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LIVRO DOS ORIKIS

Claudio Daniel
Ah, mãe do mar, dona das dunas, senhora das águas, traz meu amado,
rainha do Congo, traz meu amado, Iemanjá! Ofereço-te flores, fumo,
perfumes, na espuma do mar! Espelhos e joias, de prata e safira, te dou
meus colares, de prata e safira, te dou meus anéis, de prata e safira...
Mãe do mar, tem pena, te peço apenas o fim do pesar! Oh negra da
noite, dama da praia, mãe Janaína, senhora do mar! Sou Vera velida,
que vela ferida a volta daquele dono de mim! (...) Valei-me, Vênus-das-
águas, Vera acende velas em teu louvor, e canta o vosso valor! Oguntê,
Marabô, Caiala e Sobá! Oloxum, Ynaê, Janaína, Iemanjá!

(Do Romanceiro de Dona Virgo)


Nota do autor

Oriki é o poema ritual da tradição nagô-iorubá, cantado até hoje nos


terreiros de umbanda e candomblé, celebrando deuses, reis e herois
lendários. Quem introduziu o oriki no Brasil foram os negros africanos,
escravizados no período colonial-monárquico, que conservaram as suas
tradições religiosas sob o aparente sincretismo com o culto aos santos da
devoção cristã. As primeiras traduções desses textos orais para o idioma
português em forma poética foram realizadas por Antonio Risério em seu
belíssimo livro Oriki orixá, publicado pela editora Perspectiva na coleção
Signos, dirigida por Haroldo de Campos. Nesse livro, Risério apresenta aos
leitores excelentes ensaios críticos e traduções de alguns desses poemas
cantados. Ricardo Aleixo publicou orikis de sua autoria no livro A roda do
mundo. Ricardo Corona, Fabiano Calixto e Frederico Barbosa também
escreveram bons orikis. Minha pesquisa nesse campo procura manter
elementos do oriki tradicional -- os nomes e epítetos dos orixás, seus mitos,
atribuições e atributos, com uma visada crítica contemporânea,
incorporando temas da situação política e social do país. Todos os poemas
que compõem este livro foram escritos entre fevereiro e março de 2015, com
exceção do Oriki de Orunmilá, redigido em 2006. As linhas apresentadas em
itálico no interior dos poemas são citações de “pontos” cantados nos rituais
em diversos terreiros no Brasil e os textos são apresentados conforme a
ordem do xiré cantado no candomblé (adotamos a sequência estabelecida
por Pierre Verger no livro Os orixás, com poucas variações). Minha seleção
de 18 orixás incorporou divindades cultuadas nas tradições ketu, bantu e
jejê. No final do volume, apresentamos um glossário com as palavras em
iorubá que aparecem nos poemas.

Agradeço ao Babalorisá Armando de Osaguian e a Conceição Silva pela


leitura atenta deste livro, ensinamentos e comentários.

Este livro é dedicado à memória de Pierre Fatumbi Verger (1902-1996).


EXU

Lagunã corrige o corcunda.


Faz crescer a lepra do leproso.
Põe pimenta no cu do curioso.

Legbá ensina cobra a cantar.


Entorta aquilo que é reto,
endireita aquilo que é curvo.

Exu Melekê — o desordeiro


faz a noite virar dia e o dia
virar noite. Surra com açoite

o colunista da revista. Cega


o olho grande do tucano —
e zomba do piolho caolho.

Marabô vai-vem-revém.
Quente é a aguardente
do delinquente. Elegbará

com seu porrete potente


quebra todos os dentes
do entreguista privatista.

Bará tem falo de elefante.


É o farsante dos farsantes:
fode a mulher do deputado

hoje – e faz o filho ontem.


Agbô confunde o viajante
e o faz perder a sua rota.

Bará Melekê compra azeite


no mercado — levando peneira
volta sem derramar uma gota.

Larôye Exu! O desalmado


soma pedras e perdas na sina
do condenado. Sete Caveiras:

que seja suave minha sina


neste mundo tão contrariado.
Que seja suave – Larôye Exu!
OGUM

Ogum Oniré
pisca o olho
e cai um dedo
do mentiroso.
Pesca o peixe
sem ir ao rio.
Molamolá
— farejador
de farelos —
livra seus filhos
do abismo.
Ogum Ondó
viajou a Ará
e a incendiou.
Viajou a Irê
e a demoliu.
Senhor de Ifé,
livra seus filhos
do abismo.
Ogundelê
malha o ferro
e faz flechas
de flagelo.
Comedor de cães
fulmina o racista.
Ogum Megê
queima o sangue
do fascista.
Megegê
golpeia o golpista
da revista.
Ferreiro-ferrador
forja a foice
forja o martelo.
Que não falte
o inhame.
Que não falte
massa de pão.
Pai do meu avô,
livra seus filhos
do abismo.

