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A Caridade e Seus Frutos - Uma E - Jonathan Edwards PDF
A Caridade e Seus Frutos - Uma E - Jonathan Edwards PDF
H avendo
declarado
que a
caridade é contrária aos vícios capitais do orgulho e egoísmo,
essas fontes profundas e sempre fluentes de pecado e
impiedade no coração, o apóstolo prossegue para mostrar que
também é contrária a duas coisas que são comumente os
frutos deste orgulho e egoísmo, isto é, um espírito raivoso e
severo. Neste momento, chamo sua atenção para o primeiro
dos dois pontos, ou seja, que a caridade “não se irrita”. A
doutrina aqui estabelecida para nós é, QUE O ESPÍRITO DA
CARIDADE, OU AMOR CRISTÃO, É O OPOSTO DE UM
ESPÍRITO OU DISPOSIÇÃO RAIVOSOS OU IRADOS.
Ao falar desta doutrina, investigarei primeiro em que
consiste esse espírito ou índole raivosa ao qual o espírito
cristão é contrário; e, depois, darei a razão pela qual um
espírito cristão lhe é contrário.
I. O que é esse espírito raivoso ou colérico ao qual a
caridade, ou o espírito cristão, é contrário.
Não é a todo tipo de ira que o cristianismo se opõe e é
contrário. É dito em Efésios 4.26: “Irai-vos e não pequeis”.
Isso parece implicar que haja algo como a ira não pecaminosa,
ou que seja possível irar-se em alguns casos e ainda assim não
ofender a Deus. Portanto, pode-se responder, em uma única
palavra, que o espírito cristão, ou o espírito da caridade, opõe-
se a toda ira indevida ou imprópria em quatro aspectos: em
sua natureza, ocasião, fim e medida.
1. A ira pode ser indevida e imprópria com respeito à
sua natureza.
A ira pode ser definida como uma oposição de espírito
séria e mais ou menos violenta contra qualquer mal real ou
suposto, ou em vista de qualquer falta ou ofensa de outro.
Toda ira é oposição de mente contra um mal real ou
imaginário. Mas nem toda oposição da mente contra o mal é
propriamente chamada de ira. Há uma oposição do
julgamento que não é ira; pois a ira é a oposição não do
julgamento frio, mas do espírito do homem, isto é, da sua
disposição de coração. Mas aqui, novamente, não é toda a
oposição do espírito contra o mal que pode ser chamada de
ira. Há uma oposição do espírito contra o mal natural que
sofremos, como, por exemplo, no luto e na dor, que é muito
diferente da ira.
Em distinção a isso, a ira é a oposição ao mal moral, ou
ao mal real ou suposto em agentes voluntários, ou ao menos
em agentes que são considerados como voluntários ou que
ajam pelo próprio arbítrio, e contra o mal que se supõe seja
sua culpa. Mas, novamente, não é toda oposição de espírito
contra o mal ou culpabilidade dos agentes morais que é ira;
pois pode haver um desgosto, sem que o espírito fique
agitado e irado. E esse desgosto é uma oposição da vontade e
do julgamento, e nem sempre dos sentimentos. Para que
ocorra a ira é necessário que estes sejam movidos. Em toda ira
deve haver seriedade e oposição de sentimento, e o espírito
deve ser movido e atiçado dentro de nós. A ira é uma das
paixões ou afeições da alma, embora quando chamada de
afeição deva ser, na maior parte das vezes, encarada como
uma má afeição.
Essa sendo a natureza da ira em geral, pode ser
mostrado agora de que modo ela é indevida e imprópria em
sua natureza. E isso ocorre com toda ira que contém má
vontade ou desejo de vingança. Alguns definiram a ira como
sendo um desejo de vingança. Mas não se pode considerar
isso como uma definição da ira em geral, pois, se assim o
fosse, não haveria ira que não implicasse a má vontade e o
desejo que algum outro pudesse ser prejudicado. Mas, sem
dúvida, há alguma coisa como a ira que é consistente com a
boa vontade; pois um pai pode estar irado com seu filho, ou
seja, pode achar em si mesmo uma firmeza e oposição de
espírito à má conduta de seu filho, e seu espírito pode se
empenhar e se animar na oposição a essa conduta e a seu
filho, enquanto persistir nela. Contudo, ao mesmo tempo, não
terá propriamente nenhuma má vontade para com a criança,
mas ao contrário, uma verdadeira boa vontade. Longe de
desejar seu prejuízo, pode ter exatamente os mais altos
desejos pelo seu verdadeiro bem-estar, e sua própria ira será
tão somente sua oposição àquilo que pensa prejudicar seu
filho. Isso mostra que a ira, em sua natureza geral, antes
consiste na oposição do espírito ao mal do que no desejo de
vingança.
Se a natureza da ira em geral consistisse na má vontade
e no desejo de vingança, nenhuma ira seria legítima em caso
algum, pois não nos é permitido entreter a má vontade para
com os outros em nenhum momento, mas devemos ter boa
vontade para com todos. Cristo requer de nós que desejemos
o bem e oremos pela prosperidade de todos, até mesmo de
nossos inimigos, e daqueles que maliciosamente nos usam e
perseguem (Mt 5.44). A regra dada pelo apóstolo é: “Abençoai
os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis” (Rm
12.14). Ou seja, devemos apenas desejar o bem e orar pelo
bem dos outros, e de modo nenhum desejar o mal. Assim
toda vingança é proibida, exceto a vingança que a justiça
pública traz sobre o transgressor, na aplicação da qual os
homens não agem por si mesmos, mas por Deus. A regra é:
“Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu
povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o
SENHOR” (Lv 19.18). E diz o apóstolo: “Não vos vingueis a
vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito:
A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o
Senhor” (Rm 12.19). De modo que o cristianismo se opõe a
toda ira que contém a má vontade ou um desejo de vingança e
a proíbe com as mais temíveis sanções.
Às vezes, por ira, do modo como é referida na Escritura,
tem-se em vista apenas o pior sentido dela, ou aquele sentido
que implica a má vontade e o desejo de vingança. Nesse
sentido, toda ira é proibida, como em Efésios 4.31: “Longe de
vós, toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e
bem assim toda malícia”; e novamente em Colossenses 3.8:
“Agora, porém, despojai-vos, igualmente, de tudo isto: ira,
indignação, maldade, maledicência, linguagem obscena do
vosso falar”.
Logo, a ira pode ser irregular e pecaminosa com respeito
à sua natureza. E também, 2. A ira pode ser indevida e não
cristã com respeito à sua ocasião.
Essa impropriedade consiste em ela ser sem justa causa.
Cristo fala disso quando diz: “Todo aquele que sem motivo se
irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento” (Mt 5.22).
Isso pode ocorrer de três maneiras: Primeiro, quando a
ocasião da ira é aquela em que não há nenhuma falta na
pessoa que é seu objeto.
Isso não é tão raro de acontecer. Muitas pessoas têm tal
disposição orgulhosa e irritante que ficarão iradas com
qualquer coisa que em qualquer aspecto lhes seja contrária, ou
importuna, ou oposta a seus desejos, quer se tenha alguém
para culpar por isso ou não. Assim, as pessoas por vezes se
irritam com outras por coisas que não lhe são imputáveis, mas
que acontecem meramente pela sua ignorância involuntária ou
pela sua impotência. Ficam irritadas que não tenham agido
melhor, quando a causa única se deveu às circunstâncias, que
eram tais que não poderiam ter agido de maneira diferente.
Outras vezes as pessoas se irritam com outras não
apenas por coisas que não lhes são imputáveis, mas por aquilo
que é realmente bom e pelo que deveriam ser elogiadas. Esse
sempre é o caso quando as pessoas se iram contra Deus e se
irritam com Sua providência e dispensações para com elas.
Assim, ser aborrecido e impaciente e murmurar contra a
conduta de Deus é tipo muito horrível de ira. Não obstante, é
este com muita frequência o caso neste mundo mau. Disso os
israelitas foram com muita frequência culpados e, por essa
causa, muitos deles foram destruídos no deserto. E essa foi a
culpa de Jonas, embora fosse um bom homem, quando se
irou contra Deus sem motivo – irou-se contra aquilo pelo que
deveria louvá-lo, isto é, sua grande misericórdia para com os
ninivitas.
Frequentemente também os ânimos das pessoas se
mantêm em grande aborrecimento, devido às coisas lhes
serem contrárias, e por encontrarem tribulações,
desapontamentos e confusão em seus negócios, quando não
reconhecem que é com Deus que se irritam e estão iradas, e
nem mesmo parecem dispostas a se convencerem disso. Mas,
de fato, essa irritação não pode ser interpretada de outra
forma; e seja lá o que finjam, no final das contas, isso visa ao
autor da providência – é contra o Deus que ordena esses
eventos difíceis, de modo que é murmuração e irritação contra
Ele.
Também é muito comum que as pessoas se irem contra
as outras, por terem feito o que é correto e tão somente aquilo
que é seu dever. Jamais houve tanta amargura e ferocidade de
ira entre os homens, de um para com o outro, e tanta
hostilidade e malícia, por qualquer coisa, como tem havido
pela prática do que é correto. A história não registra maiores
crueldades do que aquelas praticadas contra o povo de Deus
por causa de sua profissão e prática da religião.
Como se irritavam os escribas e fariseus com Cristo, por
fazer a vontade do Pai naquilo que fazia e dizia aqui na terra!
Quando as pessoas se iram contra outras, ou contra
autoridades civis ou eclesiásticas, por procederem
regularmente contra elas por seus erros ou pecados, iram-se
por que elas fazem o que é certo. E esse é o caso quando se
irritam com seu próximo ou irmãos na igreja por sustentarem
um testemunho fidedigno contra elas, e por se esforçarem por
lhes trazerem à justiça quando o caso requer.
Com frequência, as pessoas se iram contra as outras não
apenas por fazerem o certo, mas por fazerem coisas que são
atos de amizade para eles, como quando nos iramos com os
outros por administrarem a reprovação cristã por qualquer
coisa de errado que observarem em nós. Isto o salmista
afirmou que aceitaria como uma bondade: “Fira-me o justo,
será isso mercê; repreenda-me, será como óleo sobre a minha
cabeça, a qual não há de rejeitá-lo” (Sl 141.5). Mas os que
com isso se iram, tola e pecaminosamente o tomam como
uma injúria. Em todas essas coisas, nossa ira é indevida e
insensata com respeito à sua ocasião, quando essa ocasião
não é culpa daqueles com quem nos iramos. E assim,
Segundo, a ira é indevida e não cristã quanto à sua ocasião
quando as pessoas se iram em ocasiões insignificantes e
triviais, e quando, embora haja algo para se culpar, contudo a
falta é tão pequena e de tamanha insignificância que não é
digna de nossa agitação e atenção.
Deus não nos chama a ter nossos espíritos
incessantemente comprometidos na oposição e aguçados na
ira, a menos que seja em algumas ocasiões importantes.
Aquele que se ira a cada pequena falta que possa encontrar
em outros é certamente alguém com quem ocorre o oposto do
que é expresso no texto. Daquele que é provocado com cada
coisinha, cada banalidade, certamente não se pode dizer que
“não se irrita facilmente”. Alguns são de tal espírito iracundo
e irritável que são tirados do sério por toda coisinha, e por
coisas nos outros, na família, na sociedade ou nos negócios
que não são faltas maiores do que eles cometem diariamente.
Aqueles que se irritam assim com toda falta que veem nos
outros certamente devem esperar estar sempre em um estado
de agitação e suas mentes jamais sossegarão. Pois nada se
pode esperar neste mundo senão que continuamente vejamos
faltas nos outros, assim como há continuamente faltas em nós
mesmos. Portanto, ocorre que o cristão é ensinado a ser
“Tardio para falar, tardio para se irar” (Tg 1.19). Também se
diz que “O que presto se ira faz loucuras”. Aquele que
diligentemente guarda seu próprio espírito não ficará irado
com frequência ou facilidade. Ele sabiamente mantém sua
mente em uma disposição calma e límpida, e não permite que
seja arrebatada com a ira, exceto em ocasiões extraordinárias,
e aquelas que especialmente exigem isso.
Terceiro, a ira pode ser imprópria e não cristã em sua
ocasião, quando nossos espíritos são agitados com as faltas
dos outros, especialmente enquanto elas nos afetam, e não
por que elas sejam contrárias a Deus.
Nunca deveríamos nos irar senão pelo pecado, e este
deveria ser sempre aquilo a que nos opomos em nossa ira.
Quando nossos ânimos são atiçados para nos opormos ao
mal, deve ser na sua condição de pecado, ou principalmente
por ser contra Deus. Se não houver nenhum pecado e
nenhuma culpa, então não temos nenhum motivo para nos
irarmos. Se houver alguma falta ou pecado, então é
infinitamente pior quando é contra Deus do que quando é
contra nós, e, portanto, requer a maior oposição por esse
motivo. As pessoas pecam em sua ira quando nela são
egoístas, pois não devemos nos comportar como se
pertencêssemos a nós mesmos, uma vez que pertencemos a
Deus e não a nós mesmos.
Quando se comete uma falta em que há pecado contra
Deus e que prejudica as pessoas, elas devem ter especialmente
em conta, e seus espíritos principalmente devem ser movidos
contra o pecado, por que contra Deus. Pois devem ser mais
solícitas pela honra de Deus do que por seus interesses
temporais. Toda ira, quanto à ocasião, é ou uma virtude ou um
vício, pois não há meio-termo que seja nem bom nem ruim.
Mas não há nenhuma virtude ou bondade em se opor ao
pecado, a menos que seja na sua condição de pecado. A ira
que é virtuosa é a mesma coisa que, em uma de suas formas, é
chamada de zelo. Nossa ira deveria ser como a ira de Cristo.
Ele era semelhante a um cordeiro sob os maiores danos
pessoais, mas jamais o vemos manifestando ira senão na
causa de Deus contra o pecado enquanto pecado. E assim
deve ser conosco.
Mas assim como a ira pode, nessas três circunstâncias,
ser indevida e não cristã com respeito à sua ocasião ou causa,
também, 3. Pode ser ruinosa e pecaminosa com respeito a
seu propósito. E isso em dois aspectos.
Primeiro, quando nos iramos sem atenciosamente nos
propor algum propósito a ser alcançado por ela.
Nesse sentido a ira é precipitada e imprudente, quando é
permitido que irrompa e persista sem qualquer consideração
ou motivo. A razão não ganha espaço na questão; mas as
paixões adiantam-se à frente da razão e permite-se que a ira
surja antes mesmo que seja oferecida esta reflexão sobre a
questão: “de que benefício será, a mim e aos outros?” Essa ira
não é a ira de homens, mas a paixão cega dos animais. É um
tipo de fúria animal, ao invés da afeição de uma criatura
racional. Todas as coisas na alma humana devem estar
debaixo do governo da razão, a qual é a mais alta faculdade de
nosso ser. Todas as outras faculdades e princípios na alma
devem ser governados e dirigidos por ela ao seu fim próprio.
Portanto, quando nossa ira é desse tipo, é não cristã e
pecaminosa. E assim também, Segundo, quando nos
permitimos irar-nos por qualquer motivo errado.
Ainda que a razão nos diga, com respeito à nossa ira,
que ela não pode ser para a glória de Deus e de qualquer
benefício verdadeiro para nós, mas que deve, por outro lado,
servir bastante para o prejuízo nosso e de outros, contudo,
porque temos em vista a gratificação de nosso orgulho ou o
aumento de nossa influência, ou alguma forma de obtenção
de superioridade sobre os outros, permitimos a ira como
pedestal para alcançarmos esses outros fins, e assim
satisfazemos um espírito pecaminoso.
E finalmente,
4. A ira pode ser imprópria e ímpia com respeito à sua
medida. E isso, novamente, em dois aspectos, quanto à
medida de seu grau, e à medida de sua continuidade.
Primeiro, quando é imoderada em grau.
