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Endocrinologia, Oncologia,

Hematologia e Distúrbios
Imunorrelacionados

Brasília-DF.
Elaboração

Wellington Augusto Sinhorini


Raquel Reis Martins

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
ENDOCRINOLOGIA................................................................................................................................ 9

CAPÍTULO 1
DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS......................................................................................................... 9

UNIDADE II
HEMATOLOGIA..................................................................................................................................... 93

CAPÍTULO 1
HEMATOLOGIA E DISTÚRBIOS IMUNORRELACIONADOS............................................................ 93

UNIDADE III
ONCOLOGIA..................................................................................................................................... 116

CAPÍTULO 1
ONCOGÊNESE NOS FELINOS ............................................................................................... 116

REFERÊNCIAS................................................................................................................................. 154
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
O sistema endócrino é um dos sistemas integradores, permitindo a interação das
várias células do corpo entre si e com o meio ambiente. Corresponde ao conjunto de
glândulas endócrinas, relacionadas à produção de mensageiros químicos transportados
pelo sangue, os hormônios. Já a hematologia estuda os elementos figurados do sangue:
hemácias (glóbulos vermelhos), leucócitos (glóbulos brancos) e plaquetas; além da sua
produção, órgãos onde eles são produzidos e suas funções. A oncologia é um ramo da
ciência médica que lida com tumores. O estudo da oncologia está voltado para a forma
como o câncer se desenvolve no organismo, seus meios de diagnóstico, bem como qual
tratamento mais adequado para cada tipo de neoplasia.

Os assuntos abordados estão apresentados segundo uma sequência pedagógica e


envolvem uma introdução e breve histórico sobre cada assunto dentro dos temas
propostos. Também serão abordados aspectos clínicos, diagnóstico e tratamento, além
de breves explicações quanto as fisiopatologias das doenças. Para melhor entendimento
e compreensão, serão apresentados esquemas, quadros e figuras.

Objetivos
»» Promover a atualização de profissionais em Medicina Veterinária na área
de Endocrinologia, de acordo com as tendências atuais do mercado, a
fim de capacitá-los como Especialistas em Endocrinologia em Medicina
Veterinária, estudando e reconhecendo os principais Distúrbios
Endócrinos, envolvendo hipotálamo, hipófise, paratireoide, tireoide e
adrenal.

»» Estudar e reconhecer os principais Distúrbios Oncológicos, com suas


características metastáticas, síndromes e acometimentos sistêmicos.

»» Estudar e reconhecer os principais Distúrbios Hematológicos e seus


distúrbios, desde sua formação, função e alterações que podem ocorrer
quando a alguma patogenia.

»» Compreender sinais associados aos distúrbios, métodos de diagnóstico


e tratamentos adequados a essas afecções anteriormente mencionadas.

»» Compreender a importância do profissional Médico-Veterinário na


atuação clínica frente aos problemas dos distúrbios descritos.
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ENDOCRINOLOGIA UNIDADE I

CAPÍTULO 1
Distúrbios endócrinos

Breve histórico
A história da endocrinologia se inicia com Aristóteles, 322 a.C., que relatou os efeitos
da castração nas aves e no homem, e embora sem compreender o mecanismo, fez a
primeira alusão à atividade hormonal.

Órgãos endócrinos são aqueles capazes de produzir hormônios, estando distribuídos por
todo corpo dos animais e de diversas apresentações. Embora já conhecidos há muito
tempo, suas funções e os mecanismos de controle de sua secreção eram desconhecidos
até 100 anos atrás. No século XX, o conhecimento da endocrinologia começa seus
rápidos avanços, e o termo hormônio (do grego excitar), foi proposto para denominar
a substância produzida em um órgão endócrino e transportada no sangue para exercer
sua ação em outro órgão. Já o termo endócrino vem do grego endo: em, dentro, e
krinein: liberar, ou seja, liberar ou secretar dentro do organismo.

Hormônios e principais glândulas endócrinas


De forma geral, os hormônios são modificadores ou moduladores das reações enzimáticas
do metabolismo, embora também participem em outras funções específicas tais como
crescimento celular e tissular, regulação do metabolismo, regulação da frequência
cardíaca e da pressão sanguínea, função renal, eritropoiese, motilidade do trato
gastrointestinal, secreção de enzimas digestivas e de outros hormônios, lactação e
atividade do sistema reprodutivo.

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Sempre atuando por meio de receptores específicos, os hormônios estão presentes


unicamente em suas respectivas células-alvo, pois os receptores são proteínas que têm
sítios de união aos quais se ligam os hormônios com bastante especificidade e afinidade.
O número de receptores varia em cada tipo de célula, variando, portanto, o grau da
resposta de cada célula à ação hormonal.

Atualmente vários tipos de hormônios já foram descritos (mais de 50), com diferentes
características quanto a sua forma de síntese, armazenagem, meia-vida, forma de
transporte no sangue e mecanismo de ação.

Existem quatro principais categorias químicas (classe molecular) de hormônios:


polipeptídicos ou proteicos, variam desde três até 200 resíduos de aminoácidos.
Inicialmente produzidos como grandes hormônios, são posteriormente convertidos
no hormônio original dentro da célula (em grânulos secretórios ou vesículas) antes
da sua secreção; esteroidais, derivados do colesterol, produzidos pelo córtex adrenal,
gônadas e placenta; derivados de aminoácidos (aminas), produzidas pela medula
adrenal e algumas células nervosas, incluem as catecolaminas e as iodotironinas;
e por fim eicosanoides, que incluem as prostaglandinas, os leucotrienos e os
tromboxanos, compostos derivados do ácido araquidônico e produzidos em quase
todos os tecidos.

Quanto a naturezas químicas, os hormônios podem ser hidrofílicos, aqueles que têm
fácil trânsito pelo sangue circulando de forma livre; e os lipofílicos, que necessitam
do auxílio de proteínas transportadoras condicionando solubilidade temporária a estes
hormônios no sangue.

A secreção dos mensageiros químicos media a comunicação entre as células, sendo estes
classificados em quatro tipos: Quando uma célula secreta um mensageiro químico para
atuar em seus próprios receptores, como por exemplo a produção do fator de crescimento
epidérmico, sendo esta a secreção autócrina. Quando mensageiros químicos atuam
sobre células adjacentes, sendo este um modo de ação de muitas células do sistema
neuroendócrino difuso, dá-se o nome de secreção parácrina. No caso de secreção de
mensageiros químicos (hormônios) para a corrente circulatória, atuando sobre tecidos
distantes, pode ser conhecida como função telécrina, trata-se da secreção endócrina.
Já as secreções sinápticas, referem-se à comunicação por contato estrutural direto
de um neurônio com a outra por meio de sinapses, estando esta restrita ao sistema
nervoso. Há ainda a secreção neuroendócrina, a qual o neurônio produz secreção que
ganha os vasos sanguíneos para atingir a célula-alvo.

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Para síntese e a liberação dos hormônios vários mecanismos de controle, periféricos


ou centrais, na maioria das vezes autorregulatórios, estão envolvidos. Ou seja, são
produzidos efeitos biológicos que controlam sua própria produção e liberação, ou
ainda, mecanismos de retroalimentação (feedback). A essência desse pensamento
é a de que os hormônios promovem efeitos biológicos que controlam sua própria
produção e liberação, sendo esse mecanismo a principal forma de controle na
fisiologia orgânica. São particularmente importantes no sistema endócrino,
especialmente aqueles de retroalimentação negativos, isto é, aqueles em que o efeito
promovido pelo hormônio suprime sua própria secreção. O feedback positivo é mais
raro e observado quando o resultado da ação hormonal incrementa, potencializa sua
própria produção.

Quando não funcionam da forma adequada, as glândulas endócrinas podem levar


a um aumento ou diminuição das concentrações séricas dos hormônios, resulta em
desequilíbrio das funções, uma vez que essas substâncias são secretadas dentro de
limites extremamente precisos. Portanto, chamamos de endocrinopatias qualquer
desproporcionalidade entre as concentrações hormonais e as necessidades fisiológicas
para um dado momento ou quando ocorre resposta inapropriada dos órgãos a
concentrações adequadas do hormônio. A perda dessa capacidade de resposta
hormonal devido a uma disfunção central ou da própria glândula repercute de maneira
sintomática e laboratorial. O reconhecimento e a correção dessas disfunções constituem
a essência da endocrinologia clínica, que agrega o estudo das doenças endócrinas, seu
reconhecimento e tratamento.

O sistema endócrino é constituído (Figura 1) por:

»» Hipotálamo.

»» Hipófise ou glândula pituitária.

»» Glândula tireoide.

»» Glândulas paratireoides.

»» Glândulas suprarrenais ou adrenais.

»» Glândula pineal ilhotas de Langerhans (pâncreas endócrino) gônadas


(gone = semente) (glândulas sexuais).

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Figura 1. Sistema endócrino e suas partes.

Hipotálamo

Quiasma óptico

Glândula Pituitária Anterior


Sistema porta-hipofisário

Talo Pituitário
Glândula pituitária posterior

TSH

Tireoide

Hormônio do
Prolactina crescimento
(PRL) (GH)

Tecido
Gl. Mamária Osso Músculo adiposo

Gonadotrofina,
ação sobre
ACTH LH e FSH

Córtex Adrenal Ovário Testículo

Fonte: <https: //br.images.search.yahoo.com/yhs/search>. Acesso em: 15 mar. 2019.

Hipotálamo

Além de ser responsável pela regulação da liberação e inibição dos hormônios da hipófise
(neuroipófise e adenohipófise), também produz oxitocina e ADH (antidiuretic hormone),
que são posteriormente estocados no lobo posterior da hipófise, desempenhando o
importante papel de interação entre o sistema nervoso e o endócrino.

Hipófise

É um pequeno órgão, que se liga por um pedúnculo ao hipotálamo na base do cérebro


(situada sob o encéfalo), com o qual guarda importantes relações anatômicas e
funcionais. A hipófise pode ser dividida em lobo anterior e lobo posterior. A hipófise
anterior secreta seis hormônios: hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), hormônio
tireoestimulante (TSH), hormônio de crescimento (GH), hormônio folículo estimulante
(FSH), hormônio luteinizante (LH) e prolactina. Já no lobo posterior da hipófise
são estocados, após serem secretados pelo hipotálamo, os hormônios oxitocina e
ADH (hormônio antidiurético). Conhecida também por pituitária, além de controlar

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

diretamente diversas funções metabólicas, a hipófise também estimula ou inibe a ação


de outras glândulas.

Glândula tireoide
Tem o papel de manter o metabolismo dos tecidos em nível ótimo para suas funções
normais, está localizada no pescoço, estando apoiada sobre as cartilagens da laringe e
da traqueia.

O hormônio tireoidiano estimula o consumo de oxigênio da maioria das células


do organismo, auxilia a regulação do metabolismo dos carboidratos e dos lipídeos
e é necessário para o crescimento e maturação normais. A glândula não é essencial
para a vida, porém, sua ausência acarreta menor resistência ao frio, lentidão física e
mental e, em filhotes, pode levar ao retardamento mental e nanismo. Por outro lado,
o excesso de secreção tireoidiana produz desgaste corporal, agitação, taquicardia,
tremores e produção excessiva de calor. A função tireoidiana é regulada pelo hormônio
tireoestimulante (TSH) da hipófise anterior e a secreção deste hormônio tireoidiano é
regulada em parte, por retroativação inibitória, dependente de níveis altos de hormônio
tireoidiano circulante sobre a hipófise e, em parte, por mecanismos nervosos que agem
por intermédio do hipotálamo.

Os principais hormônios secretados pela glândula tireoide são: tiroxina (T4),


triiodotironina (T3) e calcitonina. triiodotironina (T3) e tiroxina (T4), aumentam
a velocidade dos processos de oxidação e de liberação de energia nas células do
corpo, elevando a taxa metabólica e a geração de calor. Estimulam ainda a produção
de RNA e a síntese de proteínas, estando relacionados ao crescimento, maturação e
desenvolvimento. A calcitonina, outro hormônio secretado pela tireoide, participa do
controle da concentração sanguínea de cálcio, inibindo a remoção do cálcio dos ossos e
a saída dele para o plasma sanguíneo, estimulando sua incorporação pelos ossos.

Glândulas paratireoides
São quatro glândulas muito pequenas, que se localizam na face próximas à tireoide,
geralmente dentro da cápsula que reveste os lobos dessa glândula. O hormônio das
paratireoides é o paratormônio, cujo papel fisiológico é regular o nível de íons cálcio
e fosfato no plasma sanguíneo. A diminuição da taxa de cálcio no plasma estimula
as paratireoides a liberar seu hormônio. Por sua vez, o paratormônio atua sobre as
células do tecido ósseo, aumentando o número de osteoclastos promovendo a absorção
da matriz óssea calcificada. A elevação do cálcio plasmático deprime a produção de
paratormônio (Figura 2).

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Além de elevar o cálcio, o paratormônio reduz a taxa de íon fosfato no plasma, efeito
este que é consequência de um aumento da perda de fosfato na urina. O paratormônio
diminui a absorção de fosfato do filtrado glomerular pelos túbulos do néfron aumentando
a eliminação de cálcio. Neste contexto, o cálcio é importante na contração muscular, na
coagulação sanguínea e na excitabilidade das células nervosas.

Figura 2. Ação do hormônio da paratireoide.

Glândula Paratireoide
Hormônio
Paratireoide

Ca ++

Osso libera Ca++

Fluxo
do
Sangue

Ca ++
Rim Conserva
Ca ++

Ca ++

Intestino Absorve Ca ++

Fluxo de sangue

Fonte: <https://br.images.search.yahoo.com/yhs/search>. Acesso em: 15 mar. 2019.

Glândulas suprarrenais ou adrenais

São duas, cada uma situada sobre o polo superior de cada rim, achatadas e com formato
de meia-lua. Internamente, são divididas em duas regiões, uma externa, o córtex adrenal,
e outra interna, a medula adrenal, ou seja, duas camadas que tem ainda morfologia e
funções diferentes, podendo ser consideradas dois órgãos distintos, apenas unidos

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

topograficamente. Suas origens embrionárias são diferentes, provindo o córtex do


epitélio celomático, e, portanto, do mesoderma, enquanto a medula se origina de
células da crista neural, sendo, então, de origem neuroectodérmica. As duas camadas
têm ainda morfologia e funções diferentes. A glândula é revestida por uma cápsula
conjuntiva e seu estroma é representado por uma intensa trama de fibras reticulares
que suporta as células.

As principais secreções da medula adrenal são adrenalina (epinefrina) e noradrenalina


(norepinefrina), sendo que na verdade, a medula adrenal é um gânglio simpático no
qual os neurônios pós-ganglionares perderam seus axônios e transformaram-se em
células secretoras. Tais células secretam quando são estimuladas pelas fibras nervosas
pré-ganglionares que atingem a glândula, pelos nervos esplâncnicos. A adrenalina
prepara o organismo para situações de perigo ou estresse. Entre outros efeitos, ela
aumenta os batimentos cardíacos e a pressão arterial, preparando o animal para uma
reação rápida. A noradrenalina controla a pressão sanguínea do corpo.

Já as principais secreções do córtex adrenal são cortisol (glicocorticoides) que são


esteroides de ampla ação sobre o metabolismo dos carboidratos e das proteínas;
aldosterona (mineralocorticoides) que são essenciais para a manutenção do balanço de
sódio e do volume do líquido extracelular. Ambos são derivados do colesterol e, por isso,
são chamados de esteroides. A regulação principal da secreção adrenocortical é exercida
pela hipófise por intermédio do ACTH; porém, a secreção de mineralocorticoides está
sujeita também a outra regulação independente, por intermédio de outras substâncias,
das quais a mais importante é a angiotensina II, que é um octapeptídeo formado na
corrente sanguínea pela ação da renina (uma enzima secretada pelo rim). A angiotensina
II também exerce uma função fisiológica muito importante que é a manutenção dos
níveis normais da pressão sanguínea (pressão arterial).

Ilhotas de Langerhans

Estas estruturas constituem a porção endócrina do pâncreas, localizada na região


abdominal. Ele é chamado de glândula mista pelo fato de possuir, tanto funções
endócrinas, e apresentam-se sob a forma de aglomerados arredondados de células,
imersos no tecido pancreático exócrino. Cada ilhota é constituída por uma série de
cordões formados por células poligonais ou arredondadas entre as quais existe uma
rede de capilares sanguíneos. Envolvendo a ilhota e separando-a do tecido pancreático
restante, existe uma fina cápsula de fibras reticulares.

Pelo menos quatro peptídeos com atividade hormonal são secretados pelas Ilhotas
de Langerhans do pâncreas, e dois desses hormônios, a insulina e o glucagon, têm

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

importantes funções na regulação do metabolismo intermediário dos carboidratos,


proteínas e gorduras.

A insulina tem ação anabólica, aumentando o depósito de glicose, ácidos graxos e


aminoácidos, e o glucagon tem ação catabólica, mobilizando a glicose, os ácidos graxos
e os aminoácidos, dos depósitos para a corrente sanguínea. Portanto, os dois hormônios
são contrários em sua ação final, e são, em muitas circunstâncias, secretados de modo
contrário. Quase todos os tecidos têm a capacidade de metabolizar a insulina, porém
mais de 80% da insulina secretada é normalmente degradada no fígado e nos rins.
O excesso de insulina causa hipoglicemia que produz convulsões e coma; e a ausência
de insulina resulta do diabetes melito.

Já o glucagon estimula o aumento da concentração de glicose no sangue e a quebra


do glicogênio.

Glândula pineal
A glândula pineal é pequena, tem um formato oval e está localizada entre os hemisférios
cerebrais, na parte superior do tálamo, no centro do cérebro. Ela secreta um hormônio
chamado melatonina, que é sintetizado a partir da serotonina (um neurotransmissor),
liberada com a escuridão e que induz ao sono. Já a claridade inibe a produção de melatonina.

A pineal responde a estímulos luminosos do meio externo. A informação relacionando


essas condições atinge a glândula por meio dos impulsos nervosos que se originam
na retina dos olhos. Esses impulsos atingem o hipotálamo e daí são conduzidos até a
medula espinhal. Na medula espinhal são conduzidos por meio de nervos simpáticos
até o cérebro, e finalmente alcançam a glândula pineal.

Gônadas

Ovários

Os ovários secretam os hormônios sexuais femininos, o estrógeno e a progesterona. O


estrógeno, entre outras funções, está relacionado ao ciclo menstrual e ao desenvolvimento
de características sexuais secundárias. A progesterona promove alterações necessárias
para a manutenção de uma possível gravidez. No útero, por exemplo, o hormônio
promove a formação do endométrio, tecido sobre o qual o embrião se fixa.

Testículos

Os testículos secretam o hormônio sexual masculino, a testosterona. Este hormônio,


entre outras funções, promove o desenvolvimento de características sexuais secundárias.

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Glândula tireoide

A tireoide é uma glândula órgão bilobada de coloração castanho-amarelada, localizada


caudalmente à laringe sobre os primeiros anéis traqueais (Figura 3), presente em todos
os vertebrados.

Figura 3. Localização da glândula tireoide na espécie felina.

Fonte: <https://www.arquivos_fck_editor/Hipertireoidismo_em_felinos>. Acesso em: 15 mar. 2019.

É uma glândula endócrina, extremamente vascularizada, de origem endodérmica, cujo


desenvolvimento se dá precocemente na porção cefálica do tubo digestivo. Entre suas
principais funções estão a síntese, armazenamento e secreção do hormônio tireóideo,
além da manutenção dos níveis ideais da concentração de iodo.

Anatomicamente a glândula tireoide nos felinos, tem formato achatado e elipsoidal,


que não possui istmo de conexão entre os dois lobos, que se localizam adjacentes aos
primeiros cinco ou seis anéis traqueais, sendo que o lobo esquerdo é levemente caudal
ao direito. No gato normalmente, os lobos estão situados profundamente em relação
ao músculo esterno-hioideo e medem em torno de 10 mm de comprimento, 4 mm de
largura e 2 mm de espessura e não são palpáveis. Dorsalmente, os lobos estão em estreita
proximidade com a bainha carotídea e com o tronco vagossimpático. Fibras do nervo
laríngeo recorrente direito passam dorsalmente em íntima associação ao lobo tireoidiano
direito. O principal aporte sanguíneo para cada lobo da tireoide é a artéria tireoidiana
cranial, que se origina da artéria carótida comum. O principal retorno venoso da glândula
tireoide se faz pelas veias tireoidianas craniais e caudais, que deixam os polos cranial e
caudal de cada lobo, respectivamente. A glândula tireoide tem uma cápsula distinta que é
separada da glândula por dissecção e tem pequenos vasos localizados em sua superfície.

Há um parênquima tireoidiano acessório chamado de tecido tireoidiano ectópico,


presente na maioria dos cães e gatos, que é principalmente encontrado na região cervical,

17
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

porém também pode estar localizado no interior do tórax. Em aves, é encontrada dentro
da cavidade torácica; ambos os lobos se localizam próximos à siringe, adjacentes à artéria
carótida e próximos à origem da artéria vertebral. As tireoides acessórias respondem à
TSH e são completamente funcionais. Os transtornos de tireoide são mais comuns nos
pequenos se comparados aos grandes animais.

Histologicamente a unidade anatômica funcional da tireoide é o folículo tireoidiano ou


ácino (Figura 4), que é rodeado de células foliculares de tamanhos variados, que secretam
para seu interior o muito material coloide. Esse material contém uma glicoproteína
chamada de tireoglobulina, que é uma globulina é uma grande glicoproteína contendo,
cada molécula, cerca de 115 resíduos de tirosina. É sintetizada, glicosilada e, a seguir,
secretada para dentro da luz do folículo, onde ocorre a iodetação dos resíduos de tirosina.
Além da tireoglobulina esse material coloide também é composto por aminoácidos
iodados ou iodotirosinas, tais como; a monoiodotirosina (MIT) e a diiodotirosina (DIT)
e compostos derivados ou iodotironinas, como a T3 e a T4.

Figura 4. Secção da glândula tireoide mostrando a localização das células foliculares e parafoliculares, os
capilares e o coloide.

Célula folicular
Capilares
Célula Parafolicular

Folículo da Tireoide
Cápsula da
Tireoide

Lúmen folicular
(Substância coloidal)

Fonte: <https://www.pinterest.pt/pin/604678687439636833/?lp=true>. Acesso em: 15 mar. 2019.

No TGI o iodo ingerido é convertido em iodeto e absorvido para a circulação sendo


capturado pela glândula tireoide por mecanismos de transporte ativos da membrana
plasmática basal da célula folicular, resultando em uma concentração intracelular de
iodo de 10 a 200 vezes a sérica. Esse processo é estimulado pela interação de TSH com
os receptores de superfície celular, levando a ativação de cAMP (adenosina monofosfato
cíclica). Após a difusão da membrana plasmática apical por gradiente de concentração,
o iodo é oxidado pela enzima peroxidase tireoidiana (TPO) e organificada a resíduos
de tirosina da tireoglobulina pré-formada para formar MIT e DIT. A tiroxina (T4) é
formada por união de duas moléculas de DIT e a T3 por uma de DIT com uma de MIT
(Figura 4). Ambas são clivadas da tireoglobulina antes de serem secretadas da glândula
tireoide. A tireoglobulina é o sítio de armazenamento dos hormônios tireoidianos.

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

O coloide contendo tireoglobulina é absorvido para dentro da célula tireoidiana,


através de pinocitose, sob estímulo do TSH. Simultaneamente os lisossomos (contendo
proteases e enzimas hidrolíticas) migram da região basal para se unir com esses vacúolos.
Os hormônios tireoidianos, MIT e DIT são liberados por estímulo de TSH, que também
atua nas enzimas deiodase convertendo o T4 a T3 e T3r, e as iodotirosinas são deiodadas
para permitir a reciclagem do iodo. A síntese e secreção dos hormônios tireoideanos
pela glândula tireoide, são reguladas por um sistema de controle em feedback que
envolve o eixo hipotálamo-pituitária-tireoide (eixo HTP), e são reguladas diretamente
pelo TSH, além destes aumentando a formação de AMP cíclico (cAMP). Portanto, o
TSH é o regulador primário da liberação e secreção de hormônios tireoideanos, tendo
um papel crítico no crescimento e desenvolvimento da tireoide.

Os hormônios metabolicamente ativos são as iodotironinas T3 e T4 (figura 5). A


proteólise da tireoglobulina libera quantidades relativamente grandes de T4, mas apenas
quantidades pequenas de T3. É também secretado pela glândula, pequenas quantidades
de T3 reversa (rT3), uma forma inativa. Cerca de 90% do hormônio secretado pela
glândula tireoide são tiroxina (T4) e 10% são triiodotironina (T3). Contudo, considerável
porção de T4 é convertida em T3, nos tecidos periféricos, de forma que ambos são muito
importantes, funcionalmente. As funções desses dois hormônios são, qualitativamente,
as mesmas, porém diferem quanto à rapidez e a intensidade da ação. O T3 é cerca
de quatro vezes mais potente que T4, porém está presente no sangue em quantidades
muito menor e persiste durante tempo muito mais curto que o T4.

Figura 5. Fisiologia: Hormonogênese dos hormônios Tireoidianos. MIT = Monoiodotirosina; DIT= Diiodotirosina.

Bomba de Iodeto

2I¯

Peroxidase (Fe)
I2
+
Tirosina (tireglobulina)
Peroxidade (Fe)

MIT + DIT DIT + DIT

Desiodinase (co-fator Se)


T3 T4
(Triiodotironina) (Tiroxina)

Fonte: <http://nutriatualidades.blogspot.com/2011/09/nutricao-no-hipotireoidismo.html>. Acesso em: 15 mar. 2019.

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

A meia-vida de T4 é de 7 dias e da T3 de 2 dias e quando esses hormônios são liberados


no sangue, conjugam-se a proteínas plasmáticas transportadoras, principalmente
à globulina transportadora de tiroxina (TBG) e em menor grau, à pré-globulina e à
albumina. Cerca de 0,5% dos hormônios tireoidianos estão no sangue em forma livre,
biologicamente ativa, em equilíbrio com a fração conjugada. Essa união dos hormônios
tireoidianos às proteínas transportadoras é uma forma de diminuir sua perda pelos
rins e aumentar sua meia-vida, servindo de importante reservatório desses hormônios.
Por outro lado, as proteínas transportadoras têm papel regulador dos níveis hormonais
funcionais. A afinidade de T3 pela TGB é menor, o que lhe permite maior difusão aos
tecidos. Embora todo o T4 seja secretado pela glândula, ele é rapidamente deiodado
nas células-alvo para formar T3 ativa ou T3r inativa, dependendo das necessidades da
célula. O mecanismo geral de ação está baseado na existência de receptores nucleares
com maior capacidade de união pela T3 do que pela T4.

Normalmente a T3 é produzida preferencialmente durante estados metabólicos


normais, enquanto a T3r, que é biologicamente inativa, parece ser produzida durante
estados doentios, inanição ou catabolismo endógeno excessivo. Dentro da célula a T3
se liga a receptores na mitocôndria, ao núcleo e na membrana plasmática e exerce
seus efeitos fisiológicos. Existe uma grande reserva de T4 no corpo, é encontrada
principalmente na circulação, com uma lenta taxa de renovação, enquanto que, existe
uma pequena reserva de T3 que apresenta uma taxa de renovação rápida e é encontrada
principalmente dentro das células.

Os hormônios tireoidianos agem em diferentes processos celulares via interações


específicas ligante-receptor com o núcleo, mitocôndria e membrana plasmática. Embora
tanto T3 quanto T4 tenham atividade metabólica intrínseca, o T3 é três a cinco vezes mais
potente em se ligar a receptores nucleares e similarmente mais potente em estimular
o consumo de oxigênio. Os efeitos do hormônio tireoidiano podem ser geralmente
divididos naqueles que são rápidos e evidentes após minutos ou horas de administração,
como estimular o transporte de aminoácidos e o consumo de oxigênio mitocondrial; e
aqueles que requerem síntese proteica e um longo período para se manifestar. Cerca de
metade do incremento do consumo de oxigênio é relacionado a ativação da bomba de
sódio-potássio, além de estimular o consumo de oxigênio na mitocôndria.

Essas mudanças estão relacionadas ao efeito calorigênico do hormônio tireoidiano.


Os efeitos mais rápidos do hormônio podem ser observados clinicamente em pacientes
hipotireoideos que iniciam o tratamento como aumento de atividade física e mental.
Os efeitos mais crônicos são relacionados às ações celulares que requerem interação de
T3 nuclear para aumento da síntese proteica crucial nos processos como crescimento,
diferenciação, proliferação e maturação. Os efeitos dos hormônios tireoidianos, em

20
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

quantidades fisiológicas, são anabólicos. Trabalhando junto com o GH e a insulina, a


síntese proteica é estimulada e a excreção de nitrogênio reduzida. No entanto, quando
em excesso, pode ser catabólico, com aumento da gliconeogênese, quebra de proteína
e perda de nitrogênio.

O TSH, produzido pela adenoipófise, por sua vez, é estimulado pelo hormônio liberador
de tirotrofina (TRH), que é um tripeptídeo distribuído por toda área do hipotálamo,
mas em maior quantidade nos núcleos paraventricular e eminência mediana. O TRH
é metabolizado muito rapidamente, sua meia-vida plasmática é de aproximadamente
três minutos. O estímulo de TRH sobre a secreção de TSH ocorre pela ativação mediada
por receptor via fosfolipase C, o que estimula a mobilização de cálcio intracelular.
A estimulação crônica de TRH também aumenta a síntese e glicosilação do TSH,
aumentando desta forma a atividade biológica do TSH. A secreção de TRH é pulsátil,
assim como a secreção do TSH. Contudo, fora da tireoide, em diversos outros órgãos,
a regulação de T3 e T4 está vinculada a alterações nutricionais, hormonais e a fatores
relacionados a algumas enfermidades, o que pode variar em diferentes tecidos. Já a
glândula tireoide responde a níveis sanguíneos de iodo e de TSH formando os hormônios
tireoidianos e os libera na circulação (Figura 6).

Figura 6. Esquema de regulação hormonal. Retroalimentação é o principal mecanismo de regulação da função


hormonal. O produto final é o responsável pela regulação de sua própria síntese.

Hipotálamo

Glândula
Pituitária

TSH

Glândula
Tireoide

T4

T3
T3 “reverse”
(antitireoidiano)

Fonte: <https://summitforwellness.com/wp-content/uploads/2016/03/Thyroid.jpg>. Acesso em: 15 mar. 2019.

21
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Ações dos hormônios tireoidianos


Basicamente há duas categorias de hormônios, uma que afeta o metabolismo e uma que
afeta o crescimento e o desenvolvimento.

Os hormônios são reguladores do metabolismo da maioria dos tecidos, produzindo


um aumento geral no metabolismo dos carboidratos, das gorduras e das proteínas.
A maioria desses efeitos envolve a modulação das ações de outros hormônios, tais
como insulina, glucagon, os glicocorticoides e as catecolaminas, porém os hormônios
tireoidianos controlam também, diretamente, a atividade de algumas das enzimas do
metabolismo dos carboidratos. Ocorre um aumento no consumo de O2 e na produção
de calor que se manifesta por uma elevação na taxa metabólica basal. Isso reflete a ação
sobre alguns tecidos, tais como coração, rim, fígado e músculo, mas não sobre outros,
como as gônadas, o cérebro e o baço. A ação calorigênica é uma parte importante da
resposta a um meio ambiente frio.

Portanto, o metabolismo energético aumenta taxa metabólica basal e estimula a


termogênese facultativa, da seguinte maneira:

»» Metabolismo: aumenta o consumo de O2, produção de calor; metabolismo


basal; aumenta radicais livres e mantém a temperatura corporal.

»» Sistema cardiovascular: produção de calor (vasodilatação periférica),


diminuição da resistência vascular periférica, aumento do débito cardíaco,
contratilidade e frequência cardíaca.

»» Efeitos gastrointestinais: aumenta motilidade.

»» Aparelho neuromuscular e ósseo: aumento da velocidade de contração


e relaxamento muscular; aumento do turnover ósseo (aumento da
reabsorção e formação óssea).

»» Efeitos hematológicos, pulmonares e endócrinos: controle da hipóxia e


hipercapnia; eritropoiese; aumento do turnover metabólico de hormônios
e agentes farmacológicos.

»» Metabolismo de lipídios: lipogênese e lipólise – colesterol – aumentam


a degradação e diminui níveis séricos.

»» Metabolismo de carboidratos: captação da glicose pelo intestino, produção


hepática de glicose, aumento da secreção de insulina => captação e utilização.

»» Metabolismo de proteínas: síntese e catabolismo – normalmente


anabolismo supera catabolismo.

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Já os efeitos sobre o crescimento e o desenvolvimento também é de responsabilidade


dos hormônios tireoidianos. Há uma ação direta sobre as células e uma ação indireta,
influenciando a produção do hormônio do crescimento e potencializando seus efeitos.
Estes hormônios são importantes também para uma resposta normal ao paratormônio
e a calcitonina e para o desenvolvimento esquelético; são particularmente necessários
para o crescimento normal e maturação do SNC.

Resumindo os efeitos biológicos do hormônio da tireoide são:

»» Promoção do crescimento e diferenciação celular e estimulação do


metabolismo energético.

»» Desenvolvimento fetal: desenvolvimento do cérebro e do esqueleto


(Cretinismo) – Crescimento: T3 estimula a produção de GH (nível
gênico) e interage a nível tecidual.

»» SNC: desenvolvimento normal depende de hormônios tireoideanos,


principalmente no período neonatal levando a danos irreversíveis na sua
ausência. Regiões mais atingidas: cerebelo, hipocampo e bulbo olfatório.

»» Manifestações menos graves e totalmente reversíveis em adultos: lentidão


mental, sonolência e, raramente, coma.

»» Pulmão: desenvolvimento e maturação pulmonar (associado a


glicocorticoide) – estimula a síntese e secreção de surfactante alveolar
com aumento da concentração dos receptores nucleares de T3 no
período neonatal.

Distúrbios da glândula tireoide

Hipotireoidismo

O hipotireoidismo é uma síndrome clínica resultante da produção ou ação biológica


ineficiente dos hormônios tireoidianos sobre os tecidos, promovendo um efeito
generalizado de retardo nos processos metabólicos de todo sistema corporal, por
isso, os sinais clínicos são variáveis e muitas vezes inespecíficos, sendo os principais:
bradicardia, rouquidão, sensibilidade ao frio, pele seca e fraqueza muscular. No
entanto, as condições clínicas da síndrome dependem do grau e duração da deficiência
de hormônios tireoideanos e, assim, afetará os tecidos em maior ou menor extensão.

Constitui uma desordem endócrina rara no gato a qual sua ocorrência quase nunca se
desenvolve espontaneamente nessa espécie, sendo o tratamento do hipertireoidismo
23
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

(iatrogênico) a principal causa, seja ele produzido por tireoidectomia bilateral ou


terapia com iodo radioativo ou dose excessiva de drogas antitireoidianas.

Tratamento à base de metimazol ou carbimazol frequentemente levam a uma


concentração subnormal do T4 sérico, e podem desenvolver hipotireoidismo clínico com
uma overdose prolongada de um medicamento antitireoidiano, porém eles geralmente
não dão sinais clínicos associados ao hipotireoidismo, provavelmente devido ao fato da
concentração sérica de T3 permanecer dentro do intervalo de referência, o que explica
o porquê desses gatos permanecem clinicamente eutireoidianos.

Após a tireoidectomia cirúrgica bilateral, a maioria dos gatos desenvolverá hipotireoidismo


logo nos primeiros dias, porém esse hipotireoidismo iatrogênico é geralmente
temporário, geralmente resolvido com 6 meses. Por isso, a suplementação com
levotiroxina (L-T4) por algumas semanas a meses de pós-operatório é muitas vezes
benéfica, podendo a mesma ser interrompida após o sexto mês.

Acredita-se que a prevalência de hipotireoidismo iatrogênico esteja superestimada


(cerca de 30%), isso porque a maioria dos gatos foi diagnosticada apenas com
uma concentração baixa de T4 sérico, mas sem qualquer característica clínica do
hipotireoidismo. Relatos mais recentes, reduziram a prevalência de hipotireoidismo
iatrogênico permanente para menos de 5%, utilizando métodos de dosagem com
radioiodo individualizados.

O hipotireoidismo congênito também é uma doença rara, com poucas descrições


na literatura. A falha da tireoide por si só em secretar uma quantidade adequada de
hormônio tireoidiano é denominada de hipotireoidismo primário, e todos os casos da
doença congênita já descrito são primárias (defeito na glândula tireoide).

O hipotireoidismo primário congênito pode ser dividido em duas categorias


conhecidas por disormonogênese tireoidiana e disgenesia tireoidiana. A primeira
delas, disormonogênese tireoidiana que se trata de um defeito em qualquer etapa de
captação de iodo ou síntese de hormônios tireoidianos. Como em todas as formas de
hipotireoidismo primário, as baixas concentrações circulantes de T4 levam ao aumento
da secreção hipofisária de TSH. Como os folículos tireoidianos permanecem intactos
em gatos com disormonogênese tireoidiana, as altas concentrações circulantes de TSH
induzem hiperplasia da glândula tireoide, o que leva ao aumento da glândula tireoide
(bócio bilateral), tornando-as palpáveis.

Ao contrário da dismorfogênese, a disgenesia tireoidiana trata-se de uma forma não


homozigótica de hipotireoidismo congênito que leva à hipoplasia ou aplasia da glândula
tireoide, devido a um defeito de desenvolvimento dessa glândula. Isso pode ocorrer
devido a anormalidades no receptor de TSH.

24
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Mesmo raro, o hipotireoidismo congênito se desenvolve mais comumente que o


hipotireoidismo espontâneo em gatos adultos, sendo provavelmente sua prevalência
subestimada, já que os gatinhos mais afetados morrem logo após o nascimento, não
sendo, portanto, diagnosticados.

O hipotireoidismo secundário ocorre quando há uma diminuição da secreção de TSH


como resultado de distúrbios hipofisários ou hipotalâmicos, resultante de disfunção
nas células tireotróficas hipofisárias que dificulta a secreção do hormônio estimulante
da tireoide (TSH), podendo ser também consequência de destruição de tireotrofos
hipofisários, como em neoplasias hipofisárias (raras) ou supressão da função da tireoide
por hormônios ou drogas como glicocorticoides.

O hipotireoidismo terciário é uma deficiência na secreção do hormônio liberador


de tireotropina (TRH) por neurônios peptidérgicos nos núcleos supraóptico e
paraventricular do hipotálamo. Causas secundárias (defeito na pituitária) e terciárias
(defeito no hipotálamo) nunca foram reportadas.

Aspectos clínicos

Alguns sinais que se desenvolvem em gatos com hipotireoidismo sejam semelhantes


aos observados em cães com o mesmo distúrbio, existem algumas grandes diferenças.
Primeiro, os gatos com hipotireoidismo raramente desenvolvem alopecia total, um
sinal comum em cães. Em segundo lugar, os gatos podem desenvolver falta de apetite,
um sinal também não relatado em cães com hipotireoidismo. A letargia profunda e o
embotamento mental se desenvolvem em alguns gatos e especialmente gatinhos com
hipotireoidismo congênito, podem apresentar constipação grave como queixa primária.

Hipotireoidismo iatrogênico ou espontâneo

Os principais sinais clínicos de hipotireoidismo em gatos adultos incluem letargia


progressiva, embotamento, diminuição de apetite e alterações dermatológicas, sendo
o ganho de peso, hipotermia e bradicardia menos comuns.

Os hormônios tireoidianos são importantes para a manutenção da saúde da derme, por


isso, alterações na pele e pelo são as anormalidades comumente observadas. A atrofia da
glândula sebácea resulta em pele seca, sendo os sinais dermatológicos mais envolvidos
a seborreia não pruriginosa com pelo seco, sem brilho, emaranhamento nas costas e
facilmente depilado. Pode haver alopecia das orelhas e o crescimento do pelo é lento.
Já houve relato de mixedema (mucopolissacarídeos ácidos e neutros que se acumulam
na derme e se ligam à água, causando o espessamento da pele).

25
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Embora a obesidade possa se desenvolver, não é um sinal consistente.

Hipotireoidismo congênito

Os hormônios tireoidianos afetam a função de todos os órgãos e são essenciais para o


crescimento normal, a maturação esquelética e o desenvolvimento cerebral. Portanto, o
hipotireoidismo congênito é caracterizado por nanismo desproporcional e anormalidades
neurológicas. Os gatinhos hipotireoidianos desenvolvem muitos sinais semelhantes aos
observados em gatos adultos. Os sinais clínicos de hipotireoidismo congênito variam
em gravidade, dependendo da natureza do defeito. Gravemente afetados, os gatinhos
não tratados raramente sobrevivem além das 16 semanas de idade. Ao nascimento, os
filhotes geralmente parecem normais, mas exibem um crescimento retardado entre 4 e 8
semanas de idade, desenvolvendo sinais de nanismo desproporcional, caracterizado por
uma cabeça larga e alargada e pescoço e membros curtos, durante os próximos meses.

A maioria dos gatinhos com hipotireoidismo apresenta letargia grave e embotamento


mental, em parte porque seu cérebro não se desenvolve adequadamente, tornando-se
deficientes mentalmente. No exame físico, o veterinário pode detectar hipotermia,
bradicardia ou bócio palpável (com disormonogênese tireoidiana). Muitos gatinhos
sofrem de episódios graves e recorrentes de constipação. O pelo está geralmente
presente em todo o corpo, mas consiste principalmente de subpelos arrepiados e
com pelos primários de proteção rarefeito (pelame de filhote) e também retenção dos
dentes decíduos.

Diagnóstico

O diagnóstico do hipotiroidismo felino pode ser um desafio, independentemente da sua


etiologia e baseia-se em uma combinação da história, sinais clínicos, achados do exame
físico e laboratoriais de rotina e confirmado diagnóstico pelo uso de testes de função da
tireoide ou por técnicas de imagem da tireoide.

A suspeita de hipotireoidismo iatrogênico começa com a informação de que o gato tem


uma história de tratamento para o hipertireoidismo, especialmente com radioiodo ou
tireoidectomia cirúrgica. No entanto, vários fatores podem dificultar a confirmação do
diagnóstico de hipotireoidismo.

Primeiro porque pode haver a presença concomitante de outra doença, que em gatos
de meia idade a geriátricos é comum, confundindo os sinas clínicos. Estas doenças
concomitantes também podem resultar na síndrome do eutireoideo doente, que se
caracteriza por concentrações séricas de hormônios tiroidianos falsamente baixas.

26
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Os sinais clínicos de hipotireoidismo iatrogênico e o retorno esperado para um


estado eutireoidiano podem se sobrepor. Finalmente, muitos gatos desenvolvem um
decréscimo transitório acentuado no total de T4, no primeiro mês de terapia, sendo
esse estado hipotireóideo transitório seguido por um retorno ao eutireoidismo nos
próximos 3 a 6 meses, à medida que o tecido tireoidiano normal restante se recupera e
começa a funcionar novamente.

Por isso o ideal é esperar no mínimo 3 meses antes de fazer um diagnóstico definitivo
de hipotireoidismo iatrogênico após o tratamento, especialmente se o gato não estiver
apresentando as características clínicas do hipotireoidismo.

No entanto, o diagnóstico de hipotireoidismo deve ser feito o mais rápido possível em


caso de gatos com doença renal, pois ambos diminuem a taxa de filtração glomerular,
piorando a azotemia.

Exames laboratoriais

Os achados mais comuns em animais com hipotireoidismo são plasma lipêmicos devido
à hipertrigliceridemia e principalmente hipercolesterolemia. Os hormônios da tireoide
aumentam tanto a síntese de colesterol, quanto o catabolismo hepático. Portanto, a
hipercolesterolemia resulta de uma redução de lipólise lipoproteica periférica, redução
de utilização hepática e aumento da produção hepática de colesterol, ou seja, o
catabolismo está reduzido se comparado à síntese. Esse aumento também é atribuído
à redução da excreção de colesterol biliar em animais com hipotireoidismo, causando
aumento do colesterol sanguíneo, apesar da síntese reduzida. A hiperlipidemia que
ocorre pode provocar aterosclerose dos vasos coronários e cerebrais, danos renais
e hepatomegalia.