Ògún ieé!
OXOSSI

Akueran feiticeiro
sabe folha
que mata.

Akueran feiticeiro
sabe folha
que cura.

Akueran feiticeiro
fere o olho
do sol.

Akueran feiticeiro
mata a morte
de medo.

Akueran feiticeiro
faz janeiro
virar outubro.

Akueran feiticeiro
faz amarelo
virar vermelho.

Akueran feiticeiro
encanta a lua
com sua beleza.

Akueran feiticeiro
apavora a terra
com sua força.

Akueran feiticeiro
livra seus filhos
da fome.

Akueran feiticeiro
livra seus filhos
da usura.

Òké Aro! Arolé!


OSSAIN

senhor-de-
todas-as-
folhas-da-
mata-
sopra-
palavras-
de-força-
em-cada-
folha-da-
mata-
senhor-de-
todas-as-
flores-
da-mata-
aquele-que-
canta-e-
encanta-
todos-os
cantos-
da-mata-
senhor-que-
dança-com-
uma-única-
perna-
aquele-que-
canta-e-
encanta-
com-uma-
única-perna-
senhor-que-
come-quem-
tem-duas-
pernas-
aquele-que-
vem-está-
vindo-já-foi-
com-uma-
única-perna.

Ewé ó!
ORUNMILÁ

Filho de Olorum,
Ibá Olodumaré.

Senhor do ifá,
sabe nomes
e caminhos.

Ibá Orunmilá
sabe todos
os destinos.

Eliri ipin
cuida de mim

em meus
descaminhos.

Epá Oju Olorum!


XANGÔ

Xangô Oluaxô —
o raio rubro
rasga o céu.
Obakossô
faz o forte fugir
de medo.
Alafim de Oió
não lute comigo.
Alafim de Oió
seja meu abrigo.
Oba Arainã
fala com boca
Oba Arainã
fala com olhos
Oba Arainã
fala com pele
Oba Arainã
fala com raio.
Leopardo de Oiá
não lute comigo.
Leopardo de Oiá
seja meu abrigo.
Aganju
olho-de-chispa
mata o que mente
com pedras de raio.
Mastiga os juízes.
Castiga a mídia.
Oba Lubê
não lute comigo.
Oba Lubê
seja meu abrigo.
Oba Orungá dança alujá
queima a xota
da dondoca.
Oba Orungá dança alujá
queima o falo
do Bolsonaro.
Oba Orungá dança alujá
e saúda a beleza
que há no mundo.
Oba Orungá dança alujá
e saúda a beleza
que há no mundo.

Kawó Kabiesilé!
IANSÃ

Oiá vem
com o vento
vem e revém
mãe do meu
pensamento.
Faz a pedra
flutuar.
Escreve
na folha
palavras
de vento.
Mulher-leopardo
faz amor
amar
e medo
sentir medo.
Eeparrei!
Come pimenta
vermelha.
Dança com pés
vermelhos.
Olha com olhos
vermelhos –
como se
quebrasse
cabeças.
Mulher-leopardo
dona do raio
e do vento
– aquela
que vem
dançando
aquela
que vem
dança-dançando
aquela
que vem
dança-noite-dançando.
Oiá ô!
Tira tripa
do mentiroso.
Fura olho
do preguiçoso.
Mãe do meu
pensamento
não me queime
com o sol
da sua mão.
Afefê Ikú Funã
aquela-
que carrega-
o-chifre-
de-búfalo-
e-dança-
no-cemitério-
coberta-
de-cinzas-
dissipa meu tormento.
Eeparrei!
OXUM

Fêmea-das-águas
senhora do Ijexá.

Dona das danças


desliza no vento.

Oxum ibu anyá:


ouve meu lamento.

Senhora da brisa
atende meu intento.

Sábia òbò mèjá


púbis-pensamento

que fere com ferro


e cura o ferimento.

Com ofá e abebé


varre meu tormento.

Mãe de Logunedé
vem neste momento.

Ifá de bom agouro


não se contradiz.

Moça-verde-ouro
quero a flor-de-lis.

Moça-verde-ouro
dê-me quem eu quis.

Moça-verde-ouro
se acaso consentis.

Moça-verde-ouro
sem manha ou ardis.

Moça-verde-ouro
ao feroz fará feliz.

