Você está na página 1de 4

A ecologia do desenvolvimento humano:

experimentos naturais e planejados


Paola Biasoli Alves1,2

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Falar sobre a Ecologia do Desenvolvimento Humano e sobre Urie Bronfenbrenner é, basicamente,


ressaltar que estamos nos desenvolvendo contextualmente, apoiados em quatro níveis dinâmicos e
interrelacionados: a Pessoa, o Processo, o Contexto e o Tempo. Antes porém, há que se dizer que
esta é uma abordagem teórico-metodológica cuja principal referência, Bronfenbrenner, é um
pesquisador vivo, com intensa atividade científica e acadêmica, portanto, é uma Abordagem em
constante construção, fortemente ligada a história de seus autores.

Nosso objetivo aqui é descrever o livro A Ecologia do Desenvolvimento Humano: Experimentos


Naturais e Planejados, cuja leitura é fundamental para a compreensão deste modelo teórico e para o
planejamento de pesquisas que tenham como objetivo uma visão ecológica do desenvolvimento.
Pontuado este objetivo, é interessante trazer alguns dados acerca da vida de Bronfenbrenner,
permitindo aos leitores uma proximidade maior entre autor e modelo teórico.

Urie Bronfenbrenner nasceu em 29 de abril de 1917, em Moscou, num momento de profundas


transformações sociais e políticas (o início da ascenção comunista). Veio ainda criança para os
Estados Unidos, sendo criado dentro da tradição judaica, convivendo desde então, em um ambiente
multicultural, tendo contato com diferentes grupos étnicos e culturais durante sua escolarização
(Krebs, 1995). Acentuando seu contato com diferentes modos de viver e pensar, Bronfenbrenner
morava com os pais em uma instituição rural para o tratamento de pessoas com retardo mental, com
idade variando entre três e oitenta anos. Formado em Psicologia e Música pela Universidade de
Cornell, durante os cursos de graduação e, posteriormente, em sua vida acadêmica, estiveram
presentes autores como Kurt Lewin, Ted Newcomb e David Levy, entre outros. Todos eles com
importantes colaborações na formulação e desenvolvimento dos pressupostos da Abordagem
Ecológica, que tem seu início na década de setenta (Krebs, 1995).

Em seu livro, Bronfenbrenner apresenta uma proposta ecológica de desenvolvimento, na qual


existem aspectos fundamentais, diferentes dos da psicologia clínica (diádica) e científica
(laboratorial e psicodiagnóstica) realizada até então. A Abordagem Ecológica do Desenvolvimento
privilegia os aspectos saudáveis do desenvolvimento, os estudos realizados em ambientes naturais e
a análise da participação da pessoa focalizada no maior número possível de ambientes e em contato
com diferentes pessoas - díades, tríades, etc (Bron-fenbrenner, 1996). O desenvolvimento humano
é, então, definido como "o conjunto de processos através dos quais as particularidades da pessoa e
do ambiente interagem para produzir constância e mudança nas características da pessoa no curso
de sua vida" (Bronfenbrenner, 1989, p.191). O livro valoriza os processos psicológicos e sua relação
com as multideterminações ambientais, sem negligenciar a importância dos fatores biológicos no
decorrer do desenvolvimento. Dividido em quatro partes, apresenta: Uma Orientação Ecológica,
onde o autor pontua os conceitos básicos sobre os quais irá tratar; Elementos do Ambiente, que
discute a importância das relações interpessoais, a vivência em diferentes sistemas e o desempenho
de papéis; A Análise dos Ambientes, tratando os temas da inserção de ambientes naturais como
ambientes de pesquisa, e a visão ecológica de desenvolvimento possível dentro de instituições
(creches, escolas, etc); e Além do Microssistema, que traz discussões aprofundadas sobre três
sistemas ecológicos: mesossistema, exossistema e macrossistema, sempre apontando para a
dinâmica de interação entre estes contextos. No decorrer destas quatro partes, Bronfenbrenner cita
14 definições, oito proposições e 50 hipóteses, esclarecendo os direcionamentos teóricos da
Abordagem e comentando estudos sobre desenvolvimento realizados por diversos pesquisadores.

Entre as definições trazidas por Bronfenbrenner, existem algumas que são essenciais, para serem
apresentadas e discutidas em conjunto com a visão ecológica do desenvolvimento em pesquisa.
Primeiro, dentro de um projeto de pesquisa, há que se definir qual será a pessoa em
desenvolvimento focalizada. A partir daí, busca-se com-preender a forma como ela está inserida e se
desenvolvendo nos diferentes sistemas ambientais, que são dinâmicos e vivenciados
concomitantemente.