Mudanças hematológicas, especialmente anemia, são comuns e bem caracterizadas no


hipotireoidismo, isto porque a eritropoiese está diminuída, refletindo numa redução no
volume total de sangue e na quantidade de eritrócitos. São anemias leves, normocítica
normocrômica arregenerativas. Essa diminuição na eritropoiese se deve a um efeito
direto dos hormônios da tireoide nos precursores eritroides. Podemos encontrar
casos de anemias por deficiência de ferro e anemias por deficiência de ácido fólico
ou vitamina B12. A avaliação da morfologia dos eritrócitos pode revelar um aumento
no número de leptócitos (células-alvo). Acredita-se que tais células se formem em
resposta ao aumento do colesterol na membrana eritrocitária. Alterações na contagem
de linfócitos ou granulócitos são menos comuns no hipotireoidismo. Uma redução
significante na contagem de leucócitos pode indicar um problema associado, como
deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, porém, o leucograma é tipicamente normal.

27
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Poucas mudanças quantitativas na contagem de plaquetas são encontradas, ao passo


que as mudanças qualitativas são mais comuns. A depressão de alguns dos fatores de
coagulação é descrita e atribuída a uma diminuição generalizada na síntese de proteínas.

Exames de imagem

A radiografia pode ser uma ajuda particularmente útil no diagnóstico de hipotireoidismo


felino congênito, pois o desenvolvimento esquelético retardado, particularmente a
disgenesia epifisária das vértebras e dos ossos longos, é patognomônico para a doença.

Testes da função da glândula tireoidiana


Diversos fatores fisiológicos podem afetar a concentração sanguínea dos hormônios
tireoidianos, como idade, raça, porte, status nutricional (carência alimentar ou obesidade),
fase de ciclo estral, temperatura ambiente, doenças sistêmicas secundárias, presença de
autoanticorpos e alguns tipos de fármacos. O diagnóstico de uma alteração da função
tireoidiana deve ser embasado na análise das provas de função da glândula, associada
aos sintomas apresentados pelo paciente.

Gatos com hipotireoidismo têm secreção deficiente do hormônio tireoidiano. Portanto,


encontrar uma baixa concentração sérica de T4 é fundamental no diagnóstico de
hipotireoidismo felino, sendo que uma concentração normal de T4 praticamente exclui
o hipotireoidismo. Porém, embora importante, uma concentração subnormal de T4 não
é definitiva, pois pode estar baixa em outras situações como doença hepática, doença
renal e neoplasia sistêmica. Por isso, veterinário deve primeiro descartar a doença não
tireoidiana antes de considerar o diagnóstico de hipotireoidismo.

A função da glândula tireoide é tipicamente avaliada pela mensuração das concentrações


séricas basais de hormônios tireoidianos. Assim que secretado na circulação, mais de
99% do T4 é ligado a proteínas plasmáticas; isto serve como um reservatório e um
tampão para manter uma concentração estável de T4 livre (T4L) no plasma. OT4 livre
representa menos de 1% do T4 circulante.

Não ligado, ou livre, o T4 é biologicamente ativo, exercendo inibição do feedback


negativo sobre a secreção hipofisária de TSH. A concentração basal sérica de T4
é a soma dos níveis de T4 ligados a proteínas e T4 livres circulantes no sangue.
A aferição da concentração sérica de T4 pode servir como teste de triagem inicial para
o hipotireoidismo.

Por ser a principal forma de expressão funcional da glândula tireoide, T4T é frequentemente
utilizada pelos laboratórios como ferramenta de triagem para avaliação do seu estado

28
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

funcional. Porém, como apenas o T4L é biologicamente ativo, medir o T4 livre é um


teste mais sensível para diagnosticar o hipotireoidismo.

Além disso, a doença não tireoidiana influencia o T4L menos do que influencia o T4
total. Portanto, o T4L é melhor para distinguir um gato eutireoideo de uma doença
não tireoidiana de um gato hipotireoideo. No entanto, apenas os ensaios de T4L
que usam a diálise de equilíbrio parecem confiáveis, e a maioria dos laboratórios
comerciais mede o T4L por meio de métodos analógicos inferiores. Embora a medição
da concentração de T4L pela diálise de equilíbrio seja um teste autônomo mais preciso
do que a concentração total de T4, o T4L está longe de ser perfeito para confirmar o
hipotireoidismo felino por três razões. Primeiro, doença não tireoidiana moderada a
grave pode falsamente diminuir a concentração de T4L, embora em menor grau do que
observado com T4 total, além de que até 15% dos gatos com doença não tireoidiana
desenvolvem uma concentração falsamente alta de FT4, confundindo ainda mais a
interpretação. Finalmente, o teste é aproximadamente duas vezes mais caro na maioria
dos laboratórios comerciais que o T4 total. Para suspeita de quadro de hipotireoidismo,
T4T não deve ser utilizada como ferramenta única diagnóstica, principalmente
nos processos em fase aguda de desenvolvimento ou de origem imunomediada.
Quadros de tireoidite com presença de autoanticorpos anti-T4 podem induzir resultados
falsamente elevados, uma vez que a técnica padrão do radioimunoensaio não consegue
distingui-los, havendo alta reação cruzada.

Apesar de T3 ser o hormônio mais potente em atividade celular, a mensuração de sua


concentração não tem grande valia para o diagnóstico do hipotireoidismo, especialmente
na fase inicial de desenvolvimento da doença.

Já a mensuração do TSH (hormônio estimulador da tireoide) sérico fornece informações


sobre a interação entre a hipófise e a glândula tireoide. Em cães com hipotireoidismo,
uma concentração sérica elevada de TSH confirma que a doença é primária (localizada
dentro da glândula tireoide). Um ensaio específico para o TSH felino ainda não está
disponível. No entanto, o ensaio TSH canino) cTSH comercialmente disponível reage
de forma cruzada com TSH felino suficientemente para permitir a sua utilização
como teste de diagnóstico para gatos com hipotireoidismo. Em um dos gatos adultos
relatados com hipotireoidismo espontâneo, a concentração sérica de TSH foi alta
quando medida com o ensaio cTSH. Da mesma forma, a maioria dos gatos com
hipotireoidismo iatrogênico também desenvolverá alta concentração sérica de TSH
conforme medido pelo ensaio cTSH. Normal gatos e gatos com doença não tireoidiana
geralmente mantêm valores normais para TSH sérico. Portanto, o achado de um T4
total ou T4L baixo em combinação com uma alta concentração de TSH melhora muito
a sensibilidade diagnóstica para o hipotireoidismo.

29
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

No teste de estimulação com TSH a concentração sérica de T4 é avaliada antes e após


a administração de TSH. Um animal hipotireoideo terá pouco ou nenhum aumento
do T4 em resposta ao TSH. Na doença não tireoidiana (Síndrome de Eutireoideano
Doente) as concentrações absolutas do T4 podem ser muito baixas, mas o grau da
resposta ao TSH é semelhante ao de um animal normal. As desvantagens do teste
são o alto custo e a disponibilidade limitada do TSH. A determinação do TSH foi
recentemente aprovada para o uso em cães. A presença de um aumento do TSH sérico
em conjunto com baixas taxas séricas de T4 ajudará a confirmar o diagnóstico de
hipotireoidismo. Se a concentração sérica de T4 for normal, é improvável que o cão
seja hipotireoideo. Nesse caso, deverá ser considerado um teste de estimulação de
TSH ou um ensaio terapêutico.

O teste de estimulação com TSH consiste na dosagem sérica de T4 total e livre antes e
após a administração de TSH. A coleta do soro, após a administração do TSH, deve ser
realizada após um período de 4 horas (no caso de administração de TSH intravenoso)
ou 8 horas (no caso de administração de TSH intramuscular), para a verificação sérica
dos hormônios tireoidianos. Caso o paciente esteja sob terapia tireoidiana, esta deve ser
interrompida 14 dias antes da execução do teste.

O teste de estimulação do TSH fornece informações importantes para o diagnóstico


de hipotireoidismo, pois testa diretamente a reserva secretora da tireoide. Em
gatos normais, a administração de TSH exógeno produz um aumento consistente
na concentração total de T4 no soro. Em contraste, os gatos com hipotireoidismo
apresentam pequeno aumento, se houver, nas baixas concentrações séricas basais
totais de T4 após a estimulação do TSH. No passado, a TSH bovina era a preparação
preferida para o teste de estimulação do TSH em gatos. No entanto, o TSH bovino não
está mais disponível.

Recentemente, uma preparação recombinante de TSH humano (rhTSH) foi validada


para testes de estimulação de TSH em gatos. O protocolo de teste envolve a coleta de
amostras para a concentração total de T4 no soro antes e 6 horas após a administração
intravenosa de 25 a 200 µg de rhTSH (Thyrogen, Genzyme Corporação).

A administração de rhTSH a gatos clinicamente normais geralmente aumenta a


concentração total de T4 total em pelo menos o dobro. Mais estudos são necessários
para validar o uso deste teste para o diagnóstico de hipotireoidismo felino, mas seria de
se esperar que esses gatos experimentassem pouco ou nenhum aumento no T4 sérico
total. A principal desvantagem deste teste é que o rhTSH é extremamente caro.

30
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Tratamento

A levotiroxina sódica é o tratamento de escolha para hipotireoidismo congênito e de


ocorrência natural durante a vida adulta, e para gatos com hipotireoidismo iatrogênico
que são sintomáticos após tratamento do hipertireoidismo.

Gatos assintomáticos com baixas concentrações séricas de T4 após serem submetidos


à terapia para hipertireoidismo não devem ser tratados até que os sinais clínicos se
tornem evidentes, isso porque há uma esperança de que o tecido tireóideo atrofiado ou
ectópico se torne funcional, então se dá um maior período de tempo a ele.

O objetivo da terapia é eliminar os sinais clínicos do hipotireoidismo e prevenir os sinais


do hipertireoidismo. A dose inicial de levotiroxina sódica recomendada é de 5 a 20
µg/kg diariamente ou 100 µg/gato diariamente, podendo ser dividida em uma ou duas
vezes por dia. Essa dose deve ser ajustada conforme a necessidade da resposta clínica
de cada animal e as dosagens posteriores de T4.

Um mínimo de 4 semanas deve ser transcorrido antes que a resposta clínica do gato
ao tratamento seja criticamente avaliada, devendo incluir as avaliações subsequentes
o histórico, exame físico, e aferição das concentrações séricas de T4 e TSH. Espera-se
após esse período uma manutenção de concentrações séricas de T4 entre 1,0 e 2,5 µg/
dL. Caso haja a normalização da concentração sérica de TSH sabe-se que o regime
terapêutico com levotiroxina é efetivo.

Porém, se a concentração sérica de T4 estiver dentro dos valores de referência após


4 a 8 semanas de tratamento com pouca ou nenhuma resposta clínica, o clínico deve
reavaliar o diagnóstico, pois o tratamento correto costuma resolver completamente os
sinais clínicos em gatos adultos. Já em gatos filhotes há uma variação bem grande em
relação a resposta ao tratamento.

Prognóstico

O prognóstico depende da causa subjacente. Para gatos adultos com hipotireoidismo


que estejam recebendo terapia apropriada é excelente, já o prognóstico para
filhotes com hipotireoidismo congênito é reservado e depende da intensidade das
alterações esqueléticas no momento do início do tratamento. Muitos dos sinais
clínicos desaparecem e o tamanho corporal pode aumentar se o hipotireoidismo
for identificado precocemente, antes da ocorrência do desenvolvimento ósseo e
articular anormais.

31
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Hipertireoidismo
O hipertireoidismo é uma desordem multissistêmica decorrente de excesso na produção
de hormônios tireoidianos ativos (triiodotironina [T3] e tiroxina [T4]) a partir de uma
glândula tireoide com funcionamento anormal.

É a endocrinopatia mais comum em gatos acima de 8 anos, tendo a média entre 12 a


13 anos de idade, podendo estar presente dos 4 aos 20 anos, tendo sido relatado em
animais de 22 anos. Não existe predisposição sexual ou racial, embora animais das
raças Siamês e Himalaio sejam os menos susceptíveis.

A patogenia das alterações hiperplásicas adenomatosas na glândula tireoide permanece


incerta. Tem sido postulado que fatores imunológicos, infecciosos, nutricionais,
ambientais ou genéticos podem interagir para causar alterações patológicas.

Estudos epidemiológicos demonstraram aumento na prevalência do hipertireoidismo


felino nos últimos 25 anos, isso se dê talvez pelo fato de que atualmente há uma
maior capacidade de diagnóstico por parte dos veterinários, melhor conhecimento da
enfermidade, aumento dos anos de vida do gato e existência de um ambiente com certos
fatores bociogênicos. Entretanto, acredita-se que o hipertireoidismo seja de fato uma
nova doença do gato, pois tratam como improvável que o aumento do conhecimento e
das habilidades diagnósticas tenha contribuído, de maneira isolada, com um aumento
tão dramático na prevalência dessa doença.

Há maior risco em gatos que se alimentam quase exclusivamente de dietas úmidas e


também gatos que preferem sabores específicos como peixe, fígado ou frango. Essa
relação com a dieta se deve ao papel do iodo na causa ou progressão da doença. Isso
porque a quantidade de iodo nas dietas comerciais para gatos é extremamente variável
podendo chegar a quase 10 vezes mais que o nível recomendado, sugerindo-se que
grandes variações na quantidade diária de iodo ingerido podem, de algum modo,
cooperar para o desenvolvimento de doença.

O nível de selênio também pode potencialmente modificar a função tireoidiana,


embora isso seja discutível, pois um estudo realizado demonstrou indiferença no
nível de selênio em gatos de diferentes áreas geográficas com prevalência alta e baixa
de hipertireoidismo. No entanto, gatos apresentaram nesse mesmo estudo, maiores
concentrações de selênio que outras espécies, o que pode desempenhar um papel
importante na patogenia dessa condição.

As embalagens plásticas, as quais vem embaladas as rações comerciais contém altos


níveis de componentes bociogênicos, a exemplo dos ftalatos e dos bisfenóis, assim
como diversos outros compostos que podem colaborar com o desenvolvimento de

32
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

lesões adenomatosas em gatos expostos. Um estudo recente demonstrou que as


isoflavonas, genisteína e daidzeína, potencialmente bociogênicas, são constituintes
comumente encontrados em alimentos comerciais para felinos e podem estar presentes
em concentrações suficientes para resultar em diversos efeitos biológicos. A atuação
direta de tais substâncias na glândula tireoide reduz a síntese hormonal, de modo que
a queda de T4 resultante desse processo estimula a liberação de TSH hipofisário, que,
em turnos, produz aumento dos níveis hormonais. Além disso, medicamentos como
fenobarbital, bloqueadores do canal de cálcio, esteroides e retinóis, têm sido estudados
no que se refere ao efeito bociogênico, cuja utilização pode ativamente resultar no
acúmulo dos hormônios tireoidianos, favorecendo a ocorrência da doença.

No entanto, o hipertireoidismo em felinos, está quase sempre relacionado a uma alteração


primária e autônoma da glândula tireoide, independente de alterações hipofisárias ou
do hipotálamo, sendo a lesão mais comumente encontrada a hiperplasia adenomatosa
multinodular, e menos frequentemente o adenoma, que fazem com que os lobos se tornem
aumentados e distorcidos. Em 70% dos casos ambos os lobos da glândula tireoide são
acometidos, uma vez que não há conexão física entre os lobos tireoidianos.

A tireoide pode sofrer alterações hiperplásicas ou neoplásicas. Os tumores da tireoide


são classificados em epiteliais benignos e malignos, tumores não epiteliais benignos e
malignos, linfoma, tumores mistos, secundários, entre outros. Os tumores epiteliais
que afetam a tireoide podem ser oriundos das células foliculares que produzem os
hormônios tireoidianos (tri-iodotironina e tiroxina) ou das células parafoliculares ou C
que produzem calcitonina e que são chamados de tumores medulares.

Muitas vezes os tumores são bem difíceis de serem diferenciados, inclusive os adenomas
e das hiperplasias, ambos constituídos de estruturas foliculares irregulares e pequenos
ninhos sólidos de células foliculares, demonstrando pouca atipia nuclear ou atividade
mitótica, sendo a principal diferença entre essas duas alterações, é que o adenoma tem
cápsula e comprime o parênquima adjacente.

Microscopicamente, o adenoma pode ser classificado em normofolicular (simples),


macrofolicular (coloide), microfolicular (fetal), trabecular (embrional) e sólido
adenoma folicular é geralmente nódulo único, encapsulado, podendo comprimir o
tecido tireoidiano normal adjacente e ser originado de um bócio nodular. Podem ocorrer
lesões degenerativas como hemorragia, edema, fibrose, calcificação, formações ósseas
ou císticas. A variação citológica mais importante do adenoma folicular é o adenoma
folicular oxifílico (células que contém grande número de mitocôndrias) ou de células
claras, que pode apresentar padrão de arquitetura de qualquer uma classificação
descrita anteriormente, pois esses tumores são quase que inteiramente compostos de
células eosinofílicas, com algum pleomorfismo nuclear e nucléolo distinto.

33
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Já os adenomas foliculares com mais pronunciada proliferação celular e com padrões


citológicos e de arquitetura menos regular, mas sem sinais típicos de malignidade,
são referidos como adenomas atípicos, devendo ser descartada a invasão da cápsula
e dos vasos com o objetivo de diferenciar de carcinoma folicular. A diferença
entre adenoma e carcinoma baseia-se em identificação de invasão neoplásica da
cápsula ou vascular ou presença de metástase, tomando cuidado em diferenciar
subgrupos de carcinoma pouco ou muito invasivo. A presença de atipia nuclear,
atividade mitótica e atipia celular ou na arquitetura não necessariamente indica
malignidade. A presença de núcleo hipercromático atípico em órgão endócrino
é geralmente mais um reflexo de uma hiperestimulação do que a presença de
potencial maligno.

Aproximadamente 97% a 99% dos casos resultam de hiperplasia nodular benigna,


hiperplasia adenomatosa ou adenoma tireóideo. Apenas 1% a 3% dos casos são causados
por carcinoma tireóideo ou adenocarcinoma e dificilmente leva a sinais clínicos de
hipertireoidismo.

Aspectos clínicos

Os sinais estão na dependência da duração da afecção, da presença de anormalidades


concomitantes e da incapacidade de algum sistema em atender às demandas impostas
pelo excesso de hormônio tireoidiano, sendo na maioria das vezes a instalação lenta
e progressiva e por isso os proprietários demoram a perceber a doença. Os gatos
mantêm um ótimo apetite e permanecem ativos para sua idade, até que a perda de
peso se torne evidente ou até que outros sintomas que prejudiquem o estado geral do
gato sejam identificados, podendo ser confundidos com sinais de envelhecimento.
Dessa forma a doença pode estar em evolução há alguns meses antes da realização
do diagnóstico.

Os sinais mais clássicos de hipertireoidismo são perda de peso (pode progredir


para caquexia), polifagia (81%), agitação ou hiperatividade, alterações da pelagem
(alopecia dispersa, presença de nós, higiene ausente ou em excesso), poliúria,
polidipsia, vômito e diarreia. Alguns apresentam comportamento agressivo. A causa
dos sinais ocorre em grande parte devido ao aceleramento da taxa metabólica basal,
isso porque os hormônios tireoidianos regulam os processos metabólicos da produção
de calor para o metabolismo dos carboidratos, proteínas e lipídios, acarretando em
aumento do apetite, perda de peso, perda muscular, fraqueza, intolerância ao calor
e leve aumento de temperatura corporal. Também há elevação do consumo tecidual
de oxigênio, devido ao aumento no número de receptores e uma maior sensibilidade
as catecolaminas.

34
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Dermatologia

Pelagem geralmente é descuidada com pelos enovelados e eriçados, com excessiva


epilação, levando a extensas áreas de alopecias, porém com maior crescimento em
função do aumento da síntese proteica. Onicogrifose e pele quente são observadas
em alguns felinos. Já a alopecia se explica pelas excessivas lambeduras induzida pela
termogênese e por motivos de ordem comportamental.

Sistema gastrintestinal

A polifagia, que acontece em 98% dos casos, é causada pelo aumento da demanda
energética, e apesar do aumento da ingestão calórica a perda de peso é causada pelos
gastos energéticos e pela síndrome de má absorção gerada pela hipermotilidade
intestinal, que também podem ser acompanhados por esteatorreia. A hipermotilidade
gastrintestinal e a ação direta de T4 sobre o centro do vômito são um dos mecanismos
desencadeadores de diarreia e aumento de massa fecal e vômitos de intensidade crônica
ou esporádica nos gatos hipertireoideos. Todavia, é importante ressaltar que, em alguns
gatos hipertireoideos com outras doenças concomitantes, a perda de peso geralmente
é um sinal clínico comum, mas pode ser acompanhado de redução, e não aumento do
apetite. Pode haver também perda de massa muscular.

Há casos comuns de regurgitação, que parecem estar relacionados à ingestão alimentar


excessiva e rápida, já que os animais comumente costumam “roubar alimentos”.

Sistema renal

A poliúria e polidipsia ocorre em menos de 50% dos casos, e pode ser resultado de uma
doença renal concomitante, pois os hormônios da tireoide também afetam o sistema
renal, aumentando o fluxo sanguíneo local, a taxa de filtração glomerular, reabsorção
e secreção tubular e pelo aumento da perfusão renal. Porém, tais sintomas também
ocorrem em muitos gatos sem evidência de disfunção renal, já que os hormônios
tireoidianos apresentam ação diurética. Tem-se observado que a polidipsia compulsiva
pode ter origem psicogênica, principalmente pela sensação de calor.

Sistema cardiovascular

Por ser o hipertireoidismo a principal causa secundária de cardiomiopatias em felinos


e a condição mais comum que leva à insuficiência cardíaca, os sinais cardíacos são
achados clínicos de grande importância e isso se dá devido ao fato de que a tireotoxicose
aumenta o débito cardíaco levando a longo prazo alterações cardiovasculares, que
podem ser reversíveis. Cerca de 66% apresentam taquicardia, 53% sopro cardíaco e

35
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

12% insuficiência cardíaca congestiva. O excesso de hormônios tireoidianos induz


a produção de uma isoforma da miosina, que acelera a interação entre a actina e a
miosina no músculo cardíaco, aumentando a contratilidade. Com isso, os batimentos
cardíacos semelhantes a “pancadas” percebidos na palpação ventral do tórax e com
menor frequência déficit de pulso, ritmos de galope, sopro cardíaco e sons cardíacos
abafados resultantes de efusão pleural. Edema pulmonar, falência biventricular ou
arritmias, cardiomegalia e alterações eletrocardiográficas e ecocardiográficas, têm
sido descritas.

Tudo isso se dá pela ação direta de hormônios tireoidianos sobre o miocárdio, assim
como a interação entre T3 e T4 com o sistema nervoso simpático, que estimula a
hipertrofia cardíaca e aumenta o volume plasmático, a pressão arterial sistêmica, o
débito cardíaco, a frequência cardíaca e a contratilidade, levando a um remodelamento
cardíaco compensatório, resultante de alterações na síntese e na degradação de
proteínas miocárdicas, o que favorece a hipertrofia.

Sistema respiratório

Pode ocorrer dispneia, arquejamento ou hiperventilação em repouso, sintomas


observados com mais frequência após situações de tensão, mas podem ser ocasionalmente
percebidos pelo proprietário em casa. Essas anormalidades respiratórias provavelmente
resultam de uma combinação de fraqueza muscular, intolerância ao calor e aumento da
produção de dióxido de carbono, além da insuficiência cardíaca congestiva.

Sistema nervoso

A hiperatividade e comportamento agressivo são uns dos principais sinais que causam
grande preocupação nos tutores de pacientes afetados, e isso se dá devido aos efeitos
diretos no sistema nervoso. Felinos são geralmente irrequietos, podendo exibir
expressão de ansiedade e agressividade, tornando-se de difícil manuseio durante o
exame físico. Um fato que chama a atenção é a tolerância mínima desses animais diante
de situações que provoquem tensão, como uma simples viagem de carro até a clínica ou
hospital veterinário, juntamente com a contenção para o exame físico, pode resultar em
marcante angústia respiratória e fraqueza, com o surgimento de arritmias cardíacas (e
mesmo, parada cardíaca) em raros casos.

Essa capacidade diminuída de lidar com a tensão precisa ser considerada ao planejar os
procedimentos diagnósticos ou terapêuticos. A elevação das concentrações circulantes
de hormônios tireoidianos, presumivelmente por efeito direto sobre o sistema nervoso
e por aumento da atividade adrenérgica, causa hiperatividade, intranquilidade,

36
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

deambulação ou irritabilidade em muitos gatos hipertireoideos. A vocalização é


frequente nesses animais.

Porém, é possível também que haja uma forma incomum de hipertireoidismo,


ocorrendo em aproximadamente 10% dos gatos com hipertireoidismo. Conhecido
como “hipertireoidismo apático, nesses animais o estado de hiperexcitabilidade
ou intranquilidade é substituída por depressão, letargia, anorexia e perda de peso.
Esses gatos também apresentam, com frequência, anormalidades cardíacas, inclusive
arritmias e insuficiência cardíaca congestiva. Gatos anoréxicos, comumente observa-se
a flexão cervical ventral do pescoço geralmente responsiva à suplementação de fluido
com potássio e/ou tiamina (vitamina B1).

Sistema muscular

Fraqueza e presença de fadiga, queixas comuns em seres humanos hipertireoideos, são


descritas com menor frequência nos gatos. Nesses animais, a perda de peso geralmente
é um sintoma comum e depressão e fraqueza podem substituir hiperexcitabilidade ou
nervosismo, como características clínicas dominantes.

Em 90% dos gatos com hipertireoidismo, inclinando-se a cabeça do felino para trás,
pode-se palpar uma massa tireóidea discreta, o que não ocorre em gatos normais.
Alguns gatos apresentam dispneia, arquejamento, ou hiperventilação em repouso.
Essas anormalidades na função respiratória provavelmente resultam na combinação de
fraqueza dos músculos respiratórios e o aumento de produção de dióxido de carbono.

No hipertireoidismo, os metabolismos ósseo e mineral estão alterados caracterizado por


aumento nas atividades osteoblástica e osteoclástica, com predomínio da reabsorção
óssea e resultando em diminuição na massa óssea, podendo ou não causar hipercalcemia,
porém achados da densitometria mineral óssea e marcadores do metabolismo ósseo
indicam o desenvolvimento do hiperparatireoidismo secundário ao hipertireoidismo
felino. A reabsorção óssea induz, de maneira compensatória, o decréscimo da secreção
do PTH, na tentativa de manter os níveis séricos de cálcio normais, redução esta que
está correlacionada ao aumento na taxa de reabsorção tubular de fosfato. Esse parece
ser o fator de maior importância para justificar a elevação dos níveis séricos de fósforo;
entretanto, o aumento da mobilização de fósforo de origem óssea e dos tecidos moles
também pode contribuir para isso.

O hipertireoidismo é capaz de influenciar o metabolismo do cálcio, estimulando a


atividade osteoclástica, proporcionando maior reabsorção óssea e redução na absorção
do cálcio intestinal e hipercalciúria. Entretanto, a maioria dos pacientes tende a
apresentar valores dentro dos padrões de normalidade.

37
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Diagnóstico

Baseado no histórico, na identificação dos sintomas, na avaliação clínica laboratorial e


na exploração funcional dos lobos tireoidianos, por meio de testes específicos e palpação
dos lobos tireoidianos.

Exame físico

Para palpação da glândula tireoide, posicionar o pescoço do gato estendido e a cabeça


inclinada para trás e com o polegar e o dedo indicador, deve-se passar suavemente
os dedos sobre ambos os lados da traqueia longitudinalmente à laringe, movendo no
sentido ventral em direção à entrada do tórax.

Outra opção é o gato sentado e o clínico posiciona-se diretamente por trás do felino
para palpar o lobo da tireoide direita, segurando sua cabeça com a mão esquerda do
clínico, que deve ser colocada na mandíbula do animal, elevando-a em um ângulo de
45° e rotacionando em um ângulo de 45° para a esquerda. A ponta do dedo indicador
direito desce da laringe até a entrada do tórax. Se o lobo for palpável, sente-se o lobo
deslizando pelo dedo. Deve-se repetir essa manobra por quatro vezes para maior
segurança da técnica.

Quando aumentados de tamanho, os lobos da tireoide, migram em direção caudal


e ventral à região cervical, uma vez que os lobos da tireoide do gato encontram-se
levemente aderidos à traqueia. Porém, há a possibilidade de os lobos afetados terem
migrado para dentro da cavidade torácica, o que impede a palpação mesmo de lobos
aumentados de gatos hipertireóideos.

No entanto, a identificação de um lobo aumentado ao exame físico, ou ambos, não pode


ser considerada sinônimo de hipertireoidismo, uma vez que o aumento da tireoide pode
ser ocasionalmente detectado em gatos sem outras evidências clínicas ou laboratoriais
da doença. Contudo, o aumento de um lobo da tireoide ou de ambos pode ser percebido
no exame físico de até 95% dos gatos hipertireoideos, sendo um achado extremamente
importante para o diagnóstico da doença

Exames laboratoriais

É detectado um aumento no volume globular de metade dos gatos acometidos, que


parece resultar tanto de efeito direto dos hormônios tireoidianos sobre a medula
eritroide, como aumento da produção de eritropoietina. Com isso, há reticulocitose
e macrocitose em 50% dos gatos acometidos. O leucograma comumente mostra-se
com leucocitose, neutrofilia (segmentados), linfopenia e eosinopenia, refletindo um

38
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

leucograma de estresse. A eosinofilia e linfocitose podem ocorrer em um pequeno


número de gatos resultantes de uma diminuição relativa no cortisol disponível devido
ao excesso das concentrações de hormônios circulantes da tireoide.

Cerca de 90% dos gatos acometidos apresentam elevação atividade sérica de alanina
aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase (AST), que se dá em função de
hipermetabolismo hepático, disfunção hepática, má alimentação, hipóxia hepática
secundária e aumento do consumo de oxigênio pelo trato intestinal ou de forma
secundária aos problemas cardíacos e os efeitos tóxicos de T3, porém, isso não pode
ser considerado uma hepatopatia significativa porque os valores retornam ao normal
depois do tratamento para o hipertireoidismo. Já a atividade sérica da fosfatase alcalina
(FA) está aumentada em mais de 50% dos gatos hipertireoideos, sendo proveniente de
órgãos como fígado, ossos, intestino, além de outros tecidos. Sugere-se que o aumento
da FA em gatos com hipertireoidismo seja proveniente do fígado e dos ossos.

As concentrações de frutosamina sérica são diminuídas nos gatos hipertireoideos.


Essa redução deve-se ao acelerado turnover proteico e independe da concentração
sanguínea de glicose.

Frequentemente evidencia-se azotemia e hiperfosfatemia, porém nenhuma nefropatia


específica é atribuída ao hipertireoidismo. No entanto, acredita-se que o aumento
da pressão do capilar glomerular e da proteinúria em gatos com hipertireoidismo
possa contribuir para a progressão de uma doença renal preexistente, acometendo
principalmente animais velhos. Além disso, a ureia, pode estar aumentada devido ao
elevado catabolismo proteico. O hipertireoidismo aumenta a TFG, o fluxo sanguíneo
renal, e as capacidades reabsortiva e secretória dos túbulos renais em rins normais e
comprometidos. A perfusão renal e a TFG podem diminuir agudamente e a azotemia
ou sinais clínicos da DRC podem se tornar aparentes ou piorar significativamente após
o tratamento do estado hipertireóideo.

A densidade específica urinária geralmente está entre 1,008 e 1,020, levantando


suspeita de Doença Renal Crônica (DRC). Infecções do trato urinário são relativamente
comuns em gatos hipertireoideos não tratados, com prevalência entre 12% a 22%, sendo
a Escherichia coli, a bactéria mais comumente isolada, embora a maioria dos gatos seja
assintomáticos para infecções do trato urinário.

Exames de imagem

As radiografias torácicas podem demonstrar alterações cardíacas, derrame pleural.


A avaliação ultrassonográfica da tireoide pode ser usada para confirmar a origem da
massa cervical palpável, diferenciar o envolvimento unilateral do bilateral dos lobos

39
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

da tireoide e avaliar o tamanho das massas tireoidianas. O exame não dá informações


sobre o estado funcional da massa tireoidiana e não deve ser usado para estabelecer o
diagnóstico de hipertireoidismo. É usada somente como uma ferramenta adicional na
localização do tecido tireoidiano cervical.

Testes da função da glândula tireoidiana


Devem ser solicitados com base nos sinais clínicos e palpação de nódulo tireóideo.

Os níveis séricos de T4 Total encontram-se elevados em 90 a 98% dos gatos afetados,


sendo que uma concentração sérica de T4 anormalmente alta sustenta fortemente
o diagnóstico de hipertireoidismo, especialmente se os sinais clínicos esperados
estiverem presentes.

As concentrações séricas de T4 total que estão dentro da metade superior da faixa de


referência criam um dilema no diagnóstico, especialmente se os sinais clínicos forem
sugestivos de hipertireoidismo e houver um nódulo palpável na região ventral do
pescoço. Essa combinação de achados é referida como hipertireoidismo oculto, que é
mais comumente identificado em gatos nos estágios precoces de hipertireoidismo.

Já o teste de concentração sérica de T4 livre por diálise, é muito sensível para o


hipertireoidismo, com pequenos números (6 a 12%) de falsos positivos ocorrem nos
gatos com doença extratireoidiana. Este teste é indicado com o teste de T4 total quando
se suspeita de hipertireoidismo e os níveis prévios de T4 total apresentam-se normais
(2 a 10 % dos casos). A literatura traz que: Níveis altos de T4 livre por diálise em
associação com T4 total em níveis normais superiores (> 2,5 µg/dL) e sinais clínicos
de hipertireoidismo apoiam o diagnóstico. Níveis altos de T4 livre em associação
com T4 total em níveis normais inferiores ou baixos (< 2,5 µg/dL) e sinais clínicos de
hipertireoidismo apoiam o diagnóstico de doença extratireoidiana.

Várias técnicas estão disponíveis:

O radioimunoensaio (RIA) validado para soro felino, como o T4 Total Coat-A-Count


(Diagnostic Products Corp), é considerado a técnica preferida.

Ensaios de imunofluorescência com quimioluminescentes como o Immulite Total


T4 (Diagnostic Products Corp) também foram validados para o soro felino. Muitos
laboratórios comerciais preferem esta técnica porque é mais automatizada.

Um método de química enzimática (ensaio DRI de tiroxina, Microgenics Corporation)


também está sendo usado por alguns laboratórios. Essa técnica tem a vantagem de o

40
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

laboratório ser totalmente automatizado, o que beneficia o praticante e o paciente, pois


os resultados estão disponíveis mais cedo. No entanto, esta técnica não parece ter sido
independentemente validada para gatos.

Também estão disponíveis kits de teste de imunoabsorção enzimática (ELISA) internos.


Um estudo encontrou discrepâncias com este método de teste in-house comparado
com o RIA, mas dois estudos mais recentes encontraram concordância clínica entre os
mesmos testes internos e técnicas validadas.

A mensuração dos níveis séricos de T3 possuem utilidade limitada para o diagnóstico


de hipertireoidismo felino, pois 25 a 30% dos animais com hipertireoidismo mostram
níveis de T3 normais.

Já o teste de supressão de T3 é usado para distinguir felinos eutireoideos dos levemente


hipertireoideos, principalmente nos casos em que os resultados dos testes de T4 livre
por diálise e T4 total são inconclusivos. O teste de supressão de T3 baseia-se na teoria
de que a administração oral de T3 irá suprimir a secreção de TSH pela hipófise em gatos
eutireoideos, resultando em uma diminuição do T4 circulante. Em contraste, a secreção
de TSH já está suprimida em gatos hipertireoideos e a administração oral de T3 não
causará mais supressão, e o T4 sérico não diminuirá em seguida à administração de T3.

Neste teste, administra-se 25µg de T3, por via oral, três vezes ao dia, por sete dias e
a concentração sérica de T4 e T3 é determinada antes da administração e oito horas
após a última administração de T3. Os gatos normais consistentemente apresentam
concentrações de T4 pós-dose menor que 1,5µg/dL, enquanto os gatos hipertireoideos
apresentam concentrações de T4 pós-dose maiores que 2,0µg/dL. Os valores entre 1,5
e 2,0µg/dL não são diagnósticos.

A diminuição percentual na concentração sérica de T4 não é um indicador confiável


como o valor absoluto, embora a supressão de mais de 50% abaixo do valor basal ocorra
em gatos normais, mas não em hipertireóideos. A concentração sérica de T3 mensurada
na amostra de sangue após a administração do comprimido deve estar aumentada
em comparação com os resultados obtidos antes do início do teste em todos os gatos
testados apropriadamente, independente do estado da função da glândula tireoide.

Pode haver dificuldade no diagnóstico do hipertireoidismo, isso porque o T4 não se


encontra elevado ou a glândula não está aumentada de tamanho. Alguns gatos com
sinais clínicos evidentes de hipertiroidismo podem ter T4 total normal que se acredita
ser devido a um dos seguintes procedimentos:

Flutuação das concentrações de T4 e T3 dentro e fora da faixa normal, isto porque


demonstrou-se que o T4 e outros hormônios tireoidianos flutuam consideravelmente

41
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

ao longo do tempo em gatos com hipertireoidismo. Essas flutuações parecem ser


relevantes apenas em gatos com hipertireoidismo leve, em que uma flutuação para
baixo pode reduzir o T4 para dentro do intervalo de referência.

Pode haver supressão das concentrações séricas de T4 e T3 no intervalo normal devido a


doença não tireoidiana concomitante, pois doenças como doença renal crônica, diabetes
melittus, neoplasia, distúrbios gastrointestinais e doença hepática primária, suprimem T4.
Reconhece-se também a infecção como supressora de T4, como aquela adquirida por
meio de uma lesão por briga de gato ou doença dentária. No caso de doença renal,
o hipertireoidismo pode mascarar a doença renal concomitante à doença renal que
suprime o T4; assim, os gatos com doença renal leve e hipertireoidismo leve não podem
ter azotemia nem T4 total elevado. Ocasionalmente, os gatos com hipertireoidismo
extremamente doentes podem apresentar sinais clínicos de hipertireoidismo, mas
as concentrações séricas totais de T4 suprimidas até o limite inferior do intervalo de
referência normal. Nesses casos, a doença concomitante determina o prognóstico e a
existência de hipertireoidismo de menor significado clínico.

Como não há uma abordagem definitiva para diagnosticar hipertireoidismo quando o


T4 total é normal, o veterinário tem várias opções:

1. Repetir o total de T4: quando a doença subjacente manifesta e controlável,


como um abscesso de gato, está presente, isso deve ser administrado em
primeira instância. Se os sinais de hipertireoidismo forem reconhecidos
quando um gato se apresentar para tal problema, o praticante pode optar
por não testar o hipertireoidismo até após o tratamento bem-sucedido.
Quando não houver doença subjacente manifesta, o veterinário deve
esperar pelo menos 1 a 2 semanas, pois as flutuações do hormônio
tireoidiano são maiores que as horas.

2. Cintilografia: a cintilografia tireoidiana é um procedimento de medicina


nuclear que produz uma exibição visual do tecido funcional da tireoide.
com base na captação seletiva de vários radionuclídeos pelo tecido
tireoidiano. A cintilografia da tireoide é capaz de identificar doenças
da tireoide e definir o grau da doença relativamente não afetado pela
presença de doença não tireoidiana concomitante. O tecnécio (99mTc)
como pertecnetato (99mTcO4) é um isótopo de iodo radioativo que
aumenta a captação em gatos com hipertireoidismo. O gato é injetado
por via intravenosa ou subcutânea com pertecnetato e, em seguida, as
imagens são tiradas com uma câmara gama 20 minutos depois. A captação
pela glândula tireoide é comparada com a captação pelas glândulas
salivares. É geralmente aceito que a taxa de captação de tireoide para
42
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

saliva em gatos saudáveis é menor que 1. A cintilografia também é útil


na identificação de tecido tireoidiano ectópico, que pode estar presente
em qualquer lugar da base da língua, caudalmente a dentro da cavidade
torácica. Embora a cintilografia seja altamente sensível no diagnóstico de
gatos com hipertireoidismo, um estudo questionou sua especificidade,
com 3 dos 14 gatos comprovando ser falsos positivos (pela avaliação
histológica das tireoides).

3. Valores livres de T4 (testados por diálise de equilíbrio): é mais sensível


que T4 total em gatos com hipertireoidismo, com um grande estudo
demonstrando 98,5% com T4 livre elevado comparado com 91,3% com
T4 total elevado, entretanto, pode ser usado como teste de triagem de
rotina porque a doença não tireoidiana pode causar uma elevação do
T4 livre em até 12% dos gatos não hipertireoidianos. O teste T4 livre
fornece informações muito úteis quando usado em conjunto com o
teste T4 total simultâneo. Uma concentração de T4 total de média a alta
concentração e uma elevada concentração de T4 livre são consistentes
com hipertireoidismo. Em contraste, um baixo valor de T4 total e T4
livre elevado são geralmente associados com doença não tireoidiana.
Deve-se tomar cuidado para que as medidas laboratoriais T4 livre por
diálise de equilíbrio, na medida em que outras técnicas são consideradas
menos precisas.

4. TSH: à medida que o hipertireoidismo se desenvolve, o TSH é suprimido


e teoricamente, como em humanos, pode-se esperar que os níveis de TSH
sejam baixos nos estágios iniciais. No hipertireoidismo antes de T4 estar
elevado ou que o TSH permanecerá baixo se T4 for suprimido por doença
não tireoidiana. Embora não exista atualmente teste de TSH felino, o TSH
canino tem 96% de homologia com TSH felino, por isso testes caninos
têm sido utilizados, porém isso ainda é controverso.

5. Teste dinâmico: na maioria dos gatos com hipertireoidismo com


concentrações normais de T4 total, a identificação de doença
concomitante, a repetição da análise total de T4 ou a dosagem
simultânea de T4 livre permite a confirmação do diagnóstico. Mais testes
de diagnóstico raramente são necessários. Embora testes de função
tireoidiana dinâmicos tenham sido recomendados no passado como úteis
para confirmar o diagnóstico de hipertireoidismo, o consenso atual é que
esses testes devem ser considerados apenas em gatos com sinais clínicos
sugestivos de hipertireoidismo quando a concentração total repetida de

43
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

T4 permanecer dentro do intervalo de referência ou livre A análise de T4


não está disponível ou é diagnosticamente inútil. Os autores raramente,
ou nunca, usam esses testes.

A supressão de T3, por exemplo, em um gato não hipertireoidiano, a administração


de T3 deve suprimir a secreção de TSH e, portanto, a secreção de T4. Em gatos com
hipertireoidismo, a função tireoidiana é autônoma, de modo que a administração de T3
tem pouco efeito sobre a concentração sérica de T4. O T3 deve ser administrado por via
oral a cada 8 horas por sete doses (ou seja, mais de 3 dias). O não cumprimento deste
protocolo significa que T3 não aumentará e, portanto, T4 não será suprimido.

Outro teste é a estimulação do hormônio liberador de tireoide (TRH). Em gatos


clinicamente normais, a administração de TRH causa um aumento na secreção de TSH
e T4 sérico em gatos com hipertireoidismo, a resposta do TSH e do T4 sérico ao TRH
é diminuída ou totalmente ausente. T4 é colhido e amostrado antes e 4 horas após
a administração intravenosa de 0,1 mg/kg de TRH. Gatos com hipertireoidismo leve
mostram pouco ou nenhum aumento nos valores séricos de T4 após a administração
de TRH, enquanto um aumento consistente nas concentrações séricas de T4
(aproximadamente duas vezes) ocorre após administração de TRH em gatos clinicamente
normais e gatos com doença não tireoidiana. Os efeitos colaterais, como salivação,
vômitos, taquipneia e defecação, quase invariavelmente ocorrem imediatamente após
a administração do TRH.