Moça-verde-ouro
Ekiti efon-imperatriz

Ora iê iê ô!
LOGUNEDÉ

Dedicado a Gilberto Gil

Logunedé
leopardo-menino-
aquele-que-nasceu-
numa-pétala-
de-flor-
Logunedé
leopardo-menino-
beleza-preta-
senhor-de-toda-
a-beleza-
Logunedé
leopardo-menino-
filho-d’Oxum-
pesca-nas-águas-
d’Oxum-
Logunedé
leopardo-menino-
filho d’Oxóssi-
caça-nas matas-
d’Oxossi-
Logunedé
leopardo-menino-
sabe-todos-os
feitiços-
Logunedé
leopardo-menino-
sabe-feitiço-
que-mata-
Logunedé
leopardo-menino-
sabe-fetiço-
que-cura-
Logunedé
leopardo-menino-
o-que-foi-mudado-
em-cavalo-
marinho-
Logunedé
leopardo-menino-
muda-de-forma
em-todas-as-
formas-
Logunedé
leopardo-menino-
vira-lua-pavão-
e-água-do-rio-
Logunedé
leopardo-menino-
vira-onça-
poesia-estrela-
tempestade-
Logunedé
leopardo-menino-
senhor-de-todas-
as-surpesas-
Logunedé
leopardo-menino-
faz-o-baobá-
virar-formiga-
e-a-formiga-
virar-centelha-
Logunedé
leopardo-menino-
o-que-veste-saia-
no-palácio-
d’Oxum-
Logunedé
leopardo-menino-
castra-aquele-
que-estupra-
Logunedé
leopardo-menino-
protege-as-suas-
três-muitas-
rainhas-
Logunedé
leopardo-menino-
protege-todas-
as moças-
todas-as-moças-
são-rainhas-
Alaketo-ê
Ala Ni Mala
Ala Ni Mala
okê

Eru wawá!
OBÁ

Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
lutou
com Oyá
venceu
Oyá.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
lutou
com Exu
venceu
Exu.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
lutou
com Oxalá
venceu
Oxalá.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
cortou
a orelha
por intriga
d’Oxum.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
cortou
a orelha
por amor
de Oba-
Orungá.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.
Obá Obá
protege
aquele
que ama.
Obá Obá
protege
aquele
que luta.
Obá Obá
moça que
é noite
moça que
é rio.

Obà Siré!
IEMANJÁ

Ya Omo Ejá
dona da minha cabeça.

Ya Omo Ejá
sabe todos os mistérios.

Ya Omo Ejá
dona de toda a beleza.

Ya Omo Ejá
sabe todos os caminhos.

Iemanjá Ogunté
De teu ventre saiu Olosá.

Iemanjá Ogunté
De teu ventre saiu Odé.

Iemanjá Ogunté
De teu ventre saiu Xangô.

Iemonjá auá abô aiô


canta e encanta o rei.

Iagbá odê irê xê


canta e encanta o mar.

Akoko pe ilê gbê a oiô


canta e encanta a mim.

Iemanjá Olossá —
dona do mar e de mim

haja água de águas


para todos os teus filhos.

Iemanjá Olossá —
dona do mar e de mim

haja paz no mundo-pó


para todos os teus filhos.

Mulher-flauta de Ifé
cura teus filhos da usura.

Mulher-flauta de Ifé
cura teus filhos da loucura.
Iemanjá Assabá
filha de Olokum.

Odoyá Iemanjá!
OXUMARÊ

Para Horácio Costa

Akemin
é a cobra-
arco-íris-
cobra-dança-
arco-íris.
Akemin
de olho preto
é dança-
cobra-vento.
Akemin
de olho preto
é dança-cobra-
pensamento.
Bakilá
rei djedje
está no fim
de tudo.
Bakilá
rei djedje
está no início
de tudo.
Kaforidan
cobra-que-
morde-
o-próprio-rabo
é o fim-início
de tudo.
Kaforidan
cobra-que-
morde-
o-próprio-rabo
faz gira-girar
tudo.
Se um dia
Oxumaré
cansar
mundo acaba.
Se um dia
Oxumaré
cansar
céu desaba.
Danjikú
moça-menino
tira entranha
do intolerante.
Danjikú
macho-menina
tira entranha
do crente
demente.
Dakemin
dança a dança
do sol.
Dakemin
dança a dança
do lua.
Dakemin
dança a dança
em mim.

Arroboboi Oxumarê!
OMOLU

Primeiro ponto

Xapanã
tem olhos
terríveis
dança opanijé
Atotoó
Obaluaê
com sua dança
espalha seu poder.

Xapanã
tem dentes
terríveis
dança opanijé
Atotoó
Obaluaê
com sua dança
espalha seu poder.

Xapanã
tem poderes
terríveis
dança opanijé
Atotoó
Obaluaê
com sua dança
espalha seu poder.