Tomemos como exemplo uma criança que nasce em uma família nuclear (com pai e mãe), em
situação econômica adequada3. Ao nascer, ela passa a fazer parte deste ambiente familiar, onde
receberá os cuidados básicos necessários. Este é para ela seu primeiro sistema, o microssistema, que
é definido como sendo o ambiente onde a pessoa em desenvolvimento focalizada estabelece
relações face-a-face estáveis e significativas. Neste sistema, é fundamental que as relações
estabelecidas tenham como características: reciprocidade (o que um indivíduo faz dentro do
contexto de relação influencia o outro, e vice-versa), equilíbrio de poder (onde quem tem o domínio
da relação passa gradualmente este poder para a pessoa em desenvolvimento, dentro de suas
capacidades e necessidades) e afeto (que pontua o estabelecimento e perpetuação de sentimentos -
de preferência positivos - no decorrer do processo), permitindo em conjunto vivências efetivas
destas relações também em um sentido fenomenológico (internalizado).

A participação da criança em mais de um ambiente com as características descritas acima a introduz


em um mesossistema, que é definido como um conjunto de microssistemas. A transição da criança
de um para vários microssistemas abrange o conhecimento e participação em diversos ambientes (a
família - nuclear e extensa -, a escolinha, a vizinhança, etc), consolidando diferentes relações e
exercitando papéis específicos dentro de cada contexto. Num sentido geral, este processo de
socialização promove seu desenvolvimento. Esta passagem, chamada por Bronfenbrenner de
transição ecológica, é mais efetiva e saudável na medida em que a criança se sente apoiada e tem a
participação de suas relações significativas neste processo.

Ao tratar do exossistema, Bronfenbrenner considera os ambientes onde a pessoa em


desenvolvimento não se encontra presente, mas cujas relações que neles existem afetam seu
desenvolvimento. As decisões tomadas pela direção da escolinha, os programas propostos pelas
associações de bairro, as relações de seus pais no ambiente de trabalho são exemplos do
funcionamento deste amplo sistema. Além do exossistema, Bronfenbrenner descreve o
macrossistema, que abrange os sistemas de valores e crenças que permeiam a existência das
diversas culturas, e que são vivenciados e assimilados no decorrer do processo de desenvolvimento.
É importantíssimo dizer que a relação entre estes quatros sistemas, quando analisada aparece
profundamente coerente, demarcando a interação dinâmica entre eles.

Segundo Bronfenbrenner, a pesquisa que se pretende ecológica deve conter dados relativos ao
maior número de sistemas dos quais a pessoa focalizada participa. Desta forma, a Abordagem
Ecológica do Desenvolvimento privilegia estudos longitudinais, com destaque para instrumentos
que viabilizem a descrição e compreensão dos sistemas da maneira mais contextualizada possível.
Contudo, nada impede o pesquisador de se interessar somente por aspectos de um único
microssistema da pessoa focalizada. Seu estudo terá características ecológicas na medida em que a
realização da pesquisa e a discussão dos resultados não ignorem aspectos relativos aos demais
sistemas e suas possíveis influências dentro do processo estudado.

O livro A Ecologia do Desenvolvimento Humano: Experimentos Naturais e Planejados traz para os


leitores uma visão de desenvolvimento humano plenamente contextualizada. Bronfenbrenner
explicita a necessidade dos pesquisadores estarem atentos para a diversidade que caracteriza o
homem - seus processos psicológicos, sua participação dinâmica nos ambientes, suas características
pessoais e sua construção histórico-sócio-cultural. Aponta para uma série de estudos realizados,
onde faz críticas sociais e salienta aspectos éticos, fundamentais na estruturação de um projeto de
pesquisa e na divulgação dos dados.

Originalmente publicado em 1979, e com a versão em português completando um ano, é um livro a


ser conhecido e que traz uma visão de pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento ampla,
instrumentalizando teórica e metodologicamente pesquisadores interessados nas mais diversas
relações pessoa-ambiente, em diferentes contextos sócio-culturais. No conhecimento da Abordagem
Ecológica do De-senvolvimento, esta é uma primeira leitura, que traz conceitos básicos. No
decorrer das obras do autor, estes conceitos vêm sendo aperfeiçoadas e novos pressupostos são
apresentados e discutidos, tornando os quatro núcleos de análise do desenvolvimento (Pessoa,
Processo, Contexto e Tempo) teoricamente acessíveis e contextualizados dentro do modelo
ecológico de pesquisa.

