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Exercício cultura organizacional: Caso Filizola

Descrição da situação

O aspecto mais original encontrado nas Indústrias Filizola talvez seja a prática de afastamento
das mulheres da família da gestão dos negócios. Desde a fundação da empresa em 1886, todas
as mulheres pertencentes à família Filizola foram intencionalmente afastadas da empresa. Com
exceção de uma rápida e recente passagem de uma herdeira da quarta geração pela empresa,
absolutamente nenhuma outra mulher houvera participado do corpo de funcionários da
organização.

Tal estratégia não implica prejuízo financeiro para as mulheres da família na ocasião da partilha
dos bens. Como em todo processo de herança, existem procedimentos legais que asseguram a
correta distribuição do patrimônio entre os beneficiários. A divisão, porém, é intencionalmente
efetivada conforme um tipo de planejamento bastante peculiar. Enquanto as herdeiras da família
recebem sua parte da herança em imóveis, dinheiro e outros bens de família, os herdeiros
recebem a sua parte na forma de participação acionária na empresa. O patrimônio recebido por
todos os herdeiros segue as especificações legais de equanimidade, porém em espécies distintas.

O fato de se evitar a entrada de mulheres na empresa atende a pelos menos três principais
objetivos durante o processo de sucessão:

(a) como no caso de várias empresas familiares, principalmente aquelas que sobrevivem a três
ou quatro gerações, o crescimento elevado do número de familiares implica em uma
correspondente fragmentação acionária para cada sócio. A limitação no acesso de herdeiros à
empresa, mesmo que pelo critério do gênero, funciona como uma forma de evitar a dispersão
excessiva de participação acionária entre eles;

(b) evita-se também a entrada na empresa de pessoas exteriores ao núcleo consangüíneo da


família. Como as mulheres são excluídas da empresa, não existem genros ou agregados
participando da sociedade. Todos os sócios da empresa possuem relações de consangüinidade
entre eles;

(c) o fato de os homens da família não herdarem nada além da própria participação acionária na
empresa no momento da herança os obriga a encontrar na organização a única fonte de obtenção
de recursos para a própria segurança financeira. Desta forma, os sucessores tornam-se os
maiores interessados na perpetuação da empresa, posto que, esta é a mais imediata fonte de
renda da qual dispõem.

Evidentemente, os costumes sociais praticados na época de fundação da empresa impediam uma


participação mais efetiva de mulheres em atividades ligadas ao trabalho. Além disso, como a
segunda geração da família apenas possuía descendentes do sexo masculino, a prática de não
aceitar mulheres da família nas indústrias Filizola foi executada logo no primeiro processo de
sucessão na empresa. A partir da terceira geração de familiares chegando à empresa, e já
contando com várias netas do fundador, praticou-se intencionalmente o afastamento dessas
mulheres da empresa.

“Por exemplo, aqui na Filizola não pode entrar mulher. Então já não tem o genro
que iria perturbar, entrar com outras idéias. Podem até ser boas, mas entra meio

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rebelde, meio fora do esquema. Enfim, a Filizola evita certos problemas” (Gerente
de Vendas – Entrevista).

“Limitar porque senão é muita gente, muito pouco bolo para muita gente. A
empresa, assim, vai ficando muito pequena, todo mundo começa a reclamar. O
consultor que fez a sucessão da Sadia deu uma palestra falando justamente disso. É
muita gente, todos se sentem no mesmo direito. Olha, vira um pandemônio. A
Sadia estava indo realmente para o espaço. Agora parece que já está voltando. Ou
coloca um diretor, nomeia entre todos um que vá tomar conta do negócio, ou você
coloca um conselho e contrata um profissional. Porque senão, pode ter 200, 400,
500 anos, começa a gastar mais do que tem, a coisa vai para o espaço mesmo”
(Supervisor de Vendas – Entrevista).

Além do costume de excluir as mulheres da família da empresa, existe outro aspecto bastante
ilustrativo a respeito das Indústrias Filizola: a distribuição dos cargos de direção da alta cúpula
segundo a hierarquia de idades dos sócio-proprietários. O cargo de presidente da empresa, por
exemplo, geralmente é reservado ao dirigente familiar mais idoso. A presidência somente é
ocupada por um novo membro por ocasião da morte de seu antigo ocupante. Mesmo em
situações de doença ou diminuição da capacidade de trabalho do presidente da empresa, ele
continua ocupando o cargo, ainda que simbolicamente, até seu falecimento.

