Você está na página 1de 13

07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

Acórdãos Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães


TRG
Processo: 170/19.4GAVRM.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE DO CONCURSO
PASSADO CRIMINAL DO ARGUIDO
Nº do RG
Documento:
Data do 13-07-2020
Acordão:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral:S
Meio RECURSO PENAL
Processual:
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações SECÇÃO PENAL
Eventuais:
Sumário:
I - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou,
anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, é condenado numa única pena, nos
termos dos Artºs. 77º e 78º do Código Penal.
II - Na determinação da pena única devem ser considerados, em conjunto, os factos e a
personalidade do agente, em consonância com o estabelecido no Artº 78º do Código Penal,
devendo também o tribunal ter em consideração os critérios gerais contidos no Artº 71º do mesmo
diploma legal.
III - As condenações sofridas pelo arguido, não incluídas no cúmulo jurídico, devem ser tidas em
consideração na determinação da pena única, pois que relevam enquanto elementos
demonstrativos do percurso criminal do agente, com manifesto interesse para a correcta
apreensão da evolução da sua personalidade, designadamente quanto à sua propensão criminosa,
sendo elemento necessário e até imprescindível para a apreciação das exigências de prevenção
especial.
Decisão Texto
Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de
Guimarães

. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Sumário nº 170/19.4GAVRM, do Juízo de Competência


Genérica de Vieira do Minho, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, o arguido F.
C., solteiro, sem profissão conhecida, filho de F. J. e de M. C., nascido em - de Maio
de 1997, natural da freguesia de …, concelho de Braga, residente no Rua …, Braga,
actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Braga, por factos ocorridos em
12/07/2019, foi condenado por sentença de 09/09/2019, transitada em julgado em
09/10/2019, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação
legal, p. e p. pelo Artº 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 12
(doze) meses de prisão efectiva.
*
2. Em virtude de essa pena estar numa relação concurso com a pena que lhe havia
sido aplicada no âmbito do Processo Sumário nº 37/19.6PEBRG, do Juízo Local
Criminal de Braga, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, nos termos do
disposto no Artº 472º, do C.P.Penal, foi realizada a audiência para efectivação do
respectivo cúmulo jurídico, sendo que, por sentença de 02/12/2019, depositada no
mesmo dia, foi o arguido F. C. condenado na pena única de 20 (vinte) meses de prisão
efectiva.
*
3. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido F. C. interpor o presente recurso,
cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição (1)):

“A) Procedendo-se ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas no âmbito dos
presentes autos e no processo nº 37/19.6PEBRG, Juízo Local Criminal de Braga, veio
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 1/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

a ser aplicada ao Recorrente a pena única de 20 (vinte) meses de prisão efectiva;


B) Pode considerar-se que o núcleo essencial do ilícito global é constituído por crimes
de condução de veículo sem habilitação legal, e, portanto, por crimes de menor
gravidade;
C) Na ponderação do ilícito global personalidade ao arguido e sua projecção nos
crimes praticados com o devido respeito, a pena fixada é desajustada. Não acatando
os critérios fixados no art 77º do Código Penal:
D) A pena cumulada deveria ser inferior a 20 meses de prisão efectiva;
E) Os crimes pelos quais o Recorrente foi condenado não assumem grande
variedade, uma vez que na sua maioria se trata da prática de crime de condução de
veículo sem habilitação legal;
F) É mediana a ilicitude, denotando a matéria fáctica provada uma personalidade não
desconforme relativamente aos valores que regem a sociedade;
G) São medianas as exigências de prevenção geral;
H) Deve ter-se presente que a finalidade da pena não é desfazer e nem atormentar o
condenado, mas impedir que cause novos delitos aos seus concidadãos e demover os
outros de assim agirem;
I) Não obstante a moldura penal se situar entre um limite mínimo de 14 meses e
máximo de 26 meses, a pena de 20 meses de prisão peca por excesso e, assim não
deve ser mantida.
J) A facticidade provada não permite formular um juízo específico sobre a
personalidade do arguido que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria
natureza dos factos praticados e mesmo concatenada com as condenações
anteriores, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que respondeu,
não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global
seja produto de tendência criminosa do Recorrente;
K) Ademais no Estabelecimento Prisional no qual o Recorrente se encontra a cumprir
pena à ordem de outro processo, tem dado sinais positivos no sentido da sua
recuperação e reintegração social, demonstrado motivação para efectuar inscrição
para frequentar o 3º ciclo no estabelecimento prisional e neste momento frequenta a
escola;
L) O Recorrente continua inscrito no CRI Braga e aguarda o agendamento de nova
consulta sendo que no estabelecimento prisional está a ser acompanhado pela
terapeuta do Projecto Homem, Comunidade Terapêutica a operar no EP;
M) O Recorrente sinaliza como principal impacto da presente situação jurídico-penal a
perda da liberdade;
N) Valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade das
factos e a sua relacionação com a personalidade do arguido, tendo em conta a
moldura do concurso que vai de 14 a 26 meses de prisão, atendendo ao conjunto dos
factos, a conexão entre eles com similitude do modo de execução de conduta,
consequências da conduta do Recorrente, é de concluir por um mediano grau de
demérito da conduta deste, entendendo-se ser de fixar uma pena única inferior àquela
que foi fixada;
O) O Arguido está plenamente consciente das dificuldades inerentes à sua
recuperação da toxicodependência e todos os desafios que terá de enfrentar no
entanto está confiante que é esse o caminho que pretende seguir de ora em diante;
P) O Arguido porque sabe que a escolaridade é essencial para a sua futura
reintegração social está motivado para efectuar inscrição para frequentar o 3º ciclo no
estabelecimento prisional e neste momento frequenta a escola;
Q) O Arguido ainda é muito jovem pelo que a sua plena reintegração social, com a
consequente recuperação para a sociedade, ainda é possível;
R) A condenação do Arguido numa pena única em cúmulo Jurídico de 20 meses de
prisão não tem em consideração de forma atenta todas as circunstâncias supra
expostas nem visa a reintegração e reabilitação social do Arguido;
S) Para que a reintegração e reabilitação social do Arguido venha a ser uma realidade
não basta apenas que aquele seja punido pelos crimes que cometeu mas também que
se tenha em consideração a pessoa singular o comportamento actual, sendo
imperativo que lhe seja dada outra oportunidade de recomeçar;
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 2/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

