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JAMES C.

SCOTT E A RESISTÊNCIA COTIDIANA: UMA AVALIAÇÃO


CRÍTICA
Karl Monsma

Nas últimas duas décadas, provavelmente nenhum pesquisador agitou tanto os estudos
do mundo rural em língua inglesa quanto James C. Scott. Da publicação de The Moral
Economy of the Peasant: Rebellion and Subsistence in Southeast Asia (A economia moral do
camponês: rebelião e subsistência no Sudeste da Ásia) em 1976 e a célebre polêmica com
Samuel Popkin (1979) que se seguiu até seu recém lançado (1998) Seeing Like a State: How
Certain Schemes to Improve the Human Condition Have Failed (Vendo como um estado: como
certos esquemas para melhorar a condição humana fracassaram), Scott sempre provoca
discussões acaloradas. Junto com vários artigos, seus dois livros sobre a dominação e a
resistência no cotidiano, Weapons of the Weak: Everyday Forms of Peasant Resistance (Armas
dos fracos: formas cotidianas da resistência camponesa, 1985) e Domination and the Arts of
Resistance: Hidden Transcripts (A dominação e as artes da resistência: transcritos escondidos,
1990), foram especialmente influentes, levando a, para citar somente umas das intervenções
mais conhecidas no debate sobre a resistência cotidiana, um número especial da revista Journal
of Peasant Studies (vol. 13, n. 2, 1986), a conferência oficial da presidente da Law and Society
Association em 1994 (Merry, 1995) e um ensaio crítico de uma das principais antropólogas
americanas (Ortner, 1995). Esses debates e as novas pesquisas que inspiram muitas vezes
extrapolam os estudos de camponeses e outros grupos rurais, para abarcar, entre outros temas,
formas de resistência urbanas, o papel dos movimentos e das outras organizações formais na
mudança social, se existe ou não uma “hegemonia” das classes dominantes nas mentes dos
subalternos, e os processos simbólicos na dominação e na resistência. Nos anos 90 o Programa
em Estudos Agrários que Scott dirige na Universidade Yale, onde é professor de ciência política
e de antropologia, é um centro importante para tais discussões, acolhendo e dando bolsas de
pós-doutorado a pesquisadores de todo o mundo.
Apesar de algumas generalizações bastante amplas, Scott enfatiza o conhecimento, os
entendimentos e as práticas locais, enraizados no espaço e no tempo. Perpassando toda a obra
de Scott se encontra um respeito profundo aos camponeses e aos outros grupos subalternos, e
uma suspeita de todos que querem lhes explorar, ou que querem lhes administrar ou
arregimentar para seu próprio bem, sejam latifundiários, capitalistas, colonialistas, burocratas,
agrônomos, ou ativistas de partidos revolucionários. Ele acha que boa parte da tarefa do
cientista social que estuda o mundo rural é apreender e traduzir para um discurso científico o
que os camponeses já sabem (veja também Giddens, 1984, p.281-6). No livro mais recente
(1998), que trata das conseqüências nefastas da “ideologia alta-modernista”(a crença no
progresso através dos avanços tecnológicos e do planejamento científico da organização social),

1
ele argumenta que também os agrônomos e os planejadores do Estado devem prestar atenção ao
conhecimento prático e local do camponês (e dos moradores locais em geral) e tentar aprimorar
esse conhecimento, enfatizando menos os experimentos controlados com plantações, que não
correspondem às condições complexas da produção real, e abandonando esquemas para o
desenvolvimento do campo derivados da teoria social sem consultas ao campesinato.1 Ele
sugere que a policultura e a variedade dos cultivares características da agricultura tradicional
são mais sustentáveis a longo prazo e mais resistentes às pragas que a monocultura, a variação
genética limitada, e os agrotóxicos promovidos pelas grandes empresas multinacionais e
também, muitas vezes, pelos agrônomos e pelo Estado. Os grandes esquemas de políticos e
burocratas urbanos para a reorganização do campo, especialmente a coletivização da
agricultura, quase sempre fracassam por causa da falta de conhecimento das condições locais e
por causa da resistência cotidiana, sem organização formal mas ubíqua e constante, dos
camponeses.

Rebeliões camponesas
Os outros três livros de Scott tratam explicitamente da política camponesa, embora
Domination and the Arts of Resistance também aborde a política de outros grupos e classes
subordinados. Este paper focaliza tal aspecto do trabalho de Scott, que segue sendo o mais
influente até agora, especialmente os estudos da dominação e da resistência no cotidiano. O
primeiro livro, The Moral Economy of the Peasant: Rebellion and Subsistence in Southeast
Asia, foi parte de uma onda de pesquisas sobre a política camponesa nas ciências sociais
americanas estimulada pela Guerra de Vietnã.2 Scott sintetizou idéias sobre a economia de
subsistência e a aversão ao risco do camponês de Chayanov e outros economistas3 com o
conceito de “economia moral” de E. P. Thompson (1963, 1971) para afirmar a existência de
uma “ética da subsistência” entre camponeses do sudeste asiático que implica a
responsabilidade da aldeia pela sobrevivência dos seus membros e, especialmente, o dever dos
ricos e poderosos de aliviar a exploração dos pobres ou até subvencioná-los em tempos difíceis
como, por exemplo, a perda de uma colheita, mesmo se o preço deste “seguro” seja uma taxa