Xapanã
nunca mostra
o rosto
dança opanijé
Atotoó
Obaluaê
com sua dança
espalha seu poder.

Xapanã
senhor de todos
os mistérios
dança opanijé
Atotoó
Obaluaê
com sua dança
espalha seu poder.
Atotoó Obaluaê!

Segundo ponto

Omolu
Omolu Obaluaê
filho de Nanã
Buruku
senhor de olhos
faiscantes
fustiga o fascista
com flechas de flama.

Omolu
Omolu Obaluaê
filho de Nanã
Buruku
senhor de olhos
faiscantes
cura os pobres
de todas doenças.

Omolu
Omolu Obaluaê
filho de Nanã
Buruku
senhor de olhos
faiscantes
castiga os ricos
com todas doenças.

Omolu
Omolu Obaluaê
filho de Nanã
Buruku
senhor de olhos
faiscantes
sacia a fome
de teus filhos.

Omolu
Omolu Obaluaê
filho de Nanã
Buruku
senhor de olhos
faiscantes
multiplica a fome
dos ricos infames.

Atotoó Obaluaê!
Terceiro ponto

Obaluaê
senhor das palhas
aquele que dança
vestido de palhas.

Obaluaê
senhor dos feitiços
aquele que dança
fazendo feitiços.

Obaluaê
senhor dos exus
fulmina fascistas
na roda de exus.

Obaluaê
senhor das caveiras
devora burgueses
da tíbia às caveiras.

Obaluaê
senhor das palhas
esteja conosco
em nossa batalha.

Atotoó Obaluaê!
NANÃ

Nanã Ybain
aquela-que-vem-
vestida-de-roxo-

Nanã Ybain
aquela-que-vem-
dançando-de-roxo-

Nanã Ybain
aquela-que-vem-
vestida-de-sangue-

Nanã Ybain
aquela-que-vem-
dançando-de-sangue-

Nanã Ybain
aquela-que-leva-
-sempre-o-cajado-

Nanã Ybain
mãe-terrível-que-
nos-apavora-

Nanã Ybain
mãe-terrível-que-
nos-consola-

Nanã Ybain
aquela-que-mata-
e-come-carne-crua-

Nanã Ybain
mãe-terrível-que-
nos-apavora-

Nanã Ybain
mãe-terrível-que-
nos-consola-

Nanã Ybain
aquela-que-é-dona-
da-lagoa-escura-

Nanã Ybain
mãe-terrível-que-
nos-apavora-
Nanã Ybain
mãe-terrível-que-
nos-consola-

Nanã Ybain
aquela-que-sabe-
quem-nasce-

Nanã Ybain
aquela-que-sabe-
quem-morre-

Nanã Ybain
mãe-terrível-que-
nos-apavora-

Nanã Ybain
mãe-terrível-que-
nos-consola-

Nanã Ybain
aquela-que-
protege-o-avô-

Nanã Ybain
aquela-que-
protege-a-avó-

Nanã Ybain
mãe-terrível-que-
nos-apavora-

Nanã Ybain
mãe-terrível-que-
nos-consola-

Salubá Nanã, axé!


EWÁ

Primeiro ponto

Antes de a cobra
parir
Ewá já sabe.

Antes de o vento
parar
Ewá já sabe.

Antes de a unha
cair
Ewá já sabe.

Antes de o olho
cegar
Ewá já sabe.

Antes que a girafa


acasale
Ewá já sabe.

Antes de a faca
cortar
Ewá já sabe.

Ìyá Wa Yewá
o que já foi
Ewá conhece.

Ìyá Wa Yewá
o que será
Ewá conhece.

Ìyá Wa Yewá
orixá que dança
com espada e ofá.

Ìyá Wa Yewá
dança ilu
dança bravun.

Ìyá Wa Yewá
filha-esposa
de Oxumaré.

Ri Ro Ewá!
Segundo ponto

Ìyá Wa Yewá
dona do rio
de água escura.

Ìyá Wa Yewá
dona da mata
inexplorada.

Ìyá Wa Yewá
dona da dança
inalcançável.

Ri Ro Ewá!
IROKO

Iroko Issó
é-menor-
do-que-a-
casca-da-
ervilha.

Iroko Issó
é-maior-
do-que-a-
sombra-
do-sol.

Iroko Issó
é-mais-sutil-
do-que-a-
curva-do-
vento.

Iroko Issó
é-mais-espesso-
do-que-o-
pêlo-da-
jumenta.

Iroko Issó
move-a-mão-
esquerda-
e-o-deserto-
vira-mar.

Iroko Issó
move-a-mão-
direita-
e-o-mar-
vira-deserto.