T) Pelo que salvo o devido respeito, verifica-se uma inadequada ponderação de todas
as circunstâncias pessoais e de facto quer passadas quer actuais, do Arguido
conforme estabelecido no Artº 77º, nº 1 do Código Penal;

Sem prescindir,

U) Analisando os factos constata-se que entre os crimes objecto do cúmulo jurídico se


verifica conexão, que decorre do facto de aos mesmos se encontrar subjacente um
denominador comum, qual seja o tratar-se de crimes da mesma natureza;
V) A simples censura e a ameaça das penas aplicadas aos crimes em concurso
realizarão de forma adequada o suficiente as finalidades que às mesmas subjazem;
W) A pena única a aplicar por este Venerando Tribunal em pena inferior ao fixado pelo
Tribunal a quo deve ser suspensa na sua execução pelo período que se considere
adequado e justo, posto que a simples censura e ameaça da mesma realizam de
forma adequada e suficiente as finalidades da punição artigo 50°, nº 1 do C.P. - ainda
que a suspensão tenha de ser acompanhada de regime de prova;
X) Deve ser fixada ao recorrente pena conjunta inferior à aplicada pelo Douto Tribunal
a quo e, de seguida, ser suspensa na sua execução pelo período adequado e
ajustado ao casa presente, ainda que tal suspensão seja acompanhada de regime de
prova;
Y) Decidindo como decidiu, o Douto Tribunal a quo violou, entre outras, as normas dos
artigos 97°, nº 5, 374°, n° 2 in fine, 379º n°s 1, aI, a) e c); 410° n° 1 e 3; do C.P.P.
artigo 40°, 50°, 70º; 71° 72° n.°1 e 77° do Código Penal.

TERMOS EM QUE,

Nos melhores de direito e com mui douto suprimento de VOSSAS EXCELÊNCIAS,


deve conceder-se provimento ao presente Recurso e, em consequência:

a) Considerar-se que a pena única de 20 meses de prisão efectiva, em cúmulo


jurídico, se mostra desajustada ao caso concreto, considerando-se adequada a
aplicação da pena inferior àquela que foi aplicada pelo Douto Tribunal a que e acima
identificada;

Sem prescindir,

b) Deve ser fixada ao recorrente pena conjunta inferior à aplicada pelo Douto Tribunal
a quo e ser a mesma suspensa na sua execução pelo período adequado e ajustado
ao caso presente, ainda que tal suspensão venha a ser acompanhada de regime de
prova, assim,
fazendo, como sempre, serena e objectiva.
JUSTIÇA.”.
*
4. Na 1ª instância a Exma. Procuradora da República respondeu ao recurso,
pugnando pela sua improcedência, rematando a sua peça processual com as
seguintes conclusões (transcrição):

“1- A douta sentença cumulatória recorrida, aplicou ao arguido a pena de 20 meses de


prisão efectiva, por ser a pena mais ajustada e adequada, à gravidade e persistência
do arguido em delinquir.
2- A pena de 20 meses de prisão, aplicada em cúmulo jurídico de penas é ajustada e
não excessiva.
3- A gravidade dos factos, os antecedentes criminais e personalidade demonstrada
pelo arguido, impunham a aplicação da pena de prisão efectiva.
4- O estado de perturbação psíquica e a adição do arguido à toxico dependência,
impunha a aplicação de prisão efectiva, pois só esta acautela as necessidades
elevadíssimas de prevenção especial, que no caso concreto se fazem sentir.
5- No caso concreto a suspensão da execução da pena de prisão, não teria qualquer
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 3/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

efeito, uma vez que o arguido não iria interiorizar o desvalor da sua conduta, como já
antes ficou demonstrado e em liberdade, dificilmente cumpriria qualquer regime de
prova imposto, desde logo a realização de tratamento à sua adição.
6- Assim, a decisão recorrida não merece qualquer reparo devendo ser mantida nos
seus precisos termos.