1
Uma parte do livro também trata do planejamento urbano, incluindo um capítulo sobre
Brasília.
2
Além dos livros de Scott e Popkin discutidos no texto, os livros mais importantes dessa
onda incluem Eric Wolf, Peasant Wars of the Twentieth Century (New York: Harper & Row,
1969); Joel S. Migdal, Peasants, Politics and Revolution (Princeton, Princeton University Press,
1974); e Jefferey Paige, Agrarian Revolution: Social Movements and Export Agriculture in the
Underdeveloped World (New York: Free Press, 1975).
3
A idéia básica é que o camponês faz tudo o possível para minimizar as chances de um
desastre econômico, como a perda de uma colheita, que pode significar a fome para sua família,
mesmo quando isso significa uma renda média bem menor. Sem algum tipo de seguro contra o
desastre, o camponês não está disposto a tomar riscos e prefere técnicas e relações sociais que
providenciam uma renda baixa mas estável aos arranjos que produzem uma renda média maior,
mas com flutuações maiores que têm mais chances de cair abaixo da linha de subsistência.
2
média de extração maior. Scott afirma que essas garantias tradicionais foram minadas pelo
crescimento da população, que aumentou o poder dos donos de terras, pela comercialização da
agricultura, que expôs os camponeses às flutuações do mercado internacional e quebrou os laços
pessoais entre eles e as elites, e pelo estado colonial, que garantiu a propriedade das elites
locais, diminuindo sua dependência das suas clientelas, e impôs impostos fixos que não levavam
em conta o que sobrava para os camponeses comerem. Durante crises de subsistência os
camponeses rebelavam-se, segundo Scott, contra a violação desses direitos tradicionais pelas
elites e pelo estado, um argumento que ele apoia com análises históricas de rebeliões na
Birmânia e no Vietnã durante a depressão dos 1930.
Três anos depois da publicação de The Moral Economy of the Peasant, Samuel Popkin,
partidário da escolha racional, replicou com The Rational Peasant: The Political Economy of
Rural Society in Vietnam (O camponês racional: a economia política da sociedade rural no
Vietnã, 1979).4 Popkin mostrou que a aldeia tradicional vietnamita não teve a coesão moral que
Scott lhe atribuíra, que os camponeses suspeitavam tanto uns dos outros que não queriam
contribuir para o bem comum e que a elite local, incluindo a liderança das aldeias, era insensível
à condição dos pobres, aproveitando qualquer oportunidade para explorá-los e até usando seu
poder para forçar os pobres a pagarem a maior parte dos impostos da aldeia. O colonialismo,
conforme Popkin, só aumentou as vantagens das elites aldeães e dos latifundiários. A
administração francesa se coligou com as elites locais para extrair mais impostos dos pobres e
proteger a propriedade dos ricos, o que aumentou a desigualdade nas aldeias, e os latifundiários
manipulavam as leis e a burocracia colonial para monopolizar terras.
Usando a idéia de incentivos seletivos para a ação coletiva de Mancur Olson (1965),
Popkin argumentou que os camponeses seguiriam qualquer movimento ou liderança que
enfraquecesse as elites tradicionais e providenciasse benefícios concretos, como a proteção
contra a violência ou contra a carestia. Ele apresenta evidências convincentes que padres
católicos e duas seitas vietnamitas ganharam apoio nas aldeias por causa de sua capacidade de
minar o poder das elites locais e de organizar esquemas de ajuda mútua e beneficência social
que os camponeses não desfrutavam antes. Os comunistas fizeram a mesma coisa, mas foram
mais bem sucedidos, segundo Popkin, porque tinham uma noção mais realista do poder político
e tinham maior competência organizacional. Uma das principais contribuições dos comunistas
às aldeias foi a liderança honesta. Sem a corrupção dos chefes tradicionais, os camponeses
podiam ser convencidos a colaborar com projetos comunitários para melhorar a produtividade,
tais como represas e canais de irrigação, e outros projetos para melhorar a vida aldeã. O fim da
exploração das elites locais, a redistribuição das terras e os projetos comunitários selaram a
lealdade de grande parte dos camponeses aos comunistas e permitiram que eles extraíssem

4
Scott claramente constituía o alvo principal de Popkin, mas ele também atacava as
3
muito mais impostos (e homens) das aldeias que controlavam que os franceses tinham tirado
antes, o que explica como um exército camponês conseguiu vencer dois dos exércitos mais
poderosos do mundo (primeiro o francês, depois o americano).
Acho que Popkin venceu essa polêmica, não porque a escolha racional é mais certa que
a abordagem mais cultural de Scott, mas porque Popkin, orientado pelas entrevistas que ele fez
com camponeses, ativistas comunistas e latifundiários no meio da guerra, fez uma pesquisa
histórica melhor e mais penetrante, cujos detalhes muitas vezes extrapolam os limites estreitos
da escolha racional. Scott realmente teve uma visão romantizada do funcionamento interno da
aldeia camponesa e das suas relações com as elites tradicionais. Scott superaria essa falha na
sua próxima pesquisa, mergulhando profundamente nas relações internas de uma aldeia.

