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CADERNOS DE CAPACITAÇÃO

EM RECURSOS HÍDRICOS

VOLUME 1
O COMITÊ DE
BACIA HIDROGRÁFICA
O QUE É E O QUE FAZ?
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA
O QUE É E O QUE FAZ?

CADERNOS DE CAPACITAÇÃO
EM RECURSOS HÍDRICOS

VOLUME 1
República Federativa do Brasil
Dilma Vana Rousseff
Presidenta

Ministério do Meio Ambiente


Izabella Mônica Vieira Teixeira
Ministra

Agência Nacional de Águas


Diretoria Colegiada
Vicente Andreu Guillo (Diretor-Presidente)
Dalvino Troccoli Franca
Paulo Lopes Varella Neto
João Gilberto Lotufo Conejo
Paulo Rodrigues Vieira

Secretaria-Geral (SGE)
Mayui Vieira Guimarães Scafuto

Procuradoria-Geral (PGE)
Emiliano Ribeiro de Souza

Corregedoria (COR)
Elmar Luis Kichel

Auditoria Interna (AUD)


Edmar da Costa Barros

Chefia de Gabinete (GAB)


Horácio da Silva Figueiredo Júnior

Coordenação de Articulação e Comunicação (CAC)


Antônio Félix Domingues

Coordenação de Gestão Estratégica (CGE)


Bruno Pagnoccheschi

Superintendência de Apoio à Gestão de Recursos Hídricos (SAG)


Rodrigo Flecha Ferreira Alves

Superintendência de Planejamento de Recursos Hídricos (SPR)


Ney Maranhão

Superintendência de Gestão da Rede Hidrometeorológica (SGH)


Valdemar Santos Guimarães

Superintendência de Gestão da Informação (SGI)


Sérgio Augusto Barbosa

Superintendência de Implementação de Programas e Projetos (SIP)


Ricardo Medeiros de Andrade

Superintendência de Regulação (SRE)


Francisco Lopes Viana

Superintendência de Usos Múltiplos (SUM)


Joaquim Guedes Corrêa Gondim Filho

Superintendência de Fiscalização (SFI)


Flávia Gomes de Barros

Superintendência de Administração, Finanças e Gestão de Pessoas (SAF)


Luís André Muniz
Agência Nacional de Águas
Ministério do Meio Ambiente

O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA


O QUE É E O QUE FAZ?

CADERNOS DE CAPACITAÇÃO
EM RECURSOS HÍDRICOS

VOLUME 1

Brasília – DF
2011

3
© Agência Nacional de Águas (ANA), 2011.
Setor Policial Sul, Área 5, Quadra 3, Blocos B, L, M e T.
CEP 70.610-200, Brasília, DF PABX: 61 2109 5400
www.ana.gov.br

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Superintendência de Apoio à Gestão de
Equipe técnica Recursos Hídricos
Celina Maria Lopes Ferreira; Fernanda Laus
Coordenação, acompanhamento de Aquino; José Carlos de Queiroz; Osman
e elaboração Fernandes da Silva; Ricardo Dinarte Sandi;
Superintendência de Apoio à Gestão de Rosana Mendes Evangelista; Tânia Regina
Recursos Hídricos Dias da Silva; Viviani Pineli Alves

Rodrigo Flecha Ferreira Alves


Superintendente de Apoio à Gestão de Consultora
Recursos Hídricos Golde Maria Stifelman
Coordenação-Geral

Wilde Cardoso Gontijo Júnior Outros colaboradores


Gerente de Gestão de Recursos Hídricos (até Ana Cristina Monteiro Mascarenhas;
março de 2010) Rosana Garjulli
Coordenação-Geral

Flávia Simões Ferreira Rodrigues Parceiros Institucionais


Coordenação-Executiva Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco
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reprodução de dados e de informações contidos
Cadernos de Capacitação nesta publicação, desde que citada a fonte.
em Recursos Hídricos – volume 1
Fotos: Banco de Imagens da ANA

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Direção de Arte – Carlos André Cascelli
Editoração e Ilustração – Rael Lamarques
Revisão – Danúzia Queiroz
www.tdabrasil.com.br

Catalogação na fonte: CEDOC/Biblioteca

A265c Agência Nacional de Águas (Brasil).

O Comitê de Bacia Hidrográfica: o que é e o que faz? / Agência


Nacional de Águas. -- Brasília: SAG, 2011.

64 p. : il. -- (Cadernos de capacitação em recursos hídricos ; v.1)

ISBN 978-85-89629-76-8

1. comitê de bacia 2. bacia hidrográfica 3. capacitação 4. recursos hídricos

I. Agência Nacional de Águas (Brasil) II. Superintendência de Apoio à


Gestão de Recursos Hídricos III. Título

CDU 556.51(81)(075.2)
APRESENTAÇÃO
A Política Nacional de Recursos Hídricos foi O quarto volume concentra-se em outro ente
instituída pela Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de do Singreh: a Agência de Água ou Agência de
1997. O conhecimento e a divulgação de seus Bacia. São apresentadas as competências, os
conceitos, muitos deles inovadores, são formas pré-requisitos para criação, os possíveis arran-
de fortalecê-la e consolidá-la. jos institucionais para constituição, o contrato
de gestão na política de recursos hídricos e os
A Agência Nacional de Águas (ANA), criada por demais temas afins.
meio da Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, e
instalada a partir da edição do Decreto nº 3.692, O quinto volume concentra-se nos instrumentos
de 19 de dezembro do mesmo ano, completa em de planejamento da política: os planos de re-
2010 uma década de existência e funcionamento. cursos hídricos e o enquadramento dos corpos
d’água em classes segundo os usos preponde-
Dando prosseguimento à sua desafiadora rantes. Tópicos como: o que são, a importância
missão de implementar a Política Nacional de e como construir esses instrumentos são apro-
Recursos Hídricos, a ANA apresenta, em co- fundados nesse volume.
memoração aos seus dez anos, essa série de
cadernos com o objetivo de discorrer, de for- O sexto volume aborda a outorga de direito
ma sucinta, sobre os instrumentos previstos de uso de recursos hídricos. Apresenta bre-
na Lei das Águas, bem como sobre o Sistema ve histórico do instrumento, seus aspectos
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hí- legais, outorga para diversas finalidades de
dricos (Singreh). uso, dentre outros. Além da outorga, o volu-
me apresenta também alguns aspectos da
O primeiro volume discorre sobre um dos entes fiscalização e do cadastro de usuários de re-
do Singreh: o comitê de bacia hidrográfica. São cursos hídricos.
apresentados o contexto histórico da criação
dos comitês, as atribuições, como e por que O sétimo volume discorre sobre a cobrança
criá-los e as diferenças quando comparados a pelo uso de recursos hídricos – a importância
outros colegiados. do instrumento, passos para sua implemen-
tação, mecanismos e valores, além de algu-
O segundo volume tem o objetivo mais prático: mas experiências brasileiras na implementa-
orientar o funcionamento dos comitês de bacia. ção da cobrança.
São apresentados a estrutura organizacional, o
papel de cada um dos elementos constituintes O oitavo volume tem o objetivo de apresentar
(Plenário, Diretoria, Secretário, Câmaras Téc- a importância dos sistemas de informações
nicas, Grupos de Trabalho etc.), exemplos de sobre recursos hídricos para avanço da ges-
documentos e informações úteis para o funcio- tão da água, com destaque para o Sistema
namento do comitê. Nacional de Informações sobre Recursos Hí-
dricos (Snirh).
O terceiro volume aborda alternativas organiza-
cionais para gestão de recursos hídricos. São Esperamos com essas publicações estimular a
apresentados exemplos exitosos de gestão de pesquisa e a capacitação dos interessados na
águas em escalas locais, passando por instân- gestão de recursos hídricos, sobretudo aque-
cias de gestão de águas subterrâneas e de águas les integrantes do Singreh, fortalecendo assim
em unidades de conservação ambiental, chegan- todo o sistema.
do até os complexos arranjos institucionais de ge-
renciamento de águas de bacias transfronteiriças. Boa leitura!

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Figura 1 Ilustração representativa de um comitê de bacia hidrográfica 11
Figura 2 Múltiplos usos da água na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco 12
Figura 3 Matriz institucional do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos (Singreh) 24
Figura 4 Evolução da criação de comitês de bacias hidrográficas no Brasil no
período de 1988 a 2010 24
Figura 5 Evolução da criação de comitês de bacias hidrográficas no Brasil 25
Figura 6 Composição dos comitês de bacia segundo a Resolução nº 5/2000, do CNRH 35
Figura 7 Folder de divulgação do processo eleitoral de 2010 do CBHSF (frente) 36
Figura 8 Bacia do Rio Araguari e sua inserção nas demais bacias 42
Figura 9 Folder de divulgação do processo eleitoral de 2010 do CBHSF (verso) 43
Figura 10 Etapas do processo de instalação de comitês de bacia 43
Figura 11 Bacia do Rio Grande e sua subdivisão em bacias de rios afluentes ou regiões
hidrográficas com seus respectivos comitês 47
Figura 12 Bacia dos Rios Piranhas-Açu e Verde Grande 48
LISTA DE SIGLAS
ABRH Associação Brasileira de Recursos Hídricos
ANA Agência Nacional de Águas
CBH Comitê de Bacia Hidrográfica
CEEIBH Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas
CEEIG Comitê Executivo de Estudos Integrados da Bacia do Rio Guaíba
Ceivap Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul
CHESF Companhia Energética do São Francisco
CNPJ Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica
CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNRH Conselho Nacional de Recursos Hídricos
Cnumad Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento
Conama Conselho Nacional de Meio Ambiente
Copam Conselho de Política Ambiental
Copasa Companhia de Saneamento de Minas Gerais
CRH Conselho de Recursos Hídricos
CTAI Câmara Técnica de Articulação Institucional
CTHIDRO Fundo Setorial de Recursos Hídricos
Dnocs Departamento Nacional de Obras contra as Secas
Dnos Departamento Nacional de Obras de Saneamento
Fepam Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler – Rio Grande do Sul (RS)
FIEMG Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
GAI Grupo de Articulação Interinstitucional
Gamar Grupo de Acompanhamento do Marco Regulatório
GTAI Grupo Técnico de Articulação Institucional
GTO Grupo Técnico Operacional
Ingá Instituto de Águas e Gestão do Clima da Bahia
MME Ministério de Minas e Energia
ONU Organizações das Nações Unidas
PNRH Plano Nacional de Recursos Hídricos
Sabesp Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
Singreh Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
Sisnama Sistema Nacional do Meio Ambiente
Foto: Projeto de Irrigação, Rio Piancó - PB / Banco de imagens da ANA

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CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1
1

Foto: Menina bebendo água - Eraldo Peres


/ Banco de imagens da ANA
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Comitê, do latim committere, significa “confiar, No desenho, pode-se perceber um conjunto de
entregar, comunicar”. É o termo empregado para pessoas, provavelmente com diferentes visões e
dar significado à comissão, à junta, à delegação,   atuações, debruçadas sobre um território delimi-
à reunião de pessoas para debate e execução de tado, o da bacia hidrográfica.
ação de interesse comum (HOUAISS, 2001).

Bacia hidrográfica é a região compreendida


por um território e por diversos cursos d’água.
Da chuva que cai no interior da bacia, parte
escoa pela superfície e parte infiltra no solo.
A água superficial escoa até um curso d’água
(rio principal) ou um sistema conectado de cur-
sos d’água afluentes; essas águas, normal-
mente, são descarregadas por meio de uma
única foz (ou exutório) localizada no ponto
mais baixo da região. Da parte infiltrada, uma
parcela escoa para os leitos dos rios, outra
parcela é evaporada por meio da transpiração
da vegetação e outra é armazenada no subsolo
compondo os aquíferos subterrâneos.

Juntando os dois conceitos: comitê de bacia hi-


drográfica (CBH) significa o fórum em que um
grupo de pessoas se reúne para discutir sobre
um interesse comum – o uso d’água na bacia. Figura
Figura 1 – Ilustração
1 – Ilustração representativa
representativa de
de um Comitê
A figura 1 auxilia a visualização desse fórum. um
de Bacia comitê de Fonte:
Hidrográfica. bacia Unesco.
hidrográfica.
Fonte: UNESCO.  

11
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

A diversidade de interesses em relação ao uso Estes são alguns dos olhares sobre um mes-
da água, a distribuição desigual e o uso ina- mo cenário. Estes olhares nem sempre en-
dequado têm gerado conflitos e ameaçado a xergam a bacia hidrográfica como um todo.
garantia desse recurso para as gerações pre- A água disponível em seu território tem de
sentes e futuras. Reverter esse quadro e es- atender a demandas muitas vezes concor-
tabelecer acordos entre os múltiplos usos de- rentes: qual a quantidade de água necessária
mandam arranjos institucionais que permitem a para manutenção do ecossistema aquático?
conciliação dos diferentes interesses e a cons- Em que condições? São as mesmas para ge-
trução coletiva das soluções. ração de energia? E a irrigação? Seu uso está
concorrendo com as necessidades das hidre-
Os usos múltiplos das águas, seja para abaste- létricas? O lançamento de esgoto doméstico
cimento urbano, irrigação agrícola, uso indus- condiz com a qualidade necessária da água
trial, seja para geração de energia elétrica ou para abastecimento humano? E a indústria?
outros, podem ser conhecidos, quantificados, Quanto necessita para diluir seus efluentes
medidos com exatidão e serem o objeto princi- sem causar problemas para o abastecimento
pal do debate. Porém, a água também é neces- humano e para a biota?
sária para manter a vida dos ecossistemas, ou
seja, os usos ambientais, não menos importan- Considere-se uma situação real, em que vá-
tes, portanto, também precisam ser considera- rios usos d’água concorrem entre si: a Bacia
dos nessa discussão. Hidrográfica do Rio São Francisco. Nesta
bacia estão presentes 504 municípios e sete
Os interesses sobre os usos da água são bas- Unidades da Federação (UFs) – Alagoas,
tante distintos e condicionam um olhar particu- Bahia, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais,
lar do interessado. Pode-se imaginá-lo sob vá- Pernambuco e Sergipe. Segundo dados do
rias perspectivas. Plano de Recursos Hídricos da Bacia, aprova-
do em 2004, cerca de 16 milhões de pessoas
ali vivem. É considerada estratégica para o
Do ponto de vista do ecossistema aquático, a
País tanto pela sua extensão e disponibilida-
preocupação é com a qualidade e a quantidade
de de água quanto pelas múltiplas atividades
das águas do rio; sob a ótica energética, a preo-
produtivas nela desenvolvidas.
cupação se volta, sobretudo, para a quantidade
de água necessária para garantia das demandas
de energia; entretanto, a visão dos irrigantes fi-
xa-se na garantia de água, em quantidade e qua-
lidade, para o desenvolvimento de suas culturas.
Foto: Golde Maria Stifelman / Banco de imagens da ANA

Já a visão dos que desempenham atividades


ligadas ao lazer e ao turismo concentra-se na
paisagem, se esta corresponde aos anseios de
seus visitantes ou se a água é própria para o
banho; para empresa de saneamento, o inte-
resse volta-se tanto à qualidade quanto à quan-
tidade de água para distribuição à população;
as empresas responsáveis pela navegação es-
tão preocupadas com as condições da via na-
vegável – nível de água e condições da calha
do rio; os pescadores importam-se se o rio tem  
possibilidade de manter as espécies de peixes
Figura 2 – Múltiplos usos da água na Bacia
e em quantidade adequada para pesca. Hidrográfica do Rio São Francisco.