Irokô Issó
o-que-veio-
primeiro-
antes-do-rio-
e-da-estrela.

Irokô Issó
o-que-veio-
primeiro-
antes-da-lua-
e-da-gazela.
Irokô Issó
senhor-
do-tempo-
que-nunca-
começa.

Irokô Issó
senhor-
do-tempo-
que-nunca-
termina.

Iroko Issó!

Eró! Iroko Kissilé!


IBEJI

Primeiro ponto

Mamãe
me dê
cocada.

Mamãe
me dê
cuscuz.

O erê, o erê,
onde está
o erê?

Mamãe
me dê
queijada.

Mamãe
me dê
caruru.

O erê, o erê,
onde está
o erê?

Mamãe
me dê
refresco.

Mamãe
me dê
manjar.

O erê, o erê,
onde está
o erê?

Orixá Erê —
Bejiróó!

Segundo ponto

Feitiço
de orixá
Ibeji
sabe fazer.
Feitiço
de orixá
Ibeji
vai desfazer.

Feitiço
de Ibeji
ninguém
vai desfazer.

Orixá Erê —
Bejiróó!

Terceiro ponto

Sem Ibeji
não tem
terreiro.

Sem Ibeji
não tem
axé.

Ibeji é um
e dois.

Ele ouve
os homens.

Ele ouve
os orixás.

B’eji B’eji’re
B’eji B’eji’la
B’eji B’ejiwo Iba
Omo ire Àse.

Orixá Erê —
Bejiróó!
OXALÁ

Oxalufon —
aquele-que-caminha-
na-areia-
mestre dos corcundas
Obatalá —
aquele-que-come-
caracol-
forte como touro branco
Onírinjà —
aquele-que-nunca-
se-esquece-
faz o mentiroso
ficar surdo.
Ọbaníjìta —
aquele-que-nunca-
se-esquece-
faz o mentiroso
ficar mudo.
Olufón —
aquele-que-grita-
quando-acorda-
livra a filha
da armadilha.
Òòsàálá —
aquele-que-come-
rato-e-peixe
faz a moça estéril
embarrigar.
Olúorogbo —
aquele-que-fulmina-
fascista-
faz tucano virar
farelo.
Orixanlá —
aquele-que-se-veste-
de-branco
aquele-que-canta-
vestido-de branco
aquele-que-dança-
vestido-de-branco
aquele-que-é-dono-
da-xota-de-Iemanjá
— Òrìşáko!

Epa Bàbá!
GLOSSÁRIO

Abebé, leque em forma circular usado por Oxum.

Afefê Ikú Funã, “senhora do fogo e dos ventos da morte”.

Aganju, um dos nomes ou qualidades de Xangô.

Agbô, um dos nomes ou qualidades de Exu.

Akemin, um dos nomes ou qualidades de Oxumaré.

Akoko pe ilê gbê a oiô, trecho de um oriki dedicado a Iemanjá.

Akueran, um dos nomes ou qualidades de Oxossi.

Alafim de Oió, epíteto de Xangô. Significa: “soberano (alafim) do reino de Oió”.

Alaketo-ê / Ala Ni Mala / Ala Ni Mala / okê, versos cantados por Oxumaré ao solicitar
permissão para ingressar no palácio de Oxum.

Alujá, dança de Xangô.

Ará, cidade destruída por Ogum.

Arroboboi!, saudação de Oxumaré.

Atotoó Obaluaê, saudação de Omolu.

Auá abô aio, trecho de um oriki dedicado a Iemanjá.

Axé, o poder específico de cada orixá.

Babá Ewé, um dos nomes ou qualidades de Ossain.


Bakilá, um dos nomes ou qualidades de Oxumaré.

Bará, um dos nomes ou qualidades de Exu.

B’eji B’eji’re B’eji B’eji’la B’eji B’ejiwo Iba Omo ire Àse, citação de um oriki de
Ibeji que significa, literalmente: “Dar a luz aos gêmeos traz fortuna boa / Dar a luz aos
gêmeos traz abundância / Dar a luz aos gêmeos traz dinheiro / Elogiar as crianças das
coisas boas / Axé”.

Bravun, dança de Ewá.

Buruku, um dos nomes ou qualidades de Nanã. “Nanã Buruku” significa, literalmente,


“velha divindade”.

Dakemin, um dos nomes ou qualidades de Oxumaré.

Danjikú, um dos nomes ou qualidades de Oxumaré.

Djê djê (ou jê jê), uma das comunidades étnicas e linguísticas do Benim.

Eeparrei!, saudação de Iansã.

Ekiti efon, reino de Oxum.