A resistência cotidiana
Antes de escrever Weapons of the Weak, Scott viveu quase dois anos no fim da década
de 70 em uma aldeia da planície Muda, a mais importante região de produção de arroz da
Malásia peninsular. A aldeia estava sofrendo as conseqüências contraditórias da “revolução
verde”. Por um lado, um novo projeto de irrigação na região permitia, pela primeira vez, duas
colheitas ao ano, aumentando bastante a produtividade e a confiabilidade das plantações e
afastando o espectro da fome das casas dos pobres. Por outro lado, novas técnicas,
especialmente o uso de máquinas de ceifar e trilhar (combine harvesters) nos arrozais,
aumentavam a desigualdade de classe porque desempregavam os trabalhadores da colheita e
incentivavam os latifundiários a despejar pequenos rendeiros e, ou alugar as terras em parcelas
maiores ou plantar por conta própria. A observação participante de Scott focalizou as relações
de classe no cotidiano, especialmente como os ricos e os pobres da aldeia interpretavam as
mudanças recentes, como falavam uns dos outros na ausência destes, e como essas
representações divergiam das falas e ações nas interações entre as classes. Também colheu
muita informação sobre a resistência de pequena escala, geralmente sem organização formal ou
líderes oficiais, dos camponeses pobres à apropriação de seu trabalho e da sua produção, como
também às indignidades que eles sofrem dos ricos. Scott afirma que a distinção entre a
resistência e atos egoístas como, por exemplo, furtos, não faz sentido quando estes limitam a
apropriação dos poderosos. Qualquer forma de resistência, por organizada que seja, tem um
aspecto egoísta porque visa melhorar a situação dos participantes. Na aldeia onde ele morou, a
resistência cotidiana incluía furtos de arroz, a debulha incompleta, deixando grãos no caule para
outros membros da família respigarem, boicotes aos agricultores que pagavam pouco ou, no
início, que usavam as máquinas de ceifar e debulhar, a matança de animais dos ricos que
invadiam hortas, e todo tipo de boatos, difamações, e ameaças veladas. Baseando-se neste

interpretações de Eric Wolf (1969), Joel Migdal (1974), e Eric Hobsbawm (1959).
4
trabalho de campo, Scott elabora um argumento vigoroso contra o conceito de hegemonia e para
a importância da resistência cotidiana nas relações de classe e na mudança social.
Em Domination and the Arts of Resistance, ele desenvolve mais o argumento teórico de
Weapons of the Weak, focalizando, além de camponeses, outros grupos ou classes sujeitos à
dominação clara e, muitas vezes, pessoal, especialmente escravos, servos, minorias étnicas e
povos colonizados. Vale a pena ler e discutir esses dois livros em conjunto, tal o grau de
interrelação entre eles. São também esses dois livros que estimularam grande parte da ebulição
intelectual dos últimos anos a respeito da resistência cotidiana. Ele acha que a maioria da
ciência social errou em considerar organizações formais, tais como sindicatos, movimentos
sociais ou partidos revolucionários, como a forma mais importante da luta social e o meio
principal da mudança social. Conforme Scott, a longo prazo a resistência contínua de pequena
escala ou até individual, mas tacitamente organizada e incentivada pela cultura dos subalternos,
tem conseqüências igualmente ou mais importantes que os movimentos sociais para as formas
de extração e dominação, impondo limites nos poderosos e frustrando muitas das suas
ambições. Nas relações de classe, conforme Scott, há um equilíbrio de poder no qual ambos os
lados estão sempre tentando ganhar pequenas vantagens. Para muitos tipos de subordinados,
especialmente os que sofrem a sujeição pessoal, a resistência informal e cotidiana é a estratégia
mais eficaz nessa guerra sem fim. A rebelião, as greves e outras formas de contestação abertas
são arriscadas demais, quase sempre terminando na repressão, e as organizações formais são
fáceis demais para as autoridades se infiltrarem e reprimir ou manipular. Mesmo quando a
organização e a oposição abertas são viáveis, Scott acha que a resistência cotidiana continua
tendo um papel importante, especialmente nos aspectos de qualquer sistema de dominação e
exploração que tomam a forma de relações entre seres humanos que se conhecem.
Essa resistência prosaica, tanto simbólica como material, também influencia os
movimentos formais e molda as explosões sociais, porque mantém viva uma cultura
oposicionista, ou mesmo uma contra-ideologia, que podem estourar no cenário público nos raros
momentos nos quais a repressão do cotidiano é suspensa. Até os ativistas de movimentos
sociais podem sentir a força da resistência cotidiana quando tentam usar camponeses ou outros
seguidores para fins que estes não escolheram (veja Scott, 1979).5 Embora Scott estude
sobretudo a dominação de classe, alguns dos exemplos mais dramáticos que ele apresenta da
força da resistência cotidiana envolvem resistência ao estado, especialmente a sonegação de
impostos e a deserção de soldados. Na aldeia malásia que ele estudou os moradores usavam
vários subterfúgios para pagar só 15% do dízimo islâmico obrigatório porque, segundo eles,

5
Parte da atração da resistência cotidiana para Scott é que é mais democrática e mais
enraizada na vida popular que muitos movimentos e partidos formais, geralmente liderados por
segmentos educados da classe média que acham que sabem melhor que os pobres o que é bom
para eles. Essa posição fica mais clara em Scott 1998.
5
essa verba nunca foi gasta em seu benefício. Há muitos exemplos históricos de exércitos
minados ou dizimados por uma profusão de atos individuais de deserção. Talvez o mais
famoso de todos seja a evaporação do exército russo durante a Primeira Guerra Mundial, o que
permitiu a revolução, si mesmo feita, vale a pena lembrar, por milhões de camponeses sem
nenhuma organização acima do nível da aldeia, a maioria esmagadora dos quais nunca tinha
ouvido falar nem em comunismo nem em bolcheviques.
Os que acham a hegemonia das elites nas idéias das classes populares, segundo Scott,
geralmente só enxergam a face pública das relações de dominação. Quando interagem com os
poderosos, os pobres representam estrategicamente a subordinação para se proteger e para
conseguir benefícios, mas não devemos tomar essas representações pelos pensamentos e
sentimentos internos dos subalternos. Em Domination and the Arts of Resistance ele
desenvolve uma dramaturgia do poder. Este trabalho está fortemente influenciado por Goffman,
só que, enquanto Goffman estudou a interação social sem enfatizar tanto as relações de poder
(e.g., Goffman, 1959), o poder, a dominação e a resistência estão no centro da análise de Scott
do início ao fim.

