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Fascismo e neofascismo no

século XXI

Fábio Palácio

Jornalista, doutor em Ciências da Comunicação (ECA/USP), professor


adjunto do Depto. Comunicação Social da Universidade Federal do
Maranhão(UFMA). Diretor nacional e presidente estadual da Fundação
Maurício Grabois - Maranhão
“Todo o após-guerra é crise, com tentativas de remediá-la que às vezes têm sucesso neste ou
naquele país [...] A própria guerra é uma manifestação da crise [...] Foi precisamente a resposta
política e organizativa dos responsáveis” (Gramsci, 2001, p.217).
“A certo ponto de sua vida histórica os grupos sociais se destacam de seus partidos tradicionais
[...] Os homens determinados que os constituem, os representam e os dirigem não são mais
reconhecidos como expressão de sua classe ou fração de classe. Quando essas crises se
verificam, a situação imediata torna-se delicada e perigosa, porque o campo é aberto às soluções
de força, à atividade de poderes sombrios representados pelos homens providenciais os
carismáticos. [...] Essas situações de contraste entre representantes e representados [...] do
terreno dos partidos [...] reflete-se em todo o organismo estatal, reforçando a posição relativa do
poder da burocracia (civil e militar), da alta finança, da Igreja [...] Em cada país o processo é
diverso, se bem que o conteúdo seja o mesmo. E o conteúdo é a crise de hegemonia da classe
dirigente. (1977, pp.1602-1603)”
“É a forma mais reacionária e abertamente terrorista da ditadura do capital financeiro,
instaurada pela burguesia imperialista com o fim de esmagar a resistência da classe operária
e de todos os elementos progressistas da sociedade. O fascismo é uma manifestação dessa
reação política em todos os domínios, o que é próprio do capitalismo na etapa suprema de
seu desenvolvimento, na etapa imperialista. O estabelecimento do fascismo prova que as
classes dominantes burguesas já não estão em condições de governar, de conservar o poder
pelos meios ordinários, “democráticos”; prova que as aspirações crescentes de liberdade das
massas populares não podem ser reprimidas senão por meio da violência e do terror
sangrento. O que caracteriza o fascismo é a supressão das liberdades democráticas, mesmo
as mais elementares, a destruição das organizações operárias e demais organizações
progressistas [...].” (Rosental, Iudin, 1959, p. 199)
“A classe média se sentia “distante e adversária da classe proletária socialista. Não lhe
perdoava os altos salários, os subsídios do Estado, as leis sociais que, durante a guerra e
depois dela, havia arrancado ao medo da revolução. [...] Esses maus humores da classe
média encontraram guarida no fascismo” (Mariátegui, 2012, p.21).
“O fascismo converteu-se, assim, em uma milícia numerosa e aguerrida”, diz Mariátegui (2012,
p.22). “Acabou por ser forte tal qual o próprio Estado. E então reclamou o poder.”

Mariátegui: enquanto o fascismo “limita-se a decretar o ostracismo da Liberdade e a reprimir a


Revolução, a burguesia bate palmas; mas logo, quando [...] começa a atacar os fundamentos de
seu poder e de sua riqueza, a burguesia sente a necessidade urgente de censurar seus bizarros
defensores” (2012,p.49) .
Mariátegui; “[...] A reação, chegada ao poder, não se conforma em conservar; pretende refazer.
Dado que renega o presente, não pode conservá-lo nem continua-lo: tem que tratar de refazer o
passado. Passado que se condensa nestas normas: princípio de autoridade, governo de uma
hierarquia, religião de Estado etc. Ou seja, as normas que a revolução burguesa e liberal rasgou
e destruiu porque entravavam o desenvolvimento da economia capitalista.” (2012, p. 49)
“Mussolini: “Afinal, de que importa saber o conteúdo teórico de um partido? O que lhe dá
força e vida é sua tonalidade, é sua vontade, é a alma daqueles que o constituem” (apud
Mariátegui, 2012, p.41).

Mariátegui: “Não se trata de um fenômeno cerebral; trata-se de um fenômeno irracional”


(2012, p. 24).
Domenico Losurdo: “Fala-se, por exemplo, de Marine Le Pen como uma fascista. [...] Eu
tenho sérias dúvidas. Porque o fascismo tradicionalmente foi a promoção da guerra. [...]
Marine Le Pen não toma posições a favor da guerra. [...] A meu ver, seria errado confundir
essa direita com o fascismo tradicional.” (Bertolino, 2017, p.52)
Passado mítico

“A política fascista invoca um passado mítico puro que foi que foi tragicamente destruído.
Dependendo de como a nação é definida, o passado mítico pode ser religiosamente puro,
racialmente puro, culturalmente puro ou todos os itens acima.” (Stanley, 2018, p. 19)
Propaganda

