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INTERPRETAÇÃO FORENSE:

A experiência prática da Justiça Federal de Guarulhos e o treinamento de intérpretes

PAULO MARCOS RODRIGUES DE ALMEIDA


(Juiz Federal Substituto da 2ª Vara Federal de Guarulhos;
Coordenador da Central de Conciliação da Justiça Federal de Guarulhos)

JAQUELINE NEVES NORDIN


(Intérprete forense na Justiça Federal de Guarulhos de 2005 a 2013; Especialista em Interpretação e Tradução
pela Faculdade Gama Filho-São Paulo; Observadora de Intérprete no Fórum Federal de San Francisco-CA,
EUA, em 2012; Palestrante na “3ª Conferência Internacional sobre tradução e interpretação não-
profissional” [Suíça, 2016], com o tema “Ética e Diretrizes Profissionais para intérpretes judiciais ad hoc";
atualmente vive em Tallin, na Estônia, onde é membro do conselho administrativo
da Escola Internacional Americana na Estônia)

“Ser bilíngue não significa que você pode ser intérprete.”


(Helena El Masri, The interpreter’s Manual – England, 2012)

RESUMO
A partir de sua experiência prática na Justiça Federal de Guarulhos (em
que a imensa maioria dos réus presos é formada por estrangeiros envolvidos
com o tráfico internacional de drogas), os autores (um juiz federal e uma
intérprete forense) examinam a atuação dos intérpretes nas audiências
criminais. De início, aponta-se a precariedade do modelo atual, em que os
intérpretes são contratados caso a caso, sem exigência de comprovação da
competência linguística ou de formação específica, inexistindo orientação
formal sobre a atuação esperada. O artigo então destaca a importância
(sobretudo do ponto de vista jurídico-constitucional) de se compreender
corretamente qual é a função do intérprete forense, expondo as dificuldades
criadas pelos próprios juízes federais, que quase sempre ignoram as técnicas e
regras básicas da interpretação forense. Em seguida, analisam-se as três
modalidades de interpretação normalmente utilizadas no ambiente judiciário
(interpretação simultânea, interpretação consecutiva e interpretação à prima
vista). Por fim, os autores propõem a adoção de um programa oficial de
seleção e treinamento de intérpretes e de orientação para os juízes, sugerindo a
adoção de um código de ética e de padronização de conduta para os intérpretes
forenses.

PALAVRAS-CHAVE
Justiça Federal. Intérpretes. Audiências criminais. Estrangeiros.
Técnicas. Treinamento.

ABSTRACT

1
From their practical experience at the Federal Courts of Guarulhos
(where the great majority of defendants are foreigners involved in
international drug trafficking), the authors (a federal judge and a court
interpreter) analyze the role of interpreters at criminal hearings. Initially, they
address the precariousness of the current model, with interpreters being
assigned to court procedures without any prior investigation into their
linguistic expertise or specific background, completely unaware of what is
expected from their performance. Accordingly, this article highlights the
importance (primarily from the constitutional point of view) of properly
understanding what the role of the court interpreter is, bringing to light the
difficulties created by the federal judges themselves, who often ignore the
basic rules and techniques of court interpretation. Subsequently, the three
modes of interpretation commonly used in the legal environment are analyzed
(simultaneous interpreting, consecutive interpreting and sight interpreting).
Finally, the authors suggest/propose the adoption of an official screening and
training program for interpreters as well as some guidance for judges,
encouraging compliance with a proper code of ethics and professional
standards for court interpreters.

KEY WORDS
Federal Courts. Court interpreters. Criminal hearings. Foreigners.
Techniques. Training.

INTRODUÇÃO
Muito embora o uso de intérpretes como auxiliares da Justiça não seja novidade no
Brasil (sendo o tema já disciplinado pelo Código de Processo Penal, de 1941), o intenso
contato com réus estrangeiros não falantes da Língua Portuguesa era simplesmente
impensável décadas atrás, quando a flexibilização das fronteiras, o intenso fluxo migratório e
os vôos turísticos internacionais eram ainda uma realidade distante. A atuação desses
auxiliares da Justiça, assim, acontecia em número pouco significativo e incapaz de despertar
a atenção da Administração do Poder Judiciário.
Atualmente, contudo, a globalização e a disseminação da criminalidade organizada
internacional (sobretudo para o tráfico internacional de drogas) faz comparecer às salas de
audiência criminais do País centenas de estrangeiros que, não falando o idioma nacional, têm
de enfrentar o sistema de justiça criminal brasileiro, participando de atos processuais e
tomando conhecimento de decisões judiciais que só podem compreender por meio,
justamente, de um intérprete forense.
2
Nesse contexto, seria de se imaginar que, ao menos nas localidades com intensa
circulação de estrangeiros (como, por exemplo, a cidade de Guarulhos, no Estado de São
Paulo, onde se localiza o maior aeroporto internacional da América Latina), a Justiça Federal
brasileira estivesse devidamente aparelhada para o encontro com centenas de réus
estrangeiros (somente no ano de 2015, segundo dados do Setor de Distribuição da Subseção
Judiciária de Guarulhos, foram mais de 300 novos casos criminais envolvendo estrangeiros).
Todavia, não é isso o que se vê.
Com efeito, predomina na Justiça Federal brasileira (e particularmente na de
Guarulhos) o absoluto amadorismo, despreocupação e improviso na seleção, treinamento,
orientação, atuação e remuneração dos “intérpretes forenses”, que, muitas vezes, são meros
conhecedores do idioma estrangeiro sem formação específica alguma em tradução e
interpretação (alguns, estrangeiros residentes há anos no Brasil, sem nenhum estudo
lingüístico específico além do aprendizado regular da língua estrangeira materna e do
Português prático do dia a dia). O “preparo” e a “orientação” dos intérpretes, por sua vez,
ficam – de forma absolutamente pontual e assistemática – a cargo de juízes federais
mais interessados ou de intérpretes mais experientes.
É nesse cenário – pouco profissional e despreocupado da efetiva compreensão, pelos
réus estrangeiros, das decisões judiciais e dos atos processuais que lhes dizem respeito no
processo penal – que se insere o presente estudo. Focando na atuação dos intérpretes
forenses em audiências criminais, o presente trabalho aborda a realidade judiciária de
Guarulhos e procura delinear o que é, realmente, a interpretação forense, apresentando a
forma como a interpretação forense é tratada (com muito mais apuro e cuidado) em outros
países e afirmando a absoluta necessidade de profissionalização dos intérpretes da Justiça
Federal brasileira, propondo diretrizes para a instituição de um programa permanente de
treinamento a ser implementado no âmbito dos Tribunais Regionais Federais ou, ainda, em
caráter nacional, pelo Conselho da Justiça Federal ou pelo carinho Conselho Nacional de
Justiça.
Dada a amplitude e a multidisciplinaridade do tema – que bem poderia render
monografias na área do Direito, da Administração, da Psicologia e das Letras – o presente
estudo, longe de pretender esgotar o assunto, almeja, de um lado, servir como um convite à
reflexão e, de outro, contribuir, ainda que modestamente, com sugestões para a solução dos

3
problemas que afligem essa essencial atividade auxiliar da Justiça, que não vem recebendo a
atenção devida dos operadores e administradores do sistema de justiça criminal.

1. A realidade da interpretação forense na Justiça Federal de Guarulhos


De 1999 a 2014, 76% dos réus processados na Justiça Federal de Guarulhos por
envolvimento com o tráfico internacional de drogas eram de estrangeiros (cfr. Pesquisa
“Tráfico Internacional de Entorpecentes: o fluxo no maior aeroporto internacional do Brasil –
Aeroporto de Guarulhos”, IFDDH, agosto de 2016, p. 25), já tendo os Juízes Federais de
Guarulhos se deparado com mais de cinqüenta idiomas diferentes nas audiências criminais.
Deveras, além das línguas estrangeiras mais comuns, como o Inglês, o Espanhol, o
Francês, o Alemão, o Italiano, o Árabe, o Mandarim e o Russo, já passaram pelos bancos dos
réus de Guarulhos idiomas de menor difusão (como Húngaro, Romeno, Estoniano, Letão,
Croata, Búlgaro, Eslovaco, Polonês, Grego, Holandês, Sírio, Hebraico, Turco, Persa, Swahili,
Malaio, Tailandês, Indonésio) e também inúmeras línguas e dialetos extremamente restritos
(por isso chamados “exóticos”), como, por exemplo, o Igbo e o Yorubá (falados em regiões
da Nigéria), o Cantonês (falado em partes da China, em Hong Kong e Macau) e variações do
Holandês (faladas na África do Sul, nas Guianas e no Suriname).
Com essa absurda riqueza étnica e idiomática, seria de se supor que a Justiça Federal
de Guarulhos, instalada em 1999, já contasse hoje com um corpo consolidado de intérpretes
forenses capacitados e rigorosamente selecionados, que atuassem segundo normas e
orientações profissionais específicas que conferissem padrão e uniformidade (ética, inclusive)
à sua atuação.
Todavia, a realidade é bem diferente.
Em primeiro lugar, inexiste um programa de seleção dos intérpretes forenses na
Justiça Federal. Os “intérpretes forenses” são, no mais das vezes, pessoas conhecidas dos
juízes ou servidores do Judiciário com conhecimento do Português e de alguma língua
estrangeira. Não há prova de seleção, exigência de comprovação da competência lingüística
ou entrevista prévia padronizada: identificada a necessidade de uma dada língua (pela prisão
de estrangeiro ou ajuizamento de ação penal contra ele), a Secretaria do juízo competente
(são cinco Varas criminais em Guarulhos) simplesmente tenta localizar algum falante do
idioma em questão e o convida a atuar como auxiliar da Justiça, sem nenhuma exigência de
formação específica em interpretação (e, muito menos, em interpretação forense).
4
Aceito o convite, o agora “intérprete forense” (a tanto promovido pela só nomeação
judicial) não recebe do tribunal treinamento específico algum, contando apenas com a boa
vontade e a disponibilidade de alguns juízes, servidores, advogados e procuradores mais
experientes para receber alguma orientação prévia sobre as audiências e o que se espera dele,
intérprete.
Esse amadorismo e improviso na seleção e treinamento dos intérpretes conduz não só
à nomeação de falantes de idioma estrangeiro absolutamente despreparados para
desempenhar a função de intérprete forense (o que, no mais das vezes, somente se descobre
no curso da própria audiência, com todos os prejuízos daí decorrentes), como, por vezes,
chega a quase inviabilizar a conclusão do processo penal, pela extrema dificuldade de se
encontrar intérpretes capacitados com a urgência que os processos com réus presos requerem.
A realidade cotidiana de Guarulhos é plena de casos assim.
Certa vez, diante de um processo contra três rés tailandesas, a dificuldade para
encontrar um falante de Português/Tailandês foi tão grande que, arrastando-se a ação penal já
por meses sem que se encontrasse um intérprete, o juízo não teve outra alternativa senão
convocar uma outra presa tailandesa, que, falando também o Inglês, havia participado meses
antes da audiência de seu processo. O juízo então nomeou duas intérpretes: uma de
Português/Inglês/Português (a co-autora deste ensaio) e outra (a presa do outro processo) para
funcionar como intérprete de Inglês/Tailandês/Inglês.1
A audiência realizada dessa forma heterodoxa, conquanto tomando várias horas paras
as sucessivas traduções consecutivas (do Português para o Inglês, do Inglês para o Tailandês,
deste para o Inglês e finalmente para o Português, separadamente para cada uma das três
rés), transcorreu tranqüilamente, tendo sido a solução inusitada utilizada ainda em outros
casos semelhantes.
A esse cenário precário de seleção e treinamento dos “intérpretes forenses” se soma o
fato – mais comum que o desejado – de que os demais participantes da audiência criminal
quase sempre desconhecem a forma correta de interagir com o intérprete forense,
dificultando ainda mais o desempenho da função.
Deveras, muitos juízes, procuradores, advogados e defensores públicos ignoram
completamente a técnica correta de condução das perguntas direcionadas aos réus

1 Ação Penal nº 0009044-77.2012.403.6119.


5
estrangeiros, dirigindo-se ao intérprete, com uso do discurso indireto (na terceira pessoa do
singular), ao invés de dirigir-se diretamente ao réu, com utilização do discurso direto (na
primeira pessoa do singular). Tal prática – banida há décadas em países desenvolvidos2 –
dificulta sobremaneira a atuação do intérprete em audiência, que se vê obrigado a, antes de
verter as perguntas para o idioma estrangeiro, converter mentalmente o discurso indireto para
a forma direta, consumindo ainda mais sua concentração e energia mental.
Demais disso, a complexidade lingüística naturalmente envolvida numa audiência
criminal (recheada de termos técnico-jurídicos) aliada à folclórica prolixidade dos operadores
do direito no Brasil acaba por complicar ainda mais a vida dos intérpretes forenses. Períodos
muito extensos, construções confusas, longas “introduções” de perguntas, interrupções
abruptas e indagações que não terminam com um ponto de interrogação são apenas alguns
dos desafios com que se deparam os intérpretes em audiência.
Se muitos espectadores brasileiros já não seriam capazes de compreender e repetir
muito do que é dito numa sala de audiências, que dizer dos intérpretes forenses que, em
frações de segundo, têm que compreender que é dito em Português jurídico e verter
imediatamente para o idioma estrangeiro, de forma clara e compreensível para o réu.
Verdade seja dita, o estilo rococó e o discurso por vezes confuso de muitos operadores
do direito não têm a intenção deliberada de dificultar a vida dos intérpretes, revelando mais a
despreocupação de muitos juízes, procuradores e advogados com a compreensão (ou não) do
que é dito em audiência. Seja por reprovável desinteresse ou pouco caso com os réus, seja
pela ilusão de que o domínio exclusivo de fórmulas e discursos misteriosos e inacessíveis
confere maior importância ou prestígio a quem os utiliza.
Por fim, a multiplicidade de cenários em que o intérprete é chamado a atuar no
processo penal empresta complexidade ainda maior à sua atividade. Deveras, são no mínimo
seis momentos processuais distintos em que atua o intérprete forense na Justiça Federal de
Guarulhos: a) a entrevista prévia reservada com o defensor; b) as explicações preliminares do
juiz; c) a oitiva das testemunhas; d) o interrogatório do réu estrangeiro; e) as alegações finais
e a leitura da sentença; f) a discussão de eventual apelação com o defensor.

2 Nos Estados Unidos, por exemplo, a prática foi abandonada há 25 anos – cfr. MIKKELSON, Holly;
GONZÁLEZ, Roseann Dueñas; e VÁSQUEZ, Victoria F., in Fundamentals of Court Interpretation – theory,
policy and practive, 1991, § 1.1.6.
6
Cada um desses momentos processuais envolve situações, atores e discursos diversos,
exigindo do intérprete o domínio e o uso de técnicas interpretativas também distintas, como,
por exemplo, a interpretação simultânea sussurrada, a interpretação consecutiva e a
interpretação ‘a prima vista’. Tudo isso, sem esquecer dos imperativos éticos de sua
profissão.
À vista deste breve relato da experiência prática da Justiça Federal de Guarulhos, já se
nota que a interpretação forense é atividade auxiliar da Justiça muito mais complexa e
sensível do que a pobreza de sua disciplina normativa faria supor, estando a merecer
tratamento mais cuidadoso e profissional da parte do Poder Judiciário.

2. O que é, realmente, a interpretação forense?


Ao contrário do que se poderia supor, a interpretação forense não é, singelamente, a
“tradução” de termos e fórmulas processuais do Português para idiomas estrangeiros e vice-
versa, no papel ou oralmente em audiências. Tal concepção simplista (e, por que não dizer,
simplória) revela não só ignorância das sutilezas dessa atividade essencial do processo penal
em que intervêm réus e/ou testemunhas estrangeiros, como evidencia, também, profundo
desprezo pela concretização das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa
(que, sabidamente, se aplicam a brasileiros e estrangeiros processados no País).
Em primeiro lugar, a interpretação forense é ferramenta de implementação do
devido processo legal e de asseguração da ampla defesa e do contraditório no processo
penal.
Para se compreender o alcance desta afirmativa, basta que o leitor brasileiro se
imagine sendo processado criminalmente em países de línguas completamente diversas do
Português, como o Russo, o Árabe, o Swahili ou o Chinês, sem ter o auxílio de um serviço
competente de interpretação forense. Desse singelo exercício de imaginação já se percebe
que relegar a interpretação forense ao improviso ou tratá-la como simples “tradução” entre
idiomas (a ser feita por qualquer pessoa que “conheça” a língua estrangeira ou, pior, por
tradutores eletrônicos como o “google tradutor”) pode causar sérios danos ao processo penal
e aos direitos fundamentais do réu estrangeiro, que se verá mergulhado em fórmulas,
discursos e atos processuais incompreensíveis, ficando verdadeiramente impedido de exercer
plenamente sua defesa perante a autoridade judicial brasileira.

7
Com efeito, não são apenas imperativos cristãos de compaixão e alteridade que
exigem que se permita ao réu estrangeiro compreender e ser compreendido durante o
processo penal. É a própria Constituição Federal e o Código de Processo Penal que impõem
que se garanta (e não apenas que se prometa) ao réu estrangeiro plena oportunidade de
contraditório e de ampla defesa no processo penal, o que somente se alcança com um
serviço de interpretação forense profissional e de qualidade.
Não constitui exagero afirmar que é pressuposto básico do contraditório e do
exercício do direito de defesa a própria compreensão do que se passa no processo, seja em
requerimentos e decisões judiciais, seja em audiências para oitiva de testemunhas ou
interrogatório do réu. Deveras, se ao réu estrangeiro não é dado compreender em sua língua o
conteúdo de requerimentos, decisões, documentos e depoimentos passados em Português, é
evidente que ele não reunirá condições mínimas de defender-se. É a Constituição Federal,
assim, que, ao exigir o devido processo legal, a oportunidade de contraditório e a garantia de
ampla defesa, impõe a necessidade de plena compreensão, pelo réu estrangeiro, do que se
passa no processo penal brasileiro.
Demais disso, o Código de Processo Penal estabelece que “quando o interrogando
não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio de intérprete” (art. 193) e
que “quando a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeado intérprete para
traduzir as perguntas e respostas” (art. 223). Da combinação desses dois dispositivos, aliás,
pode-se deduzir uma terceira norma, implícita: nos casos em que a língua nacional seja de
conhecimento da testemunha, mas não do réu (como rotineiramente acontece em Guarulhos),
também deverá estar presente o intérprete para traduzir, para conhecimento do réu, as
perguntas e respostas do depoimento da testemunha.
A Justiça Federal norte-americana, por exemplo, reconhece que “o uso de intérpretes
forenses competentes em procedimentos envolvendo falantes de línguas diversas do idioma
nacional é fundamental para assegurar que a justiça seja verdadeiramente entregue aos réus
e outros interessados”.3 A principal função do intérprete forense, assim, é permitir que o réu
esteja presente de forma lingüística em todas as etapas do processo, tornando igualmente
possível que os demais envolvidos no processo compreendam o que é dito pelo acusado.

3 Cf. http://www.uscourts.gov/services-forms/federal-court-interpreters - tradução livre dos autores.


8
Em segundo lugar, cumpre lembrar que a interpretação forense é campo próprio do
conhecimento, área técnica específica que não se confunde nem mesmo com a tradução.
Interpretação é a transferência de uma língua oral (língua de partida) para outra língua oral
(língua de chegada), ao passo que tradução é a transferência de uma língua escrita para outra
língua escrita (sendo a tradução propriamente dita a passagem do texto estrangeiro para o
Português, enquanto a versão é a passagem do Português para idioma estrangeiro).
Nesse contexto, interpretação forense é a atividade profissional específica dos
intérpretes que atuam em audiências judiciais, cíveis ou criminais, atividade essa que
exige não só o pleno domínio das línguas que se vai interpretar e das técnicas de
interpretação (formação genérica), como intimidade e desenvoltura com a terminologia
técnico-jurídica e com os ritos e procedimentos judiciais (formação específica).
De fato, o ambiente de uma sala de audiências é muito diferente do de uma sala de
reuniões ou de uma cabine em salas de conferência, situações comuns em que são
requisitados intérpretes no mundo globalizado de hoje. Enquanto num ambiente negocial o
intérprete lida com pessoas de nível educacional equivalente e pode ainda reformular,
clarificar e simplificar discursos, numa audiência criminal o intérprete forense tem diante de
si pessoas com níveis educacionais muito diversos e está obrigado a transmitir fielmente os
discursos proferidos nos mais diversos estilos, não podendo em hipótese alguma reformulá-
los, corrigi-los ou simplificá-los, sob pena de comprometimento da interpretação pela perda
de autenticidade das mensagens (sobretudo das testemunhas e dos réus).
Do mesmo modo, uma sala de audiências nunca proporcionará o ambiente sereno e
tranqüilo de uma cabine de salas de conferência à prova de som, em que o intérprete tem o
equipamento de áudio próximo do ouvido e está livre de interferências sonoras externas.
Muito ao contrário, numa audiência criminal o intérprete forense senta-se próximo do réu
estrangeiro e deve, com todas as distrações e ruídos desse ambiente intranquilo, ouvir as
manifestações do juiz, do procurador, do advogado, das testemunhas e do réu e retransmiti-
los prontamente na língua de chegada.
Vê-se, assim, que a comunicação na sala de audiências pode ser bem mais complexa
que em qualquer outro cenário ou situação cotidiana. Por isso mesmo, o conhecimento e as
habilidades exigidas de um intérprete forense (além da proficiência em Português e no
idioma estrangeiro) são também altamente complexos. Se é certo que nem todo bilíngue

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pode, só por isso, ser intérprete, não menos certo é que nem todo intérprete está
preparado, com sua formação genérica, para servir como intérprete forense.
Em realidade, tantas são as habilidades mentais e processos cognitivos envolvidos no
ato de interpretar, e tantos são os desafios e surpresas à espreita numa sala de audiências, que,
guardadas as proporções dos riscos em jogo, não constitui exagero comparar o grau de
estresse profissional dos intérpretes forenses aos dos controladores de vôo, sendo
seguramente idêntico, ao menos, o permanente estado de concentração e tensão em ambas as
atividades.

3. As diferentes modalidades de interpretação utilizadas em juízo


Como já assinalado, a experiência prática da Justiça Federal de Guarulhos revela ser
necessária a atuação do intérprete forense em pelo menos seis momentos processuais
distintos:4 a) a entrevista reservada com o defensor antes da audiência; b) as explicações
preliminares do juiz no início da audiência; c) a oitiva das testemunhas; d) o interrogatório do
réu estrangeiro; e) as alegações finais orais e a leitura da sentença em audiência; f) a
discussão de eventual apelação com o defensor ao término da audiência.5
E uma vez que cada um desses momentos processuais envolve situações, atores e
discursos diversos, são exigidos do intérprete forense o domínio e o uso de técnicas
interpretativas também distintas, as quais cabe agora ver com mais detença.