Por fim, há o teste de estimulação do TSH. O TSH exógeno deve ser um potente
estimulador da secreção do hormônio tireoidiano; no entanto, as concentrações
séricas totais de T4 mostram pouco ou nenhum aumento após a administração
exógena de TSH bovino em gatos com hipertireoidismo. O TSH humano recombinante
foi avaliado em gatos saudáveis e, embora pareça ser um substituto seguro e eficaz
para o TSH bovino, ainda não foi avaliado em gatos com hipertireoidismo. O teste de
estimulação do TSH não é recomendado para diagnosticar hipertireoidismo.

Tratamento
Após ter sido feito o diagnóstico, o tratamento consiste em controlar a excessiva secreção
de hormônio tireoidiano. O hipertireoidismo felino pode ser tratado de 4 maneiras,
sendo que todas as quatro modalidades de terapia são efetivas. Entre elas estão:
tireoidectomia; uso de iodo radioativo (I131) ou administração contínua de fármacos
antitireoidianos, ou uma dieta restrita em iodo (Quadro 1).

É sempre preferível tratar inicialmente com uma terapia reversível, para reversão dos
desarranjos metabólicos e cardíacos induzidos pelo hipertireoidismo. Além do cardíaco

44
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

poderá ocorrer a desestabilização do animal devido à diminuição da TFG, podendo


desencadear uma de compensação da DRC.

Quadro 1. Indicações, Contraindicações e Desvantagens das Quatro Modalidades Terapêuticas para


Hipertireoidismo em Gatos.

CONTRA INDICAÇÕES
TERAPIA INDICAÇÕES DESVANTAGENS
RELATIVAS
Terapia a longo prazo para todas as formas de Terapia diária necessária, sem efeito
Metimazol,
hipertireoidismo; terapia inicial para estabilizar a sobre o crescimento da tireoide,
propiltiouracil, Nenhuma
condição do gato e avaliar a função renal antes reações adversas discretas comuns;
carbimazol
da tireoidectomia ou iodo radioativo severas reações possíveis
Terapia a longo prazo para todas as formas
Regimentos rígidos para garantir
de hipertireoidismo; terapia inicial para
Administração concomitante de nenhum acesso a qualquer outra fonte
estabilizar a condição do gato e avaliar a
Dieta restrita em medicamentos antitireoidianos dietética de iodo, o gato deve ser
função renal antes da tireoidectomia ou iodo
iodo não recomendada pelo fabricante mantido estritamente em ambiente
radioativo; opção terapêutica reversível para
da ração doméstico; problemático em um
gatos que desenvolvem reações adversas
ambiente com muitos gatos
para gatos
Lobo tireoidiano ectópico;
carcinoma metastático; lobos
Riscos anestésicos; recidiva da
Envolvimento unilateral dos lobos; grandes bilaterais simétricos (alto
Tireoidectomia doença; complicações pós-operatórias,
envolvimento bilateral, tamanhos assimétricos risco de hipocalcemia); sinais
especialmente hipocalcemia
sistêmicos severos; arritmias ou
insuficiência; insuficiência renal
Terapia para todas as formas de
Disponibilidade limitada; tempo de
hipertireoidismo; tratamento de escolha para
Iodo radioativo Insuficiência renal internação; potencial para um novo
lobo tireoidiano ectópico; carcinoma da
tratamento; prejudicial para humanos
glândula tireoide

Fonte: Medicina Interna de Pequenos Animais, Nelson e Couto, 5. ed. 2015.

Fármacos antitireoidianos orais


As medicações orais são baratas, prontamente disponíveis, relativamente seguras, e
efetivas no tratamento do hipertireoidismo em gatos. Elas inibem a síntese de hormônios
tireoidianos pelo bloqueio da incorporação de iodo aos grupos tirosil na tireoglobulina
e pela prevenção do acoplamento destes grupos iodotirosil para formação de T3 e T4,
porém não bloqueiam a liberação de hormônio tireóideo armazenado na circulação e
não apresentam ação antitumoral.

As indicações para a utilização de fármacos antitireoidianos orais incluem:

»» Teste de terapia que normalize as concentrações séricas de T4 e sirva de


avaliação dos efeitos da resolução do hipertireoidismo sobre a função renal.

»» Terapia inicial para aliviar ou eliminar qualquer problema médico


associado à síndrome antes da realização da tireoidectomia ou da
internação necessária para terapia com iodo radioativo.

»» Terapia a longo prazo do hipertireoidismo.


45
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

O fármaco antitireoidiano mais comumente utilizado é o metimazol na dose de 2,5 mg


por via oral (VO) a cada 12 horas durante sete a dez dias, seguido pela avaliação do
T4 total, hemograma completo e bioquímica sérica. O metimazol bloqueia a síntese
de hormônios tireoidianos inibindo a peroxidase da tireoide, uma enzima envolvida
na oxidação do iodo em iodo, incorporação de iodo na tireoglobulina e acoplamento
de resíduos de tirosina para formar T4 e T3. O metimazol não bloqueia a liberação do
hormônio tireoidiano pré-formado, havendo um atraso de 2 a 4 semanas antes que as
concentrações séricas de T4 voltem ao normal após o início da terapia.

Também não diminui o tamanho do bócio e, como a hiperplasia ou o crescimento


adenomatoso continua, os bócios tornam-se maiores ao longo do tempo, apesar da
terapia. Na maioria dos gatos, 2,5 mg duas vezes ao dia é uma dose apropriada para
controlar os sinais clínicos. Num estudo de 40 gatos com hipertiroidismo, 5 mg uma
vez por dia foram menos eficazes do que 2,5 mg duas vezes por dia, com apenas 54% de
gatos eutireoidianos após 2 semanas de tratamento diário, em comparação com 87%
dos gatos tratados com doses diárias divididas. As doses podem ser tituladas para cima
se o gato não responder à dose inicial.

Não é aconselhável iniciar o tratamento com uma dosagem maior que 5 mg/gato/dia.
Caso o proprietário não observe nenhum efeito adverso do metimazol, a dosagem
poderá ser elevada, caso necessário, para 2,5 mg, 3 vezes/dia (ou 5 mg pela manhã e
2,5 mg à noite, ou vice-versa), por mais 2 semanas. O gato deve retornar ao veterinário
após o término das 4 semanas de “triagem terapêutica”. Uma nova avaliação do
histórico e do exame clínico deve ser realizada. Amostras sanguíneas devem ser
colhidas para realização do hemograma completo, contagem de plaquetas, bioquímica
sérica (ureia, creatinina e AST) e mensuração da concentração de T4 total. A coleta
das amostras deve ser feita 4 a 6h após a dose mais recente do metimazol. Caso a
concentração sérica de T4 esteja entre os limites normais de referência ou perto
deles, a dosagem pode ser mantida por mais 2 a 6 semanas adicionais, possibilitando
nova determinação para verificar a necessidade de novos ajustes de dosagem. Caso a
concentração sérica de T4 esteja abaixo dos limites normais de referência, a dosagem
deverá ser reduzida.

Se os níveis de T4 total permanecem elevados e não há efeitos colaterais significativos,


a dose deverá ser aumentada para 5mg VO de manhã e 2,5mg VO ao anoitecer durante
sete a dez dias, quando os mesmos exames devem ser repetidos. Casos os níveis
permaneçam elevados, a dose deverá ser aumentada para 5mg VO a cada 12 horas.
Esse esquema gradual com a realização dos exames deve ser realizado até que T4 total
chegue ao nível normal. Nesse caso, T4 total, hemograma e bioquímica sérica serão
avaliados a cada quatro a seis meses. A melhora clínica geralmente é observada dentro

46
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

de duas a quatro semanas, desde que um bom controle da concentração sérica de T4


seja alcançado.

A maioria dos gatos necessita de dose de 5 ou 7 mg/dia de metimazol para controlar o


hipertireoidismo. Esse fármaco é mais efetivo quando administrado a cada 8 ou 12 h.
Ocasionalmente, os gatos requerem a dose de 10 mg/dia. Não é muito comum o gato
necessitar mais que 10 mg de metimazol ao dia usando esse protocolo. Quando dose
de 10 mg ou mais de metimazol estiver sendo administrada ao gato e não se observar a
redução da concentração sérica de T4, o veterinário deve verificar se o proprietário está
administrando o medicamento corretamente.

Os efeitos adversos associados à administração do metimazol surgem predominantemente


durante os primeiros 3 meses de tratamento. No geral, os efeitos mais comuns incluem
anorexia (11%), vômitos (11%) e letargia (9%) de maneira moderada e transitória, o
que se resolve com a administração continuada do medicamento. Ocasionalmente,
esses sinais podem ser graves e/ou persistentes, exigindo a suspensão do fármaco.
O aumento de FA, bilirrubinas ou ALT também é observado em 2% dos gatos tratados
com metimazol, sendo essas alterações reversíveis após sua interrupção. Alguns gatos
apresentam reação idiossincrásica aparente ao fármaco, caracterizada por escoriações
faciais autoinduzidas, durante as primeiras 4 a 8 semanas de terapia. Essa dermatopatia
é parcialmente responsiva aos corticoides, mas necessita da interrupção do metimazol
para a sua resolução completa.

Efeitos colaterais hematológicos durante a administração do metimazol podem incluir


eosinofilia transitória, linfocitose ou linfopenia, que ocorrem tipicamente nas primeiras
semanas de terapêutica. Embora essas alterações ocorram em 5 a 10% dos casos, não
há efeito clínico aparente. Complicações hematológicas mais sérias ocorrem em menos
de 5% dos gatos tratados e incluem trombocitopenia, diátese hemorrágica, leucopenia,
anemia hemolítica e miastenia gravis. Como os efeitos colaterais mais sérios associados
ao uso do metimazol ocorrem durante os primeiros 3 meses do tratamento, é importante
proceder a um rigoroso monitoramento do paciente. A avaliação deve incluir exame
clínico geral, hemograma completo, perfil bioquímico sérico e concentração de T4.

Como terapia alternativa pode-se utilizar o carbimazol, que é convertido em metimazol


in vivo. É uma terapia efetiva, na qual dose e frequência de administração, além das
reações adversas serem as mesmas daquelas da terapia oral com metimazol.

O carbimazol é um derivado do metimazol que é convertido em metimazol in vivo,


podendo ser utilizado como terapia alternativa, porém só está disponível atualmente
na Austrália e Europa. Como uma dose de 5 mg de carbimazol é equivalente a uma dose
de 3 mg de metimazol, 5 mg duas vezes ao dia é uma dose apropriada para o controle

47
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

do hipertireoidismo na maioria dos gatos. Para o controle inicial, 5 mg três vezes ao


dia têm sido defendidos, mas 5 mg duas vezes diariamente é adequado na maioria dos
gatos, e se a dose precisar ser titulada para cima, 7,5 mg duas vezes ao dia alcança o
mesmo resultado que 5 mg três vezes ao dia.

Efeitos adversos podem ser observados tanto com o metimazol quanto com o carbimazol,
embora sejam menos comuns e graves com o carbimazol. A anorexia, vômitos e letargia
transitórios, autolimitados são os efeitos colaterais mais comuns, ocorrendo em
aproximadamente 10% dos gatos tratados com metimazol.

Reduzir para metade a dose e a titulação para a dose eficaz mais baixa pode ser útil para
reduzir estes efeitos secundários. Os efeitos secundários mais graves incluem discrasias
sanguíneas, como neutropenia e trombocitopenia, em 3% a 9% dos gatos tratados;
hepatopatia em aproximadamente 2% dos gatos e escoriações da face e do pescoço em
2% a 3% dos gatos. Todos esses efeitos adversos são reversíveis com a descontinuação
do medicamento.

Preparações transdérmicas de metimazol e, mais recentemente, carbimazol têm se


mostrado alternativas menos eficazes que as versões orais desses medicamentos, porém
é uma alternativa segura e efetiva às formulações orais convencionais. As preparações
transdérmicas devem ser preparadas por uma farmácia de manipulação e, para garantir
a estabilidade do fármaco, devem ser dispensadas em quantidades com duração não
superior a 1 mês. Eles podem ser usados quando o tutor tem dificuldade em medicar o
gato e com a vantagem de diminuir os efeitos colaterais gastrointestinais.

Os cremes à base de organogel (plurônico) de lecitina associados ao metimazol podem


ser feitos em farmácias de manipulação em qualquer tipo de concentração, embora a de
20 mg/mℓ seja bastante utilizada. O proprietário deve usar luvas e colocar na ponta do
dedo a quantidade de creme necessária para o animal e passá-la no interior do pavilhão
auricular. O metimazol transdérmico leva mais tempo para se tornar efetivo quando
comparado à forma oral. Entretanto, a diferença não se torna significativa após 4
semanas. Os proprietários devem ser aconselhados a alternar os pavilhões auriculares
quanto à colocação do gel, e eles devem remover qualquer resíduo do fármaco após 30
a 120 min da administração. A dose inicial de aplicação deve ser de 1 mg do metimazol
em organogel de lecitina aplicado topicamente 1 vez/dia, durante 2 semanas, e depois
aplicado 2 vezes/dia, durante 2 semanas adicionais. Os ajustes e o protocolo seguem as
mesmas orientações da administração por via oral do metimazol. No entanto, podem
ser observados incômodo e hiperemia no local de aplicação.

Metimazol ou carbimazol são adequados para tratar 99% dos gatos com hipertireoidismo.
Alguns gatos, no entanto, não toleram a dose de metimazol ou carbimazol necessária para

48
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

controlar o hipertireoidismo. Nestes casos, uma terapia permanente é recomendada.


Para gatos que não são bons candidatos para terapia permanente (por exemplo, azotemia
moderada a grave, idade avançada com outros problemas debilitantes), doses menores
de metimazol ou carbimazol podem ser usadas, e terapia medicamentosa adjunta pode
ser usada para gerenciar outros problemas, como por exemplo um beta bloqueador
como atenolol para controlar taquicardia ou amlodipina para hipertensão.

É de extrema importância a avaliação simultânea de T4 e função renal durante a terapia


com metimazol, para avaliar se o rim é capaz de tolerar o nível de TFG associado à
função normal da tireoide. A insuficiência renal nítida ocorre em aproximadamente
30% dos gatos tratados para hipertireoidismo. Isso geralmente ocorre dentro de 1
mês do início do tratamento e tende a permanecer em grau leve e estável ao longo
do tempo. A terapia leva à redução da TFG, independentemente se o tratamento for
medicamentoso, cirúrgico ou radioativo, na maioria dos gatos hipertireoideos. Uma vez
que o tratamento com metimazol é reversível, é a abordagem preferida para o tratamento
inicial de animais hipertireoideos com azotemia preexistente, para determinar se a
redução do valor de T4 levará a uma descompensação renal aceitável.

A hipertensão leve a moderada é comum em gatos com hipertireoidismo não tratado


e mostra-se reversível após sucesso no tratamento do estado hipertireoideos.
A hipertensão pode não se resolver imediatamente, mesmo com o valor de T4 dentro dos
valores de referência, e quadros de hipertensão moderada a grave devem ser tratados
concomitantemente com bloqueadores de canais de cálcio, betabloqueadores ou
inibidores de enzima conversora de angiotensina (ECA). Em alguns gatos hipertireoideos
que não apresentam quadro de hipertensão no momento do diagnóstico, a hipertensão
pode de fato ocorrer muitos meses após o início do tratamento para o hipertireoidismo,
possivelmente devido ao reconhecimento de uma insuficiência renal de base. Portanto,
é extremamente indicada a reavaliação do quadro de hipertensão 2 a 3 meses após
restabelecimento do estado eutireoideo.

Iodo radioativo
Atualmente, é o tratamento definitivo de escolha por ser simples eficaz e seguro, além
de evitar o inconveniente da administração diária oral de fármacos antitireoidianos e os
efeitos colaterais associados a esses fármacos. Também evita os riscos e as complicações
pós-operatórias associados à anestesia e à tireoidectomia.

O tratamento envolve dosagem oral ou injeção por via subcutânea ou intravenosa e


não apresenta morbidade ou mortalidade associadas. Consiste na administração de um
radioisótopo (I131) que é concentrado pela glândula tireoide, primariamente nas células

49
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

tireoidianas hiperplásicas ou neoplásicas, onde irradia e destrói o tecido anormal.


O iodo radioativo administrado se concentra e destrói o tecido hiperativo da tireoide
dentro do corpo do gato, seja na área cervical normal ou em locais ectópicos. Quando
administrada a um gato com hipertiroidismo, uma grande porcentagem de radioiodo
se acumula na glândula tireoide (ou seja, a maioria dos gatos extrai entre 20% e 60%
da dose administrada de radioiodo da circulação). O restante do I131administrado é
excretado principalmente na urina e, em menor grau, nas fezes. O I131 tem uma meia-vida
de 8 dias e emite tanto as partículas beta quanto a radiação gama. As partículas beta,
que causam 80% do dano tecidual, percorrem no máximo 2 mm no tecido e têm um
comprimento médio de trajeto de 400 µm. Portanto, as partículas beta são localmente
destrutivas, mas poupam o tecido hipoplásico adjacente da tireoide, as glândulas
paratireoides e outras estruturas cervicais.

A maior parte dos gatos hipertireoideos tratados com iodo radioativo são curados com
uma única dose (80% dos casos, 10% não respondem ao tratamento e 10% desenvolvem
hipotireoidismo).

A principal desvantagem é a necessidade de longo tempo de hospitalização (1 a duas


semanas) sendo necessário seguir rigorosamente as normas de segurança quanto à
exposição à radiação. Portanto, embora a terapia seja simples e relativamente livre de
estresse para gatos, ela requer instalações especiais de licenciamento e hospitalização e
extensa conformidade com as leis locais e estaduais de segurança contra radiação.

Outra desvantagem é que durante esse período também não são permitidas visitas,
tornando os animais muitas vezes deprimidos.

Enquanto hospitalizados, os gatos devem ser alojados em gaiolas que protejam a


emissão de radiação e permitam a coleta segura de urina e fezes. A ala deve ser restrita
a pessoal devidamente treinado em segurança contra radiação. O nível de emissão de
radiação do gato deve ser avaliado (geralmente pelo contador Geiger) antes que o gato
possa receber alta hospitalar.

Mesmo quando em casa, o gato continua emitindo radiação residual mínima por várias
semanas; portanto, o contato próximo com os proprietários deve ser limitado a períodos
não superiores a 30 minutos e a liteira suja deve ser descartada em sistemas de esgoto
sanitário por aproximadamente duas semanas. O contato com mulheres grávidas ou
crianças é totalmente proibido neste período.

O efeito colateral mais notável do iodo radioativo é o hipotireoidismo induzido por


uma dose muito grande. Em muitos casos, pode haver uma redução laboratorial no
soro T4 sem sinais clínicos. O T4 total do soro deve ser reavaliado 1 mês após a terapia,

50
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

embora possa demorar vários meses para que os sinais clínicos de hipertireoidismo
sejam resolvidos completamente. Recidiva após I131 é possível, mas rara, e se ocorrer
pode ser de 3 ou mais anos após o tratamento.

Tireoidectomia
É uma opção efetiva de tratamento para gatos com hipertireoidismo, pois oferece cura
permanente sem tratamento medicamentoso contínuo, além de não necessitar de
equipamento especializado, mas deve ser sempre considerada como um procedimento
eletivo. Esta pode ser realizada com uma baixa incidência de complicações quando
realizada por um cirurgião experiente, porém em animais graves esta pode ser associada
com morbidade e mortalidade significativas.

A tireoidectomia é um procedimento simples que pode ser realizada pela maioria dos
cirurgiões, porém, candidatos ao procedimento cirúrgico necessitam de avaliação pré-
operatória extremamente cautelosa, para detecção de problemas concomitantes, como
doença renal e cardiomiopatia, principalmente devido à faixa etária desses animais que
geralmente são idosos.

Os animais devem ser estabilizados antes da cirurgia, sendo ideal alcançar o


eutireoidismo antes da cirurgia, principalmente para que os efeitos cardíacos do
hipertireoidismo sejam reduzidos (e preferivelmente eliminados) minimizando assim,
problemas anestésicos e cirúrgicos, particularmente para aqueles que apresentam
alterações cardiovasculares tireotóxicas. Os fármacos indicados para o controle da
produção hormonal são o metimazol, por 7 a 10 dias antes da cirurgia, sendo os níveis
séricos de T4 total reavaliados, tendo neste caso, diminuído ou normalizado, assim
estando o gato apto a ser submetido à cirurgia. Para um grupo seleto de animais que
apresentam efeitos colaterais ou que não respondem ao tratamento com o metimazol, os
efeitos cardiovasculares e neuromusculares devido ao excesso do hormônio da tireoide
podem ser controlados com o uso de betabloqueadores, como propranolol, na dose de
0,5 mg/kg, a cada 8 ou 12 h, durante 2 a 5 dias anteriores à cirurgia. Outro agente
betabloqueador que pode ser empregado para gatos hipertireoideos é o atenolol, um
beta-1 bloqueador adrenérgico que pode ser administrado 1 vez/dia, na dose de 6,25 a
12,5 mg por gato.

O cloridrato de acepromazina, na dose de 0,1 mg/kg por via intramuscular, pode ser
empregado nos protocolos anestesiológicos como pré-medicação, pois tem propriedades
antiarrítmicas. A indução anestesiológica é segura e efetiva com o cloridrato de
cetamina, na dose de 5 a 10 mg/kg por via intramuscular. O propofol, na dose de 2 a
4 mg/kg por via intravenosa, pode ser empregado. Barbitúricos também podem ser

51
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

usados, por exercerem atividade antitireoidiana, mas podem deprimir o miocárdio e


causar arritmia ventricular. O ideal é manter a anestesia com isoflurano ou halotano.
A arritmia cardíaca é comum durante a anestesia desses animais, especialmente
naqueles que não foram preparados para a cirurgia. Se a arritmia se desenvolver, é
aconselhável reduzir o fluxo do anestésico e manter o animal sob ventilação com alto
teor de oxigênio. Se a alteração persistir, podem ser administradas pequenas doses de
propranolol intravenoso na dose de 0,1 mg/gato.

Há várias técnicas de tireoidectomia descritas em felinos, entre elas: Técnica de


tireoidectomia extracapsular, Técnica de tireoidectomia extracapsular modificada,
Técnica de tireoidectomia intracapsular, Técnica de tireoidectomia intracapsular
modificada, Técnica de tireoidectomia em etapas, Técnica de tireoidectomia com
implantação da glândula paratireoide externa.

A seguir, uma breve descrição das técnicas.

Técnica de tireoidectomia extracapsular

A primeira técnica cirúrgica recomendada para o tratamento do hipertireoidismo felino


foi, na realidade, uma tireoparatireoidectomia, visando à remoção de todo o tecido
tireóideo, havendo, concomitantemente, a remoção de todo o tecido da paratireoide,
já que a maioria dos gatos com hipertireoidismo apresentava adenomas bilaterais.
Assim, a técnica de tireoidectomia extracapsular consiste em retirar a glândula tireoide
juntamente com as glândulas paratireoides associadas. Após acessar a glândula, o lobo
tireoidiano é isolado e os vasos tireoidianos craniais e caudais são isolados e ligados,
removendo-se completamente o lobo. Uma vez que os hormônios produzidos pelas
glândulas paratireoides são responsáveis pela homeostase de cálcio, a remoção das
quatro glândulas paratireoides ao mesmo tempo, no caso da tireoparatireoidectomia
bilateral, é associada a grave hipocalcemia, ameaçando a vida do paciente. O risco de
hipocalcemia é maior quando os dois lobos são retirados ao mesmo tempo, já que o
acometimento da hiperplasia adenomatosa tireoidiana é bilateral na maioria dos casos.

Técnica de tireoidectomia extracapsular


modificada

Com o intuito de preservar a glândula paratireoide externa, uma incisão na cápsula


tireoidiana de 300° é realizada ao redor da glândula paratireoide externa, a pelo menos
2 mm da glândula. A glândula paratireoide externa é separada da glândula tireoide e da
cápsula que a envolve. Pode ser utilizado eletrocautério para a separação da glândula
paratireoide, tomando cuidado para não lesar a glândula ou seu suprimento. O suprimento

52
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

sanguíneo tireoidiano caudal é ligado e transeccionado. O lobo tireoidiano é removido,


deixando a glândula paratireoide.

Técnica de tireoidectomia intracapsular

Essa técnica visa reduzir a incidência de hipocalcemia pós-operatória com a remoção


da glândula tireoide, sem afetar a glândula paratireoide. O lobo tireoidiano é isolado
e uma incisão horizontal na cápsula é realizada no aspecto ventral da glândula.
O parênquima tireoidiano é liberado da cápsula, com o auxílio de uma haste com algodão
estéril na ponta embebido em solução salina, deixando intacta a glândula paratireoide
e sua vascularização. O lobo tireoidiano é removido, deixando a cápsula tireoidiana
e a glândula paratireoide externa. O inconveniente dessa técnica é a permanência de
tecido tireoidiano na cápsula e a hiperplasia desse tecido remanescente, podendo levar
ao retorno do hipertireoidismo dentro de 8 a 63 meses pós-cirúrgicos. Estudos indicam
uma recidiva de 4 de 85 gatos e em decorrência do tecido tireoidiano deixado durante
a cirurgia.

Técnica de tireoidectomia intracapsular


modificada

No intuito de reduzir o risco de retorno ao estado de hipertireoidismo, a técnica


intracapsular foi modificada, ocorrendo a remoção de quase toda a cápsula da
tireoide após a remoção da glândula tireoide. Nessa técnica, após a remoção do lobo
tireoidiano, a cápsula tireoidiana é excisada próximo à glândula paratireoide externa,
permanecendo mínimo tecido capsular. Recidivas de hipertireoidismo ocorrem em
aproximadamente 22% dos gatos submetidos a tireoidectomia intracapsular e em
nenhum dos 30 submetidos à técnica intracapsular modificada. Outro estudo observou
que, de 126 gatos, apenas 8,7% com tireoidectomia intracapsular tiveram recidiva do
hipertireoidismo, nenhum animal teve recidiva com a técnica intracapsular modificada
e um paciente teve recidiva com a técnica extracapsular modificada.

Técnica de tireoidectomia em etapas

Na tentativa de evitar o hipoparatireoidismo, nos casos de gatos que apresentam


comprometimento bilateral dos lobos tireoidianos, a técnica de tireoidectomia em
etapas é mais indicada, a qual retira-se um lobo e, após 3 a 4 semanas, retira-se o outro,
podendo ser empregada tanto a técnica de tireoidectomia intracapsular modificada
como a técnica de tireoidectomia extracapsular modificada. Isso permite a recuperação
da glândula paratireoide externa do trauma cirúrgico. Outra vantagem dessa técnica é
a ida do paciente para casa no mesmo dia sem o risco de desenvolver hipocalcemia.

53
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Técnica de tireoidectomia com implantação da


glândula paratireoide externa

Uma técnica tem sido descrita, com retirada total do lobo tireoidiano e implantação da
glândula paratireoide externa no músculo esterno-hióideo. Realiza-se a ligadura dos
vasos tireoidianos craniais e caudais com fio absorvível número 4-0, onde remove-se
o lobo tireoidiano juntamente com a glândula paratireoide externa. A glândula
paratireoide externa é separada completamente do lobo tireoidiano com bisturi,
sendo colocada em uma gaze embebida em solução salina. Uma incisão no músculo
esterno-hióideo ipsilateral de meio a um centímetro é realizada e a glândula é
colocada nesse músculo, sendo suturado com um ponto simples. Se o outro lobo
estiver acometido, esperam-se 30 dias para a revascularização e a revitalização da
paratireoide implantada. A função da paratireoide costuma retornar em 21 dias
após implantação.

A principal complicação pós-cirúrgica é a hipocalcemia (1 a 3 dias após a cirurgia


em virtude da lesão na glândula paratireoide externa), para reduzir as chances de
hipocalcemia, recomenda-se preservar as glândulas paratireoides e não realizar
tireoidectomia bilateral. Por esse motivo, recomenda-se operar os gatos com
comprometimento de ambos os lobos tireoidianos em etapas, sendo o maior lobo
removido primeiramente e o segundo, após 3 a 4 semanas. Embora a doença seja
bilateral em 70% dos casos, a maioria deles tem um lado dominante, e geralmente
leva anos para o hipertireoidismo recorrer da glândula remanescente, se é que ocorre.
A hipocalcemia é uma consequência rara de tireoidectomia unilateral. Quando a
retirada da glândula paratireoide acontecer inadvertidamente, pode ser implantada
no tecido muscular, onde a revascularização e o retorno da função acontecem dentro
de 2 semanas. No entanto, quando a implantação for simultaneamente bilateral, o
paciente pode ter hipoparatireoidismo pós-cirúrgico devido ao tempo requerido para
a glândula paratireoide se restabelecer, que é de 15 a 21 dias. A presença de somente
uma glândula paratireoide pode manter a normocalcemia.

Os sintomas de hipocalcemia associados ao hipoparatireoidismo iatrogênico ocorrem


quando as concentrações séricas de cálcio caem abaixo de 6,5 mg/dℓ. Por isso, a
suplementação de cálcio deve ser instituída quando este está abaixo de 7,5 mg/dℓ,
para evitar o risco de o animal apresentar tetania. O gliconato de cálcio a 10% pode ser
empregado na dose de 0,5 a 1 mℓ por quilograma de peso lentamente por via intravenosa,
e o gato deve continuar a receber infusão venosa de uma solução contendo 8 mℓ de
gliconato de cálcio em 120 mℓ de solução salina administrada em uma taxa de 15 mℓ por
hora. O gliconato de cálcio pode ser administrado com segurança por via subcutânea, se
for diluído em uma taxa de 1:1 com solução salina, todavia já houve relato de calcinose

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

cutânea. Gatos com hipoparatireoidismo devem receber 6 a 8 mℓ de cálcio diluído


(3 a 4 mℓ de gliconato de cálcio a 10% diluído com 3 a 4 mℓ de solução salina), 3 a 4
vezes/dia. A dosagem deve ser ajustada para manter os níveis de cálcio sérico normal.

O hipotireoidismo é outra complicação pós-cirúrgica, na qual a maioria dos gatos


tratados com tireoidectomia bilateral podem manter normais os níveis de T3 e T4
mesmo sem suplementação hormonal. O retorno ao quadro de hipertireoidismo
ocorre por 3 motivos: quando se retira somente um lobo e os dois estão acometidos,
quando permanece tecido tireóideo funcional após a cirurgia ou pela presença de tecido
tireoidiano ectópico hiperplásico.

O acometimento é unilateral em apenas 30% dos casos e quando a glândula acometida


é retirada, geralmente não ocorre recidiva da doença, contudo, quando o acometimento
é bilateral, e não há simetria entre as glândulas durante a cirurgia uma delas pode ser
confundida como normal, sendo então mantida, levando a uma recidiva da doença que
ocorre em 9 meses após a cirurgia.

No entanto, mesmo com tireoidectomia bilateral, a recidiva pode ocorrer em até 60


meses após a cirurgia, quando permanece tecido tireoidiano, por hipertrofia do tecido
adenomatoso deixado durante a cirurgia.

Prognóstico

O prognóstico é excelente para a maioria dos gatos com hipertireoidismo, assumindo-se


que as doenças concomitantes possam ser tratadas e que o paciente não tenha carcinoma
de tireoide. A cirurgia disponível em alguns locais do país e a terapia com I131, disponível
internacionalmente, tem o potencial de cura, com baixos índices de recorrência.

Glândulas adrenais
São um par de órgãos endócrinos, localizadas no tecido retroperitoneal ao longo
dos polos craniais mediano dos rins. Apresentam uma cápsula e estão divididas em
duas zonas distintas: o córtex e a medula. O córtex adrenal é subdividido em 3 zonas
(Figura 7), cada uma com características anatômicas específicas. A zona glomerulosa,
mais externa, secreta um hormônio mineralocorticoide conhecido como aldosterona.
A zona fasciculada vem logo a seguir e produz o glicocorticoide cortisol e, por fim,
a zona reticular que produz os hormônios sexuais ou esteroides androgênicos.
A medula adrenal é a região central da glândula e secreta os hormônios chamados
de catecolaminas.

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Figura 7. Anatomia e histologia das glândulas adrenais.

Cápsula Córtex da Adrenal

Zona Glomerulosa
Zona Fasciculata
Adrenal Zona Reticular

Medula

Rim

Fonte: <https://www.dovemed.com/common-procedures/procedures-surgical/adrenal-gland-removal/>. Acesso em: 18 mar. 2019.

A zona fasciculada é uma camada espessa, responsável pela produção dos


glicocorticoides, sendo o principal deles o cortisol. A síntese dos glicocorticoides é
estimulada pelo ACTH (hormônio adrenocorticotrófico) hipofisário, que se encontra
regulado pelo CRH hipotalâmico, estando relacionados por retroalimentação negativa
com glicocorticoides. Eles estimulam a gliconeogênese no fígado e diminuem a taxa de
utilização da glicose pelas células e, consequentemente, promovem aumento nos níveis
glicêmicos do organismo. Também promovem o catabolismo proteico e estimulam a
lipólise no tecido adiposo.

O cortisol tem efeito anti-inflamatório e antialérgico, causando a redução da hiperemia,


da resposta celular, da migração de neutrófilos e macrófagos ao lugar da inflamação, da
exsudação, da formação de fibroblastos e da liberação de histamina. Os glicocorticoides
estabilizam a membrana dos lisossomos, impedindo a saída das enzimas hidrolíticas,
que ocorre na inflamação.

Sobre as células sanguíneas, os glicocorticoides em geral induzem uma neutrofilia


(segmentados), descrita na maioria das espécies animais, sendo o resultado de diversos
fatores como diminuição da migração de neutrófilos do sangue para os tecidos e para o
pool marginal e aumento da liberação pela medula óssea. A elevação das concentrações
de corticosteroides séricos gera uma resposta monocítica, mas diferenças são observadas
entre as espécies animais.

Em cães, geralmente, ocorre monocitose, mas não ocorre o mesmo em bovinos, equinos
e em gatos. Os mecanismos de eosinopenia induzida por corticosteroide não estão bem
estabelecidos. Já a linfopenia pode ser atribuída à linfólise no sangue e nos tecidos
linfoides, ao aumento do desvio de linfócitos do sangue para outros compartimentos
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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

do organismo ou ambos. Além disto, os corticosteroides inibem a síntese de algumas


citoquinas (IL-1 e IL-2) impedindo a resposta imune adequada, tendo assim um efeito
imunossupressor.

O cortisol tem efeito sobre o trato gastrointestinal levando ao aumento de secreção de


ácido clorídrico, pepsina e tripsina pancreática; diminui a secreção de muco, favorecendo
o desenvolvimento de úlceras gastroduodenais. Apresentam efeito sobre os ossos, se
administrados de forma crônica, reduzindo a matriz óssea e a diminuição de absorção
de Ca à nível intestinal e o aumento da excreção renal de CA e P podem predispor o
aparecimento de osteoporose e fraturas. Também sobre o equilíbrio hídrico têm efeito
melhorando a diurese. Os glicocorticoides de origem fetal reduzem a síntese placentária
de progesterona e aumentam a de estradiol, promovendo a síntese e liberação de PGF2α,
um hormônio que sensibiliza o útero à ocitocina provocando luteólise.

Hiperadrenocorticismo
O Hiperadrenocorticismo (HAC) ou Síndrome de Cushing, é uma das endocrinopatias
que se refere ao conjunto de anormalidades clínicas e químicas que resultam da
exposição crônica a concentrações excessivas de glicocorticoides, sendo uma doença
incomum em gatos. Suas possíveis causas:

»» Espontâneo, está relacionado à produção excessiva do hormônio


adrenocorticotrófico (ACTH) pela hipófise, chamado de hipófise-
dependente (hiperplasia bilateral das glândulas adrenais).

»» Produção excessiva de cortisol pelo córtex da adrenal, conceituado como


HAC adrenal-dependente.

»» A manifestação iatrogênica é muito incomum em gatos, que são mais


resistentes aos efeitos dos esteroides e resulta do uso prolongado ou
excessivo de glicocorticoides exógenos, que pode incluir preparações
tópicas para dermatologia, otopatias e oftalmopatias, antes do
aparecimento dos sinais clínicos.

O hiperadrenocorticismo hipófise dependente representam aproximadamente 80% dos


casos, podendo apresentar microadenoma, macroadenoma ou carcinoma hipofisário
identificado à necropsia. Os outros 20% são tumores adrenocorticais e desses tumores,
50% adenomas e 50% carcinomas.

O hiperadrenocorticismo endógeno é causado pela hiperfunção primária da hipófise


ou da glândula adrenal. Quando é hipófise-dependente, causado por um adenoma

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

funcional secreta em excesso o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), induzindo a


hiperplasia bilateral das glândulas adrenais (geralmente é causado por um adenoma na
pars intermedia ou pars distalis da hipófise). Metade desses tumores são microscópicos
e o restante podem apresentar até 4 mm, podendo ser visualizados tomografia
computadorizada ou ressonância magnética.

Outra possibilidade menos comum também da forma endógena é o adenoma ou


carcinoma unilateral do córtex da glândula adrenal, que secreta em excesso hormônios
com atividade glicocorticoide, resultando em supressão da secreção hipofisária de
ACTH e posterior atrofia do córtex adrenal contralateral.

Aspectos clínicos
O hiperadrenocorticismo é uma doença de gatos de meia idade a mais velhos, com
uma idade média de 10 a 11 anos. Parece não haver predileção sexual, na maioria
dos estudos, porém, atualmente, tem sido sugerida uma ligeira predileção por sexo
feminino. Também não há relatos sobre predisposições raciais.

As manifestações clínicas mais comuns são poliúria, polidipsia, polifagia, tendo assim,
uma forte semelhança com os sinais clínicos iniciais do diabetes melito, podendo
inclusive ser causados pelo próprio diabete. Contudo, no hiperadrenocorticismo o
abdome abaulado ou penduloso, chama bastante atenção para a doença, podendo
inclusive evidenciar telangiectasia.

Há outros sinais clínicos também bem comuns principalmente cutâneos como alopecia
bilateral simétrica ou irregular, pelame malcuidado, ressequido, pele delgada e frágil
(síndrome da fragilidade cutânea felina). Obesidade e letargia também são comuns.
Mais tarde pode haver perda de peso, atrofia muscular, queda do pavilhão auricular,
hepatomegalia e infecções cutâneas.

Mesmo quando não há sinais clínicos evidentes um fato deve chamar atenção.
Gatos com diabetes melito de difícil controle e que progride à grave resistência
insulínica, devem ser investigados a fundo. A princípio, os sinais clínicos de
hiperadrenocorticismo são brandos e os exames do eixo hipofisário adrenocortical
geralmente são inconclusivos e de difícil interpretação na presença do diabetes mal
controlado. Com o tempo, o hiperadrenocorticismo passa a ser aparente e os gatos
acometidos apresentam debilidade cada vez maior apesar da insulinoterapia agressiva,
a perda de peso leva à caquexia e a atrofia dérmica e epidérmica faz com que a pele fique
extremamente frágil, delgada e passível de laceração e ulceração. As lesões dérmicas e
epidérmicas geralmente ocorrem quando o gato é escovado ou manipulado durante o
exame físico.

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

A resistência à insulina tende a ser grave no momento de desenvolvimento de caquexia


e fragilidade cutânea. O diagnóstico diferencial primário da resistência à insulina,
caquexia e síndrome da fragilidade cutânea em felinos é o excesso de progestinas, como
observado na presença de tumores adrenais secretores de progesterona.

Diagnóstico

Exames laboratoriais

Aumentos da atividade sérica da fosfatase alcalina (FA) e da concentração de colesterol


são as anormalidades mais comuns identificadas à bioquímica sérica. Em relação
a fosfatase alcalina (FA), diferentemente dos cães, apenas 20% dos gatos afetados
apresentam elevação desta isoenzima hepática. Este pequeno aumento, provavelmente
provém do diabetes mal controlado e não da atividade direta dos glicocorticoides,
podendo se normalizar apenas com o uso da insulina. Porém, outro grande contribuinte
à maior concentração sérica de FA é a isoenzima de FA induzida por corticosteroide
derivada da membrana biliar canalicular dos hepatócitos. A atividade da alanina
aminotransferase (ALT) está aumentada em cerca de metade dos gatos afetados,
podendo estar associada à lipidose hepática com diabetes.

Cinquenta por cento dos gatos afetados apresentam hipercolesterolemia, provavelmente


causado pelo mau controle glicêmico do diabetes, que pode ser erro do proprietário
na administração da insulina (dose baixa), efeito rebote de hiperglicemia secundária
a hipoglicemia induzida pela hiperinsulinemia iatrogênica (efeito Somogyi), rápida
metabolização da insulina ou resistência insulínica secundária a outra doença
concomitante, sendo a resistência insulínica uma das razões mais comuns de os
médicos-veterinários desconfiarem de hiperadrenocorticismo em gatos.

A resistência insulínica no diabetes melito geralmente se refere a uma síndrome


clínica em que uma dose de insulina tipicamente adequada acaba falhando e não
diminuindo as taxas esperadas de glicose no sangue. Não há uma dose de insulina que
defina claramente a condição de resistência, no entanto, gatos com diabetes melito
são considerados geralmente em resistência insulínica quando a concentração de
glicose no sangue não diminui para menos que 300 mg/dℓ a qualquer momento após a
administração de insulina. A causa mais comum de resistência insulínica em gatos é o
tumor funcional na hipófise.

O hemograma deve haver um leucograma de estresse clássico com leucocitose por


neutrofilia, linfopenia, eosinopenia e monocitose. Também pode haver trombocitose e
eritrocitose branda.

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Gatos com hiperadrenocorticismo geralmente mantêm a gravidade específica da urina


acima de 1.020, apesar da poliúria clínica e da polidipsia. As concentrações de urina
diluídas comumente vistas em cães com hiperadrenocorticismo são raramente vistas
em gatos. Novamente, essa diferença na concentração de urina provavelmente reflete o
fato de que a poliúria na maioria dos gatos é o resultado de hiperglicemia e glicosúria,
em vez de ser um efeito inibitório direto na secreção ou ação do hormônio antidiurético
(ADH), como em cães.

Exames de imagem

Tanto a radiografia, quanto a ultrassonografia abdominal são usadas na intenção de


identificação de massas adrenais (tumores secretores de cortisona), diferenciando-os
de hipertireoidismo dependente da hipófise.

A radiografia tem sido menos usada pelo fato de que não é capaz de visibilizar a glândula
adrenal, a não ser que a glândula esteja calcificada ou extremamente aumentada de
tamanho (ambas as situações são raras), além disso, a calcificação bilateral da glândula
adrenal, quando detectada em gatos clinicamente normais, não deve ser interpretada
como uma evidência de tumor de adrenal, como ocorre nos cães.

Já a ultrassonografia abdominal é usada para avaliar o tamanho e o formato das adrenais,


sendo que elas são facilmente identificadas nos gatos. Também pode-se buscar outras
anormalidades no abdome.

A interpretação de resultados das técnicas de diagnóstico por imagem da adrenal felina


é similar à de cães. A largura máxima da adrenal em gatos saudáveis é geralmente
menor do que 0,5 cm. A adrenomegalia deve ser suspeita quando a largura máxima
é superior a 0,5 cm; a largura máxima maior do que 0,8 cm é bastante sugestiva de
adrenomegalia. O achado de adrenais com aumento de volume bilateral, facilmente
visualizadas, acompanhado pelos sinais clínicos adequados, alterações do exame
físico e resultados anormais em exame do eixo hipofisário-adrenocortical é uma forte
evidência de hipertireoidismo dependente da hipófise.

No entanto, se uma glândula adrenal estiver aumentada ou deformada e a adrenal


contralateral for pequena ou não visibilizada na avaliação ultrassonográfica, o
diagnóstico provável será de um tumor em adrenal.

Há possibilidades de um tumor secretor de hormônios sexuais como diagnóstico diferencial


em gatos com manifestações clínicas de hipertireoidismo hipófise-dependente e massa
em adrenal visibilizada à ultrassonografia, mesmo com resultados normais no teste de
supressão desses animais.