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O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

O maior parque industrial da bacia está situado A seguir, são apresentados exemplos de de-
em sua parte alta, mais próxima da nascente, poimentos que ilustram os diferentes pontos de
no estado de Minas Gerais. Nos trechos médio vista de agentes diretamente envolvidos com a
e baixo da bacia, a água é mais utilizada para a gestão das águas1:
agricultura irrigada. São cerca de 340 mil hec- Geração de Energia: a água do São
tares irrigados em toda a bacia. A navegação é Francisco é a matéria-prima principal da
realizada principalmente em seu trecho médio. CHESF2. Ela tem ciência de que essa
O uso da água para abastecimento humano e matéria-prima é fundamental para a vida
para diluição de efluentes também se estende e para todos os setores da sociedade que
por toda a bacia. A pesca artesanal, apesar de a utilizam. A CHESF utiliza essa água
seu declínio, ainda representa a fonte de sobre- obedecendo a diretrizes, regras e restri-
vivência de muitas famílias. Em relação ao po- ções e na palavra restrição está implícito
tencial hidráulico para geração de energia, exis- o respeito a todos os outros usos. Essas
te uma capacidade instalada que corresponde restrições são estabelecidas visando
a aproximadamente 14% de todo o potencial atender os outros usos da água – nave-
energético do País. gação, irrigação, pesca, turismo, lazer
entre outros (Sonali Cavalcante, Gerente
Há não só a concorrência entre usos e usuários da Divisão de Gestão de Recursos Hí-
internos, mas também com usos externos à ba- dricos da Companhia Energética do São
cia: o Projeto de Integração do Rio São Francis- Francisco – CHESF, 2008).
co com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Se-
tentrional (Projeto de Transposição) é exemplo Representante dos povos indígenas: a
de uso externo que não pode ser desprezado. gente tem a certeza, hoje, que as barra-
gens estão para servir ao capital e não a
Nem sempre a quantidade ou a qualidade da necessidade do povo que vive em suas
água presentes são adequadas ou suficientes margens. O que foi citado pelas apresen-
para atender às demandas dos diferentes usos. tações, na reunião do comitê, a água está
Nessas oportunidades, o conjunto complexo de para a geração de energia, para não ter
usos e usuários pode gerar embates entre os apagão e manter a chama acesa da barra-
interessados defendendo, cada qual, distintos gem (Maria José Gomes Marinheiro, Povo
pontos de vista sobre o uso da água. Pode-se, Tumbalalá, 2008).
então, caracterizar um conflito.
Saneamento: a água é elemento fun-
A solução desses conflitos deve passar pela damental para a vida, portanto, os cur-
elaboração de estudos técnicos, financeiros, sos de água devem ser protegidos. Um
econômicos e socioambientais, os quais objeti- dos maiores problemas do saneamen-
vam indicar alternativas, discutidas entre os en- to é o despejo de esgotos sanitários e
volvidos, que podem resultar na priorização de industriais, sem tratamento adequado,
determinados usos sobre outros. nestes cursos de água. A recuperação
dos cursos de água deve sempre ser
Não se pode deixar de registrar que a legislação conduzida por bacias hidrográficas vi-
brasileira garante como usos prioritários, em si- sando otimizar os recursos financeiros,
tuações de escassez, o abastecimento humano que no Brasil são escassos (Valter Vi-
e a dessedentação animal. lela, representante da Companhia de

1 Os depoimentos referentes ao setor elétrico e aos povos indígenas foram realizados no âmbito da pesquisa da Rede Ecovazão
(CNPQ/CT HIDRO, 2007-2009).
2 CHESF – Companhia Energética do São Francisco – operadora das hidrelétricas.

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

Saneamento de Minas Gerais – Copa- Como se vê, cada segmento defende interes-
sa/MG e vice-presidente do CBH do Rio ses que, em várias situações, são conflitan-
das Velhas, 2009). tes. Conflitos como esses não deveriam ser
tratados ou solucionados em espaços fecha-
Indústria: o setor industrial sofre as inter- dos, orientados somente pelas diretrizes go-
ferências dos outros usos na maioria das vernamentais ou soluções técnicas, sem um
bacias hidrográficas hoje, especialmen- ambiente público que permitisse a transparên-
te aquelas que drenam áreas urbanas. cia do processo de negociação e a participa-
O setor paga caro por um pré-tratamen- ção de todos os sujeitos envolvidos, direta ou
to da água antes de ser utilizada nos indiretamente, no problema. O comitê consti-
seus processos, pois quase sempre tui-se em ambiente favorável à resolução de
capta esgoto doméstico. O setor paga tais conflitos.
caro também na mídia, quando inves-
te milhões em estações de tratamento Nas últimas décadas, a formulação e a imple-
de efluentes, mas os resultados são mentação de políticas públicas têm agrega-
imperceptíveis por lançar em verdadei- do novos paradigmas a esses processos: a
ros esgotos a céu aberto. Sem falar em gestão descentralizada e participativa tem se
usos clandestinos e sem planejamento, mostrado como uma tendência internacional
a gerar conflitos, mesmo em bacias com (ARRETCHE, 1996). Essa mudança tem sido
potencial hídrico, e colocar em risco o justificada, principalmente, pela contribuição ao
investimento e tornar improvável qual- processo de democratização das relações polí-
quer ampliação futura (Patrícia Boson, ticas e para o aumento da eficiência e da eficá-
representante da Federação das Indús- cia das ações públicas.
trias do Estado de Minas Gerais – FIE-
MG, no CBH Doce, 2009). A participação na elaboração de orçamentos
municipais, a criação de conselhos de saúde,
Irrigação: devido às peculiaridades de de trânsito, de segurança, de educação, tam-
nossa bacia, com clima semiárido, a irri- bém, para debater questões relativas ao meio
gação se torna, em muitos casos, a única ambiente são exemplos das novas formas ins-
possibilidade de produção de alimentos, titucionais criadas nas últimas décadas para
além de apresentar necessidades hídricas estimular a participação direta nos assuntos
superiores a de outras regiões do país. [...] públicos (UTZIG, 1996).
O setor de irrigação sofre interferência prin-
cipalmente intrassetorial, ou seja, de outros Nesse contexto, a instituição da Política Nacio-
irrigantes. Pela natureza de nosso uso, que nal de Recursos Hídricos, definida pela Lei das
utiliza um grande volume em um ponto de Águas (Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997),
captação e o distribui sobre uma grande refletiu o esforço dos movimentos sociais e téc-
extensão de terra, acabamos funcionando nicos, que foram determinantes na criação de
como depuradores da poluição a montante, arranjos institucionais e possibilitaram maior
inclusive despejos sanitários. A maior parte participação de setores da sociedade envolvi-
da água consumida, que é por evapotrans- dos na gestão de recursos hídricos.
piração, é imediatamente purificada. A que
permanece no solo sofre a ação de microor- O comitê de bacia hidrográfica é, assim, a
ganismos que decompõem os agentes po- instância-base dessa nova forma de fazer po-
luentes em elementos não poluentes (João lítica: descentralizada por bacia hidrográfica
Gustavo de Paula, representante da Farpal e contando com a participação dos poderes
Agropastoril e Participações Ltda., membro públicos, dos usuários e das organizações da
do CBH Verde Grande, 2009). sociedade civil.

14
2

Foto: XVI plenária do Comitê da Bacia Hidrográfica do


Rio São Francisco (CBHSF) - Flávia Simões / Banco
de imagens da ANA
COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA
Os conflitos pelo uso da água não surgiram tem toda a sua vazão comprometida, exigindo
hoje e são recorrentes em toda a história da uma derivação das águas do Rio São Francis-
humanidade; o que se modifica é a forma como co para atender outras demandas.
as sociedades se organizam para enfrentá-los.
Outro exemplo é o Rio Tietê, em São Paulo.
A água doce é recurso vital para sobrevivên- A partir da década de 1940, com a industria-
cia das civilizações e, em casos de escassez, lização crescente da capital paulista e do seu
constitui-se como fator limitante na implemen- entorno, acompanhada pelo aumento popula-
tação de atividades econômicas típicas das so- cional, o rio sofreu um processo de degradação
ciedades modernas. ambiental resultante do lançamento de efluen-
tes domésticos e industriais.

A intensificação do uso da água, causada pela


ampliação da produção de alimentos e demais Em São Paulo, há ainda o caso do Sistema
bens de consumo, provocou problemas ambien- Cantareira que abastece cerca de 9 milhões de
pessoas por meio da transposição de águas das
tais ameaçando, inclusive, sua conservação.
Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí
para a Região Metropolitana (RM) de São Pau-
No Brasil, há alguns exemplos de como a falta lo. O crescimento desordenado da metrópole
de planejamento e gestão tem colocado em ris- paulista teve como consequência a necessida-
co os usos múltiplos da água. de de transposição de água de outras bacias,
gerando conflito com as bacias doadoras. Em
O Rio Salitre, no estado da Bahia, afluente do 2004, no processo de renovação da outorga
Rio São Francisco, devido à intensificação da de direito de uso do Sistema Cantareira, foram
captação de água para atendimento a projetos firmados acordos definindo regras de uso para
de irrigação, em determinados períodos do ano, as partes, metas de redução de perdas de água

15
2 COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

e medidas compensatórias para as bacias do- em conjunto por diversos órgãos envolvidos
adoras, tais como: implantação de sistemas de com a gestão de recursos hídricos) estabele-
tratamento de esgotos e programas de raciona- ceu mecanismos para enfrentar a escassez de
lização do uso da água e educação ambiental. água na bacia, com a introdução de compen-
Isso ocorreu após intensos debates entre as sações técnico-financeiras para incentivar a
partes envolvidas: comitês das bacias doadora substituição da cultura do arroz por culturas de
e receptora, órgãos gestores de recursos hídri- menor consumo de água e garantir esse insu-
cos, Companhia de Saneamento Básico do Es- mo para abastecimento às populações. A expe-
tado de São Paulo (Sabesp), que é o principal riência aumentou o nível de conscientização da
usuário das águas transpostas. sociedade para importância da gestão da água.

Já no Sul do Brasil, há o exemplo da Bacia Diversos outros exemplos poderiam reforçar a


do Rio Itajaí, região propensa a problemas de necessidade de criação de arranjos institucio-
enchentes. Com a extinção do antigo Depar- nais que promovam o acordo entre os setores
tamento Nacional de Obras de Saneamento usuários com as políticas públicas e com as
(Dnos), em 1990, a manutenção das estrutu- múltiplas visões da sociedade civil para a ade-
ras de contenção de cheias foi gradativamente quada tomada de decisão sobre o destino das
abandonada pelo poder público, fato que gerou águas – os comitês de bacia fazem parte des-
a mobilização da sociedade local para resolu- ses arranjos. Para se entender melhor tal pro-
ção do problema. Tal mobilização culminou com posta, será feita, a seguir, a reconstituição do
a criação do Comitê de Bacia do Rio Itajaí. contexto e das forças que permitiram essa nova
forma de organização para gestão das águas.
Por falar em enchentes, essa questão está
entre as mais urgentes da Bacia do Rio Doce
pelas proporções que tem assumido, pelo ras- 2.1
tro de problemas sociais que deixa e pela vul- CONTEXTO EM QUE SE INSEREM OS COMITÊS DE BACIA:
nerabilidade que a bacia apresenta a eventos AMBIENTE, ESTADO E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE
críticos recorrentes, agravados ano após ano A partir da década de 1970, observou-se uma
pelo desmatamento e pela ocupação indevida crescente preocupação com as questões relacio-
do solo, ações antrópicas que deflagram pro- nadas ao meio ambiente. O contexto internacio-
cessos erosivos indesejáveis. nal já vinha apontando a necessidade de adoção
de uma nova concepção em relação ao ambiente
Voltando ao Nordeste, pode ser citado o caso por parte dos governos e da sociedade.
do estado do Ceará, que tem quase todo o seu
território em região semiárida e que depende O Clube de Roma, composto por cientistas,
de açudes para perenização de seus rios. Em industriais e políticos, lançou em 1972 o rela-
2001, diante de um cenário extremo de seca tório Os Limites do Crescimento, o qual apon-
no Vale do Jaguaribe, houve a necessidade de tava a necessidade de congelar o crescimento
adoção de um plano de racionamento de uso de populacional, bem como o capital industrial.
água no setor de irrigação. O plano (construído O relatório teve repercussão internacional e foi

Há a necessidade de criação de arranjos institucionais que promovam o acordo entre os setores


usuários com as políticas públicas e com as múltiplas visões da sociedade civil para adequada
tomada de decisão sobre o destino das águas.

16
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

extensamente debatido durante a Conferência


de Estocolmo sobre Meio Ambiente, realizada
Desenvolvimento sustentável é aquele capaz
também em 1972, e que iniciou um processo
de suprir as necessidades da geração atual,
mais intenso de incorporação da consciência
sem comprometer a capacidade de atendi-
ecológica e dos princípios norteadores de pro-
mento às gerações futuras.
teção ambiental na agenda política das nações.

Em 1983, foi criada a comissão da Organiza-


ção das Nações Unidas (ONU) para levantar PRINCÍPIOS DA CONFERÊNCIA DE DUBLIN
os principais problemas ambientais do plane-
ta e sugerir estratégias para preservação do
(I) A água doce é um recurso finito e vulne-
meio ambiente. Como resultado, foi elaborado
rável, essencial para a manutenção da
o Relatório Brundtland3, que apontou para um
vida, para o desenvolvimento e para o
desenvolvimento econômico que não se dê em
meio ambiente.
detrimento da justiça social e da preservação
do planeta. Essa forma de desenvolvimento de-
sejada deveria ser sustentável. (II) O gerenciamento da água deve ser basea-
do na participação dos usuários, dos pla-
nejadores e dos formuladores de políticas,
Também, em 1983, foi realizado em Brasília o
em todos os níveis.
Seminário Internacional de Gestão de Recursos
Hídricos, representando o início dos debates
nacionais relativos a essa temática. A partir daí, (III) As mulheres desempenham um papel es-
foram realizados vários encontros nacionais de sencial na provisão, no gerenciamento e
órgãos gestores de recursos hídricos. na proteção da água.

Em 1986, o Ministério de Minas e Energia (IV) O reconhecimento do valor econômico


(MME) criou um Grupo de Trabalho cujo relató- da água.
rio recomendou a criação e a instituição do Sis-
tema Nacional de Gerenciamento de Recursos Ainda em 1992, foi realizada a Conferência das
Hídricos (Singreh), a busca de subsídios para Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvi-
instituir a Política Nacional de Recursos Hídri- mento (Cnumad), também conhecida como Rio
cos, a transição do Comitê Especial de Estudos – 92 ou Eco – 92. Nesse evento, representan-
Integrados de Bacias Hidrográficas (CEEIBH) e tes de 170 nações referendaram os princípios
dos respectivos comitês executivos de bacias de Dublin e aprovaram uma agenda mínima de
hidrográficas para um novo sistema e a institui- preservação e recuperação do meio ambiente
ção dos sistemas estaduais de gerenciamento – a Agenda 21.
de recursos hídricos. O resultado de todo esse
processo levou a inclusão, na Constituição Fe- Em movimento paralelo, durante 1980 e 1990,
deral de 1988, de competência da União para com a retomada do regime democrático no
legislar sobre a instituição do Singreh. Brasil, algumas inovações institucionais foram
se efetivando na gestão das políticas públi-
A Conferência de Dublin, realizada em 1992, cas, sobretudo por pressão de movimentos
apontou a existência de sérios problemas relacio- sociais que demandavam maior participação
nados à disponibilidade hídrica e estabeleceu da sociedade na elaboração de políticas pú-
princípios para a gestão sustentável da água. blicas. Assim, foram formuladas estruturas de

3 É conhecido por Relatório Brundtland por ser escrito a partir da reunião presidida pela primeira ministra da Noruega,
Gro Harlem Brundtland.

17
2 COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

gerenciamento com a participação de entida- pioneiros na forma de atuação de um conselho


des da sociedade civil. de cunho governamental, pois incluiu repre-
sentantes da sociedade civil na sua compo-
É nesse contexto que estados brasileiros pas- sição. A Lei nº 6.938/1981, que estabelece a
sam a discutir e fundamentar suas leis para a Política Nacional do Meio Ambiente e constitui
gestão de recursos hídricos, tendo como base o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisna-
alguns princípios: ma), consolida esse processo de participação
• gestão descentralizada, integrada e par- social na gestão ambiental quando cria o Con-
ticipativa da água; selho Nacional de Meio Ambiente (Conama),
• bacia hidrográfica como unidade territo- composto por membros dos Poderes Executivo
rial de planejamento e gestão; e Legislativo, bem como por representantes da
• água como um bem público e com va- sociedade civil organizada.
lor econômico;
• instrumentos de planejamento e regula- A estratégia de inclusão de setores sociais
ção por bacia; e em processos participativos de gestão pública
• instrumentos econômicos para a gestão pode ser considerada tanto uma conquista des-
da água como a cobrança pelo seu uso. ses setores quanto alternativa de gestão mais
eficiente (NOGUEIRA, 2005). De tal movimento
Leis estaduais de recursos hídricos foram im- resultou a criação de diversas estruturas institu-
plantadas e previram, como forma de garantir cionais que permitiram essa maior participação,
a participação social, a criação de organismos sobretudo, após a Constituinte, quando foram
colegiados – os comitês de bacia hidrográ- criados diversos Conselhos de Políticas Pú-
fica e os conselhos de recursos hídricos. blicas nas áreas de saúde, assistência social
À luz dessas experiências, foi promulgada a Lei e, de forma mais recente, na área de meio am-
nº 9.433/1997, que instituiu a Política Nacional biente. Trata-se de espaços privilegiados de
negociação entre os atores interessados em
de Recursos Hídricos e criou o Singreh.
determinada política.