3.1. A interpretação simultânea


A interpretação simultânea talvez seja o modo de interpretação que mais evidencia
que, para ser intérprete, não basta falar mais de uma língua. Ela demanda o talento raro de ser
capaz de ouvir em uma língua e falar em outra, processo cognitivo altamente sofisticado que
exige níveis elevados de concentração e depende do domínio de terminologia específica de
várias áreas do conhecimento e da capacidade de rápida tomada de decisão na escolha das
palavras. Bem por isso, intérpretes simultâneos não se formam senão depois de anos de
educação especializada e incansável treinamento prático.

4Não se está, aqui, falando de tradução ‘stricto sensu’, o que exclui, portanto, a tradução de peças processuais e
documentos, que pode dar-se em momentos processuais diversos daqueles em que ocorre a interpretação.
5Sem prejuízo do prazo para recurso, o final da audiência é a oportunidade que o defensor tem de conversar
pessoalmente com o réu preso, explicar o resultado da sentença e perguntar sobre o desejo de recorrer.
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Na interpretação simultânea, o intérprete forense, depois de começar a ouvir o
discurso que vai interpretar (na língua de partida, que pode ser o Português ou o idioma
estrangeiro, conforme o caso), precisa se preocupar, em frações de segundo, com a sintaxe e a
semântica da língua de chegada antes de se expressar nela, sem perder a atenção das frases
subseqüentes que continuam a ser ditas na língua de partida pelo locutor. E isso sem contar
que, em algumas línguas, como o alemão e o hebraico, o verbo de ação às vezes vem ao final
da frase, o que impede o intérprete de começar a interpretação antes da frase se completar e
fazer sentido.
Para se ter uma idéia da alta complexidade da interpretação forense simultânea, basta
que se tente, sendo brasileiro, repetir mentalmente mesmo em Português o que é dito por
testemunhas brasileiras numa audiência qualquer, continuando a ouvi-las. A dificuldade
hercúlea da tarefa para quem não seja da área é suficiente para dar uma idéia de quão mais
difícil é, mesmo para especialistas, a interpretação simultânea de uma língua estrangeira para
o Português e vice-versa. Em realidade, profissionais da área que dominam esse modo de
interpretação com excelência são disputadíssimos no mercado, sendo requisitados com meses
de antecedência para eventos e, não raras vezes, são contratados permanentemente por
organismos internacionais.
Numa audiência criminal, a interpretação simultânea normalmente é utilizada durante
a oitiva das testemunhas: sentado ao lado do réu estrangeiro, o intérprete forense ouve o
depoimento das testemunhas em Português e, simultaneamente, o retransmite ao acusado em
seu idioma. A dificuldade da tarefa é agravada pela sensível diferença de registros e estilos
linguísticos utilizados pelas diferentes testemunhas: há os policiais, que usam a linguagem e
os jargões próprios de sua profissão; há os técnicos e especialistas sobre determinado assunto,
que se valem de terminologia técnica específica; e há as pessoas de educação mais modesta,
que fazem uso de registros informais do Português e por vezes se expressam de forma
confusa e linguisticamente imprecisa.
Embora importante também nas demais modalidades de interpretação, é na
intepretação simultânea que o alinhamento entre juiz federal e intérprete se mostra essencial,
na medida em que compete ao magistrado que preside a audiência proporcionar condições
adequadas para que o intérprete forense bem desempenhe sua função.
De fato, ruídos, distrações ou mesmo a disposição da sala de audiência podem
impedir o intérprete de ouvir claramente as perguntas feitas à testemunha e as suas respostas.
11
Do mesmo modo, se os locutores estiverem falando muito rápido, o intérprete pode não
conseguir acompanhá-los. Ainda, audiências muito longas podem esgotar as forças físicas e
mentais do intérprete, eliminando sua capacidade de concentração e interpretação. Em
qualquer desses casos, é dever do juiz intervir, de ofício ou a pedido do intérprete, para
eliminar a causa do desconforto e proporcionar a realização da audiência em condições
adequadas para o trabalho do intérprete.
Uma medida judicial simples capaz de evitar esses percalços é o esclarecimento
prévio, feito pelo juiz no início da audiência, em que ele explica às partes e às testemunhas as
peculiaridades de uma audiência com réu estrangeiro e as convida a colaborar com o
intérprete, falando mais lentamente, utilizando frases curtas, construções verbais simples e
diretas e não se interrompendo ou falando ao mesmo tempo.
Embora seja recomendável que os juízes tenham bom conhecimento das
particularidades da interpretação forense – para que possam, por si próprios, se antecipar às
dificuldades dos intérpretes e solucioná-las de ofício – não há vergonha alguma (antes, é
dever ético do auxiliar do juízo, como se verá abaixo) em que os próprios intérpretes
interrompam sua participação na audiência e peçam o auxílio do magistrado.
Com efeito, solicitações respeitosas (como, e.g., “Excelência, o senhor poderia pedir à
testemunha que fale mais devagar, por favor?”, ou “Excelência, seria possível fazermos um
intervalo de alguns minutos para que eu possa recompor minha concentração em nível
satisfatório para continuar a interpretação?”) não só não prejudicam o andamento da
audiência como são bem vindas, por viabilizarem o bom desempenho profissional do
intérprete e, por conseqüência - como visto acima - a plena realização do devido processo
legal previsto na Constituição.

3.2. A interpretação consecutiva


A interpretação consecutiva é aquela em que o intérprete vai tomando notas enquanto
ouve o discurso, para, em seguida, em uma pausa do locutor, fazer a interpretação para a
língua de chegada. Ela utiliza a habilidade cognitiva da memória de curto prazo e,
precisamente por isso, reclama que os discursos a serem interpretados não ultrapassem dois
minutos ou contenham mais de cinqüenta palavras, 6 sob pena de o intérprete não conseguir

6Cfr. MIKKELSON, Holly, in The interpreter’s edge: practical exercises in Court Interpreting, 3ª ed., Ed.
Acebo, 1995
12
apreender e reproduzir com fidelidade o que acabou de ser dito. Por sua própria natureza, é
modalidade de interpretação que emprega tempo consideravelmente maior que a simultânea.7
As escolas de interpretação empregam inúmeras técnicas e exercícios para
desenvolver tanto a memória de curto prazo, quanto a forma de anotação e apreensão do
discurso a ser interpretado, havendo técnicas mnemônicas e ideogramas próprios para a
facilitação do trabalho. Não raras vezes, os intérpretes consecutivos acabam desenvolvendo
códigos de símbolos próprios para tomar notas de palavras chave do discurso e agilizar a
interpretação. Nada obstante, tal qual na interpretação simultânea, são necessários anos de
prática para que se alcance excelência (caracterizada pela absoluta fidelidade na transmissão
da mensagem) na interpretação consecutiva.
Nas audiências criminais, ela é largamente utilizada, surgindo já na entrevista prévia
do réu estrangeiro com seu defensor, passando pelas explicações preliminares do juiz no
início da audiência e reaparecendo no encerramento, para discussão com o defensor sobre
eventual apelação. É no interrogatório do acusado, porém, que a interpretação consecutiva
assume protagonismo absoluto: o intérprete vai vertendo para o idioma estrangeiro, pouco a
pouco, as perguntas do juiz, do procurador e do defensor a respeito do mérito da acusação e,
com as respostas do réu – também interpretadas consecutivamente – vai se desenhando a
versão do acusado para os fatos, com a admissão ou negação da culpa.
Não obstante sua larga utilização, muitos juízes, procuradores e advogados continuam
a atrapalhar consideravelmente o trabalho dos intérpretes durante a interpretação consecutiva,
simplesmente por ignorar o modo de funcionamento dessa específica modalidade
interpretativa.
Como já assinalado, é comum o equívoco de juízes, procuradores e defensores 8 de se
dirigirem ao intérprete (com uso do discurso indireto, na terceira pessoa do singular), ao
invés de se dirigirem diretamente ao réu (com utilização do discurso direto, na primeira
pessoa do singular). Considerando que o intérprete consecutivo tem dever de máxima
fidelidade ao discurso do locutor (impondo-se a reprodução da forma, do estilo, do tom, de
eventuais erros, hesitações, interrupções e reformulações de frases), a utilização do discurso

7 No exemplo citado acima, da ação penal envolvendo três rés tailandesas, em que foi convocada uma presa
tailandesa processada em outra ação penal para funcionar como segunda intérprete ao lado da intérprete de
Inglês, era de interpretação consecutiva que se tratava.
8Tal equívoco dificilmente ocorre da parte do réu estrangeiro, que, indagado pelo intérprete em sua língua
materna, tende a responder em primeira pessoa, por meio do discurso direto.
13
indireto o obriga a empregar tempo e energia mental extras, para converter mentalmente o
discurso indireto para a forma direta antes de transmitir a mensagem ao réu no idioma
estrangeiro.
A técnica correta, simples e natural, manda que as partes e o juiz se dirijam, mesmo
em Português, diretamente ao réu, como se ele compreendesse o discurso. O intérprete
forense então transporta a mensagem tal como construída para o idioma estrangeiro e, ao
ouvir a resposta do réu, faz o mesmo, respondendo à indagação, em Português, também na
primeira pessoa do singular, como se fosse mero amplificador da voz do acusado.
Mas não é só. O abuso da terminologia jurídica, o uso de construções verbais
demasiadamente complexas ou eruditas, de frases longas e de confusas “introduções” às
perguntas (ou mesmo de “perguntas” às quais não se segue o necessário ponto de
interrogação) complicam desnecessariamente o trabalho dos intérpretes forenses.
Não se pode olvidar, no ponto, que os réus estrangeiros não dispõem de conhecimento
técnico-jurídico (e ainda que dispusessem, não seria do direito brasileiro), obrigando os
intérpretes a uma imprópria – porém indispensável, no caso – simplificação do discurso, sob
pena de absoluta incompreensão por parte do acusado, mesmo em seu idioma (tal qual sucede
com muitos réus brasileiros não esclarecidos pelos juízes).
Também aqui, a solução é fácil: a utilização, pelas partes e pelo juiz, de frases curtas
e simples e, na medida do possível, a substituição de termos técnicos ou muito específicos
por possíveis sinônimos ou breves explicações mais acessíveis em Português (a critério, note-
se, dos próprios juízes, procuradores e advogados, e não mais do intérprete, a quem não cabe
tamanha responsabilidade). Ainda, cabe ao juiz orientar as partes e o réu – e interrompê-los
momentaneamente, quando o caso – a falarem por períodos curtos de tempo, para permitir a
pronta interpretação consecutiva, fazendo os depoimentos caminharem de forma
entrecortada, passo a passo.
Há, também, pequenos deslizes de partes e juízes decorrentes de mera
desconcentração, como os que acontecem quando eles, inquiridores, também falam o idioma
estrangeiro do acusado. Por vezes, depois de ouvir e compreender a resposta do réu na língua
estrangeira, juízes, procuradores e advogados desatentos põem-se de imediato a fazer novas
perguntas, sem deixar que o intérprete traduza o que foi dito para o Português (o que é
indispensável para os registros da audiência). Muito embora se trate de irregularidade quase
inofensiva, a demora do juiz em perceber o incidente e corrigi-lo (permitindo que todas as
14
respostas do réu sejam devidamente transportadas para o Português pelo intérprete) pode
acabar ensejando até mesmo a nulidade da audiência, pelo não registro do interrogatório do
acusado em Língua Portuguesa.
De outro lado – justiça seja feita – há também os intérpretes forenses que, ainda
despreparados para a função (por formação deficiente ou falta de experiência), acabam por
comprometer seu trabalho ao desrespeitar as regras técnicas básicas da interpretação
consecutiva. Deveras, a mera ignorância, pelo intérprete, de seu dever funcional de máxima
fidelidade ao discurso interpretado pode causar sérios mal entendidos e até mesmo prejudicar
ou favorecer indevidamente o estrangeiro acusado.
Como já assinalado, o intérprete consecutivo deve evitar ao máximo omitir ou
adicionar informações ao discurso interpretado, bem como deve furtar-se a embelezar o
vocabulário ou corrigir erros gramaticais ou de estilo. Se, por exemplo, o réu estrangeiro
acusado de tráfico internacional de drogas é indagado se “sabia se havia droga escondida em
sua bagagem”, eventual hesitação, falso início de frase ou resposta sem sentido devem ser
fielmente reproduzidos pelo intérprete, a quem não cabe repreender o acusado por não ter
respondido à indagação, nem muito menos “reinquiri-lo” na busca de uma resposta mais
completa.
A Justiça Federal de Guarulhos reúne verdadeiro anedotário com episódios
envolvendo intérpretes despreparados (ou momentaneamente desconcentrados) que acabaram
por prejudicar as audiências criminais de que participaram.
Certa feita, desconfiado de que um réu estrangeiro simplesmente inventara o nome de
um possível mandante do crime (para minimizar sua participação no delito), o membro do
Ministério Público continuou sua inquirição fazendo inúmeras perguntas estranhas ao
assunto, para retomar a questão minutos depois, na esperança de surpreender o acusado já
esquecido do nome que inventara. Repetindo então a indagação “qual era mesmo o nome da
pessoa que lhe deu a droga no Brasil?”, qual não foi a surpresa do procurador quando a
própria intérprete, sem sequer traduzir a pergunta, respondeu de pronto com o nome dito
inicialmente pelo réu, que ela havia anotado em seu caderno.
Aliás, mais de uma vez aconteceu de o juiz (entre outros, o co-autor deste ensaio)
indagar sobre a vida pessoal e familiar do acusado e o intérprete, inadvertidamente, também
sem sequer traduzir a pergunta, por-se a responder, posto que já obtivera tais informações do
réu durante a entrevista prévia reservada com o defensor.
15
Noutro episódio, numa audiência de custódia – em que se decidia sobre a manutenção
da prisão em flagrante do estrangeiro ou a concessão de liberdade provisória – o magistrado
indagou do acusado o que ele faria se fosse posto em liberdade. Claramente enfurecido por se
sentir, segundo afirmava, enganado por um seu conhecido (que teria escondido drogas em sua
bagagem sem seu conhecimento), o estrangeiro respondeu, em Inglês, que iria procurar o
responsável e matá-lo; o intérprete, contudo, ao transportar a frase para o Português, omitiu a
parte final, dizendo apenas “vou procurar meu amigo”.
Tendo compreendido a resposta em Inglês, e surpreso com a omissão indevida do
intérprete, o juiz mandou que ele, intérprete, traduzisse fielmente o que foi dito, sobrevindo
então a frase completa, com a menção à intenção de “matar o responsável”, o que acabou por
ensejar, naquele momento, a manutenção da prisão, pelo receio quanto à real disposição do
acusado de se vingar de seu conhecido. Fosse o caso com uma língua estrangeira ignorada
pelo julgador, a má atuação do intérprete consecutivo seguramente teria passado despercebida
e poderia até mesmo ter ensejado uma tragédia.
A despeito dos casos mais folclóricos, é inegável que a forma de falar do acusado, o
estilo e o tom de seu discurso, a convicção ou hesitação em suas afirmações, os rodeios, os
falsos inícios de frase e mesmo os erros gramaticais e as frases sem sentido fornecem ao
magistrado informações importantíssimas quanto ao modo de ser e à capacidade de
compreensão do réu (circunstâncias relevantes, por exemplo, para formação do juízo quanto à
consciência e voluntariedade do acusado a respeito de todas as circunstâncias do crime de
que é acusado e também para fins de dosimetria da pena).
Se a audiência é a oportunidade do juiz de travar contato direto com o réu e assim
conhecê-lo um pouco mais, o intérprete forense que ignora as regras e técnicas da
interpretação consecutiva, omitindo ou acrescentando informações, ou substituindo o estilo
linguístico do réu estrangeiro pelo seu próprio, acaba por embaçar a imagem do acusado e
impedir o magistrado de conhecer verdadeiramente a pessoa que deve julgar (em claro
prejuízo da Justiça e do próprio réu).

3.3. A interpretação à prima vista


Na interpretação à prima vista o intérprete lê um documento escrito em um idioma e,
ao mesmo tempo, o transporta oralmente para língua diversa. Essa modalidade é bastante
semelhante à interpretação simultânea, diferindo essencialmente quanto ao veículo que traz
16
ao intérprete a mensagem a ser traduzida: na interpretação simultânea, é alguém que fala; na
interpretação à prima vista, é um texto escrito, com o qual o intérprete está tomando contato
pela primeira vez.9
Por exigir a imediata tradução oral do documento, conforme o intérprete o vai lendo
pela primeira vez, essa técnica exige as mesmas habilidades da interpretação simultânea,
como a alta concentração, a rapidez de raciocínio e a capacidade de separação mental do que
se lê e do que se fala quase ao mesmo tempo. Mas não só. Por normalmente envolver a
tradução de documentos técnicos, escritos em linguagem especializada, a interpretação à
prima vista exige conhecimento ainda mais aprofundado do vocabulário específico
empregado no escrito que se vai traduzir oralmente. Bem por isso, é considerada uma das
modalidades mais difíceis para o intérprete forense.
Na Justiça Federal de Guarulhos, conquanto possa ser utilizada antes (como, e.g., na
leitura da denúncia para notificação da acusação aos réus estrangeiros), o momento por
excelência da interpretação à prima vista é a leitura da sentença penal. Quando a sentença é
proferida em audiência, na presença do réu, normalmente o juiz a lê em voz alta e o intérprete
realiza a interpretação simultânea para o réu estrangeiro; quando, todavia, a sentença é
proferida depois de encerrada a audiência de instrução, normalmente se realiza uma segunda
audiência (em videoconferência), apenas para a leitura da sentença pelo intérprete. E tal
leitura será feita, precisamente, com utilização da interpretação à prima vista.
No processo penal, a leitura de uma sentença de absolvição é seguramente momento
de alegria e alívio para o réu (estrangeiro ou brasileiro), sendo comum até mesmo certa
descontração dos presentes, que humanamente se solidarizam com o fim do martírio
representado pela acusação da prática de um crime. A tarefa do intérprete forense, assim, não
apresenta, nesse contexto, dificuldades maiores que as já inerentes a qualquer interpretação à
prima vista.
Bem diversa, contudo, é a situação quando se trata da leitura de uma sentença penal
condenatória. As reações de um réu que ouve sua condenação em audiência podem variar da
silenciosa e contida resignação à mais enfurecida e ruidosa revolta, sendo mesmo
imprevisível. Destarte, é de extrema importância, especialmente nesse cenário, que a

9Trata-se, como visto, de interpretação e não de tradução, atividade essencialmente diversa, em que o tradutor
dispõe inclusive de tempo e acesso a dicionários e textos de apoio para concluir seu trabalho, que será
apresentado posteriormente por escrito.
17
mensagem transmitida pelo intérprete forense seja absolutamente fiel ao conteúdo da
sentença lida, levando ao conhecimento do réu condenado, em seu idioma materno, as razões
concretas de sua condenação, a extensão e os fundamentos de sua pena (com explicitação das
eventuais atenuantes e agravantes, minorantes e majorantes).
Por mais que hoje se busque a simplificação dos textos jurídicos e o descarte de
floreios linguísticos inúteis, a sentença penal condenatória, por ser peça processual
eminentemente técnica e disciplinada em lei, inescapavelmente terá de fazer uso da
terminologia própria do direito penal, valendo-se de inúmeras expressões e vocábulos
técnicos, que quase sempre terão seus equivalentes no idioma estrangeiro. Desse modo, é
absolutamente indispensável que o intérprete forense esteja não só familiarizado com a
linguagem do direito penal brasileiro como, também, com a terminologia jurídica da língua
estrangeira falada pelo réu, de modo a garantir a plena compreensão do conteúdo da
sentença pelo acusado.
O intérprete forense deve, ainda, cercar-se de cuidados para não se permitir externar
aprovação ou reprovação do desfecho da ação penal (ainda que por meio de meras
expressões faciais durante a leitura da sentença) e, em hipótese alguma (por mais difícil que
isso seja na prática), deve tentar “consolar” o réu (seja com a inofensiva lembrança da
possibilidade de apelação, seja com afirmações mais temerárias, como, por exemplo, a de que
“outros receberam penas maiores em casos semelhantes”). Embora seja da natureza humana
buscar consolar o semelhante que sofre, esse papel, no processo penal, compete ao defensor e
à família do condenado, nunca ao intérprete, que é auxiliar técnico do Poder Judiciário e deve
pautar-se por absoluta sobriedade e imparcialidade no desempenho de sua função.
É comum (e plenamente compreensível, sob o aspecto humano) que os réus
estrangeiros vejam no intérprete forense quase um amigo, pelo só fato de ser alguém com
quem conseguem se comunicar. Ademais, o contato próximo e permanente com o intérprete
durante quase todo o tempo de permanência no Fórum Federal, bem como a circunstância de
que não cabe a ele tomar qualquer decisão sobre o destino do processo, podem ensejar no réu
estrangeiro uma natural simpatia pelo auxiliar do juízo e, por vezes, até mesmo uma ilusória
sensação de intimidade.
Não custa lembrar, contudo, que o intérprete forense é auxiliar do juízo e não do réu
estrangeiro. Deve primar, assim, por dever de ofício, por uma atuação absolutamente neutra e
imparcial, objetiva e transparente, evitando criar laços emocionais com o acusado
18
estrangeiro. Do contrário, o intérprete forense pode ver-se colocado em situações
extremamente delicadas, como quando o réu se sente à vontade para pedir um conselho, ou
para perguntar se o juiz de seu caso é “severo” ou “liberal”, se o procurador é “mau” ou se
seu defensor está fazendo uma “boa defesa”.
Sem dúvida nenhuma, o momento de olhar nos olhos de um réu e proferir sua
condenação (por vezes, a anos de prisão em regime fechado) não é fácil nem mesmo para os
juízes, que estão ali para cumprir sua missão jurídico-constitucional e têm a consciência
tranqüila de ser, a sua sentença condenatória, a decisão imposta pela prova dos autos e a mera
conseqüência das más escolhas do acusado. O intérprete, contudo, não tem a responsabilidade
de examinar a prova produzida no processo, tampouco a de decidir pela condenação ou
absolvição ou de dosar a pena a ser aplicada. Por isso mesmo, deve estar sempre atento e
vigilante para não se envolver emocionalmente com a desventura do estrangeiro condenado.