Transcritos públicos e transcritos escondidos


Scott usa o conceito de “transcrito público” para descrever as interações em situações de
poder. A palavra “transcrito”, no sentido pouco ortodoxo que ele a usa, significa basicamente as
palavras, os gestos e as outras ações que se pode observar e, por isso, incluir em um relato. Para
Scott, o transcrito público inclui a interação cotidiana entre poderosos e dominados, e também
rituais e representações oficiais como desfiles, julgamentos, coroações, discursos oficiais, etc.
Correspondendo com o transcrito público, e em diálogo constante com ele, estão os “transcritos
escondidos” dos dominantes e dos subalternos, o que eles exprimem a respeito do outro lado e
das relações de dominação na interação entre pares sem a presença dos outros. Para entender
como a dominação se reproduz no dia a dia, quais são seus limites e pontos de fraqueza, e a
natureza das expressões populares quando o poder coercitivo das elites se suspende ou se
desmorona, Scott aconselha o estudo de todos os três transcritos e a comparação entre eles.
Scott focaliza principalmente as situações de dominação e exploração claras e diretas, e
geralmente pessoais, onde espera achar uma divergência maior entre o transcrito público e os
transcritos escondidos. Nas interações com as pessoas que têm poder sobre eles, os subalternos
dirigem seu comportamento estrategicamente para encaixar nas expectativas dos poderosos,
dando signos de deferência e respeito, nunca questionando, não replicando a insultos. Na
presença do senhor, o escravo representa um papel de subserviência, mas Scott insiste que é
uma simulação, não o caráter “verdadeiro” do escravo, e ele estende uma lógica parecida às
outras situações de dominação interpessoal. Os poderosos também são constrangidos pelo
transcrito público porque têm de proceder como detentores legítimos de poder que sabem como
usá-lo. Não podem contrariar a ideologia que usam para justificar seu poder na presença dos
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subalternos. O papel dos poderosos tem de ser representado, para não quebrar a magia do poder
e expô-los ao escárnio ou ao desafio aberto, o que pode afoitar outros da classe subordinada e
levar à rebelião. Por isso muitas vezes há restrições sobre contatos informais com os
subordinados.
O transcrito público afirma o poder dos grupos dominantes ao mesmo tempo que
esconde fatos inconvenientes que podem levantar dúvidas sobre sua legitimidade ou que
contrariam a ideologia oficial. É especialmente importante ocultar a coerção, muitas vezes com
eufemismos. A representação pública do poder e a natureza das interações entre poderosos e
subordinados também tende a esconder do olhar público a oposição e a resistência. O transcrito
público do poder pode criar uma impressão de poder nos dois lados: a impressão de consenso
entre o grupo dominante e a impressão entre os subalternos que a resistência aberta seria inútil.
Os transcritos escondidos, tanto dos dominantes quanto dos subordinados, são produtos
de espaços protegidos onde podem falar abertamente sobre relações de dominação e as suas
idéias a respeito do outro lado. Cada lado só tem conhecimento limitado do transcrito
escondido do outro. Scott discute muito mais o transcrito escondido dos subalternos, que é mais
difícil para o pesquisador estudar e que ajuda a entender a resistência cotidiana e as explosões
sociais.
Para os subalternos, o transcrito escondido é, em grande parte, um produto do transcrito
público. A necessidade de controlar as emoções e de reprimir as respostas naturais aos insultos
e indignidades aos quais são sujeitos na interação com os poderosos cria uma necessidade de
desabafar e restabelecer a dignidade quando as pessoas estão num contexto social protegido dos
olhos e dos ouvidos dos poderosos. Assim Scott acha que, embora os poderosos precisem do
transcrito público principalmente para manter a apropriação material, as reações mais fortes dos
subalternos ao transcrito público acontecem por causa da exploração simbólica. Muito do
transcrito escondido dos subalternos se compõe de reações fantasiadas ou veladas ao transcrito
público. São respostas ao transcrito público e negações dele “fora do palco”. Muitas vezes o
transcrito escondido envolve uma interpenetração do mundo terrestre e do sobrenatural, mas é
sempre enraizado nas relações sociais. Então as partes sobrenaturais tipicamente consistem de
magia ou rezas pedindo a vingança dos deuses contra os poderosos.
O desenvolvimento do transcrito escondido exige uma esfera de interação entre
subalternos onde a comunicação não pode ser ouvida ou entendida pelos senhores, patrões ou
outros poderosos. É através do transcrito escondido que as pessoas formam noções contestativas
da realidade social e organizam a resistência cotidiana. Quando existe mais autonomia para a
comunicação entre subordinados, o transcrito escondido pode assumir uma forma mais completa
e coerente, e pode servir como um tipo de contra-ideologia, especialmente quando a dominação
é experimentada de uma forma relativamente homogênea. Isso não implica que o transcrito
escondido se desenvolve em um ambiente livre da dominação. Os entendimentos e as ações do
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transcrito escondido muitas vezes são impostos pelo poder e pela violência dentro do grupo
subordinado. Deste modo, é comum a violência ou outras punições contra delatores, fura-
greves, e outros que colaboram com as autoridades.

