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VI Encontro Gaúcho de Agrimensura e Cartografia

05 a 07 de Novembro de 2003
URI - UFSM - AGETOC

O CADASTRO DE NAPOLEÃO

Jürgen Philips
Universidade Federal de Santa Catarina
Curso de Pós-Graduação em Cadastro Técnico Mul tifinalitário
Trindade - Caixa Postal: 476 - Florianópolis/SC - 88040-900
jphilips@gmx.net

RESUMO
Este artigo descreve o complicado processo do início dos cadastros modernos nos países europeus, dando
maior ênfase aos processos do século 18, que, segundo várias opiniões, é o século mais importante para a procura de
uma nova relação entre povo e estado e uma nova definição do „cidadão“. O artigo será co-publicado no Boletim de
Registro Imobiliário do Brasil (Boletím do IRIB).

ABSTRACT

This aticle shows the complicated processes of criating modern land registers in european states. The most im-
portant period therefor was the 18th century when it was looked for a new relationship between. people and state with a
new definition of “citizenship”.

1 INTRODUÇÃO GERAL tentativas, mas, pobre em resultados. Assim temos que


sair do século 18 e descrever ainda pelo menos as
Este artigo descreve o processo do início dos primeiras duas décadas do seguinte século 19 para
cadastros modernos nos países europeus, dando maior reconhecer que os esforços feitos emum século inteiro
ênfase aos processos do século 18, que, segundo várias teve finalmente seu êxito podendo realizar uma série de
opiniões, é o século mais importante para a procura de novos conceitos; entre eles novas regras para garantir a
uma nova relação entre povo e estado e uma nova de- propriedade, visto como contrapartida do estado para
finição do „cidadão“. Este século é riquíssimo em seu direito de tributar o solo. O século 19, então, pode

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ser considerado como o „século do cadastro“ - princípios de liberdade, igualdade e do direito da