60
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Tomografia computadorizada e ressonância magnética podem ser usadas na pesquisa


de macroadenomas hipofisários e na determinação do tamanho de uma massa adrenal
e da extensão de infiltração da massa em vasos sanguíneos e órgãos adjacentes antes da
adrenalectomia. No entanto cada técnica requer instalações especializadas, o gato deve
ser anestesiado, e o valor do exame é caro.

Diagnóstico das principais alterações adrenais


Devido ao comportamento oscilatório de secreção dos hormônios ligados ao eixo
hipotalâmico-pituitário-adrenal, em muitas situações a dosagem basal de hormônios
relacionados com esse eixo não é suficiente para avaliar a integridade do seu
funcionamento, por isso, a medida sérica basal de cortisol, em si, não tem valor
diagnóstico no hiperadrenocorticismo. Nos pacientes nos quais se pretende avaliar
a função hipofisária ou adrenal e a integridade das vias de síntese esteroidogênica
adrenal, faz-se necessária a utilização de provas funcionais, ditas dinâmicas.

Vários testes endócrinos (Quadro 2) são usados para distinguir se os gatos apresentam
hipertireoidismo endógeno ou não, porém cada um dos testes tem suas vantagens e
desvantagens e nenhum deles é 100% confiável se o animal não apresentar manifestações
clínicas.
Quadro 2. Exames diagnósticos para avaliação do eixo hipofisário-adrenocortical em gatos com suspeita de
hiperadrenocorticismo.

Teste Objetivo Protocolo Resultados Interpretação


Razão urinária Descartar HAC Coleta de urina em Não indica HAC. Outros exames
Normal aumentado
cortisol/creatinina (hiperadrenocorticismo) casa para HAC devem ser realizados
8 horas após administração de dexametasona
0,1 mg de
dexametasona/kg < 1,0µg/dL Normal
Teste de 1,0 -1,4 µg/dL Não diagnóstico
IV; colher soro antes
supressão com Diagnosticar HAC
e 4 e 8 horas após >1,5 µg/dL e 4 horas <1,5 µg/dL Sugestivo
dexametasona
administração de >1,5 µg/dL e 4 horas >1,5 µg/dL Bastante sugestivo
dexametasona
Concentração de cortisol após administração de ACTH (Hormônio
adrenocorticotrófico)

125 µg de ACTH Bastante sugestivo


sintético*/gato IV; >20µg/dL
Estimulação Sugestivo
Diagnosticar HAC colher soro antes, 30 15-20µg/dL
com ACTH Normal
e 60 minutos após a 5-15µg/dL <5 µg/dL
administração de ACTH HAC iatrogênico

Diferenciar hiperadrenocorticismo
hiperadrenocorticismo Abaixo da faixa de referência dependente de tumor
Necessidade de adrenocortical
dependente de hipófise Metade superior da faixa de
ACTH endógeno manipulação específica
de hiperadrenocorticismo referência ou aumentado hiperadrenocorticismo
da amostra
dependente de tumor Metade inferior da faixa de referência dependente de hipófise
adrenocortical não diagnóstico

Fonte: Medicina Interna de Pequenos Animais, Nelson e Couto, 5. ed. 2015.

61
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Teste de supressão com dexametasona


baixa dose
Esse teste de triagem é considerado de eleição para a identificação de animais com
suspeita do quadro de hiperadrenocorticismo espontâneo, tendo 100% sensibilidade
e ótima especificidade. Para a realização dessa prova de função, o paciente deve estar
livre da utilização de qualquer medicamento à base de glicocorticoides por um prazo
mínimo de 60 dias. O teste torna-se importante para avaliar a integridade funcional
do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal e ainda pode ajudar a caracterizar a origem
do processo.

É realizado de maneira diferente em cães e gatos, sendo que em felinos é necessária


uma dose 10 vezes maior de dexametasona. O protocolo consiste em colher amostras
de sangue para determinação de cortisol basal, administrar a dexametasona na dose
de 0,1 mg/kg por via intravenosa e colher nova amostra de cortisol após 4 e 8h.
A supressão inadequada do cortisol nas 4 ou 8h diagnostica o hiperadrenocorticismo
e é observada em todos os gatos com tumores adrenais que secretam cortisol. As
amostras que suprimirem a cortisona após 4 e 8h indicam gatos saudáveis e os que
não suprimem com 8h apresentam doença não adrenal, ou seja, a maioria dos gatos
com hiperadrenocorticismo hipófise-dependente também irão falhar na supressão
de cortisol após 4h e somente alguns irão suprimir após 8h. Após 4 horas e 8 horas
da administração, uma amostra de sangue é coletada para dosar os níveis de cortisol.
O valor maior que 1,5 µg/dL é consistente com diagnóstico de hiperadrenocorticismo.

Teste de estimulação pelo hormônio


adrenocorticotrófico (ACTH)
É uma prova funcional bastante utilizada em medicina veterinária, por ser considerado
um procedimento simples e rápido. Contudo, cerca de 40 a 50% dos felinos com
hiperadrenocorticismo endógeno apresentam resultados dentro do intervalo de
referência quando submetidos ao teste de estimulação com ACTH, sendo assim
considerado um teste pouco sensível para o diagnóstico de hiperadrenocorticismo em
gatos como é em cães, cuja sensibilidade é de 85%. Mesmo assim, se a suspeita for de
hiperadrenocorticismo iatrogênico, o teste de estimulação com ACTH é o de escolha
para a avaliação da supressão secundária das adrenocorticais, pois é o único teste
que pode ser usado para distinguir o hiperadrenocorticismo iatrogênico do natural.
Ademais, requer pouco tempo para ficar pronto e apenas duas venipunções.

Além disso, o custo elevado do ACTH exógeno (tetracosactídeo) também pode


representar uma barreira para a utilização do teste, principalmente aqui no Brasil,
porque o custo desse produto varia de acordo com a taxa cambial do dólar.

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

O protocolo utilizado baseia-se na coleta prévia de uma amostra de sangue,


preferencialmente no período da manhã, para determinação da concentração sérica
do cortisol. Posteriormente, aplica-se o ACTH exógeno sintético (tetracosactida ou
cosintropina) por via intravenosa, na dose de 125 μg/kg e em seguida, colhe-se nova
amostra de sangue para mensuração do cortisol sérico, aproximadamente 1 hora após
a aplicação do medicamento. Em gatos obesos recomenda-se o uso de doses maiores
como 250 µg de ACTH, sendo atingida uma estimulação mais prolongada.

O pico do aumento da concentração sérica de cortisol após a administração de ACTH


ocorre mais cedo em gatos do que em cães e a concentração sérica de cortisol pode
chegar aos valores basais cerca de uma hora após a administração de ACTH sintético.
A faixa de referência para o pico da concentração sérica de cortisol após a administração
de ACTH é de 5 a 15 µg/dL (140-420 nmol/L). A concentração sérica de cortisol após a
administração de ACTH maior do que 15 µg/dL é sugestiva de hiperadrenocorticismo.

Uma variedade de doenças crônicas (não associadas ao hiperadrenocorticismo) também


parecem influenciar a secreção de cortisol estimulada pelo ACTH em gatos. O estresse
associado à doença crônica provavelmente resulta em algum grau de hiperplasia
adrenocortical bilateral em gatos doentes, o que poderia explicar um cortisol exagerado
responsivo ao ACTH.

Portanto, o diagnóstico de hiperadrenocorticismo não deve se basear apenas nos


resultados das concentrações de cortisol sérico basal ou estimulado por ACTH, mas
também na história do gato, nos sinais clínicos e nos achados laboratoriais de rotina.

Razão cortisol/creatinina urinária


Excelente exame de triagem para o hiperadrenocorticismo, para isso, deve ser
determinada em amostras de urina livremente coletadas em duas manhãs consecutivas
pelo proprietário no ambiente doméstico sem estresse hospitalar. Para isso o proprietário
pode trocar a areia utilizada na liteira por um material não absorvente, por exemplo,
pedras de aquário.

A relação cortisol-creatinina urinária parece ser um teste sensível que pode ser utilizado
para ajudar a diagnosticar o hiperadrenocorticismo em gatos, no entanto, a constatação
de elevada relação na urina de cortisol-creatinina é comum em gatos em doença
moderada a grave não adrenal, acarretando diagnóstico falso-positivo, necessitando
nesses casos o diagnóstico ser confirmado por um outro teste.

Sugere-se que o teste seja aplicado como uma ferramenta de triagem, uma vez que
raramente um animal com a doença apresentará um resultado normal. Quando se obtém

63
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

um resultado alterado, este serve como alerta para que seja realizada uma prova funcional
complementar ou uma avaliação ultrassonográfica das adrenais. Essa prova não deve
substituir, sob nenhuma hipótese, o teste de supressão pela dexametasona como forma
de confirmação do diagnóstico, pela possibilidade de produzir resultados falso-positivos.

Teste de supressão com dose baixa


de dexametasona combinado com
teste de estimulação com hormônio
adrenocorticotrófico
A combinação desses dois testes realizados no mesmo dia muito é útil para o diagnóstico
de hiperadrenocorticismo em gatos. Uma amostra de soro sanguíneo é colhida para a
determinação do cortisol basal e então a dexametasona é administrada, realiza-se uma
nova coleta para determinar o cortisol 4h depois e imediatamente após esta coleta das
4h, o ACTH é aplicado na dose de 125 µg por via intravenosa e então uma nova amostra
de cortisol pós ACTH é colhida após 1h de aplicação do ACTH.

Testes para determinar a causa do


hiperadrenocorticismo
Teste de supressão com dexametasona alta dose
Quando em algum outro teste o animal foi positivo para hiperadrenocorticismo, o teste
de supressão com dose alta de dexametasona pode ser realizado para diferenciar o
hiperadrenocorticismo hipófise-dependente de um tumor de adrenal.

Assim como no teste de baixa dose, para este teste, uma amostra de sangue é colhida
para determinar o cortisol basal, porém outras amostras são colhidas após 4 e 8h depois
da administração 1,0 mg/kg de dexametasona por via intravenosa.

Gatos com neoplasia adrenocortical funcional, altas doses de dexametasona nunca


suprimem adequadamente o cortisol, contudo suprimem cerca de 50% dos gatos com
hiperadrenocorticismo hipófise-dependente. Portanto, a constatação da inadequada
supressão do cortisol em um gato confirma o hiperadrenocorticismo, mas não pode
determinar com certeza a causa da doença. Neste caso, dosar o ACTH plasmático e
realizar uma ultrassonografia abdominal.

Teste de determinação do ACTH endógeno


É considerada uma prova altamente sensível e específica, que avalia com segurança
a função hipofisária dentro do eixo hormonal. A determinação do ACTH endógeno
64
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

pode trazer informações importantes, pois diferencia, de maneira confiável, o


hiperadrenocorticismo de origem hipofisária dos tumores adrenais primários. Porém,
os testes de supressão com baixa dose de dexametasona e a ultrassonografia abdominal
são muito eficazes para essa diferenciação.

É importante lembrar que amostras de sangue para determinação do ACTH endógeno


deverão ser manipuladas com cuidado, uma vez que o ACTH é altamente sensível
degradando-se rapidamente no plasma após a coleta. Os requisitos especiais de
manipulação incluem adição de um inibidor da protease quando o sangue for colhido,
rápida separação do plasma e temperatura adequada de conservação até o momento
de a análise ser realizada. É um teste caro, o sangue deve ser coletado em tubos de
plástico ou silicone com o anticoagulante apropriado, a amostra deve ser centrifugada
imediatamente, o plasma deve ser transferido para os tubos sem tocar no vidro e as
amostras devem ser mantidas congeladas. O manejo incorreto das amostras pode
resultar em um valor falsamente diminuído, sugerindo um tumor de adrenal.

Tratamento
No caso de hiperadrenocorticismo hipófise-dependente os tratamentos incluem
cirurgia da hipófise ou da adrenal, radioterapia da hipófise e terapias medicamentosas.
Podemos usar um agente adrenocorticolítico ou fármacos que bloqueiem uma ou mais
enzimas envolvidas na síntese de cortisol.

Medicamentoso

Mitotano

Atualmente o fármaco de escolha para o tratamento de hiperadrenocorticismo


espontâneo em cães é o mitotano (o, p’-DDD) que é um quimioterápico que provoca
necrose seletiva das zonas do córtex adrenal, devido ao efeito citotóxico sobre as células
das zonas reticularis e fasciculata e, em menor extensão, sobre a zona glomerulosa,
sendo, portanto, eficaz para tratar o hiperadrenocorticismo hipófise-dependente.
Todavia, felinos acometidos com esta doença não são tão sensíveis ao tratamento, pois
estudos mostraram que o mitotano, quando administrado em gatos saudáveis, somente
50% demonstraram supressão da adrenocortical.

Além disso, a maioria dos gatos com hiperadrenocorticismo hipófise-dependente


tratados com doses diárias de mitotano (25-50 mg/kg/duas vezes/dia, por via oral),
o fármaco não suprimiu efetivamente a função das adrenocorticais, tampouco aliviou
os sintomas clínicos da doença, mesmo depois de longos períodos de tratamento.
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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Os efeitos colaterais como anorexia, letargia e êmese também foram vistos nestes
animais mesmo não diminuindo as concentrações séricas de cortisol.

Trilostano

O trilostano é um inibidor competitivo do sistema 3β-hidroxisteroide desidrogenase/


isomerase, no córtex adrenal. Não sendo adrenolítico, este esteroide sintético tem a
habilidade de bloquear a esteroidogênese, diminuindo a síntese de glicocorticoides e
mineralocorticoides, impedindo o excesso crônico de cortisol sérico característico do
hiperadrenocorticismo natural.

O tratamento com trilostano ainda tem poucos relatos, as doses diárias utilizadas
foram de 4,2 a 13,6 mg/kg e os resultados desse tratamento foram bastante variáveis.
Embora mais investigações precisem ser feitas, o trilostano parece ser uma opção válida
para o tratamento de gatos com hiperadrenocorticismo e deverá ser extremamente útil
no preparo pré-operatório de adrenalectomia uni ou bilateral destes pacientes.

Os gatos em tratamento com trilostano devem ser avaliados em 2 semanas, 1 mês,


2 a 3 meses e a cada 1 a 3 meses depois. Em cada nova verificação (programada
aproximadamente 3 a 4 horas após a administração da dose de trilostano matinal), o
proprietário deve ser questionado e o gato examinado. O sangue é então coletado para
um hemograma e painel de química do soro, e um teste de estimulação com ACTH é
realizado. Embora a faixa-alvo ideal para a concentração de cortisol pós-ACTH para
gatos recebendo trilostano ainda não tenha sido determinada, uma concentração de
cortisol pós-ACTH de 50 a 150 nmol/L deve ser a meta.

Em gatos com sinais clínicos persistentes e valores de cortisol sérico acima dessa faixa
ideal, a dose de trilostano é aumentada para 30 a 60 mg/gato por dia, administrada uma
vez ao dia ou dividida no momento da alimentação. Ajustes de dosagem adicionais são
feitos conforme necessário, dependendo de exames posteriores e testes de estimulação
de ACTH. Em alguns gatos, doses diárias tão altas quanto 90 a 120 mg foram necessárias
para controlar os sinais clínicos e reduzir as concentrações de cortisol estimuladas pelo
ACTH na faixa ideal. Se um gato em trilostano apresentar sinais clínicos consistentes
com hipocortisolismo, o trilostano deve ser interrompido e um teste de estímulo com
ACTH deve ser realizado para confirmar se os sinais clínicos são devidos a baixas
concentrações de cortisol.

Se o hipoadrenocorticismo for confirmado, mas os eletrólitos séricos estiverem normais,


o veterinário deve parar o trilostano e administrar glicocorticoides, conforme necessário.
Se o hipoadrenocorticismo estiver associado à hipercalemia ou hiponatremia, o veterinário
deve descontinuar o trilostano por 1 mês e tratar com glicocorticoides e mineralocorticoides.

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Os efeitos adversos do trilostano incluem letargia, vômito e alterações nas concentrações


de eletrólitos compatíveis com o hipoadrenocorticismo.

Cetoconazol

É um antifúngico oral imidazólico, que inibe, de forma reversível, a esteroidogênese


adrenal. A administração desse fármaco em doses tipicamente recomendadas para uma
infecção fúngica pode reduzir significativamente as concentrações séricas de andrógenos e
em doses altas inibe o primeiro passo da biossíntese do cortisol (a clivagem da cadeia
do colesterol para pregnenolona) e, em menor medida, a conversão do 11-desoxicortisol
em cortisol.

Porém, seu uso na espécie felina não está recomendado, pois pode causar sérios efeitos
colaterais, como trombocitopenia.

Metirapona

Inibe a ação da 11-beta-hidroxilase (enzima que converte 11-desoxicortisol em cortisol),


reduzindo tanto o cortisol basal quanto o cortisol após a estimulação com ACTH, e
consequentemente os resultados de sua utilização são ambíguos em gatos com
hiperadrenocorticismo. A dose total varia de 250 a 500 mg/dia, sendo razoavelmente
bem tolerada pela maioria dos gatos, podendo, porém, induzir êmese e anorexia, sendo
necessário interromper o tratamento em alguns casos. Por este motivo ela é mais
utilizada a curto prazo no preparo do animal para a adrenalectomia.

Cirúrgico

Hipofisectomia

É o tratamento de escolha para hiperadrenocorticismo hipófise-dependente. É a


remoção cirúrgica do tumor hipofisário, eliminando, assim, a lesão na hipófise
causadora da secreção em excesso de ACTH em humanos. Contudo, isso exige
treinamento avançado da microcirurgia para neurocirurgiões, e na medicina veterinária
os créditos deste tipo de cirurgia devem ser dados ao Dr. Bjorn Meij e à Universidade
Utrecht, na Holanda. Porém, o número de gatos tratados com hipofisectomia é
limitado e há fatores limitantes, como os conhecimentos e equipamentos necessários
para realizar a cirurgia e as necessidades de um tratamento intensivo no pós-
operatório. No entanto, quanto mais experiência for obtida, não haverá dúvidas de que
a hipofisectomia será o tratamento de escolha em gatos com hiperadrenocorticismo
hipófise-dependente.

67
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Adrenalectomia

A adrenalectomia unilateral deve ser realizada em gatos com tumor unilateral secretor
de cortisol. Porém, estes animais exigem suplementação com glicocorticoide no
período aproximadamente de 2 meses após a cirurgia, até que a função secretora de
glicocorticoide da glândula contralateral atrofiada se recupere.

Já a adrenalectomia bilateral consiste no tratamento de escolha para felinos com


hiperadrenocorticismo hipófise-dependente em gatos, principalmente porque
hipofisectomia não está ao nosso fácil alcance. No início da cirurgia recomenda-se
a administração de dexametasona intravenosa na dose de 0,2 mg/kg, podendo ser
repetida a mesma dose ao final da cirurgia por via intramuscular e 0,1 mg/kg deve
ser dado entre 22h e meia-noite. No dia seguinte, deve-se administrar 0,1 mg/kg 2
vezes/dia até que seja instituída a terapia por via oral com prednisona assim que o
paciente começar a comer sozinho, sem apresentar êmese. Desta forma, ao término da
cirurgia, administrar o pivalato de desoxicorticosterona na dose de 2,2 mg/kg por via
intramuscular, repetindo-a 21 a 25 dias depois.

O tratamento medicamentoso com trilostano é geralmente necessário por quatro a seis


semanas antes que a adrenalectomia reverta o estado catabólico do gato, melhore a
fragilidade cutânea e a cicatrização de feridas e diminua a possibilidade de ocorrência
de complicações perioperatórias.

É importantíssimo que os eletrólitos sejam mensurados logo após o término da cirurgia,


na noite e na manhã seguinte e então diariamente até o gato retornar para sua casa ou
assim que iniciar a ingestão de comida sem apresentar êmese.

A resolução total do hiperadrenocorticismo após uma adrenalectomia bilateral é


problemático, pois existe risco significativo de colocar estes animais em celiotomia, que
pode ser diminuído mediante seleção dos pacientes, terapia pré-operatória, mínimo
tempo de anestesia e cirurgia e cuidados no pós-operatório. Além disso, estes gatos irão
depender de suplementação de glicocorticoide e mineralocorticoide o resto de suas vidas.

Entre as mais sérias complicações pós-cirúrgicas estão: sepse, pancreatite,


tromboembolismo, deiscência da ferida e insuficiência adrenocortical.

Terapia radioativa

Radioterapia hipofisária

Essa terapia tem por objetivo usar a radiação e a erradicação do tumor com a preservação
das estruturas teciduais normais e suas funções e tem por princípio básico que a radiação
68
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

clínica deve sempre ter um potencial benefício para o animal de estimação, embora os
resultados não sejam inteiramente previsíveis.

A radioterapia hipofisária consiste no uso da radiação ionizada para o tratamento local


ou regional de pacientes com tumores malignos e ocasionalmente benignos. Sua única
contraindicação é a incapacidade do animal não tolerar as 15 anestesias em um período
de três semanas.

Prognóstico
Reservado a ruim, sempre sendo ser considerada como uma doença grave pois os gatos
hiperadrenais não tratados morrem meses após o diagnóstico por causa dos efeitos
deletérios do hipercortisolismo crônico e do diabetes melito insulinorresistente na
integridade cutânea e na função imunológica e devido à progressiva perda de peso,
que provoca grave caquexia. Além disso, a eficácia do trilostano não está totalmente
comprovada em gatos.

As causas mais comuns de morte em gatos não tratados são as infecções de pele pela
fragilidade cutânea e o atraso na cicatrização, além disso, hipercortisolismo crônico
prejudica as funções cardiovasculares, causando hipertensão arterial, tromboembolismo
pulmonar e insuficiência cardíaca congestiva.

Hipoadrenocorticismo
O hipoadrenocorticismo é uma doença pouco comum na rotina clínica, sendo rara em
felinos, mas que merece atenção por ser uma endocrinopatia resultante da falha de
secreção de corticosteroides (mineralocorticoides e/ou glicocorticoides) pelas glândulas
adrenais em função de insuficiência adrenocortical primária (doença típica, também
chamada de doença de Addison).

A etiologia desta doença em felinos é desconhecida, suspeitando-se da destruição


imunomediada do córtex da adrenal. Todavia, a mais provável causa do
hipoadrenocorticismo é que seja secundário e iatrogênico, após administração de
glicocorticoides ou progestágenos. Para que os sinais clínicos sejam manifestados,
é necessário que pelo menos 85-90% dos córtices das glândulas adrenais estejam
destruídas bilateralmente.

Alterações clínicas
Os sinais clínicos geralmente são vagos e manifestações clínicas mais comuns são
relacionadas a alterações inespecíficas como letargia, anorexia, perda de peso, vômito,

69
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

poliúria e polidipsia. O comprometimento do trato gastrintestinal em felinos não é


comum como ocorre em cães.

Na forma aguda, o início é repentino com depressão mental, fraqueza muscular,


êmese, podendo chegar à síncope. Alguns casos têm oligúria, desidratação e choque
hipovolêmico. Há diminuição do volume intravascular, com isso diminui do débito
cardíaco, levando a pulso fraco e bradicardia. Já a forma crônica se desenvolve de maneira
mais lenta, letargia periódica, diminuição do apetite, perda de peso e ocasionalmente
episódios e sinais gastrointestinais. No exame físico encontra-se escore corporal baixo
e mucosas pálidas. A forma atípica apresenta diarreia, fraqueza, tremores, poliúria,
polidipsia, dor abdominal, melena e hematemese.

Pode haver hiponatremia e hipercalemia (que são as clássicas alterações eletrolíticas


apresentadas por animais), que quando se agravaram, resultam em hipovolemia,
levando à azotemia pré-renal e as arritmias cardíacas podem causar uma crise
addisoniana. Porém, concentrações séricas normais de eletrólitos não descartam a
insuficiência adrenal, principalmente nos primeiros estágios da doença. O ECG pode
ser usado como ferramenta diagnóstica para identificação e estimativa da gravidade
da hipercalemia e como ferramenta terapêutica para monitoramento de alterações na
concentração sanguínea de potássio durante o tratamento. A ultrassonografia abdominal
quando mostra que as adrenais são pequenas, é um achado bastante sugestivo de
atrofia adrenocortical. Devido a debilidade muscular em virtude da deficiência de
glicocorticoides, os animais podem ter regurgitação recorrente, pelo megaesôfago.

Em felinos, os sinais clínicos são semelhantes.

Diagnóstico

A mensuração da concentração do cortisol basal e as proporções urinárias cortisol/


creatinina são utilizados, mas não são confiáveis para estabelecer o diagnóstico,
sendo necessário para confirmação o teste de estimulação com o ACTH. Contudo, a
concentração basal sérica de cortisol maior do que 2 µg/dL não suporta o diagnóstico
de hipoadrenocorticismo.

O teste de estimulação com ACTH consiste na administração intravenosa ou


intramuscular de ACTH sintético na dose de 5 µg/kg. A coleta de sangue deve ser
realizada antes e após uma hora da administração da droga (após 45-60 minutos) para
mensuração dos níveis de cortisol. É importante lembrar que o uso de glicocorticoides
como a hidrocortisona, prednisona e prednisolona interferem no teste, por isso,
animais não podem ser tratados antes da realização do teste. Em pacientes em estado
crítico utilizar a dexametasona para suprir as necessidades de glicocorticoides, já que
70
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

a inibição da produção de cortisol endógeno ocorrerá de 4 a 6 horas após a administração


desta droga. Níveis pós estimulação de 2 µg/dL de cortisol confirmam o diagnóstico,
enquanto concentrações de 2,1 µg/dL até 5 µg/dL são inconclusivos e resultados
superiores a 5 µg/dL descartam qualquer possibilidade de insuficiência adrenal.

Os resultados do teste de estimulação com ACTH não diferencia cães e gatos com
insuficiência adrenal primária de ocorrência natural daqueles com insuficiência
secundária causada por insuficiência hipofisária, cães e gatos com insuficiência
secundária provocada pela administração prolongada iatrogênico de glicocorticoides ou
cães com destruição adrenocortical primária causada pela superdosagem de mitotano
ou trilostano.

Tratamento

Vai depender muito da fase que o animal estiver. Nas crises addisonianas agudas há
deficiência de mineralocorticoide e glicocorticoide. O tratamento da insuficiência adrenal
primária aguda é direcionado à correção de hipotensão, hipovolemia, desequilíbrios
eletrolíticos e acidose metabólica, à melhora da integridade vascular e ao fornecimento
imediato de glicocorticoides.

A primeira e mais importante prioridade terapêutica é corrigir a hipovolemia por


meio de fluidoterapia. A solução de ringer ou de ringer lactato pode ser empregada
na hiponatremia branda (concentração sérica de sódio > 130 mEq/L) e a solução
fisiológica, na hiponatremia mais grave (concentração sérica de sódio < 130 mEq/L).
Se houver hipoglicemia, ela deve ser corrigida adicionando-se dextrose a 50% ao fluido
intravenoso, produzindo assim dextrose a 5%.

O tratamento com bicarbonato de sódio ajuda a corrigir a acidose metabólica e também


diminui a concentração sérica de potássio. O movimento intracelular dos íons K+ após
a administração de bicarbonato, em associação aos efeitos diluentes da fluidoterapia
salina e à melhora da perfusão renal, são bastante eficazes na diminuição da hipercalemia
e na normalização das alterações eletrocardiográficas.

O tratamento com glicocorticoides de rápida ação e hidrossolúvel (hidrocortisona de 2 a 4


mg/kg intravenoso) e mineralocorticoides é indicado na fase inicial da crise addisoniana.
Em seguida, deve-se iniciar o tratamento com suplementos mineralocorticoides
(fludrocortisona, 2,2 mg/kg, IM) a cada vinte e cinco dias inicialmente.

O motivo mais comum para a persistência de sinais clínicos apesar do tratamento é a


suplementação de glicocorticoide inadequada. Quando saudáveis e em ambiente não
estressante, cães e gatos com insuficiência adrenal geralmente precisam de quantidades

71
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

pequenas ou nulas de prednisona ou prednisolona. Portanto, é sempre melhor errar e


administrar uma dose alta e então gradualmente reduzi-la nas semanas seguintes.

Prognóstico

O prognóstico em cães e gatos com insuficiência adrenal geralmente é excelente.


Quanto antes houver a ação do médico-veterinário, menores as chances da ocorrência
da crise addissoniana, que pode levar o animal a óbito dentro de algumas horas.
Com reavaliações frequentes e conscientização dos proprietários sobre a terapia, os
cães e gatos com insuficiência adrenal podem ter expectativas de vida normais.

Diabetes melito
A palavra diabetes significa “sifão” ou “passar através de”, nome com que os antigos
gregos designavam indivíduos que se distinguiam por eliminar grandes quantidades de
urina. As primeiras referências sobre Diabetes melito data de 1500 a.C.

É uma síndrome que abrange uma série de doenças de etiologias diferentes e clinicamente
heterogêneas e essa afecção de etiologia multifatorial resulta de uma deficiência relativa
ou absoluta de insulina, de uma incapacidade da insulina exercer de forma adequada as
suas ações biológicas, ou ambas.

A ocorrência em felinos parece ter aumentado consideravelmente a partir da década


de 1990, e esse fato pode ser decorrente de alguns fatores, como: o aumento do tempo
de sobrevida dos gatos, por se tratar de uma doença de animais idosos; a implantação
de programas de investigação e prevenção de doenças nos pacientes felinos e a maior
incidência de outras condições que causam resistência insulínica como a obesidade,
na população felina, pois há um maior número de gatos sendo alimentados com dietas
ricas em carboidratos.

Embora o diabetes melito possa ser diagnosticado em gatos de qualquer idade, a


maioria dos gatos diabéticos são idosos no momento do diagnóstico. Aproximadamente
20 a 30% dos diabéticos são diagnosticados aos 7 a 10 anos de idade e 55 a 65% dos
diabéticos diagnosticados quando tinham mais de 10 anos.

Pâncreas

O pâncreas é um órgão glandular essencial, com importantes funções endócrinas


e exócrinas, em forma de V situado ao longo do duodeno (segmentos epigástricos e
mesogástrico da cavidade abdominal). É um órgão muito bem irrigado, através de

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

ramos das artérias celíaca e mesentérica cranial, ambas provenientes da artéria aorta,
e a porção endócrina do pâncreas está organizada na forma de dispersos grupos de
células, as ilhotas de Langerhans, constituindo apenas cerca de 1 a 2% da massa total
pancreática.

As ilhotas de Langerhans são uma espécie de micro-órgãos notavelmente sofisticados,


constituídos por quatro tipos principais de células, as quais têm diferentes propriedades,
morfologia e produção hormonal. As células-β são as mais numerosas (60-80%),
e produzem insulina e amilina; as células-α (20-30%) estão dispersas e secretam
glucagina; as células-δ ou D (5-10%) produzem somatostatina; e as células F ou PP
(raras ou ausentes) secretam o polipeptídeo pancreático (PP). Uma alteração em
qualquer uma das linhagens celulares do pâncreas endócrino, vai resultar num excesso
ou deficiência do respectivo hormônio, que apesar de terem funções diferentes, estão
todas envolvidas no controle do metabolismo e, mais particularmente, na homeostase
da glicose.

Insulina

Secretada pelas células β, é o principal hormônio envolvido no diabetes melito, e sua


produção é regulada em resposta à qualidade e à quantidade dos alimentos ingeridos,
devido à concentração de glicose sanguínea, pois sua função é baixar as concentrações
sanguíneas de glicose, ácidos graxos e aminoácidos e promover a conversão intracelular
desses compostos em suas formas de armazenamento, ou seja, glicogênio (fígado
e músculo), triglicerídeos (no tecido adiposo) e proteínas (no tecido muscular),
respectivamente.

Controle da glicemia

A glicose, é a principal fonte de energia por sua total oxidação no processo de glicólise,
porém serve também como precursora de uma série de moléculas (aminoácidos, ácidos
nucleicos, lipídios e carboidratos). Além da insulina, o fígado é um tecido primário
envolvido no metabolismo da glicose, uma vez que ele pode secretar glicose para a
corrente sanguínea por dois mecanismos distintos: a glicogenólise e a gliconeogênese.

Classificação e etiopatogenia

Seguindo o modelo da medicina humana, a classificação da DM é baseada na sua


etiologia e patogênese. Dividida em DM tipo 1, DM tipo 2, (números romanos I e II,
foram substituídos pelos números árabes) e outros tipos específicos de DM e diabetes
gestacional. Os termos insulino-dependente e não insulino-dependente foram

73
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

abandonados, por gerarem confusão ao classificarem o paciente diabético com base


apenas no tipo de tratamento, e não na etiologia da doença. Portanto, o diabetes melito
é classificado de acordo com os mecanismos fisiológicos e alterações patológicas que
afetam as células β, contudo, há casos (raros) que as células β das ilhotas são normais e o
diabetes resulta da supressão da atividade da insulina por algum fator não pancreático.
Qualquer que seja o caso, o pâncreas sempre está envolvido.

Vários são os mecanismos envolvidos no desenvolvimento da doença, incluindo as


alterações nas proteínas transportadoras de glicose (GLUT), na síntese e na secreção
de insulina pelas células B ou β da ilhota pancreática e nos receptores de insulina. Seja
qual for o motivo pelo qual a insulina não consegue exercer adequadamente os seus
efeitos biológicos, ocorrerá hiperglicemia crônica, que resulta no chamado efeito de
glicotoxicidade. Esse efeito contribui para a redução da secreção da insulina, determina
a resistência à insulina em tecidos periféricos e interfere nos mecanismos de transporte
da glicose. Todas essas alterações são reversíveis após a correção da hiperglicemia.

Em felinos diabéticos, a grande maioria (80-90%) é do tipo 2, sobrando cerca de 10-20%


na categoria de outros tipos específicos, enquanto que a DM tipo 1 é muito rara.

A DM tipo 1 caracteriza-se por uma destruição seletiva e irreversível das células-β do


pâncreas, em indivíduos geneticamente predispostos, conduzindo a uma deficiência
progressiva e, eventualmente, absoluta na secreção de insulina, ficando o paciente
dependente de insulinoterapia para o controle da glicemia.

A DM tipo 2 é uma doença heterogênea que resulta de uma combinação entre uma
alteração de função das células-β e uma ação reduzida da insulina (resistência
periférica à insulina). A secreção de insulina pode estar elevada, baixa ou normal, mas
é insuficiente para superar a resistência à insulina nos tecidos. Os fatores ambientais
e genéticos desempenham um papel importante no desenvolvimento deste tipo de
diabetes. Os principais fatores de risco são: a obesidade, o aumento da idade, o sexo
masculino (principalmente em animais castrados) e a atividade física reduzida.

Os felinos machos parecem correr risco maior, o que representa cerca de 60 a 70%
de todos os diabéticos. Sugere-se que a castração determine um ganho de peso
em ambos os sexos, o que possibilitou o surgimento da doença em maior proporção
quando comparados com os animais inteiros. Além disso, machos ganham peso mais
comumente do que as fêmeas e acumulam maior quantidade de massa gorda devido
à oxidação de glicose, glicogênese e lipogênese aumentadas em resposta à insulina.
Independentemente do peso, os machos têm concentrações de insulina basal mais altas
e sensibilidade à insulina mais baixa, quando comparados às fêmeas, sugerindo-se assim
que os machos possam ser naturalmente mais resistentes à insulina do que as fêmeas.

74
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Assim como para humanos, a obesidade é o fator de risco mais importante, porém
mesmo assim, nem todos os gatos obesos irão desenvolver diabetes. Se as células-β
estiverem saudáveis e funcionais, vai haver uma resposta de adaptação à obesidade
e à insulinorresistência, com o aumento de secreção de insulina, de forma a manter a
tolerância normal à glicose.

A amiloidose de ilhota pancreática é a característica morfológica mais comum das


ilhotas pancreáticas do gato e dos macacos com diabetes melito tipo 2, podendo ser
encontrados depósitos de amiloide em mais de 80% dos pacientes. Esses depósitos de
amiloide nas ilhotas são derivados de um polipeptídio amiloide de ilhota (PPAI) ou
amilina. O PPAI é um produto secretório normal das células β e é cossecretado com a
insulina. Os mecanismos principais da transformação de PPAI em fibrilas de amiloide
(fibrilogênese) são desconhecidos, mas a importância da patogênese do diabetes nessas
espécies é o fato de que o depósito de amiloide está associado à perda significativa das
células β ou B das ilhotas. Especula-se que uma constante superestimulação das células
β ou B, devido à resistência insulínica, possa levar à formação de amiloide pela depleção
de fatores necessários para a secreção e o processamento normal do PPAI.

Existem também outros tipos específicos de DM. Para os felinos, cerca de 10 a 20% dos
pacientes a diabetes é secundária à destruição pancreática por neoplasia pancreática
ou por pancreatite grave e recorrente. Porém, aproximadamente 80% dos gatos
com hipercortisolismo e 100% dos gatos com hipersomatotropismo são diabéticos,
o que revela a potente ação diabetogênica dos glicocorticoides e do hormônio do
crescimento (GH).

Gatos ainda podem ter a chamada diabetes de transição, ou seja, são animais em
tratamento com insulina ou hipoglicemiantes orais que de forma gradual ou súbita,
entram em remissão diabética, sendo a mesma, resolvida. Essa remissão espontânea
ocorre em cerca de 20% dos gatos diabéticos, geralmente entre 1 a 4 meses após o início
do tratamento adequado, e quando mantido um bom controle da glicemia.

Quanto a predisposição racial, os trabalhos variam muito, sendo que para alguns
pesquisadores, não há predisposição racial. Já um estudo realizado no Brasil, os gatos
da raça Siamesa e mestiços de Siameses apresentaram maior representatividade da
ocorrência do DM felino, enquanto que na Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido, a
maior probabilidade de ocorrência do DM felino nos gatos da raça Sagrado da Birmânia.

Aspectos clínicos

Os sinais clínicos clássicos da diabetes são a poliúria e a polidipsia (não se desenvolvem


até que ocorra glicosúria), a polifagia e a perda de peso, porém muitos proprietários de
75
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

gatos diabéticos não observam os sintomas clássicos da doença. Outros sinais clínicos
incluem letargia, diminuição da interação com os membros da família, ausência do
comportamento de lamber o pelame, com o desenvolvimento de pelos secos, sem brilho
e emaranhados.

A interação entre “centro da saciedade” com o “centro da fome”, que é a responsável


pelo controle da quantidade de alimento ingerido. O centro da fome é responsável pelo
comportamento de se alimentar e está funcionando cronicamente e pode ser inibido
transitoriamente pelo centro de saciedade após a ingestão de alimento. A quantidade
de glicose que entra nas células no centro da saciedade afeta a sensação de fome.
A habilidade de a glicose entrar nas células no centro da saciedade é mediada pela
insulina. Nos diabéticos com falta absoluta ou relativa de insulina, a glicose não entra
no centro de saciedade, resultando em falta de inibição do centro da fome, por isso
animais diabéticos tornam-se polifágicos apesar da hiperglicemia.

Pode ocorrer também a diminuição na habilidade de saltar, fraqueza nos membros


posteriores, ou o desenvolvimento de uma postura plantígrada. Isto porque os músculos
distais dos membros traseiros são aparentemente rígidos à palpação digital e os gatos
podem opor-se à palpação ou manipulação dos membros traseiros, presumivelmente
por causa da dor associada com a neuropatia.

Quando os sinais clínicos associados ao diabetes não forem observados há um grande


risco de o animal desenvolver sinais sistêmicos da doença como a cetonemia progressiva
e o desenvolvimento de acidose metabólica. A cetoacidose é considerada emergência em
pequenos animais. O aumento de corpos cetônicos ocorre, pois, na falta de glicose, podem
ser usados como fonte de energia por muitos tecidos, ou seja, a deficiência de insulina é
essencial para o início da lipólise. Em uma situação de curto prazo, a conversão de ácidos
graxos em corpos cetônicos é medida de segurança. Porém, o excesso de corpos cetônicos
no sangue, o que pode superar o sistema de tamponamento do corpo, provocando
acréscimo na concentração dos íons hidrogênio e decréscimo no bicarbonato sérico.

Diagnóstico

Segundo especialistas, atualmente não existem critérios internacionalmente aceitos


para o diagnóstico de diabetes em gatos. O diagnóstico da DM é baseado nos sinais
clínicos característicos (poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso), associado à
presença de persistente hiperglicemia de jejum e glicosúria. Contudo, nem sempre é
tão simples estabelecer o diagnóstico de diabetes melito em gatos como em cães.

Primeiro porque as alterações no exame físico dependem da presença e da severidade


da cetoacidose diabética e da natureza de outros distúrbios simultâneos, sendo que o
76
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

gato diabético sem cetoacidose não apresenta as manifestações clínicas clássicas no


exame físico. Muitos gatos diabéticos são obesos, mas, em contrapartida, possuem boa
condição física. Os gatos com prolongado diabetes não tratado podem ter perdido peso,
mas raramente são caquéticos, a menos que uma doença concomitante esteja presente,
como por exemplo o hipertireoidismo. Os gatos diabéticos recém-diagnosticados e
mal controlados, muitas vezes, param com a limpeza do pelame e desenvolvem uma
pelagem sem brilho e seca.

Além disso, há uma alta capacidade de reabsorção renal de glicose, na espécie felina
(glicemia >270 mg/dL), portanto, só haverá glicosúria quando já houver considerável
hiperglicemia. Todavia, a glicosúria por si só, não é suficiente para o diagnóstico da
diabetes, uma vez que também está presente em casos de defeitos nos túbulos renais,
no estresse e na administração de certos fármacos. O estresse deve ser considerado
principalmente na raça felina, pois é altamente susceptível a sofrer de hiperglicemia
induzida pela situação de “luta ou fuga” (hiperglicemia transitória), mediada
pelas catecolaminas (epinefrina e norepinefrina) e também pelo “stress”, mediado
pelo cortisol, em situações de doenças crônicas, metabólicas e envolvimento de
situações dolorosas.

Uma das particularidades da hiperglicemia do estresse é a não previsibilidade


desse fenômeno. Alguns gatos que aparentemente demonstram estar estressados
apresentam-se normoglicêmicos, já outros que demonstram estar calmos podem
desenvolver hiperglicemia marcante, o que sugere que exista uma variação individual
entre eles. Muitos clínicos associavam os efeitos contrarregulatórios dos hormônios
do estresse, como catecolaminas e cortisol, à função de induzir resistência periférica
à insulina e, portanto, causar a hiperglicemia. Entretanto, quando esse fenômeno foi
observado, não pareceu haver mudança na sensibilidade à insulina, o que pode sugerir
que, se a resistência à insulina é a causa da hiperglicemia, ela deve ser uma mudança
muito transitória.

Nesses casos a medição da frutosamina sérica é um método de diagnóstico alternativo,


que funciona como um bom marcador para a detecção de hiperglicemia persistente
e para diferenciar dos casos transitórios de hiperglicemia por estresse. Isto se
dá porque a frutosamina é um produto da reação irreversível entre a glicose e os
grupos amino das proteínas plasmáticas. Com base no tempo de vida das proteínas
plasmáticas, assume-se que a concentração da frutosamina reflete a concentração
média da glicose sérica das últimas 1-3 semanas. Este teste também é muito útil na
monitorização do controle glicêmico no animal diabético sob tratamento. No entanto,
não deve ser considerada um parâmetro infalível, pois estudos demonstraram
que felinos om diabetes muito recente (menos de 5 dias) ou leve hiperglicemia

77
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

podem apresentar valores de frutosamina normais ou no limite superior da


normalidade.

No perfil bioquímico sérico, comumente há hipercolesterolemia (até duas vezes o limite


superior do normal) e hipertrigliceridemia (ligeira a moderada), levando à lipemia.
Também pode haver um aumento da fosfatase alcalina sérica (FA) (até três vezes o
limite superior do normal) e aumento da alanina aminotransferase (ALT) (até cinco
vezes o limite superior do normal). Isto porque, o diabetes induz a lipidose hepática,
causando uma hepatomegalia.

O hemograma vai depender da situação que o paciente está. Animais com diabetes
sem complicações geralmente não há alterações. No entanto, pode estar presente uma
anemia ligeira e um leucograma de estresse (neutrofilia de segmentados e linfopenia,
podendo ter a quantidade de linfócitos normal, devido à grande mobilização do
Compartimento marginal nessa espécie). Os casos que há complicantes como em casos
de pancreatites ou outros processos infecciosos ou inflamatórios associados, pode
ocorrer uma leucocitose por neutrofilia, com a presença de neutrófilos tóxicos.