Pelo exposto, deverá o presente recurso, ser declarado improcedente, confirmando-se


integralmente a decisão recorrida, com o que se fará a habitual
Justiça!”.
*
5. Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer,
subscrevendo a posição do Ministério Público na 1ª instância, e adiantando
pertinentes considerações sobre o assunto.
5.1. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal (2), não foi apresentada
qualquer resposta.
*
6. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos
à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas


conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as
questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo
das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2,
do C.P.Penal (3).

No caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente,


este coloca a este Tribunal as seguintes questões essenciais que importa decidir:

- Excessividade da pena única de prisão aplicada;


- Suspensão da execução da pena.
*
2. Mas, para uma melhor compreensão das questões colocadas, e uma visão exacta
do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo
deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal
factualidade.

2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):

“1- Por sentença proferida em 11/06/2019, no Processo 37/19.6PEBRG transitada em


julgado em 24/09/2019, foi o arguido condenado pela prática, em 12.05.2019, de um
crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 2 do
Decreto-Lei 2/98, de 03.01, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, por:

- No dia 12 de Maio de 2019, pelas 23H00M, na Avª ..., União de Freguesias ..., ..., em
Braga, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula JN,
sem que fosse titular de carta de condução ou de documento que o habilitasse a
conduzir aquele tipo de veículo.
- O arguido sabia que, por não se encontrar legalmente habilitado, não podia conduzir
o veículo na via pública.
- O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta
era proibida e punida por lei.
2- Por sentença proferida nestes autos em 09/09/2019, transitada em julgado em
10/09/2019 (4), foi o arguido condenado pela prática, em 12.07.2019, de um crime de
condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei
2/98, de 03.01, na pena de 12 (doze) meses de prisão efectiva, por:
- No dia 12.07.2019, pelas 16:25 horas, o arguido F. C. conduziu o veículo de
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 4/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

matrícula IL, na Rua ... - ..., freguesia de ..., concelho de Vieira do Minho, sem que
para tal estivesse legalmente habilitado;
- O veículo supra identificado é propriedade da arguida C. F., a qual permitiu ao
arguido F. C. que conduzisse o referido, entregando-lhe a chave e o próprio veículo,
para que o conduzisse na via pública, apesar de saber que o mesmo não tinha carta
de condução, seguindo no referido veículo nas circunstâncias de tempo e lugar
mencionadas, como passageira.
3. Ambos os arguidos sabiam que o primeiro não tinha carta e, por conseguinte, não
estava habilitado ao exercício de condução de veículo a motor na via pública e ainda
assim actuaram com vista a esse propósito.
4. O arguido F. C. agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a
sua conduta era proibida e punida por lei.
3- O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido já condenado:
- Por sentença de 26.05.2015, transitada em julgado em 02.05.2016, no processo
sumário nº 30/15.8PEBRG do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz3), foi condenado
pela prática, em 12.05.2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena
de 120 dias de multa à taxa de € 5,00, a qual se mostra extinta;
- Por sentença de 02.03.2016, transitada em julgado em 04.04.2016, no processo
sumário nº 570/15.8PCBRG do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 3), foi condenado
pela prática, em 30.05.2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena
de 90 dias de multa à taxa de € 5,00, a qual se mostra extinta;
- Por sentença de 14.08.2015, transitada em julgado em 30.09.2015, no processo
sumário nº 54/15.5PFBRG do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 1), foi condenado
pela prática, em 04.08.2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena
de 210 dias de multa à taxa de € 5,00, a qual se mostra extinta;
- Por sentença de 26.08.2015, transitada em julgado em 02.10.2015, no processo
sumário nº 1437/15.6PBBRG do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 1), foi condenado
pela prática, em 11.08.2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena
de 240 dias de multa à taxa de € 7,00, a qual se mostra extinta;
- Por sentença de 03.12.2015, transitada em julgado em 27.01.2016, no processo
comum singular nº 805/15.8PBBRG do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 1), foi
condenado pela prática, em Abril de 2015, de um crime de furto simples, na pena de 7
meses de prisão, suspensa por 1 ano, a qual se mostra extinta;
- Por sentença de 17.02.2016, transitada em julgado em 18.03.2016, no processo
comum singular nº 216/15.5GCBRG do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 3), foi
condenado pela prática, em 29.04.2015, de um crime de condução sem habilitação
legal, na pena de 225 dias de multa à taxa de € 5,00;
- Por sentença de 07.03.2016, transitada em julgado em 28.03.2016, no processo
sumaríssimo nº 1410/15.4PBBRG do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 3), foi
condenado pela prática, em 05.08.2015, de um crime de furto qualificado, na pena de
250 dias de multa à taxa de € 7,00, a qual se mostra extinta;
- Por sentença de 20.10.2016, transitada em julgado em 21.11.2016, no processo
comum singular nº 883/15.0PBBRG do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 2), foi
condenado pela prática, em 12.05.2015, de um crime de furto simples, na pena de 1
ano e 8 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, a
qual se mostra extinta.
- Por Acórdão de 11.07.2018, transitada em julgado em 25.03.2019, no processo
comum colectivo nº 340/15.4PCBRG do Juízo Central Criminal de Braga (Juiz 3), foi
condenado pela prática, em 02.04.2015, de um crime de furto qualificado, na pena de
1 ano e 7 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo,
com regime de prova.
- Por Acórdão de 13.04.2018, transitada em julgado em 14.05.2018, no processo
comum colectivo nº 1008/14.4T9BRG do Juízo Central Criminal de Braga (Juiz 4), foi
condenado pela prática, em 17.05.2015, de um crime de falsificação ou contrafacção
de documento agravada e um crime de burla qualificada, na pena de 2 anos cuja
execução foi suspensa por igual período de tempo, com regime de prova.
- Por sentença de 30.10.2018, transitada em julgado em 30.11.2018, no processo
sumário nº 423/18.9GBPVL do Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 5/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