praticamente todos os países da Europa conseguiam autodeterminação do destino do homem comum. Em
controlar seus territórios a base de cadastros. muitas publicações se apresenta o Cadastro Napoleônico
como fruto apenas da Revolução de 1789. Sem dúvida,
Mesmo assim, é muito interessante observar o o Cadastro não teria sido tão rigoroso e conseqüente se
difícil nascimento do novo cadastro para entender as não tivesse ocorrido a Revolução, e se Napoleão I não
forças políticas, econômicas e sociais que formaram o tivesse sido seu lider mais poderoso. Mas, por outro
estado moderno. Na época, ser a favor ou contra o lado, o tempo já estava, antes de 1789, o ano da
cadastro formou exatamente a linha divisória entre Revolução, cada vez mais maduro para mudanças no
aquela parte da sociedade que começou a ver o estado gerenciamento do solo, principalmente do solo rural.
como um conjunto de indivíduos com iguais direitos e Assim, vamos procurar também as demais causas e
obrigações, apenas subordinados ao soberano, e aqueles raízes na Europa do século XVIII, além da Revolução
que entendiam o estado como ele se formou na idade na França, para ver quais eram os fortes sinais que
média como conjunto de instituições intermediárias indicavam antecipadamente as „futuras“
entre o indivíduo e o centro do poder, como por transformações.
exemplo, a nobreza, a igreja ou os sindicatos
profissionais.
2 O CADASTRO DO DUCADO DE MILÃO
Estas instituições dividiam uma parte do poder
com o soberano. A proporcionalidade do poder entre as A Europa do século XVIII era absolutamente
partes se expressava diretamente pela participação nos feudal. Apenas as „Cidades Livres“, como as da HANSA
impostos, o que complicava qualquer tentativa de no centro e no norte da Europa, gozavam de uma certa
reformas fiscais. O poder dos intermediários baseava-se independência dos feudos da região, sendo subordinadas
nas informações sobre a renda dos contribuintes, que apenas e diretamente ao imperador. A grande massa da
apenas eles tinham. Entende-se então, porque a ideia de população, que era predominantemente rural, vivia em
um cadastro central era ameaçadora para toda a classe dependência absoluta da nobreza local, que na maioria
intermediária. das vezes era também proprietária legal das terras. A
carga tributária era alta e o povo rural vivia em miséria.
As tentativas do estado de criar sistemas de
cadastros fiscais tinham então o objetivo de instalar uma Esta carga subia, especialmente em épocas de
relação mais direta entre o contribuinte e o poder turbulências políticas ou guerras, às vezes a um nível
central, reduzindo assim a importância, e com isto, o insuportavel de 30% ou mais do valor estimado da
poder do intermediador. O que parecia uma simples produção agrária em dinheiro, além das contribuições
reforma tributária era na verdade uma mudança na raiz diretas. A insatisfação do povo rural era geral. Houve
do estado com a perspectiva de se criar um novo mu itas revoltas contra essa carga pesada dos feudos, que
cidadão que mantém relações diretas com o centro do por sua vez tinham o privilégio de pagar menos ou
poder - sem intermediação. Nas pesquisas dos nenhum imposto. Os cofres do estado, representado pelo
historiadores atuais sobre o século 18 avalía -se, por isto, rei ou pelo imperador, estavam permanentemente
o cadastro como um símbolo da modernizaçào do estado vazios, procurando-se então novas fontes de recursos.
[7]. No mesmo momento espalhou-se por toda Europa a
idéia da „igualdade“, canalizada pelas elítes do poder
Esta modernização realizou-se apenas com a em projetos como igualdade de pesos e medidas para
Revolução Françesa em 1789, aproveitada, poucos anos não dar igualdade política e de direitos. Mas os gritos
depois, por Napoleão I para estabilizar seu poder para a igualdade nas obrigações tributárias escutou-se
político na França pós-revolucianária. Napoleão, por um cada vez mais alto. Os interesses do poder central, do
lado, realizou os sonhos de grandes partes da sociedade imperador ou rei, eram os mesmos da população, mas
de uma tributação justa com regras únicas para todos, por motivos distintos. Ele queria quebrar ou reduzir o
mas com isto, ele também gerou os créditos na poder da classe inferior e média da nobreza, da igreja, e
população para fortaleçer seu poder, que no final era dos demais intermediadores com os quais o governo
maior do que o poder dos reis absolutos contra os quais central dividia o poder em processos complicados,
o povo se levantou na Revolução. demorados e com muitas dificuldades para se realizar
qualquer reforma no estado.
Hoje, a maioria dos países com sistemas
modernos de informções territoriais referem seus Nesta mesma situação, o Império Austro-
registros técnicos do territorio ao Cadastro Napoleônico. Húngaro, precisando de mais dinheiro, procurou um
Foi o fato, porque esta obra sempre despertou, e ainda caminho para aumentar a arrecadação dos impostos sem
desperta, o interesse público e dos profissionais para provocar grandes tumultos. A solução era um projeto de
saber mais sobre as forças sociais, políticas e reforma tributária, baseado no princípio do tratamento
econômicas que formaram este produto, pouco após a igual para todos, incluindo a classe nobre e o clero, até
Revolução Francesa, que trouxe para o mundo os então com privilégios trubutários, com uma nova

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fórmula ligada aos bens de cada familia, o que garante Milão passou ao dominho do Imperador Carlos VI da
ao estado ao mesmo momento um aumento significativo casa Habsburgo, o Ducado, então, transformou-se numa
da arrecadaçào tributária. dependência austríaca. Já em 1718 foi formada uma
commissão para criar um cadastro do Ducado que
serviria posteriormente como modelo para todo o
Império, usando todas as tecnologias e os métodos da
época.

O matemático Johann Jakob von Marinoni


(1676 – 1755) era diretor da Academia Militar de
Engenharia de Viena, fundada em 1717 para atender a
demanda do exército em engenheiros. Marinoni
formulou o projeto do Cadastro de Milão, preparou as
instruções técnicas e treinou o pessoal. Era exigido que
os resultados fossem uniformes, gerados com os
mesmos métodos de medição e padrões de medidas,
para garantir a mes ma precisão em todas as partes do
ducado para conseguir um máximo de justiça fiscal. Os
mapas foram trabalhados em escala uniforme de 1:2000,
já no sistema decimal. Marinoni substituíu o esquadro
(Squadro) pela prancheta de campo, permitindo, assim,
um levantamento mais rápido, mais barato e muitas
vezes também com maior precisão e controles mais
perfeitos.

