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Aumentam denúncias de violência

policial em Angola
Multiplicam-se relatos de tortura e mortes às mãos da Polícia Nacional. Ativista e
jornalista Rafael Marques afirma que “a execução sumária de cidadãos se tornou uma
prática oficiosamente institucionalizada”.

A 31 de agosto, três cidadãos foram torturados até à morte na 8ª esquadra, no Rangel,


em Luanda. A denúncia chegou ao portal Maka Angola na voz da família de José
Padrão Loureiro. O corpo de Zeca, como era tratado pelos familiares, foi deixado na
morgue do Hospital Josina Machel, pela Polícia, depois de ter sido detido e acusado de
integrar um grupo de assaltantes. O cadáver, diz a família, mostrava sinais de uma
brutalidade chocante.

No mesmo dia, segundo a família de José Padrão Loureiro, dois outros cidadãos foram
“torturados e assassinados” na 8ª esquadra. Segundo o pai de uma das vítimas, citado
pela irmã de Zeca, o jovem terá sido morto pela polícia quando assistia à perseguição de
um grupo suspeito de roubo.

Os casos - denunciados num artigo do Maka Angola assinado por Rafael Marques - não
são inéditos, diz o ativista e jornalista angolano. “As execuções sumárias sempre foram
uma prerrogativa do Governo de José Eduardo dos Santos, sempre foram usadas.
Acontece que, agora, com as redes sociais, há uma maior interação entre os cidadãos, e
as execuções começam a ser cada vez mais denunciadas”, explica Rafael Marques.
Ativista e jornalista angolano Rafael Marques

“Por exemplo, esta terça-feira (6.09), uma família divulgou a fotografia de um jovem
morto numa dessas arbitrariedades da Polícia Nacional. Mas acontece todos os dias”,
frisa. “Os crimes cometidos pela Polícia Nacional a 31 de agosto atingiram níveis
máximos de crueldade, mesmo para os padrões da violência policial em Angola”,
escreve o ativista no artigo publicado na terça-feira (6.09) no Maka Angola sobre as
mortes na 8ª esquadra, no Rangel. No mesmo dia, Rafael Marques recebeu várias
denúncias de violência policial em Angola. “Eu reportei o caso de 31 de agosto, mas, já
esta terça-feira, recebi mais informações: dois jovens foram mortos e os seus corpos
abandonados em Viana e uma criança terá sido atingida por uma bala perdida. É um
processo contínuo.”

Polícia “passa culpa” para SIC

A DW África tentou, sem sucesso, ouvir a Polícia Nacional sobre estes casos. Por sua
vez, o Ministério do Interior remeteu mais informações para um comunicado de
imprensa que, até à hora da publicação deste artigo, ainda não tinha sido divulgado.

Segundo Rafael Marques, a Polícia Nacional remete responsabilidades para o Serviço


de Investigação Criminal (SIC) - que está dependente do ministro do Interior e não do
Comando Geral da Polícia. Um facto, diz o jornalista, que não isenta os agentes
policiais de culpa, uma vez que “estas acções acontecem, regra geral, em unidades
policiais”.

“A Polícia Nacional tem o dever de proteger os cidadãos. Se a Polícia permite que um


órgão de investigação torture e mate nas suas instalações, é porque é cúmplice e
subscreve este tipo de práticas”, afirma Rafael Marques.

Ouvir o áudio 03:54

Aumentam denúncias de violência policial em Angola


O jornalista acredita que as autoridades angolanas estão a tentar criar um clima de
medo, em resposta ao aumento exponencial da criminalidade em Luanda, devido à crise
que o país atravessa. E afirma que está agora a nu “a carga altamente criminosa do
Governo, que durante muitos anos foi disfarçada com oportunidades que [o Executivo]
ofereceu a muitas entidades estrangeiras e muitos países, passando a ter um ar de
sofisticação”.

“Com o desaparecimento desta imagem de sofisticação, cada vez mais nos


confrontamos com a realidade: é esta, de matança”, conclui Rafael Marques.

Justiça ao lado do Governo

O ativista angolano lamenta ainda que a Justiça esteja do lado das autoridades, quando
cometem abusos. Rafael Marques lembra o caso de Rufino, o jovem de 14 anos morto a
5 de agosto por elementos das Forças Armadas Angolanas, quando contestava a
demolição de casas no Zango, em Luanda.

“O Presidente do Tribunal Supremo Militar diz que ‘ouviu dizer' que um militar
disparou contra uma criança de 14 anos em legítima defesa. O próprio Estado Maior do
Exército fez um comunicado a dizer que foram encontradas duas armas na posse do
jovem. Um rapaz de 14 anos”, sublinha o jornalista. “Nem se pode falar de justiça neste
país. Isto revela o nível de cumplicidade e apoio que este tipo de abusos tem do sistema
judicial. Foi filmado, há fotografias? Onde estão as armas? Só mentiras”, afirma.

Zona do Zango II onde Rufino António, de 14 anos, foi atingido

Comunidade internacional também é culpada

O ativista angolano considera que o ciclo de violência no país só pode ser travado “com
denúncias e condenações”. Para além Justiça angolana, Rafael Marques aponta ainda o
dedo à comunidade internacional, que acusa de compactuar com o Governo de Angola
no que diz respeito às violações dos direitos humanos.
Exemplifica com “os políticos portugueses” que vão sempre a Angola, lembrando que
Paulo Portas, antigo vice-primeiro-ministro afirmou recentemente no país que “o
problema dos angolanos é dos angolanos e os portugueses só têm que lidar com os
negócios em Angola”.

“Esses indivíduos vêm certificar, com a maior desfaçatez, a violação dos direitos
humanos neste país, como se fosse um ato de pretos, como que a dizer ‘os pretos podem
matar-se uns aos outros e está tudo bem, desde que dêem negócios aos brancos'. Este
regime só consegue fazer este tipo de abusos porque tem apoio internacional”, frisa
Rafael Marques.

“É preciso denunciar esse tipo de situações, porque, sem apoio internacional, o povo já
estaria pelo pescoço desses dirigentes”, conclui.

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Links externos

A denúncia chegou ao portal Maka Angola

 Data 07.09.2016
 Autoria Maria João Pinto
 Assuntos relacionados Angola, Corrupção, Corrupção em Angola, Direitos
Humanos em Angola, Luanda, Movimento Popular de Libertação de Angola
(MPLA) , Rafael Marques, Petróleo em Angola, Eleições em Angola, Eleições
de 2017 em Angola
 Palavras-chave Rafael Marques, Polícia Nacional, Angola, execuções sumárias,
violência policial, Luanda, Maka Angola, Rufino, Rufino António
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