A ira pode ir muito além do que requer a situação. E,
frequentemente, é tão grande a ponto de deixar as pessoas
fora de si; suas paixões sendo tão violentas que, na ocasião,
não sabem o que estão fazendo e parecem incapazes de dirigir
e regular seja seus sentimentos seja a sua conduta. Às vezes,
as paixões das pessoas avultam-se tanto que elas, por assim
dizer, embriagam-se com elas, de modo que suas razões as
abandonam e agem como se estivessem fora de si. Mas o grau
da ira deveria sempre ser regulado pelo seu propósito, e
jamais deveria se permitir que fosse elevada a um grau acima
do que tende à obtenção dos bons fins que a razão propôs. E
a ira também é além da medida, sendo pecaminosa, Segundo,
quando é imoderada em sua continuidade.
É muito pecaminoso quando as pessoas ficam iradas
por muito tempo. O sábio não apenas nos dá a seguinte
prescrição: “Não te apresses em irar-te”, mas acrescenta que
“a ira se abriga no íntimo dos insensatos” (Ec 7.9). O apóstolo
diz: “Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa
ira” (Ef 4.26). Se a ira persistir por muito tempo, logo
degenerará na malícia, pois o fermento do mal se espalha mais
rápido do que o do bem. Se uma pessoa se permite guardar a
ira contra outra por muito tempo, logo virá a odiá-la. Assim
descobrimos ser o caso realmente entre aqueles que retêm
rancor no coração contra outro semana após semana, mês
após mês e ano após ano. Eles, no fim, verdadeiramente
odeiam as pessoas contra quem assim entesouraram ira, quer
o reconheçam ou não. Esse é um pecado muito terrível às
vistas de Deus. Todos devem, portanto, ser extremamente
cuidadosos quanto a permitirem que a ira perdure por muito
tempo em seus corações.
Tendo assim mostrado o que é essa ira ou espírito
iracundo, ao qual a caridade ou espírito cristão se opõe, passo,
como proposto, a mostrar, II. Como a caridade, ou um
espírito cristão, é contrária a essa ira.
Isso farei mostrando, primeiro, que a caridade ou amor,
o qual é a suma do espírito cristão, é diretamente contrária,
em si, à ira que é pecaminosa. Depois, mostrarei que os frutos
da caridade que são mencionados no contexto são todos
contrários a ela.
1. A caridade ou amor cristão é diretamente contrária,
em si, a toda ira indevida.
O amor cristão é contrário à ira que é imprópria em sua
natureza e que tende à vingança, implicando assim má
vontade, pois a natureza do amor é a boa vontade. Ele tende a
prevenir as pessoas de se irarem sem causa justa, e longe
estará de dispor alguém à ira por ninharias. O amor é o inverso
da ira e não lhe cederá em ocasiões triviais, muito menos
ainda onde não há razão para se irar. É um espírito maligno e
pernicioso, e não um espirito amoroso, que dispõe as pessoas
a irar-se sem motivo. O amor a Deus é oposto a uma
disposição nos homens de se irarem com as faltas dos outros,
principalmente quando eles próprios se ofendem e são
injuriados por elas. Ao contrário, os dispõe a olhá-las
principalmente enquanto cometidas contra Deus. Se o amor
for exercitado, tenderá a reprimir as paixões irascíveis e
mantê-las em sujeição, de modo que a razão e o espírito do
amor possa regulá-las e impedi-las de se tornarem imoderadas
em grau ou na continuidade.
E não apenas a caridade, ou espírito cristão, diretamente
e em si mesma é contrária a toda ira indevida, mas, 2. Todos
os frutos dessa caridade que são mencionados no contexto
também o são contrários à ira indevida.
E devo mencionar apenas dois desses frutos, pois
servirão por todos, isto é, aquelas virtudes que são contrárias
ao orgulho e ao egoísmo.
Primeiro, o amor ou a caridade é contrário a toda ira
indevida e pecaminosa, assim como nos seus frutos é
contrário ao orgulho.
O orgulho é uma das causas principais da ira indevida. É
porque as pessoas são orgulhosas e se exaltam em seus
corações que são vingativas e facilmente provocadas; elas
tomam por grandes as coisas pequenas que possam ser feitas
contra elas. Sim, chegam até mesmo a encarar como vícios
coisas que há nelas que são virtudes, quando pensam que sua
honra foi tocada ou sua vontade contradita. É o orgulho que
torna as pessoas tão insensatas e apressadas em sua ira, e a
eleva a um grau tão alto, e a faz persistir por muito tempo, e
frequentemente a mantém na forma da malícia habitual. Mas,
como já vimos, o amor, ou a caridade cristã, é totalmente
oposto ao orgulho. E assim, Segundo, o amor ou caridade é
contrário a toda ira pecaminosa, assim como, em seus frutos,
é contrário ao egoísmo.
É porque as pessoas são egoístas e buscam o que é seu,
que são maliciosas e vingativas contra todos que se lhe opõem
ou interferem em seus próprios interesses. Se as pessoas não
buscassem seus próprios interesses privados e egoístas, mas a
glória de Deus e o bem comum, então seu espírito seria bem
mais animado na causa de Deus do que na sua própria. E não
seriam tão inclinadas à precipitação, pressa, desconsideração,
imoderação e à ira duradoura, para com alguém que possa tê-
las injuriado ou provocado. Mas elas, em grande medida, os
perdoariam por causa de Deus e pelo zelo que teriam pela
honra de Cristo. O fim ao qual almejariam seria não se tornar
grandes ou estabelecer sua própria vontade, mas a glória de
Deus e o bem de seus semelhantes. Mas o amor, como vimos,
opõe-se ao egoísmo.
APLICAÇÃO
Na aplicação deste assunto, vamos usá-lo, 1. Como
forma de autoexame.
Nossas próprias consciências, se fielmente investigadas
e imperativamente inquiridas, podem no máximo nos dizer se
somos, ou temos sido, pessoas desse espírito raivoso e dessa
disposição iracunda que foram descritos; se estamos
frequentemente irados ou nos permitimos a má vontade ou a
continuidade da ira. Não estamos frequentemente irados? E se
sim, não há razão para pensar que essa ira tem sido imprópria
e sem causa justa, sendo assim pecaminosa? Deus não chama
os cristãos ao seu reino para que possam permitir-se grandes
doses de irritabilidade e terem suas mentes normalmente
atiçadas e perturbadas pela ira. A maior parte da ira que você
tem acalentado não é devida principalmente, se não
inteiramente, ao seu próprio eu?
Os homens costumam invocar o zelo pela religião, e
pelo dever, e pela honra de Deus como a causa de sua
indignação, quando apenas seus interesses particulares estão
em vista e são afetados. É notável como se adiantam para
simular que são zelosos por Deus e pela justiça, em casos em
que sua honra, ou vontade, ou interesses foram tocados, e
fazem disso motivo para ofender os outros ou queixar-se
deles. Que grande diferença há em suas condutas nas outras
situações, onde a honra de Deus é do mesmo tanto ou muito
mais ferida, e seus interesses não estão especialmente em
jogo! Nesse último caso, não há a mínima aparência de zelo e
prontidão de espírito e nenhum adiantamento para reprovar, e
se queixar-, e se irar. Há, ao contrário, frequentemente, uma
prontidão para se desculpar, e se abster de reprovar os outros,
e para ser frio e negligente em qualquer oposição ao pecado.
Ademais, questione quanto a que bem foi obtido pela
sua ira, e a que você visou nela. Você alguma vez pensou
sobre essas coisas? Houve grande porção de ira e amargura na
coisas que se passaram nesta cidade em ocasiões públicas, e
muitos de vocês estiveram presentes nessas ocasiões. Essa
mesma ira foi manifesta na sua conduta, e, temo eu,
acalentada em seus corações. Examinem a si mesmos quanto
a essa questão, e investiguem qual tem sido a natureza de sua
ira. Não tem sido em grande parte, ou toda ela, daquela
natureza imprópria e ímpia da qual falamos? Não tem sido da
natureza da má vontade, malícia e amargura de espírito – uma
ira que surge de princípios orgulhosos e egoístas, porque seus
interesses, opiniões e partidos foram afetados? Sua ira não
tem estado distante do zelo cristão que não perturba a
caridade, nem amarga os sentimentos, nem leva à crueldade
ou ira na conduta?
E quanto ao período de duração de sua ira? O sol não
tem se posto mais de uma vez sobre a sua ira, às vistas de
Deus e de seu próximo? Ou melhor, ainda mais, não tem se
posto muitas vezes, mês após mês, ano após ano, enquanto o
frio do inverno não esfriou o calor de sua ira, nem o sol do
verão o derreteu para a bondade? E não há alguns aqui
presentes que estão sentados diante de Deus com ira
armazenada em seus corações, queimando lá dentro? Ou, se
sua ira for, por um tempo, oculta dos olhos humanos, não é
semelhante a uma antiga ferida não totalmente curada, que ao
mínimo toque renova a dor? Ou como fogo sufocado nos
montões de folha do outono, o qual a mínima brisa inflamará
as chamas?
E como é nas suas famílias? Essas são sociedades, as
mais intimamente unidas de todas. Seus membros estão na
relação mais próxima, sob as maiores obrigações pela paz,
harmonia e amor. Contudo, qual tem sido seu
ânimo na família? Acaso você não tem sido muitas vezes
irritadiço, irado, impaciente, rabugento e maldoso para com
aqueles que Deus, em grande medida, colocou na sua
dependência, e que ficam muito facilmente felizes ou infelizes
pelo que você diz ou faz – pela sua bondade ou maldade? Que
tipo de ira você tem permitido na família? Não tem sido com
frequência aquela insensata e pecaminosa, não apenas em sua
natureza, mas em sua ocasião, quando aqueles com os quais
vocês estava irado não tinham culpa, ou quando a falta era
insignificante ou não intencional, ou quando, talvez, você
mesmo tivesse parte da culpa sobre si? E mesmo onde possa
haver justa causa, sua ira não perdurou e o levou a ser
intratável ou severo, a tal ponto que sua consciência o
reprovou? E você não tem se irado contra seus vizinhos, que
vivem próximos a você, e com quem você trata diariamente?
E, em ocasiões triviais e por coisas pequenas, você não se
permitiu a ira contra eles? Em todos esses pontos, incumbe a
nós nos examinar e conhecer de que espécie de espírito
somos, e onde falhamos em ter o espírito de Cristo.
2. O assunto dissuade e alerta contra toda ira
imprópria e pecaminosa.
O coração humano é extremamente inclinado à ira
imprópria e pecaminosa, sendo naturalmente cheio de orgulho
e egoísmo. Vivemos em um mundo que está cheio de
ocasiões que tendem a atiçar esta corrupção que está dentro
de nós, de modo que não podemos esperar viver em qualquer
medida tolerável como os cristãos deveriam viver, neste
aspecto, sem vigilância e oração constantes. E não deveríamos
apenas vigiar contra os exercícios, mas lutar contra a fonte da
ira, e buscar intensamente tê-la mortificada em nossos
corações, pelo estabelecimento e aumento do espírito do amor
divino e da humildade em nossas almas. E, para esse fim,
diversas coisas podem ser consideradas.
Primeiro, considere com frequência suas próprias
falhas, pelas quais você deu a Deus e aos homens razão
para que se desagradassem de você. Durante toda a sua vida,
você ficou aquém das exigências de Deus, incorrendo, assim,
justamente, na sua terrível ira. Constantemente você tem
ocasião de orar a Deus para que ele não se ire com você, mas
lhe mostre misericórdia. E suas falhas também têm sido
numerosas para com seus semelhantes, e lhes deram sempre
azo para que se irassem contra você. Suas faltas são tão
grandes, talvez, quanto a deles; e esse pensamento deveria
levá-lo a não gastar grande parte de seu tempo se indispondo
com o argueiro nos olhos dos outros, mas, ao contrário, em
arrancar as traves dos seus. Com muita frequência, aqueles
que são rápidos em irar-se com os outros e a elevar seu
ressentimento pelas faltas deles são igualmente ou ainda mais
culpados pelas mesmas faltas. De modo semelhante, os que
muito se dispõem a irar-se com os outros que falaram mal
deles são, com frequência, muito constantes em falar mal dos
outros, e até mesmo, na sua ira, a difamá-los e injuriá-los.
Se os outros, então, nos provocarem, ao invés de nos
irarmos contra eles, que nossos primeiros pensamentos se
voltem para nós mesmos, e que isso nos incite à autorreflexão
e nos leve a investigar se não temos sido culpados das exatas
mesmas coisas que excitam nossa ira, ou até mesmo de coisas
piores. Assim, pensar em nossas próprias falhas e erros
tenderá a nos afastar da ira indevida contra os outros.
Considere, também,
Segundo, como essa ira imprópria destrói o conforto
daquele que a permite.
Ela atormenta a alma na qual habita, como uma
tempestade atormenta o oceano. Essa ira é inconsistente com
a apreciação do homem de si mesmo, ou a ter qualquer paz ou
respeito próprio verdadeiros em seu espírito. Pessoas de
temperamento iracundo e raivoso, cujas mentes sempre estão
inquietas, são dos tipos mais infelizes e vivem vidas infelizes.
Por conseguinte, o apreço por nossa felicidade deve nos levar
a esquivar-nos de toda ira indevida e pecaminosa. Considere,
também, Terceiro, o quanto esse ânimo incapacita as
pessoas para os deveres da religião.
Toda ira indevida nos indispõe para os exercícios
piedosos e para os deveres ativos da religião. Coloca a alma
longe daquela doce e excelente disposição de espírito, na qual
mais desfrutamos comunhão com Deus, e que fazem a
verdade e as ordenanças mais proveitosas para nós. É por isso
que Deus nos ordena que não nos acheguemos ao seu altar
enquanto estivermos em inimizade com outros, mas “Deixa
perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu
irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta” (Mt 5.24); e é dito
pelo apóstolo: “Quero, portanto, que os varões orem em todo
lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem animosidade” (1
Tm 2.8). E, uma vez mais, considere, Quarto, que a Bíblia se
refere às pessoas iracundas como inabilitadas para a
sociedade humana.
O preceito expresso de Deus é: “Não te associes com o
iracundo, nem andes com o homem colérico, para que não
aprendas as suas veredas e, assim, enlaces a tua alma”. (Pv
22.24,25). Esse homem é amaldiçoado, como uma peste da
sociedade que perturba e inquieta e põe tudo em confusão: “O
iracundo levanta contendas, e o furioso multiplica as
transgressões” (Pv 29.22). Todos se sentem desconfortáveis
perto dele; seu exemplo é mal e sua conduta é desaprovada
tanto por Deus quanto pelos homens.
Que todas essas considerações, portanto, vençam a
todos e os levem a evitar um espírito e temperamento irado, e
a cultivarem o espírito da gentileza e bondade e amor, que é o
espírito do céu.
CAPÍTULO 10
A CARIDADE OPÕE-SE À CENSURA
“A caridade...não suspeita mal.”
1 Coríntios 13.5
T endo
observado
como
caridade, ou amor cristão, se opõe não apenas ao orgulho e
a
H avendo
mencionado
nos
versos precedentes muitos dos bons frutos da caridade e
dois
T endo
declarado,
nos versículos
anteriores, aqueles frutos da caridade que consistem em ação,
o apóstolo agora procede para falar daqueles que fazem
referência ao sofrimento. Aqui declara que a caridade, ou o
espírito do amor cristão, tende a dispor os homens e a torná-
los suscetíveis a suportar todos os sofrimentos por causa de
Cristo e no caminho do dever. Suponho que esse seja o
sentido da expressão: “Tudo suporta”. Sei que alguns
entendem essas palavras como se fizessem referência apenas à
mansa recepção das injúrias feitas por nossos semelhantes.