2.2 O orçamento participativo, por exemplo, inicia-


DIFERENÇA ENTRE COMITÊS DE BACIA E OUTRAS do em 1989, em Porto Alegre, e em 1993, em
FORMAS DE PARTICIPAÇÃO Belo Horizonte, permitiu a participação direta
As experiências de participação social na gestão dos moradores na definição de parte do orça-
pública brasileira tornaram-se mais frequentes a mento municipal. Outro exemplo de participa-
partir do fim da década de 1980 e, principalmen- ção direta são os Planos Diretores Municipais,
te, na década de 1990 por conta do processo de hoje denominados Planos Participativos Direto-
redemocratização ocorrido no País. res Urbanos (AVRITZER, 2008), que passam
a ser elaborados a partir da década de 1990.
Os planos diretores são instrumentos de pla-
nejamento de uma cidade que tratam sobre a
“Todo o poder emana do povo, que o exerce política de desenvolvimento, o ordenamento
por meio de representantes eleitos ou direta- territorial e a expansão urbana.
mente, nos termos dessa Constituição.”
(Constituição Federal, 1988)
2.2.1
COMITÊ DE BACIA: UMA NOVA FORMA DE PARTICIPAÇÃO
Em 1977, foi criado em Minas Gerais o Con- As diversas formas de participação são im-
selho de Política Ambiental (Copam), respon- portantes para construção de uma socieda-
sável pela formulação e pela condução da po- de democrática. Entretanto, algumas formas
lítica ambiental no estado, o qual foi um dos de participação são apenas consultivas, ou

18
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

seja, funcionam como uma instância de con- devem ser definidas metas de racionalização
sulta à sociedade podendo suas decisões ser, de uso para aumento de quantidade e melho-
ou não, implementadas. ria da qualidade dos recursos hídricos dispo-
níveis, bem como os programas e os projetos
Eis a diferença: os comitês de bacia hidrográ- destinados ao atendimento dessas metas. No
fica diferem de outras formas de participação plano são definidas também as prioridades
previstas nas demais políticas públicas, pois para outorga de direito de uso da água, esta-
têm como atribuição legal deliberar sobre a belecidas as condições de operação dos reser-
gestão da água fazendo isso de forma compar- vatórios, além de orientações e regras a serem
tilhada com o poder público. implementadas pelo órgão gestor de recursos
hídricos na concessão das outorgas. No pla-
no também estarão as diretrizes e os critérios
A isso se chama poder de Estado, tomar deci-
para cobrança pelo uso dos recursos hídricos.
sões sobre um bem público e que devem ser
Enfim, o plano, como principal instrumento de
cumpridas. O comitê passa, então, a definir as
deliberação do comitê, reúne as informações
regras a serem seguidas com relação ao uso
estratégicas para gestão das águas na respec-
das águas. Aos órgãos gestores de recursos hí-
tiva bacia hidrográfica.
dricos cabe fazer que essas regras sejam postas
em prática por meio do seu poder de regulação.

A Política de Recursos Hídricos apresenta, as-


2.2.2
sim, nova concepção para a gestão da água.
ESPAÇO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS E DE Essa concepção exige a mudança de menta-
ESTABELECIMENTO DE REGRAS PARA O USO DA ÁGUA lidade, comportamentos e atitudes. Trata-se
Uma das atribuições mais relevantes dos comi- de democratizar a gestão dos recursos hí-
tês é estabelecer um conjunto de mecanismos dricos, de compartilhar o poder de decidir,
e de regras, decididas coletivamente, de forma e isto requer do poder público determinação
que os diferentes interesses sobre os usos da para dividir poder e dos usuários e da socie-
água na bacia sejam discutidos e negociados dade civil, a determinação para compartilhar
democraticamente em ambiente público, com responsabilidades.
transparência no processo decisório, buscando
prevenir e dirimir conflitos. Essas regras devem
ser avaliadas sob o aspecto da bacia hidrográ-
fica, depois de considerados os aspectos técni- VEJA MAIS: os volumes 5 a 8 apresentam os
cos e os diferentes pontos de vista dos mem- instrumentos para gestão das águas: o Plano
bros do comitê. de Recursos Hídricos e o enquadramento dos
corpos d’água em classes de uso; a outorga de
direito de uso de recursos hídricos; a cobrança
pelo uso da água; e o sistema de informações
Os comitês têm como atribuição legal delibe-
sobre recursos hídricos.
rar sobre a gestão da água.

2.2.3
QUAL O PODER DE DECISÃO DO COMITÊ DE BACIA?
A principal decisão a ser tomada pelo comitê é
a aprovação do Plano de Recursos Hídricos
da Bacia. Esse instrumento constitui-se no
plano diretor para os usos da água. No plano

19
2 COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA
Foto: Empreendimento à beira do Alto São Francisco
- Paulo Virgílio / Banco de imagens da ANA

20
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1
3

Foto: Plantação de arroz em Manoel Viana – RS


- Ricardo Koch / Banco de imagens da ANA
SURGIMENTO DOS COMITÊS DE BACIA NO BRASIL
Como foi visto no capítulo 2, os comitês foram o êxito dessa experiência permitiu
criados em um dado momento da história e em que... fosse constituída, em 1978, a
determinado contexto político. Mas como foi de- figura do Comitê Especial de Estudos
finido o modelo atual de comitê de bacia hidro- Integrados de Bacias Hidrográficas
gráfica para o Brasil? (CEEIBH)4, e a subsequente criação
de Comitês Executivos em diversas
Até a década de 1970, as questões referentes bacias hidrográficas, como do Paraíba
ao uso da água eram tratadas sob a perspec- do Sul, do São Francisco e do Ribei-
tiva da necessidade dos grandes usuários, ou ra de Iguape. Esses comitês tinham
dos problemas relacionados às inundações e apenas atribuições consultivas, nada
às secas. As decisões eram tomadas pelo go- obrigando à implementação de suas
verno e as bacias hidrográficas não eram as sugestões, e dele participavam ape-
unidades predominantes de planejamento. nas órgãos de governo. Mesmo assim,
constituíram-se em importantes embri-
Com a crescente complexidade das questões ões para a evolução futura da gestão
relacionadas ao uso da água, em 1976, o Minis- por bacia hidrográfica.
tério das Minas e Energia e o governo do esta-
do de São Paulo firmaram acordo para a melho- Os CEEIBHs tiveram como objetivos: efetuar a
ria das condições sanitárias das Bacias do Alto classificação dos cursos da água da União, rea-
Tietê e Cubatão. Como afirma Porto (2008), lizar estudos integrados para utilização racional

4 Em 29 de março de 1978, por meio da Portaria Interministerial nº 090, baixada pelos ministros do Interior e das Minas
e Energia, foi criado o CEEIBH. A partir de 1983, tendo deixado de se reunir, o CEEIBH interrompeu suas atividades.

21
3 SURGIMENTO DOS COMITÊS DE BACIA NO BRASIL
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

dos recursos hídricos das bacias hidrográficas, Em 1985, denúncias de contaminação do Rio
promover o aproveitamento múltiplo das águas dos Sinos intensificaram-se, mobilizando a so-
e a minimização dos impactos ambientais das ciedade local e os técnicos da Fundação Estadual
intervenções antrópicas. Eram integrados por de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler
ministérios e secretarias do governo federal e (Fepam) para a necessidade de se aumentar a
dos governos estaduais, além de usuários da fiscalização e o controle dos lançamentos nos
área estatal. Pode-se considerar, dentre outros corpos d’água da bacia. Em 1987, grupos or-
aspectos, como grande contribuição dessa ex- ganizados da sociedade, de universidades e
periência para gestão da água, a utilização da de técnicos do estado realizaram um seminário
bacia hidrográfica como unidade territorial de sobre essa questão. É proposta, nesse evento,
planejamento e gestão. a criação do Comitê de Preservação, Gerencia-
mento e Pesquisa da Bacia do Rio dos Sinos.
Apesar de o CEEIBH se restringir à esfera de
governo, de não ter poder deliberativo ou dispor Esse comitê foi criado no ano seguinte pelo De-
de recursos financeiros, ele realizou estudos creto Estadual nº 32.774/1988. A composição
fundamentais para o conhecimento das reali- do Comitê do Rio dos Sinos não se limitava à re-
dades das bacias e, o mais importante, repre- presentação governamental. Faziam parte, tam-
sentou um caminho para descentralização da bém, universidades, movimentos ecológicos,
gestão da água no País. entidades empresariais, prefeituras municipais,
câmaras de vereadores e outras organizações
Como se deu a transformação de um comitê da sociedade civil. É considerada a primeira ex-
governamental e consultivo em um comitê de periência brasileira na instituição de comitê de
estado, com a participação ampliada de usuá- bacia tendo como referência o modelo francês.
rios e organizações da sociedade civil e com
poder deliberativo? Para ilustrar essa transfor-
3.2
mação, tome-se como exemplo a organização
COMO OS COMITÊS DE BACIA SE
do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio dos Si-
DISSEMINARAM PELO PAÍS
nos, no Rio Grande do Sul.
No ano da criação do Comitê do Rio dos Sinos,
foi promulgada a Constituição Federal (1988).
3.1 A Carta Magna atribuiu à União, no seu artigo
O CASO DO RIO GRANDE DO SUL 21, inciso XIX, a instituição do Sistema Nacio-
Um grupo de técnicos que, em sua maioria, ha- nal de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
via trabalhado nos estudos realizados pelo Co- Neste mesmo ano, foi publicada pela Associa-
mitê Executivo de Estudos Integrados da Bacia ção Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) a
do Rio Guaíba (CEEIG) e eram representantes Carta de Salvador, que apontou para a neces-
de órgãos governamentais estudou, na década sidade de inclusão de novos atores na gestão
de 1980, formas de gerenciamento de recursos de recursos hídricos, principalmente usuários e
hídricos em diversos países, sobretudo, os mo- organizações cuja atuação estivesse envolvida
delos adotados na França, na Alemanha, na In- diretamente com a gestão das águas.
glaterra e nos Estados Unidos.
Em 1991, o estado de São Paulo promulgou
As experiências internacionais eram interpreta- a Lei nº 7.663. Foram criados órgãos colegia-
das à luz da realidade e da experiência brasi- dos, consultivos e deliberativos: o Conselho
leira, assim, foi valorizado o modelo contendo de Recursos Hídricos (CRH), para o debate
comitê por bacia com poder deliberativo. Assim, das questões com relevância estadual; e os
o modelo francês, com essas características, comitês de bacia hidrográfica, com atuação
mostrou-se forte referência para formulação do em unidades hidrográficas em território paulis-
modelo brasileiro. ta. Em 1993, foi criado o Comitê das Bacias

22
Foto: Rio Corumbataí – SP - Tomás May / Banco de imagens da ANA
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e O processo de implantação de políticas de


Jundiaí, e no final de 1996 já existiam 18 comi- recursos hídricos nos estados acelerou a tra-
tês paulistas instalados. mitação do Projeto de Lei no âmbito do Con-
gresso Nacional. Assim, foi promulgada, em
Neste mesmo ano, o governo federal enviou ao 1997, a Lei nº 9.433, instituindo a Política Na-
Congresso Nacional um primeiro projeto de lei cional de Recursos Hídricos e estabelecendo
instituindo a Política Nacional de Recursos Hí- a bacia hidrográfica como a base territorial de
dricos. Enquanto o projeto federal tramitava no planejamento e gestão da água, bem como
legislativo, outros estados aprovaram suas po- prevendo a criação de comitês de bacia. Três
líticas ampliando a participação da sociedade anos depois foi criada, por meio da Lei nº
civil e dos usuários de água na gestão. 9.984, a Agência Nacional de Águas (ANA),
instituição responsável pela implementação
Em 1992, o estado do Ceará aprovou a lei que do Plano Nacional de Recursos Hídricos
instituiu a sua Política de Recursos Hídricos. Se- (PNRH) e de coordenação do Singreh. A fi-
guem-se o estado de Santa Catarina e o Distrito gura 3 representa, de forma simplificada e es-
Federal, em 1993, Minas Gerais e Rio Grande quemática, a estrutura do Singreh da maneira
do Sul, em 1994, e Sergipe e Bahia, em 1995. como está constituído atualmente.

23
3 SURGIMENTO DOS COMITÊS DE BACIA NO BRASIL
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

Formulação e
Formulação de
deliberação sobre Apoio aos Apoio técnico (T) e
políticas
políticas de recursos colegiados regulação (R)
governamentais
hídricos

ANA
Nacional Conselho Nacional MMA SRHU e ANA
(T e R)

Órgãos gestores Órgãos gestores


Escala

Estadual Conselhos estaduais Secretarias de estado


estaduais estaduais (T e R)

Secretarias-executivas Agências de água


Bacia Comitês de bacia
ou agências de água (T)

Figura 3 – Matriz institucional do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh)

As figuras 4 e 5 ilustram a evolução da cria- Águas (1997), bem como o aumento no núme-
ção de comitês de bacia no Brasil, onde se ro de comitês em bacias de rios de domínio da
observa o aumento considerável no número União (bacias interestaduais), após a criação
de comitês após a promulgação da Lei das da ANA (2000).

10 200

9 164 180
159 161
Lei nº 9.984/2000 –
8 145 160
Total de comitês interestaduais

criação da Agência
Nacional de Águas 137
Total de comitês estaduais

7 140
Lei Estadual nº 115
7.663/1991 – Lei nº 9.433/1997 –
6 instituição do Sistema instituição da Política 103 120
Estadual de Nacional de Recursos 91
5 Gerenciamento de Hídricos e do Singreh 86 100
Recursos Hídricos de
4 São Paulo 67 80
55
49
3 43 60
29
2 40
20 21 23
15 15 16
1 1 2 2 20

0 0
1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010
Ano

Total de comitês interestaduais Total de comitês estaduais

Figura 4 – Evolução da criação de comitês de bacias hidrográficas no Brasil no período de 1988 a 2010

24
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

Comitês em 1988 Comitês em 1992

Comitês em 1996 Comitês em 2000

Comitês em 2004 Comitês em 2010

Legenda
Divisão hidrográfica nacional
Unidades da Federação
Comitê de bacia interestadual
Comitê de bacia estadual

Figura 5 – Evolução da criação de comitês de bacias hidrográficas no Brasil

25
3 SURGIMENTO DOS COMITÊS DE BACIA NO BRASIL
Foto: Transporte de minérios, Rio Paraguai / Banco de imagens ANA

26
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1
4

Foto: Diretoria Colegiada do CBHSF - Flávia Simões /


Banco de imagens da ANA
ATRIBUIÇÕES DOS COMITÊS
A inclusão dos comitês, como instâncias de (CNRH), de 2001, constitui-se no instrumento
gestão de recursos hídricos de uma bacia hi- da Política Nacional de Recursos Hídricos cuja
drográfica, se deu em um contexto de mudan- prerrogativa legal é exclusiva do comitê.
ças estruturais do Estado nas décadas de 1980
e 1990. Foi resultado, dentre outros fatores O plano funciona como instrumento que orienta
relevantes, do processo de mobilização social os usos das águas da bacia. É construído a par-
incrementado com a redemocratização do País. tir de bases técnicas que avaliam:
• condições de disponibilidades e de de-
A participação social e a representação no âm- mandas de água;
bito do comitê permitem a negociação sobre o • repercussões das demais políticas públi-
uso da água em uma esfera pública até então cas sobre as águas;
inédita na gestão das águas no País. O comitê • prospecção futura dos usos;
tem poder deliberativo e deve ser composto por • propostas para criação de áreas sujeitas a
representantes da sociedade civil e dos usuá- restrições de uso, com vistas à proteção dos
rios, além do poder público. Trata-se de uma ex- recursos hídricos (áreas de recargas de
periência nova, com forte conotação técnica e aquíferos e de nascentes, por exemplo); e
política, cujas premissas e competências serão • programas e projetos a serem implemen-
objeto de apreciação mais detalhada (quadro 1). tados para solução física e para ações re-
guladoras que garantam o cenário preten-
A principal competência de um comitê é a de dido pelo comitê para determinada bacia.
aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Ba-
cia Hidrográfica. Esse plano, cujo conteúdo mí- Destaque deve ser dado aos aspectos técnicos
nimo encontra-se definido no artigo 7º da Lei nº que a legislação definiu para o plano, o qual,
9.433/1997 e regulamentado pela Resolução nº aprovado, estabelece condições a serem ga-
17 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos rantidas para as atividades dos usuários pelos

27
4 ATRIBUIÇÕES DOS COMITÊS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

órgãos responsáveis pela regulação do uso das e articular a atuação das entidades envolvidas.
águas. A legislação determina que o plano deve: Caso os conflitos não consigam ser evitados, é
• apresentar as metas de racionalização também o comitê que atua como árbitro, em
de uso, o aumento de quantidade e a uma primeira instância administrativa.
melhoria da qualidade dos recursos hí-
dricos disponíveis; Essa arbitragem se dá de forma participativa.
• estabelecer as condições de operação Quem decide sobre o conflito é o “coletivo”, con-
dos reservatórios; e forme as regras definidas no regimento interno
• definir as prioridades de uso para efeito do comitê. Portanto, instaurado um conflito, au-
de concessão da outorga de direito de xiliado por estudos técnicos sobre a questão,
uso de recursos hídricos. cabe ao plenário do comitê definir a prioridade
do uso e a solução da contenda. Ou seja, partin-
As regras definidas no plano devem orientar a do de uma base técnica de avaliação do conflito,
atuação da regulação quando do estabelecimento é realizada a avaliação política pelo comitê. De
dos critérios de outorga a serem adotados pelos forma pública, transparente e democrática.
órgãos gestores com relação aos diversos usos.
VEJA MAIS: o volume 2 apresenta exemplo hi-
É dever do comitê, além de aprovar o plano, potético no qual foi solicitado ao comitê a arbi-
acompanhar sua implementação para garantir tragem de um conflito existente.
a efetivação das metas nele estabelecidas, bem
como a realização dos programas nele priori- Essas decisões, no entanto, podem ser revis-
zados. Para tanto, é necessária a existência de tas pelo próprio comitê, ou recorrendo-se aos
mecanismos que possibilitem tais atividades. conselhos de recursos hídricos, em última ins-
As agências de água e a cobrança pelo uso dos tância administrativa, conforme o domínio das
recursos hídricos são alguns dos meios com que águas em disputa.
devem contar os comitês no acompanhamento e
na implementação do plano. Por falar em cobran- Se cabe ao comitê a arbitragem, o que compe-
ça, a aplicação dos recursos arrecadados é te aos órgãos gestores de recursos hídricos?
definida pelo comitê, com base nas orientações A regulação, o poder de polícia, a implemen-
do plano, para utilização desses recursos. tação da decisão: eis sua função objetiva no
cumprimento da decisão pública. Cabe ressaltar
Observa-se que os usos da água são muitas ve- que, como o alicerce da Política Nacional de Re-
zes concorrentes e que a água que está reser- cursos Hídricos é um sistema de gerenciamen-
vada para a agricultura pode comprometer a na- to – o Singreh (figura 3) –, é necessário que os
vegação, ou mesmo a geração de energia e que órgãos gestores de recursos hídricos estejam
o somatório desses usos pode ameaçar a ma- bem preparados para exercer não só as funções
nutenção do ecossistema aquático. Para preve- há pouco descritas, mas todas aquelas que
nir conflitos, o comitê deve promover o debate lhes cabem. Para que as decisões dos comitês

PRIMEIRA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA


O comitê é o primeiro órgão administrativo a ser acionado em situação de conflito pelo uso da água.
Caso o conflito não seja dirimido pelo comitê ou caso a decisão não atenda a alguma das partes
envolvidas, cabe recurso ao Conselho de Recursos Hídricos pertinente, como segunda instância
administrativa, hierarquicamente superior ao comitê. Há sempre a possibilidade de se recorrer a
instâncias judiciais, lembrando que essas têm trâmite diferenciado das instâncias administrativas.