3.4. Da inadmissibilidade da utilização de tradutores eletrônicos (e.g., “Google


Tradutor”) como substitutos da tradução ou da interpretação à prima vista
Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região afirmou a legalidade da
utilização da ferramenta eletrônica “Google Tradutor” para traduzir a sentença de um réu
estrangeiro,10 baseando-se no entendimento da Corregedoria-Regional da Justiça Federal da
3ª Região, que, em 2011, considerou o uso do “Google Tradutor” como uma “boa prática
processual”, uma “medida idônea, célere e com resultados satisfatórios”, afirmando, diante
das dificuldades que a 3ª Região encontrava para traduzir processos criminais, que “não se
torna necessário aguardar, como tem ocorrido atualmente nas diversas varas federais com
competência penal, o lapso de tempo de às vezes diversos meses até a obtenção de tradutor/
intérprete pelas vias mais convencionais”.11 Precisamente nessa linha de entendimento,
algumas Varas Federais ainda hoje têm utilizado o “Google Tradutor” para traduzir
denúncias, sentenças e até pedidos de colaboração jurídica internacional.
A decisão, contudo – seja-nos permitido dizê-lo com o máximo respeito – vai de
encontro à orientação de todos os países mais avançados no estudo e na prática da
interpretação e da tradução forense, como, por exemplo, a quase totalidade dos países

TRF3, Apelação Criminal nº 0006151-21.2009.4.03.6119/SP, Primeira Turma, Rel. Desembargador Federal


10
WILSON ZAUHY, DJe 08/04/2016.
11 Expediente Administrativo nº 2011.01.0218 COGE.
19
europeus, os Estados Unidos da América, o Canadá, o Japão e a África do Sul. Aliás, seria de
se perguntar por que o Parlamento Europeu e a Comissão Européia, por exemplo, contratam
tradutores e intérpretes de praticamente todos os idiomas dos países pertencentes à União
Européia, gastando milhões de euros todos os anos com seus salários, se o serviço deles
poderia tranquilamente ser substituído, com enorme vantagem econômica e ganho de tempo,
por uma ferramenta eletrônica disponível gratuitamente na internet. O desconforto da
indagação chama à lembrança a sabedoria popular de que, para todo problema complexo,
existe uma solução simples. E errada.
Não há dúvida de que o “Google Tradutor” é uma ferramenta extremamente útil para
o uso privado em situações cotidianas envolvendo estrangeiros. Funciona como um ágil
dicionário que permite a compreensão básica do que se diz em idiomas diversos e, assim,
enseja interações sociais e comerciais que não tenham maiores repercussões. Entretanto,
quando se pretende utilizar tal dispositivo eletrônico primário no ambiente judicial, em
substituição ao trabalho de intérpretes e tradutores forenses, não só se assume o risco
(altíssimo) de grave atentado ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa,
como se passa atestado de profunda ignorância linguística.
Deveras, somente quem não conheça outra língua além do Português (e, assim, seja
incapaz de conferir o resultado proporcionado pelo tradutor eletrônico em um idioma
estrangeiro) pode afirmar que o “Google Tradutor” é uma ferramenta “idônea” que oferece
“resultados satisfatórios”. Qualquer bilíngue, seja de quais idiomas se trate, atestará sem
hesitação a absoluta precariedade do tradutor eletrônico, que além de não oferecer
segurança na versão de textos científicos com vocabulário técnico, simplesmente não
consegue traduzir, com sentido, parágrafos com mais de duas linhas de extensão.
Se o texto técnico a ser traduzido for jurídico, então, a precariedade se agrava
insuperavelmente, mesmo que se trate de línguas com terminologia jurídica semelhante
(como o Português, o Espanhol e o Italiano), dada a profusão de falsos cognatos existentes
nas línguas latinas. Contudo, se a língua de chegada for radicalmente diversa do Português
(como o Inglês, o Alemão, o Russo, o Árabe, o Swahili, etc.), a confusão da tradução
promovida pelo tradutor eletrônico chegará às raias do ridículo e do constrangedor (sem que
o juiz, que dificilmente falará tantas e tão variadas línguas, possa conferir e corrigir o
resultado). E o constrangimento e a vergonha poderão ser internacionais - com prejuízo

20
irreparável à imagem e à credibilidade do Judiciário brasileiro - se o “Google Tradutor” for
utilizado, por exemplo, para tradução de um pedido de colaboração jurídica internacional.
Demais disso, admitir a utilização de uma ferramenta eletrônica absolutamente
precária e limitada – como o “Google Tradutor” – para verter para idiomas estrangeiros
sentenças proferidas em Português culto e técnico, somente pode revelar pouco apreço pelos
valores constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, além
de indisfarçável desprezo pela frágil situação do réu estrangeiro no processo penal
brasileiro. Certamente que a diplomacia brasileira não admitiria a utilização do “Google
Tradutor” para verter para o Inglês uma simples “carta de boas vindas” a um novo
embaixador britânico, pelo risco do ridículo e do mal entendido; tratando-se de “réus”
estrangeiros, porém, a plena compreensão do conteúdo da sentença que selará seu destino no
País é vista por alguns como mero detalhe insignificante, incapaz de despertar a busca de
soluções menos preguiçosas.
É fora de dúvida – como visto com vagar acima – que a Justiça Federal brasileira é
despreparada e enfrenta sérias dificuldades para encontrar tradutores e intérpretes forenses
capacitados e em condições de fazer frente à enorme demanda de algumas regiões (como na
cidade de Guarulhos, por exemplo). A solução, todavia, não há de ser a disseminação do uso
de uma ferramenta eletrônica absolutamente débil e insegura. Muito ao contrário, é a
implementação de um programa oficial de seleção e treinamento de intérpretes forenses – tal
como feito em muitos países do mundo – que proporcionará, gradualmente, a
profissionalização dessa atividade auxiliar e o pleno atendimento das necessidades da Justiça.

4. Da necessidade de profissionalização do serviço de interpretação forense da


Justiça Federal
Sem embargo da absoluta necessidade dos intérpretes forenses na Justiça Federal (e
da essencialidade de sua função no processo penal, como visto), inexiste regramento
específico sobre a sua contratação. O Código de Processo Penal, ao tratar dos “Peritos e
Intérpretes”, determina apenas que “os intérpretes são, para todos os efeitos, equiparados
aos peritos” (art. 281) e que “as partes não intervirão na nomeação do perito” (art. 276).
Já a Resolução nº 127/2011 do Conselho Nacional de Justiça determina que “a
designação de perito, tradutor ou intérprete é cometida exclusivamente ao juiz da causa,
sendo-lhe vedado nomear cônjuge, companheiro(a) e parente, em linha reta ou colateral, até
21
o terceiro grau, de magistrado ou de servidor do juízo” (art. 4º). E o art. 23 da Resolução nº
305/2014 do Conselho da Justiça Federal estabelece que “a nomeação de advogados
voluntários, advogados dativos, curadores, peritos, tradutores e intérpretes é ato exclusivo
do juiz, que poderá optar por selecionar o profissional mediante sorteio eletrônico pelo
Sistema AJG/JF [Assistência Judiciária Gratuita da Justiça Federal]”.
Nesse contexto, atualmente inexiste um programa oficial de seleção dos intérpretes
forenses na Justiça Federal, tampouco um cadastro regional ou nacional dos intérpretes
habilitados a atuar em juízo. Os “intérpretes forenses”, assim, continuam a ser nomeados caso
a caso pelos juízes federais, entre pessoas conhecidas do juízo com conhecimento do
Português e de alguma língua estrangeira. Como já assinalado, não há prova de seleção nem
exigência de comprovação da competência lingüística dos contratados.12
Do mesmo modo, não existe um “manual de padronização da atuação dos intérpretes
forenses” (como, e.g., aqueles editados pelo Conselho Nacional da Justiça e os Tribunais
Regionais Federais para os conciliadores e mediadores judiciais nos termos da Resolução nº
125/2010 do CNJ),13 nem um código de ética profissional estabelecido. E o “treinamento” do
intérprete forense se limita, de forma absolutamente assistemática e destituída de método, a
poucas orientações prévias passadas minutos antes de uma audiência por alguns juízes,
servidores, advogados e procuradores mais experientes e de boa vontade.
Lamentavelmente, mesmo se tratando da Justiça Federal e de um dos maiores
Tribunais do País (o Tribunal Regional Federal da 3ª Região), e mesmo existindo dois órgãos
de cúpula destinados justamente a implementar ações administrativas que melhorem a
eficiência do Judiciário Federal (o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho da Justiça
Federal), tudo continua a ser feito de forma improvisada e amadora. E a quase invisibilidade
do problema (visto que não costumam despertar grande interesse as dificuldades e problemas
enfrentados por réus estrangeiros em sua maioria pobres e sem acesso a grandes e midiáticos
escritórios de advocacia criminal) impede que ele ganhe a repercussão necessária para que
mudanças institucionais sejam adotadas.

12 Precisamente por essa precariedade na seleção e contratação dos intérpretes, já por mais de uma vez o juiz
veio a descobrir, apenas no curso da audiência, a absoluta incompetência linguística do “intérprete” nomeado,
tendo de destituí-lo na hora e adiar a audiência, para que outro mais capaz fosse contratado.
13 Vide o “Manual da Conciliação da Justiça Federal da Terceira Região” - http://www.trf3.jus.br/trf3r/
index.php?id=1271.
22
A experiência internacional, entretanto, demonstra que não só é necessário mudar,
como é possível fazê-lo sem grandes revoluções administrativas, bastando a firme disposição
de profissionalizar o serviço judiciário de intepretação forense e a adoção sistemática de
medidas de curto e médio prazo para que, paulatinamente, o Poder Judiciário tenha à sua
disposição um corpo de auxiliares de competência reconhecida e atuação padronizada.
Os europeus e os norte-americanos, por exemplo, desde os famosos julgamentos de
Nuremberg, ao final da Segunda Guerra Mundial, se preocupam com a formação e
treinamento de seus intérpretes forenses. E a realidade atual da União Européia, de um lado, e
o intenso fluxo migratório recebido pelos Estados Unidos, de outro, provaram a esses países
que a preocupação com a preparação competente dos intérpretes forenses é um investimento
que se paga com vantagem sobre a aparente economia do improviso e do amadorismo (no
que se inclui, como visto, a utilização do “Google Tradutor”).

4.1. A interpretação forense no exterior


É hoje inconcebível, nos países mais avançados no trato do assunto, a idéia de
utilização de intérpretes forenses sem formação acadêmica específica e a contratação caso a
caso (ad hoc) para atuar em audiências criminais. Países como a Alemanha, por exemplo, se
escandalizam com a mera cogitação de que intérpretes sem certificação específica sejam
chamados para atuar perante os tribunais. 14
Em muito países da Europa e no Japão, não há registro de intérpretes que falem
“somente” duas línguas trabalhando em tribunais, admitindo-se exceções apenas para línguas
exóticas ou de baixa difusão. Mesmo em países ditos “periféricos”, as exigências de
qualificação técnica para que se admita a atuação de alguém como intérprete em audiências
judiciais são altíssimas.
Na Estônia, por exemplo, os que queiram se habilitar como intérpretes junto aos
tribunais devem terminar o curso de “interpretação de conferência” ministrado na
universidade da capital, Tallin (com duração de dois anos) e, depois, especializar-se em
interpretação forense (em curso sucessivo também de dois anos). Dada a proximidade
geográfica com países como Finlândia, Suécia, Rússia, Polônia, Letônia e Lituânia, os

14 Tal aconteceu na apresentação, durante a “3ª Conferência Internacional sobre tradução e interpretação não-
profissional” [Suíça, 2016], do trabalho da co-autora deste artigo intitulado “Ética e Diretrizes Profissionais para
intérpretes judiciais ad hoc", em que se pode testemunhar o espanto e a indignação dos alemães com a
possibilidade de atuação judicial, ainda hoje, de intérpretes não certificados pelos tribunais.
23
intérpretes estonianos falam quatro línguas em nível proficiente e freqüentemente flutuam em
duas ou mais outras línguas em nível passivo. E o Tribunal local disponibiliza em sua página
na internet uma lista com os nomes e as línguas de especialidade dos intérpretes
certificados.15
Já na justiça federal norte-americana, o serviço de interpretação forense é disciplinado
em lei (Court Intepreters Act, de 28/10/1978), sendo o objetivo da normatização “dar aos
réus não falantes do Inglês ou com deficiência de fala ou audição uma oportunidade igual
para compreender e participar nos julgamentos civis e criminais na justiça
federal” (tradução livre dos autores). Dispõe, ainda, de uma página própria dentro da página
de internet da United States Courts (http://www.uscourts.gov/services-forms/federal-court-
interpreters), em que são listadas as categorias de intérpretes e as habilidades exigidas, bem
como a forma de contratação e remuneração.
A justiça federal norte-americana disponibiliza eletronicamente, ainda, o “Manual de
Orientação e Glossário do Intérprete da Justiça Federal” (em que consta o código de ética
profissional) e o National Court Interpreter Database (NCID) Gateway (http://
www.uscourts.gov/services-forms/federal-court-interpreters/national-court-interpreter-
database-ncid-gateway) que vem a ser um cadastro nacional de todos os intérpretes forenses
certificados, com as respectivas áreas de atuação (cível, criminal, família) e os idiomas de
especialidade, para ser utilizado pelos juízes federais de localidades que não disponham de
corpo próprio de intérpretes ou que se deparem com línguas exóticas ou de baixa difusão.

4.2. Um modelo possível de seleção e treinamento para a Justiça Federal


brasileira
A Resolução nº 127/2011 do Conselho Nacional de Justiça (que dispõe “sobre o
pagamento de honorários de perito, tradutor e intérprete, em casos de beneficiários da justiça
gratuita, no âmbito da Justiça de primeiro e segundo graus”) prevê que “os Tribunais
poderão manter banco de peritos credenciados, para fins de designação, preferencialmente,
de profissionais inscritos nos órgãos de classe competentes e que comprovem a especialidade
na matéria sobre a qual deverão opinar, a ser atestada por meio de certidão do órgão
profissional a que estiverem vinculados” (art. 2º). Pela mesma Resolução, “as Presidências

15 Informações obtidas diretamente em visitas locais da co-autora do artigo, que vive há dois anos no país.
24
dos Tribunais ficam autorizadas a celebrar convênios com profissionais, empresas ou
instituições com notória experiência em avaliação e consultoria nos ramos de atividades
capazes de realizar as perícias requeridas pelos juízes”.
Considerando que, nos termos da lei, como visto, “os intérpretes são, para todos os
efeitos, equiparados aos peritos” (Código de Processo Penal, art. 281), vê-se que já está
autorizada a criação, pelos tribunais, de um “cadastro regional de intérpretes e
tradutores forenses”, em que poderão ser inscritos os intérpretes e tradutores que
demonstrem a qualificação técnico-linguística necessária. Não se trata, contudo,
simplesmente de um cadastro para fins de pagamento dos honorários devidos (como o já
existente “AJG” - Sistema da Assistência Judiciária Gratuita), mas sim de um refinamento
desse banco de dados, para atender à finalidade de certificar a proficiência linguística e a
excelência profissional dos intérpretes e tradutores nele inscritos.
Precisamente por essa razão, o aprimoramento do cadastro já existente (em que todos
os intérpretes e tradutores forenses hoje já devem se inscrever para receber o pagamento de
seus honorários) 16 demanda o estabelecimento de padrões oficiais de qualificação
técnica, de critérios científicos de avaliação e de um manual de padronização ético-
profissional. Estabelecido um cadastro regional (ou até mesmo nacional, via Conselho
Nacional de Justiça ou Conselho da Justiça Federal) nestes moldes, estaria viabilizada até
mesmo a utilização de intérpretes residentes em localidades distantes do Fórum Federal, pelo
sistema de videoconferência, sempre que a urgência do caso ou a raridade do idioma exigido
inviabilizassem a convocação dos intérpretes locais cadastrados.
No que toca especificamente à qualificação linguística, parece fora de dúvida, diante
de todo o exposto até aqui, que a mera circunstância de alguém ser bilíngue ou compreender
outras línguas além do Português não o autoriza, só por isso, a atuar como intérprete forense.
A relevância constitucional da função e os valores em jogo impedem que se permita que
pessoas despreparadas tecnicamente para o desempenho da atividade sejam admitidas ao
serviço.
É preciso, assim, que os intérpretes judiciais profissionais tenham recebido educação
formal específica (tanto linguística, em Português e nas línguas em que se propõe a atuar,
quanto em interpretação), dominando em alta performance as diferentes habilidades dos

16 Atualmente, um intérprete forense da justiça federal ganha por volta de R$200,00 por audiência de até 3 horas
realizada.
25
distintos modos de interpretar. Ademais, é indispensável que os intérpretes forenses, antes de
serem considerados aptos para a função, passem por um “estágio supervisionado” com
intérpretes mais experientes (tal como já acontece com os conciliadores e mediadores
formados pela Justiça Federal, nos termos da Resolução nº 125/2010 do CNJ).
Não se ignora a impossibilidade de se implementar um tal modelo do serviço de
interpretação forense do dia para a noite, e até mesmo sua inviabilidade no que diz respeito a
línguas mais raras ou de baixa difusão. Nada obstante, ainda que como um plano de médio
prazo, a exigência intransigente de excelência profissional é não só necessária, como
plenamente possível, ao menos para os idiomas mais comuns nas audiências criminais, como
o Inglês e o Espanhol (cujos falantes abundam no Brasil e podem perfeitamente ser treinados
para a interpretação forense).
Nesse cenário, a despeito dos cursos formais – e necessários – de línguas e de
interpretação (muitas vezes oferecidos como especialização ou pós-graduação lato sensu
pelas faculdades brasileiras), os Tribunais Regionais Federais, o Conselho Nacional de
Justiça ou o Conselho da Justiça Federal poderiam oferecer cursos regulares (semestrais
ou anuais) de capacitação de intérpretes forenses (também nos moldes dos já existentes
para a formação de conciliadores e mediadores), com carga horária teórica e prática (estágio
supervisionado).
Os aprovados seriam então cadastrados pelos tribunais como intérpretes certificados.
Paralelamente, os intérpretes ainda não certificados pelo Judiciário, mas com reconhecida
competência linguística e experiência na área, poderiam inscrever-se no cadastro como
intérpretes com domínio de língua estrangeira e, no futuro, submeter-se ao curso regular de
certificação. Desse modo, preservar-se-ia o possível, sem perder de vista o ideal, plenamente
alcançável em médio prazo.
Já os falantes de línguas raras ou de baixa difusão poderiam ser cadastrados em
categoria própria, como intérpretes de idioma raro ou de baixa difusão, em relação aos
quais seria dispensada a exigência de certificação (dada a pouca freqüência de sua atuação),
bastando o conhecimento de um “código de ética e de padronização de conduta”.

5. Da necessidade de um “código de ética e de padronização de conduta” e de


orientações para juízes, procuradores e defensores sem experiência com réus
estrangeiros
26
Diante da precariedade atual do serviço de interpretação forense da Justiça Federal –
em que inexiste uma orientação única e segura sobre como esses auxiliares devem se
comportar em audiência, com todos os riscos daí decorrentes – a simples adoção de um
“código de ética e de padronização de conduta dos intérpretes forenses” já permitiria, sem
nenhuma outra providência adicional mais custosa, a melhoria da qualidade desse serviço
público.
Com efeito, é indisputável que os intérpretes forenses – sobretudo por sua condição
de garantidores do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa para os réus
estrangeiros – devem respeitar certas balizas éticas e obedecer a regras específicas de atuação
que podem não se fazer necessárias em outros campos da interpretação, como a de
conferência ou de acompanhamento de autoridades. Mas, tal qual a mulher de César, não
basta que os intérpretes observem as boas regras de conduta; devem, também, comportar-se
publicamente de maneira que não deixe dúvida alguma quanto à sua total obediência aos
elevados padrões éticos de sua profissão, durante todo o tempo em que estiverem a serviço
da Justiça Federal.

5.1. Uma sugestão de “código de ética e de padronização de conduta”


A partir das normas éticas inerentes à interpretação forense, e à vista dos códigos já
positivados por alguns países, é possível elencar cinco deveres éticos que, observados por
aqueles que se proponham a atuar como intérpretes em audiências judiciais, podem
consubstanciar o núcleo essencial (o mínimo ético) de um futuro Código de Ética e
Padronização de Conduta a ser elaborado pelos Tribunais Regionais Federais, pelo Conselho
Nacional de Justiça ou pelo Conselho da Justiça Federal.
São eles:
a) Dever de precisão e completude: o intérprete forense deve realizar a interpretação
do que foi dito da forma mais completa, exata e precisa possível, preservando o nível
linguístico e o tom do locutor, sem alterar, omitir ou acrescentar o que quer que seja ao
discurso interpretado, nem mesmo explicações.
Embora pareça simples e evidente, esse dever ético pode reservar grandes desafios ao
intérprete, seja quando o discurso interpretado não faz sentido na língua de partida (e deve, da
mesma forma e nos mesmos limites, também não fazer sentido no idioma de chegada), seja
quando o locutor utiliza palavras ambíguas de seu idioma (obrigando o intérprete, quando o
27
esclarecimento imediato não seja possível, a arriscar-se na escolha de um dos significados
possíveis na língua de chegada), seja, ainda, quando o réu estrangeiro descreve cenas
constrangedoras ou repulsivas, ou faz uso de palavras de baixo calão, ofensivas ou racistas
(que devem, ainda assim – e talvez com maior razão – ser fielmente reproduzidas pelo
intérprete em Português). 17
b) Dever de neutralidade, imparcialidade e distanciamento: o intérprete forense deve
ser imparcial e livre de preconceitos e deve evitar toda e qualquer proximidade afetiva ou
envolvimento emocional com o réu estrangeiro, não devendo, durante os procedimentos
judiciais, conversar em caráter pessoal com as partes (procurador e defensor), testemunhas,
amigos ou familiares do acusado sem expressa autorização judicial, abstendo-se de dar sua
opinião pessoal sobre qualquer assunto.
Conquanto também este dever ético possa parecer singelo e de fácil observância, não
serão raras as vezes em que o réu surpreenderá o intérprete com perguntas aparentemente
inocentes, mas que demandam sua opinião pessoal (“o juiz do meu caso é muito rigoroso?”,
ou “você gosta do defensor público que indicaram para mim?”); também o ambiente da sala
de audiências – em que testemunhas, procuradores e defensores não raro se conhecem – pode
ensejar “conversas laterais” (sobre o tempo, o noticiário, etc.) que, a despeito de sua
banalidade, podem ser mal interpretadas pelo réu estrangeiro como amizade íntima ou
conluio para prejudicá-lo. Ainda, histórias tristes e acontecimentos terríveis relatados por réus
e testemunhas podem marear os olhos ou embargar a voz do intérprete mais desavisado.
O dever de neutralidade, imparcialidade e distanciamento ainda obriga o intérprete
forense a apontar eventual conflito de interesses (como, e.g., quando tenha tido envolvimento
de qualquer natureza com o réu, testemunhas, procurador ou defensor do caso), bem como o
proíbe de aceitar quaisquer presentes ou recompensas de qualquer dos envolvidos no
procedimento judicial.
c) Dever de confidencialidade: o intérprete forense deve guardar sigilo de toda e
qualquer informação a que tenha acesso no exercício de sua função, sobretudo sobre fatos
que lhe sejam revelados apenas durante a entrevista reservada do réu com seu defensor. Ainda
que a versão apresentada pelo acusado estrangeiro ao seu defensor, durante a entrevista

17 Recentemente, a Alemanha vem enfrentando problemas com intérpretes muçulmanos xiitas, que têm
repreendido mulheres vítimas de violência doméstica por denunciarem seus maridos e utilizarem palavras como
“sexo” e “estupro” em seus depoimentos, supostamente blasfemando e ofendendo o Islã. Cf. https://
www.gatestoneinstitute.org/8391/germany-muslim-interpreters.
28
prévia, seja absolutamente distinta da oferecida perante o juiz, em audiência, o intérprete
deve abster-se de revelar qualquer inconsistência do depoimento, ainda que por trejeitos e
expressões faciais.
O dever de confidencialidade, contudo, pode ser excepcionalmente afastado pelo
intérprete, em situações limite em que se põem em risco valores constitucionalmente mais
importantes, como a vida e a integridade física de terceiros e a ordem pública (como, e.g.,
quando o réu revela em sigilo a iminência da prática de outro crime, o cativeiro de vítimas de
seqüestro, ou, ainda, quando um mau defensor orienta o acusado a fugir ou praticar violência
na sala de audiências). Em tais situações excepcionais, o intérprete tem o dever de se dirigir
ao gabinete do juiz e, antes mesmo da audiência, informar o ocorrido.
d) Dever de honestidade e transparência quanto às qualificações profissionais: o
intérprete forense deve apresentar suas credenciais técnicas ao Poder Judiciário com absoluta
fidelidade e precisão, furtando-se a aceitar a nomeação quando seu nível de treinamento e
experiência não permitirem o bom desempenho profissional de acordo com o nível de
responsabilidade exigido pela função.
e) Dever de compostura e permanente atualização profissional: o intérprete forense
deve se comportar, dentro e fora do Fórum Federal, de maneira compatível com a dignidade
da Justiça, sendo o mais discreto possível na sala de audiências, e deve buscar,
permanentemente, sua atualização profissional.