Mas me parece que devem antes ser entendidas no sentido
aqui dado, do sofrimento na causa de Cristo e da religião; e
isso pelas seguintes razões:
Primeira, quanto a suportar injúrias de homens, isso o
apóstolo havia mencionado antes, ao dizer que “a caridade é
longânima”, e novamente ao declarar que “não se exaspera
facilmente”, ou que tende a resistir às paixões da ira. Portanto,
não há necessidade de supor que ele faria uso dessa
tautologia[24] para mencionar novamente a mesma coisa, pela
terceira vez.
Segunda, o apóstolo parece evidentemente ter
terminado com os frutos da caridade de natureza mais ativa, e
tê-los sumarizados todos na expressão do verso anterior:
“Não se regozija na iniquidade, mas se regozija na verdade”.
Ele esteve repassando os vários pontos da boa conduta em
relação ao nosso próximo a qual tende a caridade e, tendo-os
sumarizado na expressão acima, agora parece proceder para
os traços de outra natureza, não repetindo as mesmas coisas
em outras palavras.
Terceira, é com frequência que o apóstolo Paulo
menciona o sofrimento na causa de Cristo como um fruto do
amor cristão; portanto, não é provável que omitiria fruto tão
grande do amor neste lugar, onde está confessadamente
considerando todos os frutos importantes do amor ou
caridade. É comum para o apóstolo, em outros lugares,
mencionar o sofrimento na causa da religião como o fruto do
amor ou caridade. Assim ele o faz em 2 Coríntios 5.14, onde,
após falar do que já sofreu na causa de Cristo, por causa do
que outros estavam prontos a dizer que ele estava fora de si,
dá como razão para isso que o amor de Cristo o constrangia.
E assim, novamente, em Romanos 5.3,5, ele apresenta como
uma razão por que estava disposto a gloriar-se nas tribulações,
o fato de que “o amor de Deus foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado”. E ainda
novamente declara que nem tribulação, nem angústia, nem
perseguição, nem fome, nem nudez, nem perigo, nem espada
poderia separá-lo do amor de Cristo (Rm 8.35). Agora, visto
que o sofrimento na causa de Cristo é fruto tão grande da
caridade, e é assim referido com frequência, em outros
lugares, pelo apóstolo, não é provável que se omitiria aqui,
onde claramente está falando dos vários frutos da caridade.
Quarta, as palavras seguintes, “tudo crê, tudo espera,
tudo suporta”, mostram todas que o Apóstolo já terminou
com aqueles frutos da caridade que fazem referência
principalmente aos nossos semelhantes, como pode ser
manifesto daqui por diante, quando essas expressões forem
mais plenamente consideradas. A doutrina, então, que
derivarei do texto é:
QUE A CARIDADE, OU UM ESPÍRITO
VERDADEIRAMENTE CRISTÃO, NOS TORNARÁ
DISPOSTOS, PELA CAUSA DE CRISTO, A SUPORTAR
TODOS OS SOFRIMENTOS AOS QUAIS POSSAMOS
NOS EXPOR NO CAMINHO DO DEVER.
Ao clarear essa doutrina, primeiramente irei brevemente
explicá-la, e depois dar alguma razão ou prova da sua verdade.
I. Explicarei a doutrina. E, ao assim fazer, noto:
1. Que ela implica que aqueles que têm o verdadeiro
espírito da caridade ou do amor cristão estão dispostos a
não apenas fazer, mas também sofrer por Cristo.
Os hipócritas podem e com frequência fazem uma
grande exibição de religião na profissão de fé, em palavras que
nada custam e em ações que não envolvem grande dificuldade
ou sofrimento. Mas não têm um espírito sofredor, ou um
espírito que os incline a voluntariamente sofrer pela causa de
Cristo. Quando se ocuparam na religião, não foi com vistas a
qualquer sofrimento, ou qualquer desígnio ou expectativa de
ser prejudicado por ela em seus interesses temporais. Eles se
comprometeram com Cristo, até onde o fizeram, apenas para
servirem, por sua vez, a si mesmos. Tudo o que fazem nas
coisas religiosas procede de um espírito egoísta e é
comumente serve aos seus interesses, como acontecia com os
fariseus de outrora. Portanto, estão distantes do espírito que
se voluntaria a encontrar o sofrimento, seja nas pessoas ou em
seus interesses.
Mas aqueles que são verdadeiramente cristãos têm
disposição para sofrer por Cristo, e estão dispostos a segui-lo
na condição dada por ele mesmo: “E qualquer que não tomar
a sua cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo” (Lc
19.27). E não apenas estão dispostos a sofrer por Cristo, mas:
2. Também se depreende de nossa doutrina que eles
têm a disposição para suportar todos os sofrimentos aos
quais seu dever para Cristo possa expô-los. E aqui,
Primeiro, estão dispostos a suportar todos os
sofrimentos, de todos os tipos, que se encontram no caminho
do dever. Têm ânimo de disposição para sofrer em seu bom
nome: a sofrer reprovação e desprezo por causa de Cristo, e a
preferir a honra de Cristo à sua própria. Podem dizer com o
Apóstolo: “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias,
nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor
de Cristo” (2 Co 12.10). Têm disposição para sofrer o ódio e a
má vontade dos homens, como foi predito por Cristo, quando
disse: “Sereis odiados de todos por causa do meu nome” (Mt
10.22). Têm disposição para sofrer em suas posses exteriores;
como diz o Apóstolo: “Sim, deveras considero tudo como
perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo
Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas”
(Fl 3.8). Têm disposição para sofrer em sua tranquilidade e
conforto e para suportar durezas e fadigas, como Paulo, para
serem aprovados como fiéis: “Na muita paciência, nas
aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões,
nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns” (2 Co
6.4,5). Têm disposição para sofrer dores corporais, como
aqueles que “foram torturados, não aceitando seu resgate,
para obterem superior ressurreição; outros, por sua vez,
passaram pela prova de escárnios e açoites, sim, até de
algemas e prisões” (Hb 11.35,36). Têm disposição para sofrer
até mesmo a morte: “Quem acha a sua vida perdê-la-á; quem,
todavia, perde a vida por minha causa achá-la-á” (Mt 10.39).
Esses e outros sofrimentos concebíveis em tipo estão
dispostos a suportar por causa de Cristo e no caminho do
dever. E assim,
Segundo, estão dispostos a suportar todos os
sofrimentos, de todos os graus, que se encontram no
caminho do dever. São como o ouro puro, que suportará o
teste da mais quente fornalha. Têm coragem para esquecer
tudo e seguir Cristo, e comparativamente “odiar” até mesmo
“pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua
própria vida” por causa de Cristo (Lc 14.26). Têm ânimo para
sofrer os maiores graus de reprovação e desprezo, e a passar
pelo teste não apenas de zombarias, mas de zombarias cruéis;
e a suportar não apenas a perda, mas a perda de todas as
coisas. Tem ânimo para sofrer a morte, e não apenas isso, mas
as formas mais cruéis e excruciantes de morte, tais como “ser
apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de
espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de
cabras, necessitados, afligidos, maltratados” (Hb 11.37). Estão
dispostos a suportar os sofrimentos mais agudos e cruéis, em
grau, por Cristo. Prossigo,
II. Para dar alguma razão ou prova da doutrina.
E que assim é que aqueles que têm um espírito
verdadeiramente gracioso estão dispostos a suportar todos os
sofrimentos a que possam estar expostos no caminho do
dever, aparecerá a partir das seguintes considerações:
1. Se não tivermos esse ânimo, é uma evidência de que
nunca nos entregamos sem reservas a Cristo.
É necessário para que sejamos cristãos ou seguidores de
Cristo que nos entreguemos a ele sem reservas, para sermos
totalmente dele, e dele somente, para todo o sempre. Portanto,
o compromisso do crente com Cristo é com frequência, nas
Escrituras, comparado ao ato de uma noiva ao se entregar em
casamento a seu marido; como quando Deus diz a seu povo:
“Desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo
em justiça, e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias;”
(Os 2.19). Mas uma mulher, no casamento, entrega-se ao seu
marido para ser dele, e dele somente.
Os verdadeiros crentes não pertencem a si mesmos, pois
foram comprados por um preço; e reconhecem o pleno direito
que Cristo tem por eles, e reconhecem-no por seu próprio ato,
dando a si mesmos a ele como um sacrifício voluntário e vivo,
totalmente devotado a ele. Mas os que não têm ânimo para
sofrer todas as coisas por Cristo mostram que não se
entregam totalmente a ele, pois fazem reserva daqueles casos
de sofrimento que não estejam dispostos a suportar por sua
causa. Nesses casos, desejam ser dispensados de ser por
Cristo e sua glória, e escolhem antes que a causa dele seja
posta de lado em benefício de sua tranquilidade ou interesse,
e, na realidade, que dê totalmente lugar a essas coisas. Mas
fazer essas reservas de casos de sofrimento é certamente
inconsistente com verdadeiramente se devotar a Deus. É,
antes, ser como Ananias e Safira, que deram apenas parte e
retiveram outro tanto do que afirmaram ter dado ao Senhor.
Entregar-nos totalmente a Cristo implica em sacrificar
nossos interesses temporais totalmente por ele. Mas aquele
que sacrifica totalmente seu interesse temporal por Cristo está
pronto a sofrer todas as coisas em seus interesses mundanos
por ele. Se Deus for verdadeiramente amado, é amado como
Deus; e amá-lo como Deus é amá-lo como o bem supremo.
Mas aquele que ama a Deus como o bem supremo está pronto
a fazer todas os outros bens lhe cederem lugar; ou, o que é o
mesmo, está disposto a sofrer tudo por causa desse bem.
2. Aqueles que são verdadeiramente cristãos temem a
Deus de tal maneira que seu desfavor é muito mais terrível
do que todas as aflições e sofrimentos terrenos.
Quando Cristo fala a seus discípulos sobre que
sofrimentos estariam expostos por sua causa, diz-lhes: “Não
temais os que matam o corpo e, depois disso, nada mais
podem fazer. Eu, porém, vos mostrarei a quem deveis temer:
temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no
inferno. Sim, digo-vos, a esse deveis temer” (Lc 12.4,5). Da
mesma forma também é dito pelo profeta: “Ao SENHOR dos
Exércitos, a ele santificai; seja ele o vosso temor, seja ele o
vosso espanto” (Is 8.13).
Agora, os que são verdadeiramente cristãos veem e
conhecem aquele que é um Deus tão grande e terrível e sabem
que seu desprazer e ira são muito mais terríveis que todos os
sofrimentos temporais que possam estar no caminho de seu
dever, e que é mais terrível que a ira e crueldade de homens
ou os piores tormentos que possam infligir. Portanto, têm
animo para sofrer tudo que possa ser infligido, ao invés de
esquecer de Deus e do pecado contra aquele que pode infligir
sobre eles a ira eterna.
3. Aqueles que são verdadeiramente cristãos têm
aquela fé pela qual veem o que é mais que suficiente para
substituir os maiores sofrimentos que possam suportar na
causa de Cristo.
Eles veem essa excelência em Deus e Cristo, a quem
escolheram por sua porção, que de longe sobrepuja todos os
possíveis sofrimentos. E veem também aquela glória que
Deus prometeu aos que sofrem por sua causa – esse peso de
glória muito excedente e eterno, que seus sofrimentos pela
causa de Cristo opera por eles, e em comparação ao qual as
mais pesadas aflições e as provações mais duradouras são
apenas “leve e momentânea tribulação” (2 Co 4.17). A fé de
Moisés é dada como uma razão pela qual estava disposto a
sofrer aflição com o povo de Deus e a suportar reprovação por
causa de Cristo, porque, no exercício dessa fé, viu algo
melhor do que o trono e as riquezas do Egito armazenado
para ele no céu (Hb 11.24-26).
4. Se não estivermos dispostos a nos comprometermos
com a religião, apesar de todas as dificuldades que a
acompanham, seremos esmagados pela vergonha no final.
Assim Cristo expressamente nos ensina. Sua linguagem
é: “Pois qual de vós, pretendendo construir uma torre, não se
assenta primeiro para calcular a despesa e verificar se tem os
meios para a concluir? Para não suceder que, tendo lançado
os alicerces e não a podendo acabar, todos os que a virem
zombarem dele, dizendo: Este homem começou a construir e
não pôde acabar. Ou qual é o rei que, indo para combater
outro rei, não se assenta primeiro para calcular se com dez mil
homens poderá enfrentar o que vem contra ele com vinte mil?
Caso contrário, estando o outro ainda longe, envia-lhe uma
embaixada, pedindo condições de paz. Assim, pois, todo
aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não
pode ser meu discípulo” (Lc 14.28-33).
Os sofrimentos que estão no caminho de nosso dever
estão entre as dificuldades que acompanham a religião[25].
São parte do custo de ser religioso. Aquele, portanto, que não
está disposto a encontrar esse custo, nunca concorda com os
termos da religião. É como o homem que deseja que sua casa
estivesse construída, mas não está disposto a pagar o preço de
construí-la; e assim, para todos os efeitos, recusa-se a
construí-la. Aquele que não recebe o evangelho com todas as
suas dificuldades, não o recebe conforme lhe é proposto.
Aquele que não recebe Cristo com sua cruz juntamente com
sua coroa, na realidade, não o recebe verdadeiramente. É
verdade que Cristo nos convida a virmos a ele para achar
descanso e a comprar vinho e leite, mas também nos convida
a vir e tomar a cruz, e isso diariamente, para que possamos
segui-lo; e se viermos apenas para aceitar o descanso, nós, na
verdade, não aceitamos a oferta o evangelho, pois ambos vêm
juntos, o descanso e o jugo, a cruz e a coroa. Nada mais
significará senão que, aceitando apenas um, aceitamos aquilo
que Deus nunca nos ofereceu. Aqueles que recebem apenas a
parte fácil do cristianismo e não a difícil, no máximo, são
quase cristãos, enquanto que aqueles que são totalmente
cristãos recebem todo o cristianismo, e assim serão aceitos e
honrados, e não lançados fora, envergonhados, no último dia.
5. Sem esse espírito que o texto implica não se pode
dizer que abandonamos tudo por causa de Cristo.
Se houver qualquer tipo ou grau de sofrimento temporal
que não tenhamos ânimo de sofrer por Cristo, então há algo
que não abandonamos por sua causa. Por exemplo, se não
estivermos dispostos a sofrer reprovação por Cristo, então não
estamos dispostos a abandonar a honra por ele. De modo
semelhante, se não estivermos dispostos a sofrer a pobreza, a
dor e a morte por sua causa, então não estamos dispostos a
abandonar a riqueza, a tranquilidade e a vida por ele. Mas
Cristo é abundante em nos ensinar que devemos estar
dispostos a abandonar tudo que temos por ele, se o dever o
exigir, ou não podemos ser seus discípulos (Lc 14.26).
6. Sem esse espírito, não se pode dizer que negamos a
nós mesmos no sentido que as Escrituras requerem que o
façamos.
As Escrituras nos ensinam que é absolutamente
necessário negarmos a nós mesmos a fim de sermos
discípulos de Cristo: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se
alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua
cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida
perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á”
(Mt 16.24,25).
Essas expressões, como usadas aqui, significam o
mesmo que a pessoa renunciar a si mesma. Aquele que age de
acordo com elas em sua prática vive como se renegasse a si
mesmo por Cristo. Coloca-se em dificuldade ou sofrimento,
como se não fosse o senhor de si mesmo. Como se disse
acerca dos filhos de Levi, que não conheciam seus próprios
parentes e amigos, quando os passaram a fio de espada por
seu pecado em fazer o bezerro de ouro, assim se diz que os
cristãos não reconhecem, mas negam a si mesmos, quando
crucificam a carne e sofrem os maiores sofrimentos por
Cristo, como se não tivessem compaixão de si mesmos.