Hegemonia
Scott discorda veementemente da idéia de que a hegemonia cultural dos grupos
dominantes explica a manutenção de relações de dominação e exploração. Ele usa a existência
do transcrito escondido para desmentir a maioria das concepções de hegemonia. Se existe a
hegemonia, existe principalmente entre os grupos dominantes e serve para organizá-los e
convencê-los de seu direito de reinar. Para Scott, a continuação da dominação depende
essencialmente da coerção e da desigualdade esmagadora na relação de forças, um argumento
mais fácil de sustentar para os casos extremos de escravos, servos, camponeses e prisioneiros
que ele estuda. Ele acha que muitos pesquisadores não encontram o transcrito escondido porque
não é tão fácil estudar e, por isso, acabam acreditando na hegemonia. Eles só reparam no
transcrito público e tomam as representações dos subalternos por seus sentimentos e
pensamentos verdadeiros.
Segundo Scott, sempre há pessoas que imaginam inversões ou negações da ordem social
vigente, e muito da cultura popular reflete esse imaginário em uma forma semi-oculta ou
disfarçada. Portanto, ele defende o estudo de canções, rimas, desenhos satíricos, pasquins,
boatos, piadas, contos e a religião popular para ganhar acesso ao transcrito escondido. Nos
festivais e carnavais o transcrito escondido pode emergir em público porque os autores estão
disfarçados por fantasias ou protegidos pela multidão.
Mesmo se os subalternos acreditam em vários aspectos da ideologia dominante, isso não
implica necessariamente a hegemonia. Quase qualquer ideologia é polivalente e pode ser
interpretada de uma maneira que favoreça os oprimidos. O cristianismo, por exemplo, pode
justificar os reis, os escravocratas e os capitalistas, mas também pode inspirar e justificar as
rebeliões mais radicais e utópicas. As ideologias dominantes quase sempre defendem a justiça
do sistema de dominação com a afirmação que os dominantes providenciam serviços
importantes aos subalternos. Quando as classes populares acham que não estão recebendo os
serviços devidos, ou que os poderosos estão aproveitando sua posição para lhes maltratar, a
crença na ideologia dominante pode estimular a rebelião. Achar que os pobres e os oprimidos
precisam ser educados ou conscientizados para poder lutar contra a sua dominação é
desconsiderar o fato de que a maioria das revoluções sociais e movimentos radicais da história
foram feitos por pessoas com alguma forma de “consciência falsa”. Virando Gramsci de cabeça
para baixa, Scott afirma que o fato da grande maioria das rebeliões terminarem em repressão
indica que muitas vezes há o contrário da hegemonia: uma crença que se pode mudar a estrutura
da dominação quando na realidade não é possível por causa da força coercitiva das elites.

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Dado o perigo da rebelião, é mais seguro dedicar-se às formas de resistência que não
desafiam abertamente o transcrito público. Portanto, é uma decisão estratégica dos subalternos
resistir sem desafiar e manipular as categorias do transcrito público para melhorar sua situação.
Muita da resistência cotidiana simplesmente cobra as promessas da ideologia oficial, seja a
proteção aos servos, o sustento e cuidado paternalista dos escravos, a patronagem aos
camponeses ou o emprego aos operários. Até a rebelião aberta amiúde evita uma confrontação
direta com o transcrito público, por exemplo pedindo a ajuda do rei contra oficiais corruptos ou
senhores cruéis, mas não reivindicando o direito de viver sem senhores ou reis. Scott trata esse
fenômeno mais como uma decisão estratégica que como uma crença––quase ninguém acha que
todo a estrutura de poder vai cair. A rebelião é uma estratégia de negociação e os rebeldes tem
de se proteger contra a represália que vem depois encobrindo suas reclamações na linguagem
respeitosa do transcrito público.