28
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

sejam efetivas e o Singreh funcione de forma acordo com os usos preponderantes pretendi-
plena, é imprescindível que os órgãos gestores dos, ao longo do tempo.
estejam adequadamente estruturados.
Além dessas atribuições, o comitê deve ser
Outras atribuições relevantes dos comitês, po- o fórum em que se promova o debate das
rém, que necessitam da aprovação dos con- questões relacionadas a recursos hídricos e
selhos de recursos hídricos competentes, são: a articulação das entidades intervenientes.
o estabelecimento de propostas sobre usos Essa atribuição será cada vez mais impor-
não outorgáveis ou de pouca expressão; e a tante com a melhoria da representatividade
proposição de alternativa de enquadramento e da legitimidade de seus representantes.
dos corpos d’água, que nada mais é do que Esse é um desafio a ser superado a cada
o estabelecimento de meta ou o objetivo de processo eleitoral do comitê. O quadro 1
qualidade de água (classe) a ser alcançado ou apresenta as atribuições dos comitês de ba-
mantido em um segmento de corpo d’água, de cia previstas em lei.

VEJA MAIS: sobre enquadramento dos corpos d’água em classes veja Resolução Conama nº 357, de 17
de março de 2005, que dispõe sobre a classificação dos corpos d’água e as diretrizes ambientais para
seu enquadramento, bem como estabelece as condições e os padrões de lançamento de efluentes.

Quadro 1 – Atribuições dos comitês de bacia

Arbitrar em primeira instância administrativa os conflitos pelo uso da água.

Aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica e consequentemente:


- metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade;
- prioridades para outorga de direito de uso de recursos hídricos;
- diretrizes e critérios gerais para cobrança; e
Deliberativas - condições de operação de reservatórios, visando a garantir os usos múltiplos.

Estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos.

Estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interes-
se comum ou coletivo.

Acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia e sugerir as providên-


cias necessárias ao cumprimento de suas metas.
Atribuições

Indicar a Agência de Água para aprovação do Conselho de Recursos


Hídricos competente.

Propor os usos não outorgáveis ou de pouca expressão ao Conselho de Recursos


Hídricos competente.

Propositivas Escolher a alternativa para enquadramento dos corpos d’água e encaminhá-la aos con-
selhos de recursos hídricos competentes.

Sugerir os valores a serem cobrados pelo uso da água.

Propor aos conselhos de recursos hídricos a criação de áreas de restrição de uso, com
vista à proteção dos recursos hídricos.

Propor aos conselhos de recursos hídricos as prioridades para aplicação de recur-


sos oriundos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos do setor elétrico na bacia.

Promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação


Consultivas das entidades intervenientes.

29
4 ATRIBUIÇÕES DOS COMITÊS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

Todas as atribuições do comitê pressupõem Ou seja, nunca é demais relembrar que o comi-
ampla discussão e acordos entre as partes tê é uma instituição de Estado com atribuições
envolvidas. No entanto, as discussões não legais claras. Com seu fortalecimento, forta-
podem ser um fim em si mesmo, e o comitê lece-se a implantação da Política Nacional de
só tem sentido quando consegue exercitar de Recursos Hídricos como um todo, legitimando
forma plena suas atribuições legais. a atuação da regulação por parte dos órgãos
gestores de recursos hídricos.

ESTADO É DIFERENTE DE GOVERNO


Estado: organismo político administrativo que, como nação soberana ou divisão territorial, ocupa um
território determinado, é dirigido por governo próprio e se constitui pessoa jurídica de direito público,
internacionalmente reconhecida; sociedade politicamente organizada.

Governo: espaço de tempo durante o qual alguém governa ou governou; sistema político pelo qual
se rege um Estado.

Definições de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.

Quem apoia a construção de propostas a se-


rem debatidas nos comitês?
Apesar de serem entes de Estado, os comitês ANA VERSUS AGÊNCIAS DE ÁGUA
de bacia não possuem personalidade jurídica, A ANA é o ente do Singreh responsável pela im-
ou seja, não têm Cadastro Nacional de Pessoa plementação da Política Nacional de Recursos
Jurídica (CNPJ), pois suas competências são de Hídricos e pela gestão e pela regulação do uso da
cunho deliberativo, propositivo e consultivo, e não água – por exemplo, outorgar e fiscalizar – em cor-
executivo. Para tanto, a legislação criou a figura pos d’água de domínio da União (vide figura 3). As-
da Agência de Água, ou Agência de Bacia5, sim, cumpre atribuições técnicas e de regulação.
para dar o suporte técnico ao comitê exercendo,
entre outras, a função de secretaria-executiva. As agências de água cumprem, entre outras, a
No entanto, essa mesma legislação estabeleceu função de secretaria-executiva dos respectivos
que a agência somente será criada quando hou- comitês, ou seja, suas competências são de
ver viabilidade financeira de suas atividades as- cunho técnico e administrativo para efetivação
segurada pela cobrança pelo uso das águas em da gestão da água na bacia. As agências de
sua área de atuação. A cobrança somente tem água não têm o papel de regulação.
sido implantada após muito debate na bacia e
em poucas delas se efetivou.

5 A Lei nº 9.433/97 introduziu a figura das Agências de Água que, na maioria das legislações estaduais de recursos hídri-
cos, são denominadas como Agências de Bacia. Em ambos os casos (União e estados), as agências têm competências
bastante semelhantes, de caráter eminentemente técnico e executivo.

30
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

de Guararema - Ana Paula Montenegro / Banco de imagens da ANA


Foto: Estação de Tratamento de Esgotos (ETE)
Em função da inexistência de agências de para que o comitê exercite suas atribuições
água (a quem são remetidas, dentre outras, as de forma plena.
competências pela apresentação de propostas
técnicas), cria-se uma dificuldade operacional VEJA MAIS: para maiores informações sobre
aos comitês: quem fará as propostas técnicas as agências de água, consultar o volume 4.
para embasar essas decisões? Sem estudos
técnicos, como os comitês poderão cumprir Isso quer dizer que sem sua Agência de Água o
suas atribuições? comitê não pode exercer suas competências?

Ou seja, percebe-se aqui uma dificuldade Absolutamente. Como foi dito, a gestão de re-
inicial para implantação do Singreh: não se cursos hídricos no Brasil é baseada em um sis-
avança na gestão porque não há estudos tema em que todos os entes que o compõem
técnicos; não se têm estudos técnicos por- devem atuar em cooperação, de forma coor-
que não se avança na implementação dos denada e articulada. Cabe aos órgãos gesto-
instrumentos de gestão. Esse problema tem res, como organizações responsáveis pela im-
sido superado, em parte, quando os órgãos plementação da política de recursos hídricos,
gestores de recursos hídricos disponibilizam apoiar os comitês no exercício de suas atribui-
os estudos. O fato é que a implantação da ções, mesmo na inviabilidade da criação das
cobrança pelo uso da água e a instalação agências de água – fato que pode estar pre-
da Agência de Água colaboram fortemente sente em grande número de bacias brasileiras.

31
4 ATRIBUIÇÕES DOS COMITÊS
Foto: Projeto de Irrigação - RN / Banco de imagens da ANA

CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

32
5

Foto: Pescador em Águas Vermelhas – MG -


Eraldo Peres / Banco de imagens da ANA
COMPOSIÇÃO DOS COMITÊS
A composição de um comitê de bacia deverá negativamente a outra, seja por questões de
refletir os múltiplos interesses com relação às disponibilidade, seja por qualidade.
águas da bacia. De forma geral, são três os
interesses que se expressam nas bacias: dos Por sua vez, os poderes públicos podem inter-
usuários diretos de recursos hídricos (sujeitos ferir nos usos da água com a implementação
ou não à outorga de direito de uso); dos pode- de políticas setoriais, influenciando de maneira
res públicos constituídos (municípios, estados significativa a gestão de recursos hídricos.
e União) na implementação das diferentes polí-
ticas públicas; e das organizações civis na de-
Finalmente, as organizações civis devem refle-
fesa dos interesses coletivos e com o olhar dos
tir a multiplicidade dos interesses desse setor.
interesses difusos. Soma-se a essa diversidade
Podem ser focados nos aspectos coletivos de
o fato de que cada setor citado, por sua vez,
conservação, preservação e recuperação am-
tem entre si outros múltiplos interesses.
biental. Podem, no entanto, ser focados em
interesses corporativos vinculados a diferentes
segmentos sociais ou econômicos.
5.1
REPRESENTANTES
Em geral, os interesses de alguns usuários se Esse conjunto de representações deve buscar
voltam para questões da disponibilidade de reunir os antagonismos dos interesses sobre a
água e sua qualidade, características indispen- água, porém, o uso dos recursos hídricos deve
sáveis como insumo ao desenvolvimento dos ser sustentável de modo a assegurar condi-
processos produtivos. Outros usuários utilizam- ções não só para as atuais gerações, mas tam-
-se das águas para diluição dos efluentes gera- bém para as futuras.
dos por suas atividades. Em muitos casos, os
usos são concorrentes ou conflitantes entre si na De acordo com o que dispõe a Lei das Águas,
medida em que uma atividade pode influenciar a composição do comitê deve contar com a

33
5 COMPOSIÇÃO DOS COMITÊS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

participação do poder público, dos usuários e de atuação restrita a bacias de rios de


da sociedade civil. Deve ser tal que a repre- domínio estadual, dar-se-á na forma es-
sentação do poder público não exceda a 50% tabelecida nos respectivos regimentos.
do total dos representantes. Todavia, a Lei das
Águas remete aos regimentos internos do comi- Utilizando-se da prerrogativa de regulamenta-
tê a representação mais adequada e que aten- ção da Lei nº 9.433/1997, o CNRH estabeleceu
da às especificidades de cada bacia. procedimentos para criação e funcionamento
de comitês. Esses devem atender ao que dis-
O artigo 39 da Lei das Águas diz expressamente: põe a Resolução n° 5, de 2000, a qual define
que o número de representantes de cada seg-
Os Comitês de Bacia Hidrográfica são mento e setor seja discutido no âmbito do comi-
compostos por representantes: tê, porém, atendidos limites previamente esta-
I – da União; belecidos, conforme seu artigo 8º.
II – dos Estados e do Distrito Federal
cujos territórios se situem, ainda que Art. 8º Deverá constar nos Regimen-
parcialmente, em suas respectivas tos dos Comitês de Bacias Hidrográfi-
áreas de atuação; cas, o seguinte:
III – dos Municípios situados, no todo I – número de votos dos representan-
ou em parte, em sua área de atuação; tes dos poderes executivos da União,
IV – dos usuários das águas de sua dos Estados, do Distrito Federal e dos
área de atuação; Municípios, obedecido o limite de qua-
V – das entidades civis de recursos hídri- renta por cento do total de votos;
cos com atuação comprovada na bacia. II – número de representantes de enti-
dades civis, proporcional à população
§ 1º O número de representantes de residente no território de cada Estado
cada setor mencionado neste artigo, e do Distrito Federal, cujos territórios
bem como os critérios para sua indica- se situem, ainda que parcialmente, em
ção, serão estabelecidos nos regimen- suas respectivas áreas de atuação,
tos dos Comitês, limitada a representa- com pelo menos, vinte por cento do
ção dos poderes executivos da União, total de votos, garantida a participação
Estados, Distrito Federal e Municípios de pelo menos um representante por
à metade do total de membros. Estado e do Distrito Federal;
§ 2º Nos Comitês de Bacia Hidrográ- III – número de representantes dos usu-
fica de bacias de rios fronteiriços e ários dos recursos hídricos, obedecido
transfronteiriços de gestão com- quarenta por cento do total de votos [...].
partilhada, a representação da União
deverá incluir um representante do Mi-
nistério das Relações Exteriores.
§ 3º Nos Comitês de Bacia Hidrográfi- O CNRH é a instância máxima do Singreh e
ca de bacias cujos territórios abranjam possui a atribuição legal de formular em ca-
terras indígenas devem ser incluídos ráter complementar a Política Nacional de
representantes: Recursos Hídricos, analisar os processos de
I – da Fundação Nacional do Índio – Funai, criação de comitês de bacia e dirimir conflitos
como parte da representação da União; entre os conselhos estaduais, bem como en-
II – das comunidades indígenas ali re- tre os comitês de bacias de rios de domínio da
sidentes ou com interesses na bacia. União, dentre outras atribuições.
§ 4º A participação da União nos Co-
mitês de Bacia Hidrográfica com área

34
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

Composição do comitê de bacia

Mínimo 20% Máximo 40%

40%

Poderes públicos Usuários Organizações civis

Figura 6 – Composição dos comitês de bacia segundo a Resolução nº 5/2000, do CNRH

Essas orientações legais têm sido referência diferentes daqueles indicados pela Resolução
para as legislações estaduais correlatas que nº 5/2000, do CNRH.
foram promulgadas após a edição da Lei das
Águas. Há no País, no entanto, comitês cria- Vê-se, no quadro 2, que as composições dos
dos para bacias estaduais, oriundos de legis- comitês variam de acordo com as leis estaduais
lação anterior, que apresentam percentuais a que estão submetidos.

Quadro 2 – Composição de alguns comitês

Poderes públicos Usuários Organizações civis


Comitê
(%) (%) (%)

Alto Tietê (SP) 66,7 14,8 18,5

Velhas (MG) 50 25 25

Meia Ponte (GO) 40 40 20

Curu (CE) 40 30 30

Ceivap (MG, RJ e SP) 38 40 22

Recôncavo Norte (BA) 33,3 33,3 33,3

Lagos São João (RJ) 33 33 33

Alto Iguaçu e Alto Ribeira (PR) 31,6 36,8 31,6

Sinos (RS) 20 40 40

5.2 Essas questões merecem reflexões.


REPRESENTATIVIDADE: COMO ESCOLHER
Será que o número de representantes por A representatividade significa a qualidade de al-
segmento garante que os interesses sobre as guém (representante) expressar os interesses
águas da bacia estão bem representados? Qual de um grupo, o qual ele represente e que possa
a representatividade dos eleitos? O que se es- exprimir não somente a sua opinião individual,
pera dos representantes de cada segmento? mas a do conjunto de pessoas.