5.2. Orientações para juízes, procuradores e defensores sem experiência com


réus estrangeiros
Os exemplos citados ao longo deste ensaio demonstram que a preparação apenas dos
intérpretes forenses pode não ser bastante para que as audiências criminais transcorram sem
sobressaltos, sendo indispensável que também os juízes, procuradores e advogados que se
vejam na contingência de trabalhar com réus estrangeiros saibam como interagir com o
intérprete em audiência.
Para tanto, é suficiente o conhecimento das regras básicas das diferentes modalidades
da interpretação forense e a observância de algumas poucas orientações:
a) O juiz federal que preside a audiência deve lembrar que tudo é misterioso e sem
sentido para o réu estrangeiro, que, além da Língua Portuguesa (quando não lusófono), ignora
por completo também os ritos, fórmulas e cerimônias do direito brasileiro. A isso se
29
acrescenta a circunstância de que, enquanto aguarda o julgamento na prisão, o acusado
estrangeiro seguramente receberá, de seus colegas de cárcere mais experientes, explicações
fantasiosas sobre os ritos e procedimentos e “conselhos” sobre como se comportar em
audiência.18
É fundamental, assim, que, ao início da audiência criminal, o juiz se dirija ao réu e
explique com detalhe o papel de cada um dos presentes na sala de audiências e o que vai
acontecer dali em diante (a oitiva de testemunhas, o interrogatório, a ordem das perguntas, a
oportunidade ao final para acrescentar o que quiser, as alegações finais orais e a prolação de
sentença, etc.). Esse simples e rápido esclarecimento tranquiliza o acusado e, via de
conseqüência, minimiza o risco de incidentes provocados pela tensão natural que cerca toda
audiência criminal, especialmente as com réus presos.
b) o juiz e as partes (procurador e defensor) devem sempre se dirigir, em Português,
ao próprio réu, em discurso direto, e não ao intérprete, em terceira pessoa;
c) o juiz e as partes, ao elaborar suas perguntas (seja às testemunhas, seja ao réu
interrogado) devem usar frases curtas e palavras simples, para facilitar o trabalho de
interpretação;
d) o juiz deve estar atento às necessidades do intérprete durante a audiência,
intervindo sempre que solicitado ou mesmo de ofício, quando perceber desconforto da parte
do auxiliar do juízo;
e) na medida do possível, o procurador e o defensor devem, ao final de suas
alegações finais orais, sumariar seus fundamentos em linguagem mais simples, para
permitir a apresentação, pelo intérprete, de um resumo ao réu, quando não seja possível a
interpretação simultânea;
f) do mesmo modo, na medida do possível, o juiz deve, ao proferir sua sentença em
audiência, sumariar seus fundamentos em linguagem mais simples, para permitir a
apresentação, pelo intérprete, de um resumo ao réu, quando não seja possível a interpretação
simultânea.

5. Considerações conclusivas

18 De fato, é surpreendente a quantidade reiterada de casos (sempre com estrangeiros) em que, encerrado o
interrogatório e dada a palavra ao réu para eventuais acréscimos finais, o acusado faz uso de um discurso quase
ensaiado, pedindo desculpas ao magistrado, ao povo e ao governo brasileiros e pedindo clemência, por vezes
deixando a cadeira e ajoelhando-se diante do juiz.
30
A realidade exposta neste ensaio aponta para a urgente necessidade de mudança da
forma como o Judiciário Federal brasileiro vem lidando com o serviço (público) de
interpretação forense. Se não por outras razões, pelo simples dever de obediência à
Constituição Federal e de implementação concreta de seus mandamentos.
É comum, em temas como o que se vem de tratar – em que outros países enfrentaram
problemas semelhantes e hoje estão a milhas de distância à nossa frente – olhar com certa
inveja e desalento para a posição em que as nações mais desenvolvidas se encontram
atualmente, desapercebendo-se de todo esforço e sacríficio que outros povos suportaram para
chegar lá. É mesmo habitual do brasileiro resignar-se com a absurda diferença de qualidade
entre os serviços públicos prestados aqui e em países mais civilizados, como se nada
houvesse a fazer. Mas há.
Além do estudo e aprofundamento das modestas sugestões lançadas neste artigo,
entende-se que parcerias e intercâmbios com órgãos judiciários internacionais (como, e.g., o
Federal Judicial Center, nos Estados Unidos, e seus congêneres na Europa e na Ásia) podem
proporcionar a força criativa capaz de acelerar a profissionalização de todos os setores do
Judiciário Federal brasileiro, em benefício último do cidadão, brasileiro ou estrangeiro, que
comparece nos fóruns Brasil afora.
Acredita-se que, se o próprio Poder Público abandonar a macunaímica preguiça
brasileira e a tolerância com a incompetência e o mal feito, passando a não aceitar a prestação
de um serviço público que não seja de excelência, naturalmente os arremedos e improvisos
no desempenho das funções públicas serão abandonados, substituídos republicanamente pelo
profissionalismo e pela competência.

6. Referências bibliográficas
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California Court Interpreters. Disponível em: <http://www.soniamelnikova.com/
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31
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32
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______. Slang and Euphemism: A Dictionary of Oaths, Curses, Insults, Sexual Slang
and Metaphor, Racial Slurs, Drug Talk, Homosexual Lingo, and Related Matters. 2. ed.
Sylmar: Jonathan David, 1981.
TANNEN, Deborah. That's Not What I Meant!. 2. ed. New York: Ballentine Books, 1991.

JAQUELINE NORDIN

INTERPRETAÇÃO FORENSE: ÉTICA E PADRONIZAÇÃO


PROFISSIONAL

1° EDIÇÃO

JAQUELINE NEVES NORDIN

São Paulo

2013

33
Sala de Audiência do Fórum Federal em Guarulhos-SP

Sala de Audiência do Forum Federal em São Francisco-California-USA

34
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus que, com sua infinita misericórdia, nos dá o que nos é
merecido. Agradeço a meu marido Andreas e a meus filhos Gustavo e Samuel pela
compreensão e paciência durante todo o período sem minha presença em casa.
Agradeço, ainda, à minha amada mãe, que nos socorreu nos dias em que precisamos, e
aos meus queridos irmãos que também contribuíram de alguma forma.
Agradeço imensamente às minhas queridas amiga Silvia Cristine Samogim e Angelica
Samogim, responsáveis pelo meu ingresso na profissão de intérprete de audiência e, por
conseguinte, corresponsáveis por este trabalho.
Agradeço aos juízes federais Fabiano Lopes Carraro, Maria Isabel do Prado, Louíse
Vilela Leite Figueiras Borer, que contribuíram para o meu crescimento linguístico, pessoal e
humano; à querida juíza federal Claudia Arruga Mantovani; ao querido defensor público
federal Andre Gustavo Bevilacqua Piccolo; e à procuradora da República Ana Flávia
Cavalcanti, pessoas que depositaram confiança e me ensinaram quando eu precisei saber,
com humildade e paciência.

35
Meu profundo agradecimento a Maina Cardilli Marani, assistente dos juízes da 6ª Vara
Federal; e a Ataíde de Souza Torrers, assistente dos juízes da 2ª Vara Federal de Guarulhos,
que, mesmo sem apoio do Sistema, conseguem impingir nos intérpretes o comprometimento
e o engajamento necessários para o desempenho da função.
Um agradecimento em especial ao juiz federal Paulo Marcos Rodrigues de Almeida por
depositar confiança em meu trabalho e aplicar as técnicas nele sugeridas em suas audiências,
transformando sua atuação já excepcional em excelência plena, principalmente no que
tange, tanto ao conhecimento profundo das habilidades linguísticas envolvidas em sua
complexidade, quanto a total discrição exigida de um intérprete forense em procedimento
judicial.
Aos meus colegas intérpretes Patrícia Isabel Rojas Gonzalez, Milena Mitkova Regregi,
Sorim Rosemberg (in memoriam), Sigrid Maria Hannes, Bernardo René Simons, Ewa Maria
Parszewaska, e muitos outros que como eu prestam serviço na Justiça Federal e Estadual,
simplesmente pelo dever moral e humano acima de tudo. Que continuemos nossa luta para
que tenhamos mais reconhecimento e sejamos devidamente respeitados pelo Sistema, assim
como são os intérpretes forenses de outros países desenvolvidos e em desenvolvimento.

RESUMO

A intenção deste trabalho é, como um manual, informar aos intérpretes suas


responsabilidades éticas e profissionais para que eles lidem melhor com as dificuldades que
comumente surgem em situações que envolvam as partes não falantes da língua portuguesa
nos tribunais de justiça estadual e federal do Brasil. Também servirá como referência para a
discussão em conjunto com o sistema judiciário do país – ou, pelo menos, nos tribunais
onde audiências com estrangeiros são realizadas.

Palavras-chave: audiência, ética, intérprete, justiça, tribunal.

36
ABSTRACT

This paper aims, like a manual, to inform interpreters of their professional and ethical
responsibilities, so that they can deal with the difficulties that commonly arise in matters
involving non-English speaking parties in the state or federal judicial system in Brazil. It
will also serve as a reference and springboard for discussion in conjunction with the
country’s judicial council, or at least in those courts where the foreign court proceedings are
held.

Keywords: hearings, ethics, interpreter, justice, court.

37
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 9
2. PARTICULARIDADES DA INTERPRETAÇÃO FORENSE 11
2.1. Adições 12
2.1.1. Embelezamento 12
2.1.2. Esclarecimentos 13
2.1.3. Conversão de unidades monetárias e medidas 14
2.1.4. Omissões e edições 14
2.1.5.Referências na terceira pessoa do singular 15
2.1.6. Repetição das palavras 15
2.1.7. Redundância 16
2.1.8. Falso início de frase 16
2.1.9. Palavras de preenchimento 17
2.1.10. Mudanças no significado 17
2.1.11. Adequação 19
2.1.12. Expressões idiomáticas 19
2.1.13. Provérbios 20
2.1.14. Linguagem figurada 20
2.1.15. Nuances 21
2.1.16. Obscenidades 22
2.1.17. Declaração desconexa 22
2.1.18. Testemunho sem sentido 23
2.1.19. Testemunho incompreensível 23
2.2. Condição emocional subentendida 24
2.2.1. Emoções demonstradas pelo interrogado 24
2.2.2. Emoções demonstradas pelo intérprete 24
2.3. Comunicação não-verbal 25
2.3.1. Gestos dos interrogados 25
2.3.2. Gestos do intérprete 26
2.4. Alteração no sentido 27
2.4.1. Ambiguidades 27

38
2.4.2. Conservação ou esclarecimento das ambiguidades 27
2.4.3. Negativa dupla 28
2.4.4. Repetição da pergunta às partes 29
2.4.5. Repetição em geral 29
2.4.6. Erros 29
2.4.7. Correção dos próprios erros 30
2.4.8. Esclarecimentos de termos não familiares 30
2.4.9. Termos vinculados culturalmente 31
2.4.10. Repetição de trechos em português usados pelo interrogado 32
2.5. Perguntas do interrogado 32
2.6. Identificação das declarações do intérprete 32
3. DESAFIOS DA INTERPRETAÇÃO 34
3.1. Rapidez na fala do interrogado 34
3.2. Imparcialidade e prevenção 35
3.2.1. Conflitos de interesse 35
3.2.2. Aparência de parcialidade 35
3.2.3. Partes no caso 36
3.2.4. Prévio envolvimento no caso 37
3.2.5. Presentes e gratificações 38
3.2.6. Neutralidade 38
3.2.7. Opinião pessoal 39
3.2.8. A busca das respostas pelo advogado de defesa 39
3.2.9. Interação com os advogados constituídos ou ad hocs 40
3.2.10. Interação com os assistentes judiciários 40
3.3. A mídia e o público 41
3.3.1. Reportagens 41
3.3.2. O público 41
3.4. Confidencialidade 41
3.5. Privilégio entre acusado e advogado 42
3.6. Audiências via videoconferência 42
3.7. Material probatório 43
3.8. Tradução e/ou versão escrita de documentos 43
39
3.9. Transcrição e tradução de material probatório em áudio e vídeo (escuta telefônica)
44
3.10. Conselhos legais 45
3.11. Perguntas dos réus 45
3.12. Perguntas das testemunhas estrangeiras 46
3.13. Perguntas da família e amigos dos réus e testemunhas 46
3.14. Relações profissionais 47
3.15. Discrição 47
3.16. Educação continuada 48
3.16.1. Educação continuada e requisitos da função 48
3.17. Familiaridade com o caso 49
3.18. Terminologia técnica 49
3.19. Uso da tecnologia 50
3.20. Relacionamento com os colegas 50
3.21. Avaliar e relatar impedimentos para o desempenho 51
3.21.1. Fadiga do intérprete 51
3.21.2. Desqualificação 52
3.21.3. Interpretação em grupo 52
3.21.4. Audibilidade 52
3.22. Instruções às partes 53
3.23. Instruções que não se interpretam 53
3.24. Tradução simultânea de documentos no decorrer da audiência 54
3.25. Interpretação de áudio ou vídeos 55
3.26. Atuação cultural ou linguística 55
3.27. Dever de reportar violações éticas 56
4. PESQUISA DE CAMPO 57
5. CONCLUSÃO 59
6. REFERÊNCIAS 61

40
1. INTRODUÇÃO

O The American Heritage define ética como “the study of the general nature of morals

choices to be made by a person; moral philosophy”19 e “the rules or standards governing

the conduct of a person or the members of a profession”20 (MIFFLIN, 2006).

Em adição às regulamentações e recomendações presentes aqui, é importante salientar


que cada fórum tem suas próprias regras e maneiras de conduzir os procedimentos. É dever
do intérprete aprender e seguir essas regras. Na sala de audiência, o juiz é o arbitro final
sobre o que é apropriado e, quanto mais preparado e informado sobre as práticas e sobre o
propósito das normas e dos princípios pré-estabelecidos estiverem os profissionais
envolvidos no âmbito judiciário, mais eles serão capazes de ir ao encontro dos interesses da
Justiça.
Atualmente, não se exige qualificação para a atuação em audiências judiciárias
envolvendo estrangeiros presos nos tribunais federal e estadual no Brasil: basta que o
indivíduo domine a língua em questão, seja ela inglês, polonês, swahili, yoruba ou qualquer
língua exótica africana, embora o Ministério da Justiça tenha estabelecido,
constitucionalmente, que somente os tradutores públicos juramentados podem atuar como
intérpretes em tribunais durante audiências e julgamentos no Brasil.
É inegável que a necessidade de haver intérpretes atuando como ativos fixos no âmbito
judiciário no Brasil é de extrema urgência. O site da Justiça Federal disponibiliza, para
qualquer cidadão brasileiro, os dados às informações necessárias aos interessados em atuar
como tradutor/intérprete em inúmeras línguas; reconhecendo, assim, a necessidade do
profissional em seus fóruns, principalmente nas línguas mais utilizadas em audiências e
julgamentos. Entretanto, geralmente, o intérprete convocado não possui experiência
profissional em interpretação consecutiva, sussurrada, simultânea, intermitente ou mesmo
em versão simultânea da leitura de documentos jurídicos (sight translation), que poderá ir
desde uma simples intimação ou citação até uma cientificação de sentença ao réu, leitura da

19 O estudo geral natural da moral e as escolhas morais específicas feitas por uma pessoa; filosofia moral

(tradução nossa).
20 As regras ou padrões que governam a conduta de uma pessoa ou dos membros de uma profissão

(tradução nossa).

41
denúncia ao acusado já encarcerado, tanto em audiência presencial como por
videoconferência.

Não apenas em tribunais, mas em diversos outros âmbitos, a interpretação é necessária


desde os tempos mais remotos. Em seu trabalho A interpretação de conferências, Pagura
(2001) menciona:

A mais antiga referência a um intérprete parece ser um hieróglifo egípcio do


terceiro milênio antes de Cristo. Há registros de intérpretes na antiga Grécia e no
Império Romano. Na Bíblia, o Apóstolo Paulo faz à seguinte admoestação em sua
Epístola aos Coríntios: “E se alguém falar em língua desconhecida faça-se isso por
dois, ou quando muitos três, e por sua vez, e haja intérprete” (I Coríntios 14:28). A
atuação de intérpretes também está documentada na Idade Média, seja nas
Cruzadas ou em encontros diplomáticos.
No Novo Mundo, sabe-se que Colombo trouxe intérpretes em sua expedição,
ainda que das línguas erradas: hebraico, caldeu e árabe. Mais conhecido e mais
bem documentado é o caso de Doña Marina, famosa intérprete de Cortez em sua
conquista do México.

Ainda segundo Pagura, a primeira escola criada propriamente para a formação desses
profissionais foi a da Universidade de Genebra, na Suíça, em 1941, a qual passou, em 1972,
a também dedicar-se à formação de tradutores.
No Brasil, a profissão de tradutor/intérprete tem crescido em importância. Algumas
instituições renomadas, como o Centro Universitário Ibero-americano (Unibero), a
Universidade Gama Filho (UGF), a Pontifícia Universidade Católica (PUC), a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Associação Alumni etc. oferecem cursos de tradução e
interpretação em diversas línguas, bem como avaliação e certificação em diversas áreas
técnicas relacionadas. Nota-se, dado o exposto, que basta interesse do Sistema para o
desenvolvimento de concursos para criação dessa função, no âmbito judiciário, já que a
determinação do Ministério da Justiça nem sempre é cumprida.
Essa situação inapropriada reflete a ineficiência do Sistema; o que, muitas vezes, leva o
processo à nulidade pelo tribunal, penalizando o magistrado a fazer o mesmo trabalho duas
vezes e levando uma nação toda ao descrédito.
No Canadá, o exame de certificação para intérpretes de audiência, ou forense, é
supervisionado pelo Canadian Translators and Interpreters Council (CTTIC). Os candidatos
42
são testados em proficiência linguística, terminologia e procedimentos legais, interpretação
consecutiva e uma simulação real de audiência como teste. Moeketsi (2008) relatou que, na
África do Sul, onde é comum para os intérpretes terem algo como seis ou sete línguas
diferentes em uma mesma audiência, os candidatos recebem documentos escritos para
traduzir e verter para essas línguas, e devem responder a uma série de perguntas sobre o
sistema judiciário. Os candidatos aprovados nesses testes recebem dois dias de orientação e
treinamento, atuando em pequenas partes de uma audiência real, com cada vez menos
supervisão pelo seu mentor. Ao terem adquirido alguma experiência, eles são enviados à
Faculdade de Direito de Pretoria, onde ficam em treinamento por seis semanas em
procedimento civil e criminal, terminologia jurídica, teoria da tradução e técnicas de
interpretação. Não há efetivamente um exame para determinar se eles estão aptos a
trabalhar, tampouco uma avaliação para checagem da retenção das habilidades aprendidas
em treinamento: os indivíduos são simplesmente alocados novamente nos fóruns, onde
continuam a atuar como intérpretes.
Assim, nota-se que a seleção e a preparação dos intérpretes são cruciais. A decisão de
contratá-los não deve caber aos juízes, aos servidores públicos ou aos assistentes judiciários,
muito menos se deve abrir o exercício da função a qualquer falante de língua estrangeira,
como sugerido no site da Justiça Federal – procedimento esse adotado em muitos países
subdesenvolvidos. Países com os mais altos níveis de programas de interpretação em
audiência, ou forense, descobriram que os exames de desempenhos objetivos são a melhor
forma de identificar indivíduos com as habilidades exigidas para executar essa importante
tarefa.

2. PARTICULARIDADES DA INTERPRETAÇÃO FORENSE

Há duas razões principais para que haja intérpretes atuando nos fóruns em audiência:
permitir que o não falante da língua portuguesa esteja no mesmo nível de entendimento dos
procedimentos legais que os demais envolvidos e assegurar que a gravação oficial do
procedimento em português reflita precisamente o que foi declarado em língua estrangeira
pelo interrogado, qualquer que seja seu envolvimento com o caso.

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É importante salientar que tanto o juiz quanto o procurador da República acreditarão
inteiramente na interpretação do testemunho para tirar conclusões sobre credibilidade do
interrogado e calcular o peso relativo de suas declarações. Da mesma forma, o advogado de
defesa tomará decisões em relação ao réu e procederá em audiência para elaborar a melhor
defesa confiando na interpretação que está sendo realizada.
Para que isso aconteça, o intérprete tem de manter cada elemento da informação contida
na mensagem original o mais próximo possível do contexto em português, ou seja, sintaxe
(estrutura da língua) e semântica (seu significado). Pela mesma razão, o não falante de
língua portuguesa deve ouvir atentamente as perguntas, sem simplificação, esclarecimento
ou omissão. Os réus que precisam de intérpretes acreditarão piamente na versão dos
procedimentos jurídicos de seu caso e se basearão no que ouvirem para assistir o seu
defensor na elaboração da defesa.