As contradições da resistência cotidiana


Há muito de valor nessa perspectiva. Scott demonstra a importância da resistência
cotidiana na luta constante acerca da proporção do produto e do grau de deferência que as elites
podem se apropriar, e ele mostra que a resistência de pequena escala pode ser tão poderosa na
mudança social quanto movimentos organizados. Esta análise também deve incomodar
intelectuais e militantes da classe média que acham que os camponeses e outros subalternos que
não pensam como eles têm “consciência falsa” e são politicamente despreparados. Certamente
afirmações que a dominação se reproduz por causa do controle dos meios da produção mental
pelos grupos reinantes são vulneraveis às criticas de Scott. Além disso, as implicações
metodológicas desta abordagem são ricas: os estudos da cultura popular e das interações
cotidianas não são periféricos à sociologia “dura” de poder, exploração, e movimentos sociais;
esses estudos são essenciais para entender como a dominacão acontece e como é possivel
resistir.
Mas Scott tende a exagerar o grau de polarização nos transcritos escondidos e a ignorar
as ambigüidades da resistência porque ele focaliza principalmente situações de dominação
nítida e acentuada. Também deixa aberta a questão de até que ponto as conclusões dele podem
ser generalizados às circunstâncias de dominação indireta, mediada por mercados ou por regras
e procedimentos burocráticos, e ele não trata da resistência nas situações de dominação
complexa, nas quais os subalternos lidam com várias formas de dominação ao mesmo tempo.
Sherry Ortner argumenta que a maior parte do que ela denomina resistance studies é “rasa” por
causa da falta de densidade etnográfica, especialmente por falta de atenção aos conflitos
internos dos grupos subalternos, o que produz uma tendência a romantizar a resistência.
Estudos mais profundos “revelariam, ou deveriam revelar, as ambivalências e as ambigüidades
da resistência em si, ...[que] emergem das redes intricadas de articulações e desarticulações que
sempre existem entre dominante e dominado. Porque a política da dominação externa e a
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política interna de um grupo subordinado podem tanto se concatenar como se repelir.” (1995, p.
190)
Alguns dos problemas na abordagem de Scott decorrem das concepções de estrutura e
da ação humana implícitas nela. Ele trata a estrutura da dominação como algo “exterior” aos
atores humanos, especialmente aos subalternos, e, por isso, desconsidera a participação dos
subalternos na reprodução da dominação. Dentro das estruturas existentes, nesse olhar, os
dominados resistem e fazem o melhor que podem para limitar sua exploração e manter sua
dignidade. É certamente provável que as estruturas de dominação pareçam externas aos
subalternos, mas é importante reconhecer que ao mesmo tempo que as estruturas moldam,
facilitam, e limitam as ações, é a ação e a interação humana que reproduz as estruturas. Isto é a
“dualidade da estrutura” de que Anthony Giddens (1984) fala tanto.
Para Giddens as estruturas existem virtualmente, na forma de procedimentos ou regras
que são generalizáveis entre situações análogas e que, junto com recursos, facilitam e
constrangem a ação. Os sistemas sociais se constituem através de práticas reproduzidas e
padronizadas por estruturas através do tempo e do espaço. Esta idéia de estrutura é bastante
parecida à noção de habitus de Bourdieu (1977, p.78-87), as disposições e os esquemas
internalizados de percepção e ação, que são transponíveis entre situações homólogas. Para usar
uma estrutura, as pessoas necessariamente têm de mobilizar as categorias e entendimentos
embutidos nela, e assim a reproduzem (Giddens 1984, p.327-34). Isso implica que as
representações dos subalternos no transcrito público não são somente um jeito de lidar com a
estrutura de dominação mas também que as interações do transcrito público constituem a
dominação. A realização de uma certa estrutura de interação com os poderosos tende a
reproduzir essa estrutura, mesmo quando os subalternos manipulam a estrutura para ganhar
melhorias na sua condição.
Scott também sugere que os dominados escolhem suas estratégias de resistência,
manipulando conscientemente o transcrito público. Mas não é tão fácil escolher ou inventar
novas estruturas de ação como Scott parece achar, porque a maioria do conhecimento necessário
para a realização dessas estruturas não é acessível à consciência discursiva. Isso quer dizer que
grande parte do tempo as pessoas não podem formular pensamentos explicando tudo que estão
fazendo, mesmo quando sabem perfeitamente bem como fazê-lo, o que inibe a livre invenção de
novas formas de ação. A maior parte do tempo, a criatividade inerente na agência humana se
manifesta no emprego de regras estruturais em situações novas, mas esta criatividade não é uma
simples manipulação calculada das regras porque as pessoas geralmente usam as regras sem
pensar nelas e sabem fazer muito mais do que sabem explicar. Mesmo quando essa
transposição das regras de uma situação para outra leva a mudanças na estrutura, é difícil
planejar as mudanças (Sewell, 1992).

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Pode-se comparar a noção de transcrito escondido de Scott com a idéia de doxa de
Bourdieu, que é uma versão sofisticada e bastante influente da hegemonia, embora Bourdieu
não use esta palavra. Segundo Bourdieu, quando as pessoas vivem em um contexto social igual
ao que produziu seu habitus, elas tomam as estruturas desse contexto como naturais e
inquestionáveis. “Em uma formação social determinada, quanto mais estável as estruturas
objetivas e quanto mais plenamente elas se reproduzem nas disposições dos agentes, maior será
o campo da doxa, daquilo que é dado como natural” (Bourdieu 1977, p. 165-6). A doxa é o
campo no qual o habitus corresponde às estruturas sociais vividas. Nesse campo, as estruturas
são naturalizadas e arranjos sociais alternativos são impensáveis. Para Scott, mesmo se existir a
doxa, grupos diferentemente posicionados na estrutura de dominação têm olhares distintos
dentro da mesma doxa e lutam para proteger seus interesses materiais e simbólicos com
interpretações distintas da doxa.
No trabalho de campo em Kabylia, que foi o ponto de partida para a elaboração das
idéias de habitus e doxa, Bourdieu dificilmente teria ganho acesso ao transcrito escondido das
mulheres da aldeia. Lila Abu-Lughod (1986) se embrenhou no mundo das mulheres beduínas
do deserto do oeste egípcio para produzir uma brilhante etnografia desvendando como as
mulheres falam e agem entre elas e como essas interações diferem das interações com homens.
A cultura e o modo de vida, baseado no pastoreio de ovelhas e na lavoura de cereais, dos
beduínos egípcios são parecidos aos dos Kabyles, sugerindo que muitas das conclusões de Abu-
Loghod se adequariam também ao grupo estudado por Bourdieu. Consistente com as idéias de
Scott, ela descobriu que “uma conspiração de silêncio excluía os homens do mundo das
mulheres” (p. 23). Alguns aspectos do transcrito escondido das mulheres serviam para limitar
os maltratos dos homens, especialmente dos maridos, mas o transcrito escondido das mulheres
estava longe de constituir uma cultura de resistência à dominação masculina. As mulheres
compartilhavam com os homens a preocupação com a honra da patrilineagem, só que ganhavam
a honra individual de uma maneira algo diferente, principalmente através do auto-controle e da
deferência voluntária, o que reforçava a posição dos homens.
O estudo do transcrito escondido das mulheres desse grupo traz muitas compreensões
novas a respeito das relações de gênero e das relações familiares em geral no mundo árabe, mas
também assinala que o transcrito escondido dos subordinados não é sempre oposicionista,
podendo até ser complementar ao transcrito público. Embora ele não tivesse o mesmo acesso ao
transcrito escondido que Abu-Lughod, Bourdieu descreve a lógica básica desta situação:
“categorias sociais desfavorecidas pela ordem simbólica, como os jovens e as mulheres, não
podem fazer outra coisa senão reconhecer a legitimidade da classificação dominante, justamente
pelo fato de sua única chance para neutralizar os efeitos dela mais contrários aos seus interesses,
encontra-se em submeter a eles para usá-los” (1977, p. 164-5). No caso dos beduínos, a melhor