35
5 COMPOSIÇÃO DOS COMITÊS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

Figura 7 – Folder de divulgação do processo eleitoral de 2010 do CBHSF (frente)

Em geral, a definição das características entre si as discussões sobre a gestão de recur-


que qualificam o representante como o mais sos hídricos.
adequado para defender os interesses de
determinado segmento (usuários de águas, Essa lógica representativa, muitas vezes, tam-
prefeituras municipais e organizações civis) bém é bastante adequada para a escolha dos
é feita entre os seus pares em assembleias representantes de municípios. É comum estes
setoriais, convocadas mediante publicação se associarem para realização de diversas ati-
de edital para escolha dos representantes. vidades, inclusive para participarem do proces-
Esses representantes são geralmente cre- so de gestão das águas, congregando assim as
denciados por uma comissão eleitoral e, de- demandas do segmento e unindo forças para
pois de cumprida a etapa de apresentação alcance de suas metas.
dos documentos comprobatórios estabele-
cidos pelo comitê, eles se encontram aptos Com relação às organizações civis, a represen-
para participar do processo de escolha dos tatividade das organizações técnicas de ensi-
membros do colegiado. no e pesquisa muitas vezes se faz também por
meio de associações, nesse caso de cunho téc-
No caso dos usuários, é interessante que asso- nico, ou universidades com ampla abrangência
ciações, sindicatos, federações ou confedera- na bacia. Já as organizações não governamen-
ções assumam a representação dos interesses tais com objetivos de defesa dos interesses di-
comuns de seus sócios. Isso acontece em vá- fusos e coletivos da sociedade têm maior difi-
rias oportunidades, não só por geralmente con- culdade em se articular e definir representantes
gregarem grande número de associados, mas que tenham um olhar único sobre toda a bacia.
também por disporem de meios para articular Seus interesses, além de difusos, podem ser

36
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

divergentes e isto não permite uma fácil organi- Uma entidade representa um conjunto de seus
zação dessas entidades. pares. Uma pessoa é nomeada representante
dessa entidade no comitê. Como essa pessoa
Nas bacias cuja abrangência geográfica envol- deve agir para que seus argumentos sejam
ve mais de um estado da Federação, bacias aqueles que defendam os interesses do con-
hidrográficas interestaduais, a escolha dos re- junto das entidades representadas? Como essa
presentantes deve considerar, também, outros pessoa deverá advogar esses interesses?
critérios. É imprescindível que haja representa-
ção de comitês de bacias de rios afluentes ao Trata-se de um grande desafio. Nem sempre
rio principal e é preciso assegurar que os inte- o exercício das funções pelo indicado corres-
resses dos diferentes estados sejam bem repre- ponde aos interesses da categoria. Há sempre
sentados, refletindo a importância da bacia para o risco da autorrepresentação. Muitas vezes,
os interesses específicos sobre a água para é comum um representante eleito entre seus
cada um dos entes. É necessário que sejam es- pares defender interesses próprios ou particu-
tabelecidos modelos para gestão das águas no lares, seus ou da entidade que representa di-
âmbito desses tipos de bacias. retamente, e não compartilhar com o grupo as
questões debatidas. Assim, não estará repre-
De maneira geral, o processo eleitoral deve ser sentando adequadamente os interesses para
conduzido de modo a garantir a oportunidade de os quais foi eleito.
participação de todos os atores da bacia, sejam
eles usuários, prefeituras, sejam organizações É recomendável que sejam estabelecidos proce-
civis. Um processo amplo e transparente permi- dimentos para que esses representantes de fato
tirá o alcance da melhor representatividade dos exerçam bem suas funções. No entanto, há de se
interesses no âmbito da composição do comitê. definir como esse representante deve informar e
consultar a base representada e, assim, ter o exer-
O certo é que, quando o comitê exerce suas atri- cício do seu mandato legitimado a cada debate e
buições deliberativas, estará fortalecido e terá, decisão a ser tomada no âmbito do comitê de bacia.
sempre, um processo eletivo mais concorrido.
Essa dinâmica de causa-efeito deverá orientar, O exercício da representação requer alguns
também, a melhoria da representatividade desses pré-requisitos:
colegiados: quanto mais forte o comitê mais repre- • organização e definição, pelos represen-
sentativo; quanto mais representativo mais forte. tados, de diretrizes de atuação do repre-
sentante, se possível, formalizada;
• definição pelo comitê de uma agenda te-
5.3 mática prévia que permita a preparação
REPRESENTAÇÃO: COMO EXERCER dos representantes para o debate;
Os processos eleitorais podem garantir a es- • capacidade pessoal para defesa dos in-
colha de uma entidade muito representativa de teresses do segmento que representa; e
determinado segmento. Pode acontecer, no en- • definição de um processo particular de
tanto, que a pessoa indicada ao exercício da comunicação do representante com os
representação no âmbito do comitê não seja a respectivos representados acerca da
mais adequada para tal tarefa. agenda temática do comitê.

O processo eleitoral deve ser conduzido de modo a garantir a oportunidade de participação de todos
os atores da bacia, sejam eles usuários, prefeituras, sejam organizações civis.

37
5 COMPOSIÇÃO DOS COMITÊS
Foto: Projeto de irrigação Lagoa do Arroz - PB / Banco de imagens da ANA

38
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1
6

Foto: CBH Paranaíba na Assembléia de Instalação do


Comitê - Flávia Simões / Banco de imagens da ANA
CRIAÇÃO E INSTALAÇÃO DE UM COMITÊ DE BACIA
O comitê de bacia é um organismo de Estado, e, quando couber, identificação dos
é criado por meio de Decreto do Presidente da conflitos entre usos e usuários, dos
República ou, no âmbito de bacias de rios esta- riscos de racionamento dos recursos
duais, do governador do estado. hídricos ou de sua poluição e de degra-
dação ambiental em razão da má utili-
O comitê é parte integrante do Singreh e deve zação desses recursos.
ser criado a partir de iniciativa consolidada em
proposta elaborada por representantes dos Ou seja, a criação de um colegiado dessa natu-
usuários, dos poderes públicos e das organiza- reza deve se dar por razão clara e objetiva que
ções civis com interesse na gestão dos recur- justifique a necessidade de um fórum com a di-
sos hídricos de uma respectiva bacia. mensão do comitê de bacia hidrográfica. É rele-
vante lembrar que o poder de decisão delegado
O CNRH definiu por meio da Resolução nº ao comitê vem junto com a responsabilidade da
5/2000 os procedimentos gerais a serem segui- solução dos problemas.
dos para apresentação de proposta de criação
de comitê, que deverá ser submetida à aprecia- O comitê de bacia, entretanto, não representa
ção do respectivo conselho. a única alternativa encontrada no País para
se tratar os problemas relacionados ao uso
Deve constar da proposta de criação, obriga- da água. Existem situações em que associa-
toriamente, ções de usuários, consórcios intermunicipais,
justificativa circunstanciada da necessi- comissões interestaduais, por exemplo, se
dade e oportunidade de criação do Co- configuram como arranjos adequados para
mitê, com diagnóstico da situação dos gerenciamento da água – objetivo principal
recursos hídricos na bacia hidrográfica na definição dos modelos institucionais de

39
6 CRIAÇÃO E INSTALAÇÃO DE UM COMITÊ DE BACIA
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

gestão. Assim, o melhor arranjo para alcançar capacidade institucional do Estado para o cum-
esse objetivo deve ser definido respeitando- primento das atividades reguladoras.
-se a diversidade do País e de seus recursos
hídricos, bacia por bacia. A evolução histórica nessa área mostra pos-
turas diferentes dos estados quanto à criação
VEJA MAIS: no volume 3 são apresentadas de comitês: há estados que criaram por decre-
alternativas organizacionais para gestão de re- to, sem maior motivação social; e há também
cursos hídricos. aqueles que criaram comitês após iniciativas
vindas das bacias, oriundas ou não de pro-
A criação de um comitê de bacia deve aten- blemas concretos; alguns criaram, ainda, ba-
der ao disposto na Lei das Águas e nas re- seados na motivação social e em problemas
soluções dos conselhos de recursos hídricos. urgentes a serem resolvidos; há, também,
Os estados aprovaram suas respectivas le- aqueles estados que, mesmo com condições
gislações de recursos hídricos, adotando cri- objetivas para criação dos comitês, optaram
térios específicos para criação de comitês. por não estabelecê-los. Ou seja, a criação des-
Esse fato tem proporcionado diferentes pro- ses colegiados está intimamente relacionada à
cessos para criação, composição e funciona- conjuntura da política de recursos hídricos nas
mento dos comitês no País. Cada bacia que esferas nacional e estaduais.
inicia um processo de criação de comitê deve
atender aos dispositivos legais em função da A criação de comitês requer, no entanto, uma
competência da autoridade que tem prerroga- disposição da sociedade da bacia como um
tiva para sua criação. todo (organizações civis, usuários e poder pú-
blico) para o debate sobre o tema água. As or-
ganizações civis do setor de recursos hídricos
O que será tratado aqui, no entanto, não é a
e os usuários de água, em geral, têm demons-
especificidade de cada processo, mas o que se
trado interesse em participar do processo de
entende como procedimentos mínimos neces-
gestão da água, mas a criação de um comitê
sários para garantir que a criação e a instalação
poderá não ter o êxito esperado na solução ou
de comitês sejam efetivadas de forma transpa-
na prevenção de problemas se não houver o
rente, participativa, legítima e, assim, resulte
engajamento dos poderes públicos e, especial-
em expressiva representação dos diferentes
mente, do principal gestor do uso do solo no
interesses quanto ao uso dos recursos hídricos
País: o município.
na bacia hidrográfica.

Por fim, entendendo a gestão das águas em


6.1 uma bacia como um sistema de atores com di-
CRIAÇÃO ferentes papéis, cada qual com sua atribuição
A decisão de criar um comitê de bacia é um ato legal interdependente e complementar, é im-
político. A motivação, os critérios e os procedi- prescindível que todos os atores estejam atuan-
mentos para aprovar sua criação são os mais do e cumprindo sua missão. Como já foi dito,
diversos ao longo do território brasileiro. os órgãos gestores de recursos hídricos devem
ser robustos o suficiente para implementação
Em geral, o que se espera é a criação de comi- da regulação, caso contrário, não será viável a
tês em bacias onde já afloram ou há potenciais efetivação dos atos dos comitês.
conflitos de uso, quer os decorrentes do uso
intensivo e dos problemas da qualidade, quer Os aspectos citados devem ser considerados
os decorrentes de escassez natural de água. antes de se criar um comitê. O julgamento
Agreguem-se a essas condições a necessária para sua criação é sempre político, no entanto,
implantação dos instrumentos de gestão e a tanto aqueles que o propõem quanto aqueles

40
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

responsáveis por aprovar sua instituição de- para participação, as listas de inscritos
vem ter o compromisso público com seu suces- e habilitados; e
so. Este, certamente, terá muitas dificuldades • a ampla participação de todos os en-
de se efetivar se não houver as condições ne- volvidos no processo de gestão, que
cessárias para seu adequado funcionamento. deverá ser assegurada por meio de um
diagnóstico institucional preliminar que
VEJA MAIS: o volume 2 aborda, de maneira aponte as diversas representações que
mais detalhada, como deve ser o funcionamen- não poderão estar ausentes do processo
to dos comitês de bacia. de escolha dos membros.

Para a garantia dos princípios anteriores, é ne-


6.2 cessário o apoio técnico e financeiro do órgão
INSTALAÇÃO DO COMITÊ gestor de recursos hídricos responsável pela
Com a criação do comitê, inicia-se o proces- instalação dos comitês de bacia. Na esfera
so de composição do colegiado: a escolha de nacional, a Agência Nacional de Águas. Nos
seus membros em processo público, trans- estados, os respectivos órgãos gestores de re-
parente e democrático. A essa etapa dá-se o cursos hídricos.
nome de instalação.

6.2.1
É hora de “arregaçar as mangas”, de desen-
volver amplo processo de divulgação e mo- ESTRUTURA DE COORDENAÇÃO – QUEM CONDUZ O PROCESSO
bilização social que possa garantir que esse Geralmente, a partir da criação do comitê, é
colegiado de fato tenha a representatividade nomeada uma diretoria provisória que, junta-
necessária para compartilhar, entre os diversos mente com o órgão gestor de recursos hídri-
segmentos, a gestão das águas. cos, terá como missão conduzir o processo
de mobilização, elaboração da proposta de
regimento interno, definição do arranjo insti-
Consideram-se princípios básicos que devem
tucional do comitê, articulação com comitês
orientar a instalação de um comitê de bacia:
de bacias de rios afluentes, caso existam, e
• a universalização da informação e a
divulgação sobre o processo de criação condução do processo de escolha dos mem-
e instalação do comitê, as atribuições e bros. Em outros casos, quando o comitê ainda
os procedimentos para participar do pro- não foi criado, mas há forte apelo social para
cesso eleitoral, em toda área de abran- sua instituição, é formada uma comissão pró-
gência da bacia hidrográfica; -comitê, que tem como missão principal a arti-
• a legalidade e a lisura do processo culação dos setores para viabilizar a criação e
eleitoral, definindo normas e procedi- a instalação do colegiado.
mentos que devem ser divulgados com
antecedência, por meio de deliberações É fundamental que a composição da diretoria
da diretoria provisória e dos editais; provisória ou da comissão pró-comitê conte com
• a transparência do processo, que representantes dos órgãos gestores de recursos
deverá ser garantida a partir da mais hídricos e dos diferentes segmentos que irão
ampla divulgação possível (jornais, compor o comitê, de entidades e instituições que
rádios, páginas eletrônicas, cartazes, conheçam e atuem na bacia. E, ainda, é impor-
folhetos, correspondências) de todas tante contar com representantes de outros orga-
as etapas do processo de instalação, nismos de bacia, no caso de existirem, tais como:
em especial o calendário eleitoral, os comitês de bacias de rios afluentes, comissões
locais de realização de eventos e ins- ou conselhos gestores de açudes, consórcios in-
crições, os procedimentos necessários termunicipais de bacias hidrográficas etc.

41
6 CRIAÇÃO E INSTALAÇÃO DE UM COMITÊ DE BACIA
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

O QUE É UM COMITÊ DE BACIA DE RIO AFLUENTE OU


COMITÊ DE SUB-BACIA?

As grandes bacias são compostas por várias sub- Portanto, comitê de bacia de rio afluente ou comi-
-bacias, estas por outras tantas sub-bacias e as- tê de sub-bacia é aquele com competências
sim sucessivamente, até chegar às microbacias. sobre as águas de uma bacia que está inserida
Na realidade, todas são bacias hidrográficas, em outra bacia, onde há, ou pode haver, outro
conforme definição apresentada no início deste comitê. No capítulo 7, é apresentado com mais
volume. O que vai classificá-las como sub-bacias detalhes como pode se dar a relação entre co-
é o fato de estarem ou não inseridas em outra mitês de bacia e de sub-bacia. Vale ressaltar
bacia com maior área de drenagem ou, ainda, se que, segundo a Lei das Águas, os comitês te-
seu curso d’água principal for afluente (tributá- rão como área de atuação: a totalidade de uma
rio) do rio principal da bacia maior. bacia; a sub-bacia hidrográfica de tributário do
curso d’água principal da bacia, ou de tributário
Na figura 7, pode-se observar as relações entre desse tributário; ou o grupo de bacias ou sub-
bacias e sub-bacias em diferentes escalas: a Ba- -bacias contíguas (art. 37, inc. I, II e III). Ou seja,
cia do Rio Araguari (5) é uma sub-bacia da Bacia somente em bacias de rios até a 3ª ordem, em
do Rio Paranaíba (4), que é uma sub-bacia da território nacional, podem ser criados comitês
Bacia do Rio Paraná (3), que é uma sub-bacia da de bacia. No exemplo acima, a bacia de rio de
Bacia do Rio da Prata (2) – esta última composta 1ª ordem é a Bacia do Paraná (3); a de 2ª ordem
por territórios da Argentina, da Bolívia, do Brasil, a do Rio Paranaíba (4); e a de 3ª ordem a do Rio
do Paraguai e do Uruguai. Em 1, temos a locali- Araguari (5). Não se considera o Rio da Prata
zação da Bacia do Prata na América do Sul. como de 1ª ordem, pois é um rio transfronteiriço.