2.1. Adições

2.1.1. Embelezamento

É de extrema importância que o intérprete não adicione ou explique nada da mensagem


que está sendo interpretada, nem mesmo para tornar uma frase fracionada em uma contínua
e suave aos ouvidos. Sua função como intérprete não é fazer com que alguma das partes
envolvidas no caso pareça mais articulada ou lógica tanto na língua de chegada quanto na
língua de partida.
Deve haver muita cautela na escolha dos termos apropriados em sala de audiência. Se o
interrogado responder algo inapropriadamente na sala de audiência (por exemplo, “arrã” em
vez de “sim”), o intérprete deve abster-se de converter a resposta ao que parece ser o
pretendido pela pessoa. Da mesma forma, não se devem adicionar formas educadas (como
dizer “Você pode, por favor, dizer ao juiz?” quando, na verdade, a frase era somente: “Diga
ao juiz”). Também não se devem acrescentar palavras, como “Bem” ou “É”, no início da
resposta do interrogado, assim como é inadequada a adição de frases qualificativas, como
“Eu acho”, “Provavelmente” etc., caso elas não existam na língua de partida.

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2.1.2. Esclarecimentos

Às vezes, o intérprete se sente compelido a adicionar informações linguísticas que


percebeu estarem implícitas na resposta do interrogado. Entretanto, a informação
transmitida pelo intérprete na língua-alvo deve refletir exclusivamente a informação
recebida na língua de origem. Por exemplo, ao traduzir um simples “sim” como “sim, eu
fiz,” o intérprete está adicionando informação não existente na resposta original.
O intérprete também não deve fornecer duas interpretações para uma só palavra usada
pelo interrogado. Assim, se o interrogado usa uma palavra que significa “óculos escuros”,
não se deve traduzir como “óculos de sol” ou “Ray-Ban”. Fornecer duas interpretações pode
parecer que o interrogado hesitou entre dois termos diferentes quando, de fato, uma única
resposta foi declarada sem hesitação. Por outro lado, se uma única palavra tiver mais de um
significado no contexto, o intérprete deve informar ao juiz e ele tomará as providências
necessárias para o esclarecimento do termo em questão fazendo outros tipos de pergunta ao
interrogado. É responsabilidade do juiz, do procurador da República ou, ainda, do advogado
de defesa expor todas as informações pertinentes durante o testemunho do interrogado.
Como regra geral, o intérprete deve manter-se discreto durante todo o procedimento
jurídico. Às vezes, porém, torna-se necessário intervir no processo a fim de garantir uma
comunicação adequada e um registro preciso do testemunho. Não se deve abandonar o papel
de intérprete, mesmo que involuntária e cautelosamente, pois o profissional corre o risco de
assumir um papel de perito cultural ou de linguagem. Sob hipótese alguma o intérprete
poderá atuar como perito em assuntos fora do âmbito da interpretação. Como qualquer outro
profissional, o intérprete deve abster-se de interferir em assuntos que não estejam dentro de
sua área de especialidade.
Há momentos, entretanto, em razão do conhecimento linguístico, que o intérprete será a
única pessoa e detectar alguma inadequação no testemunho. Em alguns países, por exemplo,
pode-se usar a palavra “pé” para se referir à perna inteira. Se essa situação causar estranheza
após o término do testemunho, o intérprete pode, momentaneamente, sair de seu papel de
mediador linguístico e dizer: “Excelência, o intérprete pode esclarecer a dúvida com relação
ao uso da palavra ‘pé’ na língua de origem?” O juiz, então, irá direcioná-lo em como

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esclarecer a dúvida, ou ainda usará outros recursos para fazê-lo. Se o termo em questão for
uma parte essencial da resposta que os outros não entenderão a menos que haja explicação, e
se a comunicação puder ser prejudicada, a intervenção poderá ser feita. No entanto, se
parecer ao intérprete que o advogado de defesa ou o procurador da República serão capazes
de esclarecer a situação por meio de outras perguntas sequenciais, o intérprete deve se abster
de tomar qualquer atitude.

2.1.3. Conversão de unidades monetárias e medidas

Em circunstância alguma o intérprete deve se envolver em conversão de unidade de


medição ou unidade monetária de um sistema para outro. Por exemplo, se o interrogado usar
um sistema métrico para descrever a altura e o peso de um indivíduo, a distância viajada do
ponto A para o ponto B ou a distância de uma pessoa para a outra, o intérprete deve
simplesmente repetir a figura na língua de partida, mantendo a unidade de medida usada
pelo interrogado. Se a equivalência de medição ou monetária for essencial para o caso, o
advogado e/ou procurador deve trazer um perito, ou ainda calcular a conversão por si
próprio e oferecer ao juízo, que poderá ou não aceitar. Preservar a unidade de medida usada
pelo interrogado protege o testemunho de fato nos registros e não causa exposição excessiva
do intérprete, caso ele venha a cometer algum erro de cálculo.

2.1.4. Omissões e edições

Não está dentro do poder discricionário do intérprete decidir quais trechos do


testemunho ou do processo serão ou não traduzidos para a língua-alvo.
O intérprete tem o dever moral de interpretar tudo que é dito dentro da sala de audiência
durante o procedimento jurídico, incluindo declarações feitas pelo juiz, testemunha, réu,
advogado de defesa ou procurador da República. Sua tarefa é traduzir perguntas e respostas
exatamente como declaradas na língua original.

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2.1.5.Referências na terceira pessoa do singular

É comum que pessoas que falam por intermédio de um intérprete iniciem suas perguntas
ou afirmações com frases como “Diga a ele...” e “Pergunte a ele se...”, em vez de dirigir-se
diretamente ao interrogado. Se eles o fizerem, não se devem editar as frases. Se alguém
repetidamente usar a terceira pessoa do singular em suas declarações, o juiz geralmente
instruirá a pessoa quanto ao procedimento correto, que é fazer sempre as perguntas
diretamente ao interrogado, sem passar pela pessoa do intérprete. Algumas vezes, o próprio
juiz falará empregando a terceira pessoa do singular, dirigindo-se ao intérprete e não ao
interrogado, embora esse procedimento não seja apropriado.
O exemplo a seguir ilustra o padrão a ser seguido:
Juiz: “Vamos iniciar o interrogatório do réu Joseph Smith, do processo número 52.456.
Em primeiro lugar, devo cientificá-lo que, de acordo com a Constituição Brasileira, o senhor
não tem obrigação de responder às minhas perguntas, nem de dizer a verdade, e o seu
silêncio não será interpretado em prejuízo de sua defesa nem significará que o senhor está
admitindo culpa. Entretanto, devo instruí-lo que o interrogatório é um instrumento de defesa
para que o senhor conte a sua versão sobre os fatos. O senhor deseja responder às minhas
perguntas?” Caso isso não ocorra, deve-se solicitar ajuda do juiz.

2.1.6. Repetição das palavras

Repetição e redundância são fatores importantes na avaliação do testemunho do


interrogado. O intérprete não deve adicionar ou subtrair qualquer palavra por questões de
clareza ou conveniência. Assim, se o interrogado diz, na língua de origem, “Eu, eu, eu não
vi nada”, deve-se comunicar essa hesitação em português, incluindo a repetição, em vez de
simplesmente dizer “Eu não vi nada”. Caso haja oportunidade de falar com o interrogado
antes do procedimento jurídico, seria importante esclarecer o dever de interpretar ipsis
litteris tudo o que for dito, para que o interrogado não tenha impressão de ironia em sua
conduta. A única ressalva dessa prática relaciona-se a pessoas que gaguejam por razões

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fisiológicas ou psicológicas. Nesse caso, o intérprete não deve imitar a gagueira, confiando
que tal comportamento será evidente para as partes em sala de audiência.
Ressalte-se que algumas línguas usam repetição como um modo de expressar ênfase ou
ação contínua, como em “Ela estava caminhando e caminhando”. Nesses casos, é aceitável e
pode ser idiomaticamente mais correto transmitir o significado lançando mão de um recurso
linguístico correspondente na língua-alvo, como “Ela continuou caminhando”, transmitindo
a repetição da língua de partida para a língua de chegada sem mudança no significado ou
omissão, embora a interpretação literal não caracterize erro.
Na verdade, uma interpretação literal bem intencionada pode às vezes ser uma solução
muito prudente. Deve-se assegurar que a interpretação faça sentido e mantê-la em uma
forma o mais semelhante possível à original, de modo que se evite um teor diferente no
significado.

2.1.7. Redundância

O intérprete frequentemente se depara com perguntas intencionalmente redundantes


feitas tanto pelo procurador quanto pelo juiz, como: “Você ganharia quanto pelo serviço e
quanto eles prometeram?” O intérprete não deve omitir a aparentemente repetição. Isto é
típico do contexto legal, em que os sinônimos possuem diferentes e obscuros significados e
podem ser usados em combinação. Talvez o intérprete não seja capaz de contabilizar cada
sinônimo utilizado com equivalência distinta suficiente na língua-alvo, mas deve resistir ao
impulso de deixá-lo fora do contexto por conveniência, pois, adiante, poderá descobrir que
havia um propósito específico pelo magistrado e poderá ser tarde para inseri-lo depois de
algum tempo de omissão.

2.1.8. Falso início de frase

Qualquer pessoa, seja um cidadão comum ou um magistrado, constantemente incorre no


chamado falso início de frase e, de repente, muda a figura da retórica e fala novamente de

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modo diferente. É de extrema importância que no testemunho dos réus sejam interpretadas
todas essas correções próprias na língua-alvo para que os magistrados tirem suas conclusões
sobre o grau de certeza e precisão na resposta.
Nunca se deve corrigir erro algum cometido pelo interrogado, independentemente de
quão involuntário possa parecer, nem que este aparente ter sido cometido pelo próprio
intérprete, o que pode denegrir sua reputação quanto à habilidade de interpretação. Como
exemplo, o réu diria: “Eu nunca tinha encontrado com ele antes de aceitar, quero dizer, uma
vez eu encontrei com ele antes de aceitar o serviço”.
Por outro lado, pode-se corrigir o próprio falso início ou erro de dicção, fazendo constar
nos registros ao prefaciar a fala com as palavras “Correção do intérprete”, para que não haja
confusão com as correções do interrogado.

2.1.9. Palavras de preenchimento

É comum o uso de palavras de preenchimento para se ganhar tempo ou formular o que


se deseja dizer, ou mesmo para interromper momentos contínuos de silêncio. Por exemplo,
os advogados ou procuradores usarão palavras como “Agora” no início da pergunta e o
interrogado começará sua resposta com “Bem”, “Para ser honesto” ou “Muito francamente”.
O intérprete deve transmitir na língua-alvo todas as palavras de preenchimento usadas pelo
orador, as quais são de extrema importância no testemunho do réu. Isso ajudará o
profissional no momento da avaliação de sua credibilidade.

2.1.10. Mudanças no significado

É de conhecimento comum entre os intérpretes que o significado das palavras depende


do contexto em que ela foi inserida. Por exemplo: o verbo to lie (passado: lied-lied) é
regular, ao qual se acrescenta o sufixo ed para formação do passado e significa “mentir”.
Contudo, a mesma palavra pode tem um significado totalmente diferente: to lie, em sua
forma irregular

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(passado: lay-lain), quer dizer “estar deitado em algum lugar”, ou denota que algo está,
simplesmente, posicionado em algum lugar (esse fenômeno caracteriza, linguisticamente,
um morfema homônimo: morfemas com formas iguais e significados diferentes).
O contexto cultural também apresenta palavras com significados inesperados. A oração
“I put it in my boot”, para um americano, significa “Eu coloquei em minhas botas”; mas,
para um britânico, pode significar tanto que se colocou o objeto em seu calçado quanto no
portamalas do carro, dado que “boot” pode significar “bota” ou “porta-malas”. Nesse caso,
considerar o contexto em que a palavra está inserida é crucial para interpretação precisa. Se
houver qualquer dúvida quanto ao significado correto da palavra, jamais se deve tentar
adivinhá-lo.
Quando o esclarecimento se fizer necessário, haverá duas possibilidades: pedir
explicações ou dar os diferentes significados da palavra, sempre pedindo auxílio do juiz nos
esclarecimentos a fim de preservar sua autoridade em audiência. Poderia se dizer, por
exemplo: “Excelência, o interrogado utilizou uma palavra ‘wrapper’” – e o intérprete então
soletra a palavra para ficar registrada nos autos e esclarece que há duas traduções possíveis:
“invólucro” ou “empacotador”. O juiz, então, direcionará o intérprete nas perguntas para
descobrir o verdadeiro significado da palavra, ou deixará que o advogado de defesa ou
procurador da República o faça no decorrer da audiência. Ele poderá também pedir ao
intérprete que esclareça o significado com o interrogado. Se for esse o caso, o que for
conversado com o interrogado deve constar nos registros. Por exemplo: “Excelência, o
intérprete perguntou ao interrogado o que ele quis dizer com a palavra ‘wrapper’ em seu
discurso e o interrogado indicou que o significado correto para palavra ‘wrapper’, neste
caso, é ‘invólucro’, ou ‘cápsula’, um sinônimo dado pelo próprio interrogado”.
Se o intérprete não for capaz de depreender o significado prontamente, deve retornar à
audiência com o juiz imediatamente para evitar um diálogo longo com o interrogado.

2.1.11. Adequação

Quando interpretar uma mensagem da língua de partida para a língua de chegada, nunca
se deve alterar o registro, ou nível da linguagem, para tornar a frase de fácil entendimento

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ou mais socialmente correta. Por exemplo: “Você observou o sujeito com a mala aberta
subsequentemente?”, não se deveria adequar e dizer na língua-alvo: “O que você o viu
fazendo depois?”. Se houver um sinônimo formal, não se deve tentar baixar o nível
linguístico da pergunta para o réu. Ademais, o intérprete não deve intervir e dizer que acha
que o interrogado pode não compreender a pergunta. Se isso acontecer, é responsabilidade
dele, ou ainda do advogado de defesa que não o preparou bem em sua defesa. Não é
trabalho do intérprete expressar opinião quanto à habilidade do interrogado em compreender
as perguntas.
É importante compreender que, quando se faz interpretação em audiência de instrução e
julgamento, o juiz e o procurador da República tirarão conclusões sobre a sofisticação,
inteligência e credibilidade do réu com base na escolha das palavras, no estilo, no tom de
voz etc. Cabe ao intérprete transmitir fielmente todos os fatos para que os magistrados
tenham a mesma impressão, como se eles pudessem entender o interrogado diretamente.

2.1.12. Expressões idiomáticas

Expressões idiomáticas são frases cujo significado não é meramente o resumo das
palavras nelas contidas. Exemplos de expressões idiomáticas: “queimar a largada” (to jump
the gun); “aceitar as consequências” (to face the music); “na calada da noite” (in the dead of
night).
O intérprete deve se empenhar ao máximo para entregar a expressão idiomática
equivalente na língua-alvo. Entretanto, caso não haja certeza quanto à equivalência na
tradução, deve-se pedir o auxílio do juiz: “O intérprete solicita o auxílio de Vossa
Excelência. O interrogado utilizou uma expressão idiomática, a qual o intérprete é incapaz
de interpretar com segurança que não literalmente”.
Mesmo os intérpretes veteranos devem continuar a expandir seu domínio de expressões
idiomáticas, pesquisando-as dentro e fora da esfera judicial e lendo livros atualizados, dada
a volatilidade das expressões, e conversando com colegas de profissão.
Outros intérpretes que possivelmente estejam na mesma sala de audiência podem
oferecer ajuda nesse caso. Esse auxílio pode se dar escrevendo a palavra e mostrando-a

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discretamente, ou ainda por leitura labial. Se, ainda assim, o intérprete não encontrar um
termo equivalente na língua-alvo, deve-se pedir permissão ao juiz para consultar um colega
ou um dicionário. Esgotadas as possibilidades de ajuda, se o intérprete não conseguir
encontrar um correspondente à expressão idiomática, deve informar ao juiz que tomará as
providências necessárias para averiguação do fato.

2.1.13. Provérbios

Os provérbios são ditos populares ou pensamentos úteis que expressam uma verdade
baseada no senso comum. Há momentos em que o intérprete se depara com a tarefa de
interpretar comentários que contenham esses ditos populares.
Todas as culturas têm uma tradição rica em provérbios, alguns dos quais sem
correspondência em outro idioma. O que em um país pode ser expresso como “Não venda a
pele antes que você tenha matado o urso” pode ser passado para outro idioma como “Não
conte seus frangos antes que estejam chocados”.
O intérprete de tentar usar um provérbio equivalente na língua-alvo sempre que
possível, mas somente se tiver certeza de que seu uso esteja correto. Se um provérbio
equivalente não existir, ou se não conseguir interpretá-lo, deve-se traduzir literalmente,
indicando que se está fazendo uma tradução literal de um ditado. O juiz poderá intervir para
resolver a situação.

2.1.14. Linguagem figurada

Linguagem figurada, como metáforas e símiles, expressa uma coisa em termos,


normalmente denotando outro, com o qual pode ser considerado análogo. Alguns exemplos
incluem: “arrancou os cabelos tentando resolver o problema”, ou “ela foi pega com a boca
na botija”.
Desde que o foco principal na interpretação seja o de transmitir o significado, e não uma
palavra individual, sempre se deve empregar o equivalente na língua-alvo. Se houver
incerteza quanto ao significado, o intérprete deve pedir um momento para checar a

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expressão em seu dicionário ou para conversar com um colega. Bons dicionários bilíngues
contêm um número considerável dessas expressões. Contudo, se não houver um termo
equivalente, uma tradução literal pode servir.
Os ouvintes geralmente reconhecem linguagem figurada e não farão a tradução literal.
Em caso de dúvida, deve-se informar ao juízo que o interrogado usou linguagem figurada,
que não se traduz com facilidade, e perguntar se uma tradução literal deve ser feita. O juiz
ou o procurador poderão, então, perguntar ao interrogado o que de fato ele quis dizer com
aquela frase.

2.1.15. Nuances

Nuances de significados são críticos em testemunhos em geral nas audiências. Um


estudo feito pelo Administrative Office of the Courts (2008) constatou que uma mudança na
escolha das palavras alterou significativamente a impressão causada aos magistrados pelo
interrogado.
Os interrogados que usaram palavras de menor impacto quando do questionamento do juiz,
como em: “O senhor tem alguma coisa a declarar em sua defesa?” e o réu responde: “Sim,
eu tenho. No meu país, há muita guerra civil, muito tumulto nas ruas. Os guerrilheiros
tomaram minhas terras, minha casa e mataram minha família e a única coisa que me restava
era a desesperança. Então, para conseguir sobreviver um pouco, eu decidi fazer isso. Peço
desculpas ao governo brasileiro e às pessoas desta sala. Sei que muitas famílias sofreriam se
eu atingisse o objetivo, mas talvez aqui eu conseguisse fugir dessas pessoas e começar uma
vida nova. Infelizmente, eu não consegui e agora estou preso, mas estar preso é melhor do
que estar lá no meu país; pelo menos aqui tenho comida e um lugar para dormir. Suplico sua
misericórdia e suplico que não me mande de volta ao meu país”.
De forma alguma se devem omitir partes importantes do testemunho do interrogado. O
intérprete pode anotar os termos-chave para não incorrer em inadequação vocabular e,
assim, anular o efeito do testemunho do réu. Se o intérprete escolhe a palavra “peço” em vez
de “suplico” e faz um resumo do momento de defesa, pode diminuir a possibilidade de o réu
ter sua pena reduzida ao patamar máximo, ou as conversões de pena de restritiva de

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liberdade para restritiva de direito, conforme recente decisão do tribunal, dependendo do
caso.
Deve haver atenção também no que tange à seleção dos termos da língua-alvo que
refletem precisa e minuciosamente a intenção do interrogado. Embora seja, muitas vezes,
somente estratégia de defesa, cabe ao intérprete apenas traduzir o discurso, sem tirar
conclusões quanto ao testemunho.

2.1.16. Obscenidades

Se o interrogado emprega linguagem de baixo calão ou diz algo que possa ser
prejudicial para o caso, não se devem editar os termos ofensivos.
Os magistrados julgarão a honestidade e a credibilidade do interrogado com base em sua
maneira de testemunhar. Por isso, eles não podem estar em desvantagem apor não
conhecerem o idioma de origem.
Por razões de ordem cultural, obscenidades são difíceis de interpretar literalmente, pois
a interpretação feita palavra por palavra pode ficar sem sentido ou soar burlesca na língua-
alvo. Em vez da interpretação literal, o intérprete deve empregar o termo ou a expressão
equivalente funcional mais próxima.
2.1.17. Declaração desconexa

Os depoimentos prestados em sala de audiência nem sempre procedem de maneira


lógica. Muitas vezes, os interrogados se expressam de modo obscuro, por razões como suas
limitações educacionais e culturais, porque eles contaram suas histórias muitas vezes antes
da audiência ou porque o assunto é tão perturbador que só falam sobre ele com
superficialidade.
Por exemplo: o interrogado pode dizer “Eu fui para o ponto de ônibus... que fica lá perto do
hotel... e lá estava... ela estava lá”.
Declarações vagas e ambíguas são difíceis de interpretar em outra língua, pois são
necessárias mais informações para se escolherem os pronomes, as preposições e os verbos
que normalmente compõem a frase. No entanto, o intérprete deve se aplicar para traduzir

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uma declaração fragmentada e desconexa para a língua-alvo de maneira semelhante à
original, sem inserir qualquer informação sobre a sua própria interpretação para esclarecer a
declaração do interrogado.

2.1.18. Testemunho sem sentido

O intérprete deve se empenhar para declarar exatamente o que o interrogado


pronunciou, independentemente de quão ilógica, irrelevante, ambígua ou incompleta a
afirmação possa parecer. Às vezes, porém, isso não é linguisticamente possível por falta de
contexto. Nesses casos, deve-se informar ao juízo que a necessidade de se esclarecer a
declaração com o interrogado antes de continuar a interpretá-lo. Por exemplo, o intérprete
poderia dizer: “Meritíssimo, o intérprete é incapaz de entender o sentido da resposta do
interrogado em português”.
Jamais se deve editar, omitir ou acrescentar informação na declaração do testemunho. Se
o juiz indicar que o intérprete pode tentar esclarecer a resposta com o interrogado sozinho,
pode-se informá-lo da seguinte maneira: “Meritíssimo, o intérprete mencionou ao
interrogado que o intérprete não tinha entendido a resposta, e o interrogado respondeu da
seguinte forma...”.