Pode-se afirmar que as Indústrias Filizola conseguiram manter como aspecto integrante da sua
tradição, reproduzida de geração em geração, a importância da unidade familiar baseada no
respeito aos mais idosos e na autoridade dos pais.

“acho que a tendência sempre foi essa. Foi passando do mais velho para o mais
velho...” (Diretor Comercial - Entrevista).

“Eu não sei avaliar a idade de cada um. Não sei se o Dr. Vítor é o mais velho ou se
o Sr. Alberto é o mais velho. Fisicamente, eu tenho impressão que o Dr. Gerson é o
mais novo, o tempo não esconde. Eu não sei quais eram as idades dos outros
diretores, dos outros presidentes, mas eu acredito que deve seguir esse padrão de
idade para estabelecer a hierarquia” (Supervisor de Vendas, – Entrevista).

Os processos de sucessão nas Indústrias Filizola sempre foram orientados pelo critério da idade
na definição de sucessores e na distribuição dos cargos de diretoria. Em 1945, o fundador da
empresa, Sr. Abraão, foi sucedido na presidência por seu filho mais velho, Jacó. O segundo
filho mais velho do fundador, Rafael, passou a ocupar o segundo cargo mais importante da
empresa, o de Diretor Superintendente. Num primeiro instante, esse procedimento seria até
natural. Devido à própria diferença de idade e, consequentemente, ao maior tempo de
experiência na empresa, Jacó tinha precedência sobre Rafael.

Quando Jacó faleceu, em 1976, Rafael seria o sucessor escolhido. Isaac, seu irmão mais novo,
passaria a ocupar a vice-presidência da empresa. Isaac não chegou à presidência da empresa, já
que, faleceu em 1992, antes de Rafael. O próximo processo de sucessão na empresa ocorreria
com a morte de Rafael Filizola, em 1997. Neste momento, a opção sucessória apontava para o
neto mais velho da família – Alberto Filizola. Devido a problemas de saúde, entretanto, Alberto
preferiu permanecer como Diretor Tesoureiro. Desta forma, Vítor e Gerson Filizola, os

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próximos na hierarquia, tornaram-se, respectivamente, presidente e vice-presidente da empresa,
cargos que atualmente ocupam.

“Sempre o mais velho assume a presidência. No caso do Alberto, que era o mais
velho, mas não assumiu a presidência, foi porque ele já estava meio adoentado. O
Alberto é o mais velho, mas como estava meio afastado, o Vítor assumiu a
presidência e eu a vice-presidência, apesar de sermos mais novos que o Alberto”
(Diretor Vice-Presidente – Entrevista).

Como mais importante estratégia de perpetuação da empresa, as Indústrias Filizola, desde o


início, sempre se preocuparam com a boa formação profissional dos dirigentes familiares que
viriam a ocupar as posições de comando na empresa. Dentre os filhos do Sr. Abraão, Jacó,
Samuel e Issac eram engenheiros formados pela Escola Politécnica de São Paulo. Rafael
Filizola, segundo filho do fundador, se formou em Medicina na USP. Embora a ocupação dada
aos membro da família na organização procurasse respeitar as aptidões vocacionais de cada um,
isso não impedia, como no caso de Rafael, que um membro da família formado em qualquer
outra especialidade atuasse na empresa. Dentre os netos do fundador, Vítor e Jacques Filizola se
formaram em Engenharia Mecânica nos EUA, na Michigan State University. Já Alberto e
Gerson Filizola também se formaram em Engenharia Mecânica na Universidade Mackenzie de
São Paulo. Gerson Filizola, inclusive, se formou também em Administração de Empresas. Dos
bisnetos do Sr. Abraão, Moisés formou-se em Administração de Empresas pela FMU/SP,
Franklin fez Economia na FAAP e Jean cursou Administração de Empresas na FAAP e
especializou-se em Marketing na Duquesne University, EUA.