Aqueles que farão contrário à vontade de Cristo e sua glória,
com o fim de evitarem o sofrimento, negam a Cristo ao invés
de a si mesmos. Aqueles que não ousam confessar a Cristo
diante dos perseguidores, o que fazem, na realidade, é negá-lo
diante dos homens, e são do número dos que Cristo diz: “Mas
aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei
diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10.33); e que o
apóstolo diz: “Se o negamos, ele, por sua vez, nos negará” (2
Tm 2.12).
7. É o caráter de todos os verdadeiros seguidores de
Cristo segui-lo em todas as coisas.
“Estes são”, diz o discípulo amado, aludindo àqueles
em volta do trono de Deus, “os seguidores do Cordeiro por
onde quer que vá” (Ap 14.4). Não se pode dizer que aqueles
que estão dispostos a seguir a Cristo apenas na prosperidade e
não na adversidade, ou apenas em alguns sofrimentos e em
outros não, o seguem aonde quer que vá. Lemos a respeito de
um que disse a Cristo, enquanto esteve sobre a terra: “Mestre,
seguir-te-ei para onde quer que fores”, e que Cristo lhe
respondeu: “As raposas têm seus covis, e as aves do céu,
ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a
cabeça” (Mt 8.19,20). E com isso queria lhe dizer que se ele
lhe seguisse aonde fosse, deveria segui-lo por grandes
dificuldades e sofrimentos.
Aqueles que são verdadeiros seguidores de Cristo são
do mesmo espírito em relação a ele que Itai, o geteu,
manifestou com relação a Davi, ao não apenas se apegar a ele
na prosperidade, mas também na sua adversidade, mesmo
quando Davi o teria desculpado se não fosse com ele. Disse:
“Tão certo como vive o SENHOR, e como vive o rei, meu
senhor, no lugar em que estiver o rei, meu senhor, seja para
morte seja para vida, lá estará também o teu servo” (2 Sm
15.21). Os verdadeiros cristãos têm essa mesma disposição
para com Cristo, o Davi espiritual.
8. É do caráter dos verdadeiros cristãos o fato de que
vencem o mundo.
“Todo o que é nascido de Deus vence o mundo” (1Jo
5.4). Mas vencer o mundo implica que vençamos
semelhantemente suas lisonjas e desaprovação, seus
sofrimentos e dificuldades. Essas são as armas do mundo,
pelas quais busca nos conquistar; e se houver qualquer uma
dessas que não tenhamos disposição de enfrentar por causa
de Cristo, então por essas armas o mundo nos terá em
sujeição e obterá vitória sobre nós. Mas Cristo dá a seus
servos a vitória sobre o mundo em todas as suas formas. São
conquistadores e mais do que conquistadores, por meio
daquele que os amou. Uma vez mais,
9. Os sofrimentos no caminho do dever são com
frequência, na Bíblia, chamados de tentações ou testes,
porque por eles Deus testa a sinceridade de nosso caráter
de cristãos.
Ao colocar esses sofrimentos em nosso caminho, Deus
testa se temos ânimo para suportar o sofrimento e assim testa
nossa sinceridade pelo sofrimento, como o ouro é testado
pelo fogo, para saber se é puro ou não. E assim como pelo
fogo o ouro puro pode ser distinguido de todos os metais
inferiores e de todas as suas imitações, também pela
observação de se estamos dispostos a suportar testes e
sofrimentos por causa de Cristo, Deus vê se realmente somos
seu povo, ou se estamos prontos para abandoná-lo e ao seu
serviço quando qualquer dificuldade ou perigo estiver no
caminho.
Parece ter sido com isso em mente que o apóstolo
Pedro diz aos seus destinatários: “Embora, no presente, por
breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias
provações, para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé,
muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado
por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de
Jesus Cristo” (1Pe 1.6,7). E novamente: “Amados, não
estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado
a provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos
estivesse acontecendo; pelo contrário, alegrai-vos na medida
em que sois coparticipantes dos sofrimentos de Cristo, para
que também, na revelação de sua glória, vos alegreis
exultando” (1Pe 4.12,13). E assim Deus declara pelo seu
profeta: “Farei passar a terceira parte pelo fogo, e a purificarei
como se purifica a prata, e a provarei como se prova o ouro;
ela invocará o meu nome, e eu a ouvirei; direi: é meu povo, e
ela dirá: O SENHOR é meu Deus” (Zc 13.9).
APLICAÇÃO
Na aplicação desse assunto, que ele:
1. Leve aqueles que se acham cristãos a examinarem a
si mesmos, quanto a se têm ou não a disposição de suportar
todos os sofrimentos por Cristo.
Compete a todos examinarem-se rigorosamente para
saberem se têm uma disposição sofredora ou não, visto que
tamanha importância está ligada a essa disposição nas
Escrituras. Embora você jamais tenha passado pelo teste de
ter tão grande e extremo sofrimento posto no caminho do seu
dever, como muitos outros tiveram, contudo, você já teve o
suficiente, no curso da providência de Deus, para mostrar qual
é sua disposição, e se você tem uma disposição para sofrer e
renunciar a seu próprio conforto, tranquilidade e interesse, ao
invés de abandonar Cristo.
Deus costuma, em sua providência, comumente
exercitar todos os professantes da religião, e especialmente
aqueles que podem estar vivendo em tempos de provação,
com testes desse tipo, pondo dificuldades em seu caminho, do
tipo que manifestarão qual é a disposição deles e se é um
espírito de autorrenúncia ou não. Frequentemente ocorre com
os cristãos que estão expostos a perseguições que, se se
apegarem a Cristo e forem fiéis a ele, devem sofrem em seu
bom nome e em perder a boa vontade dos outros, ou na sua
tranquilidade e conveniência exteriores, sendo expostos a
muitos problemas; ou em suas propriedades, sendo trazidos à
dificuldade quanto a seus negócios; ou devem fazer muitas
coisas que são extremamente adversas e até mesmo terríveis
para eles.
E quanto a você, quando passou por esses testes, já
achou em si mesmo uma disposição para suportar todas as
coisas que lhe sobrevêm, ao invés de ser infiel em qualquer
coisa ao seu grande Senhor e Redentor? Vocês tem ainda mais
necessidade de se examinar com respeito a esse ponto, pois
não sabem se, antes de morrerem, não irão porventura passar
por teste de perseguições como outros cristãos passaram.
Todo cristão verdadeiro tem o espírito de um mártir. Se você
não tem o espírito sofredor nos testes ou sofrimentos menores
que Deus pode enviar sobre você, como será se ele o expuser
a amargas perseguições, tais como as que os santos do
passado foram, por vezes, chamados a suportar? Se vocês não
podem suportar testes em coisas pequenas, como podem
possuir essa caridade que suporta todas as coisas? Como diz
o profeta em outra situação: “Se te fatigas correndo com
homens que vão a pé, como poderás competir com os que
vão a cavalo? Se em terra de paz não te sentes seguro, que
farás na floresta do Jordão?” (Jr 12.5). Nosso assunto,
2. Exorta a todos os professantes da religião a
acalentarem uma pronta disposição, por causa de Cristo, de
suportar todos os sofrimentos que possam ser encontrados
no caminho do dever.
Considerem aqui,
Primeiro, como são felizes aqueles que são
representados nas Escrituras como tendo uma disposição
para sofrer, e que realmente sofrem por Cristo.
“Bem-aventurados”, diz Cristo, “os perseguidos por
causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-
aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e
vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós.
Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos
céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes
de vós” (Mt 5.10-12). Novamente: “Bem-aventurados vós, os
que agora tendes fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados
vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. Bem-
aventurados sois quando os homens vos odiarem e quando
vos expulsarem da sua companhia, vos injuriarem e rejeitarem
o vosso nome como indigno, por causa do Filho do Homem.
Regozijai-vos naquele dia e exultai, porque grande é o vosso
galardão no céu; pois dessa forma procederam seus pais com
os profetas” (Lc 6.21-23). E novamente: “Porque vos foi
concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de
crerdes nele” (Fl 1.29). E novamente: “Bem-aventurado o
homem que suporta, com perseverança, a provação; porque,
depois de ter sido aprovado, receberá a coroa da vida, a qual o
Senhor prometeu aos que o amam” (Tg 1.12). E novamente:
“Mas, ainda que venhais a sofrer por causa da justiça, bem-
aventurados sois. Não vos amedronteis, portanto, com as suas
ameaças, nem fiqueis alarmados” (1Pe 3.14). O Novo
Testamento está cheio de expressões similares; todas elas
podem nos encorajar no caminho do sofrimento por Cristo.
Considere também,
Segundo, Que recompensas gloriosas Deus prometeu
daqui para frente para aqueles que realmente estiverem
dispostos a sofrer por Cristo.
É dito que receberão uma “coroa de vida”, e Cristo
promete que aqueles que abandonarem casas, ou irmãos, ou
irmãs, ou pai, ou mãe, ou esposa, ou filhos, ou terras por
causa do seu nome, receberão cem vezes mais e herdarão a
vida eterna (Mt 19.29). É-nos dito, novamente, que aqueles
que sofrem por causa de Cristo serão considerados dignos do
reino de Deus (2Te 1.5); e, novamente, que fiel é a palavra que
se sofremos com Cristo, também reinaremos com ele (2Tm
2.11,12). Também é dito que, se sofremos com ele, também
seremos glorificados com ele (Rm 8.17). Temos também as
mais gloriosas promessas feitas àqueles que vencem e obtêm
a vitória sobre o mundo: “Ao vencedor”, diz Cristo, “dar-lhe-
ei que se alimente da árvore da vida que se encontra no
paraíso de Deus”; e “de nenhum modo sofrerá dano da
segunda morte”; e “dar-lhe-ei do maná escondido”; e “lhe
darei autoridade sobre as nações”; e “dar-lhe-ei ainda a estrela
da manhã”; e “será assim vestido de vestiduras brancas, e de
modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida; pelo
contrário, confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante
dos seus anjos”; e “fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus,
e daí jamais sairá; gravarei também sobre ele o nome do meu
Deus”; e “dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono, assim
como também eu venci e me sentei com meu Pai no seu
trono” (Ap 2.7,11,17,26,27,28; 3.5,12,21). Certamente,
promessas tão ricas e abundantes como essas deveriam nos
tornar dispostos a suportar todos os sofrimentos por causa de
Cristo, que tão gloriosamente nos recompensará por todos
eles. Uma vez mais, considerem,
Terceiro, como as Escrituras abundam com exemplos
benditos daqueles que sofreram por causa de Cristo.
O salmista, falando da reprovação e blasfêmia que tinha
suportado do inimigo e vingador, diz: “Tudo isso nos
sobreveio; entretanto, não nos esquecemos de ti, nem fomos
infiéis à tua aliança. Não tornou atrás o nosso coração, nem se
desviaram os nossos passos dos teus caminhos” (Sl 44.17,18);
e novamente: “Os soberbos zombam continuamente de mim;
todavia, não me afasto da tua lei”; “São muitos os meus
perseguidores e os meus adversários; não me desvio, porém,
dos teus testemunhos”; “Príncipes me perseguem sem causa,
porém o que o meu coração teme é a tua palavra.” (Sl
119.51,157,161). E o profeta Jeremias falou ousadamente a
Deus, embora fosse ameaçado de morte por assim fazer (Jr
26.11,15). Sadraque, Mesaque e Abde-Nego recusaram-se a se
curvar e adorar a imagem de ouro que o rei da Babilônia havia
levantado, embora soubessem que seriam lançados na
fornalha ardente (Dn 3); e o próprio Daniel ainda orou
fielmente ao seu Deus, embora esperasse que fosse lançado
na cova dos leões (Dn 6).
Mas o tempo me faltaria para relatar sobre os apóstolos,
profetas, mártires e santos, e o próprio Cristo, que foram fiéis
tanto nos bons como nos maus momentos, e também nos
sofrimentos e testes; e não consideraram suas vidas preciosas,
para que assim pudessem ser fiéis até o fim. “Portanto,
também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem
de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do
pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com
perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando
firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual,
em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz,
não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do
trono de Deus” (Hb 12.1,2); “Não temas as coisas que tens de
sofrer. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap
2.10).
CAPÍTULO 13
TODAS AS GRAÇAS DO CRISTIANISMO
ESTAO CONECTADAS
“A caridade tudo crê, tudo espera”
1Coríntios 13.7
N essas
palavras
comumente
se entende que o apóstolo quer dizer que a caridade nos
dispõe a crer o melhor e esperar o melhor com relação ao
nosso próximo, em todas as situações. Mas me parece que
essa não é a sua intenção nesse lugar, mas, ao contrário, o que
pretende dizer é que a caridade é uma graça que acalenta e
promove o exercício de todas as outras graças, bem como,
particularmente, das graças da fé e da esperança.
Mencionando as graças de crer e esperar, ou da fé e esperança,
o apóstolo aqui mostra como o exercício delas é promovido
pela caridade. Minhas razões para entender o apóstolo nesse
sentido são as seguintes:
Primeira, ele logo antes mencionara esse fruto da
caridade pelo qual ela nos leva a pensar o melhor de nosso
próximo, ao dizer que ela “não pensa o mal”. Não temos
razão para achar que ele repetiria a mesma coisa novamente
nessas palavras.
Segunda, parece claro que o apóstolo havia acabado de
falar dos frutos da caridade em relação ao próximo, quando os
sumarizou, como vimos, ao dizer que ela “não se regozija na
iniquidade, mas regozija-se na verdade”, isto é, que tende a
prevenir todo mal procedimento e promover todo bom
comportamento. De modo que, nesse verso, podemos esperá-
lo proceder para mencionar alguns frutos da caridade de outro
tipo, tais como, por exemplo, sua tendência para promover as
graças da fé e esperança, que são grandiosas graças do
evangelho.
Terceira, descobrimos que o apóstolo, neste capítulo,
mais do que uma vez menciona as graças tríplices da fé,
esperança e caridade juntas. É razoável supor que, a cada vez
que o faz, ele tem em mente as mesmas três graças. No último
verso do capítulo, descobrimos essas três [graças]
mencionadas e comparadas; e lá, por “fé” e “esperança”, o
apóstolo claramente não quer dizer crer ou esperar o melhor
com respeito ao próximo, mas ele realmente tem em mente
aquelas grandes graças do evangelho que têm Deus e Cristo
por seu objeto principal e imediato. E assim, quando aqui ele
menciona as mesmas três graças, como no último verso do
capítulo, por que não devemos acreditar que tenha em mente
as mesmas três coisas naquele primeiro lugar que tem no
último, uma vez que estão no mesmo capítulo e no mesmo
discurso e no curso do mesmo argumento? E novamente,
Quarta, essa opinião é conforme ao objetivo e
propósito do apóstolo por todo o capítulo, o qual é mostrar a
relação da caridade com as outras graças, e, particularmente,
com a fé e a esperança. É a isso que o apóstolo visa em tudo o
que diz. Portanto, quando vem à conclusão do assunto, no
último versículo do texto, e diz que da fé, esperança e
caridade esta última é a maior, parece fazer referência ao que
dissera nas palavras do texto, isto é, que “a caridade tudo crê e
tudo espera”, significando que a caridade é maior que as
outras duas e tem a mais efetiva influência em produzi-las, e é
aquilo pelo que são acalentadas e promovidas na alma.
Por essas razões, a doutrina que derivo do texto é que:
AS GRAÇAS DO CRISTIANISMO ESTÃO TODAS
CONECTADAS E SÃO MUTUAMENTE DEPENDENTES
UMAS DAS OUTRAS.
Ou seja, elas estão todas ligadas e unidas umas às outras
e no interior das outras, como estão os elos de uma cadeia.
Uma, por assim dizer, pendura-se em outra, de uma
extremidade da cadeia à outra, de tal maneira que se um elo
for quebrado, todos desabam e o todo cessa de ter qualquer
efeito.
Ao desenvolver esse pensamento, primeiro explicarei
brevemente como as graças do cristianismo estão todas
conectadas; depois darei algumas das razões de porque isso
acontece.
I. Explicarei brevemente a maneira na qual as graças
do cristianismo estão conectadas.
