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Jaqueline Sclearuc
I learned one thing about mindfulness. I learned that when you don’t feel so
well, maybe you can breathe, In-then-out, that is what I learned.
InnerKids’ Second Grade Student, Lucy
baseada em mindfulness de oito sessões de uma criança de 7 anos com recusa alimentar,
sobre a prática aplicada à reabilitação infantil. Por fim, faremos uma revisão da
literatura sobre as pesquisas realizadas na área, terminando com uma breve reflexão
segundo filho do casal e tem um irmão de 10 anos. A mãe relata gravidez, nascimento e
alimentar de J. Relata que J. aceita apenas macarrão com manteiga sem molho, arroz
branco com batata palha, kibe só de um restaurante específico e batata frita. Diz que o
problema se iniciou quando a criança tinha 1 ano de idade. Segundo ela, a criança
demonstrava certo desconforto sensorial com cheiros e texturas. Diz que é carinhoso,
rotina do dia a dia. A avaliação feita por fonoaudiólogo com expertise em dificuldades
ser devido a outra causa, provavelmente associado à inflexibilidade relatada pela mãe
processo.
iniciou-se com uma conversa sobre estresse. Mostrei que, assim como os adultos, as
maneiras, como por exemplo: dor de cabeça, dor de barriga etc. A criança verbalizou
alimento que não quer ou que não gosta. Nesse momento, diz que fica triste e nervoso e
que perde a vontade de fazer qualquer coisa, principalmente de comer. Relata ainda,
que também fica estressado quando tem prova na escola, esquecendo algumas coisas
que havia estudado. Partindo dessa fala, expliquei que existe uma maneira divertida e
trabalhamos conceitos como: prestar atenção no momento presente; não existe certo ou
momento, sem mudar nada. A criança verbalizou que era muito difícil e que não parava
de pensar na fase do jogo de vídeo game que não conseguia avançar e que o irmão
estaria jogando em casa, passando na frente dele na competição. Explicou ainda que só
consegue pensar no jogo do vídeo game o dia inteiro e que as outras atividades eram
entrar em contato com sua respiração, J. percebeu como se distraí com os pensamentos
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sobre o jogo de vídeo game. Durante a semana foi orientado a observar e registrar as
percebido uma árvore de jabuticaba, cheia de frutas e que, segundo a mãe, sempre
esteve nesse lugar, mas que nunca havia percebido. Descreveu com detalhes tudo o que
uma pipa, numa paisagem bucólica com vários detalhes de flores coloridas ao fundo.
Pedi para observar durante dois minutos. Depois, a fotografia foi retirada e solicitei
que desenhasse o que havia visto, com o máximo de detalhes que lembrasse. A criança
sem o registro da paisagem. Guardamos e fizemos uma prática para colocar toda a
desenho era imensa. Na comparação dos dois desenhos, ele ficou muito surpreso, e
passa nele. Esse foi o tema do terceiro encontro. Levar a atenção para o corpo
possibilita entrar em contato e saber melhor onde estão os nossos limites. O próprio
corpo fala, se está com sono, frio, tenso, fome ou saciado, por exemplo. Dessa forma,
papel craft que estava estendido no chão e eu contornei seu corpo com caneta. Com
várias canetas coloridas, a criança foi desenhando o que havia percebido durante o
verbalizou que não entendia como poderia caber tantas coisas num corpo tão pequeno.
um ratinho que tinha um vaga-lume contador de histórias dentro de sua cabeça. Eram
histórias tão boas e legais que não deixavam o ratinho prestar atenção em mais nada a
não ser em suas histórias. Pedi para que associasse a história do ratinho com nossos
pensamentos. Pensamentos são como escadas rolantes que não param. Você pode
deixa-los seguir, é o que explica Snel (2016). Fizemos uma lista dos seus pensamentos,
colocamos todas as suas preocupações, que foram escritas ou desenhadas num papel.
tocar, cheirar, ver e saborear. O objetivo era ter consciência das diferentes sensações e
para cada um dos sentidos. As vivências que envolveram cheirar, tocar e saborear
foram as mais impactantes, demandando mais tempo e assistência. Com cuidado foi
a mente e torná-lo mais aberto à prática. Com calma, J. conseguiu participar. Ao final,
disse que descobriu que os alimentos “melequentos” eram aversivos para ele.
Na semana seguinte, a mãe de J. chegou radiante dizendo que ele havia ido na
festa de um amigo, e que havia comido pizza de queijo pela primeira vez. Discutindo o
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ocorrido, J. me disse que nossos encontros estão ajudando-o a ficar mais calmo e que
também, ser sentidos no corpo. Expliquei que sentimentos não definem quem somos,
bastante recorrente entre as crianças. Sendo assim fizemos um exercício para lidar com
medo de perder a mãe, medo de escuro e medo de perder nos jogos de vídeo-game.
Após o exercício, conversamos e pedi que desenhasse o medo que havia sentido.
Um monstro, colorido e cheio de dentes, que comia a barriga dele. A sensação que
descreveu foi a de que seu maior medo era o de dormir sozinho. Inesperadamente disse
que a respiração amável era uma arma de vento que assustava e afastava o mostro do
medo. No final, diz que sentiu certo alívio e saiu vencedor de uma “linda batalha”.