(Juiz 1), foi condenado pela prática, em 30.10.2018, de um crime de condução sem
habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 2 anos;
4- F. C. tem origem numa família de reduzidos recursos económicos, constituída pelos
pais e quatro filhos, sendo o arguido o mais velho dos irmãos.
5- O seu processo de crescimento decorreu num contexto familiar desestruturado,
cuja dinâmica foi marcada pelas dificuldades económicas do agregado, devido à
situação de desemprego com que os pais se confrontaram ao longo dos anos, o que
tem determinado a intervenção/apoio das estruturas sociais da comunidade.
6- O processo de escolarização de F. C. iniciou-se em idade normal, mas apenas
concluiu o 6º ano de escolaridade aos 14/15 anos de idade, revelando reduzido nível
de motivação para as aprendizagens. Posteriormente iniciou um curso de formação
profissional de cabeleireiro, que lhe permitiria obter a certificação do 9º ano de
escolaridade, mas desistiu, sem concluir a formação
7- Ao nível profissional, o arguido não tem qualquer qualificação ou experiência, tendo
vivido numa situação de inactividade.
8- Os seus tempos livres eram passados com o grupo de pares, com os quais se
iniciou no consumo de haxixe, passando depois para o consumo da cocaína em 2015,
sob a influência dos amigos com os quais convivia regularmente.
9- O arguido durante alguns meses deixou de residir no agregado familiar de origem,
apesar de continuar a manter pontualmente contacto com os pais e se deslocar a sua
casa, apenas para receber alguns bens alimentares, já que a mãe recusava acolhê-lo
na habitação.
10- O arguido residia em parte incerta e mantinha o comportamento aditivo.
11- Desde que se encontra em reclusão tem o arguido vindo a manifestar uma
reaproximação afectiva à família de origem.
12- No estabelecimento prisional assume um comportamento instável, tendo sido alvo
de medidas disciplinares, a última das quais por posse de objecto não autorizado
(telemóvel).
13- Habilitado com o 6º ano de escolaridade, F. C. demonstrou motivação para
efectuar inscrição para frequentar o 3º ciclo no estabelecimento prisional, e neste
momento frequenta a escola.
14- F. C. continua inscrito no CRI – Braga e aguarda o agendamento de nova
consulta.
15- No estabelecimento prisional está a ser acompanhado pela terapeuta do Projecto
Homem, Comunidade Terapêutica a operar no EP.
16- No meio de residência dos pais e segundo residentes no meio, o arguido era visto
por vezes na referida área e aí é associado à problemática aditiva e ao envolvimento
em alguns comportamentos associais.
17- F. C. sinaliza como principal impacto da presente situação jurídico-penal a perda
da liberdade.
18- Apesar dos vários contactos com o sistema judicial, F. C. tem manifestado
dificuldades em reorientar o seu percurso de vida normativamente, e manter
duradouras e consequentes, as alterações na sua gestão pessoal e relacional.
19- Trata-se ainda de um indivíduo que denota um frágil poder reflexivo face ao seu
percurso delituoso, que minimiza e desculpabiliza pelo comportamento aditivo que
mantém desde há vários anos e cujo tratamento negligenciou.
20- O arguido apresenta um historial de consumo problemático de estupefacientes,
que tem desvalorizado nos últimos anos, referindo agora, em contexto prisional, a
intenção de retomar o acompanhamento terapêutico, através de consultas no CRI de
Braga e Projecto Homem.”.
*
2.2. Considerou inexistirem factos não provados.
*
2.3. E motivou a essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):

