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História da Filosofia Grega I

PLATÃO. Apologia de Sócrates.Tradução de Maria Lacerda de Souza.

“Apologia de Sócrates” apresenta o discurso que o filósofo ateniense sustentou em


sua defesa, quando levado ao Tribunal do Povo. Este julgamento terminou com a
condenação do filósofo, no mesmo dia, após uma votação condenatória apertada. Na
verdade, ele já esperava pela condenação e, sob certo aspecto, a procurou. Sócrates
rejeitou um advogado, e resolveu ele mesmo fazer sua própria defesa. Ao término da
votação, foi instado a fazer uma contraproposta da pena capital, como era praxe em
certos casos. Para a estupefação geral, ele pediu uma aposentadoria, “as expensas do
Estado”.

A contraproposta foi recebida como um insulto. Em geral, os condenados, mesmo


quando políticos ou homens afamados, por temor da morte, suplicavam o abrandamento
ou a substituição da pena, seja com o exílio, seja com a prisão, seja com uma pesada
multa. No entanto, o sábio de Atenas, impassível, não cedeu ao temor e estava disposto
a afirmar a verdade de sua causa até o trágico fim; afinal de contas, segundo ele, não era
justo que estivesse sendo julgado.

Sócrates fora levado ao tribunal por três desafetos: o poeta Meleto, o artífice
Anito e o orador Licon, que o acusaram de “corromper a juventude, através da
descrença nos deuses da cidade, ensinando-os a adotar outros deuses”. Meleto também
acusava Sócrates de ateísmo, pois segundo ele, Sócrates ensinava tolices “terrestres e
celestes”, afirmando disparates (segundo seus acusadores) tais como de que, na verdade,
sol e lua, por exemplo, não seriam “deuses”, mas rochas voadoras.

A juventude não precisava dele para saber estas coisas, disse o filósofo, pois
Anaxágoras, muito antes dele, já as havia dito. Seu ensino, sua “sabedoria”, caso tivesse
uma, não se referia às coisas “celestes ou terrestres”, mas sim, sua sabedoria era voltada
para as coisas “humanas”. Desta forma, se defendeu o filósofo, o que o tinha levado ao
Tribunal era o ódio, este que durante a vida toda ele angariou. Cada um de seus
desafetos foi gerado todas as vezes que ele demonstrou que a sabedoria deles era feita
de aparência. Desta forma, por anos a fio, ele foi gestando a “assembleia” que o
condenaria.

Para Sócrates, questionar os sábios em busca da verdadeira sabedoria, era o


“serviço do deus”. Era sua missão divina, que o deus tinha lhe incumbido. Seu caminho
para a sabedoria e para a morte começou quando seu amigo Querofonte foi ao Templo
de Delfos, e questionou o deus quanto ao homem mais sábio da Grécia, recebendo como
resposta: Sócrates. Desde então, disse Sócrates, se propôs a inquirir sobre o sentido do
oráculo, pois, entendendo que não era sábio, fora apontado pelo deus como o “mais
sábio”.

A partir daí, ele decidiu ir de encontro a todos que encontrasse nas ruas e praças,
para questioná-los e demonstrar investigar até que ponto o oráculo estava certo.
Políticos, oradores, poetas, todos capitularam diante sabedoria de Sócrates, que lhes
lançava aos rostos que eles sabiam muito pouco sobre os assuntos dos quais se
gabavam. O pouco que descobriu de verdadeira sabedoria, ele o descobriu entre os
“artífices”, homens de saber técnico-profissional. No entanto, logo depois se
desencantaria também deles; tal como todos os pretensos sábios, eles erroneamente se
arrogavam também, mestres em assuntos externos a sua profissão.

Desta forma, pôde ele, que não se achava sábio de maneira nenhuma, entender a
verdade proferida pelo oráculo: ainda que ele mesmo desconhecesse a natureza do Bem
e do Belo, tal como todos os outros homens, ele, Sócrates, era o único que parecia
“saber” isto, sendo esta a sua “sabedoria”. O que decorreu disto, então, guiado pelo seu
daimon e pelo deus, fora orientar sua vida na direção da virtude e ensiná-la a todos que
quisessem ouvir dela.

Jovens de todos os cantos vieram ouvi-lo e tomaram suas lições e seu exemplo.
Emulando o mestre, passaram eles também a confrontar os pretensos sábios e a
desmascará-los publicamente. Ele e seus pupilos eram “a voz” que se prestava a acordar
os atenienses de seu sono epistemológico: “uma vida sem exame é digna de ser vivida”.
No entanto, incomodar o sono filosófico dos atenienses, elevou a massa crítica que o
levaria à condenação.

A natureza da virtude que ele ensinava, ele dizia ser a mesma virtude (aretê) dos
grandes heróis da Iliada, como Aquiles, Heitor, Odisseus ou Nestor. Acusado de ser
ateu, ele se portou a vida inteira com coragem e heroísmo, com desprezo aquileano por
honrarias fúteis riquezas, tal como fizeram aqueles semideuses homéricos, que os juízes
que o condenariam e os acusadores iníquos, ali presentes, cultuavam, mas não lhes
seguiam o exemplo.

Por esta razão, Sócrates não apelou à piedade ou a compaixão da Assembléia, mas
antes, encaminhou-se temerariamente para a morte. Morte, que ele supunha, uma de
duas possibilidades: ou a morte nada mais é que um sono eterno ou a morte é o encontro
com um mundo cheio de heróis, de deuses, de verdades e serem conhecidas, em suma,
de possibilidades. Qualquer das duas, acreditava Sócrates, seria uma benção.

Ao se despedir da Assembléia, já condenado e logo mais, morto, sem qualquer


rancor ou mágoa, o sábio ateniense vaticinou a ruína da cidade e de seus cidadãos, pois
condenaram um inocente. Apesar de tudo, para o sábio, ninguém pode causar dano a um
homem justo, e se engana aquele que, pretensamente, o faz. Seus acusadores e juízes
injustos viveriam condenados pela injustiça de sua morte, enquanto o filósofo seria
libertado da vida. Eles não se libertariam da mentira, da farsa e da ilusão dos papéis
sociais que representavam e do custo de desempenhá-los. Eles não ouviram o filósofo
de Atenas. Quem teve melhor sorte, eles ou Sócrates, só os deuses souberam.

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