Com esta tecnologia foram levantados 2387


municípios, entre 1720 e 1723, com uma área total de
19.220 km². Os prédios foram classificados e para cada
classe determinou-se os custos e a rentabilidade para
calcular os tributos. Esta avaliação começou em 1721,
foi várias vezes interrompida por turbulências causadas
pelo falecimento de Carlos VI e a posse de sua filha
Os bens, em geral, eram predominantemente Maria Therésia como nova Imperatriz, e finalmente
territoriais e o instrumento para sua avaliação fiscal era terminada em 1759. Este „Cadastro de Milão“ entrou
o cadastro. Muitos estados europeus já criaram em vigor no dia 1. de janeiro 1760, 40 anos após o
cadastros em algumas regiões, mas nenhum país início dos levantamentos. Com isto, Milão foi o
dispunha de um levantamento sistemático do território, primeiro Estado na Europa com um cadastro fiscal
o que foi impedido pela classe dos latifundiários da completo e baseado em medições uniformes e
época, que era a nobreza e o clero. Assim encontramos sistemáticas de todas as propriedades.
cadastros principalmente nos pontos ou nas regiões
onde a influência da nobreza era menor, como nas O Cadastro de Milão virou „modelo“ não
cidades livres. Na cidade de Colônia, por exemplo, apenas para a Austria, senão também para todos os
registrou-se entre 1220 e 1400 em 200 livros seguintes cadastros nos demais países da Europa, tanto
(Schreinsbücher) cerca de 150 000 inscrições com as pela sua riqueza quanto pela sua precisão. Adam Smith
respeitivas atas, mas tudo sem mapeamento. (1723 -1790) escreve na sua famosa obra, Natureza e
orígem da riqueza das nações (The Wealth of Nations):
O Imperador Carlos VI da Áustria escolheu o
Ducado de Milão para criar um modelo de cadastro, „O cadastro do ducado de Milão, que foi
baseado em um levantamento, mapeamento e avaliação iniciado na época de Carlos VI, e conciderado como
de todas as parcelas do Ducado, usando para este uma das obras mais exatas e cuidadosamente
trabalho todas os conceitos modernos e a tecnologia de elaboradas deste típo que jamáis foi realizado.“
ponta da época. A idéia era, usar a experiência obtida na
criação e no gerenciamento deste cadastro modelo para Já com data de 26 de julho 1748 houve uma
levantar e avaliar o Império tudo. „retificação“ da legislação fiscal de Milão, baseada no
novo cadastro, que pela primeira vez determinou o
A cidade de Milão já tinha um cadastro fiscal princípio da obrigação „geral“ de pagamento de
desde 1248, que é provavelmente o mais antigo da impostos, incluindo a nobreza e o clero. Maria Therésia
Europa. Em 1.11.1546 criou-se uma secretaria queria expandir este cadastro a outros estados do
exclusivamente para a medição de todas as propriedades Império, o que foi realizado apenas em Tirol com a
do Ducado. No contrato de paz de Utrecht em 1714 homologação do Novo Cadastro Tirolês em 1784. O

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resto do Império ainda tinha que esperar. Na pauta da experiência no cadastro de Milão, para trabalhar na
história mudaram as prioridades e a Europa das décadas França e instruir os técnicos franceses. O cadastro, mais
seguintes virou uma grande arena para o espetáculo de uma vez, não foi criado, devido a resistência contra as
mudanças políticas e sociais. reformas pelo lado da nobeza e do clero, que eram os
latifundiários da época. A hora do cadastro parece não
3 A FRANÇA PRÉ-REVOLUCIONÁRIA ter chegado ainda.

