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Para início de conversa

Método da avaliação relativa – Os múltiplos de mercado

• Conteudistas:
Prof. Aloisio Villeth Lemos
Prof. Luiz de Magalhães Ozorio

• Apresentação do módulo
A abordagem sobre o valor justo de uma empresa ou de um ativo pela avaliação relativa, também chamada
modelo de múltiplos, apresenta maior simplicidade quando comparada ao modelo de fluxo de caixa
descontado; porém, é uma importante ferramenta em estudos de valuation. Tem como princípio básico a certa
proporcionalidade existente no valor de ativos similares, tomando como referência pontos comuns entre os
ativos comparados.
Método da avaliação relativa – Os múltiplos de
mercado

1. Avaliação relativa: as três etapas


2. Índice preço/lucro
3. Índice preço/valor patrimonial
4. Índice preço/vendas
5. Índice EV/ebitda
Aprofunde seus conhecimentos

1. Avaliação relativa: as três etapas

A avaliação relativa (ou por múltiplos) consiste na mensuração do valor do ativo a partir da análise de como o
mercado precifica ativos considerados comparáveis. Entre as principais vantagens do método, temos a
simplicidade e a facilidade de uso. Entretanto, a análise do resultado pode ser equivocada se não houver
cuidado em sua interpretação.
Primeira etapa
O processo de avaliação relativa começa com a identificação dos ativos comparáveis, a apuração de valores de mercado desses ativos e as informações
contábeis que serão utilizadas na avaliação.

A definição e a seleção de ativos comparáveis nem sempre é trivial, pois, à medida que nos esmeramos na busca de ativos com características mais próximas
possíveis, podemos incorrer em uma drástica redução do tamanho da amostra, o que, do ponto de vista estatístico, empobrece o estudo. Outro ponto
fundamental é a padronização de dados contábeis. Sempre que possível, o ideal é que a pesquisa de dados seja efetuada utilizando o mesmo padrão contábil,
mais especificamente os padrões IFRS e US GAAP.

Apesar de similares, tais padrões contábeis podem gerar múltiplos distintos para uma mesma empresa, o que pode impactar negativamente na comparação
dos índices dentro de um mesmo segmento.

Segunda etapa
O segundo passo é transformar esses valores e informações contábeis em índices e medidas padronizados, também denominados de múltiplos de mercado.
São diversos os múltiplos que podemos levar em consideração para comparação de empresas. De forma geral, os múltiplos são a razão entre alguma medida de
como o mercado está precificando a empresa no momento da avaliação e alguma informação contábil, como o lucro ou o valor patrimonial das ações.

Os múltiplos mais usuais na avaliação de empresas são: preço/lucro, preço/valor patrimonial, preço/vendas e EV/ebitda, sendo aplicados comumente aos mais
diversos setores da economia. Existem também múltiplos mais específicos para determinados segmentos, como preço/m2 e preço/aluguel, utilizados na
avaliação de imóveis, ou EV/toneladas de aço produzidas por ano, usado no setor siderúrgico, ou ainda EV/barris de petróleo, utilizado no segmento de óleo e
gás.

Terceira etapa
A terceira e última etapa é a comparação dos múltiplos com os ativos analisados. Os múltiplos nem sempre geram conclusões similares na avaliação. É possível
que um índice aponte um ativo com preço não atrativo, enquanto outro indique uma sobrevalorização. O analista deverá optar pelo múltiplo mais adequado
para cada tipo de empresa.

Geralmente, o preço/lucro é um múltiplo mais adequado para empresas que se encontrem na fase de maturidade, enquanto que, para empresas ainda não
maduras, o múltiplo mais recomendado pode ser o preço/vendas. O preço/valor patrimonial tem grande popularidade na avaliação de instituições financeiras e
gera bons resultados na análise de empresas intensivas em capital. O EV/ebitda é um múltiplo com bastante reconhecimento no mercado e segue a mesma
lógica do preço/lucro. A vantagem do EV/ebitda, quando comparado ao preço/lucro, é sua maior consistência (o ebitda de uma empresa é geralmente livre de
fatores não recorrentes, sendo menos errático que o lucro líquido).
2. Índice preço/lucro

O índice preço/lucro (em inglês, price/earnings: P/E) é o múltiplo mais usual, sendo necessários para o seu
cálculo apenas a cotação da ação em determinado dia (ou o valor de mercado da empresa) e o lucro anual por
ação da empresa (ou o lucro líquido contábil). Vale salientar que os múltiplos de mercado são normalmente
calculados tendo por base referências de resultados anuais. Trata-se, sem dúvida, de uma informação
interessante, pois relaciona o preço atual aos lucros obtidos pela empresa.