“O tribunal formou a sua convicção no teor da certidão da sentença proferida no


processo 37/19.6PEBRG constante a fls.129 a 134.
O tribunal valorou, ainda, o teor do certificado de registo criminal de fls. 135 a 149 dos
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 6/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

autos.
Para prova dos factos atinente às condições de vida actuais do arguido o tribunal
atentou nos factos considerados provados nas referidas sentenças condenatórias,
relativos a tais aspectos, bem como no relatório social apresentado pela Direcção
Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, constante de fls.154 a 156 verso.”.
*
3. Posto isto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pelo
arguido no seu recurso.
Como se viu, na motivação e nas conclusões do recurso não questiona o arguido a
circunstância de ambas as penas que lhe foram aplicadas (no âmbito dos presentes
autos, e no âmbito do Proc. nº 37/19.6PEBRG, do Juízo Local Criminal de Braga, Juiz
2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga) estarem numa relação de concurso, nos
termos dos Artºs. 77º, nºs. 1 e 2, e 78º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, e que por isso se
impõe a aplicação ao recorrente de uma pena única, por se verificarem os respectivos
pressupostos, como bem se decidiu na sentença recorrida.
Sendo pacífico, pois, que ambas as penas estão numa relação de concurso.
Com efeito, insurge-se o recorrente, num primeiro momento, quanto à pena concreta
que resultou do cúmulo jurídico efectuada pelo tribunal a quo, que reputa de
excessiva, pugnando no sentido de este tribunal de recurso a fixar num quantum
inferior (mas que o arguido nem sequer quantifica) e, num segundo momento,
defendendo que tal pena conjunta deve ser suspensa na sua execução pelo período
adequado e ajustado ao caso presente, ainda que acompanhada do regime de prova.

Vejamos se lhe assiste razão.

Sob a epígrafe “Regras da punição do concurso”, dispõe o Artº 77º, nº 1, do Código


Penal:

“1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a


condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena
são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Prescreve, por seu turno, o Artº 78º, nº 1, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe
“Conhecimento superveniente do concurso”:

“Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente


praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as
regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no
cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.

Logo acrescentando o nº 2:

“O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja


condenação transitou em julgado”.

Segundo a lição de Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências


Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 290/292, para
além dos critérios gerais de determinação da medida da pena contidos actualmente no
Artº 71º do Código Penal, a determinação da pena conjunta será encontrada em
função deste critério especial: exigências gerais de culpa e de prevenção.

Afirmando o mesmo Autor, a esse propósito, no § 421:

“Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a
gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a
conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na
avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de
saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 7/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não


radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir
à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De
grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o
comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) ”.

Este modo de encontrar a pena conjunta de entre várias penas parcelares é também
descrito de forma paradigmática no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de
25/10/2007, proferido no âmbito do Proc. nº 07P3223, in www.dgsi.pt, em cujo sumário
se escreve:

“1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a


condenação por qualquer deles, é aplicada uma pena única conjunta determinada
atendendo, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente, mas são também
atendíveis os elementos a que se refere o art. 71º do C. Penal.
2 – Importa, então, ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o
concurso, atento o princípio de cumulação, a fonte essencial de inspiração do cúmulo
jurídico em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos
crimes singulares, construindo-se depois uma moldura penal do concurso, dentro do
qual é encontrada a pena unitária, mas não esquecer, no entanto, que o nosso
sistema é um sistema de pena única conjunta em que o limite mínimo da moldura
atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares, numa concessão
minimalista ao princípio da exasperação ou agravação.
3 – Nessa lógica, há que partir da pena parcelar mais grave e, considerando as
circunstâncias do caso, a personalidade do agente, as suas condições de vida,
caminhar em direcção ao somatório das restantes penas parcelares "comprimidas" em
função do limite máximo a ter em conta e da imagem global dos factos unificados pelo
concurso.
(...).
Posto isto, constata-se que a condenação sofrida pelo recorrente no âmbito dos
presentes autos reporta-se a um crime de condução de veículo sem habilitação legal,
quando o arguido, no dia 12 de Julho de 2019, pelas 16H25, conduzia o veículo de
matrícula IL, na Rua ... - ..., freguesia de ..., concelho de Vieira do Minho, sem que
para tal estivesse legalmente habilitado.
No que tange à condenação ocorrida no âmbito do Proc. Sumário nº 37/19.6PEBRG,
está também em causa a prática de um crime de condução sem habilitação,
consubstanciado no facto de, no dia 12 de Maio de 2019, pelas 23H00, na Avª ...,
União de Freguesias ..., ..., em Braga, o arguido conduzir o veículo automóvel ligeiro
de passageiros de matrícula JN, sem que fosse titular de carta de condução ou de
documento que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo.
Decorre das duas situações em apreço que estamos perante crimes da mesma
natureza, existindo bastante conexão temporal entre eles, já que praticados num
período de dois meses, demonstrando, porém, os respectivos factos uma ilicitude não
despicienda.
Por outro lado, são elevadas as necessidades de prevenção geral sentidas,
atendendo à frequência com que ocorre a prática deste tipo de ilícitos, bem como às
consequências decorrentes dos mesmos para a segurança da circulação rodoviária.
Da factualidade provada ressalta que o arguido agiu com dolo directo em ambas as
apontadas condutas, apresentando-se num elevado nível o grau de culpabilidade
demonstrado nesses factos.
Como muito elevadas são as necessidades de prevenção especial.
Pois, como se provou, para além destas duas condenações, o arguido já sofreu várias
outras (excluídas do presente cúmulo) pela prática dos mais variados crimes,
designadamente de natureza idêntica aos ora em causa, tendo cumprido já pena de
prisão efectiva, como nos dá conta o seu relatório social.
Importando realçar que as infracções ora em apreciação foram já cometidas depois de
o arguido ter sido condenado pela prática de crimes anteriores, alguns deles de
natureza semelhante a estes, e após ter sido solenemente advertido para respeitar os
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 8/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