Elegbará, um dos nomes ou qualidades de Exu.

Eliri ipin, um dos nomes ou qualidades de Oxumaré. Segundo Pierre Fatumbi Verger,
significa “testemunha do destino dos homens”.

Epa Bàbá!, saudação de Oxalá.

Epá Oju Olorum!, saudação de Orunmilá.


Erê, em ioruba, significa “brincar”. Ele é o intermediário entre o ser humano e o seu
orixá. É por meio do erê que o orixá manifesta a sua vontade e que o iniciado aprende as
danças e ritos específicos do seu orixá.

Eru wawá!, saudação de Logunedé.

Exu, orixá masculino que rege o princípio da transformação na natureza e no homem.


Suas cores são o preto e o vermelho. O cristianismo associou esse orixá ao demônio, o
que não corresponde à sua natureza, que não é totalmente boa ou má. Exu fala todas as
línguas e é o responsável pela comunicação entre os orixás, o Orum e o mundo dos
homens. Sua saudação é Laroyê!

Ewá, orixá feminino que rege as matas e lagos desconhecidos e inexplorados, é


associada à castidade, ao desconhecido, aos vaticínios. Suas cores são o vermelho-vivo,
coral e rosa e a sua saudação é Ri Ro Ewá!

Ewé ó!, saudação de Ossain.

Iagbá odê irê Xe, trecho de um oriki dedicado a Iemanjá.

Iansã, orixá feminino que rege os ventos, tempestades e associada aos espíritos dos
mortos. Suas cores são o marrom, vermelho-escuro, prata, rosa e branco e a sua
saudação, Eeparrei!

Ibá Olodumaré, “eu saúdo Olodumaré”.

Ibá Orunmilá, “eu saúdo Orunmilá”.

Ibeji, orixás gêmeos, masculinos, representados como crianças. Eles regem a alegria, a
inocência, a pureza, as travessuras. Os ibejis são capazes de fazer e desfazer os mesmos
feitiços que os outros orixás, mas feitiços de Ibeji, nenhum orixá pode desfazer. Suas
cores são o rosa e verde a sua saudação, Bejiróó!

Iemanjá, orixá feminina que rege os mares e oceanos, é associada à maternidade. Seu
nome significa “mãe cujos filhos são peixes”. Suas cores são o azul-claro, o branco e o
verde-claro e a sua saudação é Odóyá!

Ifá, o jogo de búzios.


Ifé, reino de Ogum.

Ijexá, reino de Oxum.

Ilu, dança de Ewá.

Irê, cidade destruída por Ogum.

Iroko, orixá masculino que rege as árvores sagradas e representa o tempo. Suas cores
são o verde, o branco e o castanho e a sua saudação, Iroko Issó! Eró!Iroko Kissilé!

Iroko Issó! Eró! Iroko Kissilé!, saudação de Iroko.

Issó, um dos nomes ou qualidades de Iroko.

Ìyá Wa Yewá, um dos nomes ou qualidades de Ewá.

Janaína, um dos nomes ou qualidades de Iemanjá.

Kaforidan, um dos nomes ou qualidades de Oxumaré.

Katendê, um dos nomes ou qualidades de Ossain.

Kawó Kabiesilé!, saudação de Xangô.

Lagunã, um dos nomes ou qualidades de Exu.

Larôye Exu, saudação de Exu.

Legbá, um dos nomes ou qualidades de Exu.

Logunedé, orixá masculino que rege os rios dentro das florestas. Filho de Oxum e
Oxossi, suas cores são o dourado e o azul-turquesa.
Marabô, uma das manifestações de Exu.

Mejejê, um dos nomes ou qualidades de Ogum.

Melekê, um dos nomes ou qualidades de Exu.

Molamolá, um dos nomes ou qualidades de Ogum.

Nanã, orixá feminino que rege os pântanos, a lama e o fundo das águas. Suas cores são
o lilás, o azul e o branco e a sua saudação, Salubá Nanã, axé!

Obá, orixá feminino que rege a água, associada ao trabalho doméstico e ao poder da
mulher. Suas cores são o vermelho e o dourado e a sua saudação, Obà Siré!

Oba Arainã, um dos nomes ou qualidades de Xangô.

Oba Lubê, um dos nomes ou qualidades de Xangô.

Obakossô, um dos nomes ou qualidades de Xangô.

Oba-Orungá, um dos nomes ou qualidades de Xangô.

Obà Siré!, saudação de Obá.

Obaluaê, um dos nomes ou qualidades de Omolu.

Ọbaníjìta, um dos nomes ou qualidades de Oxalá.

Obatalá, um dos nomes ou qualidades de Oxalá.