No sétimo encontro foi retomado o tema do medo. A criança relatou que todas
aliviava, mas mesmo assim não conseguia ficar sem a mãe até adormecer. Diz que na
presença da mãe o sono aparecia mais rápido e tranquilo, mas que a tranquilidade na
escola estava longe de acontecer. Relatou que brigou com outra criança que fez uma
reativos com frequência. Perguntei para J. qual foi a vontade dele quando sentiu raiva
da rasteira. Prontamente me respondeu que teve vontade de bater no colega, mas que
por sorte não deu tempo, pois ele saiu correndo. Conta que ficou pensando o restante
do dia como poderia dar o troco. Diz que sua cabeça parecia um redemoinho. Lembrou
respiração. Nesse momento lembrou que o colega havia chorado, em outro dia, porque
vingança havia sumido. No dia seguinte, procurou o menino e perguntou se ele havia
melhorado da tristeza pela morte do cachorro. Diz que o amigo sorriu, fez um sinal de
afirmação e abraçou-lhe. “É bom ser gentil”, disse com um belo sorriso. Nesse
momento tive certeza que nossos encontros, utilizando práticas de mindfulness, têm sido
momentos mágicos e têm trazido muitos benefícios para a criança, muito além da
dificuldade alimentar. Nesse encontro, tivemos a ideia de fazer “broches” com o dizer:
É bom ser gentil! Confeccionamos com tampas de garrafa pet. J. disse que iria
com a escola. Estava muito feliz, mas nem todos estavam assim como ele. Indaguei o
que havia acontecido. Contou que muitos amigos estavam tristes porque o time deles
não havia ganhado a medalha de ouro. Ele não havia ganhado a medalha de ouro
medalha. Reconheceu que todos nós temos desejos. Disse que o desejo da mãe é que ele
cobranças. A criança não come porque não quer, mas porque não consegue. E lidar
com o desejo dela e principalmente dos outros, muitas vezes é muito angustiante.
Usamos a meditação chamada “árvore dos desejos” de Snel (2016), que ensina a ter
confiança e encoraja ao desapego do controle do desejo e das coisas que não pode
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para acontecer cada coisa; de confiança porque irá acontecer em algum momento; e de
Imediatamente a criança fez a conexão com os seus desafios e verbalizou que a mãe
dele poderia entender sobre isso, assim pararia de insistir para ele comer certas
Conceitos básicos
mais amplo que oferece um leque maior de opções e modos de relacionamento com o
que quer que apareça na mente, no coração, no corpo e na vida. O acesso à consciência
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Segundo Silva & Homenko (1995) a sabedoria é a compreensão correta do presente, do que é
aqui e agora, superando os condicionamentos conceituais. Sabedoria é ver a realidade como ela
é.
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sentido, mindfulness é uma habilidade que, como qualquer outra, pode ser desenvolvida
com a prática.
vezes, um processo de vitimização pelo próprio sujeito, como uma estratégia automática
de sobrevivência.
pensamentos preocupantes geram algum tipo de emoção que se conecta com o corpo,
causando sensações que, muitas vezes, nem percebemos. As práticas objetivam dirigir a
atenção ao corpo com uma mente focada, experimentando as sensações que vêm dos
(Kabat-Zinn, 2017).
Uma das maneiras mais eficazes de levar a atenção para o corpo é desenvolver a
momento presente porque só podemos perceber a respiração conforme ela afeta o corpo
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Nota das organizadoras: no âmbito da neuropsicologia, isso refere-se a fomentar e engajar
processos de automonitoramento e regulação do comportamento, cognição e emoção, processos
relacionados às chamadas funções executivas.
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de nossas atividades e nossos sentimentos. Ela acelera com o esforço físico de nossas
interno não estão calmos e pacíficos. Quando resistimos ao desconforto ou à dor física
ou mental, a tendência é prender a respiração ou inibir o seu fluxo. Todos nós fazemos
isso quando estamos sob algum tipo de estresse, desenvolvendo hábitos involuntários de
inibir a respiração, que resulta em mais tensão (Burch, 2011). Ao colocar o foco na
redor.
Mindfulness em crianças
apropriada.
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da respiração. A respiração é como uma ‘porta vai-vém’ entre seus mundos interior e
exterior (Greenland, 2016). Algumas crianças podem se prender a uma forma exaustiva
mindfulness podem ajudar a mudar sua estrutura conceitual negativa para uma positiva,
consciência para sua experiência interna e externa e agregarem uma qualidade reflexiva
quando prestamos atenção. Para facilitar essas percepções, é preciso mostrar às crianças
o que é uma respiração acelerada e uma respiração lenta, mostrando como a respiração
reflete um estado mental, para que assim comecem a fazer conexões entre os estados
começar com perguntas do tipo: O que eu sinto? O que eu penso? O que eu vejo? Em
relação aos outros: O que eles sentem? O que eles pensam? O que eles veem? Quando
as crianças entendem que elas e aqueles a quem amam estão de algum modo conectados
físicas. É importante orientá-las a ter sempre o cuidado de não analisá-las e não rotular a
sentem, sem se criticar e com gentileza. Esta atitude gentil consigo mesmo, desestimula
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aceitação compassiva.