No século XVIII o centro da geodésia


científica mudou-se para a França. A Academia de 4 O CADASTRO APÓS A REVOLUÇÃO
Ciências da França enviou em 1735 duas expedições, FRANCESA
uma para a Lapônia, outra para o Peru, para medir o
achatamento da terra a fim de obter um melhor Com a Revolução Francesa em 1789 a classe
conhecimento do desvío da forma verdadeira da terra nobre foi praticamente extinta da sociedade e o clero
em relação à esfera. Ao mesmo tempo instalou-se uma perdeu seus privilégios. Já um ano após a Revolução,
rede de triângulação para se ter uma malha de pontos de em 1° dezembro 1790, a Assembléia Constituinte da
referência geodésica em todo o país. Piccard e Giovanni Revolução publica uma nova lei sobre a tributação das
Domenico terminaram as medições do arco no atividades econômicas onde aparece também o imposto
meridiano entre Amiens e Paris. Depois seguiram-se predial. Mas esta lei não teve muito êxito, a tributação
três gerações da familia Cassini, todos contribuindo mais justa se apresentou como illusão, principalmente
para o desenvolvimento da geodésia científicia. O mais por falta de uma avaliação correta dos bens territoriais.
importante era Jacques Dominique Comte de Cassini,
que era diretor do observatório astronômico de Paris. Assim, em 1793/94, a Assembléia decreta a
Ele concluíu em 1789 a triângulação e o levantamento criação de um „Cadastro Geral da Nação“, junto com
cartográfico da França, um trabalho inicializado pelo uma avaliação dos bens; em 1798 o decreto se
seu pai em 1744. transformou em lei que regulamenta também a
tributação do solo. Mas o „Cadastro Geral“ era apenas
A França estava, no século 18, pela sua uma reambulação das informações sobre o territorio que
capacidade geodésica e cartográfica naquela época, já existiam, sem novos levantamentos, e assim esta
tecnicamente bem preparada para ter um moderno outra tentativa de chegar a um nível de justiça fiscal
cadastro como nenhum outro país da Europa. Tentativas mais elevado novamente tinha que fracassar.
anteriores para reformas tributárias e cadastrais não
faltaram: Em 1666 foi Juan Bautista Colbert, em 1700 Com a posse de Napoleão Bonaparte em 1799
de Chamillart, em 1749 de Machault, em 1763 o como 1° consul começa um novo capítulo na história do
ministro da fazenda Laverdy, em 1770 o ministro da cadastro. Napoleão cria em 1801 uma comissão técnica
guerra Choiseul, em 1776 o ministro da fazenda Jaque para buscar a forma mais eqüitativa da distribuição do
Turgot; todos fracassaram na tentativa de criar um imposto predial.
cadastro para se ter uma base para uma tributação dos
rendimentos das atividades rurais de forma mais correta O método proposto era a seleção de 1800
e justa. municípios representativos de todos os departamentos
da França e levantar nestes municípios todos os
Mesmo fracassadas, as várias tentativas de se cultivos. Calculou-se os valores médios do rendimento
instalar cadastros iniciaram uma ampla discussão sobre neto de cada parcela. À base desta avaliação do imposto
a necessidade e viabilidade de um sistema cadastral para predial aplicou-se nos demais municípios do país
o país sob aspectos políticos, administrativos, fiscais, valores equivalentes das parcelas nos municípios
econômicos e técnicos. Será que o exemplo mais barato levantados. A repres entatividade se demonstrou muito
de Luxemburgo e Espanha com cadastros declaratórios fraca e assim, os resultados eram inúteis para serem
ou o mais preciso cadastro do Ducado de Milão será o aplicados. A procura da justa tributação sofreu mais um
melhor modelo para a França? Alguns fizeram a fracasso.
proposta de um „terceiro caminho“, de criar apenas um
cadastro dos cultivos, porque a base para a tributação No dia 20 de outubro de 1803 se publicou mais
seria o rendimento neto da exploração do bem territorial um decreto para levantar e avaliar agora os prédios de
e não seu valor comercial. Para muitos o cadastro todos os municípios do país. Desta vez optou-se pelo
baseado em levantamentos geométricos com método de coletar as manifestações declaratórias dos
mapeamento das propriedades em plantas parecia ser o proprietários e levantar apenas as dimensões globais do
melhor caminho. Este modelo foi escolhido por Turgot município. Naturalmente as declarações eram
e Marie Lefèvre d’Ormesson, do ministério da Fazenda deficientes e as manifestações imprecisas e assim não
que organizaram em 1763 uma visita na cidade de era possivel ajustar as áreas declaradas com as medidas
Milão para encontrar Pompo Neri, consultor legal do da área do município. Em 1805 se cancelou os
Imperador da Áustria para o cadastro do Ducado. trabalhos. Com isto, o cadastro francês enriqueceu por
Turgot contratou agrimensores austríacos, com mais um experimento fracassado.

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imediatamente após a publicação das normas técnicas e


no final do mesmo ano 1808 já se estava trabalhando em
mais de 3200 municípios.