Isso pode ser mostrado de três maneiras:
1. Todas as graças do cristianismo sempre andam
juntas.
Elas andam juntas de tal maneira que, onde uma se
encontra, lá se encontram todas as outras e, onde uma falta, lá
faltam todas. Onde há fé há amor, e esperança, e humildade; e
onde há amor, também há confiança; e onde há uma santa
confiança em Deus, há amor por Deus; e onde há uma
esperança graciosa, também há santo temor de Deus.
“Agrada-se o SENHOR dos que o temem e dos que esperam
na sua misericórdia” (Sl 147.11). Onde há amor por Deus, há
um gracioso amor pelos homens; e, onde há um amor cristão
pelo homem, há amor por Deus. Daí descobrimos que o
apóstolo João ora apresenta o amor aos irmãos como um sinal
de amor a Deus, dizendo: “Se alguém disser: Amo a Deus, e
odiar a seu irmão, é mentiroso” (1Jo 4.20); ora, novamente,
fala do amor a Deus como um sinal de amor aos irmãos,
dizendo: “Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus:
quando amamos a Deus e praticamos os seus mandamentos”
(1Jo 5.2).
Também é verdadeiro,
2. Que as graças do cristianismo dependem umas das
outras.
Não há apenas uma conexão, pela qual sempre estão
ligadas, mas há também uma dependência mútua entre elas,
de tal modo que uma não pode existir sem as outras. Negar
uma, com efeito, seria negar as demais, e assim a todas; assim
como negar a causa seria negar o efeito, ou negar o efeito seria
negar a causa. A fé promove o amor e o amor é o ingrediente
mais eficaz de uma fé viva. O amor é dependente da fé, pois
um ser não pode ser verdadeiramente amado, e especialmente
amado acima de todos os outros seres, a menos que seja visto
como um ser real. E então o amor, por seu turno, alarga e
promove a fé, pois somos mais aptos a crer e dar crédito e
mais dispostos a confiar naqueles a quem amamos do que
naqueles a quem não amamos. Portanto, a fé gera o amor,
pois a fé vê e confia na fidelidade de suas promessas, que fará
o que disse.
Toda esperança graciosa é esperança que descansa na
fé; e a esperança encoraja e produz ato de fé. Também o amor
tende à esperança, pois o espírito do amor é filial. Quanto
mais alguém sente em si esse espirito em relação a Deus, mais
natural será para ele olhar para Deus e ir até Deus como a um
pai. Esse espírito pueril lança fora o espírito de escravidão e
temor e dá o espirito de adoção, que é o espírito de confiança
e esperança. “Porque não recebestes o espírito de escravidão,
para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o
espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai”
(Rm 8.15). O apóstolo João nos diz: “No amor não existe
medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo” (1Jo 4.18).
E assim, novamente, uma esperança verdadeira e
genuína tende grandemente a promover o amor. Quando um
cristão tem o máximo de uma reta esperança de sua
participação na graça de Deus e naquelas bênçãos eternas que
são seus frutos, isso tende a produzir o exercício do amor, e
frequentemente o produz; como diz o apóstolo Paulo: “A
tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência;
e a experiência, esperança. Ora, a esperança não confunde,
porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo
Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5.3-5).
A fé também promove a humildade, pois, quanto mais
inteiramente alguém depende da suficiência de Deus, mais
tenderá a um senso humilde de sua própria suficiência. E
assim a humildade tende a promover a fé; pois, quanto mais
alguém tem um senso humilde de sua própria insuficiência,
mais seu coração estará disposto a confiar apenas em Deus e a
depender inteiramente de Cristo.
Da mesma forma, o amor promove a humildade, pois
quanto mais o amor é arrebatado pela amabilidade de Deus,
mais abominará a si mesmo e degradará e humilhará a si
mesmo por sua própria odiosidade e vileza. A humildade
promove o amor pois, quanto mais alguém tem um senso
humilde de sua própria indignidade, mas admirará a bondade
de Deus para consigo, e mais seu coração será induzido em
amor por ele, por sua graça gloriosa.
O amor tende ao arrependimento, pois aquele que
verdadeiramente se arrepende dos pecados, arrepende-se
deles porque cometidos contra um ser a quem ele ama. E o
arrependimento tende à humildade, pois ninguém pode
verdadeiramente entristecer-se pelo pecado e se autocondenar
à vista dele sem que seja humilhado no coração por ele.
Semelhantemente, o arrependimento, a fé e o amor,
todos tendes à ação de graças. Aquele que, pela fé, confia em
Cristo para a salvação, será grato a ele pela salvação. Aquele
que ama a Deus será disposto a gratamente reconhecer sua
bondade. E aquele que se arrepende de seus pecados será
sinceramente disposto a agradecer a Deus pela graça que é
suficiente para libertá-lo da culpa e poder do pecado. Um
verdadeiro amor por Deus tende ao amor pelos homens, que
portam a imagem de Deus; e um espírito de amor e paz
direcionado aos homens acalenta um espírito de amor a Deus,
assim como a imagem insufla o amor pelo original.
Assim poderia ser demonstrado como todas as graças
dependem umas das outras, mencionando-se muitos outros
exemplos. A humildade alimenta todas as outras graças, e
todas as outras graças promovem a humildade; e assim
também a fé promove todas as outras graças, e todas elas
nutrem e promovem a fé. E o mesmo é verdadeiro de cada
uma das graças do evangelho.
3. As diferentes graças do cristianismo estão, em
alguns aspectos, implícitas umas nas outras.
Elas não são apenas mutuamente conectadas e
dependentes, e não apenas promotoras umas das outras, mas
estão em alguns aspectos implícitas na natureza umas das
outras. Em relação a diversas delas é verdadeiro que uma é
essencial à outra, ou pertence a sua própria essência. Assim,
por exemplo, a humildade está implícita na natureza de uma
fé verdadeira, a ponto de ser a sua essência. É essencial à fé
verdadeira que seja uma fé humilde, assim como é essencial a
uma verdadeira confiança que seja uma confiança humilde.
Também a humildade pertence à natureza e essência de muitas
outras graças verdadeiras. É essencial ao amor cristão que seja
um amor humilde; à submissão, que seja uma submissão
humilde; ao arrependimento, que seja um arrependimento
humilde; à ação de graças, que seja uma ação de graças
humilde; e à reverência, que seja uma reverência humilde.
Semelhantemente o amor está implícito em uma fé
graciosa. É um ingrediente nela e pertence à sua essência, e é,
por assim dizer, a sua própria alma, ou sua natureza eficiente
ou operativa. Assim como a natureza eficiente e operativa do
homem é sua alma, também a natureza eficiente e operativa
da fé é o amor. O apóstolo Paulo nos diz que a “fé opera pelo
amor” (Gl 5.6); e o apóstolo Tiago nos diz que a fé sem sua
natureza eficiente está morta, assim como o corpo sem o
espírito (Tg 2.26).
Também a fé, em alguns aspectos, está implícita no
amor, pois é essencial a um amor cristão verdadeiro que seja
um amor que crê. Também o arrependimento salvífico e a fé
estão implícitos um no outro. São ambos uma e a mesma
conversão da alma do pecado para Deus, através de Cristo. O
ato da alma de volver-se do pecado para Deus através de
Cristo, no que diz respeito à coisa de que se volta, isto é, o
pecado, é chamado arrependimento; e, no que diz respeito à
coisa a que, e pela mediação da qual, se volta é chamado fé. É
como quando alguém se volta ou foge das trevas para a luz; é
o mesmo ato e movimento, embora seja chamado por nomes
diferentes, de acordo com a consideração das trevas de que se
foge ou da luz a que se foge. No primeiro caso é chamado
evitar ou converter-se, e no segundo de receber ou abraçar.
E assim há amor implícito na ação de graças. A
verdadeira ação de graças é nada mais do que o exercício do
amor a Deus, em razão da sua bondade para conosco.
Também há amor e um temor verdadeiro e filial por Deus,
pois um temor filial difere de um servil, pois não há amor
algum em um termo servil. Todas estas três graças do amor,
humildade e arrependimento estão implícitas na submissão
filial à vontade de Deus.
Também o desapego do mundo e a inclinação celestial
consistem principalmente nas três graças da fé, esperança e
amor. Portanto, um amor cristão pelo ser humano é um tipo
de amor mediato ou indireto a Cristo. A justiça e a verdade
para com os homens, se são verdadeiramente graças cristãs,
têm o amor em si e este é parte de sua essência. O amor e a
humildade, novamente, são as graças em que consiste a
mansidão para com os homens. E assim é o amor por Deus, e
a fé, e a humildade, que são os ingredientes da paciência e do
contentamento cristãos com nossa condição e com as
distribuições da providência para nós.
Assim se prova que todas as graças do cristianismo
estão concatenadas e ligadas, a ponto de serem mutuamente
conectadas e dependentes.
Prossigo, então, como proposto,
II. Para dar algumas razões de estarem assim
conectadas e dependentes.
1. Elas todas procedem da mesma fonte.
Todas as graças do cristianismo procedem do mesmo
Espírito; como diz o apóstolo: “Ora, os dons são diversos,
mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade nas realizações,
mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos” (1Co 12.4,
6). As graças do cristianismo procedem todas do mesmo
Espírito de Cristo, enviadas ao coração e que lá habitam como
uma natureza santa, poderosa e divina.
Portanto, todas as graças são apenas os diferentes
modos de agir da parte da mesma natureza divina; como pode
haver diferentes reflexos da luz do sol, e, contudo, na fonte, a
origem é a mesma, pois procede da mesma fonte ou corpo de
luz. A graça na alma é o Espírito Santo agindo na alma e assim
comunicando sua própria natureza santa. É como ocorre com
a água na fonte, assim também aqui é tudo uma e a mesma
natureza, apenas diversificada pela variedade de regatos que
emanam dela. Esses regatos devem todos ser de mesma
natureza, visto que procedem todos da mesma fonte; e a
diferença entre muitos deles, pelo que recebem nomes
diferentes, é principalmente relativa, mais para referenciá-los
aos vários objetos e modos de exercício do que uma diferença
real na sua natureza abstrata.
Assim também,
2. Elas são todas comunicadas na mesma obra do
Espírito, isto é, na conversão.
Não há uma conversão da alma a fé, e outra conversão
ao amor por Deus, e outra para a humildade, e outra para o
arrependimento, e ainda outra para o amor pelos homens; mas
todas são produzidas por uma única e mesma obra do Espírito
e são o resultado de uma única e mesma conversão ou
mudança de coração. Isso prova que todas as graças estão
unidas e ligadas por estarem contidas naquela única e mesma
natureza que nos é dada na regeneração. Acontece aqui como
é na primeira geração, aquela do corpo, na qual as diversas
faculdades são comunicadas em uma única e mesma geração;
os sentidos da vista, audição, tato, paladar e olfato, e também
os poderes do movimento, respiração, etc., todos são dados
aos mesmo tempo, e todos são apenas uma natureza e vida
humana, embora diversificadas em seus modos e formas.
Ademais, é verdadeiro das graças cristãs,
3. Que elas todas têm a mesma raiz e fundamento, isto
é, o conhecimento da excelência de Deus.
A mesma visão ou senso da excelência de Deus gera fé,
amor, arrependimento e todas as outras graças. Uma visão
dessa excelência gerará todas essas graças, porque mostra a
base e razão de todas as disposições santas e de toda conduta
santa para com Deus. Aqueles que verdadeiramente
conhecem a natureza de Deus o amarão, e confiarão nele, e
terão um espírito de submissão a ele, e o servirão e lhe
obedecerão. “Em ti, pois, confiam os que conhecem o teu
nome, porque tu, SENHOR, não desamparas os que te
buscam” (Sl 9.10); “Todo aquele que vive pecando não o viu,
nem o conheceu” (1Jo 3.6); “Todo aquele que ama é nascido
de Deus e conhece a Deus” (1Jo 4.7).
Também é verdadeiro das graças cristãs,
4. Que todas elas têm a mesma regra, isto é, a lei de
Deus.
Portanto, elas devem estar firmemente ligadas, visto que
todas obedecem a essa mesma regra, tendem todas a
confirmar a regra por inteiro, e conformam o coração e a vida
a ela. Aquele que tem um verdadeiro respeito a um dos
mandamentos de Deus terá um respeito verdadeiro por todos;
pois eles todos são estabelecidos pela mesma autoridade e são
todos juntamente uma expressão da mesma natureza santa de
Deus. “Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em
um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, aquele
que disse: Não adulterarás também ordenou: Não matarás.
Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da
lei” (Tg 2.10-11).
5. Todas as graças cristãs têm o mesmo propósito, isto
é, Deus.
Ele é o fim delas, pois todas tendem a ele. Assim como
são todas da mesma origem, surgindo da mesma fonte; e
todas permanecem no mesmo fundamento, crescendo da
mesma raiz; e são todas governadas pela mesma regra, a lei de
Deus; também são todas dirigidas ao mesmo fim, isto é, Deus,
sua glória e nossa felicidade nele. E isso mostra que elas
devem ser proximamente relacionadas e bastante ligadas entre
si.
E ainda mais uma vez é verdadeiro,
6. Que todas as graças cristãs são semelhantemente
relacionadas a uma e mesma graça, isto é, a caridade ou
amor divino, como a suma de todas elas.
Como vimos antes, a caridade ou amor é a suma de
todas as verdadeiras graças cristãs, apesar dos muitos nomes
que lhe possam ser dados. E apesar dos diferentes modos de
sua manifestação, se apenas as examinarmos cuidadosamente
descobriremos que estão reduzidas a uma. O amor, ou
caridade, é o cumprimento delas todas, e elas são apenas
muitas diversificações e ramos diferentes, relações e modos de
exercício da mesma coisa. Uma graça, com efeito, as contém
todas, assim como um princípio de vida compreende todas as
suas manifestações. Daí não é de se admirar que estejam
sempre juntas e sejam dependentes e implícitas umas nas
outras.
APLICAÇÃO
Na aplicação desse assunto,
1. Pode nos auxiliar a entender em que sentido se diz
que as coisas antigas foram abolidas e tudo se fez novo na
conversão.
Isto é o que nos ensina o apóstolo como fato: “E, assim,
se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já
passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 5.17). Mas a
doutrina do texto e o que foi dito a partir dele podem, em
alguma medida, nos mostrar como isso ocorre; pois assim
aprendemos que todas as graças do cristianismo são
imediatamente comunicadas na conversão, considerando que
estão todas intimamente ligadas, de forma que quando uma é
concedida todas o são, e não meramente uma.
Um verdadeiro convertido, no momento que é
convertido, passa a possuir não um ou dois, mas todos os
santos princípios e todas as graciosas disposições. Elas podem
ser débeis, realmente, como as faculdades e poderes de uma
criança, mas estão todas verdadeiramente lá, e serão vistas
fluindo progressivamente em todo tipo de sentimento e
conduta santos para com Deus e homem. Em cada verdadeiro
convertido há tantas graças quanto havia no próprio Jesus
Cristo, que é o que o evangelista João tinha em mente quando
diz: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de
graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do
unigênito do Pai. Porque todos nós temos recebido da sua
plenitude e graça sobre graça” (Jo 1.14,16).
E realmente não poderia ser diferente, visto que todos
os verdadeiros convertidos são renovados à imagem de Cristo,
como diz o apóstolo: “E vos revestistes do novo homem que
se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem
daquele que o criou” (Cl 3.10). Mas aquilo a que faltam
algumas partes ou traços não é uma imagem ou figura exata
de outro. Uma imagem exata tem uma parte correspondente a
cada parte daquilo de que é imagem. A cópia corresponde ao
original, totalmente, em todas as suas partes e traços, embora
possa ser obscura em alguns aspectos e não representar
qualquer parte perfeitamente, como a graça corresponde a
graça. A graça na alma é um reflexo da glória de Cristo, como
aparece em 2 Coríntios 3.18[26]. É um reflexo de sua glória,
como a imagem de uma pessoa é refletida de um espelho que
exibe parte por parte.
