as agressões e violações da Lei [grifo nosso]. ”

Ibid em .
O c o n selh eiro refere-se esp ecificam en te a d o is a rtig o s p re sen te s n o e n tã o vigen te R eg u lam e n to d a O rd e m ,
e m seu C ap ítu lo 1 ( “ D a O rd e m , seus fins e o rg a nização ” ), q u a is sejam , resp ectiv am en te: o 1® - “A O rd e m
d o s A dvogados d o Brasil, c ria d a p e lo a rtig o 17 d o D ecreto n.° 19.408, d e 18 d e n o v e m b ro d e 1930, é o
ó rg ã o d e seleção, defesa e d iscip lin a d a classe d o s ad v o g ad o s e m to d a a R ep ú b lica” e o 8° - "A d ire to ria, o
co n selh o e a assem bléia n ã o d iscu tirã o , n e m se p To nu n c iarã o so b re a s su n to im e d ia ta m e n te n ã o a tin e n te
ao s objetivos d a O rd e m ”. (Ver LOBO, E ugen io R. H a d d o c k e C O STA N E T T O , Francisco. C om entários ao
E statuto da O A B e às Regras da Profissão do Advogado. Rio d e Janeiro: E d ito ra Rio, 1978. p. 736 e 738).
“ O p . cit., 27/4/1948.
Ibidem .

•àl 29
_____________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

Usaram a palavra ainda os conselheiros Edgard de Toledo, Rodrigo Octávio


Filho, Braz Felício Panza, André de Faria Pereira, Telles da Cruz, Marcelo Moreira
e Anuar Farah. Por fim, por nove votos contra três, aprovou-se a proposta de
Nelson Carneiro.
Meses mais tarde, a 17 de agosto de 1948, por ocasião de sua posse, agora
como presidente eleito,^" Pinto Lima,” certamente animado pelo clima de tensão
política que ultimamente vinha se refletindo nos discursos e posicionamentos
assumidos pelo Conselho Federal, proferiu um interessante discurso acerca das
tarefas que, segundo o seu entendimento, competiriam à Ordem, alertando para
a necessidade da preservação do que considerava os limites de um a atuação
independente da instituição, que zelasse pela sua perpetuação, para além das
forças políticas em disputa em cada contexto específico.
Como se sabe, esse movimento ininterrupto de sístole e diástole marcaria
a história da instituição como um a de suas eternas questões. O tom por demais
pessoal, e mesmo dúbio, do pronunciam ento de Pinto Lima - e não tanto fruto
de um padrão institucional definido, consensual - , convence-nos justamente
do caráter controverso a respeito do tema. Senão, vejamos:

Sou daqueles que, sinceramente, crêem na relevância da tarefa cometida à


Ordem dos Advogados. Falece razão aos que a criticam, dando-a por inefi­
ciente na sua obra de aprimoramento da nossa classe. Injustos são os que
lhe reclamam outras atividades senão as regulamentares (...).
Tenho, contudo, para m im que a finalidade da Ordem outra não deve ser
senão a que está inscrita no artigo l°d o regulamento, em seus precisos termos:
órgão de seleção, defesa e disciplina da classe dos advogados.
Não há por que se transpor esse raio de ação; nem se legitima o alarga­
mento desses limites, com a interferência da instituição no que não se
relacionar diretamente com o exercício da nossa profissão.
A vida da Ordem, a meu ver, está circunscrita, e assim deverá continuar.

A a p u ra ç ã o d o s v o to s d a s 22 delegações c h eg o u a o segu inte re sultad o: p a ra P reside nte - A u g u sto P into


Lim a (14 votos) x O d ilo n d e A n d ra d e (7 v o tos), e u m a cédula e m b ra n c o ; p a ra S e c re tário-g eral - José
Joaq u im M arq u es F ilho (15 v o tos) x João N icolau M á d e r G onçalves (7 v o tos). Cf. A to da sessão d a OAB,
11/8/1948.
O con selheiro A u gusto P in to Lim a viria a falecer s u b ita m e n te a m e n o s d e u m m ês a p ó s s u a posse, e m plena
sessão d o C o n se lh o Federal, n o m o m e n to e m q u e aprese n ta v a a s u a re n ú n c ia à p resid ência d o C o n se ­
lho Seccional d o D istrito Federal, p o s to q u e se le v a n ta ra m contro v é rsia s acerca d a co m p a tib ilid a d e d o
cargo c o m o d e p re sid en te d o C o n se lh o Federal, q u e exercia c u m u la tiv a m e n te , a in d a q u e n a c o ndição
d e inte rin o . Cf. A ta d a sessão da O A B , 31/8/1948.

30 máM
V 'o lu n ic ") I )ii K t ,ili/,u ,'i( 1 .H) I nI.ii It) [ ) (' ini )( I ,it ic 1) ( Ir I )i I ('i!()

em prol de seu próprio prestígio, às nossas atividades profissionais?^ [grifos


nossos]

Na seqüência, promove a relativização dos princípios aparentem ente


inflexíveis que acabara de defender, ainda que ressaltando a sua excepciona-
Udade:

...é certo que é de seu [do advogado] dever, nos m omentos excepcionais
de crise no direito, manifestar-se, não acudindo, apenas, a interesses
exclusivos da classe, senão, também, a reclamos da Nação, sempre que a
ordem jurídica for ofendida por excessos do poder (...).
Nessas em ergências, os interesses da classe se confundem com os
da coletividade, como brilhantemente salientou esse ilustre conselheiro
[Dario de Almeida Magalhães], nesta judiciosa observação: “Quando se
atinge, por um ato de arbítrio, a ordem jurídica ou a legalidade, o que
se está solapando ou destruindo é a própria razão de ser da profissão do
advogado e do papel do jurista e, por isso mesmo, nunca se entendeu que a
missão de um e de outro e os deveres correspondentes se confinassem num
âmbito angusto da atividade profissional cotidiana. Não é esta a tradição
da nossa profissão, nem jamais se compreendeu que de tal form a se deveria
amesquinhar 0 papel do advogado e do jurisconsulto, equiparando-os ao de
outras profissões que não têm o mesmo relevo e influência cívica, porque,
na verdade, o advogado deve interessar-se por tudo o que diz respeito
ao m eio social, no que se refere à sua organização, à sua estrutura, à
vida pública, às prerrogativas, aos direitos e aos interesses coletivos
dos cidadãos”.^’ fen/os nossos]

Nem tanto lá nem tanto cá, visivelmente à busca de um equilíbrio que


pudesse não significar o abandono nem o privilégio de nenhum dos princípios,
Pinto Lima finaliza o discurso retom ando a defesa de um a atuação da Ordem
mais descolada da inconstância da política institucional e partidária;

Se é exato, portanto, que o advogado, no exercício de sua árdua profissão, não


pode sofrer limitações que não as da sua ética, não é m enos verdade que a

Cf. A ta d a sessão da O A B , 17/8/1948.


Ibidem .

•àl 31
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Ordem, como órgão de representação da classe, não deve sobrepor-se ao


seu próprio regulamento, desviando-se da sua meta, sob pena de com ­
prometer a sua força moral, única arma de que dispõe, [grifo nosso

É representativo ainda das recorrentes controvérsias acerca dessas tênues


fronteiras, o posicionamento de repúdio do conselheiro Dario Magalhães à
manifestação elogiosa endereçada ao presidente Dutra, aprovada pelo Conselho,
no episódio já citado da visita deste à Argentina e ao Uruguai, ainda em meados
de 1947. Curiosamente, o autor da proposta foi o então presidente interino
Augusto Pinto Lima, que tentou, porém, apartar seu entendimento pessoal do
posicionamento do Conselho:

O Presidente, lembrando ao Conselho a viagem do Presidente da República


aos países da América do Sul - Argentina e Uruguai pediu um voto de
regozijo pela brilhante aproximação das nações americanas, de que o Brasil
fez parte, demonstrando mais, que a democracia tem suas raízes na liberdade,
na justiça e no direito, elementos indispensáveis para a existência dos povos
cultos e civilizados, a que pertencemos, mercê de Deus. Faria constar na ata,
esse regozijo, como seu voto pessoal, sem envolver nele a responsabilidade do
Conselho Federal?^

Em seguida, o conselheiro Dionízio Silveira, representando a Seccional


do Distrito Federal,

propôs que o Conselho Federal fizesse seu esse voto, porque do regozijo do
povo brasileiro pelos efeitos e repercussão dessa visita do Presidente Dutra,
que projetou o Brasil, com grande prestigio, na política interamericana, de­
vem também participar os juristas. Assim não havendo ao que lhe parecia,
nenhuma objeção de ordem cívica, por parte de qualquer conselheiro, esperava
fosse aprovado o seu requerimento.*^

Tal posicionamento gerou intenso debate na sessão seguinte do Conselho,


a começar pelo conselheiro Sobral Pinto, que se posicionou contrariamente

’* Ibid. A respeito d o assu n to , ver a in d a A ta da sessão da O A B , 28/9/1948.


" Cf. A m da sessão da O AB, 27/5/1947.
“ Ibidem .

32 màM
\ ' n l ui i i r I ) i i l \ ( ‘( l ( ' i n ( )i i , i l i / . K j ( ) ) 1 s 1, k I( ) I )( I'.il i( o ( !( ■ O i t c ' i l i

ao “voto de regozijo”, sendo acompanhado por Dario Magalhães, que o julgou


“flagrantemente contrário ao Regulamento da Ordem ”/ '
Como vemos, portanto, o mesmo Dario Magalhães que, no discurso de
posse de Pinto Lima, com o papel que lhe foi atribuído pelo autor, funcionou
como contraponto do que seria uma atuação mais tím ida da Ordem, mais
circunscrita às suas prerrogativas regimentais, aparece em momento distinto
no papel inverso, assim como Pinto Lima. Note-se, no entanto, que de um lado
ou de outro as possibilidades de afirmação e negação das posturas são muitas
e variadas. Assim é que podemos entender como, por exemplo, o elogio da po­
lítica externa do país, no sentido do reforço dos laços políticos de ajuda mútua
e cordialidade diplomática pôde representar, a um só tempo, a defesa da ordem
institucional - portanto, cabível pelo que pretende preservar, mesmo que obe­
decendo a um perfil mais ampliado de atuação da Ordem - e uma manifestação
política imprópria, destoante das obrigações regimentais da instituição.
Tais questões, para além da cautela que revelam diante da permanente e
delicada decisão política de que espaços ocupar, têm se constituído no p rin­
cipal ponto de equilíbrio na definição dos rumos da Ordem ao longo de sua
história. Como veremos mais adiante, desde muito cedo, até pelas condições
de sua criação e pela essência do seu papel de entidade representante de uma
classe profissional,"^ ficou patente que a sua longevidade estaria condicionada
à própria capacidade de, por um lado, preservar-se, em alguma medida, da luta
política e ideológica e, de outro, não se eximir da vida pública, escudando-se
unicamente nos seus objetivos regimentais.

1.3 No caminho da maioridade: desafios internos e externos

A 18 de novembro de 1950, por ocasião das comemorações pelo seu vigésimo


aniversário, o então presidente da Ordem, Haroldo Teixeira Valladão,*'^ referiu-se
ao percurso cumprido e ao ainda por cumprir com as seguintes palavras:

Cf. A ta da sessão da O A B , 3/6/1947.


" V e r Lúcia M aria Paschoal G u im a rã e s c T â n ia B es s o n e e m Criação, prim eiros percursos e desafios (I9 3 0 -I9 4 5 ).
Brasília, OAB, 2003, p. 30. (Vol. 4 d a coleção H istó ria d a O rd e m d o s A d vogados d o Brasil, c o o rd e n a d a
p o r H e r m a n n Baeta), p. 19-38 e 125-127.
O s resultados d o pleito q u e o elegeu, n a sucessão d e O d ilo n d e A n d ra d e , fo ra m os seguintes; p a ra Presidente
- H a ro ld o Teixeira Valladão (18 votos) x A m o ld o M ed e iro s d a Fonseca (4 voto s); p a ra S ecretário-geral
- M ac á rio d e L em os Picanço (21 votos) x É dson d e O liveira R ibeiro (1 v o to). C f. A ta da sessão da O AB,
11/8/1950.

•ál 33
História da
O rdem dos Advogados do Brasil

Qual 0 nauta, que fa z o ponto, a ver a posição do seu barco para prosseguir
com rumo certo, a nós, também, cumpre nessa estação evocativa, não esquecer
que 0 combate não cessou, que a estrada é para frente, que o olhar é para o
futuro...*^

Finda a conturbada juventude, quase integralm ente vivida sob uma


ditadura, a Ordem chegava à idade adulta com dois grandes desafios a lhe
ocupar as energias: assegurar em definitivo a sua legitimidade e independên­
cia junto ao Estado e à sociedade civil organizada, além de adequar a gestão
e os seus docum entos normativos ao increm ento do seu próprio papel como
órgão de classe.
Não foi por outra razão que Venâncio Füho assim se referiu a este momento
particular da história da Ordem:

Ao comemorar seus vinte anos de existência, a Ordem parece ter se dado conta
da necessidade de reorganizar-se e ganhar uma nova estrutura interna, mais
consentânea com a expansão de suas atividades e o aumento de seus quadros.
Essa passaria a ser a grande preocupação, até culminar com a promulgação
da Lei n. 4.215, em 27 de abril de 1963.''^

Isto, no entanto, não significou a desatenção para com a defesa da ordem


institucional. É bem verdade que a volta de Getulio Vargas à presidência da
República'*^ provocou, nas forças políticas herdeiras da luta contra a ditadura
estadonovista - das quais fazia parte a OAB - certo receio de que a ordem cons­
titucional pudesse sofrer novo golpe. O agravamento do quadro econômico, com
a crescente alta dos índices inflacionários, conjugado à tensão da conjuntura
internacional,'*’ fez da primeira metade da década de 1950 um período de ins­
tabilidade que se refletiria nos pronunciamentos e posicionamentos assumidos
pelo Conselho Federal.
Sintomaticamente, a 22 de maio de 1951 - poucos meses após a posse de
Vargas - , por ocasião das homenagens prestadas pelo Conselho ao dr. Laudo
de Camargo, em função de sua aposentadoria do Supremo Tribunal Federal,

" C f. A ta da sessão da O A B , 18/11/1950.


" O p . c it.,p . 88.
N as eleições realizadas e m 3 d e o u tu b r o d e 1950, G e tú lio venceu c o m a m p la m a rg e m d e van ta g em , o b te n d o
4 8,7 % d o to ta l d e votos, e n q u a n to os o u tro s d o is c a n d id ato s, E d u a rd o G o m e s e C ristia n o M achado,
a lc an ç a ra m 29,7 e 21,5% re spectivam ente. Boris Fausto, op. cit., p. 405.

34 màM
V 'o iu n x ’ ’ IX i R i ’d c m o i , i \ i i i / , u . j o JO L s lado l) c m o ( r j t i i o dc D itt'ilo

0 próprio, em discurso de agradecimento, lembrou a importância do papel do


advogado em sua vigília contra as constantes ameaças à ordem democrática:

Constituem [os advogados] mesmo guardas intemeratos da legalidade, im ­


pedindo^ pela ação vigilante, vinguem propósitos menos regulares, contra a
legítima atuação do direito, que todos querem mas poucos asseguram a sua
eficácia. (...) o poder absoluto corrompe de modo absoluto. Épor assaz sabida,
e conhecida, esta verdade, nos países em que a lei se torna um mito...

Em seguida, em nom e do Conselho, o conselheiro Dario de Almeida


Magalhães, completou a percepção do quadro de instabilidade do momento
histórico vivido, à luz do passado:

O mundo social e jurídico em que V. Ex. formou o seu espírito era de ordem
e estabilidade (...) A evolução se fazia pausadamente, sem surpresas, nem
sobressaltos. (...) A terrível guerra mundial foi o primeiro tufão de insânia
que soprou sobre este mundo em aparente equilíbrio. (...) O desenvolvimento
da técnica e a expansão dos negócios criaram uma realidade nova e brutal.
(...) As lutas sociais ganharam ferocidade e extensão, suscitando problemas
agudos e inquietantes. (...) No nosso próprio país, em estágio ainda incipiente
de evolução política e social, o clima de ordem criado, e sustentado, de m a­
neira talvez artificial, porém benfazeja, pela formação jurídica de suas elites
dirigentes, os abalos adquiriram extensão e profundidade desconhecidas.
Desviou-se o curso de sua evolução; submeteram-no a experiências temerárias;
fomos arrastados a agitações que destruíram o frágil arcabouço do sistema
sob 0 qual vínhamos procurando o caminho do progresso.'*'^

Mas mesmo antes, ainda em 1950, o recrudescimento das denúncias de


arbitrariedades e violências cometidas contra advogados suscitou novos pro­
testos/'* A 16 de maio, na mesma sessão em que a Seccional de Goiás solicitou a

Vale le m b ra r q u e a G u e rra d a C o réia, q u e p o la riz o u a in d a m ais o conflito e n tre E stad os U n idos e U nião
Soviética, o c o rre u e n tre 1951 e 1933.
Cf. A ta da sessão da O A B , 22/5/1951.
" Ib id e m .
Se desd e fins de 1945, a pós a q u e d a d o Estado Novo. os casos d e violência c o n tra adv o g ad o s e n tra ra m em
c u rv a d e sc e n d en te, a p a r tir d e 1948, a d e sp e ito d a m a n u te n ç ã o d o E sta d o d e direito, h o u v e u m a u m e n to
significativo das d e n ú n cias, c e rta m e n te c o m o reflexo da tensa c o n ju n tu r a in te rn a c io n a l e d o a u m e n to
d o n ú m e ro de advogad os em atividade. Ver Aííis das Sessões da O AB, 1946-1950.

m àM 35
História da
O rdem dos Advogados do Brasil

intervenção do Conselho junto às autoridades locais, em função das violências


sofridas por advogados daquele estado, o conselheiro Sobrai Pinto referiu-se ao
“clima de violência que vai pelo Brasil, o qual está a exigir o protesto veemente de
todos, máxime dos juristas?' e propôs que fosse transmitido, com o adendo do
seu protesto pessoal, o teor do telegrama recebido da seccional goiana ao ministro
da Justiça e Negócios Interiores, solicitando-lhe as providências cabíveis.
Ao debate que se seguiu sobre a pertinência da notificação ao ministro da
Justiça, haja vista que, segundo o argumento do conselheiro Macário Picanço,
não teria este instrum ento para interferir na administração estadual, o mesmo
Sobral Pinto, secundado pelo conselheiro Washington de Almeida, fez por onde
lembrar que os estados “se são autônomos, não são soberanos”, ressaltando
ainda que o ministro “tem descumprido, lamentável e principalmente, o dever
de assistência e de garantia aos direitos cardeais do cidadão”. Sobral solicitou
também que se fizesse um apelo ao ex-presidente do Conselho e então ministro
das Relações Exteriores, Raul F ernandes,para que intercedesse junto ao governo
do qual fazia parte, no sentido de não perm itir que ficassem impunes “os crimes
praticados contra a segurança nacional e as liberdades individuais”.^^
Após recordar a atuação corajosa da Ordem ao longo do Estado Novo e,
sobretudo em 1945, nos m omentos finais da ditadura varguista, não poupou
nenhum a autoridade governamental o polêmico jurista, nem mesmo o seu já
citado ex-colega de Conselho, Raul Fernandes:

As autoridades mostram-se coniventes na afronta à legalidade, na liquidação


da ordem jurídica nacional. O Conselho Federal há de participar da defesa
da ordem jurídica nacional, da dignidade da justiça. (...)
Sua Excelência parece hoje indiferente ou desconhecedor de atentados que
verberava ontem. (...) Quer queira, quer não, aquele antigo ilustre Presidente
do Conselho participa do desrespeito do Governo à legalidade. Governo é um
todo, um bloco: não tem um setor honrado e outro não, ou seja, um sujeito
ã legalidade e outro autorizado a afrontá-la. (...)

Cf. Ara da sessão da O AB, 16/5/1950.


D ois m eses a p ó s o seu re to rn o d a C o n fe rê n cia de Paris, e m d e z e m b ro d e 1946, R aul F e rn a n d e s foi no m e a d o ,
pelo presid en te D u tra , m in is tro das Relações E xteriores. Tendo sido reeleito p re sid en te d o C o n se lh o
Federal q u a n d o d e sua e stad a n a E uro p a, teve sua re n ú n c ia neg ad a pe lo C o nselh o, q u e e n c o n tro u s o ­
lução in te rm e d iá ria lic e n cian d o -o d o cargo p a ra q u e p u d e sse a ss u m ir o M in istério. A p resid ência d o
C onselho, q u e já vin h a se n d o o c u p a d a p o r P in to Lim a, in te rin a m e n te , c o n tin u o u c o m o p ró p rio . Cf.
A ta s das sessões da O A B , 17,24 e 31/12/1946.
O p. cit.

36 màM
\ 'Illume 1 I ).i i s c ' d c n u i i I,III/.II ,1(1 a o l'^ lJ(!() D r m n i I'.ilii n d r D i U 'it o

[Convoco-0 j a lutar no Governo pelo restabelecimento da ordem jurídica, e


pelo respeito às liberdades humanas.^''

Três meses mais tarde, o então ministro da Justiça, e também jurista, José
Francisco Bias Fortes,^’ esteve pessoalmente no Conselho Federai, onde foi
saudado e proferiu um discurso. O teor do pronunciamento revelou, por um
lado, a intenção clara do governo de não deixar sem respostas as denúncias e,
por outro, o alcance da crescente legitimidade que vinha sendo conquistada
pela Ordem. Senão, vejamos:

A Ordem dos Advogados do Brasil (...) constituí hoje um dos mais vi­
gorosos esteios de um governo democrático. (...)
...corporifica os altos ideais de justiça que preocuparam tradicionalmente
os advogados e que não podem ser atingidos a não ser pela subordinação do
exercício profissional aos rigores de escrupulosa probidade. (...)
Profissão que é um múnus público, senão um sacerdócio, para cujo desem­
penho a vocação é imprescindível. (...)
A independência e a altivez têm que acompanhá-lo [o advogado] como
a bússola ao nauta. E isso porque o advogado éy muitas vezes, o defensor do
fraco contra o forte, do pobre contra o rico, do oprimido contra o opressor, do
cidadão contra o Estado. (...)
Estas palavras (...) são apenas reflexões sugeridas por este contato, penhoran-
te para o ministro da Justiça de um governo que tem para com a lei um
respeito religioso. (...)
Tendes problemas a solucionar, desde o de vossa acomodação condigna até o
da reforma de vossa lei constitucional Como ministro da Justiça do governo
do excelentíssimo senhor Eurico Gaspar Dutra, eu me ponho a vossa disposição
para colaborar convosco, dentro de minhas atribuições, para a consecução
desses e de outros objetivos. Se me derdes essa oportunidade, alegrar-me-eis
0 coração, pois, lado a lado com a Ordem dos Advogados, estarei servindo ao

BrasiU^ [grifos nossos}

Encerrado o pronunciamento, além das cordialidades de praxe, não houve


qualquer ensaio de retomada do clima tenso de sessões anteriores. O simbolismo
Ibid e m .
" D H B B , op. d t . , (v erbete BIAS FORTES, José Francisco).
Cf. A ta da sessão da O AB, 22/8/1950.

37
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil
]
da visita, bem como algumas passagens do pronunciamento do ministro, foram
compreendidos pelos conselheiros na dimensão que tiveram, independente­
mente das intenções de verdade do discurso.
Dois pontos da fala do ministro cabe destacar, no entanto, para ratificar
os “desafios da maioridade” que estavam colocados para a Ordem: a “inde­
pendência e altivez” necessárias ao exercício da advocacia e a referência aos
“problemas a solucionar” que a Ordem teria, em especial, a “reforma de sua lei
constitucional”.
Se a atualização e reforma dos documentos normativos já vinham sendo
apontadas como necessidades prementes desde fins da década de 1940 - o que
culminaria, após um longo processo, com o Estatuto de 1963 a ameaça à sua
autonom ia administrativa, sobretudo financeira, ressurgia, em 1950, como
questão a ser enfrentada.”
Sintom aticam ente, na sessão solene de 21 de novem bro daquele ano,
ainda sob o clima de com em oração pelos 20 anos, o conselheiro A ntônio
Paulo Soares de Pinho, da Seccional do D istrito Federal, fez referência em
seu discurso aos “inim igos da O rdem ” referindo-se aos que a acusavam
de prom over o tolh im en to da liberdade profissional. Nas palavras do
próprio:

Decretada a criação da entidade, em 18 de novembro de 1930, de novo


vieram à liça os seus adversários, em nome, principalmente, do falso con­
ceito de liberdade profissional e do temor da volta à 'Ordo Advocatorum’
medieval. (...)
A existência de uma organização que [se] vale pelo desempenho correto
da profissão e que, a par da seleção dos profissionais, lhes corrija as faltas
e, ainda, defenda a classe, em nada contraria o conceito de liberdade de
profissão.^^

E ainda:

'‘Por igual sem procedência é a outra alegação principal contra a Ordem, que
seria uma organização fechada, procurando reviver as corporações de ofício
D a ta m ain d a d e m e a d o s d e 1948 as p rim e ira s investidas da C o n ta d o ria G eral d a R epública e d o T rib u n a l de
C onta s d a U n iã o p a ra q u e o C o n se lh o d a O rd e m sub m etesse à apreciação desses órgão s os seus balancetes
c ontábeis. C í.A ta s das sessões da O AB, 13/7 c 17/8/1948.
C f. A ta d a sessão d a O AB, 21 /11 /1 9 5 0 (A nexo; “D iscu rso ”, p. 9-10).

38 màM
V 'o kim c > Dti I \ ( ' c k ’i i i í K r , i t i / . u , i ( ) >i() I ‘> t < i ( l o D r m o i i J l i i o d c f^ iie ilo

da Idade Média, que tolhiam, completamente, a iniciativa individual e nem


de longe permitiriam falar em liberdade de profissão.^'^

Ao que parece, os “inimigos” para o conselheiro estariam entre os próprios


juristas que, através da desqualificação ou do não-reconhecimento da utilidade da
Ordem, promoveriam a sua difamação por não desejarem o seu “controle”. Cabe-nos
suspeitar, no entanto, que, a despeito da existência concreta desta tensão, por trás
da polidez habitual talvez a pecha de “inimigos” se estendesse para além do campo
dos juristas, especialmente para os que desejavam limitar a sua independência
através do controle estatal. Se pensarmos ainda que o Estado, através de seus muitos
agentes e agências, não se constitui em um bloco monolítico, não nos surpreenderá
que a Ordem, a um só tempo, como produto do próprio Estado, tenha sido por ele
legitimada e também através dele tenha se tentado submetê-la.
Assim, em ofício que lhe foi remetido no mês de abril de 1950, o Tribunal
de Contas da União (TCU), através de seu presidente, estipulava um prazo de
60 dias para que fossem apresentadas as suas prestações de conta, por consti-
tuir-se, a Ordem, no entendimento daquele órgão, num a autarquia e, portanto,
como previsto em lei, devendo enquadrar-se nas obrigações estabelecidas para
instituições daquela qualidade.^"
Como se veria, a batalha pela manutenção da autonom ia não se esgotaria
por completo em m om ento algum da história da Ordem, alternando, somente,
períodos de hibernação e atividade.^’ Como em outras ocasiões, o Conselho
reagiu, posicionando-se de m odo veementemente contrário à tentativa de in­
gerência nos assuntos da instituição.
A 2 de maio, o relator designado para a matéria, o conselheiro Dario Ma­
galhães, pronunciou-se a respeito do assunto. Ainda que extensa, compensa-nos
a longa citação pela precisão da abordagem. Sobre a natureza e finalidade da
Ordem, nos diz:

...a Ordem é uma associação ou corporação profissional, que reúne todos os


que exercem o ofício de advogado. Não é um a corporação voluntariam ente

Ib id e m , p. 11.
“ C f. A m da sessão íín OAB, 20/4/1950.
Sobre este a ss u n to ver, e n tre o u tro s , C aio M á rio d a Silva Pereira, c m A O A B na voz de seus presidentes,
Brasilia, OAB, 2003, p. 57-68. (Vol. 7 d a coleção H is tó ria d a O rd e m d o s A dvogados d o Brasil, c o o rd e n a d a
p o r H e r m a n n B aeta). Ver a in d a “A a u to n o m ia am e aç a d a" (boxe), In: H istória da O AB, dispon ivel em
http;//w \v w .o a b .o rg .b r/h ist_ o a b .

39
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

constituída: criou-lhe a lei, atendendo à velha aspiração da própria classe
que a compõe. (...)
Criada pela lei, com a missão de desempenhar a tarefa que lhe foi cometida,
e detendo o monopólio do poder específico que lhe foi conferido, a O rdem só
p o r um a o u tra lei poderá ter m odificado os seus estatutos, ou encerrada
a sua existência. (...)
O encargo que lhe foi atribuído envolve, inegavelmente, o desempenho de um
serviço público federal.^^ [grifos nossos]

Quanto às suas responsabilidades legais e reafirmando as peculiaridades


de sua criação, afirma:

Na realização de sua tarefa, e no exercício de seus poderes, a Ordem não


está subordinada senão à lei. Não se a colocou n a dependência h ierá r­
quica de qualquer o u tro órgão ou entidade. N ão conhece ela qualquer
o u tra fo rm a de ‘controle’, senão o jurisdicional, que pertence à justiça
ordinária... (...)
A circunstância de ser um ente criado pelo Estado não lhe dá, por si só, o caráter
de ente público, pois o Estado pode criar também entidades privadas. (...)
Criada como pessoa jurídica de direito público, gozando de um conjunto de
poderes e prerrogativas, que só aos entes, assim qualificados, se conferem,
vivendo e agindo fiel ao caráter de que foi investida, a O rdem não pode
desconhecer esta realidade, sem enfraquecer a p rópria força, e abalar
seriam ente o prestigio de que se reveste, para bem cumprir a missão que
lhe foi entregue.*"^ Ig^ifos nossos]

Pondo em xeque a suposta natureza autárquica da Ordem, continua:

Não podendo e não devendo despir-se da qualidade de que desfruta, e


que lhe reforça a força e a influência [grifo nosso]; conservando a condição
de corporação profissional, detentora das prerrogativas que singularizam as
pessoas de direito público, o que cumpre indagar é se, assim procedendo, a
Ordem se há de classificar, ipso facto, entre as autarquias que, pelo art. 77,
n. II da Constituição, são obrigadas a prestar contas no Tribunal de Contas.

Cf. A m da $essão d a O AB, 2/5/1950.


Ibid.

40 màM
V 'o lu in c 1 I )<i l\(‘( li’iiK i( t . i l i / j i j ( ) ,1(1 [ sIckIo I H r,ili( 1> (l( ■ Hii Í 'ilo

Como se sabe, não há na doutrina um conceito uniforme sobre o que seja


uma autarquia administrativa. (...)
Entre nós as autarquias têm finalidade acentuadamente econômica; destinam-
se, salvo raras exceções, ao desempenho de serviços de natureza industrial
ou comercial, ou a atender à previdência social, através de organismos que
operam também como verdadeiros bancos de investimento.
O patrimônio delas é um patrimônio público; os seus serviços são mantidos,
pelo menos parcialmente, com recursos fornecidos pelo Tesouro Público; os
membros da sua diretoria senão todos, os que nela tem maior autoridade, são
nomeados pelo poder executivo. Nada disso se verifica com a Ordem.^

E conclui de m odo taxativo:

Em face de todos os motivos expostos, pensamos que nenhum a razão justifica


a exigência de prestação de contas, pela Ordem , ao Tribunal de Contas.
(...)
A posição da O rdem , o papel que lhe foi destinado, a autoridade de que
se reveste, as responsabilidades que lhe incumbem, não se coadunam com
qualquer form a de tutela adm inistrativa.
A plena independência lhe é essencial, não só à dignidade da instituição,
como à própria eficiência de sua atividade peculiar. A independência da
O rdem protege a independência do advogado; e sem esta a profissão decai
de sua grandeza e de sua utilidade social.
Acatamos a lei, porque o nosso destino não é outro senão o de purgar para que
ela seja fielmente obedecida. Toca-nos, porém , a obrigação de preservar a
instituição a que servimos, na plenitude da independência com que foi
criada, e com que tem vivido, nobrem ente, no receio de que a m enor res­
trição a esta independência, sem que nenhum a razão de ordem superior
a justifique, poderá ser um estím ulo a novas e m ais sensíveis restrições.
E esta m esm a independência é o nosso verdadeiro patrim ônio, aquele
que nos é m ais precioso e necessário/^ [grifos nossos]

Posto em debate o parecer, houve divergências em plenário, que não im ­


pediram, no entanto, que o mesmo fosse aprovado. Como desdobramento, o

Ibid.
Ibid.

m áM 41
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Conselho recorreu à Justiça, im petrando um m andado de segurança, tomando


este parecer como base. Ainda assim, em 14 de novembro daquele ano, uma
semana antes do conselheiro da Seccional do Distrito Federal, Soares de Pinho,
proferir o discurso por nós aqui citado, um telegrama assinado pelo diretor
geral do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) informava
da realização e convocava um representante da Ordem para, dali a alguns dias,
comparecer a uma reunião que trataria da padronização das contas de entidades
autárquicas.^
Um mês mais tarde, em não tendo havido resposta formal do Conselho
para a convocação, e com o indeferimento do m andado de segurança pleiteado,
um novo ofício do TCU foi encaminhado à Ordem, “concedendo 30 dias de
prazo para prestação das contas referentes ao período de 18 de setembro de
1946 a 31 de dezembro de 1949”.^’ Designou-se o mesmo Dario Magalhães para
relatar a matéria e a 26 de dezembro foi aprovado um novo parecer no sentido
de se aguardar o julgamento final da causa, já que o Conselho havia recorrido
da prim eira decisão.^* Por fim, somente em julho de 1951, o Tribunal Federal
de Recursos decidiu favoravelmente à Ordem. Na sessão do dia 24 deste mês,
quando da chegada da notícia do parecer favorável ao Conselho, o mesmo to­
m ou ciência de um terceiro ofício, encaminhado pela Secretaria da Presidência
da República, solicitando, mais uma vez, o envio de seu orçamento ao DASP.
Pondo termo à questão, mesmo que temporariamente, aprovou-se um parecer
em resposta ao órgão federal,

esclarecendo-se ao remetente que a Ordem não está sujeita à exigência nele


manifestada, como foi reconhecido em decisão do Tribunal Federal de Re-
cursos.^'^

No entanto, se ao menos por ora um dos desafios havia sido superado,


outro não menos urgente, como apontamos, acenava com a necessidade de um
encaminhamento satisfatório. Não por outra razão foi que, ainda em meados de
1948, o então secretário-geral Máder Gonçalves afirmou, em relatório referente
aos dois últimos anos de trabalho do Conselho Federal, o seguinte:

Cf. A ta da sessão d a O AB, 14/11/1950.


Cf. A ta da sessão da O AB, 12/12/1950.
" Cf. A fa da sessão da O A B , 26/12/1950.
Cf. A m da sessão da O A B , 24/7/1951.

42 màM
I )j K c ( i ( ' n i ( ) ( , r . i t i / . n <1(1 a o l - ^ - l . u i o l l r m o i i \ i l i c o c I c f l i r c i l u

Tanto 0 Regulamento como o Regimento Interno estão necessitando mo­


dificações. Assim asseveramos, pelo trato que temos tido com os mesmos
nesse tempo de Secretariado Geral (...). Na parte referente À5 relações dos
Conselhos Seccionais com o Conselho Federal reside a maior falha que pode
ser anotada/^

Como se vê, a despeito da consideração de outras questões de relevo,


como a situação financeira do Conselho e a precariedade de suas instalações,^'
coube o maior destaque para a relação entre este e as seccionais que, se por um
lado representavam, com a sua multiplicação por quase todos os estados da
federação, um dos sinais da consolidação da instituição, sob o patrocínio do
Conselho; por outro, como contrapartida, exigiam do próprio o incremento
de sua estrutura organizacional.
Sendo a Ordem um a instituição criada com o intuito principal de norma-
tizar e regular a prática advocatícia, não é de se estranhar a exigência, por parte
de sua maior instância decisória, o Conselho Federal, de um a ação coordenada,
com certo grau de uniformidade, entre todas as suas esferas de poder, ainda
que isso não devesse significar, a concluirmos pelo previsto no Regulamento
vigente à época, completa submissão hierárquica, mas sim satisfação quanto ao
andamento dos trabalhos e prestação de contas.’^
No que tange, especialmente, à administração dos seus quadros - sejam
os já inscritos, os recém-admitidos ou os que tiveram a inscrição recusada na
Ordem - , o relatório apontava o descumprimento, por parte das seccionais, do
que determinava o artigo 52 do Regulamento:

...cada Conselho comunicará (...) a organização e todas as alterações dos seus


quadros, assim como as penalidades que aplicar e os pedidos de inscrições
que recusar.^^

Cf. A ta da sessão da O A B , 11/8/1948 (A nexo: “ R elatório” ).


" Até a in a u g u ra ç ã o da C asa d o A dvogado, e m 1954, o C o n se lh o Federal p e rm a n e c e u insta lad o nas d e p e n ­
dências da Seccional d o D is trito Federal.
Acerca das seções dos estados, o R egulam ento vigente à época, d c 1933, e m seu C a p ítu lo I (D a O rd e m , seus
fins e org a n iz a çã o ), artig o 3°, p a rá g ra fo 1°, assim versa; “C ad a Seção terá p e rs o n a lid a d e ju ríd ic a p ró p ria ,
c o m inteira a u to n o m ia q u a n to à sua organização e a d m in istração, sob as n o rm a s d o p resente R eg ulam en­
to ”. E a in d a , e m seu C a p itu lo IX (D o C on se lh o Federal), artig o 83: “A n u a lm e n te, c m d a ta p re v ia m e n te
fixada, os C o n selhos d e todas as seções re u n ir-se -ã o e m C o n se lh o Federal, pa ra apre se n ta ç ão d o relatório
das p rin c ip a is o c o rrê n c ia s d o a n o e m cad a seção e delib e ra çã o so b re p ro v id ê n c ia s a to m a r o u m e d id a s a
s u g erir aos p o d e re s p úb lic o s”. Cf. Eugênio H . Lobo e Francisco Costa N etto, o p . cit., p. 736 e 767.
O p . cit., 11/8/1948.

•àl 43
História da
O rdem dos A dvogados d o Brasil

Note-se que, na letra fria da lei, o estabelecimento de critérios mais claros


para a admissibilidade nos quadros da Ordem não aparece como um proble­
ma candente, bastando para o Conselho a comunicação formal das medidas
tomadas referentes à “organização”, “alterações”, “penalidades” e “pedidos de
inscrições recusados”.
Em verdade, esta preocupação escondia uma outra, mais séria, que passava
não pelo controle regimental, apenas, do Conselho sobre as seccionais, mas pela
necessidade de m anter a integridade de um discurso e de uma prática, à medida
que a outra face do crescimento vertiginoso de qualquer instituição pode ser
justamente a diluição de sua essência.
Nas palavras do presidente Valladão, por ocasião da abertura dos trabalhos
da 2M Sessão Ordinária, em agosto de 1951, fica explícita esta preocupação:

Da advocacia saem e têm saído, no Brasil e no estrangeiro, em absoluta


maioria, os homens que integram os poderes do Estado, deputados, senadores,
ministros, presidentes, magistrados.
Se a Ordem é, portanto, uma sementeira de políticos, de estadistas, de juizes,
relevantíssima para a nacionalidade é a missão que lhefoi confiada, de seleção
e disciplina da classe dos advogados.''*

Não por acaso foram recorrentes no Conselho os debates em torno da


concessão de vistos provisórios, acatamento e cassação de inscrições, bem como
acerca da pertinência da concomitância da prática advocatícia com a ocupação
de determinados cargos públicos, ou quaisquer outros temas correlatos que p u ­
dessem pôr em suspeita a lisura e a ética da atividade profissional dos advogados
ou significar a fragilização dos instrumentos de controle por parte do Conselho.’^
Representativa desta preocupação foi a criação, ainda em 1947, de uma comissão
composta por quatro conselheiros - já citada aqui por nós - para proceder ao
estudo dos projetos de lei que “transita(va)m pela Câmara e que trata(va)m do
ingresso no Quadro da Ordem de pessoas que não preench(iam)em os requisitos
exigidos pelo Regulamento”.’^

’■' Cf. A ta da sessão da O AB, 11/8/1951.


A títu lo d e ilustração, vejam os o v o lu m e de sessões d o C o n se lh o Federal e m q u e o a ss u n to foi o b je to de
p a u ta , e n tre os a n o s 1946 e 1948; 2 /7 e 20/8/1946; 1 0 /6 ,8 /7 ,2 2 /7 ,5 /8 ,2 6 /8 ,9 /9 ,7 /1 0 ,1 4 /1 0 ,2 1 /1 0 ,1 1 /1 1
e 2/12/1947; 13/ 7 , 17/8, 31/8, 5 /1 0 ,1 9 /1 0 ,1 6 /1 1 ,2 3 /1 1 , 3 0 /1 1, 7/12 e 14/12/1948.
Cf. A ta da sessão d a O A B , 3/6/1947 . Ver a in d a A ta da sessão d a O AB, 27/5/1947.

44 màM
l)<i l\( ' ( Ic ‘ni( ) ( i ' a l i / , u I jn l-^l.ido D imiioc I'.i li i n t l r D i r e i t o

Mas, se por um lado, a garantia do prestígio da instituição passava pelo


cumprimento estrito do papel fundamental a que sua criação se destinara, qual
seja, o controle e o disciplinamento da advocacia - na contramão, portanto, da
“atividade desordenada de uma turba de práticos do foro e de aproveitadores
da boa fé dos postulantes” por outro, a burocratização excessiva ameaçaria
o exercício pleno da profissão. Assim, na sessão de 26 de agosto do mesmo ano,
após tom ar conhecimento, o Conselho, de um projeto de lei que transitava na
Câmara e propunha o livre exercício da profissão pelos advogados, indepen­
dentemente, inclusive, da chancela das Seccionais e Subseções, aprovou-se um
substitutivo para que fosse encaminhado à Câmara, de autoria do conselheiro
Nelson Carneiro, que tentava equilibrar as duas demandas:

O bacharel ou doutorem Direito, inscrito no quadro da Ordem dos Advogados


do Brasily poderá exercer livremente sua profissão em qualquer parte do país,
mediante a simples apresentação de sua carteira de identidade de advogado
ao presidente da Seção ou Subseção da Ordem, ou ao juiz do feito, observadas
as restrições constantes da mesma carteira.''^

Aprovado, afinal, na Câmara dos Deputados, a despeito do substitutivo e das


manifestações da Ordem dos Advogados, o projeto de lei foi vetado em última
instância pelo presidente da Repúbhca, o que rendeu o envio de congratulações
do Conselho ao governo, em agradecimento/^
Um ano mais tarde, novo projeto de lei em trânsito no Congresso
propunha a alteração do Regulamento da Ordem , para que se facultasse aos
bacharéis o exercício pleno da advocacia antes m esm o da legalidade de seus
diplomas. Opondo-se à proposta, o conselheiro D ario Magalhães conside­
rou-a “inconveniente aos interesses da Ordem e perigosa por facilitar abusos

Trecho c o n tid o e m re lató rio d e atividades d o C on selho n o a n o de 1955, pelo secretário-geral A lberto Barreto
d e M eio, te c en d o c o m p a ra çõ e s c o m a situ a çã o d a advocacia a n te s d a cria ç ão d a O rd e m d o s A dvogados
d o Brasil. Cf. A ta da sessão da O A B , 3/4/1956.
C f. A ta da sessão d a O A B , 26/8/1947.
^ Em q u e pese este p o s ic io n a m e n to c o n trá rio aos interesses d a O rd e m , as re c o rre n te s c o n su ltas e acatos
das d e m a n d a s d a in s titu iç ã o p o r p a rte d o s p o d e re s c o n stitu íd o s, o q u e m ais u m a vez dava m o s tra s d o
seu p restígio alcançado, re n d e ra m u m a g ra d e c im e n to fo rm a l d o p re s id e n te H a ro ld o Valladão, e m seu
discu rso d e d e sp e d id a d a p resid ência da O rd e m , e m 1952; “Q u e ro d e sta c a r o esp írito d e c o m p re e n sã o e
d e real c o o p eraç ã o q u e re in o u n a s relações d a O rd e m e d o C o n se lh o F ederal c o m os P o deres d o Estado,
ludiciário, Executivo e, p a rtic u la rm e n te , Legislativo, q u e so lic ita ra m nosso m o d o de ver e c o la boração
e m assu n to s atin e n te s a o exercício d a profissão e aos serviços d a justiça, e a c a ta ra m nossos p o n to s de
vista”. Cf. Ara da sessão da O AB, 11/8/1952.

45
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

sérios”.*®Nomeado relator da matéria o conselheiro Edgar de Toledo, opôs-se


este da mesma forma ao projeto, por julgar “infundada a crítica ao serviço de re­
gistros dos diplomas, acusado de morosidade”, mas informou ter tomado ciência
da apresentação ao Congresso, como alternativa à proposição original, da adoção
do expediente do registro ex-ofício dos diplomas, com o que concordava.*^' Apro­
vado o seu parecer, “contrário ao projeto de lei permissor da inscrição provisória
e favorável ao projeto de lei determinativo do registro ex-ofício dos diplomas de
curso superior”*^ mais uma vez lançou-se mão de uma solução intermediária
como forma de equilibrar as demandas e flexibilizar a lei regimental, já um tanto
desatualizada.
Não por outra razão, o então secretário-geral, Máder Gonçalves, na con­
clusão do seu relatório de agosto de 1948, anunciava, em fase de elaboração,
“um anteprojeto de Regulamento e outro de Regimento, calcados na média das
necessidades e aspirações”.**^
Em verdade, oficialmente, uma comissão composta pelos conselheiros
Themístocles Marcondes Ferreira, Edgar de Toledo e Alberto Barreto de Melo
foi nomeada pelo presidente Haroldo Valladão em 18 de agosto de 1950,*“ com
a tarefa de elaborar uma proposta de um novo Regimento Interno. Ainda a 19
de dezembro foram anunciados, em sessão do Conselho, os principais pontos
do projeto de reforma que seria posto em discussão no ano seguinte:

criação das Procuradorias Seccionais e da Procuradoria Geral; redução do


número de representantes dos Conselhos Seccionais e estabelecimento de que
apenas um deles discuta e vote; adoção, nos julgamentos de recursos, do sis­
tema dos Tribunais, com leitura do relatório e votação imediata, limitado o
sistema de ampla discussão às demais matérias; quórum de dois terços para
decisão de determinadas matérias de natureza relevante.^^

Como apontou Venâncio Filho, ao longo de todo o ano de 1951, esta foi a
“principal atividade do Conselho”.®*’Na sessão do dia 10 de julho, os conselheiros
que compunham a comissão fizeram a entrega formal, ao Conselho, do projeto
““ Cf. A ta da sessão da O AB, 17/8/1948.
Cf. A ta da sessão áa OAB, 31/8/1948.
C f- A ta da sessão da O A B , 5/10/1948.
“ Cf. Afa da sessão da O A B , 11/8/1948.
Cf. Afa da sessão da O A B , 18/8/1950.
Cf. A ta da sessão da O AB, 19/12/1950.
O p. cit., p. 81.

46 máM
\'()lu n 'i(' ') n.i l\('(l('nio( r,iti/,u .,u ) iio I ■'liulo D i'iiiiK uilii n fic D i i r i l o

do Regimento Interno.*^ Após a apresentação de emendas pelas seccionais dos


estados e pelos conselheiros federais ao projeto original, a comissão emitiu pa-
receres sobre todas as propostas. A 9 de setembro de 1952, j á sob a presidência
do dr. Atílio Vivácqua, o secretário-geral, Alberto Barreto de Melo, informava ao
Conselho a conclusão dos trabalhos da comissão relatora e solicitava preferência,
“nas sessões vindouras, para a discussão e votação do referido projeto”.**
Em várias sessões seguintes,®^ diversos pontos do projeto emendado do
novo Regimento foram objeto dos debates no Conselho Federal. Por duas ve­
zes, sem ressonância, a concomitância das discussões em torno da elaboração
de um novo Regulamento para a Ordem foi apontada como obstáculo para
que se avançasse nas discussões acerca do Regimento, em função da necessária
adequação deste ao p rim e iro .P o r fim, a 16 de dezembro de 1952, sua redação
final foi aprovada e o mesmo foi imediatamente promulgado"'.
Segundo as palavras de Alberto Venâncio Filho,

O novo Regimento incorporou a seu texto os diversos provimentos em suas


linhas mestras, com uma adequação das regras internas do Conselho em
sua dinâmica atual: visou especialmente preencher lacunas em questões
tormentosas, disciplinando as relações entre o Conselho Federal e a seções
locais; tornou mais célere a tramitação dos processos, através de julgamento
mais expedito e com a fixação de prazos fatais improrrogáveis; restringiu o
cabimento dos recursos de embargos e suprimiu os pedidos de reconsideração,
então admitidos por força de mandamento regimentaV'^

Quanto ao Regulamento, desde abril de 1951 foram iniciados os trabalhos


de elaboração de um anteprojeto de reforma, tendo ficado a tarefa, inicialmente,
a cargo do conselheiro Demóstenes Madureira de Pinho.” Da apresentação
da primeira versão do anteprojeto pelo primeiro relator^** à consideração das
C f. A ta da sessão da O AB, 10/7/1951.
=« Cf. A ta da sessão da O A B , 9/9/1952.
Cf.AW5 das sessões d a O A B , 2 3 / 9 , 30/9, 7 /1 0 ,2 1 /1 0 , 29/10, 1 8 /1 1 ,2 5 /1 1 , 2/12 e 9/12/1952.
Cf. A tas das sessões d a O A B . 22/5/1951 e 30/9/1952.
Cf. A ta da sessão da O A B , 16/12/1952.
O p . cit., p. 88.
" Cf. A ta da sessão da O A B , 24/4/1951.
’■' A p rim e ira versão d o a n te p ro je to foi e n tre g u e p a ra apreciação d o C o n se lh o e das seccionais, pelo c o n se ­
lheiro D e m ó ste n e s d e P in h o , n a sessão d o dia 3 d e ju n h o d e 1952. Cf. A ta d a sessão da O AB, 3/6/1952.
P o s te rio rm en te , u m a seg u n d a versão, a carg o d o con se lh e iro E van d ro Lins e Silva, foi d is trib u íd a e ntre
os conselheiro s e seccionais, e m o u tu b r o d e 1954. C f A ta da sessão da O A B , 26/10/1954.

ttàl 47
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

propostas das seccionais/^ passando pelos debates no âmbito do próprio Con­


selho, até a redação final, o processo de reforma do Regulamento da Ordem,
que redundaria no projeto de lei de seu Estatuto, consumiu as atenções dos
conselheiros por cerca de cinco anos.
Ainda em abril de 1955, quando da apresentação da prim eira versão
consolidada do anteprojeto, foram destacados pela comissão^^ responsável
pela redação final - que trabalhou “refundindo” os anteprojetos anterior­
mente apresentados - , como as linhas gerais mais im portantes da reforma,
os seguintes pontos:

- a natureza jurídica da Ordem, assinalada como associação profissional, e


não autarquia - o que firma a independência, característica fundamental
da profissão;
- a ampliação do campo da advocacia, que passa a compreender o procuratório
administrativo e os trabalhos de consultor e assessor jurídico;
- e a diminuição do quadro da Ordem, para excluir aqueles que exercem
funções incompatíveis com a advocacia» e os que não possuem os requi­
sitos elementares, independência e tempo.^’ [grifo nosso]

Não é de se estranhar, assim, que ao longo do período em que duraram


os debates, entre os diversos temas abordados, além da conceituação jurídica
da Ordem - que se relacionava diretamente com a definição, em texto legal, do
seu perfil institucional e, consequentemente, com a batalha pela manutenção de
sua autonomia administrativa nenhum outro tenha suscitado mais interesse
do que o referente à restrição do exercício da advocacia, fundamentalmente por
funcionários públicos^®.

N a sessão d e 24 d e ab ril d e 1951, ficou d e cid id o q u e as seccionais te ria m 30 dias, a c o n ta r d a e n tre g a n a


Secretaria d o C o n se lh o d o a n te p ro je to d e R eg ulam en to, p a ra e m itir seus pareceres, b e m c o m o suas
sugestões, através d e seus re p re sen tantes. Cf. A ta da sessão da O AB, 8/5/19 51. P o s te rio rm e n te , q u a n d o
d a ela b o ra çã o d a seg u n d a versão d o a n te p ro je to , este p ra z o foi e ste n d id o p a ra 60 dias. Cf. A ta da sessão
da O A B , 26/10/1954.
A referida c om issão era c o m p o s ta pelos conselheiros A lb e rto B arreto d e M elo (S ecretário -g eral), N ehem ias
G ueiros, Temistocles M a rco n d e s Ferreira e E dgar d e Toledo. Este ú ltim o , p o r div e rg ir fro n ta lm e n te dos
o u tro s três m e m b ro s d a com issão q u a n to à c o n ce itu a ç ã o ju ríd ic a d a O rd e m d o s A dvogados - o q u e para
ele c o n stitu ía-se e m u m a associação profissional, p a ra os o u tro s se definia c o m o órg ã o estatal d e natu re z a
sui generis - exo n ero u -se d a com issão, q u e pa sso u a fu n c io n a r, d o ra v a n te , c o m ap en a s três m e m b ro s .
C f A ta da sessão da O A B , 26/7/1955.
C f .^ M da sessão da O A B , 19/4/1955.
Ver, e n tre o u tra s , A foi das sessões da O A B , d e 13/3 e 10/4/1951.

48 máM
\'n lu iil(’ I I )ci r.ili/a ( j o ,K i H riiK x i , i t i ( (: i l r I l i m t , ,

Como bem salientou Venâncio Filho:

Em matéria de incompatibilidade e impedimentos, sem chegar ao rigor usual


da França, em que o exercício da profissão é incompatível com qualquerfunção
pública, atividade comercial, industrial ou simplesmente civil, o anteproje­
to adotou 0 principio de que o exercício da advocacia é incompatível com
qualquer atividade, função ou cargo público que reduza a independência do
profissional ou proporcione a captação de clientela, e enumerou as funções
públicas que podem determinar incompatibilidades ou impedimentos e os
casos de incompatibilidade radicais.'^'*

Entregue, por fim, em setembro,"* a versão definitiva para apreciação do


Conselho e das seccionais, dois meses mais tarde tinham início os debates.'®'
Primeiramente de maneira pontual e logo em seguida votado em bloco, para a
agilização dos trabalhos, o anteprojeto de Estatuto da Ordem dos Advogados
foi aprovado, por unanimidade, em sessão do dia 8 de maio de 1956. Na mesma
oportunidade, constituiu-se um a comissão composta pelo então presidente
do Conselho Federal, Miguel Seabra Fagundes, e pelos conselheiros Nehemias
Gueiros, Oswaldo Murgel de Resende, Paulo Ramos e André de Faria Pereira,
com a incumbência de levar o documento ao conhecimento do então ministro
da Justiça, Nereu R a m o s , “e encarecer-lhe que a Ordem dos Advogados muito
apreciaria se o Anteprojeto do Estatuto fosse apresentado ao Poder Legislativo
como Projeto Governamental”.
A 3 de abril de 1956, na sessão da instalação da 26^ Reunião Ordinária do
Conselho Federal, o então secretário-geral, Alberto Barreto de Melo, apresentando
seu relatório referente aos trabalhos realizados no âmbito do Conselho ao longo
do ano anterior, destacou a elaboração do anteprojeto de Estatuto da Ordem como
uma das de maior magnitude entre todas. Segundo suas próprias palavras;

. ..0 anteprojeto visou dotar a classe e nossa atividade profissional de uma le­
gislação orgânica, sem o caráterfragmentário e circunstancial das leis vigentes,
e ao mesmo tempo em consonância com a atual configuração da advocacia.

O p . cit., p. 98.
Cf. A ta da sessão da O AB, 20/9/1955.
C f. A tas das sessões da O A B , d e 9/11, 1 6 /1 1 ,2 3 /1 1 ,6 /1 2 /1 9 5 5 e 8/5/1956.
™ Ver D H B B , op. cit. (v erb ete K U BITSC H EK , /usceiino.)
Cf. A ta da sessão da OAB, 8/5/1956.

m àB 49
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Sistematizou-se a legislação esparsa e inovou-se corajosamente. Criou-se o


estágio profissional ou o exame da Ordem; deu-se maior celeridade ao processo
de inscrição; regulamentou-se mais adequadamente a profissão; fixaram-se
novos critérios de incompatibilidades e impedimentos; aumentou-se o elenco
dos direitos e deveres do advogadoV''*

Como mais tarde se veria, a votação do anteprojeto na Câmara enfrentaria


uma longa espera por quase sete anos. Dispensados os esforços necessários ao
rearranjo institucional, as atenções se concentrariam, doravante, como de costume,
em torno da ampliação da defesa da classe e do arco de ação da própria Ordem.

1.4 A Ordem consolida-se: defesa da classe, política e padrão


institucional

Na sessão de 25 de maio de 1954, o conselheiro Letácio Jansen apresentou


um a indicação ao Conselho no sentido da criação, em cada seccional, de uma
comissão permanente de “Defesa das Prerrogativas do Advogado”, que passaria
a atuar junto às de “Sindicância” e “Disciplina” já tradicionalmente operantes.
Sua justificação para tal, exposta ao longo de quatro páginas, constitui-se num
libelo a favor da emancipação da profissão, que julgava desprestigiada, distante
do “relevo e da importância de que desfrutou outrora”.
Em sua explanação, dividiu os advogados em duas categorias, a saber:
“advogados exclusivamente advogados” e “advogados diletantes”. Os primeiros
sofreriam “intensamente as agruras da profissão”; os últimos não enfrentariam
os mesmos problemas, posto que estariam “protegidos pelos outros empregos”
de que disporiam.'®* Como solução, sugeria que a profissão exigisse dedicação
integral de seus praticantes, mas enquanto esse ideal não fosse atingido seria

mister que a Ordem, relegando para segundo plano suas funções de Tribunal
de Disciplina, [ressarcisse] para com os advogados 100% advogados, a velha
dívida que está para com eles.'°^

C f. A ta da sessão da O A B , 3/4/1956.
C f. A ta da sessão da O AB, 25/5 /19 54 (A nexo 3 - “ In d ic a ç ão ”, p. 2.)
Ib id e m , p. I.
Ibid., p. 2.

50 màM
\ '( ) lu n iu 1 l ) j l \ c c l c i i i ( ] ( r , i l i / . u , . i i ) a o l .s ta d o [')('niD( u (If O iirilo

As duras críticas à situação do advogado respingavam, obviamente, no


Conselho Federal, ainda que, o pano de fundo da denúncia dissesse respeito a
um estado de coisas cujos limites encontravam-se muito além da própria Ordem.
O rigor punitivo, dizia, não podia ir além de suas funções paternais: “defender,
orientar, apoiar, estimular”. O apoio “convencional e simbólico” prestado pela
Ordem aos advogados ofendidos e atacados - continuava - deveria ser subs­
tituído pelo respaldo efetivo, sobretudo no âmbito econômico, na forma de
planos de previdência, tabelas de honorários m ínimos e caixas de assistência.
“Trabalhemos pela classe. Vivamos com ela e não sobre ela”, conclamava.'®*
Descontada a invariável parcialidade de todo discurso, o fato é que além de
não ter havido, no âmbito do Conselho Federal, reações imediatas ao duro pro­
nunciamento, por uma suposta crítica infundada, o tema da condição socioeco-
nômica do advogado tom ou parte, em definitivo, nos debates. A instável situação
econômica que o país atravessava desde fins da década de 1940, com a crescente
alta da inflação,''^ conjugada ao grave quadro político que se avizinhava e que
desembocaria no suicídio de Vargas, assumiriam, desde o início da década de 1950,
o proscênio da vida política nacional. À vigília permanente quanto às ameaças à
manutenção da ordem institucional, se somaria, desde então com maior ênfase,
a defesa de uma condição socioeconômica mais digna para a classe.
Certamente não somente por coincidência de propósitos, a 11 de agosto,
por ocasião de sua posse na presidência da Ordem, Miguel Seabra Fagundes
assim caracterizou a situação do advogado:

Ao ângulo da ética profissional os contrastes de uma sociedade em que a cada


dia poderosos [ficam] mais poderosos e miseráveis [ficam] mais miseráveis,
também fazem avultar a posição do advogado.
A defesa da classe, que a lei inclui ao lado da seleção e da disciplina como uma
das funções da Ordem, não encontra, na lei mesma que a ela alude, os instru­
mentos desejáveis de eficiência. Notadamente no que diz com a proteção social
do advogado, pela pensão epelo seguro.
É mister não esquecer, que se o exercício da advocacia pode propiciar re­
munerações condignas, muitos profissionais há nos estados e aqui mesmo,
a maioria de certo, que dela mal retiram o indispensável.'' ° [grifo nosso]

™ I b id .,p .3 - 4 . '
Boris Fausto, op. cit., p. 409.
“ “ Cf. A ta d a sessão da O AB, 11/8/1934.

•àl 51
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil □
Vale ressaltar que o mesmo Seabra Fagundes, dois anos mais tarde, reagiria,
isoladamente, ao tom das críticas dirigidas à Ordem que, pelo menos em parte,
acatara em 1954:

...tal é a força, em alguns, da paixão reivindicatória, que se deixam conduzir


a um juízo errôneo sobre a posição da Ordem. Tem-se pretendido apontar na
instituição, cuja lei lhe comete a seleção, defesa e disciplina da classe dos ad­
vogados, uma omissão do dever de defesa da classe e até, estranha afirmativa,
uma deturpação desse dever, quando se entrega ao exercício da disciplina dos
inscritos nos seus quadros. (...) Também se defende a classe pela seleção."'

De fato, não se pode negar que algumas iniciativas no sentido da proteção


social do advogado já tivessem sido tomadas mesmo antes dos “benefícios”
transformarem-se em necessidades vitais para o exercício pleno da profissão'*^.
A “fala” de Letácio Jansen expressa, para além de uma questão concreta e con­
juntural, o reflexo do crescimento significativo do número de advogados em
atividade no país, cujo lado oposto da moeda traduziu-se em uma também
significativa vulnerabilidade no quadro das profissões liberais da classe média
urbana, invariavelmente atingida em m omentos de crise econômica.
Data de 1942, por obra do decreto-lei 4.563"\ de 11 de agosto, a autorização
para a criação das Caixas de Assistência dos Advogados em todos os estados
da fe d e ra ç ã o ,c u ja razão fundamental de existência consiste na prestação de
serviços assistenciais e auxílio financeiro aos advogados. Já em 1948, o então
secretário-geral Alberto Barreto de Melo relatava o pleno funcionamento destes
órgãos em 12 seções da Ordem, a saber: Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás,
Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo
e Sergipe. Em outros 10 estados dependia, o funcionamento, da aprovação do
ministro do Trabalho, Indústria e Comércio ou ainda não haviam sido provi­
denciadas.”^ Nos anos subseqüentes, cresceria significativamente o núm ero de
seccionais que passariam a contar com as suas próprias Caixas.

C f. A ta da sessão da O A B , 11/8/1956.
' O R eg ulam ento vigente à época, e m seu C a p ítu lo 1 (D a O rd e m , seus fins e org a n iz a çã o ), a rtig o 7°, p a rá ­
grafo 1°, previa: “ E m c ada seção d a O rd e m será fo r m a d o u m f u n d o d e assistência pela q u a rta p a rte da
re n d a líq u id a a p u ra d a , a fim d e aux ilia r seus m e m b ro s necessitados, q u a n d o inválidos o u en fe rm o s”. Cf.
Eugênio H . Lobo e Francisco Costa N etto, op. cit., p. 738.
A referida lei foi re g u la m e n ta d a pe lo d e c re to n ." 11.051, ta m b é m d e 1942.
Cf. A ta da sessão da OAÕ, 25/5/1948.
C f. A ta da sessão da O A B , 1 1/8/1948.

52 màM
\o ln m i' > I )<) K’ c í ! ( ' ) i i i ) ( ,'ui , ! ( ) l ' s l , ) ( J o ! ) ( ’ i ) ' i o i t . i l i i Í) t J i ‘ t l n r i l n

Quanto à instituição de um plano previdenciário, as primeiras discussões


datam de 1947.''^ O acúmulo dos debates e o lento amadurecimento da questão
levaram à apresentação, somente em 1953, de um projeto de lei à Câmara, de
autoria do deputado Lúcio Bittencourt, acerca da aposentadoria de advogados
e solicitadores."’ No mesmo ano, uma comissão formada pelos conselheiros
Letácio Jansen, Edgar de Toledo e Alberto Barreto de Melo, encarregada de
estudar o projeto e enviar à Câmara o parecer do Conselho Federai a respeito
do assunto, decidiu pelo apoio integral ao mesmo,"* por considerar, nos termos
do próprio parecer,

que 0 projeto (...) corresponde plenamente aos reclamos da classe e que é


de grande justiça porque não se entende que sejam, muito acertadamente,
protegidos, com aposentadorias e pensões, escreventes que trabalham na
Justiça, sem receber dos cofres públicos e que idêntico direito não tenham
aqueles que, como advogados militantes são a força inicial, pelo menos, de
todo 0 mecanismo forense."^

Somente em julho de 1962, no entanto, após uma tramitação de quase


10 anos, tendo sido o projeto analisado pelas comissões de Justiça, Serviço
Público, Finanças e Legislação Social, foi finalmente aprovado na Câmara e no
Senado e em seguida s a n c io n a d o .N a ocasião, o então presidente do Conselho
Federal, José Eduardo do Prado Kelly, propôs, e viu unanim emente aprovada,
a seguinte moção:

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil congratula-se com


os Poderes da República pela compreensão revelada na instituição, por lei,
da aposentadoria dos advogados. (...) A medida legislativa agora adotada
faz justiça a uma classe que tem influído decisivamente na evolução do
Estado, na prática do direito e no aprimoramento da ordem jurídica.
[grifo nosso]

C í.A ta da sessão da OAB, 2/12/1947.


C f. A ta da sessão da O A B , 16/6/1953.
' " Cf. A t a á a sessão d a O A B , ] 8/8/1953.
Cf. A ta da sessão da O A B , 8/9/1953.
Cf. A tas das sessões d a O AB, 8 /4 /1 9 5 8 ,1 4 e 22/4/1959, 5 /6 .2 4 /7 e 31/7/1962.
C f A ta da sessão da O AB, 5/6/1962.

53
________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Tal vinculação entre a suposta justeza da garantia de uma condição socio-


econômica digna para a classe e a contrapartida da contribuição desta para a
“evolução do Estado” e o “aprim oram ento da ordem jurídica”, constitui-se em
fato novo na medida em que é reflexo direto de um entendimento mais altivo, já
nos anos 1960, acerca do papel exercido pela Ordem no cenário jurídico-politico
nacional, em virtude de uma atuação segura e consolidada.
Nesse sentido, o pleito de agosto de 1952, que elegeu Atílio Vivácqua'^^
para a presidência do Conselho Federal, em meio à batalha pela m anuten­
ção da autonomia da Ordem frente às agências do Estado, como vimos, e ao
acirramento dos embates políticos em âmbito nacional e internacional, talvez
possa ser compreendido como um divisor de águas no caminho da afirmação
definitiva da Ordem, da qual Prado Kelly não teria dúvidas dez anos mais tar­
de. Se até então não saltavam tanto aos olhos as distinções de perfis entre os
seguidos presidentes da Ordem, em função das tarefas latentes reclamadas por
uma instituição que precisava dizer ao que veio, doravante a percepção quanto
ao enquadram ento político de suas lideranças assumiria crescentemente uma
importância crucial.
Historicamente, inclusive, é possível notar que a preocupação com os
limites da ação política da Ordem - entre os quais um dos elementos a ser
considerado, evidentemente, é sempre o perfil de seus presidentes - se agrava
à medida que, justamente, a instituição cresce ou amplia, mesmo que tem ­
porariamente, seus espaços de atuação. Sintomática dessa preocupação que,
visivelmente, pretende sublimar a Ordem das paixões e pretensões políticas dos
que se dispõem a dirigi-la, foi, já em 1948, a aprovação do fim da reeleição de
presidentes para mandatos consecutivos no Conselho Federal, impedindo ou
dificultando assim a personificação da instituição.
Três pronunciam entos podem nos ajudar ainda a compreender m elhor a
tensão que apontam os, todos produzidos por ocasião da solenidade de posse
de Vivácqua. O prim eiro pertence ao conselheiro Carvalho Neto que, reme-
tendo-se à biografia dos últimos seis presidentes da O r d e m , p r o p õ e o que
seria a fronteira entre a advocacia e a política, negando a incompatibilidade

'“ V ivácqua elegeu-se, n a sucessão d e H a r o ld o V a l\a d ã o ,p a r a o b iê n io 1952-1954, c o m o seg uinte resultado:


p a ra P reside nte - A ttilio V ivacqua {16 votos); p a ra Secretário-geral - A lb e rto B arreto d e M elo (14 votos)
X E d so n de O liveira R ibeiro (2 votos). Cf. A ta da sessão da O AB, 11/8/1952.
Cf. A ta da sessão da O AB, 12/10/1948.
Nesta o rd e m : Levi C arn eiro , F e rn a n d o d e M elo V iana, Raul F ern a n d e s, A ugusto P in to Lima, O d ilo n de
A n d ra d e e H a ro ld o Vailadão.

54
V n ltiin c ’) D .t R ( ‘( l ( ' i i i o ( . i \ i l i / a ( . , à ( ) ,111 K s l . u l o rálK .o d e i ‘) i r t n t o

absoluta entre uma e outra, respondendo assim, ao que parece, como aponta
Venàncio Filho, às objeções que Vivácqua teria sofrido quando do lançamento
de sua candidatura, pelo fato de, à época, presidir o Partido Republicano.'^’
Vejamos:

...três desses presidentes (...) foram., apenas, advogados, exclusivamente. (...)


Três outros, porém, foram mais do que isto. Foram, ainda, políticos militantes.
(...) Ora, advogado epolítico também é Atílio Vivácqua, senador da República.
E ele, como os três outros, picado da mordedura da paixão política, sem, entre­
tanto, se deixar envenenar dos seus malefícios. Foram e são advogados como
os que melhor o sejam, mantendo na Ordem a continuidade ininterrupta
desse espírito superior de dignidade funcional, (...) de independência e
a l t i v e z ...[grifo nosso]

E, citando Rui Barbosa, conclui:

''Política € politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam


uma com a outra, antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente”.
Ora, meus nobres colegas, porque sabemos fazer esta distinção é que jamais
negamos os nossos sufrágios a políticos.
Ao invés disto, o que se tem verificado (...)éo primado do advogado sobre
o político, lucrando este a influência daquele...'^’ [g^ifo nosso]

Na seqüência, Haroldo Valladão, que deixava a presidência, e o próprio


Vivácqua, que assumia a cadeira, completam os contornos da questão. Enquanto
o primeiro, analisando a gestão que findava, circunscreve a própria atuação a
um plano interno, mais caseiro, e não necessariamente menos importante; o
segundo aponta problemáticas mais abrangentes e conjunturais, projetando a
Ordem para além de suas fronteiras formais e regimentais.
Pela ordem, Valladão se despede:

Em dia permanecem os serviços da Ordem: julgamento, publicações de atas,


expediente. Doutra parte, prontos para a discussão e votação, após detidos e

A lb e rto V enáncio Filho, op. cit., p. 90.


'^ ^ C f.A ía d a sa sã o d a OABy 26/8/1 9 5 2 ("D isc u rso p r o fe r id o pe lo dr. C a rv a lh o Neto", p. 1-2.)
Ibid e m , p. 4-5.

55
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil
]
renovados estudos, encontram-se dois importantes projetos de reforma, um do
Regulamento da Ordem e outro do Regimento Interno do Conselho FederaV^^

Em seguida, Vivácqua diz ao que veio:

Atingimos o mais alto grau de desenvolvimento técnico-científico, criando


uma forma de civilização que ultrapassou asficçôes dos romances, que ainda
há poucos anos nos exaltavam a fantasia. Mas toda essa grandeza e todo esse
esplendor podem mergulhar de novo na escuridão e no caos, comparáveis
às áreas primitivas, com um simples gesto de alucinação dos detentores do
Poder Público e da máquina bélica. Só uma nova consciência jurídica com
fundamento ético, e baseada no reconhecimento da solidariedade inter­
nacional dos direitos fundamentais do homem, poderá salvar-nos. A era
atômica reclama justiça internacional, senão será o fim da humanidade...
Os advogados e juristas do Brasil, já tão prestigiados no seio de todas as
nações cultas» estão chamados a realizar a magna e complexa missão de
aperfeiçoamento das instituições do país e as da ordem internacional.'
[grifos nossos]

Arrumada a casa, cabia, segundo a percepção do Conselho Federal, m ani­


festada talvez na eleição de Vivácqua, ampliar o raio de ação da Ordem. Se, no
contexto externo, a iminência de um conflito militar entre as superpotências
mundiais, de conseqüências imprevisíveis, exigia um esforço conjunto do mundo
jurídico; no plano interno a preservação da ordem institucional, ao contrário do
que possa parecer, se consubstanciava, também, na ampliação da defesa da classe,
cada vez em maior número e agora vítima da crise econômica. Isso nos permite
apontar para o caráter de significativa complementaridade - e em m enor grau,
de oposição - entre as duas vertentes fundamentais que passam a dom inar a
definição dos rumos da instituição. Para além de uma postura deliberadamente
voltada, em essência, para os problemas internos da própria Ordem, o incre­
mento da defesa da classe, na conjuntura específica que analisamos, funcionou,
em grande medida, como instrumento, em boa medida, da ampliação do seu
raio de ação política.

Cf. A ta da sessão da O AB, 11/8/1952.


Cf. A ta d a sessão da O AB, 26/8/1 952 ( “ D iscu rso d o n o v o p re s id e n te d a O r d e m d o s A dvogados d o Brasil
- D r. A ttílio V ivácqua”, p. 4.)

56 màM
\ ' ( ) l u i 1 l c ■) I X l l \ ( ‘( l ( ’i l l i i ( r , I I I / , I I ,'i() cH) [ s K u l c ) O i ' i i K )( I , i t i ( ( I l i e l l i i r

Se ao longo de boa parte do segundo governo Vargas, as medidas contra o
agravamento da crise econômica, no sentido da defesa da dignidade da classe,
foram um dos temas de conjuntura mais candentes no âmbito do Conselho
Federal da Ordem, a crescente tensão dos acontecimentos políticos do ano de
1954 trouxe de volta o eixo das discussões para o terreno do respeito às liber­
dades civis. Tentando desempenhar, mais um a vez, o papel de árbitro perante
os conflitos entre as diversas forças políticas, Vargas via-se forçado a “m anobrar
em um m ar de correntes contraditórias”.'^'^
Para além das medidas impopulares de contenção da inflação, provocada,
entre outros fatores, pela conseqüência da forte alta dos preços internacionais
do café, em 1949, pelo crescente endividamento externo com vistas ao financia­
mento das importações e pelos pesados investimentos na expansão industrial'^'
e a conseqüente elevação dos preços finais dos produtos,'^^ a ferrenha oposição
da União Democrática Nacional (UDN) ao governo - carreando setores im ­
portantes da classe média urbana as divisões no Exército e o fracasso parcial
da política trabalhista de cooptação das lideranças sindicais, contribuíram para
que se estabelecesse um a atmosfera de tensão, própria dos m omentos em que
se coloca em suspenso a legitimidade da ordem institucional.
A nomeação de João Goulart para o Ministério do Trabalho, ainda em
junho de 1953, como forma de tentar conter a influência comunista sobre os
sindicatos, ao contrário do aliviamento das tensões esperado pelo governo,
significou farta munição para a oposição, que passou a denunciar um a suposta
tentativa de se instaurar no país uma “república sindicalista”, à m oda do peronis­
mo argentino.'” Com a sua base de apoio político severamente comprometida,
Getúlio “se equilibrava no poder”.'^-*
Sob este vendaval, em abril de 1954, estudantes paraenses foram agredidos
por tropas do Exército, a mando do general Veríssimo, comandante da 8®Região
Militar, enquanto realizavam uma manifestação pública. Tal incidente indignou

Boris Fausto, op. cit., p. 406-410.


Basta le m b ra r q u e e m 1952 foi fu n d a d o o B anco N acional d e D ese n v o lv im e n to (B N D E ). P a ra u m e stu d o
m ais a p ro fu n d a d o acerca d o assu n to , ver EARP, Fábio Sá & KORNLS, G eorge. “O d e se n v o lv im e n to e c o ­
n ô m ic o sob G etú lio Vargas”, In: SILVA, R aul M endes; C A C H A P U Z , P au lo B ra n d i & LA M ARÀO, Sérgio
(orgs.). V á rio s A utores. Getúlio Vargas e seu tem po. Rio d e lanciro: B N D E S, 2003. p. 29-36.
Ib id e m , p. 409-412. Ver a in d a P lE R U C C l, A n tô n io Flávio d e O liveira... et alii. “ Relações e co n ô m ica s i n ­
te rn a c io n ais d o Brasil (19 4 5 -1 9 6 4 )”, !n: H istória Geral da Civilização Brasileira. Rio d e Janeiro; B e rtra n d
Brasil, 1995,3^ ed. (t. 3, v. 4). p. 62-76.
Boris Fausto, op. cit., p. 410.
Ibid e m , p. 416.

m á» 57
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

a Seccional do estado, que encam inhou o caso ao Conselho Federal para que
fossem tomadas as providências cabíveis. A 4 de maio, o conselheiro Oswaldo
de Souza Valle, representante da seccional do Pará, proferiu um discurso no qual
denunciava o que entendia como um clima de ameaça ao Estado de direito:

A pouca compreensão, a mentalidade retrógrada de um coronel chegando


a agredir fisicamente o próprio chefe do Gabinete do Governadoty general
Assumpção, apenas provam que o veneno antidemocrático ainda não foi
extirpado de nosso meio.'^^

Ainda no mês de maio, o conselheiro Letácio Jansen propôs ao Conselho


que enviasse um a moção ao ministro da Justiça, em protesto contra as arbitra­
riedades policiais “que vêm recrudescendo ultimamente nesta Capital”. Ao fim
dos debates, aprovou-se o manifesto nos seguintes termos:

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no ensejo de novos


atentados à dignidade da pessoa humana, cometidos por autoridades poli­
ciais desmandadas, em vários pontos do país e principalmente na Capital da
República, manifesta a Vossa Excelência o seu mais enérgico protesto contra
as violações e arbitrariedades que se tem verificado e formula a esperança
de que Vossa Excelência, responsável pelos problemas da segurança pública
do país, dentro das determ inações constitucionais, [grifo nosso] há de
concorrer com sua autoridade para a exemplar punição dos culpados epara
0 saneamento das corporações policiais.''^^

Questionando a pertinência da manifestação, o conselheiro Marcondes


Ferreira absteve-se de opinar, “para não quebrar a unidade do Conselho”, e fez,
em seguida, a seguinte declaração de voto, m antendo na superfície a questão
central da Ordem, permanentemente lembrada em contextos políticos parti­
cularmente conturbados:

Sou contra qualquer indicação ou moção conseqüente de fatos estranhos


aos objetivos da Ordem, nos termos do artigo 8* do Regulamento, que veda
manifestações desta naturezaJ^''
C f. A ta da sessão da O AB, 4/5/1954.
Cf. A ta àa sessão da OAB, 18/5/1954.
Ibidem .

58 màM
\'()iu n u ‘ > I ) , I R c ’d c m o i l a l i z o L . K ) a o l . s U u l o D c' i i k h i . i t i e o d c D i i e i t o

Algum tem po mais tarde, já durante o fatídico mês de agosto, novos


protestos surgiram nas sessões do Conselho, em função do “atentado da
Toneleros”, contra o jornalista Carlos Lacerda, mas que acabou por vitim ar
fatalmente o m ajor da Aeronáutica Rubens Florentine V az/^ O conselheiro
M ayr Ciqueira denunciou o que considerava ser a quebra da ordem ju ríd i­
ca, “consubstanciada nos lamentáveis acontecim entos de que foi palco esta
cidade”. Na mesm a sessão, os conselheiros João Otaviano de Lima Pereira
e Oswaldo de Souza Valle engrossaram o coro, bradando contra o “clima
de insegurança jurídica” vivido na capital da República.’’^ Ficou registrado
tam bém , na sessão do dia 17, o voto de pesar, em face dos acontecimentos,
enviado pelo então presidente da Seccional da Bahia, Gilberto Valente, con­
clam ando seus pares a tom arem partido na luta pela preservação do Estado
de direito:

...repulsa atentado jornalista Carlos Lacerda, entendendo não podem advo­


gados ficar alheios graves acontecimentos situação país (...) atentados visam
principalmente abater instituições democráticas.'*'^

Uma semana antes, no entanto, na tradicional sessão de 11 de agosto, em


que bianualmente eram empossados os novos presidentes eleitos, Vivácqua
transmitia o cargo a Miguel Seabra Fagundes"" não sem antes im prim ir mais
uma vez o que, acreditava, deveria continuar sendo a marca da atuação da O r­
dem naqueles tempos, sem no entanto descartar as preocupações com a classe,
mas ao contrário, como mostramos, fazendo dessa bandeira um instrumento
de legitimação da ação política da instituição:

Quando a advocacia, assim como as outras profissões liberais, sofre os duros


efeitos de uma época tormentosa e desajustada, e quando as privações e m i­
sérias invadem inúmeros lares dos mourejadores do Fôro, a nossa profissão
não poderia deixar de inserir-se no quadro da política sociaV-*-

Ver D H B B , op. cit-, (verbete LACERDA, C arlos).


Cf. A ta da sessão da O AB, 10/8/1954
Cf. A ta da sessão da O AB, 17/8/1954.
S eabra Fagund es elegeu-sc p a ra o b iê n io 1954-1956, p o r u n a n im id a d e , c o m 23 votos, b e m c o m o o secre-
rário-geral, A lb erto B arreto d e M d o . C í A t a d a sessão d a O AB, 318! 1954.
C f. A ta da sessão da O AB, 11/8/1954.

m àã 59
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Ainda na mesma ocasião, outro comentário de sua lavra revelou-se fe­


cundo. Em se tratando de uma classe que tem no discurso mesmo, em si, a sua
principal arma de ação prática, vale considerá-lo para além da mera retórica.
Nesse sentido, a “depreciação” elegante das ações individuais traduzida na
modéstia habitual, diante da grandeza atribuída à Ordem, pode significar a
existência, como apontamos, de um padrão institucional sobre o qual repousa
o seu equilíbrio. Senão, vejamos:

O bastionário dirige a Ordem; mas é a Ordem que comanda. Ninguém


jamais se exime do imperativo de suas leis. Ela vos investe da magistratura
suprema, mas com o desígnio de vos fazer o primeiro de seus servidores.''^^
[grifo nosso]

O recém-empossado, Seabra Fagundes, confirma a tese:

...se há responsabilidades pessoais e de que absolutamente não declino, é


de reconhecer que num a corporação do nível do Conselho Federal, o presi­
dente é sobretudo um coordenador de vozes altamente qualificadas.'
[grifo nossoj

Na seqüência dos fatos, o Conselho Federal, que se reuniria ordinariamente


no dia 24 de agosto, cancelou a sessão em face dos acontecimentos que culminaram
no suicídio de Getúlio Vargas nas primeiras horas daquele dia‘‘’\ Uma semana
mais tarde, em face da indefinição do quadro político, discretamente aprovou-
se, por requerimento do conselheiro Oswaldo de Souza Valle, um voto de pesar
“pelo falecimento do Senhor Presidente da República”. Nenhuma manifestação
mais acalorada foi feita em função do episódio. Ainda na mesma sessão, Seabra
Fagundes apresentou sua renúncia em vista da aceitação do convite que recebera
do recém-empossado presidente da República, João Café Filho, para assumir
o Ministério da Justiça.'**^ Debatido o assunto, decidiu o Conselho converter o
pedido de renúncia em licença do cargo, enquanto permanecesse o presidente
'"’ Ib id e m .
Ibid.
Ver DHBBy op. cit., (v erbete VARGAS, G etúlio).
S eg un do o seu p ró p r io juízo, a e sco lha d o seu n o m e p a r a o M in istério deveu-se ao fato d e te r sid o s em p re
" u m ju rista alheio à política”. Vale lem b rar, q u e além d o carg o de m in is tro , foi in te rv e n to r n o E sta d o do
Rio G ra n d e do N o rte , e n tre n o v e m b ro d e 1945 e fevereiro d e 1946. Cf. P H B B ,o p . cit. (verbete SEABRA
FAGUNDES, M iguel).

60 Aàl
\ ' n l u n i c ■> I ) . I R(' íI(. 'm<K l a l í / a i . ã o , u i R l . i d u n c n i o c r á t n o « I r D i i c i l t )

como ministro, tal como havia ocorrido com Raul Fernandes em situação idên­
tica, em 1946. Em seu lugar, assumiu o cargo, interinamente, o então presidente
do Conselho Seccional do Distrito Federal, Arthur Possolo, como determinava
o Regulamento.''”
Em meio à tensa conjuntura, o problema da sucessão presidencial roubou
a cena política desde fins de 1954. Com o lançamento, pelo Partido Social
Democrático (PSD), da candidatura do então governador de Minas Gerais,
Juscelino Kubitschek, a UDN de Carlos Lacerda, além de significativos setores
militares, passou a defender a necessidade de uma candidatura única, de “união
nacional”, posto que consideravam a democracia ameaçada pela candidatura
pessedista, já que Juscelino era identificado com as forças getulistas apeadas
do poder em agosto daquele ano. Em janeiro de 1955, foi entregue ao pre­
sidente Café Filho um a nota assinada pelos três m inistros militares onde se
reforçava o coro udenista. Fortemente pressionado. Café Filho decidiu divulgar
o docum ento em cadeia nacional de rádio e televisão - o que não inibiu a
homologação da candidatura de Kubitschek, no mês seguinte a despeito da
frontal discordância do seu m inistro da Justiça. Seabra Fagundes, em função
do episódio, demitiu-se do cargo em fevereiro, reassumindo em seguida a
presidência da Ordem.''**
Eleito Juscelino no pleito de outubro de 1955, com mais de 3 milhões
de votos, os udenistas, liderados por Lacerda, passaram, de imediato, não só
a questionar a legitimidade das eleições, bem como a defender, abertamente,
uma solução militar golpista para o caso. O discurso proferido pelo coronel
Jurandir Mamede, em nome do Clube Militar, no dia 1^ de novembro, por
ocasião do sepultamento do general Canrobert Pereira da Costa, incitando os
chefes militares a impedir a posse do candidato eleito, desencadeou uma grave
crise política. Decidido a punir seu subordinado pela manifestação política
considerada inapropriada, o general Henrique Teixeira Lott, então ministro
da Guerra, não encontrou apoio para tal junto ao presidente Café Filho, que
adoeceu repentinamente no dia 3, tendo sido substituído na presidência pelo
presidente da Câmara, Carlos Luz - simpatizante das posições udenistas, ainda
que m embro do PSD. Desprestigiado, Lott demitiu-se do ministério no dia
10, sendo substituído imediatamente pelo general Álvaro Fiúza de Castro, que
havia aderido ao movimento golpista. Mas ainda na madrugada do dia 11, Lott

Cf. Alíi da sessão íin OAB, 31/8/1954.


"" Cf. D H B B , op. cit., (verbete SEABRA FA G U N D ES, M iguel),

•àl 67
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

liderou um movimento para afastar Luz da presidência, retomando em seguida


0 seu posto no Ministério da Guerra. A capital federal foi então ocupada por
tropas do Exército, forçando o presidente interino, junto de Lacerda e outras
autoridades civis e militares, a embarcarem no cruzador Tamandaré em direção
a Santos (SP).
No mesmo dia 11, o Congresso Nacional aprovou por ampla maioria
o impedimento de Carlos Luz, dando posse a Nereu Ramos, então vice-pre­
sidente do Senado e elemento seguinte na linha sucessória. Por suspeitas de
envolvimento nas articulações golpistas, Café Filho foi também impedido de
reassumir a presidência após recuperar-se, tendo o Congresso aprovado o seu
impedimento no dia 22 daquele mês, novamente por ampla maioria. No desfe­
cho, a 31 de janeiro de 1956, Juscelino, junto de seu vice, João Goulart, assumiu
a presidência da República.'**^
A Ordem dos Advogados, sempre atenta às ameaças ao texto constitu­
cional, desta vez não se manifestou através de seu Conselho Federal. A bem
da verdade, há apenas dois únicos registros a serem feitos. O primeiro deles
refere-se ao pronunciamento do conselheiro André de Faria Pereira, por ocasião
da comemoração dos 25 anos da entidade, quando chamou a atenção para “o
momento sombrio (...) pelos desvarios das ambições políticas e incompreensão
dos homens”.’^®O outro diz respeito a um ofício encaminhado pela Seção do
Pará, “sobre os acontecimentos do dia 11 de novembro”, que não se tornou ob­
jeto de debate entre os conselheiros.'^' O então presidente do Conselho, Seabra
Fagundes, muitos anos mais tarde somente, faria referência aos acontecimentos
do período, levantando restrições à ação de Lott, alegando que, “para evitar que
a Constituição fosse violada, o próprio movimento a estiolou e abriu exceções
para posteriores fraturas do texto constitucional”.'^-
Com o intuito de solapar qualquer impressão antidemocrática que pudesse
pairar em relação ao seu governo recém-iniciado, habilmente, Juscelino tratou
de tom ar algumas medidas na direção oposta. Assim, solicitou, de imediato, ao
Congresso Nacional, a revogação do estado de sítio que havia sido decretado
ainda em novembro de 1955, além de abolir a censura à im p re n sa .P ro v a v e l­
mente como desdobramento da mesma política, compareceu, em agosto de

Ibid e m , (verbete K U BITSC H EK , Juscelino).


Cf. A ta da sessão da O AB, 2 2 / J 1/1955.
a . A ta d a sessão da O AB, 29/11/1955.
D H B B , op. cit., (v erbete SEABRA FA G U N D ES, M iguel).
Ibid e m , (verbete K U BITSC H EK , luscelino).

62
V o l u m e > 1),1 [ \ c d ( ‘ tii()c , 111 I ' s l . u l o l) ( 'in ( i( r.ilK o r ic l')ii'('ito

1956, à solenidade de posse do novo presidente eleito da Ordem dos Advoga­


dos, Nehemias Gueiros.'^‘*Acompanhado do ministro da Justiça, Nereu Ramos,
assinou a mensagem na qual encaminhava para o Congresso Nacional, como
projeto governamental, o projeto de lei do Estatuto da Ordem dos Advogados,
satisfazendo o desejo manifestado anteriormente pelo Conselho de que assim
fosse feito.
Fato novo para a Ordem, a presença de um presidente da República no
recinto de sua maior instância decisória só veio confirmar, mais um a vez, o lugar
conquistado pela instituição no meio jurídico-político nacional, a despeito de
qualquer estratégia que pudesse justificar a presença de figura tão ilustre. O tom
dos discursos proferidos na ocasião, por Seabra Fagundes e Nehemias Gueiros,
marcadamente voltados para a economia interna da Ordem, descolados das
análises de conjuntura que costumam ter lugar nestas solenidades, para além de
refletirem, em grande medida, os perfis dos seus autores - os quais, se tomarmos
emprestada a distinção feita pelo conselheiro Carvalho Neto, referida aqui por
nós, poderíamos classificar de advogados não-políticoSy ressalvado o risco dos
maniqueísmos - , podem ser entendidos ainda no registro da normalização do
quadro político que talvez não exigisse manifestações nesta direção; além da
convicção quanto ao respeito conquistado, justamente, no campo da política
institucional e mesmo partidária, o que não obrigava esforços de legitimação
que necessariamente precisassem romper as fronteiras das questões exclusiva­
mente corporativas.
No entanto, se por opção, Seabra Fagundes ateve-se exclusivamente ao
que considerava terem sido as principais realizações de sua gestão - nota-
damente o encam inham ento da questão previdenciária dos advogados e a
elaboração do anteprojeto do Estatuto Nehemias, delicadamente, arriscou
tocar na questão basilar:

Eleito n a sucessão d e Seabra Fagundes, p o r u n a n im id a d e , p a ra o b iê n io 56-58. P ara secretário -geral re e ­


legeu-se, ta m b é m p o r u n a n im id a d e , o co nselh eiro A lb erto B arreto d e M elo. Cf. A ta da sessão da O AB,
31/7/1956.
C í.A ta da sessão da O A B , 11/8/1956.
D a ta de o u tu b r o deste a n o o en v io p a ra a C â m a r a Federal, pe lo m in is tro da Justiça, dc u m pro je to p a ra a
institu iç ã o d o “ D ia d o A d vo gad o”. Cf. A ta da sessão da O A B , 23/10/1956. Vale le m b ra r a in d a as palavras
d o p r ó p r io Seabra Fagundes, q u a n d o d a c o m e m o ra ç ã o d o s 25 a n o s de cria ç ão d a O rd e m : “N o s seus
v in te e q u a tro an o s [sic| d e a tividad e, discreta o u de luta, c o m o d ita d o pelas circun stân cias, m a s s em p re
b enem érita, a O rd e m dos A dvogados d o Brasil conseg uiu em p re star ao exercício d a advocacia u m prestígio
sing ular e u m p a d rã o ético d o m ais alto te o r ”. Cf. /IM da sessão da O A B , 29/11/1955.

m á# 63
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Por que me escolhestes? Sou dos mais novos, no sentido dos que convivem
convosco há menos tempo. Quando indago a m im mesmo, a que devo tão
imerecida homenagem, tão elevado prêmio, só uma razão me acode, além da
fidalguia e munificência do vosso coração: elegeste-me porque sou advogado,
tão somente advogado, com a paixão e o entusiasmo da atividade e dos pro­
blemas profissionais.'^’’

Pouco mais de um ano após sua posse, por ocasião da abertura dos
trabalhos do Conselho em 1958, o secretário-geral, Alberto Barreto de Melo
- habitualmente pouco dado a manifestações que não dissessem respeito estri­
tamente à Ordem apresentando relatório acerca das ações desenvolvidas pelo
Conselho no ano anterior, ratificou o ponto, reescrevendo, à luz do presente, a
história pregressa da Ordem:

Praz-nos constatar, para engrandecimento da nossa cultura jurídica e voca­


ção democrática, que nestes 25 anos de funcionamento do Conselho, o
serviço público que ele desempenha esteve afeto, exclusivamente, aos
profissionais do fôro, sem interferências políticas. (...) E constitui mo­
tivo de confiança na nossa instituição a circunstância de ter ela sido sempre
preservada das intervenções dos interesses políticos, numa demonstração
da nossa maturidade e capacidade de autodeterminação. Por outro turno,
tivemos sempre, neste quarto de século de fimcionamento, o bom senso
de nos ater aos problemas específicos da profissão, resguardando-nos,
assim, das desnaturações do sectarismo político.'^® [grifos nossos]

Mas se partirmos do entendimento, com o qual partilhamos, de que o


crescimento em tamanho e importância da Ordem, no cenário nacional, coloca
a instituição, como representação coletiva, acima dos seus atores individuais,
veremos que os perfis de seus dirigentes, de um extremo a outro - ainda que
substancialmente importantes na definição dos rumos da instituição equi-
librar-se-ão com as demandas da classe e com as exigências das conjunturas
políticas.
Nesse sentido, o mesmo Nehemias Gueiros, durante a sua gestão, idealizou o
que viria a ser um dos espaços mais intensos de atuação da Ordem frente às ques-

C f. A ta d a sessão da O A B , 11/8/1956.
Cf. A ta d a sessão da O A B , 1/4/1958.

64 màM
O c i R c ( I ( ’ [i h h M t i / , u Tk ) . h ) [ ' s l a d o í l r i n t i i t j l l i i > d e l l i i n l o

tões nacionais que envolvessem direta ou indiretamente o direito: as conferências


nacionais. Por seu formato não hierarquizado e facultado à participação de atores
externos ao campo do direito e à própria Ordem, marcou o início de uma nova
fese das relações entre o Conselho e as secc io n a is,b e m como permitiu à Ordem
uma certa margem de manobra no que diz respeito justamente às suas barreiras
regimentais referentes à emissão de juízos políticos não diretamente relacionados
à questões internas ou ligadas estritamente ao direito, posto que retirava, em parte,
dos seus ombros, o peso das manifestações.
Seu Regimento, no entanto, como não é de se estranhar, deíània como
objetivos íiindamentais dos encontros, o “estudo e debate das questões e pro­
blemas vinculados ao interesse cultural e profissional da classe” sendo que todas
as suas deliberações teriam o caráter, apenas, de “simples recomendações”. Era
vedado ainda “o exame e debate sobre moções ou assuntos estranhos ao temário
oficial, e sobre política e religião”,*^ o que, tal como o artigo 8° do Regimento
da Ordem então vigente, já citado aqui, não pode ser tomado em termos abso­
lutos, se nos mantivermos na busca da compreensão do padrão de atuação de
um a instituição tão complexa como a Ordem, cujo equilíbrio, ao contrário da
radicalidade própria dos discursos em disputa, não parece repousar em uma
dicotomia severa entre o exercício exclusivo de suas funções de órgão de classe
e um a atuação mais politizada que se pronuncie para além desses limites, mas
sim sobre um a combinação constante, com considerável grau de maleabilidade,
entre os dois pólos,
No caso específico da I Conferência, realizada no Rio de Janeiro, nas
dependências da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entre os dias 4 e 11
do mês de agosto de 1958,'^' coerente com o clima de normalidade política,
ratificado por uma relação bastante amistosa com o poder executivo federal,
o temário não poderia refletir senão as preocupações relativas à própria classe
- postura que sofreria, gradativamente, significativas mudanças, quando do
agravamento da situação política a partir de meados da década de 1960, com a
subida dos militares ao poder, como veremos mais adiante.
Foram nove os temas gerais debatidos pelos conferencistas. Em que
pese a extensão da citação, compensa-nos pelo seu caráter documental: I - A

H istória da O A B , op. cit. D isponível e m h ttp ://\v'\v\v.oab.org.br/hist_oab. C o n su lta d o e m nov/2005.


Cf. A ta da sessão da O AB, 17/6/1958.
T o d o 0 d e b ate referente à org anização , e s tr u tu ra e definição d o te m á rio d a C o n fe rê n cia e n c o n tra -s e nas
Aííis das Sessões da O A B in dicadas a seguir; 28/5 e 1 /1 0 /1 9 5 7 ,8 e 15/4, 2 7 /5 ,3 e 17/6, 15 e 22/7/1958.
Boris Fausto, op. cit., p. 422.

#àm 65
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Advocacia e o Poder Legislativo (Tema I - A Advocacia e o Poder Legislativo.


Assessoria a parlamentares e comissões técnicas. “Lobbying” Tema II - Co­
missões parlamentares de inquérito. Intervenção dos advogados e norm as de
procedim ento)'^; II --A Advocacia e o Poder Judiciário {Tema I - A advo­
cacia e a organização judiciária. Posição do advogado no aparelho de Justiça.
Relações com os juizes'^\ Tema II - A chamada crise do Supremo Tribunal
Federal. Congestionamento das pautas e soluções para o problem a'^, Tema III
- Participação efetiva dos advogados no recrutam ento dos juizes. Sua intera­
ção na Comissão dos Tribunais do T r a b a l h o ) III - A Advocacia e o Poder
Executivo (Tema I - A advocacia e o Poder Executivo. Imposições e Limitações
Éticas'"\ Tema II - Prática profissional perante a administração. Legitimidade
do seu exercício. Advocacia administrativa e tráfico de infiuência'^^ Tema III
- Execução das decisões judiciais. Resistência e desrespeito ao cum prim ento
dos julgados. Solução legislativa do problem a)”^; IV - N ivel Profissional
da Advocacia (Tema I - O problem a da multiplicação das Faculdades de
Direito. Requisitos para o acesso aos cursos jurídicos e a sua repercussão no
nível profissional'” , Tema II - Reestruturação do curso jurídico em função da
realidade contem porânea no país. Criação da cadeira de Deontologia e ensino
prático do D ireito)'’^; V - A A rte de Advogar (Tema I - A advocacia como
arte. Consciência profissional e am adorism o'^\ Tema II - Linguagem e estilo
forense. Argumentos de autoridade e eruditismo. Comunicação dialética do
advogado com o juiz'^S Tema III - Estágio profissional. Sua necessidade para
m elhor aproveitamento das vocações e elevação do nível profissional)'’^; VI
- A Advocacia e a Ética Profissional (Tema I - Sociedade para o exercício de
advocacia e ética profissional. Disciplina e responsabilidade individual dos
advogados'^\ Tema II - Jurisdição disciplinar e poder corregedor da Ordem.
Relator; N e h em ias Gueiros.
R elator: D a rio de A lm eida M agalhães.
Relator: M iguel Seabra Fagundes.
R elator: Francisco C le m e n tin o d e San Tiago D antas.
Relator: João da R ocha M oreira.
R elator: Fran cisco d a R o ch a Leite e O iticica Filho
Relator; Justo d e M orais.
Relator: M ay r Ciqueira.
Relator; R uy A zevedo Sodré.
Relator: O rla n d o G om es.
R elator: J. G u im a rã e s M enegale.
Relator: W ald em a r Ferreira.
Relator: J. Telles d a Cru7.
Relator: C â n d id o de Oliveira Neto.