"Meia-medidas ...
é tempo perdido e dinheiro jogado”
(Napoleão Bonaparte)

5 NAPOLEÃO E O CADASTRO Em 1810 se formou a comissão dos 12


„Inspetores Gerais“ que um ano depois publicaram um
Em julho de compêndio com o título „Recueil méthodique des lois,
1807, Napoleão décrets, règlements, instructions et décisions sur le
Bonaparte reage ao cadastre de la France“, que era uma coleção sistemática
fracasso repetitivo de de todas as leis, decretos, regulamentos e instruções
todas as anteriores relativos ao novo cadastro.
tentativas e decreta
finalmente a criação Entre 1807 e 1814 foram levantadas 37
de um cadastro milhões de parcelas em 9 mil municípios.
baseado no
levantamento de todas Este cadastro de 1807 era o primeiro com
as parcelas da Nação, sucesso. Ele dava a garantia para a arrecadação de
justificando sua tributos constantes sobre todos os anos do governo de
descisão ao ministro Napoleão, e também para os governos seguintes.
do tesouro, Nicolas-
Francois Comte O mais espetacular do novo cadastro era: que o
Mollien, com as território de cada município foi sistematicamente
palavras: levantado por precisas medições, que todas as medidas
foram referenciadas a uma rede geodésica,
"As meia- materializada por uma malha de pontos de triângulação,
medidas feitas até que a divisão do território era „parcelar“.
agoraé tempo perdido e dinheiro jogado. A única
solução para sair dessa dificuldade é avaliar, com Os cadastros anteriormente modelados,
medições gerais no campo, cada parcela de inclusive o cadastro do Ducado de Milão, não eram
propriedade em todos os municípios do Impêrio. vinculados aos já existentes Registros Imobiliários, que
arquivaram todos os fatos de direito das propriedades,
No dia 15 de setembro do mesmo ano o como títulos e contratos. A precisão dos cadastros
ministro de fazenda Martin-Michel-Charles Gaudin [8] completos, como o novo Cadastro de Napoleão e a
publica a lei „Instruções relativas ao cadastro“, que perfeição do gerenciamento da sua administração
contém os fundamentos e princípios para realizar este oferecia a possibilidade natural da parceria técnica,
trabalho. Ainda no mesmo ano se formou uma utilizando a descrição perfeita das unidades territoriais
comissão, presidida pelo famoso matemático Delambre, como identificador para o Registro legal. Napoleão
que era o Secretário Geral da Academia de Ciências. A reconhece a importância da perfeita especialização do
comissão preparou o decreto regulamentador da lei, que imóvel pelo cadastro e comenta:
foi aprovado já no dia 27 de janeiro de 1808, e em 20 de
abril seguíam as „Instruções Gerais“ com as normas „Um bom Cadastro de Parcelas será o
técnicas para a realização do cadastro. complemento do meu Código Civil para arquivar uma
ordem sistemática nas propriedades de terras. É
Este decreto, regulamenta também as importante, que as plantas sejam corretas, para servir
comp etências do Geômetra (Agrimensor), dando a ele a para a definição dos limites das propriedades e para
função de intermediador em casos de litígios: assim evitar futuros litígios."

„se uma porção do solo é disputado entre duas Este e outros comentários expressados por
ou mais pessoas, o geômetra tentará conseguir um Napoleão demonstram bem que ele não queria limitar a
acordo entre eles e se não conseguir, ele desenha na função do cadastro apenas à tributação do solo. Com o
planta a linha, que representa a situação encontrada, mesmo entusiasmo com que ele se dedicou a utilidade
em pontos, e explica às pessoas o carater provisório das do cadastro como instrumento fiscal, ele exigia também
suas posses." máxima atenção na consistência do cadastro com a
legislação sobre a propriedade no Código Civil para
O trabalho no campo foi inicializado usar as medições no campo com as plantas como

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principal identificador para os imóveis do país. novos conceitos para:

§ a atualização permanente e imediata de cada


alteração no campo,
§ a limitação dos itens levantados apenas aos dados
necessários e mais relevantes da parcela.

A primeira medida garante que o cadastro


mantém, sobre todo o tempo de uso, o mesmo nível de
Napoleão também enfatizou: qualidade e utilidade, independentemente da data da sua
criação e proteje com isto os investimentos feitos contra
uma desvalorização dos dados e mapas do cadastro. A
segunda medida foi introduzida para garantir a
realização do projeto „cadastro“ dentro de um intervalo
razoável. O conceito implicava também, que não se
deve permitir a modelagem de um cadastro com dados
para os quais não existem regras e possibilidades reais
de sua permanente atualização. Este cadastro perde sua
confiança dentro de poucos anos, torna-se inútil, gera
frustações e alimenta preconceitos contra o verdadeiro
valor de um cadastro territorial.