mais motivadas para realizar as atividades de reabilitação, reabilitando seu corpo por
Reabilitação e mindfulness
maior harmonia e bem estar interior, negociando a paz interna, em vez de tentar lutar
intervenções para melhorar a função corporal até medidas mais abrangentes destinadas a
OMS (2011) define reabilitação como “um conjunto de medidas que ajudam pessoas
avaliação de seus efeitos. É consenso de que a reabilitação que começa cedo produz
que têm, ou podem vir a ter, atrasos de desenvolvimento, promovendo progresso escolar
dos seus familiares praticarem a não resignação, mas autoaceitação com gentileza e
como amor, gratidão e compaixão às situações que estão sendo expostas. No âmbito da
atenção, funções executivas e regulação emocional; (2) estudos que visam a comprovar
controle da atenção, muitos estudos têm como objeto de estudo as diversas facetas do
processo atencional (Felver, Tipsord, Morris, Racer, & Dishion, 2017; Lim & Qu, 2017;
Tarrasch, 2018; Viglas & Perlman, 2018). Por exemplo, Tarrasch (2018) reporta
melhora na capacidade de atenção das crianças, em um estudo feito em Tel Aviv com
101 crianças, com idades entre 9,6 e 10,7 anos (M=10,1; DP=0,3), com medidas pré e
minutos aplicadas três vezes por semana durante seis semanas, indicou a melhora na
segundo o autor, sugere o potencial da prática para a reabilitação (Viglas & Perlman,
2018).
Kaiser-Greenland, & Locke, 2010; Zelazo, Forston, Masten, & Carlson, 2018). Por
consistiu de 16 sessões de 30 minutos aplicadas duas vezes por semana. Cada sessão foi
dividida em três partes: (1) a primeira sessão consistia de três minutos de meditação
escaneamento corporal.
Center da UCLA, nos Estados Unidos, em que crianças pré-escolares que participaram
executivo da criança e no estresse dos pais (Chimiklis, Dahl, Spears, Goss, Fogarty, &
estudos para confirmar esses resultados, que consideram ser preliminares, devido à
qualidade de vida, resposta social, cognição social e motivação social. Foi também
sujeitos e falta de grupo controle, concluindo não haver, ainda, evidência científica
2011 (Zoogman, Goldberg, Hoyt, & Miller, 2015) mostrou que as intervenções
efeito entre pequeno a moderado (0.23, p < .0001). É interessante notar que um tamanho
clínicas e não-clínicas (0.50 versus 0.20, p = .024). Segundo o autor, esses resultados
sugerem que a intervenção pode ser especialmente benéfica para casos clínicos, com
entre 8 e 9 anos em uma escola em Nova Iorque, com o objetivo de ajudar as crianças a
autora elenca cinco conclusões do estudo, a seguir: (1) as crianças experimentam calma
ouvintes e mais focadas na atividade que segue imediatamente à prática; (3) a prática
tempo; (4) as crianças podem ser ensinadas a recuperar a atenção e redirecionar seu foco
autoconsciência, criando, assim, uma atmosfera de sala de aula mais positiva e de apoio
entre os pares. Não temos conhecimento de nenhuma escola que adote um programa de
afirmando ser necessário clarificar quais as práticas de mindfulness mais eficazes para
serem usadas no âmbito escolar e a dose necessária dessas práticas para a obtenção dos
estudos encontrados.
al., 2018; Evans, Ling, Hill, Rinehart, Austin, & Sciberras, 2017; Mak, Whittingham,
Cunnington & Boyd, 2017). Por exemplo, uma revisão sistemática recente feita com
que os resultados encontrados indicaram um risco alto de viés nos estudos, sugerindo
que conclusões definitivas sobre a eficácia dessas intervenções com crianças e jovens
com TDAH não podem ser feitas no momento atual da pesquisa (Evans et al., 2017). É
também importante ressaltar que ainda não há estudos de longo prazo, sendo, portanto,
(Cebolla, 2016).
indicando que essas intervenções em jovens têm efeitos terapêuticos positivos, porém
Concluem recomendando que, até que mais pesquisas sejam feitas, mindfulness seja
de facilitar resultados positivos nos alunos no âmbito escolar, mas talvez não como um
Lazar et al., 2005; Treadway, & Lazar, 2008). Segundo Moy-Rome (2015), o cérebro
autor acrescenta que novos neurônios são criados e ativados com a repetição da prática.
conectam durante a prática, de forma a criar e aprofundar novas rotas neurais no córtex
pré-frontal. Como resultado, há aumento nas áreas responsáveis pelo gerenciamento das
Considerações finais
mudanças positivas em várias áreas, que vão do bem-estar físico e mental a domínios
emocional, tanto em quadros clínicos variados assim como no contexto escolar. A nosso
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neuropsicológica.
de decisões responsáveis, sejam realizados. É muito provável que efeitos maiores das
Por fim, é importante salientar que ter e manter uma prática estabelecida e
qualificados.
Referências
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