3 5
Rio Rio
Rio P ar

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n aí

Rio Qu
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Tiju b ra- A
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2 1

Legenda
Bacia do Rio da Prata
Bacia do Rio Paraná
Bacia do Rio Paranaíba
Bacia do Rio Araguari

Figura 8 – Bacia do Rio Araguari e sua inserção nas demais bacias

42
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

Figura 9 – Folder de divulgação do processo eleitoral de 2010 do CBHSF (verso)

O tempo previsto para o processo de insta- na elaboração do cronograma de instalação


lação varia consideravelmente, dependendo, do comitê, de modo que todas as etapas do
dentre outros, dos seguintes aspectos: as di- processo possam ser concluídas de forma
mensões (área) da bacia, o público-alvo a ser abrangente e completa.
mobilizado, o grau de dificuldade de acesso
às informações, os recursos e apoios dis- 6.2.2
poníveis e o nível de interesse que o tema ETAPAS DO PROCESSO
água desperta na sociedade. Portanto, é im- As etapas do processo de instalação do comitê,
portante considerar todos esses aspectos em linhas gerais, são:

FASE 2 FASE 3 FASE 5


FASE 1 FASE 4
Divulgação e Inscrição e Posse e Eleição
Preparatória Eleição
Mobilização Habilitação da Diretoria

Figura 10 – Etapas do processo de instalação de comitês de bacia

Caracterizam-se como atividades da Fase 1 – • definição e elaboração de material de


Preparatória: divulgação;
• diagnóstico das instituições existentes • definição do arranjo institucional do co-
na bacia buscando identificar todos os mitê e do seu regimento interno; e
atores relevantes quanto aos usos e às • definição e publicação de normas, re-
relação com a gestão das águas; gras e procedimentos eleitorais.
• elaboração de programa de divulgação e mo-
bilização vinculado ao calendário eleitoral; Caracterizam-se como ações da Fase 2 – Di-
• capacitação de equipe de mobilização; vulgação e Mobilização:

43
6 CRIAÇÃO E INSTALAÇÃO DE UM COMITÊ DE BACIA
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

• informações sobre a legislação, o papel • registro e divulgação das pessoas físicas


do comitê e as condições necessárias representantes dos membros eleitos; e
para participar do colegiado; • registro e divulgação das indicações
• mobilização geral e dirigida, visando a ga- das pessoas físicas representantes dos
rantir a melhor representatividade e ampla membros dos estados e da União.
participação de todos os interessados; Caracterizam-se como atividades da Fase 5 –
• visitas aos municípios, às entidades re- Posse dos Membros e Eleição da Diretoria:
presentativas de usuários que atuam na • organização da assembleia-geral (con-
bacia, assim como às organizações ci- vocação, pauta, lista de presença etc.);
vis que desenvolvem atividades relativas • realização da assembleia-geral de posse
aos recursos hídricos; e dos membros e eleição da diretoria;
• eventos e reuniões públicas locais e re- • posse dos membros eleitos e indicados;
gionais, por estado e, se for o caso, por • eleição da diretoria do comitê;
comitê de bacia afluente, tantas quanto • escolha da sede; e
forem necessárias, segundo diagnóstico • construção de uma primeira agenda
institucional e organizacional elaborado de atividades.
na Fase Preparatória.
Esses passos metodológicos indicam apenas
Todos os trabalhos de mobilização devem ser um caminho para que se possa garantir a par-
realizados em intensa articulação com os órgãos ticipação, a transparência, a legalidade do pro-
gestores de recursos hídricos, com a participa- cesso eleitoral e da instalação do comitê e a re-
ção dos organismos de bacia existentes, assim presentatividade de seus membros. Entretanto,
como dos municípios e dos usuários de águas. é importante ressaltar que não se trata de uma
“receita de bolo”, e os procedimentos devem
Caracterizam-se como atividades da Fase 3 – ser adequados a cada realidade.
Inscrição e Habilitação das entidades e dos in-
teressados em participar do processo eleitoral:
• constituição de comissão eleitoral;
• infraestrutura adequada ao recebimento
das inscrições;
• pré-análise das inscrições;
• habilitação preliminar e divulgação dos
habilitados; e
• recepção de recursos, julgamento e di-
vulgação dos habilitados finais.

Caracterizam-se como atividades da Fase 4 –


Eleição dos Representantes:
• definição dos procedimentos das reuniões
eleitorais ou assembleias, indicando como
serão conduzidos o credenciamento, a ins-
crição de candidatos às vagas, a defesa
das candidaturas, a votação e o registro
em ata da eleição;
• organização e coordenação das reuniões
e/ou plenárias eleitorais;
• registro e divulgação dos resultados eleitorais;

44
7

Foto: Rio São Francisco em Paulo Afonso – BA -


Ricardo Koch / Banco de imagens da ANA
COMITÊ DE BACIA INTERESTADUAL
O modelo brasileiro de planejamento e gestão Mas em que esse fato impacta a constituição
das águas tem a bacia hidrográfica como base dos comitês de bacia?
territorial para atuação dos organismos do Sin-
greh. Nesta base, o comitê é o fórum de discus- O domínio estadual atribui responsabilidades
são e deliberação sobre as questões relativas à aos seus gestores, mas, também, estabelece
política de recursos hídricos. direitos. O principal desses direitos é o de regu-
lar o uso das águas, outorgar o direito de uso.
No Brasil, País federativo com unidades au- Quando um estado outorga a determinado usuá-
tônomas e interdependentes, o domínio das rio o direito de uso sobre aquelas águas, a água
águas foi dividido entre a União e os estados. outorgada se torna indisponível para os demais
Assim, a partir do estabelecido pela Constitui- usuários da bacia, os quais não são necessaria-
ção Federal, uma área correspondente a apro- mente regulados por esse mesmo estado. Essa
ximadamente 75% do território brasileiro está indisponibilidade de água para outros usos ou
em bacias hidrográficas nas quais os rios prin- usuários pode restringir o desenvolvimento eco-
cipais são de domínio da União. nômico da região que foi privada desse recurso.

Segundo a Constituição Federal de 1988, cabe à União o domínio das águas dos rios cujas águas
banham mais de um Estado ou que fazem fronteira entre eles, as águas reservadas oriundas de
obras da União e aquelas em áreas de sua propriedade, além dos rios compartilhados com outros
países vizinhos. As demais águas, inclusive as subterrâneas, estão sob o domínio dos estados.
Nas bacias de rios sob o domínio da União há, em quase todos os casos, a presença de rios com
domínio de, pelo menos, outros dois Estados.

45
7 COMITÊ DE BACIA INTERESTADUAL
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

O que esse fato tem a ver com comitês de ba- membros do comitê. São todos aspectos relevan-
cias de rios de domínio da União? tes para construção do modelo institucional do
comitê de uma bacia interestadual, compartilhado
Ora, se cada estado definir as próprias regras pela União e pelos estados federativos.
de uso, gerenciar isoladamente as águas que
estão encerradas em seu domínio, perde-se um
7.1
dos principais fundamentos da Política Nacional
COMPLEXIDADES DE UM COMITÊ DE
de Recursos Hídricos, que é a bacia hidrográfica
BACIA INTERESTADUAL
como unidade territorial de planejamento e ges-
Comitê de bacia interestadual é um comitê que,
tão, e corre-se o risco de comprometer o corre-
assim como os demais, deve seguir todos os
to gerenciamento das águas em toda a bacia.
preceitos das normas legais. Deve ter as mes-
Dessa forma, é imprescindível que os estados e
mas atribuições; a mesma proporção estabe-
a União construam acordos com o objetivo de in-
tegrar e harmonizar critérios para outorga, nego- lecida para representação dos segmentos dos
ciar condições de pontos de entrega e controle de poderes públicos, dos usuários e das organi-
água, dentre outros aspectos, para que se possa, zações civis e os mesmos fundamentos para
de fato, fazer a gestão das águas de toda a bacia. atuação em bacia hidrográfica. O que difere é
a bacia, que é interestadual, ou seja, comparti-
lhada entre os estados e a União.
Para compreender melhor o grau de complexida-
de e a necessidade de articulação entre as dife-
rentes instâncias, apresenta-se a seguinte situa- No âmbito dos estados, têm sido definidas
ção. Um comitê criado pela União, que abrange como áreas de planejamento e gestão de água
mais de um estado, também pode ser chamado bacias ou grupamento de bacias contíguas.
de comitê de bacia interestadual. Esse comitê Essas regiões hidrográficas agrupam mais de
aprova o plano de bacia destinado ao rio de do- uma bacia ou se constituem, nos estados, em
mínio da União, mas este rio da União é formado partes de bacias de rios de domínio da União.
por rios de domínio de estados que, por sua vez, Os estados, então, criam comitês com atuação
podem ter comitês estaduais que aprovam seus nas áreas dessas unidades de gestão.
respectivos planos. Na prática, se não houver ar-
ticulação entre os comitês interestaduais e os co- Para entender um pouco da complexidade e da
mitês estaduais, os planos podem ser ineficientes. diversidade das bacias hidrográficas interesta-
duais, vale destacar algumas características:
Assim, em bacias hidrográficas com rios de do- • têm territórios que podem atingir de al-
mínio da União, é necessária a adoção de mo- guns poucos milhares de quilômetros
delos adequados a essa complexidade dominial. quadrados (como as bacias costeiras
do Nordeste do Brasil) a quase 1 milhão
Além disso, como foi dito, no capítulo 5, a represen- (caso da Bacia do Rio Tocantins);
tatividade do comitê de bacia e a sua composição • o tempo de deslocamento dos membros
deverão refletir os diferentes atores diretamente podem ser de algumas horas (comum
envolvidos com a gestão das águas. Para que o em bacias estaduais), como podem ser
comitê de fato represente toda a diversidade da medidas em dias de navegação (caso
bacia, há de se observar, dentre outros, os seguin- das bacias amazônicas);
tes aspectos: a dimensão territorial; a localização • os corpos d’água podem ter de três a
dos usuários, a intensidade e o impacto dos usos mais de oito domínios (da União, seis
na bacia; o número de unidades federadas (es- estados e o Distrito Federal), é o caso da
tados) e de comitês em sub-bacias; os domínios Bacia do Rio São Francisco;
das águas; a concentração de conflitos; e mesmo • as legislações envolvidas são em mesmo
as distâncias necessárias ao deslocamento dos número do domínio dos corpos d’água

46
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

(oito, no caso da Bacia do Rio São Fran- Para melhor exemplificar, cita-se o caso da
cisco) e muitas vezes divergem entre si; Bacia Hidrográfica do Rio Grande. A figura 11
• o número de comitês de sub-bacias pode apresenta sua divisão territorial em sub-ba-
ser inexistente ou pode chegar a mais de cias hidrográficas. Algumas somente com
uma dezena, como é o caso da Bacia do cursos d’água de domínio estadual e outras,
Rio Grande; e também, com rios de domínio da União. Na
• os problemas a serem enfrentados po- Bacia do Rio Grande, estão instalados co-
dem ser locais, estaduais, regionais ou mitês em todas as áreas de planejamento e
envolverem políticas nacionais de gran- gestão definidas pelos estados. Em 2010, foi
de impacto para o País, como é o caso criado o comitê com área de atuação em toda
da geração hidrelétrica e de grandes a bacia e com competência para articular a
transposições de águas entre bacias. gestão entre essas sub-bacias.

Bacia do Rio Grande

rande
MG
oG CBH dos Afluentes Mineiros
R do Baixo Rio Grande
i

CBH dos Rios


Turvo e Grande
CBH do Sapucaí-Mirim
Ri o

e Grande
M

Ri o
og

CBH do Baixo Sa
iG

Pardo Grande pu CBH dos Afluentes


uaç

caí
Mineiros do
u

Médio Grande CBH Vertentes do


Ri o

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P ar Rio Grande od
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do CBH do Entorno

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AP do Lago de Furnas

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Rio Pardo

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MA CE RN Mo CBH do Alto
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PI
G uaç Rio Grande
AC PE PB u
RO TO AL CBH do Rio
MT SE CBH do Mogi-Guaçu Verde
BA
DF CBH dos Rios
GO Mogi-Guaçu
MG e Pardo CBH do Rio
MS ES Sapucaí
SP
RJ RJ
PR
CBH da Serra
SC SP da Mantiqueira
RS

PR Oceano Atlântico

Figura 11 – Bacia do Rio Grande e sua subdivisão em bacias de rios afluentes ou regiões hidrográficas
com seus respectivos comitês

Em situações dessa natureza, o modelo tra- e interesses que precisam ser atendidos e
dicional de comitê poderá ter diferentes graus compatibilizados simultaneamente.
de dificuldade para o cumprimento das suas
competências legais, demandando para sua Quais seriam as formas mais adequadas de se
formação e atuação o estabelecimento de organizar um comitê de bacia interestadual?
acordos entre os estados e a União. A expe- Quais as atribuições exclusivas? Quais atri-
riência mostra que não é muito fácil compor buições seriam compartilhadas com os demais
esses acordos. Essa situação não é facilmente comitês? Como definir uma representação que
conciliável em virtude das inúmeras variáveis seja adequada à complexidade institucional?

47
7 COMITÊ DE BACIA INTERESTADUAL
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

Como escolher os representantes? Como deve


ser o seu funcionamento para que se cumpra
 
as atribuições de forma mais eficiente? Como
efetivar a atuação em toda a bacia?

Experiências na instalação de comitês em algu-


mas bacias interestaduais permitem propor dois
tipos de arranjos institucionais principais: um
único comitê para toda a bacia ou um comitê de
integração. Esses modelos serão descritos mais
detalhadamente e avaliados a seguir.

7.1.1
UM SÓ COMITÊ PARA TODA A BACIA
Corresponde à instituição de uma única instância
deliberativa no âmbito de bacias interestaduais.
Nessas bacias, há domínios das águas de, no mí-
nimo, dois outros estados e da União. Um comitê
criado somente pelo CNRH não tem o poder de
exercer suas competências em toda a bacia, em
todos os corpos d’água. Os estados podem não
acatar as decisões do comitê de bacia interesta-
dual com relação às águas sob seu domínio. Mui-
tas vezes existem diferenças significativas entre
as legislações estaduais e a nacional. Os critérios
e o estágio de implementação dos instrumentos
para gerenciamento dos recursos hídricos tam-
bém diferem sobremaneira. Falta um acordo en-
tre a União e os estados para que isso aconteça.

Para que seja efetivada a plena competência


sobre todos os corpos d’água, o comitê precisa

48
Quadro 3 – Características das bacias dos Rios Piranhas-Açu e Verde Grande

Comitê Piranhas-Açu Verde Grande

Estados abrangidos Paraíba e Rio Grande do Norte. Bahia e Minas Gerais.


2
Área de drenagem (km ) 43.000. 31.000.
Existiam comitês em
Não. Sim. Um em Minas Gerais, mas que não foi instalado.
sub-bacias?

7 COMITÊ DE BACIA INTERESTADUAL


Instituição do comitê pelos conselhos estaduais Unificação dos comitês existentes e instituições do comitê único da bacia
Como se deu o comitê único?
como integrante dos seus sistemas. como integrante dos sistemas estaduais e nacional.
Qual o instrumento que o criou? Decreto federal e estaduais. Decreto federal e estaduais.
Todas aquelas previstas na Lei nº 9.433/1997 e nas leis estaduais, aplicá-
Todas aquelas previstas na Lei nº 9.433/1997
Quais são as competências do veis aos corpos d’água dos respectivos domínios. Algumas competências,
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

e nas leis estaduais, aplicáveis aos corpos


comitê único? de cunho mais local, são exercidas por comissões gestoras de reservató-
d’água dos respectivos domínios.
rios nas sub-bacias.
Existem outras instâncias gesto- Sim. Grupo de Acompanhamento do Macro Regu- Sim. Comissões gestoras de reservatórios das sub-bacias dos Rios Gorutu-
ras de água? latório (Gamar), composto por usuários de água. ba e Verde Pequeno.
Alocação negociada de águas; conciliação preliminar de conflitos; aprova-
Quais as funções dessas ção do Plano de Recursos Hídricos aplicável à sub-bacia; elaboração de
Alocação negociada de água nos açudes.
outras instâncias? propostas de enquadramento; definição de usos insignificantes e priorida-
des de outorga.
Como funciona a secretaria-exe- Secretaria-executiva do comitê com atuação em Secretaria-executiva do comitê e mais dois escritórios de apoio para as
cutiva do CBH? toda a bacia. comissões gestoras.
Sim. Implementação, em parceria com os esta-
dos, via Resolução ANA nº 687/2004: estabelece Sim. Implementação após a Deliberação do Comitê nº 27/2008 e a Re-
Há um marco regulatório
vazões máximas disponíveis para os seis trechos solução ANA nº 802/2008: define prioridade para outorga e estabelece
das águas?
do Sistema Curema-Açu, bem como as vazões regimes de captação de acordo com a disponibilidade hídrica.
consideradas insignificantes.
A partir do trabalho do Grupo Técnico Operacional
(GTO) e do Grupo de Articulação Interinstitucional
Como o marco regulatório (GAI), ambos instituídos no Convênio de Integra-
Por meio de um protocolo de intenções.
se efetivou? ção assinado pelos dois estados, pelo Departa-
mento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs)
e pela ANA.
Quais os principais objetivos Regularização de usos, monitoramento quali-
Gestão da água de forma descentralizada e participativa e interação entre
dos instrumentos de integração -quantitativo e operação conjunta dos reservató-
órgãos gestores, organizações civis e usuários de água.
na bacia? rios do Sistema Curema-Açu.