2.1.19. Testemunho incompreensível

O intérprete forense tem a responsabilidade de interpretar as respostas incompreensíveis


dadas pelo interrogado com a mesma precisão que qualquer outra resposta. É de
responsabilidade do juízo tomar as devidas providências para esclarecê-las, então o
intérprete deverá esperar que o juiz decida o procedimento que será seguido em cada caso.

2.2. Condição emocional subentendida

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2.2.1. Emoções demonstradas pelo interrogado

O juízo precisa, de fato, ter uma compreensão clara das emoções do interrogado, como
raiva, medo, vergonha ou excitação.
As pessoas transmitem suas emoções não apenas com palavras, mas também com
expressões faciais, postura, tom de voz e outras manifestações corporais. Esses meios não
linguísticos de expressão estão intimamente ligados à cultura e à língua e, quando as pessoas
são falantes de idiomas distintos, o conteúdo emocional da mensagem pode passar
despercebido.
O intérprete deve esforçar-se para preservar esse elemento da emoção pela modulação
de voz. Por exemplo, quando o juiz ou o procurador faz uma declaração assertiva ao
interrogado, o tom de voz deve transmitir essa assertividade e, quando o interrogado
responde às perguntas de uma forma tímida, seu tom deve transmitir essa timidez. No
entanto, deve-se evitar qualquer tipo de dramatismo. O intérprete somente poderá abster-se
na imposição do tom da voz se assim for o testemunho.
Deve-se manter a moderação, que é particularmente importante quando o interrogado se
torna muito emotivo ou agressivo. Nesses casos, deve-se aguardar até que o interrogado se
acalme e se possa atenuar a entrega do testemunho em sua fala.
Não se deve imitar o interrogado, especialmente porque assim se pode aumentar o efeito
do testemunho. O juiz e o procurador da República correlacionarão a interpretação às
próprias observações que fizeram acerca do comportamento da testemunha.

2.2.2. Emoções demonstradas pelo intérprete

O juiz deve julgar a credibilidade do interrogado pelo seu testemunho, sem receber
informações ao observar o intérprete. É imperativo que o profissional permaneça
emocionalmente neutro, expressando apenas as reações das partes para quem está
interpretando. Algumas situações, como quando o interrogado chora muito, quando há
crianças envolvidas, quando o interrogado involuntariamente diz algo engraçado ou quando
o interrogado não é crível, dificultam que o intérprete se mantenha emocionalmente neutro.

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Uma forma de manter a compostura é tentar obter informações sobre o caso, lendo os
registros relevantes e treinando de antemão, especialmente se a descrição de circunstâncias
perturbadoras for necessária.
Embora existam algumas exceções, os advogados de defesa e/ou os defensores públicos
federais entendem as necessidades da interpretação e normalmente se empenham em
auxiliar o intérprete. De qualquer forma, deve-se estar psicologicamente preparado para o
depoimento e gerenciar melhor as emoções na sala de audiência.

2.3. Comunicação não-verbal

2.3.1. Gestos dos interrogados

Os interrogados costumam usar as mãos gesticulando para transmitir o que pretendem


dizer. Esses gestos podem ter origem cultural ou podem ser apenas hábitos.
Uma das limitações legais do testemunho é que ele deve ser verbal, a fim de ser
registrado nos autos. Não se deve reproduzir qualquer gesto usado pelo interrogado nem
tentar substituílo por equivalentes na cultura-alvo, pois pode descaracterizar o depoimento;
em vez disso, simplesmente se devem interpretar as palavras do interrogado.
Por exemplo, se o interrogado indicar um ponto com o dedo onde ele foi atingido, o
intérprete diz, interpretando as palavras do interrogado, sem outras medidas: “Ele bateu em
mim aqui”. O juiz e o procurador da República podem ver por si mesmos onde o
interrogado apontou.
Cabe ao procurador da República, e não ao intérprete, descrever qualquer tipo de
expressão física feita pelo interrogado para que fique registrado nos autos quando a
audiência não estiver sendo filmada, mas somente gravada (por exemplo, com o interrogado
apontando a própria barriga para demonstrar onde a droga estava acondicionada). A
descrição se faz necessária porque nem sempre o mesmo procurador dá continuidade ao
processo em questão, principalmente quando há pedido de prazo para apresentação das
alegações e, nesse ínterim, há substituição do procurador por algum motivo.

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Isto também diz respeito a gestos culturalmente vinculados, como esfregar o indicador e
o polegar para indicar dinheiro. Não se deve preencher o vazio verbal. É trabalho do
procurador da República capturar essa comunicação não verbal, podendo ele proceder da
seguinte forma: “O que você quer dizer com o gesto do ‘V’ que você acabou de fazer com o
indicador e o dedo médio da mão direita?”.
Se o procurador não percebe o gesto ou opta por ignorá-lo, o intérprete não deve
interpor ou atuar como perito, exceto como último recurso, e somente se o gesto em questão
for vital para o depoimento. Nesse caso, pode-se informar ao juiz que uma comunicação não
verbal acompanhou o depoimento, ou que o interrogado respondeu apenas com um gesto.
Não se deve dar qualquer informação ou explicação, a não ser que convidado pelo juiz ou
pelo procurador da República.
É dever do juiz e do procurador da República estar atentos. O intérprete não deve tomar
para si a responsabilidade de relatar o que não teria sido apontado se sua presença na sala de
audiência não fosse necessária.

2.3.2. Gestos do intérprete

Em qualquer circunstância comum, o intérprete deve abster-se de gesticulação, pois


poderá corromper o depoimento do interrogado. Atos como revirar os olhos em frustração
quando o interrogado der uma resposta evasiva ou encolher os ombros para indicar que uma
resposta parcial à pergunta não é responsabilidade do intérprete poderão comprometer a
veracidade do testemunho.
É importante salientar que o papel do intérprete é ajudar profissionalmente, de forma
neutra e discreta, para que o processo possa transcorrer como se as diferenças linguísticas
não existissem.
O intérprete deve se esforçar para atrair pouca ou nenhuma atenção à sua presença na
sala de audiência porque é dever exclusivo do juízo avaliar o modo do depoimento, a
credibilidade e a conduta do interrogado.

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2.4. Alteração no sentido

2.4.1. Ambiguidades

O significado de muitas palavras pode mudar de acordo com o contexto. Às vezes, o


significado de uma palavra é ambíguo porque o ouvinte não possui informação contextual
suficiente.
O pronome “você” em inglês, por exemplo, pode ser singular ou plural, e o falante pode
não indicar claramente o significado pretendido. Essas condições podem necessitar de mais
informações para que se possa proceder à interpretação do inglês para outro o português,
como ocorre com a palavra “criança” (child), que pode se referir a um menino, a uma
menina, a um filho, a uma filha ou, ainda, a um menor. Em alguns outros idiomas, ambos os
sexos de qualquer parentesco implícito tem de ser especificado.
Como intérprete, é necessário esclarecer quaisquer ambiguidades linguísticas e estar
preparado para solicitar informações quando necessário.

2.4.2. Conservação ou esclarecimento das ambiguidades

Ambiguidades podem ser intencionais, mas o intérprete deve tentar mantê-las


pertinentes na língua-alvo. Pode-se, por exemplo, interpretar a pergunta “Onde você levaria
a droga?” para a língua-alvo sem esclarecer se o interlocutor está se referindo ao local de
entrega ou à parte do corpo (estômago, partes íntimas etc.); ou, ainda, à bagagem onde
droga seria colocada.
Da mesma forma, o advogado de defesa poderá fazer uma pergunta deliberadamente
ambígua, como “Você suspeitava que fosse algo ilícito ou desconfiava que fosse droga?”;
“Sabia que era cocaína ou somente sabia que era droga esbranquiçada?”; ou ainda “Sabia
que o passaporte era seu, mas não sabia que era falso?”.
Se o intérprete não puder traduzir algo sem esclarecer a ambiguidade, deve-se levar essa
preocupação ao juiz. Não é tarefa do intérprete corrigir as perguntas do advogado de defesa.
Se a pergunta é vaga ou ambígua, cabe ao juiz reformular a pergunta e ditá-la ao intérprete,

59
lembrando-se de que nenhuma pergunta, seja ela do advogado de defesa ou do procurador
da República, deve ser feita sem a autorização do juiz. Antes que se faça a interpretação da
pergunta, o intérprete deve, primeiramente, obter a autorização do juiz, que poderá ser
apenas um consentimento feito por um meneio da cabeça ou por autorização verbal.
Não se deve interferir, a não ser que o problema cause um grave obstáculo linguístico.

2.4.3. Negativa dupla

Intérpretes experientes sabem que uma pergunta com uma negativa dupla pode
confundir a testemunha e obter uma resposta ambígua. Por exemplo, se o advogado
pergunta: “Não é verdade que você não sabia o que estava acontecendo?”, a resposta
negativa pode significar

“Não, não é verdade” ou “Não, eu não sabia”.


Não é responsabilidade do intérprete dizer ao juízo que a questão vai provocar uma
resposta ambígua, muito menos tentar esclarecê-la ao acrescentar qualquer elemento que
não consta da resposta original. O juiz poderá instruí-lo a refazer a pergunta, se ele
considerar necessário.
Caso não se tenha entendido a pergunta, deve-se solicitar ao juiz autorização para que a
ela seja feita novamente, para ter tempo de processá-la mentalmente. Dessa forma, talvez
quem a fez possa admitir não entender a sua própria pergunta e se oferecer para reformulá-
la.
Algumas negativas duplas se anulam mutuamente e podem ser processadas como se não
houvesse negativo nenhum. Por exemplo, se o procurador da República pergunta: “Não é
incomum as pessoas não abrirem uma mala que vai transportar?”, seria aceitável se
apresentado afirmativamente, como em: “É comum as pessoas não abrirem uma mala que
vai transportar?”.
Deve-se haver extrema cautela na escolha das palavras para se efetuar mudanças na
frase, fazendo-as apenas em situações em que não se encontra estrutura equivalente na
língua-alvo.

60
2.4.4. Repetição da pergunta às partes

Se, durante o depoimento, o intérprete não entender a pergunta feita pelo advogado de
defesa, ou se esquecer de parte da questão, ele deve solicitar que a questão seja repetida pelo
advogado. O protocolo em situações como essa é cientificar o juiz do problema e obter
permissão para resolvê-lo. Por exemplo, pode-se perguntar: “Meritíssimo, o intérprete pode
pedir ao advogado que repita a pergunta?”
Às vezes, o intérprete pode não ter entendido apenas uma palavra da frase. Mesmo em
situações assim, deve-se esclarecer o que foi dito, pois não se deve nunca proceder à
interpretação sem ter certeza do que foi ouvido. Nesse caso, bastaria dizer, por exemplo: “O
intérprete gostaria de esclarecer a última parte da pergunta do advogado: foi ou não foi até a
loja?”

2.4.5. Repetição em geral

A exigência de interpretar tudo o que é dito em sala de audiência impinge grande


pressão sobre o intérprete. Muitas vezes, o interrogado emprega termos desconhecidos ou
não fala com clareza, prejudicando o discurso que deve ser interpretado. Em nenhuma
circunstância o intérprete deve tentar adivinhar o que poderia ter sido dito, ignorar o que não
compreendeu ou omitir partes de uma mensagem clara. O juiz deve ser cientificado acerca
do problema para conceder permissão de resolvê-lo.
Se o intérprete não tiver certeza do testemunho porque não o ouviu ou porque foi
incapaz de manter o enunciado inteiro, deve solicitar a permissão do juíz para pedir que o
interrogado repita a resposta: “Meritíssimo, o intérprete gostaria de solicitar que o
interrogado seja instruído a repetir a sua resposta”.

2.4.6. Erros

61
É comum que o procurador da República, o advogado ou o juiz, preocupado com o
desenvolvimento do caso e pensando sobre a próxima série de perguntas, pronuncie
incorretamente o nome do interrogado, aborde-o chamando o nome de outra pessoa
envolvida ou indique data falsa, especialmente quando há várias datas envolvidas e vários
acusados.
Ao interpretar, nunca se deve corrigir um nome errado ou data diferente da real,
tampouco é aconselhável levar o erro à atenção de todos. O intérprete deve interpretar a
informação exatamente como dita por quem estiver falando. O erro será descoberto ao final
e o registro dos autos refletirá claramente o que causou a imprecisão.
Se estiver a par de todos os detalhes dos registros nos autos e tiver certeza de que há
uma discrepância entre o que está escrito e o que foi dito, o intérprete deve informar o juízo
imeditamente para que o problema seja solucionado.

2.4.7. Correção dos próprios erros

Eventualmente, o intérprete cometerá um erro durante sua interpretação e deverá


corrigilo assim que o desvio se torne evidente.
Caso se torne manifesto, por meio de testemunhos posteriores, que uma palavra com
vários significados possíveis foi mal interpretada, deve-se cientificar o juiz. Por exemplo:
“Meritíssimo, por causa do testemunho posterior, o intérprete tem consciência de que o
‘irmão’ usado na resposta anterior pelo interrogado deveria ter sido interpretado como
‘compatriota’, e não como ‘irmão consanguíneo’, como posso ter dado a impressão”.
Se em algum momento o intérprete duvidar da veracidade de sua interpretação sobre um
assunto importante, deve afastar qualquer dúvida solicitando ao juiz um momento para
verificar o dicionário. Se surgir uma questão linguística delicada e controversa, pode-se
pedir auxílio ao juizo para resolvê-la, sem interromper a continuidade do testemunho e
chamar a atenção para si.

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2.4.8. Esclarecimentos de termos não familiares

O significado de termos desconhecidos não deve ser adivinhado. O intérprete deve estar
munido de um dicionário e tê-lo disponível para consulta na mesa de audiência.
Poder-se-ia padronizar o procedimento ao adotar como protocolo a seguinte afirmação:
“Meritíssimo, para garantir a precisão, o intérprete gostaria de consultar o dicionário antes
de interpretar um termo que a testemunha usou.”.
Não se deve escolher adotar como correto o primeiro significado que o dicionário
oferecer apenas para poupar tempo. Da mesma forma, o intérprete não deve achar que
consultar uma obra de referência denota falta de habilidade profissional. Se esse tipo de
situação for um acontecimento ocasional, as partes devem ter ainda mais confiança por
causa do seu compromisso com a transparência do registro nos autos.
Os dicionários são ferramentas de referência úteis, mas não devem ser evocados com
exclusividade. Se nenhum dos termos listados parece adequado, deve-se pedir permissão ao
juizo para esclarecer com a parte que usou o termo problemático. No entanto, o intérprete
não deve envolver-se em uma conversa com o interrogado sem antes obter a permissão do
juiz. No caso de ter esclarecido alguma dúvida com o interrogado, o intérprete deve relatar
ao juiz o que perguntou e qual foi a resposta. Ao conduzir-se de forma calma e profissional,
o intérprete manterá sua credibilidade e a confiança das partes.

2.4.9. Termos vinculados culturalmente

A cultura de um povo se associa intrínsicamente com a língua. Conceitos judiciais,


termos de afinidade, nome de alimentos e formas de tratamento são exemplos de termos
culturalmente ligados e representam um dilema antigo aos intérpretes, pois é difícil
encontrar palavras na língua-alvo para transmitir seu significado.
Se nenhum equivalente direto de uma determinada frase está prontamente disponível na
língua-alvo, é recomendável deixá-lo na língua de origem e soletrá-lo para ficar registrado
nos autos. Se houver algum conflito, deve-se cientificar o juiz que o interrogado usou um

63
termo para o qual não existe um equivalente direto. Não se deve fazer uma tradução
aproximada ou tentar dar explicações voluntárias, a não ser que seja solicitado pelo juiz.
Geralmente, o procurador da República pode pedir explicações a partir do testemunho
por meio de uma sequência de perguntas de checagem, caso o termo seja importante para o
entedimento de todos. Em muitos casos, o significado do termo pode não ser relevante o
suficiente para justificar uma explicação.

2.4.10. Repetição de trechos em português usados pelo interrogado

O intérprete deve estar atento ao fato de que está interpretando um testemunho que
ficará registrado nos autos e, via de regra, qualquer pessoa que ouvir a gravação dos autos
ou assistir à audiência ouvirá atentamente apenas sua voz, e não a voz do interrogado.
Portanto, mesmo que ele responda em português ou diga um nome, ainda que todos possam
entender sem qualquer necessidade de interpretação, deve-se repeti-lo para o registro nos
autos.

2.5. Perguntas do interrogado

Quando o interrogado não entende a interpretação da pergunta, certamente tentará


esclarecê-la com o intérprete. Por exemplo:
Advogado: “Você sabia que era cocaína ou sabia somente que era droga?”
Testemunha: “Ele quer saber se eu sabia que era cocaína?”
Não se deve tomar para si a responsabilidade de esclarecer a pergunta; basta interpretá-
la em português para que não se passe a impressão de que o intérprete está conversando com
o interrogado (o réu, no exemplo citado).
Se essa situação persistir e se houver necessidade, o juiz instruirá o interrogado.

2.6. Identificação das declarações do intérprete

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Quando o intérprete faz uma declaração em audiência, é importante esclarecer que está
falando como intérprete, tornando evidente a todos que aquela declaração é de sua autoria, e
não do interrogado.
Em audiência, a prática mais comum é o intérprete referir-se si mesmo na terceira
pessoa do singular, para que fique registrado nos autos que não está interpretando um
testemunho, mas falando como profissional. Em situações menos formais, ainda que a
prática se torne natural fora de audiência (como em uma entrevista reservada entre defensor
público e réu, bem como em depoimentos da testemunha), o intérprete pode simplesmente
parar e mudar o seu tom de voz, e depois falar na primeira pessoa – talvez apontando para si
mesmo e dizendo “Eu acredito que a testemunha estava se referindo...”.
Deve-se ressaltar que é função do advogado esclarecer mal-entendidos fazendo
perguntas de acompanhamento. O intérprete não deve tomar para si essa responsabilidade, a
não ser que precise fornecer uma explicação precisa e imprescindível, quando a
comunicação é interrompida ou há posições falsas sendo feitas como consequência de
desentendimentos culturais ou linguísticos. Nesses casos, o intérprete é o único que tem o
conhecimento especializado e o treinamento para perceber que um mal-entendido está
acontecendo.
Embora possa parecer mais eficiente lidar com perguntas ou comentários diretamente
com o réu, o melhor é estabelecer como regra sempre falar com o juiz, pois isso irá isolar o
intérprete da natureza contraditória do processo judicial.

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3. DESAFIOS DA INTERPRETAÇÃO

Muitas vezes, o intérprete não é a única pessoa na sala que sabe o idioma de origem e o
idioma de destino. Assim, é muito fácil para outras pessoas perceberem os erros, por não
estarem sob pressão como o intérprete está.
Às vezes, o desafio vem de um advogado que preparou muito bem o interrogado e sabe
como o depoimento deve ser; ou então pode vir de alguém que está mais familiarizado com
a terminologia específica e se considera mais capaz de ouvir ou entender a fala do orador ou
do interrogado.
Se o intérprete é questionado por alguém na sala de audiência, deve responder educada e
profissionalmente, sem considerar esse tipo de atitude uma afronta pessoal. Se concordar
com a correção, deve corrigir o registro dos autos. Contudo, se a proposta para a correção
for inaceitável, deve manter sua versão original. Sem se justificar ou racionalizar, o
intérprete pode explicar seu raciocínio, se necessário. Por exemplo, pode dizer: “Em outro
contexto, essa correção seria cabível, mas não neste caso”.
Faz parte da função do procurador da República indagar ao interrogado sobre seu
testemunho (ou a sua interpretação) para esclarecimentos gerais, pois os desafios da
interpretação fazem parte do curso normal dos eventos no tribunal, sobre os quais o juiz tem
a palavra final.

3.1. Rapidez na fala do interrogado

Na interpretação do depoimento de uma testemunha, o intérprete tem a mesma


obrigação de interpretar simultaneamente todas as declarações prestadas ao réu, assim como
seria durante o depoimento dele ao juiz.
A presença do intérprete não é apenas para beneficiar os advogados, o juiz ou o
procurador da República, mas também para deixar o réu ciente das declarações das
testemunhas – feitas, muitas vezes, em desfavor a ele. No entanto, pode haver momentos em
que a testemunha fala muito rapidamente e o juiz não se atenta ao fato de que o
interrogatório deve ser feito em um ritmo que proporcione tempo hábil para a interpretação

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simultânea (normalmente, a fala do intérprete acontece dois segundos depois da fala do
interrogado).
Se o juiz não se atentar a esse fato, deve-se chamar sua atenção levantando a mão. No
entanto, na maioria das vezes, o próprio juiz instrui as testemunhas com relação à rapidez da
fala.

3.2. Imparcialidade e prevenção

3.2.1. Conflitos de interesse

O conflito pode existir quando o intérprete tem interesse pessoal no desfecho do caso
por ser amigo, parente ou conhecido de uma das partes. Sempre que essas condições
existirem, não se deve aceitar a atribuição. Aceitá-la pode prejudicar a reputação
profissional e macular a imagem dos demais profissionais da área.
Se o intérprete tomar ciência de que há um conflito de interesse real ou aparente
somente depois de ter aceitado uma designação, de informar imediatamente ao responsável
para os assuntos da audiência no gabinete do juiz ou ao defensor público antes mesmo de a
audiência começar, para que haja tempo suficiente para sua substituição. O juiz vai
determinar se um conflito de interesse existe e se o profissional deve, de fato, ser
substituído.

3.2.2. Aparência de parcialidade

Mesmo que o intérprete não perceba que há preconceito ou parcialidade, se as outras


pessoas perceberem parcialidade, seu papel pode ficar totalmente comprometido. Todos os
esforços devem ser envidados para evitar qualquer comportamento que possa levar os outros
a pensar que há favorecimento de um dos lados em um caso. A relação de confiança entre o
intérprete e o juizo deve ser preservada.

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Devem-se evitar ações como comentar o caso, dar conselhos, tocar o réu em gesto de
consolo ou se engajar em conversa na sala de audiência em uma língua que os outros não
entendam.