bens jurídicos violados pelas suas condutas, o que constitui um factor agravativo.
Em conclusão, diremos que os crimes praticados, pela sua conexão, natureza e
persistência, denotam gravidade acentuada na violação dos bens jurídicos atingidos, e
a personalidade do arguido projectada nos factos e revelada por estes, associada ao
seu passado criminal, denota que o mesmo manifesta propensão para o crime.
Em face do exposto, a proporcionalidade entre a intensidade das consequências
pessoais da pena única e o interesse social na punição, revela que a pena concreta
de 20 (vinte) meses de prisão, numa moldura legal balizada entre os 14 (catorze)
meses e os 26 (vinte e seis) meses de prisão, mostra-se correcta, equilibrada e justa,
não merecendo qualquer censura, não se vislumbrando em que medida a
argumentação a propósito aduzida pelo recorrente seja susceptível de levar a uma
redução dessa pena única.
Ademais, na esteira da jurisprudência há muito sedimentada sobre o assunto, convém
não olvidar que, como se sublinha no recente acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 06/01/2020, proferido no âmbito do Proc. nº 25.16.4PJLRS.L2.S1 (5), “em
sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de
remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção
do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de
qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e
demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada
na lei”, o que “Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida
na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando
haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em
derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à
míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer
abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e
proporcionada”, o que, in casu, manifestamente não sucede.
Soçobra, pois, o recurso, nesta parte.

E quanto à pretendida suspensão da execução da pena única fixada?

Efectivamente, nos termos do Artº 50º, nº 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a


execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se,
atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta
anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que da simples
censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as
finalidades da punição”.
Como resulta deste preceito legal, a suspensão da execução da pena de prisão
depende da verificação de dois pressupostos: um formal, que exige que a pena
aplicada não seja superior a 5 anos de prisão; e um pressuposto material.
A este propósito, ensina Figueiredo Dias, ibidem, págs. 341 e sgts.: “pressuposto
material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do
agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável
relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo
– ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das
circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do
agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.

Acrescentando, assertivamente, o mesmo Autor:

“A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e


terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não
qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanóia» das concepções
daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de
«legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura
será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização,
traduzida na «prevenção da reincidência».
Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 9/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por


convicção ou por decisão de consciência (...). Mas já o está decerto naqueles outros
casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação,
conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à
revogação desta (...). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações
anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se
que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável -
mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a
concessão uma particular fundamentação (...).” (sublinhado nosso)

E termina a sua lição, neste particular aspecto, dizendo:

“Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz,


consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de
socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela
se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já
determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa,
mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por
estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em
liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”.
Há que referir, também, na esteira de Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal”
Anotado e Comentado, 14ª edição, Almedina, 2001, pág. 191, que a suspensão da
execução da pena de prisão não se traduz numa faculdade jurídica,
consubstanciando, antes, um verdadeiro poder-dever, ou seja de um poder vinculado
do julgador, que terá de decretar a medida em causa, na modalidade que se afigurar
mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os
apontados pressupostos.

Ora, no caso vertente, afigura-se-nos ser de afastar liminarmente a possibilidade de


suspensão da execução da pena única aplicada ao recorrente, não se vislumbrando
quaisquer razões para concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão
realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na verdade, in casu, muito embora se verifique o pressuposto formal para a aplicação
do instituto em causa, face à pena única aplicada ao arguido, cremos que o mesmo
será de afastar, como bem se decidiu na sentença recorrida.
Efectivamente, resulta claramente dos autos que o arguido evidencia total indiferença
face às consequências da sua actuação, repetida ao longo dos anos, como se alcança
do CRC junto ao processo.
Depois, importa ter presente as prementes exigências de prevenção geral, tendo em
conta a frequência com que no nosso País são praticados crimes de natureza
rodoviária, o que é atestado pelas negras estatísticas nacionais, que se podem
analisar, por exemplo, no último Relatório Anual de Segurança Interna publicado (6),
reportado ao ano de 2018, que nos dá conta de terem sido registados, nesse ano, um
total de 29.123 daqueles crimes.
Avultando, entre esses ilícitos penais, em segundo lugar (logo após os crimes de
condução de veículo em estado de embriaguez com uma TAS igual ou superior a 1,2
g/litro), os de condução de veículo sem habilitação legal, cujo número, naquele ano de
2018, atingiu uns impressionantes 9.305 casos. Crimes esses que, tantas vezes,
estão associados a graves acidentes de viação, que representam uma das maiores
causas de morbidade e de mortalidade, especialmente entre os jovens, com
gravíssimas consequências para os próprios, para terceiros, e para o conjunto da
nossa sociedade.
Por outro lado, são extremamente elevadas as necessidades de prevenção especial,
atentas as condenações penais que o arguido já sofreu.