49
Quer saber mais? <www.piranhasacu.cbh.gov.br> <www.verdegrande.cbh.gov.br>
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

As experiências para bacias interestaduais com Sua implantação, no entanto, deve preservar o
essas características tornaram-se possíveis em fundamento legal da descentralização do pro-
função do desenvolvimento de processos inten- cesso decisório. Há de se considerar relevante
sos de discussão. Foram envolvidos todos os no modelo a ser implementado as diferentes
atores da bacia e órgãos gestores de recursos realidades dos recursos hídricos nas diversas
hídricos estaduais e ANA. De maneira geral, a regiões da bacia. Por exemplo, na Bacia do
negociação e o sucesso do seu desenvolvimen- Rio Verde Grande, apesar de haver apenas
to se deram em função das seguintes etapas: um comitê, há organizações locais que têm
• atendimento ao que dispõe a Resolução atribuições importantes para a gestão de pro-
nº 5/2000, do CNRH, e às regras esta- blemas específicos. São comissões gestoras
belecidas no âmbito dos estados para encarregadas da alocação das águas em re-
criação de comitês; servatórios e sub-bacias, da solução prelimi-
• representação de governos, usuários e nar de conflitos e até da formulação de propos-
organizações civis, independentemente tas quanto à priorização dos usos das águas.
da área da bacia e da respectiva unidade Esses ambientes de gestão foram potenciali-
federada, em um único plenário; zados com a descentralização de atribuições
• instituição pelos conselhos estaduais de pelo comitê e fazem parte formalmente do or-
recursos hídricos; ganograma do colegiado.
• edição de decreto da Presidência da Re-
pública e dos governadores, instituindo a
O arranjo do comitê único pode não ser o mais
instância única da bacia como integrante
adequado para bacias com maior complexida-
dos respectivos sistemas de gerencia-
de de gestão, com grandes áreas de atuação,
mento; e
com território em um grande número de esta-
• compartilhamento entre os órgãos ges-
dos e que tenha, sobretudo, o envolvimento de
tores de recursos hídricos, estaduais e
muitas instâncias decisórias com competência
a ANA na estruturação e na manutenção
sobre os recursos hídricos. Para situações des-
do apoio às funções de secretaria-exe-
se tipo, propõe-se trabalhar com o comitê de
cutiva do comitê, na ausência da Agên-
integração, conforme se apresenta a seguir.
cia de Água, e do apoio técnico neces-
sário à implementação dos instrumentos
de gestão de recursos hídricos. 7.1.2
COMITÊ DE INTEGRAÇÃO
Trata-se, assim, do processo de integração fe- É um modelo de comitê que pressupõe o com-
derativa mais avançado experimentado no País partilhamento do poder e das responsabilida-
para gestão de águas. des sobre os usos das águas. Em um primeiro
Ricardo Koch / Banco de Imagens da ANA
Foto: Foz do rio Paraíba do Sul – RJ -

50
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

estágio, entre a União e os estados; em seguida para bacias interestaduais com maior grau
e, obrigatoriamente, entre o comitê de bacia in- de complexidade de gestão de recursos hí-
terestadual e os organismos criados para aten- dricos. No quadro 4, estão descritas as ca-
der a demandas específicas nas sub-bacias. racterísticas gerais de cada uma dessas ba-
Assim, o comitê de integração terá atribuições cias interestaduais que vêm experimentando
moderadoras e harmonizadoras e exercerá as a construção de seus plenários no formato de
competências sobre temas gerais, e os comitês um comitê de integração.
ou organismos em sub-bacias desempenharão
suas atribuições sobre temas locais. A proposta de criação do comitê de integração
visa a alcançar, dentre outros, dois objetivos
A discussão sobre esse modelo deve reforçar principais: fortalecimento dos comitês em sub-
os fundamentos da política de recursos hídri- -bacias como instâncias decisórias locais (rea-
cos vigente no País, sobretudo a descentra- firmando o fundamento da descentralização) e
lização, a participação e a gestão articulada efetivação da gestão integrada das águas da
entre União e estados nos recursos hídricos bacia (reconhecendo, de fato, a bacia como
comuns no âmbito da bacia. Portanto, a con- a unidade territorial para implementação da
figuração dos colegiados não pode conflitar política de recursos hídricos), respeitadas a
com esses princípios. complexidade institucional e a política de ba-
cias interestaduais.
Em bacias interestaduais onde o modelo
único não se aplica, quer seja pela grande Esses objetivos devem estar refletidos na
dimensão territorial, quer seja pelas neces- composição do comitê de integração. Assim,
sidades específicas de sub-bacias que não espera-se que na composição existam repre-
interagem de forma relevante com o curso sentantes indicados pelos membros dos comi-
d’água principal, quer seja pela existência tês de sub-bacias e representantes com maior
de grande número de instâncias com compe- abrangência na bacia (alcance regional), de
tência sobre as águas ou pela clara neces- modo que se tenha a conciliação da visão lo-
sidade de maior descentralização decisória, cal das várias sub-bacias com a visão global
ou ainda pela diversidade de usos existentes da bacia como um todo. Constitui-se, então,
na bacia, o modelo integração passa a ser no fórum presencial e institucional de articula-
alternativa importante. ção em que todas as instituições competentes
estão representadas.

Para melhor detalhamento sobre esse modelo,


serão abordadas a seguir as características e O arranjo institucional que determinará a com-
as várias especificidades de sua atuação. posição do comitê de integração deve ser obje-
to de acordo com os estados e com os comitês
em sub-bacias e poderá se diversificar bastante
7.1.2.1 COMPOSIÇÃO DO COMITÊ para atender às características específicas de
Existem três experiências no País onde o cada bacia interestadual.
modelo institucional de comitê de integração
está em implementação: o Comitê de Integra- Uma condição determinante para existência
ção da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do de um comitê de integração é a definição das
Sul (Ceivap), o Comitê da Bacia Hidrográfi- unidades de planejamento e gestão nas sub-
ca do Rio Doce (CBH Doce) e o Comitê da -bacias. Na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba
Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba (CBH do Sul, onde se instalou um comitê de integra-
Paranaíba). São propostas ainda em cons- ção, esse problema não existe porque há comi-
trução, mas pelos resultados já apresenta- tês em todas as unidades. Porém, esse não é
dos o modelo vem se mostrando adequado o caso geral.

51
7 COMITÊ DE BACIA INTERESTADUAL
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

Quadro 4 – Comitês de Integração das Bacias dos Rios Paraíba do Sul, Doce e Paranaíba

Comitê Ceivap1 Doce Paranaíba

Distrito Federal, Goi-


Unidades Federativas Minas Gerais, Rio de Janeiro Espírito Santo e
ás, Mato Grosso do
abrangidas e São Paulo. Minas Gerais.
Sul e Minas Gerais.

Área de
55.500. 83.400. 222.800.
drenagem (km2)

Sim. Plenamente na
Sim. Em toda a sua área,
Sim. São seis em porção mineira da
Existem comitês em sendo dois em Minas Gerais,
Minas Gerais e três bacia (três comitês),
sub-bacias? quatro no Rio de Janeiro e um
no Espírito Santos. um no Distrito Federal
em São Paulo.
e um em Goiás.

A partir do Convê-
O Ceivap foi criado com este Por meio de um nio de Integração nº
intento. No entanto, somente grupo de integração 20/2007, celebrado
após a realização de um entre órgãos gesto- entre a União, os
Como se deu o comitê
planejamento estratégico res e comitês, que estados e o Distrito
de integração?
institucional e com a criação propuseram ao CBH Federal, por meio de
dos comitês estaduais, ele Doce alterações no seus órgãos gestores
se tornou possível. regimento interno. e de seus comitês
existentes à época.

Novo Regimento Interno, de Novo Regimento


Qual o instrumento
3 de dezembro Interno, de 23 de Regimento interno.
que o criou?
de 2007. outubro de 2008.

Tratar das questões mais


Deliberar sobre as
gerais e estratégicas,
questões relaciona-
Quais são as compe- tais como transposição As previstas em lei
das à água de forma
tências do comitê de de águas, características mais a de articular
articulada e integrada
integração? dos pontos de entrega e ações conjuntas.
às ações dos comitês
controle e das metas quali-
nas sub-bacias.
-quantitativas.

Tratar de questões
Tratar de questões espe-
específicas, inclusive
cíficas, inclusive aquelas
aquelas relacionadas
E dos comitês de sub- relacionadas às águas de
As previstas em lei. às águas de domínio
-bacias? domínio da União, em geral
da União, em arti-
em articulação com
culação com o CBH
o Ceivap.
Paranaíba.

É exercida pela entidade


delegatária das funções de É custeada em
Como funciona a É custeada em parte
Agência de Água da Bacia parte pela ANA, com
secretaria-executiva do pela ANA, com apoio de
(Agevap), custeadas com apoio de usuários e
comitê? usuários e prefeituras.
recursos da cobrança pelo prefeituras.
uso dos recursos hídricos.

Nota: 1 Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap). Continua...

52
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

Continuação

Quadro 4 – Comitês de Integração das Bacias dos Rios Paraíba do Sul, Doce e Paranaíba

Comitê Ceivap1 Doce Paranaíba

Decreto nº 68.324/1971;
Portaria Dnaee nº 22/1977;
Estão em curso as
Resolução ANA nº 465/2004.
discussões sobre um
Todos definidos pelo poder
possível marco para Há a intenção de
Há um marco regulató- público. Estão em curso as
ser construído no âm- construção de um
rio das águas? discussões sobre um possí-
bito de um convênio marco regulatório.
vel marco para ser constru-
de integração e Plano
ído no âmbito de um novo
de Recursos Hídricos.
convênio de integração e
Plano de Recursos Hídricos.

Foi efetivado pelo poder pú-


Como o marco regula- blico (União e estados e setor
– –
tório se efetivou? elétrico), com pouca participa-
ção dos comitês.

Articular a atuação
Possibilitar a clara delimita- dos comitês e órgãos
Integrar a gestão de
ção das atribuições do Cei- gestores e viabilizar
recursos hídricos na
Quais os principais vap e dos comitês afluentes, a implementação
bacia. O Plano de
objetivos dos instru- inclusive em relação à dos instrumentos de
Recursos Hídricos
mentos de integração definição dos investimentos gestão. O Plano de
já tem a previsão de
na bacia? na bacia, evitando assim Recursos Hídricos foi
constituir-se em um
sobreposições, lacunas elaborado juntamente
plano de integração.
e conflitos. com os planos das
bacias de afluentes.

<www.riodoce.cbh. <www.paranaiba.cbh.
Quer saber mais? <www.ceivap.org.br>
gov.br> gov.br>
Nota: 1 Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap).

53
7 COMITÊ DE BACIA INTERESTADUAL
Quadro 5 – Composição do Ceivap

54
Ceivap – 60 membros

Segmento Poder público Usuários Sociedade civil

Sanea- Indústria e Agropecu- Hidreletri- Outros Consórcios e Povos indí-


Abrangência Federal Estadual Municipal Otep ONG
mento mineração ária cidade usos associações genas

Toda a bacia 3 – – – – – – – – – – –

MG – 3 4 2 2 1 2 1 – – 4 –

RJ – 3 4 2 3 1 1 1 – 2 2 –
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

SP – 3 3 2 4 1 1 – – 3 2 –

Subtotal 3 9 11 6 9 3 4 2 0 5 8 0

Total 23 24 13

% 38% 40% 22%

REGIMENTO INTERNO DO CEIVAP

Art. 6º, § 1º As indicações dos representantes titulares e suplentes dos segmentos referidos nas alíneas “c” e “d”6 do inciso II do caput deste artigo
serão feitas por seus pares integrantes dos comitês de bacias afluentes, quando houver, ou em processos que considerem a representação das
unidades estaduais de gestão de recursos hídricos [...].

6 Sociedade civil e usuários.


Quadro 6 – Composição do Comitê da Bacia do Rio Doce
CBH DOCE – 60 membros

Segmento Poder público Usuários Organizações civis

Sanea- Indústria e Agropecu- Hidreletri- Outros Consórcios e Povos indí-


Abrangência Federal Estadual Municipal Otep ONG
mento mineração ária cidade usos associações genas

7 COMITÊ DE BACIA INTERESTADUAL


Toda a bacia 2 – – – 1 – – – – – – 1

ES – 3 3 2 2 3 1 – 2 1 2 –
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

MG – 3 9 4 4 5 2 – 3 3 4 –

Subtotal 2 6 12 6 7 8 3 0 5 4 6 1

Total 20 24 16

% 33% 40% 27%

REGIMENTO INTERNO DO CBH DOCE

Art. 5º, § 6º A escolha dos membros titulares e suplentes representantes dos municípios, dos usuários e das organizações civis será feita pelos
membros dos comitês de bacias hidrográficas de unidades estaduais de gestão de recursos hídricos, onde houver comitês.

55
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

Um grande número de estados ainda não tem de- exige alteração legal e operacionaliza a dire-
finidas suas unidades de planejamento e gestão triz da articulação entre a União e os estados
de recursos hídricos, o que faz que a maior parte prevista no artigo 4º da Lei nº 9.433/1997 e
das bacias hidrográficas interestaduais não tenha nas leis estaduais.
sua base territorial de gestão definida e, conse-
quentemente, não existam comitês em todas as Em algumas bacias interestaduais, tem sido
suas sub-bacias. Nesses casos, não se vislumbra necessária a criação de instâncias específicas
impedimento para que o comitê de integração se para o encontro dos comitês. Podemos citar
efetive. Exemplo disso é o Comitê da Bacia do Rio como exemplos o Grupo Técnico de Articula-
Paranaíba. Nessa bacia, existiam somente quatro ção Institucional (GTAI) criado pelo Ceivap e
comitês instalados antes de sua criação, sendo a Câmara Técnica de Articulação Institucional
três em território mineiro e um no estado de Goiás. (CTAI) criada pelo Comitê da Bacia do Rio São
A bacia não tinha um mapa oficial com a divisão Francisco. Essas instâncias tratam de temas es-
das unidades estaduais de planejamento e ges- pecíficos objeto de compartilhamento da atua-
tão (sub-bacias). ção dos comitês em sub-bacias.

Como se deu então?


7.1.2.2 ATRIBUIÇÕES DO COMITÊ DE INTEGRAÇÃO E DOS
COMITÊS DE BACIAS DE RIOS AFLUENTES
Na Bacia do Rio Paranaíba, inicialmente, foi
Na construção do melhor arranjo institucional,
constituído um grupo representativo dos es-
deve-se buscar que o colegiado da bacia inte-
tados, dos comitês existentes nas sub-bacias,
restadual tenha, efetivamente, atuação em toda
dos usuários e da sociedade civil, com o apoio
a bacia. Um acordo deve ser firmado para as
da ANA, para debater o modelo de comitê que
seguintes questões:
se instalaria. Chegada à conclusão que seria
• definição da base territorial de ges-
um comitê de integração, esse grupo propôs
tão da bacia (onde haverá comitês em
que a representação no Plenário se desse
sub-bacias);
por sub-bacia. Foram definidas as sub-bacias,
• definição de como serão determinadas
sendo três unidades em Minas Gerais (onde já
as regras de uso de todas as águas (o
existiam os comitês), uma unidade para o Mato
que cabe a cada comitê regrar);
Grosso do Sul, outra para o Distrito Federal e
• definição do arranjo institucional do cole-
quatro outras para o estado de Goiás. Neste
giado e da representação dos comitês em
último estado, uma das unidades era a Bacia
sub-bacias no comitê de integração; e
do Rio Meia Ponte onde já existia comitê.
• garantia do apoio ao funcionamento do
comitê de integração.
O processo eleitoral foi realizado, então, por
sub-bacia. Eleitos os representantes das sub- Como qualquer comitê que se estabeleça, seu
-bacias, estes elegeram, por estado, aqueles grande instrumento ordenador é o Plano de Re-
que seriam os membros do CBH Paranaíba. cursos Hídricos. Nas bacias com comitê de in-
Ou seja, a composição desse comitê contém tegração, o plano deverá definir a relação entre
representações de comitês existentes e de re- as sub-bacias, imputando as responsabilidades
presentantes eleitos por sub-bacia. objetivas a cada organismo existente (seja ele
uma comissão gestora de açude, seja um co-
Esse modelo de composição constitui-se em mitê em sub-bacia) e estabelecendo as regras
canal permanente de articulação entre os di- de convivência entre as instituições. Trata-se de
versos interesses, além do compartilhamento um Acordo pelas Águas, o qual deve ser es-
de responsabilidades na bacia, e busca maior tabelecido em conformidade com a legislação,
contato entre os comitês e entre as sub-ba- em particular com as Resoluções números 5 e
cias. Importante destacar que a instalação não 17, do CNRH.

56
O COMITÊ DE BACIA HIDROGRÁFICA: O QUE É E O QUE FAZ?

RESOLUÇÃO Nº 5/2000 DO CNRH:


Art. 6º Os planos de recursos hídricos e as decisões tomadas por Comitês de Bacias Hidrográficas
de sub-bacias deverão ser compatibilizadas com os planos e decisões referentes à respectiva ba-
cia hidrográfica.

Parágrafo único. A compatibilização a que se refere o caput, deste artigo, diz respeito às definições
sobre o regime das águas e os parâmetros quantitativos e qualitativos estabelecidos para o exu-
tório da sub-bacia.