66 màM
V'okn iiL' 1 n , i R c ( k ‘ii i o ( r j l i / i K , ã ( ) JO h s ic u lu D c i n o i i j l i i n dc' D i r u i t o

Decisões cogentes de ordem pública, e direitos adquiridos'’’, Tema III - Direito


e dever de advogar. Defesa de interesses. Im unidade de reputação profissional
ante o mau conceito, o caráter e o caso pessoal do cliente) VII - Exercício
da Advocacia (Tema I - Oralidade e celeridade do processo. Experiência do
sistema processual vigente. Vícios e sestros do foro'’'*, Tema II - Proibição e
impedimentos ao exercício da advocacia. Posição dos m em bros do Ministério
Público, das polícias civil e militar, das forças armadas, e dos funcionários
úscais)'*"; VIII - Defesa da Advocacia {Tema I - Instituições do regime da
previdência ao advogado. Caixas de Assistência e seu aproveitamento no seguro
social'^', Tema II - Assistência judiciária. Remuneração dos advogados dativos
pelo poder público. Concorrência profissional ilícita,'*^ Tema III - Honorários
de advogado. Condenação obrigatória nos pleitos j u d i c i a i s ) , I X - Órgãos e
Associações de Classe (Tema I - Relações entre a Ordem dos Advogados e as
demais associações de classe. Interligação com os Institutos dos Advogados.
Sindicalização profissional'^^ Tema II - Direitos e deveres do advogado em
relação à Ordem. Meios eficazes para a realização dos fins desta. Aumentos
das contribuições obrigatórias).'^^
Terminada a Conferência, colhidos os louros de seu ê x i t o , a l g u m a s de
suas principais “recomendações” foram de imediato acatadas pelo Conselho
Federal, revelando que, se por um lado, a cautela regimental quanto ao peso
político das conferências - com o seu caráter mais difuso na co-definição
dos rumos da instituição, enquadrava-se na mesma lógica de preservação da
Ordem ante às oscilações da política institucional; por outro, constituía-se em
hábil estratégia de ação escudada na legitimidade de uma instância de debate
e proposições composta por um arco ampliado de atores, inclusive do campo
político-partidário.

R elator: Alcimi d e Paula Salazar.


R elator: N o é Azevedo.
R elator: M á r io G u im a rã e s d c Souza.
'* Relator: Paulo M alta Ferraz.
"" Relator: C. A. D u n sh c e d e A branchcs.
Relator: T eotón io Negrão.
Relator: Alcy D em illecam ps.
Relator: |o s é B arbosa d e Almeida.
Relator: A lb erto B arreto d c Melo. Cf. Alberto Vemhicio Filho, op. cit., p. 108-110.
O co nselheiro federal R a y m u n d o P u b lic B and eira de M elo c o n g ra tu lo u -s e c o m o C o n se lh o pelo êxito
d a con ferên cia e c o m u n ic o u ter feito a le itu ra , n o S enad o f e d e r a i - p a ra q u e constasse c m seus anais
- d o te m á rio d a C o nferência. Cf. A ta da sessão da O AR, 1 9 /8 /1958. Ver ta m b é m A ta da sessão da OAB,
2 3/9/1958.

67
______________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Já na prim eira sessão do Conselho após o térm ino da Conferência, o


demorado trâm ite legislativo da questão previdenciária dos advogados e a
chamada “crise do Supremo Tribunal Federal” (STF) - provocada pela lentidão
dos julgamentos e do conseqüente acúmulo de processos - foram objeto de
deliberações. Na ocasião, o conselheiro Carlos Bernardino Aragão Bozano,
apresentou as seguintes indicações:

...atendendo à recomendação aprovada pela 1‘* Conferência Nacional da


OAB, requeiro a Vossa Excelência que tome as providências necessárias para
fazer chegar, com a possível brevidade, ao conhecimento da ilustre Câmara
dos Deputados o pensamento da classe, no que diz respeito à instituição do
regime de previdência do advogado. Os deputados Milton Campos e Aliomar
Baleeiro, assim como outros membros deste Conselho que têm assento no
Parlamento, deverão receber comunicação especial, contendo cópia do expe­
diente dirigido ao Presidente da Câmara dos Deputados, com as instâncias
dos seus colegas para que se interessem pela rápida tram itação do Projeto
núm ero 3.235-54.'®^ [grifo nosso]

E ainda:

...atendendo à recomendação unanimemente aprovada pela 1-Conferência


Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (...), requeiro à Vossa Exce­
lência que designe um conselheiro ou nomeie uma comissão para, em prazo
não superior a 30 dias, apresentar a este Conselho, de maneira objetiva, o
ponto de vista dos advogados, no que tange à solução da chamada “crise
do Supremo Tribunal Federal” (...) ...o Conselho Federal, antes de remeter
aos poderes competentes suas conclusões, deverá procurar ouvir as Seções
da OAB, professores de Direito e advogados mais diretamente ligados ao
problema.

No que tange especificamente à crise do STF que, ao contrário da


questão previdenciária dos advogados, era assunto da hora, vale notar que
o relator da m atéria na Conferência'^^ - cujo parecer serviu de base para
Cf. A ta da sessão da O AB, 19/8/1958
Ib id em .
Tem a II - A A dvocacia e o P o d e r Judiciário ( “A c h a m a d a c ris e d o S u p r e m o T r ib u n a l Fe d e ra l. C o n g e s ­
t i o n a m e n t o d a s p a u t a s e s o lu ç õ e s p a r a o p r o b l e m a ” ).

68 •àl
\'(iluinr > Dll l\<'(l(’iiio( j o j o 1-s |,k I() i X ' D K x uilu í) (k ‘ l^íirito

a “recom endação” encam inhada e acatada prontam ente pela O rdem - foi
ninguém m enos que o renom ado jurista e político, San Tiago Dantas, ex-
assessor pessoal de Vargas em seu segundo governo e im portante quadro
do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) - pelo qual se elegeria, inclusive,
deputado federal, ainda naquele ano de 1958.'^" A despeito, portanto, dos
tolhim entos à partidarização dos debates, nunca estiveram de todo interdi­
tados - e as Conferências ajudam a confirm ar esta tese - canais alternativos
através dos quais atores e manifestações, inclusive de cunho mais partida-
rizado, pudessem se colocar.
Assim, no mesmo ano de 1958, Nehemias deixaria a presidência da Ordem
levando consigo os créditos pela idealização das Conferências que, sobretudo
dos anos 1960 em diante, “representariam um dos principais instrumentos que
viabilizariam a participação da Ordem no processo de democratização nacio-
nal”,'*^' politizando crescentemente a sua atuação e colocando a instituição num
plano que se encontra m uito além meramente de suas funções regimentais de
órgão de classe, se comparada a outros do mesmo gênero.
Realizadas as eleições para o biênio 58-60, Alcino de Paula Salazar'^^ foi
eleito presidente e Alberto Barreto de Melo reelegeu-se secretário-geral,'’^
Os dois, na direção e sistematização dos trabalhos» teriam como principal
problem a a equacionar nos anos finais da conturbada década, o complicado
processo de transferência da capital federal para Brasília, com todos os seus
desdobram entos de ordem política, técnica e estrutural. Avizinhava-se assim
mais um “desafio da m aioridade” a colocar novamente à prova a capacidade
da instituição de absorver e reagir aos impactos externos m antendo, em pa­
ralelo, a sua integridade.
Os anos JK (1956-1961), se comparados ao segundo governo Vargas,
podem ser considerados de razoável estabilidade política e franco otimismo,
manifestado por amplos setores da população, especialmente a classe média
urbana. O êxito do Programa de Metas, de matriz nacional-desenvolvimentista,

R a u l M endes Silva et alii (org.), op. cit., p. 360.


H istória da O AB, op. cit. D isponível e m h ttp ://w w w .o a b .o rg .b r/h is t_ o a b . C o n s u lta d o e m nov/2005.
''" A lc in o Salazar foi v e re a d o r e prefeito, e n tre 1 9 2 0 e 1 9 3 0.de sua c id a d e natal. M u n h u a ç u (M G ). M ais tarde.
d u r a n te o g ov e rn o C arlo s Lacerda, exerceu o cargo de S ecretário d e Justiça d o E sta d o da G u a n ab a ra .
E n tre d e z e m b ro de 1965 e m a rç o d e 1967, d u ra n te o g o v e rn o C astelo B ranco, foi P ro cu ra d o r-g e ra l da
República. Ver D H B B , op. cit. (verbete SALAZAR, A lcino d e Paula).
C í.A ta da sessão da O A B , 29/7/1958. C o n v id a d o o p re sidente d a R epública p a ra a so len id ad e d e posse do
n o v o p re sid en te d a O rd e m , en v io u e m seu lu g a r o e n tã o chefe d a Casa Civil, V ictor N u n e s 1-eal. Cf. A ta
da sessão da O A B , 19/8/1958.

69
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

com seus altos índices de crescimento econômico,'^ contribuíam para o quadro,


em que pese o concomitante aumento do déficit comercial e do endividamento
externo.
Os “cinqüenta anos em cinco” de Juscelino entraram para o imaginário
nacional como a marca de um período associado a grandes realizações. A
construção de Brasília e a consecutiva transferência da capital federal para
0 novo local, previstas desde a prim eira Constituição republicana, de 1891,
constituíam-se, sem sombra de dúvida, na m aior d e l a s . M a s , como aponta o
historiador Boris Fausto:

...a fundação de uma nova capital dividiu as opiniões efoi considerada um


tormento pelo funcionalismo público da antiga capital da República, obrigado
a transferir-se para o Planalto Central do pais.''"

A 7 de abril de 1959, quando da abertura dos trabalhos do Conselho Fe­


deral, o secretário-geral Alberto Barreto de Melo, na tradicional apresentação
do relatório das atividades desenvolvidas no ano anterior, rompeu a sua con­
tenção costumeira e ofereceu a seus pares uma análise de conjuntura, tomando
como ponto de partida os problemas que, segundo identificava, dificultavam o
exercício pleno do direito. O tom do pronunciamento não apontava para alvos
específicos, mas não seria equivocada a percepção de que a mudança da capital
federai, como símbolo da acelerada transformação do perfil socioeconômico
que o país atravessava, representasse - na face oposta do “progresso” que tam ­
bém significava - a inconstância histórica das instituições políticas nacionais.
Senão vejamos:

...a advocacia, como toda profissão chamada liberal, tem os seus problemas
específicos; mas, além destes, sofre o condicionamento dos problemas gerais

“D e 1957 a 1961, o PIB cresceu a u m a taxa a n u a l de 7% , c o rre s p o n d e n d o a u m a taxa per capita d e quase
4 % . Se c o n sid e ra rm o s to d a a d éca d a de 1950, o c re sc im e n to d o PIB brasileiro p e r cap ZM foi a p ro x im a ­
d a m e n te trcs vezes m a io r d o q u e o d o resto d a A m é ric a Latina”. Boris Fausto, op. cit., p. 427. Sobre o
n a cion al-d esen vo lv im entisto, c o n su lta r as p á g in a s 4 26 -430 d a o b ra citada e ta m b é m SING ER, Paul.
“ Inte rp retaç ã o do Brasil: u m a exp eriên cia h istó rica d e desenvolvim ento", In: História C eralda Civilização
Brasileira. Rio d e laneiro: B e rtra n d Brasil, 1995, 3® ed. (t. 3, v. 4). p. 225-230.
Boris Fausto, op. cit., p. 422.
Id e m , 429-430. Ver ain d a , so b re a co n stru ç ã o de Brasília, A H istória de Brasília - Parte I (p á gina d a Web).
D isponível e m h ttp ;//w v \'w ,info bra silia .c o m .br/b sb _h ip.h tm # H istó ria. C o n su lta d o e m nov/2005.
O p. cit., p. 422.

70 màM
V'oki[iU' I 1 )ci R i ' d f i i i i n ) , H ) l .st.ulc) I II r . i l i i < i ( I f l u c i l o

da sociedade e nenhuma comunidade humana, como a nossa, tem sido tão


fértil em proliferar problemas que se amontoam (...). Somos um país de
improvisadores, não tanto por culpa nossa como por imperativo de deter-
minismos históricos que nos impuseram opções e responsabilidades para as
quais não estávamos amadurecidos.'"^^ [grifo nosso]

Os debates no âmbito do Conselho Federal a respeito do tema tiveram


início ainda em fins de 1957, quando da fixação, por lei sancionada pelo pre­
sidente da República, da data de 21 de abril de 1960 para a transferência da
capital.' A indefinição quanto ao posicionamento que a Ordem deveria assumir
diante da determinação legal que se apresentava, bem como as providências a
serem adotadas no intuito de manter, em um brevíssimo futuro, o Conselho
em atividade - fosse instalando-se na nova capital ou mantendo-se na cidade
do Rio - , ao mesmo tempo que mobilizavam crescentemente as atenções dos
conselheiros à medida que findava o prazo legal, geravam, ao que parece, um
misto de descontentamento e descrença quanto à efetivação de todo o complexo
processo de transferência. Em uma das primeiras manifestações sobre o assunto,
o conselheiro Carlos Bernardino Aragão Bozano já apontava para a necessidade
urgente de uma tomada de posição da Ordem frente à questão, dando mostras
do tom acalorado que tomaria os ânimos até o desfecho da questão:

Senhor Presidente, ratificando a comunicação verbal de terça-feira pp., insisto,


data venia, sobre a necessidade e urgência de serem tomadas providências,
frente à lei que determinou a data de 21 de abril de I960 para a mudança
definitiva da capital do país. Essa presidência e a secretaria-geral do Conse­
lho da Ordem dos Advogados do Brasil deverão, segundo penso, sem perda
de tempo, estudar o momentoso assunto, esquematizando, para a prévia e
indispensável aprovação do plenário, as medidas que julgarem oportunas.
Como é fácil compreender, inúmeros problemas humanos e de ordem mate­
rial derivarão da apontada mudança, não nos cabendo, neste passo, outra
atitude se não e de cumprir a lei, salvo se a Ordem dos Advogados do Brasil
pretender conservar aqui, na cidade do Rio de Janeiro, sua sede, isto é, a sede
do seu órgão máximo. Ainda assim, porém, há providências que se impõem,
especialmente no terreno legaV^'^
Cf. A ta da sessào da O AB, 7/4/1959.
Cf. A ta da sessào da O AB. 1/10/1957.
Cf. A ta da sessão da O AB, 8/10/1957.

•àl 77
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Quase um ano mais tarde, diante do pouco ou nenhum avanço dos debates
em torno da questão, o mesmo conselheiro apresentou indicação similar:

Sr. Presidente, em duas oportunidades, na sessão ordinária do ano pp., lem­


brei a conveniência da OAB, pelo seu Conselho Federal, estudar as prováveis
modificações conseqüentes à transferência da capital do país para Brasília
(...) Agora, O Globo de sexta-feira, dia 29 de agosto, à página 6, publica
notícia do ocorrido em sessão realizada pela ‘'Comissão de Senadores e
Deputados encarregada de estudar medidas legislativas que regulem a orga­
nização política, administrativa, legislativa e judiciária da futura capital da
República”. A essa reunião compareceu, convidado, o Sr. Ministro da Justiça
que, em sua dissertação, se referiu expressamente à OAB. Reiterando, ainda
uma vez, o pedido de providências, requeiro à V. Excia. se digne informar a
este Conselho Federal, com a possível brevidade, qual o ponto de vista dessa
ilustrada Presidência.^^'

Nesta segunda oportunidade, nomeado relator da matéria o presidente do


Conselho, Alcino Salazar, deliberou-se outorgar ao próprio plenos poderes para
promover os encaminhamentos necessários exigidos pela questão, sem que, no
entanto, efetivamente, muito tenha sido feito.^®^
A 10 de abril de 1959, a quase exatos 12 meses da data estabelecida em
lei para a transferência definitiva da capital, o Conselho Federal reuniu-se,
em sessão extraordinária, para proceder ao exame de um ofício expedido pela
Comissão Parlamentar Mista do Congresso - encarregada da organização do
futuro Distrito Federal e do Estado da Guanabara - , que solicitava a manifes­
tação deste acerca dos problemas jurídico-legislativos advindos do processo
de transferência. Na oportunidade - quando estiveram presentes os senadores
Leopoldo Tavares da Cunha Mello e Jefferson Aguiar, respectivamente presidente
e relator da comissão referida foi debatido o parecer de Alcino Salazar acerca
do tema, cujo conteúdo, composto basicamente de propostas de emendas à
Constituição, visava normatizar o processo de transferência. Aprovado em bloco
pela maioria dos conselheiros, foi objetado, no entanto, por Aragão Bozano, no
que tangia especialmente à permanência provisória dos Tribunais Superiores na
cidade do Rio de Janeiro. Ainda que não declaradamente atinente à economia

Cf. A ta da sessão da O AB, 2/9/1958.


" Cf. A ta da sessão da O AB, 28/10/1958.

72 •àl
\ ' i l l u m e ’> D e l l \ c ( k ' [ l K )( I , i l i / , i ( ,11) ,11) 1s l . i í In [ K I , it i( I I I I r I ) i i ' c i l n

interna da Ordem, era dela também que se ocupava a arenga, elucidando parte
dos motivos sobre os quais se calcavam a resistência do Conselho Federal à
mudança de domicílio da capital federal.-*^^ Assim manifestou a sua declaração
de voto o citado conselheiro:

(...) Tribunais existem, como o Federal de Recursos, que poderão adiar sua
transferência, ou até mesmo evitá-la, bastando que se organize, dentro da
faculdade constitucional, outro ou outros, conforme a necessidade o aconselhe.
O Supremo Tribunal Federal, cúpula do Poder Judiciário, entretanto, não po­
derá aqui permanecer, assistindo à partida dos outros Poderes. Os argumentos
que justificariam a procrastinação seriam: a) inamovibilidade dos ministros
daquela Corte; b) ameaça de aposentadoria em massa com as conseqüências
apontadas no parecer Salazar. Quanto ao primeiro, a Constituição Federal
é taxativa: determina que na Capital Federal esteja localizada a sede do
Supremo Tribunal Federal, art. 98, e no art. 4° e seus parágrafos do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias dispõe sobre a mudança, deferida a
data à lei ordinária que já afixou; a segunda justificativa merece repelida, e
com veemência, data vênia. Significaria uma ameaça que não se ajustaria às
excelsas qualidades exigidas pela Constituição para a investidura e, por isso
mesmo, não autoriza acolhimento. As respeitáveis razões de ordem pessoal
não podem justificar o desrespeito à lei, ou a exceção. Se Brasília não ofe­
recer, no tempo previsto, acomodação compatível, o problema é do legislativo
que, frente ao fato comprovado, deverá tomaras providências que o tirocínio e
patriotismo dos seus membros indicar. Salvo imprevisto, portanto, o Supremo
Tribunal Federal deverá instalar-se em Brasília à data da lei (...). Só pela
educação poderemos aspirar modificações para melhor em muitos setores da
vida pública. O trabalho educativo exige, porém, afora o decurso do tempo,
os bons exemplos que devem vir de cima. Ora, convenhamos em que seria
um mau, um péssimo exemplo, se o mais alto Tribunal de Justiça resistisse,
sem motivo plausível, ao cumprimento da lei ou reivindicasse, atendendo
a interesses pessoais, embora respeitáveis, uma posição excepcional (...). O
interesse dos advogados residentes no futuro Estado da Guanabara (...)
deve harmonizar-se com o interesse dos outros advogados brasileiros,

Sobre o a ss u n to ver. e n tre o u tro s , H e r m a n n Assis Baeta, e m A O A fí n a voz de seus presidentes, Brasília,
OAB, 2003, p. 180-184. (Vol. 7 d a coleção H istó ria d a O r d e m do s A dvogados d o Brasil, c o o rd e n a d a p o r
H e r m a n n Baeta.)

•ál 73
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

estes em maior número (...). Há questões menores, como transporte de


autos e outros, cabendo a quem de direito resolvê-los. Não estamos aqui
para isto. [grifos nossosp'^''

Os desdobram entos dos debates travados inicialmente no âmbito do


Conselho Federal da Ordem caminharam no sentido mesmo da defesa da
manutenção provisória do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais
federais no futuro Estado da Guanabara - o que, por via paralela, legitimaria
a permanência tam bém do próprio Conselho na futura ex-capital sob o
argumento da necessidade de se aguardar o estabelecimento das condições
técnicas e materiais mínimas para a transferência. Acatadas, em grande parte,
pela Comissão Parlamentar Mista do Congresso, as sugestões apresentadas pelo
Conselho-*^^ serviram também de base para a argumentação de parte dos minis­
tros dos próprios tribunais em questão, como forma de ratificar o adiamento da
transferência que entendiam como condição indispensável para a manutenção
do adequado funcionamento do poder Judiciário.-^
Aos 11 dias de agosto ainda do ano de 1959, antes de propor um voto de
congratulações pelo aniversário de um ano do presidente Alcino Salazar à frente
da Ordem, mais um a vez o conselheiro Aragão Bozano voltou à carga contra
o que considerava negligência ou inabilidade política do Conselho Federal,
em especial por parte de sua direção, pela lentidão na tomada de uma posição,
fosse em favor da transferência do próprio Conselho para a nova capital ou no
sentido de se promover a alteração da lei referente ao assunto:

Se a administração federal não contemplou o Conselho Federal entre as enti­


dades a serem localizadas na futura Capital, a culpa cabe, em grande parte,
ao próprio Conselho Federal}"'^

Mais uma vez não houve desdobramentos significativos em resposta ao


manifesto, nem tampouco reações verbais da diretoria do Conselho ou da parte
de qualquer dos conselheiros. Por seu turno, a 10 de novembro, o presidente
Alcino Salazar apresentou indicação ao Conselho, sugerindo que este se diri­
gisse, “respeitosamente”, ao STF, cobrando daquele tribunal um a manifestação
2"“ C f. A la da sessão da O A B , 10/4/1959.
Cf. A ta da sessão da O A B , 5/5/1959.
C í.A ta da sessão da O A B , 27/10/1959.
C f. A ta da sessão da O A B , 11/8/1959.

74 máM
V o l u n u ' •> ID .) R e d c i i i o t r . i t i / j i <ui ,10 h s liu lo D u n i o t r j t i u ) ( k ' D i t c i l u

formal a respeito do problema de sua transferência para Brasília, “tendo em vista


a determinação legal da mudança da Capital e a falta de condições materiais
mínimas para a transferência, no momento”.-'^**Vale ressaltar que, pouco a pouco,
consolidava-se um juízo de valor acerca da polêmica questão.
Duas semanas mais tarde, na sessão do dia 24 daquele mês, ao pronunciar-
se sobre a indicação do presidente Salazar, o conselheiro José Telles da Cruz viu
unanim emente aprovada a conclusão que ofereceu ao plenário - sob aplausos e
como manifestação de confiança no presidente do Conselho, sugeridos, justa­
mente, pelo combativo conselheiro Aragão Bozano - , nos seguintes termos:

Voto por que este Conselho atenda à indicação do eminente Senhor Presi­
dente Alcino Salazar, mas apenas para o efeito de autorizá-lo a continuar
tomando empenhos junto aos Poderes Públicos no sentido de precatar os
altos interesses da Justiça no que diz, sobretudo, com a missão dos advogados
no novo Distrito Federal (Brasília), impossibilitados que ficam não somente
eles advogados, m a s , também, este Conselho, bem como 0 da futura Seção
de Brasília, de se instalarem na nova Capital Federal, quando se afirma que
inexistem condições de habitabilidade, inclusive, para os altos Órgãos Judi­
ciários que já se pronunciaram sobre a matéria.'^^'^ [grifo nosso]

Aparentemente, seria motivo de satisfação para gregos e troianos a apro­


vação do adiamento indefinido da transferência, bem como a assunção, por
parte do Conselho, de um a posição clara diante do que até então constituía-se
em um impasse para a Ordem. Porém, na sessão seguinte (1/12), utilizando-se
de um expediente institucional habitual em situações extremas, onde a legi­
timidade política do presidente e/ou a unidade do Conselho encontram-se
ameaçadas, o presidente Alcino Salazar, por intermédio do conselheiro Prado
Kelly, apresentou a sua renúncia ao plenário, com data retroativa, sob a seguinte
exposição de motivos:

A solução dada, na sessão de hoje, pelo Conselho Federal, à minha proposta


no sentido de se provocar um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal
sobre sua questionada transferência para a nova Capital, leva-me, natural e
irremediavelmente, a renunciar 0 alto e honroso posto de Presidente da Or-

™ Cf. A ta da sessão da O A B , 10/11/1959.


Cf. A ta da sessão da O A B , 24/11/1959,

•àl 75
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

dem (...). Esta atitude (...) vem, como conseqüência irreprimível, dos termos
em que ficou posta a questão e do desfecho que teve ela (...). Da minha parte,
manifestei a Arme convicção de que será profundamente prejudicial ao
serviço da Justiça, e aos altos e respeitáveis interesses que dela dependem,
a transferência do Supremo Tribunal Federal e dos demais altos Tribunais
do país agora (...). Invoquei manifestações do Tribunal Superior do Trabalho,
do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral e de eminentes
ministros do próprio Supremo Tribunal no sentido da inoportunidade daquela
transferência (...). Entendeu, porém, o Conselho que esse problema (...)
não o deveria levar a apelar para o mais alto Tribunal no sentido de um
pronunciamento formal que dirimisse dúvidas e desfizesse perplexidades
(...) Afigura-se-me inútil mesmo o contato, nos termos indicados pelo substi­
tutivo aprovado, com o próprio Supremo Tribunal Federal visando à solução,
que 0 Conselho já aprovou, da permanência provisória dos tribunais superiores
nesta cidade. Creio - e digo-o respeitosamente e com pesar - que o colendo
Supremo Tribunal tem sido omisso e irresoluto diante do grave e delicado
problema, mostrando-se desatento aos legítimos interesses e aos respei­
táveis direitos que a malsinada mudança inapelavelmente significará. Por
isto mesmo pareceu-me que ao Conselho cumpria intervir objetivando a
solução que seria a decorrente já das declarações veementes dos ministros
Gallotti e Ribeiro da Costa (...) O argumento, por demais simplista, de que
não há sobre que deliberar porque se trata apenas de lei a ser cumprida não
resiste à óbvia consideração de que muitas vezes, como no caso ocorre, as leis
pressupõem necessariamente condições, instrumentos ou meios materiais sem os
quais não pode operar^''^ (...) Como quer que seja, o Conselho, apesar de se
ter pronunciado já contra a mudança imediata dos Tribunais, ditou outro
rumo que não posso seguir sem incoerência e constrangimento.^"

A solução de continuidade adotada para o episódio foi a ratificação da


outorga irrestrita de poderes decisórios acerca do assunto ao presidente de-

A pen as a títu lo d e re a firm ar o c aráter c o n tro v e rso d a qu e stã o , vale n o ta r q u e o m e s m o AJcino Salazar,
m eses an te s da ap re se n ta ç ão d e sua re n ú n c ia , n ã o p arecia m u ito afeito à relativizações - q u a isq u e r q u e
fossem - q u a n to a o c u m p r im e n to d a d e te rm in a ç ã o legal d e tra n sfe rê n cia d a capital. S o bre as palavras
q u e n a o casião p ro fe riu , n o s c o n ta a ata: “O Sr. P resid e n te (...) de cla ro u a in d a q u e a m u d a n ç a d a Capital,
q u a n to a o seu m é rito , é a ssu n to ultrapa ssa d o: há lei d e te r m in a n d o a tran sferência. C u m p r e a o C o n se lh o
e x a m in a r a re fo rm a legislativa de c o rre n te d o fato, q u e é a m u d a n ç a d a C apital d o País”. C f A ta d a sessão
da O A B , 10/4/J959.
C f. A ta da sessão da O A B , 1/12/1959.

76 màM
\'()kitiic 1 n ,i R f'(Icinoí ,'n I , i( I I s | , k I( ) l ) ( ’ i t i ( ) i i , í ti c ( I ( k ‘ I)ÍK 'il()

missionário que, desta forma, reconduzido, reassumiu os trabalhos na sessão


seguinte, não sem antes reafirmar os propósitos que, por encaminhamento
distinto dado pelo Conselho, o haviam feito declinar do cargo.
Aberto o caminho para a construção do consenso interno, nas sessões que
antecederam a transferência definitiva da capital federal para o planalto central,
o Conselho Federal se viu obrigado a tomar decisões de significativa m onta para
o seu futuro breve como instituição. Assim, a 8 de abril de 1960, o conselheiro
Nehemias Gueiros apresentou parecer sobre indicação do presidente Salazar,
sugerindo a criação de uma Seção da Ordem em Brasília, a partir de 21 de abril
de I960, como solução intermediária entre a mudança imediata do Conselho
Federal e o atendimento da demanda gerada pela transferência da capital federal.
Aprovado unanimemente, foi, ato contínuo, nomeada uma diretoria provisória
para a nova seção, que seria composta por Nehemias Gueiros (Presidente),
Colemar Natal e Silva (Vice-presidente), Leopoldo Cesar de Miranda Lima (1°
Secretário), Jayme Landim {2° Secretário) e Renato Ribeiro (3° Secretário).
No entanto, fazia-se premente uma decisão formal a respeito de como e
quando se daria a transferência efetiva do Conselho Federal para Brasília. A 12
de abril, o relator responsável pela matéria, Aragão Bozano, ofereceu ao plenário
o seu parecer, concluindo pela inviabilidade m omentânea da mudança do Con­
selho sem o prejuízo do seu pleno funcionamento. Nas palavras do próprio:

Nosso voto é, pois, no sentido de que o Conselho Federal da OAB deve trans-
ferir-se para o novo Distrito Federal, tão logo a futura capital do Pais ofereça
condições para a mudança, e os poderes competentes, pelo exato cumprimento
da lei, embora tardiamente, possibilitem o pleno exercício das altas funções
do advogado, inseparáveis da distribuição da justiça, base e fundamento da
ordem jurídica. Deve o Conselho Federal, por intermédio de seu Presidente, a
quem é renovada a confiança da classe, perseverar nas suas providências junto
aos poderes competentes, objetivando a mudança no menor prazo possível.
Que cada um assuma a responsabilidade das suas ações e omissões.-'^
[grifo nosso]

Ao fim e ao cabo, entre outros, dos dois principais tribunais federais, o STF
e o Tribunal Federal de Recursos, decidiram por suas transferências dentro do
™ Cf. A ta da sessão da O A B , 15/12/1959.
Cf. A m da sessão da O A B . 8/4/1960.
C f A ta da sessão da O A B , 12/4/1960.

m àM 77
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

prazo estabelecido em lei, a despeito da propalada ausência de uma estrutura


condigna para tal, o que rendeu, por parte do Conselho Federal da Ordem, duras
críticas, em função do risco de “paralisação da Justiça”.^'^ Se antes, a lentidão e
a aparente negligência do Conselho em relação à problemática da mudança da
capital escudavam-se na hábil estratégia de ir a reboque de uma possível decisão
desfavorável à mudança imediata por parte de tribunais federais de peso - como
forma de abrandar o iminente desgaste com os poderes Legislativo e Executivo,
sobretudo este último - , agora a tática alterava-se pela falta de aliados para a divisão
do ônus de uma decisão que, ao fim das contas, feria parcialmente, também, a
ordem legal, por mais “responsável” que pudesse ser. O elogio do cumprimento
puro e simples do texto da lei cedia lugar ao discurso da prudência.
Por fim, superados os obstáculos de ordem técnica e material, restaram
os de ordem política, que term inaram por adiar a transferência definitiva do
Conselho Federal para Brasília em mais de duas décadas, o que só viria a ocorrer
na gestão Herm ann Assis Baeta (1985-87).

1.5 O Estatuto de 1963: a m aioridade conquistada

A 11 de agosto de 1956, quando da posse de Nehemias Gueiros, como


vimos, o presidente da República, presente à sessão solene do Conselho Fede­
ral, assinou e encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de lei referente ao
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
A expectativa, portanto, do Conselho, era de que Câmara e Senado anali­
sassem e votassem o projeto com brevidade. No entanto, passado já o primeiro
ano da tramitação, o conselheiro José Maria Mac-Dowell da Costa apresentava
indicação no sentido de se cobrar agilidade do Congresso no trato da matéria.
Como o primeiro de muitos movimentos na mesma direção, em novembro de
1957 o presidente Nehemias nom eou comissão para que esta intercedesse, em
nome da Ordem, junto ao ministro da Justiça e ao poder Legislativo.^'^
Já ao fim do seu mandato, em abril de 1958, ante a informação de que o
deputado Milton Campos - jurista e m embro também do Conselho Federal
- havia sido nomeado relator da matéria na Câmara, Nehemias alimentou
ainda a esperança de

Ver p ro te s to d o p re sid en te d o C o n se lh o Federal, A lcino Salazar. C f. A ta da sessão d a O AB, 19/4/1960.


Cf. A ta da sessão da O AB, 26/1 1/1957.

78 màM
\'()lutiu‘ ) D ll I',iti/ii(.õ() .K l I sl.ulo [')('[ll(K r.ílii ( I ( I r D iiuilo

expender esforços para obter a rápida tramitação legislativa, nas duas Casas
do Congresso, para o projeto de lei em referência, a fim de que em 11 de
agosto próximo possa ser sancionada a lei disciplinadora do exercício da
advocacia.-^''

Ainda em fins de outubro daquele ano, já sob a presidência de Alcino


Salazar, novamente o deputado Milton Campos informava estarem prontos e
redigidos os pareceres referentes aos projetos do Estatuto da Ordem, salário m í­
nimo e previdência social dos advogados-'l Em maio de 1959 chegava à Ordem
a notícia de que “o projeto do Estatuto, em trânsito na Câmara dos Deputados,
entrara na ordem do dia do plenário daquela Casa do Congresso, devendo ser
votado nos próximos dias”.^’’ Um ano mais tarde, mais uma vez o Conselho
fazia-se ciente de que, agora, o deputado Pedro Aleixo, havia concluído o seu
trabalho como relator do Estatuto dos Advogados, “que será votado pela Câmara
dos Deputados em última discussão num a das próximas sessões em que houver
núm ero para votação’?^'^
Esta é uma amostra sucinta das muitas idas e vindas da tramitação do pro­
jeto de lei referente ao Estatuto da Ordem, ao longo de quase sete anos. Muitas
foram as vezes em que os trabalhos legislativos pareceram deslanchar, e seria
enfadonho o relato detalhado de todo o itinerário cumprido. De todo modo,
para além da lentidão, até certo ponto compreensível pela própria natureza do
processo legislativo, nos interessará aqui entender a forte significação do Estatuto
como desdobramento e garantia da solidez da Ordem como instituição, pouco
mais de 30 anos após sua fundação.
Foi conturbado o processo que envolveu a discussão, elaboração preliminar,
redação final, e aprovação do Estatuto pelo Congresso. Interessa-nos também o
acompanhamento do padrão de relacionamento mantido pelo Conselho com o
poder Legislativo no tocante à discussão de uma matéria, a um só tempo, de natu­
reza pública e atinente, em especial, aos interesses de um grupo em particular.
Foram muitas, sem dúvida, as alterações sofridas pelo projeto original.
Alberto Venâncio Filho chega a afirmar categoricamente que “o projeto (...) foi
alvo de várias tentativas de desfigurá-lo e deformá-lo”.^^' Não chegaríamos a

Cf. A ta d a sessão da O A B , 15/4/1958.


Cf. A m da sessão da O A B , 28/10/1958,
C f. A ta da sessão da O A B , 5/5/1959.
Q f.A ta da 5í5SíIí) da 0/4B, 31/5/1960.
O p . cit., p. 102.

•àl 79
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

tanto, primeiro porque as atas do Conselho Federal não oferecem subsídios para
tal afirmação e, segundo, porque as tentativas de se promover a atualização do
projeto ao longo de um período relativamente largo partiram, também, mesmo
que em m enor escala, de dentro da própria Ordem.
Mas de uma maneira ou de outra, os intermináveis debates em torno
de questões consideradas nevrálgicas, a busca da perfeição das filigranas e os
descontentamentos quanto às alterações sofridas pelo projeto original só vêm
reforçar o fato de que

A lei consagrava não apenas a aspiração de uma classe, mas fundam en­
talmente uma imposição social em que a tônica era a necessidade de re­
gulamentar-se harmonicamente a advocacia, para que esta pudesse, como
profissão, ser exercida com a altivez, independência e a autonomia que são
0 seu apanágio.^^^

Assim, a 25 de outubro de 1960, já sob a presidência de Prado K e l l y , o


conselheiro Carlos Alberto Dunshee de Abranches comunicava ao Conselho
haver tomado ciência de “inovações substanciais” aplicadas ao texto do Esta­
tuto, “no tocante aos atos privativos do advogado”, e sugeria que o Conselho
postulasse, junto à Câmara, “a aprovação do Estatuto tal como foi redigido pelo
Conselho, que é a expressão das aspirações da classe”. Como desdobramento,
constituiu-se uma comissão com a incumbência de redigir justificações para
os artigos do Projeto que teriam sido objeto de mudança.^^“
Um ano mais tarde, o conselheiro Gil Soares de Araújo apresentou indica­
ção ao plenário, pleiteando a reabertura dos debates acerca de pontos específicos
do Projeto do Estatuto, à época já nas mãos do Senado Federal. Sua exposição de
motivos para tal, após a negativa do Conselho à sua proposta - ao que pareceu,
não pelo mérito, mas pelo entendimento de que tal iniciativa poderia retardar
ainda mais a aprovação definitiva do projeto - , embora preterida, revelava boa
parte das preocupações que estariam presentes, mais tarde, nas falas dos conse­
lheiros, quando postos frente a frente com o desafio de adequar o funcionamento
e o desenho institucional da Ordem à nova legislação em vigor. Vejamos:

™ E u gênio R. H a d d o c k Lobo e Francisco C o sta N etto, o p . cit., p. 23.


O s re su lta d os d o pleito q u e o elegeu, em ju lh o d e 1960, na sucessão de A lcino Salazar, fo r a m o s seguintes;
p a ra P residente - P r a d o Kelly {19 v oto s); p a ra Secretário-geral - A lberto B arreto d e M elo (19 votos);
u m v o to bra n c o . C i.A ta da sessão d a O AB, 26/7/1960.
Cf. A ta d a sessào da OAB, 25/10/1960.

60 máã
V 'o lu n ic > I ) , i l \ ( ’( I c i i K H I'.il i / i i ( à o ,i () I s | , i i | ( ) I ) ( ‘n i ( )( i \ i ! K () ( ! ( ’ D i r e i t o

O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, aprovado pela Câmara dos


Deputados, acaba de entrar no Senado Federal, onde certamente receberá
várias emendas. O projeto, como se sabe, foi elaborado por este Conselho. A
Câmara fez modificações substanciais na proposição, como ocorreu na parte
relativa à advocacia perante repartições públicas. E manteve, data vênia, a
pior das soluções para o caso das férias dos advogados^ pois não levou em
conta, principalmente, peculiaridades do serviço forense nas grandes capitais.
Entendi, por conseguinte, que deveríamos reexaminar o nosso trabalho, a
fim de serem remetidas, nesta oportunidade, novas sugestões ao Congresso
Nacional. Ademais, decorridos alguns anos, outras circunstâncias surgiram,
como a mudança da capital do país. Assim, ofereci emendas, esperando que
os eminentes conselheiros, mais esclarecidos e com maior experiência, contri­
buíssem com outras para o aperfeiçoamento do nosso Estatuto.-^^

]á em agosto de 1962, durante a gestão de Povina Cavalcanti, o conselheiro


Oswaldo de Souza Valle apresentou indicação ao Conselho que, se não reedi­
tava com os mesmos termos a solicitação de Gil Soares, trazia de volta à tona a
preocupação com as mudanças que o projeto original vinha sofrendo ao longo
da tramitação. Souza Valle pleiteava junto ao Conselho que este se manifestasse
acerca das emendas aprovadas pelo Senado Federal. Desta vez, o Conselho acatou
a demanda e nom eou o conselheiro Dunshee de Abranches como relator.^^^
Procedidos os estudos necessários, durante um mês e meio, entre outubro
e novembro daquele ano, o Conselho Federal praticamente parou para debater
o teor das emendas e o posicionamento a ser assumido diante da Câmara dos
Deputados, para onde o projeto retornaria, com chances ainda de ser modifi­
cado. Ao total, 45 emendas submetidas ao projeto pelo Senado foram objeto
de análise do relator e do Conselho. Curiosamente, ao contrário do que talvez
pudesse parecer diante de todo o receio manifestado perante às mudanças que
o projeto originai vinha sofrendo, a imensa maioria das emendas propostas pelo
Senado foi ratificada pelos conselheiros. Versando sobre temas variados, entre os
quais - além de várias pequenas adequações do texto - , a natureza jurídica da
Ordem, prerrogativas e deveres do Conselho Federal e das Seccionais, Tribunal
de Ética, tabela de honorários, férias, direitos do advogado perante seus clientes
e o impedimento ao exercício da profissão por militares e membros do poder

Cf. A ta da scssào da OAB., 24/10/1961,


C f. A ta da sessão da O AB, 21/8/1962.

81
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil
j

J u d i c i á r i o , a título de ilustração podemos destacar dois pontos específicos


do debate.
O primeiro diz respeito justamente à ampliação/restrição do direito ao exer­
cício da profissão. Foi intenção do Senado, em sua emenda de número 17, suprimir
o artigo 82 do anteprojeto de Estatuto elaborado pela Ordem, que reza:

Todas as funções e cargos, mesmo simplesmente técnicos ou administrativos,


de natureza judiciária, militar ou policial, são incompatíveis com o exercício
da advocacia. ™

A polêmica questão, sempre tão cara à Ordem, logrou o encaminhamento


tradicional que recebeu desde as discussões iniciais acerca do tema, ainda que,
manifestada a divergência, sem a unanimidade dos conselheiros. Diz o parecer do
relator, contrário à supressão do artigo 82, aprovado pela maioria do Conselho:

...a finalidade do artigo, que se pretende eliminar, é fechar a porta em defi­


nitivo às tentativas de inscrição na Ordem, especialmente pelas duas últimas
categorias, com alegações de que o interessado, apesar de sua qualidade de
militar ou policial, exercefunção totalmente diversa, uma vez que éfreqüente
ver um militar ou policial comissionado em cargo civil, de natureza técnica
ou administrativa. Por isso o Conselho Federal quis vedar a advocacia àqueles
grupos ocupacionais (...), por entender que no juiz, no militar ou no policial
subsistem, ainda que desempenhando outra atividade, as razões de ordem
ética que os tornam incompatíveis para a advocacia.-^^

Na contramão do entendimento dominante, o conselheiro Gil Soares de


Araújo, em sua justificação de voto, apresentou considerações pertinentes que
podem ajudar na compreensão deste outro tema controverso para a Ordem*
posto que lida diretamente com a tentativa de preservação da integridade de
seu discurso e de sua prática institucional:

Sou pela aprovação da emenda, visto que as incompatibilidades e impedi­


mentos já estão especificados nos arts. 77 a 81 do Projeto. Pretende-se, no

C í.A ta s dassessõe$ da O AB, 2 , 9 ,1 6 , 30/10 e 13/11/1962.


™ Cf.-4fü da sessão da O A B , 16/10/1962.
™ Ib id em .

82 máM
\ '( ) lu n H ' ) D a [s i'd c u K K l o t i/ . K ÒO ,1(1 I X . k I o D c i n o c i\ilK o i lc llirrilo

art. 82, estabelecer que os servidores públicos nele mencionados continuarão


proibidos de advogar quando exercerem, transitoriamente, outros cargos.
Não há razão para isso. Em tal hipótese, os impedimentos passarão a ser os
do cargo exercido eventualmente.^^°

O outro ponto a ser lembrado toca o entendimento acerca de quais deve­


riam ser as fronteiras entre as garantias necessárias ao exercício autônom o da
advocacia e os privilégios puro e simples advindos de um a suposta condição
especial da profissão. Pela emenda núm ero 20, os senadores acharam por bem
retirar dos advogados o tratam ento especial quando da prisão em flagrante “por
motivo de exercício da profissão”, garantido pelo parágrafo IV do artigo 86 do
anteprojeto. Segundo a versão original desta regra, o auto de flagrante contra
um advogado em pleno exercício da profissão só poderia ser lavrado na presença
do presidente da Seção da OAB local. Na ausência deste, toda e qualquer ação
policial contra um advogado estaria automaticamente sustada.
Segundo o parecer do relator, favorável à emenda do Senado,

a principal alteração consiste na eliminação das palavras finais “como


condição de sua validade”. Argumenta-se que, na hipótese de ausência do
Presidente da Seção local ou seu substituto, criar-se-ia em favor do advogado
um privilégio, isentando-o de prisão em flagrante, de que não estão imunes
mesmo os parlamentares. Não foi essa a intenção do anteprojeto, mas apenas
garantir o advogado no exercício da profissão contra abusos que já não são tão
raros. Eliminada a cominação da nulidade do flagrante, a garantia perderia
sua maior eficácia, mas subsistirá a responsabilidade de quem presidir o auto
e dizer lavrar o flagrante sem a presença do Presidente da Ordem, quando
possível 0 seu comparecimento}^^

Com votação apertada, venceu a rejeição ao voto do relator e, por


conseqüência, à emenda do Senado Federal, pela manutenção de um espaço
conquistado que, como todos os outros, no discurso da Ordem e dos advogados
em geral, se justifica pela importância crucial da profissão para o funcionamento
da Justiça e vigília constante da integridade do Estado de direito. Ainda que,
evidentemente, não possamos assumir esses juízos de valores como verdades

Ibid.
Ibid.

83
_____________ História da
|~ O rd e m dos Advogados d o Brasil

absolutas, posto que suas significações apresentam, historicamente, variações


substantivas, dentro e fora da própria Ordem, é inegável o papel exercido pelo
Estatuto na confirmação desses espaços conquistados e na legitimação do dis­
curso acerca da importância da advocacia, num plano mais abrangente, e da
própria Ordem, em âmbito mais específico, como entidade de classe guardiã
da ética profissional e co-responsável, em última análise, pela garantia do pleno
fiincionamento de todo o complexo juridico-institucional.
Assim, na sessão de abertura dos trabalhos do Conselho Federai no ano de
1963, com todo o projeto do Estatuto devidamente aprovado e pronto para a
sanção do presidente da República, o conselheiro Otto Gil saudou seus pares com
um pronunciamento que pode nos servir como um a condensação das questões
até aqui debatidas acerca do novo Estatuto, além de nos revelar o significativo
incremento na dimensão da atuação da Ordem do qual o documento é produto
e origem a um só tempo:

Este Conselho vai principiar as suas funções, tendo já à vista a Lei que vai
dispor sobre o novo ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL, cujos preceitos, em sua quase totalidade, são os m esmos que
nós sugerimos ao Congresso Nacional, após longos estudos e prolongados
debates, em que cada qual trouxe a sua contribuição (...)à nossa Organização,
propugnando-lhe melhor estrutura, mais amplos objetivos, maior vigilância
quanto ao exercício da projjssão, melhor tratamento para a nobre classe dos
advogados e maior atenção para a nossa Ordem Jurídica, que cumpre de­
fender, para que subsista. A redação final do Projeto de Lei (...) nos mostra
como vão ser trabalhosas as sessões deste Conselho, naporfía de segura
interpretação da nossa Lei Maior para que a sua aplicação colime os fins
que tivemos em vista, ao pugnar pela reformulação dos preceitos até agora
vigentes (...) A começarpela nossa própria organização administrativa, eis que
teremos que preencher os novos cargos de Vice-Presidente, de Sub-Secretário
e de Tesoureiro, criados pelo novo Estatuto. Mas o que, sem dúvida alguma,
vai dar maior relevo às funções deste Conselho, nesta hora in tranqüila,
a exigir definições, é a sua competência para*'defender a ordem jurídica
e a Constituição da República, pugnar pela boa aplicação das leis e pela
rápida administração da justiça e contribuir para o aperfeiçoamento das
instituições jurídicas” (...) Força desses oportunos e salutares preceitos
do nosso Estatuto, as nossas sessões não se vão esgotar, apenas, no exame

84
I"),! )C l\ll i/,l(, • .in I s|,ul( ) I )cni(K r,l! II ( ) í l r 1)il'cíl( ]

dos processo e dos recursos que tem constituído, até agora, o cerne de
nossas atividades e a nossa rotina. Vamos ter um campo de ação muito
mais amplo. E, via de conseqüência, responsabilidades m uito maiores
perante a Classe [grifos nossos].

Como esperado, ainda no mês de abril, sob o núm ero 4.215, a lei que
punha em vigência o novo Estatuto da OAB foi assinada pelo então presidente
da República, João Goulart. Tempos difíceis se avizinhavam. Posta mais um
vez diante do desafio de não se abster das questões do seu tem po sem herdar
o prejuízo da obsolescência de ideais e propósitos, a Ordem, como entidade
representativa de uma classe que é, por definição, produto da contradição - na
acepção dialética do termo - , se veria cada vez mais presente no cotidiano da
sociedade civil organizada, em parte por se propor mesmo a isto, em parte pela
cobrança social que o reconhecimento crescente de sua importância im punha
como exigência quase natural.

C í.A ta da sessão da OAB, 2/4/1963.

•àl 85
_____________ H istória da
Ordem dos Advogados do Brasil

Capítulo 2
O Golpe e a quebra
da ordem constitucional (1964-1968)

2.1 A Ordem pela ordem: primeiros movimentos

Ao fim do governo JK, o entusiasmo angariado entre a classe média por


obra do apelo desenvolvimentista não superava, junto à grande massa, o peso
negativo dos altos índices inflacionários. A questão sucessória, assim se dese­
nhava; no campo governista, a aliança PSD-PTB novamente se apresentava à
disputa em punhando a bandeira da candidatura do general Lott que, como a
negação de Juscelino, se revelaria, segundo o historiador Boris Fausto,“um can­
didato desastroso”.“^^ Pelo Partido Social Progressista (PSP), Ademar de Barros
punha à prova o peso de sua liderança para além do Estado de São Paulo. Pelas
beiradas, sem plataforma política definida, com um discurso oportunista de
crítica à corrupção e aos desmandos no campo da política econômica, e uma
campanha de forte cunho popularesco, Jânio Quadros, pela legenda de um
pequeno partido (PTN - Partido Trabalhista Nacional), liderava a preferência
do eleitorado, reforçada, posteriormente, pelo apoio costurado com a UDN
que, mesmo barulhenta na oposição, não dispunha de nomes consensuais que
pudessem unir a legenda e oferecer alternativa própria.
Realizado o pleito, em outubro de 1960, Jânio venceu com larga margem
de vantagem.^^^ Para a vice-presidência, já que à época o voto não era vincu­
lado, o eleito foi João Goulart, candidato na chapa do general Lott, derrotado
na disputa pela Presidência. Empossado em 31 de janeiro de 1961, nos meses
seguintes o efêmero governo lograria, apenas, o descontentam ento geral,
“combinando iniciativas simpáticas à esquerda com medidas simpáticas aos
“ -'O p .c it. .p . 4 3 7 .
Ibidem .

86
V olum e 1 I),I R(,‘(l(’i n o t r.itiz.K j o a o h ^ ta rl o P i ' m o t r,iti( o d r Dirc'ilo

conservadores”.-^^ Embora bem-visto pelos credores internacionais em função


de um pacote ortodoxo de estabilização financeira, Jânio e sua política externa
independente, em plena guerra f r i a , despertaram a preocupação do bloco ca­
pitalista e, internam ente, de setores civis e militares mais conservadores.^^'
A 25 de agosto, após quase sete meses de governo, possivelmente pondo
em ação um plano golpista, Jânio renunciou à Presidência, esperando, talvez,
sua recondução ao cargo, em fianção da rejeição latente por parte dos militares
e do empresariado ao nome de João Goulart. Revelada um fiasco a sua provável
estratégia, o país mergulharia, porém, em uma profunda crise político-insti-
tucional.
Goulart, distante politicamente da orientação dada ao governo do qual
fazia parte apenas formalmente, encontrava-se na China comunista, em m is­
são diplomática. Não restava nenhum ingrediente para o coquetel explosivo.
Diante da vacância do cargo, o então presidente da Câmara dos Deputados,
Ranieri Mazzilli, assumiu interinam ente a Presidência da República, como
determinava a Constituição de 1946. A iminência do retorno de Jango agitou
os setores militares golpistas, que através dos ministros das três armas (Odílio
Denys, da Guerra; brigadeiro G rün Moss, da Aeronáutica, e o almirante Sílvio
Heck, da M arinha), vetaram a sua entrada no país, “por razões de segurança
nacional”.
As reações a tais articulações, no entanto, das quais o líder principal foi o
então governador do Estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, com o apoio
decisivo do comandante do III Exército, general Machado Lopes, contribuíram
para a expressiva decisão do Congresso Nacional, no dia 29 de agosto, de rejeitar
o impedimento de Goulart e iniciar entendimentos na busca de uma solução
conciliatória. Na mesma data» através de seu presidente. Prado Kelly, o Conselho
Federal da Ordem aprovava, por aclamação, a seguinte moção:

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em face dos gravíssi­


mos acontecimentos que a nação testemunha, reafirma, ainda uma vez, sua
fidelidade aos verdadeiros princípios da democracia, inscritos na Cons­
tituição, contra os extremismos da esquerda ou da direita, e apela para
as autoridades epara as forças armadas, na esperança de que mantenham a

N ã o cu sta le m b ra r o episó d io d a c o n d e c o ra ç ã o de u m dos líderes d a R evolução C u b a n a d e 1959, C he


G u evara, ag ra ciad o c o m a O rd e m d o C ru z eiro d o Sul, e m 18 d e ag o sto de 1961.
Ver D H 3 B , op. cit., (verbete Q U A D R O S, Jânio).

87
História da
O rdem dos Advogados do Brasil

ordem material, indispensável à segurança dos cidadãos, e a ordem jurídica,


essencial às liberdades públicas^^^ Igrifos nossos]

Ante à indefinição do quadro político, Goulart mantinha-se em trânsito,


fora do país, acompanhando ao longe o desenrolar dos acontecimentos. Da
caserna para o Parlamento, o desfecho do impasse institucional passaria pelo
atendimento parcial aos reclamos dos militares e pela garantia da posse do
vice-presidente. Cumprir-se-ia, por um lado, a Constituição, e se violaria por
outro, com a implantação súbita do sistema parlamentarista de governo e a
conseqüente redução dos poderes do chefe do Executivo. Se de fato, a política
é a arte do possível, não duvidemos que a “solução de compromisso” tenha
sido, talvez, a alternativa mais viável dentre todas, como forma de acomodar os
diversos grupos de atores sociais envolvidos na disputa, evitando, quem sabe,
o derramam ento de sangue. Sob o ângulo oposto, porém, se não são absolutos
os valores atribuídos a conceitos tão complexos como democracia e estado de
direito, por exemplo, não é correto descartar as interpretações que qualificam
tal arranjo de bastidores como “golpe branco”.^’^
A 5 de setembro, três dias após o Congresso ter aprovado a Emenda Cons­
titucional n ° 4, que instituía o Parlamentarismo, o Conselho Federal manifesta­
va-se novamente, através do conselheiro Wilson Regalado Costa, com o intuito
de delegar poderes “ao Senhor Presidente [do Conselho Federal] no sentido de
reiterar a fidelidade dos advogados brasileiros aos postulados constitucionais”. E
ainda - revelando a compreensão do órgão máximo da Ordem acerca da rápida
e substancial “reforma constitucional”- , ressalvava expressamente que “o Presi­
dente usará[ria] da delegação se os fatos assim o recomendarem[ssem]’? “°
Assentados os ânimos, Goulart tom ou posse em Brasília, contraditória,
simbólica e casualmente no dia 7 de setembro. Seu governo, no entanto, “nasceu,
conviveu e m orreu sob o signo do golpe de Estado”.^**' Atrelado à imagem do
populismo getulista, ao signo da “república sindicalista”, atraía para si todos os
supostos elementos nocivos à preservação da ordem, num tem po em que todo
e qualquer posicionamento em prol da classe trabalhadora, fosse oportunista
ou engajado, poderia assumir coloração “comunista” aos olhos do status quo.

a . A ta da sessão da O A B , 29/8/1961.
™ Ver so b re o assu nto : T O L E D O , C aio N a v arro de. O governo G o u la n e o golpe de 64. São Paulo: Brasiliense,
1994. p. 7-21 (C oleção Tudo é História, vol. 48 - 14* edição).
C í.A ta da sessão da O A B , 5/9/1961.
C aio N a v arro d e Toledo, op. cit., p. 7.

88 •àM
\'(il(,inic I kcrlciiHH i.ili/.'i ,ii> ,i() 1 i.ilii n fic I )iicitn

No piano da sociedade, o período em que esteve à frente do governo foi


marcado por um significativo avanço dos movimentos sociais, no campo e na
cidade, com o incremento da organização dos trabalhadores rurais - arregi­
m entados pelas Ligas Camponesas, sob a liderança de Francisco Julião dos
estudantes através principalmente da União Nacional dos Estudantes (UNE),
de segmentos da Igreja Católica (Juventude Universitária Católica-JUC e a Ação
Popular-AP) e especialmente do movimento operário.^'*^
Para Goulart, calcado no esquema populista que herdara de Getúlio, a base
de apoio político do seu governo deveria assentar-se na colaboração entre

0 Estado, onde se incluíam os oficiais nacionalistas das Forças Armadas e os


intelectuais formuladores da política do governo, a classe operária organizada
e a burguesia industrial nacional}*^

Caberia ao Estado, justamente, a articulação desses grupos de atores,


unindo todos sob o arco do nacionalismo e das reformas de base, que consis­
tiam, em síntese, nas reformas agrária e urbana, na extensão do direito de voto
a analfabetos e “inferiores” das Forças Armadas, além de um a presença maior
do Estado na economia.^'*'* Ao contrário da percepção extremada dom inante à
época, do que pode indicar o conteúdo das “reformas” ou mesmo a sua trajetória
política, não parece haver nada de antiburguês, revolucionário ou socialista no
perfil político de Jango. Segundo Toledo,

Goulart era, tal como seus críticos de direita, um fiel defensor do capitalis­
mo. No entanto, asseverava ele, sua diferença em relação a estes residia na
sua aspiração a um capitalismo mais ‘'humanizado” e “patriótico”, ou seja,
Jango dizia opor-se àquilo que hoje se convencionou chamar de ‘‘capitalismo
selvagem”.'*^

Os articuladores do governo e o próprio Goulart não contavam, no entan­


to, com a indisposição da burguesia nacional em tom ar parte nesse projeto de
sociedade. A intensa mobilização popular, portanto, com a anuência do governo,
assustava as elites ciosas do arranjo político que lhes garantia historicamente,
B oris Fausto, op. cit-, p. 443-450.
Id e m , p. 447.
I d e rn .p . 448.
O p. d t . , p . 14.

•ál 89
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

através das agências do Estado, posições privilegiadas na divisão do bolo e no


tabuleiro do jogo da política nacional. As Forças Armadas, por seu turno, atra­
vés da doutrina da segurança nacional - produto da polarização ideológica do
contexto de guerra fria temiam, em especial, a quebra da hierarquia militar
pela mesma “subversão” que supostamente ameaçava a ordem liberal-burguesa
vigente. Assim, à medida que a atuação dos movimentos sociais se radicalizava,
a alternativa de um a intervenção armada - não só no pensamento dos militares
como forma de barrar o caminho para o socialismo, se consolidava como a
única via de solução possível.
Diante do quadro político, no qual o conflito ideológico estava posto de
forma evidente, o Conselho Federal da Ordem se via em um a posição incô­
moda. Se por um lado não lhe estava facultado silenciar perante a grave crise
- nem seria este o seu desejo por outro, cada vez menos a situação permitia
uma margem de m anobra suficientemente capaz de produzir posicionamentos
de equilíbrio. A defesa da ordem constitucional, que servira sempre a este fim
ponderado - posto que, como valor “universal” estaria acima das ideologias
apresentava-se agora sob caráter paradoxal. Ante a suposta ameaça à sua
integridade, segundo a percepção dominante não haveria outra solução para
“preservá-la” senão, também, feri»la.^‘‘^
Assim é que, de certo momento em diante, a Ordem se viu gradativamen-
te inclinada a assumir a crítica de um dos lados, sem no entanto, declarar na
mesma intensidade o seu apoio ao outro. A 10 de julho de 1962, o conselheiro
Renato Ribeiro

teceu considerações sobre a subversão dos costumes políticos, com grave risco
de quebra da ordem jurídica e das garantias constitucionais, protestando
formalizar indicação que contenha um protesto do Conselho Federal contra
a tentativa de se colocar o país em caos político^^'’

Passada boa parte do prim eiro ano de mandato, sob a intenção clara
de uma coalizão de forças para governar^"***, fazia-se notória, já a partir de
maio do ano seguinte à posse, a m udança de rum os cum prida pelo governo

^ " in te rv e n ç ão defensiva”, se g u n d o a fala d o s p ró p r io s m ilitares. (B oris Fausto, op. cit., p. 458.)


C f. A ta da sessão da O A B , 10/7/1962.
O p rim e iro G a b in ete d o gov e rn o lo ã o G o u la rt, e m su a fase p a rla m e n ta ris ta , foi chefiad o pelo pessedista
T an c re d o Neves, e incluía to d a s as p rin c ip a is forças p a rtid á ria s re p re sen ta d a s n o C o ngresso N acional.
Ver D H B B , o p . cit. (verbete GO U LA RT, João).

90 màM
11.1 l \ ( ' c I o n i ( > c r , i l Í 7 > K , ã ( ) <1(1 I s i , I t I o D c n i o c r á i i i o d c D i r t ' i l d

na direção da aceleração das “reformas”-''^ Entre os meses de junho e julho


do ano em questão, após a renúncia integral do gabinete Tancredo Neves
e a tentativa frustrada de Goulart de fazer “prim eiro-m inistro” o até então
m inistro das Relações Exteriores e principal responsável pela manutenção
de uma política externa independente-^*^, Francisco de San Tiago Dantas^*^', o
tam bém pessedista e então presidente do Senado, Auro de M oura Andrade
- indicado como segunda opção por G oulart e aprovado pelo Congresso
- viu-se obrigado a renunciar antes mesm o de tom ar posse como chefe do
novo gabinente, ante a recusa do presidente em hom ologar o ministério que
ele propunha. Somente a 10 de julho o impasse seria resolvido. Indicado
um terceiro nom e, Francisco de Paula Brochado da Rocha - ex-secretário
do Interior e de Justiça do governo Leonel Brizola no Rio Grande do Sul - e
homologado pelo Congresso, inaugurava-se o segundo Gabinete do governo
Goulart, em sua fase parlamentarista - que ainda teria mais um, dirigido por
Hermes Lima, até o retorno ao presidencialismo.
A essa altura, as articulações para a mudança do dispositivo constitucional
que im punha obstáculos, sobretudo de ordem financeira, à realização da refor­
ma agrária-^', bem como a forte pressão do Executivo sobre o Legislativo no
sentido da antecipação do plebiscito que definiria pela continuidade do sistema
parlamentarista ou pelo retorno ao presidencialismo - previsto originalmente
para o início de 1965 encontravam-se em franco movimento.
Ainda no mês de julho, refletindo o aumento da tensão política sobre a
qual já tecemos o pano de fundo, o mesmo Wilson Regalado Costa apresentou
indicação ao Conselho referindo-se a uma suposta infiltração comunista no

Ibidem .
A in d a e m n o v e m b ro d e 1961, o Brasil restabeleceu relações d ip lo m á tic a s c o m a U nião das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (U R SS), ro m p id a s , c o m o v im o s, e m 1947, d u r a n te o g o v e rn o D u tra . E a in d a , à
m e sm a ép o ca , re c h aç o u as sanções e co n ô m ica s im p o sta s à C u b a, p o r p ro p o s ta dos E stados U n idos da
A m érica. Ver D H B B , op. cit,, idem .
Por suas ligações c o m setores p olítico s da esqu e rd a , o C o ngresso N acional rejeitou o n o m e d e San Tiago
D a n tas, in d ic a d o p o r G o u la rt c o m o p rim e ir a o p ç ã o p a ra a sucessão d o g ab in e te T an c re d o Neves. Ver
. D H B B , op. cit., idem,
Ibidem .
Pelo a rtig o 141 d a C o n stitu iç ã o d e \94ft, to d a e q u a lq u e r te rra que, p o r interesse público, precisasse ser
d e sa p ro p riad a , ao seu p ro p r ie tá r io deveria ser paga, e m d in h e iro , u m a in d e n iz aç ã o “ju sta e antecipada".
As forças d e esqu e rd a , capitan e a d a s p o r G o u la rt, reivin dicavam a m u d a n ç a dos te rm o s d o artigo, através
d e e m e n d a c o n stitu cio n al, d e fo rm a a p e rm itir o p a g a m e n to das ind en iz aç õ e s c o m títu lo s da dívida
pú b lic a . C o m o in tu ito d e p ro m o v e r-se u m e stu d o c u id a d o so so b re o assu n to , m as ta m b é m de criar
u m falo politico e m to rn o d o tem a, foi in s titu íd o , p o r ato govcrnam etU aU e m a b ril d e 1962, o C on se fh o
N acional d e R eform a Agrária, Ver D H B B , op. cit., idem .

•41 97
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil
]
país.^^** Na sessão seguinte, o relator nom eado para a matéria, Themístocles
Brandão Cavalcanti, ofereceu o seguinte parecer sobre a questão, sacramentando
a tomada de posição da Ordem diante da difícil conjuntura:

Parece-me que a Ordem não deve ficar indiferente aos fetos narrados na
indicação, dentro de limites ponderados mas bem definidos. Não podemos
ficar indiferentes a essa deterioração do processo democrático e constitucional,
afetando uma falsa discrição ou assumindo uma pretensiosa posição de
eqüidistânda, em um problema que afeta a classeporque interessa às instituições
que lhe servem de alicerce efundamento. Estou de acordo com a indicação, senão
em todos os seus termos, pelo menos em sua finalidade, para que a Ordem afirme
as suas apreensões diante da profundidade da propaganda e da preparação para
a subversão do regime, como também contra o processo de deterioração da ordem
legal que poderá conduzir às mesmas conseqüências.-^^ Igrijbs nossos]

A 9 de agosto, às vésperas da posse da nova diretoria do Conselho Federal^^^,


em sessão extraordinária marcada especialmente para o debate dos conselheiros
acerca da “infiltração comunista” que havia sido denunciada, Themístocles Ca­
valcanti concluiu o seu entendimento sobre o assunto, imediata e unanimemente
aprovado e enviado, em seguida, como pronunciamento oficial da Ordem dos
Advogados do Brasil, a todos os conselhos seccionais, bem como a jornais, rádios
e televisões, e também aos deputados e senadores do Congresso Nacional:

Considerando que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados é o órgão


superior de disciplina e defesa da classe dos advogados; Considerando que,
dentro de suas finalidades estatutárias, estão na sua competência todas as
medidas que forem necessárias à defesa das instituições e da liberdade profis­
sional; Considerando que o clima de agitação e de pronunciamentos existente
no país revela uma situação de perigo para a estabilidade da ordem jurídica e
para a vida das instituições democráticas; Considerando os reflexos que podem
ter essesfatos sobre o regime de liberdade, essencial ao exercício das atividades
profissionais do advogado; Considerando que a objeção de questão política

Cf. Aífl d a sessão da OAB, 31/7/1962.


C i.A ta da sessão da O AB, 7/8/1962.
As eleições fo ra m realizadas n o d ia 3 d e ju lh o d e 1962, p a ra o b iê n io 1962-1964, revelando o seguinte
resultado: p a ra P reside nte - C arlo s P ovina C avalcanti; p a ra Secretário-gcral - A lberto B arreto d e Melo.
O s dois fo ra m eleitos pela u n a n im id a d e dos votos. Cf. A ta da sessão da O A B , 3/7/1962.

92 màã
I ) j R ( ‘( l c ’ i t i ( ) ( r .iti/.K ,' io iH ) f-stii(l() D c i i k m t . i l i i o ( k ' I l i t c i l o

contra a manifestação do Conselho Federal, nessa conjuntura* não pode


prevalecer» quando se trata de preservar a liberdade e o exercício de di­
reitos fundamentais; Considerando que, dentro desses limites, a Ordem dos
Advogados não se pode omitir nem assumir uma atitude de expectativa diante
da notoriedade dos fatos apontados na indicação e outros de conhecimento
público, Resolve o Conselho Federal expressar de público as suas apreensões
diante do perigo que representa para a estabilidade das instituições livres o
processo de deterioração do regime democrático, em curso; Reafirmar com
maior energia, o seu repúdio a qualquer solução extremista, da esquerda
ou da direita, a sua fé inabalável na democracia representativa, nas liberda­
des democráticas e na intangibilidade dos órgãos que representam a vontade
popular devidamente constituídos.^^'’ [grifos nossos]

Dois dias depois, em seu discurso de despedida. Prado Kelly propôs uma
análise do momento político vivido pelo país, referenciado na conjuntura ex­
terna, reforçando a posição antiextremista aparentemente inflexível da Ordem,
mas fazendo coro com o canto geral anticomunista, embora já fossem notórias
também, há algum tempo, as articulações golpistas por parte de consideráveis
segmentos das forças contrárias ao governo:

...permito-me identificar convosco certos perigos que ameaçam as instituições


livres. Não surpreende a ninguém a insistência com que se diagnostica, em
vários círculos, a crise do direito... As raízes da inquietação mergulham nas
concepções inconciliáveis que dividem em dois campos a filosofia da vida; e,
porque esses dois mundos sofrem o mal da coexistência, o que padece ainda
da doença da liberdade é uma fronteira franqueada, no Ocidente, às incursões
de idéias que visam a bani-la. Na frase de René David, ‘os bons marxistas têm
um objetivo longínquo que implica o próprio desaparecimento do direito na
sociedade igualitária' (...) ...pesa-nos ver deslocado para o Brasil, sedento de
paz, 0 conflito ideológico latente em áreas subdesenvolvidas, sem a maturi­
dade que alcançamos no plano histórico. Sentimos que há ameaças à ordem
jurídica e assistimos à aliança de dois déspotas: a inflação desenfreada e a
intolerância política.^^*^

C f. A ta da sessão d a O AB, 9/8/1962.


Cf. A ta t h sessão da O A B , 1 1/ 8/ 1962 .

93
_____________ H istória da
O rd e m dos Advogados do Brasil

Na seqüência, m ostrando ao que veio, o novo presidente da Ordem, Povina


Cavalcanti - um advogado não-político, diga-se de passagem - reforça a necessi­
dade de se promover a relativização dos princípios regimentais do Conselho e da
Ordem dos Advogados, em função da peculiaridade da conjuntura política:

Não nasci com a vocação de Cassandra, mas só os cegos não vêm que os ho­
rizontes estão carregados de maus presságios” (...) Não nos arreceiemos de
contrariar a própria opinião pública, se verificarmos que ela está enve­
nenada pela paixão e pela ira (...) Não sopro hipérboles a fim de dilatar
prerrogativas da nossa classe. Reconheço que os nossos horizontes não
estão limitados à singela defesa de imediatos interesses profissionais,
na modesta área das nossas necessidades, por assim dizer, domésticas.
Creio na maior amplitude na nossa ação^^^ [grifos nossos]

Ainda que crescentemente acumulando opositores e inimigos políticos,


Goulart e seus aliados conseguiram a antecipação do plebiscito para o início do
mês de janeiro de 1963. No dia 6 daquele mês, cerca de 11 milhões de brasileiros,
por expressiva maioria, decidiram pelo retorno do sistema presidencialista de
governo. Terminava assim o compasso de espera no qual se encontravam os
grupos políticos que desde sempre apresentaram suas desconfianças em rela­
ção a loão Goulart e suas intenções. A expectativa dali em diante giraria em
torno da aposta quanto ao grau de êxito e acúmulo de força política que teria
o governo na implementação do que vinha sendo anunciado e paralelamente
obstaculizado pelas amarras do parlamentarismo.
Entre todas as questões candentes do período, certamente a que dizia
respeito à reforma agrária era a que carregava consigo a maior carga explosiva.
Pressionado pelos conservadores e pelos grupos que reivindicavam a agilidade
das reformas de base, Goulart mantinha a estratégia de unir as forças partidárias
em torno de si sem distanciar-se de suas bases políticas de apoio mais sólidas,
quais sejam, essencialmente, os movimentos organizados de trabalhadores.
Entre os meses de abril e maio de 1963, quando do envio ao Congresso,
por parte do governo, de uma proposta de emenda constitucional que perm i­
tiria, se aprovada, a indenização dos proprietários de terra que eventualmente
tivessem lotes desapropriados, para o fim da reforma agrária, com títulos da
dívida pública, o Conselho Federal aprovou a seguinte moção:

Cf. A ta da sessão da O AB, 11/8/1962.

94 má#
V o k in ic > l')<i I'Ji.'ilt’i n o i i . U i / . K j « i l i o 1-^1,1(1(1 l ) ( ‘ n i o ( i'.i I'k I I ( ! ( ’ n i r c i t o

A Ordem dos Advogados do Brasil manifesta sua contrariedade à pretendida


reforma constitucionaly eis que, além de perigosa como precedente, atenta
contra o direito de propriedade e resulta totalmente desnecessária ao fim de­
clarado, 0 de proporcionar aos trabalhadores rurais o acesso às terras. Dentro
da Constituição da República, como na legislação ordinária em vigor, há
elementos suficientes para a mudança da estrutura agrária do país, atendendo
ao Homem e às necessidades da produção, sem que sejam golpeados os direitos
fundamentais dos cidadãos e com grave risco para a ordem juridica}^^

Rejeitada a emenda em meados de 1963, desde então o governo foi, em


ritmo acelerado, perdendo força na mesma medida que as articulações cons-
piratórias ganhavam terreno. A piora considerável das relações diplomáticas
entre Brasil e Estados Unidos, o fracasso do Plano TrienaP^' e o conseqüente
descontrole da economia, a radicalização crescente do movimento operário e
dos trabalhadores rurais organizados - inclusive na oposição ao governo pela
lentidão no processamento das reformas - e a agitação entre os militares, o
desestabiiizaram por completo. Com poucas margens de m anobra política, foi
se sustentando por espasmos até a derrocada final.
Diante dos eventos que se acumulavam, o governo tam bém aderiu à
iniciativa de tentar pôr freio na situação através de medidas excepcionais. A 4
de outubro de 1963, Jango enviou mensagem ao Congresso solicitando a im ­
plantação do estado de sítio por 30 dias. Derrotado antes mesmo da votação do
recurso extremo, amargou o sério desgaste político e a acusação de tentativa
de golpe. Pela OAB, Povina Cavalcanti, em pronunciamento sobre o episódio,
denunciou o que chamou de “tentativa de violação da ordem jurídica (...) sem
qualquer fundamento jurídico ou m oral”.-^^
No ano seguinte, desde os primeiros meses, definida uma nova estratégia
para tentar conter o isolamento político, Goulart iniciava uma arriscada m ano­
bra na tentativa de realinhar as dispersas bases de sustentação política que lhe

C f.A fü da sessão cia O AB, 14/5/1963.


“C o n ju n to coeren te d e m ed id a s, q u e b u sca v a m resolver p ro b le m a s d e lon g o e d e c u rto prazo. (...) Previa
a re fo rm a agrária, q u e se acreditava necessária n ã o só n o aspecto social m as p a ra a m p lia r a p ro d u ç ã o
agrícola, e o u tra s re fo rm a s n o seto r a d m in istra tiv o , fiscal, etc. (...) ...passava p e la re d u ç ã o d o s gastos
púb licos, m a s n ã o d o s inve stim e n to s pú b lic o s (...). O s rec u rso s n ã o seriam o b tid o s c o m a em issã o de
p a p e l-m o e d a e sim atrav és d o c o rte d o s s u bsídios d a d o s à im p o rta ç ã o d e certos p ro d u to s e às in d ú stria s
estatais e através d o a u m e n to dos im p o s to s in cid e n te s so b re os g ru p o s d e re n d a m ais alta”. (B oris Fausto,
op. cit., p. 456.)
C f. A ta áa ícssão da OAB, 8 /1 0 /l% 3 .

•àB 95
____________História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

restavam, junto aos movimentos sociais organizados. Calcado nos dispositivos


militar e sindical, e através de decretos, tentaria impor as reformas de base à
revelia do Congresso, reunindo em praça pública grandes contingentes como
forma de legitimar a estratégia. No primeiro e único comício realizado - o
“Comício da Central” na cidade do Rio de Janeiro, a 13 de março de 1964,
estiveram presentes em torno de 150 mil pessoas. O que serviria como um recado
aos golpistas acerca da força do governo, assustou ainda mais os que temiam a
iminência de um a ofensiva comunista. “O primeiro ato das reformas de Jango
marcou o começo do fim de seu governo”.-^^
Uma semana mais tarde, às vésperas do golpe, o Conselho Federal, em
sessão extraordinária, manifestou-se com a seguinte moção:

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, órgão supremo da


classe, constituído por delegação dos Conselhos de cada Estado e Território,
e Entidade do serviço público federal, que tem por expressa atribuição legal
defender a ordem jurídica e a Constituição da República, pugnar pela boa
aplicação das leis epela rápida administração da Justiça no país, RESOLVE,
em reunião extraordinária e diante da notória e grave crise por que passa,
no momento, a ordem jurídica no país: 1°) Reconhecer e proclamar a
necessidade de preservar e garantir o livre funcionamento dos poderes
constituídos da República, na órbita federal e em cada unidade àa Fede­
ração, 0 resguardo do principio da autoridade e de todos os direitos, com
0 imediato objetivo de restaurar a tranqüilidade pública, perturbada por

movimentos de agitação, ameaças e atos contrários à Constituição e às leis;


2°) Apelar para os poderes constituídos, no sentido de> serenamente,
cumprirem e fazerem cumprir a Constituição e as leis; 3^) O Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil não é insensível às reivindicações
justas e legítimas, mas sempre que afastem meios de propaganda de soluções
extraconstitucionais. O regime democrático estabelecido pela Constituição
Federal permite a realização de todas as aspirações, dentro da lei e do respeito
à ordem jurídica; 4°) Comunicar esta Resolução ao Presidente da República,
à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, às Assembléias Estaduais, ao
Supremo Tribunal Federal, ao Tribunal Federal de Recursos e aos demais
Tribunais do país, bem como aos Conselhos Seccionais da Ordem.^^

B oris Fausto, op. cít., p. 459-460.


Cf. A ta d a sesião da OAB, 20/3/1964.

96
V 'b k im c ) IX i l\ ( '( i( 'iii( K I '. H i/ a t ,)ii J O I D í m i k k i á ) K o ( I f ’ I )ii'('it(i

A 31 de março, as tropas do genera! Olímpio Mourão Filho, sediadas em


Juiz de Fora (MG), rum aram para o Rio de Janeiro, com o apoio do governa­
dor mineiro, Magalhães Pinto, precipitando os acontecimentos. A 1® de abril,
Goulart voou para Brasília e de lá para Porto Alegre. À noite, neste mesmo dia,
o presidente do Senado, Auro de M oura Andrade, declarou vago o cargo de
presidente da República. Interinamente, como mandava a Constituição que já
não valia tanto, assumiu a presidência, mais um a vez, o presidente da Câmara
dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Alguma resistência ainda foi tentada, articu­
lada por Leonel Brizola, em especial, mas sem êxito. Findava-se assim o curto
intervalo democrático desde o fim do Estado Novo. Pelos próximos 21 anos o
país viveria sob um novo regime ditatorial.
Aos 7 dias do mês de abril daquele ano, na abertura dos seus trabalhos,
o Conselho Federal, através de seu secretário-geral, Alberto Barreto de Meio,
manifestaria com convicção o que considerava ser o retorno à normalidade
constitucional:

Srs. Conselheiros, orgulhamo-nos de estar em paz com a nossa consciência.


(...) ...antecipando-nos à derrocada das forças subversivas, acionadas por
dispositivos governamentais, que visavam, já sem disfarces, à destruição do
primado da democracia e à implantação de um regime totalitário, no qual
submergiriam todos os prirícipios da liberdade humana, tivemos a lucidez
e 0 patriotismo de alertar (...) os poderes constituídos da República para
a defesa da ordem jurídica e da Constituição, tão seriamente ameaçadas.
Mercê de Deus, sem sairmos da órbita constitucional, podem os hoje,
erradicado o mal das conjuras comuno-sindicalistas, proclamar que a
sobrevivência da Nação Brasileira se processou sob a égide intocável do
Estado de Direito.^^^

Curiosamente, artimanhas da história, seria com um discurso radicalmente


oposto que a Ordem dos Advogados do Brasil iniciaria, alguns anos mais tarde,
o percurso da sua afirmação definitiva no ambiente social e político do país,
como veremos a seguir^^^.

Cf. A ta d a sessão da O A B , 7/4/1964.


Sobre os p o s ic io n a m e n to s d a O rd e m d u r a n te os p rim e iro s a n o s de vigência d o re g im e m ilitar, ver o d e ­
p o im e n to d e José C avalcanti Neves, e m A O A B na voz Ae seiis presidentes, Brasília, OAB, 2003, p. 49-53.
(Vol. 7 da coleção H istó ria d a O r d e m d o s A dvogados d o Brasit, c o o rd e n a d a p o r H e rm a n n Baeta.)

97
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

2.2 A Ordem contra a ordem: fechamento do regime e o pre­


nuncio das trincheiras

A expectativa dos que haviam defendido a necessidade de uma interven­


ção militar, como forma de “livrar o país da corrupção e do comunismo e para
restaurar a democracia”^^’, talvez apontasse para a vigência provisória e breve
de um governo forte, centralizado, capaz de extirpar o “câncer” que ameaçava
propagar-se pelas teias do Estado. Algo como um remédio amargo em benefício
da sanidade. As numerosas e cada vez mais profundas mudanças nas regras
constitucionais, no entanto, através especialmente dos Atos Institucionais - os
famosos Ais começaram a despertar suspeitas de que para além da “arrum a­
ção” da casa, os grupos que haviam subido ao poder talvez desejassem assumir
0 seu controle definitivo.
Assim, a 9 de abril, o AI-I iniciava um a escalada vertiginosa de concen­
tração de poder nas mãos do Executivo e cassação das liberdades civis que
culminaria, em dezembro de 1968, no AI-5 - nem de longe o último dos atos,
mas sem dúvida o mais severo de todos. Desde os primeiros dias de vigência,
portanto, o governo estaria autorizado a cassar m andatos de parlamentares
em qualquer nível federativo e direitos políticos por 10 anos, entre outras
prerrogativas.
A escolha indireta do general H um berto Castelo Branco para a presidên­
cia da República, em 15 de abril de 1964, constituiu-se na prim eira grande
ação política do regime após o início das mudanças constitucionais. Seu grupo
político, sob influência direta da Escola Superior de Guerra (ESG), desejava
instituir um a “democracia restringida”, m odernizando o sistema econômico
capitalista e m antendo sob controle os trabalhadores, tanto no campo como
na cidade.^^*
Como era esperado, além das inúmeras cassações de mandatos e direitos
políticos dos adversários do governo, a repressão da primeira hora se abateu es­
sencialmente sobre estudantes, professores universitários, sindicalistas e também
trabalhadores do campo. Porém, a imprensa ainda mantinha-se relativamente
livre e vigiam também instrumentos de garantias de direitos civis e individuais,
como o habeas corpus}^^

B oris Fausto, op. cit., p. 465.


Idem , p. 470.
Idem , p. 467.

98 •àl
V o k i i i K ' " ['),! R c h Íc i i i o i i J l i / J L j n . 11) |-v|,u|() H c 'tn o c i.ilit o d l' D i r e i t o

A preservação inicial dessas e de outras instâncias e canais, e também,


paralelamente, a tática de aproximação de lideranças reconhecidamente do
campo democrático para a legitimação do governo, é o que pode explicar a
nomeação do presidente da Ordem, Povina Cavalcanti, em maio de 1964, para
a Comissão Geral de Investigações - órgão presidido pelo ministro da Justiça
e criado com o intuito de proceder devassas sumárias para o confisco de bens
que pudessem ter sido produto de atos ilícitos, nas esferas municipal, estadual e
federal. Na ocasião, inclusive, o conselheiro Gaston Luiz do Rêgo congratulou-se
com o presidente da Ordem, por constituir-se a nomeação, sob seu prisma, em
“deferência à Ordem dos Advogados”/^"
No entanto, ainda nesta sessão, o mesmo Gaston - que um mês antes
havia proposto ao Conselho um “voto de regozijo pela implantação do novo
Regime” e fora desaconselhado pelo presidente Povina Cavalcanti no sentido de
não ferir as obrigações regimentais da entidade-^' - curiosamente, solicitava ao
plenário que intercedesse junto às autoridades do país propondo-lhes que em
caso de detenção de m embro do Conselho, fosse ouvido o presidente da seção
respectiva^dando indícios de que ao menos o receio de que as arbitrariedades
de um a maneira geral, ou especialmente contra os advogados, pudessem estar
retornando à ordem do dia.
A 15 de outubro, dando mostras do que de fato se tornaria freqüente e
funcionaria como um dos motivos de maior peso para a mudança de posição da
Ordem frente ao regime, a Seção de Goiás enviou protestos ao Conselho Federal,
em função do tratamento recebido pelo seu presidente, da parte do “comandante
do 10° BC”, quando aquele apresentou-se de posse justamente de um mandado
de habeas corpus a favor de um advogado que havia sido preso.^’^
A chamada “linha dura” do Exército, diante do que encarava como com­
placência por parte do presidente da República e seu grupo com os inimigos
do regime - entenda-se por “complacência” a combinação de instrumentos de
exceção com a manutenção de canais democráticos de atuação da sociedade
civil preparava, nos bastidores, a sua ascensão.

™ Cf. A la da sessão da O A B , 26/5/1964.


Cf. A ta d a sessão da O A B , 7/4/1964.
N o te-se, p a ra q u e n ã o ha ia c o nfusão, que, c o m o v im o s a respeito das discussões acerca das e m e n d a s ao
P rojeto d o E statu to, q u a n d o d a tra m ita ç ã o n o Senado, u m disp ositivo g a ra n tia a to d o e q u a lq u e r ad v o ­
gado , a u tu a d o e m flagratíte n o exercício d a profissão, a presen ça d o p re sid en te da seção respectiva o n d e
SC e n c o n tra sse c o m o c o n d iç ão p a ra a iav ra tu ra d o auto.

™ C f A ta da sessão da O A B , 15/10/1964.

•àl 99
História da
O rdem dos Advogados do Brasil

Mantido o calendário das eleições para governadores dos estados, o mês


de outubro de 1965 seria decisivo para a avaliação dos rumos da “revolução”.
A oposição se articulava em importantes centros políticos, com ressonância
para o resto do país. A esta altura - como aponta Fausto “grande parte do
entusiasmo pela revolução, entre seus próprio adeptos, tinha declinado"^^^
Seja pela frustração quanto ao desvirtuamento dos propósitos supostamente
originais, seja pelo não-cum prim ento integral dos objetivos traçados, como
era o caso da conselheira Maria Rita Soares, autora do discurso a seguir, em
sessão extraordinária do Conselho dedicada à m emória de Carlos Bernardino
Aragão Bozano:

A Nação assiste, estarrecida, a desintegração do movimento de 64, no suplí­


cio de Tântalo de pretender consolidar-se, eleitoralmente, sem, ao menos,
desmontar a máquina política de corruptores e subversivos. Chefes políticos
que deram a vitória e sustentaram o Presidente deposto o ano passado dão
lastro político ao governo da Revolução; e seus agentes, pelo Brasil afora,
detêm os mais altos cargos da República. Revolução sem reformulação das
Instituições e substituição dos homens que as encarnam épilhéria epilhéria,
até, de mau gosto}’’^

Realizado o pleito, a oposição logrou êxito em estados estratégicos, como


Guanabara {Negrão de Lima) e Minas Gerais (Israel Pinheiro), além de Santa
Catarina e Mato Grosso. Os resultados fortaleceram os argumentos dos que con­
sideravam necessário “aprofundar a revolução”. Aumentaram as pressões sobre
Castelo Branco. Como conseqüência direta, ainda no mês de outubro, entrava em
cena o AI-2, extinguindo todos os partidos políticos então existentes e instituindo
o bipartidarismo^’^ além de promover ainda mais a concentração de poderes sob
o controle do Executivo, relegando crescentemente o Congresso Nacional a um
papel decorativo e simbólico de uma suposta ocorrência do jogo democrático.
Pouco antes, ainda no mês de março, realizaram-se as primeiras eleições para
a presidência da Ordem sob a vigência do Estatuto de 1963 e após a tomada do
poder pelos militares. Interrompendo uma seqüência significativa de candidaturas
únicas e pleitos marcados pelo consenso em torno dos nomes considerados aptos
O p. d t-, p. 473.
Cf. A ta da sessão da O AB, 27/4/1965.
O s p a rtid o s cria d o s a p a rtir d o A to In stitu c io n a l seriam : A liança R en o v a d o ra N acional (A R EN A ), gover-
nista, e M o v im e n to D e m o c rá tic o Brasileiro (M D B ), a “o p o siçã o c o n se n tid a ”.

700 #à#
\''íilu n i(' ) I ).t 1, r , i t i / , u , i o , i ( ) 1 - ^t cul o [ ) ( ' n i n i t , í l i ( ( i (l i > l ) i ! ' ( ' i i o

a dirigir os rumos da instituição, nesta, quatro candidatos disputaram a preferên­


cia dos conselheiros: Themístocles Marcondes Ferreira, Orozimbo Nonato, Jorge
Lafayete Pinto Guimarães e Heráclito Fontoura Sobral Pinto. Apurados os votos
das delegações, cada um dos postulantes recebeu, respectivamente, 17, 2, 2 e 1
votos. Para a vice-presidência venceu Alberto Barreto de Melo, com 20 votos.^’’
Cabe-nos agora indagar se a multiplicação das candidaturas não se constituiu
em reflexo direto do momento político que o país atravessava, sendo a Ordem,
como é sabido, imensamente sensível às tensões de cada conjuntura? Tudo leva
e crer que sim, se tomarmos, por exemplo, as posturas divergentes do presidente
eleito^^* - já referidas por nós - e do último colocado na disputa, Sobral Pinto,
que mais uma vez se destacaria como uma espécie de líder da resistência num
momento em que a crítica dura ao regime ditatorial ainda estava longe de ocupar
uma posição de consenso dentro da Ordem.
Assim, a 30 de novembro de 1965, em função de uma entrevista concedida à
imprensa pelo ex-ministro da Justiça, Milton Campos - recém-saído do cargo - ,
a respeito do Al-2, Sobral sugeriu ao plenário - e viu a indicação aprovada
- que a Ordem se unisse à ABI e à Associação Brasileira de Educação (ABE)
para cobrar do recém-empossado m inistro da Justiça, Juracy Magalhães, o
funcionamento efetivo do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
(CDDPH)-^\ como instrumento necessário para a tentativa de contenção da
crescente restrição às liberdades civis promovidas pelo regime. Possivelmente,
não por coincidência, a 13 de dezembro, o ministro da Justiça, em pessoa, esteve
na Ordem, pedindo a colaboração da instituição para a breve superação do m o­
mento delicado por que passava o país. Voltando à carga. Sobral ofereceu nova
indicação ao Conselho, pleiteando a “restauração imediata da independência
do Poder Judiciário, face ao Ato Institucional n.° 2”, mas sem êxito, posto que
foi rejeitada por seus pares.^^"
Prosseguindo nos ataques ao texto constitucional, sem falar no aumento
significativo da repressão e das denúncias de prisões ilegais e tortura, em fevereiro

^^^'a.AtadasessãodaOAB,imim5.
P o u co s m eses a p ó s to m a r posse n o c o m a n d o d o C o n se lh o Federal d a O rd e m , T h e m ísto c le s M a rco n d e s
Ferreira viria a falecer. E m seu lugar, a p a r tir d e ju n h o d aq uele ano, A lb erto B arreto d e M elo a ss u m iu a
p residência d a O r d e m d o s A dvogados, te n d o sido eleito p a ra a vice-pre sid ên c ia o con se lh e iro Luiz Lyra.
Cf. A ta s das sessões da O AB, 15 e 29/6/1965.
C ria d o pela lei 4.319, d e 16 d e m a rç o d e 1964, o C D D P H só foi re g u la m e n ta d o n o en ta n to , e m n o v e m b ro
d e 1968. E seg u n d o o e x -p re sid en te d a O rd e m , José C avalcanti Neves, seu fu n c io n a m e n to efetivo só se
d e u a p a r tir d o início d a dé ca d a d e 1970. O p. cit., p. 46.
Cf. A tas das sessões da O A B , 3 0 /1 1 ,1 3 e 17/12/1965.

•àl 101
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

de 1966 Castelo Branco baixou o AI-3, que tornava indiretas, também, as eleições
para governadores dos Estados, a cargo desde então das assembléias estaduais.
Partindo de vez para a ofensiva, Sobral Pinto rebateu com veemência um
discurso proferido por Castelo, no Maranhão, no mês de maio, onde este afir­
mava que no Brasil não havia presos políticos, nem muito menos uma ditadura.
Embora extensa a citação, própria da eloqüência do célebre jurista, mais uma
vez, compensa-nos pelo valor histórico e documental. Diz-nos Sobral:

(...) O Conselho Federal da Ordem é um dos órgãos no seio do qual posso,


e por isto devo, defender a ordem jurídica nacional, uma vez que o art. 18,
I, do Estatuto, preceitua: ‘defender a ordem jurídica e a Constituição da
R epública..O meu dever de advogado se conjuga, assim, com o dever deste
Conselho, que acolherá, por certo, a defesa que me sinto na obrigação de fa ­
zer da ordem jurídica nacional, ferida e lesada pelas afirmações do Exm° Sr.
Presidente da República, feitas, anteontem, em São Luís do Maranhão. Como
é do conhecimento deste Conselho e da Nação, a ordem jurídica do País (...)
foi flagrantemente violada pelo ATO INSTITUCIONAL N° 2 baixado pelo
Presidente Castelo Branco. Figura nesse ATO o art. 14, que dispõe: ‘Ficam sus­
pensas as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovihilidade
e estabilidade, bem como as de exercício em funções por tempo certo’. Está a
magistratura brasileira despojada, por este dispositivo, de todas as garantias
que até agora desfrutou no País. (...) Desprovido de qualquer garantia é
evidente que 0 Juiz não poderá mais garantir a nenhum dos habitantes deste
País que estiver sendo coagido eperseguido pelos agentes do Poder Executivo.
O art. 15 do ATO INSTITUCIONAL Aí" 2 estatui, por sua vez: 'No interesse
de preservar e consolidar a Revolução, o Presidente da República (...), sem as
limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos
de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez anos e cassar mandatos legislativos
federais, estaduais e municipais. (...) Permanentemente ameaçados com a sua
expulsão do Parlamento Nacional, Assembléias Estaduais e Câmaras M uni­
cipais, os membros dos órgãos legislativos do País estarão sempre prontos, em
sua esmagadora maioria, a atender às imposições do Poder Executivo (...).
Consagrou, deste modo, o marechal Humberto Castelo Branco todos os
atos abusivos» despóticos, violentos e injustos praticados, à sombra do
golpe militar de 31 de março de 1964.’*'

■*' C f. A ta da se$$ão da O A B , 24/5/1966.

102 màM
V o l u m e ’> I),I R ( ’r l í ' m o ( I \ ili/ a ( cio ,1(1 I's t.u lo [■)('in o ( r j l i i n ilo D u u i l o

Rapidamente, cabe destaque para o fato de que pela primeira vez, no


âmbito do Conselho Federal da Ordem, utilizou-se o term o “golpe” no lugar
de “revolução”. E continua:

(...) Pois bem (...), fechando os olhos a esta realidade que nos humilha e
desprestigia (...), acaba de pronunciar um discurso em que nega todos estes
fatoSy chegando ao extremo de afirmar que não existe nenhum preso político
nas prisões do País (...). Revoltado contra este atentado à verdade, dirigi ao
Presidente Castelo Branco o seguinte telegrama: ‘(...) Não devo, não posso e
não quero ouvir silenciosamente sua inacreditável afirmação que só saudosos
corrupção e subversão ousarão dizer, que estamos em ditadura (...). Não sou
saudoso da corrupção e subversão (...) Informo, então, Vossência existem, nos
cárceres estado, numerosos presos políticos (...). Comunico ainda que no dicio­
nário político universal instituições postas em prática governo Vossência são
denominadas ditaduras. É de lamentar que Chefe Estado Nação de oitenta
m ilhões habitantes não saiba o que seja ditadura. (...) Dicionário político
universal define como ditadura o regime em que o Chefe Poder Executivo
cassa mandatos de representantes do povo, com assento Congresso Nacional,
Assembléias Legislativas Estaduais e Câmaras Municipais; demite e aposenta
magistrados federais e estaduais para impedi-los enfrentar arbítrio esse Chefe
Poder Executivo e seus agentes; suspende, abusiva e violentamente, direitos
políticos cidadãos brasileiros sem forma nem figura processo (...), arrancou
do povo brasileiro direito impostergável eleger, em comícios públicos e através
voto secreto, seu Presidente República... Este é regime vigora Brasil atual.
Seu nome no dicionário politico-universal é Ditadura. Desafio prove o
contrário. Respeitosamente, seu compatriota amargurado.-^-

Se até então, os rum os tom ados pelo governo não mobilizavam as aten­
ções dos conselheiros de forma sistemática, no sentido da crítica, doravante
veríamos o início de um a polarização. Um clima de embate instalou-se no
Conselho Federal após o duro pronunciam ento de Sobral Pinto. No mês se­
guinte, um outro fato político iria mexer com os nervos dos conselheiros. Aos
5 dias de junho, o então governador eleito de São Paulo, Ademar de Barros,
em franco embate com o governo Castelo Branco em função do isolamento
político a que se viu subm etido em face do novo desenho das forças políticas

Ibidem .

•àl 1 03
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil
]
após o Al-2, teve anulado o seu m andato e cassados, por 10 anos, os seus
direitos políticos-".
Ao protesto veemente de Sobral contra o que classificou de “ato pre­
potente e violento”, o conselheiro M ário Guimarães reagiu, tom ando para
o seu entendim ento a tradicional questão da proibição às manifestações
políticas previstas em e s t a t u t o . E m sua réplica, na sessão de 28 de junho,
Sobral não só rechaçou a “acusação” como ofereceu impressões p orm eno­
rizadas, a respeito dos prim eiros m ovim entos dos militares tão logo haviam
assum ido o poder, que podem nos ajudar na com preensão dos espaços de
crítica ao regime que gradativam ente foram sendo construídos dentro da
O rdem dos Advogados do Brasil - e, evidentem ente, tam bém na sociedade
- pelo acúm ulo dos debates. É correto afirm ar que enxergamos o passado
com os olhos do presente, seja ele rem oto ou recente. Deixemos agora o
p róprio Sobral se manifestar:

A vitória do Movimento Armado, em 1° de abril de 1964, me encontrou


ao lado do Governador Carlos Lacerda... (...) Durante a primeira semana
do mês de abril comecei a me inquietar, porque, a cada instante, me che­
gavam informações de que alguns militares, com a colaboração de alguns
políticos, pretendiam cercear a soberania do Congresso Nacional do Poder
Judiciário. Esta inquietação cresceu quando me veio a informação de que o
general Castelo Branco, então chefe do Estado-Maior do Exército, pretendia
fazer-se eleger Presidente da República, para terminar o mandato do Sr.
João Goulart. Dirigi-me, incontinente, a este General, ponderando: 1) O
Movimento das Classes Armadas, restaurando a disciplina e a hierarquia
militares, nos termos dos arts. 176 e 177 da Constituição da República, era
legítimo, assumindo aspectos de defesa própria; 2) Esse Movimento fora
organizado e desencadeado para restaurar a ordem constitucional, viola­
da pelo Governo do Sr. João Goulart; 3) Entretanto, a candidatura dele,
general Castelo Branco, feria frontalmente o art. 139, letra c, da mesma
Constituição, que declara inelegíveis até 3 meses antes de deixar o cargo, o
Chefe do Estado-Maior de qualquer das três Armas da República. Assim, o
Movimento Armado não poderia ser encarado como de restauração da
ordem constitucional» como era apregoado, mas, pelo contrário, sur-

283 Ver D H B B , op. cit., (v erbete BARROS, A d e m a r de.).


C í.A ta da sessão da O A B , 14/6/1966.