O cálculo é bastante simples:


o Preço/lucro (P/L) = cotação da ação/lucro por ação
Ou: valor de mercado/lucro líquido

O P/L indica o tempo de retorno do investimento, em número de anos, partindo-se da premissa teórica (e
bastante simplista) que o lucro anual da empresa se repetirá nos anos seguintes.
Assume ainda um caráter de preço relativo, na medida em que seja disponível uma série de lucros anuais para
várias empresas, e seus respectivos valores de mercado.

Pode-se dizer que o índice P/L funciona de forma mais proveitosa quando analisamos empresas maduras, onde
os desembolsos de capital se aproximam da depreciação, fazendo o lucro se aproximar bastante do fluxo de
caixa livre do acionista. Nesses casos, o índice tende a ser mais baixo do que uma média com empresas de
variados setores da economia.

Por outro lado, empresas que atuam em setores de elevado crescimento podem apresentar P/Ls maiores no
curto prazo, sem que isso signifique que elas estejam subvalorizadas. Isso ocorre porque os preços das ações
estão mais relacionados com expectativas de lucros crescentes do que com os lucros atuais ou recentes.
Outro fator que pode ajudar a explicar a magnitude do P/L “justo” para determinada empresa é a
taxa de desconto utilizada no modelo de fluxo de caixa descontado. O P/L está negativamente
relacionado à taxa de desconto e inversamente relacionado ao risco da ação. Em outras palavras,
quanto menor o risco da empresa em relação a outras comparáveis, seus múltiplos (não somente o
P/L) tendem a se posicionar em patamares mais altos e vice-versa.

Situações que dificultam a análise do índice P/L

Um dos problemas que podem surgir na utilização do índice P/L é quando a empresa registra
prejuízo, o que resultaria um P/L negativo, o que não faria sentido e nos levaria a recorrer a outros
múltiplos, sobretudo com foco na capacidade de geração de caixa (atenção especial ao quinto
tópico do presente módulo).

Outra situação possível de dificuldade se dá em empresas cíclicas, onde os lucros variam muito. Isso
faz com que os índices mudem de maneira drástica, o que pode transmitir sinais equivocados na
análise, justamente por conta dessa instabilidade.

Há também situações nas quais o lucro contábil da empresa inclui efeitos não recorrentes, que
devem ser desconsiderados para uma análise mais apropriada.
O que pode justificar um P/L mais alto ou mais baixo?
Uma forma de responder a essa questão é fazendo uma fórmula que leva em conta os fatores fundamentais do chamado
Modelo de Gordon, cujo preceito básico para justificar o valor de uma ação se resume na seguinte equação:
P0 = Div1
k-g

Onde: P0 = valor justo para a ação


Div1 = dividendo esperado para o ano seguinte
k = taxa de desconto a ser utilizada para trazer o fluxo futuro de dividendo a valor presente
g = taxa de crescimento esperada para o lucro e, por consequência, para o dividendo

Considerando que a taxa de distribuição dos lucros (payout) é igual a dividendo/lucro, temos:
P0 = LPA1 x payout
k–g

P0 = payout
L0 k–g

Por essa decomposição, é possível avaliar que empresas atuando em mercados com elevadas taxas de crescimento (g) ou
com perspectivas de crescimento de lucros superiores à média do segmento são geralmente negociadas com índices P/L
mais altos.

Outro fator que pode ajudar a explicar o P/L é a taxa de desconto da empresa. O P/L está negativamente relacionado à
taxa de desconto e inversamente relacionado ao risco da ação.

Em relação ao payout, é possível afirmar que, tudo o mais constante, quanto maior o payout, maior deveria ser o P/L da
empresa.
3. Índice preço/valor patrimonial

O índice preço/valor patrimonial (em inglês, price/book value: P/BV) realiza, em termos bem objetivos,
o confronto entre duas bases de valor da mesma empresa. O numerador mostra o preço da ação (ou o
valor de mercado da empresa), enquanto o denominador refere-se à ótica contábil, representada pelo
VPA - valor patrimonial por ação (ou o valor do patrimônio líquido do balanço mais recente).

A exemplo dos demais múltiplos, o cálculo é simples:


Preço/valor patrimonial (P/VPA) = cotação da ação/patrimônio líquido por ação
Ou: valor de mercado/patrimônio líquido

O quociente que resulta dessas frações mostra se a empresa está sendo negociada acima ou abaixo do
valor contábil e com qual intensidade. Como é normal na técnica dos múltiplos de mercado, o
resultado visto de forma isolada pode não ter tanta relevância, mas ganha muito mais robustez
quando é possível compará-lo com o mesmo indicador de empresas similares.