Efectivamente, resulta dos autos que o arguido já foi julgado e condenado:

a) Por sentença de 26/05/2015, transitada em julgado em 02/05/2016, no âmbito do


www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 10/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

Proc. Sumário nº 30/15.8PEBRG, do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 3), foi
condenado pela prática, em 12/05/2015, de um crime de condução sem habilitação
legal, na pena de 120 dias de multa à taxa de € 5,00;
b) Por sentença de 02/03/2016, transitada em julgado em 04/04/2016, no âmbito do
Proc. Sumário nº 570/15.8PCBRG, do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 3), foi
condenado pela prática, em 30/05/2015, de um crime de condução sem habilitação
legal, na pena de 90 dias de multa à taxa de € 5,00;
c) Por sentença de 14/08/2015, transitada em julgado em 30/09/2015, no âmbito do
Proc. Sumário nº 54/15.5PFBRG, do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 1), foi
condenado pela prática, em 04/08/2015, de um crime de condução sem habilitação
legal, na pena de 210 dias de multa à taxa de € 5,00;
d) Por sentença de 26/08/2015, transitada em julgado em 02/10/2015, no âmbito do
Proc. Sumário nº 1437/15.6PBBRG, do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 1), foi
condenado pela prática, em 11/08/2015, de um crime de condução sem habilitação
legal, na pena de 240 dias de multa à taxa de € 7,00;
e) Por sentença de 03/12/2015, transitada em julgado em 27/01/2016, no âmbito do
Proc. Comum Singular nº 805/15.8PBBRG, do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 1),
foi condenado pela prática, em Abril de 2015, de um crime de furto simples, na pena
de 7 meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de um ano;
f) Por sentença de 17/02/2016, transitada em julgado em 18/03/2016, no âmbito do
Proc. Comum Singular nº 216/15.5GCBRG, do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 3),
foi condenado pela prática, em 29/04/2015, de um crime de condução sem habilitação
legal, na pena de 225 dias de multa à taxa de € 5,00;
g) Por sentença de 07.03.2016, transitada em julgado em 28/03/2016, no âmbito do
Proc. Sumaríssimo nº 1410/15.4PBBRG, do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 3), foi
condenado pela prática, em 05/08/2015, de um crime de furto qualificado, na pena de
250 dias de multa à taxa de € 7,00;
h) Por sentença de 20/10/2016, transitada em julgado em 21/11/2016, no âmbito do
Proc. Comum Singular nº 883/15.0PBBRG, do Juízo Local Criminal de Braga (Juiz 2),
foi condenado pela prática, em 12/05/2015, de um crime de furto simples, na pena de
1 ano e 8 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo;
i) Por Acórdão de 11/07/2018, transitado em julgado em 25/03/2019, no âmbito do
Proc. Comum Colectivo nº 340/15.4PCBRG, do Juízo Central Criminal de Braga (Juiz
3), foi condenado pela prática, em 02/04/2015, de um crime de furto qualificado, na
pena de 1 ano e 7 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de
tempo, com regime de prova;
j) Por Acórdão de 13/04/2018, transitado em julgado em 14/05/2018, no âmbito do
Proc. Comum Colectivo nº 1008/14.4T9BRG, do Juízo Central Criminal de Braga (Juiz
4), foi condenado pela prática, em 17/05/2015, de um crime de falsificação ou
contrafacção de documento agravada, e um crime de burla qualificada, na pena de 2
anos cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, com regime de prova; e
k) Por sentença de 30/10/2018, transitada em julgado em 30/11/2018, no âmbito do
Proc. Sumário nº 423/18.9GBPVL, do Juízo de Competência Genérica da Póvoa de
Lanhoso (Juiz 1), foi condenado pela prática, em 30/10/2018, de um crime de
condução sem habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 2
anos.
Ora, como se constata, todas as aludidas condenações penais são anteriores à
prática dos factos levados a cabo no âmbito dos dois processos cujas condenações
foram englobadas no presente cúmulo jurídico, nelas estando em causa a prática de
seis crimes de condução de veículo sem habilitação legal, de dois crimes de furto
simples, de dois crimes de furto qualificado, de um crime de falsificação ou
contrafacção de documento agravada, e de um crime de burla qualificada, com
especial relevo para a circunstância de quatro dessas condenações terem sido
punidas com penas de prisão suspensas na sua execução.
E com a agravante de o arguido ter praticado os dois crimes ora em apreciação
precisamente no período de suspensão da execução das penas de prisão que lhe
haviam sido cominadas nos processo supra identificados em i) e j).
O que significa, como já anteriormente referimos, e ora se enfatiza, que apesar das
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 11/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

solenes advertências que ao arguido foram feitas nas aludidas anteriores decisões
condenatórias, o mesmo insistiu em delinquir, mostrando uma personalidade
distorcida, e que não acata as regras do bem viver em sociedade, e sobretudo
demonstrando que falhou de forma fragrante o prognóstico, subjacente a todas
aquelas decisões, de que o mesmo não voltaria a delinquir, o que reclama o
cumprimento efectivo da pena, de molde a fazê-lo sentir a censura social de tais
condutas e a intimidá-lo suficientemente para futuros comportamentos idênticos.
Tudo a evidenciar, pois, fortíssimas exigências de prevenção especial, e que a sua
socialização em liberdade não pode ser atingida.
O juízo contrário teria de se fundamentar em factos concretos que apontassem de
forma clara na probabilidade forte de uma inflexão em termos de vida por banda do
arguido, designadamente renegando a prática de actos ilícitos.
E essa factualidade, claramente, não existe.