Na urinálise as anormalidades identificadas geralmente são: glicosúria, cetonúria


(animais com complicação da doença). A presença de hematúria, piúria e bacteriúria
encontra-se fortemente correlacionada com infecções do trato urinário inferior.
A proteinúria pode ser o resultado de infecção do trato urinário, ou lesão glomerular
secundária ao rompimento da membrana basal.

Embora as infecções bacterianas sejam uma causa rara (<1%) de doenças do trato
urinário inferior em gatos não diabéticos, nos diabéticos há uma predisposição à
infecção do trato urinário (ITU) devido à imunidade local prejudicada e à presença de
glicose (substrato bacteriano) na urina.

Por outro lado, gatos que apresentam sinais de doenças do trato urinário inferior ou
gatos suscetíveis a episódios repetidos de cistite, podem desenvolver diabetes como
resultado do estresse de sua doença (aumento dos corticosteroides endógenos),
inflamação associada à cronicidade resultando em resistência à insulina, ou como
resultado de terapia para sinais de doenças do trato urinário inferior se esteroides
exógenos foram usados).

Tratamento

O tratamento desta doença é complexo e visa: à eliminação dos sinais clínicos, atingir
ou manter um peso adequado e evitar as complicações resultantes da doença e do seu
tratamento a curto prazo (hipoglicemia e cetoacidose) e a longo prazo, permitindo,

78
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

uma boa qualidade de vida. A persistência dos sinais clínicos e o desenvolvimento de


complicações crônicas estão diretamente correlacionados com a intensidade e com a
duração da hiperglicemia.

Mas para o sucesso do tratamento, é fundamental a dedicação e colaboração dos donos


do animal. Por ser um protocolo rigoroso, cabe ao médico veterinário o esclarecimento
da importância de seguir à risca o que foi proposto. Também deve haver uma
preocupação e estar preparado para que o animal não desenvolva hipoglicemia, que
é uma complicação muito grave e potencialmente fatal, e mais provável de ocorrer em
casos de insulinoterapia intensiva.

Insulinoterapia

A insulina reduz a glicemia pela inibição da produção de glicose hepática e a estimulação


da utilização periférica da glicose. A insulina também inibe a lipólise no adipócito e a
proteólise e aumenta a síntese proteica. Ela inibe a progressão da destruição das células
β, por redução da toxicidade da glicose às células. Nos gatos, a insulina parece prevenir
a formação de depósitos de amiloide derivados do PPAI.

A insulina é tipicamente caracterizada por sua espécie de origem, seu início, duração
e intensidade de ação após a administração parenteral. A terapia insulínica provê os
meios mais eficazes e confiáveis de alcançar o controle glicêmico em gatos diabéticos.
Tão logo se alcance o controle glicêmico, maior a probabilidade de remissão diabética.
Podem ser usados diversos tipos de insulina em gatos para a insulinoterapia de
manutenção, contudo, é difícil prever adiantadamente quais gatos reagirão melhor com
qual insulina, pois gatos diabéticos são notoriamente imprevisíveis em sua resposta à
insulina exógena e todas as preparações de insulina têm o potencial de efeito de curta
duração nesta espécie. Desse modo, o clínico deve ter conhecimento das opções de
insulina para o tratamento do diabetes felino.

Embora existam diretrizes para a escolha da dose inicial de insulina em gatos, a


dose adequada de manutenção para cada paciente será aquela que controla os sinais
clínicos e a hiperglicemia. A maioria dos gatos precisa da administração 2 vezes/dia,
independentemente do tipo de insulina selecionado. Por causa da imprevisibilidade
da resposta individual a diferentes insulinas, é importante ser conservador ao escolher
doses de insulina, seja inicialmente seja quando mudar de um tipo de insulina para
outro em um gato.

As preparações comerciais de insulina podem ser de origem animal (bovina e suína)


ou produzidas por tecnologia de ácido desoxirribonucleico recombinante. Porém,
independentemente da sua origem, as insulinas são classificadas em três categorias:
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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

em função da velocidade, da duração e da intensidade de ação após a sua administração


parenteral; podendo desta forma ter uma ação rápida, intermédia ou longa. Em medicina
veterinária, as preparações de insulina mais frequentemente utilizadas são as mistas
(bovina e suína), devido ao seu baixo custo e eficácia comprovada, porém a insulina de
origem humana está ocupando um papel cada vez mais importante no mercado.

O objetivo das primeiras aplicações não é atingir um controle glicêmico excelente, mas
sim permitir que o organismo se acostume com a presença da insulina e que cão e o
proprietário de adaptem à nova rotina e ao manejo. O tutor deve ser informado no
momento em que a terapia insulínica é iniciada de que vai demorar por volta de 1 mês
para se estabelecer um protocolo de tratamento com insulina satisfatório.

As insulinas de ação intermediária (NPH) são utilizadas para o tratamento do paciente


diabético não complicado, sendo a dose inicial para gatos de 1 a 2 U/gato, a cada 12 h.
A Caninsulin® é uma insulina suína lenta, disponível no mercado na concentração de
40 U/mℓ. Um dos protocolos iniciais para gatos baseia-se no valor da glicemia, na dose
de 0,25 U/kg e 0,5 U/kg, a cada 12 h, se a glicemia for menor e maior do que 360 mg/
dℓ, respectivamente.

A insulina protamina zinco (PZI: 90% bovina e 10% suína) é uma das escolhas no
tratamento do diabetes felino, mas por enquanto, está disponível somente nos EUA.
A dose inicial recomendada é de 1 U/gato, a cada 12 h. Também já existe no mercado
norte-americano uma insulina PZI humana produzida por engenharia genética
e que com estudos concluiu-se que essa insulina é eficaz no controle glicêmico de
gatos diabéticos.

Os análogos da insulina de longa ação (glargina e detemir) são utilizados (Figura 8) para
se assemelharem à secreção relativamente constante de insulina pelo pâncreas entre as
refeições (insulina basal). Fisiologicamente, a principal função dessa secreção basal é
controlar a produção de glicose hepática. A insulina glargina tem pH de aproximadamente
4, sendo pouco solúvel no pH fisiológico, formando microprecipitados quando injetada
no tecido subcutâneo e devido a essa característica, pequenas quantidades da insulina
são liberadas lentamente e apresenta menor risco de causar hipoglicemia grave quando
comparada com outras insulinas existentes no mercado. As doses recomendadas da
insulina glargina para felinos vão variar conforme a glicemia inicial do animal e suas
respostas ao tratamento. Todo tratamento está esquematizado na figura 8.

A insulina detemir é outro análogo da insulina com ação basal, que tem um ácido graxo
(ácido mirístico) ligado ao aminoácido lisina na posição B29 da molécula de insulina.
Essa alteração promove retardo na sua absorção após a injeção subcutânea devido à
interação hidrofóbica entre os ácidos graxos, e uma vez absorvida, a detemir se liga

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

reversivelmente à albumina e é liberada lentamente no sangue e nos tecidos. Ambas


as insulinas têm um período de ação menor e variabilidade maior em comparação ao
homem. Em alguns gatos, o pico de ação pode ser pronunciado.

Em situações de cetoacidose diabética, é recomendado o uso de doses baixas de insulina


regular de curta ação por via subcutânea três vezes ao dia, até que a cetonúria seja
resolvida, a fim de evitar os efeitos deletérios de uma insulinoterapia mais agressiva,
que muitas vezes conduz a quadros de hipoglicemia, hipocalemia, hipofosfatemia,
acidose láctica e desequilíbrio osmótico, com consequente edema cerebral.

Todavia, há casos em que o quadro de cetoacidose diabética é considerado uma


emergência clínica devido às severas alterações metabólicas existentes. Nestes casos,
corrigir a desidratação, o desequilíbrio eletrolítico e ácido-básico, cessar a produção de
corpos cetônicos e corrigir a hiperglicemia são essenciais a vida. Se todos os parâmetros
anormais puderem ser lentamente retornados à normalidade (ao longo de 36 a 48
horas), haverá maior probabilidade de êxito, com o tratamento.

Considerações sobre o manejo da insulina são muito importantes, pois apesar das
preparações serem estáveis à temperatura ambiente, refrigerá-las mantém uma
condição mais constante de armazenamento, levando a maior vida útil do produto, pois
quanto melhor a conservação da insulina, maior a duração da atividade do hormônio
no frasco. Congelar, aquecer ou agitar vigorosamente o frasco degrada a insulina.
Contudo, uma recomendação que pode evitar prejuízos ao tratamento por perda do
efeito da medicação é a troca periódica do frasco a cada 30 a 45 dias após aberto, como
recomendam as bulas de insulinas humanas, independentemente do volume residual.
Outras causas para falha na insulinoterapia é a diluição inadequada, administração
incorreta ou uso fora do prazo de validade.

Outra causa de falha no controle da diabetes pode ser de resistência à insulina.


A resistência insulínica é uma condição na qual uma quantidade normal de insulina
produz uma resposta biológica subnormal, e pode ser decorrente de problemas antes da
interação da insulina com seu receptor, no receptor ou, ainda, nas cascatas fosforilativas
pós-receptor, podendo ser causados por: uso de progestágenos, glicocorticoides, além
de insuficiência pancreática, neoplasias e hipotireoidismo. Algumas vezes a persistência
ou a recorrência dos sintomas podem ser inerentes ao tipo de insulina (curta duração
do efeito), dose insuficiente, espécie da qual provém a insulina e frequência de
administração.

As manifestações da resistência insulínica estão relacionadas com mau controle


glicêmico, como poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso persistentes e neuropatia
diabética.

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Figura 8. Recomendações do esquema de uso da insulina glargina em felinos.

Glicemia > 360 mg/dL Glicemia < 360 mg/dl

Dose Inicial 0,5 U/kg Dose Inicial 0,25 U/kg

Após 1 semana de terapia com insulina

Glicemia Glicemia Glicemia


Nadir ≥ 180 Nadir 90 a Nadir 90 a Nadir < 60
Jejum > Jejum 180 Jejum <
mg/dl 180 mg/dl 180 mg/dl mg/dl
360 mg/dl a 360 mg/dl 180 mg/dl

Aumento da dose: 0,5 Diminuir Dose: 0,5 Diminuir Dose: 1


Continuar a mesma dose
U/injeção U/injeção U/injeção

Se não há sintomas de hipoglicemia

Diminuir a dose em 50%

Após 2 Semana de terapia com insulina

Monitorar Rechecar
Glicemia Glicemia Suspender
glicemia de glicemia
Jejum < manter ≤ insulina =
4/4h por em 1
180 mg/dl 180 mg/dl remissão
12h semana

Fonte: adaptado de Tratado de Medicina Interna de Cães e Gatos, Jericó, 2015.

Hipoglicemiantes orais

Funcionam de diversas maneiras, apresentando efeitos pancreáticos e extrapancreáticos:


estimular a secreção pancreática de insulina (sulfonilureias), aumentando a sensibilidade
dos tecidos à insulina (metformina, tiazolidinedionas), ou retardando a absorção
intestinal de glicose pós-prandial (inibidores da α-glicosidase). Embora atualmente
estejam disponíveis sete classes distintas destes fármacos, em gatos diabéticos, apenas
as sulfonilureias demonstraram ter alguma eficácia, podendo este agente ser utilizado
em combinação com a insulinoterapia ou como agente terapêutico único.

As sulfonilureias dividem-se em dois grupos: as de primeira geração (tolbutamida,


acetohexamida, tolazamida e clorpropamida) e as de segunda geração (glipizida,
glibenclamida ou gliburida, gliclazida, glimepirida), sendo as de segunda geração cem
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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

vezes mais potentes que as de primeira. Elas estimulam a secreção de insulina pelas
células β pancreáticas, por isso, alguma capacidade de secreção de insulina endógena
pancreática deve existir para que as sulfonilureias sejam eficazes. A resposta clínica ao
tratamento com glipizida em gatos diabéticos, tem sido variável e depende da gravidade
da perda das células β. Seu efeito hipoglicemiante é evidente por 12 a 24 horas, fazendo
com que seja possível administrá-los uma vez por dia. São absorvidas a partir do trato
digestivo e para se atingir uma concentração plasmática ótima, devem ser ingeridos 15
a 30 minutos antes das refeições.

A variabilidade de resposta ao tratamento com glipizida é esperada na dependência


do tipo de diabetes, do número adequado e da maior população funcional de células β
ou B. Felinos diabéticos, cuja grande maioria apresenta DM tipo 2, a utilização destes
agentes hipoglicemiantes, especialmente a glipizida é bastante promissora, porém só
deve ser utilizada em gatos diabéticos com boa condição corporal, não cetoacidóticos, e
com sinais clínicos de DM ligeiros a moderados.

O tratamento apresenta duas fases distintas: na primeira (adaptação), inicia-se a terapia


com a dose de 2,5 mg/gato, a cada 12h. Se, nessa fase, o gato apresentar sintomas, o
tratamento deve ser interrompido. Como reações adversas temos já descritas em gatos,
prostração, anorexia, vômito (15%), icterícia (10%) e aumento das enzimas hepáticas.
Esse período de adaptação é feito por no mínimo 2 semanas. Nessa primeira fase, pode-
se manter a dose de insulina diária. Caso o gato não apresente os efeitos colaterais,
dá-se início à segunda fase do tratamento (terapêutica), cuja dose do fármaco passa
para 5 mg/gato, a cada 12h. Nessa fase, a administração de insulina pode ser suspensa,
se o gato não apresentar alterações clínicas, como poliúria, polidipsia, polifagia, perda
de peso ou até mesmo o desenvolvimento da cetoacidose ou neuropatia diabética.
Nessas duas últimas situações, a terapia com glipizida deve ser descontinuada e a
terapia com insulina, reiniciada. A resposta satisfatória ao tratamento com glipizida
pode ser identificada após 1 mês do início da terapia. Se houver o desenvolvimento de
euglicemia ou hipoglicemia, a dose da glipizida pode ser reduzida ou descontinuada,
com a reavaliação das glicemias.

Se persistirem valores acima de 300 mg/dL, após 1 a 2 meses de tratamento, ou ainda


se existir agravamento dos sinais clínicos, tais como anorexia, letargia, e vômito, bem
como, quando se desenvolve um quadro cetoacidótico ou neuropatia diabética, ou ainda
caso a ALT exceda 500 UI/L, está indicado a interrupção do medicamento e início da
insulinoterapia. Em alguns gatos, as sulfonilureias tornam-se ineficazes semanas ou meses
mais tarde, sendo também necessário nesses animais a introdução da insulinoterapia.

O tratamento com sulfonilureias não é recomendado para gatos recém-diagnosticados


diabéticos ou para aqueles com manifestações mais graves da doença, como cetoacidose

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

diabética, perda de peso importante e neuropatia diabética. O tratamento com


hipoglicemiantes orais pode levar meses para fazer o efeito máximo, já o com insulina
inicialmente visa reduzir os efeitos da glicotoxicidade.

Estudos mostraram que houve associação positiva entre o tratamento do gato diabético
com glipizida e o desenvolvimento da amiloidose da ilhota pancreática. Parece que a
secreção aumentada de PPAI tem uma função nessa diferença. Após o tratamento dos
gatos com glipizida, eles tinham três vezes a secreção de PPAI basal e cinco vezes a
secreção de PPAI estimulada pela glicose mais alta, quando comparados com os gatos
em tratamento com insulina.

Dieta

A dieta desempenha um papel importante no tratamento dos animais diabéticos, sendo


a correção da obesidade o primeiro passo para se melhorar o controle da glicemia.
É fundamental também corrigir os seus hábitos alimentares, no sentido de garantir
a consistência no horário e no aporte calórico de cada refeição, bem como, fornecer
uma dieta que contribua para minimizar a hiperglicemia pós-prandial, principalmente
aumento do teor de fibras na dieta.

A maioria dos gatos diabéticos são obesos, o que leva à resistência insulínica e,
inicialmente, ao aumento da secreção de insulina. O aumento da secreção de insulina
pode causar amiloidose e destruição das ilhotas de Langerhans e redução da produção
de insulina, quadro é semelhante ao diabetes tipo 2 em seres humanos. A correção da
obesidade é difícil em gatos, porque exige restrição da ingestão calórica diária, sem um
correspondente aumento no gasto calórico (exercício), além dos hábitos alimentares
dos gatos variarem consideravelmente, desde comer tudo no momento em que a comida
é oferecida até se alimentar de pequenas porções no decorrer do dia e da noite. Dietas
com alto teor de proteínas e baixa concentração de carboidratos são mais eficazes para
controlar a glicemia de gatos diabéticos e promover perda de peso, além de promover
melhor controle glicêmico, pode evitar os distúrbios causados pela restrição calórica
como a lipidose hepática, por exemplo.

A maior parte dos gatos domiciliados não precisa de mais do que seu requerimento
energético de repouso (RER) para atingir suas necessidades nutricionais. Isso significa
que a maioria dos gatos não precisa ingerir mais do que 45 a 50 kcal/kg/dia. Gatos
muito obesos podem precisar de restrição calórica abaixo desses valores, porém a perda
de peso tem que ser gradual, não excedendo mais do que 1 a 2% por semana. Se esse
objetivo não for conseguido, pode ser realizada uma redução adicional (10 a 20%) das
calorias oferecidas.

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

A quantidade de calorias a ser oferecida deve ser calculada com base no peso ideal (ou
abaixo do peso atual), de acordo com o programa para redução de peso de felinos, pela
seguinte fórmula:

RER (baseado no peso ideal em kg) = 70 × (peso ideal)0,75 [ou 40 a 45 × peso ideal (em kg)]

Se o valor calculado não for menor do que o que já está sendo consumido pelo gato,
reduzir em 10 a 20% e reavaliar o paciente em 2 a 4 semanas, com objetivo de promover
a perda de peso gradual de 1 a 2% por semana. O gato diabético não precisa receber
refeições junto dos horários de aplicação de insulina, principalmente se insulinas
basais, como glargina ou detemir, estiverem sendo usadas. Gatos diabéticos com peso
ideal podem ser alimentados à vontade, porém os obesos, devem ter sua quantidade
diária de alimento fracionada em porções, oferecida várias vezes ao dia.

É importante oferecer a dieta em porções predeterminadas ou pesar as porções em


balanças precisas, além de ser fundamental que durante o programa de perda de peso
haja um monitoramento do controle glicêmico, podendo ser utilizado o monitoramento
domiciliar de glicemia, além da dosagem de frutosamina. Inicialmente, a maior parte dos
pacientes precisará da administração de insulina exógena para correção da hiperglicemia
crônica, mas a tendência é que esses pacientes precisem de doses cada vez menores de
insulina e muitos podem ter remissão do diabetes. Com a correção da hiperglicemia,
muitos deles deixarão de precisar de insulina para manter a normoglicemia e nesses
casos, o risco de ocorrência de hipoglicemia é maior.

Fica evidente quão fundamental é a adesão do proprietário no programa de perda


de peso, mas essa tarefa é bem difícil já que muitos gatos pedem comida durante os
períodos de restrição, causa comum de insucesso do tratamento, por isso oferecer
dietas que promovam saciedade sem aumentar a densidade energética do alimento é
fundamental para evitar esse comportamento.

Já os gatos magros devem recuperar o peso perdido. De qualquer forma, a escolha da


dieta apropriada depende do paciente, o importante é que as alterações na dieta sejam
instituídas gradualmente após atingir o peso ideal.

Exercício físico

Estimular o gato diabético a realizar exercícios é uma maneira de favorecer o gasto


energético e melhorar o controle glicêmico. É bastante desafiador para o veterinário
recomendar aos donos de gatos dispensarem um tempo para exercitar seus animais,
além de ser muitas vezes frustrante para ambos. É possível aumentar a atividade física
desses gatos com brinquedos que estimulem a curiosidade deles.

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Monitoramento domiciliar

Grande parte do sucesso do tratamento do DM depende do empenho e do trabalho


conjunto entre tutores e médico veterinário. De modo ideal, todos os gatos diabéticos
devem receber, no mínimo, monitoramento diário por parte de seus tutores,
verificando como o gato está comendo e bebendo (mais ou menos que anteriormente)
e se o comportamento geral se mostra normal. Registrar o peso corporal em casa é um
instrumento de acompanhamento muito valioso. Devem ser estabelecidas reavaliações
regulares e uma vez alcançado o controle glicêmico, os gatos diabéticos deverão ser
reavaliados aproximadamente a cada 3 meses. Importante deixar claro que em
medicina veterinária, diferentemente da humana, o objetivo ao tratar o diabetes não é a
normoglicemia, porque mesmo alguns diabéticos bem controlados podem se encontrar
pelo menos um pouco hiperglicêmicos em algum momento durante o dia.

Curva glicêmica seriada

Consiste na coleta de múltiplas amostras de sangue durante um período de tempo


definido e em geral, as amostras são coletadas a cada 1 a 2h por um período de até 10 a
12h. Podem-se utilizar os glicosímetros portáteis que necessitam de pequenos volumes
de sangue. Os locais mais utilizados em gatos, além da veia cefálica ou femoral, são
o coxim palmar ou plantar e a ponta da orelha. O sangue é obtido ao longo do dia
para a determinação da glicemia, podendo assim determinar se a insulina é eficaz e de
identificar o nadir de glicemia, o tempo de efeito do pico da insulina, a duração do efeito
da insulina, e a faixa de glicemia em um determinado cão. Ou seja, fornece diretrizes
para a realização de ajustes na terapêutica com insulina, sendo mandatória durante
a regulação inicial do gato diabético, pois para Associação Americana de Clínicos de
Felinos e a Academia de Medicina Felina a avaliação das curvas glicêmicas é o melhor
método para determinar o tipo, a dose e a frequência de administração de insulina.

Também se faz necessária no animal em que as manifestações clínicas da hiperglicemia


ou hipoglicemia se desenvolveram, ou seja, se houver suspeita de mau controle da
glicemia, com o objetivo de identificar uma possível razão para explicar por que o
diabético é mal controlado. Durante uma curva glicêmica, o esquema de administração
de insulina e da alimentação usado pelo cliente devem ser mantidos.

Um grande problema da curva glicêmica são animais estressados, agressivos ou


agitados, além disso, os principais fatores que promovem a hiperglicemia induzida por
estresse são a hospitalização e múltiplas punções venosas. Por isso, não é recomendável
a realização de curvas glicêmicas no hospital, pois o estresse de confinamento do animal
em uma gaiola, a ausência do proprietário e o fato de que muitos gatos não irão se

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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

alimentar durante o período de hospitalização são razões suficientes para excluir essa
possibilidade, pois favorecerá resultados imprecisos de glicemia devido a inapetência
no hospital ou a administração de insulina em um momento incomum. Portanto,
preferencialmente, a curva glicêmica deve ser realizada em casa e, se possível, pelo
proprietário, de modo que alguns fatores de estresse sejam minimizados.

É importante lembrar sempre de interpretar os resultados de curvas glicêmicas, em


conjunto com a avaliação clínica, a anamnese e a concentração de frutosamina e as
alterações no peso corporal. Utilizam-se basicamente os valores do nadir (menor
glicemia detectada) e os valores de glicemia pré-aplicação de insulina para definir
ajustes racionais.

A escolha do glicosímetro é de fundamental importância para sucesso da curva glicêmica,


lembrando que apenas um número limitado de glicosímetros foi avaliado criticamente
na literatura veterinária, com resultados variáveis. A acurácia é avaliada pela precisão e
por desvios (variação a partir de uma aferição em laboratório de referência).

A maioria dos glicosímetros está calibrada para uso humano, além de que a distribuição
da glicose entre o plasma e os eritrócitos é diferente no sangue felino em comparação
com o sangue humano. Os glicosímetros para uso humano, em geral, fazem leituras
mais baixas (cerca de 18 a 36 mg/dℓ) do que as aferições realizadas em analisador
automatizado bioquímico. Para complicar ainda mais a questão, a glicose sérica total
(medida com um glicosímetro) é cerca de 10% mais baixa do que a glicose plasmática
com glicólise inibida (tubos com fluoreto). Também em comparação com as aferições de
glicose sérica total, a glicose sérica reduz-se em cerca de 5 a 7% por hora em decorrência
do metabolismo sustentado de glicose pelos eritrócitos, e esta queda se dá até mesmo
em tubos com inibidores de glicólise, resultando em leituras reduzidas da glicose
plasmática em comparação com amostras séricas prontamente centrifugadas. Além
disso, as medidas de glicose sérica capilar podem estar entre 10 e 24% mais elevadas
que a glicose sérica total venosa em estado de não jejum. Apesar dessas variações, os
estudos em gatos mostram alternância mínima entre as amostras obtidas do pavilhão
auricular em comparação com a veia periférica, podendo este teste ser aplicado de
maneira confiável.

O glicosímetro testado até o momento que apresentou o maior grau de acurácia foi o
AlphaTRAK, um dos poucos aparelhos calibrados para uso em pacientes veterinários.
Embora o AlphaTRAK não seja tão fácil de utilizar como os glicosímetros para medicina
humana, ele requer um volume de amostra muito pequeno (0,3 μℓ) e o tempo de exame
é de apenas 15 s, porém deve-se estar bem atento para saber se este aparelho está
realmente calibrado para a espécie felina, uma vez que o ajuste incorreto diminui muito
sua acurácia. Os glicosímetros devem ser selecionados com cuidado para uso na clínica

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

e utilização dos proprietários em casa, com o clínico e o proprietário tendo em mente


as variações do glicosímetro em comparação com as aferições laboratoriais de glicose.
O ideal é o clínico calibrar cada glicosímetro usado em casa contra um analisador
bioquímico sanguíneo próprio do hospital ou um glicosímetro calibrado.

Resistência insulínica

Condição patológica na qual a magnitude da resposta biológica à insulina está diminuída,


ou seja, há uma menor sensibilidade à insulina. Para que ocorra o desenvolvimento
do diabetes tipo 2, é necessário algum grau de resistência à insulina, o mesmo termo é
usado quando o paciente resiste à insulina exógena.

As causas da resistência insulínica são classificadas dependendo se há interferência


na disponibilidade da insulina em ligar-se ao receptor (pré-receptor), interferência na
ligação da insulina ao receptor ou fatores que influenciem a transdução do sinal após
a interação da insulina com o seu receptor (pós-receptor). Há também a destruição da
insulina após a sua administração por via subcutânea e a ligação da insulina exógena
por anticorpos anti-insulina são causas potenciais de problemas de pré-receptor, mas
raramente documentados em gatos.

A causa mais comum de resistência insulínica em gatos é mediada pela secreção


de hormônios que antagonizam os efeitos da insulina devido a causas de receptor e
pós-receptor. Glicocorticoides, progestágenos, catecolaminas, hormônio tireoidiano,
hormônio de crescimento e glucagon estão comumente implicados, já o papel
dos hormônios sexuais e andrógenos na resistência insulínica é desconhecido.
A hiperglicemia do estresse mediada pelas catecolaminas é comum em gatos e pode
mimetizar a resistência insulínica.

As manifestações da resistência insulínica estão relacionadas com mau controle


glicêmico, como poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso persistentes e neuropatia
diabética, apesar de a dose de insulina ser superior a 1,5 U/kg (6 a 8 U por dose).
Os indicadores clínicos de mau controle glicêmico são a persistência das manifestações
clínicas do DM, da hipoglicemia (letargia, desorientação e convulsões), da dose elevada
de insulina e da recorrência da cetoacidose diabética. Gatos com resistência insulínica
apresentam hiperglicemia persistente identificada na curva glicêmica e na concentração
de frutosamina sérica elevada.

No entanto, é fundamental que a resistência insulínica seja diferenciada de outras causas


de controle glicêmico ruim, que podem incluir manejo inadequado do proprietário de
gato diabético, dose de insulina inadequada, hipoglicemia induzida pela dose excessiva
de insulina (efeito Somogyi) e rápida metabolização da insulina.
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ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

Entre as causas de resistência insulínica em gatos temos as doenças concorrentes


identificadas nos gatos com DM ou na cetoacidose diabética, sendo pancreatite,
a lipidose hepática, a colangioepatite, as infecções do trato urinário, a doença renal
crônica, o hipertireoidismo, o hiperadrenocorticismo, a doença inflamatória intestinal,
a acromegalia e a doença cardíaca as principais. O uso de glicocorticoides e de
progestágenos também é identificado como causa dessa resistência.

Complicações associadas ao diabetes melito


O desenvolvimento de complicações crônicas a médio e longo prazo estão correlacionadas
com a gravidade e duração da hiperglicemia ou da falta de controle do diabetes.
Entre eles estão:

Efeito Somogyi

Refere-se à hiperglicemia de rebote que ocorre como resposta contrarregulatória à


hipoglicemia por meio dos efeitos de epinefrina, cortisol, hormônio do crescimento
(GH) e glucagon. É um distúrbio controverso em medicina humana e mal descrito em
gatos. Um estudo recente documentou gatos diabéticos previamente bem controlados
com glicemia inferior a 40 mg/dℓ que apresentaram elevação súbita e rápida nas
concentrações de glicose sérica superiores a 400 mg/dℓ e/ou concentrações que
estavam, no mínimo, 150 mg/dℓ acima das concentrações mais altas medidas em
geral. Um cenário semelhante foi identificado em gatos que ainda não tinham estado
bem regulados, mas em que a “hipoglicemia” precedente foi, de aproximadamente,
70 mg/dℓ. Nos dois cenários, duas doses subsequentes de insulina mostraram quase
nenhum efeito, e a concentração de glicose permaneceu elevada por mais de 24h.
Quatro gatos de 55 avaliados foram identificados com um ou outro desses cenários.

Não existem diretrizes específicas para tal raro fenômeno, porém, se houver a suspeita,
a abordagem prudente é retirar a insulina por 24h e, a seguir, reintroduzi-la sob dose
muito mais baixa, como 50% da dose pregressa.

Neuropatia diabética

A hiperglicemia crônica associada a DM não controlado resulta em anormalidades


estruturais neurológicas. À histologia, a lesão nas células de Schwann é prevalente e
inclui defeitos de mielina, como divisão e formação de dilatações e desmielinização.
Ocorre, ainda, degeneração axônica nos gatos mais gravemente acometidos. Essas
alterações estão associadas à doença microvascular.

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UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

Os sinais clínicos mais comuns são postura plantígrada em estação ou durante a


marcha, porém é possível uma variação de sinais clínicos. O distúrbio não parece ser
francamente doloroso, mas a maioria dos gatos mostra-se irritável quando seus pés são
tocados ou manipulados.

O ponto principal do tratamento da neuropatia diabética consiste em alcançar o controle


glicêmico. A maioria dos animais apresenta melhora clínica significativa depois que a
euglicemia é alcançada. Contudo, déficits persistentes são comuns.

Pancreatite e insuficiência pancreática


exócrina em gatos diabéticos
Como a produção de insulina pelas células β das ilhotas ocorre no interior do pâncreas
exócrino, não surpreende a expectativa de doença pancreática exócrina como
comorbidade, pois foram identificadas associações diretas entre o pâncreas endócrino
e o exócrino em gatos.

Documentou-se recentemente fPLI sérica elevada em gatos diabéticos em comparação


com os não diabéticos, porém não foi feita associação ao grau de controle glicêmico, já um
outro estudo não encontrou associação entre controle glicêmico e doença pancreática.

Apesar desses achados, gatos individualmente podem apresentar episódios de perda


de controle glicêmico associados à pancreatite, e o clínico deve ter um alto índice de
suspeita se houver a perda do controle glicêmico de modo intermitente. Não existe
conduta específica para reduzir tal possibilidade em gatos suscetíveis, e cada episódio
deve ser tratado com base em suas próprias características. A única indicação franca
de um episódio de pancreatite pode ser a perda de controle glicêmico, pois os sinais
clínicos da pancreatite em gatos são inespecíficos.

A insuficiência pancreática exócrina (IPE) foi identificada concomitantemente a


diabetes em poucas ocasiões e tal fato não surpreende, pois, a IPE é muito incomum
em gatos. Uma série de 16 gatos com IPE encontrou quatro gatos não diabéticos com
hiperglicemia (e também um gato diabético). A glicemia deve ser avaliada regularmente
(a cada 3 meses) em gatos com IPE diagnosticada.

Crises diabéticas
Essas decorrem da falta relativa ou completa de insulina e do aumento nos hormônios
contrarreguladores, levando à gliconeogênese e à resistência à insulina, à redução na
utilização da glicose pelos tecidos periféricos, à hiperglicemia e à glicosúria com diurese

90
ENDOCRINOLOGIA │ UNIDADE I

obrigatória. As duas crises diabéticas mais comuns são a cetoacidose diabética (CAD) e
a síndrome hiperglicêmica hiperosmolar (SHH), que não é cetótica.

Os dois distúrbios são iniciados pela falta relativa de insulina, assim como no DM não
complicado, porém ocorre como culminância da cascata de eventos iniciados pela
resposta do organismo. A insulina retarda a lipólise de modo que, sem a insulina, os
adipócitos sofrem micrólise para liberar ácidos graxos livres (AGL) para a circulação.
Os AGL circulantes são captados pelo fígado para a produção de triglicerídeos e também
para a elaboração de corpos cetônicos, que podem se tornar uma fonte adicional de
energia para a maioria das células.

No diabetes não complicado, a produção de triglicerídeos predomina e a produção de


corpos cetônicos ocorre de modo lento o suficiente para que os corpos cetônicos possam
ser usados por tecidos para a produção de energia e não para haver hipercetonemia.
Na CAD, incrementos relativos de glucagon, epinefrina, cortisol e GH ocorrem em
comparação com o decréscimo de atividade adequada de insulina. A elevação do índice
glucagon: insulina é característica da CAD.

Em geral, essa alteração é causada por um evento estressante. Contudo, o evento


desencadeador pode não ser identificável em todos os pacientes. Na SHH não cetótica,
muito menos comum, acredita-se que a resistência ao glucagon hepático e a existência
de pequenas quantidades de insulina possam inibir a lipólise, o que evita a cetose.

Cetoacidose diabética
Em geral, esses animais apresentam anorexia e letargia, quase sempre estão desidratados,
com outros sinais inconsistentes. O achado laboratorial fundamental consiste em
cetose, porém os gatos também estão acidóticos e, naturalmente, hiperglicêmicos.

Os corpos cetônicos podem ser identificados na urina com tiras reagentes urinárias, ou
nas tiras reagentes para corpos cetônicos plasmáticos, que têm pouca probabilidade de
conferir um resultado falso-negativo, mas o índice de falso-positivo pode alcançar 33%.
Por outro lado, tiras reagentes para corpos cetônicos urinários têm pouca probabilidade
de conferir um resultado falso-negativo, contudo podem ocorrer resultados falso-
positivos em 18% dos casos. Os testes podem ser usados concomitantemente se houver
qualquer dúvida sobre o resultado.

Prognóstico

O prognóstico depende da presença e da reversibilidade das doenças concomitantes,


a facilidade da regulação do estado diabético com a insulina e principalmente do

91
UNIDADE I │ ENDOCRINOLOGIA

comprometimento do tutor com o tratamento da doença. Em geral, ele é bom quando


há remissão da doença, reservado nos casos de difícil controle glicêmico e ruim na
presença de cetoacidose ou de doenças concorrentes que causem resistência insulínica.

92
HEMATOLOGIA UNIDADE II

CAPÍTULO 1
Hematologia e distúrbios
imunorrelacionados

O sangue: considerações gerais

Introdução

O sangue é a porção líquida do meio interno que circula rapidamente dentro de um


sistema fechado de vasos denominado sistema circulatório, constituído por um
fluido de células em suspensão, moléculas e íons dissolvidos em água, apresentando
propriedades das soluções coloidais. Uma característica importante do sangue é a
constância da sua composição química e propriedades físicas, assegurando condições
físicas para o funcionamento das células.

Constantemente renovado pela rápida entrada e saída de substâncias que modificam


discretamente sua composição, com estreita faixa de variação.

Composição do sangue

Constituído de uma parte líquida (aproximadamente 55% de plasma) e uma parte de


elementos figurados (aproximadamente 45%). O plasma é constituído de 91,5% de água
que serve de solvente das substâncias orgânicas e minerais e ainda de veículo para as
células, moléculas e íons.Os restantes 8% são formados por proteínas, sais e outros
constituintes orgânicos em dissolução.

O plasma é a porção fluida do sangue não coagulado; contém os fatores da coagulação,


exceto aquele removido pelo anticoagulante; é formado às custas da ingestão de água,
de alimentos, da difusão e trocas líquidas entre os vários compartimentos do organismo.

93
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

Já o soro é a porção líquida do sangue que resta após a coagulação e remoção do coágulo,
portanto não contém a maioria dos fatores da coagulação.

A porção sólida apresenta três tipos elementos em suspensão no plasma:

»» Glóbulos vermelhos, hemácias ou eritrócitos.

»» Glóbulos brancos ou leucócitos.

»» Plaquetas ou trombócitos, que não são células e sim fragmentos de uma


célula (megacariócito).

A principal função do sangue é o transporte, quer de substâncias essenciais para


a vida das células do corpo, tais como oxigênio, dióxido de carbono, nutrientes e
hormônios, quer de produtos oriundos do metabolismo, indesejáveis ao organismo,
os quais são levados aos órgãos de excreção.O volume sanguíneo normal varia entre
as espécies domésticas, sendo nos felinos aproximadamente 6 – 7% do peso corpóreo
(62 – 66mL/Kg).

O hemograma é o exame de sangue mais solicitado na rotina da prática médica, isto


porque ele é prático, rápido, econômico e muito útil. E apesar de raramente levar
a um diagnóstico definitivo de determinada patologia ou doença, ele geralmente
oferece informações que podem ser utilizadas como ferramenta pelo clínico para, em
associação a outros sinais e exames na busca do diagnóstico, bem como do prognóstico
e monitoramento do progresso dos tratamentos ou das doenças.

Todo exame começa pela qualidade da amostra, que depende de uma boa coleta.
A espécie felina é particularmente afetada nessa etapa, podendo resultar em números
totalmente alterados, levando à intrepretações errôneas. Uma das razões são as
alterações causadas pela excitação (adrenalina) e ou estresse (corticoides); outra a
tendência de agregação que suas plaquetas têm e por fim podemos citar os pequenos
volumes de amostras que geralmente são enviados.

Doenças do sangue e do sistema imunológico são relativamente comuns em gatos e,


podendo também ser causadas por agentes infecciosos. É importante compreender a
fisiologia normal para identificar a doença, pois muitos dos sinais à apresentação são
inespecíficos, o que exige pesquisa detalhada e lógica de sua etiologia.

Hematopoiese
A palavra hematopoiese significa formação das células do sangue. Abrange o estudo
de todos os fenômenos relacionados com a origem, com a multiplicação e a maturação

94
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

das células primordiais ou precursora das células sanguíneas. Na vida embrionária


a hematopoiese inicia-se no saco vitelino, estágio em que há o início da formação
vascular. Com o desenvolvimento fetal o fígado, o baço e a medula óssea são os maiores
órgãos hematopoiéticos. Durante a segunda metade do desenvolvimento do feto a
medula óssea e os órgãos linfoides periféricos são os maiores locais de produção de
células sanguíneas.

Após o nascimento a hematopoiese passa a ocorrer somente na medula óssea e


inicialmente todos os ossos participam desta atividade, isto porque na fase de
crescimento rápido do jovem esta associada à expansão do volume sanguíneo, com
pesada demanda na medula por eritrócitos. Com o passar do tempo e o aumento da
idade a demanda por eritrócitos decresce e a hematopoiese regride para apenas parte
dos ossos do corpo sendo que esta função vai limitando-se à medula dos ossos chatos
e às extremidades dos ossos longos. No gato adulto, os principais ossos envolvidos
no processo são o esterno, o crânio, o ílio, as costelas e as extremidades do fêmur e
do úmero. A medula ativa, também chamada de medula vermelha, com o tempo vai
desaparecendo e deixa de ser hematopoiética, sendo substituída por tecido gorduroso,
o qual forma a medula inativa ou amarela.

Eritropoiese
É o processo de formação de eritrócitos (Figura 9), que para resultar numa célula
madura leva de 5 a 8 dias para se completar. Inicia-se pelo estímulo célula pluripotencial
de origem mesenquimal chamada célula-tronco ou célula-mãe que é estimulada a
proliferar e diferenciar-se em “burst” de unidade formadora eritroide (BUF-E), quando
há hipóxia tecidual. De BUF-E há proliferação e diferenciação para unidade formadora
de colônia eritroide (UFC-E), sendo a eritropoietina (EPO) o fator de crescimento
primário envolvido nesse processo. A EPO é produzida por fibroblastos adjacentes aos
túbulos renais perto da junção corticomedular em resposta à diminuição da tensão
local de oxigênio e o aumento na sua produçãoinicia-se dentro de minutos após o início
da hipóxia, com a produção máxima ocorrendo 24 horas depois.

De UFC-E diferencia-se para rubriblasto, a primeira célula morfologicamente


reconhecível das células eritroides, seguidas pelas divisões/maturações: rubriblasto
ou proeritroblasto pró-rubrícito ou eritroblasto basofílíco, rubrícito ou eritroblasto
policromático, metarrubrícito ou eritroblasto ortocromático, reticulócito e eritrócito.

Na fase de metarrubrícito há denucleação, que leva à formação de reticulócito, o qual


finalmente matura-se, dando origem ao eritrócito.

95
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

Figura 9. Fases da eritropoiese.

Proeritroblasto Eritroblasto Basófilo Eritroblasto Eritroblasto Reticulócito Hemácia


Policromático Ortocromático

Fonte: <http://cadernodefarmacia.blogspot.com/2012/11/eritropoiese.html>. Acesso em: 18 mar. 2019.

Reticulócitos
Reticulócitos, portanto, são eritrócitos imaturos (Figura 10) que ainda contêm um
grau variável de dobras membranosas e invaginações de superfície mantendo ainda
ribossomos, complexo de Golgi e mitocôndrias residuais que os capacitam a sintetizar
mais de 20% do conteúdo final de hemoglobina já que ainda são células maiores que
os eritrócitos maduros e apresentam concentrações mais baixas de hemoglobina pois
acabaram de perder o núcleo, deixando um espaço “vazio” em seu lugar. Sua contagem
é o melhor indicativo semiquantitativo da atividade efetiva da eritropoiese medular.

Após coloração com corantes supravitais (novo azul de metileno ou azul cresil brilhante)
essas organelas citoplasmáticas aparecem nos reticulócitos como precipitados em forma
de cordões (reticulócitos agregados) ou esparsos (pontilhados). Porém, quando corados
pelos métodos usuais, os reticulócitos são vistos como células não nucleadas, um pouco
maiores que os eritrócitos adultos, apresentando certa policromatofilia. Portanto, a
existência de reticulócitos na circulação é responsável pela variação de tamanho e cor
celulares observada ao exame do esfregaço sanguíneo nas anemias regenerativas.

Figura 10. Diagrama mostrando o amadurecimento progressivo dos reticulócitos felinos. Os reticulócitos
agregados perdem suas inclusões e amadurecem formando reticulócitos pontilhados em cerca de 12h. Os
reticulócitos pontilhados lentamente perdem suas inclusões durante o período de cerca de 10 dias.

12 horas 10 dias +/-

Cel.
Metarrubrícito Agregado Pontilhado Madura

Fonte: The Cat: Clinical Medicine and Management, 1. ed., Susan Little, Copyright © 2012 by Saunders.

Dois tipos de reticulócitos felinos são identificados: agregados e pontilhados. Os


reticulócitos agregados têm longas cadeias lineares de ribossomos; são maiores e
96
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

mais azulados que os eritrócitos maduros; e são os menos maduros dos dois tipos
de reticulócitos. Os ribossomos mostram-se azul-escuros após a coloração com novo
azul de metileno. A maior parte dos ribossomos é removida em 12h conforme a
célula amadurece, formando um reticulócito pontilhado. Os reticulócitos pontilhados
apresentam alguns pequenos pontos representando os ribossomos remanescentes
e pegam a cor de um eritrócito maduro. São necessários 10 a 14 dias para que os
ribossomos remanescentes sejam removidos e a célula se torne um eritrócito maduro
antes de entrar no sangue por diapedese através de células endoteliais que contornam
os sinusoides medulares. A sua liberação para o sangue é controlada por um número
de fatores que agem em conjunto, incluindo a concentração de eritropoietina e
deformabilidade capilar e carga de superfície.