RESOLUÇÃO Nº 17/2001 DO CNRH:


Art. 5º O Plano de Recursos Hídricos de uma sub-bacia somente poderá ser aprovado pelo seu
Comitê, se as condições do seu exutório estiverem compatibilizadas com o Plano de Recursos
Hídricos da Bacia Hidrográfica Principal. Exutório da sub-bacia.

O Acordo pelas Águas deve ser construído de integração: este terá atribuições moderado-
caso a caso e deve-se observar o que já dispõe ras e harmonizadoras e exercerá suas competên-
a legislação vigente quanto às metas de racio- cias sobre temas mais abrangentes; enquanto os
nalização de uso, de melhoria da qualidade e comitês em sub-bacias desempenharão suas
da quantidade das águas. Nas bacias interes- atribuições sobre temas locais, mais específicos.
taduais, são considerados estratégicos, dentre
outros, os pontos localizados na divisa entre es- As seguintes atribuições dos comitês direta-
tados e nos exutórios de sub-bacias, nos quais mente quanto aos recursos hídricos na sua
é imprescindível que o acordo tenha metas área de atuação podem ser destacadas:
claras e bem definidas, negociadas e acorda- • Deliberar sobre o Plano de Recursos Hí-
das entre todos os atores da bacia. Para isso, é dricos da Bacia.
fundamental o acordo entre os comitês quanto • Arbitrar conflitos pelo uso das águas,
às competências de cada organismo sobre as em primeira instância.
águas compartilhadas.
• Debater sobre as questões de uso da
água na bacia.
• Aprovar propostas para usos não ou-
torgáveis, enquadramento dos corpos
Águas compartilhadas são aquelas que es-
d’água, mecanismos e valores da co-
tão inseridas na área de atuação do comitê
brança pelo uso.
de bacia principal e, também, dos comitês de
suas sub-bacias.
Vê-se, então, das competências acima e da
existência de águas compartilhadas, que o
acordo entre os comitês deverá ensejar uma
Para melhor discussão do que seria o Acordo pe- divisão de trabalho entre eles, definindo cla-
las Águas e a participação de cada comitê, é im- ramente a quem cabe tais atribuições. Como
portante se lembrar da premissa para um comitê exemplo, é apresentado o caso do Ceivap.

57
7 COMITÊ DE BACIA INTERESTADUAL
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

EXEMPLO DO Ceivap:
O Regimento Interno do Ceivap traz a condição expressa da necessidade de articulação entre o co-
mitê de integração e os comitês nas suas sub-bacias para desenvolvimento de suas competências.

Art. 3º, inc. IV: apoiar a criação e promover a integração com instâncias regionais de gestão de
recursos hídricos da bacia, tais como: comitês de bacias afluentes, os consórcios intermunici-
pais, as associações de usuários, as organizações de ensino e pesquisa, as organizações não-
-governamentais e outras formas de organização articulada da sociedade civil ou do poder público.

Art. 4º, inc. I: promover o debate, articulando e integrando a atuação da sociedade civil, dos
usuários, do poder público e dos comitês de bacias afluentes, e, na forma da legislação e deste
Regimento Interno, a definição das seguintes questões:
a) O marco regulatório da bacia.
b) A alocação quantitativa e qualitativa das águas entre as diversas instâncias deliberativas do
Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
c) Os usos que proporcionem impactos regionais significativos.
d) As transposições e derivações internas e externas à bacia.
e) Os critérios gerais para a cobrança pelo uso das águas.

Pode-se advogar que o fundamento da des- • acordo entre a União, os estados e os


centralização da tomada de decisão por bacia comitês existentes quanto à base ter-
hidrográfica, se aplicado em uma bacia interes- ritorial de gestão por sub-bacias, as
tadual, segue o princípio da subsidiariedade. competências dos comitês por área
Isto quer dizer que toda decisão que puder ser de atuação, o arranjo institucional e a
tomada no âmbito de uma sub-bacia, sem afe- garantia do apoio ao funcionamento do
tar os usos da bacia como um todo, não deverá comitê de integração;
sofrer influência da bacia principal. • aprovação da criação do comitê de inte-
gração no CNRH;
As experiências para bacias interestaduais com • edição de decreto de criação do comitê
comitês de integração tornaram-se possíveis em pela Presidência da República;
função do desenvolvimento de processo demo- • processo eleitoral compartilhado com os
crático de discussão com todos os atores da bacia comitês em sub-bacias; e
e com os órgãos gestores estaduais diretamente • compartilhamento entre os órgãos ges-
envolvidos, seguindo-se as seguintes etapas: tores do apoio técnico necessário à im-
• atendimento ao que dispõe a Resolu- plementação da gestão de recursos hí-
ção nº 5/2000, do CNRH, para a cria- dricos na bacia.
ção de comitês;

58
8

Foto: Foz do rio Doce – ES - Ricardo Koch / Banco


de Imagens da ANA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discutir sobre comitês de bacia hidrográfica As normas legais e a estrutura do Estado têm
no Brasil é adentrar e compreender a com- se adequado para partilhar o poder de geren-
plexidade desse universo. É falar de algo que ciar as águas. É um desafio e tanto. Contudo,
está em movimento e que, apesar de ter um a Lei das Águas é clara em seu sexto funda-
desenho inicial, se modifica constantemente mento “a gestão dos recursos hídricos deve ser
conforme a conjuntura da política de gestão descentralizada e contar com a participação do
dos recursos hídricos. poder público, dos usuários e das comuni-
dades”. Ou seja, a ordem hoje é a participa-
A prática do comitê de bacia é um dos exem- ção. Não ter a participação nas decisões sobre
plos da grande mudança no contexto das políti- os usos das águas é ilegal. Mas praticar a par-
ticipação é desafiador.
cas públicas no País.

Existem mais de 160 comitês de bacia ins-


O Brasil se transformou ao longo do
talados no País. Diferentes na dimensão da
século XX de um país de baixa pro-
área de atuação, na representação, com ex-
pensão associativa e poucas formas
periências muito peculiares. Alguns estados
de participação da população de baixa
criaram comitês sem que houvesse o devido
renda, em um dos países com o maior
amadurecimento das organizações civis e dos
número de práticas participativas
usuários de água para assumir tal responsa-
(AVRITZER, 2008).
bilidade. Algumas experiências deram certo.
Outras fracassaram. Portanto, tratar sobre os
Certamente, o hábito de participar da elabora- comitês de forma geral pode, incorretamente,
ção de políticas públicas ainda não está con- dar a entender que exista um padrão definido ou
solidado. Ainda há grande desconfiança desse um modelo ideal. Nesses anos de experiência,
diálogo entre os atores governamentais, os a lição que se aprendeu é que quanto mais
usuários e as organizações civis. a organização do comitê corresponder às

59
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

necessidades da bacia, melhor será seu fun- definem se o comitê terá sustentabilidade polí-
cionamento. Isto só se faz construindo coleti- tica, legal e financeira.
vamente o comitê.
Para desempenharem a contento suas funções,
Isto não quer dizer que o comitê seja uma pana- os comitês necessitam de apoio técnico e ad-
ceia, capaz de resolver todos os problemas rela- ministrativo. Segundo a Lei das Águas, quem
cionados à água. Tampouco significa que possam apoia técnica e administrativamente o comitê é
ser criados arranjos participativos de qualquer sua Agência de Água e ela só poderá ser criada
natureza e dar o nome de comitê de bacia. Há após o estabelecimento da cobrança pelo uso
de se atender às imposições legais quanto aos da água e com a comprovação de sua viabilida-
princípios, aos fundamentos, aos objetivos, ao de financeira. É necessário, então, que se avan-
arranjo institucional e, sobretudo, fazer que eles ce na implementação da cobrança buscando a
possam efetivamente exercer suas atribuições. autonomia de funcionamento do colegiado.

A decisão de formação de um comitê de ba- Afinal, o funcionamento dos comitês não deve
cia deve se apoiar na real necessidade de estar assentado em atos voluntários. Deve pos-
existência de um colegiado dessa magnitude, suir uma estrutura de suporte que permita o
considerando-se sempre o contexto da bacia desenvolvimento de suas atividades da forma
hidrográfica, os interesses políticos e econô- mais eficiente para dar consequência às ações
micos, o nível de organização da sociedade, por ele deliberadas. Mas esta é outra história. No
o arcabouço jurídico que regulamenta as ins- volume 2 serão abordadas as práticas e os pro-
tâncias de poder e as articulações entre as cedimentos que ajudam a efetivação da atuação
políticas públicas. São essas condições que dos comitês – o comitê de bacia em ação.

60
Ricardo Koch / Banco de Imagens da ANA
Foto: Borboletas no rio Floriano – PR -
REFERÊNCIAS E INDICAÇÕES DE LEITURA
ARRETCHE, Marta. Mitos da descentralização: participativa/processo de negociação: uma
maior democracia e eficiência nas políticas visão da Lei Federal n.º 9.433, de janeiro de
públicas? Revista Brasileira de Ciências So- 1997. Belo Horizonte: 1999.
ciais, São Paulo, 1996.
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ASSIS, Fernando S. Instrumentos da gestão va do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
ambiental – gestão participativa/processo
de negociação: uma visão da Lei Federal ______. Agência Nacional de Águas (ANA).
nº 9.433, de janeiro de 1997. In: XIII SIMPÓ- O processo de formação do Comitê da Bacia
SIO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RE- Hidrográfica do Rio São Francisco: relato e
CURSOS HÍDRICOS, Belo Horizonte, 1999. avaliação de aspectos normativos, metodológi-
cos e conceituais. Resumo executivo do rela-
AVRITZER, Leonardo. Instituições participati- tório final. Projeto de Gerenciamento Integrado
vas e desenho institucional: algumas conside- das Atividades Desenvolvidas em Terra na Bacia
rações sobre a variação da participação no Bra- do São Francisco – Projeto GEF São Francisco.
sil Democrático. Opinião Pública, Campinas, Brasília/DF: ANA/GEF/Pnuma/OEA, 2003.
v. 14, p. 43-64, n. 1, jun. 2008a.
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______. Democratization and citizenship in La- cia Hidrográfica do Rio São Francisco. Mó-
tin America: the Emergence of Institutional for- dulo 1 – Resumo Executivo. Brasília/DF, 2004.
ms of participation. Latin American Research
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______. Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Glossário de Termos referentes à gestão de
BOSON, Patrícia H. G.; ASSIS, Fernando S. recursos hídricos fronteiriços e transfrontei-
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61
REFERÊNCIAS E INDICAÇÕES DE LEITURA
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

______. Ministério do Meio Ambiente/Secre- NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para


taria de Recursos Hídricos. Plano Nacional a sociedade civil: temas éticos e políticos da
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gráficas. Brasília/DF, 2005. Disponível em:
<http://www.ana.gov.br/pnrh/DOC.>. Acesso PEREIRA, Dilma Seli Pena. Governabili-
em: 22 ago. 2007. dade dos recursos hídricos no Brasil: a
implementação dos instrumentos de ges-
CANALI, Gilberto Valente. Descentralização e tão na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do
subsidiariedade na gestão de recursos hídricos: Sul. Brasília/DF: Agência Nacional de Águas
uma avaliação da sua recente evolução em (ANA), 2003.
face da Lei nº 9.433/97. In: FREITAS, Vladimir
P. (Coord.). Direito ambiental em evolução. PORTO, Monica; PORTO, Rubem de la Lai-
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Avançados, v. 22, n. 63, São Paulo, 2008.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.
O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portu- PROJETO MARCA D’AGUA: seguindo as mu-
guesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. danças nas bacias hidrográficas do Brasil: Ca-
derno 1: Retrato 3x4 das Bacias Pesquisadas.
GARJULLI, Rosana. Mobilização e participação JOHNSSON, Rosa Maria; LOPES, Paula Duar-
na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: o te (Org.). Brasília/DF: Finatec, 2003.
desafio da gestão participativa. Revista Memo-
rial, n. 1, do Comitê da Bacia Hidrografia do Rio ______. seguindo as mudanças nas bacias
São Francisco (CBHSF), Salvador, 2007. hidrográficas do Brasil: Caderno 2: Comitês
de bacias sob o olhar dos seus membros. Be-
GARRIDO, Raimundo Jose Santos. Comitê de ate Frank. Blumenau: Furb, 2008.
bacia: o que é, como é formado, como funcio-
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HOUAISS. Dicionário da Língua Portugue- Jaguaribe e Banabuiú. Cogerh, abr., 2006.
sa. Editora Objetiva, 2001.
UTZIG, José Eduardo; GUIMARAENS, Rafael.
MASCARENHAS, Ana Cristina Monteiro. Con- Democracia e participação popular na esfera
flitos e gestão de águas: o caso da Bacia Hi- pública: a experiência de Porto Alegre. In: BON-
drográfica do Rio São Francisco. Dissertação DUKI, Nabil (Dir.). As práticas bem-sucedi-
(Mestrado em Desenvolvimento Sustentável)– das em habitação, meio ambiente e gestão
Centro de Desenvolvimento Sustentável, Uni- urbana nas cidades brasileiras. São Paulo:
versidade de Brasília (UnB), Brasília/DF, 2008. Studio Nobel, 1996.

62
Foto: Lajeado do Pedregulho - PR / Banco de
imagens da ANA
GLOSSÁRIO6
Açude – lago ou reservatório formado pelo bar- contando com a participação dos usuários, das
ramento de um curso d’água. prefeituras, da sociedade civil organizada, das
demais esferas de governo (estaduais e fede-
Afluente (ou tributário) – curso d’água que de- ral), destinado a agir como o “parlamento das
semboca em um curso maior ou em um lago. águas da bacia”.

Aquífero – formação permeável com capacidade Derivação – ação de derivar ou de desviar as


de armazenar quantidades apreciáveis de água. águas do curso que seguiam.

Área de recarga ou zona de recarga – Região por Dessedentação animal – água utilizada para
onde um aquífero é recarregado ou recebe a infiltra- saciar a sede de animais.
ção da água de superfície ou de zonas profundas.
Disponibilidade hídrica – é a quantidade de
Bacias contíguas – são bacias vizinhas ou água disponível para determinado uso, na qua-
fronteiriças. lidade necessária, em um trecho de corpo hídri-
co, durante determinado tempo.
Biota – conjunto dos seres animais e vegetais
de uma região. Ecossistema – sistema no qual as interações
entre os diferentes organismos e o meio am-
Comitê de bacia hidrográfica – fórum de biente conduzem a um intercâmbio cíclico de
decisão no âmbito de cada bacia hidrográfica materiais e de energia.

6 Os termos deste glossário foram retirados das fontes: BRASIL, 2006; HOUAISS, 2001; Dicionário livre de geociências,
disponível em: http://www.dicionario.pro.br/dicionario/index.php/%C3%81rea_de_recarga.

63
GLOSSÁRIO
CADERNOS DE CAPACITAÇÃO EM RECURSOS HÍDRICOS – VOLUME 1

Efluente – água residual que flui de um reser- Outorga de direito de uso da água – é o ato
vatório ou de uma estação de tratamento. administrativo mediante o qual o poder público
outorgante (União, estado ou Distrito Federal)
Enquadramento de corpos d’água em clas- faculta ao outorgado (requerente) o direito de
ses, segundo os usos preponderantes da uso de recurso hídrico, por prazo determinado,
água – é um dos instrumentos de gestão de re- nos termos e nas condições expressas no res-
cursos hídricos que visa ao estabelecimento do pectivo ato administrativo.
nível de qualidade (classe) a ser alcançado e/ou
mantido em um segmento de corpo d’água ao Perenização – tornar perene, ou seja, fazer durar
longo do tempo. Tem o objetivo de assegurar às muitos anos, de forma incessante, ininterrupta.
águas qualidade compatível com os usos mais
exigentes a que forem destinadas, bem como Rio transfronteiriço – comumente empre-
diminuir os custos de combate à poluição das gado como sinônimo de rio internacional ou
águas mediante ações preventivas permanentes. compartilhado.

Evapotranspiração – quantidade de água Subsidiariedade – princípio segundo o qual a


transferida da superfície para a atmosfera, por decisão deve ser tomada pela autoridade (nor-
evaporação das superfícies e por transpiração mativa, política ou econômica) mais próxima
das plantas. possível ao objeto do problema.

Exutório – foz de um rio. Tributário – o mesmo que afluente.

Leito de rio – parte mais baixa do vale de um Vazão – é o volume de água que passa por
rio, modelada pelo escoamento da água, ao determinada seção de um rio ou um canal,
longo da qual se deslocam, em períodos nor- por unidade de tempo. Usualmente é dado
mais, as águas e os sedimentos. em litros por segundo (L/s), em metros cúbi-
cos por segundo (m3/s) ou em metros cúbicos
Montante – em direção à cabeceira de um rio. por hora (m3/h).

64
Banco Mundial

Organização
das Nações Unidas
para a Educação,
a Ciência e a Cultura
The World Bank

ISBN: 978-85-89629-76-8

9 788589 629768

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