104 màM
\ b l u t i i c I I )j K ( ‘( l ( ’ n i o ( t . i t i / . i i j o cio 1s t . u l o I ) ( ' i n n i i . i t i i o ( I c |')it t ' i l o

gia com inequívoco atentado à Constituição da República. (...) Numa


palavra, a Lei foi rasgada afrontosa e deliberadamente por quem tinha
0 dever de a ela se submeter. £ procedeu desta maneira porque tem à

sua disposição metralhadoras, carros de assalto, baionetas, batalhões


e regimentos.^*^

Em resposta, Gaston Luiz do Rêgo faria o que seria, ao menos até o fim da
década de 1960, a última defesa explícita do regime em plenário do Conselho
Federal. Daqui em diante, repeti-la significaria cair em contradição de princípios
quase que absolutamente:

...entendo que ainda estamos em fase de um Governo Revolucionário que


enfeixa em sua autoridade os poderes Executivo e Legislativo e, nesse caráter,
a ordem jurídico-política ainda está em elaboração; e que, assim sendo, só
depois de constituída a nova ordem, é que poderemos falar em excessos do
poder Executivo.^^^

Três meses mais tarde, em outubro de 1966, o governo lançou mão de uma
medida até então inédita e que contribuiria para a dissipação de possíveis dúvi­
das ainda existentes acerca do caráter do regime. Posto em recesso o Congresso
Nacional, vítima que fora de novas cassações, só seria reaberto no mês seguinte,
reconvocado pelo AI-4. A nova carta, aprovada em janeiro de 1967, incorporaria
ao texto legal muito da legislação de exceção produzida desde 1964, ainda que
não mantivesse “os dispositivos excepcionais que permitiriam novas cassações
de mandatos, perda de direitos políticos etc"^^
Incapaz de fazer seu sucessor, a despeito de todo “aprofundam ento” da
“revolução” que prom oveu de outubro de 1965 até o fim do seu mandato,
Castelo Branco daria posse, em m arço de 1967, ao general Artur da Costa
e Silva, na presidência da República. Com Costa e Silva, a “linha dura” che­
gava ao poder. Contra ela a Ordem iniciaria, em bloco, o seu movim ento de
trincheira sob a eterna bandeira do respeito à norm alidade democrática e às
liberdades civis.
Ainda em março, eleições foram realizadas tam bém para a escolha da nova
diretoria da Ordem, para o biênio 1967-1969. De volta à candidatura única, o
Cf. A ta da sessão da O A B , 28/6/1966.
^ C Í .A ta da sessão da O A B , 12/7/1966.
B oris Fausto, op. cit., p. 475.

•àl 105
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Conselho Federal decidiu pelo nom e de Samuel Duarte'*®, seguido de Luiz Lyra
para a vice-presidência.^*^ Em seu discurso de posse, Duarte já embutia na “fala”
institucional as preocupações que antes pareciam individualizadas, à espera do
que pudesse vir a ser o governo Costa e Silva:

Se uma das finalidades [da Ordem] é a defesa da ordem jurídica, o momento


está exigindo a nossa presença para o aperfeiçoamento de instituições expostas
a tendências perigosasP*^

Para azar (ou sorte) da“linha dura”, o governo Costa e Silva foi palco da rearticu-
lação da oposição, do retomo sistemático das manifestações de rua e da intensificação
da luta armada. A UNE, mesmo na clandestinidade, reapareceu na organização dos
estudantes. No cenário político, Lacerda, Jango e Juscelino formaram a Frente Ampla,
para lutar pela redemocratização. Para além disso, toda a agitação do ano de 1968^',
sob a revolução de costumes promovida pela juventude em várias partes do mundo,
inclusive no Brasil, forneceria todos os argumentos e mais um pouco para um regime
conservador e autoritário apresentar as garras afiadas que vinha guardando.
De todos os episódios notórios ocorridos neste ano e que contribuiriam
para elevar a tensão da cena política nacional à estratosfera, sem dúvida, a morte
do estudante secundarista, Edson Luís, de 18 anos, pela Polícia Militar, em março
- em meio a um protesto contra o fechamento do restaurante do Calabouço,
que atendia sobretudo estudantes pobres oriundos de outros estados e a
mobilização de milhares de pessoas, em junho, nas ruas do centro da cidade
do Rio - a “Passeata dos 100 mil” que term inou por catalisar a revolta e os
protestos contra o regime, foram os de maior peso.

^**Samuel D u a rte p a rtic ip o u d o m o v im e n to revo lu c io n á rio d e 1930 e e m 1934 elegeu-se d e p u ta d o federal pelo
P a rtid o Progressista (P P ), exercendo o m a n d a to até 1937, q u a n d o d o g o lp e q u e in stitu iu o E sta d o Novo.
A in d a assim , o c u p o u , d e 1940 a 1945, os cargos d e secretário d o In te rio r e S e gurança P ú blica d u r a n te a
in te rv e n to ría d e R ui C a rn e iro n a P a raíba e, p o u c o a n te s d a q u e d a d e Vargas, o d e in te rv e n to r d o m e sm o
Estado. E m seguida, c o m a re d e m o c ra tiz aç ã o , elegeu-se p a ra a A ssem bléia C o n stitu in te pela legenda d o
P a rtid o Social D e m o crático (PSD ) e, n a seqüência, o m a n d a to o rd in á rio até 1950. R eeleito d e p u ta d o
federal neste a n o , pela C oligação D e m o c rá tic a P araib ana, fo rm a d a pelo PSD e P artid o Libertador, r e n u n ­
cio u a o m a n d a to e m 1954 p o r te r sid o n o m e a d o a v aliador d o s Feitos d a Fazenda. Em 1959 foi n o m e a d o
assistente d o gab in e te d o m in is tro d o Trabalho, F e rn a n d o N ó b rega, e n o a n o seguin te a ss u m iu a d ire to ria
d a C arte ira Agrícola d o B anco d o Brasil p a ra a zo n a n o r te d o país, d e ix a n d o o carg o ap ó s a s u b id a dos
m ilitares a o p o d e r, e m m a rç o /a b ril d e 1964. Cf. D H B B , op. cit. {verbete DUARTE, Sam uel).
Cf. A ta da sessão da O A B , 31/3/1967.
Cf. Afa da sessão da O A B , 7/4/1967.
U m a das célebres o b ra s q u e h á so b re o te m a é V EN T U R A , Z uenir. 1 9 6 8 - o ano que não term inou. Rio de
Janeiro-. N ov a F ro n teira , 1988.

106 màM
V o lu n u ' 1 D.i Kc'(i(.'ni()( ra tiZ c U ã o uo [ \l,u lo D o i i k h r.ú iid dc [direito

Na outra ponta, o fechamento do regime que Costa e Silva e seu grupo


desejavam promover não se constituía em novidade para nenhum observador
mais atento. Já em março de 1967, tão logo assumiu o governo, um Decreto-lei,
de n° 314, atualizava a Lei de Segurança Nacional e definia os crimes contra a
ordem política e social, facultando ao governo mais um instrumento de controle
da “subversão”^'’’ Os casos de prisões ilegais, truculência e violência policial contra
estudantes, sindicalistas, jornalistas, professores, advogados, etc, aumentavam na
mesma medida que as mobilizações contra o regime subiam o tom de voz.
O Al-5, no entanto, não seria apenas mais um ato, posto que guardava uma
particularidade. Ao contrário de todos os outros quatro atos até então instituídos,
foi 0 único a não ter prazo de vigência estipulado - o que configurava, de fato e
de “direito”, por paradoxal que pareça, uma ditadura declarada. Por este dispo­
sitivo, 0 presidente estaria autorizado a fechar o Congresso Nacional, intervir
em Estados e municípios nom eando inclusive interventores, cassar mandatos e
suspender direitos politicos, demitir e aposentar servidores públicos e censurar
previamente os meios de comunicação, entre outros poderes discricionários.
Suspendia ainda, indefinidamente, a garantia do habeas corpus. Significaria, na
prática, um golpe dentro do golpe.-^^
O pretexto encontrado para a edição do Ato foi um discurso proferido pelo
deputado federal pelo MDB, Márcio Moreira Alves, na Câmara dos Deputados.
Em protesto contra a invasão da Universidade de Brasília (Unb), promovida
pela Polícia Militar, em 30 de agosto de 1968, a 2 de setembro o parlamentar
conclamou a todos para que fizessem um “boicote ao militarismo”, deixando de
comparecer aos festejos cívicos do dia 7 de setembro próximo. Tal declaração
foi tomada pelos militares como ofensivo “aos brios e à dignidade das Forças
Armadas”. Na seqüência dos acontecimentos, o deputado foi enquadrado no
artigo 151 da Constituição, por “uso abusivo do direito de livre manifestação”.
Aberto o processo de cassação do seu mandato a 12 de outubro, depois de muitas
idas e vindas, a 11 de dezembro, com o apoio do próprio partido governista
(Arena), o pedido de cassação foi rejeitado.-^*'
Assim, a 13 de dezembro daquele ano, sob o protesto do vice-presidente
da República, Pedro Aleixo, que se negou a assinar o documento, tinham início
os “anos de chumbo”.

Sobre este dispositivo, o C o n se lh o ta m b é m se p o sicion aria d e m a n e ira v e e m e n te m e n te co n trá ria , através de


extenso p are ce r d o secretário-geral A genor Teixeira d e M agalhães. C f. A ta d a sessão da O AB, 2/5/1967.
Boris Fausto, op. cit., p. 480.
D H B B , op. cit. (verbete ALVES, M árcio M oreira.)

107
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

Paralelamente à mudança de tom dos discursos da Ordem, e à denúncia


das arbitrariedades cometidas contra advogados, em especial, que começavam
a chegar de todo o Brasil, um a outra importante e decisiva frente ia sendo
tocada. A III Conferência Nacional, a se realizar em Recife, entre os dias 7 e
13 de dezembro daquele ano, trataria, entre outros assuntos, da proteção aos
direitos humanos, unindo assim as exigências da conjuntura nacional com a
agenda internacional, posto que 1968 foi, justamente, o Ano Internacional dos
Direitos Humanos.^’^
Um dos participantes mais destacados do evento foi o então presidente
da Seção de Pernambuco - e depois presidente do Conselho Federal - , José
Cavalcanti Neves. Na presença do ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e
Silva, proferiu as seguintes palavras:

O exercício de nossa profissão está vinculado à sobrevivência dos ideais


jurídicos, amadurecidos no curso da história, do Estado Constitucional de
Direito e da garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. Tanto é
assim que o reconhecimento e o valor social do advogado estão estreitamente
condicionados à efetiva atuação histórica desses dados fundamentais no
ordenamento jurídico positivo. Por isso, os regimes de fato, ao obscurecerem
esses lineamentos essenciais de uma autêntica ordem jurídica, logo tentarão
afetar o prestígio social da profissão. Mas em contrapartida, o atuante, dinâ­
mico, tenaz exercício da profissão, significa, promove e restaura a plenitude
da ordem jurídica, pela efetivação e defesa dos seus valores.

Mais uma vez, artimanhas da história, por obra do que ainda estaria por
vir, esta Conferência não lograria a triste m emória de ter encerrado os seus
trabalhos no mesmo dia da instituição de um a das peças de arbítrio mais seve­
ras da história republicana brasileira. Ao contrário, marcaria o início da virada
definitiva da Ordem no seu posicionamento contrário ao regime.
Assim, a 13 de dezembro daquele ano, junto à sociedade civil organizada,
tinha início o que mais tarde viria a ser a consagração da Ordem dos Advogados
do Brasil, com o fim do regime, a restauração democrática da Nova República
e a promulgação da Constituição de 1988.

^ Cf. A ta da sessão d a OAB, 27/8/1968.

108 màM
I ),i l\('c I c i i i i )( I,ili/,u ,1(1 ,i() I sl.uli I H c t u i)( IalK () lie D i i c i l n

Parte II
Dos Anos de Chumbo à
Democracia Consolidada (1969-1988)

M arly Silva da Motta

#àm 109
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

110 m àm
V 'o iu ilH ' " I ) j k c i i r i i K )c iMl i/,»(. ,HI ,U) 1 sLitln I I n l K )(. r.il ii n d r Oirciti i

Capítulo I
Anos de chumbo (1969-1974)

1.1 O que é negociável? O que não é negociável?

Em carta datada de 22 de março de 1969, e endereçada a Samuel Duarte,


então presidente da O rdem dos Advogados do Brasil, o conselheiro federal
Sobral Pinto, “pela ofensa que sofreu e vem sofrendo do Poder Executivo
desde dezembro do ano passado, com base em um ato de força profunda­
m ente lesivo à ordem jurídica estabelecida pela Constituição do Brasil” '
pedia que fosse colocada em debate, com a máxima urgência, proposta de
que o Conselho Federal se manifestasse junto ao Poder Judiciário em rela­
ção a essas arbitrariedades cometidas pela ditadura m ilitar por meio do Ato
Institucional n^ 5.
Na mesma carta. Sobral Pinto, conhecido nacionalmente por suas firmes
posições em defesa dos direitos humanos, renunciava ao cargo no Conselho
Federal, sob a alegação de que teria sido “pressionado” pelos outros dois con­
selheiros do Distrito Federal - Luiz Eduardo de Caldas Brito e Jayme Mesquita
- a votar em Laudo Camargo para a sucessão de Samuel Duarte à frente da O r­
dem. No entanto, em carta a Antonio Carlos Elizalde Osório, então presidente
da OAB-DF, Caldas de Brito relatou que, durante a visita de “cortesia” que ele
e Mesquita haviam feito a Sobral Pinto, fora entabulada uma conversa sobre
as razões da preferência pelo nome de Laudo Camargo, em detrimento do de
Luiz Lyra, no intuito de ser obtida a unanimidade da delegação de Brasília.
Naquela ocasião. Sobral Pinto teria se “exasperado” com a iniciativa de seus
companheiros de seccional, e afirmado que preferia renunciar ao Conselho,
não sem antes alertar para o fato de que sua “presença no Conselho, em face

'A ca rta foi tra n s c rita n a ín te g ra n a A la da sessão da O A B , 1/4/1969.

máM 111
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

do atual momento político, era indispensável”.^ Eleito Laudo Camargo, Sobral


Pinto cumpriu sua promessa e, a partir de setembro, foi substituído por Breno
de Andrade na delegação do DF.’
Essa não foi a única crise interna registrada na OAB naquele momento parti­
cularmente difícil da vida nacional, em virtude do endurecimento do regime mili­
tar a partir da decretação do AI-5 em dezembro de 1968. Os conselheiros federais
Carlos Alberto Lacombe e Alcy Demillecamps tiveram suas delegações cassadas
pela seccional do Paraná, a qual, por conseqüência, ficou, ao longo de 1969, com
apenas um representante, o conselheiro João Nicolau Máder Gonçalves.
Vitoriosa, por 18 votos a 5, a proposta da inadmissibilidade de voto dos
ex-presidentes, e retirada a candidatura de Agenor Magalhães ao cargo de se-
cretário-geral por deliberação da delegação do Estado do Rio, a eleição acabou
apresentando resultados confortáveis para os vencedores: na cabeça de chapa,
Laudo Camargo, m embro da delegação de São Paulo no Conselho Federal,
derrotou Luiz de Lyra por 19 votos a 2/
Em seu discurso de posse, Laudo indicou claramente o duplo investimento
que, ao mesmo tempo, seria feito no intuito de “im prim ir coordenação aperfei­
çoada nas atividades do Conselho Federal como os conselhos seccionais” e de
sintonizar a Ordem “com entidades congêneres estrangeiras'/ Em relação ao
primeiro, é interessante citar a observação de Paulo Américo Maia (presidente
da seccional da Paraíba), feita em 1980, por ocasião da comemoração do cin­
qüentenário da Ordem, de que a candidatura de Laudo Camargo teria surgido
por indicação da maioria dos conselhos estaduais. E concluía afirmando que,
“a partir daí, os representantes dos estados no Conselho Federal passaram a
desempenhar o seu verdadeiro papel, de mandatários e cumpridores das reso­
luções do Conselho e das seccionais que os indicariam”.^ Já como resultado do
segundo investimento, podem ser citadas, entre outras, as filiações da OAB à

^ Id e m , ib.
^ Cf. A ta da sessão d a O AB, 30/9/1969.
* Presidente: L a u d o d e A lm eid a C a m a rg o (19) x Luiz Lyra Í2); e m b ra n c o (1); n u lo (1).
Vice: Joaq u im G o m e s N o rõ e s Santos (19); Ivo A q u in o (1); C arlos A lberto Laco m be (1); e m b ra n c o (1);
n u lo (1).
Secretário-geral: Alfio P on z i (19); A g e n o r M agalhães (2); Alcy A m o rim C ru z (1); n u lo (1).
Subsecretário; R aul d e Souza Silveira (22); n u lo (1).
Tesoureiro: D a n ilo M a rco n d e s d e S ouza (19); João d e A zeredo Bastos (2); Jo aq u im G o m e s d e A lm eid a
( l ) ; e m b ra n c o (1); n u lo (1).
M i a da sessão da O A B , 1/4/1969.
‘ C ita d o p o r A lberto V enâncio Filho, N oticia histórica da O rdem dos A dvogados do Brasil (1930-1980)., Rio de
Janeiro. Folha C ario c a E dito ra . 1982, p. 145._________________________________________________________

112 màM
\'()lu n i(‘ 1 I),I k ( ’( l c m o ( I'cili/ai.cH) , ) i ) I ‘. l . u l o n c i i K K ia!i ( o i l f D u c i l o

Union Internacionale des Avocats e à Inter American Bar Association, ambas


no final de 1969/
Embora não se possa descartar a importância de iniciativas que visavam
tanto ao estabelecimento de uma melhor coordenação entre as instâncias de
representação da OAB, quanto à sua inserção no concerto internacional de
entidades de advogados, é preciso dizer que a principal preocupação da Ordem
residia> no entanto, no teor da relação que, em tempos de repressão política agu­
da, pretendia estabelecer com o regime militar. Não por acaso, em seu discurso
de posse. Laudo Camargo citou Charles Péguy: “Toda questão reside nisto: o
que é negociável? O que não é negociável?”*
O período que vai da decretação do AI-5, em dezembro de 1968, até
outubro de 1969 - quando o Congresso foi reaberto, e tom ou posse na pre­
sidência da República o general Emílio Médici - ostentou a mais alta taxa de
“dispêndio autoritário”, tanto pelo índice de punições políticas e de produção
de leis de exceção, quanto pelo mais longo recesso a que havia sido submetida
a atividade parlamentar." A classe dos advogados foi duram ente atingida, entre
outros fatos, pela aposentadoria compulsória de três m inistros do Supremo
Tribunal Federal - Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal e Hermes Lima -,
e pelo pedido de aposentadoria de mais dois, Antônio Carlos Lafayette de An-
drada e Antônio Gonçalves de Oliveira.'" O próprio Supremo, cuja composição
passou de 16 para 11 m embros, teve reduzidas suas atribuições, um a vez que
os chamados “crimes contra a segurança nacional” passaram a ser julgados
pela Justiça Militar. O depoim ento de Evandro sobre os constrangim entos a
que foi submetido quando de sua cassação é evidência segura das dificuldades
que marcariam, sobretudo a partir de então, as relações entre a Ordem e as
autoridades militares:

Tive notícia de que havia uma ordem impedindo a nossa saída de Brasília,
sem atendermos a certas exigências das autoridades militares e policiais.

’ Ver L a u d o C am a rg o , c m A O A B n a voz d c seus presidentes^ Brasíiia, OAÜ, 2003, p. 30. (Vol. 7 d a coleção
H istó ria d a O rd e m d o s A dvogados d o Brasil, c o o rd e n a d a p o r H e r m a n n Baeta.)
' O discu rso foi tra n s c rito n a in te g ra n a ^ f a da sessão da O A B , 1/4/1969.
’ M arcu s F. Figueiredo, A política de coaç ã o n o Brasil p ó s-6 4 , in Lucia K lein e M a rc u s F. Figueiredo, Legiti­
m id a d e e coação no Brasil pós-64, Rio d e Janeiro, Forense-U n iversitária, 1978, p. 142.
E van d ro Lins e Silva, H e rm e s Lim a e V ictor N u n e s Leal fo r a m c o m p u ls o ria m e n te a p o se n ta d o s c o m base
n o A I-5 e m 16 d e ja n e iro d e 1969. O s o u tro s d o is m in istro s, A n tô n io C arlos Lafayette d e A n d ra d a e
A n tô n io G onçalves d e O liveira, so lic ita ra m a a p o se n ta d o ria , s a in d o d o STF re sp ec tiv a m e n te e m 17 de
ja n e iro e 3 d e fevereiro d e 1969.

113
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Tomei imediatamente uma providência para que o secretário do Tribunal


se informasse e, de fato, ele obteve de um coronel que estava de serviço a
notícia de que aquilo era verdadeiro (...). Seria comparecer ao quartel com
a declaração de imposto de renda e, ao mesmo tempo, prestar declarações;
em seguida, ir ao Dops para ser fotografado e identificado (...), disse que
não cumpria tal exigência (...), o próprio coronel que havia comunicado a
existência dessas exigências me telefonou dizendo que havia recebido ordem
em sentido contrário, e que “05 seus deslocamentos estão permitidos” - usou
essa expressão, usual no meio militar."

Era tênue o limite entre o que poderia e 0 que não poderia ser negociá­
vel com o regime que cassava e prendia advogados. Por um lado, a Ordem se
mostrava disposta a colaborar na revisão do Código Penal Militar e do Código
Penal Brasileiro. Conforme proposta do conselheiro Oscar Dias Correia (MG),
o Conselho Federal solicitou ao governo a remessa dos citados anteprojetos
para que, dentro de três meses, ouvidas as seções estaduais e colhidas sugestões,
pudesse colaborar no intuito de que os novos textos legais incorporassem os
estudos efetuados pelo órgão máximo da OAB.'-'
Ao mesmo tempo, no entanto, decidiu que magistrados aposentados com-
pulsoriamente pelo AI-5 não precisariam aguardar o prazo de dois anos para
se inscreverem na Ordem, conforme estabelecido no artigo 86 de seu Estatuto.
O relator da matéria, o ex-presidente Povina Cavalcanti (1962-65), foi incisivo
em defender a “desobediência” do Estatuto, já que “nem lhe poderia ocorrer 0
caso excepcional de uma aposentadoria compulsória, por ato do poder revo­
lucionário”. E acrescentou:

“A aposentadoria compulsória, antes do limite da idade, e contra a sua


vontade, é ato tipicamente revolucionário, de jus excepcionalis, que não se
pode submeter à disciplina ordinária do jus comunis A César 0 que é de
César. A nós outros só compete aplicar 0 nosso jus comunis Às hipóteses ou
casos que se originaram sob a sua incidência, deixando ao jus excepcionalis
fazer a disciplina da própria exceção”.'^

‘' E v a n d ro Lins e Silva, O salão dos passos perdidos: depoim entos ao C P D O C , R io d e Janeiro, N o va Fronteira:
E d ito ra FGV, 1997, p. 402.
Cf. A ta da sessão d a OAB, 8/4/1969.
A t a d a sessão d a OAB, 24/6/1969.

114
V o kim c ) l).i k i'f lc m o i a o l ' ‘' U u l o D c m o i r . i t u o d c O iic itu

É fácil perceber que a OAB reiterava, mais um a vez, o padrão institu­


cional já adotado em outros períodos de exceção: ao mesmo tem po que se
recusava a compactuar com a “excepcionalidade revolucionária” do regime,
buscava preservar seu lugar como órgão privilegiado de consulta em questões
jurídico-legais.'^ Por isso mesmo, sua participação no projeto de reforma da
Constituição de 1967 foi objeto de debate na sessão do dia 29 de julho de 1969.
A proposta do conselheiro Oscar Dias Correia de que a OAB só se manifestasse
após a promulgação do diploma legal acabou prevalecendo, por nove votos
a sete, sobre a de Clóvis Ramalhete (ES), que propunha a nomeação de uma
Comissão destinada a levantar os principais temas do direito constitucional, a
título de contribuição da classe dos advogados para o processo em curso. De
forma mais explícita, a delegação do Maranhão, por iniciativa do conselheiro
Dunshee de Abranches, indicou a necessidade de se representar ao presidente
da República sobre a conveniência de vir a ser assegurado o restabelecimento
da independência do Poder Judiciário e do controle jurisdicional dos atos de
todos os poderes públicos, especialmente o habeas corpuSy suspensos desde a
decretação do Al-5. '
Resultado de iniciativa de Costa e Süva com o objetivo de incorporar o AI-5
ao arcabouço institucional do país, a reforma constitucional havia se acelerado
nesse mês de julho, com a conclusão dos trabalhos elaborados pela comissão
coordenada pelo vice-presidente da República, Pedro Aleixo, e integrada pelo
chefe da Casa Civil, Rondon Pacheco, pelos ministros da Justiça (Gama e Silva) e
do Planejamento (Hélio Beltrão), e pelos juristas Themístocles Cavalcanti, Carlos
Medeiros e Miguel Reale. A proposta, encaminhada pelo Gabinete Militar a cada
um dos membros do Conselho de Segurança Nacional, era de que as disposições
modificadas fossem condensadas em uma só emenda constitucional, que seria
a de n “ 1. Concluído o projeto de reforma, o passo seguinte seria encaminhá-lo
para a aprovação do Congresso a ser reaberto em 7 de setembro, com base no
artigo 182 da nova Carta que permitiria o presidente suspender, por decreto,
quaisquer dispositivos constantes no AI-5."
O empenho presidencial em direção a uma relativa reconstitucionaliza-
ção do país com o aval do Legislativo não contava, no entanto, com o apoio da
maioria dos comandantes militares. Em virtude do afastamento de Costa e Silva,

Ver o s v o lum es 3 e 4 d a coleção.


^^Ata d a sessão d a O A B , 2 9 /7 /! 969,
Ver Elio G a spari, A dita d u ra escancarada, São Paulo, C o m p a n h ia das Letras, 2002, p. 73-6.

máM 115
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

principal avalista desse projeto, acometido, em 28 de agosto, por uma isquemia


cerebral que o incapacitou física e mentalmente, as peças do jogo m udaram
rapidamente de direção. Identificado como um dos principais responsáveis
por essa tentativa de contenção da ditadura militar, o vice, Pedro Aleixo, que
não havia assinado o AI-5, foi logo descartado como hipótese para assumir a
presidência. Com o agravamento da saúde do presidente, o Alto Comando das
Forças Armadas reuniu-se no Rio de Janeiro para definir os rumos do país.
No dia 31 de agosto, foi baixado o AI-12, elaborado por Carlos Medeiros da
Silva, determinando o impedimento temporário de Costa e Silva, bem como o
de Pedro Aleixo para substituí-lo. A saída para evitar um a disputa intramuros
foi a constituição de um a Junta Militar, formada pelos três ministros militares.
Augusto Rademaker (Marinha), Aurélio Lyra Tavares (Exército) e Mareio de
Souza e Mello (Aeronáutica)."
Contrariando a tradição de anúncio da primavera, setembro de 1969 foi
um dos meses mais tensos da história republicana recente do país. Começou
logo no dia 4, com o seqüestro do embaixador Charles Burke Elbrick pela Dissi­
dência Universitária da Guanabara, com o objetivo de tirar da cadeia Wladimir
Palmeira, preso durante a reunião da UNE em Ibiúna. Apesar de bem-sucedida,
já que conseguiu libertar Wladimir e mais outros 14 membros de organizações
de esquerda, a operação guerrilheira acirrou a reação da ditadura, que, de ime­
diato, baixou o A I-14, decretando a prisão perpétua e a pena de morte, e, no
fim do mês, implantou a nova Lei de Segurança Nacional.
A perspectiva de que a radicalização pudesse desrespeitar os tênues limi­
tes institucionais ainda vigentes não foi cumprida. No início de outubro, foi
anunciada a indicação do general Emilio Garrastazu Médici para a presidência
da República, cuja eleição formal, no dia 25, acabou se realizando no âmbito do
Congresso Nacional, reaberto especificamente para esse objetivo.'* No mesmo
dia de sua posse, 30 de outubro, a nova Constituição brasileira entrou em vigor,
incorporando a Emenda Constitucional n° 1, assinada 13 dias antes.

Sobre o a ss u n to v er os d e p o im e n to s d o s p rin c ip a is m ilitares nele envolvidos e m M aria C elina D ’A raújo,


G láucio A ry D illon Soares e Celso C astro, Os anos de chum bo: a m etn ó ria m ilita r sobre a repressão. R io de
Janeiro, R elu m e -D u m a rá , 1994. Fontes ig u a lm e n te im p o r ta n te s são o livro d e C arlo s Chagas, secretário
d e Im p re n s a d e C osta e Silva: J 13 dias de angústia: im p e d im en to e m o rte de u m presidente, P o rto Alegre,
L& PM , 1979, e o livro d o general Jaym e Portella d e M ello, u m d o s m a is p ró x im o s c o la b o ra d o re s d e C osta
e Silva: A Revolução e o governo Costa e Silva, R io d e Janeiro, G uavira Editores, 1979.
P o r 239 votos a favor e 76 a b stenções d o M D B , o C o n g re sso N a cio n a l elegeu os g en erais Em ílio G a rra staz u
M édici e A u gusto R ad e m a k e r p a ra p re s id e n te e vice -p re sid en te d a R epública, respectivam ente.

776
\''( ' > ! ). i K c d c i t i i )( , i ( ) ,1(1 I - - l . u l í I ! ^ r i i K n I ' . i t i u ) ( ;( ■ [ ' ) i K ' i t ( )

Afastado o perigo das “quarteladas” e dos “pronunciamentos militares” e


retomado o padrão de rodízio de poder instaurado pelo regime militar desde
1964 ' a Ordem procurou identificar espaços de atuação nos quais encontrasse
brechas por onde pudesse ecoar as vozes abafadas da sociedade civil. Um deles
foi 0 Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Hum ana (CDDPH).

1.2 A tensa atmosfera de nosso tempo

Nas Atas das sessões de 9 e 16 de dezembro de 1969, constam duas co­


municações feitas pelo presidente Laudo Camargo que revelam as principais
bandeiras em torno das quais a Ordem centraria sua atuação. Uma delas foi a
luta pelo restabelecimento da instituição do habeas corpus e da soberania po­
pular do júri (excluída da Constituição pela Emenda Constitucional n“ 1), tal
como havia sido demandado pela III Reunião dos Presidentes dos Conselhos
Seccionais, realizada na Universidade Federal de Minas Gerais (BH) entre 27 e
29 de novembro, que contou com a presença de 21 dos 23 presidentes de sec­
cionais. A outra, foi a participação da Ordem, por meio de seu presidente, em
duas sessões do CDDPH, realizadas no início do mês, no gabinete do ministro
da Justiça, Alfredo Buzaid.
O CDDPH havia sido criado pela Lei n^ 4.319, de 16 de março de 1964,
poucos dias antes da derrubada do presidente João Goulart pelo golpe militar.
Sua regulamentação, no entanto, somente ocorreu por força do Decreto n“
63.681, de 22 de novembro de 1968, sob a presidência de Costa e Silva. Segun­
do depoimento de José Cavalcanti Neves, sucessor de Laudo, esse decreto teria
contado com a participação da OAB:

Todos acreditavam que a presença do professor Pedro Aleixo na vice-presidên-


cia da República, levando em conta os seus compromissos com a democracia,
revelados durante brilhante carreira parlamentar, poderia conduzir o governo
àquela, sempre prometida, “abertura lenta e gradual”. Depois de entendi­
mentos com Pedro Aleixo e com a ajuda do dr. Adroaldo Mesquita da Costa,
consultor-geral da República e tio do presidente Costa e Silva, foi possível a
assinatura do questionado Regulamento, cujo texto, segundo comentava-se

” Sobre os m e a n d ro s d a escolha d e M édici, v er os d e p o im e n to s d o s m ilitares e m M aria C elina D ’A raú|o,


G láu cio A ry D illo n Soares e C elso C astro, op. cit.; e Elio G a spari, op. cit., p. 125-37,

#à# 117
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

na época, teria sido redigido pelo próprio Samuel Duarte [então presidente
da Ordem j. O Regulamento foi assinado, em solenidade realizada no Palácio
Guanabara, com a presença de membros do governo e de líderes da classe
dos advogados, entre os quais, além do próprio Samuel Duarte, inúmeros
conselheiros federais e presidentes de conselhos seccionais. Não obstante o
Regulamento estabelecer que o CDDPH deveria reunir-se “ordinariamente,
duas vezes por mês”, somente foram realizadas, até 1970, sete sessões^”

Pode-se entender a realização dessas reuniões do CDDPH dentro da estratégia


mais geral do regime militar de procurar manter o funcionamento formal de certas
instituições, como, por exemplo, o cerimonial da eleição presidencial no Congresso
e a instituição de um calendário eleitoral para 1970. Tudo, é claro, dentro de normas
rígidas e sob estrito controle por parte das autoridades competentes, como, aliás,
fica evidente na composição do Conselho. Além de Laudo Camargo (OAB) e de
Buzaid, ministro da Justiça, que presidia o CDDPH, dele faziam parte o presidente
do Senado, Filinto Müller, e o presidente da Câmara, deputado Raimundo Padilha,
como representantes do Congresso Nacional; a Associação Brasileira de Imprensa
(ABI) e a Associação Brasileira de Educação (ABE), representadas por seus presiden­
tes, Danton Jobim e Benjamin Albagli, respectivamente; o professor Pedro Calmon,
como constitucionalista, fechava o grupo.
Foram frustradas as expectativas da OAB de que o CDDPH pudesse vir a
se constituir em um espaço de debate sobre o estabelecimento de limites para
a repressão. A Ata da sessão de 26 de maio de 1970 registra o esclarecimento de
Laudo de que não havia sido mais chamado para qualquer reunião no Conselho,
embora estivesse sempre disposto a fazê-lo, e lamentava, ainda, que não tivesse
em seu poder nenhum processo para relatar, “pois que o único que lhe fora
distribuído já se encontrava, de há muito, na secretaria daquele Conselho”.
O ano de 1970 não deixou boas lembranças para a Ordem. É fácil per­
ceber as armadilhas então m ontadas com o intuito de enfraquecê-la, além, é
claro, de restringir sua atuação no CDDPH. A negação de direitos elementares
dos advogados - o recurso ao habeas-corpus e o cerceamento da defesa dos
acusados de crimes políticos, entre outros - se somou à iniciativa do governo
militar de vincular a Ordem ao M inistério do Trabalho. A Ata de 3 de março
registra a assinatura da portaria ministerial (Portaria n^ 3.626) “considerando
obrigatório o pagamento do imposto sindical pelos profissionais do direito”.

^"José C avalcanti Neves, citado e m A O A B na vo z de seus presidentes, op. cit., p. 46.

118 9áM
\'i)ln n K ' " D j R(.’( I t ' l l i o ( l a l i / a t à o ,1() ü si.icld I k - i n u i l á i i c n cl(.‘ D i k .m I o

O objetivo era, por um lado, retirar o suporte financeiro da OAB, impondo


0 recolhimento do imposto sindical aos advogados que, por lei, dele esta-
vam dispensados porque já contribuíam para a Ordem. Mais importante,
no entanto, era enquadrá-la como um órgão profissional igual aos demais,
esvaziando o poder institucional que possuía como representante privilegia­
da da sociedade civil. Essa espada, de clara motivação política, ameaçava a
autonom ia da Ordem e, como veremos adiante, pesou sobre sua cabeça até
o início da distensão política im plementada pelo governo Geisel. A portaria
acabou sendo revogada em setembro de 1976.-'
Em discurso pronunciado na abertura da IV Conferência Nacional da
OAB, realizada em São Paulo entre 26 e 30 de outubro de 1970, e dedicada
ao tema da participação do advogado no desenvolvimento nacional. Laudo
Camargo, ao mesmo tem po que reconhecia o peso da “tensa atmosfera do
nosso tem po”, apostava na possibilidade de que ela pudesse se desanuviar “por
decisivos e aperfeiçoados pronunciamentos que defendem e preservam (...) os
sacrossantos, fundamentais e inalienáveis direitos da pessoa humana, imagem
e semelhança do criador”.^-
Um desses “sacrossantos, fundamentais e inalienáveis direitos da pessoa
hum ana” havia sido brutalmente violado pelo Decreto-lei n° 1.077 e pela Por­
taria 11-B, do Ministério da Justiça, que, em vigor desde fevereiro, instituíram
a censura prévia na divulgação de livros e periódicos. A OAB não apenas se
manifestou do ponto de vista jurídico, declarando, com todas as letras, a “in-
constitucionalidade” da censura prévia, como alertou para o aspecto político
da medida, uma vez que viria a se constituir “em ameaça de índole autoritária,
totalmente inconveniente”.”
O repúdio à censura prévia não se restringiu à manifestação do relator
do processo. Povina Cavalcanti fez um apenso ao relatório solicitando ao
m inistro da Justiça a revisão do decreto, um a vez que, a seu ver, o resta­
belecimento do “regime constitucional da livre expressão do pensam ento”
concorreria “para preservar as intenções dem ocráticas da Revolução de
1964”.'' O ponto central da argum entação do ex-presidente da O rdem era
que o regime m ilitar teria se desviado de suas “intenções dem ocráticas”
originais, e enveredado p o r um a rota de excepcionahdade da qual deveria

Cf. A lb erto V enàncio filh o , op. cit., p. 148.


“ Id e m , ib., p. 148.
“ Parecer d o re la tó rio d o con se lh e iro Ivan Paixão Fran ça, c ita d o n a A ta da sessão dii O AB, 3/3/1970.
“ Id e m .ib ,

•àl 119
______________ História da
^ O r d e m dos Advogados do Brasil

sair o mais rapidam ente possível. É evidente, nesse caso, a tentativa de pre­
servar o “m ovim ento de 64”, até m esm o como possibilidade de encontrar
interlocução com setores militares que viam com desconforto a radicalização
política im plantada pela “linha-dura”.
Estudos sobre os “anos de chum bo” da ditadura militar no Brasil desta­
cam alguns aspectos desse período que o diferençaram do anterior." Um deles
foi a ampliação dos limites da repressão política, atingindo dirigentes, líderes
e, até mesmo, m embros de instituições legalmente estabelecidas. Políticos,
sindicalistas, padres, professores, advogados, foram cassados e, alguns deles,
processados, seqüestrados, presos, torturados e mortos. O outro aspecto é
que, ao contrário do consenso em relação à atuação militar em 1964, a cor­
poração enfrentou problemas internos em função da dinâm ica da repressão.
O complexo sistema de segurança então m ontado, que, para além da luta
contra a oposição arm ada, visava tam bém a controlar e direcionar a própria
sociedade, foi resultado da ação da “linha-dura” e de ferrenhos anticomunistas,
civis e militares.^*
A cronologia da criação da estrutura da chamada “comunidade de infor­
mações” m ostra bem o investimento que foi feito na montagem de um a rede
de repressão, a qual, para ser “eficiente”, acabou conseguindo uma razoável dose
de autonomia. De 1969 a 1971, foram criados ou reformulados os centros de
informação das três Armas: o Cisa (Aeronáutica); o Cenimar (Marinha) e o
CIE (Exército). Ao lado deles, surgiram outros órgãos, como a Operação Ban­
deirantes (Oban), vinculada ao II Exército, e ainda os Centros de Operações de
Defesa Interna (Codi), aos quais estavam subordinados os Destacamentos de
Operações de Informações (DOI). A essa estrutura explicitamente repressiva,
juntava-se um arcabouço legal-institucional restritivo às liberdades públicas
- a censura prévia, a suspensão do habeas corpus, a remodelação da justiça
militar para abranger um núm ero mais vasto de delitos antes submetidos à
justiça comum, entre outros parecendo indicar que o país se preparava para
enfrentar uma guerra.
Nessa “guerra”, a OAB teve suas baixas. A mais conhecida delas foi a prisão
dos advogados Heleno Fragoso (vice-presidente da OAB-GB), Augusto Sussekind
de Moraes Rego (conselheiro federal do Paraná) e George Tavares, no dia 1° de

A lém d o s livros já citados a n te rio rm e n te , v er ta m b é m D a n iel D ro sdoff, L in h a dura no Brasil - o governo


M é d k i 1969-1974, São Paulo, G lobal, 1986.
Ver M aria C elina D ’A raujo , G láucio A ry D illon Soares e C elso C astro, o p . c i t , p. 18.

120 máM
Da [ \ í ' ( l ( ' i i K H 1,111/ , H ,1(1 ,111 I s K k I o I ) ( ' i n ( K t ,i t i l l i ( I c D u e l l o

novembro de 1970. Destacados defensores de presos políticos, Fragoso e Sussekind


aproveitavam o espaço livre das sessões da Ordem para denunciar as dificuldades
enfrentadas na defesa de seus clientes, que estariam, inclusive, sendo induzidos a
prestar declarações contra seus próprios advogados. Na sessão de 28 de julho, o
conselheiro Carlos de Araújo Lima (AM) sugeriu que o Conselho Federal desa­
gravasse os advogados ofendidos no exercício de sua profissão.
O seqüestro dos advogados pelos órgãos de segurança tinha, certamente,
como objetivo passar uma mensagem intimidatória que visava a atingir a ad­
vocacia em geral, os advogados de presos políticos em particular, e, sobretudo,
a OAB. O seqüestro se tornou mais intimidador na medida em que nenhuma
das autoridades competentes - Ministério da Justiça, Comando do I Exército
- sequer assumiu que sabia do assunto, conforme se depreende pelo depoimento
de Laudo Camargo:

Chegou-me ligação telefônica de São Paulo, do dr. José Carlos Moreira Alves,
posteriormente ministro do Supremo Tribunal Federal e então assessor ime­
diato do ministro da Justiça, dr. Alfredo Buzaid, transmitindo-me, em nome
do titular, a surpresa pela situação surgida. Em face das insistências várias,
minutamos, eueo dr. Miguel Seabra, um pedido de habeas-corpus, deixando-
0 em mãos do dr. Edmundo Rêgo, para apresentá-lo a quem de direito, se, nas

horas seguintes, não obtivéssemos uma perspectiva concreta de recuperação


da liberdade dos colegas desaparecidos. Fui, então, com alguns membros da
diretoria do Conselho Federal, e com o dr. Edmundo, ao Palácio do Exército à
procura das patentes militares que lá nos pudessem dar o melhor atendimento
em face da gravidade da situação. Recebidos, creio que por um coronel, que
se dizia integrante do Estado-Maior do Comando do I Exército, desde logo
foi por ele descartada qualquer participação militar, direta ou indireta, no
evento. Prontamente, requeri-lhe formalmente que diligenciasse e operasse
a recuperação dos colegas desaparecidos, deixando de lado, no momento, a
identificação dos responsáveis ante a primazia da liberdade dos mesmos. De
lá saímos, eu com a intima convicção de que, naquela mesma noite, nossos
colegas reapareceriam, o que realmente aconteceu, dispensando-se, assim, a
apresentação do habeas corpus minutado.

Não se pode dizer que este tivesse sido o presente sonhado pela Ordem
na comemoração de seus 40 anos. No entanto, a moção registrada na Ata da

ttàl 121
História da
O rdem dos A dvogados do Brasil

sessão de 18 de novembro de 1970, se, por um lado, deixou passar a amargura


do momento “imperfeito”, por outro, registrou a esperança na íiitura restauração
do “respeito à dignidade hum ana”:

O Conselho Federal da OAB, baseado na tradicional e irreversível vocação


democrática e jurídica do povo brasileiro, convencido de que são de todo
ocasionais e transitórias as circunstâncias atuais da imperfeição do Estado
de direito em que no momento estão atuando as instituições políticas brasi­
leiras, reafirma, quando completa 40 anos, a plena confiança na restauração
do Estado de direito, na intangibilidade das garantias ao poder judiciário e
no integral respeito à dignidade humana.

Internamente, a Ordem estava envolvida com as negociações em torno da


sucessão presidencial. O que estava em jogo naquele segundo semestre de 1970
era a escolha dos critérios de revezamento nos cargos de comando da Ordem,
com implicações importantes para a construção de seu futuro perfil institu­
cional, já que uma das possibilidades então aventadas era a reeleição de Laudo
Camargo, mesmo contrariando um a tendência que se m antinha desde 1948, a
partir de quando os presidentes se sucederam de dois em dois anos.
A Ata da sessão de 22 de setembro registra a dura troca de correspondência
entre os conselheiros federais da bancada do Rio Grande do Sul - que viam com
bons olhos a reeleição - e a presidência da OAB-RS - que se comprometera,
juntamente com outros presidentes de seccionais, a apoiar a candidatura do
pernambucano José Cavalcanti Neves - o que é um indício seguro das apostas
que estavam sendo feitas naquele momento. O pedido de renúncia dos três re­
presentantes gaúchos no Conselho Federal - A rthur Porto Pires, João Campos
Duhá e Otto de Andrade Gil - , feito por meio de um a carta na qual ficaram im ­
pressas “mágoa e revolta” contra Alter Cintra, o presidente da seccional gaúcha,
repercutiu no plenário, com manifestações favoráveis à manutenção do direito
de voto dos conselheiros, tal como previsto pelos artigos 7 e 13 do Estatuto de
1963. Embora a renúncia coletiva tivesse sido rejeitada sob o argumento de
que o “mandato era irrenunciável e imperativo não-suscetível de revogação”, o
conselheiro Carlos de Araújo Lima procurou situar as negociações que vinham
sendo feitas para a condução de José Neves à presidência da Ordem:

722 #à#
V o kin K .' 1 í^.i R('d(‘ni()( r a l i / a u K ) .io Lsr.ulo o de llim io

Por ocasião da III Conferência Nacional dos Advogados, realizada em Recife,


em dezembro de 1968, o nome do dr. José Cavalcanti Neves já vinha sendo
ventilado para exercer a presidência do Conselho Federal, com a aquiescência
dos conselhos seccionais. Sua Excelência, contudo, de hoa vontade, abrira
mão de sua candidatura em favor do nome do dr. Laudo Camargo, ficando,
desde aquela ocasião, firmado o compromisso moral, fixando o princípio de
que na próxima eleição o candidato indicado para a nobre função seria o dr.
José Cavalcanti Neves (...). Finalizando, esclarece que, na eleição passada,
a seção do Paraná deliberara cassar o mandato de dois integrantes de sua
delegação que teriam resolvido votar em candidato de oposição à candidatura
Laudo Camargo, atitude que, naquela ocasião, não causara qualquer reação
do Conselho Federal.-'

Diante da manifestação do Conselho em prol da recusa da renúncia, o


presidente da OAB designou o conselheiro Luiz Carlos do Valle Nogueira para
redigir um expediente à seccional gaúcha. A resposta veio um a semana depois,
por intermédio de um telegrama em que o presidente da OAB-RS não só acei­
tava a renúncia dos conselheiros, como encaminhava a indicação dos novos que
deveriam ocupar seus lugares na representação do estador* A crise se encerrou
em outubro, quando o relator do processo aceitou a renúncia dos conselheiros,
visto tratar-se de “questão de foro íntim o”.-^ A reeleição foi sepultada, e o nome
de José Neves se firmou como o sucessor de Laudo à frente da Ordem.
O ano de 1971 se inaugurou com a regulamentação da concessão da Me­
dalha Ruy Barbosa “por serviços prestados à causa do direito e da justiça”. A
primeira medalha foi entregue em novembro a Sobral Pinto, que havia voltado
ao Conselho Federal na bancada do estado da Guanabara.
Foi sem surpresas a eleição de José Neves: a chapa por ele encabeçada
recebeu 22 dos 23 votos (um foi em branco).’" Saudado por Miguel Seabra Fa­
gundes, presidente do Instituto dos Advogados, o novo presidente da Ordem fez

A ta da sessão tin O AB. 22/9/1970. S obre a p a rtic ip a ç ão d e José N eves n a III C o n fe rê n cia N a cio nal ver sua
e n trevista pub lic a d a n o livro A O A B na voz c k seus presidentes, op. cil., p.42-3.
“ A la da sessão da O AB, 29/9/1970.
A ta da sessão da OAB, 13/10/1970.
Presidente: José C avalcanti Neves
Vice: loà o N icolau M à d e r Gonçalves
Secretário-geral: Sylvio C u ra d o
Subsecretário: Luiz C arlos d o Valle N og ueira
Tesoureiro: José Tavares d e C u n h a Mello

123
História da
O rdem dos A dvogados do Brasil

questão de destacar no discurso de posse três pontos que funcionariam como


norte de sua atuação nos próximos dois anos. O primeiro deles relacionava-se
com o processo que o havia conduzido à conquista da presidência da Ordem:
a retomada e a acentuação do princípio federativo mediante o fortalecimento
das seccionais, as quais, em sua avaliação, teriam agora a oportunidade de ter
na presidência do Conselho Federal “o companheiro de lutas cotidianas”" De
fato, não se poderia esperar outra coisa de quem, por mais de 17 anos (1953-
71), havia presidido a OAB de Pernambuco.
As “contingências históricas, políticas e jurídicas que marcavam a vida na­
cional” naquele momento eram o pano de fundo sobre o qual a OAB iria atuar.
Por isso mesmo, se a luta pela defesa da classe, o aprim oram ento de seu nível
cultural e a garantia do livre exercício da profissão eram temas fundamentais dos
advogados, não restava dúvida de que nada disso se sustentaria sem “o resguardo
dos direitos fundamentais do homem, as garantias da liberdade, da igualdade
e da justiça”. Era límpida, pois, a percepção de que a atuação da advocacia e da
OAB seria “vã e inócua”, se não fossem asseguradas as bases estruturais de pleno
funcionamento do Estado de direito. Para tanto, cumpria alargar e aprofundar
a participação da Ordem na vida pública brasileira.”
Esse “acréscimo de responsabilidade” não decorria apenas da própria
natureza e das atribuições da Ordem, um a vez que ela fora explicitamente
convocada, em termos da lei, para integrar o CDDPH, cuja potencialidade de
atuação em favor da recuperação de liberdades básicas da cidadania foi destacada
explicitamente por José Neves em seu discurso de posse:

O funcionamento daquele Conselho interessa, indiscriminadamente, a todos


os cidadãos brasileiros que nele devem ter o instrumento vigilante que dê o
necessário alarme contra todas as formas de opressão e vilipêndio dos direitos
fundamentais do indivíduo (...). Dinamizar, acentuar e valorizar a atuação
do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, na medida em que o
permitam as nossas atribuições e segundo as possibilidades de ação que dela
decorrem, significa, a meu ver, só por si, um program aJ’

A ta d a sessão da O AB, 1/4/1971.


Id e m , ib.
•” Id e m , ib. (grifo nosso).

124 màM
V 'o lu n u ' 1 13,1 K ( ‘ ( l ( ' i i i t K i ' , i l i / . u , )( ! ,10 I \!,Kln D cm oi 11 d c I )iri'ilti

1.3 No Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana

Se a OAB se declarava comprometida com o “programa” de dinamização e


de valorização do CDDPH, não era certamente este o único compromisso. Ainda
em abril, com base em decisão unânim e dos presidentes das seccionais adotada
em reunião realizada no dia 2, José Neves encam inhou um ofício ao presidente
Médici. Aprovado por unanim idade pelo Conselho Federal, o teor do ofício
contemplava uma pauta variada de reivindicações, que abrangia desde o “eficaz”
funcionamento do CDDPH e a restauração da plenitude do habeas corpus, até
a revogação da pena de morte, passando pela plena garantia do funcionamento
do Judiciário, que deveria ser comunicado das prisões efetuadas por qualquer
autoridade civil ou militar, e culminando com o respeito pelo livre exercício da
profissão de advogado/'
A iniciativa da OAB provocou variadas manifestações. Uma delas, de apoio,
veio da Assembléia Legislativa de Pernambuco, por proposta do então deputado
Jarbas Vasconcelos.'’ O governo militar, destinatário do ofício, parece que lançou
mão da imprensa para divulgar suas “impressões”. A revista Veja, de 5 de abril,
publicou um a notinha nos seguintes termos:

No Palácio do Planalto 0 documento de Cavalcanti Neves ao presidente


da República foi considerado “sóbrio, inteligente e altivo” Esses adjetivos
jamais foram usados anteriormente para justificar outras reinvidicações. E
seguramente dão ao calmo presidente da OAB a certeza de que pelo menos
por enquanto portas e ouvidos continuam abertos.

Anos depois, o ministro Leitão de Abreu, chefe da Casa Civil de Médici,


havia confirmado a José Neves que, de fato, o presidente havia tido uma impres­
são positiva do ofício e que, portanto, o repórter estava bem informado.^
A exortação de José Neves no sentido de que fosse comunicado, por
escrito, sobre a ocorrência de eventuais violências cometidas contra advoga­
dos no exercício da profissão parece indicar a firme disposição de utilizar o
CDDPH como '"instrumento vigilante” na defesa dos direitos fundamentais
do indivíduo.'- Na Ata da sessão de 22 de junho, consta a leitura do ofício que
A ta da sessão da O A B , 27/4/1971.
A ta da sessão da O AB, 25/5/1971.
José C avalcanti Neves, c ita d o e m A O A B na voz de seus presidentes, op. cit., p. 44-5.
A ta da sessão d a O AB, 27/4/1971.

1 25
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil 1

havia enviado ao ministro Buzaid, da Justiça, “comentando” a não realização


das sessões do CDDPH, iniciativa que lhe valeu o apoio dos conselheiros Sobral
Pinto e Oswaldo de Souza Valle.
O pleito da Ordem acabou sendo atendido, e as reuniões do CDDPH vol­
taram a ser realizadas a partir de 13 de julho. Nesta seção, entrou em julgamento
0 processo referente ao desaparecimento do deputado cassado Rubens Paiva,
cuja mulher, Eunice, havia enviado uma carta ao Conselho onde afirmava que
seu marido havia sido torturado em dependências da III Zona Aérea, então
comandada pelo brigadeiro Burnier, e m orto no DOI, situado no quartel do
1 Exército, na rua Barão de Mesquita. Submetido a exame do CDDPH, o caso
acabou sendo arquivado em agosto.’®
O processo Rubens Paiva suscitou um debate interno no CDDPH, ao qual
o grande público não teve acesso à época, em função, é claro, da censura que
amordaçava os meios de comunicação. Graças ao depoimento de José Neves,
podemos recuperar as possibilidades de resistência que então se ofereciam
nos espaços ainda abertos para a manifestação de entidades representativas da
sociedade civil, como a OAB:

Na primeira reunião do CDDPH a que compareci, realizada em 13 de julho


de 1971, entrou em julgamento o processo referente ao desaparecimento do
deputado Rubens Paiva. Depois do voto do relator, senador Eurico de Resende,
no sentido do arquivamento do processo, requereu vistas do mesmo o deputado
Pedroso Horta, sendo indeferido o pedido pelo presidente do órgão, ministro
Alfredo Buzaid. Ponderei que o Regulamento estabelecia, no artigo 19, que
“enquanto não proclamada a decisão, qualquer conselheiro poderá solicitar
vista do processo” Mas o ministro manteve o indeferimento. Recorri da decisão
para o plenário, sendo deferido o pedido de vista. Votaram a favor: Danton
Jobim, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Benjamin
Albagli, presidente da Associação Brasileira de Educação (ABE), o senador
Nelson Carneiro, o deputado Pedroso Horta e eu. Votaram contra: o senador
Eurico Resende, o deputado Geraldo Freire e o professor Pedro Calmon. O
placar da votação foi, portanto, cinco a três a nosso favor. Na sessão seguinte,

In te g ra n te d a ala m ais radical d o PTB, c o m p ro m e tid o c o m as re fo rm as d e base p ro p o s ta s pelo p resid en te


João G o u la rt, R ubens Paiva foi cassado pe lo A to In stitu c io n a l n ° 1. D irigia u m a e m p re sa d e en g en h a ria
q u a n d o foi pre so n o d ia 20 d e ja n e iro d e 1971, sem a p re se n ta ç ão d e m a n d a to , p o r pessoas q u e se diz ia m
d a A eronáutica. Ver verbete R uben s Paiva, em Alzira Alves A breu... [et al.]. D icionário Histórico-Biográfico
Brasileiro p ó s-1 930, Rio d e Janeiro, E d ito ra FG V ;C FD O C , 2001.

726
V 'o lu n u ' 1 I).I R c ’d c n K K l a l i / a i .'in j u 1 ‘. l . u l o I X m i k k i.ilit o d r D in 'ito

em função da mudança de lado do Benjamin Albagli, oprocesso foi arquivado.


O voto de desempate, no sentido do arquivamento, foi dado pelo ministro
Buzaid. Mais tarde,já depois da revogação doA I-5 e do processo de anistia,
0 professor Benjamin Albagli disse, numa entrevista ao Jornal do Brasil, que

havia votado pelo arquivamento porque tinha sido advertido, por um coronel
do Exército, de que se o processo do Rubens Paiva não fosse arquivado seria
decretado um ato institucional pior do que o AI-5 - versão que lhe teria sido
confirmada pelo professor Pedro Calmon. '^

De acordo com a estratégia militar de m anter abertas certas vias insti­


tucionais, dando-lhes, no entanto, um novo form ato que evitasse os riscos de
o regime vir a ser derrotado - do que o processo Rubens Paiva no CDDPH
podia ser um bom exemplo em dezembro de 1971 foi aprovada a Lei n-
5.763, oriunda de projeto do deputado Ruy Santos. Com as transformações
impostas pela nova lei, o Conselho passou a ter a seguinte composição: m i­
nistro da Justiça, representantes do M inistério das Relações Exteriores, do
Conselho Federal de Cultura, e do M inistério Público Federal, presidente
da OAB, professores catedráticos de direito constitucional e de direito pe­
nal, presidentes da ABI e da ABE, além dos líderes da m aioria e da m inoria
na Câmara dos Deputados e no Senado. Foi estabelecido ainda o sigilo das
reuniões do Conselho e reduzido o núm ero de suas sessões ordinárias para
seis por ano. Como lem brou José Neves, sob esse novo form ato foi discutido
o processo relativo à m orte do estudante Stuart Angel Jones, preso em julho
de 1971 por agentes do Cisa, subordinado à III Zona Aérea então comandada
pelo brigadeiro João Paulo Penido Burnier.'" O processo foi arquivado com
apenas um voto contrário, o do presidente da Ordem.^'
A questão mais geral que então se colocava - e não apenas quanto à par­
ticipação no CDDPH - era a forma como a oposição política e as entidades da
sociedade civil deveriam se relacionar com essa estratégia da ditadura militar
brasileira. Abandonar os espaços de atuação ainda existentes ou neles se manter
como forma de garantir vozes de oposição no coro que os militares queriam
uníssono? Nesse sentido, não se pode esquecer de m encionar a luta empreen­
dida por Ulysses Guimarães quando assumiu a presidência do MDB em 1971,
José Neves, op. cit., p. 47.
Ver o d e p o im e n to d o b rig a d e iro B u rn ie r e m M aria C elina D ’A raiijo, G láucio A ry D iilon Soares e Celso
C astro, op. cit., p. 204-5.
■" José Neves, op. cit., p. 48.

•àl 727
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

justamente no momento em que eram fortes as propostas para a autodissolução


do partido diante do endurecimento da repressão política e da derrota eleitoral
sofrida em novembro de 1970. Deixaram o CDDPH o presidente da ABI, Danton
Jobim, e os líderes da oposição na Câmara e no Senado, Pedroso Horta e Nelson
Carneiro, respectivamente, o que suscitou um acalorado debate, ocorrido na
sessão de 23 de maio de 1972, sobre a conveniência de o presidente da Ordem
nele permanecer.
A Ata da sessão deixa transparecer duas posições em conflito. De um lado,
a seccional da Guanabara, presidida por José Ribeiro de Castro - futuro sucessor
de José Neves - , defendeu a idéia de que o presidente da Ordem deveria se ausen­
tar das sessões sigilosas do CDDPH. Membro da bancada carioca, Sobral Pinto
aproveitou para denunciar, em “vibrante pronunciamento”, a situação criada
por “magistrados que teriam se queixado a autoridades militares a respeito de
publicações feitas no jornal da seccional”, e que haviam resultado na convocação
de Ribeiro de Castro para prestar esclarecimentos às ditas autoridades. Não é
por acaso, portanto, que deste tivesse partido a mais veemente defesa em favor
da saída da OAB do Conselho, mesmo porque, como fez questão de frisar, era
patente sua “total ineficiência”:

(...) tal como vinha funcionando, o CDDPH violentava não só os direitos


daqueles que o procuravam clamando justiça, mas também as prerrogativas
dos próprios advogados, e que, dessa forma, se impunha que a Ordem, por
seu presidente, dele se afastasse.''^

Em apoio à posição de José Neves, que considerava um a “desobediência à


lei” a possibilidade de abandonar o CDDPH, o ex-presidente Nehemias Gueiros
chamou atenção para o fato de que fora o presidente da OAB quem havia re­
cebido a incumbência, por meio de instrum ento legal, de fazer parte do órgão;
portanto, não estava ele submetido a “conselho, recomendação ou moção” do
Conselho Federal ou das seções locais, já que estaria comprometido, antes de
tudo, com o cumprimento da lei. E concluía:

Sobretudo quando o respeito à lei, como no caso, é do interesse da corpora­


ção dos advogados e do seu métier, interesse ainda mais acentuado quando
as sessões do CDDPH passam a ser, ordinariamente, secretas, e para ela é

" A ta da sessão d a O AB, 23/5/1972.

1 28 má»
V 'n lu iiK ' ' I ) , i K ( ‘( i c i t K )( i . i t i / . i i , i ( ) ,i( I [ 1 It r , i t i ( <1 f i c I ‘) i r c i l o

convidado o mais alto representante dos profissionais da defesa, em público


reconhecimento aos serviços que pode prestar nas matérias de atribuição
do Conselho e em oportunidade que se oferece ao representante da classe de
conhecer 0 que pela sua exclusão ou pela omissão teria de ignorar, omitindo-
se, igualmente, nas recomendações e providências que a sua presença regular
terá oportunidade de debater/^

A longa e minuciosa transcrição das diferentes posições então debatidas


revela que, no fundo, o que estava em jogo era o papel estratégico que, na
qualidade de instituição da sociedade civil, a Ordem poderia desempenhar
naqueles difíceis anos de chumbo. À delicadeza e à importância das decisões
que seriam tomadas pode-se atribuir a dissensão entre conselheiros que não só
faziam parte da mesma seccional, como costumavam se afinar política e ideo­
logicamente. Foi o caso de Heleno Fragoso e Augusto Sussekind, da seccional
do Paraná, obstinados defensores de presos políticos e habituais denunciantes
de arbitrariedades do poder autoritário - haviam sido, ambos, seqüestrados,
em novembro de 1970 que divergiram quanto à permanência de José Neves
no CDDPH. Embora concordassem com a avaliação de que o Conselho era um
“fracasso” no cum prim ento de suas finalidades, tiraram conclusões opostas: o
primeiro votava com a “realidade”, ou seja, pela saída do presidente, enquanto
o segundo “entendia dever o sr. Presidente permanecer como integrante do
CDDPH, onde seria uma sentinela avançada da democracia e do direito”.” O
arquivamento dos processos relativos às mortes, por tortura, dos estudantes
Stuart Angel Jones e Odijas Carvalho de Souza, contou apenas com o voto
contrário de José Neves.-^
A larga vantagem em favor da manutenção da presença de José Neves no
CDDPH - apenas Guanabara (com abstenção de Sobral Pinto) e Bahia se m ani­
festaram contra - não escondeu, no entanto, as divergências político-ideológicas
que se abrigavam sob o m anto protetor da instituição. Vitoriosa a posição que
entendia que o sigilo imposto aos debates no CDDPH não alcançaria as comu­
nicações que o presidente da OAB, a seu juízo, deveria fazer aos conselheiros,
verificou-se a manifestação de Godoy Bezerra (RS), denunciando que a posição
da seccional da Guanabara teria tido “motivações de caráter político”, com o

Id e m , ib.(grifo n o original).
Id e m , ib.
José Neves, op. cit., p. 48.

•àl 129
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

objetivo de atacar o governo, cujo procedimento, em sua opinião, era digno de


elogio. O incisivo protesto contra o posicionamento do conselheiro gaúcho foi
comandado por Sylvio Curado, secretário-geral e mem bro da seção carioca, e
apoiado “por inúmeros apartes de outros conselheiros’>

1.4 M ais uma reeleição frustrada

A preocupação com a restauração do pleno funcionamento das institui­


ções democráticas ganhou lugar de destaque no temário do 6® Encontro da
Diretoria do Conselho Federal com os Presidentes dos Conselhos Seccionais,
realizado em Curitiba, entre 31 de maio e 2 de junho de 1972. Por sugestão de
Heleno Fragoso, a parte final do discurso de José Neves, pronunciado quando da
abertura do Encontro, foi transformada na “Declaração de Curitiba”, publicada
nos principais jornais do país e transcrita no Diário do Congresso Nacional, de 9
de junho."' Como pontos principais, pode-se destacar, entre outros, a volta do
habeas corpus e das garantias do Judiciário; o exercício dos direitos individuais
e a manutenção da integridade física e moral dos presos; o fim da restrição à
atividade dos advogados em defesa dos clientes; e a defesa do progresso econô­
mico, desde que em conformidade com os princípios do Estado de direito e o
respeito aos direitos do homem. Era de fato preocupante a rotina de denúncias
de advogados submetidos a constrangimentos ilegais no exercício de sua ativi­
dade profissional, da qual é exemplo a representação feita por Márcio Thomaz
Bastos à seccional de São Paulo por ter sido envolvido em Inquérito Policial
Militar (IPM) ao defender um cliente."
Questões como processo disciplinar, estágio profissional e Exame da O r­
dem também fizeram parte do temário. Em relação especificamente ao último
item, a OAB vinha enfrentando propostas parlamentares, como a do senador
Vasconcelos Torres, no sentido de que o Exame da Ordem fosse extinto.'" A
conquista do poder de chancelar o exercício da advocacia, condicionando a
atuação profissional dos bacharéis à admissão prévia na corporação, foi - e
continua a ser - elemento fundam ental para a afirmação da OAB. Retirar-lhe

^"A ta d a sessão da O AB, 23/5/1972.


" José Neves, op. cit., p. 50. A D eclaração d e C u ritib a n a íntegra e n c o n tra -se e m A lb erto V enâncio Filho, op.
cit., p. 157-58.
A ta da sessão da O AB, 26/10/1971.
" A f a da sessão da O A B , 27/7/1971.

130 máM
V'dlunic ) D a R ( ‘f k ' i n ( n r . i t i / j i ã o ,i(, l.st.u lf) ik ' m i x i\itn o fl(> I ) ir ( 'ito

0 instrumento de avaliação por meio do qual avaliza a qualidade da formação


dos advogados significa esvaziá-la de representatividade.
O fracasso da tentativa de Laudo Camargo de se reeleger em 1971 não
intim idou seu sucessor que, respaldado por uma avaliação positiva de seu
mandato, e sustentado pelas “bases da entidade”, como ele mesmo diz, resolveu
enfrentar o desafio de quebrar a resistência da Ordem. Apesar de contar com o
apoio declarado de 14 das 23 seccionais, no dia da eleição os delegados do Piauí,
de São Paulo, Mato Grosso e Santa Catarina optaram pelo nom e do presidente
da seccional da Guanabara, José Ribeiro de Castro Filho.™ A preservação da
“praxe da não-reeleição” acabou derrotando José Neves, e construindo para
a OAB um perfil de organização na qual os indivíduos devem se submeter à
marca institucional. A comparação com a “ABI do dr. Barbosa Lima Sobrinho”
é inevitável.

1.5 Advogados ameaçados

A eleição de Ribeiro de Castro sinalizava que a Ordem havia decidido “ra­


dicalizar” sua atuação como ponto de resistência da sociedade civil diante dos
crescentes abusos aos direitos hum anos por parte da ditadura militar. Havendo
denunciado o CDDPH como “ineficiente” na defesa dos direitos dos presos e das
prerrogativas dos advogados, o novo presidente da Ordem teria que descobrir
os meios pelos quais poderia alargar as estreitas veredas delimitadas pela ação
censora e repressora do regime, e transformá-las em caminhos mais amplos e
iluminados por onde pudesse se encaminhar a recuperação dos direitos básicos
do indivíduo e do cidadão.
Por isso mesmo, em seu discurso de posse, embora se referisse ao imperativo
da defesa da restauração do Estado de direito. Ribeiro de Castro enfatizou, mais
que seus antecessores, a preocupação com a integridade física dos presos, consi­
derada, por ele, um “compromisso irrenunciável inerente à nossa instituição”."
Seria esse compromisso o principal orientador de sua atuação nas reuniões do

Presidente: losé R ibeiro d e C astro Filho (13) x José Neves (10)


Vice; W ilson d o Egito C o elh o (13) x R a y m u n d o F a oro (10)
Secretário: Paulo B arreto d e A ra ú jo (13) x Sylvio C u ra d o (10)
Subsecretário: C arlo s M au rício M . R o d rigues (13) x Luiz C arlo s V. N o g u e ira (10)
Tesoureiro: Ju ra n d y r San tos Silva (13) x l o s é Tavares de C u n h a M ello (10)
Ara da sessão da O AB, 2/4/1973.

•àl 737
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

CDDPH, desde a primeira delas, realizada no dia 9 de maio de 1973, quando


foi saudado pelo ministro Buzaid/^
O novo presidente não precisou esperar muito tempo para m ostrar sua
disposição de defender os direitos hum anos em geral, e os dos advogados em
particular. Ainda no mês de maio, foi seqüestrado por forças de segurança, em
sua residência, no Rio de Janeiro, o advogado José Carlos Brandão Monteiro
- vice-presidente da UNE em 1963, cassado em 1964 que já havia sido preso
duas vezes. A reação de Ribeiro de Castro foi rápida, tal como está registrado
na Ata da sessão de 29 de maio. Como medidas preliminares, enviou telegrama
ao ministro da Justiça, e colaborou com a seccional da Guanabara na designa­
ção de um advogado para im petrar habeas corpus junto ao Superior Tribunal
Militar (STM). A percepção de que o livre exercício da profissão de advogado
estava cada vez mais ameaçado motivou a manifestação de muitos conselheiros:
de Sobral Pinto, advogado de Brandão Monteiro, partiu a indicação, aprovada
por unanimidade de votos, de que fosse redigido um documento, “em termos
adequados”, às autoridades - começando pelo presidente da República - , ex­
pressando a “enérgica condenação” da OAB em relação a fatos dessa natureza,
e pedindo a imediata localização e libertação do “colega seqüestrado”.”
Nem a diminuição das operações de guerrilha urbana, em função da prisão
e da eliminação de seus principais líderes, nem o afastamento de alguns membros
de bolsões militares mais radicais,=' implicaram na redução de medidas arbitrá­
rias do aparelho de segurança, ainda às voltas com a repressão ao movimento
guerrilheiro no Araguaia, iniciada em 1972. A verdade é que, ao contrário do
rápido desfecho do seqüestro anterior de Heleno Fragoso, Augusto Sussekind e
George Tavares, a mobilização da OAB em favor de Brandão Monteiro não surtiu
o mesmo resultado, mesmo porque seu histórico sugeria um envolvimento mais
profundo naquilo que então era chamado de “atividade subversiva”.
Na Ata da sessão de 31 de maio, constam tanto a sugestão do presidente
da seccional gaúcha, Justino Vasconcelos, de convocar os presidentes seccionais
para se reunir em Brasília e encaminhar memorial ao presidente Médici sobre
o assunto, quanto a informação de Ribeiro de Castro de que, em virtude da

” A ta da sessão da 0 -4 0 ,2 9 /5 /1 9 7 3 .
^ 'I d e m .ib .
E m n o v e m b ro de 1971, o m in is tro d a A e ro n á u tic a, M árcio d e S o uza e M elo, deixa o carg o ap ó s acusações
e n v o lvend o a A e ro n á u tic a e m casos d e to rtu ra . N o m ês seguinte, o c o m a n d a n te d a III Z o n a A érea, b rig a ­
d e iro João P au lo B urnier, e o chefe d o Cisa, C arlo s A fon so D e lla m o ra , fo r a m afa stados d e suas funções.
Ver M aria C elina D ’A raiijo, G táucio A ry D illo n Soares e Celso C astro , op. cit., p. 311.

132 màM
V n liim c '> I l\('(l('iii(K i.ili/.ii >11) 1 s t a d o O í-iH íK (1 ( I c l l u r i l o

ausência de qualquer informação sobre a prisão de Brandão Monteiro - nem


resposta do ministro da Justiça, nem distribuição do habeas corpus - não mais
compareceria a qualquer sessão do CDDPH. No entanto, a comunicação de que
seria recebido pelo ministro Buzaid acendeu uma luz no fim do túnel, uma vez
que, na véspera, 12 de junho, a sustentação oral de defesa de Brandão Monteiro
junto ao STM, a ser feita por Sobral Pinto, havia sido suspensa.” À concessão
do habeas corpus e à quebra da incomunicabilidade seguiu-se a libertação do
advogado no mês seguinte. No encontro com Buzaid, o presidente da OAB fez
questão de lembrá-lo que prisões de advogados ocorridas anteriormente per­
maneciam sem a devida apuração e punição dos culpados. Mas, que no caso de
Brandão Monteiro, o responsável pela prisão arbitrária tinha nome, sobrenome
e endereço: era Sergio Fleury, o temido delegado da Operação Bandeirantes
(Oban), que havia ordenado o seqüestro do advogado para São Paulo e seu
encarceramento em prisão comum por 42 dias.'"
Não só os seqüestros contra os advogados não foram apurados, como o pior
ainda estava por vir. Reforçando a tese da razoável dose de autonom ia de que
dispunham os órgãos de segurança para agir contra os “inimigos do regime”, em
16 de agosto foram presos quatro advogados da seccional do Paraná: Confúcio
Barbalho, Henrique Cintra Ferreira de Ornellas, Marquez Hudson Cores e Abis
Evaristo Doce. Detidos inicialmente no quartel do Exército em Apucarana, não
puderam receber a visita de dois conselheiros seccionais, proibida pelo com an­
dante da unidade militar sob a alegação de que estariam enquadrados na Lei de
Segurança Nacional. Dias depois foram transferidos para outro estabelecimento
militar em Brasília, onde Henrique Ornellas veio a falecer - de acordo com o
comunicado enviado à família pelas autoridades militares, o advogado teria
cometido suicídio na prisão.'"
Apesar de desacreditado junto aos advogados - Ribeiro de Castro recusou-se
a comparecer à Conferência Interamericana de Advogados, aberta pelo minis­
tro da Justiça, para “evitar constrangimentos, pois que se o íizesse não poderia
silenciar no tocante às ocorrências”^* Alfredo Buzaid continuava a ser, para a
OAB, a principal referência do regime militar. Foi a ele, que teria se declarado
“muito abalado com o episódio”, a quem o vice-presidente da Ordem, Wilson do
Egito Coelho, solicitou a quebra da incomunicabilidade dos presos e a realização

V e r^ fíi da sessão da O A B , 13/6/1973.


^ Ver A ta da sessão da O A B , 24/7/1973.
" Ver Afa da sessão da O A B , 22/8/1973.
Idem , ib.

màM 133
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

de autópsia no corpo do advogado morto. No entanto, nem mesmo o aval do


ministro foi suficiente para vencer as dificuldades colocadas pelo então chefe do
Departamento da Polícia Federal, general Antônio Bandeira, que havia acabado
de chegar da operação militar no Araguaia. De acordo com a narrativa de Coelho,
juntamente com o presidente da seccional de Brasília, Sigmaringa Seixas, teve
que “afastar as pontas das baionetas postadas entre duas alas” para poder chegar
à pequena sala onde estavam os presos, “sem luz e sem água”. Em clara afronta
às ordens de Buzaid para relaxar a incomunicabilidade dos advogados. Bandeira
disse que só o faria depois de ouvi-los. No dia 27 de agosto, os advogados foram
transferidos para dependências da Polícia Federal de Brasília, e foi quebrada a
incomunicabilidade."" A liberdade, no entanto, só viria em outubro.
Sufocados os movimentos de resistência armada, o sistema de repressão
passou a identificar outros alvos - um deles seria os advogados no exercício de
sua profissão. Portanto, o que estava em jogo naquele agosto de 1973 era a defesa
das prerrogativas da advocacia, sem o que a própria atividade profissional dos
advogados estaria sob séria ameaça. A transformação do enterro de Ornellas em
um evento marcante, com a presença dos conselheiros federais, visava a mos­
trar que o principal objetivo da ação do aparelho repressivo não fora atingido:
meter medo naqueles que tinham como dever de ofício defender os cidadãos,
não im portando o delito que houvessem cometido.
Ao enterro de Ornellas, em avião fretado pelo Conselho Federal, compare­
ceram os conselheiros Carlos Araújo Lima - que discursou à beira do túm ulo -,
Serrano Neves, Sebastião Pinto Costa, Jayme Mesquita, Abelino de Sena Nunes,
Luiz Carlos Valle Nogueira, Jurandyr Santos Silva, Danilo Marcondes de Souza,
além da representação da Guanabara, composta por seu presidente, Álvaro Leite
Guimarães, pelo vice, Virgílio Donnici, e pelo conselheiro Carlos Jarbas Macedo
de Camargo Penteado. Coube ao conselheiro Araújo Lima relatar o evento: a
delegação do Conselho havia sido recebida no aeroporto de Londrina, e, de lá,
acompanhada por vários colegas e estudantes de direito seguido, por via rodo­
viária, para Arapongas onde o advogado seria enterrado. Ainda segundo Araújo
Lima, havia na cidade um clima de perplexidade em relação à nota publicada
no Jornal do Brasil (24 de agosto) segundo a qual a população “recebera jubilo­
samente a notícia da morte daquele profissional”. A percepção do envolvimento
dos órgãos de segurança na divulgação de “inverdades” sobre Ornellas resultou
na indicação do conselheiro Oswaldo de Souza Valle de que fosse encaminhado

Ver A ta d a sessão da O AB , 28/8/1973.

134 màM
\''()lui1lc ) I K i ' d i ' i n o c , r a t I / . K ,11) , 1 0 l - ' - l . u l o I ) c n i o ( r . i t i t o d c [ ) i r <> i t ( i

um telegrama de protesto ao general Carlos Alberto Fontoura, chefe do Serviço


Nacional de Informações (SNI).""
Mais uma vez, conforme indicação de Araújo Lima firmada por 17 conse­
lheiros, foi aventada a possibilidade de saída do presidente da OAB do CDDPH
como forma de protesto contra os atos repressivos e arbitrários da ditadura.
Derrubada a proposta de urgência para a matéria, acabou prevalecendo a po­
sição de que 0 assunto requeria “m aior ponderação”/' Um mês depois, contra
o voto do relator Danilo Marcondes, foi mantida a presença do presidente da
Ordem no Conselho."
Foi também negada a urgência para a indicação de Heleno Fragoso, apoiada
por Sobral Pinto, de que a Ordem deveria se dirigir não só ao recém-instala-
do governo do Chile - no dia 11 de setembro, o governo socialista havia sido
derrubado, e o presidente constitucionalmente eleito, Salvador Allende, assas­
sinado pelo golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet - bem como
à ONU, para impedir que os exilados brasileiros que se encontravam naquele
país fossem devolvidos ao Brasil e, por conseqüência, presos." A acusação do
conselheiro Godoy Bezerra de que se tratava de proposta de “caráter político”
foi prontam ente rebatida pelo presidente da seccional de Pernambuco, Joaquim
Corrêa de Carvalho Junior, sob o argumento de achar-se em jogo tão-somente
o direito de asilo, assegurado pelas normas do direito internacional." Na sessão
seguinte, foi aprovado 0 envio de mensagem aos órgãos internacionais. A notícia
da ameaça de fuzilamento do acadêmico Vitorio Sorotiuk, inscrito na seccional
do Paraná, resultou na indicação de Heleno Fragoso para acompanhar 0 caso,
transportando-se ao Chile, se necessário."^
O difícil ano de 1973 term inou como começou: na Ata da sessão de 27
de novembro, mais um a vez foi anunciado o contato feito com o ministro Bu-
zaid para denunciar o seqüestro e a prisão ilegal de advogados, dessa feita em
Maceió. No entanto, a posse de um novo general na presidência da República,
Ernesto Geisel, trazia a esperança de que a distensão política pudesse, enfim,
se concretizar.

“ Idem , ib.
“ Id e m , ib.
Ver A ta da sessão da O A B , 25/9/1973.
" S ob re as relações e n tre os sistem as d e re pressão d o C o n e Sul n o s a n o s 1970, v er S a m a n th a Viz Q u a d ra t,
O s p o rõ e s in te rn a c io n a is d a repressão, e m 19 6 4-2 00 4:40 anos do golpe - ditad ura m ilita r e resistência no
Brasil, Rio de Janeiro, 7 Letras, 2004.
“ Id e m ,ib .
Ver Ara da sessão da O AB, 23/10/1973.

màM 135
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

1.6 A O rdem ameaçada

A Ata da primeira sessão da OAB ocorrida em 1974 não refletiu nenhuma


mudança substancial no quadro repressivo, uma vez que, no recesso dos traba­
lhos do Conselho Federal, dois advogados da Guanabara haviam sido levados
de seus escritórios, encapuzados, sem qualquer mandato judicial, ou mesmo
identificação das autoridades que haviam efetuado a prisão. O objetivo de tais
incursões também continuava o mesmo: am edrontar os advogados que defen­
diam presos políticos, e ter acesso a documentos protegidos pelo sigilo legal.
Nessa mesma Ata, há ainda referência aos apelos “aflitos” de mães de pessoas
que haviam sido presas e cujo paradeiro era ignorado.^
As ameaças físicas aos advogados se estenderam, do ponto de vista jurídico, ao
seu órgão máximo de representação. Por meio do Decreto n®74.000, de 1° de maio
de 1974, a OAB foi vinculada ao Ministério do Trabalho, em mais uma tentativa,
como bem lembrou o presidente Ribeiro de Castro, de ferir sua independência.
Depois de se referir à atuação de Dario de Almeida Magalhães junto ao Tribunal
Federal de Recursos definindo a tese, vitoriosa, de que a OAB era um organismo
suigenerisyhem como ao parecer do consultor-geral da República, Adroaldo Mes­
quita da Costa, aprovado pelo presidente Costa e Silva, Ribeiro de Castro propôs a
solicitação de uma entrevista com o novo ministro da Justiça, Armando Falcão.'-’^A
luz no fim do túnel parecia vir, no entanto, da designação do conselheiro seccional
de Pernambuco, Luiz Rafael Mayer, para o cargo de consultor-geral da República.
De fato, como veremos adiante, o parecer de Mayer acabou sepultando de vez a
possibilidade de subordinar a Ordem ao Executivo.
A rotina de denúncias sobre prisões e violências arbitrárias contra advo­
gados continuou. Só que, dessa vez, o Conselho ouviria de Welington Rocha
Cantai a história das torturas de que fora vítima nas dependências do DOl*
Codi, do 11 Exército, onde, no ano seguinte, seria encontrado m orto o jornalista
W ladimir Herzog:

Dada a palavra ao dr. Welington Rocha Cantai, fez este minucioso relatório de
sua prisão ocorrida à porta de seu escritório em São Paulo, por indivíduos que
logo 0 conduziram, sob espancamento, para um outro carro, onde o encapu-
zaram, permanecendo preso em estabelecimento militar, sem culpa formada,

“ V e r/lM da sessão da O A B , 2/4/1974.


Ver A m da sessão da O AB, 10/5/1974.

136 ttàl
Volume 5 Da Redemocratização ao Estado Democrático de D ireito

W eiing ton C an tai, advog ado, e x -p re s id e n te d a subsessão d a OAB d e D u q u e d e Caxias,


v io le n ta m e n te to rtu ra d o .
Fonte: A rq u iv o d o C o n se lh o F ederal d a OAB.

137
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

nem ordem judicial, durante 21 dias, passando também pelo DOPS da capital
paulista. No referido estabelecimento militar, que conseguiu identificar como
sendo o DOI-Codi/II Exército, permaneceu vários dias sem comer, nem beber,
alifoi espancado e obrigado a permanecer durante longos períodos de pé. Nessas
ocasiões foi vítima ainda de choques elétricos, tendo por duas vezes desmaiado,
tal 0 sofrimento e debilitação. Na última vez, foi levado ao Hospital das Clínicas
de São Paulo por haver sofrido uma parada cardíaca. O objetivo das autorida­
des era indagar sobre supostas vinculações do declarante com subversivos, que
não existem, afirmou (...). Está disposto a levar avante a sua representação ao
procurador-geral da Justiça Militar.^

A percepção de que o cerco contra os advogados e contra a Ordem estava


se fechando detonou uma reação generalizada dos conselheiros, manifestada em
diferentes indicações que iam da remessa de cópias da representação do advogado
torturado para o presidente e os ministros do Exército e da Justiça até a divulgação
dos fatos ocorridos aos organismos internacionais, tais como a Cruz Vermelha,
passando pela convocação de uma reunião extraordinária do CD DPH /'
A preocupação com a integridade física dos advogados e jurídica da Or­
dem passou a ocupar os corações e as mentes dos conselheiros federais, como
é fácil perceber pela leitura das Atas das sessões ocorridas a partir de meados
de 1974. Em junho, consta tanto a denúncia de que fora negada prisão espe­
cial a advogados que, uniformizados e algemados, haviam sido conduzidos ao
Fórum, quanto a leitura de um a lista de pessoas seqüestradas e desaparecidas,
acompanhada de solicitação expressa do presidente Ribeiro de Castro de que
fosse enviado o nom e de outras vítimas com vistas a encaminhamento para
uma Comissão que iria nom ear “para cuidar, zelosamente, de tão importante
assunto”. Quanto à questão da ameaça à autonomia da Ordem, estão registrados
pedidos de pareceres de “eminentes juristas do país” - Miguel Reale, Pontes de
Miranda, Orlando Gomes, entre outros - , e manifestações de apoio, como a da
Associação Brasileira de Imprensa, à posição que a entidade vinha tom ando em
defesa de sua independência em relação ao Executivo. " Ao mesmo tem po que
procurava se resguardar com pareceres jurídicos e se fortalecer com o apoio da
sociedade civil, a Ordem manifestava disposição de continuar conversando com

“ Ver A fa da sessão d a O AB, 28/5/1974.


Idem , ib.
VçT A ta da sessão da O AB, 12/6/1974.

138 máM
V o I lI I I K ' i f ‘) a K f'fl( 'n n )( r . i li / . it . i o ,io l-s t,i(io I ) i'n i( )c r .iti( o d c D i i i 'i f o

o governo, do que o encontro do vice-presidente Wilson do Egito Coelho com


os ministros da Justiça e do Trabalho, Arnaldo Prieto, é um bom exem plo.'
Os resultados dessa mobilização não foram animadores. No dia 18 de
julho, o Diário Oficial da União publicou o Decreto n^ 74.246 (datado de 16
de julho), reafirmando a vinculação da Ordem ao Ministério do Trabalho. O
exemplo do que acontecera com a Ordem dos Músicos, que se encontrava sob
intervenção desse Ministério, justificada pelo parecer - “sem fundamentação
séria”, lembrou o conselheiro Araújo Lima - do ex-ministro Alfredo Buzaid,
soou como um alarme sobre os riscos de que o mesmo pudesse vir a acontecer
com a OAB. As denúncias sobre repressão política e constrangimento ilegal à
atividade dos advogados continuavam: a prisão e o desaparecimento do depu­
tado pela Guanabara, João Massena Melo, e de dois clientes do advogado Jansen
Machado, bem como o processo movido contra o advogado de Aracaju por ter
citado trechos de sentenças e votos do ministro do STF, Aliomar Baleeiro, em
defesa de um cliente, são bons exemplos de que a ditadura não modificara seus
métodos com a mudança de general-presidente.'-
A oportunidade de discutir os “direitos do hom em ” chegou com a reali­
zação da V Conferência Nacional, no Hotel Glória, na cidade do Rio de Janeiro
(então estado da Guanabara), quatro anos depois daquela realizada em São
Paulo, que havia debatido o “desenvolvimento nacional”. O temário incluiu 40
tópicos, abrangendo questões como “direitos do hom em e sua tutela jurídica”
(Heleno Fragoso);“direitos do homem, a ordem púbhca e a segurança nacional”
(Miguel Seabra Fagundes); “direitos do homem: manifestação do pensamento”
(Haryberto de Miranda Jordão); “os partidos políticos e o direito de participação
política do cidadão” (Josaphat M arinho);“da inutilidade do Conselho de Defesa
dos Direitos da Pessoa Hum ana” (Nelson Carneiro), “a defesa dos direitos hu­
manos e a independência da Ordem” (Justino Vasconcellos); “a criminalidade
comum e a segurança nacional” (Carlos de Araújo Lima); “a defesa dos direitos
fundamentais do hom em como dever dos advogados” (Fernando Andrade de
Oliveira), entre outras.
A Tese n- 1, sobre “os direitos do hom em e sua tutela jurídica”, relatada
por Heleno Fragoso, deixou clara a relação que a Ordem pretendia fazer entre
direitos hum anos e a volta do Estado de direito, e a responsabilidade que cabia
aos advogados nesse processo:

‘‘ V e r^ ffl da sessão da O A B , 25/6/1974.


\ e r A ta da sessão da O A B , 23 e 30/7/1974.

máM 139
História da
O rdem dos A dvogados do Brasil

1. Não pode haver efetiva proteção e tutela dos direitos humanos, senão no
Estado de direito, onde o primado da lei ponha as liberdades fundamentais
a salvo do arbítrio e da preponderância dos governantes, através de regime
de segurança jurídica.
2. No aperfeiçoamento, defesa e efetiva realização dos direitos do homem,
destaca-se a responsabilidade dos advogados. Essa responsabilidade não pode
ser eficazmente desempenhada senão com respeito às prerrogativas profissio­
nais e independência no exercício da profissão (...).
4. O Ato Institucional n^ 5 é incompatível com o Estado de direito. A defesa
da ordem pública e da segurança nacional pode e deve ser realizada sob o
império da lei, inclusive com o exercício de poderes excepcionais em situações
de emergência, por tempo limitado, com as garantias da lei.
5. Não pode haver defesa eficaz dos direitos do homem sem que estejam
asseguradas a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário.
6. É essencial à defesa dos direitos humanos a existência do Poder Legislativo
livre, respeitado e independente, sendo imprescindível o retorno das imuni-
dades parlamentares para assegurar a livre manifestação do pensamento,
elementar ao exercício de mandato pelos membros do Congresso.
7. Constitui exigência inadiável a revogação imediata do art. 10 do Ato
Institucional n'^ 5, que suspende a garantia constitucional do habeas corpus,
instrumento essencial à defesa dos direitos de liberdade contra a prisão ou
detenção arbitrárias.
8. Deve ser fielmente observada a norma da comunicação obrigatória de
toda e qualquer prisão ou detenção, tendo em vista os repetidos e constantes
abusos praticados.
9. A liberdade de imprensa é de suma importância na luta pelos direitos
do homem e em sua defesa e proteção, devendo cessar o regime de censura,
exercitado à margem da lei.
10.A recomendaçãoproscrita da censura à imprensa não exclui a reprovação
de outros tipos de censura das comunicações públicas e particulares.
11. A plena realização dos direitos econômicos, sociais e culturais não pode ser
alcançada simplesmente através da tutela jurídica formal, mas no contexto
de uma ordem social justa, cuja criação é dever do Estado.^^

” O s A nais d a V C o n fe rê n cia N a cional fo ra m p u b lic a d o s e m A n a is da V C onferência N acional da O rdem


dos Advogados do Brasil, Rio d e Janeiro, 11 a 16 d e agosto d e 1974, Rio d e Janeiro, C o n se lh o Federal da
OAB, 1974.

140 •àM
\'n lu [1 1r > IXi K t , i l i / , i ( .'k ) , i ( ) I ) I ) c n K )( I , i l i i ( I ( I r [ ' ) i i ( ‘ i l i )

Pelo teor das teses expostas na Conferência, não é difícil entender, por
um lado, a ausência de várias autoridades convidadas - o ministro da Justiça
e o presidente da Câmara dos Deputados enviaram telegramas justificando a
ausência em função de compromissos assumidos anteriormente e, por outro,
o convite feito por várias faculdades de direito da Guanabara aos conselheiros
para discorrerem sobre os temas apresentados na Conferência/*
As negociações com os ministros do Trabalho e da Justiça em favor da
m anutenção da autonom ia da Ordem comprom etida pelos dois decretos do
governo, bem como as denúncias sobre a situação de presos políticos e desapa­
recidos, pautaram a agenda das sessões do Conselho Federal ocorridas até o fim
de 1974.'^ Apesar das nuvens sombrias que ainda cobriam o panoram a político,
a transição democrática, aguardada por muitos, estava a caminho...

^^V eT A ta d a sessão da O A B , 27/8/1974.


Ver A ta da sessão d a O A B , 2 4 /9 ,2 2 e 2 9 /1 0 ,1 9 e 26/11 e 19/12/1974.

141
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

Capítulo II
Idas e vindas da distensão (1975-1978)

2.1 O projeto Geisel

O processo de transição democrática, ocorrido no Brasil a partir de meados


dos anos 1970, tem sido um dos temas mais estudados pela produção acadê­
m ica." É certo que, apesar das divergentes interpretações, há convergências
sobre a importância que determinados fatores tiveram para o rum o e o ritmo
da distensão política no país. Um deles foi a virada da política externa norte-
americana em direção a uma estratégia global que lhe permitisse recuperar o
prestígio perdido com a derrota anunciada no Vietnã e o escândalo Watergate,
o que implicou, em alguma medida, m udar o relacionamento com as ditaduras
militares sul-americanas, acusadas de práticas de tortura e de desrespeito aos
direitos humanos.
A crise econômica decorrente do aum ento dos preços do petróleo ocor­
rido após a guerra do Yom Kippur (outubro de 1973), por seu lado, começou
a ameaçar aquele que era o m aior trunfo ostentado pelo regime militar:
o “milagre” econômico, assim cham ado porque combinava altas taxas de
crescimento - em 1973, o Brasil cresceu mais de 11% - com baixos níveis de
inflação para a época - nesse mesmo ano, a taxa foi de 15,6%. Apesar de o
modelo econômico ter se m antido ao longo de toda a década, sustentado por
Ver, e n tre o u tro s , Juan Linz e A lfred Stepan, A transição e a consolidação da democracia, P e tróp olis, Paz e
Terra, 1999;Suzeley K. M athias, D ísfem ão no Brasií: o p ro je to m ilitar. C a m p in a s P apiru s, 1995; F rancisco
C arlos Teixeira d a Silva, C rise d a d ita d u ra m ilitar e o proc e sso d e a b e r tu ra política n o Brasil, 1974-1985,
e m Jorge Ferreira e Lucilia d c A lm eida Neves D elgado (orgs.), O tem p o d a ditadura: regim e m ilita r e m o ­
vim entos sociais e m fin s do século X X , Rio d e Janeiro, C ivilização Brasileira, 2003 (O Brasil R epublicano,
V.4); M arly Silva d a M o tta , Teotõnio Vilela, Brasília:Senado Federal; Rio d e Janeiro:C P D O C -F G V ; 1996;
M arcu s Faria F igueiredo e José A n tô n io B o rg e sC h e ib u b , A a b e r tu ra po lítica d e 1973 a 1981: q u e m disse
o qu é, q u a n d o ; in v e n tá rio d e u m d ebate, BIB - B oletim In fo rm a tivo e Bibliográfico de Ciências Sociais,
14:29-61,1982.

142
\'()k in ic ■) I ) ,i K ( ' i l ( ‘ n i( ) ( I'll! I / c l ( , ) ( ' i i n I s t . u l o I ) c n i ( )(, r , i t i ( o d c [ ' ) i i ( ‘ i l o

elevado nível de endividam ento externo, já se faziam notar seus primeiros


sinais de esgotamento."
Momentos cruciais para o andamento da distensão foram a escolha do ge­
neral Ernesto Geisel para a sucessão de Médici, e a decisão do MDB de reconhecer
o espaço político-eleitoral, apesar de todas as restrições existentes, como a melhor
via de transição para a democracia. Não foi outro o sentido do lançamento da
anticandidatura de Ulysses Guimarães e de Barbosa Lima Sobrinho no Colégio
Eleitoral que, em janeiro de 1974, elegeu Geisel por ampla maioria.
Famoso pelo estilo centralizador, freqüentemente chamado de “imperial”,
Geisel destronou o todo-poderoso “czar do milagre”. Delfim Netto, e indicou
para o Ministério da Fazenda o professor da Fundação Getulio Vargas, Mário
Henrique Simonsen. Conhecido por suas posições liberalizantes, Simonsen linha
como contraponto o ministro Severo Gomes, da Indústria e Comércio, defensor
de posições de cunho mais nacionalista. Também na área política, o presidente
estabeleceu uma divisão tácita de atribuições entre a Casa Civil, a cargo do gene­
ral Golbery do Couto e Silva, e o Ministério da Justiça, ocupado pelo deputado
Armando Falcão. A este cabia representar as posições da ala radical, que olhava
com desconfiança os sinais em favor da abertura. Já Golbery, conhecido por
seus dotes de estrategista político, deveria dinamizar os contatos do Executivo
com setores liberais, que não viam a hora de se iniciar a distensão. Nesse aspecto
específico, teria a função de redefinir periodicamente a estratégia distensionista,
corrigindo os rumos e acertando o ritmo. O delicado equilíbrio entre essas duas
áreas era o ponto mais sensível da abertura, já que era preciso dobrar as resis­
tências à liberalização do regime sem que isso significasse o enfraquecimento
do combate à esquerda. Como diz Geisel, “eu tinha que lutar em duas frentes:
contra os comunistas e contra os que combatiam os comunistas”.'*
Como bem avaliou Thomas Skidmore, o caso do seqüestro e tortura de
Welington Cantai, já citado anteriormente, ocorrido no mês seguinte à posse
de Geisel (abril de 1974), se, por um lado, mostrava a linha-dura em franca
atividade como no período anterior, por outro, o fato de o advogado ter ousado

” Ver, e n tre o u tro s, Jennifer H e rm a n n , R eform as, e n d iv id a m e n to e x terno e o “m ilagre” eco n ô m ico (1964-1973),
em Fabio G iam biagi, A n d ré Villela, Lavínia B arros d e C astro e Jen n ifer H e rm a n n , Econom ia brasileira
contem porânea (1945-2004), Rio de Janeiro, Elsevier, 2005; Luiz A ra n h a C o rrê a d o Lago, A re to m a d a do
c re sc im e n to e a s distorções d o “m ila g re ”: 1967-73, e m M arcelo Paiva A b re u ( o r g .) , ^ ordem do progresso
- cem an o s d e política re p u b lic a n a (1 889-198 9), Rio d e Janeiro, C a m p u s, 1989,
Ver Ernesto G eisel o rg a n iz a d o p o r M aria CeJina D ’A ra u jo e C elso C astro , Rio de Janeiro, E dito ra FGV,
1997, p. 369.

•àl 143
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

processar o Exército, e a OAB tê-lo apoiado abertamente, refletia a percepção de


uma possível mudança no comportamento das forças de segurança, favorecendo
a que uma instituição como a Ordem ousasse desafiá-las.'^
Mas não era apenas em relação à “exagerada” autonomia das forças de
segurança que o governo Geisel prometia mudanças. Em seus primeiros pro­
nunciamentos públicos, o presidente anunciou a redefinição das relações entre
o governo e a esfera política, a partir da percepção de que a sustentação exclusi­
vamente militar trazia instabilidade para o regime, especialmente nos momentos
sucessórios. Tratava-se, portanto, de expandir e redefinir o pacto de poder sobre
o qual se assentava o regime, para lhe conferir mais estabilidade.
De acordo com essa estratégia, a eleição parlamentar de novembro de 1974
aparecia como um bom teste para se avaliar em que medida a Arena e o MDB,
na condição de partidos do governo e de oposição, respectivamente, poderiam
se credenciar como atores relevantes no processo de redemocratização. Uma
vitória arenista, que demonstrasse o apoio popular ao regime, mataria dois
coelhos de uma só cajadada, já que, ao mesmo tempo, esvaziaria a ala mais
radical do MDB - os chamados “autênticos” - e tiraria munição da linha-dura
contrária à abertura. O u seja, enfi-aqueceria aqueles que Geisel considerava
os principais “obstáculos” à liberalização do regime: os “comunistas” e os que
“combatiam os comunistas”.
Sabemos bem, usando um a expressão militar, que o tiro saiu pela culatra.
A derrota eleitoral em 1974 desmontou a estratégia urdida no Planalto, deixou o
governo atado a setores militares radicais, e desafiado pela oposição fortalecida
com os milhões de votos recebidos nas urnas. Daí o jogo de idas e vindas que
marcou os primeiros anos do governo Geisel, como ele mesmo reconhece:

Eu sofria pressão dos dois lados: da oposição e da área militar, insatisfeita


com as críticas e as expressões usadas. Quando eu verificava que o problema
era mais grave, pela análise que eu fazia ou que o SNI me dava, ou pela
conversa que tinha com o Golbery, às vezes eu chegava à conclusão de que
a melhor solução era cassar. A cassação tinha suas vantagens, no sentido de
arrefecer o ímpeto da oposição, que passava a ter receio das conseqüências se
continuasse no mesmo estilo, e de arrefecer a pressão da área militar. Passei
todo 0 meu governo nesse jogo (...). Eu não podia me afastar dos militares.

Ver T h o m a s Skidm ore, op. cit., p. 3 2 9 .0 caso d o seq ü e stro e to r t u r a d e C a n ta i foi n o tic ia d o n o jo rn a l N ew
York Tim es, fo n te u tilira d a p o r Skidm ore.