O mundo inteiro denomina hoje os cadastros


modernos, que seguem o modelo do cadastro francês, a
Napoleão, e os chama de „napoleônicos“, ignorando
com isto que foi, na verdade, Carlos VI quem
demonstrou no Ducado de Milão, pela primeira vez na
história, a viabilidade e as vantagens de um cadastro
baseado em medições sistemâticas; e que foi a
Imperatriz Maria Therésia, quem concluíu e oficializou
este cadastro. Sem dúvida, os técnicos de Napolão

"O que melhor caracteriza um bom direito de conhecíam muito bem o modelo de Milão com
propriedade é a posse pacífica. O Cadastro deve as vantagens, os custos e o tempo de sua realização e
constatar esta propriedade. O meu Código fará o usaram estes dados para estimar os dados
restante para que na segunda geração não haja mais correspondentes a fim de planejar o Cadastro para a
processos por limites em litígio." França. A semelhança entre os dois cadastros era tão
grande que existem muitos argumentos para colocar, ao
6 OS CADASTROS APÓS NAPOLEÃO lado de Napoleão, também Carlos VI e Maria Therésia
no pedestal da história.
A atratividade do novo cadastro francês era
muito grande. Suas vantagens foram rapidamente Porém, um privilégio é atribuido apenas a
valorizadas, devido a sua precisão e seu conceito Napoleão: o de ter a visão e a sensibilidade legal e
parcelar, especialmente nos países e nas regiões política de enxergar o cadastro como um instrumento
ocupadas pelas tropas francesas. importante no sistema de segurança da propriedade.
Exilado na ilha de Sta.Helena, em retrospectiva, ele se
Durante os anos de ocupação da maioria dos lembra:
países vizinhos, os engenheiros franceses já instalaram o
Cadastro Napoleônico em algumas das provincias „ ... o Cadastro pode ser avaliado como o
ocupadas, como na Renânia e Westfalia da Prússia. verdadeiro início do Império, pelo fato de conseguir a
Após a ocupação este Cadastro foi concluido e garantia segura das propriedades de terras,
extendido a toda Prússia, no início usando as próprias fornecendo assim para cada proprietário segurança e
instruções francesas – apenas traduzidas. Os Prussianos independência“.
aperfeiçoaram mais tarde as instruções e acrescentaram

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na Internet:

http://www.napoleon.org

http://perso.wanadoo.fr/cadastre/napo.htm

Os cadastros modernos ainda são do tipo


“napoleônico”. A evolução tecnológica nos permite hoje
realizar projetos cadastrais mais perfeitos e mais
precisos, gastando menos dinheiro e menos tempo. Para
o levantamento no campo usamos atualmente
instrumentos a base de laser ou satélites artificiais; o
lapis foi substituido pelo computador – mas o conceito
ainda é o mesmo como há dois séculos na França.

Graças a esta constância conceitual, o cadastro


pôde evoluir de um cadastro predominantemente fiscal a
um Cadastro Multifinalitário, atendendo às necessidades
legais, econômicas, sociais, ambientais, etc.

7 LITERATURA:

Carneiro, A.F.: Cadastro Imobiliário e Registro de


Imóveis , Instituto de Registro Imobiliário do Brasil,
Coleção IRIB em Debate, São Paulo 2003

Clergeot, P.: The Origins of the French General


Cadastre, FIG Working Week 2003, 13.-17. April 2003,
Paris 2003

Dobner Eberl, H.-K.: Sistemas Cadastrales, Editoral


Concepto, Mexico 1982

Gaudin, M.M.: Notice sur les finances de la France

Gruber, S.: Der Franziszeische Kataster, Universität


Graz/Austria, Instituto de História, Graz 1994

Heyen, E.V.: Cadastre and Modern State in Italy, Spain


and France (18th c.), Jahrbuch für europäische
Verwaltungsgeschichte 13/2001, NOMOS
Verlagsgesellschaft, Baden-Baden 2001

Larsson, G.: Land Registration and Cadastral Systems ,


Ed. Addison Weslay Longmann Ltd., Harlow/England
1991

Rivera Estupinian, R.E.: Algunas consideraciones sobre


el régimen catastral. Tese de doutorado na Universidade
de El Salvador, Fac. De Jurisprudencia y Ciencias
Sociales, San Salvador 1971

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