Òbò mèjá, literalmente, “vagina pensante”.

Odé, orixá guerreiro e caçador que vive na floresta.


Odoyá Iemanjá!, saudação de Iemanjá.

Ofá, arco-e-flecha.

Ogum Megê, um dos nomes ou qualidades de Ogum.

Òké Aro! Arolé!, saudação de Oxossi.

Ogum, orixá masculino que rege a metalurgia, a tecnologia, a guerra. Suas cores são o
azul-escuro, o verde e o branco.

Ògún ieé!, saudação de Ogum.

Ogundelê, um dos nomes ou qualidades de Ogum.

Ogunté, um dos nomes ou qualidades de Iemanjá.

Ọlọbà, um dos nomes ou qualidades de Oxalá.

Olokum, orixá masculino relacionado ao mar. É andrógino e o seu corpo é metade


homem, metade peixe. Misterioso e violento, simboliza os segredos do fundo do mar.

Olorum é o orixá supremo, criador do universo, também conhecido como Olodumaré.


Ele não interfere diretamente na criação, atribuindo essa responsabilidade aos demais
orixás.

Olosá, orixá masculino que rege as lagoas, que provê abundância de peixes a seus
devotos.

Olossá, um dos nomes ou qualidades de Iemanjá.

Oluaxô, um dos nomes ou qualidades de Xangô.

Olúọfin, um dos nomes ou qualidades de Oxalá.


Olúorogbo, um dos nomes ou qualidades de Oxalá.

Omolu, orixá masculino que rege as doenças e a cura. Suas cores são o vermelho, o
branco e o preto, além do capuz de palha e a sua saudação, Atotoô Obaluaê!

Ondó, um dos nomes ou qualidades de Ogum.

Oniré, um dos nomes ou qualidades de Ogum. Significa, segundo Pierre Verger, “rei de
Irê”.

Onírinjà, um dos nomes ou qualidades de Oxalá.

Òòsàálá, uma das grafias do nome de Oxalá.

Opanijé, nome da dança de Omolu. Significa, segundo Pierre Verger, “ele mata
qualquer um e o come”.

Ora iê iê ô!, saudação de Oxum.

Òrìşáko, uma das grafias do nome de Oxalá.

Orum, o mundo dos mortos.

Orunmilá, orixá masculino que rege a adivinhação, associado ao jogo de búzios, ou ifá.
Suas cores são o branco e o marrom e a sua saudação, Epá Oju Olorum!

Ossain, orixá masculino que rege a vegetação, conhece os nomes e poderes (axé) de
cada folha. Suas cores são o verde e o branco. Sua saudação é Ewé ó!

Ossanhê, um dos nomes ou qualidades de Ossain.

Oyá, um dos nomes ou qualidades de Iansã.

Oxalá, orixá masculino responsável pela criação dos homens. Rege o pensamento. Sua
cor é o branco. Saudação: Epa Bàbá
Oxalufon, um dos nomes ou qualidades de Oxalá.

Oxossi, orixá masculino que rege a caça e habita a floresta. Suas cores são o azul-
turquesa e o verde. Sua saudação é Òké Aro!!! Arolé!

Oxum, orixá feminino que rege as águas doces, associada ao amor e à fertilidade. Suas
cores são o amarelo e o dourado. Sua saudação é Òóré Yéyé ó!

Oxum ibu anyá, “Oxum dos tambores”.

Oxumaré, orixá masculino que rege o arco-íris. É andrógino. Suas cores são o amarelo,
o verde e o preto. Sua saudação é Arroboboi!

Ri Ro Ewá!, saudação de Ewá.

Salubá Nanã, axé!, saudação de Nanã.

Xangô, orixá masculino que rege o trovão, associado à justiça. Suas cores são o
vermelho, o marrom e o branco.

Xapanã, um dos nomes ou qualidades de Omolu.

Yabá, um dos nomes ou qualidades de Nanã.

Ya Omo Ejá, um dos nomes ou qualidades de Iemanjá.