144 máM
\ ' n l u n i c 1 I ),i K c i l f ’ U K )( i ' . i l i / , u , ' i( ) d o I ' ^ l . u l o I ) ( ' i n ( K r , ! l i ( 11 d c O i r c i k

que, a despeito da cooperação da Arena, eram os principais sustentáculos do


governo revolucionário/"

Um conjunto de razões pode explicar o resultado eleitoral de 1974,*' que


teve um papel im portante na reformulação do projeto de transição democrá­
tica. Uma delas está ligada à indicação da nova safra de governadores, a qual,
malgrado a reconhecida habilidade do senador Petrônio Portela, encarregado
por Geisel de compor os diversos grupos políticos estaduais, acabou provocando
um a intensa fragmentação da Arena, com as lideranças tradicionais sentindo-se
desprestigiadas e as novas reclamando da falta de condições favoráveis de afir­
mação. Os grupos políticos alijados das decisões sobre a sucessão estadual e a
indicação de candidatos à Câmara dos Deputados, ao Senado e às assembléias
legislativas, não se mobilizaram para a campanha. Além do mais, faltava à Arena
um a plataforma eleitoral mais atraente, já que não bastava, como antes, a simples
louvação dos êxitos da administração federal em um ano em que o espectro da
crise ameaçava se espalhar pela economia brasileira.
A campanha eleitoral de 1974 teve efeitos bem diversos sobre o MDB.
Promovendo a conciliação entre suas alas autêntica e moderada, tom ando
como plataforma a discussão de problemas mais imediatos, como a distribui­
ção de renda e o custo de vida, o partido de oposição se beneficiou, sobretudo,
do livre acesso à televisão para denunciar “as mazelas do governo autoritário”.
A conjuntura favorecia a recepção da mensagem oposicionista, em função da
diminuição do ritm o do crescimento econômico, após anos seguidos de altas
taxas de incremento do Produto Interno Bruto (PIB). A redução das fraudes
eleitorais, bem como a aplicação da Lei Etelvino Lins, determinando que ao
poder público caberia arcar com as despesas de transporte e alimentação dos
eleitores, completam o conjunto de fatores responsáveis pelo fraco desempenho
eleitoral do governo.

'"V e r Ernesto Geisel, o p . cit., p. 391.


O M D B quase d o b ro u sua re p re sen tação n a C â m a ra dos D epu tados; d e u m to ta l de 364 cadeiras, saltou d e 87
p a ra 165, e n q u a n to a A ren a caiu d e 223 p a ra 199. E m b o ra o p a rtid o governista tivesse o b tid o m a is votos
- 1 1.865.599 c o n tra os 10.955.259 d o M D B - , e s s a m a rg e m d im in u iu b a sta n te e m relação à das eleições
d e 1970, q u a n d o o p a rtid o oficial g a n h o u p o r 10.917.814 votos c o n tra 4.727.967 d o M D B . N o Senado,
a v itó ria o p o s icio n ista foi m ais expressiva: d e 7 sena d o re s su b iu p a ra 20, e n q u a n to a b a n c a d a d a A rena
caiu d e 59 pa ra 46. N essa v o tação m a jo ritá ria p a ra o S enado, o p a rtid o o p o sicio n ista fez 14.600.000 votos
c o n tra os p o u c o s m ais d e 10 m ilh õ e s d a A rena. Cf. T h o m a s S k id m o re , op .cit., p. 337. P a ra u m a análise
d e ta lh a d a dessas eleições, ver B olivar L a m o u n ie r e F e rn a n d o H e n riq u e C a rd o so (orgs.), 0 5 partidos e as
eleições no Brasil, Rio d e Janeiro, P az e T erra, 1975.

màM 145
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

Esse fracasso nas urnas teria um forte impacto sobre o projeto de distensão
do governo. Atingido pelo que considerava “tom virulento das manifestações da
oposição”, Geisel resolveu dar uma no cravo, e m ostrar à oposição que deveriam
ser comedidos, “porque tinha poder para reprim ir”:

É evidente que se eu não agisse contra a oposição com determinadas formas de


repressão, inclusive com a cassação, eu perderia terreno junto à área militar.
Sobretudo na área mais exacerbada da linha-dura. Era preciso de vez em
quando dar um pouco de pasto àsferas.^

O ano de 1975 começou marcado pelo recrudescimento das operações


repressivas. Em janeiro, um a ofensiva policial descobriu a gráfica clandestina
do PCB, no subúrbio carioca de Campo Grande, a que se seguiram prisões e
desaparecimento de vários dirigentes do partido. Falando na televisão, o minis­
tro da Justiça, Armando Falcão, acusou o Partido Comunista de estar por trás
da vitória do MDB, o que, convenhamos, era conferir ao “inimigo” um poder
político-eleitoral de que ele, de fato, não dispunha. De todo modo, a mensagem
tinha um destino e um objetivo: não se toleraria a conivência/convivência da
“oposição” - aí incluídos a OAB, a ABI, a CNBB, os sindicatos - com o que o
governo tachava de “subversão”.
Essa onda repressiva alcançou os advogados. Como consta na Ata da sessão
de 7 de março de 1975, Ribeiro de Castro levou ao conhecimento dos conse­
lheiros o seqüestro, ocorrido no mês anterior, de Roberto Camargo e de Jayme
Amorim de Miranda, que ainda se encontrava desaparecido. Presente à seção,
Elza, esposa de Jayme, fez um apelo emocionado para que a Ordem intercedesse
pela localização de seu marido, ao que o presidente respondeu informando
sobre as providências tomadas junto ao ministro da Justiça e ao comandante
do 1 Exército contra esses “atos insólitos” - seqüestro de cidadãos, sonegação
de informações, utilização de tortura. Usando da palavra, o advogado Roberto
Camargo narrou em detalhes as violências de que fora vítima por agentes de se­
gurança, desde o seqüestro em seu escritório, a incomunicabilidade em que fora
mantido, a coação, sob tortura, para assinar papéis, o que, acreditava, poderia
incriminar os colegas Celso da Silva Soares e Hum berto Jansen Machado.
Os “atos insólitos” se repetiram, dessa vez no sul, na área do III Exército,
onde foram seqüestrados os advogados Fernando Barcelos Almeida e José Gay

Ver Ernesto Geisel, op. cit., p. 390.

146 màM
V o lu m e 5 D a R edem ot ratizacão ao Estado D e m o c rá tic o de D ireito

R o b e rto C am arg o , a d v o g ad o e e x -p re sid en te d o sin d ic ato d o s ad v o g ad o s d o Rio de


Janeiro, b a rb a ra m e n te t o r t u r a d o n a g estão d o general Geisel.
Fonte: A rqu iv o d o C o n se lh o F ederal d a OAB.

máM 147
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Cunha. O acontecimento foi narrado pelo conselheiro da bancada do Rio Grande


do Sul, Godoy Bezerra, que lá se encontrava e pôde, assim, acompanhar o presi­
dente da seccional, Justino Vasconcellos, nas diligências para localizar os presos.
Reiterando sua tradicional postura de apoio ao governo militar, o conselheiro
gaúcho levantou a desconfiança de que “algo” parecia “querer perturbar o bom
relacionamento entre a Ordem e as autoridades”**O que não fica claro é se esse
“algo” se referia aos “comunistas” ou aos “que combatiam os comunistas”.

2.2 Entre as ''feras" e o "aperfeiçoamento democrático"

“O período de Ribeiro de Castro marcou o despertar da atenção dos go­


vernos militares pela atuação da Ordem dos Advogados”, não tem dúvida em
afirmar seu sucessor. Caio Mário da Silva Pereira." Essa “atenção” que havia
despertado nos militares, em função da “bravura, vigilância e independência”
com que havia exercido o cargo, como salientou Sobral Pinto,®= talvez possa
explicar a preferência da Ordem pelo conselheiro da bancada de Minas. Ligado
aos antigos udenistas mineiros - foi secretário de Segurança Pública de Minas,
no governo Magalhães Pinto, e chefe de gabinete de Milton Campos (Ministério
da Justiça/1964-65) e de Pedro Aleixo (Ministério da Educação/1966) - Caio
Mário tinha um perfil conciliador que parecia se afinar com o “aperfeiçoamento
democrático” proposto por Geisel em discurso no Parlamento por ocasião da
abertura do ano legislativo, em março de 1975. A presença de Heleno Fragoso
na vice-presidência provavelmente seria o elemento que manteria a “atenção
dos militares” pela atuação da OAB."^
Em seu discurso de posse, o novo presidente da Ordem procurou conci­
liar demandas mais voltadas para os interesses da corporação dos advogados
- saturação do mercado de trabalho e assistência aos profissionais necessitados
de “condições assistenciais mínimas”, entre outras - com as reivindicações que
requeriam a participação da OAB como um a das vozes da sociedade civil mais

" Ver A m d a sessão d a O A B , 25/3/1975.


Ver C aio M á rio d a Silva Pereira, c ita do e m A O A B na voz de seus presidentes, op. cit., p. 59.
*5 Ver Aífl d a sessão d a O A B , 25/3/1975.
“ Presidente: C a io M á rio da Silva Pereira: 19 vo to s (3 e m b ra n c o )
Vice: H e len o C la u d io Fragoso {16) X L oretti (5)
Secretário-geral: O sw aldo A stolfo d e Rezende
Subsecretário; Raul d e Souza Silveira
Tesoureiro: R u b en s Ferraz. E m v irtu d e d e re n ú n c ia , p a ra o cargo foi eleito E rn esto Pereira Borges.

148 màM
V o l u m e ' I ) ,! R c d l ' I l l o i t , ! l l / , K j ( ) JO [ ' - l . l d o I ) ( 'i 1 l o ( i M l i i o tic l l l t r l l o

importantes naquele m om ento de “reedificação das instituições republicanas”.


Foram citadas expressamente: “defesa do restabelecimento das garantias insti­
tucionais, devidas aos magistrados e aos cidadãos; restabelecimento do primado
do direito sem transigências com a ordem pública; restabelecimento do habeas
corpus em sua plenitude; denúncia do abuso e da violência e respeito às prer­
rogativas individuais dos cidadãos e dos seres hum anos”.
No entanto, o ponto crucial a ser negociado com o governo era a questão
da vincuiação da Ordem ao Ministério do Trabalho, tarefa para a qual se julgava
ser o novo presidente a pessoa mais credenciada. Em maio, ele pôde anunciar
um a boa e uma má notícia: a boa, dava conta de que o governo havia decidido
rever o decreto que vinculara a Ordem ao Ministério do Trabalho; a má, era que
havia estudos no sentido de obrigá-la a prestar contas ao Tribunal de Contas.
Se o parecer favorável à desvinculação exarado pelo consultor-geral da
República, Luiz Rafael Mayer, foi aprovado pelo Presidente da República em 21
de junho - embora o Decreto 74.000 não tivesse sido revogado o mesmo não
ocorreu com a obrigação de prestar contas ao TCU. Na Ata de 25 de maio de
1976, consta não só a notícia da representação formulada pelo procurador-geral
da República no sentido de obrigar a OAB a prestar contas ao Tribunal, bem
como a informação de que naquela Corte existia um processo contra a Ordem.
Dada a gravidade da situação, considerou-se necessário consultar o plenário do
Conselho Federal sobre como deveria agir a presidência. Por unanimidade, foi
aprovada a proposta de que a OAB não deveria prestar contas ao TCU.
O impasse acabou desembocando em uma conversa, no mês de setembro,
entre o ministro Prieto e o presidente da Ordem, cujo teor resumido pode-se
ler abaixo no depoimento de Caio Mário:

Em certa ocasião eu recebi um convite para uma entrevista com o ministro


do Trabalho, Arnaldo Prieto. Ele queria uma conversa particular, e então nos
encontramos no hotel em que ele estava hospedado, na Barra da Tijuca, se
não me engano. Ele demorou um pouco a chegar, mas foi direto ao assunto,
dizendo-se incumbido pelo presidente Geisel de conversar comigo a respeito
das atividades da Ordem dos Advogados. Informou-me então da intenção
do governo e quis saber a minha opinião a respeito. Eu disse prontamente
que era contra. Ele então insistiu me perguntando se eu estaria interessado
em fazer um acordo com o Tribunal de Contas. Eu mais uma vez fu i enfático
posicionando-me contra qualquer tipo de subordinação da Ordem a qualquer

149
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

entidade ou órgão público que fosse. Quis saber por que razão eu era contra a
subordinação da Ordem. Eu novamente respondi, cordialmente, dizendo que
no momento em que a Ordem se subordinasse financeiramente ao Tribunal de
Contas ela perderia a sua independência. ‘'Mas esea independência financeira
da Ordem for mantida?” insistiu ele de novo. Eu me mantive inflexível^'

A questão da autonom ia da OAB só foi resolvida de vez em 14 de fevereiro


de 1978, na presidência de Raymundo Faoro, quando foi publicado no Diário
Oficial da União o parecer do consultor-geral da República desvinculando
definitivamente a Ordem de qualquer órgão governamental. Como veremos
adiante, não é mera coincidência o fato de que isso tivesse ocorrido no âmbito
da chamada Missão Portela, comandada pelo senador Petrônio Portela, cujo
objetivo era entabular negociações com entidades representativas da sociedade
civil com vistas à redemocratização do país.
Aproveitando-se da condição de ser, juntam ente com a Igreja Católica,
uma das poucas instituições capazes de continuar a contestar os desmentidos
do governo sobre a continuação da tortura e das arbitrariedades do aparato de
repressão,®" o presidente da OAB comunicou, na sessão de 22 de julho de 1975,
que enviara ofício ao ministro Arm ando Falcão pedindo providências contra
prisões arbitrárias de que estavam sendo vítimas os advogados José Oscar Pelúcio
Ferreira e José Maria Pelúcio Ferreira, presos em Brasília, e mantidos incomuni­
cáveis. Em virtude da percepção de que a instância da pasta da Justiça era mais
realista que o rei, foi acatada por unanim idade a indicação de que se oficiasse
diretamente ao presidente Geisei, relatando os fatos e pedindo providências para
cessar de imediato as práticas ilegais de seqüestro, tortura e incomunicabilidade
dos presos. Na mesma sessão, houve ainda a manifestação de Sobral Pinto no
intuito de que a Ordem protestasse contra o diagnóstico elaborado pelo STF, a
propósito dos projetos de reforma do Poder Judiciário, de que o advogado seria
“um dos entraves para o rápido andamento das demandas judiciais”.
O debate de temas ligados à revogação da legislação revolucionária, à si­
tuação dos presos políticos e à apuração dos excessos dos aparelhos de segurança
ameaçou setores mais radicais das Forças Armadas, e acendeu a luz vermelha
para a política de distensão. Não é por acaso que, no discurso que pronunciou
por ocasião da reabertura dos trabalhos legislativos, em 1^ de agosto, Geisei

Ver C aio M ário d a Silva P ereira, op. cit., p. 59.


" Cf. T h o m a s S kid m o re , op. cit, p. 344.

150 màM
\'()lu itK ' 1 I)a R { ‘( l ( ' n u ) i , ao [ l l c i i i u i r,iti( u d e Iliiiilo

buscou distinguir “distensão” e distensão. A primeira, afirmava o presidente,


“fruto da imaginação de seus autores”,

f..J é apresentada com conotação exclusivamente política, visando, pelo que


se diz, ao indispensável restabelecimento do chamado '‘Estado de direito”,
mediante pura e simples supressão doAI-5 e, complementarmente, a revoga­
ção do Decreto Lei-477, a revisão da Lei de Segurança Nacional, a concessão
de ampla anistia. Preconiza-se^ também, a reforma da Constituição, com a
redução dos poderes do Executivo, considerados excessivos, e a ampliação
das atribuições do Legislativo. Sente-se, nessas proposições, um indisfarçável
saudosismo pelo passado não muito remoto, em que amplas disposições livres
constavam do papel, nele estavam escritas, obedeciam ao aspecto teórico e
formal do sistema, mas, de fato, iludiam a boa fé de muitos."''

A tese de que as conquistas sociais, e não os avanços políticos, deveriam


ser a base da distensão estava claramente exposta na fala de Geisel. Aliás, a
idéia de se contrapor a “democracia social”, com base em “desenvolvimento
orgânico e hom ogêneo da com unidade nacional”, à “democracia política”,
calcada na “liberdade de pensam ento e de expressão”, não era nova na tradi­
ção política brasileira, e tivera em Vargas o seu expoente maior. O desânimo
tom ou conta dos meios políticos, já que a explicação didática do presidente
- “distensão” x distensão - foi recebida como um a espécie de aviso das condi­
ções que o governo estabelecera para o jogo político e a atividade partidária.
Entre a demanda pela “criatividade em prol do aperfeiçoamento democrático”,
do discurso de março, e o convite à “obediência”, agora em agosto, podia-se
perceber o vaivém do processo de abertura. Na proposta de expandir o pro­
cesso distensionista para a área social, estava claramente presente o apelo ao
encolhimento da esfera política.
Na contramão do sentimento reinante, o conselheiro Godoy Bezerra apre­
sentou, na sessão de 23 de setembro, uma proposição “aplaudindo o propósito
de distensão política manifestado pelo Presidente da República”. O pedido de
vista do conselheiro Marcos Heusi impediu que a proposição fosse colocada
em votação, e a m orte de W ladimir Herzog, em outubro, tornou ultrapassada
essa manifestação de aplauso. No dia 26, o comandante do II Exército, general
Ednardo d ’Ávila Melo, distribuiu nota oficial comunicando que o renomado

D istensão, a palavra-chave d e Geisel n a TV, citado e m M arly Silva d a M otta, Teotônio Vilela, op. cit., p. 90.

757
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil
]
jornalista - com muitos contatos no exterior, já que trabalhara por cerca de três
anos na BBC de Londres - havia sido encontrado enforcado em uma das celas
do DOI-Codi de São Paulo.
A manifestação de indignação do ex-presidente Ribeiro de Castro quanto
à m orte de Herzog acabou desembocando na conclamação à Ordem para “con­
tinuar se batendo pela normalidade jurídica”, aí incluindo o direito de visita aos
presos, o restabelecimento pleno do habeas corpus e da autonom ia judiciária.
A constatação da vulnerabilidade do preso em virtude do cerceamento a que
estavam submetidos os advogados no exercício de sua profissão levantou uma
série de manifestações de vários conselheiros, como a de Clóvis Ramalhete, sobre
a obtenção de m andato de segurança contra decreto da Secretaria de Segurança
do Rio de Janeiro que só permitia os advogados se entenderem com seus clientes
detidos nas penitenciárias do estado em horário previamente determinado.’" A
preocupação com o fato de a Ordem estar se envolvendo em “matéria de ordem
política”, o que feriria suas normas estatutárias, mereceu manifestação “pessoal”
do conselheiro Claudionor de Andrade Junior (RN), imediatamente rebatida por
Sylvio Curado, que não via “nenhum cunho político” nos temas tratados.’'
O silêncio de Geisel no episódio Herzog trouxe o tem or de que a distensão
estivesse seriamente ameaçada, mesmo porque, ao longo desse mês de outubro,
havia sido efetuada a prisão de outros militantes do PCB, inclusive do advogado
Orlando Bomfim, amigo pessoal de Caio Mário que, preso no Rio de Janeiro,
nunca mais foi encontrado.’^ Uns achavam que o presidente fraquejara diante
dos extremistas militares; outros consideravam que ele nunca havia assumido
um real compromisso com a abertura. De um m odo ou de outro, estava longe
de ser otimista o ambiente político reinante no final de 1975.
O ano de 1976 trouxe de volta o fantasma da linha-dura refratária à dis­
tensão que, mais um a vez, insistiu em desafiar a autoridade de Geisel. Dessa
feita, a vítima foi o operário Manuel Fiel Filho, que, em janeiro, teve o mesmo
fim de Herzog nas celas do DOI-Codi de São Paulo. No entanto, ao contrário
da passividade demonstrada no “suicídio” do jornalista, o presidente resolveu
reagir e dar uma na ferradura, ou seja, nos “bolsões radicais” que tentavam
inviabilizar a abertura, ainda que lenta e gradual. O tenso processo de decisão,
que acabou levando à exoneração do general-comandante do II Exército, foi
narrado em detalhes por Geisel:
” Ver A ta d a sessão da O A B , 29/10/1975.
Ver A ta d a sessão da O A B , 25/11/1975.
" Ver C aio M á rio d a Silva P ereira, op. cit., p. 62.

152 máM
V 'd kiiiu - 1 I ).i Ui'drm* K i',ui/.u ,u i ,ui 1 i i )rn v x t.lliiu (!<■ Oil ciU i

Era um domingo, nove, 10 horas da noite, eu estava me preparando para


dormir, quando tocou o telefone. Era o Paulo Egidio, governador de São Paulo.
Ele me contou que tinha havido um segundo enforcamento. Passei uma noite
de cão (...). E vi que a solução era tirar o Ednardo do comando do II Exército.
De manhã cedo mandei um recado para o Frota [Ministro do Exército], o
Hugo Abreu [Casa Militar] e o Figueiredo [SNI] irem ao Palácio da Alvorada
(...). Cheguei ao Palácio, contei ao Frota o que tinha havido e determinei que
preparasse o decreto exonerando o Ednardo do comando de São Paulo (...).
O Ednardo se chocou. Houve alguns generais que talvez não estivessem bem
a par do ocorrido e que acharam que eu estava desmoralizando um general.
Mas tinha que ser assim.

O fato de a exoneração do general Ednardo ter sido entendida por “alguns


generais” como “um a desmoralização” pode explicar, em parte, a ação posterior
de Geisel, que não só substituiu Ednardo pelo general Dilermando Monteiro,
como promoveu um a mudança nos escalões intermediários. Tudo, é claro, sem
perder de vista que jamais poderia ficar com o Exército contra ele. Por isso
mesmo, depois de dar uma na ferradura, o governo voltou a dar algumas no
cravo. Ainda em janeiro, foram cassados os m andatos dos deputados do MDB
paulista, Marcelo Gato e Fabiano Sobrinho; na seqüência, vieram as cassações
dos deputados gaúchos Nadyr Rosseti e Amauri Muller. Alertado de que o
governo não toleraria qualquer manifestação parlamentar sobre essa onda de
cassações, o deputado Lysaneas Maciel, mem bro ativo do MDB “autêntico” do
Rio de Janeiro, considerou que seria melhor “protestar” que preservar seu m an­
dato. Seu depoim ento sobre o episódio lança luz sobre os limites e as tensões
que marcavam o processo de distensão naquele início de 1976:

A minha cassação foi decidida aqui na Vila Militar, não foi decidida no Pa­
lácio do Planalto. Esses militares que eu citava, Zamith, Bandeira, Burnier,
se reuniram e disseram: “Ou o governo dá um jeito nesse cara ou nós vamos
dar.” (...). Efoi o próprio Geisel quem aconselhou que eu caísse fora do país,
quem disse que podia garantir que eu não ia ser preso, mas não podia garantir
a minha incolumidade. Quer dizer, rigorosamente, entre nós, quem salvou
minha vida foi o Geiseh'

" V e r Lysâneas M aciel, e m M arieta d e M o ra es Ferreira, D o ra R ocha e A m érico Freire (orgs.). Vozes da oposição,
Rio d e Janeiro, G rafline, 2001, p. 42-3.

153
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil
]
Apesar da sinalização clara de que o chamado “Sistema” se encontrava vivo
e forte - malgrado a “derrota” no caso Ednardo a OAB, por seu lado, deu de­
monstração explícita de que não pretendia se acovardar diante das pressões. Um
bom exemplo desse tipo de postura foi a decisão tomada pelo Conselho Federal
em relação à representação formulada pelo preso político César Queiroz Benjamin
contra a ilegalidade de sua permanência indefinida na prisão. Contrariamente
ao voto do relator, conselheiro Fernando Eugênio dos Reis Perdigão (MA), com
a indicação de não se tomar conhecimento da representação “por não ser o in­
teressado advogado”, venceu a proposta do vice-presidente, Heleno Fragoso, de
que “a Ordem conheça da representação e se manifeste de forma categórica às
autoridades competentes de que nos crimes previstos na Lei de Segurança Na­
cional se aplica subsidiariamente as normas do Código Penal e não as do Código
Penal Militar”.’^
Embora precisasse ter o Exército a seu lado, Geisel não descuidava da arena
política. Nesse sentido, as cassações do início de 1976 teriam tido um duplo ob­
jetivo: dar “pasto às feras”, e colaborar para o “aperfeiçoamento democrático”, na
medida em que servissem de advertência à oposição para evitar radicalizações
no processo eleitoral de novembro, já que a aposta nas eleições municipais,
associada ao ferrenho desejo de vencê-las, era meta importante de seu projeto
político.” Daí o tom enfático do ministro Armando Falcão, em discurso para
300 prefeitos mineiros:

O presidente me disse que transmitisse aos senhores, nossos companheiros de


partido, seu apelo para que todos se empenhassem em busca de uma vitória
nas eleições de novembro, que compensasse os resultados de 74 e lhe desse
tranqüilidade para dormir em paz.^‘’

Se a primeira parte da meta - o compromisso com as eleições - refletia


a face institucionalizadora do governo, a segunda - a necessidade imperiosa
de vencê-las - conduziu à adoção de um a legislação eleitoral restritiva. Sob a
orientação do ministro da Justiça, foi elaborado o Projeto de Lei da Reforma da
Propaganda Eleitoral, restringindo o acesso dos candidatos aos meios de comu­
nicação eletrônica. Aprovada em 25 de julho, a chamada Lei Falcão estipulava

Ver A fa da sessão d a O AB , 22/6/1976.


” Ver M arly Silva d a M o n a , Teotônio Vilela, o p. cit., p. 105.
Id e m , ib.

1S4 má»
V o l u m e ") I").) R e i l i . ' i t n n r . i t i / > K 0 ( ) . K ) F s t i u l o D r i i i i x rálit o (le D i r r i l o

que as emissoras de rádio e televisão reservariam, nos dois meses anteriores à


realização dos pleitos, espaços na programação destinados à propaganda elei­
toral, que deveria se reduzir à apresentação dos currículos e plataformas dos
candidatos e, no caso da televisão, de seus retratos, sob a fiscalização direta e
permanente da justiça Eleitoral
Assegurar a vitória nas urnas, mesmo ao preço do emprego de legislação
autoritária, era um elemento-chave do projeto Geisel, uma vez que o que estava
em jogo era menos o sucesso da Arena, e mais o prestígio do governo. Os resul­
tados favoráveis ao partido do governo nas eleições municipais deveram-se, é
certo, em boa parte, ao empenho pessoal do presidente, bem como à legislação
restritiva que tirou dos meios de comunicação o discurso oposicionista. No
entanto, é im portante frisar que apenas a organização partidária da Arena,
presente em todos os municípios brasileiros, garantiria por si só a vitória gover-
nista. Ainda mais se lembrarmos que as capitais e os municípios considerados
de “segurança nacional” não votavam para o cargo de prefeito, indicado que
era pelo governador do estado.
A vitória eleitoral de 1976 não significou, no entanto, aprovação da socie­
dade ao governo. A necessidade de reajustes no modelo econômico, frente às di­
ficuldades conjunturais que marcaram o fim do “milagre”, levou o empresariado
a reivindicar um a presença mais efetiva nos espaços de tomada de decisão e nas
arenas formais da política. Quer denunciando o gigantismo do aparelho estatal,
quer se queixando contra a redução do espaço deixado às empresas nacionais,
quer apontando a ditadura dos bancos sobre o sistema produtivo, importantes
empresários começaram a defender com desenvoltura o pleno funcionamento
das instituições democráticas/'
Outra poderosa voz da sociedade civil que clamava pela volta da democracia
era a Igreja Católica. Com uma coordenação mais estreita na cúpula, através da
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e uma participação mais
ampla na base, por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a Igreja
desenvolveu um intenso ativismo em defesa dos direitos humanos, denunciando
prisões, torturas e assassinatos de opositores do regime militar. A militância da
Igreja ia mais além, na medida em que, atuando junto a áreas carentes, não se
limitava ao trabalho de evangelização, já que incentivava e promovia centros de

Ver, e n tre o u tro s , Sebastião C. Velasco e C ru z , Em presariado e Estado na transição brasileira: u m estudo
so b re a e c o n o m ia política d o a u to rita ris m o (1974-77], C am p in as : E d ito ra d a U nic am p ; São Paulo:
hapcsp, 1995.

755
História da
O rdem dos Advogados do Brasil

discussão política.’" Não por acaso, 1976 foi um ano que registrou seguidos atos de
violência contra o clero. Além dos assassinatos dos padres Rodolfo Lunkenbein e
João Bosco Penido Burnier na região amazônica, em setembro houve o seqüestro,
seguido de espancamento, de dom Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu, na
Baixada Fluminense.
A Ordem também recebeu um “recado” dos porões da ditadura, por meio
da colocação de uma bom ba no prédio onde se reunia a seccional de Mato
Grosso. Depois de intenso debate, acabou prevalecendo a posição de que a OAB
não interviria oficialmente no inquérito, mas acompanharia atentamente todos
os seus trâmites.”
Três foram as questões mais importantes debatidas na VI Conferência
Nacional da Ordem dos Advogados, realizada entre os dias 17 e 22 de outubro,
na cidade de S a lv a d o r.A primeira delas dizia respeito à independência e au­
tonomia do advogado, obviamente ligada às pendências que a Ordem tinha em
relação à prestação de contas ao TCU e à vinculação ao Ministério do Trabalho.
A necessidade de se “reestruturar a democracia brasileira” foi outra preocupação
dos conferencistas e debatedores, como ficou patente no discurso de encerra­
mento do presidente Caio Mário:

A minha geração foi sacrificada no altar estadonovista. Quando atingiu


a idade adulta, e chegou mesmo a se aparelhar para competir nos prélios
políticos, as liberdades políticas foram suprimidas, e seu restabelecimento
custou 0 inevitável garroteamento entre 05 antigos que forcejavam por ficar, e
os mais novos que chegaram depois e ambicionavam vencer. Por isso mesmo,
eu receio que a geração jovem, a daqueles que amadurecem nessa década de
70, sofra a frustração do alijamento e a busca dos extremos para a satisfação
dos seus anseios. Por isso mesmo, é necessário o quanto antes reestruturar esta
democracia brasileira com as experiências do passado e as lições realistas do
mundo contemporâneo.'^"

Sobre a a tu a çã o das CEBs, ver, e n tre o u tro s , C â n d id o P ro có p io Ferreira C am arg o, A n tô n io Flávio d e O liveira
P ierucci e B eatriz M u n iz d e Souza, C o m u n id a d e s eclesiais d e base, e m V inícius C ald eira B ra n t e Paul
Singer, São Paulo: o po vo em m o v im en to , P e tró polis, Vozes, 1980.
” Ver AW d a sessão d a O AB, 24/8/1976.
Ver A n a is d a V I C onferência N acional d a O rdem dos A dvogados do Brasil, Salvador, 1976.
Id e m , ib.

756 m á»
\ ’í ) l l H l U ‘ 1 ),1 K t,I I I / , I I ,'l( ) cH ) I ' s I , k I( ) I )('ni( K l.ilil I I (Ir I )íí i ’ilo

o projeto de reforma do Poder Judiciário que tramitava no Congresso foi


outro ponto m uito debatido ao longo das sessões da Conferência. Ao mesmo
tempo que demonstrava empenho e interesse em seguir examinando o projeto
em pauta, a Ordem não deixou de condenar “a metodologia tecnocrática ado­
tada”, enfatizando que qualquer reforma do Judiciário exigia, de antemão, a
restauração do Estado de direito e, por isso mesmo, concluía que “emendas cons­
titucionais não seriam suficientes” para resolver os problemas do Judiciário.
Apesar dessa postura - ou até por causa dela a Ordem recebeu telegrama
do deputado José Bonifácio Neto, presidente da Comissão Mista incumbida
do estudo da Reforma Judiciária, pedindo o envio de sugestões até o dia 1° de
dezembro."’’ Na Ata da sessão de 30 de novembro, consta o comunicado de Caio
Mário informando que a comissão formada para o estudo da reforma do Judi­
ciário, integrada pelos conselheiros J.B.Vianna de Moraes (SP) e José Eduardo
Santos Neves (ES), estava concluindo o trabalho, e que as sugestões estariam
sendo encaminhadas ao Congresso dentro do prazo previsto. Trabalho em
vão, na apreciação dos conselheiros, uma vez que o projeto encaminhado pelo
Executivo estaria tram itando de “maneira quase sigilosa”. O fim dessa história
w nhecem os bem: sob a alegação de que a tramitação da reforma estava muito
lenta, Geisel fechou o Congresso, e impôs a reforma através do chamado Pacote
de Abril, de que falaremos mais adiante.
Apesar de novembro de 1976 não ter repetido a débâcle eleitoral de dois
anos atrás, obtendo o governo resultados favoráveis principalmente nos m uni­
cípios menores, os tradicionais pronunciamentos presidenciais de fim de ano
não foram tranqüilizadores, principalmente devido à inquietante observação
de Geisel de que o ano de 1977 “deve ser dificil nos campos econômico e social,
e Deus permita que não, tam bém no campo político” "’'

2.3 Do "Pacote de A bril" à Missão Portela

Considerado o “ano-chave do processo de transform ação do regime”,'"^


1977 começou com o anúncio de medidas de arrocho na economia, indis-

Ver A ta d a sessão da O A B , 23/11/1976.


O Clobo, 21/12/1976, c ita d o e m M arly Silva d a M otta, Teotônio Vilela, op. cit., p. 118.
C arlos Estevam M a rtin s e S ebastião C. Velasco e C ruz, De C aste lo a Figueiredo: u m a in c u rs ã o n a pré-
h istó ria d a “a b e r tu ra ” e m M aria H e rm in ia T. de A lm eida e B ern a rd o Sorj (o r^ s.). Sociedade e política no
Srasií pós-64, São Paulo, B rasüiense, 1983, p. 54.

máM 157
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

pensáveis para a redução da inflação e do endividam ento externo. Depois


de dois anos em que o acelerador do crescimento im pulsionou os índices
inflacionários, apostava-se agora na reversão da política de dem anda, na
repressão aos preços públicos e, sobretudo, em um a política m onetária mais
restritiva, com desaceleração dos meios de pagamento e dos empréstimos ao
setor privado.'"
O tem or de que as reações sociais às restrições econômicas fossem ex­
ploradas politicamente parece explicar a retranca do governo nesse campo.
Apesar das especulações em torno da missão do senador Petrônio Portela,
encarregado de articular entendim entos com as lideranças oposicionistas e
representantes da sociedade civil com vistas ao prosseguimento da distensão,
o aspecto político foi claramente secundarizado nas seguidas manifestações
do presidente."^
No dia 8 de fevereiro, depois de uma série de incidentes, Severo Gomes
pediu demissão do Ministério da Indústria e Comércio. As razões de seu gesto
parecem estar ligadas, ao mesmo tempo, às propostas de ajuste fiscal e m one­
tário que atingiriam mais de perto as empresas nacionais, geralmente carentes
de capital e de apoio governamental, e às denúncias sobre a atuação de forças
de extrema direita que estariam impedindo a abertura política. O fechamento
do regime se evidenciou ainda mais com as cassações dos vereadores do MDB
gaúcho Glénio Perez e Marcos Klassman, acusados pelo presidente da Arena,
deputado Francelino Pereira, de serem “agentes do comunismo”.
Crescia a incerteza sobre os rumos da distensão, evidente em alguns artigos
de O Estado de S. P auloy como este do dia 17 de março:

A idéia de distensão parece agora esvaziada bastante de seu potencial esti-


mulador, suscitando antes, no espírito do Presidente da República, reações
tingidas de ceticismo: “Não devemos copiar o que os outros fazem, porque as
condições são diferentes. Nós temos de procurar uma política para o Brasil
que corresponda à índole de nosso povo, ao estágio de civilização em que
nós estamos e às nossas características também físicas" (...). Será real essa
avaliação da criatividade brasileira e serão legitimas as aspirações que sobre
ela se sustentam? (...). O apelo à força e a recursos rudimentares de ação

'"'V er D ion ísio Dias C arn eiro , C rise e esperança: 1974-1980, e m M arcelo d e Paiva A breu A ordem do
progresso: c em an os d e p olítica re p u b lic a n a - 1889-1989, Rio d e laneiro. C a m p u s, 1989.
O o tim is m o (social, n ã o p o lítico) a in d a te m lugar, ap esar d e tu d o , Correio Braziliense, 14/01/1977, citado
e m M arly Silva d a M o tta, Teotônio Vilela, op. cit., p. 119.

158 màM
R e d e 1111 n i \ i l i / . u j o , n ) ! [ ) c m í H I ' . il k o rir llí ir ito

(batizados benignamente de casuísmo) fomenta a carência de espirito público


que denuncia; impede o advento do estágio de civilização que diz esperar e
preparar.'^'

Era grande a pressão do governo sobre o Congresso. Mais do que com a


reforma do Judiciário, o Planalto estava preocupado com as eleições de 1978,
principalmente para governadores, as quais, segundo estipulava a Constituição,
deveriam ser diretas. Uma emenda constitucional, m antendo as eleições indire­
tas, era a saída. Mas havia uma pedra no caminho: a Arena não tinha os 2/3 de
votos necessários para emendar a Constituição. Sob o pretexto de que o MDB
estaria obstando o projeto de reforma do Judiciário, o presidente Geisel, no dia
de abril de 1977, usando dos instrumentos a ele fornecidos pelo Al-5, decretou
o fechamento do Congresso e, durante esse período ~ duas semanas - , baixou
um conjunto de medidas voltadas principalmente para preservar a maioria
governista no Legislativo, e o controle sobre os cargos executivos em todos os
níveis. Composto de 14 emendas e três artigos novos, além de seis decretos-leis,
o “Pacote de abril”, assim chamado pela imprensa, determinou: 1) eleições in­
diretas para governador, com ampliação do Colégio Eleitoral; 2) eleição de 1/3
dos senadores por via indireta - denominados pejorativamente “biônicos” e
instituição de sublegendas, em número de três, na eleição direta dos restantes; 3)
extensão às eleições estaduais e federais da legislação restringindo a propaganda
eleitoral no rádio e na televisão; 4) alteração do quorum - de 2/3 para maioria
simples - para a votação de emendas constitucionais pelo Congresso; 5) nova
composição do Colégio Eleitoral que elegeria o futuro Presidente da República;
6) ampliação de cinco para seis anos do mandato presidencial."’*
Foi coincidência o fato de a eleição do sucessor de Caio Mário ter ocorri­
do no dia da decretação do “Pacote”, 1- de abril de 1977. No entanto, a disputa
acirrada que presidiu o processo eleitoral não foi mero acaso. O embate foi
particularmente emocionante porque envolveu, de um lado, as qualidades pes­
soais dos contendores, Raymundo Faoro e Josaphat Marinho, ambos bastante
conhecidos fora dos meios jurídicos: o primeiro, era autor de um dos marcos

U m a análise parcial, O Estado de S. Paulo. 17/03/1977, c ita d o e m M arly Silva d a M o tta , Teotónio Vilela,
op. c i t , p. 120.

Para u m a análise d o Paco te e d o s c asu ísm o s eleitorais d u r a n te a d ita d u ra , v er D a v id Fleischer, M a n ip u la ­


ções casuísticas d o sistem a eleitoral brasileiro d u r a n te o p e río d o m ilitar, o u C o m o u s u a lm e n te o feitiço
v ira c o n tra o feiticeiio, e m G lá u cio A ry D illon Soares e M aria C elina D ’A ra ú jo (o rg .), 21 anos àe regime
m ilitar, bala n ço s e perspectivas. Rio d e Janeiro, E d ito ra FGV, 1994.

má» 159
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

da historiografia brasileira - Os donos do poder, publicado em J 958 enquanto


Josaphat era um nom e de peso na política baiana e nacional, havendo ocupado
uma cadeira no Senado entre 1963 e 1971 representando o MDB. A emoção
se deveu também ao fato de que foi estreitíssima a diferença que separou suas
respectivas votações: no primeiro escrutínio, Faoro recebeu 12 votos contra os 11
dados a Josaphat; no segundo, a diferença cresceu apenas um voto, 13 x 11.'°'
Comentando esse resultado, o jornalista Elio Gaspari concluiu que, além da
“formação jurídica, histórica e literária” de Faoro, pesou o fato de os conselhei­
ros da Ordem terem rejeitado uma “personalidade com militância partidária”,
como era o caso de Josaphat Marinho. Aproveitou ainda para lembrar que o
novo presidente da Ordem, na condição de representante do Conselho Federal
de Cultura no CDDPH, teria votado com o governo no caso Stuart Angel. "' É
importante, no entanto, reproduzir o depoimento de José Neves, então presiden­
te da OAB, e único voto contrário ao arquivamento do processo, que relativiza
o “apoio” de Faoro ao governo;

Na sessão em que foi julgado o caso Stuart Angel ele [Faoroj compareceu e
assinou o livro de presença, mas se retirou antes do término da sessão, não
participando da decisão pelo arquivamento do caso. Daí por que as noticias
divulgadas na imprensa, no sentido de que o único voto contra o arquivamen­
to teria sido o meu, deram margem à dúvida quanto ao comportamento de
Faoro no episódio. No dia seguinte à reunião, Faoro renunciou ao seu lugar
no CDDPH e me telefonou dizendo que havia se retirado da reunião porque
logo entendeu que tudo aquilo era uma farsa. Esclareceu que a minha situação
era diferente da dele, pois eu participava do CDDPH por imposição da lei,
enquanto ele não estava obrigado a aceitar a indicação.'"

Em seu discurso de posse, Faoro elegeu como ponto central a conexão que
deveria haver entre legalidade, legitimidade e liberdade como bases efetivas do
Estado de direito:

Presidente: R a y m u n d o F a o ro (13) x Josa p h a t M a r in h o (11)


Vice; J o aq u im G o m e s d e N o rõ e s e S ouza (13) x Luiz G arcia (11)
S ecretário-geral: M an o e l M a rtin s d o s Reis (13) x C arlo s d e A ra ú jo Lima (11)
Subsecretário; R aul d e Souza Silveira (13) x Salvador B atista d e M o ra es (11)
Tesoureiro; F e rn a n d o B esadona d e O liveira (13) x H e r m a n n B aeta (11)
“ “ Ver Elio G a sp ari, A d itad u ra encurralada, São Paulo, C o m p a n h ia das Letras, 2004, p. 367.
Ver José C avalcanti Neves, op. cit., p. 49.

160 máM
\ ' n k i i i l ( ' i O . i I \ f ( l ( > i n o ( i j l i / . i c ,')() , H) [ ' " t . u l n [ ' ) ( ’ i n ( K t , í l i ( n f i c H i r c i l o

O Estado de direito não está todo, nem na sua substância, no conjunto das leis,
da Constituição, e das medidas do poder. A lei, a lei ordinária, a lei magna
valem, porque são legítimas, porque respondem à vontade do povo na sua
soberania necessária. Para realizá-la, para que ela seja a verdade de todas as
horas, na atividade diária e nos prédios forenses, só um caminho é possível,
a estrada de mil bifurcações, de mil desvios, de mil enganos, a estrada real
da liberdade. Liberdade com todos os adjetivos, sem nenhum adjetivo que a
tolha, na palavra, no livro, na imprensa, no tribunal e no lar, para que a face
viril do homem se afirme, se eleve e se dignifique."^

A reação da OAB ao “Pacote” foi contundente: o Conselho considerou-se


“em sessão perm anente a fim de acompanhar o desenrolar dos acontecimentos
que provocaram o recesso do Congresso”, '^ e incum biu os conselheiros Marcos
Heusi (DF) e Sergio Bermudes (ES) de elaborar um parecer sobre o assunto,
aprovado por unanim idade na sessão do dia 19 e, por conseqüência, adotado
como manifestação do Conselho:

Impõe-se aos advogados brasileiros, por força da lei, da natureza de sua


missão social e das suas tradições, defender a ordem jurídica, a Constituição
da República e as instituições democráticas. No cumprimento desse dever,
a Ordem dos Advogados do Brasil tem firmem ente denunciado à nação
a crescente desfiguração do Estado de direito através de atos de força que
amesquinham as instituições nacionais. Nenhum limite se auto-impôs ao
chamado poder revolucionário. Dispensa-se o Congresso Nacional da fu n ­
ção de legislar. Procede-se à reforma do Poder Judiciário, sem se ouvirem
os advogados, que a própria lei reconhece indispensável à administração
da justiça. As decisões mais graves são tomadas por um pequeno grupo de
pessoas, ungidas pela confiança dos detentores de poder. Em busca de uma
legitimidade, já agora inexistente, invocam-se os altos interesses da nação,
exatamente para contrariá-los (...). A Carta da Nação, que já nos foi ou­
torgada por uma Junta Militar, nos idos de 1969, permanece obrigada a
coexistir com os atos de exceção de maior hierarquia, com ela incompatíveis
(...). O Brasil vive, na verdade, um período obscurantista da sua história
constitucional, caracterizado por uma crescente distonia entre os atos do

Ver A lb e rto V enàncio Filho, op. cit., p. 187,


Ver A ta d a sessão d a O A S, 6/4 /19 77.

•àl 161
Historia da
O rdem dos Advogados do Brasil

governo e a vontade da nação, isolada na planície dos deserdados do poder


(...) Ao reafirmarem a sua crença na necessidade de reimplantação do Estado
de direito, os advogados brasileiros, conscientes de suas responsabilidades
perante a nação, insistem na revogação imediata do Ato Institucional
n° 5, e em uma ampla reformulação constitucional, a ser empreendida por
assembléia constituinte, integrada por representantes especialmente eleitos
pelo voto popular, direto e secreto."*

Nessa mesma seção do dia 19 de abril, depois de um aceso debate entre Godoy
Bezerra e os dois conselheiros responsáveis pelo duro parecer contra as medidas
autoritárias impostas pelo governo, foi decidido, por unanimidade, o arquiva­
mento da proposição que aquele havia apresentado “aplaudindo o propósito de
distensão política então manifestado pelo senhor Presidente da República”.
Mantendo a estratégia do m order e soprar, testando, nessas idas e vindas,
a resistência e as adesões ao projeto de distensão, o governo resolveu reativar a
chamada Missão Portela, indicando a intenção de destravar as pesadas portas
que insistiam em m anter o regime fechado. Nesse sentido, é interessante a nota
publicada no jornal Folha de S. Paulo de 17 de maio;

É dentro desse quadro de desarmamento de espíritos e de inclinação firme


para a busca de alternativas políticas para resolver a situação, que o presi­
dente do Congresso Nacional, o senador Petrônio Portela, voltou a contatar
representantes da oposição, na Câmara e no Senado."^

No entanto, os espíritos não estavam desarmados, tanto que em junho


veio a cassação do líder do MDB, deputado Alencar Furtado - depois de
um a fala na televisão em que fez referência aos desaparecidos políticos e
do deputado Marcos Tito, do MDB mineiro, acusado de fundam entar seu
discurso na Câm ara em artigo do jornal Voz Operária, do Partido Com unista
Brasileiro. A repressão aos estudantes da Universidade de Brasília, que acabou
resultando na ocupação militar do campus, colocou água no m oinho daqueles
que contavam com o fracasso dos entendim entos do senador com setores da
sociedade civil.

o texto está p u b lic a d o n a ín te g ra e m A lb erto V en âncio Filho, op. c i t , p. 189-90.


G o v e rn o a d m ite , m as n ã o e n d o ss a P ro jeto Brasil, Fo//ia d e S. Paulo, 17/05/1977, c ita d o e m M arly Silva d a
M o tta , Teotônio Vilela, op. d t . , p. 129.

762 •àl
V o lu m e > I R c't'k'iinx r,iti/cU,,i(i a o F s U u l o D c n u x ij t i i o d r D irc itn

Aindaem junho,entre os dias 12e 14, realizou-se, em São Paulo, mais uma
reunião de presidentes das seccionais da Ordem. Tomando como referência a
Declaração de Curitiba de cinco anos atrás, Faoro, em seu discurso inaugural,
clamou pela restauração do habeas corpus como “o meio único de restaurar o
prestígio e o respeito à autoridade pública, que, com a medida, espancará a falsa
e nociva atmosfera de suspeição que a envolve”."" A Declaração de São Paulo,
resultado final dos debates, veio reiterar o tom de urgência em relação à volta das
prerrogativas da cidadania plena, condição indispensável para a reconciliação
entre Estado e sociedade:

Restabelecido o habeas corpus em sua integridade, devolvidas ao Poder


Judiciário as garantias constitucionais, exauridos os atos de exceção, haverá
a indispensável condição para a libertação do medo, como o único processo
capaz de assegurar, efetivamente, o respeito aos direitos humanos.''-

A “moção de aplausos” que, na sessão de 23 de agosto, Faoro recebeu dos


conselheiros foi a senha que abriu as portas da negociação da Ordem com o
senador Portela. Depois dos seguidos fracassos, devidos não só ao retrocesso
do Pacote de Abril, bem como às resistências que enfrentava à direita - o líder
do governo, deputado Zezinho Bonifácio, considerava o diálogo “perda de
tem po” e à esquerda - Ulysses Guimarães resistia a aderir à iniciativa tomada
pelo regime a Missão Portela havia encontrado um interlocutor de peso, o
presidente da OAB. No mês seguinte, Faoro finalmente anunciou o convite de
Petrônio Portela para uma entrevista sobre “os problemas nacionais”, ressal­
tando que daria conhecimento ao plenário de todos os assuntos que viessem
a ser tratados. "
Em sua análise sobre a Missão Portela, o jornalista Elio Gaspari dá um
destaque especial à figura de Faoro, cuja estratégia teria sido a defesa do resta­
belecimento do habeas corpus, tal como ele havia deixado claro na Declaração
de São Paulo. Essa “agenda enxuta” deixava para trás demandas como a anistia
e a Constituinte, e procurava contornar os obstáculos colocados pelo MDB do
doutor Ulysses. O que não significava, no entanto, conciliar com aqueles que
desrespeitavam os direitos humanos: Faoro não hesitou em entregar ao jornal

Vcr A lberto V cnàncio Filho, op. cit., p. 191.


" M d c m , ib . .p . 192.
V e r A u í da s a sã o da O AB , 27/9/1977.

163
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

O Globo relatos das torturas que Aldo Arantes e Haroldo Lima, então militantes
do PC do B> haviam sofrido nos DOls de São Paulo e do Rio de Janeiro.''"
O segundo semestre de 1977 foi marcado pela entrada em cena da suces­
são presidencial, em que se jogavam, ao mesmo tempo, a definição do sucessor
de Geisel e, sobretudo, os rumos da distensão no caminho da efetiva abertura
política. Em meados de julho, Humberto Barreto, presidente da Cabca Econômica
Federal e um dos homens mais próximos de Geisel, concedeu uma longa entre­
vista à revista Veja anunciando a candidatura do general João Batista Figueiredo,
ministro-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). Figueiredo fizera
boa parte de sua carreira militar dentro dos órgãos de informação. Em 1964,
como coronel, chefiou a agência do SNI no Rio de Janeiro, sob as ordens de
Golbery do Couto e Silva. Depois de uma rápida passagem pelo comando da
Força Pública de São Paulo (1966), foi promovido a general em 1969 e tornou-se
chefe do Estado-Maior do III Exército, então comandado pelo general Emílio
Garrastazu Médici. Presidente da República, Médici o nom eou para a chefia
do Gabinete Militar. Com a posse de Geisel, em 1974, foi para a chefia do SNI,
onde se encontrava por ocasião de sua indicação à sucessão presidencial.'"
A antecipação do lançam ento da corrida presidencial, prevista para o
início de 1978, deveu-se à intensa movimentação do m inistro do Exército,
general Sílvio Frota, no intuito de garantir apoios à sua aspiração de suceder
a Geisel. No m inistério desde maio de 1974, Frota era dono de um discurso
violentam ente anticomunista, o que o tornava um dos principais represen­
tantes da ala mais conservadora das Forças Armadas.'" Em aberto desafio ao
expresso desejo presidencial, começou a adotar um a nítida postura de can­
didato. Os efeitos dessa movimentação se fizeram sentir com o surgim ento
na Arena de um grupo de parlamentares que se apresentava como “frotista”,
no qual se destacavam os deputados Sinval Boaventura, José Wilson Siqueira
Campos, Jorge Arbage, Alexandre Machado, Geraldo Freire, Vasco Azevedo
Neto e Carlos Alberto de Oliveira.
Nos dois meses que se seguiram ao lançamento do nom e de Figueiredo,
a disputa pela indicação presidencial se acirrou. Em agosto e setembro, Geisel
e Frota, paralelamente às manobras de convencimento junto aos militares.

O s relatos fo r a m p u b lic a d o s n a e dição dc 2 d c s e te m b ro d e 1977, c o n fo rm e Elio G a sp ari, A ditadura


encurralada, op. cit., p. 451.
Ver A lzira Alves A breu... [et al.], D icionário H istórico-Biográfico Brasileiro pós-1930, op. c i t
Para m ais in fo rm a çõ e s so b re o general Sílvio Frota, ver Alzira Alves A breu... [et al.], D icionário Histórico-
Biográfico Brasileiro pós-1930, op. cit.

164 màM
\n lu ilir i I )a R c d c n ii k (.iti/.u, j i i i [•■-t J ( l ( ) O i - n K )( t , í ti c o ilc Ilirn lu

pouco visíveis através do censurado noticiário da imprensa, se movimentaram


em direção ao “público externo”. Ou seja, para vencer as resistências de alguns
de seus pares militares, o candidato de Geisel precisava contar com o apoio de
setores sociais e políticos que acreditavam ser ele a ponte mais segura para se
atravessar a transição democrática. Daí a importância da reativação da Missão
Portela que, entre outros, tinha o objetivo de isolar a candidatura Sílvio Frota
de possíveis alianças no seio da sociedade civil.
Lançando mão de um a poderosa referência da m em ória política brasileira,
pode-se dizer que outubro foi o agosto de 1977. No dia 10, o presidente Geisel
comunicou aos seus auxiliares mais íntimos que iria dem itir Sílvio Frota no
dia 12, um feriado. Alertou ainda os comandantes regionais sobre a iminente
demissão do ministro e sua substituição pelo general Fernando Belfort Beth-
lem. Comunicado pessoalmente por Geisel de seu afastamento do comando
do Exército, Frota tentou transmitir, em vão, um vigoroso manifesto contra
a “complacência crim inosa com a iníiltração com unista no governo”. Não
satisfeito, convocou uma reunião em Brasília do Alto Comando do Exército
para discutir a situação. Agindo rapidamente, Geisel m andou que carros da
presidência fossem buscar os generais no aeroporto, frustrando dessa maneira
a m anobra do seu ex-ministro. "
A atitude de Frota de se impor como sucessor de Geisel se fundamentava em
fatos passados. Apoiado pelos “duros”, acreditava que poderia forçar o presidente,
em nom e da preservação da unidade militar, a reverter sua posição, tal como
acontecera com Castello Branco, em outubro de 1965, ou ainda com Costa e
Silva, em dezembro de 1968. Mas os tempos haviam mudado, e as pessoas eram
outras. A determinação de Geisel, bem demonstrada no seu estilo imperial de
governar, não deixava dúvida de que agiria com rigor contra os “desobedientes”
Além do mais, os três anos de lenta e gradual liberalização do regime haviam
permitido a expressão de um sentimento público de repúdio contra um possível
fechamento. O clamor pela normalização democrática indicava que não havia
lugar para o retrocesso político.'"'
Discursando pela primeira vez depois do afastamento de Frota, o presidente
Geisel, apesar de defender o conceito de “democracia relativa”, preocupou-se em
avalizar oficialmente o diálogo conduzido pelo senador Portela:
P ara u m relato p o rm e n o riz a d o d a dem issão d o m in istro , v er Ernesto Geisel, op. cit., p. 401-08.
Para m a is in fo rm a çõ e s so b re o s m e a n d ro s da sucessão d e Geisel, ver A n d ré G u stav o S tu m p f e M ervai
P ereira Filho, A segunda guerra: a sucessão d e Geisel, São Paulo, Brasiliense, 1979; e W ald er d e G óes, O
Brasil do general Geisel, Rio de Janeiro, N ova F ron teira , 1978.

màM 165
______________ História da
^ O rd e m dos Advogados do Brasil
]
O alevantado ideal democrático que, nesta quadra promissora da dinâmica na­
cional, inspira vontade e reanima corações, exige definição mais realista de seus
contornos, para que se venha a alcançar a base do consenso indispensável à melhor
construção do modelo adequado e atual das instituições políticas do país.‘^“

Durante a crise Frota, de 12 a 14 de outubro, reuniu-se em Olinda - a di­


reção da Faculdade de Direito de Recife havia-se recusado a ceder o local para
o encontro - a IV Reunião dos Presidentes dos Conselhos Seccionais da Ordem.
A Declaração de Recife, se por um lado reiterou os princípios anteriormente
firmados pelas declarações de Curitiba e de São Paulo - defesa do habeas corpus
e do fim dos instrumentos excepcionais por outro, pregou explicitamente a
necessidade de consenso “quando os dissídios põem em risco o convívio social”.'-^
Os efeitos dessa busca de “consenso” rum o a uma efetiva abertura democrática
puderam se sentir na publicação pelo Diário Oficial da União, de 14 de feve­
reiro de 1978, do parecer do consultor-geral da República, Luiz Rafael Mayer,
desvinculando definitivamente a Ordem de qualquer órgão governamental, e
resolvendo, deste modo, o problema da autonomia da entidade.

2.4 '"Dentro da névoa autoritária acendemos a fogueira..."

De 7 a 12 de maio de 1978, realizou-se, em Curitiba, a VII Conferência


Nacional da OAB. O tema central foi, como esperado, “O Estado de direito”,
debatido em 47 proposições, que abrangiam desde anistia, estado de sítio, se­
gurança nacional, habeas corpus, até criminalidade e direitos do povo. O tom
do discurso inaugural de Faoro foi claramente otimista:

Dentro da névoa autoritária acendemos a fogueira que reanima as vontades,


esclarece os espíritos. Estamos diante da transição inevitável e estamos diante
da luz de amanhã (...). Não há mais entre nós consciências disponíveis, prontas
às transigências, às seduções do poder, cativas da ótica cooptadora (...). Onde
quer que haja o advogado, onde quer que esteja o bacharel, aí deve estar a
consciência jurídica do povo brasileiro em defesa do Estado de direito.'-''
M erval Pereira Filho, D iscurso coloco u d e b ate n o s trilhos, O Cloho, 27/10/1977, c ita d o e m M arly Silva da
M o tta , leotôiiio Vilela, op. cit., p. 142.
'- 'A in te g ra da D ecla ra ç ã o d o Recife está c m A lb e rto V e n â n d o Filho, op. cit., p. 195.
C ita d o em A lb erto V enáncio Filho, op. cit., p. 202.

766 #àm
\ '( ) lu n i( ' "> n , i R(,’c l i ‘ n i n i I ' a l i / . u . r i o o n l A l . u t o H c m i k k I ' j l K n (1(- O l r c i l o

O sinal verde para a transição política havia sido dado por Geisel em
seu discurso de Anal de ano. Louvado por influentes comentaristas como “o
mais im portante, mais denso e o mais direto e abrangente pronunciamento
político dirigido ao país”,'^' o presidente anunciava a m orte próxima do AI-5,
prometendo

(...) pôr um termo às leis de exceção, necessárias em algumas fases de nossa


transição revolucionáriay mas que, com a evolução pacífica da vida nacional,
já podem se tornar dispensáveis, substituindo-as por adequadas salvaguardas
constitucionais que permitem a manutenção e o melhor funcionamento do
regime democrático e a ordem.

Um bom teste para o “funcionamento do regime democrático” seria a visita


do presidente norte-americano, Jimmy Carter, no final de março de 1978, prin­
cipalmente em função de seu pedido para se encontrar com representantes da
sociedade civil, dentre os quais se incluiria o presidente da OAB. Comprometido
com a defesa dos direitos humanos, e preocupado com a política nuclear brasileira
depois do acordo com a Alemanha, a presença de Carter era vista com visível
desagrado pelos militares, como se pode observar pelo depoimento de Geisel:

Pensavam [os americanos] que eu fosse me impressionar e ceder às suas


pressões. Eles queriam que eu não cumprisse o Acordo Nuclear com a Ale­
manha. Havia naturalmente outras questões, e no meio eles vinham com
os problemas dos direitos humanos. Eu expliquei: “Nós estamos vivendo
uma fase difícil, mas o problema dos direitos humanos progressivamente
vai melhorando.'^””

As “dificuldades” da fase em que o país estava vivendo naquele primeiro


semestre de 1978 podem ser exemplificadas na visita que, patrocinada pelo sena­
dor Portela, Faoro fez ao Presidente da República para convidá-lo a participar da
abertura da Conferência de Curitiba. Se o encontro entre o presidente da Ordem
dos Advogados, uma das instituições mais notáveis no combate à ditadura, e

Villas-Bôas C o rrê a , D iscurso a b re fase m ais d in â m ic a n o se to r político, O Estado de S. Paulo, 02/12/1977,


c itado e m M arly Silva d a M o tta , T e o tô n io Vilela, op, cit., p. 144.
D iscurso d o p re sid en te Geisel, O Esfflíio de S. Píjw/o, 02 /12 /197 7, c ita d o etn M arly Silva da M o tta, Teotônio
Vilela, op. cit., p- 144.
Ver E rnesto Geisel, op. cit., p. 351-52.

767
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

o general-presidente, parecia a alguns um significativo avanço no caminho da


redemocratizaçào, outros a consideravam uma atitude de risco, já que poderia
ser entendida como uma forma de cooptação - palavra da moda naquele m o­
mento - da OAB pelo regime.”*Aliás, teria sido durante esse encontro que Faoro
teria feito referência à tortura praticada contra presos políticos nos quartéis do
Exército, e sugerido a Geisel que a forma de acabar com ela seria a restauração
imediata do habeas corpus. O presidente não foi à Conferência, mas enviou como
seu representante o consultor-geral da República, Luiz Rafael Mayer que, meses
antes, havia apresentado parecer favorável à autonomia da OAB.
A ampliação das demandas para além da restauração dos direitos políticos,
por meio da revogação pura e simples do AI-5, indicava que a Ordem se voltava
agora para a pauta social, em especial, para a defesa da liberdade sindical. Não é
outro o sentido da Declaração de Curitiba em relação aos “direitos sociais”:

Cumpre (...) rever a legislação trabalhista do país, de nítida inspiração


autoritária, ao ponto de alguns de seus dispositivos violarem a Declaração
Universal dos Direitos do Homem. Sem liberdade sindical não há democracia
possível, não há Estado de direito. Só o Estado de direito reconhece os conflitos,
legitima-os e os supera. Os direitos políticos, longe de obstarem os direitos
sociais, constituem a única via pacífica para a sua obtenção e o seu exercício.
Direitos sociais e direitos políticos são o conteúdo do Estado de direito, que,
por ser um Estado ético, repele a idéia da injustiça, situada nas desigualdades
decorrentes da excessiva riqueza de uns, da extrema miséria da maioria.'^'

Depois de uma paralisia de muitos anos em função da política extrema­


mente repressiva adotada pelos governos militares, começaram a surgir orga­
nizações e lideranças populares que, no campo e nas cidades, conseguiram ser
ouvidas em suas reivindicações. Em maio de 1978, a sociedade e o governo se
surpreenderam com a paralisação das atividades na fábrica da Scania, instalada
em São Bernardo do Campo. O bem-sucedido movimento lançou no firmamento
político nacional uma estrela, Luiz Inácio da Silva, o Lula, então presidente do
Sindicato dos Metalúrgicos da cidade do ABC paulista, um dos mais importantes
pólos da indústria automobilística brasileira. O “novo sindicalismo”, designação

S e g u n d o A lb e rto V enâncio, op. cit., p. 201, D a lm o D allari critic o u a ida d e Faoro a o Planalto.
A ín tegra d a D eclaração d e C u ritib a está e m A n a is da VII Conferência N acional d a O rdem dos Advogados
do Brasil, C u ritib a , 1978.

168 màM
V 'n iu in c ) 0,1 R ( ' ( l ( ‘tit()i Ij l i / j i J M i ,i() Isl.ulo l l c n i o i Ltiii I ] ([(' D ii'c ito

dada a esse movimento de renovação da política sindical, tinha como proposição


básica a redução da ingerência estatal no m undo do trabalho. Por isso mesmo,
opunha-se à política de fixação pelo governo dos reajustes anuais de salário,
advogava a negociação coletiva entre sindicatos e empregadores, cobrava a volta
do direito irrestrito de greve, defendia a criação de órgãos sindicais, as comissões
de fábrica, nos locais de trabalho, e exigia a liberdade e a autonom ia sindicais,
até então cerceadas pela tutela do Ministério do Trabalho.'”
A transição política ia se consolidando aos poucos, de maneira lenta,
gradual e segura, bem ao gosto de Geisel e companhia. Até mesmo o processo
para a sucessão presidencial contou com a movimentação de Magalhães Pinto
(Arena-MG), líder civil do golpe de 1964 e um dos mais influentes políticos
do partido governista. Disputando com o MDB o monopólio do movimento
pela redemocratização, o senador arenista buscou reservar um espaço próprio
no quadro político em transformação, lançando, em maio, a Frente Nacional
pela Redemocratização, pela qual pensava em se apresentar ao Colégio Eleitoral
que iria eleger o sucessor de Geisel em outubro. O senador mineiro acabou, no
entanto, ultrapassado pelo general Euler Bentes Monteiro, respeitada liderança
da ala nacionalista do Exército: o MDB decidiu se incorporar à Frente, obter a
filiação do general ao partido, e participar da disputa no Colégio Eleitoral com
a chapa formada por Euler e o senador gaúcho Paulo Brossard, candidatos à
presidência e vice-presidência da República, respectivamente, em oposição a
João Figueiredo e Aureliano Chaves {governador de Minas Gerais). A chapa
governista venceu por 355 votos contra 266.
Era também chegada a hora de ser revista a legislação de exceção que vingara
nos anos de ditadura, chamada por Ulysses Guimarães de “entulho autoritário”.
Desde junho de 1978, tramitava no Congresso uma proposta de reforma insti­
tucional, configurada em um conjunto de medidas enviado pelo governo com
0 objetivo de garantir a transição dentro de limites bem definidos. Geisel usou
de grande energia para obter a aprovação do projeto, que incluía, entre outras.

Sobre o s u rg im e n to dessa c o rre n te d o sin d ic alism o brasileiro, ver, e n tre o u tro s , M aria H e rm ín ia Tavares
d e A lm eida, O sin dicalism o brasile iro e n tre a c o n se rv a ç ão e a m u d a n ç a , e m M aria H e rm ín ia T. A lm eida
e B ern a rd o Sorj (org.), Sociedade e política ko Brasil pós-64, São Paulo, Brasiiiense, 1983; Leôncio M a r­
tin s R odrigues, T endências fiituras d o sin d ic alism o brasileiro, e m H e n riq u e R a ttn e r (o rg .), Brasil 1990,
cam inhos alternativos do desenvolvim ento, São Paulo, Brasiiiense, 1979; José Á lvaro Moisés, Q u a l é a
estratégia do novo sindicalismo?, Rio d e Janeiro, ILDES, 1980 (m im e o ); R ic ard o A n tu n e s (o rg .). P o r u m
n o v o sindicalism o. C aderno de D ebate 7. São Paulo. Brasiiiense, 1980; M arcelo B adaró d e M atto s, Novos
e velhos sindicalism os no Rio de Janeiro (1955-1988), Rio d e Janeiro, V ício d e L eitura, 1998.

màM 169
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

a revogação do AI-5, o restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos,


a permissão para o reinicio das atividades políticas dos cidadãos cassados havia
mais de dez anos, o abrandamento das penas previstas na Lei de Segurança Na­
cional, e a suspensão por um ano do instituto da fidelidade partidária para fins
de filiação ou formação de partidos. Ao mesmo tempo, contudo, era introduzida
uma série de salvaguardas preservando o “autoritarismo do Executivo” que, por
120 dias, podia decretar “medidas de emergência”, “estado de sítio” ou “estado de
emergência”, sem autorização expressa do Legislativo. A Emenda Constitucional
n“ 11 - ou “Emendão”, como ficou conhecido esse “pacote” de reformas - foi
aprovada, em 20 de setembro, por 241 votos contra 145.
Por ocasião do lançamento das propostas de emenda constitucional, a
Ordem fez questão de esclarecer que o fato de seu presidente ter participado das
“consultas” feitas pelo senador Portela não a tornou “colaboradora” do “Emen­
dão” já que não havia apresentado “sugestões, textos ou emendas, limitando-se a
expressar princípios jurídicos sobre os quais deveriam assentar as reformas”. Ao
mesmo tempo em que considerava a plenitude do habeas corpus e a devolução
das garantias integrais da magistratura condições básicas para a instauração da
ordem constitucional, reivindicava a concessão de anistia, a revogação de todos
os Atos institucionais e complementares, a revisão do complexo repressivo, me­
diante o estabelecimento de limites para a ampliação do estado de emergência
e a supressão pura e simples da Lei de Segurança Nacional.
A Ordem se manifestou contra a versão revista da LSN, cujos dispositivos
continuavam a ser fonte de poder arbitrário, como aquele que dispunha que os
presos fossem mantidos incomunicáveis por oito dias (antes eram 10). A Lei não
foi votada pelo Congresso, e acabou sendo aprovada por decurso de prazo em
dezembro. Nesse mesmo momento, final de 1978, Geisel revogava decretos de
banim ento de mais de 120 exilados políticos, deixando de fora, porém, fi.guras
como Leonel Brizola, Luiz Carlos Prestes.

Ver Affl d a sessão da O AB , 27/6/1978.

170 •àM
V o kiiiii' 1 13, i R i 'd c m o i i.iti/.K , ò o JO I's U id o O c n io c r.itii o (!c I ) ire iti)

Capítulo III
Caminhos da abertura (1979-1984)

3.1 Uma Ordem mais combativa

Depois das idas e vindas da distensão, estavam abertos os caminhos da


abertura política. Caberia aos dois novos presidentes, o da República, Joào
Figueiredo, e o da Ordem, Eduardo Seabra Fagundes, traçá-los com a régua e o
compasso de que dispunham. Em comum, possuíam o fato de serem filhos de
importantes líderes das respectivas categorias: o primeiro, era filho do general
Euclides Figueiredo, um dos líderes da “guerra paulista” de 1932, e o outro, filho
de Miguel Seabra Fagundes, que havia presidido a Ordem entre 1954 e 1956, e
que se mantinha como um dos conselheiros natos mais atuantes. A diferençá-
los, verificam-se as distintas relações com a “herança” que haviam recebido de
seus antecessores.
Assumindo em março de 1979, o general João Batista Figueiredo estava
comprometido com o projeto de abertura deslanchado por Geisel que, ao apa­
gar das luzes, revogara boa parte dos atos de exceção que davam sustentação a
medidas punitivas. A indicação de Petrônio Portela para a pasta da Justiça, bem
como a manutenção de Golbery do Couto e Silva na chefia do Gabinete Civil,
eram indicativos seguros de que a orientação política não seria modificada. Já
Seabra Fagundes, ao mesmo tempo em que estabeleceu um a nítida diferença
em relação ao seu antecessor, Raymundo Faoro, construiu uma linha de con­
tinuidade com ex-presidentes “combativos”, como Samuel Duarte, José Neves
e Ribeiro de Castro:

A postura do Instituto durante a minha presidência era muito mais combativa


do que a da Ordem na mesma ocasião. Isso me leva a crer que fu i eleito pre-

171
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

sidente contra 0 pensamento conservador, ou melhor, moderado, da Ordem.


Tanto que o Raymundo Faoro, que foi meu amigo durante muito tempo, a
partir de um certo momento passou a receber mal a minha candidatura,
chegando a tomar certas atitudes que, depois, interpretando-as, percebi que
decorriam dessa divergência ideológica (...). No regime militar, a Ordem tinha
tido, antes do Caio Mário e do Faoro, alguns presidentes muito combativos:
Samuel Duarte, José Cavalcanti Neves, Ribeiro de Castro, que eram homens
extremamente afirmativos e combativos, inclusive no CDDPH.

Ao contrário de Faoro, cuja diferença em relação a Josaphat M arinho foi


de apenas dois votos (13 x 11), Seabra Fagundes, conselheiro da bancada do
Rio Grande do Norte, teve uma vitória folgada, de 23 votos contra apenas dois
dados a Raymundo Cândido, representante de Minas Gerais no Conselho Fede­
ral. Pela primeira vez, devido à emenda regimental, foi possível a apresentação
de candidatos avulsos: nessa condição, o conselheiro Bernardo Cabral (AM)
derrotou o candidato da chapa vitoriosa, Cyro Aurélio. "'
Na avaliação de Fagundes, o sucesso de sua candidatura, contrariando a
indicação do mais im portante eleitor da Ordem, o presidente Faoro, se devera
a dois fatores que se conjugaram naquele início de 1979: a “projeção” que ele
havia conseguido na presidência do IAB, e a percepção de que a Ordem poderia,
naquele momento, exigir um “avanço m aior e mais rápido” em direção a uma
efetiva abertura política:

Eu achava, desde a presidência do lAB, que era preciso aproveitar aquele


momento para exigir um avanço maior e mais rápido. Tanto que as reuniões
dos defensores da anistia se faziam lá no Instituto, e não na Ordem. Sob esse
aspecto, 0 Instituto se expôs mais até do que a Ordem, que assumiu, exa­
tamente pelo desejo de ter um diálogo ameno com o governo, uma posição
'‘mais bem comportada” (...). Quando assumi a presidência [da Ordem],
essa etapa já estava vencida e achei que era necessário investir na questão dos
direitos humanos, porque havia ainda muitos presos, muitos exilados, muitos

Ver Seabra F agundes, A O A B n a voz d e seus presidentes, op. cit., p. 73-4.


Presidente; E d u a rd o Seabra Fag undes (23) x R a y m u n d o C â n d id o (2)
Vice: C id V ieira d e S ou za (15) x Sepulveda P erte n c e (10)
Secretário-geral: B e rn a rd o C a b ra l (16) x C y ro A urélio d e M ira n d a (8); 1 v oto n u lo
Subsecretário: R aul d e Souza Silveira (23); 1 v oto n u lo e 1 e m b ra n c o
Tesoureiro: José D av ir Siqueira d o N a sc im e n to (13) x H e r m a n n Baeta (11), 1 v oto n u lo

172 màM
WiUinií' ", 1 K r i l r n n k r , i 1 i / a ( m i , i ( ) 1 ' - h i d o 1D c n u )( i ,il k ( i d r I V i i c i l o

perseguidos. O aparato de segurança se fazia presente e trazia angústia para


muitas pessoas, inclusive para nós mesmos que atuávamos na Ordem.

Se a posição “mais bem comportada” de Faoro, na expressão de seu ante­


cessor, correspondeu, em boa medida, às incertezas quanto aos limites presentes
e às perspectivas futuras do processo da distensão em curso, a combatividade
que se esperava da Ordem ao eleger Seabra Fagundes se relacionava com a
expectativa de que, vencidas as estreitas veredas, o caminho rum o à abertura
poderia ser trilhado, não com menos riscos, mas certamente com mais clareza
em relação aos objetivos a serem alcançados.
Um desses foi o aumento da combatividade na defesa dos direitos hum a­
nos, mais especificamente na reativação do CDDPH, para o que contou com o
apoio de Petrônio Portela. Apesar das melhores condições de seu funcionamento
- afinal, não se pode compará-lo a seus antecessores, Alfredo Buzaid e Armando
Falcão - duas questões continuavam espinhosas. Uma delas era o processo de
indicação para a composição do Conselho, já que, além dos membros natos
(ministro da Justiça, líderes do governo e da m inoria nas duas casas do Con­
gresso, procurador-geral da República, presidentes da OAB, da ABI e da ABE),
deveriam ser indicados, pelo próprio Conselho, dois professores, um de direito
constitucional e um de direito penal. O conflito de interesses ocorreu logo na
primeira sessão, como conta Seabra Fagundes:

Logo na primeira sessão eu havia me preparado para indicar membros


independentes, o que serviria como uma espécie de teste para verificar se o
governo estava sendo sincero no propósito de instalar um Conselho realmente
autônomo. Já no avião, encontrei o meu velho professor, Pedro Calmon, que,
embora ainda não tivesse sido eleito, já estava indo a Brasília para participar
da reunião do Conselho. Ele e o professor de direito penal, Benjamim de M o­
rais, viriam a ser indicados por Petrônio Portela. Foi uma situação constran­
gedora: a sessão foi aberta e o ministro comunicou que os dois já estavam na
ante-sala aguardando as respectivas “eleições”. Eu pedi a palavra e disse que
gostaria de sugerir dois outros nomes: o professor Caldas, de direito penal, da
Bahia, e a professora Russomano, de direito constitucional, do Rio Grande
do Sul. Eu argüi que o meu velho professor não tinha condições de ser eleito
porque já estava aposentado. A discussão se estendeu por umas duas horas,

Ver Seabra F agundes, op. cit„ p. 73-4.

173
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

e os dois lá fora não entendendo o que se passava. Em seguida, a indicação


foi submetida a votos e, evidentemente, ganharam os candidatos do governo,
que foram então introduzidos na sala.'^^

A segunda questão dizia respeito à proibição de serem tornados públicos os


temas discutidos durantes as sessões do Conselho. Apesar da reiterada pressão
exercida pelos presidentes da OAB, ABI e ABE, o ministro Portela sempre reagia
fortemente à quebra do sigilo sob o argumento de que o presidente da Ordem
estava querendo fazer do CDDPH um “palanque”.'”
A eleição de Seabra Fagundes e, conseqüentemente, a opção por uma
atuação mais combativa, trazia para a Ordem a velha questão sobre os limites
do envolvimento da instituição no “debate político” ou, para se usar os termos
do ministro, o ingresso da OAB no “palanque”. Como no passado, este era um
tema que dividia corações e mentes - por isso mesmo, pode-se entender por que,
como diz Seabra, “a homogeneidade que havia na Ordem se esfacelou quando
o projeto Geisel foi implantado”.'” Um bom indicativo dessa tensão é o debate
sobre o pedido de colaboração formulado pela ABI “para consolidar e dar conti­
nuidade à luta em defesa da liberdade de imprensa e dos direitos hum anos”, que
consta na Ata da sessão de 29 de maio. Adotando a mesma posição do relator
que o precedera, o agora presidente Seabra Fagundes, o conselheiro Carlos de
Araújo Lima proferiu voto favorável à participação conjunta “mantendo-se os
necessários entendimentos pessoais entre representantes das duas entidades com
o objetivo de detalhar a atividade que ambas exercerão em conjunto”. Enquanto
alguns conselheiros, dentre os quais Sobral Pinto, Serrano Neves e o próprio
presidente, defenderam a “participação irrestrita, ampla, decidida, categórica
da OAB em um a luta que é própria da advocacia” outros, como Sylvio Curado,
Antonio Cláudio de Lima Vieira e Waldemar Zveiter, apesar de concordarem
com a colaboração, manifestaram dúvida se tal participação conjunta estaria
“dentro da destinação específica da Ordem, qual a de defender as liberdades
públicas nos termos da ordem jurídica, sem extrapolar para o campo exclusiva­
mente político”. Acabou sendo aprovado o voto do relator, com o aditamento da
sugestão de Zveiter de que, conforme as peculiaridades de cada caso concreto,
caberia ao presidente decidir a participação da OAB.

Id e m , ib .,p . 78.
Idem , ib .,p . 79.
' " Id em , ib., p. 79.

174 màM
V'oIuilH' > D , I K c r l c i ii o i I n il l-s i.u lo I I m i o t I'dlii <> d r I ) ir t'iin

Em junho, a Ordem se m ostrou cada vez mais combativa, dessa vez em


dois fronts distintos. Primeiro, na Reunião dos Presidentes das Seccionais,
realizada entre 30 de maio e 2 de junho, em Florianópolis, que culminou com
a Declaração de Florianópolis, cujo parágrafo inicial deixou clara a posição da
Ordem a favor da “anistia ampla, geral e irrestrita e sem gradualismo”, como
“preliminar indispensável” para recom por o pacto social e pacificar o país.
Outras reivindicações presentes na Declaração foram a remoção do “entulho
autoritário” que persistia mesmo após a extinção do AI-5; o fim do sigilo da
pauta de reuniões do CDDPFí; uma ampla alteração na estrutura do Judiciário;
e a convocação da Constituinte.
O segundo/ronf foi o seminário sobre Direito, Cidadania e Participação,
realizado em São Paulo com o patrocínio da Ordem, e organizado pelo Centro
de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) e pelo Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (Cebrap)."' Coube a Raymundo Faoro, idealizador
do seminário e mem bro privilegiado do círculo de sociólogos e cientistas po­
líticos do país, proferir o discurso inaugural. Em pauta, para além da defesa
dos direitos hum anos e do restabelecimento da democracia, os desafios de se
conjugar liberdade com participação, e de se tratar questões de interesse social
e popular. A percepção de que a luta pelo Estado de direito não se resumia a
“objetivos genéricos” orientou o diálogo dos advogados com outros setores da
intelectualidade brasileira, como enfatizou o presidente da Ordem no discurso
de encerramento dos trabalhos.
A ênfase na defesa dos direitos humanos, tema tradicional da pauta da OAB,
ganhou nova expressão em meados de 1979, porque naquele m om ento estava
sendo discutido o projeto de anistia. Se a volta à normalidade democrática no
presente implicava colocar uma pá de cal no passado, isso não significava, no
entanto, de acordo com estratégia gradualista do governo, revogar pura e sim­
plesmente as punições desferidas pelo regime militar. Dentro dessa perspectiva,
a “anistia ampla, geral e irrestrita”, pedida em adesivos colados nos carros ou em
faixas estendidas em campos de futebol, estava fora de cogitação."'

A in te g ra d a D eclaração d e Flo ria n ó p o lis está e m A lb e rto Vcnãncio, op. cit., p. 210.
O s tra b a lh o s d o se m in á rio fo ra m p u b lic a d o s e m B olivar L a m o u n ie r, Francisco W effort e M aria V ictoria
Benevides, Direito, cidadania e participação, São Paulo, T. A. Q u e iro z , 1981.
Ver A lb erto V enâncio, op. cit., p . 2 11.
S ob re a estratégia de liberalização d o reg im e a d o ta d a pelo g o v e rn o Figueiredo , ver, e n tre o u tro s , Bolívar
L a m o u n ie r e José E d u a rd o F arias (org s.), O fu tu r o da abertura: u m debate, São Paulo, C o rte z Editora,
1981; Eli D iniz, A tra n siç ão po lítica n o Brasil: u m a reavaliação d a d in â m ic a d a a b e r tu ra . D ados, XXVIII
( 3 ): 329 - 46 , 1985 .

•àl 775
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

De acordo com o projeto do governo enviado ao Congresso, a anistia excluiria


os condenados por atos concretos de violência, seqüestro e assalto a bancos, dei­
xando de fora quase cem pessoas que se encontravam na situação de condenadas
por esses crimes. Todos os que estavam sendo processados pela Lei de Segurança
Nacional teriam seus processos extintos, exceto aqueles cujos delitos se incluís­
sem no conceito de ato terrorista. Para os servidores civis e militares que foram
aposentados ou reformados, os anos de punição passariam a ser contados para
efeito de pagamento de aposentadoria. Quanto à reintegração aos órgãos em que
trabalhavam anteriormente, a decisão seria deixada às comissões que deveriam
se formar nos ministérios e secretarias estaduais e municipais. Não seriam pagos
atrasados a qualquer servidor reintegrado.
Um balanço feito pela revista Veja indicava que 166 brasileiros, como os
ex-deputados Marcos Tito e Alencar Furtado, que tiveram seus direitos políticos
suspensos, recuperariam integralmente a cidadania. Para outras 960 pessoas
que, como o ex-Presidente Jânio Quadros, já haviam cum prido o período de
dez anos de suspensão dos direitos políticos, a anistia garantiria o apagamento
das punições. Nas Forças Armadas, foram catalogados 1.261 militares punidos
pelos atos institucionais. Com a anistia, eles deixariam a condição de “m ortos”
e reverteriam à de reformados, passando a receber o soldo mensal. Os conde­
nados pela Lei de Segurança Nacional, que eram 2.429 desde abril de 1964,
estavam classificados em duas categorias para efeito de anistia. O grupo maior,
de 1.729 pessoas, era composto de punidos por crimes que a Procuradoria da
Justiça Militar chamava de “políticos”, e que teriam seus prontuários anulados.
Restavam os condenados nos crimes de “segurança nacional”, alguns dos quais
incluídos na nebulosa categoria de “crimes de sangue”.
Apesar de ser o Parlamento o espaço formal de discussão e de decisão do
processo de anistia, a mobilização da sociedade civil em prol de um total esque­
cimento do passado teria um papel fundamental na discussão sobre os limites
impostos pelo governo. A Ordem, que já havia se manifestado a favor de uma
anistia generosa, fez ouvir sua voz por meio do parecer do conselheiro Sepulveda
Pertence (DF). Desqualificando o projeto governista como incompatível com o
próprio conceito de anistia - seria, em sua opinião, apenas um “indulto coletivo”-,
Pertence aproveitou para apontar os entraves para a efetiva redemocratização do
país: a subsistência da Lei de Segurança Nacional, “ftindada em doutrina marca-
damente totalitária”, e a sobrevivência da “comunidade de informação”, em moldes

Ver “A anistia d e 1979”, revista Veja, 27/6/1979.

176 màM
V o l u m e ' I ) . i k ( ‘ ( ! ( ’ i i I I K i , i l i / , i ( , ' i( ) ,1() I ' - l . i d o 1 ^ c n i o i I , i l i ( n ( I c l ) i t f ‘ il(

inconciliáveis com a construção de uma verdadeira d e m o c ra cia .N ã o tardaria a


Ordem a sentir o peso dessa “comunidade” sobre sua cabeça.
Em 24 de julho, os conselheiros da Ordem se reuniram para debater a anistia.
Para tanto, contaram com a presença do senador Teotônio Vilela, presidente da
Comissão Mista da Anistia, que, vindo da Arena, tinha acabado de ingressar nas
fileiras do MDB. Esta iniciativa de visitar a Ordem fazia parte de sua estratégia
para ampliar o escopo da anistia, ao mesmo tempo que recolhia subsídios para
o substitutivo que pretendia apresentar no Congresso. O debate sobre o parecer
de Pertence ocupou toda a sessão, que se estendeu ao longo de quatro horas, e,
apesar das indicações apresentadas por diversos conselheiros, uma única voz
dissonante a ele se manifestou contrária. O conselheiro Godoy Bezerra, embora
estivesse de acordo com o trabalho do relator no campo jurídico, dele queria ver
retirada a “colocação política” por considerá-la anti-regimental. Denunciava ainda
as manifestações então ouvidas como “uma espécie de revanchismo” promovi­
do por aqueles que chamava de “agentes da agitação”, e que transformariam a
OAB em “cenáculo de pantomimas”. Nessa mesma seção, o presidente Seabra
Fagundes deu ciência aos conselheiros que não mais manteria o sigilo sobre os
assuntos tratados no CDDPH quando envolvessem, em tese, a integridade física
de alguma pessoa.
Apesar de toda a mobilização da sociedade - a OAB se fez representar na
manifestação de repúdio realizada na Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco, no dia 11 de agosto o substitutivo do MDB e a Emenda Djalma
M arinho (Arena/RN), que ampliavam os limites da anistia, foram rejeitados, e
o projeto do governo acabou sendo integralmente aprovado em 28 de agosto.
Também em agosto, como decorrência da nomeação do vice-presidente, Cid
Vieira de Souza, para o Tribunal de Alçada de São Paulo, foi eleito para substi-
tuí-lo Sepúlveda Pertence, por ele derrotado meses antes.
Uma nova conferência das seccionais foi realizada em outubro de 1979, dessa
vez em Belém. Ao lado das questões mais específicas da região amazônica - de­
sigualdades regionais, conflitos de terra, presença de interesses estrangeiros - foi
reiterada a pauta de temas já debatida meses antes em Florianópolis: convocação
de uma Assembléia Constituinte; ampliação da anistia “mesquinha” determina­
da pelo governo; oposição ao casuísmo político presente na anunciada reforma
partidária e na prorrogação dos mandatos de vereadores e prefeitos."'

Ver Affl da sessão da O A B , 24/7/1979.


Id e m , ib.

màM 177
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Apesar da forte reação do MDB contra a reforma partidária, em grande


parte por medo de perder a legenda que havia conquistado tanta identificação
popular, a Lei da Reforma Partidária foi aprovada pelo Congresso, em 29 de
novembro. Os resultados do fim do bipartidarismo aproximaram-se bastante das
previsões dos seus mentores, uma vez que, apesar de a maioria dos parlamentares
do MDB ter se transferido para o PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro), uma parte expressiva deles, sob a liderança de Tancredo Neves, resol­
veu formar o Partido Popular (PP). Outros quatro partidos foram então criados.
O Partido Democrático Social (PDS) abrigou a maioria governista, ávida por se
livrar da incômoda legenda da Arena. A sigla do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), arduamente disputada por dois herdeiros do getulismo e do trabalhismo,
Leonel Brizola e Ivete Vargas, acabou sendo concedida pelo Tribunal Superior
Eleitoral à sobrinha-neta de Getúlio, o que forçou o ex-governador gaúcho a
formar um novo partido, o Partido Democrático Trabalhista (PDT). A grande
novidade do panoram a político-partidário foi, no entanto, o surgimento do
Partido dos Trabalhadores (PT), formado por um grupo heterogêneo que ia
desde os sindicalistas da região industrial do ABC paulista - sua principal base
- até intelectuais, artistas e professores universitários.'"
A atuação da Ordem no intuito de desvendar os casos dos desaparecidos
políticos - , mesmo desiludido com o funcionamento do CDDPH, Seabra
Fagundes deixou claro que não desistiria de buscar a verdade no caso Rubens
Paiva'"" bem como sua posição contrária à concessão de anistia aos tortura-
dores teriam colocado a instituição no alvo do terror.

3.2 No alvo do terror

Eu não imaginava tanta violência, mas não podia ignorar que alguma reação
haveria, como freqüentemente ocorre em períodos de quebra de garantias
constitucionais. Agora, acho que a Ordem não podia faltar, naquela ocasião,
aos perseguidos, aos desaparecidos e suas famílias.'^

Ver D eclaração d e Belém , cita d a e m A lb e rto V enâncio, op. cit., p. 214.


S o bre a criação d o PT, ver, e n tre o u tro s , M a rio P edrosa, Sobre o P T , São Paulo, C H E D E d ito ra , 1980.
Ver da sessão da O A B , 30/10/1 979 e 11/12/1979.
Ver Seabra F agund es, op. cit., p. 88.

178 máM
V ulu tiic ) I),i Rc(l('iii(ii M t i/ .K . ã o ,t() [^st,1(1(1 n c n i u i ! j t i i u (l(‘ D i r c i l o

A Ordem, juntam ente com a ABI, havia sofrido um atentado em 1976.''


No entanto, como enfatizou Seabra Fagundes, em 1980 tratava-se de puro “re-
vanchismo” daqueles que, inconformados com a abertura, consideravam ser
possível barrá-la por meio da intimidação física. É certo que a m orte de Petrônio
Portela em janeiro e sua substituição na pasta da Justiça por Ibrahim Abi-Ackel
provocaram m udanças no padrão de negociação política vigente, embora
igualmente seja verdadeiro que não se pode estabelecer qualquer relação com
a onda terrorista que tom ou força a partir de então. De 18 de março, quando
0 alvo foi o escritório de Sobral Pinto, até 27 de agosto, quando a explosão de
uma bom ba m atou dona Lyda Monteiro, houve ameaças à OAB do Rio Grande
do Sul e de Uberlândia.
Na Ata da sessão de 8 de abril consta o relato emocionado do conselheiro
gaúcho Euclydes Aranha Neto sobre o atentado a bom ba sofrido pela seccional.
Além da óbvia solidariedade do Conselho Federal, foi ainda aprovada indicação
de que fosse reiterada perante a opinião pública a postura da OAB em defesa
do Estado de direito, ainda não instaurado no país, e da liberdade individual
como princípio básico da vida humana.
A realização de um seminário sobre criminalidade e violência em abril,
e da VIII Conferência Nacional da OAB em maio, perm itiu o debate de temas
delicados como, por exemplo, os efeitos da política de repressão sobre a crise dos
sistemas policial e penal. Realizado entre 23 e 25 de abril, o seminário Crimina­
lidade e Violência, organizado por Virgílio Donnici, contou com a participação
de professores, cientistas sociais e políticos, economistas, urbanistas, membros
do Ministério Público, dentre os quais se podem destacar Gilberto Velho, Pedro
Malan, Jorge Wilhelm, Francisco Weffort, Paulo Sérgio Pinheiro, Julita Lemgru-
ber, entre outros. É evidente a percepção de que, naquele m om ento em que se
percebia a existência de pedras nos caminhos da abertura, a Ordem precisava
ampliar seus laços com o m undo “externo” para a travessia que se imaginava
difícil. Na verdade, foi até mais difícil do que se imaginava.
O tema da Liberdade, discutido em 37 teses, além de 11 avulsas, foi o eixo
central dos debates da VIII Conferência Nacional, realizada em M anaus entre
18 e 22 de maio."- Diante do ministro Abi-Ackel, que representava o presidente
Figueiredo, Seabra Fagundes proferiu um discurso em que enfatizava, sobretudo,
a questão do direito de greve e da liberdade sindical. Afinal, havia apenas uma

151 Ver re la tó rio d o c o nselheiro W ilso n M irza e m A ta da sessão da O A B , 30/5/1978.


A relação c o m p le ta d a s teses a p re se n ta d a s e n c o n tra -se e m A lb erto V enâncio, op. cit., p. 218-21.

máM 179
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

semana que chegara ao fim a longa greve de 41 dias efetuada pelos metalúrgicos
liderados por Lula, que resultara em violenta repressão policial ao movimento,
e em prisão dos líderes sindicais e dos advogados José Carlos Dias e Dalmo
Dallari, da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo:

A liberdade que viemos discutir nessa VIII Conferência não pode ser com­
preendida senão como produto final que tem como componentes imprescin­
díveis vários direitos e liberdades, entre os quais avultam a liberdade sindical, o
direito de greve, o direito de expressão do pensamento, inclusive pelos meios de
comunicação de massa, o direito de participação ativa e o direito da formação
dos órgãos do Estado, a liberdade de organização partidária a liberdade de
propaganda política.

Apesar de não prevista pelo protocolo, houve a pronta manifestação do


ministro em resposta ao duro pronunciamento de Seabra Fagundes:

Assim que eu terminei o meu discurso, um elemento provocador, numa das


galerias do Teatro Amazonas, gritou: ‘‘Queremos ouvir o ministro Abi-AckeV
Isso me levou a lhe oferecer a palavra. Como ele fala muito bem e é muito
combativo, fez um pronunciamento veemente, dizendo que a Ordem criticava
em demasia mas não apresentava sugestões, o que causou até certa reação dos
advogados presentes. Alguns colegas acharam que eu devia ter respondido,
mas eu me restringi a dizer que o ministro seria devidamente atendido, posto
que durante a Conferência seriam apresentadas as nossas sugestões.'^

O ministro foi plenamente atendido, pois na Declaração de Manaus não


faltaram diagnósticos para a crise brasileira e, sobretudo, sugestões para sua
possível solução, sendo a principal delas a convocação de uma Constituinte
livre e soberana:

Os advogados brasileiros afirmam que falta legitimidade ao poder institucio­


nalizado em nosso pais. O regime instaurado em 1964, decorridos mais de 15
anos, insiste em desprezar a forma democrática de legitimação através do voto

A ín te g ra d o discurso e n c o n tra -se e m A n a is da VU I Conferência N acional da O rdem dos A dvogados do


Brasil, M an a u s, 1980.
Ver Seabra F agundes, op. cit., p. 91.

180
V 'o l u n i r 1 I ),1 l \ f ■( Icilli H I,|ti/,l( ,'li I , H I [ ' s | , U l l ) I')cni( K l j l i ( ( ) ( Ir O i U 'il( )

popular (...). O anunciado abandono do regime de exceção não conduziu à


restauração da responsabilidade na esfera do poder político, com a supressão
do arbítrio e da violência institucionalizados como forma de governo (...).
É geral a repulsa à legislação ditatorial que, armando o governo de poder
absoluto, atenta contra as garantias dos cidadãos, frustra o direito de greve e
cerceia a liberdade sindical. A política econômica, posta em prática nos últimos
anos, exacerbou as notórias desigualdades regionais, setoriais e de classe. Essa
política tem agravado a situação do povo, com uma inflação aterradora, que
não se detém, pela inadequação do modelo econômico adotado às necessi­
dades do país (...). Urge a convocação de uma Assembléia Constituinte que,
superando em sua composição os vícios inveterados de nossa representação
popular, incorpore efetivamente ao processo político a maioria que nela tem
sido ignorada.'^^

Na medida em que tomava a dianteira na defesa do aprofundamento da


abertura política, a Ordem se colocava na linha de fogo daqueles que temiam
que esse aprofundamento pudesse resultar em algo parecido com Nuremberg,
apesar da tradição política brasileira nem de longe apontar nessa direção. Cer­
tamente se pode alegar, e talvez esse fosse o temor, de que sempre existe uma
primeira vez. O fato é que as ameaças se adensaram, e a Ata da sessão de 24 de
junho registra o comunicado do presidente da subseção de Uberlândia de que
havia recebido ameaças por telefone.
Mais concreto, e ameaçador, foi o atentado sofrido por Dalmo Dallari,
no início de julho, às vésperas da chegada do Papa João Paulo II ao Brasil, em
um claro recado de que os tentáculos da repressão ainda continuavam ativos, e
sabiam escolher seus alvos. Foi forte a reação da Ordem à agressão ao advogado
ligado à Igreja progressista de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns à frente, já que
o entendimento era de que o fato demonstrava “sinais evidentes de desgoverno”
e, portanto, de perda de controle do aparato repressivo. Uma comissão formada
pelo conselheiro federal Miguel Reale Junior (SP) e pelos conselheiros estaduais
Márcio Thomaz Bastos e José de Castro Bigi, foi encarregada de atuar junto às
autoridades na investigação do caso, bem como foi indicada a necessidade da
presença constante da presidência da Ordem junto à seccional paulista, então
presidida por Mário Sergio Duarte Garcia, futuro presidente da OAB (1983-
85), já que era elevado o grau de desconfiança em relação à atuação da polícia

Ver A n a is da V III C onferência N acional da O rdem dos A dvogados do Brasil, op. cit.

181
História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

estadual subordinada ao governador Paulo Maluf, que, aliás, tratara o episódio


com deboche.'^
Ameaçado de fora, Seabra Fagundes seria vítima do que hoje se costuma
chamar de “fogo amigo” Mantendo sua tradicional postura ideológica de direita,
0 conselheiro Godoy Bezerra o acusou de “dedo-duro”, já que havia tomado o
depoimento de um ex-militar uruguaio, torturador, sobre o seqüestro, em Porto
Alegre, dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Dias. Aplaudido de pé, o
presidente recebeu o apoio em massa dos conselheiros, indignados com a pecha
de “patrulheiros ideológicos” que a eles teria sido conferida por Godoy Bezer­
ra."' A discussão, dias depois, do chamado Estatuto dos Estrangeiros (Projeto
de Lei n.*^ 9/80, originário da Mensagem Presidencial n.° 64/80) ensejou uma
nova querela entre Bezerra - que se denom inou “soldado de passo errado” - e
seus pares. Enquanto estes denunciavam, mais do que a inconstitucionalidade
do projeto, a ilegitimidade do poder, aquele via, mais do que a transformação
do Brasil em “trampolim da subversão dos países vizinhos”, a continuação da
“mania de contestação” vigente na Ordem já há muito tempo. '"
A ocorrência, no final de julho, de atos terroristas contra bancas que ven­
diam jornais da chamada imprensa alternativa - Movimento, Opinião, entre
outros - era um prenúncio do terror que atingiria a Ordem no mês seguinte. A
emoção transborda no relato que Seabra Fagundes faz do atentado que, no dia
27 de agosto, vitimou dona Lyda Monteiro:

Eu estava em meu escritório, passava um pouco da hora do almoço, quando


me telefonou um funcionário, dizendo: “Dr. Seabra, venha imediatamente que
a Ordem sofreu um atentado e a dona Lyda está muito mal” (...). Telefonei
para o secretário de Saúde e pedi para que me mantivesse a par de tudo. Dali a
algum tempo ele me telefonou dizendo que dona Lyda tinha falecido. Foi tudo
muito traumático (...). E até hoje ao falar nisso eu me emociono um pouco
(...). A notícia causou uma comoção muito grande em todos nós. Naquele
momento eu estava redigindo uma mensagem ao Presidente da República
e tinha acabado de lançar um “Atenciosamente"' no fecho. Quando recebi a
notícia da morte, cancelei o “Atenciosamente'' e expedi sem fecho nenhum
de saudação. Foi um gesto talvez injusto, porque o Presidente da República

V er/\tfl da sessão da O A B , 8/7/1980.


Idem , ib.
Ver A ta da sessão da O A B , 22/7/1980.

