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edição e propriedade
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9
1600-189 Lisboa Portugal — analise.social@ics.ul.pt
https://doi.org/10.31447/as00032573.2018227.18
birmingham, David
Breve História da Angola Moderna [séculos xix-xxi],
Lisboa, Guerra & Paz, 2017, 208 pp.
isbn 9789897022425
Michel Cahen
mal vistos pelos Bacongos, cujas terras usou] as forças de segurança políticas
tinham sido expropriadas pelos colonos para reprimir qualquer independência
(p. 111). É o período de expansão das de pensamento que pudesse inflamar
culturas forçadas do algodão, que levou as aspirações da população urbana” (p.
à revolta de janeiro de 1961 na baixa de 141). Reprimida a “fação” nitista, come-
Cassange (p. 114) e da grande revolta do çou já a “fermentar um novo conflito, que
Norte, em março do mesmo ano, com consistia, mais uma vez, numa guerra
atrocidades dos dois lados (p. 116), pas- civil e internacional”, que é estudada no
sando pela revolta do 4 de fevereiro em capítulo 8, “Sobrevivência nos anos 80”
Luanda. Nascem grupos anticolonialistas (pp. 145-165).
(“nacionalistas”) com as suas divisões Com efeito, é durante esta nova
permanentes (pp. 119-124): “escrever guerra que o regime do mpla vai tran-
uma história da fnla, do mpla e da sitar de um “estilo de comando-gestão
unita representa um duro desafio”, reco- soviético [para] um estilo de mercado
nhece o autor (p. 122). livre americano”, sem que isso detivesse
O que é certo é que esses foram sur- o apoio cubano ao governo e o apoio sul
preendidos pela Revolução dos Cravos -africano à unita (p. 147). Este período
(pp. 126-127). Assim, o capítulo 7, “As é também o do retorno de muitos anti-
lutas dos anos 70” (pp. 129-143) aborda gos bacongo do Congo para o Norte de
as “dores de parto de uma nova nação” Angola ou para a cidade de Luanda, onde
(p. 129) e as guerras angolanas. David serão muito ativos no renascimento de
Birmingham divide-as entre a guerra uma economia de mercado tolerada
de intervenção (agosto de 1975 a março pelo governo e aproveitada pela elite
de 1976), a Guerra Fria (1976-1991) e (pp. 147-150). Também é o período de
a guerra civil (1992-2002). É durante o uma migração gigantesca de populações
período intermédio entre a “guerra de rurais rumo às cidades. Este avanço do
intervenção” e a guerra fria que ocor- capitalismo não foi em nada um avanço
reu a dita tentativa de golpe de Estado da democracia: ao contrário, “a centrali-
de Nito Alves (17 de maio de 1977) zação do poder foi continuamente refor-
(pp. 137-141) provocada pelo descon- çada pela receita do petróleo” (p. 156),
tentamento de parte da base do mpla que não impediu o avanço da unita,
frente a um governo indiferente à situa- sobretudo depois de 1984, com apoio
ção social. Mas se a tentativa de golpe fez sul-africano e, doravante, americano
15 mortes, as “represálias que o Governo (p. 161). A batalha militarmente inde-
abalado tomou […] foram de tal modo cisa de Cuíto-Cuanavale (janeiro de
selvagens que Angola foi lançada para 1988) foi politicamente decisiva, con-
um caminho descendente de uma espiral vencendo a África do Sul que se devia
de violência que ultrapassava as cruelda- negociar. Em troca da partida dos cuba-
des da Guerra Colonial e as brutalidades nos, esta aceitou a independência da
da guerra de intervenção. [O governou Namíbia. Em maio de 1991 foi assinado
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deveria ter sido atualizado, pelo menos (é estranho falar de “uma organização
com uma adenda sobre a década política exilada do outro lado da fron-
2003-2013, sobre os preços altos teira do Congo”, p. 116, sem citar a upna-
do petróleo e sobre os últimos anos -upa-fnla). A propósito do processo
(2014-2017), quando José Eduardo do “poder popular” em Luanda durante
dos Santos anunciou que não se iria a transição (1974-1975), animado pelos
recandidatar. Foi neste período que militantes dos Comités Amílcar Cabral
nasceu uma nova oposição político- (cacs), não citados, é abusivo dizer que
-cultural, a dos jovens Revus (“Revo- foi apoiado pela “liderança local do par-
lucionários”). Também a bibliografia tido” (p. 129, p. 139). Foi uma espécie de
(pp. 203-207) não foi atualizada, o que situação de duplo poder entre essas estru-
deixou de fora dois livros indispensáveis: turas bairristas lideradas pela extrema-
o livro de Ricardo Soares de Oliveira, -esquerda e a direção de um mpla muito
Magnifica e Miserável: Angola desde a enfraquecido pelas suas crises anteriores
Guerra Civil, Lisboa, Tinta da China, e manipulando essa nova geração antes
2015 e o livro de Justin Pearce, A Guerra de reprimi-la (Leonor Figueiredo, O Fim
Civil em Angola 1975-2002, Lisboa, Tinta da Extrema-Esquerda em Angola, Lisboa,
da China, 2017. Guerra & Paz, 2017).
No difícil género das “Breves his- As guerras, que são o pano de fundo
tórias”, o livro de David Birmigham é dos três últimos capítulos do livro, são
fundamental, mesmo tendo em conta classificadas pelo autor como “guerra
as escolhas drásticas que foram feitas. de intervenção” (1975-76), “guerra fria”
Talvez este livro seja demasiadamente (1977-1991) e “guerra civil” (1992-1994-
“português” no sentido de que podia -2002). Esta classificação induz em erro
ser dada maior ênfase, sobretudo para quanto à natureza civil das duas pri-
o século xix, aos Estados africanos do meiras guerras. Ora a guerra civil não
Centro, Sul e Este de Angola que, até ao começou depois da independência, mas
terceiro quarto do século, mantiveram a logo durante a guerra de libertação, com
hegemonia na relação económica e polí- ações violentas de movimentos contra
tica com os portugueses, como mostrou outros movimentos. Essa “guerra civil
Isabel Castro Henriques (Percursos da longa” tem uma forte historicidade. Não
Modernidade em Angola, Lisboa, iict, se trata de subestimar o peso das inter-
1997). O que aqui se demonstra muito venções exteriores, mas essas interven-
bem é o fracasso do “novo Brasil”, apesar ções sobrepuseram-se às guerras civis
do espetacular desenvolvimento econó- e não as criaram. Nunca foram meras
mico de Angola no colonialismo tardio. guerras proxy. A melhor prova é que a
Em contrapartida, a revolta da Baixa de pior das guerras foi a última, quando já
Cassange (que é evocada sem ser citada, não havia os ditos “patronos” (p. 165).
p. 114) e, sobretudo, a grande revolta do E mesmo quando se trata de intervenções
Norte, mereciam mais desenvolvimentos exteriores, não se pode dizer que a África
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