11
maneira para uma mulher melhorar sua situação, e para as mulheres coletivamente manterem a
dignidade, era com posturas que acabavam reforçando a dominação masculina.
Em muitos casos a resistência cotidiana pode reforçar a estrutura de dominação ao
mesmo tempo que ameniza a condição do subordinado. É isso que aconteceu com os escravos
americanos retratados por Eugene Genovese em Roll, Jordan, Roll: The World the Slaves Made
(1972),6 certamente um dos melhores livros de todos os tempos sobre a resistência cotidiana, e
uma das principais referências de Scott. Genovese mostra com muito detalhe como os escravos
usavam a resistência cotidiana para melhorar sua condição dentro do escravidão, insistindo em
transformar as concessões dos senhores em direitos. O transcrito escondido dos escravos foi
bastante coeso e elaborado, incluindo especialmente a interpretação do protestantismo como
uma ideologia de libertação. Mas o grosso da resistência cotidiana dos escravos tendia a
reforçar o poder dos senhores ao mesmo tempo que trazia ganhos reais para os escravos. A
permissão para plantar hortas, para folgar e celebrar, e a proteção contra as temidas patrulhas de
brancos pobres, mesmo quando transformados em direitos de fato pelos escravos, aumentavam a
dependência deles dos senhores e reforçavam a ideologia de paternalismo. Os furtos de milho,
galinhas e porcos que melhoravam a alimentação dos escravos também reforçavam o estereótipo
deles como infantis e sem juízo moral. Só com acontecimentos exteriores ao mundo das
plantações, especialmente a quebra do poder militar dos senhores pelo exército do norte, foi que
emergiu em público o lado radical do transcrito escondido. Muitos escravos simplesmente
foram embora, deixando os senhores estupefatos com a “traição” dos seus “fiéis criados”.
Depois da abolição algumas das astúcias e espertezas tão úteis para sobreviver na escravidão
reforçariam tendências individualistas e impediriam a ação coletiva dos negros. A resistência
cotidiana que Genovese trata como profundamente ambígua, porém a única resistência possível
a maior parte do tempo, vira no relato de Scott a defesa da dignidade e uma arma potente contra
a tirania dos senhores, sem os custos pesados que Genovese identifica.

A dominação indireta
A respeito da dominação indireta, Scott faz duas observações importantes, mas não
toma uma posição clara. Primeiro, afirma que, quanto mais as pessoas sentem que escolheram
sua posição, mais legítima lhe parecerá e menos resistirão aos que mandam nelas. Um monge
que voluntariamente se submete à disciplina de uma ordem religiosa ou um guerrilheiro que se
oferece espontaneamente aos comandantes de uma guerra de libertação nacional (como fizeram
muitos camponeses vietnamitas) podem ser considerados casos paradigmáticos da subordinação
voluntária. Mas há muitos casos mais ambíguos, e Scott oferece pouca orientação teórica a
respeito deles. Por exemplo, que tipo de transcrito escondido e que formas de resistência
acharemos entre trabalhadores rurais que podem escolher, quando a oferta de emprego é boa,

6
Infelizmente só a primeira metade deste livro foi traduzido para o português, com o título O
12
entre patrões, só “escolheram” ser trabalhadores rurais porque as outras alternativas eram menos
atraentes ainda e nunca escolheram ser pobres?
Embora não cite Scott, Verena Stolcke (1988), no seu estudo de trabalhadores rurais,
especialmente mulheres, em São Paulo na década dos 1970,7 usou uma abordagem parecida à de
Scott, prestando atenção às formas de resistência cotidiana e aos entendimentos da dominação e
da exploração que as trabalhadoras exprimiam fora da presença das autoridades das fazendas.
Os achados de Stolcke são consistentes com a posição de Scott. Embora reconhecessem que
alguns patrões, administradores e turmeiros (os contratantes de trabalhadores “temporários”,
também chamados “gatos”) eram melhores que outros, o transcrito escondido das trabalhadoras
revelava que elas não achavam sua posição legítima. Elas acreditavam que os ricos,
especialmente os latifundiários, viviam bem do trabalho dos outros porque, em algum momento
no passado, tinham monopolizado a propriedade, e porque exerciam uma influência indevida no
governo. Elas usavam uma variedade de formas de resistência veladas e de pequena escala para
amenizar as condições de trabalho e limitar a exploração pelos fazendeiros, tais como trabalhar
devagar no início da colheita de café, quando o administrador estava avaliando o quanto a
fazenda devia pagar por cada cesta colhida; debulhar cada ramo só uma vez, deixando uma parte
do café, para poder encher as cestas mais rápido; misturar pedrinhas e raminhos com as cerejas
de café; e tirar somente as ervas grandes durante a carpa (quando foram pagos pela hora),
deixando as novas para criar mais trabalho depois.
Embora os fazendeiros não tivessem nenhuma hegemonia, as trabalhadoras geralmente
não os enfrentavam diretamente por causa da coerção econômica e política. Tinham medo de
perder o emprego e achavam que a ação coletiva seria fútil ou levaria à repressão. Na maioria
das vezes, tampouco buscavam seus direitos na justiça por causa dos empecilhos burocráticos e
da inconveniência de visitas repetidas às repartições oficiais. O trabalho de Stolcke mostra que,
pelo menos às vezes, os dominados e explorados em uma sociedade de mercado podem avaliar
de uma maneira bastante clara e realista o grau de “escolha” que têm, mas não é claro que
sempre seja assim. No caso das trabalhadoras estudados por Stolcke, a legitimidade dos
fazendeiros era minada em parte porque era evidente às trabalhadoras que usavam os turmeiros,
em vez de contratá-las diretamente, para eximir-se dos direitos trabalhistas. No Brasil em geral,
a ideologia da igualdade de oportunidades tem pouca chance de ser aceita pelos pobres porque o
sistema de educação é escancaradamente enviesado contra eles. Nos países onde o sistema
educacional é mais igualitário e a reprodução de classe social acontece mais através de
processos culturais sutis (Bourdieu & Passeron, 1979) ou até através da resistência à disciplina
escolar (Willis, 1977), é mais provável que os pobres vejam algum grau de escolha atrás da sua