182 màM
\'() k iin » ' 1 1 1 1 R ( ’( [(‘i i K)( I ã ( ) .1(1 I ' s l . i d o I I alii o ilr Direito

seguramente não tinha nada a ver com aquilo (...). O corpo dela foi levado
a pé numa passeata daqui até o Cemitério São João Batista, mas eu não tive
condições psicológicas de acompanhar o cortejo. Fui direto para o cemitério,
onde havia uma multidão, uma coisa espantosa. Foi a demonstração de que o
povo havia sido atingido também por aquela agressão terrível. A passeata foi
uma coisa realmente impressionante (...) . A missa de sétimo dia, celebrada
pelo cardeal dom Eugênio Salles, foi um espetáculo emocionante. A Igreja
da Candelária cheia, a pregação, tudo foi muito tocante. Se ela não tivesse
morrido talvez a opinião pública recebesse com menos emoção o ocorrido.
Mas a morte de dona Lyda contribuiu para maximizar o episódio e, de certa
forma, proteger a Ordem. Ela era uma senhora afável, que não tinha nada
a ver com as atitudes da Ordem, uma funcionária com 42 anos de serviço.
Ela abria toda a correspondência, salvo as que tinham as notas de “pessoal”
e “confidencial”. Foi essa circunstância que a matou e que me preservou. '^

Nesse mesmo dia, o terror atacou o gabinete do vereador Antonio Carlos


Carvalho (MDB) na Câmara Municipal, ferindo gravemente um funcionário.
A desenvoltura demonstrada no ataque às duas instituições parecia indicar a
certeza da impunidade. Daí a indicação do conselheiro Ferro Costa de que “nada
se pedisse ao governo, por não merecer ele nenhum respeito”; à Ordem caberia
apenas denunciar. No entanto, apesar do sentimento generalizado de revolta e
de desconfiança, acabou prevalecendo a proposta de Sepulveda Pertence de que
se pleiteassem providências imediatas ao presidente Figueiredo, o qual, aliás,
não enviou qualquer representante às homenagens prestadas à dona Lyda. Ao
mesmo tempo, no entanto, a Ordem resolveu criar a sua própria Comissão de
Direitos Humanos, presidida por Seabra Fagundes, e composta por 14 membros:
Barbosa Lima Sobrinho, Dalmo Dallari, Evandro Lins e Silva, Sobral Pinto,
Bernardo Cabral, José Cavalcanti Neves, José Danir Siqueira do Nascimento,
Sepulveda Pertence, Ribeiro de Castro, Miguel Seabra Fagundes, Nilo Batista,
Raul de Sousa Silveira, Raymundo Faoro e Victor Nunes Leal.
Avaliando posteriormente as circunstâncias políticas do atentado, Seabra
Fagundes considerou especialmente lamentável o fato de a abertura não ter sido
previamente precedida pela desativação dos órgãos de segurança. Essa, aliás, em
sua opinião, deveria ter sido a premissa básica das negociações de Faoro com

Ver Seab ra F agundes, op. cit., p. 95-6.


V a -X w d a sessão d a O AB. 27/8/1980.

màM 183
_____________ Historia da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

o ministro Portela, um a vez que esses “bolsões de resistência” continuaram a
dispor de razoável autonom ia de atuação. Ainda segundo Seabra Fagundes, o
presidente Figueiredo, no dia do atentado contra a OAB, teria feito um a via-
gem-relâmpago a São Paulo com o intuito de enquadrar os setores extremistas.
Missão fracassada, já que em maio de 1981 ocorreria um novo atentado cujo
alvo seria um show de música no Riocentro.'^'
A repercussão dos atentados terroristas, em especial o que havia atingido
a Ordem, obrigou Figueiredo a vir a público manifestar seu compromisso com
a apuração das responsabilidades e punição dos culpados, mas, sobretudo, com
o prosseguimento, a qualquer custo, do processo de normalização democrática.
Essa manifestação do Presidente da República provocou acirrado debate, durante
a sessão de 9 de setembro, entre aqueles conselheiros, Calheiros Bomfim (MS)
à frente, que apresentaram indicação no sentido de que o Conselho Federal se
solidarizasse com os propósitos do governo, e os que, como Sylvio Curado, re­
comendaram que a Ordem não se deixasse envolver em “assuntos políticos” ao
manifestar apoio ao presidente. No fundo, o que estava em questão era a opção
pelo melhor caminho a seguir no rum o da consolidação da abertura ameaçada:
apostar no governo Figueiredo ou dele manter distância?
A vitória da proposta de Calheiros Bomfim - por 14 votos contra 4 - não
deve ser entendida como uma tomada de posição definitiva da Ordem, sobretudo
porque a ela se associou a mensagem de Sepúlveda Pertence, então substituindo
Seabra Fagundes que se encontrava depondo no Congresso Nacional. Em tom
duro e incisivo, o vice-presidente, ao mesmo tempo que procurou isentar o
governo de envolvimento no atentado, cobrou um a atuação eficaz do poder
constituído, sem o que a postura de “repulsa moral ao terrorismo” seria de
pouca valia:

O que a nação não quer é ser forçada a acreditar na vigência, ainda hoje, de
um pacto de silêncio solidário entre o poder legale os porões de uma ditadura,
que se diz e que preferimos reputar ultrapassada. O que se espera é não ser
levado a crer, ainda agora, na veracidade de murmuradas transações, nas
quais a cessação dos atos de terror custaria não apenas a impunidade dos
crimes praticados, mas também a parada ou a reversão do processo político
da democratização jurada deste país.’‘^

Id e m , ib., p. 97.
Ver A ta da sessão d a O A B , 9/9/1980.

184 màM
\'()lliin r > i ),i l \ ( ' ( l ( ' i i i ( )( ,11) c i u I ' . i c u l o I ) ( ' n i o ( r . i t i i ' i d e D i k m Io

Caminhando na linha tênue do fio de um a navalha, a Ordem oscilava


entre o inconformismo com a falta de resultados práticos nas investigações em­
preendidas pela Polícia Federal, anunciando para breve “uma tomada de posição
perante a nação brasileira”, e a recusa em abandonar a instância de atuação que
lhe era garantida no CDDPH. " O desafio era entender que democracia era
aquela, que combinava o tom indignado do ministro da Justiça garantindo que
o atentado contra a OAB seria apurado, com o fato de as investigações técnicas
não terem evoluído, e as investigações políticas desenvolvidas na área militar
continuarem mantidas em sigilo absoluto.’^ Ao comprar a idéia de que ruim
com Figueiredo, pior sem ele, a Ordem, na verdade, espelhava o ponto de vista
de boa parte da sociedade brasileira.
Visto de maneira retrospectiva, o atentado contra a OAB pode ser con­
siderado um ponto de não-retorno no processo de abertura - “aquilo ali foi
o início da derrocada do regime”, avalia Seabra F a g u n d e s.A p e sar das minas
explosivas que tornavam a caminhada mais arriscada, a estrada para a dem o­
cracia estava aberta.
Para a Ordem, o significado do atentado foi ainda maior. Externamente,
ela se transform ou em uma das instituições mais emblemáticas da luta contra a
ditadura, uma vez que o certificado dessa importância lhe fora concedido pelos
próprios “inimigos”. Essa visibilidade - “em função do atentado, a Ordem e eu
mesmo aparecíamos diariamente na primeira página dos principais jornais
do Brasil”, afirma Seabra Fagundes'"" - ter-lhe-iam conferido ainda segurança
e firmeza na defesa de suas posições. Já para o público interno, o efeito foi a
aglutinação em torno da figura do presidente, arrefecendo as vozes que pediam
um recuo da Ordem para um lugar de maior moderação.
Moderação que, no entanto, teve um peso razoável no processo sucessório
da Ordem. Mais m oderado e mais hábil que seu adversário, Bernardo Cabral
acabou derrotando Sepulveda Pertence.'^' Deputado federal pelo MDB, cassado

Ver Affl da sessão da O AB, 23/9/1980.


Ver fala d o sec retário-geral, B e rn a rd o C ab ral, a re speito d a re u n iã o d o s 78 p re sid en tes das sub seções de
São Paulo realizada e m São José d o Rio Preto. AM da s« 5ão d a O A B , 30/9/1980.
Ver S eabra F agundes, op. cit., p. 100.
“ ‘ Id e m , ib .,p . 100.
Presidente: B ern ard o C ab ral (19) x Sepulveda P erte n c e (7)
V ice-presidente: M ario Sergio D u a rte (20) x M ilto n Tavares (6)
S ecretário-geral: H e rm a n n B aeta (20) x V ictor N u n e s Leal (6)
S ubsecretário: R aul d e Sousa Silveira (25)
Tesoureiro; O th o n Sidou (19) x C arlos A lb erto Silveira Lenzi (7)

ttàl 185
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

em 1969, originário do Amazonas, Cabral havia tido sucesso em sua candida­


tura avulsa ao cargo de secretário-geral, derrotando o candidato “oficial” Para
repetir o feito - Pertence era claramente o candidato da preferência de Seabra
Fagundes Cabral, “sem tradição jurídica familiar”, t e r i a investido nos con­
tatos com as seccionais:

As candidaturas de Sepúlveda Pertence, meu vice, e de Bernardo Cabral,


meu secretário-geral, já saíram embaladas de Manaus. No entanto, a partir
da minha sucessão as eleições da Ordem passaram a se definir através de
campanhas que os candidatos faziam em visitas às seccionais. No meu tempo
isso estava apenas começando, tanto que eu visitei algumas poucas seccionais
durante a campanha. No mais era o telefone que funcionava. No dia da eleição,
os presidentes dos conselhos estaduais vinham para o Rio de Janeiro e aqui
havia uma forte articulação, especialmente em torno da formação da chapa.
Bernardo tinha uma penetração muito grande nas seccionais, sobretudo as
do Norte e do Nordeste. Ele já vinha construindo sua candidatura há muito
tempo e visitou praticamente todas as seccionais (...). Eu não escondia que
achava o Pertence o candidato mais indicado para aquele momento. Alguns
amigos, e algumas seções, como a do meu estado, o Rio Grande do Norte, vo­
taram com ele. Eu fiquei isento. A não ser quando um amigo me perguntava
é que eu externava a minha preferência.'^^

3.3 Entre os problemas da nação e os da classe

Lembrar o passado foi a pedra de toque do discurso de posse de Bernardo


Cabral - “podado” pela cassação do m andato de deputado e dos direitos polí­
ticos de cidadão, sentia-se agora “rebrotar”. No entanto, distante de promessas
radicais de luta contra o regime m ilitar que o havia punido, o program a de
trabalho então apresentado pelo novo presidente teve como principal bali­
zamento “prioridade idêntica na solução dos problemas institucionais que
afligem a nação e na dos específicos que atorm entam a própria classe” No
rol dos problemas nacionais, foram listadas a remoção do entulho autoritário
(Lei Falcão, sublegenda...), a realização de eleições diretas em todos os níveis

Ver B ern ard o C abra!, e m A O A B na voz de seus presidentes, op. cit., p. 111.
Ver Seabra F agundes, op. cit., p. 101-2.

186 màã
\ ' o l u n u ’ > l"),i R ('(k 'm o (, i\itiZ c K 'ã () .10 I- s I.k I() D c m o t rá li( o ric Direito

e a convocação de um a assembléia constituinte. Já em relação aos problemas


específicos que “atorm entavam ” os advogados, a lista era mais longa e mais
ampla. A prim eira tarefa seria “preparar” os novos profissionais, o que levava
necessariamente a um “equacionamento ou aprim oram ento do ensino jurídi­
co” que padecia, então, de graves equívocos em relação à estrutura organizacio­
nal, à inadequação dos currículos e à dimensão do mercado de trabalho. Daí
a necessidade de m elhor funcionamento dos estágios e do Exame da Ordem,
cujo papel era fundam ental na avaliação desses novos profissionais, os quais
por sua vez, deveriam ser capazes de enfrentar questões como a valorização
profissional, a previdência e assistência social, o salário m ínim o profissional
e as férias coletivas.'™
Pela primeira vez, um presidente da Ordem, em seu discurso de posse,
enfrentava a questão da mudança do perfil do advogado que, de profissional
liberal, tomava, de maneira crescente, a face - e as correspondentes demandas
- de um assalariado. Como diz Cabral, “o advogado começava a se tornar um
empregado das empresas, saindo daquele escritório tradicional e isso precisava
ser acompanhado de perto pela Ordem”. Ao mesmo tempo, em sua avaliação,
“começava a cessar a chamada indisponibilidade institucional”, o que liberava
a Ordem para “atuar em outros campos”. ' '
Sabemos bem que mudanças no perfil de atuação de uma instituição como
a OAB, mais do que nunca identificada com as lutas em favor do restabeleci­
mento da democracia no país, não se fariam de uma hora para outra. Por isso
mesmo, apesar de Cabral haver indicado os conselheiros Miguel Reale Junior e
Luiz Olavo Batista para procederem estudos sobre o ensino jurídico,'" as duas
sessões do Conselho Federal realizadas em abril centralizaram-se na discussão
sobre a Lei de Segurança Nacional - na opinião do conselheiro Serrano Neves,
em tempos de paz não deveria existir tal lei, devendo prevalecer o Código Penal -'
- e na redação da nota oficial sobre o inquérito da m orte de dona Lyda, a qual
manteve 0 mesmo tom de dura cobrança em relação ao governo Figueiredo.
Reafirmando a convicção de que o atentado havia partido de “grupos radicais,
inconformados com a atuação da OAB na luta pelos direitos humanos e pela
restauração das franquias democráticas”, a nota desqualificava o veredicto
pronunciado pela Justiça Militar que havia denunciado apenas Ronald Waters,

Ver A m da sessão da O AB , 1/4/1981.


Ver B ern ard o C ab ral, op. cit., p, 112.
Ver Afíi da sessão da O AB , 28/4/1981.
Ver A ta da sessão da O AB , 14/4/1981.

187
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

apesar da afirmativa do próprio delegado federal de que haveria mais de um


autor. '' A profecia de que a impunidade nesse caso incentivaria a ocorrência
de outros semelhantes se realizaria mais rapidamente do que a própria OAB
poderia calcular.
No dia 30 de abril, a explosão de um a bom ba em um carro estacionado
no Riocentro, no Rio de Janeiro, onde se realizava um show de música em co­
memoração ao Dia do Trabalho, atingiu seus ocupantes, matando o sargento
Guilherme Pereira do Rosário e ferindo gravemente o capitão Wilson Luiz
Chaves Machado. Ao contrário dos atos terroristas anteriores, este parecia não
deixar dúvida sobre a origem de sua autoria. Apesar dos comunicados ime­
diatamente distribuídos pelo Exército negando qualquer envolvimento dos
militares no ato terrorista, as evidências apontavam para mais uma tentativa
da linha-dura de recuperar a influência perdida na condução do processo po­
lítico. As investigações, conduzidas de maneira sigilosa pelo próprio Exército,
não deram em quase nada.
Ao contrário de Geisel, Figueiredo optou por proteger a corporação, e
nenhuma punição foi imposta aos suspeitos, que serviam no DOI do I Exército.
Ou, melhor dizendo, “punidos” foram Golbery do Couto e Silva, que deixou
a chefia da Casa Civil em agosto, quando viu fracassado seu intuito de levar
a apuração até o fim, e o próprio Figueiredo, que enfartou no mês seguinte.
Também diferente de seu antecessor, que considerava Ulysses o “elemento”
que mais havia prejudicado a abertura,"' Figueiredo achava que seu “m aior
inimigo” não era o MDB, e sim aqueles que resistiam à a b e rtu ra .D iv e r g in ­
do das interpretações que entendem a impunidade no caso Riocentro como
um fator que contribuiu para a perda de respeito político e m oral das Forças
Armadas,'"' Figueiredo avalia que a bom ba acabou sendo um “benefício para
a abertura”, porque, a partir de então, teriam cessado os ataques terroristas.
Ele só esqueceu de m encionar que a mesma “mercadoria” - a preservação
da abertura - poderia ter sido adquirida por um preço mais baixo que não
implicasse o descrédito dos militares. Afinal, sempre é bom lem brar que Fi-

Ver A ta d a sessão da OAB-, 28/4/1981.


Ver E rnesto Geisel, e m R o n ald o C o sta C o u to , M em ó ria viva d o regim e m i/i W r - Brasil: 1964-1985, Rio de
Janeiro, R ecord, 1999, p. 213.
Ver João Batista Figueiredo, e m R o naldo C osta C o u to , op. cit., p. 184.
Ver M aria C elina D ’A raújo , Geisel e F igueiredo e o fim d o reg im e m ilitar, e m 19 64-2004:40 anos do golpe
- ditadura m ilitar e resistência no Brasil, op. cit., p. 98.
Ver João Batista Figueiredo, op. cit., p. 185,

188 máM
V o klI lK - ■> D a )( I j l i / . i i à i ) ,111 i X ' l i i n i I j li ( (1 I I f I l i r c i l d

gueiredo saiu pela porta dos fundos e não passou a faixa presidencial a seu
sucessor, José Sarney.
Apesar de a OAB ter aventado a hipótese da ocorrência de outros atentados,
0 do Riocentro caiu como uma bom ba sobre ela, mesmo porque, como diz o
velho ditado, gato escaldado tem medo de água fria. Relacionando a im puni­
dade e o descaso das autoridades na apuração do atentado contra a OAB como
motores dessa nova manifestação do terror, a nota oficial emitida pela Ordem
chamava a atenção para a gravidade política de que se revestia o episódio do
Riocentro, que não só ameaçara a vida da multidão presente ao show-, como
atentara contra a sociedade e o Estado. Não mais seriam toleradas manobras de
“escamoteamento da verdade” e, apenas à medida que o Presidente da República
tomasse providências para a identificação, desarticulação e punição dos grupos
radicais que agiam à sombra do poder, contaria ele com o “decidido apoio da
Ordem"'"
O fato de não terem mais ocorrido atentados terroristas não significou,
no entanto, que houvessem cessado as ameaças, conforme o depoimento de
Cabral:

Eu recebi muitas ameaças, pela madrugada, via telefone. Minha mulher ficava
bastante assustada. Nós tínhamos uma neta de dois anos e as ameaças recaiam
sobre ela. Diziam que iriam estuprá-la e seqüestrá-la. Eu recebia também
ameaças por escrito, assinadas por um tal '‘Comando Delta”. Quando eu me
queixei à autoridade competente, a única coisa que eu ouvi foi a recomenda­
ção para andar sempre em carro de praça e nunca fazer o mesmo percurso.
Durante os dois anos que fu i presidente da OAB, só andei em táxi e nunca
fiz 0 mesmo trajeto (...). Eu nunca revelei isso publicamente. Eu poderia ter
revelado para alguns colegas as ameaças do “Comando Delta” mas nunca
dei entrevistas para que não pudessem pensar que havia ali uma exploração
política do episódio. Eu sempre tive o cuidado de não transformar isso num
palco iluminado.'^”

A conclusão do Inquérito Policial-Militar (IPM) feito pelo I Exército não


deixou muitas esperanças de que a verdade aparecesse, já que tratou os dois m i­
litares envolvidos no atentado como “vítimas de um a armadilha ardilosamente

V e r ^ tíj da sessão da O A B , 12/5/1981.


Ver B ern a rd o C abral, op. cit., p. 114.

màM 189
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

colocada no carro do capitão”. A matéria do IPM do Riocentro, apesar do sigilo


que resguardava seus quatro volumes, foi amplamente discutida na sessão do
dia 30 de junho, tendo sido aprovada a constituição de uma comissão formada
pelo membro nato Miguel Seabra Fagundes, pelo vice-presidente Mário Sergio
Garcia, e pelos conselheiros Calheiros Bomfim, Virgílio Donnici e Evaristo de
Moraes Filho, para elaborar uma nota oficial na qual fosse explicitada, para o
amplo conhecimento público, a posição dos advogados brasileiros diante da
“tragédia” do Riocentro.
Menos preocupada com as evidentes fragilidades técnicas do IPM, a nota
oficial da Ordem considerava que o mais importante era denunciar a marca
do “pensamento obscurantista” presente em todos os episódios que visaram a
atingir o processo de redemocratização em curso:

Embora encapuzados pelo sigilo das investigações, os semeadores do terror


já estão identificados pela sociedade brasileira (...). Os advogados brasileiros
- e a história registrará o acerto desta posição - não aceitam os resultados
do inquérito (...). No exercício de sua competência legal de defesa da ordem
jurídica, a Ordem dos Advogados do Brasil, superando esta nova frustração,
reafirma que continuará vigilante eproclama que mais danoso que o poderio
explosivo das bombas, é o descumprimento dos deveres de tranqüilizar a nação
e possibilitar ao povo a escolha livre de seus governantes.""

Ainda em junho, a OAB ganhou matéria na revista Veja por ter se negado
a comparecer à cerimônia de homenagem ao ex-presidente do STF, Antônio
Néder, que se aposentava. Presença atuante nas articulações político-militares
que culminaram no golpe de 1964, Néder foi nomeado para o Tribunal Federal
de Recursos em novembro desse mesmo ano e, sete anos depois, indicado para
o Supremo pelo presidente Médici. Sobre a ausência da Ordem na festividade
para a qual havia sido expressamente convidada, Cabral foi lacônico: “Ninguém
quis ir.”'*’
Revogado o Al-5, o emprego da Lei de Segurança Nacional se transformou
no principal instrumento pelo qual o regime buscava enquadrar os movimentos
sociais emergentes e a imprensa, que lutavam para se livrar das amarras que
durante tanto tempo haviam cerceado sua atuação. A Ordem teve um papel

V er A ta da sessão da O AB, 13/7/1981.


Ver B ern ard o C abral, op. cit., p. 123.

190 màM
\n liim r 1 I K t ' d r i n i K i'c U i/.k .h ) j n I'^l.ulo l)(,‘nto( r.itiu : d r D iiX 'itn

importante no debate sobre a LSN, especialmente por meios dos conselheiros


Heleno Fragoso e Sobral Pinto, que insistiam na denúncia da incompatibilidade
da existência de um a legislação daquele tipo com o processo democrático. Foi o
caso, por exemplo, da indiciação do dr. Roberto Chabo, presidente do Sindicato
dos Médicos, relacionada à greve da categoria e à intervenção em seu sindicato.
Coube a Heleno Fragoso sugerir a remessa da documentação, onde estava re­
gistrada a posição da Ordem sobre a LSN, para os ministros do STM, do STF,
ao procurador-geral e aos auditores da Justiça Militar.'" O u ainda, da ameaça
de enquadram ento do jornal O Estado de S. Paulo em virtude do editorial de 16
de setembro de 1982, intitulado “Cai a máscara do falso liberal”, no qual foram
feitas críticas ao chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu. Coube a Raymundo Faoro
alertar que a aplicação da LSN nesse caso atingiria a liberdade de imprensa,
“pedra de toque da democracia, condição essencial para o aprim oram ento da
ordem jurídica^ "
O caminho da democracia estava aberto; tratava-se agora de tirar as pedras,
um a a uma, de m odo a não provocar nenhum a avalanche que pudesse com ­
prometer a caminhada já feita. Foi assim por ocasião do enfarto do presidente
Figueiredo em setembro de 1981, quando, mais um a vez, a frágil democracia
teve que enfrentar o teste do “vice”, de triste lembrança na história recente
brasileira, inclusive no regime militar, quando Pedro Aleixo havia sido impe­
dido de substituir o presidente Costa e Silva. Embora se posicionando contra o
envolvimento em assuntos de natureza política, conforme rezava o artigo 145
do Estatuto da Ordem, Sobral Pinto considerou que a Ordem deveria emitir
parecer jurídico, fundado no artigo 77 da Constituição então vigente, que previa
a posse imediata do vice, Aureliano Chaves:

(...) [visto] que o vice-presidente Aureliano Chaves, informado do impedi­


mento do presidente, não assumiu logo o exercício da presidência, a Ordem,
que tem o dever de defender a Constituição, está na obrigação de focalizar
a ilegalidade existente e manifestar a esperança de que a Constituição e a
ordem jurídica venham a ser imediatamente respeitadas.'^’

Uma outra “pedra” que poderia atravancar o caminho da abertura era a


questão da independência do Judiciário, em especial dos tribunais militares, em
'" V e r A ta da sessão da O A B , 27/7/1981.
""V e r A ta da sessão da O A B , 27/9/1982.
Ver Aítí da sessão da OAB, 21/9/1981.

ttàl 191
_____________ Historia da
O rd e m dos Advogados do Brasil

relação ao Executivo. Foi o caso do ministro do STM, Julio de Sá Bierrenbach,


que, contrário ao arquivamento do IPM sobre a bom ba no Riocentro, emitiu
um voto escrito de 52 páginas, pedindo a abertura de um novo inquérito para
que 0 capitão Wilson Machado fosse ouvido como acusado. O abafamento do
Riocentro continuava a fazer vítimas, uma vez que gerou uma crise no inte­
rior do STM e entre essa corte e o Ministério do Exército, cujo titular, general
Walter Pires, criticara - sem citar nomes - a atuação de Bierrenbach. A Ordem
não poderia deixar de se manifestar, e o fez prontamente por intermédio do
membro nato Ribeiro de Castro, que apresentou anteprojeto de nota oficial a
ser divulgada pela Ordem:

A Ordem dos Advogados do Brasil, defensora permanente dos direitos funda­


mentais do homem, os quais têm como um de seus pressupostos a presença de
um judiciário independente, manifesta a sua apreensão pelo fato de que o voto
de um eminente magistrado, o ministro almirante Julio de Sá Bierrenbach,
no legítimo exercício de suas funções e que só está sujeito à lei e à sua cons­
ciência, tenha se constituído em motivo de intromissões de todo descabidas
do Poder Executivo. A lamentável ocorrência intimida os fracos e coloca em
risco a plena defesa dos direitos do homem e o almejado restabelecimento do
Estado de direito.”^

Não é difícil perceber as mudanças que estavam se operando na forma


de atuação da Ordem, em decorrência, sobretudo, dos desafios colocados pela
nova conjuntura dos anos 1980. Se essa década é considerada “perdida” para
0 crescimento econômico, *' do ponto de vista político, no entanto, marcou a
retomada do vigor da competição eleitoral e partidária, com a volta do pluri-
partidarismo e das eleições diretas em todos os níveis (governadores (1982);
prefeitos das capitais (1985); Presidente da República (1989)). Nesse mesmo
período, houve igualmente uma enorm e expansão dos movimentos sociais,
especialmente no campo, em defesa da reforma agrária. O Movimento dos Sem
Terra (MST) foi criado em 1984, em um encontro realizado em Cascavel, no
Paraná, e, já no ano seguinte, realizaria seu primeiro congresso nacional, onde,
entre outras resoluções, adotou o lema “Ocupar é a solução”, o que indicava
um a profunda mudança no rum o das lutas pela terra no Brasil.

Ver Afa da sessão d a O AB , 15/10/1981.

192 máM
I ) j R c d c n n n [ , i l i / , n . ,h i ,k > ! ' - I . i d i ) I ) í ‘i h ( )c r / i l K o d e 1 ) i i c i l i i

Por isso mesmo, a pauta de assuntos tratada no CDDPH foi sendo


gradualm ente substituída; no lugar dos presos e desaparecidos, entraram
líderes sindicais, advogados e padres que se envolviam na defesa dos direitos
do hom em do campo. Um dos casos mais famosos foi o da prisão e proces­
so de expulsão dos padres franceses Aristides Cam iou e François Gouriou.
Presos em São Geraldo do Araguaia no dia 18 de agosto, juntam ente com 13
posseiros, foram todos enquadrados na Lei de Segurança Nacional por “in ­
citamento e ataque a agentes federais”. A acusação era de que, incentivados
pelos missionários, os posseiros teriam assassinado um capataz de fazenda
e provocado ferimentos em dois agentes da Polícia Federal. Se conflitos de
terra não eram exclusividade do Araguaia, eles assumiam nessa região um
caráter dram ático em função, sobretudo, do fato que aí se desenvolvera, nos
prim eiros anos da década de 70, um foco de guerrilha rural combatido com
vigor pelo Exército brasileiro. Não por acaso, fora criado o Grupo Executivo
de Terras do Araguaia e do Tocantins (Getat), diretam ente ligado ao Conselho
de Segurança Nacional, com o objetivo explícito de adm inistrar a política
fundiária da região.
O caso dos padres franceses do Araguaia mereceu indicação do conse­
lheiro Carlos de Araújo Lima, em que tanto destacou a postura do presidente
em exercício, Aureliano Chaves, contrária à expulsão imediata dos padres e
favorável ao direito de defesa, quanto deixou evidentes a objeção de princípio à
competência da Justiça Militar para o julgamento de crimes políticos e o caráter
antidemocrático da Lei de Segurança Nacional.
Em dezembro de 1981, realizaram-se em Fortaleza, simultaneamente, o
Encontro de Presidentes das Seccionais e o 2° Congresso Nacional sobre
Ensino Jurídico. A realização desses dois congressos pode ser entendida como
a materialização da dupla face da gestão de Bernardo Cabral: enquanto o pri­
meiro se ocupou prioritariamente “dos problemas que afligiam a nação” - o
“pacote de novembro”, com a proibição das coligações partidárias e a instituição
do voto vinculado nas eleições para governador em 1982 - , o outro, tratou das
questões que “atormentavam a própria classe”, como a crise do ensino jurídico
no país, e a urgência na reformulação do currículo de direito e da metodologia

Ver, e n tre o u tros, D ionísio D ias C arn eiro e E d u a rd o M o d ian o , A juste e x terno e d e sequ ilíbrio inte rn o : 1980-
84, e m M arcelo Paiva A breu (o rg .), op. cit.; Jennifer H e rm a n n , Auge e declínio do m odelo de crescimento
com endividam ento: o II P N D e a c r i s e da d ívid a ex te rn a (1974-1984), e m F a b io G ia m b ia g i, A n d ré Villela,
Lavínia B arros d e C astro e Jennifer H e r m a n n (o rg .), op. cit.
Ver Affl da sessão d a O AB, I 6 / 1 1/1981.

màM 193
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

do ensino, visando a adequar a formação dos bacharéis em direito às novas


demandas sociais e profissionais.'*’
Foi a reforma do ensino jurídico que levou o presidente da Ordem a se
encontrar com o ministro da Educação, coronel Rubem Ludwig, a quem apre­
sentou um conjunto de propostas sobre o tema. A continuação da conversa se
daria por ocasião da visita que o ministro faria à Ordem em 18 de março de
1982, considerada por Cabral “uma homenagem àquela autoridade”. O projeto
de reforma encaminhado pela Ordem, já aprovado pelo Ministério da Educação
e Cultura, se assentava em três pontos principais: alteração do currículo; direito
das seccionais da OAB de fixarem o núm ero de vagas nas faculdades de direito;
e obrigatoriedade do Exame de Ordem para o exercício da profissão.
A “homenagem” que teria sido rendida ao ministro visitante causou uma
intensa polêmica entre os conselheiros, conforme registrado na Ata da sessão
de 1° de abril. Os Seabra Fagundes, Miguel e Eduardo, foram m uito críticos.
O primeiro lem brou que, pelo artigo 145 do Estatuto então em vigor, a OAB
estava proibida de prestar hom enagem a qualquer pessoa viva, enquanto o
antecessor de Cabral destacou o constrangim ento causado aos conselheiros
por esses “votos de louvor e manifestações de caráter pessoal que têm sido
freqüentes”. Já o conselheiro Calheiros Bomfim, ausente à cerim ônia, se
declarou constrangido com a leitura dos jornais que noticiaram haver a O r­
dem hom enageado o titular da Educação. A atitude de Cabral - que negou a
existência de “homenagem” a Ludwig, mas, admitida a ocorrência, assumia
por ela integral responsabilidade - foi defendida pelos conselheiros Sergio
Ferraz e Carlos de Araújo Lima. Ambos bateram na tecla de que não teria
havido qualquer “debilidade” na saudação do presidente da Ordem; que não
contrariava o Estatuto a form a pela qual o m inistro havia sido recebido; e,
finalmente, que a independência da Ordem seria “pobre e parca” se não pudesse
ter convivência de “alto nível com autoridades públicas”. Sobre o episódio,
Cabral com entou posteriormente:

Há um equívoco na história do Ludwig. Ele declarou que sua visita à Ordem


era uma forma de demonstrar o seu respeito pela instituição. Nós não fomos ao
Ministério, ele é quem veio à Ordem efez uma espécie de prestação de contas
sobre a questão do ensino jurídico. O dr. Miguel Seabra Fagundes entendeu

Ver A ta da sessão da O A B , 7/12/1981.


Ver.4tfl da sessão da O A B , 18/3/1982.

194 #à#
D<) r j!i/.)L ,')!J j o }:s !,k Io O c in t tt I'.iln o (k' D in 'ilo

isto como homenagem indevida. Eu nao fiz homenagem nenhuma, nem muito
menos a OAB. A Ordem não ficou dividida em função deste episódio.'^'

A querela entre Bernardo Cabral e os Seabra Fagundes não se encerrou aí.


Em outubro, a divergência foi sobre a viagem que o presidente da Ordem faria aos
Estados Unidos, passando antes por Israel.'"- Se existia um componente de dis­
puta pessoal - eles já haviam se enfrentado por duas vezes é certo igualmente
que ambos representavam diferentes definições sobre o papel da Ordem naquela
conjuntura da política nacional. Se, para Cabral, a normalidade democrática
era um fato, a entidade dos advogados precisava de “outras bandeiras”, como
a reformulação do ensino jurídico e o controle sobre a expansão e a qualidade
dos cursos jurídicos:

Consegui fechar uma faculdade de fim de semana. Não consegui que se tor­
nasse obrigatório o Exame de Ordem, à época, embora hoje seja. Consegui
acabar com algo danoso, que eram uns estágios que não recomendavam nada
ao estudante que chegasse ao quarto ano, mas lhe franqueavam a inscrição
na Ordem. Acho que melhorei também a adequação curricular (...). Hoje,
em todo 0 Brasil, avulta um número enorme de faculdades particulares sem
a menor estrutura e condição de estarem formando bacharéis em direito. Nós
conseguimos, atualmente, que a OAB se pronuncie quando da criação de
novas faculdades. Este foi um ganho cuja semente foi plantada lá na minha
gestão. Se eu tivesse de fazer um balanço da época em que a dirigi, diria que
foi favorável.''^‘

O tema da IX Conferência Nacional da OAB, realizada em Florianópolis


entre 2 e 5 de maio de 1982, foi “Justiça Social”, sobre o qual os advogados
apresentaram um total de 58 teses. Como pano de fundo a percepção de que,
embora houvesse se ampliado “a faixa de exercício de algumas das liberdades
fundamentais”, muito ainda precisava ser feito na área dos direitos sociais."' A
defesa desses direitos igualmente implicava riscos e ameaças para os advogados.
O assassinato do procurador da República em Pernambuco, Pedro Jorge de Mello
Silva, quando investigava o desvio de recursos do Banco do Brasil para crédito

Ver B ern ard o C abral, op. cit., p. 120.


Ver A m àa sesiào lin O AB, 25/10 e 8/11/1982.
Id e m , ib., p. 113.
Ver Carta de Florianópolis, 5/5/1982.

màM 195
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

agrícola - o chamado “escândalo da mandioca” mereceu um a candente indi­


cação do conselheiro Sobral Pinto no intuito de que a seccional acompanhasse,
“atenta e vigilantemente” o inquérito p o lic ia l.O s assassinatos dos advogados
Tobias Granja, em Maceió, e Gabriel Sales Pimenta, no Pará, ambos motivados
pela atividade profissional que exerciam, levaram à indicação do conselheiro
Calheiros Bomfim exigindo apuração dos “brutais atentados”: “Os advogados
brasileiros saberão cum prir seu dever primordial de defender o direito violado,
não im portando que tal patrocínio contrarie interesses econômicos, políticos
ou de grupos sociais."'^

3.4 Um a eleição em c in c o escrutínios

Questionado por Miguel Seabra Fagundes sobre a pertinência da viagem


que faria aos Estados Unidos,'"' Cabral argumentou que sua ausência não poderia
ser criticada, uma vez que ele dispunha, entre os seus diretores, “de nomes capa­
zes de serem presidentes titulares da OAB” Referiu-se então a Hermann Baeta
como “já candidato à sua sucessão”, o que, em termos de cultura institucional
da Ordem, significava dizer que o nome do secretário-geral fora alinhavado na
Conferência Nacional de Florianópolis.
Sabemos que a escolha do presidente é um mom ento decisivo da história
das instituições. No caso específico da OAB, é fácil ver que a competição sempre
esteve presente, pautada, é certo, por alguns parâmetros prévios: a experiência
adquirida na presidência de seccionais, ou ainda a vivência acumulada em
cargos no Conselho Federal - especialmente os de vice-presidente e secretário-
geral - se constituíam em uma espécie de bilhete de entrada para o clube dos
presidenciáveis. Visível igualmente é a alternância entre m omentos em que
essa competição beirou o conflito, inclusive com repercussões para o público
externo através da mídia, e outros, em que o processo se encaminhou para um
consenso e até mesmo para um acerto futuro.
A sucessão de Bernardo Cabral pode ser enquadrada no primeiro caso,
devendo até mesmo ser tomada como caso-limite de competição sucessória
geradora de conflito interno que vazou extramuros. Esse acirramento se deveu
Ver A ta da sessão da O A B , 18/3/1982.
Ver A ta d a sessão da O AB, 26/7/1982,
Ver A ta da sessão d a O AB, 25/10/1982.
Ver A ta da sessão da O A B . 8/11/1982.

196 màM
V 'd lu n ic ’ I X i k ( ’ ( k ‘ m o t i \ i l i / i U >'i(i .U) I ' s L u l o I i \ ) l i i () ( Í í - D i i c i t o

a um a conjugação de fatores, dentre os quais se podem destacar a tensa con­


juntura política, a desgastante campanha eleitoral e, não menos importante, o
envolvimento de conselheiros da Ordem que tinham projeção nacional, como
Raymundo Faoro, Sobral Pinto, Seabra Fagundes e Victor Nunes Leal.
A questão sucessória se revelou complicada desde o início. Na Confe­
rência Nacional, realizada em maio, quando tradicionalm ente eram definidos
os nomes dos candidatos ao próxim o pleito, M ário Sérgio Duarte Garcia,
que deixara a presidência da seccional de São Paulo (1979-81) para ocupar
o cargo de vice na gestão de Cabral, declinou do convite para concorrer à
sucessão. O próprio M ário Sérgio adm itiu não possuir “nenhum a pretensão
de presidir o Conselho Federal”, p o s t u r a confirmada por Bernardo Cabral
e H erm ann Baeta.™
O anúncio do nom e de Baeta como “já candidato” não implicou, no
entanto, uma definição de Bernardo Cabral em favor da candidatura de seu
secretário-geral. O presidente teria mantido, na avaliação de Baeta, um a postura
“indefinida” em relação à questão sucessória: “Aqui no Rio ele apontava o meu
nome como o candidato dele, da situação, mas em São Paulo, segundo alguns
colegas de lá me diziam, ele falava no nome do José de Castro Bigi”.^“' Essa
ambigüidade do principal eleitor da Ordem acabou perm itindo que o campo
de disputa ficasse aberto, e nele entrasse o nome de Alcides Munhoz Neto, ex-
presidente da OAB do Paraná. A decisão de Mário Sérgio de finalmente entrar
na disputa embaralhou o processo sucessório, porque uma candidatura oriunda
de São Paulo, estado que abrigava cerca de um terço da advocacia militante do
país, sempre desequilibrava a balança. O que não dispensava, claro, a articulação
de um a rede de apoios e alianças capaz de sustentar esse candidato de última
hora, com o conta Mário Sérgio:

Em encontro realizado no Rio de Janeiro, em dezembro de 1982, estávamos


eu, Faoro e o Márcio Thomaz Bastos tomando um aperitivo, quando o Al­
cides Munhoz chegou e disse que já havia vencido a eleição. No dia seguinte
eu almocei na casa do Eduardo Seabra Fagundes - o candidato ainda era
0 Baeta - e todos me disseram: “Você tem que sair candidato, é o único que
pode vencer a eleição contra o Alcides M unhoz”. Neste mesmo dia, à noite, o

Ver M ario Sergio D u a rte G arcia, e m A OAB na voz de seus presidentes, o p . cit., p. 128.
Ver B e rn a rd o C a b ra l, o p . cit., p. 123; e H e r m a n n B aeta, e m A O A B na vo z d e seus presidentes, o p . cit.,
p. 159.
Ver H e rm a n n Baeta, op. cit., p. 159.

màM 197
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Baeta me procurou no hotel em que eu estava hospedado para me comunicar


que já havia retirado a sua candidatura, para que eu pudesse me lançar na
disputa. Fui praticamente forçado a sair candidato.^^

A indicação mais forte de que o processo sucessório seria complicado veio


com a manifestação, na sessão de 25 de fevereiro de 1983, do conselheiro George
Tavares sobre um “assunto que ameaçava desvirtuar” as próximas eleições da
Ordem:

Afirmou [George Tavares] que, em circular que fez distribuir recentemente,


um dos candidatos à presidência do Conselho, doutor Alcides M unhoz Neto,
mencionou, como itens de sua plataforma eleitoral, o custeio, pelo Conselho
Federal, das viagens ao Rio de pelo menos um conselheiro de cada delegação,
quando das sessões da OAB, bem como a pronta transferência do Conselho
para Brasília (...). Ressalvou estar convencido da honestidade das boas in­
tenções de M unhoz Neto que, a seu ver, como jurista e insigne professor uni­
versitário, tinha qualidade para presidir o Conselho, mas disse entender que
0 plano esboçado pelo candidato poderia dar lugar a equívocos por parte das

seccionais, afetando a liberdade de voto, motivo pelo qual pedia ao presidente


que alertasse as seccionais quanto à inviabilidade desse plano.-’’'

A “inviabilidade” a que se refere Tavares relacionava-se não só com o fato de


que 70% do orçamento da Ordem estaria comprometido com o financiamento
dessas passagens, mas também porque considerava “inexeqüível” a transferência
do Conselho para a capital federal pela impossibilidade de aí existirem “conse­
lheiros independentes”.
Como se pode imaginar, o debate que se seguiu foi bastante acirrado, a
começar pela indicação do conselheiro Sylvio Curado de que o Conselho não
levasse em consideração o problema levantado por Tavares, não devendo o
mesmo sequer constar em Ata. Embora houvesse, logo de saída, decidido pela
rejeição do recurso de Curado, o presidente Bernardo Cabral decidiu submetê-lo
ao plenário do Conselho. Pela leitura da Ata da sessão, é possível se perceber que
a argumentação dos conselheiros se aglutinou, grosso rnodo, em torno de três
posições: para alguns, seria inconcebível que não constasse em Ata uma questão
que dizia respeito ao futuro financeiro do Conselho; para outros, representaria

Ver M ario Sergio D u a rte G arcia, op. cit., p. 130.

198 máM
V 'o lL in ic ■> IX i R ( ’( l c n i ( )( i \ i l i / , u . J O ,1(1 I sl.ul() D c n i o i r.itic o i l r H i r c i l i >

“um a forma insuportável de censura, dando a OAB um péssimo exemplo à


nação”; havia ainda aqueles que consideravam o m om ento “delicado” para o
debate de um item do programa eleitoral, pois poderia parecer “agressão” a
um candidato.
O fato de o recurso de Curado ter sido amplamente derrotado - 18 votos
a 2 - não encerrou a discussão, já que se passou à declaração dos votos. Nessa
segunda etapa, a preocupação com a insolvência financeira da Ordem ficou em
segundo plano, claramente suplantada por questões como a disputa eleitoral
em curso, a transferência do Conselho para Brasília e, sobretudo, a dependência
da Ordem em relação ao Poder Executivo que financiaria essa transferência.
Usando da palavra, Munhoz contestou os dados de Tavares, ao afirmar que
os gastos com as passagens comprometeriam apenas 10% do orçamento da
Ordem, e rejeitou a possibilidade de que a mudança para Brasília implicasse
sujeição ao Executivo.
No entanto, a referência a que Munhoz “seria um a pessoa ligada à Escola
Superior de Guerra (ESG)” só foi discutida na sessão seguinte, realizada em 7
de março. Usando da palavra, o candidato explicou que só fizera o curso sobre
Doutrina de Segurança Nacional porque havia sido indicado pela seccional do
Paraná, em atenção a ofício da Associação dos Diplomados da Escola Superior de
Guerra (Adesg) que solicitara o envio de dois representantes da OAB paranaense.
E mais: em virtude do discurso que proferira por ocasião do encerramento do
curso, contendo “críticas à teoria da segurança nacional e aos excessos do SNI”,
teria sofrido vetos comprovados dos órgãos de segurança para o exercício de
várias funções públicas, inclusive reitor da Universidade Federal do Paraná e
desembargador. Portanto, concluía que a “falsa notícia maliciosamente divulgada
perante várias seccionais” era difamatória e, por isso mesmo, não esconderia
seu evidente “sentido eleitoreiro”.'"^
Ao contrário de outras sucessões, quando o viés político-ideológico
também esteve presente na disputa, nesta, ele se m ostrou com toda clareza.
Apesar de Seabra Fagundes ter retificado, na já citada sessão de 25 de fevereiro,
a informação de que Munhoz teria sido aluno da ESG, quando havia apenas
freqüentado a Adesg, o argumento de que o candidato do Paraná seria “um ho­
mem da segurança nacional” foi acionado na campanha, conforme depoimento
do então conselheiro Hermann Baeta:

20) ^ sessão d a 0 .4 5 , 25/2/1983.


Ver A m da sessão da O AB, 7/3/1983.

máM 199
História da
O rdem dos Advogados do Brasil

Nós começamos a reverter pelo Piauí. Havia lá um conselheiro importante,


que tinha presidido a seccional e que era muito meu amigo, o Reginaldo
Santos Furtado. Eu estive lá e expus toda a situação. Comentava-se que o
Alcides Munhoz Neto era homem da '‘segurança nacional” e que tinha feito
umapalestra na Escola Superior de Guerra (ESG). Eu joguei então com este
argumento, que era um receio que todos nós tínhamos, já que vivíamos um
momento em que estávamos saindo de anos muito duros, de violenta repres­
são. Nós temíamos que a vitória do M unhoz Neto pudesse representar um
retrocesso também neste sentido. Nós queríamos um candidato que mantivesse
a linha de independência e democratização da Ordem, de não-alinhamento,
de insubmissão ao poder. Conversamos muito seriamente e eu saí de lá pra­
ticamente com 0 voto do Piauí.^°^

Não menos importante do que o debate ideológico, era a disputa pelo voto
das seccionais, como fica evidente no depoimento acima citado. Cada seccional
tinha três representantes, mas apenas um voto, o que implicava a necessidade
de o candidato obter pelo menos o apoio de dois conselheiros para ter o voto
da seccional. Segundo Seabra Fagundes, a partir da sua sucessão as eleições da
Ordem passaram a se definir pela conquista de votos nas representações esta­
duais, tanto que um dos “segredos” da vitória de Bernardo Cabral teria sido a
visita que fez a praticamente todas eias.^^
Por isso mesmo, é fácil entender a atração eleitoral que representava a pro­
messa feita pelo candidato Alcides Munhoz de custear as passagens dos conselhei­
ros das seccionais. Ora, se a diferença entre vitória e derrota estava na conquista
dos estados, este foi o alvo da estratégia empregada por Mário Sérgio:

Comecei então a me locomover por todo o Brasil em busca dos 12 votos que
ele não havia conseguido. Ocorre que, em alguns dos estados que haviam
decidido votar em favor do Alcides Munhoz, havia conselheiros que gostariam
de votar em mim. E como pelo sistema eleitoral antigo votavam em bloco os
três conselheiros federais de cada estado, prevalecendo a vontade da maioria,
eu alimentei esperanças de vir a conseguir o apoio de parte dos estados com­
prometidos com o meu adversário. Alcides M unhoz havia convidado para
concorrerá vice-presidência na sua chapa o dr. DoranySá Barreto Sampaio, de

Ver H e r m a n n Baeta, o p . c it.,p . 161.


" Ver Seabra F agundes, op. cit., p. 102.

200 #àm
\'() lu itU ' ) I X i l \ i ‘c ! ( - i i i i n i . i l i / . u j í ) , n ) 1 ■'K u l() 1) ( ’m ( K i',ili( () ( I c O i f i ' i t f

Pernambuco, um grande advogado e uma figura excepcional. Naturalmente,


Pernambuco declarou apoiou à candidatura de Alcides Munhoz. Mas, como
no estado do Amapá, um dos três conselheiros me apoiava, o Munhoz, para
garantir o voto do Amapá, voltou atrás e deu a vaga da vice-presidência ao
dr. Ferro Costa, um ilustre ex-deputado dos quadros da antiga UDN, certo
de que o voto de Pernambuco já estava garantido. No entanto, Pernambuco,
descontente com o comportamento de Munhoz, resolveu não votar no Ferro
Costa para a vice-presidência, o que provocou uma modificação do voto deste,
que fazia parte da delegação do Amapá. E o que aconteceu? Ao ser divulgado
0 resultado do primeiro escrutínio, houve um empate de 13 a 13, o que para

mim foi uma surpresa. A essa altura, Pará e Sergipe, onde eu tinha, igual­
mente, um voto de cada estado, mudaram de lado e, embora Amapá tivesse
cedido à pressão para modificar seu voto, eu acabei vencendo a eleição que
parecia perdida.^°^

Um terceiro elemento, que embora não fosse novidade nas campanhas


eleitorais da Ordem, teve um papel fundamental na eleição de 1983: o envol­
vimento dos “medalhões”. Enquanto os Seabra Fagundes, Ribeiro de Castro e
Sobral Pinto apoiaram ostensivamente a candidatura de Mário Sérgio - se­
guindo um estilo que lhe era peculiar, Sobral m andou cartas aos conselheiros
explicando os motivos de sua escolha Munhoz contou com Faoro e Victor
Nunes Leal a seu lado.
Fazendo jus à campanha acirrada, a apuração dos votos, realizada na ses­
são de 4 de abril, se prolongou ao longo de 10 horas em cinco escrutínios. No
primeiro deles, foi eleito apenas o tesoureiro, J. M. O thon Sidou, que derrotou
Manoel Moreira Camargo por 16 votos a 10. No segundo, com a desistência de
Juarez Tavares, candidato na chapa de Mário Sérgio para o cargo de secretário-
geral, foi ele substituído pelo conselheiro Sérgio Ferraz. Dessa vez, o empate de
13 a 13 deu lugar à vitória de Mário Sérgio sobre Alcides Munhoz por 14 a 12.
A terceira rodada de votação preencheu a vaga de vice, já que, com a desistência
de Clóvis Ferro Costa, foi proclamado Herm ann Baeta com 26 votos. Faltavam
ainda os indicados para os cargos de secretário-geral e subsecretário. No quarto
escrutínio, o conselheiro Rômulo Gonçalves derrotou, por 19 votos a seis, Raul
de Souza Silveira, que ocupava a subsecretaria desde 1975. Finalmente, perto
de meia-noite, foi fechada a diretoria para o biênio 1983-85, com a eleição do

Ver M a rio Sergio D u a rte G arcia, op. cit., p. 129.

201
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

conselheiro Francisco Costa Neto, que derrotou Sérgio Ferraz por 14 votos a
10, e dois nulosy»"
É claro que uma campanha tão acirrada, envolvendo o comando de uma
das instituições da sociedade civil mais respeitadas do país e a participação de
figuras de expressão nacional, transbordaria para o público externo. Já que
os principais trunfos da Ordem eram a sua unidade e coesão internas, foram
preocupantes as matérias da imprensa que ressaltaram a cisão ocorrida durante
o processo eleitoral, associando-a - o que era pior para a imagem da Ordem
- a figuras emblemáticas da instituição: “Candidato de Seabra Fagundes der­
rota candidato de Faoro”. A análise mais incisiva sobre o processo eleitoral foi
feita por um artigo da revista Senhor, de 13 de abril, intitulado “OAB, traição e
racha”. Além de enfatizar a dissensão interna - existiriam agora “26 Ordens, e
não apenas uma” denunciava a prática de corrupção eleitoral, já que algumas
seccionais teriam m udado seu voto em troca de “auxílio financeiro” recebido
do Conselho Federal.-'^
A dura resposta da OAB veio por intermédio de uma carta do presidente
recém-eleito à diretora de Senhor, Cátia Azugaray, solicitando que fosse publi­
cada com o mesmo destaque dado à matéria sobre a eleição na OAB:

A5 afirmativas constantes da matéria de V. Sa. teriam partido de meras


conjecturas, que repousaram em conclusões baseadas no “que se comentava
nos corredores da OAB”, circunstância que tira qualquer credibilidade às
acusações, algumas delas manifestamente injuriosas e difamatórias (...).
A derrota de meu oponente não deve e nem pode “abafar a voz de uma das
mais respeitáveis e acatadas instituições da sociedade civil brasileira”, e nem
a Ordem, após a minha eleição, “mergulhou numa profunda crise política”.
Épreciso salientar que uma eleição que se estendeu por cinco escrutínios,
durante cerca de 10 horas, e que resultou na vitória de três candidatos de
uma chapa e de dois da chapa concorrente, representa, em verdade, a m a­
nifestação livre e democrática de um colégio eleitoral dos mais qualificados

2(i«Ygj da sessão áa OAB, 4/4/1983.


Presidente: M ário Sérgio D u a rte G arcia (14) x A lcides M u n h o z N e to (12)
V ice-presidente: H e rm a n n Baeta (26) x Ferro C osta (desistiu)
Secretário-geral: Francisco C o sta N e to (14) x Sérgio F erraz (10); 2 nulos
Subsecretário-. R ò m u lo G onçalves (1 9 ) x R aul d e Souxa Silveira (6)
Tesoureiro: J. M . O th o n S idou (16) x M an o e l M o re ira C am a rg o (10)
“ ’ Ver Affl da sessão d a OAB, 18/4/1983.

202 máã
\'(llui1K- 1 n < ) R ( ’( l t ' n i ( ) ( i ' a l i / , i ( . , à o ,1(1 1' s l . i f l o r .ilic o clr D i i i ' i l o

Terminadas as eleições, os advogados brasileiros caminharão juntos


para a defesa dos superiores interesses da Ordem, identificados com os da
própria nação, que reclama um novo pacto social, para cuja consecução
não se pode admitir sectarismos extremados decorrentes de um resultado
eleitoral menos favoráveU‘°

Os ecos dessa eleição conturbada se fizeram ouvir ainda na sessão de


2 de maio, evidenciando que as feridas estavam longe de se cicatrizarem. O
conselheiro Evandro Lins e Silva (PI) reagiu contra a fala de Alcides Munhoz
no lAB-Paraná, que conteria “aleivosias e agressões” contra o presidente da
seccional do Piauí, Reginaldo Santos Furtado, pedindo que se registrasse em
ata seu protesto contra essa manifestação de “desequilíbrio emocional do
ex-candidato à presidência da Ordem”. Além do próprio Mário Sérgio, várias
seccionais e conselheiros federais hipotecaram solidariedade à OAB-PI. Basta
ler o depoimento de Herm ann Baeta anteriormente citado para se entender
razão de tal “desequilíbrio”.
O tom do discurso que Bernardo Cabral proferiu por ocasião do fim de seu
mandato foi de prestação e de acerto de contas. Em relação aos “problemas da
classe”, contabilizou o levantamento das carências do funcionamento da justiça;
0 relacionamento entre juizes e advogados; as taxas judiciárias; os regimentos de
custas; os preços dos serviços cartorários; a assistência judiciária; o estímulo à
previdência dos advogados e o incentivo à construção de sedes próprias de algu­
mas seccionais. Atenção especial foi dada ao ensino jurídico, mediante contatos
com o Ministério da Educação, e com a realização do II Congresso Nacional
de Ensino Jurídico. O registro das resistências que enfrentou internamente foi
deixado para o final de sua fala:

Sei que de uns poucos recebi incompreensão, e de outros, em número ainda


menor, algumas restrições (...). Dos primeiros não me queixo, sequer os con­
deno, eis que aprendi cedo de que “teremos sempre de marchar entre aqueles
que AINDA não nos compreendem e os que JÁ não nos compreendem".^^

*A ín te g ra da c a rta e n c o n tra -se e m A ta da sessão da OAB, 18/4/1983.


' A ínteg ra d o d iscu rso d e B e rn a rd o C ab ral e n c o n tra -se e m A ta da sessão da O A B , 4 /4/198 3 (grifos n o
original).

203
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

3.5 "Grupo de pressão para desestabilizar o poder tecnobu-
rocrático"

O tom do discurso de posse de Mário Sérgio foi totalmente diferente do


empregado pelo seu antecessor. Ao lado das diferenças pessoais, contou muito
o peso da conjuntura presente e das perspectivas futuras. O u seja, enquanto
Cabral fez um balanço do passado, seu sucessor teria que se defrontar com os
desaíios de uma crise econômica e social gravíssima. O agravamento da inflação,
da recessão e do desemprego atingia níveis alarmantes, e acabou explodindo
no colo dos governadores recém-empossados, especialmente daqueles eleitos
pela oposição: Leonel Brizola, no estado do Rio de Janeiro; Tancredo Neves, em
Minas Gerais; e Franco Montoro, em São Paulo.^'^ No dia 5 de abril, São Paulo
presenciou a tentativa de invasão do Palácio Bandeirantes pelos desempregados,
bem como a ocorrência de saques a supermercados em vários bairros da cidade,
especialmente os da periferia mais pobre, e que mais brutalmente sofriam os
efeitos da perversa combinação de aumento de preços e falta de trabalho.
Ao abrir seu discurso de posse com a frase “a nação está falida”, o novo
presidente da Ordem vocalizava o sentimento geral de que a situação do país
era gravíssima, especialmente pelo impacto das dificuldades econômicas sobre
as condições sociais da maioria do povo brasileiro. Se as questões políticas se
encaminhavam para um bom desfecho - em março, o deputado federal Dante
de Oliveira havia apresentado uma emenda constitucional para restabelecer
as eleições diretas para o próximo pleito presidencial o alvo da luta da OAB
deveria ser, a partir daquele momento, o “perverso” modelo econômico cons­
truído pelo “poder tecnoburocrático”:

A Ordem há de exercer um papel importante precisamente no estudo das


questões sociais, das questões econômicas, de modo a dar a sua contribuição
concreta, visando a melhorar a situação do povo brasileiro (...). Ela batalhará
pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, única forma de levar
0 país à plena redemocratização. Ela dará sua palavra certa, no momento exato,
sobre a necessidade da realização das eleições diretas. Ela, enfim, não se afastará
do povo e de sua posição de líder na sociedade civil, constituindo um grupo de
pressão para que possamos desestabilizar o poder tecnoburocrático.^'^

A lém d o s três citados, a o posiçã o elegeu m ais sete go v e rn a d o re s estaduais.


A íntegra d o discu rso d e M á rio Sérgio e n c o n tra -se e m A ta d a sessão da O A B , 4 /4/19 83 (grifos nossos).

204
\n iu in c > IX) R r t k - n t o i .'lo , t n [ ' s t a t l o D c i t i u i r j t i , u i l c l ^ i r r i l o

Na sessão seguinte, a primeira como presidente da Ordem, Mário Sérgio


voltou a bater na tecla de que o principal desafio da Ordem seria o enfrentamento
das questões sociais, especialmente diante das recentes “convulsões” que pode­
riam ameaçar a razoável estabilidade duram ente conquistada: “A efetiva união
da sociedade civil com a classe política permitirá o desmantelamento do poder
tecnoburocrático, o que possibilitará um a visão mais hum ana da problemática
nacional, voltada para os reais interesses da sociedade”"^
A crise econômica brasileira se agravara a partir de meados de 1982, em
decorrência do aumento das altas taxas de juros imposto por Paul Volcker,
presidente do Federal Reserve, como forma de combater a crescente inflação
norte-americana. A primeira vítima dessa política antiinflacionária foi o Méxi­
co, que anunciou a suspensão do pagamento do serviço de sua dívida externa,
promovendo um forte abalo na comunidade financeira internacional conhecido
como “setembro negro”. Outros países da América Latina com forte endivida­
m ento externo, como Argentina e Brasil, viram-se igualmente diante de uma
grave crise de balanço de pagamentos.
O Brasil sofria os efeitos da política recessiva que os ministros da área eco­
nômica, Delfim Netto à frente, haviam imposto à economia brasileira desde 1981.
Neste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) e o produto industrial tiveram uma
queda de 3,1% e 10,4%, respectivamente. A pequena recuperação registrada em
1982 - o crescimento do PIB foi positivo (1,1%), e a indústria teve uma leve recu­
peração (- 0,4%)"' - deveu-se certamente a pressões políticas, já que era um ano
de eleições, as mais importantes que o governo militar ia enfrentar desde 1974.
A crise era séria. O déficit em conta corrente subiu de 11,7 bilhões de
dólares para 16,3 bilhões de dólares, e o déficit global quase chegou a 9 bilhões.
O principal fator desencadeador dessa crise foi a queda violenta do ingresso
líquido de capital estrangeiro que, em 1982, havia totalizado apenas 7,9 bilhões
de dólares contra 12,8 bilhões de dólares de 1981. Apenas para atravessar o ano
sem deixar de pagar os juros da dívida, o país teve que queimar 3,3 bilhões de
dólares de suas reservas cambiais, além de recorrer a empréstimos-ponte de
bancos estrangeiros, do Tesouro americano, do FMI e do BIS. O total da dívi­
da externa registrada chegou a mais de 70 bilhões de dólares.-'" Diante desse

Ver Affl da sessão da OAB, 18/4/1983,


Cf. Anexo estatístico, e m M arcelo d e Paiva A b reu (org.), op. cit.
Idem , ib. Sobre a crise d a d ív id a exte rn a brasileira, ver ta m b é m Sergio G o ldstein, A d ívida externa brasileira.
Rio d e Janeiro, G u a n a b a ra , 1986; P é rsio A rid a (o rg .), D ívida externa, recessão e a juste estrutural: o Brasil
d iante da crise. Rio d e Janeiro, Paz e Terra, 1983.

•àl 205
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

quadro de dificuldades, a equipe econômica comunicou aos banqueiros, em


20 de dezembro, a impossibilidade de o Brasil pagar a amortização da dívida
em 1983. Na figura da economista chilena Ana Maria Jul, o FMI se instalou de
armas e bagagens no Brasil.
A presença, cada vez mais fi’eqiiente, de temas econômicos na pauta das
sessões da Ordem era o sinal mais evidente de sua atuação como “grupo de
pressão” contra a tecnoburocracia do governo. Na Ata da sessão de 20 de junho,
consta a indicação de que os reajustes da casa própria deveriam estar vinculados
ao aumento do salário mínimo, mesmo porque o m utuário tinha o direito a
esta equação entre o salário e a prestação. A Ordem resolveu constituir uma
comissão permanente para acompanhar a legislação sobre correção monetária
e desindexação, e se colocar à disposição do governo para participar de grupo
de trabalho, cuja composição deveria contemplar segmentos da sociedade civil,
e não ficar restrita às entidades governamentais e aos financiadores do crédito
imobiliário.
Em julho, foi a vez do m embro nato Miguel Seabra Fagundes denunciar o
“acordo lesa-pátria” firmado entre o Brasil e um grupo de banqueiros estran­
geiros, 0 qual, em suas cláusulas, feriria gravemente a soberania nacional. A
pertinência da discussão desse tema ligava-se ao artigo 18, item I, do Estatuto
em vigor, que previa, entre as atribuições da instituição, a defesa da Constitui­
ção, da ordem e das instituições jurídicas: “Que silenciem todos, mas que não
silenciem os advogados do Brasil”, concluiu.'" Além da publicação de nota oficial
de condenação aos termos do acordo, a Ordem aprovou o parecer do relator,
conselheiro Sergio Ferraz, com as seguintes indicações: pelo repúdio ao acordo,
por ofensivo à soberania nacional; pela argüição de sua inconstitucionalidade;
pela deflagração de campanha nacional, em comunhão com outras entidades
representativas da sociedade civil; pelo estudo de representação criminal contra
o presidente da República e ministros.^**
A adoção de medidas de arrocho salarial fazia parte do receituário clássico
do FMI para economias com problemas de inflação e déficit orçamentário. A
idéia era m udar a política salarial vigente desde 1979, que estabelecia reajustes
salariais semestrais de 10% acima do INPC para os que ganhassem entre um
e três salários mínimos mensais e de 100% do INPC para os ganhassem entre
três e 10 mínimos. A proposta do governo, contida no Decreto-Lei n° 2.045

Ver A ta da sessão da O A B , 4/7/1983.


VerAffl d a sessão d a O AB, 1/8/1983.

206 màM
n . t R(’(lí'nio( I\UI/.K j i i .!() n c t n o c r.iln n de I l í r c i t i i

baixado em junho, era limitar os reajustes a 80% do INPC para todas as faixas
salariais. Na sessão do dia 29 de agosto, a Ordem apelou ao Congresso Nacio­
nal pela rejeição desse Decreto-Lei “por sua manifesta inconstitucionalidade e
inconveniência”.
D errotado no Congresso pela prim eira vez em 18 anos, por ocasião da
votação do Decreto-Lei 2.024 em setembro, o governo se cercou de medidas
extraordinárias para dobrar os parlamentares e aprovar o Decreto 2.045. Sob
forte pressão popular, o presidente Figueiredo recorreu à suspensão parcial
das liberdades públicas por meio do Decreto 88.888, colocou a capital federal
em “estado de emergência”, e encarregou o general Newton Cruz, com an­
dante m ilitar do Planalto, da aplicação das medidas coercitivas que julgasse
necessárias para a m anutenção da ordem. Uma dessas medidas foi a invasão
da sede da OAB de Brasília, onde se realizava o I Encontro de Advogados do
Distrito Federal.
Coube ao presidente Mário Sérgio fazer o relato do episódio. Programado
havia mais de um ano, os organizadores do Encontro foram surpreendidos por
nota firmada por Newton Cruz em 21 de outubro, alertando que estava proibida
a realização de reuniões, “com caráter contestatório”, em recintos fechados na
área de Brasília. Entendendo não se encaixar na restrição feita pelo general,
o presidente da OAB-DF, Maurício Correia, manteve a data prevista, dia 23.
Presente ao Encontro, Mário Sérgio lembrou que chegara a falar sobre as m e­
didas de emergência, “não com objetivo contestatório ao regime, mas visando a
definir a posição da Ordem de vanguardeira na luta pela plena democratização
do país”. De volta a São Paulo, tendo em vista o clima de absoluta tranqüilidade
em que se desenvolvia o evento, fora surpreendido por telefonema do vice, Her­
m ann Baeta, de que a seccional de Brasília fora invadida por forças policiais e
interditada, o vigia detido, as fitas de gravação apreendidas, e Maurício Correia
ameaçado de ser preso."’
O sentimento de revolta que tom ou conta dos conselheiros pode ser ex­
presso na frase do conselheiro José Júlio Cavalcante de Carvalho: “Foi outra
bom ba contra a OAB”. O u como disse Maurício Correia, contra a “República
Livre dos Advogados do Brasil”:

Disse eu que contestava o Decreto 88.888. E a nota do Comando do Planalto


dizia que não podia haver contestação (...). Contestei a manifestação que

" " V e r A /a da sessão da O A B , 25/10/1983.

màM 207
História da
O rdem dos A dvogados do Brasil

não correspondia àquilo que nós queremos. Porque o que nós queremos é
exatamente o contrário: um ordenamento jurídico que seja expressão do povo
através de uma Assembléia Nacional Constituinte'.^^°

Apesar de todo esse aparato intimidatório, o Decreto 2.045 teve o mesmo


destino do anterior, e foi rejeitado pelo Congresso, evidenciando que a Ordem
não estava sozinha na contestação ao governo. Depois de uma tensa negociação
com os líderes governistas, adotou-se uma fórmula média de aumento de 87%
do INPC para toda a massa salarial, que gerou a edição do Decreto-Lei 2.065.
Também em relação à Ordem, a posição inicial do governo foi dúbia,
pois ao mesmo tempo que determinou a desinterdição do prédio da OAB-DF,
intimou Maurício Correia e o conselheiro Sepúlveda Pertence a comparecer à
sede do Comando Militar do Planalto, a íim de prestar depoimento ao coronel
Fernando de Oliveira, na qualidade de indiciados em IPM m andado instaurar
pelo general Newton Cruz. No entanto, por determinação do presidente Fi­
gueiredo, transmitida à Câmara dos Deputados pelo ministro Leitão de Abreu,
o IPM foi arquivado. A bandeira branca do governo foi aceita pela Ordem, que
substituiu a sessão formal de desagravo público que estava programada por uma
outra, que se realizou no dia 4 de novembro, em clima de absoluta tranqüilidade,
apesar do envio de ofício firmado pelo general Cruz “em tom de velada ameaça”.
Ameaça que acabou se cumprindo, meses depois, quando a sede da Ordem em
Brasília foi vítima de um incêndio misterioso.
Dando o assunto por encerrado, M ário Sérgio sugeriu que a Ordem
voltasse ao caminho “da retomada do Estado de direito, com a convocação da
Assembléia Constituinte e das eleições diretas para presidente da República”.”'
Já havia sido rejeitada qualquer colaboração para “amenizar” os efeitos da LSN,
uma vez que se pretendia a revogação pura e simples desses “resíduos da dita-
dura”.“- No dia 1^ de agosto, foi instalado o Congresso Nacional de Advogados
Pró-Constituinte em São Paulo;

Fizemos questão de convidar também pessoas desvinculadas da advocacia,


justamente porque considerávamos a questão de modo amplo e abrangente.
Contamos com a participação de sociólogos, historiadores, psicólogos, enfim,

Ver Affl d a sessão da O AB, 25/10/1983.


V er A ta d a sessão da O AB, 7/11/1983.
Ver AW da sessão d a O AB, 6 /6 ,2 0 /6 e 30/11/1983.

208 màM
V o l u n i c 1 l"),t R r i k ' n i i ;i ü ( » . n i I s l , t i l< i I x t ,il n ( i ( I r H i r r i l i i

profissionais de outras áreas que trouxeram a sua contribuição no sentido de


caminharmos para um modelo de Constituição que todos almejávamos^^'

Ao mesmo tempo que participava ativamente da mobilização da sociedade


rumo à democracia plena, a Ordem se defrontava com o clima de ameaças que
continuava a pairar sobre os advogados, em especial aqueles ligados aos sindi­
catos rurais e urbanos e às comissões pastorais. A Ata da sessão de 18 de julho
registra a visita que Mário Sérgio fez ao ministro da Justiça, acompanhado de
Marcelo Lavenère, presidente da OAB-AL, e dos advogados Diogenes Tenório
e Freitas Neto, para informá-lo sobre as ameaças que pesavam sobre a vida dos
dois últimos, pela indicação, juntam ente com o conselheiro George Tavares,
para funcionarem na acusação do processo que apurava a autoria do homicídio
perpetrado contra o advogado e jornalista alagoano, Tobias Granja. Os acusados
foram condenados em agosto de 1984.
Outros casos de advogados atingidos por atentados em função de suas
atividades profissionais foram citados. Um deles foi o da vereadora Tereza de
Brito Braga, advogada da Pastoral da Terra, assessora da Comissão de Justiça
e Paz da diocese de Campina Grande (PB), e defensora da líder sindical Mar­
garida Alves, recentemente assassinada. Presente na sessão de 12 de setembro,
a advogada contou que teve sua casa alvejada por disparos de espingarda de
calibre 12. Dentre as providências tomadas pela Ordem, além do telex enviado
ao ministro Abi-Ackel - sem resposta até então - , fora encaminhada represen­
tação ao CDDPH. Nessa mesma sessão, o conselheiro Arthur Lavigne, secretário
da Comissão de Direitos Humanos da OAB, registrou o assassinato, em todo o
território nacional, de quase duas dezenas de advogados ligados ao problema
fundiário e, o mais preocupante, era que os respectivos inquéritos policiais não
haviam chegado a qualquer conclusão. Qual seria, então, o principal instrumen­
to contra a violência que ameaçava não só os direitos dos advogados, mas dos
cidadãos em geral? A publicidade nos meios de comunicação mereceu muito
mais confiança do que as ações da Polícia Federal, principalmente se levando
em conta o resultado das investigações que haviam realizado nos episódios
das bombas na OAB e no Riocentro. Daí a aprovação da publicação de nota
sobre o atentado cometido contra a advogada, como matéria paga, em jornais
de Campina Grande e de João Pessoa, e seu encaminhamento para a imprensa
do resto do país.

Ver M á rio Sergio D u a rte G arcia, o p . cit., p. 134.

màM 209
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

O ano de 1983 se encerrou com um debate sobre a participação da Ordem


em duas esferas: a jurídica, em torno da reforma do Código Civil em tramitação
na Câmara dos Deputados; e a política, sobre a posição da entidade em relação
à campanha das Diretas Já. Quanto a primeira, a Ordem considerava totalmente
inoportuna a aprovação de um novo Código Civil às vésperas de uma Cons­
tituinte; já a participação no movimento pela aprovação da Emenda Dante de
Oliveira foi muito bem recebida pelo Conselho. De acordo com Eduardo Seabra
Fagundes, “era de se esperar que a OAB chefiasse movimento no sentido de apoio
às eleições diretas para escolha do futuro Presidente da República”. Os aplausos
ao voto de Miguel Seabra Fagundes, favorável à manifestação do Conselho em
prol da realização das eleições diretas em novembro de 1984, constituíam prova
inequívoca da posição da Ordem/^^

3.6 Destruir os resíduos da ditadura

Desde o início de 1983, tramitava na Câmara dos Deputados um projeto de


emenda constitucional apresentado pelo deputado Dante de Oliveira {PMDB-
MT), propondo o restabelecimento de eleição direta em todos os níveis e marcando
para 15 de novembro de 1984 a eleição para presidente. Em abril, o diretório
nacional do PMDB deliberou promover uma campanha nacional em prol da rea­
lização das eleições diretas. No entanto, a primeira manifestação popular em favor
dessa reivindicação, que reuniu cerca de dez mil pessoas em São Paulo, ocorreu
em novembro, e foi patrocinada pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
O primeiro comício pró-diretas se realizou no centro de Curitiba, no lugar
conhecido com Boca Maldita, no dia 12 de janeiro de 1984, dois dias depois de
a comissão executiva do PDS, o partido do governo, haver repelido oficialmente
a Emenda Dante de Oliveira. Ao longo de janeiro, foram realizados comícios,
passeatas e manifestações em Porto Alegre, Vitória, Salvador, João Pessoa e For­
taleza, até o grande comício na Praça da Sé, que reuniu cerca de 300 mil pessoas
no aniversário de São Paulo e m ostrou o apoio popular da emenda.
A multiplicação das manifestações por todo o país foi acompanhada da
criação, em março, de um comitê suprapartidário pelas diretas, assim descrita
por Mário Sérgio:

V e r ^ í a àa sessão da O A B , 20/12/1983.

210 màM
V olum e ■) I),I ls('(k'ni()c r , i t i / j ( . j o jo K u d o i')(‘n i o ( I'.itii o c ic [ ) Í K ' i t o

Eu me recordo que recebi, no Conselho Federal da Ordem, a visita do senador


Teotônio Vilela, que me convidou para participar da campanha. Cogitava-se
criar um comitê suprapartidário, e ele vinha, em nome dos políticos, convidar o
presidente da Ordem para integrar esse comitê, ao lado de presidentes de outras
entidades importantes, como a ABI, a Associação dos Docentes Universitários
(Andes), a Sociedade Brasileira de Educação (SBE), etc. Eu, naturalmente,
submeti a matéria ao Conselho, que aprovou a participação da Ordem e a
minha participação pessoal. Tivemos uma reunião em Brasília, no Congresso
Nacional, com a presença dos presidentes de todos os partidos políticos e os
presidentes dessas entidades da sociedade civil. Ulysses Guimarães, muito
experiente, e sabendo, possivelmente, das disputas que surgiriam até mesmo
em relação a quem deveria presidir esse comitê, foi muito hábil e homena­
geou a nossa instituição dizendo aos presentes que quem deveria presidir o
comitê deveria ser o presidente da entidade mais representativa na luta pela
democratização do país, a OAB. E daí, por unanimidade, eu acabei eleito
presidente do comitê que organizou a campanha por eleições diretas.--^

Aproximando-se a data prevista para a votação da emenda, em abril recru­


desceu a campanha pelas diretas. No dia 10, realizou-se uma manifestação no Rio
de Janeiro, reunindo cerca de um milhão de participantes em torno da Cande­
lária e, uma semana depois, foi a vez de São Paulo colocar mais de um milhão e
meio de pessoas no vale do Anhangabaú, gritando Diretas Já! A reação popular
assustou o governo que, como de hábito, deu uma no cravo e outra na ferradura:
enviou ao Congresso projeto de emenda constitucional propondo eleição direta
em 1988, por um lado, e decretou medidas de emergência em Brasília e Goiânia e
restringiu os direitos de liberdade de reunião e de imprensa, por outro. A emenda
foi derrotada em 25 de abril, porque não atingiu o quórum necessário para ser
enviada à apreciação do Senado. Contaram-se 298 votos a favor, 65 contra e três
abstensões e deixaram de comparecer à sessão 112 deputados.
A ameaça de bom ba por ocasião da visita de dom Helder Câmara ao Con­
selho Federai,--" as acusações de favorecimento feitas a Mário Sérgio, bem como
o incêndio na sede da OAB-DF comprovam que, apesar do visível desgaste do
regime militar, ainda lhe restava munição para fazer estragos, e a Ordem con­
tinuava a ser um de seus alvos preferenciais.

Ver M á rio Sergio D u a rte G arcia, op. cit., p. 142.


22*^Ver A ta da sessão da O AB, 7/5/1984.

màM 211
História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

Na Ata da sessão de 4 de junho, consta uma nota de desagravo ao presi­


dente da Ordem em função das acusações que lhe foram feitas na Assembléia
Legislativa de São Paulo e na Câmara dos Deputados, a respeito de contrato
de prestação de serviços profissionais entre a Fepasa (Ferrovias Paulistas S.A.)
e seu escritório da advocacia. Deixemos o próprio Mário Sérgio explicar os
termos do contrato:

Tudo começou com a desapropriação da Companhia Paulista de Estradas


de Ferro, pelo governador Carvalho Pinto. Mais tarde criou-se uma empresa
pública no lugar, a Fepasa, que passou a administrara malha ferroviária de
São Paulo. O problema é que, depois da desapropriação, houve uma discussão
durante muitos anos no tocante ao valor da indenização devida aos acio­
nistas, que chegou a ser estimado em 300 bilhões de cruzeiros de então. Na
impossibilidade de pagar indenização tão vultosa. Franco Montoro, quando
assumiu o governo de São Paulo, resolveu desistir da desapropriação da antiga
companhia. Essa desistência foi manifestada pela Procuradoria-geral, que é
a legítima titular da defesa dos interesses do estado. Como estava havendo
uma série de dificuldades, o governador Montoro me chamou (...). Depois
de examinarmos bem a questão, vimos que eu só poderia ser contratado pela
Fepasa, em função dos prejuízos que ela iria sofrer. Fui contratado e, logo em
seguida, este deputado [Walter Lemes Soares], ligado ao M a lu ffo i à tribuna
da Câmara e me acusou de receber honorários milionários para defender os
interesses da Fepasa, como uma retribuição ao trabalho que eu havia feito
pelas eleições diretas (...).'''

A origem política do episódio é evidente e, mais do que atingir a pessoa


física de Mário Sérgio, visava a ferir a OAB “na vã tentativa de enfraquecer a sua
posição de luta pela construção da democracia no Brasil”, como enfatizou a nota
oficial redigida por Sepúlveda Pertence e assinada pelo vice, Herm ann Baeta;

A Ordem tem sido criticada por setores discordantes de suas intervenções na


discussão dos caminhos institucionais do país. A essas críticas, embora freqüente­
mente distorcidas, temos respondido com a sustentação contínua da legitimidade
de nossa linha de atuação, fiel ao compromisso democrático dos advogados,
parcela marcante da sociedade civil brasileira. O Conselho Federal repudia, no

Ver M á rio Sérgio D u a rte G arcia, op. cit., p. 145.

272 màM
Vnluitic ’> I )j K í ‘( l c n i i ) ( f , i t i / , k , H) , i t ) 1 - . t c u l o [ ) ( ' i t i ( K r . i l K () ( I f 1 l i i c i l o

entanto, com indignada veemência, a troca da via aberta da critica às posições


da entidade pelo ensaio solerte de atingi-la pela difamação de seu presidente.
Mas, a despeito dos incômodos que possa vir a sofrer pela eleição da nova rota
infamante, a OAB proclama que nada a desviará de seu imperativo legal, de
discutir os melhores caminhos conducentes ao aperfeiçoamento institucional e
à plena realização do Estado de direito democrático'^”

No entanto, mais contundente do que a indignação da Ordem foi o tom


abertamente debochado do colunista Tarso de Castro, em artigo que escreveu
sobre o assunto na Folha de S. Paulo de 1° de junho de 1984, na página 40 do
caderno Folha Ilustrada:

(...) isso seria um grande escândalo, pelo fato de contratar o escritório do ad­
vogado Mário Sérgio Duarte Garcia, justamente o presidente da OAB, que por
acaso é uma entidade profundamente ligada à luta pelas liberdades democrá­
ticas, coisa da qual o grupo de Paulo Salim M aluf não pode ouvir falar sem ter
profundas crises de desinteria. Mas o pior é o seguinte: trata-se de uma denúncia
falsa, uma vez que o escritório só será beneficiado com a importância caso vença
a causa. Caso contrário terá apenas a compensação de custos. A í surge uma
coisa estranha: do outro lado, o lado dos acionistas, os advogados levarão com
a causa ganha contra o estado e os interesses da população, nada menos do que
60 bilhões de cruzeiros (...). Vejamos a história do deputado. Ele é, desde que
eleito, em 1968, presidente da Comissão de Transportes da Assembléia Legislativa
- uma grande dedicação à causa dos transportes coletivos estaduais que não se
vê, apenas com um senão: ele é também dono da empresa Andorinha, uma das
forças maiores que este país tem em matéria de transporte rodoviário. Além do
mais, responsável por um lobby de empresas em São Paulo. Vai dai que não
gosta de trens, é um direito que lhe cabe. Querem mais coincidência? Pois aí vai
outra: sendo representante da região de Presidente Prudente, Walter conversou
muito com M aluf sobre as inconveniências do transporte ferroviário na Alta
Sorocabana. Mais acasos? É ele, Walter, que detém o monopólio das linhas ro­
doviárias da região. Epara dar aos estranhos casos, por hoje, findos, foi então
que Maluf, que hoje conta com o apoio de Walter para a presidência, desativou
praticamente todos os trens que serviam à região a custos rentáveis.-^^

'''V e r A m da sessão da O A B , 4/6/1984.


O artig o e n c o n tra -se c ita d o e m M á rio Sergio D u a rte G arcia, op. cit., p. 146-47.

213
História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

No mês seguinte, a Ordem foi novamente atingida; dessa vez, o alvo visado
foi mais físico do que moral. O prédio da OAB-DF sofreu um incêndio, avaliado
pelo presidente Maurício Correia como de “origem criminosa”, que destruíra
completamente o terceiro andar do prédio e danificara o quarto. A suspeita de
“crime” residia no fato de que o sinistro ocorrera três dias depois de o general
Newton Cruz ter sido citado para contestar a ação movida pela seccional de
Brasília, concernente ao episódio anterior da invasão do mesmo prédio. A as­
sociação com fatos do passado recente não pôde deixar de ser feita, tal como
enfatizou o conselheiro Moacir Belchior:

O braço que incendiou o terceiro andar da OAB-DF (...) é o mesmo do Rio-


centro. São os remanescentes do aparelho de repressão. Os remanescentes do
DOI-Codi, que não se conformam com a atuação em defesa da democracia e
da liberdade, com a independência com que se vem portando a Ordem.^'"

A frase que encerrou a Carta de Recife, declaração final da X Conferência


Nacional da OAB, realizada em Recife entre 30 de setembro e 4 de outubro, dá
bem uma idéia das dificuldades de um período de transição, quando passado
e presente convivem em tensão permanente: “Não pode existir democracia
sem antes destruir todos os resíduos da ditadura.” Muitos embaraços vinham
exatamente das circunstâncias de se ter um pé lá, e outro cá. Por exemplo: a
Ordem foi convidada pelo presidente do STF, ministro Cordeiro Guerra, a par­
ticipar das homenagens a Alfredo Buzaid que se aposentaria no próximo 3 de
outubro. Como lidar com esse “resíduo da ditadura” em plena transição para a
democracia? Em relação a Buzaid, a Ordem já havia marcado posição ao ter se
manifestado contra a sua nomeação para o Supremo, e nem sequer mandado
representante para a sua posse. A questão, no entanto, era: deveria a Ordem
simplesmente guardar “total silêncio sobre o assunto”, como sugeriu Sobral
Pinto, ou, como indicado pela proposta vitoriosa de Miguel Seabra Fagundes,
explicar, “com clareza e cortesia”, as razões do não-comparecimento do repre­
sentante da OAB à solenidade?^)' Em resposta à ausência explicada da Ordem, o
ministro Cordeiro Guerra resolveu alterar o cerimonial das sessões solenes do
Supremo, excluindo os dispositivos que tratavam da manifestação do advogado
convidado ou designado nas solenidades da Corte.”' Essa dura reação pode ser
Ver Afíi da sessão d a O A B , 2/7/1984.
Ver A ta da sessão da O A B , 17/7/1984.
Ver A ta d a sessão da O AB , 2 2 /10/1984.

214 màM
Y 'o lu in r 1 l')<i k t'd c m u i, i . i t i / . n ,t(i do I ^l.id o D c iiio c I'.ilii o d c [D iri'ilti

atribuída ao fato de ser ele um “homem de direita, muito ligado ao regime m i­


litar”, como definiu Mário Sérgio. A regularização das relações com o STF viria
por ocasião da posse do sucessor de Cordeiro Guerra, ministro Moreira Alves.
As circunstâncias agora eram outras, mesmo porque Mário Sérgio entraria no
Supremo para assistir à posse do novo presidente de braço dado com Tancredo
Neves, recém-eleito pelo Colégio EleitoralJ»
A eleição do presidente pelo Colégio Eleitoral era outro “resíduo da
ditadura” que só se extinguiu, de fato, com a eleição direta de 1989. A vitória
do governador mineiro, o peemedebista Tancredo Neves, dono de um a lon­
ga carreira na política nacional, sobre o ex-governador de São Paulo, Paulo
Maluf, do PDS, resultou de um a conjunção de acertos do lado vitorioso, e de
igual constelação de erros do lado derrotado. Comecemos pela escolha dos
candidatos. Tancredo era o nom e de consenso da oposição que concordava
em jogar o jogo com as cartas marcadas pelo regime, ou seja, vitória, só se
conseguisse conquistar os votos de um a boa parcela dos governistas. Por isso
mesmo, as chances do doutor Ulysses eram m uito pequenas, uma vez que
seu nom e causava urticária não só nos militares, bem como em setores do
governo que poderiam ser cooptados para um a candidatura mais light, como
se dizia à época. Veio justam ente de Ulysses um a das interessantes traduções
de Tancredo:

Tancredo era um sábio. Sabia conversar, sabia ler, sabia rezar, sabia comer
e beber, sabia rir, sabia ironizar, sabia não ter medo (...), sabia ser suave
na forma e forte na ação. Forte como uma linha reta e doce como a curva
do rio. Pelo bem e pela verdade foi implacável no cumprimento da terrível
sentença: não se faz política sem fazer vítimas (...): eu amava, admirava e
temia Tancredo.^'^

Do outro lado, foi tudo ao contrário: vários candidatos - além de Paulo


Maluf, concorreram à indicação o vice, Aureliano Chaves, e o m inistro do
Interior, coronel Mário Andreazza e a escolha recaiu justam ente naquele
que provocava m uita resistência, tanto na raia da oposição, pelas suas ligações
com a linha-dura, quanto nas hostes governistas, ameaçados por um tipo de
liderança que atropelava procedim entos comezinhos da política, ameaçando

™ Ver M á rio Sérgio D u a rte G arcia, op. cit., p. 149.


™ C ita d o p o r Francisco C arlos Teixeira d a Silva, op. cit., p. 278.

máM 215
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

os velhos cardeais do partido. Diante do vácuo provocado pela tibieza do


Presidente da República - sem iniciativas, fechado no Planalto, Figueiredo
prom eteu não ditar o nom e de seu sucessor abriu-se o espaço para que im ­
portantes líderes do PDS viessem a form ar um a dissidência, a Frente Liberal,
posteriorm ente transform ada em partido de mesmo nome. A garantia de uma
transição pactuada, que coroasse o projeto de abertura lenta e gradual, foi ob­
tida com o ingresso do governista José Sarney no PMDB, e sua indicação para
a chapa encabeçada por Tancredo na chamada Aliança Democrática. A vitória
no Colégio Eleitoral por um a larga margem de votos - 480 para Tancredo,
180 para Maluf, 17 abstensões e nove ausências - expressou certamente uma
bem -articulada composição das elites políticas dom inantes, mas igualmente
a vontade da m aior parte da população brasileira sempre esperançosa de que
viesse um a “nova República”.”'
Defensora das eleições diretas, a Ordem acabou tendo que enfrentar essa
questão dentro de casa. Na sessão de 22 de outubro, foi apresentada indicação do
conselheiro Calheiros Bomfim, subscrita pela delegação de Mato Grosso do Sul,
propondo alteração no Estatuto da Ordem para que se estabelecesse: “a) eleição
direta, através de assembléia geral de advogados, da totalidade dos integrantes
dos conselhos seccionais da OAB, excluída a participação dos representantes
dos Institutos dos Advogados; b) eleição, pela mesma forma, dos delegados do
Conselho Federal; c) abolição da figura do mem bro nato em todos os níveis”.
Havia ainda a indicação de que se debatesse a conveniência do estudo de uma
fórmula capaz de “viabilizar a eleição do presidente do Conselho Federal pela
mesma via de eleição direta”. Apesar da simpatia manifesta do presidente Mário
Sérgio, a proposta não prosperou, e as mudanças no processo eleitoral da O r­
dem só se efetivariam no novo Estatuto aprovado em 1994. Coerente com sua
posição, embora reconhecendo posteriormente ser ela equivocada, Mário Sérgio
não compareceu à posse de José Sarney, em 15 de março. Tancredo veio a falecer
no mês seguinte, e o vice acabou se transform ando no presidente encarregado
de consolidar a democracia no país.
Ao término de seu mandato, Mário Sérgio deixava para seu sucessor, Her­
m ann Baeta, um inventário de iniciativas a serem tomadas no próximo mandato.
Em termos internos, tratava-se da polêmica mudança do Conselho Federal
S o bre a fase final d a tra n siç ão política e a eleição d e T a n c re d o Neves, ver, além d o s cita d o s n a n o ta 76,
Alzira Alves A breu, (org.)- Transição e m fragm entos: desafios d a d e m o c ra c ia n o final d o século XX. Rio
d e Janeiro, E d ito ra FGV, 2001; T h o m a s S k id m o re , op. cit, cap. V II; F rancisco C arlo s Teixeira d a Silva,
op. c i t ; R o n ald o C osta C o u to , op. cit.

216 màM
\oluilH ' 1 [ ),i K c ílr iiK H i.iii/a i .u I .in I '^l.uli) D c i i k k i\iln <i ( i c [ )iic itn

para Brasilia, indicada como necessária na reunião oficiosa de presidentes de


conselhos seccionais, realizada nos dias 8 e 9 de março, em São Luís do M ara­
nhão. A renovação do Conselho, mediante a saída de alguns dos “medalhões”
- Sobral Pinto, Evaristo de Moraes, Heleno Fragoso, Daniel Aarão Reis, Augusto
Sussekind, entre outros - poderia favorecer ao projeto mudancista, contra o
qual sempre haviam oferecido resistência.-^
Quanto ao papel institucional da Ordem como principal representante da
sociedade civil, o painel dos principais desafios fora pintado por ocasião da X
Conferência Nacional, cujo tema foi “Democratização”, aí entendida, sobretudo,
em seus aspectos sociais."' A conquista da liberdade caminhava a passos largos
rum o a um a Constituinte que a Ordem queria livre e soberana. Muito faltava,
no entanto, para a conquista da igualdade, dificultada pela péssima distribuição
de renda e pelos problemas fundiários que se arrastavam havia séculos.

Ver A m da sessão da O A B , 18/3/1985.


A X C o n ferência a p re se n to u u m to ta l d e 17 teses, 14 painéis e 9 teses avulsas.

277
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Capítulo IV
Por uma constituinte livre e soberana (1985-1988)

4.1 A consolidação das conquistas dem ocráticas

Longe da surpresa que foi a ascensão de José Sarney à presidência da Re­


pública, em decorrência da doença e m orte de Tancredo Neves, a eleição do vice
Hermann Baeta para a sucessão de Mário Sérgio foi tranqüila, em tudo diferente
da ocorrida há dois anos."" Algumas estrelas da chamada Nova República se
fizeram representar na posse do novo presidente, dentre as quais o ministro da
Justiça, Fernando Lyra, que tivera uma longa carreira parlamentar (1971-85)
como um dos deputados mais atuantes do grupo “autêntico” do MDB. Presentes
também o ex-presidente Eduardo Seabra Fagundes, na condição de procurador
do estado do Rio de Janeiro e de representante do governador Leonel Brizola, e
Sepúlveda Pertence, na qualidade de procurador-geral da República.
Apesar dos diferentes processos de indicação - Baeta articulara sua eleição
com dois anos de antecedência,-'" enquanto o nome de Sarney resultara de ne­
gociações feitas no calor da hora - ambos tinham vários desafios em com um a
serem enfrentados durante seus mandatos. Um deles, era acertar o passo rum o
à consolidação da democracia. O discurso de Fernando Lyra, falando em nome
do presidente Sarney, bateu exatamente nessa tecla, ou seja, de que a meta co­
m um do governo da Nova República e da Ordem deveria ser a “concretização
do sonho brasileiro de ver seu Estado democrático permanente e irreversível”.

A d ire to ria d o C o n se lh o Federal p a ra o b iê n io 1985-87 teve a segu inte com posição :


Presidente: H e rm a n n d e Assis Baeta (20) x Francisco C o sta N e to (5); u m n ulo
V ice-presidente: M areio T h o m a z B astos (20) x D o ra n y S a m p a io (5); u m n ulo
Secretário-geral: A rth u r Lavigne (19) x Joselito d e A b re u (6)
Subscretário: M o ac ir Belchior (15), u m n u lo ; 10 e m bra n c o
T esoureiro: O th o n S id o u (17) x Sadi L im a (8); u m n u lo
-•’■'V er H e r m a n n Baeta, e m A O A B na vo z de seus presidentes, op. cit., p. 158-61.

218 màB
V d i u i i i c ■) il l R c d c n n II. t j t i / j (. j i i j ( I h \ t J ( l i ) D l ’I I K l u J l Í K i d e [ ) i i c i l o

O passo inicial dessa caminhada - e aqui também estavam de acordo - teria que
ser a “convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana”.
Segundo o ministro, a expectativa do governo em relação à atuação da Ordem
era “a do crivo, da fiscalização perm anente”.-'"
Em seu discurso de posse, Baeta traçou um roteiro dos passos necessários
para o país atingir “a consolidação das conquistas democráticas”:

Não é mais possível uma Carta Magna elaborada nos gabinetes dosjuristas e dos
supostos sábios, imposta à nação. A Constituição de que necessitamos terá de ser
fruto de um amplo diálogo nacional (...). Torna-se imperiosa a derrogação ou a
alteração de dispositivos do residual da legislação autoritária ainda vigorante,
como a Lei de Segurança Nacional Lei de greve, Lei de imprensa, Lei Falcão, Lei
dos Estrangeiros, CLT e, sobretudo, a reformulação geral da legislação eleitoral
e da Lei Orgânica dos partidos, para que todas as classes, grupos, camadas e
segmentos sociais possam manifestar-se livremente e organizar-se em partidos
políticos, sem qualquer discriminação de ordem política, filosófica ou ideológica
(...). A Lei de Anistia, dita ampla, geral e irrestrita, deixou à sua margem mi­
lhares de oficiais e praças (...) e algumas dezenas de civis (...). Temos de lutar e
encontrar instrumentos que impeçam a revoltante e inconcebível prática que
tem resultado na morte e na perseguição de pequenos posseiros, garimpeiros e
trabalhadores rurais, bem como de seus advogados, colegas nossos, no processo
de reivindicação de seus direitos (...).[Compromisso] de dirigir a entidade em
direção a uma sociedade democrática em que haja igualdade e liberdade reais
para todo o povo brasileiro.--"

A ordenação institucional aparecia como um passo indispensável para a


consolidação da democracia, englobando a legalização dos partidos comunistas,
a anistia completa com as devidas reparações, a remoção do “entulho autoritá­
rio”, representado por um conjunto de leis de exceção, como a Lei de Segurança
Nacional, a Lei Falcão, a Lei de greve, a Lei de imprensa, a Lei dos estrangeiros
e, mais que tudo, a elaboração de uma nova Constituição capaz de sintetizar o
espírito dessa República que se queria “nova”.
Se havia quase um consenso em relação a essa agenda, a questão era como
e quando implementá-la. Para a Ordem, a Constituição deveria resultar de um

C ita d o e m A ta tia sessão da O A B , 1/4/1983.


Idem , ib.

%áM 219
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

acordo nacional que saísse “dos gabinetes dos sábios” e tomasse o pulso da popu­
lação. Uma Constituinte exclusiva e soberana, dotada de amplos poderes, eleita
especialmente para esse fim, ainda em 1985, parecia a muitos, à OAB inclusive,
como o formato institucional ideal para a realização do “amplo diálogo nacional”,
indispensável para se liberar o fluxo em direção à democracia plena.
Democracia plena que, como foi exaustivamente debatido na X Conferência,
não deveria se limitar à recuperação da liberdade, mas cobrar também a instau­
ração dos princípios da igualdade social. Nesse ponto, muito precisava ser feito,
especialmente em relação à estrutura fundiária do país, já que a sempre prometida,
e nunca realizada, reforma agrária acabou gerando um clima generalizado de
conflito no campo, resultando, como enfatizou Baeta, “na morte e na perseguição
de pequenos posseiros, garimpeiros e trabalhadores rurais, bem como de seus
advogados”. Igualdade que também pressupunha uma melhor distribuição de
renda, seriamente comprometida pela grave crise econômica legada pelo regime
militar, que misturava, em uma mesma fórmula explosiva, inflação, recessão, de­
semprego e dívida externa crescentes. Convenhamos que, para um presidente que
nasceu fraco, - político nordestino oriundo da Arena/PDS, herdara o ministério
de Tancredo - essa agenda, tanto política quanto econômica, era muito pesada.
Ficaria mais leve se o presidente fosse capaz de atrair “amigos” para seu campo.
Daí, entre outros motivos, a concessão, em maio, da Ordem do Rio Branco, no
grau de Grã-Cruz, para a OAB, “pelos assinalados serviços prestados à causa do
aprimoramento e preservação das instituições jurídicas^'"
O presidente H erm ann Baeta, ao contrário de Sarney, tivera tempo de
construir e consolidar suas relações na Ordem, principalmente desde a época
em que exercera a vice-presidência. No entanto, sabedor de que a instituição
enfrentaria uma conjuntura nacional delicada, para o que seria fundamental a
existência de elementos suficientes de coesão, buscou aparar as poucas arestas
que ainda subsistiam, deixando sua vaga no Conselho Federal pela bancada de
Alagoas para Sobral Pinto.'"' Certamente ainda estava fresca na memória da O r­
dem a querela da Medalha Ruy Barbosa, quando, discordando da proposta feita
por Baeta de mudança no processo de escolha dos agraciados, Sobral, seguido
por Ribeiro de Castro, acabou devolvendo a medalha recebida.'"

^ Ver A ta d a sessão da O AB, 13/5/1985.


Id e m , ib.
Sobre a q uere la d a M edalha R uy B arbosa, ver e m A ta da sessão da O AB, 2/5, 20/6, 18/7, 29/8/83; 17/9 e
12/11/84.

220 màM
Xnl uil K' 1 I ) .l k ( ' ( l ( ’ll)<K I'.ltl/Jl .Ml J l ) 1' - k u l o l)i'm o ( O (Ic l ‘) l t t ‘ ltO

Como esperado, a elaboração de uma nova Constituição encabeçava a


pauta das preocupações da Ordem naquele início de 1985/" começando pela
definição dos princípios que deveriam balizar a Assembléia Constituinte, tal
como propostos ao cabo de um intenso debate: 1) Por um a Constituinte “livre,
soberana e autônom a”, o que significava dizer que “nem o Congresso deve vi­
rar Constituinte, nem a Constituinte virar Congresso”, tal como indicado pelo
conselheiro do Paraná, José Lamartine Corrêa; 2) Pela rejeição de qualquer
anteprojeto de Constituição a ser remetido à fiatura Constituinte, sendo adm i­
tidas, no entanto, colaborações; 3) Pela desqualificação da Constituição então
em vigor, considerada pelo conselheiro Evandro Lins e Silva “o maior entulho a
ser removido”; 4) Pela convocação da Constituinte o mais rapidamente possível;
5) Pela participação, no processo constituinte, de pessoas representativas dos
mais diversos segmentos sociais, atividades profissionais e tendências políticas.
Mereceram voto unânim e do Conselho os itens um, três e quatro, ficando os
demais - dois e cinco - para um a discussão futura/"
De fato, na sessão de 10 de junho foram colocados em pauta alguns temas
polêmicos, como a possibilidade de apresentação de candidatos avulsos à Consti­
tuinte - se para alguns, poderia significar o esvaziamento dos partidos políticos,
com repercussões indesejáveis para a reconstrução democrática em curso, para
outros, se justificaria pela necessidade de se auscultar a opinião nacional, o que
ia para além da representação política. Um segundo tema era o da urgência da
convocação e da eleição dos constituintes, para o que a Ordem convergia na
defesa de uma “Constituinte exclusiva”, tal como denominada pelo conselheiro
gaúcho Leônidas Rangel Xausa. A percepção de que estaria havendo uma deli­
berada procrastinação da convocação da Constituinte, contrariando promessa
feita em praça pública, deu origem à proposta de Miguel Seabra Fagundes de
que os constituintes fossem eleitos em novembro de 1985, juntam ente com os
prefeitos das capitais, para um m andato de seis meses ou um ano. No entanto,
ao lado desse movimento em favor da “Constituinte, Já!” havia a preocupação
com a desinformação da população em relação ao processo constituinte, para
o que seria necessário, conforme indicação dos conselheiros A rthur Lavigne e
Marcelo Lavenère, o desencadeamento de “uma campanha informativa, escla­
recedora e educativa” capaz de possibilitar uma verdadeira representação dos
interesses populares.
Pela E m e n d a C o n stitu c io n a l n° 26, d e 15 de m a io de 1985, foi co n v o ca d a u m a assem bléia naciotial c o n s ­
titu in te pa ra e la b o ra r a nov a C o n stitu iç ã o brasileira.
Ver A ta da sessão da O A B , 13/5/1985.