Acontece no novo nascimento como ocorre no
nascimento de uma criança. Ela tem todas as partes de um
adulto, embora estejam ainda em um estado bastante
imperfeito. Nenhuma parte está faltando, mas há tantos
membros quanto há em um homem de plena estatura e força.
Portanto, o que é realizado na regeneração é chamado de
“novo homem”; não apenas novos olhos, ou novos ouvidos,
ou novas mãos, mas um novo homem, possuindo todas as
faculdades e membros humanos. Mas todas as graças do
cristão são novas. Todas elas são membros do indivíduo após
a conversão, e nenhuma delas eram membros antes da
conversão. E porque há, por assim dizer, um novo homem,
com todos esses membros, gerados na conversão, por esse
motivo se diz que os cristãos são santificados totalmente, na
alma, corpo e espírito, como em 1Tessalonissences 5.23[27].
Assim, as coisas antigas passaram e todas as coisas se fizeram
novas, porque assim como o novo homem é posto para
dentro, o velho homem é lançado fora, de modo que o
homem de certa forma se torna totalmente novo.
E se há todas as graças vivas neste homem, se seguirá
que todas as corrupção serão mortificadas; pois não há
corrupção alguma que não tenha uma graça que lhe seja
oposta e correspondente. A concessão da graça mortifica a
corrupção oposta. Assim a fé tende a mortificar a
incredulidade; o amor a mortificar a inimizade; a humildade o
orgulho; a mansidão a vingança; a ação de graças a ingratidão,
etc. À medida que uma delas toma seu lugar no coração, a
oposta lhe dá lugar, assim como a escuridão em um ambiente
se esvai quando a luz é trazida. Assim as coisas antigas se
foram. Todas elas, em certa medida, passam, ainda que não
perfeitamente sobre a terra; logo todas as coisas se tornam
novas, ainda que imperfeitamente.
Isso mostra que a conversão, quando e onde é operada,
é uma grande obra e mudança. Ainda que a graça seja muito
imperfeita, aquele que antes não teve nenhuma corrupção
mortificada e agora as tem todas mortificadas, deve ter uma
grande mudança operada em si. Aquele que antes não teve
graça nenhuma, agora tem todas as graças. Ele pode com
razão ser chamado de nova criatura, ou, como está no original,
uma nova criação em Jesus Cristo.
2. Daí, também, que aqueles que esperam que tenham
a graça em seus corações podem testar uma graça pela
outra, pois todas as graças trabalham juntas.
Se as pessoas pensam que têm a fé, e, portanto, pensam
que vieram a Cristo, deveriam investigar se sua fé foi
acompanhada de arrependimento; se vieram a Cristo com um
coração quebrantado, sensível de sua própria indignidade e
vileza total pelo pecado; ou se não vieram em um espírito
presunçoso, farisaico, encorajando-se com sua própria
suposta bondade. Deveriam testar sua fé, investigando se foi
acompanhada com a humildade; se confiaram ou não em
Cristo de uma forma submissa e humilde, deleitando-se em
renunciar a si mesmo e dar toda a glória de sua salvação a Ele.
Também deveriam testar sua fé pelo seu amor. Se sua fé tem
em si apenas luz, mas nenhum calor, então não tem a
verdadeira luz; nem é uma fé genuína, se não opera pelo amor.
Assim, pela sua fé, as pessoas deveriam examinar seu
amor. Se parecem ter um amor afetuoso por Deus e Cristo,
deveriam investigar se ele é ou não acompanhado com uma
real convicção na alma da realidade de Cristo e da verdade do
evangelho que o revela, e com a plena convicção que ele é o
Filho de Deus, o único, glorioso e autossuficiente Salvador.
Aqui subjaz uma grande diferença entre as falsas e as
verdadeiras afeições, visto que as primeiras não são
acompanhadas com essa convicção, e elas também não veem
a verdade e realidade das coisas divinas. Portanto, deve-se
depender muito pouco dessas afeições. Elas são bastante
semelhantes à afeição que podemos ter para com uma pessoa
que lemos em um romance, e que ao mesmo tempo não
supomos que seja outra coisa a não ser uma pessoa
imaginária. Afeições tais que não são acompanhadas com
convicção jamais levarão as pessoas muito longe em seu
dever, nem as influenciarão, em qualquer grande extensão,
seja no fazer ou no sofrer.
Portanto, novamente, as pessoas deveriam examinar a si
mesmas quanto ao que nelas parece ser a graça da esperança.
Devem investigar se sua esperança é acompanhada com fé e
surge da fé em Jesus Cristo e de uma confiança em sua
dignidade e nela somente. A sua esperança está construída
nessa rocha, ou antes está fundada em uma alta opinião de
algo que pensam como bom em si mesmas? E assim deveriam
examinar em que base operam suas esperanças, e que
influência têm sobre elas, e se é ou não acompanhada com a
humildade.
Uma verdadeira esperança leva seus possuidores a ver
sua própria indignidade e, em vista de seus pecados, a
refletirem sobre si mesmos com vergonha e quebrantamento
de coração. Ela coloca-se no pó diante de Deus, e o conforto
que surge dela é uma alegria e paz submissas e humildes. Ao
contrário, uma falsa esperança está pronta a tornar seu
possuidor altivo, com um alto conceito de si mesmo e de sua
própria experiência e realizações.
Também devemos inquirir se nossa esperança está
acompanhada com um espírito de obediência, autonegação e
desapego do mundo. Uma verdadeira esperança é
acompanhada com essas outras graças, ligadas e dependentes
delas, enquanto que uma falsa esperança não ao contém. Ela
não engaja o coração na obediência, mas o lisonjeia e
endurece na desobediência. Não mortifica os apetites carnais,
nem se priva do mundo, mas tolera os apetites e paixões que
são pecaminosas e as escolhe, tornando os homens dóceis
enquanto vivem nelas.
Portanto, novamente, as pessoas deveriam examinar seu
desapego do mundo, investigando se é acompanhado com
esse princípio de amor que arrasta seus corações para longe
do mundo em direção aqueles objetos espirituais e celestiais
aos quais um amor verdadeiramente divino conduz a alma,
mais do que às coisas do mundo. Deveriam não apenas
questionar se têm algo que se assemelha com um amor
verdadeiro, mas deveriam ouvir Cristo perguntando-lhes,
como a Pedro: “Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que
estes?” Aqui um verdadeiro desapego do mundo difere de um
falso. Este último não procede de Deus e das coisas celestiais,
mas comumente vem ou do temor ou da aflição de
consciência, ou talvez de alguma aflição exterior, pelas quais
as pessoas têm suas mentes desafogadas por um tempo do
mundo para algo que são constrangidas a sentir que é melhor,
embora não lhes seja realmente mais doce. Elas são apenas
chamadas, vencidas ou apartadas do mundo, ao passo que
seus corações ainda se apegariam a ele tanto quanto antes, se
pudessem apenas desfrutá-lo, livres desses terrores e aflições.
Mas aqueles que, por outro lado, tem uma verdadeira
separação do mundo não são devotados às coisas mundanas,
mesmo em suas melhores e mais convidativas formas, pois
seus corações são tomados pelo amor de algo melhor. Têm
tamanha paixão por Deus e pelas coisas espirituais que suas
afeições não podem se apegar às coisas do mundo.
Da mesma forma, as pessoas deveriam testar seu amor
por Deus pelo seu amor ao povo de Deus; e também seu amor
a seus irmãos cristãos pelo seu amor por Deus. A graça falsa é
como uma figura ou imagem defeituosa ou monstruosa, a
qual alguma parte essencial esteja faltando. Pode ser que haja
uma aparência de alguma boa disposição para com Deus,
enquanto, ao mesmo tempo, há uma destituição das
disposições cristãs para com os homens. Ou, se parece haver
um disposição bondosa, justa, generosa e sincera para com o
homem, há uma falta de sentimento apropriado para com
Deus. Por esse motivo, vemos Deus reclamar de Efraim que
“é um pão que não foi virado” (Os 7.8), que geralmente está
queimado de um lado e cru do outro, e não serve para nada
em ambos.
Esse caráter devemos conscientemente evitar e nos
esforçar que cada graça que tenhamos possa testificar da
genuinidade de todas as nossas outras graças, de modo que
sejamos cristãos equilibrados, crescendo na unidade da fé e
do conhecimento do Filho de Deus, até ao homem perfeito, à
medida da estatura da plenitude de Cristo.
CAPÍTULO 14
A CARIDADE, OU GRAÇA VERDADEIRA, NÃO
PODE SER DESTRUÍDA PELA OPOSIÇÃO
“Tudo suporta”
1 Coríntios 13.7
N essas
palavras, e
também ao
dizer previamente que “a caridade é longânima” e,
novamente, que ela “tudo sofre”, entende-se comumente que
o apóstolo está fazendo declarações que têm substancialmente
o mesmo significado, como se as três expressões fossem
sinônimas e todas apenas dissessem as mesmas coisas com
palavras diferentes.
Mas essa ideia, sem dúvida, procede de um mal-
entendido de sua intenção. Pois, se considerarmos
cuidadosamente essas várias expressões e a maneira em que
são usadas, descobriremos que cada uma delas significa ou
aponta para um fruto diferente da caridade. Duas dessas
expressões já foram consideradas, isto é, que a “caridade é
longânima” e que “tudo sofre”. Mostrou-se que a primeira faz
referência aos danos causados pelas pessoas, e a última à
disposição que pode nos levar a suportar todos os sofrimentos
aos quais formos chamados pela causa de Cristo, ao invés de
abandoná-lo e ao nosso dever.
Essa expressão do texto, de que a caridade “tudo
suporta”, significa algo diferente de quaisquer das outras
declarações. Expressa a natureza duradoura e permanente
do princípio da caridade, ou da graça verdadeira na alma, e
declara que não falhará, mas continuará e perdurará, não
obstante toda a oposição que possa encontrar ou que possa
ser levantada contra ela. As duas expressões: “tudo sofre” e
“tudo suporta”, como estão na nossa tradução inglesa, e como
comumente usadas, são realmente bastante semelhantes no
significado. Mas a expressão do original, se literalmente
traduzida, seria que “a caridade permanece sob todas as
coisas”, isto é, ela ainda permanece, ou ainda permanece
constante e perseverante em toda oposição que possa surgir
contra ela. Quaisquer que sejam os assaltos feitos contra ela,
ainda permanece, e suporta, e não cessa, mas resiste e persiste
com constância, perseverança e paciência, apesar de tudo.
De acordo com a explicação que foi dada das quatro
expressões neste verso, “sofrer”, “crer”, “esperar” e “suportar
todas as coisas”, o sentido do apóstolo parece fácil, natural e
harmônico com o contexto. Ele está se esforçando para
apresentar o benefício universal da caridade, ou um espírito
de amor cristão. E para mostrar como é a suma de todo bem
no coração, primeiro mostra como ela dispõe a toda conduta
bondosa para com os homens, e sumariza essa questão ao
dizer que a caridade “não se regozija na iniquidade, mas se
regozija na verdade”. Então prossegue e declara que a
caridade não apenas dispõe a fazer e sofrer na causa de Cristo,
mas que ela inclui um espírito sofredor, de modo que
“suporta todas as coisas”, e que assim o faz ao promover as
duplas graças da fé e da esperança, que são principalmente
ocupadas nos sofrimentos na causa de Cristo; pois esses
sofrimentos são os testes de nossa fé e o que sustenta o
cristão quando passam por eles é a esperança de um peso de
glória muito maior e eterno a ser dado aos fiéis no fim. E a
caridade nutre essa fé e esperança; e, como fruto dessa fé e
esperança, suporta todas as coisas, e persevera, e persiste, e
não pode ser conquistada por toda oposição feita contra ela,
pois a fé vence o mundo, e a esperança em Deus habilita o
cristão a sempre triunfar em Jesus Cristo.
A doutrina, então, que derivarei do texto é que,
A CARIDADE, OU A VERDADEIRA GRAÇA
CRISTÃ, NÃO PODE SER DESTRUÍDA POR NADA QUE
SE LHE OPONHA.
Ao falar dessa doutrina, primeiramente notarei o fato
de que muitas coisas realmente se opõem à graça no coração
do cristão; em segundo lugar, aludirei à grande verdade que
ela não pode ser destruída; e, em terceiro lugar, declararei
algumas razões pelas quais não pode ser abalada, mas
permanece firme contra toda oposição.
I. Há muitas coisas que grandemente se opõem à
graça que está no coração do cristão.
Esse santo princípio tem inumeráveis inimigos
constantemente vigiando e guerreando contra ele. O filho de
Deus está cercado de inimigos por todos os lados. É um
peregrino e estranho de passagem por um país inimigo,
exposto a ataques a todo instante.
Há milhares de demônios, astutos, inteligentes, ativos,
poderosos e implacáveis, que são amargos inimigos da graça
que está no coração do cristão, e fazem tudo que está em seu
poder contra ela.
E o mundo é um inimigo dessa graça, porque abunda
com pessoas e coisas que lhe fazem oposição e com várias
formas de sedução e tentação para nos ganhar ou conduzir
para fora do caminho do dever.
O cristão tem não apenas muitos inimigos fora, mas
multidões dentro de seu próprio peito, que carrega consigo, e
dos quais não consegue se ver livre. Os maus pensamentos e
as inclinações pecaminosas atracam-se a ele e muitas
corrupções que ainda sustentam sua posição em seus
corações são os piores inimigos que a graça tem, e, entre
todos, são os que têm a maior vantagem em sua luta contra
ela. Esses inimigos são não apenas numerosos, mas
extremamente fortes e poderosos e muito amargos em sua
animosidade; implacáveis, irreconciliáveis, inimigos mortais,
buscando nada menos do que a total ruína e destruição da
graça. São incansáveis em sua oposição, de modo que o
cristão, enquanto permanece neste mundo, é representado
como estando em um estado permanente de guerra, e sua
ocupação é a de um soldado, de tal maneira que se fala dele
com frequência como de um soldado da cruz, e como alguém
cujo maior dever é lutar varonilmente o bom combate da fé.
Muitos são os poderosos e violentos assaltos que os
inimigos da graça fazem contra ela. Estão não apenas
constantemente a sitiando, mas com frequência a assaltam,
como uma cidade que é tomada pela tempestade. Estão
sempre espreitando e vigiando por uma oportunidade contra
ela, e por vezes surgem, em terrível ira, e se esforçam para
arrastá-la por urgente assalto.
Às vezes, um inimigo, outras vezes, outro, e outras
vezes ainda outro, e às vezes todos juntos, em um consenso,
esmurrando-a de todos os lados e insurgindo como um
dilúvio, estão prontos para esmagá-la e a engoli-la de uma só
vez. Às vezes a graça, em meio à mais violenta oposição de
seus inimigos guerreando contra si com sua argúcia e força
unidas é como uma faísca de fogo cercada por ondas
turbulentas e vagas enfurecidas, que parece que a engolirão e
a extinguirão em um momento. Ou é como um floco de neve
caindo no vulcão ardente; ou talvez como uma rica joia de
ouro em meio à fornalha inflamada, cujo calor furioso é
suficiente para consumir tudo, exceto o ouro puro, que é de
tal natureza que não pode ser consumido pelo fogo.
Acontece com a graça no coração de um cristão
semelhante ao que ocorre com a igreja no mundo. É a coluna
de Deus; mas é tão pequena e grande oposição lhe é feita por
incontáveis inimigos. Os poderes da terra e do inferno se
enraivecem contra ela, se possível para destruí-la; e, às vezes,
com tamanha violência e grande força contra ela que se
fôssemos julgar apenas pelas aparências pensaríamos que
seria vencida e destruída imediatamente.