3.2.3. Partes no caso

Quando da colheita do depoimento do réu, o intérprete pode ficar sentado ao lado dele
por várias horas, e inevitavelmente parecerá que há um vínculo entre os dois. Da mesma
forma, pode-se estar interpretando o testemunho de um determinado réu por um longo
tempo ao lado dele. Mesmo que sinta qualquer afinidade pelo interrogado, a interpretação
do depoimento pode ter menos credibilidade com o juízo ou outras partes se eles
considerarem que o intérprete está influenciando o testemunho ou interpretando de uma
forma tendenciosa. Por isso, é mandatório que se evite qualquer tipo de conversa com o réu.
Evitar essas conversas, contudo, não é fácil: os réus não são falantes da língua
portuguesa e ficam naturalmente ansiosos para falar com alguém que possa compreendê-los
– nesse caso, o intérprete. Para prevenir esses diálogos, o intérprete deve, no momento da
apresentação, explicar brevemente como a interpretação vai funcionar, mencionando que
todas as dúvidas devem ser dirigidas somente ao advogado dele.
Nos momentos em que houver uma pausa na audiência, deve-se manter distância do réu.
No caso de se estar interpretando a testemunha para o réu simultaneamente em uma
audiência por videoconferência, por telefone, o intérprete pode erguer a mão educadamente
se o réu começar a conversar, qualquer que seja o assunto. De maneira alguma se deve tratar
de aspectos legais do caso, nem permitir que qualquer um deles começe a contar sua versão
dos fatos. Essas informações podem ser obtidas em momento oportuno, por meio de
solicitação a um funcionário ou ao advogado para se ter acesso aos autos com as acusações
ou quaisquer documentos que possam estar disponíveis, a fim de que o intérprete se
familiarize com as condições gerais do processo; evitando, dessa forma, dar ao réu a
oportunidade de discutir sobre o caso.

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3.2.4. Prévio envolvimento no caso

A aparência de conflito de interesses pode também surgir se o intérprete teve


participação prévia no caso. Por exemplo, um intérprete no Brasil que trabalha para o juízo é
intimado a comparecer em determinada vara, em determinado horário, às vezes sem saber o
que de fato sucederá na sala de audiência naquela ocasião. Esse intérprete participa tanto da
conversa reservada com o réu e seu advogado particular, se este não falar a língua de
partida, quanto com o advogado da Defensoria Pública, assim como em audiência de
instrução e julgamento, ou seja, toda a preparação da defesa do réu é elaborada nessa
entrevista reservada e com a participação efetiva do intérprete, que está ciente de tudo.
Entretanto, o intérprete não está autorizado a falar, tampouco a relatar ao juízo a conversa
reservada que o réu teve com seu defensor, muito menos fazer menção a ela.
Muitas vezes, o réu se esquece de algumas das instruções do seu defensor e, por isso,
conta uma versão diferente da que foi acordada com seu advogado, levando o intérprete a
uma situação difícil e podendo provocar um conflito de interesse. Nesse caso, o intérprete
deve manter a interpretação de acordo com o discurso do réu em audiência, e não de acordo
com o que fora previamente acordado em sua preparação de defesa em entrevista reservada.
Se ficar explícito que existe conflito de informação, deve-se solicitar, com autorização
do juiz, que o réu repita seu discurso para uma segunda interpretação. Se ainda assim o
conflito de informação persistir, o intérprete jamais pode informar ao juiz que o réu havia
dado tal informação em entrevista reservada, mas que contou outra versão no momento de
seu testemunho, pois assim ele pode prejudicar o processo, levando à perda do ato por todos
os envolvidos, visto que o juiz não mais poderá julgar o caso. O advogado de defesa
provavelmente tentará convencer a todos de que o réu se esqueceu da resposta correta, ou da
que fora acordada. É dever do intérprete, porém, manter sua posição em relação à versão do
réu em audiência, e não aquela acordada em prévia entrevista reservada.
O intérprete não pode tomar o que o réu fala em entrevista reservada como verdade, nem
responder às perguntas do juiz sem antes interpretá-la ao réu, simplesmente com base na
entrevista reservada. Todas as perguntas feitas em audiência pelo juiz ou pelo procurador da
República devem ser feitas ao réu, mesmo que este já a tenha respondido em entrevista
reservada.

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3.2.5. Presentes e gratificações

Nunca se devem aceitar gratificações ou doações de qualquer pessoa para quem se está
interpretando, quer em matéria judicial penal ou civil. Se um presente for oferecido, o
intérprete deve explicar educadamente que seus honorários são pagos pelo Nufi (núcleo
financeiro) ligado ao Governo Federal e que não está autorizado a aceitar presentes de
qualquer uma das partes no caso.
3.2.6. Neutralidade

Enquanto certas informações ou circunstâncias podem levar os intérpretes a sentir


compaixão ou raiva, sempre se deve manter a neutralidade.
Não se deve colocar-se como defensor do réu somente por ele não falar português. Não
é dever do intérprete fazer juízo de valor ou do comportamento das partes para quem está
interpretando. Se o interrogado usa gramática incorreta ou discurso vulgar, a interpretação
deve ser tão fiel quanto seria com qualquer outra testemunha, e o intérprete não deve
transmitir no tom ou na expressão corporal que considera o testemunho impróprio ou infiel.
Se uma testemunha e/ou um réu veste-se ou comporta-se de forma inadequada, deve-se
deixar que o juiz, o procurador da República ou mesmo o advogado de defesa tome as
providências que julga necessárias para resolver o impasse.
Para reforçar a neutralidade dos intérpretes, alguns juízes explicam às partes que os
intérpretes são apartidários e não devem ser considerados como parte da defesa ou da
acusação, não importando para quem eles estejam fazendo a interpretação durante o caso. A
presença de dois ou mais intérpretes usando equipamentos eletrônicos de interpretação em
um julgamento com muitos réus envolvidos é uma forma eficaz de manter o papel do
intérprete neutro. Qualquer que seja a situação, no entanto, o profissionalismo e a atitude do
profissional transmitirão esse aspecto do trabalho.

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3.2.7. Opinião pessoal

No decurso de suas funções diárias, intérpretes têm a oportunidade de interagir com


vários advogados e juízes e de ver e ouvir-lhes defender seus casos ou pronunciar sentenças
e conclusões. É difícil para um intérprete não formar sua própria opinião sobre advogados
ou juízes, bem como não formar sua opinião sobre a culpa ou a inocência dos réus ou a
credibilidade das testemunhas.
É de extrema importância que o intérprete se mantenha neutro e tente evitar expressar
opiniões sobre tais assuntos. É altamente impróprio expressar qualquer tipo de opinião em
público, aos funcionários do fórum, aos réus ou a seus familiares e às testemunhas. Mesmo
entre os outros intérpretes, quando é comum discutirem a terminologia aprendida e as
dificuldades do trabalho, é imperativo evitar expressar opiniões, que podem ser facilmente
distorcidas e tornadas públicas.
Deve-se salientar que nem todos são bem-intencionados nesse ambiente, pelo fato de
haver muita especulação e interesse no desfecho de alguns casos. Alguém que pede a
opinião do intérprete pode estar tentando descobrir informações sobre o caso, pois o
profissional conhece os magistrados que julgam o processo em questão e, muitas vezes, sabe
exatamente como o juiz vai proceder.
Mesmo após a celebração do caso, ele ainda está sujeito a recurso. Assim, quaisquer
comentários inadequados que o intérprete fizer ou quaisquer informações confidenciais que
divulgar podem ter consequências negativas no futuro.

3.2.8. A busca das respostas pelo advogado de defesa

É possível que o advogado procure o intérprete para especular a credibilidade do


testemunho, conversar sobre o réu ou pedir alguma sugestão a respeito de algum assunto. O
advogado pode até mesmo pedir que avalie seu desempenho durante o procedimento.
Embora o advogado possa buscar essa aproximação sem objetivos obscuros, o intérprete
deve educadamente evitar expressar opiniões, a fim de preservar sua conduta profissional e
sua imparcialidade.

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3.2.9. Interação com os advogados constituídos ou ad hocs

Às vezes, os advogados constituídos e/ou ad hocs podem se aproximar do intérprete


para fazerem uma pergunta ou um comentário, somente por curiosidade sobre o trabalho de
interpretação. É imperativo que se evite interagir com essas pessoas, mesmo em assuntos
não relacionados ao caso, principalmente porque o juiz admoesta ambas as partes a não se
falarem ou se envolverem.
O melhor a se fazer é prevenir, evitando lugares onde os advogados constituídos possam
estar. Caso se encontre um deles e ele tentar iniciar uma conversa, pode-se educadamente
acenar e seguir em frente.
Depois que o juiz tiver proferido a sentença, os advogados, se assim o desejarem,
falarão com o juiz e questionarão os motivos da sua decisão. Embora possa ser um ensejo de
aprendizado ou apenas uma oportunidade de satisfazer a curiosidade, o intérprete não deve
se envolver nessas conversas. Afinal, ele não faz parte do caso e não deve exibir qualquer
interesse em razão do resultado.

3.2.10. Interação com os assistentes judiciários

A interação com os profissionais do fórum é inevitável. O intérprete eventualmente se


familiarizará com os advogados, os procuradores da República e outros prestadores de
serviço, pessoas com quem ele trabalhará quase todos os dias. É natural que queira interagir
com eles durante os intervalos. No entanto, qualquer uma dessas conversas aparentemente
inocentes pode levar a uma percepção de viés. Assim, o intérprete não deve se envolver em
reuniões ou conversas nos corredores.
Todos devem ser tratados com cordialidade, mas o profissionalismo deve ser mantido.
Contudo, uma vez fora do ambiente de trabalho, o intérprete tem liberdade para ter qualquer
tipo de relacionamento que desejar com os colegas.

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3.3. A mídia e o público

3.3.1. Reportagens

Pode acontecer que o intérprete seja chamado para atuar em algum processo que atraia
muita atenção da mídia por causa da natureza do caso ou das personalidades envolvidas.
Os meios de comunicação, empenhando esforços em obter informações não disponíveis,
podem tentar entrevistar o intérprete. Ressalta-se que um intérprete não deve divulgar a
absolutamente ninguém qualquer informação sobre a conversa reservada entre advogado e
cliente, tampouco o ocorrido em sala de audiência. Nunca se pode conceder uma entrevista
ou fazer qualquer comentário aos meios de comunicação sobre um processo pendente. Em
resposta a qualquer contato da mídia, um simples “Nada a declarar” basta.

3.3.2. O público

No Brasil, os procedimentos judiciais ocorrem sob segredo de Justiça e não são abertos
ao público como nos Estados Unidos, por exemplo. Entretanto, há muita curiosidade das
pessoas em saber como acontece uma audiência com réus presos, especialmente os
estrangeiros; em quais tipos de crimes eles se envolvem e o veredito do processo. Assim,
perguntas sobre os casos são inevitáveis.
Como regra, o intérprete não deve usar os nomes dos acusados nem descrever
circunstâncias perturbadoras, mas esclarecer que, no Brasil, os estrangeiros são tratados
respeitosamente e que as leis são cumpridas consoante o Código Penal.
Pode-se falar genericamente a respeito dos tipos de crime e das penas aplicadas, mas
não se devem citar nomes de juízes nem emitir opinião pessoal sobre eles.

3.4. Confidencialidade

O intérprete deve ter em mente que qualquer informação obtida no decurso do seu
trabalho com interpretação em audiência é confidencial. Se ele participa na preparação de
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um caso, quer seja na defesa ou na acusação (tais como entrevistas com réus ou até mesmo
testemunhas estrangeiras), de maneira alguma deve revelar a natureza da comunicação
interpretada, embora o escopo de confidencialidade seja um pouco diferente para cada um
deles.

3.5. Privilégio entre acusado e advogado

Um dos princípios básicos mantidos há muito tempo no sistema judicial é com relação
ao sigilo da conversa do acusado com seu advogado; que, na verdade, é a preparação do
acusado para a audiência. Essa é a única oportunidade de fato em que o réu tem de preparar
sua defesa com seu defensor.
Nessa conversa reservada, o réu fala a verdade ao seu advogado, que não é
necessariamente o que ele dirá em audiência. O momento da entrevista é a oportunidade que
o advogado tem para preparar a defesa do réu com base nas “brechas da lei”, direcionando-o
sempre a atingir o objetivo final, que é uma menor pena possível. É por isso que essa
conversa ter de ser mantida em sigilo absoluto pelo intérprete.
Essa obrigação se estende mesmo após o desfecho do caso por dois motivos: por causa
de uma possível apelação do réu sobre a decisão do juiz e pelo fato de que o intérprete
jamais poderá ser ouvido como testemunha contra o réu, e usar tudo o que foi dito, lido ou
ouvido pelo profissional contra o interrogado.

3.6. Audiências via videoconferência

No Brasil, de acordo com a decisão do Tribunal de Justiça, as audiências judiciais


podem ser realizadas por videoconferência, principalmente na esfera federal, mas apenas se
o réu desejar. Ele pode escolher se prefere ser ouvido na presença do juiz ou por
videoconferência: basta que informe seu advogado que deseja que sua audiência seja
presencial. Contudo, independentemente de sua escolha, o procedimento ficará registrado
em áudio e vídeo.

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Por videoconferência, as audiências são muito mais difíceis para o intérprete do que em
audiência presencial, pois, por mais avançada que seja a tecnologia, ainda assim ocorrem
atrasos chamados de delay. Por isso, o intérprete não pode lançar mão do recurso da leitura
labial, pois a imagem chega com alguns milésimos de segundo de atraso e confunde a
interpretação.
O réu não é prejudicado se a audiência se dá por videoconferência, pois o intérprete a
conduzirá com o mesmo profissionalismo que teria se ela fosse presencial. É possível que
ele tenha de solicitar ao réu, com a permissão do juiz, que repita alguma frase por ocasião de
interferência tecnológica, mas esse procedimento é comum e esperado pelas partes
envolvidas.

3.7. Material probatório

No Brasil, os intérpretes não têm acesso ao material probatório antes da audiência, ou


mesmo antes de eles serem aceitos como prova de fato. Há especialistas, peritos e tecnologia
de ponta sendo usada para analisar e comprovar a veracidade de documentos antes da
audiência. Dessa forma, quando o juiz tem acesso à prova, sua veracidade já foi comprovada
por meio de laudo acostado nos autos.
Se o intérprete for chamado para traduzir documentos ou gravações, deve abordar a
tarefa com a mesma diligência profissional que emprega ao interpretar em audiência, como
exatidão e integralidade. Pontualidade na entrega de qualquer versão ou tradução é
imperativa.

3.8. Tradução e/ou versão escrita de documentos

Os tradutores públicos juramentados são, por lei, obrigados a prestarem serviço à Justiça
do País. Entretanto, na prática, essa obrigação não é respeitada e os assistentes judiciários
precisam encontrar alternativas para que o trabalho seja feito e a justiça não seja
prejudicada.

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Atualmente, não há como testar ou certificar a capacidade de um intérprete de realizar
traduções escritas. Os intérpretes são cadastrados no site do Ministério da Justiça e podem
ou não ser qualificados para fornecer traduções e/ou versões de documentos, pois não há um
revisor de tradução no ativo da Justiça.
Dessa forma, dada a ausência de controle nessa esfera, um intérprete de audiência pode
ficar responsável pela tradução e/ou versão de documentos escritos. Deve-se respeitar o
caráter confidencial dos direitos que forem atribuídos e não se deve comentar sobre o
conteúdo do material. Esses documentos, muitas vezes, são provas materiais que ainda não
se tornaram registro público e que serão utilizados durante o processo judicial.
É costume pedir auxílio aos colegas a respeito de terminologia, mas deve-se ressaltar a
confidencialidade do assunto. Para que isso ocorra com a mesma celeridade dos países
desenvolvidos, a situação ideal seria que, primeiramente, os intérpretes tivessem uma sala
reservada no prédio onde os processos permanecessem para os trâmites legais; ficando,
assim, à disposição da Justiça, para que as traduções ou versões fossem feitas com as
inúmeras ferramentas tecnológicas de tradução e versão disponíveis no mercado atualmente.
Atitudes como essa economizam tempo e recursos financeiros e ajudariam a tornar a Justiça
brasileira mais eficiente.

3.9. Transcrição e tradução de material probatório em áudio e vídeo (escuta


telefônica)

Transcrições e traduções dessa natureza devem ser feitas por um perito ou um


especialista, com equipamentos tecnológicos de ponta. Essas tarefas não devem ser aceitas
pelos tradutores/intérpretes, pois haveria necessidade de um laboratório próprio para que a
transcrição pudesse ser efetivada. Contudo, se o intérprete está disposto a fazer esse tipo de
trabalho, antes de assumir a responsabilidade com a Justiça, deve tentar ouvir ou ver o
documento para se cientificar da complexidade e da responsabilidade do material a ser
transcrito e/ou traduzido.
Deve-se levar em consideração o tamanho e a qualidade da gravação, a quantidade de
pessoas envolvidas na conversa e os fatores preocupantes da dificuldade da transcrição e/ou

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tradução, como os fios telefônicos que, eventualmente, captam conversas estranhas e sons
que interferem na audibilidade das partes.
Cada minuto de fala gravada em um CD demanda cerca de uma hora para ser transcrito;
fitas de vídeo, cerca de duas horas. O advento das gravações digitais tem feito a transcrição
consideravelmente mais fácil, mas pouco poderá ajudar se o material de origem for pobre
em qualidade.

3.10. Conselhos legais

Os limites do papel do intérprete impedem o aconselhamento jurídico ou o fornecimento


de representação legal. Essas funções são estritamente de responsabilidade dos advogados.
A responsabilidade do intérprete é, exclusivamente, ser um meio de comunicação.

3.11. Perguntas dos réus

Tal como acontece com qualquer testemunha, se o réu está sendo interrogado, deve-se
interpretar em voz alta qualquer dúvida que ele possa ter, mesmo se eles sussurrarem a
pergunta diretamente a você, para que ninguém na sala de audiência tenha a impressão de
que há algo impróprio na conversa. Se o réu fizer uma pergunta ao intérprete no meio da
audiência, a questão deve ser transmitida ao advogado.
No interrogatório da testemunha de acusação, em que o réu senta-se ao lado do
intérprete, pode-se combinar com o advogado dele um sinal ou gesto, simplesmente por
precaução, para que o réu possa se comunicar com ele. Além disso, deve-se combinar com o
juiz um gesto para alertá-lo quanto à velocidade do discurso e, assim, não perder parte do
testemunho.
Dessa forma, o juiz desacelerará o interrogatório da testemunha.
Deve haver atenção e discernimento com relação às questões colocadas para o
intérprete. Não é comprometedor, por exemplo, responder a perguntas de ordem genérica,
tais como horas de operação e localização das varas em determinado fórum. Nesses casos, o

77
profissional deve se certificar de que a informação dada é precisa para não correr o risco de,
posteriormente, ser acusado de ter dado informação incorreta e outras pessoas perderem a
audiência por isso.
É fácil, entretanto, dar uma resposta inócua para oferecer aconselhamento jurídico. O
intérprete deve se prevenir para evitar transformar uma pergunta simples em
aconselhamento jurídico. Ao apresentar-se para o réu, deve-se mencionar que quaisquer
perguntas relacionadas ao seu caso devem ser dirigidas ao advogado.
O intérprete deve evitar ao máximo despender tempo com o réu e, em hipótese alguma,
prestar aconselhamento jurídico para as partes, nem recomendar advogados específicos ou
escritórios de advocacia.

3.12. Perguntas das testemunhas estrangeiras

Depois de serem entrevistadas por um advogado por meio de um intérprete, as


testemunhas podem querer envolver-se em conversa com o intérprete, seja sobre as
circunstâncias do caso, seja sobre as consequências de testemunhar. Não é responsabilidade
do intérprete discutir o caso ou responder a perguntas feitas por testemunhas.
O advogado deve ser informado de quaisquer perguntas ou dúvidas expressadas pelos
interrogados.

3.13. Perguntas da família e amigos dos réus e testemunhas

Parentes ou amigos dos réus ou das testemunhas estão, com frequência, presentes no
fórum onde a audiência acontece. Eles certamente terão dúvidas sobre acusações, o
processo, consequências ou opções possíveis. Ademais, eles também podem querer fornecer
informações sobre o caso. A melhor saída é encaminhá-los para um advogado a fim de evitar
o fornecimento de informações.
É o advogado quem determina o que e o quanto de informação deve ser fornecido a
terceiros. Dessa forma, o intérprete se isolará e se isentará da responsabilidade de fornecer
informações precisas.
78
3.14. Relações profissionais

Existem duas razões básicas para se ter um intérprete presente em um processo judicial:
permitir que o réu compreenda o procedimento e permitir que o juízo entenda todos os não
falantes da língua portuguesa julgados em fórum brasileiro.
O intérprete está sob as penalidades da lei e sob todas as regras de um servidor público,
sendo que, quando intimado a comparecer no fórum criminal para atuar como intérprete, o
juiz em suas atribuições legais, equipara o intérprete ao servidor público, atribuindo-lhe
direitos e deveres. Assim, por mais essencial que seja a presença do intérprete na sala de
audiência, ele é considerado um funcionário da Justiça e um participante neutro no processo.
Entretanto, todos os procedimentos judiciais, para terem validade legal, devem ser
realizados na presença de um oficial de justiça. Não há autoridade legal nenhuma atribuída
ao intérprete, embora isso não o isente de suas responsabilidades linguísticas já citadas.

3.15. Discrição

O intérprete deve estar ciente de que a comunicação é o principal objetivo do processo


de interpretação. Não se deve participar dos processos de maneira teatral, destacando-se
mais que o réu, exagerando ou alterando as emoções expressas pelo testemunho.
Embora seja importante estabelecer um relacionamento agradável com as pessoas,
devese manter um distanciamento profissional. Uma maneira de transmitir essa formalidade
é chamar as pessoas pelo seu sobrenome (Senhor Smith, Senhora Smith) ou, ainda, pelo
primeiro nome, mas de maneira respeitosa, dirigindo-se a eles com títulos: Mr. Joseph, Ms.
Emma. Se não houver uma maneira formal de endereçar ao outro na língua-alvo (por
exemplo, usted em Espanhol para “você”), deve-se empregar a formalidade sempre,
independentemente da idade ou da posição do réu. No entanto, observem-se as normas
culturais da língua-alvo para manter o comportamento adequado.

79
Embora raramente aconteça, se o juízo tratar o réu ou a testemunha pelo primeiro nome
sem que este esteja antecedido pelo título correto, ou se tratar a testemunha informalmente
em algum momento durante o interrogatório, não se deve alterar a interpretação e o registro,
tornando o que foi dito em um texto formal.

3.16. Educação continuada

É imperativo que o intérprete tenha uma base sólida de cada aspecto de suas línguas de
trabalho e, principalmente, que envide contínuos esforços para aperfeiçoar suas
competências.
Não se pode prever o que sucederá no decurso do processo judicial: podem ser gírias
incomuns, dialetos, provas forenses complexas ou referências literárias arcaicas. Por isso, os
intérpretes devem constantemente aumentar seus recursos, expandindo o vocabulário e
melhorando suas habilidades na retenção, concentração e entrega do discurso.
Ademais, o intérprete deve encontrar um padrão preciso e exato na arte da interpretação
e ser impecável quanto à ética e à conduta profissional.