221
_____________ Historia da
Ò rd e m dos Advogados do Brasil

No entanto, um dos pontos sobre o qual a Ordem fechava questão era


a rejeição à Emenda Constitucional n- 26, que dava poderes constituintes ao
Congresso a ser eleito em novembro de 1986. A tese predom inante na OAB,
como explica Baeta,

era não se atribuir poder constituinte originário ao Congresso Nacional,


como aconteceu, mas sim convocar uma assembléia livre e soberana, que,
antes de constituir, tivesse liberdade para desconstituir o que estivesse erra­
do na sociedade brasileira, do ponto de vista institucional. Isto porque nós
acreditávamos que um Congresso já eleito não teria a liberdade plena, nem a
legitimidade para desconstituir nada, já que eles não haviam sido convocados
especialmente para isso. Nós queríamos uma “Constituinte exclusiva", como
denominou Xausa.^^'

O segundo ponto dizia respeito à rejeição a qualquer anteprojeto cons­


titucional a ser rem etido à futura Constituinte como “privilegiado docu-
mento-base, sobretudo oriundo de comissão nom eada pelos atuais poderes
da República”, conform e consta no docum ento representativo da posição da
Ordem a respeito da Constituinte.^^" A referência tinha nom e e sobrenome:
tratava-se da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, conhecida,
em razão do nom e de seu presidente, como Comissão Afonso Arinos. Essa
desqualificação da “comissão de notáveis” acabou rendendo um desentendi­
m ento entre H erm ann Baeta e Afonso Arinos, que, em entrevista concedida
ao jornal O Globo, de 29 de maio, se teria referido de maneira “descortês” ao
presidente da Ordem.
Sobre o episódio, temos duas falas de Baeta; uma, no calor da hora:

Dei duas entrevistas aos jornais principais de Brasília e também a canais de


televisão e rádio sobre a matéria hoje decidida (...). O eminente professor
Afonso Arinos, agressivamente, disseque não conhecia o presidente da Ordem.
Isto, sinceramente, não me atinge, porque ele é jurista, deve ser advogado
inscrito, e não conhece o presidente da instituição máxima a que pertence.
Então, esta agressão se volta contra elepróprio {...). Não tenho nada contra o
eminente professor Afonso Arinos. Até tenho certa admiração pela capacidade

Ver H e rm a n n Baeta, op. cit., p. 166.


A íntegra d o d o c u m e n to e n c o n tra -se e m A ta da sessão da O AB, 10/6/1985.

222 máM
V ' d l u n i f ') l ) j ls( ‘( k ’n i ( K t . i t i / . i i , Ò1) cio l - ' t i u l o 1 )('iTi () ( I'.itit II ( I c l l i t r i l o

de ele conviver com todos os sistemas politicos deste pais. Eu não conseguiria
isso. Mas eu o admiro”.^'"

A outra, 18 anos depois, como é natural, teve um conteúdo mais ácido:

Na coletiva para a imprensa, em Brasília, respondendo a um jornalista que


não entendia o posicionamento da Ordem contra a “comissão de notáveis”
já que nela estava o Afonso Arinos, um constitucionalista, eu disse que o dr.
Afonso Arinos estava na mesma posição do Dom Pedro I, que queria uma
Constituição digna dele e do Brasil, e não de todo o povo brasileiro. Ele se sentiu
mordido e me alfinetou algum tempo depois, através da imprensa também. Ele
disse: “Quem é Hermann Baeta?” É claro, ele não me conhecia. Eu não vivia
no ambiente dele, tinha outra origem, eu conheci o país por outros ângulos.
Dizem que ele aprendeu primeiro o francês para depois aprender o português
(...). Diziam à época que apenas duas pessoas lhe haviam dirigido críticas:
Carlos Lacerda e eu - o primeiro pela direita e eu pela esquerda. Mas o caldo
entornou mesmo quando um jornalista da revista Isto é Senhor, depois de
uma entrevista que fez comigo, publicou uma declaração que eu havia feito
em off e com a garantia dele de que não seria publicada. Quando perguntado
por ele a respeito da minha opinião sobre o dr. Afonso Arinos, eu disse que o
achava um elitista, um '‘adorador do poder”.^^

Em setembro de 1986, a Comissão presidida por Afonso Arinos concluiu


o anteprojeto de Constituição composto de 468 artigos. Apesar de condecorado
pelo presidente Sarney com a Grâ-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, Arinos
teve o dissabor de ver seu anteprojeto rejeitado pelo Executivo como base para
a discussão constitucional. Eleito senador pelo Rio de Janeiro em novembro de
1986, conseguiria, no entanto, a presidência da Comissão de Sistematização da
Assembléia Constituinte.
A consciência de que a participação da Ordem nesse processo de consoli­
dação do Estado democrático de direito deveria ir além do debate meramente
jurídico pode explicar a proposição final do documento em que se enfatizou a
necessidade de, “independentemente da Constituinte”, o governo enfrentar os
graves problemas econômicos e sociais que assolavam o país, assim definidos:

Ver A ta d a sessão da OAB> 10/6/1985.


Ver H e rm a n n Baeta. op. cit., p. 168.

•ál 223
História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

0 desemprego, a retomada do desenvolvimento, o abandono da política de


recessão imposta pelo FMI, entre outros
A preocupação política se revelou igualmente em relação à legitimidade
dos “atuais poderes da República”, dadas as condições “particulares” das eleições
do presidente da República e do Congresso Nacional, ambas ocorridas sob o
“império de viciadas normas eleitorais”. Daí o caráter de transitoriedade que
necessariamente possuíam, já que apenas e tão somente deveriam preparar o país
para a tarefa constituinte. Por isso mesmo, a Ordem, desde logo, se posicionou
contrária ao mandato de seis anos conferido ao presidente da República pelo
autoritário “pacote de abril” (1977): “a duração do m andato presidencial, bem
como a própria opção pelo sistema de governo a ser adotado, é matéria de clara
competência da Constituinte"'"
A sessão de 8 de julho trouxe à baila a norm a estatutária que vedava à O r­
dem o envolvimento em questões como a renegociação da dívida externa. Diante
do acirrado debate que se seguiu à indicação de que se manifestasse ao governo
o desejo de que os interesses nacionais fossem preservados na negociação com
a banca internacional, foi então vitoriosa a posição favorável ao adiamento da
discussão mediante o pedido de vistas feito pelo conselheiro Oto Luiz Sponholz
(PR). O debate foi retomado com vigor na sessão de 17 de setembro, eviden­
ciando que o que estava verdadeiramente em jogo era a posição da instituição
em relação ao governo Sarney,“com quem estava atritada a propósito da Cons­
tituinte”, como foi observado pelo conselheiro Moacir Belchior. As posições se
tornaram mais claras na medida em que alguns conselheiros consideraram ser
político-partidária a tentativa de aproximar as posições da Ordem e do governo
quanto à dívida externa. O argumento de Belchior se sustentou na oposição entre
o caráter perm anente da Ordem e a provisoriedade dos governos, e no risco que
tal opção poderia trazer para a independência da instituição. As falas dos conse­
lheiros baianos Milton Tavares e Calmon de Passos, ao mesmo que reforçavam
a tese da possível perda de respeitabilidade da instituição pelo envolvimento
em “questão polêmica de fundo partidário”, manifestavam preocupação em
relação a essa “postura de denúncia”, im portante na época da ditadura, porém
não mais naquele período de construção do regime democrático. O receio era de
que a Ordem viesse a adotar uma “roupagem esquerdizante e ideologicamente
inidentificável”, como disse Calmon de Passos:

Ver A m da sessão da O A B , 10/6/1985.


Idem , ib.

224 màM
\n lu n ic 1 I \ i K<‘(k'i)ii II t . i i i / . H ,11) . Ml I I K i/iiii (I (ir

Parece que nós ainda não despertamos para o fato âe que lutar contra o
regime discricionário e autoritário era uma postura de denúncia, mas que,
no momento em que se abre para este país uma perspectiva de construção
de um sistema democrático, a simples postura contestatória (...) já não é a
melhor das contribuições.^^’

Do outro lado, estavam aqueles que, ao mesmo tem po em que negavam


qualquer coloração político-partidária na denúncia da negociação da dívida
externa brasileira, frisavam ter sido justamente a posição “militante” em questões
políticas desse tipo que granjeara para a Ordem o lugar de mais importante órgão
da sociedade civil. Como lembrou o conselheiro Calheiros Bomfim, se a Ordem
houvesse adotado como referência o pensamento dominante não teria assumido
as posições em favor da anistia e do habeas-corpus. Em veemente discurso, o
conselheiro de Roraima, Sérgio do Rego Macedo, defendeu o direito e o dever
da OAB de ingressar na área econômica “porque a área econômica é política, e
não me nego o poder de entrar na área política como conselheiro federal”. Por
ampla margem de votos - 19 a 3 - saiu vitorioso o parecer do relator, Marcelo
Lavenère, manifestando a posição crítica da Ordem em relação aos termos em
que vinha sendo negociada a dívida externa brasileira, e a necessidade imperiosa
de mudá-los em favor dos interesses nacionais.
Mas não era apenas em relação ao Executivo que a Ordem precisava de­
finir seu relacionamento. Desde a sua ausência na cerimônia de homenagem a
Alfredo Buzaid, a relação entre as duas instituições não se normalizara. O sinal
dessa “anormalidade” estaria no fato de a Ordem não ter sido lembrada para as
homenagens que o Supremo prestou a Victor Nunes Leal."' O encontro entre os
dois presidentes, H erm ann Baeta e Moreira Alves, selou a paz entre as entidades
e, em setembro, a OAB foi convidada e se fez representar na posse de Carlos
Alberto Madeira."'^ O que a ditadura militar havia separado, a consolidação da
democracia acabou unindo.
O caráter de urgência da implantação da reforma agrária no Brasil asso­
ciou-se à disposição da OAB de tomá-la como bandeira de luta pela constituição
de um Estado democrático de direito no Brasil. Com esse objetivo, Baeta apoiou
a iniciativa do presidente da seccional do Maranhão, Sebastião Carlos Nina, de
promover, entre l “ e3 de agosto de 1985, um seminário sobre direitos humanos
™ T recho da fala d o con se lh e iro C a lm o n d e Passos c ita d o n a A ta da sessão da O AB, 17/9/1985.
Ver A ta d a sessão da O A B , 19/8/1985.
Ver A ta d a sessão da O A B , 16/9/1985.

22 5
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

na cidade de Imperatriz, no sul do Maranhão, um dos principais focos de tensão


da luta pela terra na região conhecida como “Bico do Papagaio”. O clima tenso
que marcou o evento foi bem descrito por Baeta:

Estavam presentes o presidente da subseção da OAB de Imperatriz, Oscar Gu­


din, 0 delegado - que tinha envolvimento com a criminalidade, depois viemos a
saber-, o prefeito da cidade, José Ribamar Fiquene, que se dizia amigo íntimo
do presidente Sarney, o Artur Lavigne, secretário-geral do Conselho Federal, e
0 dr. Sérgio Ferraz, conselheiro federal, além de diversos membros de comissões

de direitos humanos da Ordem em outros estados. Na primeira noite, depois


da abertura do Encontro, fomos convidados pelo prefeito para jantar. Para
se ter uma idéia da gravidade do problema e da tensão do lugar, ele andava
para todo lado acompanhado de um capanga, nitidamente um pistoleiro, que
fazia a “segurança” dele. Nos dias seguintes aconteceram as conferências e
intervenções. Foram feitas um sem ntimero de denúncias de crimes. Visitamos
também as delegacias, precarissimas, sem a menor condição de abrigar presos,
que também não havia. Documentamos tudo e produzimos a Declaração de
Imperatriz, que foi entregue, em audiência, ao presidente Sarney.^^^

Consciente de que boa parte da responsabilidade pela situação de miséria,


de violência e de absoluto desrespeito aos mais rudimentares direitos humanos
- homicídios de todo o tipo assolavam a cidade: passionais, de encomenda, por
motivos futeis, por questões fundiárias - devia-se ao “desequilíbrio socioeconô-
mico e à injusta distribuição de renda”, a Declaração de Imperatriz concluía que a
nova Constituição democrática, fruto de uma Constituinte “específica, autônoma,
livre e soberana”, poderia ser capaz de transformar a situação que provocava essa
violência extrema.-" Se a luta pela volta da democracia priorizara as conquistas na
área político-institucional, agora, no processo de sua consolidação, o foco deveria
se voltar para a inclusão de milhões de pessoas que se encontravam à margem da
cidadania e da justiça. Não por acaso, o Movimento dos Sem Terra (M SI) havia
sido criado em 1984, em um encontro realizado em Cascavel, no Paraná.
O ingresso da Ordem na luta em favor da reforma agrária suscitou um aceso
debate na sessão de 19 de agosto. O primeiro ponto que levantou posições diver­
gentes foi o da composição da comissão que iria discutir o problema agrário no II

H e rm a n n Baeta, op. cit., p. 176-7.


A in te g ra d a Declaração de Im p era triz e n c o n tra -se e m A fa da sessão da O A B , 19/8/1985.

226
V ulunu' ' n . i i', \ t i / a ( , ã u a o F < ta < k ) r . í Ü K x k H i i c i U )

Congresso Pró-Constituinte, a se realizar em Brasília em outubro próximo. Enquan­


to Moacir Belchior se mostrou inconformado pela ausência do empresariado rural
- chegou a sugerir o nome do ex-ministro Alysson Paulinelli - e pela submissão do
conhecimento técnico ao tratamento “emocional” da questão, Lamartine Corrêa
assim justificou a exclusão da representação dos proprietários de terra: “Este setor
vem denunciando um projeto democrático e até tímido - como é o projeto agrário
do governo federal - como um projeto de alta subversão. Esta participação [dos
proprietários rurais] representaria uma voz de tumulto e de discórdia”.
O segundo ponto, envolvendo mais uma vez o conselheiro Belchior, foi a
aprovação do relatório da comissão formada para opinar, a pedido do ministro da
Reforma e do Desenvolvimento Agrário, Nelson Ribeiro, sobre o Plano Nacional
de Reforma Agrária. Depois de ter percorrido estados do Norte, Nordeste, Sul e
Centro-Oeste, e de ter ouvido 44 pessoas vinculadas ao problema agrário - pro­
prietários de terra, trabalhadores rurais, entidades sindicais, sem-terra, posseiros,
indígenas, especialistas, representantes de órgãos oficiais (Incra, Getat...), governa­
dores de estado, religiosos, juizes, promotores, advogados - a comissão, presidida
pelo conselheiro Antônio Pinheiro Machado Netto, se pronunciou, com algumas
observações, favoravelmente à implantação imediata da reforma agrária proposta
pelo governo. Colocado o parecer para aprovação, Moacir Belchior solicitou vista
do processo, desencadeando uma acirrada polêmica. Em um primeiro movimento,
ele voltou a denunciar o atrelamento da Ordem aos projetos do governo, como
no caso anterior da dívida externa. Em seguida, voltou suas baterias contra o que
considerava “ilegitimidade" e “ilegalidade” do Plano, uma vez que o projeto de
reforma agrária deveria, a seu ver, ser discutido no Congresso e ter como origem
uma lei. E concluiu com um alerta: “A OAB tem muitos advogados proprietários de
terra, o que torna recomendável a adoção de uma reforma agrária mais modesta”.
0 contraditório veio nas palavras candentes de Marcelo Lavenère:

Apóio o documento da comissão e apóio o Plano de Reforma Agrária, como


apóio a tentativa do governo de, ressuscitando um documento semimorto,
tentar chegar a uma pequena modificação nessa estrutura. Na verdade, não
caberia uma discussão técnica (...). O documento da Ordem é político. A
discussão da reforma agrária é, antes de ser técnico-juridica, uma discussão
de política agrária.^^^

Ver Afü da sessão da O AB, 19/8/1985.

227
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

O parecer da comissão acabou sendo aprovado, vencido o voto contrário


dado pela delegação do Distrito Federal, da qual Belchior era membro.
A idéia de levar a experiência de Imperatriz para outras cidades que, na
mesma região conflagrada - o Bico do Papagaio sofriam os horrores da vio­
lência gerada pela luta fundiária, foi reforçada pelo comunicado do conselheiro
A rthur Lavigne de que, somente em função do anúncio do plano de reforma
agrária, 22 lavradores haviam sido assassinados no M a ra n h ão .C o n h ecid as
nacionalmente pelo emprego de violência na resolução de conflitos de terra, as
cidades de Marabá (Pará) e de Araguaína (Goiás) receberam os conselheiros da
Ordem. Bem mais delicada do que a ida para as ruas no movimento das Diretas
Já! seria a decisão de se engajar no explosivo terreno da violência no campo,
como bem observou Baeta:

O Conselho ficou reticente, apreensivo, porque era um assunto muito delicado,


perigoso, mas eu não titubeei, tranqüilizei-o mostrando que a minha tática
era provocar a discussão em torno da questão dos direitos humanos, como
forma de pressionar as autoridades para que tomassem providências. Eu não
era louco para personalizar a questão, dando nomes aos bois. O Ministério da
Justiça também se alvoroçou. Mandaram o secretário-geral, José Cavalcanti
Filho, conversar comigo, para me prevenir de que eu estava me envolvendo
em um assunto explosivo, complicado e tudo mais.^^

A realidade, no entanto, se m ostrou mais alarmante do que já parecia à


distância, lembra Baeta:

Nós chegamos em Marabá e constatamos que lá a situação era realmente


mais grave do que em Imperatriz. Morriam em média duas pessoas por dia.
Houve um caso, que nos deixou chocados pela brutalidade, de seis lavradores,
chefes de família, que morreram amarrados a formigueiros pelos capangas de
um fazendeiro, por causa da ocupação de umas terras que o próprio Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) havia autorizado. Lá nós
também constatamos que as delegacias não tinham qualquer infra-estrutura
de instalações, pessoal e viaturas. Como em Imperatriz, documentamos tudo.
[Em Araguaína] também o problema era grave. De todos, foi o seminário que

Ver A m d a sessão da O A B , 16/10/1985.


2M>Ver H e rm a n n B a e ta ,o p . c it.,p . 178.

228 má»
V o lu in c ' 1 ) a l \ C ( k ' i H ( )( i , 1 l i / , n ,)() , i t ) [ s | a d < I I )rni( n i ,il k o I Ir I ) i r e i Io

deu mais trabalho, porque o presidente da subseção da Ordem, da própria


cidade, fez tudo para inviabilizar a realização do evento. Além de grileiro, ele
era advogado do prefeito, que também era grileiro, depois nós descobrimos.
Eles tentaram engrossar com a gente, fizeram discursos provocativos. Para
equilibrar e fazer com que percebessem que não estávamos brincando, eu
também fu i incisivo. Ameacei, no discurso de encerramento, fazer um levan­
tamento, desde o período colonial, das terras griladas da região. Justamente
em Araguaína aconteceu um fato no mínimo curioso. Imperatriz era a cida­
de mais próxima com aeroporto. Tanto na ida quanto na volta haveria um
ônibus que nos levaria de Imperatriz até Araguaína e depois de volta para
Imperatriz. Na ida correu tudo bem, sem qualquer problema. Mas no dia
da volta, 0 ônibus, que estava marcado para as quatro horas da madrugada,
simplesmente não apareceu. Éramos umas oito ou dez pessoas e eu, por via
das dúvidas, não pestanejei: aluguei uns três ou quatro táxis e fomos embora
em direção à Imperatriz. Mas foi só.

Os documentos produzidos pelos três seminários (Imperatriz, Marabá e


Araguaína) foram reunidos no livro Violência no campo, publicado pelo Con­
selho Federal em 1986. Segundo levantamento feito pelos autores, de fins da
década de 1970 até a data da publicação do livro, 47 advogados haviam sido
vítimas, em todo o território nacional, de assassinatos, tentativas de homicí­
dio, ameaças de m orte e desaparecimento. Em todos esses casos, o motivo foi
o exercício profissional, sendo que boa parte deles se relacionava a conflitos
de terra. Três anos depois, na gestão de Márcio Thomaz Bastos, foi realizado
em Imperatriz o II Encontro de Advogados, quando então se registraria uma
redução nos níveis de violência na região.’^'
A escolha de Belém para sediar a XI Conferência Nacional, em agosto de
1986, reforçou a posição da Ordem em favor da luta pelos direitos hum anos em
região de grave conflito agrário, como era o Pará. No entanto, o tema indicado
para teses e debates foi “Constituição”. Como já foi dito anteriormente, a refle­
xão sobre o processo constituinte esteve no topo da agenda do presidente Baeta
desde a sua posse. Na sessão de 19 de agosto de 1985, ele anunciou a realização,
em Brasília, em outubro próximo, do II Encontro Nacional de Advogados Pró-
Constituinte, ocasião em que se efetivaria tam bém a reunião dos presidentes
das seccionais. A organização do Congresso ficou a cargo de duas comissões:

Ver A ta da sessão da OAB> 19/7/1988,

máM 229
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

uma, incumbida da parte material, ficou por conta de Moacir Belchior; a outra,
encarregada do temário, foi coordenada pelo conselheiro Lamartine Corrêa, para
quem, tendo em vista que o objetivo do Congresso seria oferecer sugestões para
a elaboração da futura Constituição, o encontro deveria ocorrer no plenário em
detrimento do sistema de comissões. Os trabalhos se desenvolveriam em seis
unidades: Problemas pré-Constituinte; Direitos do ser humano; Poder político;
Ordem econômica e social; Poder Judiciário; e Direitos dos trabalhadores.
Apesar da importância dos dois congressos constituintes como espaços
de reflexão e de explicitação do pensamento da Ordem, seria no XI Congresso
Nacional, realizado de 4 a 8 de agosto de 1986, que, de maneira mais clara, se re­
velaria 0 posicionamento da entidade em relação a questões fundamentais para a
elaboração da nova Carta Magna do país. O temário se organizou em torno de três
grandes temas - 1. Organização do Estado; 2. Sistema de propriedade; 3. Direitos
do homem os quais, por sua vez, abrangeram, respectivamente, os seguintes sub
temas: 1. Poder e a sociedade; Federação e organização tributária; Poder Judiciário;
2. Poder e propriedade; Reforma agrária; Reforma urbana; 3. Direitos da pessoa
humana; Família, educação, saúde e cultura; Direitos do trabalhador.
Se as questões jurídico-políticas mantiveram um lugar de destaque no
temário da Conferência, é certo que as preocupações “com uma genuína e ra­
dical democratização da sociedade brasileira”, aí incluindo a conquista da plena
cidadania e de um acesso mais justo “aos frutos do trabalho”, deram o tom do
posicionamento da Ordem em relação ao novo arcabouço constitucional do
país. Como seria de se esperar, dada a importância que a questão fundiária
ocupava na agenda da Ordem - e tam bém da sociedade, é bom que se diga - o
mais extenso parágrafo da Declaração de Belém foi a ela dedicado:

A Reforma Agrária há de se encaminhar a curto prazo, atribuindo-se a terra


a quem nela deseje trabalhar, garantindo-se as posses legítimas e o respeito
aos direitos dos trabalhadores rurais. De outra parte, denuncia-se a existên­
cia de grandes áreas rurais ilegalmente adquiridas pela conhecida fraude da
grilagem. A exploração da terra, estruturada em sistema fundiário marcado
pela iniqüidade epelo atraso, apresenta dramáticas dimensões éticas e sociais
que ultrapassam os seus aspectos estritamente econômicos. O direito à vida é
0 bem primeiro, anterior e superior ao direito de propriedade. Este há de ser

promovido não através da concentração crescente, mas por sua ampla disse­
minação, sob várias modalidades, como veículo por excelência de incrementos

230
I "),i Kc' di’iiK K r,i!i 7 .U ã ( ) <111 l.si.icln ["Icmi K r , i l íi u cir D i i c i t u

de produção socialmente justos. É preciso prover formas drásticas de punição


para a propriedade de terras ociosas e daquelas que, embora aproveitadas,
por sua desmesurada extensão tornam impeditivo o direito de propriedade a
milhões de brasileiros e dificultam o próprio desenvolvimento do país.-''-

4.2 Os rumos da Ordem em questão

A obtenção de uma ordem social mais justa, mediante a adoção de preceitos


constitucionais que atendessem aos interesses da maioria dos “despossuídos”, não
era a única meta visada pela Ordem naquele ano de 1986. A Ata da sessão de 18
de novembro do ano anterior registra moção favorável à transferência da sede
para Brasília, assinada por 17 presidentes de seccionais e 176 participantes do 2-
Congresso Pró-Constituinte. Sabemos, no entanto que, longe de significar uma
posição de consenso, a troca da Belacap pela Novacap dividia os conselheiros
em termos de geração, de extrato social e de origem regional. As opiniões eram
contraditórias porque, mais do que uma simples mudança física de sede, o que
estava em jogo era a alteração nas estruturas de poder dentro da Ordem, ou seja,
a sua reestruturação em termos geracionais, sociais e regionais. No lugar dos
“velhos medalhões” do Rio de Janeiro, a antiga cabeça da nação, iriam tomar
assento os advogados dos estados, com acesso mais fácil e rápido a Brasília.
Alguns argumentos desfavoráveis à transferência para Brasília já foram aqui
discutidos, como o do conselheiro George Tavares, preocupado com a perda da
independência dos advogados diante da pressão exercida pelo Executivo, mais
próximo em Brasília.^" Um outro, compartilhado pelo ex-presidente Mário Sér­
gio, era a possibilidade de redução da qualidade do padrão dos conselheiros:

O Rio de Janeiro, por ter sido a capital da República, era o centro para o qual
convergiam grandes nomes da intelectualidade e da advocacia, o que se refletia,
evidentemente, no cotidiano da política interna da Ordem (...). A presença de
figuras como Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva, Miguel Seabra Fagundes,
Sobral Pinto, José Ribeiro de Castro, Eduardo Seabra Fagundes, Raymundo
Faoro e outros, que compareciam às sessões, abrilhantavam as deliberações
do Conselho. Muitas vezes as deliberações eram absolutamente inesperadas,

A ín te g ra da D eclaração d e B elém e n c o n tra -se e m A nais da X I Conferência N acional, 1986.


^ S obre a p o sição d e G eorge Tavares, ver U m a eleição e m cinco escru tín io s, n o c a p ítu lo 3 deste livro.

màM 231
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

surgiam através de uma proposição que entusiasmava a assembléia. Eram


reuniões memoráveis, porque agradavelmente surpreendentes, e que nos
alimentava essa coragem cívica de quefalei.^^

Mesmo reconhecendo o valor incontestável dos “medalhões”, Baeta rebate


o argumento em dois pontos: a “nata da advocacia do Rio de Janeiro” não seria
representativa da média dos advogados brasileiros e, se bem que o debate tivesse
perdido algum “esplendor”, as decisões tomadas pelos “novos” conselheiros
mantiveram a mesma essência dos tempos anteriores.-^'
Lançando mão da mesma estratégia usada anteriormente pelo presidente
Kubitschek - tornar a transferência um fato consumado Baeta, logo após a
sua posse, criou o chamado Escritório de Representação do Conselho Federal
em Brasília e, em 15 de setembro de 1986, a Ordem realizava sua prim eira ses­
são nas instalações da seccional da capital federal. Não foi surpresa o grande
número de ausências justificadas - 29. Na fala do presidente, o anúncio de que,
a partir de então, o novo lugar da Ordem deveria ser na capital da República.
Depois de alguma discussão, foi aprovado o voto do relator, Moacir Belchior,
determinando a realização das próximas sessões na sede da OAB-DF, até que
fosse construído o prédio que abrigaria o Conselho Federal. A m udança defi­
nitiva da administração, dos funcionários, dos móveis e utensílios deveria se
efetivar até o dia 31 de março de 1987.
Um outro “trabalho árduo” seria o de conseguir do governo a doação de um
terreno para a construção da futura sede. Baeta narra em detalhes os meandros
dessa delicada negociação:

O primeiro passo foi pedir uma audiência ao José Aparecido, que era o go­
vernador do Distrito Federal. Fui acompanhado de Moacir Belchior (...) e
tomamos um chá de cadeira. Quando finalmente nos atendeu, foi seco, disse
que não tinha autonomia para fazer a doação de um terreno, e nos propôs
a compra do terreno por um preço reduzido em 40% do valor original. Eu
respondi que lamentava muito, mas que a Ordem não tinha condição de
arcar com um investimento dessa monta, e que, de acordo com o Estatuto,
que é instituído por lei, competia ao Poder Executivo arcar com as “condições
condignas” de instalação da Ordem. Ele examinou o Estatuto, disse que iria

Ver M ario Sérgio D u a rte G arcia, o p cit.. p. 151.


Ver H e rm a n n Baeta, o p . cit., p. 181.

232 màM
I ) , ) R ( ' í l ( ' i i i í u M l i / , u ,'l< ) ci( I [ ' i t . i í l i ) | ) ( ' i i i ( )( I , i l n () r l ( ' I ) i i c í l ( I

estudar o caso, mas não me deu esperança nem se mostrou interessado em


resolver. Houve um segundo encontro [e ele] me deu outro chá de cadeira, e
confirmou tudo o que havia dito na reunião anterior, reforçando a proposta
de nos vender o terreno a um preço abaixo do valor de mercado. Eu também
repeti o que havia dito no encontro passado, alegando que a Ordem não
tinha recursos, agradeci cordialmente, e fu i tentar resolver a questão por
outros meios. Liguei para o chefe da Casa Civil, que era o Marco Maciel, e
pedi uma audiência. Ele foi muitíssimo cortês e me atendeu no dia seguinte.
Na conversa eu expus toda a questão para ele, com base no Estatuto, que ele
examinou com atenção. Ao fim do encontro ele me deu toda a razão e disse
que iria levar o caso ao presidente Sarney. Pediu-me alguns dias e depois me
telefonou marcando uma audiência com o presidente, onde estariamos pre­
sentes eu, ele próprio, o presidente e o governador José Aparecido. O Sarney é
0 homem mais afável do mundo num contato desses. Ele disse que estava de

acordo com a doação e me pediu apenas que apresentasse uma solução para o
problema jurídico da doação de um terreno da União para uma entidade da
sociedade civil com fins públicos, como a OAB. Por acaso, o consultorjurídico
do Distrito Federal, que era quem deveria oficialmente responder por essa
questão burocrática e jurídica, tinha sido meu colega nos tempos de faculdade,
no Rio, 0 dr. Humberto Gomes de Barros. Nós então conversamos e chegamos
rapidamente a um consenso sobre os termos da doação. Fizemos o expediente
e levamos para o Sarney despachar. Lembro-me até hoje do despacho, que
historiava rapidamente a questão, mas com certa malícia. Ao final, antes da
assinatura, ele lançou um “Como pede” (...). O lançamento da pedra fu n ­
damental foi no dia 16 de fevereiro de 1987, porque eu deixaria o cargo em
abril e só sobraria o mês de março para a realização da mudança.^^

No entanto, não era apenas em relação ao aspecto geográfico que a Ordem


mudava seus rumos. Ao lado desse processo de interiorização e de maior integra­
ção entre as seccionais dos estados, a entidade se viu diante do desafio de pensar
uma nova identidade para esses tempos de Nova República. Bem ilustrativo dos
impasses daí decorrentes foi o debate ocorrido na sessão de 18 de novembro
de 1985, a propósito da indicação de Calheiros Bomfim, apoiada por 19 conse­
lheiros, no sentido de exortar o governo com vistas ao reatamento imediato das
relações diplomáticas com Cuba. Ao argüir a preliminar de não-conhecimento

^“ I d e m . ib .p . 182-3.

màM 233
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

da proposta pelo Conselho Federal, o conselheiro Calmon de Passos, embora


ressalvasse que aceitava a providência como “pessoa física”, considerava que
esse tipo de questão não deveria ser da alçada da Ordem, havendo, inclusive, o
risco de perda de sua identidade institucional: “Daqui a pouco, a gente estará
perdido, sem saber o que é e o que não é preocupação da Ordem”.
O mesmo tipo de preocupação - deveria ou não a Ordem mudar o rumo de
sua atuação? - foi manifestada, mais uma vez, só que em um tom mais ácido, por
Calmon de Passos, em relação à indicação de Marcelo Lavenère para o envio de mo­
ção de repúdio à tentativa de agressão militar dos EUA contra a Nicarágua. Pedindo
para que constasse em Ata sua oposição à proposta, o conselheiro da Bahia voltou
a insistir no risco que a Ordem corria ao se imiscuir em assuntos que não seriam
de sua competência: “[É] pretensão nossa, nesse jogo terrível de forças no campo
internacional, descermos de nossa pequenez para nos tornarmos ainda menores
com pronunciamentos dessa natureza’> ' Ponto de vista radicalmente divergente
do presidente Baeta que, convidado pelo Ministério da Justiça da Nicarágua para
as comemorações do sétimo aniversário da Revolução Sandinista, “julgou de fun­
damental importância comparecer, porque aquele era um movimento de reação à
dominação estrangeira e local, era uma esperança que não podia ser destruída”.^'-®
Na sessão seguinte, 15 de abril de 1986, foi a vez do relatório sobre o Plano
C ru z a d o ,p re p a ra d o por uma comissão especialmente designada para este
fim, merecer a costumeira oposição do conselheiro Calmon de Passos: a seu
ver, a Ordem não deveria se pronunciar sobre esses temas. Aproveitou ainda a
ocasião para solicitar a remessa das notas taquigráficas das sessões, devidamen­
te autenticadas, uma vez que pretendia apresentar - talvez na XI Conferência
Nacional a se realizar em agosto - um a comunicação analisando “os rumos da
Ordem”.-'" A posição de Miguel Seabra Fagundes contrária ao mesmo relatório,
considerando que a Ordem estaria “mais uma vez se imiscuindo em matéria
que não lhe compete^"" deixa evidente um certo acerto de rum o em busca do
que deveria ser ou não preocupação da Ordem.

'''' Ver Afíí da sessão da O AB, 14/4/1986.


2es Vgp H e r m a n n Baeta, op. cit., p. 186.

S obre o P la n o C ru z a d o , ver, e n tre o u tro s , E d u a rd o M o d ia n o , A ó p e ra d o s trê s c ru z a d o s , e m M arcelo


Paiva A b re u (o rg ,), op. cit; e le n n ife r H e r m a n n , Esperança, frustraçã o e aprendizado: a h is tó ria d a
N ova R epú blica, e m F ab io G ia m b ia g i, A n d ré V illela, L avínia B arro s d e C a s tro e J e n n ifer H e r m a n n
(o rg .), o p . cit.
N a C o n fe rê n cia N acional, C a lm o n d e Passos a p re s e n to u a c o m u n ic a ç ã o “ In s tru m e n to s e in stituições as-
s eg u rad o res d o s dire ito s d a pessoa h u m a n a ”, e m p a rceria c o m P au lo Sérgio Fernandes.
Ver A ta da sessão da O A B , 13/5/1986.

234 máM
I UK- ' 0,1 Rc'dc'nioc m li/.K .!() ,to l;sl,irlo D cinoc i. i l i i u ilc n irc ilo

O debate sob re seu novo papel como representante privilegiada da socie­


dade civil extravasou as fronteiras internas da Ordem e tom ou as páginas da
imprensa. Um artigo de Sérgio Lacerda, publicado na seção Ponto de Vista, da
revista Veja (setembro de 1986), fez severas críticas ao posicionamento da OAB
na conjuntura brasileira. Reconhecido como um im portante instrum ento de
luta na época da ditadura militar, o trabalho da entidade deveria, no entanto,
se adaptar aos “novos ares democráticos” e, obedecendo ao próprio Estatuto,
se restringir aos problemas dos advogados. Obviamente, o “conselho” do jor­
nalista provocou um a acirrada discussão no âmbito do Conselho Federal. Do
conselheiro Lamartine Corrêa, partiu o alerta de que a grande imprensa estaria
movendo campanha contra as manifestações da Ordem - e de outras entidades
tam bém - em matéria “institucional democrática”. Do conselheiro Calmon
de Passos, veio o apoio à necessidade de a OAB reavaliar seu comportam ento
em razão da nova realidade política brasileira. “Descabe m anter a atitude que
marcou a Ordem na fase do autoritarism o”, concluiu em perfeita consonância
com a postura manifestada pela matéria da revista citada.-'^
Claro está que um assunto como este, que tocava fundo na identidade
institucional da Ordem construída ao longo das últimas duas décadas, e que
fizera dela a mais reconhecida entidade da sociedade civil, não se encerraria
em apenas uma sessão. Mesmo porque, enfatizamos mais uma vez, o que se
discutia naquele final de 1986 era a definição de um novo rum o para a Ordem.
Por isso mesmo, é fácil entender a “angústia” confessada por Calmon de Passos
que, em longo depoimento, recorreu não só à sua experiência pessoal de m i­
litante, como às reflexões de teóricos do Estado democrático, em especial do
cientista político Norberto Bobbio: “Peguei a bandeira de que, enquanto nós
não fôssemos um Estado de direito, a prioridade, quase que a exclusividade,
da preocupação da Ordem seria o restabelecimento das forças democráticas”.
No entanto - e aí ele se socorreu em Bobbio - recuperado o Estado de direito,
era imperioso refletir sobre o papel que, a partir de então, caberia à Ordem de­
sempenhar. Partindo do pressuposto de que na democracia existem grupos de
interesse que devem ter seu espaço político e sua representatividade, a Ordem
representaria, a seu ver, “um grupo extremamente desgastado pelos 20 anos de
autoritarismo, desprotegido perante o Poder Judiciário e a autoridade policial,
órfão institucionalmente”. O risco e o desafio para os advogados, que antes se
localizavam na atividade repressiva da ditadura militar, agora se situariam no

Ver A ta (ia sessão da O A B , 16/9/1986.

•àl 235
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

Poder Judiciário, que “pretendia reduzir, todos nós, advogados, à inutilidade”.


Qual a saída, então?

Fazermo-nos valer como instituição e lutarmos pela definição constitucional


desse papel que nos cabe, além de, quando necessário for, solidarizarmo-nos
com todos os outros grupos de interesssy sem, entretanto, nos descaracteri­
zarmos ou sem incorrermos na pretensão de representar a sociedade como
um todo.-”

Coube aos conselheiros Sergio Ferraz (PA) e Lamartine Corrêa a defesa


intransigente da identidade da Ordem como um a entidade fundamental para a
construção cotidiana da democracia, e que, por isso mesmo, não poderia ficar
alheia aos grandes debates políticos nacionais. Lamartine Corrêa se incluía no
grupo de conselheiros para quem “não haverá verdadeira democracia enquanto a
nossa estrutura social se assentar sobre a marginalizarão de um a imensa maioria
de brasileiros” Ao distinguir a “democracia formal” - que uniu toda a Ordem
contra a ditadura militar - da “democracia real”, que preconizava reformas sociais
e econômicas, o conselheiro do Paraná insistiu na tese de que o rum o da Ordem
deveria ser m antido em favor do “verdadeiro” Estado de direito; para tanto, o
caminho não deveria ser o “dos cartórios e das custas de escrivão”, e sim aquele
que levava à defesa dos mais pobres dentre os brasileiros”.”^
A divisão político-ideológica, claramente manifestada nos debates acima
citados, não se refletiu no processo sucessório, mesmo porque os candidatos que
colocaram o pé na estrada - o secretário Arthur Lavigne e o vice-presidente M ár­
cio Thomaz Bastos - pertenciam ao grupo que considerava im portante m anter
a Ordem no mesmo rumo. Como este mesmo admite posteriormente:

Fundamentalmente, nós divergíamos em muito pouca coisa. Eu representava


São Paulo, ele era do Rio de Janeiro. Nós montamos nossas chapas e começamos
a disputa, os debates. A desistência dele muito me honrou, inclusive porque
foi uma demonstração de confiança na minha candidatura.^^^

VerAffl da sessão da O A B , 13/10/1986.


Id e m , Ib.
^ Ver M areio T h o m a z Bastos, e m A O A B n a vo z d e seus presidentes, op. cit., p. 192-3.

236 màM
\'()luilic 1 13,1 l\(’(Icmo( ui :i /ai j <' j o I I )(>ini)( i.ili( o (Ir I i

4.3 As bandeiras na Constituinte

Em virtude da desistência de Lavigne, “preconizando a unidade e o for­


talecimento da os 26 votos acabaram indo para a única chapa inscrita
liderada por Márcio Thomaz Bastos,-” que deveria conduzir a Ordem nos de­
bates constituintes que, desde 1° de fevereiro de 1987, começavam a traçar os
contornos da nova ordem jurídica, política, econômica e social do país.
Para enfrentar o desafio de inserir a Ordem como interlocutora privile­
giada no processo de elaboração da nova Constituição, a primeira iniciativa de
Thomaz Bastos foi instalar, logo no dia de sua posse, o Bureau de Acompanha­
mento Constitutucional. Formado pelo procurador de São Paulo, Sérgio Sérvulo
da Cunha, e pelos conselheiros Lamartine Corrêa, Marcelo Lavenère, Marília
Muricy e Olga Cavalheiro Araújo, tinha como objetivo assessorar o presidente
da Ordem nas convocações para depor nas subcomissões temáticas da Consti­
tuinte. Na primeira sessão da gestão de Thom az Bastos, realizada no dia 18 de
maio de 1987, foi decidido que o conselheiro Marcelo Lavenère se encarregaria
da “Ordem econômica”, e que Miguel Seabra Fagundes presidiria a Comissão
Constitucional, secretariado por Fábio Comparato.
Nessa mesma sessão, a Ordem recebeu Ulysses Guimarães, presidente da
Constituinte: em sua fala, o deputado se referiu ao apoio que recebera da OAB
quando ameaçado de cassação pela ditadura militar, bem como à colaboração
que esperava contar na redação da nova Carta Magna do país. Esses laços eram
reforçados pelas relações pessoais entre Ulysses e o presidente da Ordem, tal
como narrado por este:

Eu, particularmente, tinha uma relação muito próxima com o dr. Ulysses.
Ele foi deputado estadual constituinte junto com meu pai, em São Paulo,
em 1946. Eu cresci vendo-o na minha casa. Essa amizade nos aproximou e
facilitou muito nosso intercurso. Ele foi um amigo da OAB.^'"

^’^V er A ía da sessão da OAB, 1/4/1987.


Presidente: M areio T h o m a z Bastos
V ice-presidente: O p h ir Filgueiras C avalcante
Secretário-geral: Luiz C arlos Lopes M ad e ira
Subscretário: M o ac ir Belchior
Tesoureiro: G u a ra c y d a Silva Freitas
™ Ver M árcio T h o m a z Bastos, op. cil-, p . 195.

237
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

O doutor Ulysses não era o único interlocutor privilegiado da Ordem. Eleito


deputado, Bernardo Cabral foi escolhido para a relatoria da poderosa Comissão de
Sistematização, derrotando o deputado mineiro Pimenta da Veiga, e o então sena­
dor, e futuro presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. No entanto,
por razões variadas, foram frustradas as expectativas de que o ex-presidente da
Ordem pudesse se tornar “um canal fácil de aproximação” com a Constituinte.'"’
Segundo Thomaz Bastos, por um lado, a Ordem tinha pudor em fazer lobby; por
outro, a relação com Cabral havia sido marcada “por muitos vaivéns”. J á com
o então deputado Nelson Jobim a ligação era muito próxima:

Nós trabalhamos estreitamente ligados ao deputado Nelson Jobim, que


pensava de modo parecido ao nosso. Ele nos ajudou muito, ele realmente
falava por nós. Na questão, por exemplo, do Conselho Nacional de Justiça,
do controle externo do Poder Judiciário, ele foi o que mais trabalhou, dentro
da Constituinte, para que se concretizasse. Ele tinha uma ligação muito forte
com a conselheira do Rio Grande do Sul, Olga Cavalheiro Araújo, que era
do nosso Bureau. O meu secretário, na época, Luís Carlos Madeira, tinha
sido presidente desta mesma seccional quando o Nelson Jobim era vice. Nós
tínhamos realmente uma ligação muito próxima.'“

No entanto, apesar do clima de aposta na possibilidade de se m udar o país


via Constituinte, a avaliação feita por Lamartine Corrêa sobre o andamento dos
trabalhos foi claramente negativa, citando expressamente “o sistema de coop-
tação recíproca, a péssima qualidade dos textos encaminhados pelos relatores
das subcomissões, e o decepcionante relatório sobre a reforma do Judiciário”.
E alertava: o presidente da OAB deveria vir a público externar a apreensão da
instituição diante do processo de elaboração de “tal Constituição”, menos por
vaidade, e mais pela “sobrevivência da democracia brasileira”. N a avaliação
de Thomaz Bastos,^*' ao lado do pecado original de não ser uma Constituinte
exclusiva, a explicação pelo “m au andamento dos trabalhos” residiria na form a­
ção e na maneira de atuar do chamado “Centrão”. Ao lado do “Grupo dos 32”,
liderado pelo senador José Richa (PMDB-PR), e do “Grupo do consenso”, que

'"’ Ver A m d a sessão da O A B , 14/9/1987.


Ver M árcio T h o m a z Bastos, op, cit., p. 197.
Id e m , ib .,p . 197.
Ver A m da sessão da O A B , 18/5/1987.
Ver M árcio T h o m a z Bastos, o p . cit., p. 195-6.

238 màM
[).l R c d c i l K )( I M l i / c U à<) ,1() I sl.uío n c i l K H KÍ! i u ) (Ic O ir c ílí)

reunia parlamentares do centro e da centro-esquerda, o “Centrão”, politicamente


alinhado ao centro e à direita, era comandado por lideranças conservadoras
do PFL, do PMDB, do PDS, do PTB, do PL e do PDC. Criado com o objetivo
de dar sustentação política ao presidente José Sarney, foi responsável pelas
mudanças na condução do processo de elaboração constitucional, alterando
as normas regimentais que até então norteavam os trabalhos constituintes, e
possibilitando ao governo a vitória em temas de seu interesse, como o sistema
de governo presidencialista e o m andato de cinco anos.
A discussão sobre a “Ordem econômica”, sistematizada por Marcelo La-
venère, trouxe de volta à luz as divergências ideológicas entre os conselheiros.
M antendo sua tradicional postura de defensor do “princípio da livre iniciativa”,
Belchior anunciou que contava com o apoio de vários advogados “que queriam
vistas coletivas da proposta, que era totalitária e que ideologicamente refletia
um a m inoria da sociedade” A dividir os que queriam a imediata votação do
projeto e os que pretendiam seu adiamento estavam as interpretações sobre
o que havia sido decidido nos dois congressos constituintes e na Conferência
de Belém. Um bom exemplo era o do conselheiro Salvador Pompeu de Barros
Filho, que não reconhecia no projeto Lavenère a tese aprovada sobre reforma
agrária, que havia sido a sua, “de equilíbrio”. No entanto, uma leitura cuidadosa
da Ata da sessão de 19 de maio evidencia que, para além da questão fundiária,
o cerne do debate localizou-se nas diversas interpretações sobre o papel do
Estado na economia e seus diferentes graus de intervenção. Como resumiu o
conselheiro Ayres de Brito (SE), a filosofia do projeto Lavenère era “antiliberal,
mas não antidemocrático”. O equilíbrio entre posições divergentes, que impedia
a formação de um consenso a ser encaminhado à Constituinte, fez com que a
questão fosse deixada em suspenso.
Duas outras questões igualmente dividiam a Ordem. Uma delas, era a de­
fesa das eleições diretas para presidente da República e da redução do mandato
presidencial. Como já vimos anteriormente, era forte a idéia da provisoriedade
do governo, em função de ele estar duplamente comprometido com a herança
da ditadura - pela eleição indireta e pelo próprio Sarney, que havia presidido a
Arena. O debate ocorrido na sessão de 30 de junho deixa evidentes os termos
da divergência entre os que, como o tesoureiro Guaracy de Freitas, defendiam
que, tendo em vista o “desgoverno e a desconfiança no presidente da República”,
deveria haver eleições diretas já em 1988, e aqueles que, como o conselheiro
Om ar Baddauy (PR), eram contrários à participação da Ordem nesse movi­

màM 239
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

mento para “não fornecer pretexto para o tum ulto do processo de legitimação
democrática do país”.
O tema voltou à pauta na sessão de 14 de julho, quando Thomaz Bastos
pediu o consentimento do Conselho para “afirmar o mandato de transição do
presidente Sarney”, afastando, assim, a possibilidade deste se alongar por cinco
ou seis anos. Em seguida à sugestão do conselheiro João Luiz Pinaud (RJ) para
a realização de um ato público da OAB em favor de eleições diretas em 1988, o
presidente da Ordem anunciou que havia marcado entrevistas para os jornais
Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil quando, aprovando a indicação de Pinaud,
pretendia deixar clara a posição da Ordem: “O mandato do atual presidente da
República não poderia ultrapassar o marco de redemocratização do país, que
era a Assembléia Nacional Constituinte, tendo legitimidade somente como
mandato de transição”.
Mesmo em tempos de Nova República, a Ordem continuou a ter uma
relação difícil com o Poder Executivo, principalmente em função da postura
que a instituição adotou em relação à duração do mandato presidencial. Daí
decorreu o distanciamento entre os dois presidentes: ao contrário de seu an­
tecessor, que negociou a cessão do terreno para a construção da sede da OAB
em Brasília, Thomaz Bastos se manteve afastado de Sarney: “Os contatos insti­
tucionais que nós precisávamos fazer eram com o ministro da Justiça, o Paulo
Brossard, e algumas vezes com o Sepúlveda Pertence, que era o procurador-geral
da República” ’*"
O acirramento do embate com o Planalto ocorreu no início de março de 1988,
por ocasião da prisão do presidente da seccional da Paraíba, Álvaro Vital do Rego,
durante manifestação, ocorrida por ocasião de visita de Sarney ao estado, em favor
da realização de eleições diretas para presidente ainda naquele ano. Seu depoimento,
transcrito na íntegra na Ata da sessão de 15 de março, registra a humilhação a que
fora submetido pelo comandante-geral da Polícia Militar estadual:

Ele tomou meu braço direito, apertando e dizendo: “Retire-se e cale-se, ad-
vogadozinho. Eu não reconheço qualquer poder, nem qualquer autoridade,
nem qualquer dignidade, na condição de presidente da OAB. Retire-se e
tire esses canalhas” (...). Passei diante de meu algoz que me mandou ficar
postado entre dois tanques de guerra e entre dois soldados da polícia por 15

Id em , ib., p. 203.

240 #à#
V'n Iu ilK l),i i \( '( k ’l l i o ( i , i l i / , i c , i n cK) [ s K k l ( ) 1 )( I ,i t i( 1) ( k' i ) i^ f ‘ifo

minutos, na beira da rodovia (...). E ai se tomavam máquinas fotográficas e


se quebravam máquinas fotográficas.

O tratam ento humilhante, associado ao emprego da Lei de Segurança


Nacional contra o advogado paraibano, remeteu a Ordem aos duros tempos da
ditadura militar, como fica claro nas palavras de Thomaz Bastos:

Depois de décadas de luta contra a LSN, quando o próprio governo federal


reconhece seu caráter autoritário e resolve mandar ao Congresso um novo
projeto quefaz desaparecer a ideologia de segurança nacional, vemos o governo
Sarney e o governo Burity [da Paraíba] usando a LSN contra a OAB, com
toda a terrível carga simbólica que essa lei traz em relação a toda cidadania
brasileira, lembranças de tortura, de violência, de homicídios^J^''

A reação veio rápida. Para avaliar de perto a situação, seguiu para João
Pessoa o secretário-geral, Luiz Carlos Madeira. De imediato, foi feito contato
com o ministro da Justiça, Paulo Brossard, e disparado o aviso de que a Ordem
não admitiria o enquadram ento de um presidente de seccional na LSN, ainda
mais que Vital do Rego cumprira uma determinação do Conselho Federal que,
por unanimidade, havia autorizado sua presença na praça pública dentro da
campanha pró-diretas 88.
O aspecto transitório do governo Sarney, dem onstrado pela evidência
de suas raízes no Estado autoritário, foi o mote das duras críticas de Miguel
Seabra Fagundes:

Adm itir que o mandato perdure ainda por dois anos é o mesmo que dizer que
serão mais dois anos sob a vigência do regime militar, contra o qual a nação
se levantou, em uma revolução à brasileira, indo para as praças públicas em
multidões espantosas. É preciso cinismo para se pretender, para se pleitear que
a Assembléia Nacional Constituinte não tenha poder para reduzir o mandato
do presidente da República, para fixar o seu termo, o final do regime militar
e 0 início da era democrática brasileira.^^"

Ver A ta da sessão d a O AB , 15/3/1988.


Id e m , ib.

màM 241
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

A bandeira da OAB em favor das diretas-88 foi reafirmada na nota redigida


por Thomaz Bastos, denunciando que “o Congresso Constituinte se desviara pe­
rigosamente da cidadania e dera as costas para a nação, na tentativa de construir
a farsa daqueles que pretendiam fazer uma democracia sem voto”.^*'
A reforma do Poder Judiciário igualmente mobilizou a OAB, com por­
tando posições divergentes sobre algumas propostas, como a da criação do
Conselho Nacional da Justiça e do Tribunal Constitucional. No balanço que fez
dos trabalhos constituintes, registrado na Ata da sessão de 14 de setembro de
1987, Thomaz Bastos observou que, se a inserção constitucional da advocacia
estava bem colocada no substitutivo Bernardo Cabral - transformar-se-ia pos­
teriormente no artigo 133 da Constituição o mesmo não estaria ocorrendo
em relação ao Judiciário, uma vez que nem o controle externo, nem o Tribunal
Constitucional, haviam sido devidamente contemplados.
A questão do controle externo era - ainda hoje é, apesar de ter sido incluída
na reforma do Judiciário aprovada no final de 2004 - uma questão delicada. Ao
mesmo tempo em que existe um “respeito supersticioso pelo Poder Judiciário ^"
há interesse efetivo da sociedade em lhe garantir uma certa blindagem capaz
de preservá-lo das pressões externas. Por isso mesmo, é possível se entender o
empenho do presidente da O rdem para mobilizar os conselheiros e os presi­
dentes das seccionais no sentido de intensificarem o trabalho junto à Comissão
de Sistematização em favor da inclusão do controle externo do Judiciário, bem
como do Tribunal Constitucional. No entanto, embora fossem “teses da OAB”,
como alertou Thomaz Bastos, havia resistência contra a criação do Conselho
Nacional da Justiça e do Tribunal de Justiça, como a manifestada pelo agora
senador Maurício Corrêa, no IV Congresso Estadual dos Advogados Mineiros,
realizado em Juiz de Fora."'
Apresentado pela Comissão de Sistematização em novembro de 1987, o
chamado “Projeto de Constituição A” não contemplou o Tribunal de Justiça,
cujo pedido de destaque, apresentado pelo deputado Nelson Jobim, fora der­
rotado por 60 votos contra 31. Quanto ao Conselho Nacional de Justiça, sua
composição foi deixada para a lei complementar e a palavra “externo” retirada,
o que resultou em enfraquecimento em relação à proposta original. Apesar de
salpicadas de observações otimistas - a aprovação dos quatro anos de mandato

Ver A m d a sessão da O A B , 13/6/1988.


" Ver M árcio T h o m a z Bastos, op. d t , p. 197.
"*V erA *u da sessão d a O AB, 19/10/1987.

242 màM
V' o I l i I11í ‘ '« llo K i x i c m i i i M t i z . u ,'i() a o [ staclo D c n x x r.ílii o di» f l i i c i i o

presidencial, por exemplo as conclusões de Miguel Seabra sobre o projeto


constitucional foram desanimadoras, especialmente em relação ao Poder Ju­
diciário, que “deveria compreender que a nação poderia se projetar sobre ele
para fiscalizá-lo, sendo o caso do Conselho Nacional de Justiça; o provimento
de cargos na Suprema Corte do país, e nas demais, exige correção de proces­
so”. O risco de que a Constituinte pudesse vir a ser desestabilizada pela ação
do Centrão levou Thomaz Bastos a se manifestar, em entrevista aos meios de
comunicação, em defesa da soberania da Constituinte e do fim da transição,
bem como da convocação de eleições diretas para presidente 120 dias após a
promulgação da Constituição.^’"
Avaliando, posteriormente, a não-inclusão nos preceitos constitucionais
do controle externo do Judiciário e do Tribunal Constitucional, Thomaz Bastos
lamentou o tem po perdido:

Naquele momento eu não acredito que a sociedade enxergasse essa questão


com clareza. Os advogados sim, talvez a OAB também. Havia muito, como
eu disse, desse respeito supersticioso pelo Poder Judiciário. A resistência era
muito forte dentro da magistratura. O repúdio era unânime, diferentemente
de hoje. Essa não era realmente uma bandeira da sociedade. Naquela época
nós havíamos acabado de sair de uma ditadura militar. Havia uma dificuldade
muito grande de se colocarem esses temas democráticos em discussão. O Poder
Judiciário era muito sacralizado. Falar em controle externo soava como icono-
clastia, como heresia. Hoje está muito mais fácil. Eu acredito que, se tivéssemos
aprovado o controle externo naquela época, nós teríamos mudado a história
do Poder Judiciário brasileiro (...). Eu considerava naquele momento que a
Corte Constitucional era um instrumento indispensável para efetivar a nova
Constituição no concreto da vida brasileira. A função dessa Corte Constitu­
cional, com juizes não-vitalícios e com mandatos de sete anos renováveis por
mais sete, seria exclusivamente a de velar e guardar pela Constituição, como
aconteceu em pelo menos uma dezena de países que passaram de um regime
ditatorial para um regime democrático. Quando se elabora uma Constituição
democrática, depois de um regime militar, faz-se necessário um instrumento
operativo para tornar essa Constituição real, para colocá-la dentro do fluxo
concreto da história do povo. Este era o nosso objetivo, a exemplo do que
aconteceu na Itália, na França, na Grécia, em Portugal. Nós queríamos uma

Ver A m da sessão da O AB, 16/11/1987.

•ál 243
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Corte que fosse afetiva e ideologicamente comprometida com os princípios da


Constituição. Naquele momento, a nossa proposta era de que cada terço dos
juizes fosse indicado por um dos poderes constituídos: Executivo, Legislativo
e Judiciário. Todos passando pelo escrutínio do Senado, como acontece com
os ministros do Supremo. Mas eu mudei de opinião. Hoje eu acato a forma
republicana desenhada por Ruy Barbosa na Constituição de 1891, na qual o
presidente indica e o Senado aprova ou rejeita.

O ano de 1988 seria, em boa medida, pautado pelos debates constituintes,


embora o conselheiro Marcelo Lavenère sugerisse que a XII Conferência Na­
cional da Ordem, a se realizar em Porto Alegre entre 2 e 6 de outubro, deveria
abrir espaço para os temas corporativos. Mesmo porque a reforma do Estatuto
estava prevista para depois da aprovação da Constituição, um a vez que alguns
conselheiros consideraram ser aquele m om ento de “balbúrdia legislativa” ino­
portuno para a mobilização da Ordem.^’' O novo Estatuto só seria aprovado
seis anos depois, em junho de 1994.
O tema central da XII Conferência foi “O advogado e a OAB no processo
de transformação da sociedade brasileira”, e se desenvolveu em torno de qua­
tro grandes eixos: 1) Reflexão histórica e política sobre a sociedade brasileira
e seus segmentos; 2) A condição dos direitos hum anos hoje; 3) Da conjuntura
constitucional; 4) Problemática atual da advocacia. Reunindo um conjunto
expressivo de expoentes do m undo político e intelectual - os sociólogos Flo-
restan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, a psicanalista Maria Rita Kehl,
o educador Cristóvam Buarque, o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, os
economistas Carlos Lessa e Walter Barelli - a Conferência abrigou um vasto
painel que incluía desde a defesa dos direitos das minorias, das mulheres, dos
consumidores, até a proteção ao meio ambiente.^’-
A Carta de Porto Alegre, redigida no m om ento da promulgação da nova
Constituição (5 de outubro de 1988), foi banhada pelo mesmo sentimento de
esperança e de cobrança que perpassava boa parte da sociedade brasileira. Se a
categoria dos advogados podia comemorar a inserção de sua atividade na Cons­
tituição (artigo 133), que assegurara a inviolabilidade da advocacia para atuar
com independência e a indispensabilidade de sua presença na administração
da justiça, era preciso lembrar, no entanto, quão grande era o rol das cobranças

Ver A m d a sessão da O A B , 14/6/1988.


™ Ver A nais da X I I C onferência N acional da O A B , P o rto A legre, 1988.

244 màM
\'()lunir > 1 ) ,i l \ f ‘d c i n i )( c . i t : / , i i ,i( i , h i I > l , u l ( ) I I c i i K n t , i l u o t I r I l i i r i k ,

a serem efetuadas em relação ao Poder Judiciário, às “camadas dom inantes”,


aos “encastelados na máquina do Estado”, ao “modelo econômico perverso”. O
último parágrafo sintetizou bem a homenagem a todos aqueles que apostaram
no ideal democrático como uma possibilidade efetiva de concretização:

Evocando quantos, remota ou recentemente, imolaram suas vidas na busca


do ideal democrático, os advogados presentes à X II Conferência conclamam
os cidadãos a se unirem para garantir e apressar o dia tão almejado, em que a
liberdade, a igualdade e a justiça social cheguem, efetiva e não retoricamente,
a todos os brasileiros.

Historicamente favorável ao direito de greve e contrária ao arbítrio militar,


a OAB reagiu com vigor por ocasião do episódio da violenta repressão à greve da
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em novembro, quando três operários
foram mortos por tropas do Exército que invadiram a fábrica. Além do manifesto
de repúdio à ação truculenta dos militares, assinado conjuntamente com a ABI,
a SBPC, a UBI e a Andes, a Ordem anunciou o estudo de um anteprojeto de Lei
de greve, realizado pela Comissão Pós-Constituinte - substituta do Bureau de
Acompanhamento Constitucional - , a ser encaminhado ao Congresso Nacional.
Ao mesmo tempo, era patente a preocupação com a entrevista concedida pelo
ministro da Marinha, Henrique Sabóia, à revista Veja, em que o chefe militar
reiterava a disposição de “só prestar contas à nação brasileira”. A fluidez e a
ambigüidade do conceito “nação”, sem nenhum a concretização jurídica, assus­
tou alguns conselheiros, que consideraram a pertinência de a OAB “exigir” que
as Forças Armadas atuassem em estrita observância à Constituição Federal,
apurando, de maneira completa, as responsabilidades pelas mortes ocorridas
em Volta Redonda.
Era acentuada a percepção de que a mera promulgação de um a nova
Constituição não traria, como em um passe de mágica, o “almejado dia” da
efetiva consolidação da democracia. A preocupação com a possibilidade de
retorno “às práticas da ditadura”, como observou o conselheiro Evandro Lins
e Silva, era o indício mais evidente de que restavam ainda algumas travessias
antes de se passar para o outro lado da margem do rio. Ao mesmo tempo, eram
igualmente perceptíveis os sinais em favor de um tom mais moderado da Ordem

Ver Affl da sessão d a OAB, 21/11/1988. Sobre o pap el d o s m ilitares n a N o v a R epública, ver Celso C astro e M a­
ria C elin a D ’A ra u jo {ot§s.}. M ilitares e p o lític a na N o va República, R io d e Janeiro, E d ito ra FGV, 2001

245
_____________ História da
r O rd e m dos Advogados do Brasil
]
em relação ao evento de Volta Redonda. O conselheiro Milton M urad (ES), por
exemplo, sugeriu que se incluísse na nota oficial um a referência ao fato de que
empregados de uma empresa não tinham o direito de tomá-la, impedindo a
entrada daqueles que a dirigiam tal como ocorrido na CSN. Arthur Lavigne, por
seu lado, lembrou que o coronel que comandou a invasão o fez com autorização
do Judiciário. De todo modo, a resposta mais eloqüente foi dada pelo eleitorado
paulistano, que, em 15 de novembro, elegeu a candidata do PT, Luíza Erundina,
para a prefeitura da m aior cidade do país.:"'
O ano de 1989 guardava desafios especiais para a Ordem, para o país e
para o mundo. A primeira, teria que encontrar seu lugar institucional em uma
democracia consolidada, depois de duas décadas dedicadas ao bom combate
contra o regime militar e empenhadas na transição política. O Brasil elegeria de
forma direta, depois de quase 30 anos em jejum, o sucessor de Sarney. O m undo
veria, com um misto de surpresa e esperança, a queda do Muro de Berlim e o
fim do regime comunista na União Soviética. O século XX chegava ao fim antes
mesmo de acabar...

" Para m ais d etalh es sob re o d eb ate, v er AM da sessão d a OAB, 21/11/1988.

246 9áM
\'c > lu n ir > IX ) R ( ‘( k ' n i i ) ( . i . i t i x ^ u õ (i a o N l . i d o D c i i k x r.itii o di D i t c i l o

FONTES E BIBLIOGRAFIA

IMPRESSOS

Atas das sessões da OAB (1945-1988)


Anais da Conferência Nacional da OAB (1970-88)

LIVROS E ARTIGOS

ABREU, Alzira Alves (org.)- Transição em fragmentos-, desafios da dem o­


cracia no final do século XX. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2001.

____________________[et al.]. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro


pós’ 1930. Rio de Janeiro, Editora FGV; CPDOC, 2001.

ABREU, Marcelo Paiva (org.). A ordem do progresso - cem anos de política


republicana (1889-1989). Rio de Janeiro, Campus, 1989.

ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. O sindicalismo brasileiro entre a


conservação e a mudança: In: ALMEIDA, Maria Hermínia T. e SORJ, Bernardo
(org.). Sociedade epolítica no Brasilpós-64. São Paulo, Brasiliense, 1983.

ANTUNES, Ricardo (org.). Por um novo sindicalismo. Caderno de Debate


7. São Paulo, Brasiliense, 1980.

9áM 247
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

ARIDA, Pérsio (org.). Dívida externa, recessão e ajuste estrutural: o Brasil


diante da crise. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.

BAETA, Hermann de Assis (coord.). A OAB na voz de seus presidentes. Brasília,


OAB-Ed., 2003 (vol. 7 da coleção História da Ordem dos Advogados do Brasil).

CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira; PIERUCCI, Antônio Flávio


de Oliveira e SOUZA, Beatriz Muniz de. Comunidades eclesiais de base. In:
BRANT, Vinicius Caldeira e SINGER, Paul. São Paulo: o povo em movimento.,
Petrópolis, Vozes, 1980.

CASTRO, Celso e D’ARAÚJO, Maria Celina Militares epolítica na


Nova República. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2001.

CHAGAS, Carlos. 113 dias de angústia: impedimento e morte de um presi­


dente. Porto Alegre, L&PM, 1979.

COUTO, Ronaldo Costa (org.). Memória viva do regime militar - Brasil:


1964-1985. Rio de Janeiro, Record, 1999.

D’ARAIJJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (orgs.). Ernesto Geisel. Rio de


Janeiro, Editora FGV, 1997.
________________________ ; SOARES, Gláucio Ary Dillon e CASTRO,
Celso. 05 anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro,
Relume-Dumará, 1994.

DINIZ, Eli. A transição política no Brasil: um a reavaliação da dinâmica


da abertura. Dados, XXVIII (3):329-46,1985.

DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado - Ação política,


poder e golpe de classe. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1986 (4® edição).

DROSDOFF, Daniel. Linha dura no Brasil - o governo Médici 1969-1974.


São Paulo, Global, 1986.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1999.

248 màM
I ),i Rcdciiii i( , '] ( I .1(1 I - - I ct di ] [ ) ( 'l1 ln i h i:i< () ( i f I ) i i c i t n

___________________ (dir.). O Brasil Republicano - Economia e Cultura


(1930-1964) (vários autores). Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 1995 (História
Geral da Civilização Brasileira, t. 3, v. 4)

FERREIRA, Marieta de Moraes; ROCHA, Dora e FREIRE, Américo (orgs.).


Vozes da oposição. Rio de Janeiro, Grafline, 2001.

FIGUEIREDO, Marcus Faria e CHEIBUB, José Antônio Borges. A abertura


política de 1973 a 1981: quem disse o quê, quando: inventário de um debate.
BIB - Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais, 14:29-61.

GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo, C om panhia das


Letras, 2002.

______________ . A ditadura encurralada. São Paulo, Com panhia das


Letras, 2004.

GIAMBIAGI, Fabio; VILLELA, André; CASTRO, Lavínia Barros de;


HERMANN, Jennifer. Economia brasileira contemporânea (1945-2004). Rio de
Janeiro, Elsevier, 2005.

GÓES, Walder de. O Brasil do general Geisel. Rio de Janeiro, Nova Fron­
teira, 1978.

GOLDSTEIN, Sergio. A dívida externa brasileira. Rio de Janeiro, Guana­


bara, 1986.

GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal e BESSONE, Tânia. História da Ordem


dos Advogados do Brasil: criação, primeiros percursos e desafios (1930-1945). Brasí­
lia, OAB, 2003 (vol. 4 da coleção História da Ordem dos Advogados do Brasil).

GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal; MOTTA, Marly Silva da; BESSONE,


Tânia. História da Ordem dos Advogados do Brasil: o lOAB na Primeira República.
Brasília, OAB- Ed., 2003 (vol. 3 da coleção História da Ordem dos Advogados
do Brasil).

249
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

KLEIN, Lucia e FIGUEIREDO, Marcus F.. Legitimidade e coaçao no Brasil


pós-64. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1978.

LAMOUNIER, Bolivar e CARDOSO, Fernando Henrique (orgs.). Os par­


tidos e as eleições no Brasil Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975.

____________________ e FARIAS, José Eduardo (orgs.). O futuro da aber­


tura: um debate. São Paulo, Cortez Editora, 1981.

____________________ ; WEFFORT, Francisco; BENEVIDES, Maria Vic­


toria. Direito, cidadania eparticipação. São Paulo, T. A. Queiroz, 1981.

LINS E SILVA, Evandro. O salão dos passos perdidos: depoim ento ao


CPDOC. Rio de Janeiro, Nova Fronteira:Editora FGV, 1997.

LINZ, Juan e STEPAN, Alfred. A transição e a consolidação da democracia.


Petrópolis, Paz e Terra, 1999.

LOBO, Eugenio R. Haddock e COSTA NETTO, Francisco. Comentários ao


Estatuto da OAB e às Regras da Profissão do Advogado. Rio de Janeiro: Editora
Rio, 1978.

MARTINS, Carlos Estevam e CRUZ, Sebastião C. Velasco e. De Castelo a


Figueiredo: uma incursão na pré-história da “abertura”. In: ALMEIDA, Maria
Hermínia T. de e SORJ, Bernardo (orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64.
São Paulo, Brasiliense, 1983.

MATHIAS, Suzeley K. Distensão no Brasil: o projeto militar. Campinas,


Papirus, 1995.

MATTOS, Marcelo Badaró de. Novos e velhos sindicalismos no Rio de Janeiro


(1955-1988). Rio de Janeiro, Vício de Leitura, 1998.

MELLO, Jayme Portella de. A Revolução e o governo Costa e Silva. Rio de


Janeiro, Guavira Editores, 1979.

250 #à#
V o lu m e 1 111 R ( 'c lc n i( K r . i l i / j t ã o , i o F s U d o D c ü k k r . i l i t . o cIc [ d i r e i t o

MOISÉS, José Álvaro. Qual é a estratégia do novo sindicalismo? Rio de


Janeiro, ILDES, 1980 (mimeo).

MOTTA, Marly Silva da. Teotônio Vilela. Brasília:Senado Federal; Rio de


Janeiro: CPDOC-FGV, 1996.

ODÀLIA, Nilo. “O Brasil nas relações internacionais: 1945-1964”, In:


MOTA, Carlos Guilherme {org.). Brasil em perspectiva. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1990. (19* edição).

PEDROSA, Mário. Sobre o PT. São Paulo, CHED Editora, 1980.

PIERUCCÍ, Antônio Flávio de Oliveira... et alii. “Relações econômicas in­


ternacionais do Brasil (1945-1964)”, In: História Geral da Civilização Brasileira.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

QUADRAT, Samantha Viz. Os porões internacionais da repressão. In:


1964-2004: 40 anos do golpe - ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de
Janeiro, 7 Letras, 2004.

RODRIGUES, Leôncio M artins. Tendências futuras do sindicalismo


brasileiro. In:

RATTNER, Henrique (org.). Brasil 1990, caminhos alternativos do desen­


volvimento. São Paulo, Brasiliense, 1979.

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo


de abertura política no Brasil, 1974-1985. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO,
Lucília de Almeida Neves (orgs.). O tempo da ditadura: regime militar e movi­
mentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003
(O Brasil Republicano, v. 4).

SILVA, Raul Mendes; CACHAPUZ, Paulo Brandi & LAMARÃO, Sérgio


(orgs.). Vários Autores. Getúlio Vargas e seu tempo. Rio de Janeiro: BNDES, 2003.

257
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

SINGER, Paul. “Interpretação do Brasil: um a experiência histórica de


desenvolvimento”, In: História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1995.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo (1964-1985). Rio de


Janeiro, Paz e Terra, 1988.

SOARES, Gláucio Ary Dillon e D'ARAÜJO, Maria Ceiina (orgs.). 21 anos


de regime militar, balanços e perspectivas. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1994.

STUMPE, André Gustavo e FILHO, Merval Pereira. A segunda guerra: a


sucessão de Geisel. São Paulo, Brasiliense, 1979.

TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo:
Brasiliense, 1994 (Coleção Tudo é História, vol. 48 - 14= edição).

VELASCO E CRUZ, Sebastião C. Empresariado e Estado na transição


brasileira: um estudo sobre a economia política do autoritarismo (1974-77).
Campinas: Editora da Unicamp; São Paulo: Eapesp, 1995.

VENÂNCIO FILHO, Alberto. Notícia histórica da Ordem dos Advogados


do Brasil (1930-1980). Rio de Janeiro, Folha Carioca Editora, 1982.

252 #àm
[ ) , t I \ C' (I (' I 11 ( )( ,'h ) ,t( I ( -.111 r i o 1 ) c i 11 ( )( t i l l l l u i l r I ) i l ' c i l ( )

ÍNDICE O NO M ÁSTICO

Abi-Ackel, Ibrahim, 179,180, 209


Abranches, Carlos Alberto Dunshee de, 80, 81, 115
Abreu, Hugo de Andrade, 153
Abreu, João Leitão de, 125, 191, 208
Abreu, Joselito de, 218
Aguiar, Aristeu, 23
Aguiar, Jefferson, 72
Albagli, Benjamin, 118,126,127
Albuquerque, Etelvino Lins de, 145
Alebco, Pedro, 79,107,115,116,117, 148, 191
Allende, Salvador, 135
Almeida, Fernando Barcelos, 146
Almeida, Joaquim Gomes de, 112
Almeida, Washington de, 23,24, 36
Alves, José Carlos Moreira, 121,215, 225
Alves, Márcio Moreira, 107
Alves, Margarida, 209
Andrada, Antônio Carlos Lafayette de, 113
Andrade Junior, Claudionor de, 152
Andrade, Auro Soares de Moura, 91, 97
Andrade, Odilon de, 30, 54
Andreazza, Mário, 215
Aquino, Ivo, 112
Aranha Neto, Euclydes, 179

màM 253
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil
]
Arantes, Aldo, 164
Araújo, Gil Soares de, 80, 81, 82
Araújo, Olga Cavalheiro, 237, 238
Araújo, Paulo Barreto de, 131
Arbage, Jorge Wilson, 164
Arinos, Afonso, 222, 223
Arns, (Dom) Paulo Evaristo, 181
Arraes, Miguel, 17
Assumpção, (general), 58
Azevedo Neto, Vasco, 164
Azugaray, Cátia, 202

Baddauy, Ornar, 239


Baeta, Hermann Assis, 14, 17, 78, 160, 172, 185, 196, 197, 198, 199, 201,
202, 203,207, 212,216, 218,219, 220, 222,223, 225,226,228, 232,234
Baleeiro, Aliomar de Andrade, 68,139
Bandeira, Antônio, 134, 153
Barbalho, Confücio, 133
Barbosa, Ruy, 123, 244
Barelli, Walter, 244
Barreto, Humberto, 164
Barros Filho, Salvador Pompeu de, 239
Barros, Ademar Pereira de, 86,103
Barros, Hum berto Gomes de, 233
Bastos, João de Azeredo, 112
Bastos, Márcio Thomaz, 130, 181, 197, 218, 229, 236, 237, 238, 240, 241,
242,243
Batista, Luiz Olavo, 187
Batista, Nilo, 183
Belchior, Moacir, 214, 218, 224, 227, 228,230, 232, 237,239
Beltrão, Hélio, 115
Benjamin, César Queiroz, 154
Bermudes, Sergio, 161
Bethlem, Fernando Belfort, 165
Bezerra, Godoy, 129,135,148, 151,162,177,182

254 màM
V 'o lu n io •) 1)ii Kcdc’Hii K i. ili/ . H ,Hi . 1(1 f'siado I ) ('iiio ( n dc D ii'c ito

Bias Fortes, José Francisco, 37


Bierrenbach, Julio de Sá, 192
Bigi, José de Castro, 181,197
Bittencourt, Lúcio, 53
Boaventura, Sinval, 164
Bomfim, Calheiros, 184, 190, 194,196, 216, 225, 233
Bonifácio Neto, José, 157
Bonifácio, Zezinho, 163
Borges, Ernesto Pereira, 148
Bozano, Carlos Bernardino Aragão, 68, 71, 72, 74, 75, 77,100
Braga, Tereza de Brito, 209
Brito, Ayres de, 239
Brito, Caldas de, 111
Brizola, Leonel de Moura, 17, 87,91, 97, 170,178, 204,218
Buarque, Cristóvam, 244
Burity, Tarcísio de Miranda, 241
Burnier, João Bosco Penido, 156
Burnier> João Paulo Moreira (brigadeiro), 126,127,132
Buzaid, Alfredo, 117,118,121,126,127,132,133,134,135,139,173,214,225

c
Cabral, Bernardo, 172,183,185,186,187,189,190,193,194,195,196,197,
200,203, 204,238, 242
Café Filho, João, 60, 61, 62
Caldas, (professor), 173
Calmon, Pedro, 118,126,127, 173
Câmara, (Dom) Helder, 211
Camargo, Laudo de Almeida, 111,112,113,117,118,119,121,122,123,131
Camargo, Laudo Ferreira de, 34,
Camargo, Manoel Moreira, 202
Camious, Aristides, 193
Campos, José Wilson Siqueira, 164
Campos, Milton Soares, 68, 78, 79,101, 148
Cândido, Raymundo, 172
Cantai, Welington Rocha, 136,143
Cardoso, Adauto Lúcio, 22

25 5
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Cardoso, Fernando Henrique, 238, 244


Carneiro, Levi, 54
Carneiro, Nelson, 24, 25, 26, 28, 30,45,126,128, 139
Carneiro, Rui, 106
Carter, Jimmy, 167
Carvalho Junior, Joaquim Corrêa de, 135
Carvalho Neto, Antônio Manoel, 54,63
Carvalho, Antonio Carlos, 183
Carvalho, José Júlio Cavalcante de, 207
Castelo Branco, Hum berto de Alencar, 69,98,100,102,103,104,105,165
Castro Filho, José Ribeiro de, 128, 131, 132, 133, 136, 138, 146, 148,152,
171,172,183,192,201,220, 231
Castro, Álvaro Fiúza de, 61
Castro, Tarso de, 213
Cavalcante, Ophir Filgueiras, 237
Cavalcanti Filho, José, 228
Cavalcanti, Carlos Povina, 81, 93, 95, 99,114,119
Cavalcanti, Themístocles Brandão, 92,115
Celiberti, Lilian, 182
Chabo, Roberto, 191
Chaves, Antônio Aureliano, 169,191,193,215
Cintra, Alter, 122
Ciqueira, Mayr, 59
Coelho, Wilson do Egito, 131,133,134,139
Comparato, Fábio, 237
Cores, Marquez Hudson, 133
Corrêa, José Lamartine, 221,227, 229, 235,236, 237, 238
Correia, José Maurício, 207,208,214, 242
Correia, Oscar Dias, 114,115
Costa e Silva, Artur da, 105,106,107,115,116,117,136,165,191
Costa Neto, Francisco, 202,218
Costa, Adroaldo Mesquita da, 117,136
Costa, Álvaro Ribeiro da, 76
Costa, Canrobert Pereira da, 61
Costa, Clóvis Ferro, 183,201, 202
Costa, José Maria Mac- Dowell da, 78

256 •ái
\ ’n l v i i i i c 1 1),i R i ’d m i i )( ; ,'iu j o t 't.u lt I 1^ c n u >( i . n n ( ) d r 1 "l i I ( ' l i t I

Costa, Wilson Regalado, 88,91


Cruz, Alcy Amorim, 112
Cruz, José Telles da, 30, 75
Cruz, Newton de Araújo Oliveira e, 207,208, 214
Cunha, José Gay, 146
Cunha, Sérgio Sérvulo da, 237
Curado, Sylvio, 123,130,131,152,174,184,198,199

Dallari, Dalmo deAbreu, 180,181,183


Dantas, André Vianna, 18
Dantas, Francisco de San Tiago, 69,91
Delfim Neto, Antônio, 143, 205
Dellamora, Carlos Afonso, 132
Demillecamps, Alcy, 112
Denys, Odilio, 87
Dias, José Carlos, 180
Dias, Universindo, 182
Doce, Abis Evaristo, 133
Donnici, Virgílio, 134,179,190
Duarte, Samuel Vital, 106, 111, 118,171,172
Duhá, João Campos, 122
Dutra, Eurico Gaspar, 21, 25, 32, 36, 37,91

E
Elbrick, Charles Burke, 116
Erundina, Luiza, 246

F
Fagundes, Eduardo Seabra, 17, 18, 171, 172, 173, 174, 177,178, 179, 180,
182,183,184,185,186,194,195,197,199, 200,201,202,210,218, 231
Fagundes, Miguel Seabra, 49, 51, 52, 59, 60, 61, 62,63,121,123,139,171,
183, 190, 194, 195, 196, 197,201,206, 210, 214,221, 231, 234, 237, 241,243
Falcão, Armando Ribeiro, 143,146,150,154,173

257
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Faoro, Raymundo, 131, 150, 159, 160, 163, 166, 167, 168, 171, 172, 173,
175,183,191,197, 201,202, 231
Farah, Anuar, 30
Fernandes, Florestan, 244
Fernandes, Raul, 21, 26, 36, 54,61
Ferraz, Rubens, 148
Ferraz, Sérgio, 194,201, 202,206, 226, 236
Ferreira, José Oscar Pelúcio, 150
Ferreira, Themístocles Marcondes, 29,46,48, 58,101
Fiel Filho, Manuel, 152
Figueiredo, Euclides, 171
Figueiredo, João Batista de Oliveira, 153,164,169,171,175,179,183,184,
188,191,207, 208,216
Fiquene, José Ribamar, 226
Fleury, Sergio, 133
Fonseca, Arnoldo Medeiros da, 33
Fontoura, Carlos Alberto, 135
Fragoso, Heleno Claudio, 120,121,129,130,132,135,139,148,154,191,217
Freire, Geraldo, 126
Freire, Marcos, 17
Freitas, Guaracy, 237, 239
Freitas Neto, Antônio de Almendra, 209
Frota, Sílvio Couto Coelho da, 153,164,165,166
Furtado, José Alencar, 162,176
Furtado, Reginaldo Santos, 200,203

G
Galloti, Luís, 76
Garcia, Luiz, 160
Garcia, Mário Sérgio Duarte, 16,17,181,185,190,200,201,202,203,204,
205, 207, 208,210, 211,212, 213,215,216, 218,231
Gaspari, Elio, 160,163
Gato, Alberto Marcelo, 153
Geisel, Ernesto, 15, 119, 135, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150,
151,152,153,154,155, 157,159,164,165,167,168,169,170,171, 174,188

258 •41
I ).i R(,‘(i(’iii() ( . 1 1 ) l-siadfi O c i i i o i () (l(‘ n i i x ’ilo

Gil, Otto de Andrade, 84,122


Gomes, Eduardo, 21,34
Gomes, Orlando, 138
Gomes, Severo Fagundes, 143,158
Gonçalves, João Nicolau Máder, 23,42,46,112,123
Gonçalves, Rômulo, 201,202
Goulart, João Belchior Marques [dito Jango], 20,57,62,85,86,87, 88,89,
90,91,94,95,104,106,117,126
Gouriou, François, 193
Granja, Tobias, 196, 209
Gudin, Oscar, 226
Gueiros, Nehemias, 48,49,63,64,69,77,78,128
Guerra, João Batista Cordeiro, 214, 215
Guimarães, Álvaro Leite, 134
Guimarães, Jorge Lafayete Pinto, 101
Guimarães, Luiz Machado, 29
Guimarães, Mário, 104
Guimarães, Ulysses Silveira, 16,17,127,143,163,169,188,211,215,237,238

Heck, Sílvio de Azevedo, 87


Herzog, Wladimir, 136,151,152
Heusi, Marcos, 151,161
Hipólito, Adriano, 156
Horta, Oscar Pedroso, 126, 128

J
Jansen, Letácio, 50, 52, 53, 58
João Paulo II, Karol Wojtyla, papa,181
Jobim, Danton, 118, 126, 128
Jobim, Nelson, 238, 242
Jones, Stuart Angel, 127,129,160
Jordão, Haryberto de Miranda, 139
Jul, Ana Maria, 206

•àl 259
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Kehl, Maria Rita, 244


Kelly, José Eduardo do Prado, 53, 54,75, 80, 87,93
Klassman, Marcos, 158
Kubitschek de Oliveira, Juscelino, 61,62,69, 70,86,106, 232

Lacerda, Carlos Frederico Werneck de, 28,59,61,62,69,104,106,223


Lacerda, Sérgio, 235
Lacombe, Carlos Alberto, 112
Landim, Jayme, 77
Lavenère, Marcelo, 209, 221, 225,227, 234,237,239, 244
Lavigne, Arthur, 209,218, 221,226, 228,236,237,240
Leal, Victor Nunes, 69,113,183,185,197,201,225,231
Lemgruber, Julita, 179
Lenzi, Carlos Alberto Silveira, 185
Lessa, Carlos, 244
Lima, Augusto Pinto, 25, 28, 29, 30, 31, 32,33, 35,54
Lima, Carlos de Araújo, 121,122,134,135,139,160,174,193,194
Lima, Francisco Negrão de, 100
Lima, Haroldo, 164
Lima, Hermes, 91,113
Lima, Leopoldo Cesar Miranda, 77
Lima, Sadi, 218
Lopes, José Machado, 87
Loretti, Jorge, 148
Lott, Henrique Batista Duffles Teixeira, 61,62,86
Ludwig, Rubem, 194
Luís, Edson, 106
Lunkenbein, Rodolfo, 156
Luz, Carlos Coimbra da, 61,62
Lyra, Fernando Soares, 218
Lyra, Luiz, 101,106,111,112

260 •ái
I ),l ,ii ' . I I I I ' I . K I II I ) ( ' i n i

Macedo, Sérgio do Rego, 225


Machado Netto, Antônio Pinheiro, 227
Machado, Alexandre, 164
Machado, Cristiano Monteiro, 34
Machado, Hum berto Jansen, 139
Machado, Wilson Luiz Chaves, 188,192
Maciel, Lysaneas Dias, 153
Maciel, Marco Antônio de Oliveira, 233
Madeira, Carlos Alberto, 225
Madeira, Luiz Carlos Lopes, 237, 238,241
Magalhães, Agenor Teixeira de, 107,112
Magalhães, Dario de Almeida, 31,32,33,35,39,42,45,136
Magalhães, Juracy Montenegro, 101
Maia, Paulo Américo, 112
Malan, Pedro, 179
Maluf, Paulo Salim, 212, 213, 215,216
Mamede, Jurandir, 61
Marinho, Djalma, 177
Marinho, Josaphat, 139,159,160,172
Marques Filho, Joaquim, 30
Martins, Paulo Egídio, 153
Mayer, Luiz Rafael, 136,149,166,168
Mazzilli, Pascoal Ranieri, 87, 97
Medeiros, José Augusto Bezerra de, 22
Médici, Emílio Garrastazu, 113,125,132,143,164,190
Mello, Djalma Tavares Cunha, 24
Mello, José Tavares de Cunha, 123,131
Mello, Leopoldo Tavares da Cunha, 72
MeUo, Márcio de Souza e, 116,132
Melo, Alberto Barreto de, 45, 46, 47, 48, 49, 52, 53, 54, 59, 63, 64, 69, 70,
80,92,97,101
Melo, Ednardo d ’Avila, 151,153,154
Melo, João Massena, 139
Melo, Raymundo Publio Bandeira de, 67
Mesquita, Jayme, 111, 134

#àm 261
_____________ História da
j~ O rd e m dos Advogados d o Brasil
J

Miranda, Cyro Aurélio de, 172


Miranda, Francisco Cavalcanti Pontes de, 138
Miranda, Jayme Amorim de, 146
Monteiro, Dilermando Gomes, 153
Monteiro, Euler Bentes, 169
Monteiro, José Carlos Brandão, 132,133
Montoro, André Franco, 204,212
Moraes Filho, Evaristo de, 190,217
Moraes, J. B. Vianna, 157
Moraes, Salvador Batista de, 160
Morais, Ângelo Mendes de, 28
Morais, Benjamim de, 173
Moreira, Marcelo, 30
Moss, Gabriel Grün, 87
Motta, Marly Silva da, 18
Mourão Filho, Olímpio, 97
Muller, Amauri, 153
Müller, Filinto, 118
Munhoz Neto, Alcides, 197,198,199,200,201,202,203
Murad, Milton, 246
Muricy, Marília, 237

Nascimento, José Davir Siqueira do, 172,183


Natal e Silva, Colemar, 77
Néder, Antônio, 190
Neves, Francisco Serrano, 134,174,187
Neves, José Cavalcanti, 97, 101, 107, 117, 122, 123, 124, 125, 126, 127,
128,129,130,131,160,171,172,183
Neves, José Eduardo Santos, 157
Neves, Tancredo de Almeida, 16,17,90,91,178,204, 215,216, 218
Nina, Sebastião Carlos, 225
Nogueira, Luiz Carlos do Valle, 123,131,134
Nonato, Orozimbo, 101
Nunes, Abelino de Sena, 134

262 màM
V 'u lu m t' > I ),i l\('( l i ' M K )(, l c i : i / . K Jil ) , 1(1 I ‘v l . l d o D r U K )C I ' . i l i l ( ) ( I c [litl'ill

Nunes, Petrônio Portela, 145, 150, 158, 160, 163, 165, 167, 170, 171, 173,
174,178,184

Octávio Filho, Rodrigo, 30


Odália, Nilo, 27
Oliveira, Antônio Gonçalves de, 113
Oliveira, Carlos Alberto de, 164
Oliveira, Dante Martins de, 15,16,17,204,210
Oliveira, Fernando Andrade de, 139
Oliveira, Fernando Besadona de, 160
Oliveira, Fernando, 208
Oliveira, José Aparecido de, 233
Ornellas, Henrique Cintra Ferreira de, 133,134
Osório, Antonio Carlos Elizalde, 111

Pacheco, Rondon, 115


Padilha, Raimundo, 118
Paiva, Maria Lucrécia Eunice Facciolo, 126
Paiva, Rubens Beyrodt, 126,127,178
Palmeira, Wladimir, 116
Panza, Braz Felício, 30
Passos, Calmon de, 224, 234,235
Paula, Francisco Julião Arruda de, 89
Paulinelli, Alysson, 227
Péguy, Charles, 113
Penteado, Jarbas Macedo de Camargo, 134
Perdigão, Fernando Eugênio dos Reis, 154
Pereira, André de Faria, 30, 49, 62
Pereira, Caio Mário da Silva, 39,148,149,152,156,157,159,172
Pereira, Francelino, 158
Pereira, João Otaviano de Lima, 59
Perez, Glênío, 158
Pertence, José Paulo Sepulveda, 172,176,177,183,184,185,186,208,212,218

•àl 263
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Picanço, Macário de Lemos, 33, 35


Pimenta, Gabriel Sales, 196
Pinaud, João Luiz, 240
Pinheiro, Paulo Sérgio, 179,244
Pinho, Antônio Paulo Soares de, 38,42
Pinho, Demóstenes Madureira de, 47
Pinochet, Augusto, 135
Pinto, Carlos Alberto Alves de Carvalho, 212
Pinto, Heráclito Fontoura Sobral, 16, 32, 35,101,102,103, 104, 111, 123,
126,128,129,133,135,148,174,179,183,191,197,201,217,220,231
Pinto, José de Magalhães, 97,148,169
Pinto, Paulo Brossard de Sousa, 169,240, 241
Pinto, Sebastião Pinto, 134
Pires, Arthur Porto, 122
Pires, Walter, 192
Ponzi, AlAo, 112
Possolo, Arthur, 61
Prestes, Luiz Carlos, 170
Prieto, Arnaldo da Costa, 139,149

Q
Quadros, Jânio da Silva, 86,87,176

Rademaker, Augusto, 116


Ramalhete, Clóvis, 115,152
Ramalhete, Ubaldo, 23
Ramos, Nereu de Oliveira, 49,62,63
Ramos, Paulo, 49
Reale, Miguel, 115,138,181,187
Rego, Álvaro Vital do, 240,241
Rego, Augusto Sussekind de Moraes, 120,121,129,132,217
Rêgo, Edmundo, 121
Rêgo, Gaston Luiz do, 99,105
Reis, Daniel Araão, 217

264 màM
V n liin ic 1 I ),1 | \( '( !( 'M il K I I / .:i ) , 111 I <!,1(1(1 | 1 ( ’1)11 K I'.il't !(' [ ) i t ( ‘ il(

Reis, Manoel Martins dos, 160


Resende, Eurico, 126
Resende, Oswaldo Murgel de, 49
Rezende, Oswaldo Astolfo de, 148
Ribeiro, Édson de Oliveira, 33, 54, 172
Ribeiro, Nelson de Figueiredo, 227
Ribeiro, Renato, 77,90
Richa, José, 238
Roberto, Camargo, 146,147
Rocha, Arthur, 23
Rocha, Francisco de Paula Brochado da, 91
Rodrigues, Carlos Maurício M. Rodrigues, 131
Rosário, Guilherme Pereira do, 188
Rosseti, Nadyr, 153
Russomano, (professora), 173

Sabóia, Henrique, 245


Salazar, Alcino de Paula, 69, 72, 73,74, 75, 76, 77, 78, 79,80
Saldanha, Aristides, 27
Salles, (Dom) Eugênio, 183
Salles, Eurico de Aguiar, 24
Sampaio, Dorany Sá Barreto, 200,218
Santos, Joaquim Gomes Noroes, 112
Santos, Ruy, 127
Sarney, José Ribamar, 16,189, 216, 218, 220, 223, 224, 226, 233, 239, 240,
241,246
Seixas, Sigmaringa, 134
Serralvo, Amaury, 15
Sidou, J. M. Othon, 185, 201,202,218
Silva, Carlos Medeiros da, 115, 116
Silva, Evandro Lins e, 47,113,183, 203, 221,231,245
Silva, Geraldo Freire da, 164
Silva, Golbery do Couto e, 143,144,164,171,188
Silva, Israel Pinheiro da, 100

màB 265
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

Silva, Jurandyr Santos, 131,134


Silva, Luís Antônio da Gama e, 108,115
Silva, Luís Inácio Lula da, 17,168,180
Silva, Lyda Monteiro da, 17,179,182,183,187
Silva, Pedro Jorge de Mello, 195
Silveira, Dionízio, 32
Silveira, Raul de Souza, 112,148,172,183,185, 201,202
Simonsen, Mário Henrique, 143
Skidmore, Thomas, 143
Soares, Celso da Silva, 146
Soares, Maria Rita, 100
Soares, Walter Lemes , 212,213
Sobrinho, Alexandre José Barbosa Lima, 131,143,183
Sobrinho, Fabiano, 153
Sorotiuk, Vitório, 135
Souza, Cid Vieria de, 172,177
Souza, Danilo Marcondes de, 112,134,135
Souza, Joaquim Gomes de Norões e, 160
Souza, Odijas Carvalho de, 129
Sponholz, Oto Luiz, 224

Tavares, Aurélio Lyra, 116


Tavares, George, 120,132,198,199, 209,231
Tavares, Juarez, 201
Tavares, Milton, 224
Tenório, Diógenes, 209
Tito, Marcos Wellington de Castro, 162,176
Toledo, Edgar de, 30,46,48,53,89
Torres, João Batista de Vasconcelos, 130
Truman, Harry, 25

V
Valente, Gilberto, 59
Valladão, Haroldo Teixeira, 33,44,45,46, 54, 55

266 màM
\'( t lu iiir 1 11,1 lsC‘( l i ’i l H ) ( r . t t i x j c ,1(1 , i n S t i U l í ) D r i n i » r.ítiui d e [ ‘) i t c i t n

Valle, Oswaldo de Souza, 58, 59, 60, 81, 126,134


Vargas, Getúlio Dornelles, 21,34,51, 57, 60, 69,89,106, 178
Vargas, Ivete, 178
Vasconcellos, Justino, 132,139,148
Vasconcelos, Jarbas, 125
Vaz, Rubens Florentino, 59
Veiga, João Pimenta da, 238
Velho, Gilberto, 179
Venâncio Filho, Alberto, 23, 34,46,47,49, 55, 79
Veríssimo, (general), 57
Viana, Fernando de Melo, 23, 54
Vieira, Antonio Cláudio de Lima, 174
Vilela, Theotônio, 13,17,177,211
Vivácqua, Atílio, 47, 54, 55, 56, 59
Volcker, Paul, 205

w
Waters, Ronald, 187
Weffort, Francisco Correia, 179
Wilhelm, Jorge, 179

X
Xausa, Leônidas Rangei, 221, 222

z
Zamith (militar), 153
Zveiter, Waldemar, 174

•ál 267
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

268 má»
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico d e D ire ito

ANEXO I
Exposição de motivos do anteprojeto que
acompanhou o Projeto r f 1.751 de 1956,
transformado, afinal, na Lei número 4.215
de 27 de abril de 1963

•àM 269
________ Históriada
O rd e m dos Advogados do Brasil

270 máM
Vo lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ireito

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO ANTEPROJETO

Exposição de M otivos que acom panfiou o P rojeto


n. 1.751 de 1956, transfo rm a do , a fin a l, n a L e i nú m e­
ro 4.215. de 27-4-1963

V m a revisão indispensável

1. A revisão do repertório legislativo referente à Ordem dos


Advogados do Brasil — Decreto-lei ji.® 22.478, de 20-2-1933, e suas mo­
dificações posteriores, adiante indicadas — tornou-se uma exigência
não apenas do interesse da classe dos advogados, mas do próprio fun­
cionamento do Poder Judiciário.
Constituindo um aglomerado caótico, pela sua fragmentação em
numerosos textos, que a tom avam de consultação impraticável, con­
tinuava, essa legislação, a sofrer, como ainda hoje, achegas e refor­
mas em cada sessão legislativa do Congresso Nacional, sem outro sen­
tido senão o de atender a razões e vindicações de circunstância, a
Que sempre faltam o método e o plano de unidade indispensáveis à
bôa obra legislativa.
2. Desde a sua primitiva elaboração, em 1931, padeceu ela, a
despeito da incontestável proficiência dos seus eminentes autores, do
influxo da pressa com que teve de ser elaborada, constituindo, entre­
tanto, uma contribuição notável para a dignidade e o prestigio da
profissão. Entregou-se à própria classe, em instituição corporativa,
funções do Estado, do seu poder de policia, cabendo à Ordem a sele­
ção e a disciplina dos advogados, esta mediante competência jurisdi-
cional que constitui uma das suas maiores conquistas. Foi uma tare­
fa pela qual nunca serão suficientemente louvadas a iniciativa e a
dedicação de André de Faria Pereira — a quem se deve, através de Os­
valdo Aranha, a criação da Ordem, pelo artigo 17 do Decreto n.®
19.408, de 18-11-1930 — e de Levi Carneiro, Justo de Morais, Edmun­
do de Miranda Jordão, Moitinho Dórla, Amoldo Medeiros da Fon­
seca, Augusto Pinto de Lima, Edgard Ribas Camelro, Vicente Ráo,
Solano Carneiro da Cunha e Gualter Ferreira, ea poderosa con­
tribuição dos primeiros, figuras exponenciais das nos&as letras ju rí­
dicas, para tornar a lei uma realidade.
O tempo e as solicitações dos diversos setores de atividade em
que a advocacia tem vindo acompanhando o surto de desenvolvimen­
to do Pais, encarregaram-se de demonstrar a necessidade da reforma

máM 271
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

228 NEHEMIAS OUEIROS

fundamental dessa legislação, sobretudo depois de mais de vinte


anos de alterações comlnutivas, feitas sem respeito à técnica que
deve presidir à elaboração da lel.
Pode-se, por isso, dizer, sem o receio de incidir em exagero, que
o elenco de leis sôbre a Ordem dos Advogados do Brasil tornou-se
um dos mais defeituosos da legislação brasileira, impondo-se, só por
esta razão, além da Imperiosa necessidade de adaptá-lo às exigên­
cias atuais, a sua revisão vertical.
3. Há mais de dez anos vinha o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil debatendo o assunto, mas só recentemente é que
se tomou a deliberação de levar a cabo a tarefa.
Nomeou-se em 1954, uma primeira comissão à qual se cometeu
a tarefa de elaborar um anteprojeto definitivo composta dos Conse­
lheiros Edgar de Toledo, Themlstocles Marcondes Ferreira, Alberto
Barreto de Melo e Nehemlas Guelros, havendo o primeiro abandona­
do os trabalhos na sua fase de coordenação. Defendia, o Dr. Edgard
de Toledo, a concepção inovadora de transform ar a Ordem em as­
sociação profissional de ingresso facultativo (artigo 159 da Consti­
tuição), mas criada mediante organização e estatutos impostos por
lei, declarando-se, por isso, incompatlbilizado com o critério da maio­
ria. que manteve a categoria jurídica tradicional da instituição, como
entidade paraestatal de natureza corporativa.
Essa comissão, depois de exaustivo e paciente trabalho de estu­
dos e pesquisas, apresentou em 11-8-1955, um primeiro anteprojeto,
distribuído, em impresso, a tôdas as delegações do Conselho Federal
e a cada um dos Conselhos Seclonais da Ordem, em todo o Brasil.
Concedeu-se prazo para apresentação de emendas e sugestões até
8-11-1955, prorrogado, sucessivamente, até 28-2-1956, admltlndo-se, ao
exame da comissão, tôdas as que chegaram, mesmo depois dessa
data, de diversos quadrantes do País. Coordenadas as emendas apre­
sentadas no primeiro prazo, foram submetidas, juntam ente com o
anteproieto, ao debate e deliberação do Conselho Federal, em diver­
sas sessões extraordinárias. Mas, pela demora natural da discussão
em plenário — a despeito do prestígio que Invarlàvelmente aquêle
colégio emprestou às indicações da comissão, no aceitar ou impug­
n ar as emendas recebidas — foi resolvido, para maior eficiência e
rendimento dos trabalhos, deferi-los a uma nova comissão, Intègra-
da com os membros da primeira, que elaborou o anteorojeto, a fim
de que, reexaminado êste em face das referidas emendas, fôsse afi­
nal aprovado ou rejeitado, em bloco, pelo Conselho Federal. Essa no­
va comissão ficou assim constituída: Nehemlas Guelros. Relator;
Themlstocles Marcondes Ferreira, Alberto Barreto de Melo. Carlos
Bernardino Aragão Bozano. Carlos Alberto Dimshee de Abranches e
José Maria MacDowell da Costa.
Trabalhando com Intensidade e desvêlo, durante três meses, a
nova Comissão procedeu a um exame meticuloso de tôdas as suges­
tões recebidas, e empreendeu a revisão do anteprojeto, com nume-

272 má»
Vo lum e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tic o de Direito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 229

rosas emendas, supressivas e aditivas, a maior parte delas de sua


própria iniciativa, com a experiência do trabalho Inicial, tôdas fei­
tas no propósito de apresentar uma contribuição à altura da con­
fiança com que foram honrados os seus componentes.
Conduzimos para êste trabalho todo o espirito público de que nos
podíamos forrar, e não tivemos outro intuito, todos os membros da
Comissão, senão o de cooperar para a elaboração de uma lei que
possa assegurar um alto nivel moral e cultural à profissão, estimu­
lando a criação de uma consciência profissional da advocacia, em
oposição ao amadorismo dominante, e fortalecendo o poder com que
a Ordem deve, na delegação que recebe do Estado, realizar, efetiva­
mente, a seleção e a disciplina da classe, sem esquecer o seu objetl-
vo de defesa corporativa.