O principal ponto fraco do P/VPA é a dependência do valor “frio” extraído do balanço patrimonial, que
pode ser afetado por ajustes contábeis, envolvendo apuração dos estoques, depreciação, etc.

No mercado de capitais, é utilizado com bastante frequência na análise de instituições financeiras que
têm o patrimônio como referência habitual para cálculos, provisões, etc.
O que pode justificar um P/VPA mais alto ou mais baixo?
De forma análoga ao exercício algébrico feito para decompor o Modelo de Gordon no caso do P/L, temos:
P0 = Div1
k-g

P0 = LPA1 x payout
k–g

Considerando que ROE = L/VPA, temos:


P0 = ROE x VPA x payout
k–g

P0 = ROE x payout
VPA k–g

Observando essa sequência, é possível afirmar que, tudo o mais constante, quanto maior o ROE, maior
deveria ser o P/VPA da empresa.

Cabe observar que estamos analisando o caso em que a empresa estaria madura, o que possibilita o uso
da perpetuidade no modelo de Gordon. No entanto, esse raciocínio é útil para entender como o ROE, o
crescimento, o custo de capital e o payout influenciam o P/VPA.
4. Índice preço/vendas

O índice preço/vendas (em inglês, price/sales: P/S) pode ser bastante útil em um processo de avaliação,
principalmente no caso de empresas fechadas e/ou no início do ciclo de vida. Ao contrário do índice P/L, é
possível obter o índice P/V para empresas que não geram lucro, por conta de uma fase ainda embrionária
ou por se encontrar em uma situação específica na qual as condições financeiras não permitem resultados
positivos.

É importante reforçar a necessidade de que seja observado em conjunto com outros indicadores, como
aqueles ligados à situação financeira da empresa. Também pode ter um caráter exploratório, funcionando
como uma sondagem (ou triagem) de projetos, a partir do faturamento atual da empresa, ou do
faturamento estimado de certo projeto.

Esse índice tem como desvantagem a não consideração dos custos e das despesas. Afinal, um faturamento
robusto de nada adianta se não for suficiente para fazer face aos custos e despesas operacionais.

O cálculo tem por base os dois elementos:

Preço/vendas (P/V) = valor de mercado/receita operacional


É interessante notar que um índice como esse pode ser útil para determinar quanto a empresa poderia
valer, a partir do seu patamar de receitas (atual ou estimado) e de um índice P/V “justo”, que tenha por
base uma amostra adequada de empresas, que devem ser comparáveis com a empresa sob análise.
Fazendo a decomposição do índice preço/vendas, temos:

P0 = div
k-g

P0 = lucro1 x payout
k–g

Considerando que lucro líquido = receita operacional x margem líquida, temos:


P0 = rec. operac. líquida x margem líquida x payout
k–g

P0 = margem líquida x payout


S k–g

Ficam assim evidenciados os fatores que podem interferir no patamar desse múltiplo, sendo natural a
influência do patamar de receitas da empresa, assim como a sua lucratividade.
5. Índice EV/ebitda

Esse índice já tem a denominação habitual na versão em inglês (EV: enterprise value/ebitda: geração de caixa na
atividade, conforme já apresentado no item 2 do módulo 4).

O EV/ebitda pode ser considerado um índice da mesma família do índice preço/lucro (P/L). O enterprise value
(EV) pode ser obtido pela soma do valor de mercado da empresa na Bolsa e do valor da sua dívida (com bancos
ou equivalentes, como debêntures), deduzindo o valor das suas disponibilidades financeiras.

Em resumo, o enterprise value é dado por:


EV = VM + DL, onde
VM = valor de mercado
DL = dívida líquida da empresa (= dívida bruta – caixa, aplicações financeiras e outras
disponibilidades financeiras)

Em uma observação atenta, podemos notar que se trata de um múltiplo “não alavancado”, ou seja, leva em
consideração, por um lado, o valor da empresa sem considerar sua dívida e, por outro, o ebitda, que representa
justamente a geração de caixa antes das despesas financeiras. Sendo assim, o índice EV/ebitda traz uma
informação muito útil, indicando se a empresa tem uma condição operacional favorável.