Urie Bronfenbrenner

Escrever sobre Bronfenbrenner era fascinante e emocionante enquanto ele estava entre nós
fisicamente, porque ele nutria nossas palavras com sua vivacidade e nos dava a garantia de uma
excelente interlocução. Tivemos boa ventura nisto, porque sua vida foi longa. Mas como ele mesmo
nos revelou: "dias são números, e numerados por natureza. E eu tenho evitado o efeito último, por
mais tempo que muitos, mas este efeito inevitável é provável que seja logo", e este dia chegou. Urie
Bronfenbrenner faleceu em sua casa, em Ithaca, New York, no dia 25 de Setembro de 2005, aos 88
anos.
Bronfenbrenner nasceu em Moscou em 29 de abril de 1917 e foi para os Estados Unidos aos
seis anos de idade, após experimentar forte privação no seu país de nascimento e a conseqüente
morte de um irmão. Viveu toda sua vida neste país, mas sempre manteve suas raízes russas,
marcadas pelo cultivo da cultura e da língua-mãe. Completou seus estudos fundamentais em
Haverstraw, no estado de Nova York, e recebeu seu grau de Bacharel em Psicologia e Música, em
1938, por Cornell. Fez Mestrado na Harvard University e o Doutorado na University of Michigan
terminando em 1942. Foi casado com Liese, com quem teve seis filhos e 13 netos, e uma bisneta.
Talvez pudesse ser mais difícil escrever sem termos ele por perto para alimentar o diálogo. No
entanto seus ensinamentos, sua alegria e muitas doces lembranças nos despertam a vontade de
continuar. Definitivamente sua capacidade de mudar o mundo está marcada em suas obras, que são
maiores e mais intensas do que os vários livros e artigos escritos. Ele mudou a forma como muitos
cientistas vêem o mundo, e o fez para melhorar a qualidade de vida de muitos. Sua teoria sobre a
ecologia do desenvolvimento humano tem sido responsável por isto, desde 1979. O fato de ser
aberto ao diálogo e à revisão de seu próprio pensamento manteve suas idéias em constante
discussão e revisão, apropriando-se dos fatos do cotidiano e da evolução da ciência em várias
disciplinas. Soube como poucos acolher e responder aos seus críticos, fez questão de romper com os
padrões, para buscar sempre novas e mais eficazes formas de produzir e aplicar seu conhecimento.
Bronfenbrenner é, ainda e portanto, um proeminente Ecologista Humano, pois estava sempre na
busca do equilíbrio entre o ser humano e o seu ambiente, na tentativa de que ambos não se
extinguissem mutuamente. Fundou, junto a outros profissionais, em 1965, o Programa Head Start,
destinado a crianças e famílias de baixa renda. Foi Professor Emérito Jacob Gould Schurman em
Desenvolvimento Humano e Psicologia de Cornell University, onde iniciou em 1948 suas
atividades e passou a maior parte de sua vida profissional. Em 1993, em sua homenagem, a
universidade renomeou o instituto no qual ele ensinava como Bronfenbrenner Life Course Institute.
Suas idéias iluminaram modelos teóricos e metodológicos de pesquisa e também
fundamentalmente políticas sociais. Foi um lutador pelos direitos humanos e especialmente pelos
direitos das crianças no seu país de residência e em muitos outros países pelo mundo, enfatizando a
necessidade de atentarmos para a gravidade das condições ecológicas de vida atual e para a
preparação em superar problemas no futuro próximo, com ações efetivas e imediatas em favor de
crianças e famílias.
Editou como autor principal ou em co-autoria mais de 300 artigos científicos e capítulos, e
catorze livros, sendo o mais marcante o “Ecologia do Desenvolvimento Humano (The Ecology of
Human Development)”, editado em 1979 (traduzido para o Português em 1996), pois apresentava a
primeira formalização de sua teoria. Em 2004, publicou seu último livro "Making Human Beings
Human", ainda não traduzido para o Português, que é uma compilação e atualização de seus
principais estudos ao longo da vida. Como o próprio título deste último livro aponta sua
preocupação maior que foi sempre “Fazer Seres Humanos Humanos”.
A abordagem bioecológica do desenvolvimento humano, como Bronfenbrenner chamou mais
recentemente sua teoria, propiciou muitos vínculos entre várias disciplinas, permitindo uma visão
mais integrada do ser humano, de seu contexto, de sua história de vida, rotinas e processos de
desenvolvimento. Rompeu barreiras entre as ciências sociais, permitindo uma ampla
visualização e compreensão de como diversos níveis de sistemas interagem de forma complexa e
dinâmica e podem exercer influência sobre o desenvolvimento humano ao longo do curso de vida
da pessoa. Da mesma maneira, enfatizou o fato de esta pessoa em desenvolvimento poder
retroalimentar estes sistemas e gerar mudanças nos mesmos.
Bronfenbrenner sempre foi um exemplo de pesquisador e profissional. Sua carreira foi marcada
pela alegria de compartilhar seus conhecimentos com seus seguidores, pela premência de
transformar em aplicação suas idéias para melhorar a qualidade de vida dos seres humanos e pela
auto-exigência constante em publicar seus achados.
Bronfenbrenner era uma pessoa otimista e sempre dizia, ao despedir-se de alguém: - “Até nosso
próximo encontro!”, porque tinha a esperança que cada um de nós voltaria a discutir com ele as suas
idéias e as intrigantes questões que gostava de responder. Nem sempre respondia e isto ainda o
fascinava mais marcadamente. Mas é certo que todos nós, que visualizamos um mundo melhor,
voltaremos sempre às suas idéias e buscaremos nelas uma resposta para melhorar a qualidade de
vida do mundo que nos cerca.

Sílvia Koller (Texto completo)

Você também pode gostar