Existem alguns reticulócitos pontilhados em gatos sadios, e esses reticulócitos podem


estar na circulação durante até 1 mês após um evento anêmico.

O processo de maturação envolve a perda de algumas superfícies de membranas,


receptores para transferrina e fibronectina, ribossomos e outras organelas, obtenção da
concentração normal de hemoglobina, organização final do esqueleto submembranoso,
redução do tamanho celular e mudança de forma para o aspecto bicôncavo.

É importante ter em mente que esses dois tipos de reticulócitos não são células
diferentes, e sim a evolução no amadurecimento do eritrócito. Conforme a anemia
torna-se mais grave, reticulócitos mais jovens são liberados na tentativa de aumentar
o número de células eritrocitárias transportadoras de oxigênio. O resultado é o
aumento do número de reticulócitos agregados na circulação. Como eles podem
amadurecer muito rapidamente até reticulócitos pontilhados, a existência de
números maiores de reticulócitos agregados circulantes sugere hipoxia sustentada.
Um importante conceito relacionado com anemia felina é se requer o aumento do
número de reticulócitos agregados (acima da variação de referência do laboratório)
antes de a anemia de moderada a grave ser considerada regenerativa. A menos que a
anemia seja branda, e os reticulócitos agregados mais imaturos não sejam necessários,
reticulócitos pontilhados individualmente não são evidência de regeneração. Em
gatos, o número absoluto de reticulócitos agregados é um indicador mais confiável de
regeneração do que o percentual corrigido de reticulócitos ou do índice de produção
de reticulócitos.

A contagem de reticulócitos deve ser sempre corrigida para o grau de anemia para que
seja real em relação a quantidade e resposta (Quadro 3) do organismo. Isso pode ser
feito de duas maneiras, corrigindo-se pelo VG ou pelo número de hemácias, realizados
pelas contas a seguir.

97
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

Corrigidos em Porcentagem

Reticulócitos Obtidos (%) x Ht (%) do animal / Ht (%) normal para espécie

Gato: 37% de Ht
Corrigidos Absolutos (por microlitro)

Reticulócitos Obtidos (%) x Número de Hemácias por uL / 100

Reticulócitos obtidos não corrigidos

Quadro 3. Interpretação dos resultados quanto a resposta à anemia.

Felinos Felinos
Intensidade da Resposta Agregados Ponteados
% (x10³/uL) % (x10³/uL)
Nula 0-0,4 (<15) 1-10 (<200)
Fraca 0,5-2 (50) 10-20 (200)
Moderada 3-4 (100) 20-50 (1000)
Intensa >5 (>200) >50 (>1500

Fonte: Arquivo Pessoal (2018).

A EPO também estimula a síntese de hemoglobina, sendo que a hemoglobina felina é


única que tem menos afinidade por oxigênio comparando-se a hemoglobina encontrada
em outras espécies, por isso, o oxigênio é liberado mais prontamente nos tecidos.

Em um gato sadio, a produção (eritropoiese) e a remoção de eritrócitos (hemocaterese)


é equilibrada. O ciclo de vida do eritrócito felino maduro normal é de cerca de 73 dias,
após esse período são removidos fisiológicamente da circulação por por duas vias:
fagocitose por macrófagos no baço onde o heme e o ferro são reciclados. Isso se chama
hemólise extravascular. Já a hemólise intravascular é quando os eritócitos são rompidos
dentro do próprio vaso. Processos patológicos também podem levar a destruição das
duas formas, porém de forma desequilibrada.

Distúrbios eritrocitários

Distúrbios quantitativos

Anemia

É a diminuição do número de eritrócitos, concentração de hemoglobina e/ou hematócrito


abaixo dos valores normais de referência. Trata-se de um processo secundário a uma
98
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

doença, por isso a necessidade da classificação das anemias, para chegar mais próximo
possível do diagnóstico e assim empregar o tratamento adequado.

Os sinais clínicos resultam da reduzida capacidade de o sangue carrear oxigênio e de


certos ajustes fisiológicos para aumentar a eficiência da reduzida massa de eritrócitos
circulantes e reduzido trabalho do coração, sendo os mais comuns: mais comuns
dispneia, intolerância ao exercício, palidez das mucosas, aumento da frequência
cardíaca (podendo ter sopro sistólico), aumento da frequência respiratória, letargia e
depressão. Nos casos de anemia hemolítica aguda comumente são visualizados sinais
de icterícia, hemoglobinemia, hemoglobinúria e febre. Já nos casos de perdas crônicas
de sangue, o organismo consegue manter a homeostase circulatória e em alguns casos,
mesmo com menos de 50% da hemoglobina normal, o animal pode não apresentar
sinais clínicos. Portanto, podemos concluir que o desenvolvimento de vários dos sinais
clínicos depende do grau de anemia, de sua causa, bem como a velocidade de seu
aparecimento.

Classificação das anemias

O objetivo de se classificar as anemias em vários tipos é determinar possíveis mecanismos


patofisiológicos e causas prováveis. Porém, antes de qualquer coisa é necessário
classificá-las como relativa ou absoluta, ou seja, se aquela anemia é real (absoluta,
portanto clinicamente importante), ou se o volume de eritócitos só está aparentemente
diminuído devido a uma expansão do volume plasmático (fêmeas gestantes, neonatos
ou após fluidoterapia).

Classificação morfológica

Caso a anemia seja absoluta ele deverá ser classificada inicialmente de acordo
com sua morfologia, ou seja, tamanho do eritrócito (volume corpuscular médio –
VCM) e pela concentração de hemoglobina dentro do eritrócito (concentração de
hemoglobina corpuscular média – CMHC). Além disso, aparelhos mais modernos
ainda disponibilizam Red Cell Distribution Width (RDW), que indica a amplitude de
distribuição dos eritrócitos.

Quanto ao tamanho da célula, os eritrócitos podem apresentar macrocitose, normocitose e


microcitose que referem-se ao tamanho da célula acima, dentro ou abaixo da variação
de referência, respectivamente. Pela avaliação do esfregaço sanguíneo, pode ser visto
mais de um tipo de tamanho de eritrócito podemos chamar de anisocitose, que pode
resultar da associação de células de tamanho normal junto a números apreciáveis de
células maiores, menores ou ambas. Quando acompanhada de policromasia (diferença

99
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

na coloração), as células grandes e com aspecto basofílico provavelmente se trata de


um maior número de reticulócitos agregados e indica regeneração medular. Contudo, a
ausência de policromasia não descarta regeneração.

Já normocromia e hipocromia referem-se a CHCM dentro ou abaixo da variação de


referência, respectivamente. A hemoglobina constitui cerca de 33% do volume da célula
e os eritrócitos não conseguem carregar mais hemoglobina no seu citoplasma que o
normal, não podendo, portanto, ser hipercrômicos. Em geral, o aumento da CHCM
está associado à hemólise, decorrente de doença hemolítica ou de venipunção ou de
manuseio da amostra inadequados (como por exemplo forte homogeneização, não
tirar agulha para dispensar o sangue no tubo etc). A alteração em qualquer um desses
parâmetros requer a revisão do esfregaço sanguíneo para uma explicação.

Classificação quanto a reposta medular

A partir da forma e cor da hemácia, principalmente pela observação do esfregaço


sanguíneo, e em casos de dúvida pela contagem de reticulócitos, conclui-se se o tipo de
reposta de uma anemia, ou seja, se ela é do tipo regenerativa ou arregenerativa.

Classificação patofisiológica

Então, dá-se a classificação patofisiológica, ou seja, o mecanismo patogênico pelo qual a


anemia está sendo formada. A anemia pode ocorrer por perda de sangue (hemorragias),
destruição acelerada dos eritrócitos (hemólise) ou diminuição na produção eritrocitária
que que pode ser proveniente de um problema medular ou qualquer outro local
envolvido nessa produção, incluindo a utilização deficiente de nutrientes essenciais
para a produção de eritrócitos.

Anemia hemorrágica

A hemorragia pode ser aguda (por exemplo causada por traumas, úlceras gastrointestinais,
cirurgias, defeitos na hemostasia) ou crônica (causadas por parasitismo, úlceras
gastrointestinais, hematúria, neoplasias).

A principal característica da anemia hemorrágica aguda, caso não haja nenhuma


interferência, é ser macrocítica hipocrômica/normocrômica com policromatofilia,
ou seja, uma anemia regenerativa. No entanto, os sinais de regeneração só começam
a aparecer a partir de 72 horas após o episódio de perda sanguínea. Inclusive, poucas
horas após o sangramento, a anemia pode nem aparecer devido ao fato de que se perde
a parte celular, porém também há perda da parte líquida (plasma) de forma equilibrada,
consequentemente há redução na concentração de proteína plasmática total. Na tentativa

100
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

de correção para proteger o coração, o cérebro e as vísceras, há movimento intravascular


de fluido para o espaço extravascular, expansão do volume plasmático para um nível
normal, indicada devido à diminuição da concentração de proteínas plasmáticas, seguida
pela diminuição dos parâmetros do eritrograma. Esse processo se dá geralmente em 4
horas após o início da perda sanguínea.

Anemia hemolítica

A hemólise é causada pela destruição acelerada dos eritrócitos que pode ser intra ou
extravascular (fagocitose pelo sistema monocítico fagocitário). A anemia hemolítica
geralmente apresenta uma resposta altamente regenerativa (anisocitose, policromasia,
reticulocitose).

Quando a hemólise é intravascular o gato geralmente apresenta sinais de


hiperbilirrubinemia, hemoglobinúria e hemoglobinemia e as anemias são bem agressivas.
Já sinais de hiperbilirrubinemia e a bilirrubinúria sugerem destruição fagocítica
(extravascular).

A destruição de eritrócitos tem muitas causas potenciais, como mecanismos


imunomediados primários; destruição imunomediada secundária à doença infecciosa ou
à administração de fármacos; lesão direta em decorrência da oxidação de hemoglobina ou
de parasitos sanguíneos; anomalias congênitas resultando em fragilidade da membrana
eritrocitária; ou exposição a aloanticorpos advindos de transfusões incompatíveis ou
de isoeritrólise neonatal. A anemia será regenerativa se houver número adequado de
reticulócitos agregados circulantes para o grau da anemia.

A Anemia Hemolítica Imunomediada (AHIM) ocorre quando a resposta imunológica


é direcionada contra antígenos sobre eritrócitos. Isso leva a sua remoção pelo sistema
fagocitário mononuclear do baço (hemólise extravascular) ou lise mediada por
complemento (hemólise intravascular). Se o evento imunomediado estiver associado a
outra doença, a AHIM é secundária. Doença infecciosa ou inflamatória pode provocar
AHIM secundária, assim como neoplasia ou administração de medicamentos. Quando
nenhuma causa subjacente puder ser discernida, o processo denomina-se AHIM primária.

Gatos com AHIM, seja primária seja secundária, exibirão sinais relacionados com a
anemia, que podem envolver anorexia, letargia, fraqueza ou dificuldades respiratórias,
além de poder haver outros sinais em decorrência da doença subjacente em gatos com
AHIM secundária.

O diagnóstico de AHIM pode ser frustrante, pois existem muitos mecanismos que
provocam hemólise e que não envolvem o sistema imunológico, contudo é importante

101
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

diferenciar AHIM primária de secundária, pois o tratamento pode ser diferente.


Na investigação diagnóstica rigorosa, com frequência encontra-se a etiologia subjacente
e pesquisas afirmam que AHIM primária é rara em gatos.

Para fechar o diagnóstico de AHIM, outras causas de hemólise devem ser eliminadas.
Convém realizar hemograma com contagem de reticulócitos e plaquetas, perfil
bioquímico sérico e urinálise. A condição retroviral do gato deverá ser avaliada e cabe
realizar o teste PCR para DNA de M. haemofelis. Cabe realizar radiografia de tórax
e ultrassonografia abdominal para se descartar potenciais infecções brônquicas ou
massas torácicas ou abdominais. O exame da medula óssea poderá ser útil quando uma
resposta regenerativa à anemia for equívoca.

Gatos são muito tolerantes a VGs muito baixos, inclusive para estados não compatíveis
com tal situação. Todavia, quanto mais baixo o VG, maior deverá ser o número de
reticulócitos agregados e se o número de reticulócitos não for apropriado para o grau
de anemia, ela poderá ser não regenerativa, em cujo caso uma resposta imunológica
direcionada a precursores eritrocitários na medula óssea poderia ser considerada.

Testes imunodiagnósticos específicos, como teste de aglutinação em lâmina e teste de


Coombs direto, devem ser realizados. O teste de Coombs direto detecta anticorpos ou
complemento sobre a superfície dos eritrócitos. O resultado positivo é compatível com
diagnóstico de AHIM, porém não ele não é obrigatório. Entretanto, o diagnóstico de
AHIM deverá incluir o teste de Coombs direto positivo. Resultados falso-negativos são
improváveis. O teste de Coombs direto pode se tornar negativo após um paciente com
AHIM entrar em remissão, embora não seja provável que alguns dias de imunoterapia
supressora produzam um teste negativo. Uma limitação do teste é a incapacidade
de diferenciar entre AHIM primária e secundária. O teste de aglutinação em lâmina
adequadamente realizado pode detectar IgM antieritrócito ou grandes quantidades de
IgG antieritrócito cobrindo os eritrócitos. A autoaglutinação deve ser diferenciada da
formação de rouleaux pelo lavado apropriado ou diluição do sangue sobre a lâmina.
O teste de Coombs direto é desnecessário se a aglutinação em lâmina for positiva, pois
os dois testes verificam anticorpos antieritrocitários e a autoaglutinação é considerada
indicativa de AHIM.

O tratamento da AHIM depende da causa e da gravidade da anemia e deve ser ajustado


ao indivíduo. A remoção de uma causa subjacente ou de um desencadeador ajudará a
controlar a AHIM secundária, com o objetivo da redução da destruição imunomediada
de eritrócitos.

O protocolo ideal medicamentoso diminuirá a fagocitose de eritrócitos cobertos


por anticorpos ou complemento, reduzirá a ativação do complemento e eliminará a

102
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

produção de anticorpos antieritrocitários. Os glicocorticoides são o agente inicial de


escolha em dose imunossupressora. Existe certa evidência de que a absorção intestinal
ou a conversão hepática de prednisona a prednisolona podem ser fracas em gatos.
Desse modo, alguns defendem a prednisolona como a melhor escolha inicial nessa
espécie. A dose imunossupressora inicial de prednisona ou prednisolona seria 2 a 4
mg/kg por via oral a cada 24h. A duração de ação biológica desses fármacos é de 24 a
36h, mais longa que a meia-vida plasmática. Assim, há poucas vantagens em dividir
a dose diária, exceto para reduzir a irritação gástrica que alguns pacientes enfrentam
com doses muito altas. Em casos que a medicação oral estiver contraindicada devido
a vômito ou doença grave da cavidade bucal ou do esôfago, pode-se substituir por
dexametasona injetável a 0,25 a 1 mg/kg a cada 24h por via subcutânea, intramuscular
ou intravenosa.

A resposta de que o tratamento está correto, é indicada por VG estável ou em elevação e


pode ser esperada em 5 a 7 dias e nos casos de AHIM secundária tratada apropriadamente
pode responder com maior rapidez, de 3 a 5 dias. Após o VG tiver alcançado o limite
inferior da variação de referência e lá permanecer por, no mínimo, 1 semana, pode-se
considerar diminuir lentamente a dose do glicocorticoide. Uma resposta rápida pode
tornar possível a redução mais rápida da dose. A dose pode ser reduzida em 25 a 50%
a cada 2 a 4 semanas. Quando a dose de prednisolona tiver alcançado 0,5 mg/kg,
pode ser iniciado o tratamento em dias alternados, porém, é fundamental assegurar a
manutenção da remissão antes da redução de cada dose. Após chegar na dose fisiológica
(0,25 mg/kg) de prednisolona deve-se tentar suspender o medicamento, no entanto, a
possibilidade dessa suspensão dependerá de cada gato individualmente. As recidivas
são esperadas e deverão ser tratadas aumentando-se a última dose eficaz.

Considerar o uso de outros agentes imunossupressores nos casos que: a resposta a


prednisolona for inadequada, o controle ocorrer apenas sob doses altas de prednisolona
ou os efeitos colaterais forem inaceitáveis.

A clorambucila é um fármaco aceitável para uso em gatos, bem tolerado por apresentar
poucos efeitos colaterais (sendo a mielotoxicidade um deles) assim, a primeira escolha
quando existe necessidade de mais um fármaco. As dosagens variam entre 2 mg/gato
por via oral a cada 48 a 72h; a 0,1 a 0,2 mg/kg por via oral a cada 24h.

Outros fármacos imunossupressores passíveis de uso em felinos são ciclofosfamida,


ciclosporina e leflunomida, todavia, devido à mielossupressão intensa que ocorre em
gatos, a azatioprina não está recomendada.

Nunca esquecer as medidas de suporte como a expansão de volume, que em um gato


gravemente enfermo melhorará a perfusão de órgãos. As preocupações relacionadas com

103
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

a exacerbação da hipoxia diminuindo o VG com líquidos intravenosos são infundadas


e embora o VG possa diminuir, a quantidade total de hemoglobina no corpo, não.
Entretanto, a reidratação revelará a gravidade verdadeira da anemia e muitas vezes
esse paciente necessitará de uma transfusão de sangue, sendo fundamental realizar a
reação cruzada.

O prognóstico de gatos com AHIM depende da resposta ao tratamento, do prognóstico


associado a qualquer doença subjacente e da ocorrência de complicações potencialmente
fatais, como CID ou tromboemboliapulmonar, que ocorrem em um índice muito baixo
em gatos.

Em resumo, as anemias regenerativas sempre resultam de uma causa extramedular,


pois a presença de reticulócitos e hemácias policromatofílicas (hemácias imaturas) na
circulação é uma indicação clara de medula óssea funcional. As anemias regenerativas
só podem resultar de hemólise ou perda de sangue.

Entre as causas não imunomediadas de hemólise, há a anemia com corpúsculos de


Heinz, que são grumos de hemoglobina irreversivelmente desnaturada aderidos à
membrana celular do eritrócito, isto porque sofreu lesão oxidativa. A hemoglobina
felina é bastante sensível à lesão oxidativa, pois existem mais alvos sobre a molécula
a serem oxidados, além de que gatos apresentam capacidade reduzida de eliminar
substâncias oxidativas. A hemoglobina felina também dissocia-se mais rapidamente do
que em outras espécies.

O baço felino tem uma natureza não sinusoide é por isso é ineficaz na remoção de
eritrócitos com corpúsculos de Heinz, pois como são rígidos não são forçados a se
comprimir ao passar pela polpa vermelha, consequentemente, eles se acumulam. Por esse
motivo, até 20% dos eritrócitos em gatos sadios podem apresentar corpúsculos de Heinz.

As substâncias oxidativas são radicais livres que danificam estruturas celulares. Podem
se acumular quando existe aumento na produção ou diminuição da destoxificação
do radical livre, que pode ser produzido espontaneamente a partir do oxigênio.
Também podem ser consequência de fármacos, vegetais ou substâncias químicas com
propriedades oxidativas (Quadro 4).

O desenvolvimento e o grau de anemia dependem do tamanho, do número e do índice


de formação de corpúsculos de Heinz. São melhor visualizados quando corados com
novo azul de metileno mostrando-se escuros.

O tratamento para a anemia com corpúsculos de Heinz deve primeiramente ser


direcionado para a remoção da lesão oxidativa, e assim como qualquer doença que
provoca anemia, os cuidados de suporte com base na condição do gato são importante.

104
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

Depois que a substância oxidativa for removida do gato, os corpúsculos de Heinz devem
desaparecer entre 1 e 4 semanas seguintes.

Quadro 4. Substâncias e doenças associadas à lesão oxidativa em eritrócitos.

Alimentos
»» Cebola
»» Propilenoglicol
»» Brócolis
»» Alho
»» Alimento à base de salmão

Fármacos
»» Acetaminofeno
»» Benzocaína
»» Propofol
»» DL-Metionina
»» Vitamina K3

Metais
»» Zinco
»» Cobre

Doenças
»» Diabetes melito (em especial com cetoacidose)
»» Hipertireoidismo
»» Lipidose hepática
»» Linfossarcoma

Fonte: The Cat: Clinical Medicine and Management, 1. ed. Susan Little, Copyright © 2012 by Saunders.

Anemia por deficiência de produção

É uma anemia arregenerativa causada por lesões na medula óssea ou ausência de


elementos necessários para a produção de eritrócitos como: produção diminuída de
eritropoetina (EPO), diminuição da capacidade de resposta da medula óssea a EPO,
diminuição dos precursores eritroides na medula óssea, ou deficiência de ferro.

Este tipo de anemia geralmente apresenta curso clínico crônico e início lento permitindo,
assim, uma adaptação fisiológica à redução na massa de hemácias,sendo esse animal
assintomático. Pode ser desencadeada por diversas causas como por exemplo doença
renal crônica, doença hepática, doença inflamatória ou infecção crônica, neoplasias,
doença primária da medula óssea, doenças endócrinas (hipoadrenocorticismo,
hiperestrogenismo, hipoandrogenismo), lesão tóxica da medula levando a mielodisplasia
(radiação, agentes químicos, intoxicação).

Anemias não regenerativas são mais frequentemente normocíticas normocrômicas,


sem aumento da produção de reticulócitos. Já nos casos de anemias por deficiência
105
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

de ferro, há diminuição nas concentrações de hemoglobina no interior dos eritrócitos,


já que o ferro é necessário para produção da hemoglobina. Sendo assim, os eritrócitos
sofrem divisões extras, que resultam em células menores, por isso na maioria
das espécies, a anemia ferropriva é microcítica (VCM diminuído) e hipocrômica
(CMHC diminuída), contudo, os gatos são menos passíveis de desenvolver
essas alterações. Podem também ocorrer variações na forma dos eritrócitos
(poiquilocitose) e os eritrócitos fragmentados (esquistocitose) no esfregaço sanguíneo
desses felinos.

Filhotes são bem susceptíveis a desenvolver anemia ferropriva em decorrência de


endoparasitose ou de ectoparasitose, o que é incomum em gatos adultos. Já a perda
crônica de sangue por ulceração ou neoplasia gastrintestinal por longos períodos pode
resultar em anemia ferropriva. No entanto, o diagnóstico de anemia ferropriva pode
ser difícil. As alterações no éritron podem ser semelhantes às da anemia por doença
inflamatória.

Gatos sadios costumam não apresentar depósitos de ferro visíveis em sua medula óssea,
embora sua existência descarte a deficiência do mineral, sua ausência não a comprova,
pois concentrações séricas de ferro individualmente são inespecíficas demais. Por isso,
pode ser útil aferir a capacidade de ligação do ferro total (CLFT, que é a medida da
concentração de transferrina, uma proteína do plasma que funciona no transporte do
ferro) e as concentrações séricas de ferritina.

Felinos com deficiência de ferro, as dosagens de transferrina e CLFT, provavelmente


estarão normais a levemente elevadas na tentativa de oferecer maior capacidade para o
transporte de ferro às células. Como o ferro sérico é baixo, a saturação de transferrina
estará diminuída.

O sequestro de ferro e a diminuição do transporte de ferro são consequência de doença


inflamatória, de modo que concentrações de transferrina (e CLFT) estarão diminuídas.
A ferritina é uma proteína citoplasmática que estoca ferro em uma fase solúvel no
interior da célula e nos estados de deficiência de ferro, seus depósitos citoplasmáticos
estarão diminuídos, o que resulta em diminuição das necessidades de ferritina e
diminuição das concentrações plasmáticas. A ferritina também é uma proteína
inflamatória de fase aguda. Em condições que envolvem inflamação, espera-se que
as concentrações de ferritina estejam elevadas. Em suma, a transferrina (CLFT) está
aumentada e a ferritina diminuída na deficiência de ferro, enquanto o inverso pode ser
verdadeiro para a anemia da doença inflamatória.

A terapia de reposição de ferro envolve a administração de sulfato ferroso a 50 a


100 mg/gato, via oral, a cada 24h. Se ocorrer desconforto gastrintestinal, a dose

106
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

pode ser dividida. A dose deverá ser diminuída em 50%, quando o VG estiver na
variação de referência. Se a absorção intestinal for questionável, ferro dextrana
deverá ser administrado por via intramuscular a 50 mg a cada 3 a 4 semanas, até
a doença gastrintestinal estar sob controle. Ocasionalmente, ocorrerão reações de
hipersensibilidade associadas às injeções de ferro dextrana.

Dentro das anemias arregenerativas algumas causas merecem destaque, por terem
características próprias e aparecerem com frequência na clínica médica.

Anemia da doença crônica ou anemia


da doença inflamatória

Forma mais comum de anemia arregenerativa (normocíticos e normocrômicos),


porém felinos podem apresentar índices hematimétricos microcíticos e hipocrômicos,
uma condição que mimetiza deficiência de ferro. Variam de branda a moderada, com
VG normalmente acima de 20% e, em geral, associado ao leucograma inflamatório e
febre. Ocorre secundariamente a uma variedade de condições inflamatórias crônicas,
degenerativas ou neoplásicas e seu mecanismo de formação é multifatorial.

Processos neoplásicos e inflamatórios prolongados levam ao sequestro de ferro dentro


do sistema monocítico fagocitário (SFM) da medula óssea, e este, portanto, está
indisponível para os precursores eritroides para a eritropoese normal. Como o ferro é
um fator de crescimento essencial para microrganismos, acredita-se que esse seja um
mecanismo protetor contra infecção. Esta indisponibilidade de ferro é principalmente
mediada por hepcidina, lactoferrina e outros reagentes de fase aguda liberados por
leucócitos durante a inflamação. Portanto, a concentração sérica de ferro e a capacidade
total de ligação do ferro (CTLF, ou concentração de transferrina) estão normalmente
reduzidas, a saturação da Hb é baixa, mas os estoques de ferro na medula óssea estão
aumentados. É importante a avaliação dos estoques de ferro da medula óssea pela
coloração com azul da Prússia.

A suplementação com derivados de ferro não está recomendada, porque o aumento do


ferro pode promover o crescimento de bactérias patogênicas ou de células tumorais.

O meio inflamatório leva à diminuição da sobrevida eritrocitária, diminuição da


secreção de EPO em resposta à anemia e diminuição da resposta da medula óssea à EPO
existente, por isso inicialmente esse processo foi conhecido como anemia da doença
crônica. No entanto, gatos em um estudo apresentaram VG diminuído em 2 dias do
início de uma doença inflamatória. Portanto, hoje admite-se os dois nomes.

107
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

Doença renal crônica

Nessa situação inevitávelmente a anemia ocorre por vários motivos, entre eles:

»» Toxinas urêmicas podem suprimir o amadurecimento de precursores


eritroides na medula óssea.

»» Essas mesma toxinas também encurtam o ciclo de vida do eritrócito.

»» A uremia pode provocar disfunção plaquetária e ulceração gastrintestinal,


que pode não demonstrar uma perda tão evidente (pode não haver
melena).

»» O fator contributivo mais importante da anemia da DRC é a deficiência de


EPO. A EPO é produzida nos fibroblastos peritubulares profundamente
no córtex renal em resposta à hipoxia. A diminuição da massa renal
resulta em números diminuídos de células produtoras de EPO.

Inicialmente, a anemia é branda, porém, conforme a doença renal evolui, a anemia


torna-se equivalentemente mais grave, porém sempre normocítica, normocrômica e
hipoproliferativa. Poiquilócitos podem ser observados durante o exame do esfregaço
sanguíneo, especialmente os equinócitos.

A EPO humana recombinante (rhEPO) é uma proteína geneticamente modificada usada


para tratar anemia em humanos e com boa atividade biológica de rhEPO em gatos,
sendo que a reposição de hormônios usando rhEPO é o tratamento de escolha para
a anemia associada a falência eritropoética em gatos com insuficiência renal crônica
e devem estar limitadas a pacientes com anemia grave que interfere na qualidade de
vida. A dose inicial é de 100 unidades/kg por via subcutânea, 3 vezes/semana, e deve
ser mantida por 8 a 12 semanas, até que o VG alvo de 30% seja alcançado. Para isso
o VG deve ser aferido semanalmente de modo que a dose possa ser alterada quando o
alvo for alcançado, então nesse ponto, a frequência de dosagem é reduzida para 1 ou 2
vezes/semana, a fim de manter o VG acima de 30%.

Essa dose pode ser modificada se a anemia for particularmente grave sem exigir uma
transfusão. Se o VG estiver abaixo de 14%, 150 U/kg podem ser administrados por via
subcutânea, 3 vezes/semana.

Se o paciente estiver hipertenso ou se a anemia não for particularmente grave (ainda


assim provocando sinais clínicos) uma dose de 50 U/kg pode ser eficaz para aumentar o
VG, ao mesmo tempo prevenindo aumento adicional na pressão arterial. É importante
ressaltar que a dosagem e o intervalo das doses devem ser individualizados para
cada paciente.

108
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

São efeitos adversos potenciais da administração de rhEPO deficiência de ferro,


hipertensão, eritrocitose, anafilaxia, reações locais à injeção. Se ocorrer eritrocitose
iatrogênica, a dose ou o intervalo de dosagem (ou ambos) deverão ser diminuídos.

Um gato que não responde deverá ser avaliado quanto à deficiência de ferro, perda
de sangue externo, anemia da doença inflamatória ou desenvolvimento de anticorpos
direcionados contra rhEPO; ou ainda estocagem, manuseio ou administração inadequados
pelo proprietário também devem ser considerados. O frasco do medicamento deve
estar refrigerado e convém ter cuidado para não agitar vigorosamente o frasco, a fim de
evitar a desnaturação de proteínas.

Outro efeito adverso é a possibilidade de deficiência de ferro, pois o rápido aumento


da eritropoese pode levar ao uso de grandes quantidades de ferro e se o mesmo não
for suplementado poderá ficar em falta. Todos os gatos que recebem rhEPO também
deverão receber sulfato ferroso a 50 a 100 mg/gato por dia, por via oral.

Embora a molécula de rhEPO seja bastante semelhante à EPO endógena do gato, ela não
é idêntica e essa variação estrutural é suficiente para o sistema imunológico de alguns
gatos reconhecerem a rhEPO como uma proteína estranha e montarem uma resposta
imunológica (anticorpos contra a proteína). Isso ocorre com aproximadamente 20 a
50% dos gatos que recebem rhEPO, por mais de 4 semanas. Esses anticorpos bloqueiam
tantos os efeitos biológicos não apenas da rhEPO, quanto também da EPO endógena
do animal; o que pode levar à aplasia de eritrócitos potencialmente fatal, conforme o
hematócrito do paciente cai a níveis abaixo daqueles pré-tratamento.

Policitemia
Trata-se do aumento da massa de eritrócitos conforme medida pelo aumento do
hematócrito, do número de eritrócitos e da concentração de hemoglobina. O termo
mais correto a ser utilizado é eritrocitose, já que policitemia definiria o aumento de
todas as linhagens sanguíneas. É sempre um sinal de doença, sendo, portanto, sempre
um distúbio secundário.

Apesar de ser um achado incomum em gatos, geralmente está associado a um aumento


da produção de EPO pelos fibroblastos adjacentes aos túbulos contornados proximais
profundamente no córtex renal, que se dá pela hipóxia.

Sinais clínicos

Os sinais associados devem-se principalmente ao aumento da viscosidade do sangue,


que leva à diminuição da velocidade de fluxo sanguíneo na microcirculação, que se dá

109
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

por distensão e, possivelmente, trombose desses vasos. Isto leva à hiperemia ou cianose,
sangramento (devido à ruptura dos pequenos vasos). Pode haver também sinais no
sistema nervoso central, pela obstrução dos vasos resultando em hipoxemia do sistema
nervoso central e subsequentes alterações no estado mental, convulsões, fraqueza,
ataxia e cegueira. Aproximadamente 25% dos gatos apresentarão esplenomegalia.

Classificação

A classificação se dá de acordo com sua fisiopatologia, além disso, o distúrbio pode ser
relativo ou absoluto (Figura 11).

No caso de eritrocitose relativa, há um aumento “relativo” do volume globular e até


mesmo da contagem global de hemácias e isso se dá pela diminuição do volume
plasmático, podendo ser causada por qualquer doença que provoque perda de líquido,
como vômitos e diarreia. Nesses casos as concentrações de EPO e o número de
reticulócitos estarão baixos a normais. Outra situação que leva à eritrocitose relativa é
a contração esplênica, porém não eleva de modo significativo o número de eritrócitos
em gatos.

A eritrocitose absoluta caracteriza-se pelo aumento verdadeiro da massa eritrocitária,


e é classificada em um distúrbio primário e secundário. A eritrocitose primária é uma
doença neoplásica, em que precursores eritrocitários autônomos na medula óssea
dividem-se e amadurecem, porém sem que haja um aumento na concentração de EPO.
Outras linhagens celulares na medula óssea permanecem não afetadas. Apesar de ser
uma doença rara, quando encontrada é em gatos jovens a de meia-idade.

Já na eritrocitose absoluta secundária há sempre um aumento da produção de EPO


que leva ao aumento na produção de eritrócitos devido ao estímulo da Stem cell. Pode
ser ainda dividida em uma resposta fisiologicamente apropriada ou inapropriada. A
eritrocitose secundária apropriada ocorre como resposta normal à hipoxia sistêmica e
a resposta compensatória adequada, sendo suas causas mais frequentes cardiopatias,
meio ambiente de grande altitude, doença parenquimatosa pulmonar crônica e
obesidade grave.

Eritrocitose secundária inapropriada trata-se do aumento da massa eritrocitária sem


evidência de hipoxia sistêmica. A causa mais comum em gatos é doença renal, como
tumores sólidos ou neoplasia difusamente infiltrativa, doença dos rins policísticos,
amiloidose, pielonefrite ou hidronefrose. O fluxo sanguíneo parenquimatoso renal
reduzido localmente devido à compressão ou à infiltração provoca hipoxia focal no
córtex, o que resulta em aumento da produção de EPO. tumores de outros sistemas
corporais podem produzir EPO ou substâncias semelhantes à EPO como síndrome
110
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

paraneoplásica. Assim como na eritrocitose secundária apropriada, os níveis de EPO


provavelmente estarão normais a altos.

Figura 11. Algoritmo para classificação da eritrocitose.

Policitemia
(PCV > 59%)

Repetir VG

VG continua VG retorna ao normal


alto

Policitemia relativa
Hidratação
contração esplênica

Permanece policitêmico VG retorna ao normal

Policitemia absoluta Policitemia relativa a


partir de hipovolemia.

Gasometria arterial Hipóxia Policitemia


secundária
(resposta
apropriada à
PO2 Normal hipóxia.

Neoplasia Policitemia absoluta


renal ou secundária inadequada.
Avaliar Rins Liberação inadequada
pielonefrite
de eritrócitos.

Policitemia absoluta
primária (Policitemia
Sem etiologia Vera) doença
detectável mieloproliferativa.

Fonte: The Cat: Clinical Medicine and Management, 1 ed., Susan Little, Copyright © 2012 by Saunders.

Leucócitos

Leucopoiese

É parte da hematopoiese que ocorre formação de células brancas do sangue por meio
de um sistema complexo envolvendo células-tronco com capacidade de autorrenovação
e diferenciação em linhagens celulares através de pequenos estímulos específicos
produzindo os leucócitos (Figura 12).

111
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

Figura 12. Diferenciação celular a partir de células-tronco plurepontenciais em linhagens celulares comprometidas
do sistema hematopoiético.

Fonte: <http://biologiaaocotidiano.blogspot.com/2013/10/hematopoiese.html>. Acesso em: 19 mar. 2019.

Existe uma circulação destas células no organismos, dos locais de produção para os
de suas funções ou locais de destruição. Por isso, ocorre uma constante mudança dos
parâmetros leucocitários.

O resultado final da leucopoiese é a produção de células que podem ser classificadas em


mononucleares e polimorfonucleares. Estas últimas possuem núcleo mais condensado
segmentado com discreta basofilia citoplasmática com finos grânulos (lisossomos – ação
antimicrobiana e hidrolíticos), grânulos primários e secundários. São 3 os participantes
deste grupo, que são: neutrófilos, eosinófilos e basófilos. Já as células mononucleadas,
são os monócitos, linfócitos e basófilos; possuem um núcleo não sigmentado e não
possuem grânulos citoplasmáticos. Todas estas células são produzidas na medula óssea.
As células produzidas então são liberadas na circulação ou armazenadas.

Os neutrófilos, em condições de saúde possuem meia vida de 5-10 horas na circulação.


No sangue, são distribuidos em dois compartimentos: o marginal, que é considerado a
reserva neutrofílica circulante de pronto uso, são células que ficam aderidas na parede
endoteliar de capilares e microvasos. Em felinos a relação de neutrófilos circulantes e no

112
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

pool marginal é de 3 para 1, por isso da mudança tão abrupta nos valores leucocitários
em momentos de cortisol e adrenalina aumentadas. Para os linfócitos, o conceito de
armazenamento pré-disponível também ocorre. É a única das células de defesa que
possui reecirculação, sendo que cerca de 25% do seu total volta para os linfonodos,
além de poderem “entrar e sair” de tecidos.

Os monócitos, após sua produção na medula, são liberados na circulção ou também


armazenados. São células que possuem potencial de modificação quando entram em
tecidos, podendo se diferenciar em células do sistema mononuclear fagocítico, os
macrófagos. Os eosinófilos, circulantes ou marginais, permanecem no sangue por
minutos ou horas, sendo eliminados rapidamente comparada às outras células, além
de um mecanismos de ação que ataca o estado larval de alguns parasitas e inativam
mediadores de mastócitos.

Basófilos, possuem tempo de circulção entorno de 2 dias para menos, sendo sua meia-vida
de apenas 6 horas. São células que além do papel de defesa, com ação de seus grânulos
citoplasmáticos, possuem também substâncias que promovem reações inflamatórias
de hipersenbilidade atraindo os eosinófilos.

Estas células, portanto, são análisadas a fim de avaliar o estado atual de defesa do
animal, por meio de técnicas de quantificação e avaliação morfológica. São colhidas
amostras em tubos contendo EDTA, que podem ser armazedas a 4º por 24 horas ou
várias horas em temperatura de 25º.

Leucograma

É uma parte importante da avaliação, que por meio de uma lâmina com esfregaço
sanguíneo corado, avaliamos os leucócitos em quantidade e morfologia, sendo de
fundamental importância já que contadores automatizados estão sujeitos a interferências
amostrais que resultam em erros.

A primeira avaliação refere-se à concentração total de leucócitos circulantes, no jargão


denominada “contagem de leucócitos”, complementada com a avaliação da contagem do
percentual de cada tipo de leucócito. Os valores encontrados durante observação de
lâmina são os valores relativos, dados em porcentagem que são utilizados para obtenção
dos valores absolutos leucocitários, calculadas com o valor total de leucócitos. Esses valores
(absolutos) são a amostragem em uL, para avaliar possíveis alterações. Quando temos
alterações em valores relativos, nem sempre vemos alterações nos valores absolutos.

Os felinos são animais muito susceptíveis a alterações leucocitárias, principalmente


decorrente de fatores hormonais, como adrenalina e corticoides, frente ao número

113
UNIDADE II │ HEMATOLOGIA

elevado de células no seu pool marginal. Ao sairem de casa, por exemplo, quando
não acostumados, o organismo começa a produzir e liberar substâncias químicas,
mobilizando os leucócitos marginais. Os valores podem ser afetados de tal forma que
aumente os valores totais em até 4x os valores de referência. Quando em stress, a situação
pode ser dividida em 3 partes: stress agudo (estimulação do simpático), alteração
comportamental e stress crônico, que é a ativação do eixo hipotálamo-pituitária- adrenal.

Distúrbios leucocitários
Quando em situações de stress agudo, ordenado pela adrenalina, como em casos de
venopunção, excitação e medo, esperamos uma leucocitose, neutrofilia, eosinofilia
(às vezes) e linfocitose, denominado leucocitose fisiológica. Já em casos como dor
persistente ou ambientes estressantes, observamos o leucograma de stress, decorrente
do cortisol liberado, caracterizado por leucocitose, linfopenia, neutrofilia e eosinopenia.

A contagem total dos leucócitos sofre influências dos mais diversos fatores (inflamação
e infecções) e desta forma, reage de acordo, aumentando ou diminuindo seus valores.

Leucocitose, é quando o número de leucócitos diminui decorrente aos processos


infecciosos e inflamatórios e até mesmo em processos fisiológicos (estresse).
Ela constitui a resposta de fase aguda. Leucopenia, portanto, é a diminuição do número
de leucócitos decorrente das afecções virais e bacterianas.

Indo para classificação dos leucócitos, cada tipo celular também pode sofrer aumento
ou diminuição. Quando nos referimos aos neutrófilos, ainda classificamos eles quanto
ao tipo de resposta, em desvio à esquerda (produção de células jovens) ou direita
(presença de células hipersegmentadas), sendo então a resposta do organismo frente
à patogenia. O desvio à esquerda caracteriza-se pela presença de neutrófilos jovens
circulantes (mielócitos, metamielócitos, bastonetes e promielócitos), sendo uma
resposta reacional a infecção/inflamação, tem característica de escalonada, sendo maior
a presença de neutrófilos maduros do que jovens na circulação, denominado desvio
à esquerda escalonado. Este desvio não escalonado, implica na resposta de liberação
de granulócitos jovens em processo de produção não hierárquica associado assim à
disfunção da medula óssea.

Eosinofilias geralmente estão associadas a processos alérgicos, parasitoses, distúrbios


dermatológicos, em suma, lesões em mucosa. Já sua diminuição, eosinopenia,
frequentemente é encontrada em situção de estresse agudo.

Linfócitos, são considerados uma resposta específica, que pode ser por meio de
anticorpos (linfócitos B) ou por citotoxidade (linfócitos T). Linfoxitose ocorre na
maioria das afecções virais (FIV/FeLV) e algumas bacterianas como tuberculose.

114
HEMATOLOGIA │ UNIDADE II

Como resposta em nível tecidual, encontramos os basófilos, importantes para os


processos inflamatórios devido ao papel fagocitário, eliminando micro-organismos e
corroborando como apresentador de antígenos. Aparecem geralmente em fase crônica
e raramente na aguda. Sua diminuição está relacionada ao uso de fármacos à base de
glicocorticoides e seu aumento com as patogenias.

115
ONCOLOGIA UNIDADE III

CAPÍTULO 1
Oncogênese nos felinos

Introdução
Oncologia vem do grego oncos = tumor e logia = estudo, portanto, oncologia é a área
da medicina/medicina veterinária que estuda os tumores e neoplasias que aparecem
nos seres vivos. Estas alterações são um problema comum nos animais atualmente,
sendo um obstáculo na qual a medicina veterinária enfrenta, tanto no âmbito
diagnóstico quanto no tratamento e cada vez mais este diagnóstico é fechado. O início
do aparecimento ocorre em nível celular, dentro do núcleo, mais especificamente,
no processo de divisão (mecanismo de proliferação), onde dividem-se e durante o
processo ocorre uma codificação atípica, gerando uma célula diferente da qual o código
genético traduziria.

O organismo vivo, multiplica-se diariamente, a todo instante e com alta taxa de replicação,
sendo os erros “normais” de acontecerem. Para tanto, a própria célula possui mecanismos
de reparos que “concertam” as falhas, é um mecanismo inato que ajuda os organismos
a produzir células corretas para a qual se dividem. Mas nem sempre são 100% eficazes,
produzindo mutações que se perpetuam e formam as neoplasias/tumores.

Os termos tumor e neoplasia são empregados para distinguir crescimento benignos


ou malignos e ambos são decorrentes de um aumento conglomerado de células,
formando tumores ou neoplasias. Já para câncer, muito utilizado no cotidiano, e bem
conhecido pelas pessoas, é utilizado para as neoplasias malignas. A classe neoplásica
pode ser subdividida em dois grandes grupos, os sarcomas que são proliferações
celulares malignas de região mesenquimatosa e em carcinomas, proliferação de células
malignas epiteliais. A palavra neoplasia, significa “novo crescimento”, sendo rotulado
por um britânico chamado Sir Rupter Willis, como uma massa anormal do tecido, que
se multiplica e excede o tecido normal de sua origem, e mesmo após o estimo de sua
formação, continua autonomamente.