3.16.1. Educação continuada e requisitos da função

Embora o Ministério da Justiça não estabeleça a obrigatoriedade de certificação aos


intérpretes que trabalham ou se candidatam a trabalhar em audiências, deve-se salientar que
nem todo falante de língua estrangeira tem as habilidades necessárias para trabalhar com
interpretação em audiência, razão pela qual se necessita de disposição e boa vontade do
sitema judiciário, somadas à seriedade e à responsabilidade que a questão impõe para
começar um trabalho de treinamento e certificação para intérpretes de audiência.
Em conformidade com os pré-requisitos estabelecidos em países desenvolvidos, poder-
seia aplicar no Brasil o mesmo padrão de treinamento: um workshop com, pelo menos, 12
horas de atividades sobre ética e padronização de conduta para intérpretes de audiência, e
mais 12 horas de estudo concentrado, concentrando-se nas habilidades e nas técnicas de

80
interpretação, o que totaliza 24 horas de estudo e prática. Também poderia ser de valia uma
oficina de orientação ao intérprete, como uma espécie de estágio.
Por meio de educação continuada, o intérprete deve manter e melhorar suas habilidades
de interpretação e conhecimento dos procedimentos utilizados pelos tribunais. Deve
procurar, ainda, elevar os padrões de desempenho da profissão e continuamente aperfeiçoar
as habilidade que dele se exigem durante as audiências.

3.17. Familiaridade com o caso

Por razões de precisão, é importante tentar entender alguns fatos do caso antes do início
da audiência. Pode-se fazer isso pedindo às partes envolvidas informações básicas com a
devida cautela, ou, ainda, solicitar permissão para olhar e revisar documentos a partir dos
autos ou arquivos, como relatórios policiais e transcrições das audiências preliminares.
Para uma avaliação precisa e mais consistente, o ideal é fazer essa pesquisa com
antecedência para que se possa obter as referências técnicas adequadas, bem como
familiaridade com as circunstâncias e as partes no processo. No entanto, tendo em vista a
realidade das atividades quotidiana dos fóruns, nem sempre essa possibilidade existe.
O intérprete deve trabalhar com o pessoal do fórum em espírito de cooperação para que
eles possam compreender a necessidade de preparar-se adequadamente para exercer suas
funções.
Em situação de convocação do trabalho de intérprete por meio de citação ou e-mail de
convocação, devem-se solicitar ao servidor público informações acerca da audiência para
que haja tempo hábil para preparar-se.

3.18. Terminologia técnica

Audiências longas, cujos processos podem envolver operações em conjunto com a


Polícia Federal e a Polícia Civil e nas quais há um grande número de pessoas envolvidas,
exigem preparação por parte dos intérpretes e, eventualmente, revezamento com outros
profissionais.
81
Dada a grande quantidade de termos que compõem o corpus jurídico, pode ser difícil
conhecer a terminologia que pode surgir durante o testemunho. Por essa razão, é
aconselhável trabalhar em conjunto com os advogados da defensoria pública e com os
servidores públicos, além de levar dicionários apropriados, glossários e listas que podem
auxiliar o intérprete durante a audiência.
Caso o intérprete não se sinta apto a proceder à interpretação de determinada área, não
deve aceitar a designação apenas para não ser considerado inadequado para a função.
Geralmente, as pessoas sabem que, nesse tipo de ambiente, o intérprete não dominará todas
as áreas da terminologia especializada.

3.19. Uso da tecnologia

Os fóruns brasileiros têm, progressivamente, adotado o uso da tecnologia em audiências


criminais. Entretanto, alguns equipamentos podem afetar o trabalho dos intérpretes por
razões como falhas na transmissão do testemunho do réu (para o caso de videoconferências),
incidência de chuva ou outro fenômeno natural etc.
Esses equipamentos são gerenciados por empresas terceirizadas e, assim, seu controle
não está acessível ao intérprete. Se for preciso repetir o testemunho várias vezes para que a
interpretação seja precisa, isso deve ser feito.
Os equipamentos não devem interferir nas atividades do fórum ou da vara em que se
está trabalhando. Uma vez que praticamente todos os processos acontecem sob segredo de
justiça, é pouco provável que se consiga autorização do juízo para usar internet móvel
particular na sala de audiência, caso se queira fazer uso dos recursos tecnológicos como
dicionários on-line e glossários.
3.20. Relacionamento com os colegas

Cultivar relacionamentos de amizade com os colegas de trabalho não é apenas uma


questão de ética, mas também pode ser vantajoso para todas as partes que haja boa vontade
nas relações profissionais.

82
Atos reprováveis em qualquer círculo social, como caluniar e de alguma forma denegrir
a imagem de outras pessoas, também devem ser evitadas na esfera de trabalho do intérprete
de audiência. A profissão é mais bem exercida quando seus membros estão comprometidos e
demonstram o devido respeito uns pelos outros.

3.21. Avaliar e relatar impedimentos para o desempenho

3.21.1. Fadiga do intérprete

O intérprete deve solicitar uma pausa sempre que se sentir fadigado, pois, caso não
descanse, ficará suscetível às interferências do cansaço, o que prejudicará sua exatidão.
Nos países onde a interpretação em audiência segue padrões e protocolos, antes de
iniciada a interpretação, a instrução ao intérprete deveria ser: “Se em algum momento o
intérprete sentir-se cansado ou exausto durante o procedimento, deve informar ao juízo”.
Quando da convocação do intérprete, ele deve ser avisado quanto à natureza do trabalho,
para que ele se prepare para longas horas de procedimento judicial e para que seja solicitado
um colega de trabalho para a divisão das tarefas.
Quando o assistente direto do juiz tiver ciência de que se trata de uma grande operação
em conjunto com as polícias Civil e Federal, é imprescindível que o intérprete seja
informado.
A função do intérprete é mental e fisicamente desgastante e exige uma estrutura
psicológica adequada ao ambiente de trabalho. Um intérprete deve se esforçar para manter
as condições que garantam um desempenho satisfatório, em que a precisão torna-se
rotineira. Esse trabalho demanda alto nível de concentração e é imperativo que se
permaneça mentalmente alerta em todos os momentos. Ocasionalmente, juízes interrompem
processos para uma pausa por saberem que, para haver um registro preciso nos autos,
depende-se principalmente de ter uma equipe alerta. Contudo, frequentemente se esquecem
de que um registro preciso depende também de ter um intérprete descansado e alerta. Não se
deve chegar à exaustão para alertar o juiz sobre a necessidade de uma pausa na audiência.

83
3.21.2. Desqualificação

Em algumas situações, o intérprete pode solicitar substituição de sua função, por


exemplo, quando suas próprias experiências passadas ou atuais podem, de alguma maneira,
interferir seriamente em sua capacidade de interpretar com a clareza e o controle necessários
sobre um caso em razão do assunto.
O intérprete pode querer ser substituído também se lhe for atribuído um caso que está
além de suas habilidades técnicas, seja pelo vocabulário específico que está sendo usado ou
pelos padrões linguísticos rebuscados do interrogado.
Se alguma dessas situações ocorrer, basta dirigir-se ao servidor público, ao assistente do
juíz ou ao defensor público e solicitar a substituição por um intérprete que possua os
conhecimentos necessários.
Esse procedimento é essencial para que o intérprete evite não ser mais chamado na vara
em questão por ter cometido erros pontuais de interpretação ou, mais grave ainda, levar um
réu a ser julgado culpado por ter cometido desvios na interpretação de seu testemunho.

3.21.3. Interpretação em grupo

Quando as circunstâncias permitem prever que haverá uma longa audiência e que será
necessária uma equipe interpretando o processo, a fim de evitar que apenas uma pessoa faça
a interpretação e se fadigue, bem como garantir a precisão e evitar interrupções no fluxo do
processo, pode-se alternar-se com um colega aproximadamente a cada meia hora.
O segundo intérprete também pode auxiliar de outras maneiras, ajudando a resolver os
problemas da interpretação do depoimento, consultando materiais de referência e solucionar
questões técnicas com equipamentos eletrônicos.
3.21.4. Audibilidade

Parte das boas condições de trabalho para o intérprete forense é ser capaz de ouvir bem
o que é dito dentro da sala de audiência.

84
Se alguma das partes fala muito rapidamente ou em volume muito baixo; se o
interrogado está de costas para o intérprete, fazendo-se ininteligível; se as partes estão
falando uma com a outra; se há qualquer espécie de interferência constante, tais como
telefone tocando ou pessoas falando ao telefone na sala de audiência ou se há conversas
paralelas, deve-se pedir assistência do juiz para estabelecer a ordem e remediar a situação.
Mesmo que o intérprete peça repetidamente às partes para falarem mais alto ou com
mais clareza, jamais deve simplesmente ignorar as frases que não consegue ouvir por não
querer interromper o processo com muita frequência. Se houver ruídos externos, também se
deve solicitar ajuda do juiz e, se o barulho persistir, será necessário um esforço maior para
separar, entre todos os sons, o que deve ser interpretado – embora, na maioria das vezes, os
juízes são os mais interessados em restaurar o silêncio e o decoro em sala de audiência.
Se o problema for o contrário, ou seja, se o réu ou a testemunha fala muito baixo, deve-
se proceder da mesma forma: solicitar ao juiz que peça ao interrogado para falar com mais
clareza. Essa permissão sempre deve ser solicitada, uma vez que o intérprete não tem
autonomia para decidir o que fala ao interrogado.

3.22. Instruções às partes

De acordo com os padrões administrativos de tribunais renomados em todo o mundo, o


assistente do juiz em audiência é a pessoa responsável por instruir os participantes sobre o
procedimento a ser seguido, incluindo as instruções para intérpretes. No entanto, a maioria
dos tribunais opera sob muita pressão e tempo restrito e, por isso, raramente são dadas
instruções formais.
Se houver oportunidade de o intérprete ter contato prévio com o caso na entrevista
reservada, ele poderá familiarizar-se com o discurso do interrogado e, assim, poderá instruir
o réu quanto ao procedimento a ser seguido. Em alguns casos, a entrevista reservada revela
que o interrogado não fala a língua do intérprete atribuído ou que é falante da língua-alvo.

3.23. Instruções que não se interpretam

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Tudo que for dito ao não falante da língua-alvo, em todas as fases do processo, deve ser
interpretado. Entretanto, se for solicitado que algo não seja interpretado, deve-se considerar
o fato de que apenas o juiz pode decidir até que ponto o intérprete pode se distanciar de suas
funções rotineiras e, por isso, ele deve ser informado sobre essas mudanças.

3.24. Tradução simultânea de documentos no decorrer da audiência

Sempre que houver um documento a ser traduzido simultaneamente no decorrer da


audiência, o intérprete deve aguardar instruções para lê-lo em voz alta na língua-alvo, pois,
na maioria das vezes, o magistrado, ciente da dificuldade em fazê-lo durante a audiência e
de que o intérprete pode pedir um breve recesso para uma leitura prévia do documento,
poderá querer saber se esse documento realmente trata do assunto abordado na audiência,
podendo ou não ser anexado aos autos do processo como material probatório. Se durante o
depoimento algum documento for entregue ao intérprete, deve-se entregá-lo ao advogado ou
ao juiz. Não cabe ao intérprete decidir se algum documento serve ou não como material
probatório no caso.
Caso o juiz decida que a tradução do referido documento é importante e deve ser feita
imediatamente, deve-se solicitar um breve recesso para que se possa lê-lo e fazer algumas
anotações necessárias para sua tradução.
Essa tradução deve ser realizada apenas se o documento for relativamente curto e se o
intérprete tem certeza de que pode fazê-la com precisão. Caso contrário, o magistrado deve
ser informado que a tradução do documento deve ser feita de maneira mais profissional para
garantir a precisão, tanto pela extensão do documento quanto por questões terminológicas
ou sintáticas.
O intérprete não tem obrigação de desempenhar essa tarefa. Caso não se sinta apto, o
documento em questão deve ser confiado a alguém com as competências adequadas, pois
nem todos os intérpretes são qualificados para traduções escritas: são funções distintas que,
em algumas situações, deverão ser desempenhadas por profissionais distintos.

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3.25. Interpretação de áudio ou vídeos

Como regra geral, é desaconselhável interpretar os segmentos de uma gravação durante


o a audiência. Caso o intérprete seja solicitado a fazê-lo, precisará pedir um recesso para
ouvir ou ver o segmento, mesmo que seja uma gravação bem curta e bastante clara.
Gravações podem ser capciosas e, por isso, devem ser cautelosa e atentamente ouvidas.
Após uma escuta preliminar da fita, se o intérprete considerar que pode interpretá-la em
audiência, deve fazê-lo. No entanto, se achar que uma interpretação ao vivo não é viável,
deve informar o juiz que uma transcrição escrita formal e a tradução elaborada fora da sala
de audiência serão necessárias para garantir a precisão do material.
Não é obrigação do intérprete assumir essa tarefa, mesmo que se sinta competente para
fazê-lo. Entretanto, se essa interpretação for necessária e o profissional não se considerar
apto para cumpri-la, deve delegar a tarefa a alguém com as competências adequadas,
salientando a confidencialidade do conteúdo das gravações.

3.26. Atuação cultural ou linguística

Mesmo com conhecimento do idioma, o intérprete deve evitar comentários sobre


informações sigilosas do depoimento do interrogado, principalmente as questões que
ultrapassam seu conhecimento e sua autoridade. Uma atitude contrária pode denegrir a
reputação do intérprete no fórum e ele ainda fica sujeito a não ser mais chamado a
interpretar.
O intérprete não precisa ser um perito na cultura do réu ou nas práticas culturais a que se
refere o testemunho, nem de qualquer outro não falante da língua portuguesa. Os peritos
para essas especialidades devem ser consultados quando houver necessidade. Por exemplo,
apenas um perito pode decidir se o réu sofre de distúrbios mentais, porque a polícia, o
intérprete ou o juiz não têm capacidade ou competência para julgar nesse caso, por não ser
essa sua área de especialidade. Nesse caso, se juiz determinar que um psicólogo ou um
psiquiatra deva fazer uma avaliação profunda sobre as faculdades mentais do réu para ter
certeza dos fatos antes de proferir a sentença, ele o fará e confiará no diagnóstico do perito.

87
Mesmo que o intérprete seja consultado pelo advogado sobre questões semelhantes ou
se sente que tem opiniões valiosas e experiências para compartilhar, é aconselhável que se
abstenha de comentários, mesmo em um ambiente informal.
3.27. Dever de reportar violações éticas

Se o intérprete foi induzido ou encorajado a violar qualquer lei, regra, regulamento ou


política relativa à interpretação de audiência, deve reportar a situação ao juiz ou às
autoridades responsáveis.

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4. PESQUISA DE CAMPO

Para se observar a rotina de um grande tribunal em que ocorrem interpretações forenses,


foi realizado um estudo no Hall of Justice, em San Francisco – CA, em 32 horas de
observação em audiências que envolveram diversos tipos de crime (tráfico de drogas, falso
testemunho, formação de quadrilha, assassinato, furto e uso de drogas), entrevistas
reservadas entre réu e defensor e leitura de documento (e-mail) ao réu com versão
simultânea.
Foram observados vários intérpretes trabalhando nos casos mencionados. Os
profissionais procederam em conformidade com o Código de Ética e Padronização de
Conduta estabelecido pelo Governo Federal dos Estados Unidos da América, interpretando
fielmente o que foi dito pelo defensor público ao réu e vice-versa. Nesse caso, os réus
podem, a qualquer momento, solicitar a presença de seu defensor para discutir sobre os
fatos, bem como seu defensor pode solicitar a presença do réu no fórum quando considerar
necessário.
Os casos são não somente investigados pela polícia, mas também pelo próprio defensor
público. Os intérpretes têm livre acesso aos autos e podem estudar o caso antes da
audiência, principalmente quando há linguagem técnica específica, perícia médica e dados
de autópsia.
O número de funcionários trabalhando no Hall of Justice não foi revelado; mas, segundo
observação in loco, há metade de um andar destinado aos defensores públicos, para que
possam se preparar para as audiências, bem como dezenas de assistentes judiciários.
Quando, na audiência, a testemunha é falante da língua-alvo, ainda assim o intérprete
fica à disposição do juízo, caso a testemunha venha ter algum tipo de dificuldade no
entendimento ou em seu discurso, da mesma forma que ocorre no Brasil.
Os casos são divididos entre os muitos andares do prédio, de acordo com o tipo de crime
cometido. Os casos novos são distribuídos no dia da audiência para o andar e a sala de
audiência correspondente ao crime.
Para alguns casos, há salas de audiência com segurança máxima, em que o público é
preservado em segurança por vidro à prova de balas. Essas medidas dependem da natureza
do crime, já que as audiências são abertas ao público e qualquer pessoa pode entrar no

89
fórum. Para reforçar essas medidas de segurança, há três detectores de metal e três máquinas
de raios X na entrada do fórum.
Segundo informações da intérprete Elizabeth, que trabalha no Hall of Justice, depois de
30 anos de empirismo, os Estados Unidos da América perceberam que, de fato, era
primordial ter intérpretes devidamente treinados e habilitados para o desempenho da função.
Assim, hoje os intérpretes ficam à disposição do juízo, e há uma sala enorme destinada aos
intérpretes; os quais, recentemente, foram contratados como funcionários do fórum.

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5. CONCLUSÃO

Este trabalho é um modelo procedimental criado com o intuito de estabelecer regras e


condutas éticas a serem seguidas pelos intérpretes forenses. Ele contribuirá com a agilidade
e a eficiência do sistema judiciário em ações que envolvam estrangeiros, principalmente em
uma época em que o Brasil se destaca cada vez mais no mundo, seja por conquistas e
descobertas de abundantes recursos naturais ou por grandes eventos esportivos sediados no
país.
Conforme ilustrado pela pesquisa de campo, os países, sejam eles desenvolvidos ou não,
somente carregam mérito e agregam credibilidade ao sistema pelo fato de já terem
reconhecido a necessidade de estabelecer a ética profissional e os padrões de conduta na
interpretação forense, treinando e capacitando seus profissionais, certificando-os e tratando-
os com o devido respeito, processo esse iniciado por alguém que tomou a iniciativa de
melhorar as condições de trabalho desse profissional e fazer com que lhe seja dado o devido
valor.
Os modelos procedimentais estudados aqui não são suposições ou criações sem
fundamento criterioso, pois este trabalho foi elaborado com o auxílio de profissionais
competentes do sistema judiciário. Ademais, o embasamento teórico e prático tem base em
uma pesquisa feita nos Estados Unidos da América, no estado da Califórnia, mundialmente
famoso por ser o berço das audiências internacionais.
Os critérios estabelecidos aqui podem ser resumidos em 15 pontos que o intérprete
forense deve considerar ao exercer sua profissão:
1. Não discutir as pendências do processo com as partes.
2. Não revelar informações sobre a entrevista reservada entre defensor e réu.
3. Não dar conselhos legais a nenhuma das partes. As perguntas devem ser
direcionadas ao defensor ou ao juízo.
4. Informar ao juízo caso não haja conhecimento acerca de uma palavra,
expressão, terminologia, dialeto etc., ou se ainda houver dúvidas quanto à própria
habilidade linguística de desempenhar a função adequadamente para casos
específicos.
5. Não omitir palavras como gírias, vulgarismos e epítetos.

91
6. Empregar a primeira pessoa do singular para interpretar declarações feitas
nesse tempo verbal. Por exemplo, não iniciar uma oração com “Ele disse...”.
7. Direcionar todos os questionamentos ou problemas ao juízo e não tentar
resolver por conta própria com o interrogado. Se necessário, pedir permissão para
trazer o problema ao conhecimento de todos.
8. Posicionar-se o mais próximo possível do interrogado, mas sem bloquear a
visão do juiz e do procurador da República.
9. Informar ao juízo situações de fadiga causada pela longa duração do
procedimento.
10. Quando o áudio do microfone estiver aberto, falar alto e claro o suficiente
para que a voz seja ouvida posteriormente, sem que cause dano às pregas vocais.
11. Interpretar absolutamente tudo, inclusive falas que não componham
diretamente o testemunho.
12. Se o juízo determinar que o intérprete está autorizado a ter informações em
boa-fé sobre casos confidenciais, a fim de se familiarizar com a terminologia, deverá
haver uma conversa reservada com o juiz.
13. Durante a entrevista reservada com um réu estrangeiro, dar-lhe as seguintes
instruções para quando ele estiver em depoimento:
a) Falar em volume alto e com clareza para que todas as pessoas na sala de
audiência, e não somente o intérprete, possam ouvi-lo.
b) Direcionar a resposta à pessoa que lhe fez a pergunta e manter contato visual
com ela, e não com o intérprete.
c) Encaminhar todos os questionamentos durante a audiência ao juízo e/ou ao
advogado de defesa, e não ao intérprete. O interrogado não pode pedir ajuda ao
intérprete, nem iniciar uma conversa paralela para discutir sobre as perguntas.
14. Durante a entrevista reservada com o advogado de defesa do réu, ou ainda
antes do interrogatório da testemunha, o réu deve receber as seguintes instruções: o
intérprete fará a interpretação de tudo o que o procurador da República perguntar à
testemunha; em seguida, a testemunha responderá às perguntas do advogado de defesa
do réu; depois, a testemunha responderá às perguntas do juiz, caso ele julgue
necessário esclarecer algum fato com a testemunha. Ademais, salientar que o réu, em

92
hipótese alguma, pode falar ou discordar do testemunho da testemunha durante a
oitiva da testemunha, caso ele tenha algo a dizer sobre o testemunho da testemunha, o
réu terá a oportunidade de falar ao juiz na hora de seu interrogatório, momento no qual
ele será perguntado se tem algo contra a(s) testemunha(s) que testemunharam em seu
caso.
15. Chegar sempre 30 minutos antes do início da audiência.

Jaqueline Nordin na sala de audiência do fórum federal de São Francisco CA-USA

O empirismo que atualmente domina o exercício da profissão de intérprete forense é


resultado do despreparo e da falta de planejamento. O Brasil é um país carente de
profissionais desejosos de mudar o sistema que hoje governa esse trabalho e, por outro lado,
aqueles que reconhecem a necessidade de mudança não estão em posição de tomar decisões
que podem de fato alterar a realidade que os intérpretes de audiência vivem. Se a classe se
unir e reivindicar seus direitos, a exemplo de outras profissões cujas conquistas refletem que
é possível obter reconhecimento e melhorias no trabalho, em pouco tempo a interpretação
forense será devidamente regulamentada e seus representantes poderão confirmar a antiga e
certeira máxima: a justiça tarda, mas não falha.
6. REFERÊNCIAS

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95
TANNEN, Deborah. That's Not What I Meant!. 2. ed. New York: Ballentine Books, 1991.

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