Sendo certo que, pelo contrário, ficou demonstrado:

- Que no estabelecimento prisional onde se encontra detido o arguido assume um


comportamento instável, tendo sido alvo de medidas disciplinares, a última das quais
por posse de objecto não autorizado (o que infirma totalmente a afirmação que faz na
conclusão K) do seu recurso, segundo a qual “(...) no Estabelecimento Prisional no
qual o Recorrente se encontra a cumprir pena à ordem de outro processo, tem dado
sinais positivos no sentido da sua recuperação e reintegração social (...)”;
- Que apesar dos vários contactos com o sistema judicial, F. C. tem manifestado
dificuldades em reorientar o seu percurso de vida normativamente, e manter
duradouras e consequentes, as alterações na sua gestão pessoal e relacional; e
- Que se trata de um indivíduo que denota um frágil poder reflexivo face ao seu
percurso delituoso, que minimiza e desculpabiliza pelo comportamento aditivo que
mantém desde há vários anos e cujo tratamento negligenciou.

Em síntese, e repetindo-nos, diremos que, em face da personalidade revelada pelo


arguido expressa nos factos, o grau de ilicitude dos mesmos, e ainda, dos seus vastos
antecedentes criminais, não vemos como a suspensão da execução da pena única,
como medida de reflexos sobre o seu comportamento, possa no futuro evitar a
repetição de comportamentos delituosos.
Neste quadro circunstancial, entendemos que só a pena de prisão efectiva poderá
assegurar o efeito essencial de prevenção geral e satisfazer a necessidade de
socialização do arguido, sendo também de afastar, como bem se decidiu na sentença
recorrida, os mecanismos mais flexíveis previstos nos Artºs. 43º (cumprimento da
pena em regime de permanência na habitação) e 58º (substituição da pena por
prestação de trabalho a favor da comunidade) do Código Penal, os quais, na nossa
perspectiva, face à concreta situação evidenciada nos autos, não realizariam de forma
adequada e suficiente as finalidades da execução da pena única de prisão.
Ademais, há que sublinhar, sem tibiezas, que a pretendida suspensão da execução da
pena única de prisão aplicada ao arguido, atentos os contornos do caso, não seria
minimamente compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a
manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça, abalando
seriamente a credibilidade das próprias instituições jurídico-penais.
Consequentemente, e sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, o
recurso terá de improceder, também nesta parte.
*
Pelo que, não se vislumbrando a violação de nenhuma das normas invocadas pela
recorrente, nem qualquer outra, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida,
que se confirma, improcedendo, in totum, o presente recurso.
*
III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da


Relação de Guimarães em:
www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 12/13
07/08/2020 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido F. C., confirmando,


consequentemente, a sentença recorrida;
b) Determinar a rectificação da mesma sentença, no sentido de, no ponto 2 da
factualidade considerada provada, onde consta:
“Por sentença proferida nestes autos em 09/09/2019, transitada em julgado em
10/09/2019 ...”
Passe a constar:
“Por sentença proferida nestes autos em 09/09/2019, transitada em julgado em
09/10/2019 ...”.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (Artºs. 513º e


514º do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa
ao mesmo).

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios
informáticos, contendo as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários - Artº
94º, nº 2, do C.P.Penal)
*
Guimarães, 13 de Julho de 2020

António Teixeira (Relator)


Paulo Correia Serafim (Adjunto)

1. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto


original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da
formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
2. Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem
menção da respectiva origem.
3. Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal
Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica
Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº
7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que
ainda hoje mantém actualidade.
4. Salvo o devido respeito, este ponto da matéria de facto enferma de manifesto erro
de escrita quanto a esta data (10/09/2019). Com efeito, tendo a sentença recorrida
sido proferida no dia 09/09/2019, o respectivo trânsito em julgado ocorreu não naquela
data, mas antes no dia 09/10/2019, como, aliás, se refere na parte inicial da sentença,
no respectivo relatório, e como consta da emissão do Boletim ao Registo Criminal
efectuada pela Secretaria do Tribunal a quo, datada de 16/10/2019 (Ref. Citius
165421237). Trata-se de manifesto erro de escrita, o qual é oficiosamente rectificável,
mesmo em sede de recurso, nos termos das disposições conjugadas dos Artºs. 249º
do Código Civil e 380º, nºs. 1, al. b) e 2, do C.P.Penal, rectificação essa que se
determinará na parte final do presente acórdão.
5. Disponível in
https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:25.16.4PJLRS.L2.S1/#integral-
text
6. Disponível in https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?
v=ad5cfe37-0d52-412e-83fb-7f098448dba7

www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d9b47cf9a03188d7802585af0045d20d?OpenDocument 13/13

Você também pode gostar