Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1295-Texto Do Artigo-3461-1-10-20090314 PDF
1295-Texto Do Artigo-3461-1-10-20090314 PDF
EM A PELE DE ONAGRO
-69-
livros que pertencem a esse gênero, A pele de onagro ocupa,
sem dúvida alguma, o lugar mais importante.
-70-
Vidente, visionário, são as palavras empregadas nes-
sas considerações; na verdade, em Balzac, não se pode separar
a experiência externa da experiência interna. De acordo com
Castex (1962, p. 169), o escritor orgulhava-se de possuir esse
dom “de segunda vista” que, segundo ele, é o tesouro comum a
todos os poetas e a todos os verdadeiros f i l ó s o f o s .
Deliberadamente, fez aparecerem na Comédia humana seus
estudos filosóficos no mesmo plano que os estudos dos cos-
tumes. Sonhou pintar o homem, não apenas nas relações que
m a n t é m com seus semelhantes, mas em suas relações com
d e m ô n i o s e anjos, em busca do Absoluto; ou seja, paralela-
mente a uma verdade psicológica, procurou uma verdade
mística.
-71 -
ma do Desejo, da Beleza, do Conhecimento. Esse frenesi de
poder é um dos temas mais freqüentes dos Estudos filosófi-
cos (Melmoth apaziguado, A procura do Absoluto, O elixir
de longa vida, etc), dos quais faz parte A pele de onagro.
A c o n s c i ê n c i a da morte p r ó x i m a restituiu p o r
u m m o m e n t o a o rapaz a t r a n q ü i l i d a d e d u m a
d u q u e s a que t e m dois amantes e ele e n t r o u na
loja d e curiosidades c o m u m a atitude d e s e m -
b a r a ç a d a , e x i b i n d o nos l á b i o s u m sorriso i m ó -
v e l c o m o o dos é b r i o s . N ã o estava ele e m b r i a -
g a d o d a v i d a , o u , talvez, d a m o r t e ? ( B a l z a c ,
1992, p. 29-30)
-72-
I m a g i n e m u m velhote seco e magro, c o m u m
r o u p ã o de v e l u d o preto amarrado na cintura p o r
u m grosso c o r d ã o d e seda. N a c a b e ç a , u m bar-
rete de v e l u d o igualmente preto deixava esca-
par, de cada lado do rosto, longas mechas de
cabelos brancos [...]. O r o u p ã o e n v o l v i a o c o r -
p o c o m o n u m a vasta m o r t a l h a e n ã o deixava
ver outra f o r m a h u m a n a a l é m d e u m rosto fino
e p á l i d o . Se n ã o fosse o b r a ç o descarnado, que
parecia u m a vara coberta c o m u m a fazenda, e
que o velhote m a n t i n h a levantado para projetar
sobre o rapaz toda a claridade do l a m p i ã o , aquele
rosto pareceria suspenso n o ar. U m a barba c i n -
zenta e cortada em p o n t a escondia o q u e i x o da-
quele ser estranho [...],
-73-
i m a g e m do Padre E t e r n o ou a m á s c a r a de e s c á r -
n i o do M e f i s t ó f e l e s , pois nele havia, simultane-
amente, u m a suprema energia na fronte e um
sinistro sarcasmo na boca. (Balzac, 1992, p. 39-
40)
S e m e p o s s u í r e s , t u d o p o s s u i r á s . M a s tua
v i d a me p e r t e n c e r á . D e u s assim o quis. Deseja,
e teus desejos s e r ã o satisfeitos. M a s regula teus
desejos pela tua vida. E l a e s t á aqui. A cada de-
sejo, decrescerei, c o m o os teus dias. Queres-me?
T o m a . D e u s t e a t e n d e r á . A s s i m seja! (Balzac,
1992, p. 45)
-74-
O rapaz pergunta se aquilo é uma brincadeira, um
mistério, ao que o velho retruca:
-75-
na do s é c u l o no q u a l , segundo se d i z , tudo se
a p e r f e i ç o o u ! Q u e os meus c o n v i v a s sejam jo-
vens, inteligentes e livres de preconceitos, ale-
gres a t é a loucura! Q u e os v i n h o s se sucedam
cada v e z mais picantes, mais espumantes, e que
t e n h a m f o r ç a s para nos embriagar p o r t r ê s dias!
Q u e esta noite seja adornada de mulheres ar-
dentes! Q u e r o a L u x ú r i a em d e l í r i o [...]. O r d e -
no, pois, a este sinistro p o d e r que me funda
todas as alegrias n u m a ú n i c a alegria. S i m , quero
estreitar os prazeres do c é u e da terra n u m der-
radeiro a b r a ç o para dele m o r r e r . (Balzac, 1992,
p. 48-9)
-76-
homem riquíssimo que para tal não hesitou em assassinar pes-
soas, e que é nomeado em O Pai Goriot. O jantar é uma verda-
deira orgia: excesso de comida, de bebida, de riqueza e de mu-
lheres que logo revelam o cinismo desencantado da prostituta:
-77-
c l a r a ç õ e s de a m o r capazes de satisfazer o m e u
o r g u l h o ; encontrei h o m e n s cuja a f e i ç ã o era t ã o
sincera e t ã o p r o f u n d a que se casariam c o m i g o ,
m e s m o que e u n ã o fosse mais que u m a m o ç a
p o b r e c o m o outrora. Saiba finalmente, sr. de
V a l e n t i n , que novas riquezas e n o v o s t í t u l o s me
t ê m sido oferecidos; mas fique sabendo t a m -
b é m que n u n c a tornei a v e r as pessoas que tive-
r a m a infeliz i n s p i r a ç ã o de me falar em amor.