A boa formação profissional dos dirigentes familiares, entretanto, não é condição suficiente
para a correta adequação dos sucessores na organização. Além disso, eles necessitam de um
bom encaminhamento dentro da empresa de forma a melhor explorar as habilidades incipientes
a cada um. O trabalho deve propiciar lhes realização e, reciprocamente, retorno profissional para
a empresa. Para isso, é necessário haver concomitância de interesses além de ser aconselhável
haver contato com a empresa desde cedo. Foi esse o caso do Moisés Filizola, bisneto mais velho
do Sr. Abraão e o provável futuro presidente da empresa:

Mesmo como estudante, o filho, nas férias, nas horas vagas, ele tinha que aprender
o ofício. O que eu posso lembrar é que quando eu entrei aqui, o Moisés Filizola era
garoto de quatorze, quinze anos de idade, e ele já vinha aqui nas férias, trabalhar na
assistência técnica, aprender. Isso há quinze anos atrás. Então eu acredito que o
gosto de dar continuidade é porque eles acabam participando da empresa na
juventude como no caso do Moisés. Assim, ele tem hoje condições de argumentar,
comentar e tocar uma empresa. Eu acho que o encaminhamento dos filhos nos
negócios dos pais desde cedo é um fator de sucesso” (Gerente de Vendas –
Entrevista).

As condições impostas para o ingresso de sucessores na empresa são, de fato, respeitadas na


Filizola. É necessário ter boa formação profissional, competência técnica e realização
simultânea dos anseios do sucessor e de necessidade profissional para a empresa. O modelo de
gestão da Filizola concentra nos dirigentes familiares a responsabilidade de continuidade da
organização. Por isso, exige-se capacidade daqueles que ingressam na empresa.

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“O fato de nós sermos da família não quer dizer absolutamente nada. Se tivesse
algum membro da família que não tivesse capacidade, ou não tivesse uma
formação profissional que se julgasse necessária para ocupar um cargo que hoje
esse pessoal da família ocupa, pode ter certeza, eles não ocupariam lugar nenhum
na empresa” (Diretor Administrativo – Entrevista).

A Filizola exige capacidade profissional de seus sucessores, ao contrário de outras empresas


familiares, nas quais o ingresso de herdeiros na empresa é uma condição praticamente
compulsória. A eventual não participação de alguns herdeiros não causa estranheza. O resultado
de haver rigor na admissão de herdeiros na empresa é o maior comprometimento deles com a
organização. Nenhum sucessor da Filizola foi compelido a trabalhar na empresa. Eles o fazem
por vontade própria e em acordo com as necessidades da empresa.

Foi perguntado aos entrevistados a opinião deles a respeito do interesse dos sucessores em
assumir os negócios da família. Essa pergunta se referia à percepção dos entrevistados acerca do
empenho e dedicação dos sucessores para com a empresa. De acordo com as respostas obtidas,
86,67% dos entrevistados consideram os sucessores interessados em assumir futuramente a
responsabilidade da empresa. Apenas 6,67% dos entrevistados consideram não haver interesse
dos sucessores pela empresa enquanto outros 6,67% não responderam.

Percebe-se, assim, o mútuo reforço da estratégia empregada pelas Indústrias Filizola em sua
trajetória centenária. Como anteriormente apresentado, o processo de sucessão nas Indústrias
Filizola depende fundamentalmente da capacitação do sucessor para o meio empresarial. Assim,
o processo de sucessão tende a ser legitimado pelas forças tradicionais da família proprietária,
pela família organizacional e de acordo com as exigências de competência para o cargo. O
sucessor se torna o esteio no equilíbrio dessas forças. Numa empresa familiar, porém, esse
equilíbrio é dinâmico e como tal, o sucessor deve possuir habilidades de inovação e de
continuidade.

Adaptado do artigo “Relações de poder no processo de sucessão em empresa familiar: o caso


das Indústrias Filizola S.A., de autoria de Luiz Gonzaga Ferreira Capelão e Marlene Catarina
de Oliveira Lopes Melo. Publicado nos Anais do ENANPAD 2001. Para mais informações,
vejam http://www.filizola.com.br/sobre-a-filizola/nossa-historia.php.

Questões:

1) Como você classifica a cultura da organização Filizola? Justifique e destaque os traços


característicos dessa cultura (crenças, valores, práticas, etc)

2) Entre os componentes que contribuem para formar a cultura organizacional, qual pode
ser considerado o mais influente na Filizola?

3) Você considera que a cultura nesta empresa é algo dinâmico, ou seja, está se adaptando
ao novo contexto social?

4) De modo geral, você observa alguma associação entre a cultura organizacional e a


comunicação das empresas? Cite exemplos.

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