116
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

Já para o termo “tumor”, ele inicialmente foi usado para aumentos de volume decorrentes
de aumentos de volumes, geralmente causados por processos inflamatórios, sendo hoje
em dia o termo utilizado de forma inadequada, como sinônimo de neoplasias/câncer.

E como as neoplasias ocorrem nos gatos? De forma aleatória e oportuna frente aos
fatores necessários para o desencadear. As neoplasias podem acontecer somente
pela pré-disposição individual do organismo ou até mesmo decorrente de fatores de
desenvolvimento não genéticos. Aliado a isso, temos um aumento na expectativa de
vida dos animais, devido aos melhores cuidados que temos com eles, com melhores
medicamentos, terapêuticas, diagnósticos, vacinas, etc.

Temos o câncer como um dos maiores causadores de doenças e óbitos nos animais
domésticos. Dispomos de inúmeros trabalhos de revisões e registros oncológicos em
clínicas e hospitais veterinários, que ao longo dos anos relatam as causas de morbidade
e mortalidade. Muitos destes registros são liberados à consulta popular e, garantem
assim, um fluxo de informação epidemiológica e biológica do estado atual do câncer.

O CANR (California Animal Neoplasm Registry) relata em seu banco mais de 30.000
casos clínicos diagnosticados como neoplasia maligna, baseados nela, temos trabalhos
relacionados com estimativa, demostrando que o câncer de pele é o que mais afeta os
felinos domésticos. Outros trabalhos demostram que nos Estados Unidos existe cerca de
90 milhões de gatos, destes, 4 milhões todos os anos desenvolvem algum tipo de câncer.

Com os registros oncológicos pelo mundo, vários estudos epidemiológicos são realizados,
traçando fatores de risco, incidência, que mais causam problemas, tratamentos,
evoluções, frequências etc. Por meio destes recursos, estima-se que 1 a cada 10 felinos
desenvolvem alguma neoplasia.

Frente a esta espontaneidade do acometimento de neoplasia nos animais, estudos


comparativos entre os animais domésticos com as causas e tratamentos em seres
humanos, vem sendo uma forma de estudo para melhoria tanto em âmbito da medicina
humana quanto da veterinária.

Os felinos têm grande papel quanto a estes estudos, já que são uma espécie de
disseminação mundial e o acometimento pela doença ocorre de forma espontânea.
O ponto-chave, baseia-se na semelhança dos fatores causadores. Nos felinos temos o
vírus da leucemia felina (FeLV) e o vírus do sarcoma felino (FeSV), consequentemente
tornam-se alvos de estudos comparativos sendo que em seres humanos também existem
vírus que desencadeiam neoplasias. Desta forma, os mecanismos de desenvolvimento
e evolução são estudados na espécie de forma comparativa. Neoplasias mamárias,
sendo a maior causa de câncer entre os felinos, também é alvo de estudos comparativos,

117
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

devido à semelhança na epidemiologia, morfologia e prognóstico. Estes e outros pontos


favorecem a inclusão em estudos comparativos, já que as causas são bem aproximadas.

Outro fator que podemos citar é o envelhecimento da população, proporcionando


consequentemente uma transição epidemiológica, na qual mudanças na prevalência de
fatores de morbidade são mais relevantes que mortalidade. Nesta transição observamos
o processo de modificações frente aos novos hábitos e costumes de uma população,
decorrente da aproximação ao ser humano, assemelhando-se em costumes e até nas
doenças. Mas existem inúmeros motivos para o aparecimento das neoplasias.

Epidemiologia das neoplasias por regiões


nos felinos
Quanto à distribuição dos tumores neoplásicos em felinos, a ocorrência de neoplasias
do sistema hematopoiético é muito maior do que em cães e quando nos referimos a
neoplasias mamárias, também são menores, em compensação a proporção da lesão ser
maligna é maior.

As neoplasias de pele em felinos, são consideradas o segundo grupo mais comum, sendo
a incidência anual de tumores de pele de 120 a cada 10.0000 gatos com 50% a 65%
dos casos serem malignos, sendo indiferente o sexo do animal, mas relevante a idade
(quanto mais velho mais chances no desenvolvimento de tumores).

Em região auricular são pouco comuns, representando de 1-2% dos casos. Qualquer
neoplasia de pele pode surgir nesta região, sendo os mais frequentes carcinoma de
células escamosas, tumor de células basais, mastocitoma e o linfoma cutâneo. Surgem
geralmente em animais com idades médias entre 7 aos 11 anos e em animais mais novos,
no caso de felinos, podem ocorrer crescimento de pólipos na região auricular.

Para neoplasias de tecidos moles, a incidência em felinos é de 17 a cada 10.0000 gatos


nos E.U.A, sendo mais frequentes em animais adultos a idosos e com alto potencial de
malignidade. Contramão a este contexto, entra o tumor induzido pelo vírus do sarcoma
felino (FeSV) que surge geralmente em animais mais jovens provocando múltiplos
nódulos subcutâneos.

O sistema gastrointestinal também é um local de incidência neoplásica. Ele toma a


sétima posição, perfazendo 3% das neoplasias que os acometem. Das neoplasias, o
carcinoma de células escamosas é o mais frequente com cerca de 70% dos casos, em
seguida o fibrossarcoma. Em orofaringe, a probabilidade é maior em cães do que em
gatos. Nas glândulas salivares, a incidência de neoplasias é rara, mas são mais comuns
em machos do que em fêmeas. Mais raro ainda são as neoplasias esofágicas, sendo

118
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

o carcinoma de célula escamosa novamente o mais comum, e menos frequente o


leiomioma, leiomiossarcomas e os carcinomas. O histórico de neoplasias malignas em
estômago de felinos é bem maior do que benignas, sendo ambas com representatividade
menor do que 1% e tendo como maior presença, o linfoma.

Continuando o seguimento gastrointestinal, seguimos para o intestino, sendo o local


de representatividade de 35% de todas as neoplasias que os acometem. Neste segmento
encontramos linfoma, seguido por adenossarcoma, mastocitoma e leiomiossarcoma.

No pâncreas exócrino, as neoplasias são raras em felinos, aparecendo em sua grande


maioria em animais mais idosos, entorno de 12 anos. Como nestes animais as neoplasias
malignas são mais comuns, pode ser observado o adenocarcinoma como mais comum.

Em fígado, podemos ter 2 formas de aparecimento, as primárias e as metastáticas.


As primárias acontecem entre 1% a 2,9% dos casos, sendo, portanto, pouco comuns
e podem ter 4 origens histológicas: hepatocelular, mesenquimatosa, neuroendócrina
e nos ductos biliares. Representam cerca de 7% das neoplasias em felinos, e é um dos
órgãos em que ocorre mais frequentemente neoplasias benignas, fugindo à regra.
As malignas, tendem a aparecer mais em animais jovens.

No aparelho respiratório, começamos com a região nasal que em felinos acaba sendo
frequente com 17% dos casos de neoplasias em pele. Dentro da cavidade nasal e
seis paranasais, a ocorrência é muito rara, mas ocorre presença de neoplasias
linfoproliferativas (linfoma). Descendo temos laringe e traqueias, sendo a região de
laringe mais comum o aparecimento, e mesmo assim perfazem um percentual muito
baixo, sendo consideradas raras na espécie. Linfoma, adenocarcinoma e carcinoma
de células escamosas, são as neoplasias que encontramos. No final do sistema temos
o pulmão, constituindo um local de poucas neoplasias de origem primária (menos
de 0,5% dos casos), mas muito comuns como local de predileção para neoplasias
metastáticas. Como adenocarcinoma, e mais rara ainda carcinoma de células escamosas e
carcinoma anaplásico.

Quando estudamos neoplasias de acometimento em ossos e articulações, observamos


que nestes animais não ocorre muitos relatos. Talvez o fato possa ser explicado que
nestas regiões o aparecimento de neoplasias está mais ligado ao tamanho e peso dos
animais, sendo assim, mais comum e cães do que em felinos. Sua representatividade
fica em torno de 5% dos casos, e em felinos o osteossarcoma, com 85% dos casos, é o
câncer com maior aparecimento. Fibrosarcoma, hemangiossarcoma e condrossarcoma
também aparecem em menor porcentagem, de 5-10% dos casos nestas regiões.

Já em sistema endócrino, na hipófise, temos neoplasias de adenoipófise e neuroipófise,


mas com acometimento raro, sendo comum em animais de meia idade a velhos, tendo

119
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

fêmeas com maior frequência. Com um total de 0.2%, sendo, portanto, muito baixa
da totalidade, ocorre na adrenal em felinos, sendo as neoplasias adrenocorticais mais
frequentes, e é uma região que ocorre predileção para neoplasias metastáticas, como
linfoma. Na glândula tireoide e paratireoide, a ocorrência é baixa, sendo os carcinomas os
mais encontrados dentre eles. Em felinos, câncer em pâncreas endócrino é considerado
muito raro, apesar de haver relatos pontuais.

As tão conhecidas neoplasias mamárias, ocupam o terceiro lugar, perdendo para


os linfomas e tumores de pele. Possui uma frequência de 12% quando falamos em
patogenia na espécie e a taxa de incidência fica em 12,8 para cada 100.000 podendo
chegar a 25,4 para cada 100.000, considerando locais, classe de idade e espécie. Seu
aparecimento é mais tardio, em torno dos 10 anos de idade e a grande maioria dos casos
são de malignidade incluindo sarcomas, carcinomas e tumores mistos.

Em regiões urinárias, neoplasias renais e uretrais são pouco comuns, sendo de origem
primária, mas quando falamos em neoplasias metastáticas, temos aqui, órgãos de
predileção. Estes cânceres representam até 2,5% do total, sendo em sua grande
maioria malignos. O diagnóstico, em média, é a partir de 6 anos de idade, chamando a
atenção frente aos outros que possuem média de 10 anos. Em menor frequência ainda,
encontramos tumores de bexiga e uretra, com no máximo 0.5% dos casos neoplásicos,
representado pelo Carcinoma de Célula de Transição (CCT).

A neoplasia ocular em felinos é rara, perfazendo um hall de 0,34% dos casos neoplásicos,
mais possuem uma possibilidade e pontos e iniciação para tal enfermidade. Podem
ocorrer em regiões externas como pálpebras por exemplo, e regiões internas como
globo ocular. Geralmente são neoplasias benignas, mas existe uma certa incidência de
casos malignos por carcinoma de células escamosas.

Controlando a maioria dos “comandos” do corpo, o sistema nervoso não fica de fora
da chance e ocorrer uma neoplasia. Acomete machos mais velhos, mas os felinos
possuem menor incidência. Ocorre uma proporção de 3.5 animais a cada 100.000,
sendo considerada baixa, portanto. Podem ser primárias ou metastáticas, sendo de
origem primária o meningioma o mais observado. Este acometimento ocorre mais em
região cranial, já para região medular a ocorrência maior de linfoma, em região lombar
e torácica, sendo uma exceção, acomete animais geralmente jovens.

Tangendo o grupo das maioria das neoplasias em felinos, temos o acometimento do


sistema hematopoiético, representada pelo linfoma, representando de 50% a 90%
dos casos de neoplasias neste sistema (200 casos em cada 100.000 animais). Ela está

120
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

ligada diretamente ao vírus da FeLV, afetando animais mais jovens e os tornando mais
propensos as neoplasias, quando negativos, são mais de meia idade a mais velhos.

E por fim, o coração, centro do bombeamento de sangue pelo corpo, pode ser acometido,
com uma certa raridade. Neste local, como esperado, e por ser algo tão agressivo, o
linfoma, acaba sendo o mais comum encontrado nesta região, devido ao seu grande
poder de infiltração e ramificação.

Como vimos, basicamente as neoplasias afunilam em casos de neoplasias do sistema


hematopoiético, ramificando-se pelo organismo, mas também observamos outros
tipos de neoplasias. Ao longo deste material estudaremos as neoplasias, sinais clínicos
e tratamentos.

Etiologia do câncer
Vamos considerar que a genética do câncer, independentemente da sua origem,
é considerada a genética da morte. Tal denominação está associada às inúmeras
malignidades e formas que a doença encontra para atingir e sucumbir o organismo
“hospedeiro”.

São inúmeros fatores que levam o desabrochar do gene do patógeno, sendo, portanto, a
multiplicação celular com as estruturas de DNA, radiação, vírus, processos inflamatórios,
epidemiologia, alimentação, hereditariedade, entre outros inúmeros fatores.

Toda célula tumoral vem do processo de transformação das células normais,


denominadas células transformadas (diferente do original) e este processo de formação
é denominado Carcinogênese (Figura 13). O processo como um todo possui algumas
“leis” que o tangem, como: é um processo que envolve células susceptíveis; todas estas
células passaram por um processo (iniciação, promoção e progressão); são necessárias
substâncias carcinogênicas que afetem os genes que ativam a diferenciação, denominados
oncogenes e ao mesmo tempo afetem os fatores de controle que cessam a diferenciação
quando erradas, denominados genes supressores de tumores. Como final, na tentativa
de impedir a proliferação destas células o organismo lança mão dos genes reguladores
do apoptose, que servem para destruir a célula “defeituosa”, mas que também podem
ser bloqueados com mutações. Na carcinogênese, o crescimento é descontrolado e
autônomo, todas as células produzidas durante o processo, são totalmente instáveis,
mesmo dentro de um único câncer existem células com características diferentes.
As mutações podem ocorrer tanto em células progenitoras correspondentes como em
células somáticas, acontecimento mais comum.
121
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

Figura 13. Mecanismo do câncer.

Divisão% (x10³/uL) Divisão de células cancerígenas

Alteração do
genoma
Sem apoptose

Mutações sucessivas
Apoptose

Alteração do genoma sem reparação Proliferação sem controle

Fonte: <https://www.iespe.com.br/blog/prescricao-de-exercicio-e-o-cancer-parte-1/> Acesso em: 19 mar. 2019.

Definindo a carcinogênese: “Processo que se baseia em múltiplos processos por


danos genéticos e/ou epigenéticos que são induzidos pelos carcinógenos em células
susceptíveis aos quais adquire vantagem para multiplicação e sofrem expansão clonal
como atividade da oncogênese e/ou inativação dos genes supressores de tumores”.

Ela pode ser dividida em 3 fazes, sendo, a iniciação, promoção e progressão, definindo
o start para neoplasias. A primeira fase consiste em alteração genética que se torna
irreversível e ocorre frente a uma exposição drástica a algum fator carcinogênico,
transmitido para as células progenitoras. São células consideradas não neoplásicas e pode
continuar multiplicando-se com este gene modificado. Na segunda fase, a promoção,
ocorre multiplicação, com estímulo de células mutantes iguais. Neste período ocorre
utilização de fatores epigênicos e não intrínsecos, fazendo a ligação correta dos fatores
tumorais que existem com seus sítios celulares, os resultados são benignos, mas forma
a célula neoplásica. Já na progressão, baseia-se na conversão da célula neoplásica atual
para uma célula com características de malignidade. Neste ponto ocorre modificação de
códigos genéticos que melhoram a velocidade de crescimento, expansão e metástase.

As neoplasias muitas vezes possuem características de invasão e metástase (Figura 14)


em regiões longe de seu ponto de formação (neoplasia primária), considerado o ponto
máximo de malignidade da célula, leva a mesma percorrer e aderir em várias regiões,
portanto podem ou não possuir o “gene máximo da malignidade”. Possuímos grupos
tumorais que raramente proporcionaram metástases, outros que produzem mais em
um período muito longe em relação ao seu início e neoplasias agressivas, que logo após
sua formação, passando pelas 3 fases, terão metástases.

122
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

Figura 14. Esquematização do ciclo de metástase.

Angiogênese

Vasos linfáticos,
Proliferação Interação com
vênulas e
celular componentes
capilares
sanguíneos.
Passagem
Aderência à parede do vaso e pelos órgãos Transporte
extravasamento

Pulmão Coração
Metástase
Estabelecimento no local e
proliferação (formação)

Fonte: Small Animal Clinical Oncology, 4. ed. WB Saunders Company. 2007.

O sítio de escolha da adesão das células carcinogênicas estão voltados para facilitadores
anatômicos como vascularização e ramificações capilares, por isso a predileção
por pulmão e fígado, dois órgãos bem capitalizados, e até mesmo em tecidos (pele).
Além de capilaridade, as células, cada qual sua característica, procura sítios que
favoreçam sua adesão e promoção, já que nem só o fluxo da corrente sanguínea
é suficiente para tal. Da mesma forma que o sítio de adesão metastático tenha que
proporcional local adequado, a própria célula tem que possuir essa capacidade.
Angiogênese tumoral, é uma destas características, pois para sobrevivência destas
novas células em seus locais, precisam de um aporte sanguíneo para as nutrirem. Outra
característica é a capacidade de invasão de membranas basais e endoteliais, já que estas
possuem contato e regulam a permeabilidade celular.

A capacidade com que as células cancerígenas possuem para produzir integrina, devem
ter também, capacidade de degradar as membranas celulares locais, ajudando em sua
disseminação. Quimiotaxia, é a capacidade com a qual a célula invasora possui para
atrair novas células àquele local de fixação, importante para seu desenvolvimento.
Além do potencial local de metástase, elas devem ter capacidade também de sobreviverem
na circulação, sendo este um local inóspito com células T citotóxicas e células citotóxicas
natural killer, que estão apostos como fatores antitumorais dos organismos. E para que
possam chegar aos sítios, devem ter capacidade de se movimentar e também “defender-

123
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

se” dos mecanismos de defesas corporais que incluem as células de defesas, com a
diminuição dos fatores de histocompatibilidade maior (MHC-I), ausência ou diminuição
de antígenos associados aos tumores, escape físico das células e a diminuição ou a falta de
exposição das células tumorais na periferia da massa que se forma.

Entrando no âmbito dos promotores carcinogênicos, encontramos inúmeras situações


que causam mutações e levam a formações neoplásicas. Eventos espontâneos genéticos,
estímulos externos (biológica, física e química) e hereditariedade, fazem o leque de
oportunidades para as neoplasias.

Quando falamos em mutações espontâneas focamos na tradicional multiplicação celular


e a cadeia de DNA, que produzem células com mudanças genéticas distintas da célula
mãe. Isso ocorre diariamente e em todo momento dentro de um ser vivo, mas existem
mecanismos de controle para que isso não ocorra livremente ou que haja correções, e
quando o mesmo “falha” as mutações perduram. A promoção do câncer por este meio é a
mais comum e acontece naturalmente, é relacionada com o acúmulo de erros que ocorre
no corpo com a idade. Em animais jovens, alterações na codificação genética ocorrem e
são relacionadas à presença de tipos de linfomas em felinos e alguns sarcomas anaplásicos.

Os eventos de mutação gênica podem ocorrer em vários níveis, dentre eles a modificação
molecular (Quadro 5), onde na replicação da cadeia de DNA ocorre modificações e
adições, sendo às vezes reparadas, mas permanentes na cadeia que se acumulam através
dos anos. Existem três formas principais: uma modificação de uma base na cadeia
helicoidal do DNA, fará com que ocorra tradução de um novo aminoácido; uma grande
quantidade de deleção de pares de bases, provocam até mesmo parada na produção; e
por fim dentro das modificações celulares, à amplificação de determinados pares, leva
á expressão gênica diferente. As alterações também podem ser dentro de um conjunto
de moléculas do DNA, portanto, dentro dos cromossomos, podendo ocorrer inserções,
amplificações, deleções, inversão e translocação, afetando a funcionalidade.

Quadro 5. Principais genes modificados nos tumores felinos.

Gene alterado Tipo de tumor


Carcinoma mamário
Osteossarcoma
p53
Fibrossarcoma
Sarcoma pleomórfico
myc Linfoma

Fonte: Modificado pelo autor.

Os estímulos externos (químicos, físicos e biológicos) possuem grande representatividade


como causadores de câncer. Substância química como o tabaco, em felinos, pode

124
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

provocar o aumento de incidência de câncer em 2.4 vezes, sendo o carcinoma de


células escamosas oral a neoplasia mais comum quando expostos a substância. Uso de
herbicidas e pesticidas, não é comprovado estatisticamente, mas sabemos as possíveis
modificações que estes podem provocar nas células em seres humanos, talvez a relação
esteja por tempo de exposição e contato direto bem menores do que nos humanos,
salvando algumas exceções.

Agentes antitumorais, como ciclofosfamida, são citotóxicos alquilante que está relacionado
a tumores de bexiga em alguns animais e um dos produtos finais da sua metabolização,
a acroleína, provocam um efeito irritante na parede da bexiga, provocando cistite
hemorrágica, desta forma, acredita-se que a exposição contínua e o processo inflamatório
que ocorre, podem provocar a formação de câncer. Fatores físicos como processos
inflamatórios e traumas também podem ser carcinogênicos. Tecido cicatricial, locais de
queimadura por agentes químicos ou fogo, locais próximos a faturas ou de inserção de
próteses, são alguns dos pontos de possíveis neoplasias devido à modificação genética
pelo agente e pela alta taxa de replicação celular que ocorre no local. Carcinoma de
células escamosas e sarcomas são relacionados aos traumas térmicos e processos
inflamatórios crônicos. Em região ocular nos gatos, traumas e processos inflamatórios
frequentes podem provocar sarcoma. Temos o fibrosarcoma de tecido mole causado
pelo processo inflamatório gerado pela aplicação da vacina preventiva de FeLV.

Fatores carcinogênicos biológicos como: hormônios, vírus, parasitas, bactérias, entre


outros, decorrente das suas ações negativas sobre os organismos, com inserções gênicas,
ativação de processos inflamatórios, ativação de excessivo processo de multiplicação
celular induzindo a formação de neoplasias. A influência viral no desenvolvimento do
câncer está relacionada à modificação da estrutura do DNA celular diretamente. De
forma rara o DNA de papiloma vírus, que também acomete os felinos, pode transforma-
se em carcinoma de células escamosas, decorrentes de mutações no próprio DNA do
vírus e sua multiplicação intracelular, além deste temos também o vírus da leucemia
felina (FeLV) que leva à formação de leucemia e linfoma, e o vírus do sarcoma felino
(FeSV) que causa sarcoma em felinos jovens. Há vinte anos atrás, cerca de 70% dos
casos de linfoma são causados pela FeLV; 70% a 90% dos animais com neoplasias
hematopoiéticas não linfoides, são acometidos pelo vírus. Os aparecimentos do câncer
em região mamária nos felinos estão ligados aos hormônios da progesterona e o estrógeno.

Diagnóstico na oncologia
Começamos a partir da entrada do paciente no consultório, por meio da anamnese e
exame físico deste animal. Tumores visíveis facilitam preliminarmente a opinião clínica
sobre o caso, evidenciando o único ou um dos problemas do paciente. Na anamnese,
125
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

perguntas do progresso da doença, evolução do caso quanto a alterações (sangramento,


ulceração, dor, tamanho), resposta a tratamentos anteriores, devem ser abordadas.
Quanto a avaliação física, deve-se observar o aspecto, as delimitações, se são “fixos” ou
soltos e sua localização; deve-se também avaliar os linfonodos por meio da palpação
observando o tamanho, textura e mobilidade, pois são vias de proliferação celular
neoplásica e podem estar reativos. Aumento de tamanho, irregularidades da superfície,
endurecimento, falta de mobilidade podem ser observados em casos de neoplasias.
Analisando o histórico, cada neoplasia tende a possuir características padrões, mas
nem sempre 100% fidedigna.

Neoplasias benignas possuem histórico de crescimento lento (semanas a anos), não


dolorosa, bem delimitadas, com pouca reação inflamatória, diferentemente dos casos
de neoplasias malignas, consideradas formas agressivas, chegando a ulcerações graves
e infiltração em tecidos vizinhos. Mesmo com todas estas avaliações clínicas, somente
exames de auxiliares podem indicar o tipo do câncer (histologia e citologia) e a/as
região/regiões que acometem (raio-x, ultrassom e diagnóstico nuclear).

O diagnóstico por imagem vem como um grande auxiliar para estabelecer o diagnóstico
clínico, tendo várias opções como: radiografia, ultrassonografia, tomografia e ressonância
magnética, que auxiliam na busca pelo tumor, irradiação, evolução e involução após
tratamentos, por exemplo. Os tumores de forma geral, são observados facilmente com
as técnicas, e cada uma delas possui sua sensibilidade e especificidade como demonstra
a Quadro 6. A escolha de qual método utilizar, dependerá do local da neoplasia e a
disponibilidade na cidade dos exames realizados nos centros de diagnóstico.

Quadro 6. Comparação das modalidades dos exames por imagem na Medicina Veterinária.

Modalidade Custo Sensibilidade Especificidade Disponibilidade


Radiografia Baixo Moderada-Alta Alta Moderado

Ultrassonografia Moderado Alta Baixo-Moderado Moderada-Alta

Tomografia Computadorizada Alta Moderada-Alta Moderada-Alta Moderada-Alta

Ressonância Magnética Alta Alta Moderada-Alta Moderada-Alta

Medicina Nuclear Moderada-Alta Moderada-Alta Baixo Moderada-Alta

Fonte: Livro Small Animal Clinical Oncology (modificado pelo autor).

Lançamos mão também de exames laboratoriais, que auxiliam no diagnóstico do tipo


de tumor que estamos lidando na clínica como a citologia e histologia.

Na citologia estudamos a composição celular existente naquele tumor do alvo da


pesquisa, bem como características da morfologia celular, malignidade, classificação
e diferenciação em neoplasia de afecções por processos inflamatórios. É um exame

126
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

rápido, barato e pouco invasivo, fácil de ser realizado (dependendo da localidade), que
auxilia na rotina clínica. É um exame de relevância para o diagnóstico, mas quando
bem-sucedido, tendo como grande problema a coleta inadequada de material, confecção
de lâmina e a procura de bons especialistas na área para um correto diagnóstico.
A citologia bem confeccionada (figura 13) e os achados clínicos, são muito úteis para o
diagnóstico. A amostra para citologia pode ser confeccionada de forma direta, como:
através de impressão em lâmina (menos usado devido à baixa celularidade e limitações
de material somente superficial, realizada em tumores externos ou em tecidos removidos
após cirurgia); raspado (em tumores externos e retirados cirurgicamente, em tumores
secos firmes e geralmente pequenos em superfície de pele) e a punção com agulha fina
(CAAF) (utilizada em tecidos subcutâneos, gânglios linfáticos, órgãos internos e até
mesmo massas intracavitárias e de forma indireta, realizada em líquidos (abdominais,
urina e lavados por exemplo), sendo este material centrifugado pra concentração e
posterior confecção da lâmina.

A coleta por CAAF (figura 15) deve ser realizada de preferência na periferia do tumor,
evitando áreas centrais e devem ser colidas em múltiplas áreas, realizando a punção
nos demais tumores existentes também. Isso se deve à heterogeneidade dos tumores,
e o maior número de amostras, aumenta a chances de um material adequado para o
diagnóstico citológico, com quantidade celular adequada e morfologicamente íntegras.

Figura 15. Representação da confecção de lâmina correta e realização da punção em tumor para obtenção de
material citológico. Sendo: 2.1 Isolamento do tumor e posicionamento da agulha, 2.2 Punção no tumor em vários
sentidos, 2.3 Liberação do material em lâmina, 2.4 Confecção do esfregaço.

Fonte: Small Animal Clinical Oncology, 4. ed. WB Saunders Company. 2007.

Outra técnica laboratorial muito bem-sucedida é a histopatologia, que nada mais é do


que a avaliação celular de pequenos fraguimentos teciduais retirados através de finos
127
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

cortes de uma peça (tumor), geralmente obtida por meio de processos cirúrgicos. A
coleta deve ser representativa, não sendo utilizados pontos de necrose, ulceração e
regiões muito superficiais. As amostras colhidas por esta técnica devem ser colocadas
em uma solução de formol a 10% com pH entorno de 7.4 e a quantidade de proporção
de formol/material, deve ser de pelo menos 10 para 1, no frasco deve-se observar
muito mais líquido do que o material. O envio da peça cirúrgica inteira é uma opção,
já que auxilia na observação do tamanho, tipo e forma do tumor, além de permitir
que o patologista possa escolher os melhores pontos para obtenção de fragmentos para
confecção de lâmina.

Neoplasias mais frequentes


Neoplasias são menos frequentes em gatos do que em cães (2:1) e com distribuição
corporal (Figura 16) também distinta, e de forma geral, podemos separar algumas
neoplasias mais comuns e rotineiras na clínica médica de felinos (Figura 17).
O comportamento biológico das neoplasias é diferente em cães e gatos. Os felinos
apresentam câncer predominantemente na faixa etária acima de 11 anos, sendo as
fêmeas acometidas em maior número. Neoplasias são frequentemente diagnosticadas
tardiamente em gatos, o que acompanha prognóstico desfavorável. A toxicidade dos
fármacos antineoplásicos e as doses terapêuticas são diferentes entre cães e gatos, como
exemplo a cisplatina e 5-fluorouracil, não usados no tratamento de felinos.

Figura 16. Principais neoplasias encontradas na rotina na clínica médica veterinária de felinos.

Principais Neoplasias em felinos

Afecções gastrointestinais

Afecções urinárias

Afecções neoplásicas

Afecções infecciosas

Afecções respiratórias

Afecções endócrinas

0 5 10 15 20 25 30

Fonte: Janssens (2018).

128
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

Figura 17. Neoplasmas de maior incidência na rotina na clínica médica veterinária de felinos.

Neoplasmas de maior incidência em felinos

Neoplasia mamária Linfoma Sarcoma CCE Outros

Fonte: Janssens (2018).

Iremos começar com as causas deletérias que as neoplasias acometem no organismo


dos felinos.

Síndrome paraneoplásica

Os tumores podem produzir substâncias, como hormônios e citocinas que são liberadas
na circulação e são responsáveis pelo aparecimento de sinais distantes da neoplasia
primária e sem relação com o seu tamanho. A resposta do hospedeiro ao tumor ou
ainda a diminuição de certas substâncias no organismo secundárias ao câncer pode
culminar com o desenvolvimento da síndrome paraneoplásica (SPN). As SPNs são
sinais e alterações na estrutura ou função corporal presentes nos pacientes com câncer,
distantes do tumor ou de suas metástases, e que são causadas por invasão, obstrução
ou efeito da neoplasia. Em muitas situações, a síndrome paraneoplásica ocorre paralela
com a neoplasia primária, e, por conseguinte, o sucesso do tratamento do tumor leva ao
desaparecimento da síndrome paraneoplásica. As síndromes paraneoplásicas são muitas
vezes o primeiro sinal de malignidade ou podem ser indicação de um determinado tipo
de tumor. Além disso, essas síndromes podem ser confundidas com os efeitos adversos
do tratamento quimioterápico, ou outras doenças não relacionadas com o câncer.
Portanto, a compreensão e apreciação para os tipos e as causas destas síndromes são
fundamentais para a detecção precoce do câncer e terapêutica adequada. As síndromes
paraneoplásicas representam um conjunto de manifestações extremamente complexas,
podendo envolver vários sistemas do organismo animal; dentre eles citam-se: o
hematológico, o dermatológico, o neurológico, o endócrino e o osteomuscular.
129
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

Caquexia

A caquexia é provavelmente a síndrome paraneoplásica mais comum em pacientes da


oncologia veterinária. A incidência de caquexia em pacientes na oncologia veterinária é
desconhecida atualmente. Animais podem apresentar perda tecidual acelerada, anorexia,
miopatia, perda acelerada de gordura, depauperação da musculatura esquelética, atrofia
de vísceras e náusea. apetite A alterações bioquímicas incluem intolerância à glicose,
hiperlipidemia, lactacidemia, hiperglicemia, hipoalbunemia e anemia.

A caquexia ocorre como o resultado de alterações do catabolismo muscular e gorduroso.


A perda de peso começa a se tornar óbvia quando de 6 a 10% do peso normal do animal
é perdido. Muitos agentes quimioterápicos têm a habilidade de exacerbar a caquexia
por causar náusea, anorexia, êmese e diarreia, por isso são utilizadas medicações para
aliviar náusea e êmese, o uso de dietas especializadas e estimulação do apetite pelo
uso de alimentos aquecidos, alimentos palatáveis ou o uso de drogas que aumentam
o apetite (Gould, 2003). Dietas com concentração lipídica maior do que a proteica e
suplementação com arginina e ácidos graxos da série ômega-3 podem contribuir para
diminuir a perda de peso, reduzir a carcinogênese e melhorar a qualidade de vida dos
animais portadores de neoplasia. A fluidoterapia parenteral com lactato e glicose devem
ser evitadas em pacientes já em estado crítico.

Ulceração gastrintestinal

A causa mais comum da síndrome paraneoplásica associada à ulceração gastrintestinal


é o mastocitoma, ocorrendo em cerca de 25% dos casos. O estímulo de receptores H2 de
células parietais gástricas pela histamina provoca excessiva secreção de ácido clorídrico
que, em combinação com danos vasculares, leva ao aparecimento de erosões ou úlceras
na mucosa, podendo causar anorexia, vômitos, hematoquezia, melena, anemia, dor
abdominal e, em alguns casos, perfuração intestinal com peritonite. Concentrações de
histamina plasmática elevadas anormalmente têm sido descobertas também como um
mau fator prognóstico em cães com mastocitoma.

Hipercalcemia

A hipercalcemia é uma das urgências oncológicas mais comuns em animais de companhia,


ela acomete com mais frequência cães do que gatos. Podendo ser produzida de três
formas. No primeiro caso, se trata da síndrome hipercalcêmica humoral maligna, a
verdadeira hipercalcemia paraneoplásica neoplasia e pode ser definida como elevação
anormal de calcemia em consequência da liberação de fatores hipercalcêmicos
pela neoplasia. Na segunda situação, a neoplasia produz ou induz a produção de

130
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

prostaglandina E2, de substâncias semelhantes à vitamina D e de níveis aumentados


das citocinas do fator de crescimento epidérmico e de estrogênios que funcionam como
fatores ativadores dos osteoclastos, promovendo a hipercalcemia em tumores diversos.
Na terceira situação a hipercalcemia é secundária a alteração de secreção de vitamina
D ou paratormônio (PTH), tal como acontece com tumores de glândulas paratireoides.
Inicialmente, os pacientes hipercalcêmicos são assintomáticos. Quando a calcemia está
por volta de 15mg/dL, o paciente passa a apresentar certos sinais inespecíficos como
poliúria/polidipsia, letargia, diminuição do apetite, desidratação e fraqueza. A partir
dos 18 mg/dL tem início a possibilidade de apresentação de convulsões e de arritmias
cardíacas com risco de vida. O tratamento deve iniciar-se com fluidoterapia intravenosa
(IV) com solução salina a 0.9%, com o objetivo de corrigir a desidratação, aumentar a
taxa de filtração glomerular, caliurese dependente de sódio.

Furosemida, após assegurar hidratação a níveis estáveis. Promover a inibição da


reabsorção de cálcio indiretamente por inibição da bomba de cloreto, na alça de Henle
ascendente. Prednisolona que aumenta a excreção renal de cálcio e diminui sua absorção
intestinal. Em casos raros que não respondem às terapias sintomáticas e o tratamento
da causa primária podem ser utilizados calcitocina e difosfonatos; para diminuir a
atividade osteoclástica e, portanto, a reabsorção óssea e ligando a hidroxiapatita,
interferindo na reabsorção óssea mediada por osteoclastos

Hipoglicemia

A hipoglicemia (glicose sérica menor que 50, os valores entre 51 a 70 mg/dL, são
considerados suspeitos) constitui uma síndrome paraneoplásica falsa sendo relacionada
com o insulinoma, ou verdadeira quando associada a outros tumores, como o
carcinoma hepatocelular, o linfoma, o hemangiossarcoma, o melanoma da cavidade
oral, o hepatoma, o mieloma múltiplo e o leiomiossarcoma. Sinais clínicos devidos
a hipoglicemia incluem desorientação, fraqueza, paresia, reflexos anormais, falta de
coordenação muscular, cegueira, convulsões, coma, tremores musculares, vômitos e
taquicardia, que são devidos a necessidade estrita de glicose continuamente no tecido
nervoso periférico e central.

O tratamento de escolha para os tumores que produzem hipoglicemia é a exérese


cirúrgica associada à terapêutica médica. Administração de substâncias glicosadas
(cloreto de sódio a 0,9% mais dextrose a 5%). Prednisolona que aumenta os níveis
de glicose ao promover a gliconeogênese e diminui a utilização periférica de glicose.
Diazóxido que inibe a secreção de insulina, não inibe os compostos semelhantes à
insulina, diminui a utilização periférica de glicose, aumenta a glicogenólise mediada
por epinefrina, devendo ser usada para casos de insulinoma apenas. Propanolol que é

131
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

um bloqueador beta-adrenérgico, que inibe a liberação de insulina pelo pâncreas, altera


a afinidade dos receptores periféricos de insulina, devendo ser usado apenas em casos
de insulinoma.

Manifestações hematológicas

Anemia

Anemia é uma das síndromes paraneoplásicas mais comuns observads na oncologia


veterinária. A sintomatologia clínica do paciente com anemia é variável, dependendo do
grau de anemia, e pode incluir fadiga, taquicardia, intolerância ao exercício, debilidade,
dispneia. As principais causas possíveis para anemia em pacientes de oncologia
veterinária serão descritas a seguir.

Anemia de Doença Crônica (ADC)

Anemia de Doença crônica (ADC), tem vários fenômenos fisiopatológicos associados,


como o sequestro de ferro com bloqueio de sua reutilização, atividade da eritropoietina
em presença de citocinas na doença crônica e inibição de formação de colônias de
eritroides, diminuição da vida-média circulante dos eritrócitos. A anemia observada
na ADC é normocítica/ normocrômica. O tratamento consiste em suplementar o
ferro, principalmente quando a hemoglobina se encontra na faixa de 10 a 12 g/dL.
Quando a hemoglobina cai para menos de 10 g/dL, passa ser necessário o uso de
eritropoetina exógena e quando abaixo de 8 g/dL a transfusão se torna a ferramenta
de apoio primário.

Anemias hemolíticas

Anemia Hemolítica Imunomediada (AHIM), é induzida pela aderência à superfície


dos eritrócitos por imunoglobulinas e ou imunocomplexos. O diagnóstico da AHIM
paraneoplásica é feito pelo teste de aglutinação de Coombs. O mecanismo pode ser
visto em neoplasia linfoide, carcinoma inflamatório agudo de mama, carcinoma de
tireoide avançado e hemagiossarcoma. Devido à diminuição do teor de hemoglobina,
a anemia pela perda de glóbulos vermelhos no sangue são microcíticas/hipocrômicas.
Anemia hemolítica microangiopática (AHMA) é devido a alterações morfológicas
ou fragmentação do eritrócito durante a passagem por um vaso sanguíneo anormal.
É possível observar esse tipo de efeito em hemagiossarcomas, linfomas e carcinomas
inflamatórios agudos de mama. As causas mais comuns de AHMA são coagulação
intravascular disseminada (CID) e de ruptura de células sanguíneas vermelhas devido

132
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

ao hemangiossarcoma. O ideal é combater a neoplasia primária, mas em casos graves


em que o hematócrito apresenta-se inferior a 22% e uma concentração de HB inferior
a 8g/dL, faz-se necessário a terapia de transfusional. Para carcinomas inflamatórios
agudos de mama o uso de prednisolona e ciclofosfamida é recomendado.

Coagulação Intravascular Disseminada (CID)

A CID paraneoplásica foi relatada por causar trombocitopenia consumista em quase


40% dos casos de CID, manifestação hemorrágica ocorre apenas em hemangiossarcoma,
carcinoma mamário inflamatório e carcinoma de tireoide. O diagnóstico de CID é
feito quando o paciente apresenta 8 trombocitopenias, prolongamento do tempo de
tromboplastina parcial ativada, maior que 16s, hemograma com evidências de anemia,
produtos de degradação de fibrina (PDF) menores que 5ug/dL, e hipofibrinogenemia.

A maioria dos pacientes com câncer apresenta CID crônica/silenciosa e muitos


apresentam achados de laboratório compatíveis com CID em evolução, ainda que
manifestem quadros hemorrágicos espontâneos. Diante da possibilidade de se avaliar
a atividade da antitrombina III, os valores de normalidade seriam de 90 a 120%.
Tratamento consistem fluidoterapia agressiva para manter a microcirculação mais
estável possível, antitrombina III e plaquetas são indicados na fase hemorrágica,
ácido acetilsalicílico nos casos de hemagiossarcoma antes e depois da cirurgia e câncer
inflamatório agudo de mama ao longo de todo o tratamento.

Manifestações neurológicas

Miastenia gravis

A miastenia gravis (MG), é uma desordem congênita ou adquirida da junção


neuromuscular resultante de deficiência ou distúrbio funcional do receptor de
acetilcolina nicotínico (AchRe), sendo rara em felinos. A causa mais comum de MG
adquirida é o timoma, no entanto, também tem sido relatada em associação com
osteossarcoma, linfoma e carcinoma das vias biliares. Os sinais clínicos de MG giram
em torno de fraqueza muscular intermitente, que traduz a intolerância ao exercício,
disfagia, regurgitação e mudança na voz. A detecção e acompanhamento em série dos
anticorpos dos receptores de acetilcolina são úteis no diagnóstico e acompanhamento
de MG canina. O tratamento envolve a remoção do tumor responsável; uma rápida
melhora clínica e 10 diminuição dos anticorpos dos receptores de acetilcolina foram
observados após a exérese cirúrgica do timoma. O uso de doses imunossupressoras de
prednisona também podem ser um complemento útil.

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UNIDADE III │ ONCOLOGIA

Neuropatia periférica

Lesões dos nervos periféricos devido ao câncer é um acontecimento comum em humanos


e animais. Tumores associados a alterações dos nervos periféricos incluem tumores
primários de pulmão, insulinoma, mastocitomas, adenocarcinoma de tireoide, melanoma,
tumores mamários, leiomiossarcoma, sarcoma indiferenciado, hemangiossarcoma e
mieloma múltiplo. A doença é devido à produção de autoanticorpos que têm como alvo
antígenos partilhados pelo tumor e pelos nervos periféricos. Os principais sinais clínicos
são fraqueza e paraparesia a tetraparesia progressiva característicos de uma doença
que afeta os nervos motores inferiores. Clinicamente a síndrome paraneoplásica dos
nervos periféricos aparente em medicina veterinária é rara. O tratamento da neuropatia
periférica paraneoplásica é a remoção do tumor causador (BERGMAN, 2007).

Osteopatia hipertrófica

Osteopatia hipertrófica (OH), é uma síndrome caracterizada pelo desenvolvimento de


neoproliferação óssea periosteal difusa nos ossos longos das extremidades em resposta
a cânceres e doenças não cancerígenas. Como SPN, as neoplasias mais frequentes
nessa síndrome são as neoplasias pulmonares primárias/metastáticas, neoplasia
de parede torácica, rabdomiossarcoma vesical, carcinoma (esofágico, papilar renal,
renal, adrenocortical, prostático, hepático e pancreático). Os sinais clínicos de gatos
acometidos pela OH geralmente incluem uma formação não edematosa e firme, um
histórico de claudicação ou relutância em mover-se com os quatro membros afetados.
Os membros estão com temperatura elevada à palpação apresentar dor, ocasionalmente,
tais lesões se apresentam em pelve ou costelas. O diagnóstico da OH é feito através da
radiografia dos ossos afetados para encontrar a reação periosteal. O tratamento consiste
na remoção do processo neoplásico, neurectomia dos ramos vagais ligados ao órgão
afetado, nos casos em que o processo neoplásico não puder ser ressecado e prednisona
para aliviar os sintomas por certo tempo.