-78-
empobrecida, como Rafael, é o responsável pela introdução
deste na sociedade parisiense, onde conseguiu firmar-se. Im-
pressiona Rafael por sua experiência e pela opulência que
conquistara com sua habilidade:
-79-
ralidade no leito, nas paredes, em toda parte.
[...] E r a o q u a r t o d e u m j o g a d o r o u d e u m
e s t r ó i n a cujo l u x o é exclusivamente pessoal, que
vive de s e n s a ç õ e s e n ã o se preocupa muito c o m
as i n c o e r ê n c i a s . [...] A v i d a mostrava-se ali c o m
suas lantejoulas e seus andrajos, i m p r e v i s t a , i n -
c o m p l e t a c o m o é na realidade, mas v i v a , fan-
t á s t i c a c o m o n u m acampamento o n d e o s s o l -
dados p i l h a r a m t u d o quanto e n c o n t r a r a m de
seu agrado. U m B y r o n sem poemas ateara f o g o
à lareira de um rapaz que arrisca no jogo m i l
francos e n ã o t e m u m a acha de lenha, que anda
de t í l b u r i e n ã o p o s s u i u m a c a m i s a i n t e i r a e
u s á v e l . N o dia seguinte, u m a condessa, u m a atriz
o u u m a parada d o jogo lhe d ã o u m e n x o v a l d e
rei. (Balzac, 1992, p. 153)
-80-
Desejos e sonhos que passam, entretanto, a reali-
zar-se; querendo experimentar a veracidade do poder da pele
de onagro e a sua conseqüente retração, simbolizando a di-
minuição de sua vida, Rafael exprime o desejo de ter duzen-
tos m i l francos de renda. No dia seguinte, um tabelião procu-
ra-o para lhe dar a notícia de que recebeu uma grande heran-
ça; “Rafael olhou três vezes para o talismã” (Balzac, 1992,
p. 168), que diminuíra consideravelmente, assinalando, as-
sim, seu funesto poder.
m u d o escapava da f a n t á s t i c a p e r s o n a g e m e se
-81 -
u m a dentadura p o s t i ç a . E s s e riso revelou à i m a -
g i n a ç ã o ardente de Rafael as impressionantes
s e m e l h a n ç a s daquele h o m e m c o m a c a b e ç a ideal
que os pintores deram ao Mefistófeles de G o e t h e .
U m a infinidade de s u p e r s t i ç õ e s assaltou a alma
forte de Rafael, fazendo-o acreditar no poder do
d e m ô n i o [...]. (Balzac, 1992, p. 182-3)
- Desculpe-me, senhor m a r q u ê s , p o r v i r
-82-
marinha! A q u i está! D e v e estar m u i t o acostu-
m a d a à á g u a , pois n ã o se achava m o l h a d a n e m
m e s m o ú m i d a . [...]
E o jardineiro m o s t r o u a Rafael a i n e x o r á v e l
pele de onagro, que já n ã o t i n h a mais de seis
polegadas quadradas de s u p e r f í c i e . (Balzac,
1992, p. 193)
- C o m o ! — [exclama], q u a n d o [fica] a s ó s —
n u m s é c u l o d e luzes e m que aprendemos que
os diamantes s ã o os cristais do c a r v ã o , n u m a
é p o c a em que tudo se explica, [...] eu iria acre-
ditar, eu! [...] N ã o , p o r D e u s ! [...] V a m o s c o n -
sultar os s á b i o s . (Balzac, 1992, p. 194)
-83-
doença material e uma doença espiritual, uma vez que não
podem manifestar sua ignorância em relação ao mal de que
sofre o rapaz. Horácio Bianchon, outro personagem recor-
rente da Comédia humana, pensionista da pensão Vauquer
em O Pai Goriot, quando era estudante de medicina, parece
ser o único a preocupar-se realmente com a saúde de Rafael,
ao mesmo tempo em que constata a impossibilidade de um
diagnóstico preciso: “Há no fundo da medicina, como em
todas as ciências, uma negação. Trata, pois, de viver pru-
dentemente e tenta uma viagem à Sabóia; o melhor é e será
sempre confiar na natureza” (Balzac, 1992, p. 218), diz ele.
S o n d a n d o , assim, o s c o r a ç õ e s , p ô d e d e c i -
frar seus pensamentos mais secretos; sentiu hor-
r o r da sociedade, da sua cortesia, do seu v e r n i z .
R i c o e dotado de um e s p í r i t o superior, era i n -
vejado, odiado; seu s i l ê n c i o burlava a c u r i o s i -
dade, sua m o d é s t i a parecia altivez à q u e l a s pes-
soas mesquinhas e superficiais. P e r c e b e u o cri-
me latente, i r r e m i s s í v e l , de que era c u l p a d o para
c o m eles; escapava à j u r i s d i ç ã o da sua m e d i o -
cridade. [...] para se vingar daquela realeza clan-
destina, todos se h a v i a m instintivamente u n i d o
-84-
para fazer-lhe sentir seu p o d e r , s u b m e t ê - l o a
um certo ostracismo e ensinar-lhe que eles tam-
b é m p o d i a m dispensar a sua p r e s e n ç a . (Balzac,
1992, p . 2 2 0 )
-85-
sua glória; mas, à m e d i d a que crescia aquele de-
sejo, a pele de onagro, contraindo-se, fazia-lhe
c ó c e g a s n a m ã o . (Balzac, 1992, p . 2 4 3 )
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
-86-