“É difícil promover uma política que prejudicará um grande grupo de pessoas diretamente. O papel
da propaganda política é ocultar os objetivos claramente problemáticos de políticos ou movimentos
políticos, mascarando-os com ideais amplamente aceitos.” (Stanley, 2018, p. 37)
Anti-intelectualismo

“A política fascista procura minar o discurso público atacando e desvalorizando a educação, a


especialização e a linguagem.” (Stanley, 2018, p. 48)
Irrealidade

“A política fascista substitui o debate fundamentado por medo e raiva. [...] Troca a realidade pelos
pronunciamentos de um único indivíduo, ou talvez de um partido político. Mentiras óbvias e
repetidas fazem parte do processo pelo qual a política fascista destrói o espaço da informação.”
(Stanley, 2018, p. 66)
Hierarquia

“De acordo com a ideologia fascista, [...] a natureza impõe hierarquias de poder e dominância
que contrariam categoricamente a igualdade [...] proposta pela teoria democrática liberal.”
(Stanley, 2018, p. 85)
Vitimização

Permite a “mobilização militar contra inimigos fantasmas” (Stanley, 2018, p. 108).


Lei e ordem

“A retórica fascista de lei e ordem é explicitamente destinada a dividir os cidadãos em duas


classes: aqueles que fazem parte da nação escolhida, que são seguidores de leis por
natureza, e aqueles que não fazem parte da nação escolhida, que são inerentemente sem
lei. Na política fascista, mulheres que não se encaixam em papéis de gênero tradicionais,
indivíduos não brancos, homossexuais, imigrantes, ‘cosmopolitas decadentes’, aqueles que
não defendem a religião dominante, são, pelo simples fato de existirem, violações da lei e
da ordem.” (Stanley, 2018, p. 112)
Ansiedade sexual

O fascismo é hostil a “qualquer ameaça à masculinidade patriarcal e à família tradicional [...].


Essas ameaças incluem os crimes de estupro e agressão, assim como o chamado desvio
sexual.” (Stanley, 2018, p. 127).

“A propaganda fascista amplia [...] [o] medo ao sexualizar a ameaça do outro.” (Stanley, 2018, p.
127).

Nos EUA, os brancos “presumiam que havia uma epidemia de estupro em massa perpetrada por
homens negros a mulheres brancas que justificava os horrores do linchamento” (Stanley, 2018,
p. 130).

“Onde a ansiedade sexual pode parecer extrema, paranoica ou abstrata, muitas vezes há
por trás dela uma insegurança mais tangível à espreita.” (Stanley, 2018, p. 130)
Sodoma e Gomorra

O fascismo é bucólico e anticosmopolita.


Trabalho libertador

“Na política fascista, ‘eles’ podem ser curados da preguiça e do roubo com trabalho duro. É
por isso que os portões de Auschwitz [...] exibiam o slogan ARBEIT MACHT FREI – o trabalho
liberta.” (Stanley, 2018, p. 153)
“Sob a pressão do paradigma do estado de exceção, é toda a vida político-constitucional das
sociedades ocidentais que, progressivamente, começa a assumir uma nova forma que, talvez,
só hoje tenha atingido seu pleno desenvolvimento.” (Agamben, 2004, p. 27)
Bibliografia

AGAMBEN, G. Estado de Exceção. Tradução Iraci Poleti. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2004.

ATHAIDES, R. “O fascismo genérico e o integralismo: uma análise da Ação Integralista


Brasileira à luz de recentes teorias do fascismo”. Diálogos (Maringá. Online), v. 18, nº 3, pp. 1305-1333, set./dez. 2014.
 
BENJAMIN, W. “O narrador : considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura – Obras  escolhidas – Volume I. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221.

BERTOLINO, O. et al. “A esquerda ausente e a guerra presente – Entrevista com Domenico Losurdo”. Princípios, nº 147, pp. 48-54, mar./abr. 2017.
 
GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. V. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

 ___________. Cadernos do Cárcere. V. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.


 
___________. Quaderni del Carcere. Volume terzo — Quaderni 12-29. Edizione critica dell’Istituto Gramsci — A cura di Valentino Gerratana. 2ª
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HUNTINGTON, S.. “The clash of civilizations?” Foreign Affairs, New York (USA), 72(3), 1993. p. 22-49.
 
MARIÁTEGUI, J.C. Biología del fascismo. Lanús Oeste: Nuestra América, 2012. 64 p.
 
ROSENTAL, M.; IUDIN, P. Pequeno Dicionário Filosófico. São Paulo: Livraria Exposição do Livro, 1959.
 
SCHWARCZ, L. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Cia. das Letras, 2019.
 
STANLEY, J. Como funciona o fascismo. Porto Alegre: L&PM, 2018.

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