Por isso mesmo, é um múltiplo que não deve ser visto isoladamente. Vale dizer que esse alerta serve para
qualquer outro múltiplo. O ideal é combinar várias informações e vários indicadores, o que propicia uma
conclusão muito mais bem fundamentada.
Fazendo a decomposição do índice EV/ebitda, temos:

EV = FCFF1
WACC-g

 FCFF = ebitda - IR – capex - DNCG

EV = ebitda – IR – capex - DNCG


WACC - g

Dividindo os dois lados da equação pelo ebitda, temos:

𝐸𝑉 𝐼𝑅 𝑐𝑎𝑝𝑒𝑥
= (1 − − − 9 ∆𝑁𝐶𝐺/𝑒𝑏𝑖𝑡𝑑𝑎)) / 𝑊𝐴𝐶𝐶 − 𝑔
𝑒𝑏𝑖𝑡𝑑𝑎 𝑒𝑏𝑖𝑡𝑑𝑎 𝑒𝑏𝑖𝑡𝑑𝑎

Analisando o índice EV/ebitda, podemos inferir:


• Tudo mais sendo mantido, os efeitos de maior necessidade de capex e capital de giro, maiores
alíquotas de IR e maiores taxas de desconto são de redução do múltiplo EV/ebitda.
• Tudo mais sendo mantido, o efeito de maiores taxas de crescimento esperadas (taxa g) é de
aumento no múltiplo EV/ebitda.
Na prática

Resposta:
2. A empresa F também pertence ao setor Alpha, tendo apresentado:
Lucro por Ação de $5,00
Vendas por Ação de $30,00
Valor Patrimonial de $25,00

Considerando que a cotação da ação em Bolsa seria de $120,00, calcule os múltiplos P/L,
P/VPA e P/S e avalie se as ações parecem sub ou sobreavaliadas.

Tome por base os múltiplos de empresas do mesmo setor calculados na questão anterior.

Resposta:
3. A Gama S.A. possui 3.000.000 ações em seu capital, cotadas no mercado a $60,00.
A empresa possui dívida bruta no valor de $85.000.000 e um saldo de caixa, bancos e
aplicações financeiras de $15.000.000.
Considerando que a Gama registrou Ebitda anual de $25.000.000, calcule o múltiplo
EV/Ebitda da empresa.

Resposta:
Se o número total de ações é de 3 milhões, cotadas a R$ 60,00/ação, então o Valor de Mercado da
empresa é de R$ 180 milhões.

A Dívida Líquida é de R$ 70 milhões (= R$ 85 milhões de Dívida Bruta menos R$ 15 milhões de


Disponibilidades)

Sendo assim, o EV seria de R$ 250 milhões (=R$ 180 milhões + R$ 70 milhões)

O Ebitda foi dado como R$ 25 milhões.

Logo, o indicador EV/Ebitda nesse caso seria de 10,0 (= R$ 250 milhões / R$ 25 milhões)
4. A Cia. Omega possui 5.000.000 de ações cotadas a $90,00, dívida bruta no valor de $190.000.000 e um
saldo de caixa, bancos e aplicações financeiras de $50.000.000. Considerando que a Omega contabilizou
Ebitda de $80.000.000, calcule o EV/Ebitda da empresa. Adicionalmente, sabendo-se que o EV/Ebitda médio
do setor da Omega é de 10x, opine se as ações da Omega lhe parecem sub ou sobreavaliadas. Na sua opinião
seria possível determinar um valor justo para as suas ações somente com essas informações?

Resposta:
Seguindo a mesma linha de cálculo da questão 3, o Valor de Mercado seria de R$ 450 milhões
A Dívida Líquida seria de R$ 140 milhões. Logo, o EV seria de R$ 590 milhões

Ebitda dado de R$ 80 milhões. Logo, EV/Ebitda = 7,4 (arredondando o resultado em uma casa decimal,
que é suficiente)

Como foi informado que a média desse indicador no setor de atuação da Cia. Omega é de 10x, em
princípio suas ações parecem subavaliadas, por terem um múltiplo abaixo daquela média.

Sobre se seria possível determinar um valor justo somente com essas informações, a resposta é sim,
valendo a ressalva que haveria maior segurança na definição desse Valuation se o analista pudesse
contar com outros dados, como análise de outros múltiplos, previsões para vários anos, mais detalhes
sobre os números setoriais, dentre outras informações possíveis na "vida real".
Para saber mais

- COPELAND, Tom; KOLLER, Tim; MURRIN, Jack. Avaliação de empresas – Valuation. Makron Books.
- DAMODARAN, Aswath. Avaliação de empresas. Pearson.
- MARTINS, Eliseu. Avaliação de empresas: da mensuração contábil à econômica. Atlas.
- PÓVOA, Alexandre. Valuation: como precificar ações. Campus - Elsevier.
- www.damodaran.com

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