Técnica de elaboração

4. Procedemos, desde os trabalhos da primeira Comissão, a


uma revisão geral e sistemática da legislação existente, procurando
dar ordenação lógica às matérias, antes intercadentes e desorde­
nadas.
O anteprojeto definitivo, que ora apresentamos, ficou, assim,
dividido em três títulos:
O Titulo I cuida da Ordem dos Advogados do Brasil, pròpriamen-
te dita, dividida a matéria e_m 10 capítulos, assim distribuída: Capi­
tulo I — Dos fins, organlzaçao e patrimônio; Capítulo II — Da Dire­
toria da Ordem; Capitulo III — do Presidente; Capítulo IV — do
Secretário Geral; Capítulo V — Do Tesoureiro; Capítulo VI — Do
Conselho Federal; Capítulo VII — Da Seção e do Conselho Se-
clonal; Capítulo VHI — Da Diretoria da Seção e da Subseção;
Capítulo IX — Da Assembléia Geral; Capítulo X — Da inscrição
na Ordem.
O Titulo n tra ta do exercício da advocacia, em 10 capítulos,
assim concebidos: Capítulo I — Da legitimação e dos atos privati­
vos; Capítulo II — Das sociedades de advogados; Capitulo III — Das
incompatibilidades e Impedimentos; Capítulo IV — Dos deveres e
direitos; Capítulo V — Das férias (1); Capítulo VI — Da Assis­
tência Judiciária; Capítulo VII — Dos honorários profissionais; Ca-
(2> O C ongresso N acional suprim ia, p o r em eotlã aprea«aU da p elo em ia en te Sea»doi
Aloysio d e C arvalho F ilho, o capitulo relativo a F ír ia i p a ta os advogados, sob o ar-
p im en to de que “ apesar de o P rojeto cercar d e tddas as cautelas a p rática do insti-
tu io , enum erando, inclusive, hipóteses em q ue nSo ca b erá a suspensão do feito, salvo
concordância d as partes” e de incluir entre as infrações dísciplinaies a de “fazer reque­
rim ento tem erário d e f ir ia j” , o recurso às férias poderia "tom ar-se, am anhã, instru­
m ento de protelações e de chicanas, sôbre criar fonte de aborrecim ento e desconfianças
en tre advogados” (P arecer n.*’ 284, de 1962, d a Com issão d e Constituição e Justiça do
Senado, lido em 7-7*1962}.

273
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

230 NEHEMIA8 GUEIROS

pítulo V m — Das Infrações disclpUnares; Capítulo IX — Das pe­


nalidades e sua aplicação; Capitulo X — Dos recursos.
O Titulo III é relativo às disposições gerais e transitórias, com
2 capítulos: Capítulo I — Disposições Gerais; Capítulo n — Dispo­
sições Tran^tórias.
Dentro dêste sistema, acreditamos haver dado ordem lógica aos
assuntos e ao conteúdo de cada capitulo, fugindo â balbúrdia com
que eram tratados no primitivo Regulamento. No que foi revisto da
legislação em vigor, desarticulámos os artigos e parágrafos que nos
pareceram excessivamente conglobados, fu^ndo ao velho estilo an­
glo-americano e europeu, hoje censurado, da elaboração de artigos
com várias alíneas sem indicação de referência. E o mesmo crité­
rio adotamos para a copiosa m atéria acrescentada. Num pais como
0 nosso, em que a lei tem de ser invocada a cada passo, não é pos­
sível deixar de sistematizar a elaboração dos textos, fazendo a indi­
cação de referência para cada período, em artigos, parágrafos, in­
cisos e letras, o que facilita, ao mesmo tempo, a conW ta e a citação.
À antiga denominação de Regulamento — na verdade injustifi­
cável, senão pela influência da tradição francesa, em que a matéria
é, realmente, objeto de Regulamento do Poder Executivo, sob o con-
trôle do Conselho de Estado — preferimos a de Estatuto da Ordem
dos Advogados do Brasil, porque se tra ta inequivocamente de lei, e
como lei foi editada desde a sua primitiva formulação.

Previdência social

5. A Comissão debateu largamente o problema da previdência


social do advogado, antiga aspiração da classe, até agora sem solu­
ção, mas deliberou, por maioria de votos, não incluir a m atéria no
corpo do Estatuto, pelas seguintes razões:
a) A complexidade do assunto, a exigir levantamento estatís­
tico da população profissional m ilitante no país, com os dados refe­
rentes à idade, tempo de serviço, média de rendimento pessoal e
número de dependentes, para servir de base, com outros elementos
indispensáveis, aos estudos atuariais necessários, não permitiria à
Comissão completar o trabalho em tempo breve, procrastinando-se,
com isso, a elaboração definitiva do Estatuto;
b) Seriam necessários, por outro lado, outros levantamentos es­
tatísticos, relativos aos trabalhos forenses ou privativos de advogado,
sôbre os quais se pudesse fazer incidir uma taxa de previdência, ima­
ginada para substituir a contribuição do empregador, que o advoga­
do em regra não tem, mantendo-se desta forma o sistema da par­
ticipação tripartite, estabelecido pela Constituição (art. 157, inciso
XVI);

274 màM
V o lu m e 5 D a Roclem ociatização ao Estado D e m o c rá tic o de D ireito

I.

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 231

c) Os membros da Comissão, conselheiros Carlos Alberto


Dunshee de Abranches e Nehemias Guelros, que empreenderam o estu­
do do assunto — o primeiro com plano incorporado ao seu substitu­
tivo, no capitulo “Seguro Social”, e o último em colheita bibliográfi­
ca na Europa e nos Estados Unidos — estavam de viagem marcada
para o exterior, onde se dispunham a completar, como o fizeram,
mediante contactos pessoais com a experiência de outros países, a
coordenação do material para o estudo do problema, sendo preferí­
vel aguardar o resultado da sua proveitosa missão;
d) A inclusão da m atéria no Estatuto, depois da inevitável de­
mora daquelas pesquisas e estudos, acarretaria nova demora na
tramitação do projeto no Congresso, pela necessidade de fazê-lo
«ubmeter à Comissão de Previdência Social e, sem dúvida possível,
ao Departamento Nacional da Previdência Social, para o exame
técnico do plano elaborado.
De todo modo, o assunto foi examinado em face dos projetos
LÚCIO BITTTlNCOiniT e ADROALDO DA COSTA, apresentados à
Câm ara Federal, aquêle baseado em anteorojeto e justificação de
autoria do Conselheiro Carlos Alberto Dunshee de Abranches, e o
último dependente de estudos do Departamento de Estatística e
Atuaria do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários,
e de informações do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, solicitadas pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
êste para atender requisição da própria Câmara doa Deputados (Pro­
cesso C 515-1955).
Foram analisadas, como elementos de referência e informação, as
organizações existentes nos Estados Unidos (Old Age and Survivors
Insurance (OASI), in Social Security Act, com as emendas aprova­
das em 1-9-1954; Regulations of the United Nations Joint Staff Pen­
sion Fund, 1956); na França (Association (Mnérale de Prevoyance
des Membres des Barreaux Français, constituída para contrato de
seguro em grupo, nos têrmos da Lei de 13-7-1930; Mutuelle des Avo-
cats de France, constituída por decisão oficial do Congresso da As­
sociation Nationale des Avocats, reunido em Nancy em maio de 1950;
e Caisse Nationale des Barreaux Français, criada pelo Decreto n.
54.1253, de 22-12-1954, e regulamentada pelo Decreto n . 55.413, de
2-4-1955); na Espanha (Mutualidad General de Previsión de la Abo-
gacla, com estatutos aprovados em 19-7-1951, a qual substituiu a
Mutualidad General de Abogados de Espafia, criada por Ordem Mi­
nisterial de 9-12-1948): e na Itália (Casa Nazíonale dí Previdenza
e di Asistenza a favore degli Avvocati e dei Procurator!, criada pela
Lei n. 6, de 8-1-1952).
Sem nenhum a deliberação sôbre o plano definitivo a ser encami­
nhado, por entender que, em face das nossas peculiaridades, não po­
de ser aproveitada, sem modificações profxmdas, qualquer das ex­
periências alienígenas, antes devendo-se proceder a novas pesquisas
e estudos para concluir sôbre a plausibiUdade de qualquer projeto,
a Comissão resolveu propor ao Conselho Federal que a m atéria faça

275
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

232 NEHEMXAS OUEIROS

objeto de um plano autônomo, à parte do antepiojeto de Estatuto,


devendo ser nomeada uma Comissão especial para empreendê-lo.
Decidiu, ao mesmo tempo, encarecer a necessidade e a urgência
com que êsses estudos e trabalhos devem ser realizados, óbvia e im­
perativa como é a solução de problema tão im portante e tão Ins­
tante.

M a té ria nova in tro d u zid a

6. Além da sistematização empreendida, trouxemos para o con­


texto da lei m atéria nova que nos pareceu impreterível.
Podemos destacar, resumidamente, como principais, as seguintes
contribuições:
o) Categoria ju r íd ic a e Junções da ordem. Ademais das atri-
Duições de seleção, disciplina e defesa, ficou definida a função re­
presentativa da Ordem quanto aos Interês&es gerais da classe e os
individuais relacionados com a atividade profissional (artigo 1.°, pa­
rágrafo único), o que, sem téxto expresso, constituiria prerrogativa
das associações sindicais. E no capitulo das Disposições Gerais fixou-
se a categoria jurídica tradicional que lhe emprestam a doutrina e a
jurisprudência, como corporação profissional paraestatal (art. 143,
fi 1.0) ( 2 ) .

b) Representação no Conselho Federal. Resoeitou-se a plura­


lidade da delegação dos Conselhos Secionals na composição do Con­
selho Federal, como órgão supremo da Ordem, flxando-a, porém, no
máximo de três representantes (art. 13). Na dificuldade de estabe­
lecer a singularidade da representação, pela tradição dominante,
obviou-se 0 inconveniente do grande número, com a faculdade dei­
xada ao Conselho Federal de se dividir em câmaras (art. 3.°, pa­
rágrafo único).
c) Estágio pro fission al e Exame de Ordem. A fim de tom ar
exeqüível o poder de seleção da Ordem, meramente teórico até ago­
ra, assegurando a manutenção de uma verdadeira consciência pro­
fissional e elevando, ao mesmo tempo o nível cultural da classe e a sua
eficiência técnica, estabeleceu-se a exigência do estágio profissional,
como requisito para a inscrição no quadro dos advogados (arts.
44, III, 45, 46 e 49, combinados com o a rt. 18, V m , letras a e b) (3).
O estágio será permitido a partir do quarto ano do curso jurídico,
de modo a assegurar ao candidato a sua conclusão simultaneamente

(2) A rt. 139. § 1.® do E statu to .


(3) A rts. 48, I I I ; 49, 50 e 53, com binados com o u t . 18, V III, letras a e b do
E statuto.

276 #àm
Volume 5 Da Redemocratização ao Estado Democrático de Direito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 233

com a diplomação universitária. O Exame de Ordem (“bar examina­


tion”) será obrigatório apenas para os candidatos à inscrição que
não tenham feito o estágio profissional ou para os que não tenham
comprovado satisfatòriamente o seu exercício e resultado (art. 49).
Para não acrescentar mais dois anos ao currículo do candidato a ad­
vogado, adotou-se uma fórmula transacional ao sistema dominante
nos Estados Unidos e na Europa, sem dúvida ainda mais rigoroso do
que 0 estabelecido no anteprojeto. E como medida de boa política
legislativa, a fim de preparar e educar o espírito dos estudantes de
direito, e dos novos bacharéis, candidatos a advogados, à rigidez do
nôvo sistema introduzido, tomou-se facultativa, durante cinco anos
a partir da data da vigência da lei, a exigibilidade do estágio e do
Exame de Ordem (art. 154) (4).
d) Celeridade no processo de inscrição. P ara evitar a delonga
no processo de inscrição, até agora da competência exclusiva do Con­
selho Seclonal, deu-se ao Presidente dêste o poder de deferi-la, quan­
do não se trate de candidato que exerça função pública ou sirva em
autarquia, entidade paraestatal ou sociedade de economia mista, e
0 pedido tenha parecer favorável da Comissão de Seleção e Prerro­
gativas (art. 54, SS 1.® e 2 ° ) (5).
e) A m p litu d e dos efeitos da inscrição. Foi abolido, por inútil,
além de embaraçoso à prática das intervenções urgentes, o visto para
o exercício da advocacia fora do território da Inscrição, exercício
agora admitido em caráter eventual ou temporário em todo o ter­
ritório nacional, mediante simples processo de comunicação do in­
gresso em juízo ã Seção local respectiva.
Assim, a inscrição principal autoriza a prática da advocacia em
todo o País, sem a burocracia escusada do visto, ou da Inscrição
secundária (agora denominada suplem entar), esta só exigível quan­
do 0 exercício extra-seclonal exceder de cinco causas por ano (arts.
51 e 52) (6). Regulou-se melhor a Inscrição provisória, atribuindo-
se ao Conselho Seclonal o ooder de prorrogar a sua vigência, quando
se verifique não caber ao interessado a culpa nela demora no re­
gistro do diploma (art. 53) (7). Tomou-se imutável o número
atribuído, em ordem cronológica, a cada tipo de Inscrição (art. 58)
(8) e simplificaram-se a carteira e o cartão de identidade assi­
nados apenas pelo Presidente da Seção sem reconhecimento de
firm a nem apostila de compromisso (art. 59) (9).
/) R egulam entação do exercício da profissão. Foram introdu­
zidas numerosas disposições para regular efetivamente o exercício
profissional da advocacia. A rigor sòmente agora se procedeu a essa
(4) O a r t 151 do E statuto reduziu a facultatlvidade a ttê s anos. s p a rtir d t
tl-6 -1 % 3 , d ata em que entrou em vigor a nova L ei, segundo o seu a rt. 138 (PublicacSo
00 “ D . O . " d e 10-5-1963).
(5) A rt. 58. SI 1.0 e 2 .° do E s ta tu to .
(6) A rts. 35 e 56 do E s ta tu to .
(7) A rt. 57 do E statuto.
(8) A lt. 62 do E statuto.
(9) A rt. 63 do E statu to .

277
História da
Ordem dos Advogados do Brasil □

NEHEMIAS GUBmOS

regulamentação, antes reduzida a 4 artigos, na legislação em vigor.


O atual título “Do Exercício da Advocacia” compreende 80 artigos
(arts. 83 a 142), compendiados em 10 capítulos, já Indicados no item
4 desta exposição (10).
g) Legitim ação e atos p rivativos. O anteprojeto definiu que o
advogado presta serviço público, a despeito do seu ministério pri­
vado, constituindo elemento essencial à administração da Justiça
(art. 64) (II), sem hierarquia nem subordinação aos Juizes de
qualquer instância (art. 65) (12). Estabeleceu, ainda, que o advo­
gado pode receber instrumento de mandato dactllografado, mesmo
para atuação extrajudicial (art. 66) (13), permltlndo-se o ingresso
em juízo sem procuração e sem caução de ra to , nos casos de u r­
gência ou razão instante (art. 66, § 1.°) (14), e Instituindo-se,
para simplificar a outorga do mandato com podêres para juízo ou
fora dêle, a cláusula a d ju d icia e t extra, que legitima o advogado
à prática de todos os atos judiciais e à representação, em matéria
de defesa, perante quaisquer pessoas jurídicas de direito público,
de direito privado, ou pessoas físicas em geral fart. 66, 55 4.° e
9 °) (15). A comnreensão do exercício da advocacia foi definida
expressamente (art. 67) (16), ampllando-se o quadro dos seus atos
privativos (art. 67, 55 3.°, 4.° e 6.°) (17).
A) Sociedades de advogados. Ratificando a prática já admitida
por lei (art.I371 do Código Civil; arts. 1.° e 4.® 5 2.°, da Lei n.o 154,
de 25-11-1947), e o exemplo norte-americano e inglês, agora adotado
na própria França (art. 49 do Decreto n . 54.406, de 10 de abril
de 1954, que deu nóvo estatuto ao barreou francês), o ante-pro-
jeto regula e disciplina as sociedades de advogados, criando r-egls-
tro próprio, na Ordem, para lhes dar personalidade jurídica e arqui­
var os atos societários, e dando aos Conselhos Seclonais função cor-
regedora quanto aos atos de sua constituição (arts, 72 a 76) (18).

(10) A rts. 67 a 138 do Estatuto.


U D A rt. 68 do £ sta liito .
(12) A rt. 69 do E statuto.
(13) A lt. 70 do E statuto.
0 4 ) A rt. 70. S 1.0 d o E atat«to.
(15) A rt. 70 {§ 4.0 e 5.® d o Estatuto.
(16) A rt. 71 do E statuto.
(17) <) a rt. 71, § 3 ° do E statuto enum era <3% atos privativoç tjo advopado. ma» o C on­
gresso N acional suprim iu, por em enda -apresentada pelo em inente deputado M ilton Cam ­
pos, o parágrafo 4.» do art. 67 do P rojeto, q u e am pliava o q u ad ro dos atos privativos
{Parecer s /n , d e 1957, da Comissão de C onstituição e Ju stiça da C âm ara, aprovado «m
4-11-1M 8). O S enador A loysio de Carvalho F ilh o ten to u , n o Senado (Em endas 9 e 10
do P arecer n.® 284. d e 1962. da Comissão de C onstituição c Ju stiça d o Senado, lido em
7-7-19621. restauAT a recfação integral do P rojeto ( a r t 67, $$ 3.», 4 .°. S.«> e 6.®). invocan­
d o estudos dos C onselheiros à t. A lberto B arre to de M elo e dr. P aulo B arreto de A faujo.
« resoluço d a 2.* C onferência N acional d a O rdem dos A dvogados d o B rasil — oontra-
n s n d o . aliás, em endas do S enadof A rlindo Rodrigues, ainda m ais radicais do que a su>
p re s s io do então D eputado M ilton C am pos — m as « C&maia dos D eputados, n a segunda
tram itação, pelo parecer do em inente D eputado P ed ro A leixo, voltou à supressão inte-
f r a l dos 55 4.°, 5.® e 6.°, reduzindo, assim, a dim ensão dos atos privativos d o advogado
(P arecer s /n , de 1962. da Comissão de Constituição e Ju stiça d a Câma;"», aprovado em
13-11-1962).
(18) A rts. 77 a 81 do E statu to .

278
•àl
V o lu m e 5 Da Redemocratização ao Estado Dem ocrático de Direito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 235

Proíbe-se o registro de sociedades de advogados que apresentem


características tipicamente mercantis, ou que tenham título ou ra ­
zão social que se preste a confusões ou importe no desprestígio da
advocacia (art. 75) (19).
i) Inco m p a tib ilid a d e s e im pedim entos. Sem chegar ao rigor
usual na França, em que o exercício da profissão é incompatível com
qualquer função pública, atividade comercial, industrial ou simples­
mente civil (artigos 4.® incisos l.o e 2P, 45 e 46 do Decreto n « 54.406,
de 10-4-1954), o anteprojeto adotou o principio de oue o exercício
da advocacia é incompatível com qualquer atividade, função ou
cargo público que reduza a independência do Drofíssional ou pro­
porcione a captação de clientela (art. 78) (20). E incluiu, entre as
funções públicas que podem determinar a incompatibilidade ou o
Impedimento, qualquer função delegada exercida em comissão ou
por servidor de entidade a quem o poder público a tenha cometido
por lei ou contrato (art. 77, § l.o) (21). Foram enumerados os
casos de incompatibilidade radical (art. 79) (22). abrangendo-se,
genericamente, tôdas as funções e cargos, mesmo simplesmente téc­
nicos ou administrativos, de natureza judiciária, m úitar ou poli­
cial (art. 82) (23). E indicaram-se, mais especificamente, os casos
de impedimento, que se reduz, quanto a servidores públicos inclu­
sive de autarquias e entidades para-estatais e quanto a emprega­
dos de sociedades de economia mista, à pessoa de direito público,
autarquia ou entidade a que estiverem vinculados (art 80 in­
ciso V) (24).
j ) Deyeres e direitos. Com o intuito de tornar mais rigorosa a
manutençao de um alto padrão de moralidade profissional, ampliou-
se a enumeraçao dos deveres, que na legislação vigente se resumia a
quatro incisos, trazendo para o corpo da lei, entre outros, vários
preceitos antes considerados apenas como regras de ética No qua­
dro dos deveres foram expressamente incluídos, entre muitos outros:
1 ) guardar sigilo profissional; 2) defender, com independência os
direitos e prerrogativas profissionais, e a reputação da classe* 3)
zelar a própria reputação mesmo fora do exercício profissional; 4)
velar pela dignidade da m agistratura, tratando as autoridades e fun­
cionários com respeito e independência, não prescindindo de igual
tratam ento; 5) prestar, gratuitamente, serviços profissionais, aos ne­
cessitados no sentido da lei; 8) recusar o patrocínio de causa que
considere Imoral ou ilícita, salvo a defesa em processo criminal; 7)

(19) A rt. 80 do E statuto.


ÒO» A rt. 83 do E statu to .
(21) A lt. 82. § 1.“ do E statuto.
(22) A rt. 84 do E statu to .
(23) O Congresso N acional supriircu o a rt. 82 do P roleto, que dispunha genèrica-
tn en tr sôbre a incom patibilidade de cargos de natureza judiciária, m ilitar o u poli­
cial, por em enda do P lenário, de autoria do S enador M enezes Pim entel, que constituiu
a em enda o.'* 17 do R elator A loysio de C arvalho F ilho (P arecer citad o na n o ta I ) ,
mas a m atéria está incluída n o art. 84, incisos V III, X I e X II do E statuto
(24) N o caso dos servidores públicos, inclusive de autarquias e entidades p ara esta-
tals, e q u anto a em pregados de sociedades de econom ia m ista, a m atéria e tra ta d a ap en ai
sob a disciplina da ÍDCompatibilldadc. flu a rt. 83, Inciso V II do E statuto.

279
___________ História da
Q Ordem dos Advogados do Brasil

236 NEHEMIAS OUEIROS

não aceitar procuração de quem jâ tenha advogado constituído, sal­


vo nos casos enumerados; 8) não se pronunciar, publicamente, sô-
bre caso que saiba entregue ao patrocínio de outro advogado, a não
ser na presença dêle ou com seu prévio e expresso assentimento;
9) recusar-se a depor como testemunha em processo no qual fun­
cionou ou deva funcionar, ou sôbre fato relacionado com pessoa de
quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado
pelo constituinte; 10) restituir ao cliente os papéis e documentos de
que não precise, findo o mandato; 11) prestar contas ao constituinte,
quando as deva, ou propor contra êle ação de prestação de contas,
dentro de trin ta dias, contados da sua recusa em recebê-las ou em
dar quitação; 12) contratar, prèvlamente e por escrito, os seus hono­
rários profissionais (art. 84) (25). Tomou-se lei, para ser invo­
cada como imposição da própria deontologla profissional, a regra
de que nenhum receio de desagradar o juiz ou a qualquer auto­
ridade, nem de incorrer em impopularidade, deterá o advogado no
cumprimento das suas tarefas e deveres (art. 85) (26). Entre os
direitos e prerrogativas do advogado foram acrescentados: 1) o da
Inviolabilidade dos escritórios e arquivos profissionais, sem envol­
ver o direito de asilo; 2) o de comunicar-se com os clientes, alndá
quando êstes se achem presos ou detidos em estabelecimento civil
ou militar, mesmo incomunicáveis; 3) o de exigir, quando prêso
em flagrante, a presença do Presidente da Seção local para a la-
vratura do auto respectivo, como condição de validade dêste; 4) o
de livre ingresso, melhor definido, nas salas de audiências e de ses­
sões dos tribunais, nas secretarias, cartórios, tabelionatos, ofícios de
Justiça e extrajudiciais, delegacias e prisões; 5) o de interromper
a sustentação oral, descontado o tempo respectivo, se o juiz ou
juizes não lhe derem a atenção devida; 6) o de recusar a parti­
cipação no julgamento, do juiz ou Juizes que não lhe derem aquela
atenção; 7) o de fazer jun tar aos autos, em seguida à sustenta­
ção oral, 0 esquema ou resumo da sua defesa; 8) o de ter a pa­
lavra, pela ordem, durante o julgamento, em qualquer juízo ou
Tribunal, para, mediante intervenção sumária, esclarecer equivoco
ou dúvida, ao julgador, em relação a fatos, documentos ou afirm a­
ções que influam ou possam influir no julgamento; 9) o de ter a
palavra, pela ordem, perante qualquer Juízo ou trib u n e , para re­
plicar a acusação ou censura que lhe sejam feitas durante ou por
motivo do Julgamento; 10) o de vista dos autos, com mais ampli­
tude; 11) o de ser publicamente desagravado (art. 134) (27), quando
ofendido no exercício da profissão; 12) o de ter férias e assistên­
cia social, nos têrmos da legislação própria (art. 86) (28).
k ) Férias. Aproveitando a substância de anteprojeto oferecido
ao Conselho Secional do Distrito Federal pelo advogado Aloysio Mon-
(25) A l t 87 do E sU tuto. (P o l suprim ido O p razo d e 30 dias p a ra o início de
açSo d e p resta çio de contas e. com o dever, o disposto n o item 12, gupia).
(26) A rt. 88 do E statuto.
(27) A rt. 130 do E s ta tu to .
(28) A rt. 89 do E statuto. (F oram excluídos o s direitos constantes dos Itens S e 6 ,
supra; fo i retirada a cláusula — “com o condiçSo d a validade d êste " do direito referid o
no Item 3; e eiim inado o direito a férias referid o do Hem 12).

280
\o l u m c 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ireito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 237

feiro de Albuquerque, e apresentado à Comissão por emenda aditiva


do eminente professor Cândido de Oliveira Neto, a Comissão regu­
lamentou, em capítulo especial, o direito a férias do advogado, até
o máximo de 30 dias por ano, mediante o sobreestamento dos pro­
cessos em que funcione, enumerando os casos em que a suspensão
do feito não pode ser admitida e disciplinando as hipóteses de re­
querimento temerário, com fim protelatório, para obviar a alican-
tin a (29).
I) Assistência J u d ic iá ria . Já existindo, em funcionamento no
território de algumas Seções, o serviço de Assistência Judiciária m an­
tido pelo Oovêmo com advogados de olício nomeados e pagos pelo
Estado, 0 anteprojeto llmitou-se a cometer à Ordem a nomeação de
advogado para os necessitados no sentido da lei, nas clrcunscrlções
em que não houver aquêle serviço oficial (30). Regulou, porém,
a matéria, em outros dispositivos, enumerando os casos de justo
motivo para a recusa do patrocínio, e indicando as hipóteses em,
que os serviços podem ser, afinal, remunerados (arts. 96 e 98) (31).
m) H o norários profissionais. O anteprojeto disciplinou a m até­
ria, que tem constituído tormentosa preocupação de várias Seções da
Ordem, algumas tendo chegado a elaborar tabelas, que informam,
como elementos de prática consuetudinária, a rotina de alguns ad­
vogados ou as soluções de compromisso. As regras agora estabeleci­
das destinam-se, na sua maior parte, a regular as hipóteses em que
não h a ja contrato escrito (arts. 100 a 103) (32). Entre as normas
genéricas, destaca-se a da revisão do contrato por onerosidade sub­
seqüente (teoria da imprevisão), sempre adm itida depois de de­
corridos quatro anos (art. 105) (33), disciplina Indispensável na
hora em que a própria cláusula d ’echelle m ob ile procura foros de
cidade contra os efeitos da perda progressiva do poder aquisitivo
da moeda. Ampliou-se o prazo prescriclonal da ação por honorários,
ordinária ou executiva, para cinco anos (art. 106) (34) e asse­
gurou-se ao advogado privilégio especial sóbre o objeto do mandato,
como credor de honorários e despesas feitas no desempenho do
mandato (art. 106) (35), equiparando-se, assim, a segurança da
sua remuneração às garantias outorgadas para o salário comum
pelo direito do trabalho (art. 449, S l.o da Consolidação das Leis do
T rabalho).
n) Infraçõ es e sanções d is c ip lin a re s. Mereceu cuidado especial
a regulamentação do poder jurlsdicional da Ordem quanto à disci-

(29) V ide DOU 1.


(30) A rt. 91 do E statuto.
(31) A tu . 30, 90 e 92 a 95 do E sta tu to .
(32) A rts. 96 a 102 do E statuto.
(33) O direito A revisSo do co n trato d« honorários po r ImprevlsSo, em bora conside­
rado de eq&idade pelo D eputado M ilton C am pos, foi excluído do P rojeto peta su a em en­
d a 0 .° 26 (V . P arecer citado n a not* 17),
(34) A r t 100 d o E statuto.
(35) A lt. 102 do E statuto.

281
História da
P Ò rd e m dos Advogados do Brasil

238 NEHEMIAS GXJEIROS

püna dos seus membros. Foi aumentado o elenco das Infrações dis-
ciplinares, considerando-se como faltas pxmíveis várias práticas que
antes escapavam à disciplina corporativa. Assim, constitui, agora
infração disciplinar: l) transgredir preceito do Código de Ética Pro­
fissional; 2) exercer a profissão quando impedido de fazê-io, ou fa­
cilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos ou im­
pedidos; 3) m anter sociedade profissional fora das normas e precei­
tos estabelecidos na lei; 4) valer-se de agenciador de causas, median­
te participação nos honorários a receber; 5) angariar ou captar cau­
sas, com ou sem a intervenção de terceiros; 6) assinar qualquer es­
crito destinado a processo judicial ou para efeito extrajudicial, que
ttao tenha feito, ou em que nã o ten ha colaborado; 7) advogar contra
literal disposição de lei, presumida a boa fé e o direito de fazê-lo com
fundamento na Inconstitucionalidade, na injustiça da lei, ou em pro­
nunciamento judicial anterior; 8) violar sigilo profissional; 9) pres­
tar concurso a clientes ou terceiros para a realização de ato contrário
à lei ou destinado a fraudá-la; 10) solicitar ou receber do constituin­
te qualquer importância para aplicação ilícita ou desonesta; 1 1 ) re­
ceber provento da parte contrária ou de terceiro, relacionado com o
objeto do mandato, sem expressa autorização do constituinte; 1 2 )
aceitar honorários,quando funcionar por nomeação da Assistência
judiciária, da Ordem ou do Juízo, salvo nos casos enumerados na
Lei; 13) estabelecer entendimento com a parte adversa, sem auto­
rização do cliente, ou ciência ao advogado contrário; 14) locupletar-
se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte adversa, por si
Ou por interposta pessoa; 15) prejudicar, por cWpa grave, interesse
confiado ao seu patrocínio; 16) acarretar, conscientemente, por ato
próprio, a anulação ou a nulldade do processo em que funcione; 17 )
fazer requerimento temerário de férias; 18) abandonar a causa sem
motivo justo, ou antes de decorridos dez dias da Intimação ao m an­
dante para constituir nôvo advogado, salvo se antes dêsse prazo fôr
ju nta aos autos nova procuração; 19) recusar-se a prestar, sem jus­
to motivo, assistência gratuita aos necessitados no sentido da lei,
quando nomeado pela Assistência Judiciária, pela Ordem, ou pelo
juízo; 20) recusar-se, injustificadamente, a prestar contas aos clien­
tes de quantias recebidas dêle, ou de terceiro por conta dêle; 21) re­
ter, abusivamente ou extraviar autos recebidos com vista ou em con-
fiança[ 22 ) fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente,
alegações forenses ou relativas a causas pendentes; 23) reve­
lar negociação confidencial para acôrdo ou transação, entabola-
do com a parte contrária ou seu advogado, quando tenha sido enca­
minhada com observância dos preceitos do Código de Ética Profis­
sional; 24) deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutriná­
ria on de julgado, bem como de depoimentos, documentos e alega­
ções da parte contrária, tentando confundir o adversário ou iludir o
juiz da causa; 25) fazer Imputação a terceiro, de fato definido como
crime, em nom e do constituinte sem autorização escrita dêste; 2 6 )
praticar, no exercício da atividade profissional, qualquer ação ou
omissão definida como crime ou contravenção; 27) não cumprir, no
prazo estabelecido, determinação emanada de órgão ou autoridade
da Ordem, em m atéria de competência desta, depois de regular-

282 màB
\ Illu m e 5 D a R edem ocratização a o Estado D e m o c rá tic o d e D ireito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 23»

mente notificado; 28) deixar de pagar à Ordem, pontualmente, as


contribuições a que está obrigado; 29) praticar, o estagiário ou o
provisionado, ato excedente da sua habilitação; 30) faltar a qualquer
dever profissional imposto na lei (art. 109) (36).
O anteprojeto sistematizou a aplicação das penalidades (arts.
110 a 122) (37), consistentes em: 1) advertência; 2) censura; 3)
multa; 4) exclusão do recinto; 5) suspensão do exercício da pro­
fissão; 6) eliminação dos quadros da Ordem. A multa deixou de
constituir pena autônoma, passando a ser aplicada sempre con­
juntam ente com outra, a fím de evitar que as transgressões disci­
plinar es possam ser resgatadas com dinheiro, critério definitiva­
mente burguês, incompatível com o fundo ético e a teleologia da
disciplina corporativa. Foi instituída a indlvidualização da pena
(arts. 120 e 121) (38), e regulado o processo disciplinar (arts. 123
a 128) (39), assim, como a revisão penal (art. 129) (40).
o) Recursos. Pondo têrmo à desordem anterior, o anteprojeto
Inclui um capítulo sôbre os recursos, enumeradas as m at.rias em
que é admitido; 1) estágio profissional e Exame de Ordem; 2) ins­
crição nos quadros da Ordem; 3) incompatibilidades e impedimen­
tos; 4) processo disciplinar e sua revisão; 5) ética profissional; 6)
deveres e direitos dos advogados; 7) registro e funcionamento das
íociedades de advogados; 8) Incidência do Regimento Interno; 9)
eleições nas Seções e Subseções; 10) relatório anual, balanço
e contas das Diretorias das Seções e Subseções; 11) casos omis­
sos no Estatuto (art. 136) (41). Foi disciplinada a m atéria de em­
bargos infringentes e declaratórios (arts. 137 e 139) (42), e uni­
formizado o prazo para quaisquer recursos, fixado em quinze dias,
contados da publicação do ato ou decisão, e sempre recebidos no
efeito suspensivo (art. 141) (43).
p) Coexistência da Ordem e sindicatos profissionais. Reconhecen­
do a vocação universal à sindicallzação de tôdas as classes profissio­
nais, que hoje constitui prerrogativa integrada na Declaração Univer­
sal dos Direitos do Homem (art. 23, alínea 4), ademais de ser direito
assegurado pela Constituição (art. 159) a Comissão deixou em branco
0 problema da coexistência da Ordem com os sindicatos profissionais
de advogados, embora tenha atribuído a esta função que completa
0 seu caráter corporativo (a rt. 1.°, § 1.°) (44). Entendeu, porém,
— precisamente porque a Ordem, com as atribuições assim acres­
centadas, atende aos interêsses profissionais de que podem cuidar

(36) A rt. 103 do E statuto. (ExcWMo o direito a férias, excluiu-se, igualm ente, a 1b -
fraçfio referid a no item 17, s u p r a ).
(37) A m . 105 a 118 do E statuto.
(38) A rts. 115 e 116 do E statuto.
(39) A rts. 119 a 124 do E statuto.
(401 A rts. 125 e 126 do E statuto.
(41) A rL 132 do E sta tu to .
(42) A rts. 133 e 135 do E statuto.
(43) A rt. 137 do E statuto.
(44) A n . 1.®, § 1.® do E statuto.

màM 283
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

240 NEHEMIAS GUEIROS

OS sindicatos — que o pagamento da anuidade exclui os Inscritos


nos seus quadros da incidência obrigatória do impôsto sindical (art.
147) (45).
g) E xtin çã o do quadro de solicitadores. Com a instituição do
estágio profissional e a conseqüente criação do quadro de estagiários,
tomou-se Inteiramente inútil a profissão de solicitador de causas,
n a verdade já sem expressão e sem sentido desde a promulgação do
novo Código de Processo Civil. O anteprojeto declara extinto o seu
quadro, ressalvando o direito dos que exerciam a profissão, com
o seu limite de tempo (art. 158) (46).

M a te ria l bib lio g rá fico

A comissão baseou as suas pesquisas, estudos e trabalhos, nos


seguintes subsídios:
I. LEGISLAÇÃO
1) Decreto n.° 19.408, de 18-11-1930, a rt. 17;
2) Decreto n.° 20.784, de 14-12-1931;
3) Decreto n.o 21.296, de 16-4-1932;
4) Decreto n.o 21.592, de 1-7-1932;
5) Decreto n.° 21.689 de 1-8-932;
6) Decreto n.o 22.039, de 1-11-1932;
7) Decreto n.° 22.266, de 28-12-1932;
8) Decreto n.° 22.478, de 20-2-1933;
9) Decreto n.° 22.562, de 20-3-1933;
10) Decreto n.o 24.044. de 26-3-1934;
11) Decreto n.o 24.185, de 30-4-1934;
12) Decreto n.o 24.631, de 9-7-1934;
13) Lei n.o 161, de 31-12-1935;
14) Lei n.o 304, de 16-11-1936;
15) Lei n.o 510, de 22-9-1937;
16) Decreto-lei n.o 3.063, de 19-2-1941;
17) Decreto-iei n.o 4.563, de 11-8-1942;
18) Decreto-lei n.o 5.410, de 15-4-1943;
19) Decreto n.o 17.805, de JO-2-1945;
20) Decreto-lei n.o 7.359, de 6-3-1945;
21) Decreto-lei n.o 7.513, de 2-5-1945;
22) Decreto-lei n.o 8.232, de 27-11-1945:
23) Decreto-lei n.o 8.403, de 20-12-1945;
24) Decreto-lei n.o 9.442, de 10-7-1946;

(45) A n . 143 do E statuto.


146) A rt. 155 do E s ta tu to , P o r em enda õo D ep u tad o M ilto n Cam pos, substliulu-se
a cláusula “ com o seu lim ite de tem po" p o r "sem lim ite d e tem po” (V . P arec er citad o
n a n o ta 17).

284 #àm
V o lu m e 5 D a Reclemocratização a o Estado D e m o c rá tico de D ireito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 241

25) Lei n.o 690, de 30-4—949;


26) Lei n.o 794, de 29-8-1949;
27) Lei n ° 1.183, de 28-11-1950;
28) Lei n.o 1.580, de 20-3-1952;
29) Lei n.o 1.727, de 8-11-1952;
30) Lei n.o 2.221, de 9-6-1954.

II — JURISPBÜDâNCIA
a) Acórdãos do Supremo Tribunal Federal:

1) 9-10-1933, “Arq. Ju d ." 29.71;


2) 1-10-1934, “Arq. J u d .” 35.253;
3) 13-5-1936, “Arq. J u d .”, 40.11;
4) 16-9-1936, “Rev. For.", 70.45;
5) 25-6-1937, “Arq. J u d .”, 44.25;
6) 24-10-1938, “Arq. J u d .”, 51.103;
7) 12-3-1941, "Arq. J u d .”, 58.31;
8) 30-7-1941, “Arq. J u d .”, 60.375;
9) 17-8-1942, “Rev. T rib.“, 148.364;
10) 28-7-1943, “Rev. F o r.”, 97.707;
11) 19-4-1944, “Arq. J u d .”, 71.153;
12) 24-1-1947, “Arq. Ju d .”, 82.123;
13) 14-4-1947, “Arq. Ju d .” 82.187;
14) 15-10-1953, “Arq. J u d .” 111.76.

b) Acórdãos do Tribunal Federal de Recursos:

1) 25-5-1951, “Rev. Dir. Admin.”, 29.124;


2) 19-9-1952, “Rev. Dir. Admin.”, 33.222;
3) 2-10-1952, “Rev. F or.” 153.231;
4) 30-10-1953, “Rev. F o r.” 155.207;

c) Acórdãos do Tribunal de Apelação do Distrito Federal:

1) 16-6-1933, “Arq. Ju d .” 29.149;


2) 19-6-1933, “Arq. J u d .”, 27.341;
3) 5-12-1933, “Arq. J u d .” 29.471;
4) 11-5-1934, “Arq. J u d .” 31.591;
5) 13-11-1935, “Arq. Jud.", 40.132;
6) 7-4-1936, “Arq. Ju d .”, 38.431;
7) 4-11-1936, “Rev. T rib.” 114.299;
8) 8-1-1937, “Rev. F or.” 70.518;
9) 15-1-1937, “Rev. F o r.”, 70.145;
10) 23-7-1937; “Arq. Ju d .”, 45.39;
11) 1-12-1944, “Rev. T rib .”, 155.755;
12) 4-12-1944, “Arq. J u d .”, 74.52;
13) 24-6-1946, “Rev. Trib.”, 181.876;
14) 28-5-1951, “Arq. J u d .” 101.168.

máM 285
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

242 NEHEMIÂS GUEIBOS

d) Acórdãos do Tribunal de Aoelação de São Paulo;


1) 28-9-1933, “Rev. Trib .”, 91.72;
2) 10-11-1933, "Rev . Trit 92.72;
3) 16-8-1934, “Rev. Trib. ”, 94.282;
4) 6-9-1934, "Rev. T rib.’’, 96-67;
5) 9-8-1935, “Rev. T rib .’ 100.189;
6) 21-8-1935, “Rev. Trib. ", 97.465;
7) 17-10-1935, “Arq . Jud. ”, 36.372;
8) 4-3-1938, ‘‘Rev. T rib.”’, 102.58;
9) 26-8-1936, “Rev. Trib. ”, 105.190;
10) 13-5-1937. “Arq. J u d .’", 42.47;
11) 23-3-1938, “Arq. J u d .’ 46.377;
12) 27-7-1939, “Rev. Trib. ”, 121.173;
13) 13-8-1940, “Rev. Trib. ”, 129.248;
14) 28-10-1943, “Rev T rib.”. 150.605:
15) 1-2-1944, •‘Rev. T rib.' 93.407;
16) 29-3-1944, “Rev. Trib. ”, 150.203;
17) 6-9-1945, '“Rev. T rib.’", 160.227;
18) 25-2-1947, “Rev. Trib. ”, 167.181;
19) 5-12-1951, “Rev. Trib 194.343;
20) 10-3-1952, “Rev. Trib. ”, 204.141.
e) Acórdãos 1do Tribunal de Apelação de Minas Gerais:
1) 4-10-1933, “Rev. For.' 61.271;
2) 25-11-1933, “Arq . Jud 29.108;
3) 6-12-1933, “Rev. Por. ”, 62.38;
4) 27-1-1934, “Rev. P o r.’’, 62.242;
5) 13-4-1934, “Rev. P o r.’’, 62.399;
6) 27-10-1934, “Rev . For. ”, 64.86;
7) 15-2-1936, “Rev. Por.”, 66.563;
8) 13-6-1936. '‘Rev . For”, 68.159;
9) 3-11-1938, “Rev. For.”, 78.593;
10) 20-3-1950, “Rev. Por,”, 148.277;
/) Acórdãos do Tribunal de Apelação de Pernambuco:
1) 6-10-1939, “Arq. Por.'”, 5.133;
2) 27-4-1942, “Arq. For.”, 11.191;
3) 7-2-1944, ‘‘Arq. Por.”, 14.162:
4) 19-4-1951, “Arq. F o r.’', 28.342.
g) Acórdãos do Tribunal de Apelação de Goiás:
1) 20-12-1939, “Rev. Trib. ”, 124.221;
2) 16-5-1944, “Rev. Trib.” 154.320;
3) 17-5-1944, “Rev. Trib.”, 157.305;
h) Acórdãos do Tribunal de Apelação do Est. do Rio de Janeiro;
1) 22-2-1934, “Arq. Jud. ”, 66.69;
2) 22-8-1934, "Arq. Jud.”, 32.54;

286 mà#
X'olume 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ireito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 243

i) Acórdão do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul;


1) 11-12-1941, “Rev. Trlb.”, 140.278:
j) Acórdão do Tribunal de Apelação do Ceará:
1) 7-6-1951, “Rev. F o r.”, 142.325.

m — DOUTRINA

a) Nacional:

1) João Airuda, “Proventos da Profissão" 1920, in “Rev.


Trlb.’,, 36.83; Rui Barbosa, "O Dever do Advogado”, 1921;
3) J . X . Carvalho de Mendonça, “A advocacia no Brasil”, 1925, in
"Rev. T rib.” 56.40; 4) Rui Barbosa, “Carta à Nação”, in “Esfola
da Calúnia”, 1931, págs. 129,168; 5) Mário Guimarães de Souza, “O
Advogado”, 1935; 6) Oscar Martins Gomes, “Ordem e Instituto dos
Advogados”, 1936, In “Rev. de Jur. Bras.”, 31.282; 7) Eurico Vale,
“A Função Hodiema da Ordem dos Advogados”, 1938, in “Rev. Jur.
Brasileira”, 38.242; 8) Astolpho Rezende, “A Função Social do
Advogado”, 1939, in “Rev. Jur. Bras.”, 42.239; 9) Amoldo Me­
deiros da Fonseca, “Imunidade dos Advogados”, 1938, in “Rev. F o r.”
75.424; 10) J. M. Azevedo Marques, “O Respeito à M agistratura e o
Respeito à Liberdade de Defesa”, 1938, In “Rev. T rib .” 114.888; 11)
Dionisio Silveira, “Exercício da Advocacia”, 1938, in “Rev. F o r.”
75.426; 12) Targino Ribeiro, "A Ação do Advogado nos Momentos de
Crise do Direito”, 1940, in “Rev. T rib.”, 126.735; 13) H. Sobral Pinto.
“Da composição da Ordem dos Advogados”, 1943, in “Arq. J u d .”
66.9; 14) Levl Carneiro, "O Livro de um advogado”, 1943; 15) Rui
de Azevedo Sodré, “O Advogado Perante a Legislação Social”, 1943,
in “Rev. T rib.”, 143.16; 16) Nuno Santos Neves, “M agistratura e Ad­
vocacia”, 1944, in “Rev. For.”, 98.733; 17) Justo de Moraes, “Apo­
logia do Advogado”, 1944, in “Rev. Jur. Bras.’’, 64.237; 18) Ruy
de Azevedo Sodré, ‘Inadimissibilidade da Sindicalização para a classe
dos Advogados”, 1944; 19) José A. Prado Praga, “A Crise da Advo­
cacia”, 1945, in “Rev. Trib.”, 155.412; 20) Ruy de Azevedo Sodré, “A
Crise da Advocacia — Sugestões para atenuá-la”, 1945; 21) Ruy de
Azevedo Sodré, “Remuneração da Advocacia”, 1946; 22) M. Seabra Fa­
gundes, “Profissão Liberal”, 1947, in “Rev. Dir. Adm.” 10.337; 23) Abí­
lio de Carvalho, “Advocacia e M agistratura”, 1948 in “Arq. Jud.”, 88.25;
24) Letácio Jansen, “Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Advoga­
dos", 1949, in “Jornal do Comércio”, 10-12-1949; 25) Alfredo Balthazar
da Silveira, “Os Militares e o Exercício da Advocacia”, 1949, in “Arq.
J u d .”, 92.135; 26) Oswaldo Murgel Rezende, “O Código de Processo
Civil e os Advogados”, 1950, in “Rev. Ju r. B ras.” 88.117; 27) Darlo de
Almeida Magalhães, “Ê a Ordem dos Advogados uma Autarquia?” 1950,
in “Rev. Jur. Bras.”, 89.95; 28) Alfredo Balthazar da Silveira, “Exer­
cício da Advocacia, Incompatibilidades”, 1950, in “Arq. Jud.”, 93.10;
29) Parlo de Almeida Magalhães, “Ordem dos Advogados do Brasil,
sua Natureza Jurídica, seus Poderes, Funções e Encargos”, 1950, in

287
_____________ Historia da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

244 NEHEMIAS GUKIROS

“Rev. Dir. Adm.”,; 20.340; 30) Luiz Silveira Melo. “O Drama das
Profissões Liberais”, 1951, in “Rev. Jur. Bras.”, 93.98; 31) Fernando
Rudge Leite, “A Liberdade de Profissão e a Ordem dos Advogados”,
1951, In “Rev. F or.”, 133-25; 32) Sebastião de Souza, “Honorários
de Advogado”, 1952 ; 33) Djaclr Menezes, “A Formação Profissional
do Advogado”, 1952, 34) Dario de Almeida Magalhães, “A Função
do Advogado n a Sociedade Contemporânea”, in “Rev. For.”, 139.497;
35) Haroldo Valadão, “Advocacia, Exercício por Estrangeiros, Consti-
tuclonalidade da Exigência Legal de Reciprocidade”. 1952, In “Rev.
T rib.”, 201.69; 36) Carvalho Neto, “Advogados”, 1952; 37) Cândido
de Oliveira Neto, “Advogado, Ingresso nos Cancelos dos Juízos e
Tribunais”, 1954, in “Rev. For.”, 156.94; 38) Nélio Reis, “A Ordem
dos Advogados e a Representação Sindical”, 1954; 39) Rubem No­
gueira, “Rui Barbosa e a Técnica da Advocacia”, 1954, In “Rev.
For.” 152.467; 40) Ruy de Azevedo Sodré, “Código Americano de
Normas Mínimas de Ética Profissional”, 1954; 41) Aguinaldo Mi­
randa Simões, “Assistência e Previdência Social dos Advogados”,
1954, in “Arquivos do Instituto de Direito Social”, 11.87; 42) Ruy
de Azevedo Sodré, “A Obrigatoriedade do Estágio para o Exercí­
cio da Advocacia”, 1955; 43) Albertino Moreira, “Apoaentadofrla
e Pensão”, 1956, In “Anais da 1.® Convenção Nacional de Advo­
gados”, São Paulo, págs. 22-61; 44) Ruy de Azevedo Sodré. “Am­
pliação do Campo da Advocacia — Exclusão dos quadros da Or­
dem de todos que não exerçam a Advocacia — Pagamento de honorá­
rios e advogados de réus pobres em processos criminais”, 1956, In
“Anais da 1.® Convenção Nacional de Advogados”, S. Paulo, págs. 72-
89; 45) João Paulo Bittencourt, “A situação do advogado em face da
Legislação Trabalhista, 1956, In “Anais da 1.* Convenção Nacional de
Advogados”, São Paulo, pgs. 90.97; 46) Walfrido Prado Guimarães, “O
Tabelamento de Honorários de Advc^ados” 1956, in “Anais da 1.» Con­
venção Nacional de Advogados”, São Paulo, págs. 97-102; 47)
Claudionor Telógio de Andrade, “A Advocacia pelos Juizes, em dis­
ponibilidade e pelos Aposentados”. 1956, in “Anais da 1.» Convenção
Nacional de Advogados", S. Paulo, pgs. 102-108; 48) João de Oliveira
Filho, “Estágio dos Advogados”, 1956. in “Anais da !.■ Convenção Na­
cional de Advogados”, S. Paulo, pgs. 154-157; 49) Noe Azevedo, “Estágio
Profissional”, 1956, In “Anais da 1.* Convenção Nacional de Advoga­
dos”, S. Paulo, pgs. 201-206; 50) Camilo Gonçalves Bertl, “Pro­
blema das Escolas de Direito”, 1956, In “Anais da 1.^ Convenção Na­
cional de Advogados”, São Paulo, pgs. 216.221; 51) Mário Neves Bap-
tlsta. “Prova de Habilitação Profissional do Advogado”, 1956, in
“Anais da 1.» Convenção Nacional de Adv%ados”, S. Paulo, pgs.
227-229.
b) Estrangeira:
52) André Perraud-Charmantler, “Le Secret Professlonel, ses Li­
mites. ses Abus”, 1926; 53) Jean Appleton, “Traité de Ia Profession
D’Avocat”, 1928; 54) Ary dos Santos, “Nós, os Advogados”, 1934; 55)
Fernand Payen e Gaston Dubeau, “Les Règles de la Profession D'Avocat
et les Usages du Barreau de Paris”, 1936; 56) Robert Fosse, “La Res-

288 máM
V o lu m e 5 D a Redem ocratízação a o Estado D e m o c rá tic o d e D ireito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 245

ponsabllité Civile des Avocats”,1936; 57) Henrl Robert, “O Advogado”,


1937, tradução de J. Pinto Loureiro; Alfred Legal et Jean Brethe de La
Gressay, “Le Pouvolr Dlsciplinaire dans les Institutions Pri-
vées”, 1938; 59) Pierlugl e Ettore Erizzo. “O Romance do Advogado,”
1939); 60) Piero Calamandrei, “Elogio dei Giudici Scritto da un Awo-
cato”, 3.» ed., 1954; 61) Alfred Roliand, “Organisation Corporative
des Carrières Liberales: Les Ordres”, 1944, in “Les Étapes de la Legis­
lation Corporative en France", págs., 1.41; 62) Jean Savatier, “La
Profession Libérale” 1947; 63) José Salmans, S. I . “Deontologia
Jurídica o Moral Profissional dei Abogado, edição espanhola adaptada
da edição francesa, 1947; 64) Jacques Hamelin, “Paradoxe sur 1'Avo-
cat”, 1949 ; 65) Robert de Vleschauwer, “L’Organization de droit públic
de certaines professions liberales”, iii “L’Organization Profesionelle
de I’Economie”, 1950, págs., 175-227; 66) José Maria Manganiello, “Vo-
cación de Abogado”, 1953; 67) Leon Husson, “Les activités pro-
fessionneles et le droit”, in “Archives de Philosophie de Droit”,
1954, págs. 1-44; 68) René Savatier, “L’Origine et le developement du
droit des professions liberales”, idem, 1954, págs. 45-74; 69) Jean
Brethe de La Oressaye, “La discipline dans les entreprlses, les syn-
dicats et les professions organisées”, idem, 1954, pags. 75-^108; 70)
Raymond Odent, “Le controle du Conseil d’É tat sur les ordres pro-
fessionnels”, idem, 1954, págs. 109-121; 71) Louls Cremieu, “Traité
de la Profession d’Avocat”, 1954; 72) Oeo Minvielle, “Ordres et Syn-
dicatis Professionels”, 1954 ; 73) P . Cibrle, “La coexistence des Or­
dres et des Syndicats Professionnels”, in “Droit Social”, 1954, págs.
332-336; 74) Jacques Hamelin, “Abrégé des Règles de la Profession
d’Avocat” (Decret du 10 avril 1954), suplemento à “Encyclopedie Ju-
ridigue Dalloz”, 1954.
c) Estrangeira:
75) Charles Warren, “A History of the American Bar”, 1912;
76) Alexander L. Schlosser,, “Lawyers Must E at”, 1933; 77) M.
Louise Rutherford, “The Influence of the American Bar Association
on Public Opinion and Legislation”, 1937; 78) Edward Stevens Ro­
binson, “Law and the Lawyers”, 1937; 79) Silvester S. Quindry,
"Practicing Law”, 1938; 80) John J. Antus, “Law Office Secre­
tary’s Manual”, 1941; 81) Dwight G. Mac Carty, “Law Office Ma­
nagement”, 1946; 82) Adolph A. Berle J r ., "Modern Legal Pro­
fession” In “Encyclopedia of the Social Sciences”, 1948, págs. 340-
345; 83) W iliam Lillie, “An Introduction to Éthics”, 1951; 84)
Keneth Robert Redden, “Career Planning in the Law”, 1951; 85)
Kenneth Robert Redden. “So you w ant to be Lawyer”, 1951; 86)
Orie L. Philips and Philbrick McCoy, “Conduct of Judges and
Lawyers, A Study of Professional Ethics, Discipline and Disbar­
ment”, 1962; 87) Marion R. Kirwood, “Requirements for Admission
to Pratice Law”, 1952, in “Bar Examinations and Requirements for
Admission to the Bar”, págs. 77-119; 88) Homer D. Crotty, Re­
quirements for Admission of Practice in Federal Courts”, in 3 a r
Examinations and Requirements for Admission to the “Bar”, pags.
123-147; 89) Roscoe O. Parley, “Admissions of Attorneys from other

máM 289
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

246 NEHEMIAS OUEIROS

Jurisdictions", 1952, in ‘Bar Examinations and Requirements for


Admission to the Bar", págs. 151-167; 90) Eustace Cullinan,
“Requirements for Admission to Practice In En^aiid, Ireland the
Australian States, New Zeeland and the Canadian Provinces", 1952,
in “Bar Examinations and Requirements for Admission to the Bar”,
págs. 170-249; 91) Will Shafroth, “Character Investigation, — An
Essential Élement of the Bar Admission Process", 1952, in “Bar Exa­
minations and Requirements for Admission to the B ar”, págs. 251-
273; 92) Hommer D. Croty, “The Acreditation of Law Schools", 1952,
i n “Bar Examinations and Requirements for Admission to the Bar”,
págs. 274-320; 93) Shelden D. Elliot, “Administration, Preparation,
and Grading of Bar Examinations", 1952, in “Bar Examinations and
Requirements for Admission to the Bar”, págs. 331-337; 94) George
Neff Stevens, “Scope and Subject Content of Bar Examinations",
págs. 321-327, in “Bar Examinations and Requirements of Admis­
sion to the Bar”, págs. 338-368; 95) Harold Shepherd, “Bar Exa­
minations as Testing Devices", 1952, in “Bar Examinations and Re­
quirements for Admission to the Bar", págs. 369-388; 96) James
E. Brenner, “Improving Bar Examinations", 1952, in “Bar Exami­
nations and Requirements for Admission to the Bar", págs. 389-399;
97) James E. Brenner, John T. De Graff, E. Shelden D. Eliot, “Sta­
tistical Appraisal of th e Bar Examination as a Testing Device",
1952, in “Bar Examinations and Requirements for admission to the
Bar", págs. 400-433; 98) Eustace Cullinam* “First Year Bar Exa­
mination", 1952, in “Bar Examinations and Requirements for Admis­
sion to the Bar", págs. 434-438; 99) Herbert W. Clark, “Bar Exa­
minations: Should they be Nationally Administered?” 1952, in “Bar
Examinations and Requirements for Admission to the Bar”, págs.
439-461; 100) Marjorie Merrlt, “The National Conference of Bar
Examiners”, 1952, in “Bar Examinations and Requirements for Admis­
sion to the Bar", págs. 462-498; 101) John W varts Tracy, “The
Successful Practice of Law", 1953; 102) Henry S. Drinker, “Legal
Ethics", 1953; 103) Hug Pattison Macmillan, “The Ethics of Advo-
cacy", in “Jurisprudence in Action", 1953, págs. 307-331; 104) Al­
bert P . Blustein e Charles O. Porter, “The American Lawyer, a
Summary of the Survey of the Legal Profesdon”, 1954; 105) Lloyd
Paul Stryker, ‘"The Art of Advocacy", 1954; 106) Glenn R. Winters,
A s^ ia tio n Organization and Activities”, 1954; 107) Albert
J. Beveridge, “The Young Lawyer and His Beginlngs", 1955, in “Stu­
dying Law", págs. 17-37; 108) John Maxcy Zane, ‘"The Five Ages
of the Bench and Bar of England", 1955, in “Studying Law”, pgs.
41-168; 109) Charles B. Stephens, “Find Your Place in the Legal Pro­
fession”, 1955. in “Studying Law”, pgs. 685-705; 110) Richard C
Fitzgerald, “The Role of the SoUcitor In Modem Society”, 1954 in
“Current Legal Problems", págs. 35-54; 111) Dennis Lloyd, “The Cost
of Litigation", 1954, In “Current Legal Problems”, pgs. 55-74; 112) R
E. Megarry, “Miscellany a t Law”, 1955; 113) William M Beaney, “The
Right to Counsel in American Courts", 1955; 114) Lewis Mayers,
“The American Legal System", 1955.

290 màM
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tic o de D ireito

A ADVOCACIA E O 8EU ESTATUTO 247

IV — PERIÓDICOS
1) “Boletim do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil”; 2) “Revista da Ordem dos Advogados”, São Paulo; 3) "Re­
vista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros” (atualmen­
te Instituto dos Advogados Brasileiros); 4) “Le Barreau de France”;
5) “Bulletin de L’Association Natlonale des Avocats”; 6) “American
Bar Association Journal” ; 7) “New York State Bar Bulletin”; 8) “Il­
linois Bar Journal”; 9) “Journal of the State Bar of California";
10) “Los Angsles Bar Bulletin”; 11) “Washington Law Reviev and
State Bar Bulletin” .
V — ANTEPROJETOS
1) Demosthenes Madureira de Pinho, 1951; Evandro T.lr>« @
Silva. 1954.
VI — SUBSTITUTIVOS
1) Carlos Alberto Dunshee de Abranches, 1955 2) José Maria
MacDowell da Costa, 1955.

Emendas

7. Foram debatidas — e recusadas ou aceitas — emendas ofe­


recidas pelas Seções de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo,
Paraná e Rio Grande do Sul; pelas Subseções de Campinas, Soro­
caba e Marília. do Estado de São Paulo; e pelos advogados M. Seabra
Fagundes, Cândido de Oliveira Nato, Ruy Azevedo Sodré, André de
Faria Pereira, João de Oliveira Pilho, Mayr Cerqueira, Thomé Tostes
Machado, Oswaldo Murgel Rezende, Nelson Carneiro, Anor Butler Ma­
ciel, Letácio Jansen, J. O. Lima Pereira, Oswaldo Vergara, J. Lafayete
Pinto Guimarães, João Alfredo Cataldl, José Paulo Cavalcanti, Ta-
bosa de Almeida, Raymundo Diniz Barreto, W alter Pupo Nogueira,
Alvaro Baddinl, Ary Florencio Guimarães, João Mendes da Costa Fi­
lho, Geraldino F. Medeiros, Antônio Carlos Cavalcanti Mala, Arlosto
Rocha de Rezende e J. Claudino de Oliveira Dias.
A Seção de Pernambuco, fêz-se representar, perante a Comissão,
pelo seu ilustre Presidente, Dr. José Cavalcanü Neves, que debateu
pessoalmente tôdas as emendas pela mesma oferecidas, aceitas na
sua quase totalidade.

Conclusão

8. Cumprimos o grato dever de agradecer a eficiente contribui-


1 íã o prestada na fase inicial dos trabalhos pelos ilustres Conselheiros

291
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

248_________________ NEHEMIAS GUEIROS

Neto e J. Teles da Cruz. revendo conosco o m a-


tf ® de jurisprudência realizada pelos aca-
f G u e d e s e Augusto Alexis Cordeiro de Mello,
e o trabalho de dactilografla, em penosas e sucessivas modificacões
Tena^^ pré-universitários Jayme Naifeld e Solemar Ortega

. A Comissão não teria a veleidade de admitir que fêz obra isenta


ae íalíias, em qualquer sentido. A tareia exigia mais do que podiam
u n o ^ s forças, e a falha dos vagares indispensáveis, além da na­
tural deficiência humana, impediriam que o nosso esforço pudesse
realizar trabalho melhor.
. 9 ^ te p ro je to que ora submetemos à aprovação do Conselho Fe-
^ Advogados do Brasil representa, porém, pela
^ p U tu d e do debate a que foi prèviamente submetido, a média exata

Rio de Janeiro, I P de maio de 1956.

NEHEMIAS GUEIROS, Relator.


Themístocles M arcondes F e rre ira
A lb erto B a rre to de Melo
C. B. Aragão Bozano
J. M. M acD ow ell da Costa
C. A. Dunshee de Ahranches, com as restrições cons­
tantes do substitutivo de sua autoria

292 màM
\'o lu m e 5 D a R edem ocratizaçào a o Estado D e m o c rá tic o d e D ireito

ANEXO II
Lei r f 4.215 de 2 7 de abril de 1963 que dispõe
sobre o Estatuto de Ordem dos Advogados do Brasil
e regula o exercício da profissão do advogado.

293
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

294 màM
V o lu m e 5 D a Redem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ireito

TEXTO CORRETO DO ESTATUTO

LEI N.o 4.215 — DE 27 DE ABRIL DE 1963

Dispõe sõbre o E statuto da Ordem dos Advogados do B ra s il e reg ula


o exercício da profissão do advogado. (•)

O Presidente da República:
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a
iinfA T.ol •

TÍTULO I
Da Ordem dos Advogados do B ra sil

CAPÍTULO I
Dos fin s , organização e p a trim ô n io

Art. 1.0 A Ordem dos Advogados do Brasil, criada pelo art. 17


do Decreto n.® 19.408, de 18 de novembro de 1930, com personali­
dade jurídica e forma federativa, é o órgão de seleção, disciplina e
defesa da classe dos advogados em tôda a República (art. 139).
Parágrafo único. Cabe à Ordem representar, em juizo e fora
dele, os interêsses gerais da classe dos advogados e os individuais,
relacionados com o exercido da profissão.
Art. 2.0 São órgãos da Ordem dos Advogados do Brasil:
I — o Conselho Federal;
II — os Conselhos Seclonais;
III — as Diretorias das Subseções;
rv — as Assembléias Gerais dos Advogados.

( )_ T exto corrigido de acdrdo com a proposU de retificasSo dos êrro s d e reviaio»


oe K missSo c de redação final, encam inhada pelo Conselho Federal da O. A. B. à m esa
d a C âm ara F ederal, p o r interm édio d a P residência d a R epública, nos tèrm os d o e i p ^
diante que se reproduz erq seguida à Lei.

295
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

250 NSHEMIAS GUEIROS

Art. Z.° O Conselho Federal, com sede na Capital da República,


é o óz^ão supremo da Ordem dos Advogados do Brasil (arte. 13 a
18).
Parágrafo único. O Conselho Federal poderá dividlr-se em Câ­
maras, com a competência que lhes fixar o seu Regimento.
Art. No Distrito Federal e na capital de cada Estado haverá
um a Seção da Ordem, cujo órgão é o Conselho Secional (arts. 20
& 29 ).
9 1.® Na Capital dos Territórios onde haja, pelo menos, quinze
advogados, pode instalar-se uma Seção da Ordem.
9 2.0 As Seções têm personalidade jurídica própria, com au­
tonomia administrativa e financeira, nos têrmos desta lei.
S 3.0 A critério do Conselho Secional, e ad refe re n d u m do Con­
selho Federal, podem as Seções ser divididas em Subseções, abran­
gendo comarcas do seu território, e estas desdobradas ou reunidas,
atendendo a conveniências locais.
S 4.0 A Subseção terá quinze advogados, pelo menos.
9 5.0 o Conselho Secional poderá divldir-se em Câmaras, com
a comoetência que lhes fixar o seu Regimento Interno.
Art. 5.0 O patrimônio do Conselho Federal é constituído por:
1 — bens móveis e imóveis adquiridos;
IX — legados e doações;
111 — quaisquer bens e valõres adventícíos.
Parágrafo único. Constituem receitas do Conselho Federal:

I — ordinárias:
a) a percentagem sôbre a receita liquida arrecadada em cada
Seção e Subseção (art. 141);
b) a renda patrimonial;

n — extraordinárias:
a) as contribuições voluntárias;
b) as subvenções e dotações orçamentárias.
Art. 6.0 O patrimônio de cada Seção é constituído por:
1 — bens móveis e Imóveis adquiridos;
n — legados e doações;
111 — quaisquer bens e valõres adventícíos.
9 1.0 Constituem receitas de cada Seção e Subseção:
I — ordinárias:
a)as contribuições obrigatórias, taxas e multas (arts. 140 e
141):
b) a renda patrimonial;

296 mà»
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tic o de D ireito

A ADVOCACIA E O SBU ESTATUTO 251

H — extraordinárias:
a) as contribuições voluntárias;
h) ãs subvenções e dotações orçamentárias.
5 2.0 Considera-se liquida a receita total, deduzidas as despe­
sas de psssoal e expediente.
S 3.0 A receita liquida arrecadada em cada Subseção será reme­
tida mensalmente ao Tesoureiro da Seção respectiva.
CAPITULO n
D a D ire to ria da Ordem

Art. 7.0 A Diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil é cont-


posta de um Presidente, um Vice-Presidente um Secretário-Geral,
um SubsecretárJo-Geral e um Tesoureiro, eleitos bienalmente pelo
Conselho Federal, por voto secreto e maioria absoluta das delega­
ções (arts. 13 e 14), realizando-se tantos escrutínios quantos ne­
cessários para obtenção dêsse q u orum .

I 1.0 o Presidente da Ordem será eleito pelo Conselho Federal,


dentre advogados de notável saber jurídico e reputação ilibada,
com mais de dez anos de exercício de advocacia.
S 2.0 o Vice-Presidente, o Secretário-Geral, o Subsecretário-
Oeral e o Tesoureiro, serão escolhidos dentre os membros do Con­
selho Federal.
9 3.0 o cargo de membro da Diretoria da Ordem dos Advogados
do Brasil é incompatível com o de membro de Conselho Secional.
! 4.0 O m andato da Diretoria comsça a l.o de abril de cada
biênio (art. 14).
Art. 8.0 Os membros da Diretoria da Ordem residirão no Dis­
trito Federal durante todo o tempo de seus mandatos.
Parágrafo único. A mudança definitiva de residência importa
na perda do mandato, procedendo-se imediatamente à eleição para
a vaga.
CAPÍTULO m
Do Presidente
Art. 9.0 Compete ao Presidente da Ordem:
I — representar o Conselho Federal ativa e passivamente, em
Juizo e fora dèle;
n — velar pelo livre exercido da advocacia, pela dignidade e
independência da Ordem e de seus membros;
i n — convocar e presidir o Conselho Federal e dar execução às
resoluções dêste;
IV — superintender os serviços da Ordem, contratar, nomear,
promover, licenciar, suspender e demitir os seus funcionários;

297
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

252 NEHEMIAS GUEIROS

V — adquirir, onerar e alienar bens imóveis e administrar o


patrimônio do Conselho Federal de acôrdo com as resoluções dêste; '
VI — promover a organização das Seções, acompanhar-lhes o
funcionamento e velar pela regularidade e fiel execução desta lei;
VH — promover, nas Seções, a organização do Instituto dos
Advogados, visando aos mesmos fins do Instituto dos Advogados Bra­
sileiros;
v n i — cooperar com o Presidente de qualquer Seção, em ma­
téria da competência desta, sempre que solicitado;
IX — m anter intercâmbio com as entidades estrangeiras congê­
neres e fazer representar a Ordem em conclaves nacionais e inter­
nacionais; *
X — aplicar penas disciplinares, n a forma desta lei (art. 118).
XI — tom ar medidas urgentes de defesa da classe ou da própria
Ordem.
Parágrafo único. O Presidente da Ordem será substituído, em
suas faltas e impedimentos, pelo Vice-Presidente e demais membros
da Diretoria, na ordem constante do art. 1.°.
CAPITULO IV
Do Secretário~Geral

Art. 1 0 . O Secretário-Geral é o chefe da Secretaria da Ordem *


dos Advogados do Brasil e do Conselho Federal, e terá a seu cargo
tôdas as relações com os Conselhos Seclonais.
Parágrafo único. O Subsecretário-Geral substituirá o Secretá-
rlo-Getal nas suas faltas e impedimentos e terá os encargos que
lhe forem atribuídos no Regimento do Conselho Federal.
Art. 11. Compete ao Secretário-Geral:
I — dirigir a Secretaria Geral da Ordem;
II — secretariar as sessões do Conselho Federal, redigindo as
atas respectivas;
III — organizar e rever, anualmente, o cadastro geral dos ad­
vogados, estagiários e provisionados de todo o País.
§ 1.0 Do cadastro geral constarão as seguintes indicações:
nome, nacionalidade, estado civil e filiação;
a)
b) data e lugar do nascimento;
c) domicílio atual e anteriores;
d) enderéço e telefone profissionais;
c) número, natureza da Inscrição e Impedimentos;
/) d ata e procedência do Diploma, Carta ou Provisão:
g) assentamentos da vida profissional do inscrito, com a indi­
cação dos serviços prestados à classe, à Ordem e ao Pais, e das
penalidades porventura sofridas.

298 màM
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tic o d e D ireito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 253

§ 2.® Para a manutenção do cadastro geral cada Seção reme­


terá ao Secretárlo-Oeral, trimestralmente, as informações indicadas
no parágrafo anterior, as quais serão transmitidas às Seções que o
âoUcitarsm.
§ 3.° As Seções fornecerão, obrlgatòriamente, ao Secretário-Geral
da Ordem, tôdas as informações que êste Ihss pedir sôbre advoga­
dos, estagiários e provisionados que nelas exerçam ou tenham exer­
cido a profissão.
§ 4.0 Qualquer profissional inscrito poderá requerer a inserção,
nos seus assentamentos, de fatos comprovados de sua atividade pro­
fissional ou cultural, ou com ela relacionados.
CAPITULO V
Do Tesoureiro

Art. 12. O Tesoureiro tem sob sua guarda e responsabilidade


todos os bens e valores do Conselho Federal, competindo-lhe:
I — arrecadar tôdas as rendas e contribuições devidas ao Con­
selho (arts. 5.0 e 141, S 3.°).
II — pagar tôdas as despesas, contas e obrigações, assinando,
com o Presidente, os cheques e ordens de pagamentos;
m — m anter em ordem, asseio e clareza a escrituração contábil;
IV — elaborar ,com o Presidente e o Secretário-Geral, o orça­
mento anual da receita e despesa;
V — levantar balancetes, quando solicitado pelo Presidente ou
pelo Secretário-Geral;
VI — apresentar,_ anualmente, o balanço geral, que instruirá o
relatório e a prestaçao de contas da Diretoria;
VII — depositar no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica
Federal tôdas as quantias e valôres pertencentes ao Conselho.
§ 1.0 Para a manutenção e despesas do Conselho Federal, cada
Seção e Subseção remeterá ao Tesoureiro a quota prèviamsnte fi­
xada sôbre as contribuições, taxas de inscrição, multas e outras re­
ceitas (art. 141, § 3.0).
§ 2.0 A quota das Subseções será remetida à Tesouraria do
Conselho Federal pela Seção da circunscrição respectiva (art. 6.o,
S 3.0).
CAPÍTULO VI
Do Conselho Federal

Art. 13. O Conselho Federal compõe-se de um Presidente, eleito


diretamente (art. 7.o, 5 l.o), e de três delegados de cada Seção,
dentre os quais serão escolhidos os demais membros da sua Dire­
toria (art. 7.0, I 2.0).
§ 1.0 São membros natos do Conselho Federal os ex-presiden­
tes da Ordem dos Advogados do Brasil, com, voz e voto nas suas de­
liberações.

299
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

254 NEHEMIAS OUEIROS

§ 2 ° A Diretoria do Conselho Federal é a mesma da Ordem


dos Advogados do Brasil.
Art. 14. Os Conselhos Secionais do Distrito Federal, dos Esta­
dos e Territórios elegerão por dois anos, em fevereiro do primeiro
ano do seu mandato, os representantes destinados à composição do
Conselho Federal.
S 1.0 Só poderão ser membros do Conselho Federal os advoga­
dos que exerçam a profissão, ininterruptam ente, há mais de cinco
anos, salvo se, na vigência de inscrição anterior, tenham desempe­
nhado funções no mesmo Conselho, bem como os que não ocuparem
cargos públicos d= que possam ser demitidos ad n u tu m ou não te ­
nham sido condenados por infração disciplinar.
§ 2.0 Os membros do Conselho Federal poderão debater ampla­
mente qualquer m atéria do interêsse da Seção que representam,
sem 0 direito de voto quanto à mesma.
Art. 15. Os Presidentes dos Conselhos Secionais poderão com­
parecer às sessões do Conselho Federal, debater os assuntos nêle
ventilados e apresentar sugestões (art. 19).
Art. 16. O Conselho Federai reunir-se-á, ordinariamente, de I P
de abril a 20 de dezembro de cada ano. uma vez por semana, pelo
menos.
S 1.0 Em casos de urgência poderá o Conselho reunir-se, ex-
traordinàrlamente, mediante convocação pela imprensa, por telegra­
ma Ou por telefone, feita pelo Presidente ou por um têrço das de­
legações .
I 2.0 Nas deliberações do conselho, o Vice-Presidente, o Secre-
tário-Geral, o Subsecretário-Geral e o Tesoureiro, terão voto, como
membros de sua delegação, cabendo ao Presidente, apenas, o voto
de qualidade e o direito de embargar a decisão, se esta não fôr
unânime.
Art, 17. Perderá, automaticamente, o m andato o Conselheiro
que faltar a quatro sessões consecutivas, sem motivo justificado por
escrito.
Art. 18. Compete ao Conselho Federal;
I — defender a ordem jurídica e a Constituição da República,
pugnar pela boa aplicação das leis e pela rápida administração da
justiça e contribuir para o aperfeiçoamento das instituições juridi-
cas (art. 145);
II — colaborar com os Poderes Judiciário, Legislativo e Executi­
vo no estudo dos problemas da profissão de advogado e seu exer­
cido, propondo as medidas adequadas à sua solução;
m — velar pela dignidade e independência da classe e pelo
livre exercício das prerrogativas e direitos dos advogados, estagiários
e provisionados;
IV — estimular, por todos os meios, a exação na prática da ad­
vocacia, velando pelo prestígio e bom conceito dos que a exercem;
V — promover medidas de defesa da classe;
VI — eleger a sua Diretoria;
V n — elaborar e alterar o seu Regimento, no qual regulará;

300 màM
V o lu m e 5 D a R edem ocratizaçâo ao Estado D e m o c rá tico d e D ire ito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 255

a) a ordem dos trabalhos e o funcionamento das sessões;


b) a competência das câmaras (art. 3°, parágrafo único);
c) o qu oru m para as deliberações;
d) a organização e serviços da Secretaria Geral e Tesouraria;
v m — regular e disciplinar, em provimentos especiais:
a ) o programa e processo de comprovação do exercício e re­
sultado do estágio da advocacia (art. 48, inciso I I I ) ;
b) o programa e a realização do Exame de Ordem (art. 53);
c) a organização e o funcionamento do registro das socieda­
des de advogados (art. 77);
d) os casos de incompatibilidade e impedimento para o exer­
cício da advocacia, sôbre os quais incidam as r?gras genéricas dos
arts. 82 e 83);
e) a concessão de prêmios por estudos jurídicos (art. 141, S 4.°);
IX — expedir provimentos de caráter geral, contendo determi­
nações destinadas à fiel execução desta lei e dos objetivos da Ordem,
ou relativos a matérias do Interêsse profissional;
X — promover diligências, inquéritos ou verificações sôbre o
funcionamento da Ordem em todo o território nacional, e adotar
medidas para a sua eficiência e regularidade, inclusive a designa­
ção de Diretoria provisória para as Seções onde intervier;
XI proceder à convocação da Assembléia Geral Extraordiná­
ria nas Seções, para decisão de determinado assunto, quando julgar
necessário;
X n cassar ou modificar, de ofício ou mediante representa­
ção qualquer ato de órgão ou autoridade da Ordem contrário ã
presente lei. ao Código de Ética Profissional e aos seus provimen­
tos, ouvidos prèviamente a autoridade ou o órgão em causa;
XTTT — alterar o Código de Ética Profissional, ouvidos os Con­
selhos Secionais;
XIV — rever, uniformizar — observadas as peculiaridades lo­
cais — e aprovar os Regimentos dos Consalhos Secionais;
XV — alterar a percentagem de contribuição das Seções (art. 141,
SS 3.0 e 6.0);
XVI instituir e modificar o modêlo das carteiras e cartões de
identidade, das vestes talares e das insígnias privativas (arts. 63 e
89, inciso X X in );
XVII — reexaminar, em grau de recurso, as decisões dos Conse­
lhos Secionais, nos casos previstos nesta lei (arts. 132 a 138);
X V m — apreciar o relatório anual, o balanço e contas da sua
Diretoria;
XTX — homologar, m andar suprir ou cassar os atos de Assem­
bléia Geral referentes ao relatório anual, balanço e contas das Di­
retorias das Seções e Subseções, ou relativas a eleições dos Conse­
lhos Secionais. das Diretorias das Subseções e dos delegados ao Con­
selho Federal (arts. 14, 39, Inciso H e 40, S 3.°);
XX — resolver os casos omissos nesta lei.

301
__________História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

256 KEHEMIAS GUEIROS

Art. 19. A Seção diretam ente interessada poderá, pela delega-


■ção ou pelo seu Presidente, oferecer embargos às decisões a que se
refere o artigo anterior, inciso XVn, se estas nâo forem unânimes. (1)
CAPÍTULO VII
Da Seção e do Conselho Secianal

Art. 20. A Seçáo Incumbe exercer, no território respectivo, as


funções e atribuições da Ordem dos Advogados do Brasil.
Art. 21. Cada Seção terá um, Conselho, eleito por dois anos em
Assembléia Geral dos Advogados (arts. 38 a 46), que nela tenham
Inscrição, iniciando-se o mandato a 1.® de fevereiro do ano seguinte
à eleição.
Art. 22. O Conselho Secional compõe-se de 12 membros, no
mínimo, e de 24 no máximo.
S 1.0 O Instituto dos Advogados, que funcionar regularmente
n a Seção, elegerá, dentre os seus membros, um quarto da composição
do Conselho Secional.
§ 2.C Se a Diretoria do Instituto não proceder à eleição até 15
de outubro do último ano do mandato, serão eleitos em novembro,
pela Assembléia Geral, todos os membros componentes do Conselho.
§ 3.0 Só poderão ser membros do Conselho Secional os advo*
gados que exerçam a profissão, ininterruptam ente, h á mais de cinco
anos, salvo se, na vigência de inscrição anterior, houverem desem­
penhado funções do mesmo Conselho, bem como os que não ocupa­
rem cargos públicos de que possam ser demitidos ad n u tu m ou não
tenham sido condenados por infração disciplinar.
5 4.0 A exigência do parágrafo anterior será dispensada quan­
do não houver advogados com aquèle requisito em número superior
ao dôbro dos que devam ser eleitos.
§ 5.0 São membros natos do Conselho Secional os ex-Presidentes
d a Seção respectiva, com voz e voto nas suas deliberações.
Art. 23. O Conselho Secional reunir-se-á, ordinàriamente, de
1.0 de fevereiro a 20 de dezembro de cada ano, uma vez por mês,
pelo menos.
Parágrafo único. Em casos de urgência poderá o Conselho reu­
nir-se extraordinariamente, mediante convocação pela imprensa, por
telegrama ou por telefone, feita pelo Presidente ou por um têrço dos
seus membros.
Art. 24. Perderá automàticamente o mandato o Conselheiro que
fa ltar a quatro sessões consecutivas, sem motivo justificado, por
escrito.
Art. 25. O Presidente do Conselho terá apenas o voto de qua­
lidade e, quando não o exercer, poderá interpor recurso para o Con­
celho Federal, se a decisão não fôr unânime.

(1) P eU transposição d a a rt. 19 p a ta o capftvdo d as D isposicSes T ran sitó rias com


o núm ero 157. p o r se tra ta r de regra de direito transitório, £ste dispositivo, que figu iava
n a lei sancionada com o sendo p arág rafo único do art. 18, passou a constituir o art. 19,
co m o objeüvo de p reencher a lacuna d o antigo, evitando-se. com isto, a renum eraçSo do
to d o o contexto, assim com o a altera rã o d e tôdas as num erosas rem issões contidas na lei.

302
V o lu m e 5 D a Redem ocratização ao Estado D e m o c rá tico d e D ire ito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO

Art. 26. Nos casos de licença ou vaga, o próprio Conselho ele­


gerá 0 substituto para servir durante a licença ou até o fim do
mandato.
Art. 27. O cargo de Conselheiro Secional é incompatível cora o
de membro do Consslho Federal.
Art. 28. Compete ao Conselho Secional:
I — cumprir e exercer, no território da Seção, os deverea e atri­
buições referidos no art. 18, incisos I a V desta lei:
n — colaborar com o Tribunal de Justiça, na elaboração das
bases do concurso e no Julgamento das provas e títulos para o in­
gresso na m agistratura vitalícia, indicando representantes para êsse
fim (art. 124, inciso HI, da Constituição Federal: Lei n ^ 1 727 de
8 de dezembro de 1952); ’
III — eleger a sua Diretoria e os Delegados ao Conselho Federal
(art. 14):
IV — elaborar e alterar o seu Regimento Interno, no qual re­
gulará:
a) as atribuições dos membros da Diretoria:
b) a ordem dos trabalhos e o funcionamento das sessões;
c) a competência das câm aras (art. 4.°, S 5.«) e das comissões
(art. 33);
d ) o qu oru m para as deliberações;
e) a organização e serviços da Secretaria e Tesouraria;
/) o quorum , a ordem dos trabalhos e o funcionamento das
reuniões de Assembléia Geral (art. 40, § 2.°);
fir) a época e modalidade do pagamento das contribuições obri­
gatórias e taxas (arts. 140 e 141, | 2.°);
h ) o programa e a realização de exame de provisionamento
<art. 52);

— promover a organização e o bom funcionamento das Sub-


leçoes, intervindo nelas e designando-lhes Diretoria provisória;
VI — elaborar e alterar o Regimento Interno da Diretoria das
Subseções, ouvidas estas;
VII — expedir instruções para a boa execução dos serviços e
resoluções da Seção e Subseções;
VIII — autorizar a aquisição de bens e a alienação de bens
móveis;
IX — fixar e alterar as contribuições obrigatórias e taxas co­
bradas aos advogados, esta^ários e provisionados, ad refere nd um do
Conselho Federal (arts. 140 e 141);
X — deliberar sôbre inscrições, incompatibilidades, impedimen­
tos e cancelamentos nos quadros d a Ordem;
X I — conhecer e decidir, originàrlamente, dos processos disci-
pUnares que envolvam a aplicação das penas de suspensão e ellmi-
naçao;
XII — Julgar os pedidos de revisão e decidir, em grau de re­
curso, sobre a aplicação de panas disciplinares, impostas pelo Pre­
sidente n a forma desta lei (art. 118, § 3 . ° ) ;

303
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

258 NEHEMIAS OUEIROS

XIII — apreciar o relatório anual, o balanço e contas da sua


Diretoria e da Diretoria das Subseções, antes de submetê-los à As­
sembléia Geral (arts. 18, inciso XIX, e 39, inciso I ) ;
XIV — rever anualmente os quadros da Seção e Subseções, e o
cadastro Secional, na forma do disposto no art. 11, inciso III, e §
XV — deliberar sôbre a conveniência de consultar a Assembléia
Geral;
XVI — resolver os casos omissos, com recurso necessário para
o Conselho Federal.
Art. 29. Os Conselhos Secionais poderão constituir, pela forma
determinada nos respectivos regimentos internos, um Tribunal de
Ética, com atribuição de orientar e aconselhar sôbre ética profissio­
nal os inscritos na Ordem, cabendo-lhe conhecer, concretamente»
da imputaçao feita ou do procedimento suscetível de censura, desde
que não constituam falta disciplinar definida em lel. (2)
Art. 30. Ao Conselho Secional cumpre exercer, na falta de Tri­
bunal de Ética, as atribuições a êste conferidas no artigo anterior. (3 )
Art. 31. O advogado, quando indicado para defender réu pobre,
em processo criminal, terá os honorários fixados pslo juiz, no ato
de sua nomeação, segundo tabela organizada bienalmente, pelos Con­
selhos Secionais, e pagos pela forma que as leis de organização ju­
diciária estabelecerem. (4)
CAPITULO VIII
Da D ire to ria da Seção e da Subseção

Art. 32. No Inicio do s)u mandato, a l.o de fevereiro, os mem­


bros do Conselho elegerão, dentre êles, a sua Diretoria, composta de
Presidente, Vice-Presidente, 1.° e Secretários, e Tesoureiro.
Parágrafo único. A Diretoria do Conselho é a mesma da Seção
respectiva.
Art. 33. A Diretoria será auxiliada por Comissões de três mem­
bros cada uma, sob a presidência do de inscrição mais antiga, elei­
tos conjuntamente com aquela.
S 1.0 Além de outras que venham a ser julgadas necessárias,
as Comissões terão as seguintes atribuições:
a) seleção e prerrogativas;
b) ética e disciplina;
c) defesa e assistência.

(2) Ê ste artigo era , n a lel sancionada o d e o.* 31, o a rt. 30 e ra o de n."* 29, e o atu al
31 era o d e n.o 30. A tro ca explica-se p ela ordem lógica que deve te r a m a tiria mele* tra tad a :
a ) p nm eiro, a faculdade de o* Conseilios Secionais constituírem um T ribunal de Ê tica; b )
depois, a disposIçSo a le r observada, n a hipótese de n io haver T ribu nal d e fitica con stituído;
c ) íin aliren te , e p o r n io te r n ad a com o assunto, o dispositiva que cuida d a rem uneração do
advogado indicado p ara defender réu pob re, que n io deve fic ar entrem eando a m a ttr ia
sdbre ític a .
(3) V. nola anterior, n.® 2.
(4> V. n o ta n.® 2.

304 màM
V o lu m e 5 D a Redem ocratizaçào ao hslado D e m o c rá tic o de ü ir e ito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 259

§ 2.0 Os Conselhos compostos do número mínimo de membros


(art. 22) podarão eleger apenas uma Comissão, com as atribuições
do parágrafo anterior.
Art. 34. Os membros da Diretoria da Subseção serão eleitos, dis-
crlminadamente, no mesmo dia em que se realizar a eleição para
Conselheiros, pelos advogados com domicilio profissional em terri­
tório daquela, dentre os que possuírem os requisitos de elegibilidade
(art. 22, §5 3.° e 4.°).
I 1.0 A Diretoria da Subseção se comporá de Presidente, Vice-
Presidente, Secretário e Tesoureiro, servindo por dois anos, a co­
meçar de 1.0 de fevereiro do ano seguinte ao da eleição.
! 2.0 Os membros da Diretoria da Subseção terão os mesmos
deveres e incompatibilidades que os da Diretoria da Seção.
Art. 35. Compete ã Diretoria adm inistrar a Seção ou Subse­
ção respectiva, observar e fazer cumprir esta lei e o Regimento In­
terno, devendo representar, quando necessário, ao Conselho da Seção.
Art. 36. Os membros das Diretorias da Seção e Subseção exer­
cerão no que lhes fôr aplicável, as atribuições dos membros da
Diretoria do Conselho Federal.
Art. 37 Nos casos de licença ou vaga de cargos da Diretoria,
proceder-se-á n a forma do estabelecido no art. 26.
CAPÍTULO rx
D a Assembléia G eral

Art. 38. Constituem a Assembléia Geral da Ssção ou Subseção,


os advogados Inscritos, que se achem em pleno gôzo dos direitos
conferidos por esta Lei (art. 42).
Art. 39. Compete à Assembléia Geral:
I — apreciar o relatório anual, o balanço e as contas das Direto­
rias das Seções e das Subseções, com recurso necessário para o Con­
selho Federal;
n — eleger os membros dos Conselhos Secionals e as Diretorias
das Subseções;
n i — autorizar a alienação ou gravame de bens do patrimônio
da Seção;
IV — deliberar sôbre qualquer assunto submetido ã sua decisão
pelo Conselho Secional ou sua Diretoria, ou pelo Conselho Federal
(art. 18, inciso X I ) .
A rt. 40. A Assembléia Geral reunir-se-á mediante convocação
pela imprensa, com cinco dias de antecedência.
I — ordinariamente, no mês de março de cada ano (art. 39,
I inciso I) e no mês de novembro de cada biênio (arts. 39, inciso II,
I e 43) ;
H — extraordinariamente, quando necessário, por Iniciativa do
i Presidente ou um têrço do Conselho Secional ou determinação do
j Conselho Federal (art. 18, inciso X I ) .

305
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

262 NEHEMIAS GUEIROS

I — ter diploma ds bacharel ou doutor em Direito, íormallzado


de acôrdo com a Lei (art. 57); ou
n — estar matriculado no 4 ° ou 5° ano de Faculdade de Di­
reito m antida pela União ou sob fiscalização do Govêrno Federal;
i n — estar matriculado em curso ds orientação do estágio mi­
nistrado pela Ordem ou por Faculdad? de Direito m antida pela
União ou sob fiscalização do Govêrno Federal; ou
IV — haver sido admitido como auxiliar de escritório de advo­
cacia existente desde mais de cinco anos, de Serviço de Assistência
Judiciária e ds departamentos juridicos oficiais ou de emprêsas
idôneas, a juízo do Presidente da Seção.
Parágrafo único. O estágio para a prática profissional terá a
duração de dois (2) anos, sendo o programa e processo de verifica­
ção do seu exercido e resultado regulados por provimento do Con­
selho Federal (artigo 18, inciso vm , letra a)
Art. 51. Para inscrição no quadro de provisionados é necessá­
rio:
I — capacidade civil;
II — provisão passada pelo Presidente do Conselho da Seção:
TTT — preencher os requisitos dos incisos IV a VII do art. 4 8 .

Art. 52. Para obter a provisão, o candidato fará prova, perante


o Presidente do Conselho Secional em que pretende exercer a pro­
fissão, de habilitação em exame sôbre as seguintes matérias:
I — organização e princípios constitucionais do Brasil;
n — organização judiciária federal e local;
TTT — direito civil, comercial, criminal e do trabalho;
IV — processo civil e penal.
S 1.0 O exame de provlslonamento será feito perante comissão
composta de três advogados inscritos há mais de cinoo anos, na
forma regulada no Regimento Interno da Seção (art. 28. inciso
IV, letra h ) ;
§ 2.® As provisões serão dadas pelo prazo de quatro anos, para
exercido em três comarcas no máximo, em cada uma das quais
não advoguem mais de três profissionais, podendo ser renovadas, a
critério do Conselho Sacional, se o provisionado houver exercido
ininterruptam ente a advocacia.
Art. 53. E' obrigatório o Exame de Ordem para admissão no
quadro de advogados, aos candidatos que não tenham feito o está-
^ o profissional ou não tenham comprovado satisfatóriamente o seu
exerdcio e resultado (arts. 18, inciso VUE, letras a e b; 48, In­
ciso III, e 50).
S 1.0 O Exame de Ordem consistirá em provas de habilitação
profissional, feitas perante comissão composta de três advogados
Inscritos há mais de cinco anos, nomeados pelo Presidente da Seção
n a forma e mediante programa regulado, em provimanto especial
do Conselho Federal (art. 18, inciso VIII, letra b ) .
S 2.° Serão dispensados do Exame de Ordem os membros da
M agistratura e do Ministério Público que tenham exercido as res­
pectivas funções por mais de dois anos, bem como, nas mesmas
A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 263

condições, os professôres de Faculdade de Direito oficialmente reco­


nhecidas .
Art. 54. A Inscrição nos quadros da Ordem far-se-á mediante
requerimento dirigido ao Presidente da Seção ou Subseção, instruí­
do com. a prova dos requisitos dos arts. 48, 49 ou 51, e menção;
I — do nome do requerente por extenso e do nome profissional
abraviado a ser usado.
II — d a nacionalidade, estado civil e filiação;
m — da data e lugar do nascimento;
IV — do domicílio atual e anteriores;
V —. do endereço e telefone profissionais;
VI — da natureza da inscrição e impedimentos;
VII — da data e procedência do diploma, carta ou provisão;
v n i — da comarca em que estabelecerá a sede principal da sua
advocacia;
IX — das comarcas onde pretende advogar, se se tra ta r de pro-
vislonado.
Art. 55. O advogado fará a Inscrição principal na Seção em
Que situar a seds de sua atividade (art. 54 Inciso V III);
Parágrafo único. Além da principal, o advogado deverá reque­
re r Inscrição suplementar nas Seções em que passar a exercer ha­
bitualmente a profissão.
Art. 56. A inscrição principal habilita o advogado ao exercício
permanente da atividade profissional n a Seção respectiva, e ao
exercício eventual ou temporário em qualquer parte do território
nacional.
i 1.° Considera-se exercício temporário da profissão a interven­
ção judicial que não exceda de cinco causas por ano.
§ 2 P Constitui condição da legitimidade do exercício tem porá­
rio da advocacia em outra Seção, a comunicação ao Presidente desta
do ingresso em juízo, com a indicação:
a) do nome e endereço do constituinte e da parte contrária;
b) da natureza da causa;
c) do cartório e Instância em que oorre o processo;
d) do endereço permanente do advogado.