Síndrome de hiperviscosidade sanguínea


ou hiperproteica globulínica

Hipergamaglobulinemia é uma SPN que provoca hiperviscosidade sanguínea com


muitas causas neoplásicas e não neoplásicas. Estando mais frequentemente associado ao
mieloma múltiplo, linfoma, leucemia e de acordo com alguns registros a plasmocitoma.
É resultante da secreção de uma maior fração de globulinas. O excesso de proteínas
pode provocar alterações glomerulares, identificadas por meio da proteinúria no exame
de rotina de urina, com consequente hipoalbuminemia, além de alterações retinianas,
alterações hemodinâmico-vasculares, alterações neurológicas, alterações de coagulação,

134
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

hiperglobulinemia. Em casos graves deve-se instituir flebotomia associada à solução de


cloreto de sódio a 0,9% uma vez ao dia, por três dias consecutivos.

Dor na neoplasia

A dor é provavelmente o sintoma mais comum nas neoplasias e por isso mais de dois
terços dos pacientes são acometidos por fortes dores. As dores neoplásicas podem
ser intensas a ponto de ocasionar sofrimento, estresse, ansiedade e deterioração da
qualidade de vida.

Manifestações de dor

Dor aguda causa tendência a se esconder, postura tensa, relutância a carícias, agressividade,
lambedura frequente, evita urinar, defecar, comer e ingerir água. Enquanto a dor
crônica é comumente associada à anorexia e alterações comportamentais. Respostas
fisiológicas: taquicardia, taquipneia, midríase e salivação

Terapia analgésica

Tratamento da dor oncológica possuem diversos recursos, podendo ser classificados


como farmacológicas e não farmacológicas. As farmacológicas se dividem em
anti-inflamatórios não esteroidais: meloxican, cetoprofeno, piroxicam. Analgésicos
opioides: meperidina, butorfanol, tramadol, morfina. Gabapentina. Amitriptilina.
Entre as não farmacológicas estão as técnicas comportamentais radiação, cirurgia,
neurocirurgia, condutas de enfermagem e todas as tentativas de promover conforto ao
paciente e de avaliar a eficácia do tratamento.

Neoplasmas de baixa incidência

Processos neoplásicos de baixa incidência hemangiossarcoma, melanoma, papiloma,


lipoma, neoplasias vesicais, tumores perianais, neoplasias testiculares, penianas e
prostáticas.

Dentre as neoplasias de baixa incidência, apresentam-se as origens entre os fatores


químicos, fatores físicos, inflamações crônicas, fatores hormonais e vírus. Fatores
químicos dão origem a linfoma e carcinoma de células escamosas. Fatores físicos como
a irradiação ultravioleta relacionados a carcinoma de células escamosas cutâneos.
Inflamação crônica resultando em sarcoma de aplicação. Fatores hormonais estrógeno
e progesterona induzindo a neoplasias mamárias. Viral com FIV/ FeLV resultando em
linfomas e leucemias.

135
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

Neoplasias mamárias

Em felinos é a terceira mais diagnóstica. Com percentual de malignidade de 85-93%,


sendo em sua maioria carcinoma e adenocarcinomas com alto índice de mestástase
e micrometástase em campos pulmonares e linfonodos regionais por via linfática e
hematógena. Fatores associados com a carciogênese são a exposição ao estrogênio e
progesterona como em cadelas.

Tratamento de escolha se tem a mastectomia total unilateral, dividida em duas etapas,


mastectomia radical bilateral, com remoção do linfonodos inguinais e axilares em
associação com a quimioterapia, quando malignos. Como prevenção se destaca a OSH
(ováriosalpingohisterectomia) do animal jovem, observa-se que quando realizada antes
de 6 meses de idade, reduz para 9% de chance de desenvolver neoplasia mamária,
entre 6 a 12 meses de idade, a incidência reduz para 12% de chance de desenvolver
neoplasia mamária.

Pré-medicar o paciente, cinco dias antes da quimioterapia, com prednisolona, ranitidina


e difenidramina. Os protocolos: Doxorrubicina (25mg/m2 – IV) + ciclofosfamida
(50mg/m2 – VO, dias 3,4,5,6) – a cada 21 ou 30 dias – 4 ciclos). Carboplatina (150 –
220mg/m2 – IV – a cada 21 ou 30 dias – 4 ciclos). Gemcitabina (2mg/kg – IV – a cada
21 dias – 4 ciclos). Paclitaxel (80mg/m2 – IV – a cada 21 dias – 4 ciclos).

O prognóstico tem relação direta com tamanho das massas em cadeias mamárias, sendo
que processos tumorais menores que 3 cm tem expectativa média de vida de 9 meses,
com possibilidade de sobrevida de 49% após dois anos. Massas maiores que 3 cm tem
expectativa média de vida de 5 meses.

Carcinoma inflamatório

As neoplasias de glândulas mamárias são doenças que se manifestam tanto em gatas


como cadelas, sendo nas últimas mais comuns. Entre os gatos, os Siameses são os mais
afetados.

Na maioria dos casos possui caráter maligno e agressivo (80 a 93%) e influência
hormonal em sua patogenia. Esta pode provocar uma invasão de via linfática e
metástases em linfonodos regionais, pulmões, pleura, fígado, diafragma, glândulas
adrenais e rins. Muitas vezes está aderida à pele e à parede abdominal, o que impede
sua mobilidade. Possui aspecto firme e nodular, podendo desenvolver lesões ulceradas.
Pode envolver mais de uma glândula. São relatadas relações entre o uso de progestágenos
e estrógenos sintéticos e o desenvolvimento desses tumores mamários, tanto malignos
quanto benignos. Também podem estar ligados ao aumento da expressão da proteína

136
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

HER2/neu, essa proteína é expressa pelas células sob a instrução do gene HER2/neu
que ocorre em neoplasias mamárias, e fator de crescimento endotelial vascular.

As mamas apresentam-se edemaciadas e eritematosas, linfonodos inguinais e


submandibulares podem estar aumentados, além de possíveis mastites crônicas,
anemias, leucocitose, febre, alterações em útero, osteoporose, ascite, anorexia e caquexia.
Existem relatos de diáteses hemorrágicas e coagulação intravascular disseminada,
também conhecida como Síndrome Paraneoplásica.

Figura 18. Carcinoma inflamatório em cadeia mamária.

Fonte: Mendoza (2013).

Os carcinomas podem ser descritos como: sólidos (originados de células densas);


tubulares ou lobulares (derivados de alvéolos); papilares (derivados dos condutos
epiteliais, aparecem com ramificações capilares ou císticas) e anaplásicos (muito
pleomórficos e sem um padrão definido). Macroscopicamente, os carcinomas podem
apresentar variações, desde pequenos nódulos circunscritos até massas infiltrativas,
inflamadas, difusas e ulceradas, que se estendem pela região inguinal e vão até o músculo.

Esses são denominados carcinomas anaplásicos inflamatórios. O carcinoma inflamatório


de mama tem uma apresentação clínica bem característica. O crescimento é rápido e afeta
múltiplas glândulas mamárias, ou seja, uma cadeia ou ambas cadeias mamárias. A pele
afetada caracteriza-se pelo endurecimento e espessamento, calor, edema, eritema e dor.
O animal pode apresentar ulcerações em algumas áreas da pele adjacentes aos nódulos
mamários. Clinicamente, tendem a ser difusos, com pouca demarcação entre o tecido
íntegro e o não íntegro. Pode ocorrer edema linfático extenso em um membro ou em
ambos. Esse edema ocorre pela oclusão dos vasos linfáticos da região afetada. Nos felinos,
está neoplasia ocupa um sítio mais obscuro dentro da oncologia veterinária, devido a sua
biologia e conduta terapêutica. Um animal acometido pela doença recebe um prognóstico
de reservado a ruim. As diversas formas de exame histopatológico de massa neoplásica

137
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

dos poucos casos relatos em felinos mostram êmbolos neoplásicos em vasos linfáticos
dérmicos, edema perineoplásico e a presença de células neoplásicas dispersas em tecido
subcutâneo edemaciado, dor, despigmentação da pele e formação de nódulos.

Histologicamente, o carcinoma inflamatório de mama apresenta evidências de


um carcinoma pouco diferenciado, com extensa evidência de infiltração de células
mononucleadas e polimorfonucleadas e edema. Para o diagnóstico, deve ser
determinado o tamanho dos tumores, sua localização e alterações em tamanho e
consistência de linfonodos, pois na suspeita de metástases deve-se fazer citologia
e/ou exame histopatológico. Cerca de 25 a 50% das neoplasias malignas apresentam
metástases pulmonares. Pelo grau de malignidade da neoplasia e sua agressividade,
animais com carcinoma inflamatório mamário costumam ter período de vida variável
entre curto e médio, após o diagnóstico. Nestes casos os tratamentos são paliativos,
com uso de drogas anti-inflamatórias e antibióticos. Não é recomendada a cirurgia,
pois é impossível remover todos os tecidos afetados, e esta induziria facilmente uma
coagulação intravascular disseminada. A vida média é de 20 semanas.

Tumores de pele
Em felinos é a segunda mais diagnóstica, e representam um quarto de todas as neoplasias
na espécie. As neoplasias originam-se a partir do epitélio de estruturas anexas como
glândulas sebáceas e folículos pilosos. Os tumores, podendo ser dos tipos epiteliais,
mesenquimais ou de células redondas. Em torno de 59% dos tumores de pele são benignos.

Os tumores malignos de pele mais diagnosticados compreendem carcinoma de células


basais, mastocitomas, carcinomas de células escamosas e fibrossarcomas.

Carcinoma de células escamosas


O carcinoma de células escamosas é responsável por 15% dos tumores cutâneos que
acometem os felinos, sendo a pele e o tecido subcutâneo locais comuns de neoplasia
primária em gatos de meia idade a avançada. O tumor nos gatos de pele clara,
despigmentada ou com mucosa pouco pigmentada são mais propensos a apresentar a
doença. Geralmente localizada na cabeça, mais frequentemente no plano nasal, seguida
pelas aurículas e pálpebras, pescoço e dedos. Lesões variando de 0,5 a 3 cm, de aspecto
irregular em forma de placas ou papilar, levemente hiperpigmentadas, dolorosas e
podem apresentar hemorragia mediante manipulação. Lesões de difícil cicatrização,
caracterizada por proliferação neoplásica dos ceratinócitos da epiderme. hiperêmicas,
crostosas que evoluem para úlceras com invasão de tecidos adjacentes.

138
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

O diagnóstico tem início com história, anamnese e exame físico completo, evidenciando
os sinais clínicos e fatores predisponentes. O diagnóstico definitivo pode ser feito por
citologia aspirativa ou estudo histopatológico correlacionado a anamneses e exame
físico. Entre os diagnósticos diferencias possíveis estão criptococose, pênfigo foliáceo,
fibrossarcoma oral, esporotricose, granuloma eosinofílico oral. O tratamento tem
por objetivo evitar a recidiva, o que inclui entre as modalidades existentes a cirurgia,
criocirurgia, radiação ionizante e eletroquimioterapia (figura 19) associadas à quimioterapia
antineoplásica. O tratamento quimioterápico pode ser feito por meio da administração de
carboplatina, doxorrubicina, vincristina ou ciclofosfamida, existindo várias opções para o
protocolo quimioterápico, sendo mais comumente associado à doxorrubicina+bleomicina
em conjunto anti-inflamatórios não esteroidais e paraintralesionais 5-FU, bleomicina.
Bom prognóstico, pois raramente ocorre metástase.

Figura 19. Resposta evolutiva de felino a tratamento de CCE empregando eletroquimioterapia.

Fonte: Fiorenze (2010).

Mastocitoma

Segundo tumor de pele mais maligno em gatos. Quarta neoplasia de pele mais
frequente, precedida por tumores de células basais, carcinoma de células escamosas
e fibrossarcomas, sendo a raça siamês a mais predisposta a mastocitomas. Podendo
ocorrer em qualquer idade, porém é mais comum em animais idosos. Apresenta-se
mais comumente em machos do que em fêmeas.

O desenvolvimento e maturação das células necessitam de algumas citocinas (IL-3, IL-


6, IL-4) e fatores de crescimento para mastócitos (SCF, stem cell fator). O receptor para
SCF é o kit, codificado pelo proto-oncogene c-kit. Para a diferenciação de sobrevivência
e função dos mastócitos, as interações SCF-kit são essenciais.

Existem duas formas de mastocitoma felino: visceral e cutâneo. A forma visceral envolve
o fígado, baço e linfonodos abdominais com sinais decorrentes da degranulação de
mastócitos. Os felinos podem apresentar depressão, anorexia, perda de peso, vômito.
Metástase em mastocitoma visceral do que em cutâneos, apresentando como sinais

139
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

clínicos efusão pleural e peritoneal rica em eosinófilos. Cerca de 40% dos casos apresenta
mastocitose sistêmica e 23% apresentam infiltração da medula óssea.

A forma cutânea envolve a pele e subcutâneo, onde, geralmente, os tumores são


solitários, firmes, circunscritos, alopécicos e tem predileção pelas regiões da cabeça e
do pescoço, seu tamanho pode variar de 0,2 a 3,0 cm, podendo apresentar eritrema,
prurido e ulcerações (Figura 20). Além desta classificação citada, encontramos dois
outros subtipos de MCF, o tipo mastocítico com um discreto a baixo número de
mastócitos atípicos, que é considerado de comportamento benigno.

O mastócito podendo ser compacto e pouco agressivo ou difuso sendo infiltrativo e


metastático; e outro tipo histiocítico que acomete, predominantemente, gatos siameses
jovens com menos de quatro anos de idade. Este tipo comumente apresenta múltiplos
sítios de lesão e sua regressão geralmente é espontânea em 4 a 24 meses.

A histopatologia, imunoistoquímica e citologia desempenham papel fundamental,


associadas com ultrassonografia abdominal e hemograma apresentando anemia
eosinofílica. Diagnósticos diferenciais para linfoma, adenocarcinoma intestinal, PIF.

Figura 20. Mastocitoma cutâneo.

Fonte: Luglio (2013).

O tratamento por radioterapia, quimioterapia, criocirurgia e excisão cirúrgica.


O estadiamento clínico do tumor e a classificação histológica são os fatores de
prognóstico, que por sua parte indicam o tipo de tratamento a ser realizado. Tempo
médio de recorrência é de quatro meses, variando de acordo com a terapia instituída e
a resposta individual do paciente.

Tratamento amplamente indicado é a excisão cirúrgica com margens mínimas de 3 cm,


se não houver possibilidade da margem de segurança, indica-se amputação radical.
Após a excisão de mastocitomas de grau III, deve se associar a quimioterapia, assim
como em tumores de grau elevado que não possuem possibilidade de excisão cirúrgica,
140
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

deve se associar vimblastina e prednisona. Outra opção é lomustina (60mg/m2 – a


cada 21 – 30 dias). Inibidores de tirosina quinase (50mg/gato – a cada 48 hrs) Animais
com mastocitoma primário amplo, com evidência de metástases ou sinais sistêmicos
devem ser tratados com anti-histamínicos (H1 e H2).

Hiperplasia fibroepitelial
A hiperplasia fibroepitelial (fibroadenomatose, hipertrofia mamária felina, adenofibroma
ou fibroadenoma) é uma proliferação benigna, não neoplásica, dos ductos mamários
e do tecido conjuntivo periductal de gatas jovens não castradas. Esse distúrbio é mais
comumente descrito em fêmeas após o estro, durante a gestação ou após administração
prolongada de medicamentos à base de progestágenos exógenos. Tumores mamários,
edema, ulceração, eritema em múltiplas mamas.

Figura 21. Hiperplasia fibroepitelial.

Fonte: Togni (2013).

O diagnóstico de hiperplasia fibroepitelial é obtido por anamnese, exames clínicos,


citologia, histopatologia. O tratamento consiste de ovariosalpingohisterectomia (OSH),
terapia hormonal com aglepistone (10-15mg/kg – 2x dia/semana por 4 semanas) e
de terapia de suporte com analgésico, antibiótico, anti-inflamatórios não esteroidais,
compressas frias.

Hemangiossarcoma
É uma neoplasia maligna que acomete o endotélio vascular, ocorrendo com
maior frequência na pele, mesentério, no baço, fígado, cavidade oral e nasal. Nos
felinos, os gatos domésticos de pelo curto parecem possuir maior predileção ao
hemangiossarcoma. A idade média é de 10 anos, não há diferença na incidência entre
sexos. O diagnóstico de hemangiossarcoma pode ser obtido por citologia, por meio

141
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

da citologia aspirativa com agulha fina (CAAF) ou por “Imprints”. Outra forma de
diagnóstico é a ultrassonografia, a qual se constitui em um método confiável para a
avaliação em casos de hemangiossarcoma

Tratamento inclui cirurgia, quimioterapia e possivelmente radiação, porém, os tempos


de sobrevida são invariavelmente curtos (usualmente menor que um ano), exceto
para aqueles pacientes que apresentam hemangiossarcoma cutâneo. A quimioterapia
torna-se apropriada como adjuvante na cirurgia. O uso de muramil tripeptídeo-
fosfatidiletanolamina encapsulado em lipossomos (L-MTP-PE) após esplenectomia
e quimioterapia combinada de doxorrubicina (30mg/m², via intravenosa) e
ciclosfosfamida (50 a75 mg/m² por via oral por 4 dias) mostrou um incremento no
intervalo de tempo livre de tumor, prolongando assim, o tempo de sobrevida por uma
média de 280 dias de vida.

Hemangiossarcoma cutâneo

Apresenta causa desconhecida, porém a exposição à luz ultravioleta em locais


despigmentados ou com rarefação pilosa foi relatada como um fator desencadeador dos
hemangiossarcomas cutâneos. Geralmente são solitários e ocorrem mais comumente
na cabeça, nas orelhas, nos membros e nas regiões inguinal e axilar. O aspecto lesional
varia de cinza-claro a vermelho-escuro, são nodulares e macios, usualmente contém
áreas de hemorragia e necrose, são pobremente circunscritos, não encapsulados e
frequentemente aderidos a estruturas adjacentes. Hemangiossarcoma esplênico

A neoplasia esplênica de origem no endotélio vascular é extremamente maligna e


raramente é relatada em felinos, cerca de 2/3 das massas esplênicas são malignas. Não
há predisposição sexual. O tumor é característico por crescimento rápido e múltiplas
metástase, devido a origem da neoplasia (Figura 22). As metástases pulmonares são
muito mais comuns, ainda em mais em casos em que há acometimento cardíaco.

Figura 22. Hemangiossarcoma esplênico.

Fonte: Soares (2017).

142
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

Carcinoma de células de transição


As neoplasias de bexiga, raras em felinos, tem os carcinomas de células de transição
como um dos tipos mais frequentes. Não há predisposição racial ou sexual, mas a uma
predileção não confirmada por fêmeas, e a idade média dos animais é a de 13 anos.
O carcinoma se inicia em trígono vesical e se estende para o corpo vesical, com a
expansão do tumor, pode haver obstrução uretral que resulta retenção urinária e
obstrução ureteral. Os carcinomas cursam com metástase em cerca de 40% dos gatos em
ossos longos, crânios e olhos, sendo mais acometidos os pulmões, linfonodos regionais,
rins, fígado e próstata. As manifestações clínicas comuns são hematúria, disúria e
polaciúria, estrangúria ou incontinência urinária. Outras alterações decorrentes de
metástase e síndrome paraneoplásicas podem estar presentes. Caso haja obstrução
uretral prolongada pode ocorrer azotemia pós-renal, anorexia, prostração e vômito.

O diagnóstico pode ser realizado com o emprego de exames de imagem (cistografia


de contraste duplo ou a avaliação ultrassonográfica), urinálise e confirmado com o
exame histopatológico. Mais recentemente a análise por imagem como tomografia
computadorizada e ressonância magnética auxiliam muito no diagnóstico.
O tratamento inclui a excisão cirúrgica (cistectomia) seguida de anastomose
ureterocólica acompanhada ou não de quimioterapia; ou quimioterapia isolada e uso
de anti-inflamatórios não esteroidais como piroxicam. A quimioterapia não costuma ter
uma boa resposta, quando usada para tratamento de carcinoma de células de transição.
Terapias intravesicais com 5-fluaoruracil, cisplatina ou tiotepa podem ser úteis em
neoplasias superficiais.

A quimioterapia a ser usada: cisplatina na dose de 60mg/m² por via intravenosa


a cada quatro semanas ou uso de mitoxantrona na dose de 5mg/m² a cada 21 dias
associada a piroxicam na dose 0,3 mg/kg, uma vez ao dia. Outra opção seria terapia de
radiação intraoperátoria utilizando césio em única aplicação com 22 a 29Gy. O tempo
de sobrevida varia de seis a oito meses. Instalada a quimioterapia com mitoxantrona.
Durante a quimioterapia o paciente pode apresentar hiporexia e piora significativa
da azotemia.

Neoplasias hepáticas
Tumores hepáticos são raros em gatos compreendendo cerca de 0,6 a 2,9% de todas
as neoplasias felinas, mais comuns em animais idosos, em média de 10 a 12 anos, sem
predisposição racial. Normalmente são tumores malignos metastáticos proveniente
de neoplasias do baço, pâncreas, glândulas mamárias e trato gastrointestinal do que
neoplasias primárias.
143
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

As neoplasias hepatobiliares dividem-se em quatro categorias: tumores hepatocelulares,


tumores dos ductos biliares, tumores neuroendócrinos e sarcomas. Os tumores
hepatocelulares são representados pelo: adenoma hepatocelular, carcinoma
hepatocelular (figura 23) e hepatoblastoma. Sendo o carcinoma correspondente a mais
de 50% dos tumores malignos. Tumores de neoplasia dos ductos biliares se dividem em
dois: carcinoma e adenoma, sendo que o adenoma corresponde a mais de 50% de todos
os tumores biliares. Tumores neuroendócrinos primário e os sarcomas são apenas um
pequeno percentual das neoplasias intra-hepáticas e também são geralmente agressivas
e com metástases precoces.

Figura 23. Carcinoma Hepatocelular.

Fonte: Schuch (2013).

Diagnóstico com imagens da cavidade abdominal fornecem informações das massas


hepáticas. As radiografias abdominais relevam massas em abdominal cranial direito.
A ultrassonografia abdominal é superior à radiografia na detecção de tumores hepáticos,
na maioria casos. A avaliação do líquido do fluído da ascite. Os testes hematológicos
de rotina e avaliações bioquímicas podem identificar alterações compatíveis com
doença hepática, não sendo muito específicas para neoplasias. Tratamento consiste
de ressecção cirúrgica como lobectomia hepática parcial ou completa. Em casos com
apresentação multifocal e metástase a cirurgia não é contraindicada, pois pode ser
considerada paliativa, objetivando controlar hemorragia ou remover uma grande massa
necrótica. O uso de quimioterapia e radioterapia não tem sido avaliado com sucesso
em tumores hepáticos. Prognóstico para casos de carcinoma hepatocelular solitário e
tumores benignos é sugestivo como positivo e pobre para gatos com tumores malignos
multifocais como carcinoma biliar, sarcoma, neuroendócrino.

Neoplasias uterinas
Tumores uterinos são raros em gatas compreendendo cerca de 0,2 a 1,5% de todas
as neoplasias nesta espécie, mais comuns em adultos de meia-idade. A maioria dos
144
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

tumores uterinos em felinos é do tipo adenocarcinoma, de origem epitelial ou fibroma,


fibrossarcoma, leiomioma, leiomiossarcoma, lipoma e lipossarcoma, de origem
mesenquimal. Os sinais clínicos podem estar ausentes ou incluírem corrimento vaginal
ou sinais relacionados à compressão das vísceras adjacentes ao tumor, dependendo
do tipo histológico, dimensões e padrão metástases. Exames radiográficos permitem
a visibilização de massa abdominal ou uterina, assim como a ultrassonografia, que
é capaz de expor com mais detalhes a neoplasia e sua origem, exceto nos casos com
presença de fluídos. O aspecto ultrassonográfico de tumores uterinos é pouco descrito
e não possuem características específicas que possam diferenciá-las entre si ou de
granulomas, hematomas e abscessos.

O leiomioma uterino foi descrito como isoecoico ao tecido uterino circundante,


projetando-se para o lúmen, podendo tornar-se necrótico e complexo na arquitetura
interna ou sofrer degeneração cística. A avaliação laboratorial não fornece resultados
esclarecedores ou patognomônicos, mas proporciona melhor acompanhamento.

O tratamento recomendado para tumores uterinos é a ovariohisterectomia,


quimioterapia e radioterapia não são empregadas por falta de evidência de utilidade do
animal. O prognóstico é bom, contanto que não haja metástases e que seja possível a
retirada completa do tumor com margens.

Neoplasias de trato reprodutor masculino


Os relatos de neoplasia na genitália e glândulas de felinos é muito raro. Apenas
dois casos descritos, ambos apresentaram tumor de células de Sertoli e não houve
manifestação de sinais de feminização. Tendendo apresentado como metástase: em
fígado e mastocitoma no baço e outro caso apresentou seminoma. Em próstata já foram
relatados casos de fibroadenoma e adenocarcinoma. Sinais clínicos de hematúria,
disúria e obstrução uretral, apenas um caso apresentou constipação. Um relato apenas
com tratamento por excisão prostática e quimioterapia adjuvante de doxorrubicina e
ciclofosfamida com sobrevida de dez meses.

Linfomas
As causas dos linfomas são especuladas a uma etiologia retroviral. A leucemia viral
felina (FeLV) é indicada com carcinogêneo biológico da transformação maligna dos
linfócitos, a imunodeficiência viral felina (FIV) participa indiretamente da oncogênese
uma vez que por ser imunossupressor, esses retrovírus compromete a habilidade do
sistema imune em destruir a células malignas. Recentemente constatou-se que os

145
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

carcinógenos químicos presentes na fumaça de cigarros constituem-se fatores de risco


para desenvolvimento de linfoma em gatos, com relação direta a tempo de exposição e
contaminação ambiental.

Felinos de origem oriental e siameses tem maior predisposição genética. Cerca de 25%
dos gatos positivos para FeLV desenvolvem para linfoma, sendo cinco vezes maiores
para gatos positivos para FIV em relação aos não infectados. Para felinos positivos para
FIV e FeLV o risco é oitenta vezes maior.

Linfoma pode ser classificado de diferentes formas, dependendo das localizações


anatômicas: mediastinal, multicêntrico, alimentar, cutâneo e extranodal, nasal e sistema
nervoso. Sendo que existe uma relação evidente entre linfomas intestinais com doença
inflamatória intestinal e nasal com rinossinusite crônica. O comportamento biológico
pode variar entre linfomas de alto grau de malignidade a linfomas indolentes, de baixo
grau. 11% dos casos apresentam baixo grau sendo mais comum em gatos idosos e cerca
de 35% dos casos são de grau intermediário e 54% dos casos de alto grau mais comum
em gatos jovens.

Linfoma alimentar

O linfoma alimentar é a forma mais comum em gatos, podendo ser tumor


gástrico/intestinal solitário ou múltiplos nódulos intestinais normalmente sendo
caracterizado pela infiltração do linfoma no sistema gastrointestinal, podendo afetar
estômago, intestinos, fígado e baço com espessamento de mucosa gástrica/intestinal.
O intestino delgado é comumente afetado, e nesses casos, a doença é denominada como
linfoma intestinal (ocorre de 50% a 80% dos casos), seguido pelo estômago (25% dos
casos) com linfonodomegalia mesentérica.

Os principais sintomas do linfoma alimentar são: perda de peso, vômito, diarreia,


anorexia, abdômen agudo, letargia com alteração de comportamento, sem reação a
estímulos externos e sangue nas fezes. Além dos sintomas, o linfoma alimentar pode
ser diagnosticado por meio de palpação, uma vez que há maior presença de massa
abdominal e intestinal, devido a manifestação do tumor (Figura 24).

O linfoma alimentar corresponde a 41% dos casos de linfoma, sendo o segundo mais
comum, superado apenas pelo tumor maligno de epitélio glandular, ou superfície superior
a glândulas. As patologias que podem se apresentar como diagnóstico diferencial são:
doença inflamatória intestinal, PIF não efusiva, corpo estranho intestinal, carcinoma
intestinal e hipertireoidismo.

146
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

Figura 24. O estômago apresenta múltiplos nódulos correspondentes ao tecido linfoide neoplásico.

Fonte: Laud (2008).

Linfoma mediastinal

O linfoma mediastinal em gatos são mais comuns que a multicêntrica e a extranodal.


Os linfomas da cavidade torácica ocorrem mais comumente no timo, podendo afetar
o mediastino e os linfonodos esternais. Os linfomas mediastinais são originados de
linfócitos T e frequentemente se acham bem circunscritos ao tecido linfoide intratorácico.
A faixa etária dos gatos acometidos por linfomas mediastinais varia de seis meses a
sete anos de idade, tendo prevalência de 60% em raças orientais. Felinos com linfomas
mediastinais apresentam dispneia, tosse ou regurgitação de aparecimento agudo. Sinais
clínicos incluem padrão respiratório restritivo, derrame pleural, anorexia, depressão
e apatia. O primeiro passo no diagnóstico é a realização de uma radiografia torácica,
amostra para análise físico-química e citoscópica do derrame pleural. As radiografias
do tórax revelam, além do derrame pleural, massa no espaço mediastinal e desvio dorsal
da traqueia.

Os linfomas podem ser diagnosticados citologicamente em 70 a 75% dos casos avaliados.


Os linfomas mediastinais devem ser sempre considerados, para efeito de diagnóstico
diferencial, diante de pacientes felinos com padrões respiratórios restritivos. Causas
adicionais desses sinais são cardiomiopatia, forma efusiva da peritonite infecciosa felina,
hérnia diafragmática, timoma e outras neoplasias torácicas. O principal diagnóstico
diferencial para linfoma mediastinal é o timoma em pacientes idosos.

Linfoma multicêntrico

O linfoma é uma das neoplasias mais diagnosticadas em felinos, tem origem no tecido
linfoide hematopoiético, podendo envolver qualquer órgão ou tecido. No caso do
linfoma multicêntrico e raro com cerca de 4-10% dos casos. O linfoma é caracterizado
quando acomete gânglios e órgãos diferentes, como fígado, baço, rins, e medula óssea.

147
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

Os linfomas multicêntricos são geralmente negativos para a FeLV, mas de acordo com
relatos, eram positivos para FIV. Os sintomas dependem dos órgãos afetados, mas
incluem: anorexia, caquexia com grau extremo de enfraquecimento, mucosas pálidas,
depressão, perda de peso, em casos raros, os animais podem apresentar distúrbios de
sangramento, lesões oculares, sinais neurológicos e infecções. Entre as possiblidades
de diagnóstico diferencial estão linfadenopatia hiperplásica, infecção viral/ bacteriana/
fúngica, FIV, peritonite infecciosa felina.

Linfoma extranodal

O linfoma extranodal é caracterizado por atingir qualquer tipo de tecido corporal, os seus
sintomas estão relacionados com os órgãos afetados, frequentemente envolvem olhos,
sistema nervoso, rins e normalmente são solitários, ou seja, afetam apenas um único
tecido. Formas extranodais são mais comuns em felinos com exceção da forma cutânea.

Linfoma ocular

O linfoma ocular é o tumor intraocular decorrente de neoplasia sistêmica que acomete


cães e gatos sendo associado ao vírus da leucemia felina. Tendo como sítio mais comum
de metástases o trato uveal, disseminados provavelmente por via hematogênica.
Em casos de alterações oculares com incidência bilateral proveniente da úvea anterior
ou da retina, como a hemorragia intraocular

Linfoma renal

Linfoma renal felina é uma forma de câncer que afeta os rins. As causas mais comuns
incluem o vírus da imunossupressão felina (FIV), vírus da leucemia felina (FeLV),
insuficiência renal. Sintomas do linfoma renal pode ser difícil de distinguir de outros
problemas de saúde, podendo incluir sangue na urina (hematúria), anemia, cristais na
urina e dor abdominal. Devido à dificuldade de tratar, intende-se a controlar, pois é
considerada incurável, com o uso de suplementos nutricionais e medicamentos para
tratar os sintomas. Prognóstico depende da resposta do tratamento e infelizmente, o
prognóstico geral é relativamente ruim.

Linfoma nasal

O linfoma é a neoplasia mais comumente observada em gatos, porém a forma nasal não
é rotineiramente relatada. O linfoma nasal é um dos linfomas extranodais mais comuns
em gatos, sendo mais prevalente que o adenocarcinoma nasal. Em gatos, como nos cães,

148
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

o linfoma é uma doença sistêmica, e a quimioterapia é o tratamento de escolha para a


maioria de suas apresentações. Alguns autores afirmam que muitos desses gatos com
linfoma nasal são FeLV negativos. Linfomas nasais são sensíveis à radiação, sendo esta
uma modalidade de tratamento efetiva para as formas localizadas de linfoma, como o
nasal, espinhal, intracraniana. Em gatos sem envolvimento sistêmico, a radioterapia
pode ser curativa. O tratamento de suporte é essencial no manejo do paciente felino
com linfoma e, para realizar a suplementação nutricional adequada, é necessária a
colocação de tubos de alimentação, como esofágico ou gástrico.

Linfoma no sistema nervoso central

O acometimento do Sistema Nervoso Central (SNC) é considerado atípico, requerendo


uma avalição mais detalhada e específica, usando como base a análise do fluido
cérebro-espinhal e biópsia, para confirmar o comprometimento cerebral ou da medula
espinhal. A incidência de linfoma em gatos pode estar relacionada indiretamente
ao vírus da imunodeficiência felina (FIV), devido ao seu efeito imunossupressor.
De acordo com relatos de linfomas extranodais, cerca de 14% dos casos são linfoma
SNC, dos quais de 15 a 31% eram intracranianos e 39% localizavam-se na medula
espinhal, tornando-se um dos tumores malignos mais encontrados no SNC de gatos.
Existem poucos relatos de tratamento para os casos de linfoma em SNC, embora um
caso tenha obtido resposta duradoura com quimioterapia sistêmica, no geral, menos
de 50% dos pacientes respondem ao tratamento e a sobrevida média é de 1 a 2 meses.

Linfoma cutâneo

O linfoma cutâneo possui um dos menores índices de frequência ocorrendo apenas em


0,2% a 1,7% dos animais desta espécie. O linfoma cutâneo se divide em epiteliotrópico
(LCE), constituído por células T intraepidérmicas, e não epiteliotrópico (LCNE),
formado por células B não epiteliotrópicas localizadas profundamente na epiderme.
Acredita-se que possa haver envolvimento do vírus da leucemia viral felina (FeLV).
O prognóstico de LCNE é reservado devido à rápida progressão das lesões e à ocorrência
de metástases sistêmicas e em linfonodos.

LCE ainda pode identificado como micose fungoide e ser subdividido em Micose
Fungoide e síndrome de Sézary. A micose fungoide é o tipo de linfoma cutâneo
epiteliotrópico (LCE) mais comum e são descritas quatro manifestações diferentes:
eritrodérmica; ulceração e despigmentação mucocutânea; placas ou nódulos isolados
ou múltiplos, e ulceração da mucosa oral. Histologicamente, há infiltrado de células
linfoides T atípicas, com acentuado epidermotropismo, formando agrupamentos
intraepidérmicos denominados microabscessos de Pautrier, o qual é considerado

149
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

achado característico do linfoma epiteliotrópico. Porém, podem não ser encontrados


caso a epiderme esteja ulcerada ou hipoplásica (CORRÊA et al., 2010; AMORIM et
al., 2006;). Já a síndrome de Sézary é extremamente rara. Podendo ter envolvimento
de outros órgãos como baço, linfonodos e medula óssea e linfócitos neoplásicos na
corrente sanguínea.

Para realizar o diagnóstico de seu bichinho, podem ser feitos diversos testes, como
por exemplo, testes de hemograma, perfil bioquímico, análise de urina, testes de FIV e
FeVL, raio-x ou ultrassom, entre outros métodos, além de exames físicos.

O principal tratamento para linfoma em gatos é composto por quimioterapia. Esse


procedimento não promove a cura do linfoma, mas promove sobrevida. A maioria
dos linfomas usa o protocolo de ciclofosfamida, vincristina e prednisona (COP). A
ciclofosfamida de ser administrada por vai intravenosa. Prednisona 2 mg/kg uma
vez ao dia por via oral, ciclofosfamida 300 mg/m² via oral e vincristina 0,75 mg/m²
intravenoso. Uso de todos os antineoplásicos na primeira e terceira semana e apenas
prednisona na segunda semana. Manutenção por um ano.

Outro protocolo inclui a adição de doxorrubicina ao COP. Usando todos os fármacos


da primeira à quarta semana, na sétima semana e décima semana, menos o uso da
ciclofosfamida na segunda e terceira semana. Quando o COP alcançar a remissão deve
ser feita a manutenção com doxorrubicina 25mg/m² intravenoso a cada três semanas,
num total de nove sessões por seis meses. Para pacientes FeLV positivos é necessário
terapia de suporte com transfusão sanguínea e uso de interferon-alfa.

O tratamento para linfoma alimentar em gatos é composto por quimioterapia.


O protocolo usado consiste de L-asparaginase, clorambucil e prednisolona.
A administração de L-asparaginase 10.000UI/m2 por subcutâneo na primeira e
terceira semana. Clorambucil 2mg/gato por via oral a cada 48h para iniciar na 4a
semana. Prednisolona 5 mg/gato uma vez por dia por sete dias, após, a cada 48 horas.
Terapia de suporte com uso de fluidoterapia, suporte nutricional enteral ou parenteral,
dieta rica em proteína de alto valor biológico, suplementação com ferro e vitamina B e
uso de metronidazol.

Após o tratamento espera-se remissão completa em 75%, 15% dos casos de remissão
parcial e 10% não responsivos ao tratamento. Sobrevida de quatro meses a 2 anos.
Os resultados são mais positivos em relação aos animais não infectados por FeLV, que
apresentam alta probabilidade de sobrevivência pós-tratamento, o procedimento pode
causar efeitos colaterais, como anorexia e letargia, sendo pior o prognóstico para felinos
FIV positivo.

150
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

Sarcoma por aplicação

Sarcoma viral felino

O vírus do sarcoma felino (FeSV) são carcinógenos virais resultantes da recombinação


do genoma do vírus da FeLV com oncogenes, causando fibrossarcoma multicêntrico.
Isto significa que gatos infectados unicamente pelo FeLV têm capacidade de gerar o FeSV.

Dentre os fatores relacionados ao sarcoma por aplicação a presença de fibroblastos e


miofibroblastos sugerem ser importantes na transformação celular, pois são relacionados
ao processo cicatricial e comumente encontrados nesse tipo de neoplasia. Acredita-se
que, quando essas células ou suas precursoras são estimuladas antigenicamente ou por
meio do adjuvante vacinal, elas sofrem alterações e, em associação a carcinógenos ou
oncogenes, se transformam em células malignas e há o desenvolvimento do sarcoma
(figura 25).

Já está descrita a relação entre o desenvolvimento do sarcoma vacinal e algumas


proteínas reguladoras da proliferação e do crescimento como p53, fator de crescimento
de fibroblasto (FGF-b) e fator de crescimento transformador-α (TGF- α). Identificou-se,
por imuno-histoquímica, grande quantidade de receptores para fatores de crescimento
em sarcoma de aplicação, como: o fator de crescimento derivado de plaqueta – PDFG,
o fator de crescimento epidermal – EGF e o fator de crescimento transformador-β –
TGF-β (NIETO et al., 2003).

Um estudo correlacionou o desenvolvimento do fibrossarcoma vacinal às mutações


no gene supressor de tumor p53. Essas mutações resultam em uma meia-vida maior
da proteína p53 na célula, evidenciada pela imuno-histoquímica. A identificação das
alterações cromossômicas no fibrossarcoma vacinal, além de permitir um melhor
entendimento da patogênese, irá viabilizar a identificação dos gatos predispostos ao
desenvolvimento do tumor (HAUCK, 2003).

Figura 25. Sarcoma após aplicação vacinal.

Fonte: Hines (2012).

151
UNIDADE III │ ONCOLOGIA

O tratamento de eleição deve ser excisão cirúrgica agressiva, pois apresenta alto índice
de recidiva, de cerca de 46%, as margens devem ter pelo menos 3 cm. A quimioterapia
deve ser associada à excisão cirúrgica, podendo ser usada antes do procedimento
cirúrgico caso a tumoração seja muito grande. Os protocolos terapêuticos utilizados:
Doxorrubicina 25 mg/m2 por via intravenosa a cada 21 dias, por quatro ciclos.
Carboplatina 150-220 mg/m2 por via intravenosa a cada 21 a 30 dias por quatro
semanas. Na associação entre Doxorrubicina 25 mg/m² por via intravenosa +
ciclofosfamida 200 a 300 mg/m² por vai oral, administrar a ciclofosmamida dez dias
após a doxorrubicina, repetir este protocolo a cada 21 dias em quatro ciclos.

O prognóstico é variável e depende do tamanho, da localização, do estadiamento


tumoral. Tumores de até 2 cm, sem metástase, submetidos a exérese associada a
quimioterapia tem melhor prognóstico do que os não associados. Sem associação com
quimioterápicos há cerca de 80% de chance de haver recidiva e com quimioterapia
associada a chance de recidiva cai para 20%. Avaliar todo paciente com sarcoma por
aplicação, a cada 3 meses, durante 2 anos.

Neoplasias ósseas
Neoplasias ósseas são incomuns em felinos. Divididos em osteossarcoma e
osteocondroma. Geralmente acometendo felinos idosos, mais comuns em esqueleto
apendicular do que em esqueleto axial, não tendo predileção por sexo.

Radiação ionizante, infartos ósseos e microfraturas de estresse, além de alterações


genéticas são alguns dos fatores de risco dos sarcomas ósseos.

Os proto-oncogenes c-sis, c-myc, N-myc e clt-ras em amostras de osteossarcomas


e tecidos normais dos pacientes, demonstra evidente amplificação dos genes c-sis e
c-myc nas células neoplásicas, constatando ainda níveis de expressão do produto e gene
sis, o fator de crescimento derivado de plaquetas beta (PDGF-beta). O comportamento
biológico das neoplasias ósseas, quando maligno, osteossarcoma, apresenta-se invasivo
localmente com baixo potencial metastático. E quando benigno, osteocondroma, pode
ser solitário ou multicêntrico.

Figura 26. Osteossarcoma em tíbia.

Fonte: Kealy (2012).

152
ONCOLOGIA │ UNIDADE III

Tratamento consiste de excisão cirúrgica, sendo necessário amputação, quando


realizada a sobrevida média é de dois a três anos. Não há descrições para tratamento
neoplásico.

Neoplasias pancreáticas
Pâncreas é um órgão com funções endócrinas e exócrinas. O pâncreas endócrino é
formado por ilhotas de Langerhans. As células envolvidas nas neoplasias, por meio
de transdiferenciação fenotípica, originando células neoplásicas. Células endógenas
dão origem à insulinoma, gastrinoma e glucagonoma, esses sendo raros em felinos.
Células exócrinos originam adenomas e carcinomas, esse já são mais comuns em gatos.

Tratamento de tumores funcionais de células das ilhotas pancreáticas pode ser feita por
meio de excisão cirúrgica ou de forma medicamentosa. A excisão cirúrgica é indicada
em casos de nódulos únicos, mas a maioria dos gatos com insulinoma e gastrinoma
já apresenta metástases, mesmo que microscópicas, no momento do diagnóstico.
Para esses casos recomenda-se a terapia medicamentosa com estreptozotocina, podendo
ser utilizado com glicagonomas e somatostatinomas ou associada à doxorrubicina a
ser administrados com fluidoterpia na taxa de infusão de 20 mL/kg/h a ser iniciada 4h
antes da administração intravenosa do quimioterápico. Outro protocolo usa aloxano a
65mg/kg via intravenosa.

Gencitabina também pode ser usada como protocolo. E terapia de suporte deve ser
usada em ambos os casos. Nos casos de gastrinomas deve se controlar a hipersecreção
gástrica pelo uso de antagonistas H2, como a ranitidina e cimetidina, inibidores da
bomba de prótons como omeprazol ou prostaglandinas sintéticas. Para insulinomas
a terapia sintomática é feita com fármacos que reduzem a liberação de insulina e/ ou
a utilização de glicose, usa-se também dieta rica em proteína, gordura e carboidratos
complexos.

153
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REFERÊNCIAS

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