SOBRE O AUTOR

Claudio Daniel, pseudônimo de Claudio Alexandre de Barros Teixeira, é poeta,


tradutor e ensaísta. Nasceu em 1962, em São Paulo (SP), onde se formou em
Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Cursou o
mestrado e o doutorado em Literatura Portuguesa na Universidade de São
Paulo, onde defendeu a tese A recepção da poesia japonesa em Portugal. Em 2001,
recebeu o prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira, oferecido pela revista
CULT. Em 2007, foi selecionado para o Programa Rumos Literatura,
promovido pelo Itaú Cultural, e em 2009 recebeu a bolsa de criação literária
oferecida pela Funarte. Organizou os eventos literários internacionais Galáxia
Barroca e Kantoluanda, em 2006, em São Paulo, e foi um dos curadores do
festival Tordesilhas, Festival Ibero-Americano de Poesia Contemporânea, realizado em
2007, na cidade de São Paulo, e do Tordesilhas, Poetas de Língua Portuguesa,
realizado em 2010, em Lisboa. É editor da revista eletrônica de poesia e
debates Zunái (www.zunai.com.br) e mantém o blog Cantar a Pele de Lontra
(http://cantarapeledelontra.blogspot.com). Foi curador de Literatura e Poesia
no Centro Cultural São Paulo entre os anos de 2010 e 2014. Atualmente, é
professor de Literatura Portuguesa e colunista da revista CULT.
Livros publicados:

Poesia:

Sutra (edição do autor, 1992)

Yumê (Ciência do Acidente, 1999)

A sombra do leopardo (Azougue, 2001)

Figuras metálicas (Perspectiva, 2005)

Fera bifronte (Lumme Editor, 2008)

Cores para cegos (Lumme Editor, 2013)

Cadernos bestiais, volume I (Lumme Editor, 2015)

Esqueletos do nunca (Lumme Editor, 2015)

Em Portugal:

Escrito em Osso (Cosmorama, 2008)

Antologia da poesia brasileira do início do terceiro milênio (07 Dias, 06 Noites, 2008)

Ficção:

Romanceiro de dona Virgo (Lamparina, 2004)

Tradução:

Geometria da água e outros poemas, de José Kozer (Fundação Memorial da América


Latina, 2000, em colaboração com Luiz Roberto Guedes)

Estação da fábula, de Eduardo Milan (Fundação Memorial da América Latina, 2002).

Madame Chu e outros poemas, de José Kozer (Travessa dos Editores, 2003, em
colaboração com Luiz Roberto Guedes)

Prosa do que esta na esfera, de Leon Felix Batista (Olavobrás, 2003, em parceria com
Fabiano Calixto).

Jardim de camaleões, A poesia neobarroca na América Latina (Iluminuras, 2004).


Sunyata e outros poemas, de Victor Sosa (Lumme Editor, 2006).

Shakti, de Reynaldo Jiménez (Lumme Editor, 2006).


Íbis amarelo sobre fundo negro, de José Kozer (Travessa dos Editores, 2006, em
colaboração com Luiz Roberto Guedes e Virna Teixeira).

Antologias:

Na virada do século, poesia de invenção no Brasil (Landy, 2002, em colaboração com


Frederico Barbosa).

Perfectos extraños. Seis poetas de Brasil. Antologia de poetas brasileiros contemporâneos,


em versão bilíngüe, com traduções ao espanhol por Eduardo Milan (revista El Poeta
y su Trabajo n. 15, Primavera / 2004, México).

O arco-íris de Oxumaré. Antologia de poetas brasileiros contemporâneos, em versão


bilíngüe, com traduções ao espanhol por Reynaldo Jiménez, Manuel Ulacia e outros
(revista Homúnculus n. 3, Verão / 2004, Peru).

Todo comienzo es involuntario. Ocho poetas jóvenes brasileños. Antologia bilíngüe com
traduções de Leo Lobos (revista El Navegante n. 2, Verão, 2007, Chile).

Ovi-sungo, Treze poetas de Angola (Lumme Editor, 2007).

Na internet:

Zunái, Revista de Poesia e Debates: www.revistazunai.com.br

Claudio Daniel Home Page: www.revistazunai.com.br/zunai

Cantar a Pele de Lontra (blog), http://cantarapeledelontra.zip.net

Organização de eventos:

Encontros de Interrogação, encontro promovido pelo Itaú Cultural, em São Paulo, nos
anos de 2004 e 2007.

Galáxia Barroca, encontro internacional de poesia realizado na Casa das Rosas em


maio/2006, que reuniu o poeta uruguaio Victor Sosa, o argentino Reynaldo
Jiménez e os brasileiros Horácio Costa e Claudio Daniel para a leitura de poemas e
o lançamento dos livros Sunyata e Shakti.

Kantoluanda, Poetas Angolanos em São Paulo, realizado na Casa das Rosas em


setembro/2006, que reuniu os poetas Conceição Cristóvão e Abreu Paxe, para um
debate com o público e leitura de poemas.
Tordesilhas, Festival Ibero-Americano de Poesia Contemporânea, promovido pela Caixa
Econômica Cultural, em São Paulo, em 2007.

AUREAMUSARONDINAALÚVIA, Um Tributo à Poesia Concreta, realizado na


Casa das Rosas e na Universidade de São Paulo, em 2008.

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