Art. 57- A certidão de colação de gráu fornecida pela respecti­


va Faculdade de Direito, e a prova de haver apresentado o diplo­
ma para registro, na repartição federal competente, admitirá oad­
vogado à Inscrição provisória, satisfeitos os demais requisitos do
art. 48.
§ 1.° A inscrição provisória vigorará pelo prazo de um ano,
dentro do qual d;ve ser apresentado o diploma devidamente registra­
do para tom á-la definitiva.
I 2.° Pode o Conselho Secional, mediante a comprovação de
não caber ao interessado a culpa pela demora do registro do diplo­
ma, prorrogar o prazo referido no parágrafo anterior.
_____________ História da
O rdem dos Advogados do Brasil

264 NEHEMIAS GUEIROS

Art. 58. O pedido de inscrição nos quadros da Ordem será


divulgado por aviso afixado na porta da sede da Seção e pela im­
prensa oficiai local, onde a houver, cinco dias úteis, pelo menos,
antes de ser informado pela Comissão de Seleção e Prerrogativas ou
pela Diretoria da Subseção.
I 1.0 Será decidido pelo Presidente da Seção o pedido que te ­
nha parecer unânime favorável.
§ 2.0 Fora da hipótese prevista no parágrafo anterior o caso
será de competência do Conselho Secional.
§ 3.0 Se o Conselho recusar a inscrição, serão os motivos da
recusa comunicados ao candidato, em oficio reservado para o en­
dereço constante do requerimento.
S 4.0 Da decisão do Presidente caberá recurso do interessado
para o Conselho Secional, e do pronunciamento dêste para o Con­
selho Federal.
; 5.0 O disposto no parágrafo anterior será aplicável às decisões
de cancelamento nos quadros da Ordem em razão da falta, por
perda ou carência anterior, da qualquer dos requisitos dos arts. 48,
49 e 51, e aos casos de averbaçào de impedimento ou de suspensão
do exercício profissional.
Art. 59. Qualquer advogado ou pessoa interessada poderá a
todo tempo representar contra a inscrição e promover a averbação
do impecUmento, a suspensão e o cancelamento.
Art. 60. Será licenciado do exercício da advocacia, mediante
requerimento próprio, representação de terceiro, ou de ofício pelo
Conselho Secional, o profissional que:
I — passar a exercer, temporariamente, cargo, função ou ati­
vidade incompatíveis com a advocacia (artigos 82 a 86);
n — sofrer doença m ental considerada curável.
Art. 61. Será cancelado dos quadros da Ordem, além do que
incidir na penalidade de eliminação (artigo 111), o profissional que:
I — requerer exclusão;
U — passar a exercer, em caráter definitivo, cargo, funçao ou
atividade incompatíveis com a advocacia (artigos 82 a 86);
n i — perder a qualidade de eleitor, sendo brasileiro;
IV — perder a capacidade civil;
V — interromper o exercício da advocacia por mais de três anos
consecutivos, sem causa justa e comunicada ao Conselho Secional.
Art. 62. E’ imutável o número atribuído, em ordem cronoló­
gica, a cada inscrição.
Parágrafo único. As inscrições obedecerão a três ordens nu­
méricas:
I — números cardinais simples, para as inscrições principais
(artigo 55);
II — números cardinais acrescidos da letra A, para as inscrições
suplementares (art. 55, parágrafo único);

308 màM
V o lu m e 5 D a Rf ( l ci n( ) ( ào ao Estado D e m o c rá tic o d e D ireito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 265

III — números cardinais acrescidos de letra B, para as inscrições


feitas por transferência de outra Seção.
Art. 63. Efetuada a inscrição, e prestado o compromisso, será
expedida a respectiva carteira de identidade, de uso obrigatório no
exercício da profissão.
§ 1.° A carteira expedida aos Inscritos na Ordem, assinada
pelo Presidente da Seção, constitui prova de identidade para todoa
os efeitos legais.
§ 2.0 Da carteira constarão, além da impressão digital, a in-
dividuação completa do inscrito, a indicação dos impedimentos em
que incorrer, e o fôro e as comarcas em que o estagiário e o pro-
vlsionado podem exercsr a sua atividade (arts. 54, 72 e 85, pará­
grafo único);
5 3.0 Poderá ser expedido, igualmente, cartão de identidade
aos inscritos, com os mesmos requisitos e efeitos da carteira (art.
18, inciso X V I).
Art. 64. Perante o Conselho Secional ou a Diretoria da Subse­
ção prestarão os advogados, estagiários e provlsionados, antes de lhes
ser entregue a carteira profissional, o compromisso seguinte:
“Prometo exercer a advocacia com. dignidade e independência,
observando os preceitos de ética e defendendo as prerrogativas da
profissão, não pleiteando contra o Direito, contra os bons costumes
e a segurança do País, e defendendo, com o mesmo denôdo humildes
e poderosos” .
Art. 65. A exibição da carteira ou cartão de identidade pode
ser exigida pelos Juizes, autoridades ou interessados, a fim de veri­
ficar a habilitação profissional.
§ 1.0 Será impedida a intervenção do profissional que não com­
provar a habilitação, salvo se assinar, sob as sanções civis e penais»
o compromisso de fazê-lo no prazo de quinze dias, prorrogável por
mala quinze (artigos 70, §§ l.o e 2.®);
§ 2.0 Findo o prazo do compromisso sem aquela comprovação,
o ato será tido por inexistente.
Art. 66. Os Regimentos Internos dos Conselhos Secionais regu­
larão as formalidades para expedição de nova carteira ou cartão
de identidade, em caso de perda ou extravio do original.
Parágrafo único. Logo que fôr requerida a substituição, a Se­
cretaria da Seção, à vista dos seus assentamentos, expedirá certifi­
cado que assegure ao profissional a continuação da atividade.
TÍTULO n
Do E xercício da Advocacia

CAPÍTULO I
D a legitim ação e dos atos prívativo s

■ Art. 67. O exercício das funções de advogado, estagiário e pro-


! vislonado sòmente é permitido aos inscritos nos quadros da Ordem.
I dos Advogados do Brasil, e na forma desta Lei (art. 56).

309
História da
Ordem dos Advogados do Brasil

266 NEHEMIA8 OUEIROS

Parágrafo único. A denominação de advogado é privativa dos


inscritos no quadro respectivo (arts. 47, inciso I e 128);
Art. 68. No seu ministério privado o advogado presta serviço
público, constituindo, com os juizes e membros do Ministério Públi­
co, elemento indispensável à administração da Justiça.
Art. 69. Entre os juizes de qualquer instância e os advogados
não há hierarquia nem subordinação, devendo-se todos consideração
e respeito recíprocos.
Art. 70. Salvo nos processos de habeas corpxis o advogado pos­
tulará em juízo ou fora dêle, fazendo prova do mandato, que pode
ser outorgado çm instrumento particular datilografado, ou por têr-
mo nos autos.
§ 1.0 Afirmando urgência ou razão Instante, pode o advogado
apresentar-se sem procuração do cliente, obrigando-se, independen­
temente de cauçao, a exibi-la no prazo de quinze dias, prorrogável
até outros quinze, por despacho do juiz ou autoridade com>petente.
5 2.® Os atos praticados ad referendum serão havidos como
Inexistentes, se a ratificação não se realizar no prazo marcado.
§ 3.° A procuração com a cláusula ad ju d ic ia habilitará o ad­
vogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer fôro ou ins­
tância.
§ 4.0 A procuração com a cláusula ad ju d ic ia e t extra, além
dos poderes referidos no parágrafo anterior, habilitará o advogado
a praticar todos os atos extrajudiciais de representação e defesa
perante:
0 ) quaisquer pessoas jurídicas de direito público, seus órgãos,
ministérios, desdobramentos e repartições de qualquer natureza, in­
clusive autarquias e entidades paraestatais;
b) quaisquer pessoas jurídicas de direito privado, sociedades
de economia mista ou pessoas físicas em geral.
5 5.0 As cláusulas referidas nos parágrafos 3.o e 4.o dispensam
a indicação dos juízos, órgãos, repartições e pessoas perante as quais
tenham de produzir efeito, bem como a menção de outros poderes,
por mais especiais que sejam, salvo os de receber citação, confessar,
transigir, desistir, receber e dar quitação, e firm ar compromisso.
§ 6.0 O advogado que renunciar o mandato continuará durante
os dez dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o
mandante, desde que necessário, para evltar-lhe prejuízo (art. 103,
Inciso X V II).
Art. 71. A advocacia compreende, além d a representação em
qualquer juizo ou tribunal, mesmo administrativo, o procuratório
extrajudicial, assim como os trabalhos jurídicos de consultoria e
assessoria e as funções de diretoria jurídica.
S 1.0 O habeas corpus pode ser requerido pelo próprio paciente
ou por qualquer pessoa, mesmo estrangeira.
S 2.0 No fôro criminal o próprio réu poderá defender-se se o
juiz lhe reconhecer aptidão, sem prejuízo da nomeação de defensor
Inscrito na Ordem, onde houver.

310 máM
V o lu m e 5 D a Redom ocratização ao Estado D e m o c rá tico d e D ire ito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 287

S 3.0 Compete privativamente aos advogados elaborar e subs­


crever petições iniciais, contestações, réplicas, memoriais, razões,
m inutas e contra-m inutas nos processos judiciais, bem como a defe­
sa em qualquer fôro ou instância.
Art. 72. Os estagiários podsrão praticar os atos judiciais não
I privativos de advogado (art. 71 I 3.°) e exercer o procuratório ex-
Itrajudiclal.
Parágrafo único. Ao estagiário sòmente é permitido receber
procuração em conjunto com advogado, ou por subestabelecimento
dêste e para atuar, sendo acadêmico, no estado ou circunscrição
territorial em que tiver sede a Faculdade em que fôr matriculado.
Art. 73. A comprovação do efetivo exercício da advocacia, quan­
do exigivel para os efeitos desta Lei, far-se-á por documento de
qultaçao dos impostos que incidem sôbre a profissão, bem como
por certidão da prática de atos privativos do advogado, dentre os
mencionados no art. 71.
Art. 74. Os provlsionados só poderão exercer a advocacia em
primeira instância.
Art. 75. É licito à parte defender seus direitos, por si mesma
ou por procurador apto, mediante Mcsnça do juiz competente:
I — não havendo ou não se encontrando presente, na sede do
juizo, advogado ou provisionado;
II — recusando-se a aceitar o patrocínio da causa, ou estando
impedidos os advogados e provisionados presentes na sede do juízo,
que serão ouvidos prèviamente sôbre o pedido de licença;
III — não sendo da confiança da parte os profissionais referi­
dos no inciso anterior, por motivo relevante e provado.
Parágrafo único. Nas hipóteses previstas neste artigo, tra ta n ­
do-se de m ateria criminal, qualquer cidadão apto poderá ser no­
meado defensor do réu.
Art. 76. São nulos os atos privativos de advogados praticados
por pessoas não Inscritas n a Ordem ou por inscritos Impedidos ou
suspensos, sem prejuízo das sanções civis ou penais em que incor­
rerem (arts. 65 § 2.0, 124 e 128).
CAPITULO n
Das sociedades de advogados

Art. 77. Os advogados poderão reunir-se, para colaboração pro-


Bsslonal recíproca, em sociedade civil de trabalho, destinada à dis-
WpUna do expe-dienta e dos resultados patrimoniais auferiüos na
prestação de serviços de advocacia (art. 1.371 do Código Civil; arts,
l.o e 44, 8 2.0 da Lei n. 154 de 25 de novembro de 1947).
I 1.0 As atividades profissionais que reúnem os sócios em socis-
^ d e se exercem individualmente, quando se tra ta r de atos priva-
«vos de advogado, ainda que revertam ao patrimônio social os ho­
norários respectivos.

311
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

268 NEHEMIAS GUEIROS

§ 2.0 Os advogados sócios de uma mesma sociedade profissio­


nal não podem representar em juízo clientes de Interesses opostos.
§ 3.0 Para disciplina do disposto no parágrafo anterior as pro­
curações serão outorgadas Individualmente aos advogados, e indi­
carão a sociedade de que façam parte.
§ 4.0 A denominação social terá obrlgatòriamente o nome de
um advogado, pelo menos, responsável pela sociedade.
§ 5.0 Aplicam-S5 à sociedade de advogados as regras de ética
profissional que disciplinam a propaganda e publicidade.
§ 6.0 Os estagiários poderão fazer parte das sociedades de
advogados.
Art. 78. As sociedades organizadas para o exercido da profis­
são adquirem personalidade jurídica com o registro dos seus con­
tratos, atos constitutivos, estatutos ou compromissos nas Seções da
Ordem em que forem Inscritos os seus membros (art. 18 inciso VIII,
letra c ) .
S 1.0 Antes do registro serão os referidos atos submetidos ao
julgamento do Conselho Secional respectivo.
S 2.0 Serão arquivados no mesmo registro as alterações dos
contratos, atos constitutivos, estatutos ou compromissos sociais e
os atos da vida societária que devam produzir efeito em relação a
terceiros.
Art. 79. Constarão da carteira de Identidade do advc^ado e
dos seus assentamentos nos cadastros secional e geral, o nome da
sociedade de que faça parte e dos seus associados.
Art. 80. Não serão admitidos a registro nem podem funcionar
as sociedades de advogados que:
I — apresentem características tipicamente mercantis;
n — tenham título ou razão social que se preste a confusões
ou importe no desprestigio da advocacia;
III — tenham, n a denominação social, nome de pessoa:
a) que não faça parte da sociedade;
b) a cujo uso exclusivo não tenha direito o membro da so­
ciedade;
c) que esteja impedida de advogar.
Parágrafo único. Será excluído da sociedade qualquer membro
que tenha a sua inscrição cancelada nos quadros da Ordem.
Art. 31. E’ proibido o registro em qualquer oficio, junta ou
departamento, de sociedade com objetivo jurldlco-profissional, bem
como 0 funcionamento das que não observem o disposto nos artigos
anteriores.
CAPÍTULO m
Das in com pa tibilid ade s e im pedim entos

Art. 82. Considera-se incompatibilidade o conflito total e im­


pedimento o conflito parcial, de qualquer atividade, função ou cargo
público, com o exercício da advocacia.

312 màM
V o lu m e 5 D a R edem ocratização a o Estado D e m o c rá tic o d e D ire ito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 269

5 1.0 Compreende-se, entre as funçÕM públicas que podem de­


term inar a incompatibilidade ou o impedimento, qualquer função de­
legada exercida em comlssào ou por servidor de entidade a quem
o poder público a tenha cometido por Lei ou contrato.
§ 2.0 Excluem-se das disposições do 5 I f i , os servidores das
entidades sindicais de qualquer grau e das entidades assistenciais
e de aprendizagem administradas e m antidas pelas classes emore-
gadoras. ^
S 3.0 A incompatibilidade determ ina a proibição total (arts 83
e 84) e 0 Impedimento a proibição parcial (artigo 85) do exercício da
advocacia.
Axt. 83. O exercido da advocacia é incompatível com qualquer
atividade, função ou cargo público que reduza a independência do
profissional ou proporcione a captação de clientela.
Art. 84. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria,
com as seguintes atividades, funções e cargos;
I — Chefe do Poder Executivo e seus substitutos legais. Minis­
tros de Estado, Secretários de Estado, de Territórios e Municípios;
H — membros da Mesa de órgão do Poder Legislativo federal
e estadual, da Câmara Legislativa do Distrito Federal e Câmaras
dos municípios das capitais;
m — membros de órgãos do Poder Judiciário da União, do
Distrito Federal, dos Estados e Territórios, bem como dos Tribunais
de Contas da União, do Distrito Federal, dos Estados, Territórios e
Municípios e do Tribunal Marítimo;
IV — Procurador-Geral e Subprocurador-Geral da República,
bem como titulares de cargos equivalentes no Tribunal Superior
Eleitoral, no Superior Tribunal Militar, no Tribunal Superior do
Trabalho e nos Tribunais de Contas da União, dos Estados, Territó­
rios e Municípios, e do Tribunal Marítimo;
V — Procuradores Gerais e Subprocuradores Gerais, sem dis­
tinção das entidades ds direito público ou dos órgãos a que sirvam*
, VI — Presidentes, Superintendentes, lAretores, Secretários, de­
legados. tesoureiros, contadores, chefes de serviço, chefes de gabinete
e oficiais ou auxlUares de gabinste de qualquer serviço da União, do
oistrito Federal, dos Estados, Territórios e Municípios, bem como de
autarquias, entidades paraestatais, sociedades de economia mista
e empresas administradas pelo Poder Público.
VII —- servidores públicos, Inclusive de autarquias e entidades
paraestatais e empregados de sociedades d% economia m ista e em­
presas concesslonarlas de serviço público, que tiverem competência
ou Interesse direta ou indireta, eventual ou permanentemente, no
Itóçamento, arrecadação e fiscalização de impostos, taxas e contrl-
Duiçoes de caráter obrigatório, inclusive parafiscals, ou para aplicar
multas relacionadas com essas atividades;
V m — tabeliães, escrivães, escreventes, oficiais dos registros
públicos e quaisquer funcionários e serventuários da Justiça;
IX — corretores de fundos públicos, de café, de câmbio, de
inercadori&s e de navios;

313
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

270 NEHEMIAS GUEIROS

X — leiloeiros, trapicheiros, despachantes e empresários ou ad­


ministradores de armazéns gerais;
XI — militares, assim definidos no seu respectivo estatuto, in-
clusive os das Policias Militares do Distrito Federal, dos Estados,
Territórios e Municípios;
XII — Policiais, dr qualquer categoria, da União, do Distrito Fe­
deral dos Estados, Territórios e Municípios.
Parágrafo único — Excetuam-se da incompatibilidade referida no
inciso m 08 juizes suplentes não remunerados, os juizes eleitorais
e os que não façam parte dos quadros da m agistratura ou não te­
nham as prerrogativas desta.
Art. 85. São impedidos de exercer a advocacia, mesmo em cau­
sa propria:
I — juizes 'suplentes, não remunerados, perante os juízos e
tribunais em que tenham funcionado ou possam funcionar;
II juizes e suplentes nomeados nos têrmos dos arts. 110, inciso
II, 112, inciso II, e 116 da Constituição Federal, em m atéria eleitoral,
bem como juizes e suplentes nomeados nos têrmos do artigo 122, I
5.® in fin e da Constituição Federal, em matéria trabalhista:
n i —r- membros do Poder Legislativo, contra ou a favor das pes­
soas jurídicas de direito público, das entidades paraestatais, das so­
ciedades de economia mista ou de empresas concessionárias de
serviço público.
TV — membros do Ministério Público da União, do IMstrito Fe­
deral, dos Estados e Territórios, contra as pessoas de direito público
em geral e nos processos judiciais ou extrajudiciais que tenham
relação, direta ou indireta, com as funções do seu cargo ou do
órgão a que servem.
V — Procuradores e subprocuradores do Distrito Federal, dos
Estados, dos Territórios e dos Municípios, nos mesmos têrmos do
inciso anterior.
VI — Servidores públicos, inclusive do magistério, de autarquias
e entidades paraestatais e empregados de sociedade de economia
mista, contra as pessoas de direito público em geral;
V n — advogados, estagiários ou provisionados em processo em
que tenham funcionado ou devam funcionar como Juiz, perito ou
no desempenho de qualquer serviço Judiciário;
V in — os membros dos tribunais administrativos, contra os
orgãos a que pertencerem.
Parágrafo único. Todo impedimento, original ou supervenien­
te, deverá ser averbado na carteira e cartão de Identidade do pro­
fissional (art. 63), por iniciativa sua ou pelo Conselho Secional, de
ofício ou mediante representação.
Art. 86. Os magistrados, membros do Ministério Público, ser­
vidores públicos, inclusive de autarquias e entidades paraestotals, e
os funcionários de sociedades de economia mista, definitivamente
aposentados ou em disponibilidade, não terão qualquer incompatibi­
lidade ou impedimento para o exercício da advocacia, decorridos dois
anos do ato que os afastou da função.

314 màM
Volume 5 Da Redemocratização ao Estado D em ocrático de D ireito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 271

CAPITULO IV
Dos deveres e direitos

Art. 87. Sáo deveres do advogado:


I — defender a ordem iuridíca e a Constituição da República,
pugnar pela boa aplicação das Leis e rápida administração da Jus­
tiça, e contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas;
II — velar pela existência, fins e prestígio da Ordem, aceitar os
mandatos e encargos que me forem confiados por esta, e cooperar
com os que forem investidos de tais mandatos e encargos;
m — manifestar, ao se inscrever n a Ordem, a existência de
qualquer Impedimento para o exercício da profissão, e comunicar,
no prazo de trinta dias, a superveniência de incompatibilidade ou Im­
pedimento, formulando consulta, no caso de dúvida;
IV — observar os preceitos do Código de Ética Profissional;
V — guardar sigilo profissional;
VI — exercer a profissão com zêlo e probidade, observando as
prescrições desta Lei:
VII — defender, com independência, os direitos e as prerroga­
tivas profissionais e a reputaçao da classe;
VIII — zelar a própria reputação, mesmo fora do exercício pro­
fissional;
IX — velar pela dignidade da m agistratura, tratando as auto­
ridades e funcionários com. respeito e independência, não prescin­
dindo de igual tratam ento;
X — representar ao poder competente contra autoridades e
funcionários por falta de exação no cumprimento do dever;
X I — prestar, gratuitamente, serviços profissionais aos necessi­
tados no sentido da Lei, quando nomeado pela Assistência Judiciá­
ria, pela Ordem ou pelo juízo;
XII — recusar o patrocínio de causa que considere Imoral ou
ilícita, salvo a defesa em processo criminal;
X III — tra ta r com urbanidade a parte contrária e seus advoga­
dos, as testsmunhas, peritos e demais pessoas que figurem no pro­
cesso, não compartlndo nem estimulando ódios ou ressentimentos;
XIV — não aceitar procuração de quem já tenha advogado
constituído, salvo:
0 ) com autorização prévia daquele com o qual Irá colaborar
ou ao qual substituirá;
b) para revogação de mandato, por motivo justo, se o advoga­
do anterior, notificado dos motivos apresentados pelo constituinte
jpara a revogação, não demonstrar a sua improcedêncla no prazo
ide vinte e quatro horas;
c) se 0 constituinte comprovar que pagou tudo que era devido
;&o advogado anterior e êste recusar a autorização referida na
Alínea a;
d) para medidas judiciais urgentes ou inadiáveis, cuja inexecu-
possa acarretar prejuízo irreparável, no caso de ausência ou re-
a do advogado anterior ao requerimento das mesmas;

•áM 315
História da
I Ordem dos Advogados do Brasil
1

272 NEHEMIAS QUEIRÓS

XV — não se pronunciar publicamente sôbre caso que saiba


entregue ao patrocínio de outro advogado, salvo na pressnça dêle ou
com o seu prévio e expresso assentimento;
XVI — recusar-se a depor como testem unha em processo no qual
funcionou ou deva funcionar, ou sôbre fato relacionado com pessoa
de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solici­
tado pelo constituinte;
XVII — promover, no caso de perda, extravio ou subtração de
autos que se encontravam em seu poder, as seguintes providências:
a) comunicar o fato ao Presidente da Seção ou Subseção em
cujo território ocorrsr;
b) requerer a restauração dos autos respectivos;
XVIII — indenizar, prontamente, o prejuízo que causar por ne­
gligência, êrro Inescusável ou dolo;
XIX — restituir ao cliente, findo o mandato, os papéis e do­
cumentos a êle pertencentes, salvo os que sejam comuns ao advoga­
do e ao cliente e os de que precisa para prestar contas;
XX — prestar contas ao constituinte, quando as deva, ou pro­
por contra êle ação de prestação de contas, quando se recuse a
recebê-las ou a lhe dar quitação;
XXI — continuar a representar o cliente durante os dez dias
seguintes à notificação da renúncia do mandato, desde que necessá­
rio para evitar-lhe pr?juízo;
XXH — pagar em dia as contribuições devidas à Ordem.
Parágrafo único. Aos estagiários e provislonados aplica-se o
disposto em todos os incisos dêste artigo, excetuando-se, quanto aos
estagiários, os de números XX e XXI.
Art. 88. Nenhum receio de desagradar a juiz ou a qualquer
autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deterá o advogado
no cumprimento das suas tarefas e deveres.
Alt. 89. São direitos do advogado:
I — exercer, com llbsrdade, a profissão em todo o território n a ­
cional (art. 58) na defesa dos direitos ou interêsses que lhe forem
confiados;
II — fazer respeitar, em nom« da liberdade da defesa e do si­
gilo profissional, a inviolabilidade do seu domicílio, do seu escritó­
rio e dos seus arquivos;
m — comunicar-ss, pessoal e reservadam^nte. com os seus cli­
entes, ainda quando êstes se achem presos ou detidos em estabeleci­
m ento civil ou militar, mesmo tncomunicávrls;
IV — reclamar quando nrêso em flagrante por motivo de exer­
cício da profissão, a presença do Presidente da Seção local para a
lavratura do auto resoectivo.
V — não ser recolhido prêso, antes de sentença transitada em
julgado, ssnão em sala especial de Estado Maior;
VI — ingressar livremente:
a) nas salas de sassões dos T rlb u n ^ , mesmo além dos can­
celos que separam a parts reservada aos magistrados;

316 máã
V o lu m e 5 Da Redemocratização ao Estado D em ocrático de D ireito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 273

b) nas sala£ e dependências de audiências, secretarias, c a r­


tórios. tabelionatos, ofícios de justiça, inclusive dos registros públi­
cos, delegacias e prisões:
c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione reparti­
ção judicial, poUcial ou outro serviço pübUco onde o advogado deva
praticar ato ou colhêr orova ou informação útil ao exercício da
atividade profissional, dentro do expediente regulam entar ou fora
dêle, desde que se ache presente qualquer íuncion&rio;
vn permanecer sentado ou em pé, e retirar-se de qualquer
dos locais indicados no inciso anterior, independentemente de li­
cença:
VTTT — dirigir-se aos juizes nas salas e gabinetes de trabalho,
independentemente de audiência prèviamente marcada, observando-
se a ordem de chegada;
IX fazer ju n tar aos autos, em seguida à sustentação oral, o
esquema ou resumo da sua defesa;
X pedir a palavra, pela ordem, durante o julgamento, em
qualquer Juízo ou Tribunal para, mediante intervenção sumária e
se esta lhe fôr permitida a critério do julgador, esclarecer equívoco
ou dúvida surgida em relação a latos, documentos ou afirmações que
influam ou possam influir no julgamento;
X I — ter a palavra, pela ordem, perante qualquer juízo ou
Tribunal, para replicar a acusação ou c ^ s u ra que lhe sejam feitas,
durante ou por motivo do julgamento;
x n — reclamar, verbaJmente, ou por escrito, perante qualquer
juí2 o ou tribunal, contra a Inobservância de preceito de Lei, regula­
mento ou regimento:
x m — tomar assento à direita dos Juizes de primeira instân­
cia, falar sentados ou em pé, em juizes e Tribunais, e requerer pela
ordem de antigüidade;
XIV examinar, em qualquer Juizo ou Tribunal, autos de
processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando
os respectivos feitos não estejam em regime de segrêdo de justiça,
podendo copiar peças e tom ar apontamentos;
XV — examinar, em qualquer repartição policial, mesmo sem
procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em anda­
mento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e
tom ar apontamentos;
XVI — ter vista, em cartório, dos autos dos processos em que
funcione, quando, havendo dois ou mais litigantes com procuradores
diversos, h aja prazo comum para contestar, defender, falar ou re­
correr;
XVII — ter vista fora dos cartórios nos autos de processos de
natureza civil, criminal, trabalhista, m ilitar ou administrativa, quan-
, do nâo ocorra a hipótese do inciso anterior;
I XVin — receber os autos referidos no inciso anterior, mesmo
f sem procuração, pelo prazo de dez dias, quando se tra ta r de autos
ftados, e por quarenta e oito horas, quando em andamento, mas
nunca n a fluência de prazo;

317
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

274 NEHEMIAS GUEIROS

a) sempre que receber autos, o advogado assinará a carga res­


pectiva ou dará racibo;
b) a não devolução dos autos dentro dos prazos estabelecidos
autorizará o funcionário responsável pela sua guarda ou a autoridade
superior a representar ao presidente da Seção da Ordem para as
sanções cabíveis (artigos 103, inciso XX e 110, inciso I I ) ;
XIX — recusar-se a depôr no caso do art. 87 inciso XVI, e a
informar o que constitua sigilo profissional;
XX — ter assistência social, nos termos da legislação própria;
XXI — ser publicamente desagravado, quando ofendido no exer­
cício da profissão (art. 130);
XXII — contratar, prèviamente e por escrito, os seus honorá­
rios profissionais;
X X m — usar as vestes talares e as insígnias privativas de ad­
vogado .

5 1.® Aos estagiários e provisionados aplica-se o disposto nos


incisos I (comi as restrições dos arts. 52, S 2°: 72, parágrafo único
e 74) U , in, XIV, XV, XVI, XVU. XV m , XIX e XXI.
in f in e ;
S 2.0 Não se aplica o disposto nos incisos XVII e XVIII:

I — quando o prazo fôr comum aos advogados de mais de uma


parte e êles não se acordarem nas primeiras vinte e quatro horas
sôbre a divisão daquele ehtre todos, acôrdo do qual o escrivão ou
funcionário lavrará têrmo nos autos, se não constar de petição subs­
crita pelos advogados;
II — ao processo sob regime de segrêdo de justiça;
n i — quando existirem nos autos documentos originais de difícil
restauração ou ocorrer circunstância relevante que justifique a per­
m anência dos autos no cartório, secretaria ou repartição, reconhe­
cida pela autoridade em despacho motivado, proferido de ofício, me­
diante representação ou a requerimento da parte interessada;
IV — até o encerramento do processo, ao advogado que houver
deixado de devolver os respectivos autos no prazo legal, e só o fizer
depois de intimado.
5 3.® A inviolabilidade do domicilio e do escritório profissional
do advogado não envolve o direito de asilo, e sòmente poderá ser
quebrada mediante mandado Judicial, nos casos previstos em lei.
CAPITULO V
Da Assistência Ju d ic iá ria

Art. 90 A assistência judiciária, destinada ã defssa Judicial


dos necessitados no sentido da lei, regular-se-á por legislação espe­
cial, observadas as disposições desta lei e as convenções interna­
cionais.
Art. 91. No Estado onde não houver serviço de Assistência Ju ­
diciaria mantido pelo Governo caberá á Seção ou Subseção da Ordem

318 •àM
A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 275

a nomeação de advogados para o necessitado, depois de deferido o


pedido em juízo, mediante a comprovação do estado de necessi­
dade.
Art. 92. O advogado indicado pelo serviço de Assistência Judi­
ciária, pela Ordem, ou pelo Juiz, será obrigado, salvo justo motivo, a
patrocinar gratuitam ente a causa do necessitado, até finai, sob pena
de censura e multa, nos têrmos desta lei (artigos 103, inciso XVIII
107 e 108).
Parágrafo único. Sâo justos motivos para a recusa do patro­
cínio:
a) ser advogado constituído pela parte contrária ou pessoa a
ela ligada, ou ter com estas relações profissionais de interêsse atual;
b> haver dado à parte contrária parecer verbal ou escrito sô-
bre o objeto da demanda;
c) te r opinião contrária ao direito que o necessitado pretende
pleitear, declarada por escrito;
d ) ter de ausentar-se para atender a m andato anteriormente
outorgado ou para defender interesses próprios inadiáveis.
Art. 93. Será preferido para a defesa da causa o advogado Que
0 Interessado indicar, com declaração escrita de que aceita o en­
cargo.
Art. 94. A gratuidade da prestação de serviço ao necessitado
não obsta ao advogado a percepção de honorários quando:
I — fòr a parte vencida condenada a pagá-los;
H — ocorrer o enriquecimento ou a recuperação patrimonial da
parte vencedora;
m — sobre^er a cessação do estado de necessidade do bene­
ficiário.
Art. 95. Os estagiários auxiliarão os advogados nomeados para
a assistência judiciária, nas tarefas para as quais forem designados.
CAPÍTULO VI
Dos h o no rário s profissionais

Art. 96. A prestação de serviço profissional asssgura aos ins­


critos n a Ordem o direito aos honorários contratados ou, na falta
de contrato, dos que forem fixados na forma desta lei.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica:
I — guando o advogado foi nomeado pela Assistência Judiciária,
pela Ordem, ou pelo Juiz, salvo nos casos do art. 94;
n — quando se tra ta r de m andato outorgado por advogado para
defesa em processo oriundo de ato praticado no exercício da pro-
fluão ou em ação penal.
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

276_________________ NEHEMIAS GXTEIROS_______________________

Art. 97. Na falta de estlpulação ou de acôrdo, os honorários


serâo fixados por arbitramento judicial em percentagem sôbre o
valor d a causa.
§ 1,0 Nos casos que versem sôbre serviço, monte ou bens de
valor reduzido, em que o critério da percentagem possa conduzir a
honorários ínfimos, arbitrar-se-á a remuneração compatível com o
trabalho. , , _ ^ _
§ 2.® No caso em que o objeto da ação ou do serviço nao tenha
valor econômico, ou quando o que lhe fôr atribuído não corresponda
à realidade, arbltrar-se-4. Igualmente, a remuneração compatível com
0 trabalho. _ ^ ,
I 3.® Proceder-se-á a exame pericial, se a flxaçao do valor da
causa ou do serviço depender de avaliação, e esta exigir conheci­
mento especializado.
5 4 0 Nas ações de indenização por ato ilícito, o valor da causa
será o m ontante do dano apurado e, quando se tra ta r de ilicito
contra a pessoa, o da soma dos danos emergentes com 0 capital fi­
xado para a constituição da renda.
S 5.0 Na fixação dos honorários os arbitradores e 0 juiz terao
em conta:
a) 0 grau de zêlo e competência do profissional;
&) 0 lugar da prestação do serviço;
c) o caráter da intervenção, conforme ss tra te de cliente avul­
so, habitual ou permanente; ^ ^
d) a possibilidade de ficar o advc^do impedido de intervir
em outros casos ou de encontrar dificuldades peculiares no exercício
do m andato.
Art. 98. Na falta de estípulação escrita em contrário, um tèrço
dos honorários é devido no Inicio do serviço, outro têrço ate a de­
cisão da primeira Instância e o restante na final.
Art. 99. Se o advogado fizer ju n tar aos autos, até antes de
cumprir-se o mandado de levantamento o« precatório, o seu con­
trato de honorários, o juiz determ inará lhe sejam êstes pagos dire­
tamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte,
salvo se êste provar que já os pagou.
S 1.® Tratando-se de honorários fixados na condenação, tem o
adví^ado direito autônomo para executar a sentença nessa parte,
podendo requerer que 0 precatório, quando êste fôr necessário, seja
expedido em seu favor.
§ 2.0 Salvo aquiescência do advogado, 0 acôrdo feito pelo seu
cliente e a parte contrária, não lhe prejudica os honorários, quer
os convencionais, quer os concedidos pela sentença.
Art. 100. Prescreve em cinco anos a ação para cobrança de
honorários de advogado, contado o prazo:
I — do vencimento do contrato, se houver;
II __ da decisão final do processo;
III — da ultimação do serviço extrajudicial;
IV — d a desistência ou transação;
V — da renúncia ou revogação do mandato.

320
V o lu m e 5 D a R edem ocralizaçào ao Estado D e m o c rá tic o de D ire ito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 277

Parágrafo único. A ação de cobrança de honorários pelos ad­


vogados guardará a forma executiva prevista no art. 298 do Código
de Processo CtvU, desde que ajustados mediante contrato escrito, ou
arbitrados judicialmente em processo preparatório com observância
do disposto no art. 97, devendo a petição inicial ser instruída com
o instrumento do mandato, como presunção da prestação -do serviço
contratado.
Art. 101. O advogado substabelecido com reserva de poderes
não pode cobrar honorários sem a intervenção daquele que lhe confe­
riu o substabelecimento.
Parágrafo único. Devem ambos, substabelecente e substabele­
cido, acordar-se, prèvlamente, por escrito, na remuneração que lhes
toca com a intervenção do outorgante.
Art. 102. O advogado credor de honorários e despesas feitas no
desempenho do m andato tem privilégio especial sôbre o objeto dêste.
CAPÍTULO v n
Das in frações disciplinares

Art. 103. Constitui infração disciplinar:


I — transgredir preceito do Código de Ética Profissional;
n — exercer a profissão quando impedido de fazê-lo, ou faci­
litar, por qualquer melo, o seu exercício aos não inscritos ou im­
pedidos;
1X1 — m anter sociedade profissional fora das normas e precei­
tos estabelecidos nesta lei;
IV — valer-se de agenciador de causas, mediante participação
DOS honorários a receber;
V — angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de
terceiros:
VI — assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou
para feito extrajudicial, que não tenha leito, ou em que não te ­
nha colaborado;
VII — adv% ar contra literal disposição de lei, presumida a boa-
fé e o direito de fazê-lo com fundamento n a inconstitucionalidade,
na Injustiça da lei, ou em pronunciamento judicial antsrior;
VIU — violar, sem justa causa, sigilo profissional;
IX — prestar concurso a clientes ou a terceiros para a reali­
zação de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la;
X — solicitar ou receber de constituinte qualquer importância
para aplicação iliclta ou desonesta;
XI — receber provento da parte contrária, ou de terceiro, re­
lacionado com o objeto do mandato, sem expressa autorização do
constituinte;
XII — aceitar honorários, quando funcionar por nomeaçao da
Assistência Judiciária, da Ordem ou do Juízo, salvo nos casos do
art. 94;
X III — estabelecer entendimento com a parte adversa sem
autorização do cliente, ou ciência ao advogado contrário;

321
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

278 NEHEMIAS OXJEIBOS

XIV — locup]etar-£e por qualquer forma, a custa do cliente ou


da parte adversa, por si ou por interposta pessoa;
XV — prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu
patrocínio;
XVI — acarretar, conscientemente, por ato próprio, a anulação
ou a nulidade do processo em que funcione;
XVH — abandonar a causa sem justo motivo ou antes de de­
corridos dez dias da intimação ao mandante para constituir nôvo
advogado, salvo se antes dêsse prazo fôr Junta aos autos nova
procuração;
X V m — recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência gra­
tuita aos necessitados no sentido da lei, quando nomeado pela As-
sistência Judiciária, pela Ordem ou pelo Juizo;
XIX — recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao clien­
te de quantias recebidas dêle, ou de terceiros por conta dêle;
XX — reter, abusivamente, ou extraviar autos recebidos com
vistas ou em confiança;
XXI — fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitual­
mente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes;
XXTI — revelar negociação confidencial para acôrdo ou tra n ­
sação, entabolada com a parte contrária ou seu advogado, quando
tenha sido encaminhada com observância dos preceitos do Código
de Ética Profissional;
X X m — deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação dou­
trinária ou de julgado, bsm como de depoimentos, documentos e
alegações da parte contrária, tentando confundir o adversário ou
iludir o Juiz da causa;
XXIV — fazer imputação a terceiro de fato deflnido como
crime, em nome do constituinte, sem autorização escrita dêste;
XXV — praticar, no ex.rcíclo da atividade profissional, ato
que a lei defina como crime ou contravenção;
XXVI — não cumprir, no prazo estabelecido, determinação
em anada de órgão ou autoridade da Ordem, em m atéria da com­
petência desta, depois de regularmente noWHcado;
X X V n — deixar de pagar à Ordem, pontualmente, as contri­
buições a que está obrigado;
X XV m — praticar, o estagiário ou o provisionado, ato ex­
cedente da sua habilitação;
XXIX — faltar a qualquer dever profissional Impôsto nesta lei
(art. 87).
Art. 104. As faltas serão consideradaa graves, leves ou escusá-
veis, conforme a natureza do ato e as circunstâncias de cada caso.
CAPÍTULO v m
Das penalidades e sua aplicação
Art. 105. As penas disclplinares consistem em:
I — advertência;
n — censura;

322
V o lu m e 5 D a R edem ot iiitizaçao ao Estado D e m o c rá tic o de D ire ito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 279

in — multa;
IV — exclusão do recinto;
V — suspensão do exercício da profissão;
VI — eliminação dos quadros da Ordem.
Art. 106. A pena de advertência é aplicável nos casos das In­
frações definidas no art. 103 Incisos I — n — m — IV — V — VI —
v n — x v n — XXI — x x ii — xxvi — x x v n e xxvm .
Parágrafo único. Apüca-se, igualmente, a pena de advertên­
cia ao descumprimentiO de qualquer dos deveres prescritos no arti­
go 87 guando para a infração não se tenha estabelecido pena maior.
Art. 107. A pena de censura é aplicável:
I — nos mesmos casos em que cabe a pena de advertência,
quando não h aja circunstância atenuante, ou não se trate da pri­
meira infração cometida;
n — às infrações primárias definidas no artigo 103, incisos
v m — x n — TTTiT __ XV —' x v i — x vm — x x n e x x m .
Art. 108. A pena de m ulta é aplicável, cumulativamente com
& outra pena igualmente cabível, nos casos das infrações definidas
nos artigos 103, Incisos II — III — VI — IX — X — XI — XII —
x n i — XV — XVI — x v n i — x x m — x x v n e xxvm , e 124 .
? 4.0.
Art. 109. A pena de exclusão do recinto e aplicável à infração
definida nos artigos 118, 5 4.°, e 121, ! 2.°.
Art. 110. A pena de suspensão é aplicável:
I — nos mesmos casos em^ que cabe a pena de censura, quan­
do h a ja reincidência;
II — nos casos de primeira incidência, nas infrações definidas
nos artipos 103. incisos IX, X, XI. XIV, XIX XX. 111 parágrafo
•único e 124, 5 4.° (arts. I l l , inciso I, 112, i l 1 ® e 2.®);
III — aos que deixarem de pagar as contribuições, taxas e
multas (arts. 140 e 141) depois de convidados a fazê-lo por edital
com 0 prazo de trinta dias, sem menção expressa da falta de pa­
gamento mas com a citação dêste dispositivo;
IV — aos que incidirem em erros reiterados que evidenciem
inépcia profissional, e até que prestem novas provas de habilitação;
V aos que m antenham conduta incompatível com o exercício
d a profissão.
Parágrafo único. Considera-se conduta incompatível com o
exercício da profissão:
a ) a prática reiterada de jôgo de azar, como tal definido
«m lei;
b) a incontinência pública e escandalosa;
c) a embriaguez habitu al.

323

1
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

280 NEHEMIAS GUEIROS

Art. 111. A pena de eliminação é aplicável;


I — aos que reincidirem nas infrações definidas nos artigos 103,
incisos IX — X — XI — XIV — XIX — XXV, e 110, Inciso U ) ;
II — aos gue incidirem na pena de suspensão por três vèzes,
ainda que em Seções diferentes;
III — aos que houverem feito falsa prova de qualquer dos re­
quisitos para inscrição nos quadros da Ordem;
IV — aos que perderem o requisito do inciro VII do art. 48;
V — aos que suspensos por falta de pagamento das contribui­
ções, taxas ou multas, deixarem decorrer três anos de suspensão
(art. 113, 5 %.«>)
Parágrafo único. Durante o processo para aplicações da pena
de eliminação, poderá o Conselho determinar medida preventiva ir-
recorrivel de suspensão do exercício da advocacia, até a decisão
final.
Art. 112. A pena ds m ulta sujeita o infrator ao pagamento
de uma quantia fixada pela decisão que a aplicar, de acôrdo com
o critério da Individuallzação prescrito nos arts. 115 a 117.
S 1.® A m ulta varia entre o mínimo correspondente ao valor
de uma anuidade (art. 141) e o máximo do seu décuplo.
S 2.0 A falta de pagamento da m ulta no prazo de vinte dias
a partir da data da penalidade Imposta, determ inará a suspensão
do exercício da profissão (art. 113, I 1.°) sem prejuízo da sua
cobrança por ação executiva (art. 142).
Art. 113. A pena de suspensão acarreta ao infrator a interdi­
ção do exercício profissional, em todo o território nacional, pelo
prazo de trin ta dias a doze meses, fixado pela decisão que o apli­
car, de acôrdo com o critério de Individuallzação prescrito nos ar­
tigos 115 a 117.
5 1.0 A suspensão por falta de pagamento de contribuições,
■taxas ou multas só cessará com a satisfação da dívida, podendo
estender-se até três anos, decorridos os quais será o profissional
automaticamente eliminado dos quadros da Ordem (art 111 in-
<dso V ).
5 2.0 A suspensão decorrente da recusa injustificável de pres­
tação de contas ao cliente (arts. 87, inciso XX e 103, inciso XIX)
vigorará enquanto a obrigação não fôr cumprida.
Art. 114. A pena da eliminação acarreta ao infrator a perda
do direito de exercer a profissão em todo o território nacional.
Art. 125. Os antecedentes profissionais do acusado, as ate­
nuantes, o grau de culpa por êle revelado, as clrcunatáncias e as
conseqüências da infração devem ser considerados para o fim de
decidir:
I — sôbre a conveniência da aplicação cumulativa de multa
e outra penalidade;
U — qual 0 t ^ p o da suspensão e o valor da m ulta aplicáveis.

324 máM
V o lu m e 5 D a R e d e m ocralização ao Estado D e m o c rá tic o de D ire ito

A ADVOCACIA E O 8EU ESTATUTO 281

Art. 116. É circunstância que sempre atenuará a aplicação das


penas discipUnares previstas nesta lei haver sido a falta cometida
na defesa de prerrogativa da profissão.
Art. 117. Na aplicação das penas discipUnares previstas nesta
lei serão consideradas, para o fim de atenuação, as seguüites cir-
cunstânclas:

I — a ausência de qualquer antecedente disciplinar;


II — o exercício assíduo e proficiente do mandato ou encargo
em qualquer dos órgãos da Ordem;
III — a prestação de serviços profissionais gratuitos; e
IV — a prestação de bons serviços ã classe ou à causa pública.
Art. 118. O poder de punir disciplinannente os advogados, es­
tagiários e provisionados, compete ao Conselho da Seção onde o
acusado tenha inscrição principal.
S 1.° Se a falta fôr cometida em outra Seção, o fato será
apurado pelo Conselho local, com a intervenção do acusado ou de
curador que o defenda, e o processo remetido à Seção emi que o
mesmo tiver inscrição principal, para julgamento ,cujo resultado
será comunicado à Seção onde a falta foi cometida.
i 2.0 Da decisão absolutórla do acusado, n a hipótese do pa­
rágrafo anterior, poderá recorrer o Presidente desta, no prazo de
15 dias, a partir do recebimento da comunicação.
I 3.0As penas de advertência, censura e multa, serão impos­
tas pelo Presidente do Conselho, em ofício reservado, não se fa­
zendo constar dos assentamentc» do acusado, senão no caso de rein­
cidência.
§ 4.0 Quando se tra ta r de falta cometida perante o Conselho
Federal, ao Presidente dêste caberá a imposição das penas de ad­
vertência, censura e multa, além da exclusão do recinto.
S 5.0 Nos casos dos parágrafos terceiro e quarto caberá recurso
dointeressado para o Conselho respectivo (art. 134).
Art. 119. O processo disciplinar será instaurado mediante re­
presentação de qualquer autoridade ou pessoa interessada, ou de
ofício pelo Conselho ou sua Comissão de Ética e Disciplina.
S 1.0 A Instauração do processo precederá audiência do acusa­
do, notificado para, dentro de quinze dias, apresentar defesa prévia,
que exclua o procedimento disciplinar.
§ 2.0 Instaurado o processo, o acusado poderá acompanhá-lo
em todos os seus têrmos, tendo nôvo prazo de quinze dias para a
defesa, em seguida ao parecer final da Comissão de Ética e Dis­
ciplina.
S 3.0 o prazo para defesa poderá ser prorrogado por motivo
relevante, a juízo do Relator.
I 4.0 Se a Comissão de Ética e Disciplina opinar, por unani-
i midade pela improcedência da representação (5 l.o) ou da acusação
i (f 2 .0 ) o Presidente do Conselho poderá determ inar o arquiva-
jm ento do processo, não cabendo recurso dessa decisão.

325
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

282 NEHEMIAS GUEIROS

5 5 ° O advogado poderá sustentar oralmente a defesa em se­


guida ao voto do Relator, pelo prazo de vinte minutos, prorrogável
a critério do Presidente do Conselho.
§ 6.0 Se o acusado não fôr encontrado ou íôr revel será no­
meado curador que o defenda.
Art. 120. Os membros do Conselho devem dar-se de suspeitos,
e, se não o fizerem, poderão ser recusados pelas partes, nos mesmos
casos estabelecidos nas leis de processo.
Parágrafo único. Compete ao próprio Conselho decidir sumà-
rlam ente sôbre a suspeição, à vista das alegações e provas produ.
zidas.
Art. 121. Os Juizes e tribunais exercerão a policia das audiên­
cias e a correção de excessos de linguagem verificados em escritos
nos autos, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que in­
correr 0 faltoso (art. 119).
5 1.0 Os juizes representarão à Instância superior e os mem­
bros dos tribunais ao corpo coletivo contra as injúrias que lhes
forem assacadas nos autos para o fim de serem riscadas as expres­
sões que as contenham.
S 2 9 Pelas faltas cometidas em audiência ou sessões de jul­
gamento os juizes e tribunais sòmeute poderão aplicar a pena de
exclusão do recinto (arts. 118 e 127).
Art. 122. O Conselho da Seção poderá deliberar sôbre falta
cometida em audiência, ainda quando as autoridades judiciárias
ou os interessados não representem a respeito, e independentemen­
te da penalidade imposta no juizo comum (art. 121, § 2.°).
Art. 123. Fica automàticamente revogado o m andato do pro­
fissional a que forem aplicadas as penalidades de suspensão ou
eliminação.
A rt. 124. Transitada em julgado, a aplicação das penalidades
de suspensão e eliminação, o Conselho expedirá comunicação à Se­
cretaria do Conselho Federal, a tôdas as Seções da Ordem, e cada
uma destas às Subseções e ás autoridades judiciárias locais, a fim
de assegurar a execução da pena.
i 19 As autoridades judiciárias comunicarão a aplicação da
penalidade, imediatamente, a todos os escrivães e serventuários que
lhes são subordinados.
S 2 9 Os escrivães dos feitos onde funcionem advogados sujei­
tos às penas referidas neste artigo intimarão, dentro de quarenta e
oito horas, por ofício, as partes interessadas a constituir nôvo ad­
vogado, sob pena de rsvella (art. 123).
{ 3.® O profissional suspenso ou eliminado recolherá à Se­
cretaria da Seção a sua carteira de identidade, sob pena de apre­
ensão judicial.
( 4.® Se não recolher a carteira, quando exigida pelo Presiden­
te da Seção ou Subseção, ou se a apresentar viciada, o profissio­
nal suspenso incorrerá em nova pena de suspensão, com multa no
máximo, sem prejuízo da responsabilidade criminal em qu= incidir.
Art. 125. Ê lícito ao condenado a qualquer pena diáclplhiar
requerer a revisão do processo, por êrro de julgamento ou por con­
denação baseada em falsa prova.

326 ttàl
V o lu m e 5 D a Reclcmoc fcitizaçao ao Estado D e m o c rá tico de D ireito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 283

Art. 126. É também permitido ao condenado a qualquer pena


disciplinar requerer, um ano depois de cmnprida a pena, a revisão
do processo p ata o fim de sua reabilitação, em face de provas efe­
tivas de bom comportamento.
Parágrafo único. No caso de p?na disciplinar resultante da
prática de crime apUcam-se as disposições que, no processo comum
regulam a m atéria.
Art. 127. A jurisdição disciplinar estabelecida nesta lei não
exclui a jurisdição comum quando o fato constitua crime ou con­
travenção.
Art. 128. Incorrerá nas penas do art. 47 da Lei das Contravsn-
çoes Penais aquêle que sem estar Inscrito na Ordem dos Advogados:
a) usar carteira ou cartão de identidade, vestes, insígnias e
títulos privativos de advogado, estagiário ou provlsionado;
b) anunciar, por aualqu-r meio de publicidade, a condição ou
a atividade de advogado, inclusive intitulando-se representante ou
agente de advocacia no estrangeiro.
Art. 129. Os preddentes do Conselho Federal, da Seçâo e da
Subseção têm qualidade para agir, mesmo criminalmente, contra
qualquer pessoa que Infringir as disposições desta lei, e, em geral,
em todos os casos que digam respeito às prerrogativas, à dignidade
e ao prestigio da advocacia.
5 1.0 Podem êles intervir ainda, como asdstentes nos processos-
crimes em que sejam acusados ou ofendidos os inscritos na Ordem
. S 2.0 Compete-lhes igualmente, representar às autoridades sô-
^ a convenlencia de vedar o acesso aos cartórios, juízos ou Tri­
bunais. aos intermediários de negócios, tratadores de papel ou às
pessoas que, por falta de compostura, possam comorometei o de­
coro da profissão.
Art. 130. No caso de ofensa a membro da Ordem no exercício
oa proíis^io, por magistrado, membro do Ministério Público ou
por qualquer pessoa, autoridade, funcionário, serventuário ou órgão
C t publicidade, o Conselho Seclonal, de ofício ou mediante repre-
#2 ntação, ouvida a Comissão de Ética e Disciplina, promoverá o
público desagravo do ofendido, sem prejuízo da responsabilidade cri­
minal em que incorrer o ofensor (art. 89, inciso X X I).
Art. 131. Para os fins desta lei, o Presidente do Conselho Fe­
deral e os P r’sldentes das Seções poderão requisitar cópias autên­
ticas ou fotostáticas de peças de autos, a quaisquer tribunais, juizes
cartórios, repartições publicas autarquias e entidades estatais ou
paraestatals.
Parágrafo único. Durante o período da requisição, não correm
d i prazos processuais.

CAPÍTULO r x
Dos Becursoí
I Art. 132. Cabe recurso oara o Conselho Federal de tôdas as
v c ü o e s proferidas pelo Conselho Seclonal sôbre:

327
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

284 NEHEMIAS GUEIROS

o) estágio profissional e Exame de Ordem;


b) inscrição nos quadros da Ordem;
c) incompatibilidades e impedimentos;
d) processo disciplinar e sua revisão;
e) ética profissional;
/) deveres e direitos dos advogados;
g) registro e funcionamento das sociedades de advogados*
h) infração do Regimento Interno;
0 eleições nas Seções e Subseções;
j) relatório anual, balanço e contas das Diretorias das Se­
ções e Subseções;
k) casos omissos nesta lei.
Art. 133. Cabem embargos Infrlngentes da decisão proferida
pelo Conselho Secional ou pelo Conselho Federal, quando não fôr
unânime, ou divergir de manifestação anterior do mesmo ou de
outro Conselho.
Art. 134. Cabe recurso para o Conselho respectivo, de qualquer
despacho dos Presidentes do Conselho Federal ou Secionais que
toporte em decisão de caráter definitivo, salvo na hipótese do a r­
tigo 119, § 4.0.
Art. 135. Quando a decisão fôr obscura, omissa, contraditória
ou aparentemente inexeqüível, poderá a parte opor embargos de
declaração.
Art. 136. O direito de recorrer competirá ao profissional que
lor parte no processo e, nos casos previstos nesta lei, aos Presl-
d e n i^ dos Conselhos Federal e Secionais e às delegações (arts 16
{ 2.0 in fin e , 19, 25 e 118, 9 2.°).
Art. 137. Todos os recursos de que tra ta esta lel serão inter-
<*e quinze dias, contados da publicação n a imprensa
oílclal do ato ou decisão (art. 118, 5 2.<>), e serão recebidos no efeito
suspensivo.
PMágrafo único. Nos casos de comunicação, por ofício re-
Mrvado o prazo para Interposição do recurso se conta da data
do efetivo recebimento daquele.
Art. 138. Salvo disposição em contrário, apllcam-se ao recurso
^ processo disciplinar (art. 132, letra d) as regras do Código de
WMCsso Penal e, aos demais recursos, as do Código de Processo
Clvu, bem como as leis complementares.

TITULO III
Disposições O erais e T ra n sitó ria s

CAPÍTULO I
Disposições Gerais

■ 139- ^ Ordem dos Advogados do Brasil constitui serviço


publico federal, gozando os seus bens, rendas e serviços, de imuni­

328 màM
V o lu m e 5 D a Redem ocratização ao Estado D e m o c rá lic o de D ire ito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 285

dade tributária total (art. 31, inciso V, letra a da Constituição


Federal), e tendo êstes franquia postal e telegráfica.
§ 1.° Não se aplicam à Ordem as disposições legais referen­
tes às autarquias ou entidades paraestatais.
S 2.® O Poder Executivo proverá, no Distrito Federai e nos
Territórios, à instalação condigna da Ordem, cooperando com os
Estados, para o mesmo fim.
Art. 140. A Ordem tem a prerrogativa de impor contribuições,
taxas e multas a todos os que exercem a advocacia no País.
Art. 141. Todos os inscritos na Ordem pagarão obrigatòrlamen-
te a contribuição anual e taxas que forem fixadas pelas Seções.
{ 1.° Os advogados pagarão anuidades em cada uma das Se­
ções em que se inscreverem.
§ 2P As anuidades poderão ser pagas em quotas periódicas fi­
xadas pela Seção ou pelo Conselho Federal.
§ 3.° Cada Seção e Subseção remeterá ao Tesoureiro da Ordem
dos Advogados do Brasil quinze por cento (15%) das contribuições,
taxas e multas, e cinco por cento (S%) das demais receitas líqui­
das, destinadas ao Conselho Federal (art. 6.°, 5 3.°, e 12 §§ 1.° e 2.°).
S 4.° Oito por cento (8%) da receita liquida de cada Seção
serão recolhidos a uma conta especial destinada a prêmios por
estudos juridicos, de onde serão levantados diretamente para en­
trega aos premiados, em seguida ao julgamento dos trabalhos ins­
critos. nos têrmos de provimento especial do Conselho Federal
(art 18, inciso VHI, letra “e”) .
S 5.* Feitas as deduções referidas nos parágrafos anteriores,
metade das anuidades recolhidas em cada Seção será destinada à
Caixa de Assistência dos Advogados, onde a houver (art. 8.°, letra
ú do Decreto-lei n.° 4.563, de 11 de agôsto de 1942).
5 6 9 O Conselho Federal, poderá, por votos de dois terços das
delegações, alterar as percentagens referidas no S 3.°.
Art. 142. É assegurado à Ordem o direito à ação executiva
p a ta cobrança das contribuições, taxas e multas a que estão sujei­
tos os inscritos nos seus quadros.
Art. 143. O pagamento da contribuição anual à Ordem exclui
os inscritos nos seus quadros da incidência obrigatória do impôsto
•Indicai.
Art. 144. Os atos da Ordem, salvo quando secretos, serão pu­
blicados no jornal oficial da sede do Conselho respectivo ou, na falta
de imprensa, por editais afixados & p o ita do Forum.
Art. 145. Nenhum órgão da Ordem discutirá nem se pronuncia­
rá sôbre assuntos de natureza pessoal, política ou religiosa ou es­
tranhos, de qualquer modo, aos interêsses da classe dos advogados.
Art. 148. O Instituto dos Advogados Brasileiros e as institul-
^ s a êle filiadas têm qualidade para promover, perante a Ordem
^ Advogados do Brasil, o qus julgarem do interêsse dos advoga­
dos em geral, ou de qualquer dos seus membros.
Art. 147. O cargo de membro dos Conselhos Federal e Secio-
j|als e das Diretorias de Subseções, é de exercido obrigatório e gra­
tuito, considerado serviço público relevante.

329
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

288 NEHEMIAS GUEIROS

Parágrafo único. Será considerado como de serviço público,


para efeito de disponibilidade e aposentadoria, o tempo exercido
em qualqusr cargo dos Conselhos e das Diretorias da Ordem, ve­
dada, porém, a contagem cumulativa do tempo de exercício em
outro cargo público.
Art. 148. Aplica-se aos funcionários da Ordem dos Advoga­
dos do Brasil o regime legal do Estatuto dos Funcionários Públicos
Civis da União e Leis comiplementares.

CAPÍTULO n
Diaposições T ra n sitó ria s

Art. 149. É ressalvado aos atuais inscritos nos quadros da Or­


dem dos Advogados do Brasil o direito ao exercício da profissão,
nos têrmos da inscrição em vigor. (5)
Art. 150. É ressalvado aos advogados não diplomados, inscri­
tos no atual quadro B da Ordem dos Advogados do Brasil, por fôrça
do regime constitucional de liberdade de profissão, o direito ao
exercido da advocacia em Igualdade de condições com os advogados
diplomados.
Art. 151. Durante três anos a partir da vigência desta lei, se­
rão facultativos os requisitos do estágio profissional e do Exame
de Ordem para efeito de inscrição no quadro dos advogados.
Parágrafo único. Nos dois primeiros anos dêsse prazo será
permitida, em caráter excepcional, a inscrição n a Ordem, como
Solicitador Acadêmico, aos que comprovarem estar matriculados na
4.® ou 5.» séries das Faculdades de Direito, oficiais ou reconhecidas
por lei.
Art. 152. As sociedades de advogados existentes no País têm
0 prazo de noventa dias, a partir da vigência desta lei, para se
adaptarem às suas exigências, submetendo a registro os seus con­
tratos, atos constitutivos, estatutos ou compromissos e suas altera­
ções (arts. 77 a S2).
Art. 153. Enquanto o Tribunal de Justiça do Distrito Federal
tiver jurisdição sôbre territórios federais, caberá ao Conselho da
Seção do Distrito Federal a competência referida no art. 28, inci­
so II, desta lei, relativamente ao ingresso n a m agistratura vitalícia
dos mesmos territórios.
Art. 154. O Conselho Seclonal do Estado de que foi desmem­
brado o Território, tem jurisdição sôbre êste, enquanto nêle não
se Instalar a Seção da Ordem.

(5) Êste artigo foi vetado pelo Presidente d a R epública, m as teve o veto rejeitado
p o r esmagadora m aioria de votos, contribuindo decisivam ente p ara essa rejeição o pre*.
^ l e “ k e y i n g ” desenvolvido pessoalm ente pelo Presidente do ro m telh n Ha rtr.
f m .f e r n a nibtfco. dr. Jo sA .C avalcanti N eves, fbnto aos mcTAbros <io C o n g r ^ o Nacio»
Uai. ao s quais distribuiu um sucinfò e 'T u ^ f o s o mem orial in titulado "U m V eto fnconsti-
lucíonal e D iscrim inatório” . O Presidente Povina C avalcanti, em nom e de tôda a classe,
dingiu-se, U m bém , ao Congresso N acional, postulando a rejeição do veto, d e acftrdo com
a Comissão elaboratJora do P rojeto (V . expediente reproduzido à pág 302)

330 màM
V o lu m e 5 D a R edem ocratização a o Estado D e m o c rá tic o d e D ire ito

A ADVOCACIA E O SEU ESTATUTO 287

Art. 155. Fica extinto o quadro de solicitadores, ressalvado o


direito dos que exerciam a profissão, sem limits de tempo.
Art. 156. Entende-se prorrogado o mandato dos membros dos
Conselhos e das Diretorias da Ordem dos Advogados do Brasil até
a posse dos que forem eleitos na conformidade desta lei.
Art. 157. A transferência do Conselho Federal para Brasília será
efetuada logo que ali se achem funcionando todos os Tribunais Su­
periores e seja posta à disposição do mesmo instalação condigna,
pelo Poder Executivo, a quem cabará também custear o transporte
de seus bens e utensílios. (6)
Art. 158. Esta lei entra em vigor em todo o Território Nacional
30 (trinta) dias depois de publicada. (7)
Art. 159. Revogam-se as disposições em contrário. (8)
Brasilia, 27 de abril de 1963, 142.® da Independência e 75.® da
República.

JOAO GOULART
João M angabeira

(6) £ s te artigo era , n a lei ^ancicmada, o d« e.» 19, ia ch ú d o n o fim do C ap itu lo V I


d o Titulo I (D o Conselho F ed era l), e transposto p ara o C apítulo I I do Tftulo I I (D a*
D isposições T<aiisi(órias). po r se tra ta r d e regra de direito transitório , que sòm ente
neste cap itu lo te ria lugar.
(7) Em face da transposição do a rt. 19 p ara o C apítulo das DisposiçOes Transi­
tórias, com o ndvo n.° 157, <ste artigo, que n a lei sancionada levava o n.<> 157. passou
a ser art. 158.
(8) P ela taíMo exposta n a noia anterior, ts te a n ig o , q ue n a lei sancionada levav»
o 0.” 158, passou a ser art. 139.

331
História da
O rd e m cios Advogados do Brasil

332 màM
V o lu m e 5 D a Redem ocratização ao Estado D e m o c rá tic o dc D ireito

ANEXO III
Advogados seqüestrados e encapuzados
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

1. Heleno Cláudio Fragoso

334 màM
V o lu m e 5 D a R edem ocratízação a o Estado D e m o c rá tic o d e D ireito

2. Augusto Sussekind de Moraes Rego

iàM 335
História da
O rdem dos Advogados d o Brasil

3. George Tavares

336
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tic o de D ireito

ANEXO IV
Presidentes de 1946 a 1988

337
História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

1. Raul Fernandes
Gestão: 11/08/1944 a 11/08/1948

338 ttàl
V o lu m e 5 D a R edem ocratização a o Estado D e m o c rá tic o d e D ire ito

2. Augusto Pinto Lima


Gestão: 11/08/1948 a 31/08/1948

ÊàM 339
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

3. Odilon de Andrade
Gestão: 14/09/1948 a 11/08/1950

340 màM
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ireito

4. Haroldo Valladão
Gestão: 11/08/1950 a 11/08/1952

341
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

5. Attílio Vivácqua
Gestão: 11/08/1952 a 11/08/1954

342 màM
V o lu m e 5 D a Redem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ire ito

6. Miguel Seabra Fagundes


Gestão: 11/08/1954 a 11/08/1956

343
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

7. Nehemias Gueiros
Gestão: 11/08/1956 a 11/08/1958
V o lu m e 5 D a R edem ocralizaçào a o Estado D e m o c rá tic o d e D ire ito

8. A lc in o de Paula Salazar
Gestão: 11/08/195 8 a 11/08/1960
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

9. José Eduardo do Prado Keily


Gestão: 11/08/1960 a 11/08/1962

346 màM
V o lu m e 5 D a Redem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ire ito

10. Carlos Povina Cavalcanti


Gestão: 11/08/1962 a 06/04/1965
______________ H istória da
P O rd e m dos Advogados do Brasil

11. Themístocles M. Ferreira


Gestão: 06/04/1965 a 28/05/1965

348 •41
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ireito

12. Alberto Barreto de Melo


Gestão: 15/06/1965 a 07/04/1967

349
)
_____________ História da____________
O rd e m dos Advogados d o Brasil

13. Samuel Vital Duarte


Gestão: 07/04/1967 a 01/04/1969

350 màM
\ n lu m e 5 D a R edem ocratizaçao ao Estado D e m o c rá tic o d e D ireito

14. Laudo de A lm e id a Camargo


Gestão: 0 1 /0 4 /1 9 6 9 a 01/04/1971
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

15. José Cavalcanti Neves


Gestão: 01/04/1971 a 01/04/1973
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao E s t a d o D e m o c rá tic o de D ire ito

16. José Ribeiro de Castro Filho


Gestão: 01/04/1973 a 01/04/1975

máM 353
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

17. Caio Mário da Silva Pereira


Gestão: 01/04/1975 a 01/04/1977

354 màM
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico d e D ireito

18. Raymundo Faoro


Gestão: 01/04/1977 a 01/04/1979

355
_____________ História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

19. Eduardo Seara Fagundes


Gestão: 01/04/1979 a 01/04/1981

356 máM
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ire ito

20. Bernardo Cabral


Gestão: 01/04/1981 a 04/04/1983

357
História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

21. Mário Sérgio Duarte Garcia


Gestão: 04/04/1983 a 01/04/1985

358 màM
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tic o d e D ireito

22. Hermann Assis Baeta


Gestão: 04/04/1985 a 31/03/1987

359
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

23. M á rc io T h o m a z Bastos
Gestão: 0 1/04/198 7 a 01/04/1989

360 máM
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ire ito

ANEXO V
Prédios da sede da OAB

m àM 361
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

1. Prédio enquanto a OAB foi sediada no Rio de janeiro.

362
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ireito

2. Prédio em Brasília, de propriedade da seção da OAB do


Distrito Federal onde funcionou provisoriam ente a OAB
nacional.

%àM 363
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

364 #à#
j V o lu m e 5 D a Redem ocratização ao Estado D e m o c rá tic o d e D ire ito

ANEXO VI
Áta da primeira sessão ordinária do Conselho Pleno,
após a mudança da OAB para Brasília

365
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil
]

^(ojoín

ATA DA SESSÃO ORDINARIA DO C<WSBLHO PLENO DO CONSELHO FEDERAL

DA O . A. B..

(1.5329 Sessão da 569 Reunião)

LO CA L; Avenida W-3 Norte - Quadra 516 - Bloco "B" - Lote 07-


6rasília-DP.

D IA e H O R A : 15.09.1986 - às 9:30 horas.

PRESENTES; o Presidente Hermann Assis Baeta, o Vice-Presiden-


te Hárcio Thomaz Bastos, o Secretãrio-Geral Arthur Lavigne, o
Subsecretário-Geral Moacir Belchior, o Tesoureiro J.M. Othon
Sidou, os Presidentes das Secionais: Aristõfanes Bezerra de
Castro Filho IAM); Pedro Milton de Brito (BA>; Sylvio Braz
Peixoto da Silva (CE); Agesandro da Costa Pereira (ES); Olavo
Berquó (GO); Carlos Sebastião Silva Nina (MA); Hé lvio Freitas
Pissurno (MS) , Sidney Safe Silveira (MG), Ophir Pilgueiras
Cavalcante (PA); Antônio Vital do Rego (PB), Antônio Alves do
Prado Pilho (PR); Paulo Marcelo Wanderley Raposo (PE); Pedro
Afonso Mendonça Lima (RJ); Luiz Carlos Lopes Madeira (RS);He^
tor Magalhães Lopes (RO); Jorge Wagner Costa Gomes (AP); e ,
HGsmone Saraiva Grangeiro (RR). Estiveram, ainda, presentes
os Conselheiros Raul de Sousa Silveira e George Tavares (AC);
João Teixeira Cavalcante Filho (AL); Aristôfzmes Bezerra de
Castro e Iran dos Santos Barbosa (AH); J.J. Calmon de Passos
(BA); Luiz Cruz de Vasconcellos e Carlos Roberto Martins Ro
drigues (CE); Roberto Rosas (DP), Manoel Moreira Camargo (ES),
Luiz Francisco Guedes de Amorim e Jorge Jungmann (GO); Wadi
Sauáia (MA); Salvador Potnpeu de Barros Filho e Munir Feguri
(MT) ; Augusto José Corrêa da Costa e B. Calheiros Bomfijn(MS);
Marcos Vinícius de Garcia Ramos (MG); Paulo de Tarso Dias
Klautau, Sérgio Ferraz e Luiz Carlos Valle Nogueira (PA);Ivan
Pereira de Oliveira e Amaury de Araújo Vasconcellos (PB);José
Lamartine Corrêa de Oliveira, Newton José de Sisti e Athos bto
raes de Castro Vellozo (PR) } Joaquim Correia de Carvalho Jú
nior (PE); Glênio Aquino de Andrade, Ney Aranha Marinho e Wa^^
dir da Silva Freire (RN); Antônio Ribas Pinheiro Machado Neto

366 má»
V o lu m e 5 D a Redem ocratização ao Estado D e m o c rá tic o de D ire ito

5S!íí»f’^ 2 _
t^a/n»or<r.
e Paulo Kreitchmann (RS>; Celso Medeiros.e Hélio Saboya(RJ);
Sérgio Leonardo Darwlch (RO); Carlos Alberto Silveira Lenzi,
Sadi Lima e Carlos Adauto Vieira (SC); Ruy Homem de Melo La
cerda e Paulo Sérgio Leite Fernandes (SP); Carlos Augusto
res de Freitas Brito (SE) , Antônio Evarlsto de Moraes Filho
e Guaracy da Silva Freitas (AP) e Eugênio Roberto Haddock Lo
bo (RR). Ainda, presentes o Presidente da OAB/DP Dr.Maurício
Corrêa, e os Conselheiros Juvenal Almeida Sena, de Roraima ,
João Frederico Ribas, do M ato Grosso do Sul, Milton de Melo,
do Distrito Federal, Jorge Neves, de Pernambuco e Serralva
Santos, Vice-Presidente da OAB/DF. - AUSÊNCIAS J U S T I FI CA DAS ;
Arnoldo W ald (AC) , Marcelo Lavenère Machado (AL) , 'líjemístocles
Caldas Pinho (AM), Milton Tavares e Joselito de Abreu (BA) ,
José Barbosa Clerot (DF), Milton Murad e José Ignácio Ferrei
ra (ES) , Wanderley de Medeiros (GO), José Antônio Figueiredo
de Almeida Silva e Doroteu Soares Ribeiro (MA) , JoséEustãqulo
Oswaldo (MT), Celso Gabriel de Rezende Passos (MS), Gerson
de Brito Melo Boson e Alberto Deodato Haia Barreto Filho(MG),
Jackson Smith Lisboa (PB), Corintho de Arruda Falcão e Syl
vio Cu ra d o (PE), Evandro Lins e Silva, José Rocha Leal e Re
ginaldo Santos Furtado (PI), Leônidas Rangel Xausa (RS),
cardo Cesar Pereira Lira (RJ), José Silvário Fontes e welling
ton Mangueira Marques (SE ) , Mário de Souza Figueiredo (AP),
Sérgio do Régo Macedo e Luiz Rosalvo Indrusiak Pin (RR) e o
Membro Nato Mário Sérgio Duarte Garcia. - Havendo número le
gal o Presidente Hermann Assis Baeta declarou aberta a ses
são ordinária - a primeira a ser realizada na Capital da Re
pública Em seguida, solicitou aos presentes que, de pé,
observassem um minuto de silêncio e m memória de D» Lyda Mon
teiro da Silva. Quanto ãs atas das sessões plenárias do mês
de julho, já distribuídas com antecedência aos Conselheiros,
ficaram para discussão e aprovação na reunião do dia seguin­
te. - A seguir, deu posse ao novo representante do Conselho
Secional do Paraná Dr. Newton José de Sisti em substituição
ao ex-Conselheiro Oto Luiz Sponholz, que fora nomeado Desem
bargador do Tribunal de Just iç a daquele Estado, Co nvidou o

•àl 367
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

o colega para firmar o termo de posse. Falaram sobre o novo


componente o Presidente Hermann Assis Baeta e os Conselheiros
José Lamartine Corrêa de Oliveira e Athos Moraes de Castro
Vellozo. O homenageado, com a palavra, agradeceu as manife^
tacões de carinho demonstradas pelo Presidente do Conselho
e pelos seus companheiros de Delegação. Finalizou, dizendo
que considerava um..dia histórico o de sua poss^,marcado pela pri
melra reunião do Conselho Federal na Capital da República. -
Em seguida, o Presidente convidou a tomar assento à Mesa os
Presidentes das Secionals do A m a z o n a s , Dr. Aristófanes Bezer
ra de Castro, da Ba hia . Dr, Pedro Milton de Brito, do C e a r á ,
Dr. Sylvio Braz Peixoto da Silva, do Espírito S a n t o , Dr. Age
sandro da Costa Pereira, do M ar an hã o, Dr. Sebastião Carlos
Nina, do Mato Grosso do S u l , Dr. Hélvio Freitas Pissurno, do
P a r á , Dr. Ophir Filgueiras Cavalcante, da Par aí ba , Dr.Antônio
Vital do Rêgo, do P a r a n á , Dr. Antonio Alves do Prado Filho,
de P ernambuco, Dr. Paulo Marcelo Wanderley Raposo, do Rio de
Janei ro , Dr. Pedro Afonso Mendonça Lima , do Rio Grande do
S u l , Dr. Luiz Carlos Madeira, de Rondônia, Dr. Heitor Maga
Ihães Lopes, e de Rora im a, Dr. Hesmone Saraiva Grangeiro.
ApÓ5-,o Presidente Hermann Baeta apresentou voto de profundo
pesar pelo falecimento do ex-Conselheiro Federal Wilson do
Egito Coelho, antigo Conselheiro representante do Piauí e ex
Vice-Presidente do Conselho n a gestão de José Ribeiro de Cas
tro Pilho, Solicitou registro em ata deste voto de pesar, em
nome do Conselho. - Prosseguindo, informou ao E.Conselho gue
"cano era do conhecimento de todos, o Conselho pleno em se^
são realizada em dezembro de 1985 votara pela incompatibili­
dade do exercício do mandato do ex-Conselheiro Clõvis Ferro
Costa, uma vez que aquele brilhante advogado exercera o car
go de assessor do Ministro da Justiça, na época, Fernando L^
ra, cargo esse demissível ad n u turn" 0 Conselho, continuou o
Presidente, reunido chegou à conclusão de que realmente ha
via nos termos estatutários a Incompatibilidade manifesta. -
"Consequentemente,o E. Conselho da OAB/AP soberanamente, ele
geu o Conselheiro Antônio Evaristo de Moraes Pilho para subs

368 má»
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tic o d e D ire ito

'iSonyA*^ » ^ 4 —

titui-lo. "O Dr. Evarlsto de Moraes já tomou posse há al


guns meses e vera desempenhando sua função com brilhantisjno."
"Ocorre que no último dia do prazo de 120 para extingflir o
prazo de impetracão de Mandado de Segurança, o Dr. Clóvia
Perro Costa o impetrou na 179 V ara Federal do Rio de Janeiro!
"A Ordem recebeu a notificação para apresentar as informa
ções e o juiz que preside o Mandado de Segurança concedeu li
minar, em parte, no sentido de que o cargo permanecesse va
g o;” nem o Sr. Clõvis Ferro Costa reassumiria imediatamente,
mas também o cargo permaneceria v a g o ” . "O juiz fora induzido
a e n o porque não recebera as informações existentes". "Dal de
signei o Conselheiro Pinheiro Machado Netto que havia sido
relator do Processo, para prestar as informações em m eu no­
me". "0 eminente Conselheiro Pinheiro Machado explicou ao
juiz levando as provas concretas: fotocópia do termo de po£
se e o telegrama da OAB/AP". ”0 Juiz, imediatamente, revogou
a liminar, sem evidentemente, prejudicar o estudo do mérito?
"Estou ccxnunicando este fato ao Conselho para que fique na
consciência de todos que imediatamente tomamos essas provi -
dências a fim de defender o Conselho Federal uma vez que o
Mandado d o Conselheiro Clóvis Ferr o Costa foi impetrado em
face de uma suposta ilegalidade que o Conselho teria come
tido." - C o m a palavra, o Conselheiro B. Calheiros Bomfim
esclareceu que o seu voto fora contrário ao do Relator, pois
o que se estava julgando naquela época^era uma consulta e
não um caso concreto. - 0 Presidente Hermann Baeta convidou
para tomar assento à Mesa o Presidente da OAB/MG, Dr. Sidney
Safe Silveira e, prosseguindo, declarou que "era com muita
honra que presidia a primeira reunião ordinária no Distrito
Federal." "Tinha ela um objetivo, uma razão de ser," "Folooa
decisão da Diretoria do E. Conselho Federal." "Esta convoca
ção foi feita no dia anterior da XI Conferência Nacional da
OAB,realizada em Belém,quando a Diretoria do Conselho, Drs .
Márcio Thomaz Bastos, Vice-Presidente, Dr. Arthur Lavigne,Se
cretário Geral, Moacir Belchior, subsecretário-Geral e eu ,
faltando apenas o Tesoureiro Dr. Othon Sidou que, por moti'

369
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil

- 5 -

vos pessoais não pudera comparecer ã Conferência e mais qua


se a totalidade de seus Presidentes Secionais, apenas dois
ou três estavam representados por seus Vice-Presidentes aplau
diram a idéia da transferência do Conselho Federal para a Ca
pitai da República." "Devo dizer que tenho minha opinião pes
soai. Mas o Conselho é soberano e acatarei sua decisão." -
"Entendo que já é tempo de transferir-se o Conselho Federal
para Brasilia." "Por isso, foi salutar a vinda dos Presiden
tes das SecionaiS para que, juntamente com os Conselheiros,
cheguem a uma solução adequada." "0 Conselho Secional de Bra
sília colocou a nossa disposição, em comodato, 20 salas va
zias e um grande salão que poderá ser adaptado para o plená­
rio," "Todos os Tribunais Supjsariores e entidades civis, como
por exemplo a CNBB,já estão na Capital da República." "Enten
do que não há nenhuma razão para protelarmos." "E a forma de
desencadear essa mudança seria a realização das reuniões ne^
ta Capital'.’"Esta e mais três com as quais encerraremos o ano
de 1966, e, uma ou duas no recesso, se for necessário, como
também será realizada nesta Capital a eleição da próxima
torja"."Sei que corro o risco de incompreensões." "Não, evi­
dentemente de W . Exas. mas de alguns advogados que, por uma
razão ou outra desejariam que o Conselho permanecesse no lu
gar onde não deve estar!"0 lugar do Conselho é aqui, na capi
tal da República, c omo determina a lei." "Sei que será um
trabalho árduo, mas aceito o desafio", "Primeiro devemos mu
dar o centro." "A infra-estrutura administrativa, a organiza
cão da Ordem, o funcionalismo, o material da ordem, são con
seqüência do poder decisõrio. Basta que o poder decisório se
mude para a Capital que estará realizada a mudança". "0 res_
to é conseqüência." "E nos temos condições, c om a ajuda da
Diretoria,de vs. Exas e dos advogados de, gradualmente,trans
ferirmos totalmente o Conselho." "E para isto, temos ainda
seis meses e quinze dias pela frente quando terminará nossa
gestão". - Em seguida, deu a palavra ao Conselheiro Ivan Pe
reira de Oliveira p ara que, como Presidente da Comissão, ma

370 m áM
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ire ito

3^1»^ —6—
nifestasse o pensamento daquela. Após, as ponderações e ex -
p U c a ç õ e s do Presidente da Comissão, foi concedida a palavra
ao Relator Dr. Moaclr Belchior. Este votou pela transferên­
cia Imediata para Brasília. Apôs o voto do Relator o Presi­
dente passou à discussão da matéria. Falaram: o Presidente
da OAB/PB, Antônio Vital do Rego,os Conselheiros Araaury Vas-
concellos. Munir Feguri, Carlos Adauto Vieira, Celso medei
ros, este para apresentar projeto de Provimento determinando
a data da transferência para 19 de abril de 1987 e aspectos
assegurando os direitos dos funcionários do C.F.; o Conse
lheiro Sérgio F e r r a z , para declarar que o Estatuto não pre
via Provimento para esta matéria; Hesmone Saraiva Grangeiro,
B. Calheiros Bomfim, Guaracy da Silva Freitas, apresentando
proposta, Sylvlo Braz Presidente da OAB/CE, Paulo Sérgio Lei
te Fernandes, Joaquim Corrêla de Carvalho Jr., este d e c laran
do que a mudança só seria efetivada no dia em que a Direto­
ria e a administração estivessem em Brasília, fixando a data
para a mudança para 31 de março de 1987; Francisco Guedes de
Amorim, Sidney Safe Silveira, Presidente da OAB/MG, José La
martine Corrêa de Oliveira, este solicitando que ficasse re
gistrado em ata que a mudança só alcançaria seus objetivos
no dia em que as Secionais elegessem seus delegados ,residen
tes e m seus respectivos Estados; o Conselheiro Lulz Cruz de
Vasconcelos, sugerindo que a data ficasse em aberto à deijL
beraçâo da Diretoria. Os Conselheiros Celso Medeiros e Gua
racy d a Silva Freitas retiraram suas propostas. - Retomando
a palavra o Relator declarou que iria incorporar a seu voto
a proposta de Joaquim Correia de Carvalho, fixando a data,f^
cando da áeguinte maneira a conclusão de seu voto: "voto no
sentido de que o Conselho Federal aprove a realização de
suas sessões na Capital da República a partir desta d a t a ,ut^
lizando-se as instalações cedidas, em comodato, pela OAB/DF,
a£e que o Conselho tenha sua própria sede, ficando a Direto­
ria autorizada a tomar as medidas necessárias para a mudança
definitiva da administração, dos funcionários, dos móveis e

m àM 371
_____________ História da
Ordem dos Advogados do Brasil

utensílios como entender de direito, efetivando-se até o dia 31


de março de 1987. Antes de colocar a matéria em votação, o Pres^
dente leu mensagem,de apoio ã transferencia,das seguintes Secci^
onais : Pernambuco, P i a u í , Mato Grosso do Sul, M ato Grosso,San
ta Catarina, são Paulo, Paranã, Rio Grande do Sul, Maranhão, Dijs
trito Federal, Bahia, Pará, Paraíba, e também da Caixa de Assis-
Tência de São Paulo e do Procurador Geral de Goiás. 0 Presidente
em seguida, solicitou ao Secretário-Geral que fizesse a colhei­
ta de votos, pois havia divergência de propostas; uma deixava em
aberto a data da transferência,à deliberação da Diretoria e a ou­
tra, fixava data. O Presidente , então, pedia ao Relator, Cons.
Moacyr Belchior, que iesse , novamente, o seu voto. Apôs a leitu
ra, foi o mesmo aprovado , por iniciativa do Cons. Ivan Pereira
de Oliveira e s o b os aplausos do plenário. O Presidente declarou
transferida a sede do Conselho Federal para Brasília, até o dia
31.03.87. Dado o adiantado da hora, o Presidente Hermann Baeta
deu por encerrada a sessão. Do que, para constar, eu , Arthur La
vigne, Secretãrio-Geral, mandei lavrar a presente ata que, apôs
conferida, vai por mim assinada e pelo senhor Presidente aprova -
da.

/' ARTHUR LAVIGNE


Secretãrio-Geral

APROVADA

NOTA: As manifestações dos Srs. Conselheiros , referidas nesta ata,


encontram-se , na Integra, nas Notas Taquigrâficas da sessão, e
estão ã disposição dos Srs. Conselheiros no Arquivo deste Conse
Iho.-

372 m áM
V o lum e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico d e D ire ito

ANEXO VII
Escritura pública de doação do im óvel para a instalação
da OAB /C F em Brasília, feita pela União Federal,
através da Companhia Urbanizadadora
da nova Capital do Brasil - NOVACAP

m áM 373
_____________ História da
O rd e m dos Advogados do Brasil

•ôô f OMCio 4 .*.

^CARTÚRIO do 19 OFICIO OE NOTAS:

LIVRO 1384
ESCRI TURA P U B L I C A DE DOAÇÃO DE
IMÓVEL QUE ENTRE S I FAZEM ACOMPA
N H I A URBANIZAOORA DA NOVA C A P I T A L
DO B R A S I L - NOVACAP E 0 CONSELHO
FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS
DO B R A S I L , NA FORMA A B A I X O : — :

SAI BA M q u a n t o s a p re se n te e s c ritu ra p ú b lic a de doação v ire m que,


f aos q u a t r o (04) d ia s d o mê s d e fe v e re iro , do ano d e hum m i l
n ove ce n to s e o ite n ta e se te (1987 ), nesta c id a d e de B r a s í l i a , C^
p ita i da R e p ú b li c a F e d e ra tiv a do B r a s i l , em m eu C a r t o r i o , peran
te m im , T a b e liã o do 1» O f í c i o de N o t a s , d esta C a p ita l, com parec^
ram p a r t e s , entre si ju s ta s e co ntrata da s, a saber: de um l a d o ,
c om o o u t o r g a n t e doadora, a COMPANHIA URBANI ZAOORA DA NOVA C A P I T A L
DO B R A S I L - NOVACAP, em presa p ú b lic a , c om s e d e no S e to r de In d u s
tria e A b a s te c im e n to , E d ifíc io Novacap, nesta C a p ita l, in s c rita
no C a d a s tr o G eral de C o n t r i b u i n t e s do M i n i s t é r i o da Fa ze nd a sob
0 núm ero 0 0 .0 3 7 .4 5 7 /0 0 0 1 -7 0 , re pre se n ta da n este a to p e la sua s lj

cessora e m a n d a tá ria , na fo rm a do a r t i g o 2» da L e i número 5.8 6 1,


de 12 de d ez e m b ro de 1972 e do m a n d a to in s e rid o na A ta de sua
C o n s titu iç ã o , COMPANHIA I M O B I L I Á R I A DE B R A S Í L I A - TERRACAP, e m p r e
sa p ú b l i c a co m s e d e no S e t o r de A r e a s Is o la d a s N o rte, B lo co "F ",
E d ifíc io Terracap, nesta C a p ita l, re g is tra d a na Junta C o m e rcia l
do D i s t r i t o F ederal sob o número 5350000034-8, in s c rita no C ada^
tro G eral de C o n t r i b u i n t e s do M i n i s t é r i o da F a z e n d a sob o número
0 0.3 5 9 .8 7 7 /0 0 0 1 -7 3 , repre se n ta da neste a to na pessoa de seu Pre
s id e n te e D ire to r C o m e rc ia l, respondendo c u m u la tiv a m e n te , NOEL
BATISTA, b ra s ile iro , casado, e c o n o m is ta , p ortad o r da c a r t e i r a de
id e n tid a d e número 160.512-S E P -DF , in s c rito no CPF/MF s o b o núme
ro 0 46 .28 7 .4 81 -8 7 , re s id e n te e d o m ic ilia d o nesta C a p ita l, n a SQS
203, Q lo co A, a p a rta m e n to 103, e p e lo C hefe da D iv is ã o J u ríd ic a ,
M AU RÍ CI O DUTRA DE MORAES, b ra s ile iro , casado, advogada, p ortador
da c a r t e i r a de id e n tid a d e número 6 3 . 8 0 9 - 0 F S P - 0 F , in s c rito n o CPF
MF s o b 0 n ú m e r o 0 1 0 . 5 2 6 . 9 1 1 - 5 3 , re s id e n te e d o m ic ilia d o t a mb ém
nesta C a p ita l, na QI 01, C o n ju n to 04, casa 16, Lago S u l , que con
fe riu a p re se n te e a achou conform e; e ,d e o u tro la d o , c om o ou*
to rg a d o d o n a tá rio , CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRA
S I L , co m s e d e p ro v is ó ria n a Av e i 3 N orte, Q uadra 516, B loco

374 má»
V o lu m e 5 D a R edem ocratização ao Estado D e m o c rá tico de D ireito

f u M - a 6 0 4 ' « I. A lo l* >8 - F s n a i 2 7 S -2 I 5 0
' c a r t ó r i o do 1 9 0 F l t l 0 DE NOTAS;
A w W 9n«: g TQ3 »l A - W 35

B, lo te 07, 4B andar, n esta C a p ita l, in s c rito no C ad a stro G eral


de C o n t r i b u i n t e s do M in is té rio da Fazenda sob o núm ero .......................
3 3 .2 0 5 .4 5 1 /0 0 0 1 -lfl,re p re s e n ta d o neste a to na fo rm a expressa no
fin a l d esta ; to d o s os p re se n te s são pessoas m in h a s c o n h e c id a s £
d ia n te nomeadas e a s s in a d a s , do que dou fé . E, p e la ^o u to rg a n te
doadora me fo i d ito : I) Que é senhkra ú n ic a e le g ítim a p ossu id o
ra, a J u s to titu lo e boa fé , em m a n s a e p a c ífic a posse, do lo te ^
m ento d e n o m in a d o : S e to r de A u ta rq j^ a s Sul - S A U /S U L, co nform e
m o rla l e p la n ta do lo te a m e n to , in s c rito s no C a rto rio do 1» O f^
c io de R e g i s t r o de Im ó v e is , desta C a p ita l, em 0 9 de Ju nh o de 1969
à fo lh a 50 do liv ro 8-C , sob o núm ero 06, A verbação 06; II) Qu e
do re fe rid o lo te a m e n to fa z p a rte o lo te núm ero 02 (d o is ) da Qu^
dra 05 (c in c o ), m e din do : 1 5,00 m e tro s p e lo s la d o s N o rte e Sul e
45,00m p e lo s la d o s Leste e O e ste , p erfaze n d o a área de 675,00 m2
(s e is c e n to s e s e te n ta e c in c o m e tro s quadrados), lim ita n d o -s e pe
lo s la d o s N orte e Sul com área p ú b lic a , p e lo la d o L e ste com o lo
te 01, da me sma q u a d r a e s e to r e p e lo la d o O e ste com v i a p ú b lic a
III) P e la o u to rg a n te doadora, me fo i d ito a in d a que, d evid a m e n te
a u to riz a d a p e la sua D ire to ria e C o n s e lh o de A d m in is tra ç ã o , e m
suas 1058a. e 1002a. SessSes, re a liz a d a s em 1 b d e d e z e m b r o d e 1 9 8 6
e 04 de dezem bro de 1966, re fe re n d a d a p e lo s r e p r e s e n t a n t e s d o acio
n is ta da U N i A O F ED ER AL e do D IS TR IT O FEDERAL, de c o n f o r m i d a d e com
a 61a. A ta da A s s e m b lé ia G eral E x tra o rd in á ria da T e rracap, re a l^
zada aos 11 de dezem bro de 1986, n este a to e v ia d este instrum eni
to v em d o a r , como de fa to doado tem ao o u to rg a d o d o n a tá rio , CON
SELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO B R A S I L , 0 im ó ve l Já des
c rito e c a ra c te riz a d o na p res e n te , tra n s fe rin d o -lh e por e s ta e£
c ritu ra e na m e lh o r fo rm a de d ir e ito , to d o d o m ín io , posse e ação
que tem sobre o im ó v e l ora doado, para que n e le s e ja in s ta la d o o
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO B R A S I L , n e s t a C a p i t a l ,
para as e d ific a ç õ e s n e c e s s á ria s ao a te n d im e n to de suas fin a lld £
des e s ta tu tá ria s , In v e s tin d o -o na sua posse p le n a , para que do
re fe rid o te rre n o possa o d o n a tá rio usar e fru lr, como seu que
ca sendo, o b rig a n d o -s e a dar a d e s tin a ç ã o o ra e s ta b e le c id a ; IV )
D is s e a in d a a o u to rg a n te ddadora, que o d o n a tá rio não p od e rá a l i £
nar, lo c a r ou e m p re sta r, a q u a lq u e r títu lo o' i m ó v e l o ra doado,
sob pena de revogação desta doação, e a in d a , na h ip ó te s e de ven
d ê -lo para me sma d e s t i n a ç ã o , o que so m en te poderá ser f e i t o • com

375
História da
O rd e m dos Advogados d o Brasil J

DZi.nl;iA
_________________ TABELIÃO MAUWi Ct O O O M E ^ S y " l E M O ' ^ *

LIVRO FOLHA

expressa a n u ê n c ia da doadora, se o b rig a a pagar a e s ta


a tu a liz a d o do te n e n o ; V) Que n o caso úe e x tin ç ã o ou tra n s fo rm ^
ção da e n tid a d e d o n a tá ria , fic a rá o te rre n o re v e rtid o à o u to rg a n
te doadora sem q u e c a ib a q u a lq u e r in d e n iz a ç ã o ou d i r e i t o de re te r^
ção do im ó v e l doado. P e lo o uto rg a d o d o n a tá rio me f o i d ito que a
c e lta a p re s e n te e s c ritu ra p re c is a m e n te como se e n co n tra redig_i
da, o b rig a n d o -s e a b em e fie lm e n te c u m p c l-ia por sl e seus suces
sores, sob pena de revogação da doação o ra fe ita e Im e d ia ta re,
versão do im ó ve l e re s p e c tiv a s b e n fe ito ria s a fa vo r da o uto rg a n
te doadora, in d e p e n d e n te m e n te de In te rp e la ç ã o ju d ic ia l ou e x tra
ju d ic ia l. E e ntã o p e la o u to rg a n te doadora fo i-m e d ito que, te n d o
0 o uto rg a d o d o n a tá rio a c e ito a p re se n te doação ta l como lh e é fe ^
ta , c o m pro m e te -se a fa z ê -la sem pre firm e , boa e v a lio s a , respon
dendo p e la e v lc ç ã o de d ire ito por si e seus sucessores. D á-se à
p re se n te o v a lo r h ls to rlc o de C z$ 5 .9 2 6 ,7 0 (c in c o m il, n ove ce n to s
e v in te e s e is cruzados_e se te n ta c e n ta vo s), fic a n d o e n te n d id o
desde já que to d a s as despesas d esta e s c ritu r» m mr »
m entos, ta xa s, im p o s to s , re g is tro , e tc ., co rr
outorga do d o n a tá rio . P e la o u to rg a n te doadora
sob re s p o n s a b ilid a d e c iv il e c rim in a l, que o
se nte não fa z p arte de seu a tiv o perm anente. ra zão p e la qual d el _
xa de ser a p re s e n ta d a a C e rtid ã o N e g a tiv a de Ii _
PAS, de acordo com o in c is o I I I , a rtig o 135, do D e çre to 9 0 8 1 7 , de
17 d e ja n e iro dé 1985; e que in e s is te m ações de q u a lq u e r n atu re
za sobre o im ó v e l ora doado, cémo p r e c e l t u a o p a rá g ra fo 38, in c ^
so V, a rtig o 18, do D e cre to 93240, de 09 de s e te m bro de 1986. E,
de como a s s im o d is s e ra m , do que dou fé , me p e d i r a m lh e s la v ra ^
se a p re s e n te , a qual fe ita e lh e s sendo lid a em v o z a l t a , aacha^
ram c o n f o r m e , a c e ita ra m , o uto rg a ra m e a s s in a m . E m itid a 00I - oe
c la ra ç ã o sobre O peração Im o b iliá ria , conform e In s tru ç ã o N orm a ti,
va núm ero 090 /85 , da S e c re ta ria da R e c e ita fe d e ra l. 0 CONSELHO
F ED ER AL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO B R A S I L é n e ste a to re p re se n ta
do por seu P re s id e n te , HERMANN A S S I S B A E T A , b ra s ile iro , casado,
advogado, re s id e n te e d o m ic ilia d o nn c id a d e do R io de J a n e iro -R J
P ra ia do F la m e rg :, 323, a p a rta m e n to 902, ora de passagem por es
ta C a p ita l, p o rta d o r d: c é d u la de id e n tid a d e no 1 2 . 128-OAB-RO ,
in s c rito no CPF/MF sob o núm ero 0 4 6 . 1 7 5 .0 8 7 - 8 7 , nos te rm o s do a£
tjg o 99 dt seu F stotuts, C a p ítu lo III e A ta da Sessão O rd in á ria '
\ I ilume 5 Da Redemocralização ao Estado Democrático de Direito

o ■ hl »■ lol« 35 f tt- SW

do C o n se lh o P le n o do C o n s e lh o F e d e ra l, de 1» de a b ril de 1985 .
O e ixa de ser pago o im p o s to de tra n s m is s ã o ” in te r-v iv o s ", d e
acordo c om o a rtig o 139 da Lei 4 .2 1 5 , de 2 7.0 4.63 , e in c is o III,
le tra "a” , a rtig o 19, da C o n s titu iç ã o F e d e ra l. Foram -m e apresen­
ta d o s e aqui fic a m a rq u iv a d o s os s e g u in te s d ocu m e n to s: C e rtid ã o
de Ações R e a is e P e s so a is R e ip e rs e c u tó ria s , e de Onus R e a i s , so
bre 0 im ó v e l doado, como p re c e iiu a o p a rá g ra fo 3=, in c is o V, ar­
tig o 10, do D e c re to 93240, de 0 9 .0 9 .8 6 ; C e rtid õ e s dos F e ito s
A ju iz a d o s , de que tra ta a Lei 7433, de 1 8.1 2.85 ; C e rtid ã o N eg a te
va de T r i b u t o s Im o b iliá rio s núm ero 0 47 -3 7 .2 2 9 /8 7 , e x p e d id a p e lo
GDF a 2 3 . 0 1 . 8 7 , v á lid a a té 2 8.0 2.87 . Eu, M A U R Í C I O GOMES OE LEMOS
T a b e liã o , a fiz d a tilo g ra fa r sob m in u ta , l i, encerro e subscrevo
0 p re se n te a to , c o lh e n d o as a s s in a tu ra s , (a) M a u ríc io Go me s d e -
Lemos. Hermann A s s is B a eta . Noel B a tis ta . Noel B a tis ta . M a u ríc io
D utra de M o r a e s . NADA M A I S . E x tra íd a por c e rtid ã o n a me sma d a t a .
Eu , V a lte r T ó to li de M i r a n d a , A u x ilia r J u d lc iã
r-íí, a d a tilo g ra fe i. E eu ^ ,
"o'- , 'i^ íiíjl, «* wr« --- Vb:-**'
> ; . * í> -5*-^ * - '.i*‘ * ♦’»•<» \* ^ “%»» '^íí**
1 J V v ' j.- p ' ■'V :> A» ^
■ ’> Í - r c ; -- - - ■■: . ; ; . , ; j ; ?
*’ ! c jf*»* * ■*- ;r - ?"?'

'f - .V . > i5 i|V

'? x 7 'J y /

T
% .'2 . f '. '

4 :"

. ' t r; T c . - . í r"
4í' « 0 3 B 0 » * # W R N N
? - ír .
’■*’?
\

%< % #

t á >

4. ‘
- . ; t ' , .

.« '6 . : v r '

"íí
*
«7 •
#

. / . tf V f ' t ií*
sB
e ' ( 'f < s*' ’' \ " ’V Ê

I
MEm BSBEBgW m Ra
i
M M 4' •» N#B
i^íe-
í .j •> ^
.?■
# 3 ' » í^*r' •' -

•''*»' '* '* A


* *, V
V
M N B m m E a M S ^<'r'í'
v\ -
i# U ^
7\'| *'* t p** '•-
*^*^f* í. _ V ^
,í w
4b i 0 g jW ' *4^' . ' r *‘ ' ' r
& ; - " ' ' " . .T
. -í fí*^ / ' ' n . .: <
g H 9 B 9 g = ^
sS^
f li^ ; r
- k*.

■^K
t? "T ("^

. 1 f
; -«I *■ ' s '.' » '*«••
~ aB

> íf ^
g% # 3P #&
M ,. *
N K ^
# g j K
* %. ? í" : ■ ;
; •1 'r> N 09M 0#K
*-►»

A
l:-
■t
. iví «t.

/» - »*
WE' A.
,4

/:> . " 4 r .;r.


yA
4
’ S ' »
,, ! ' f > / ' í*
V
í

, ',i.! - . J . ».V
,«• % , í ■*

W o B # '
; . ' V ; .'

* • << ,*1 ~ f f » #1
lA O K A i 0 * ^ 5 4
' y*?
>
< •*
\ S :>' .':.' ' ' ' - « -••Íí

w ‘ Kif". ff

i '. 'v f i ’ ■

: X%>!

X * '
' ** .s » , íil

L vi*
?*‘í .■

. '• - r .,
i ' - I'

'•>“ ' 'v'*

*' " v ;
'^ S l
ÍK
««. ) %*

», *
0H

#
frste livro alirange um dos p(’ríoHos mais complexos da
história cio Brasil, no qual a Ordem dos Advogados se envolveu
de forma vibrante e construtiva.
Alguns destaques devem ser feitos no sentido de
despertar a atenção dos leitores, especialmente dos
profissionais do Direito, para fatos singulares ocorridos, dos
({uais já extraímos algumas lições e que poderão produzir
novos ensinamentos. Ei-los: Edição do Estatuto de 1963; Golpe
de Estado de 1964; Mudança da OAB para Brasília; Campanha
pelas Diretas já e Constituinte; e Explosão da bomba na OAB.
Ressalte-se que, neste período conturbado, a Ordem dos
Advogados sempre exerceu o seu papel político-institucional,
não só porque não se omitiu, mas, ao contrário, pelo fato
do ter protagonizado açÕes corretas e justas à frente dosÀ
acontecimentos.

Você também pode gostar