Acontece com ela como foi com os filhos de Israel no
Egito, contra quem Faraó e os egípcios uniram todo seu
engenho e poder e envidaram esforços para extirpá-los como
um povo. É com ela como foi com Davi no deserto, quando
era caçado como uma perdiz nas montanhas e levado por
aqueles que procuravam sua vida a vagar de um deserto ou
caverna para outro, e muitas vezes foi perseguido em terra
estranha. E lhe acontece como foi com a igreja cristã nas
perseguições pagãs e anticristãs, quando todo o mundo, por
assim dizer, uniu sua força e engenho para exterminá-la da
face da terra, destruindo milhares e milhões com a mais
extrema crueldade e com as mais sangrentas perseguiçoes,
sem respeito ao sexo ou à idade. Mas,
II. Todas as oposições que são ou possam ser feitas
contra a graça verdadeira no coração não podem destrui-la.
Os inimigos da graça podem, em muitos aspectos, obter
grandes vantagens contra ela. Podem oprimi-la e reduzi-la
bastante e trazê-la a tais circunstâncias que pode parecer que
foi trazida às margens da completa ruína. Porém, ainda assim,
ela viverá. A ruína que parecia ser dificultosa será afastada.
Embora o leão rugidor, às vezes, venha com a boca aberta e
não apareça nenhum refúgio visível, contudo, o cordeiro
escapará e estará seguro. Sim, embora esteja nas próprias
garras do leão ou do urso, contudo será resgatada e não
devorada. E embora até mesmo pareça ter sido realmente
devorada, como Jonas pelo peixe, contudo, tomará
novamente alento e viverá. Acontece com a graça no coração,
nesse aspecto, como foi com a arca sobre as águas.
Conquanto a tempestade pareça terrível; embora haja dilúvio
tamanho que afunde todas as demais coisas, contudo, a graça
não afundará. Ainda que as enchentes subam o mais alto,
contudo, ela será mantida acima das águas; e ainda que as
poderosas ondas possam subir acima do topo das mais altas
montanhas, contudo, não serão capazes de ficar acima dessa
arca, mas ela flutuará em segurança.
Ou é com essa graça como foi com o barco em que
estava Cristo quando irrompeu uma grande tempestade e as
águas subiram, de tal maneira que parecia como se o barco
fosse repentinamente afundar; contudo, não afundou, embora
estive realmente coberto pelas águas, pois Cristo estava nele.
E assim, novamente, a graça no coração é como os
filhos de Israel no Egito, no Mar Vermelho e no deserto.
Embora Faraó jamais tenha se empenhado tanto em destruí-
los, eles, não obstante, cresceram e prosperaram. E quando,
por fim, os perseguiu com todo seu exército, e com carros e
cavaleiros, e eles foram encurralados próximo ao Mar
Vermelho, não vendo forma de escape, mas lhes parecia que
estavam próximos da ruína, contudo, realmente vieram a
escapar e não foram entregues como presas a seus inimigos.
De fato, foram preservados ao passar através do próprio mar,
pois as águas se abriram diante deles, e quando haviam
passado totalmente a salvos, elas revolveram-se e
submergiram seus inimigos. E foram preservados por um
longo tempo no deserto desolado, em meio de abismos,
secura e serpentes voadoras abrasadoras.
Assim como as portas do inferno não podem jamais
prevalecer contra a igreja de Cristo, também não podem
prevalecer contra a graça no coração do cristão. A semente
permanece e ninguém a pode desarraigar. O fogo é mantido
aceso mesmo em meio aos dilúvios de água; e embora, com
frequência, pareça pálido, ou como se estivesse prestes a se
apagar, de modo que não haja nenhuma chama, mas apenas
uma pequena fumaça, contudo o pavio fumegante não será
apagado.
E a graça não apenas subsistirá, mas também, ao final,
terá a vitória. Embora possa passar por um longo tempo de
severos conflitos, e possa sofrer muitas desvantagens e
abatimentos, porém, ela viverá. E não apenas viverá, mas,
finalmente, prosperará, e prevalecerá, e triunfará, e todos os
seus inimigos serão subjugados debaixo de seus pés. Davi, no
deserto, embora tenha sido mantido por muito tempo em
circunstâncias sobremodo degradantes e aflitivas, perseguido
por seus poderosos inimigos, muitas vezes à beira da ruína,
onde parecia haver um passo entre si e a morte, foi, contudo,
em todas essas coisas preservado, e, por fim, exaltado ao
trono de Israel, para usar a coroa real em grande prosperidade
e com glória. O mesmo vemos com a graça, que nunca pode
ser destruída, e seus abatimentos apenas preparam o caminho
para sua exaltação. Onde ela verdadeiramente existe no
coração, todos os seus inimigos não podem destruí-la, e toda
oposição que lhe é feita não pode esmagá-la. Ela suporta
todas as coisas e fica de pé em todos os choques e subsiste
malgrado todos os seus opositores. E a razão disso pode ser
vista em duas coisas:
1. Que há muito mais na natureza da graça verdadeira
que tende à perseverança do que na graça falsa.
A graça falsa é algo superficial, consistindo em mera
exibição exterior ou em afeições superficiais, e não em
qualquer mudança de natureza. Mas a graça verdadeira
alcança o mais profundo do coração. Ela consiste em uma
nova natureza, portanto, é permanente e duradoura. Onde não
há nada senão uma imitação da graça a corrupção não é
mortificada, e quaisquer golpes que lhe pareçam ter sido
dados são apenas golpes leves, que não atingem de forma
alguma sua vida ou diminuem a força de seus princípios, mas
deixam o pecado em sua plena força na alma, de modo que
não é de se espantar que ele venha, por fim, a prevalecer e
esmagar tudo ao seu redor.
Mas a graça verdadeira realmente mortifica o pecado no
coração. Ela golpeia suas partes vitais e lhe provoca uma
ferida que é mortal, dirigindo seus golpes ao próprio coração.
Quando adentra pela primeira vez na alma inicia um conflito
infindável com o pecado; portanto, não é de se admirar que
mantenha a posse e finalmente prevaleça contra seus
inimigos.
A graça falsa nunca desapossa o pecado do domínio da
alma nem destrói seu poder reinante lá, portanto, não é de se
admirar que ela própria não subsista. Mas a graça verdadeira é
de tal natureza que é inconsistente com o poder reinante do
pecado, e desapossa o coração dele tão logo lá entra e lhe
toma o trono. Portanto, é mais provável que lá mantenha seu
assento e, finalmente, prevaleça inteiramente contra o pecado.
A graça falsa, embora possa afetar o coração, contudo, não
está fundada em qualquer convicção verdadeira da alma. Mas
a graça verdadeira começa em verdadeira e plena convicção, e,
tendo esse fundamento, tem, por seu turno, a maior tendência
de perseverar.
A graça falsa não é diligente na oração; mas a verdadeira
é devota, e assim agarra-se à força divina para apoiá-la, e
torna-se realmente divina ela própria, de modo que a vida de
Deus, por assim dizer, lhe é comunicada.
A graça falsa é descuidada quanto a perseverar ou não;
mas a graça verdadeira causa naturalmente desejos fervorosos
pela perseverança e leva à fome e sede por ela. Também torna
as pessoas sensíveis dos perigos que as rodeiam, e tem a
tendência de incitá-las à vigilância e ao cuidado e diligência
para que perseverem, e a olharem para Deus por socorro, e a
confiarem nele para a preservação dos muitos inimigos que se
lhe opõem.
2. Deus sustentará a graça verdadeira, uma vez que a
tiver implantado no coração, contra toda oposição.
Jamais permitirá que seja destruída por qualquer força
que se levante contra ela. Embora haja muito maior tendência
na graça verdadeira à perseverança do que na falsa, contudo,
nada que há na natureza da graça, considerada por si e à parte
do propósito de Deus de sustenta-la, seria suficiente para
assegurar sua continuidade, ou efetivamente guardá-la da
destruição final.
Somos impedidos de cair não pelo poder inerente da
graça em si, mas, como nos diz o apóstolo Pedro: “pelo poder
de Deus, mediante a fé”. O princípio da santidade nos
corações de nossos primeiros pais, onde não havia corrupção
para se opor, foi destruído; e muito mais podemos esperar que
a semente da graça nos corações dos homens caídos, em meio
a tanta corrupção e expostos a tamanha oposição ativa e
constante, seria destruída não fosse a sustentação de Deus.
Ele assumiu a responsabilidade de defendê-la de seus
inimigos e lhe dar a vitória no final, portanto, jamais será
destruída. E aqui demonstrarei brevemente como é evidente
que Deus sustentará a graça verdadeira e não permitirá que
seja destruída, e então mostrarei algumas razões pelas quais
não permitirá.
Primeiro, mostrarei como é evidente que Deus
sustentará a graça verdadeira no coração.
E, em uma palavra, é evidente a partir de sua promessa.
Deus explícita e frequentemente prometeu que a graça
verdadeira jamais será destruída. É prometido naquela
declaração relativa ao homem bom que: “Se cair, não ficará
prostrado, porque o SENHOR o segura pela mão” (Sl 37.24);
e novamente nas palavras: “Farei com eles aliança eterna,
segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o
meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de
mim” (Jr 32.40); e novamente nestas palavras de Cristo:
“Assim, pois, não é da vontade de vosso Pai celeste que
pereça um só destes pequeninos” (Mt 18.14).
De acordo com essas variadas declarações, Cristo
prometeu com respeito à graça que ela será na alma “uma
fonte a jorrar para a vida eterna” (Jo 4.14). E novamente diz:
“E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca
de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no
último dia” (Jo 6.39). E, em outros lugares, é dito que as
ovelhas de Cristo: “ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas
me seguem” (Jo 10.27); aqueles a quem Deus: “de antemão
conheceu, também os predestinou para serem conformes à
imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito
entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também
chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos
que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.29-30); e
que: “nada separará os cristãos do amor de Cristo”; e
novamente: “que aquele que começou boa obra em vós há de
completa-la até ao dia de Jesus Cristo” (Fl 1.6); e novamente
que Cristo “confirmará” o seu povo “até ao fim” para que
“sejam irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo”
(1 Co 1.8); e mais ainda que é “poderoso para os guardar” de
“tropeços e para apresentá-los com exultação, imaculados
diante da sua glória” (Jd 24).
E muitas outras promessas similares podem ser
mencionadas, toda elas declarando que Deus sustentará a
graça no coração em que foi uma vez implantada, e que
guardará até ao fim aqueles que põem sua confiança nele.
Mas,
Segundo, demonstrarei brevemente algumas razões
pelas quais Deus sustentará os princípios da graça e os
impedirá de ser destruídos.
Em primeiro lugar, a menos que a redenção fornecida
por Cristo assegurasse nossa perseverança em toda oposição,
não seria uma redenção completa. Cristo morreu para nos
redimir do mal ao qual estávamos sujeitos sob a lei e para nos
trazer à glória. Mas se não nos trouxe para além do estado em
que nos encontrávamos a princípio, e se nos deixou tão
sujeitos à queda quanto antes, então toda a sua redenção
poderia ser vazia e redundar em nada. O homem, antes da
queda, sendo deixado à liberdade de sua própria vontade, caiu
de sua constância e perdeu sua graça, quando era
comparativamente forte e não estava exposto aos inimigos
que agora o assediam. O que, então, poderia fazer em seu
presente estado caído e com essa graça imperfeita, em meio a
seus poderosos e múltiplos inimigos, se sua perseverança
dependesse de si mesmo apenas? Ele iria cair e perecer
totalmente, e a redenção oferecida por Cristo, se não o
impedisse de assim cair, seria uma redenção muito imperfeita.
Em segundo lugar, a aliança da graça foi introduzida
para suprir o que estava faltando na primeira aliança, e uma
base segura de perseverança era a coisa principal que faltava
nela. A primeira aliança não tinha nenhum defeito da parte do
Deus que a idealizou. Nesse aspecto, era muito santa e justa,
sábia e perfeita. Mas o resultado provou que, de nossa parte,
era incompleta e precisava de algo mais a fim de que fosse
eficaz para nossa felicidade. E o que faltava era algo que fosse
uma base segura para nossa perseverança.
Toda base que tínhamos sob a primeira aliança era a
liberdade de nossa vontade; e veio a ser descoberto que isso
não era algo em que se pudesse confiar. Portanto, Deus fez
outra aliança. A primeira estava sujeita à falha, logo, outra foi
ordenada, mais duradoura que a primeira, e que não podia
falhar, sendo por isso chamada de “uma aliança perpétua”. As
coisas que podiam ser abaladas são removidas para dar lugar
àquelas que não podem ser abaladas. A primeira aliança tinha
um cabeça e um representante que estava sujeito à falha, ou
seja, o pai de nossa raça. Portanto, Deus forneceu como
cabeça e representante da nova aliança um que não pode
falhar, isto é, Cristo, com quem, como o cabeça e
representante de todo o seu povo, a aliança é feita e ordenada
em todas as coisas e é certa.
Em terceiro lugar, não é adequado que, em uma aliança
de misericórdia e graça salvadora, a recompensa de vida esteja
na dependência da perseverança do homem, como se
dependesse da força e constância de sua própria vontade ou
arbítrio. É a aliança das obras, não a aliança da graça, que faz
depender a vida eterna daquilo que é fruto da própria força de
alguém para impedi-lo de cair. Se tudo é por livre e soberana
graça, então a livre graça é responsável por completar e findar
a tarefa, e não a deixou aos próprios homens e ao poder de
suas próprias vontades, como era sob a primeira aliança.
Assim como a graça divina começou a obra, há de terminá-la.
Portanto, seremos guardados até ao fim.
Em quarto lugar, nosso segundo representante já
perseverou e fez o que nosso primeiro representante falhou
em fazer; portanto, nós certamente perseveraremos. Adão,
nosso primeiro representante, não perseverou; e assim todos
caímos com ele. Mas, se tivesse perseverado, todos teríamos
permanecido com ele e nunca teríamos caído. Mas nosso
segundo representante já perseverou, portanto, todos que o
têm por seu representante perseverarão com ele. Quando
Adão caiu, foi condenado, e toda sua posteridade foi
condenada e caiu com ele. Mas, se tivesse permanecido, teria
sido justificado, e assim teria participado da árvore da vida e
teria sido confirmado no estado de vida, e toda a sua
posteridade teria sido confirmada.
Por semelhante motivo, agora que Cristo, o segundo
Adão, permaneceu fiel e perseverou, e foi justificado e
confirmado em vida, todos que estão em Cristo e
representados por ele são também aceitos, justificados e
confirmados nele. O fato que ele, como o cabeça da aliança de
seu povo, cumpriu os termos dessa aliança, assegura que eles
perseverarão.
Em quinto lugar, o crente já está justificado e assim
habilitado, através da promessa de misericórdia, à vida eterna.
Portanto, Deus não permitirá que falhe e seja ineficiente
quanto a ela. A justificação é a absolvição real do pecador. É
uma plena absolvição da culpa, e liberdade da condenação, e
libertação do inferno, e aceitação a um pleno direito à vida
eterna. E isso tudo é claramente inconsistente com a ideia de
que a libertação do inferno e o alcance da vida eterna ainda
estão na dependência de uma perseverança incerta.
Em sexto lugar, as Escrituras nos ensinam que a graça e
a vida espiritual do crente são uma participação na vida de
Cristo em sua ressurreição, que é uma vida imortal e
imarcescível. Isso é claramente ensinado pelo Apóstolo,
quando diz: “Vos deu vida juntamente com ele” (Cl 2.13), isto
é, com Cristo; e novamente: “Mas Deus, sendo rico em
misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e
estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida
juntamente com Cristo, - pela graça sois salvos, e, juntamente
com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares
celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2.4-6); e ainda novamente:
“Não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20).
Essas expressões mostram que vida espiritual do crente não
pode falhar; pois Cristo diz: “Eu sou aquele que vive; estive
morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e
tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1.18); e o
apóstolo diz: “Sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado
dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio
sobre ele” (Rm 6.9). Nossa vida espiritual, sendo a sua vida,
tão verdadeiramente quanto a vida do ramo é vida da árvore,
não pode deixar de perseverar.
Em sétimo lugar, a graça é aquilo que Deus implantou
no coração contra a grande oposição dos inimigos. Portanto,
sem dúvida, a manterá lá contra o contínuo e combinado
esforço deles para desarraigá-la. Os inimigos de Deus e da
alma usaram seus máximos esforços para prevenir a graça de
ser implantada no coração que a possui. Mas Deus manifestou
seu poder que é glorioso e a tudo conquista ao introduzi-la lá,
a despeito de todos eles. Portanto, não permitirá que, no fim,
seja conquistada, sendo expulsa por eles, aquela que, pelo seu
grande poder tão triunfantemente implantou.
Disso tudo, resta claro que Deus sustentará o princípio
da graça no coração do cristão, de modo que jamais será
destruída ou falhará.
APLICAÇÃO
Na aplicação desse assunto,
1. Podemos aprender uma razão pela qual o diabo tão
enormemente se opõe à conversão dos pecadores.
É porque, se forem uma vez convertidos, para sempre
estarão convertidos. Assim estarão para sempre postos além
do seu alcance, de modo que nunca possa destruí-los e
arruiná-los. Se houvesse algo como a queda da graça, sem
dúvida o diabo ainda assim se oporia que tivéssemos a graça.
Mas mais especialmente ele se opõe a ela por saber que, uma
vez que a tenhamos, jamais pode esperar destruí-la, pois nós,
pela sua posse, estamos finalmente perdidos para ele e para
sempre fora do alcance de seu poder destruidor.
Isso pode nos mostrar algo da razão dessa violenta
oposição que as pessoas que estão sob despertamentos e
convicções e que estão buscando a conversão encontram
através de muitas e grandes tentações, com as quais são
atacadas pelo adversário. Ele sempre está ativo e grandemente
se agita para a destruição desses, e empilha montanhas em seu
caminho, se possível, para atrapalhar a obra salvadora do
Espírito Santo e impedir a conversão. Ele trabalha ao máximo
para apagar as convicções de pecado e, se possível, levar as
pessoas que se encontram sob elas a retornar para os
caminhos da negligência e indolência na transgressão.
Às vezes, se esforça para bajular, outras vezes para
desencorajá-las, trabalhando para enredar e confundir suas
mentes, e dá seu máximo para incitar exercícios de corrupção,
sugerindo pensamentos blasfemos e levando-as a contender
com Deus. Por muitas tentações sutis, esforça-se para fazê-las
pensar que é vão buscar a salvação. Tenta-as com relação à
doutrina dos decretos de Deus; ou por sua própria impotência
e desamparo; ou lhes falando que tudo o que fazem é pecado;
ou tentando persuadi-las de que o dia da graça passou; ou
aterrorizando-as com a ideia de que cometeram o pecado
imperdoável. Ou pode ser que lhes diga que suas dores e
aflições são inúteis e que há bastante tempo adiante; ou, se
possível, as enganará com falsas esperanças e as bajulará
dizendo que estão em segurança enquanto estiverem fora de
Cristo.
Nesses e em inumeráveis outros modos, Satanás
esforça-se para embaraçar a conversão dos homens, pois sabe
a verdade da doutrina na qual temos insistido, isto é, que se
alguma vez a graça for implantada na alma, jamais a pode
destruir, e que os portões do inferno não podem prevalecer
contra ela.
Novamente,
2. Podemos ver, a partir desse assunto, que aqueles
cuja aparente graça falha e é destruída podem concluir que
jamais tiveram a graça verdadeira.
A graça verdadeira não é semelhante à nuvem da manhã
e ao orvalho da madrugada, que logo passam. Quando as
pessoas parecem por um tempo ser despertadas e
aterrorizadas, e têm mais ou menos um senso de sua
pecaminosidade e vileza, e, mais tarde, parecem bastante
afetadas com a misericórdia de Deus, e parecem achar
conforto nele, e, apesar disso tudo, quando a novidade acaba,
suas impressões declinam e passam, de forma que não há
mudança permanente em seu coração e vida, então, isso é um
sinal de que elas não têm a verdadeira graça. Não há nada na
situação delas que responda à declaração do apóstolo de que
“se alguém está em Cristo é nova criatura” (2 Co 5.17).
Se o indivíduo, após a aparente conversão, volta as
costas a Deus e a Cristo e às coisas espirituais, e o coração
novamente segue no encalço da vaidade e do mundo, e os
conhecidos deveres da religião são negligenciados, e a pessoa
novamente retorna aos caminhos do pecado e continua
gratificando os apetites egoístas ou sensuais e levando uma
vida carnal e descuidada, então toda a promessa de sua
aparente conversão é enganosa. É como a promessa das flores
das árvores no tempo da primavera ou no início do verão,
muitas das quais caem e nunca dão frutos. O resultado prova
que todas essas aparentes exibições da graça são apenas
exibições, e que aqueles que nelas confiam estão terrivelmente
iludidos. A graça que não se sustenta e persevera não é a graça
verdadeira.
Uma vez mais,
3. O assunto fornece matéria de grande alegria e
conforto a todos que têm boa evidência de que, de fato, têm
a graça verdadeira em seus corações.
Aqueles com quem isso acontece têm em posse uma
joia inestimável, que vale mais que todas as joias e pedras
preciosas e todas as coroas e tesouros suntuosos no universo.
E o fato de que jamais perderão essa joia pode ser matéria de
grande conforto para eles, pois aquele que lhes deu a guardará
para eles. Assim como lhes trouxe a um estado sobremodo
feliz, também os manterá nele. Seu grande poder, pelo qual é
capaz de subjugar todas as coisas a si mesmo, está do lado
deles e empenha-se por sua proteção, de modo que nenhum
de seus inimigos será capaz de destruí-los. Eles podem
regozijar-se que têm uma cidade forte a qual Deus apontou a
salvação por muros e baluartes. E qualquer amargura que seus
inimigos manifestem contra eles, e conquanto sejam astutos e
violentos em seus ataques contra eles, podem ainda confiar
altamente em suas proteções de pedras sobre as quais Deus os
colocou, e rir-se de desprezo dos inimigos, e se gloriar no
Altíssimo como seu refúgio e defesa seguros. As armas
eternas estão abaixo deles. Jeová, que cavalga sobre os céus, é
seu auxílio. E ele subjugará todos os seus inimigos sob seus
pés. De modo que podem bem se regozijar no Senhor e
alegrar-se na rocha de sua salvação. Finalmente,
4. O assunto também fornece matéria de grande
encorajamento para os santos na condução da guerra
contra os inimigos de suas almas.
É a maior de todas as desvantagens para um soldado ir à
batalha sem a esperança de ser capaz de conquistar, mas com
expectativa prevalecente de ser conquistado. Assim como a
esperança em um caso pode ser metade da vitória, assim o
desânimo em outro seria a provável garantia da derrota. Esse
último debilitaria e enfraqueceria, ao passo que a primeira
cooperaria com a força e a aumentaria.
Vocês que têm boa evidência que possuem a graça nos
corações têm, então, tudo o que precisam para encorajá-los. O
capitão de sua salvação certamente os conduzirá à vitória no
final. Aquele que é capaz de sustentá-los prometeu que vocês
vencerão, e sua promessa jamais falhará. Descansem nessa
promessa, sejam fiéis à sua parte, e dentro em breve o cântico
da vitória será de vocês, e a coroa da vitória ele a colocará,
com suas próprias mãos, sobre as suas cabeças.
CAPÍTULO 15
1 Coríntios 13.8
E m todo o
contexto,
intenção do
apóstolo é mostrar a superioridade da caridade sobre todas as
a
D o primeiro
desses
versos, já
derivei a doutrina de que esse grande fruto do Espírito pelo
qual o Espírito Santo deverá ser comunicado, não apenas por
uma temporada, mas para sempre à igreja de Cristo é a
caridade ou amor divino. E agora considerarei o mesmo verso
em conexão com os dois que o seguem, e sobre os três versos
farei duas observações.
Primeiro, que se menciona como uma grande
excelência da caridade o fato de que permanecerá quando
todos os outros frutos do Espírito tiverem falhado. E,
Segundo, que isso virá a acontecer no estado perfeito da
igreja, quando aquilo que é em parte terá passado e o que é
perfeito tiver vindo.
Há um estado duplo imperfeito e também um estado
duplo perfeito da igreja cristã. A igreja, no seu início, ou em
sua primeira era, antes que fosse fortemente estabelecida no
mundo e estabilizada em seu estado do Novo Testamento e
antes que o cânon da Escritura estivesse completo, estava em
um estado imperfeito – um estado, por assim dizer, de
infância, em comparação com o que haveria de ser em suas
eras mais adultas e posteriores, quando haveria de atingir seu
estado de virilidade ou de relativa perfeição terrena. E assim,
novamente, essa igreja relativamente perfeita de Cristo,
contanto que permaneça em seu estado militante, isto é, até ao
fim dos tempos, ainda estará em um estado infantil em
comparação com o que será em seu estado celestial, que, em
comparação a esse último, será seu estado de virilidade ou
perfeição.
E assim há uma falha dupla desses dons miraculosos do
Espírito aqui mencionada. Uma foi o fim da primeira ou
infantil era da igreja, quando o cânon da Escritura se
completou. Assim não havia necessidade alguma desses dons
para a igreja em eras posteriores, quando deveria lançar fora
as coisas pueris e vir a um estado de varonilidade antes do fim
do mundo, quando o Espírito de Deus deveria ser muito
gloriosamente derramado e manifestado nesse amor ou
caridade, que é o maior e mais duradouro fruto. A outra falha
será quando todos os frutos comuns do Espírito cessarem
com respeito às pessoas particulares na ocasião da morte, e,
com respeito a toda igreja, no fim do mundo, enquanto a
caridade ainda permanecerá no céu. Lá, o Espirito será
derramado e manifestado em perfeito amor em cada coração
por toda a eternidade.
O apóstolo, no contexto, parece ter em mente ambos os
estados da igreja, mas especialmente esse último. Pois,
embora o glorioso estado da igreja, em sua última era na terra,
será perfeito em comparação com seu estado anterior;
contudo, seu estado no céu é aquele estado da igreja ao qual
as expressões do apóstolo parecem muito conformes, quando
diz: “quando vier o que é perfeito, etc”, e: “agora vemos como
em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora,
conheço em parte; então, conhecerei como também sou
conhecido”.
Então, a doutrina que derivo do texto é que:
O CÉU É UM MUNDO DE CARIDADE OU AMOR
O apóstolo fala, no texto, de um estado da igreja
quando ela é perfeita no céu. Um estado, portanto, no qual o
Espírito Santo será mais perfeita e abundantemente dado à
igreja do que agora é na terra. Mas o modo em que será dado,
quando for tão abundantemente derramado, será por meio
desse grande fruto do Espírito, o amor santo e divino nos
corações de todos os benditos habitantes daquele mundo.
De modo que o estado celestial da igreja é distinto de
seu estado terreno, visto que é aquele estado que Deus
designou especialmente para essa comunicação de seu
Espírito Santo, e no qual este será dado perfeitamente,
enquanto que, no presente estado da igreja, é dado com
grande imperfeição. E é também um estado no qual esse amor
santo ou caridade será, por assim dizer, o único dom ou fruto
do Espírito, sendo o mais perfeito e glorioso de todos, e que,
sendo trazido à perfeição, torna todos os outros dons que
Deus costumava conceder à sua igreja na terra desnecessários.
Para que melhor vejamos como o céu é, dessa forma,
um mundo de amor santo, considerarei, primeiro, a grande
causa e fonte do amor que está no céu; segundo, os objetos
do amor que ele contém; terceiro, os sujeitos desse amor;
quarto, seu princípio, ou o próprio amor; quinto, as
excelentes circunstâncias nas quais é exercido, expresso e
desfrutado; e, sexto, os felizes efeitos e frutos disso tudo.
I. A CAUSA e FONTE do amor no céu.
[7] “Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida. 41 Eu não aceito glória que
vem dos homens; 42 sei, entretanto, que não tendes em vós o amor de Deus. 43 Eu
vim em nome de meu Pai, e não me recebeis; se outro vier em seu próprio nome,
certamente, o recebereis.”
[8] Romanos 15:18: “Porque não ousarei discorrer sobre coisa alguma, senão
sobre aquelas que Cristo fez por meu intermédio, para conduzir os gentios à
obediência, por palavra e por obras”.
[9] Isto é, no estado de salvação. (NT)
[10] Isto é, a religião cristã. Também na sequência do texto. (NT)
[11] A morte. (NT)
[12] O Dia do Senhor, isto é, o domingo.
[13] Humilha, na versão do autor. (N.T)
[14] Edwards se refere à natureza humana de Cristo. Para mais detalhes sobre a
humildade de Cristo, conferir o sermão “A Excelência de Cristo”, presente na obra
“Sermões Selecionados de Jonathan Edwards”, disponível em <
https://www.amazon.com.br/gp/product/B00IVWYQK4/ref=s9_simh_gw_p351_d1_i3?
pf_rd_m=A1ZZFT5FULY4LN&pf_rd_s=desktop-
1&pf_rd_r=QHCC2JGJM2XVMCTVJ94Z&pf_rd_t=36701&pf_rd_p=2437954722&pf_rd_i=d
>.
[15] No grego phílautoi, amantes de si mesmo (ARC) ou egoísta (ARA).
[16] A palavra neighbors, neste contexto, também pode ser traduzida como
próximo, semelhantes.
[17] Conferir o Capítulo 5.
[18] A King James, versão usada pelo autor, traz: “A caridade não pensa mal”; já a
ARA traduz: “Não se ressente do mal”. Optei por seguir a ARC, por ser mais de
acordo com a versão do autor.
[19] Isto é, o estado de graça.
[20] Esse foi um dos motivos que levaram Edwards a repreender o renomado
pregador George Whitefield. Cf. o relato de Sereno Dwight disponível em
http://www.ccel.org/ccel/edwards/works1.i.ix.html.
[21] Isto é, do estado espiritual das pessoas.
[22] 1Tm 5.24
[23] Isto é, os não convertidos.
[24] A tautologia (do grego ταὐτολογία "dizer o mesmo") é, na retórica, um
termo ou texto que expressa a mesma ideia de formas diferentes. Como um vício
de linguagem pode ser considerada um sinônimo de pleonasmo ou redundância. A
origem do termo vem de do grego tautó, que significa "o mesmo", mais logos, que
significa "assunto". Portanto, tautologia é dizer sempre a mesma coisa em termos
diferentes. (Wikipedia)
[25] Isto é, a religião cristã. Também abaixo. (N.T.)
[26] “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a
glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria
imagem, como pelo Senhor, o Espírito.”
[27] “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e
corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor
Jesus Cristo.”
[28] O termo original é gnôsis, traduzido como “ciência”, tanto pela ARA quanto
pela ARC. (N.T.)
[29] No grego, lógos gnôsis. (N.T.)
[30] Sobre esse tipo conhecimento, conferir o sermão Uma Luz Divina e
Sobrenatural, in Edwards, Jonathan. A Busca do Crescimento. Editora Cultura
Cristã: São Paulo, 2010.
[31] No original, leading-string. Trata-se um elástico usado para dar apoio para
crianças que estão aprendendo a andar.
[32] Jonathan Edwards divide o amor em dois tipos: o amor de complacência e o
de benevolência. O amor de complacência é o que ama o objeto devido à sua
própria amabilidade, ou pelo fato de este apresentar características agradáveis ao
amante. Já o amor de benevolência não se baseia na amabilidade do objeto, mas
sim na boa vontade do amante para com a coisa amada. Esse amor não seria uma
resposta a alguma beleza ou excelência no objeto amado, mas sim um ato de boa
vontade para com ele. Cf. o artigo de John Piper em
http://www.desiringgod.org/interviews/what-is-love.