mundo prometido. (Rio de Janeiro e Brasília: Paz e Terra e CNPq, 1988).


7
Este livro também inclui uma análise histórica. Aqui refiro ao trabalho de campo discutido
nos capítulos 4 a 6.
13
trajetória pessoal, possivelmente culpando a si mesmo pela sua posição (veja Sennett & Cobb,
1972).
Segundo, Scott afirma que a dominação indireta, mediada por instituições impessoais
como mercados, geralmente tem uma face humana, na forma de um supervisor, capataz, patrão,
ou proprietário, e que esses seres humanos conhecidos, que exercem a dominação de uma
maneira visível, mesmo quando parte de um sistema muito maior, atrairão a maior parte da
resistência cotidiana dos subalternos. Scott quer dizer que o transcrito escondido e a resistência
cotidiana continuam importantes nas formas de dominação menos diretas, mas se pode
questionar se, embora a resistência cotidiana sirva como arma potente para proteger a dignidade
individual em qualquer sistema de dominação, essa tendência de culpar seres humanos
próximos desvie a atenção das classes dominantes mais distantes que levam mais
responsabilidade pelas indignidades e pelos sofrimentos sendo revidados no transcrito
escondido. Há um exemplo interessante dessa tendência em Weapons of the Weak. A
revolução verde é promovida por empresas multinacionais e pelo estado malaio. Os
beneficiários principais dessa mudança nos arrozais da planície de Kedah são chineses ricos,
geralmente moradores nas cidades da região, que alugam as máquinas de ceifar e debulhar aos
plantadores de arroz e estão acumulando cada vez mais terras próprias. Mas o transcrito
escondido e a resistência cotidiana dos pobres da aldeia de “Sedaka”, onde Scott fez o trabalho
de campo, são direcionados quase exclusivamente contra a elite da aldeia, que é muçulmana e
etnicamente malaia como os pobres. Como os ricos da aldeia são parte da mesma comunidade
moral dos pobres, os pobres cobram deles a obrigação tradicional de cuidar dos pobres e os
punem com difamações e resistências veladas quando não a cumprem, o que é cada vez mais
comum porque dependem muito menos da mão de obra dos pobres que no passado. Os chineses
podem ser bem mais ricos, mas como não são muçulmanos nem malaios ninguém espera que
ajam moralmente, e os moradores da aldeia não os culpam pelas mudanças que sofrem.
No caso dos trabalhadores rurais paulistas estudados por Stolcke, o transcrito escondido
era direcionado principalmente contra os fazendeiros. Houve algumas idéias genéricas sobre o
poder e a ilegitimidade de todos os ricos, mas quase nenhuma consciência do, por exemplo,
poder do capital financeiro no Brasil ou do papel de empresas multinacionais na industrialização
da agricultura. Os trabalhadores não prestavam quase nenhuma atenção à política nacional
porque achavam que o governo, com a exceção de uns anos dourados sob Getúlio Vargas, tinha
esquecido dos pobres. Assim tinham pouca noção das relações entre a ditadura e a sua situação
(nos anos 70), a não ser a idéia geral que o governo não cuidava dos pobres.
Scott admite que o transcrito escondido geralmente inclui só uma “penetração parcial”
das condições de dominação, para usar o termo de Paul Willis (1977), outro autor que Scott cita,
mas que interpreta a resistência cotidiana de uma maneira mais pessimista que ele. Porém Scott
não reconhece as conseqüências contraditórias da resistência cotidiana. Se, em condições de
14
sujeição claras como na escravidão, a resistência cotidiana pode fortalecer o sistema de
dominação ao mesmo tempo que melhora a vida dos dominados, quanto mais ambigüidade e
contradição devemos esperar da resistência cotidiana às formas de dominação sutis e
complexas? Embora as conclusões de Scott não possam ser generalizadas diretamente para
formas de dominação mais sutis, o método dele pode ser muito útil para estudar a consciência e
a resistência de grupos como trabalhadores rurais, levando a entendimentos mais matizados e
sofisticados que estudos limitados aos sindicatos e movimentos que pretendem representar tais
grupos.

A dominação complexa
Outra forma de complexidade decorre de divisões entre as elites e divisões entre os
subalternos. Scott reconhece que, na vida real, o número de transcritos públicos e escondidos
pode se multiplicar, porque as pessoas podem sofrer combinações de várias formas de
dominação ao mesmo tempo, tais como dominação de classe, dominação racial, dominação de
gênero, dominação do Estado e dominação hierárquica em burocracias, e sempre há grupos em
posições ambíguas, tais como capatazes, capangas e gerentes, que podem misturar elementos
dos transcritos dos dominantes e dos subordinados, mas ele acha que a abordagem básica pode
ser generalizada em uma maneira relativamente direta a essas situações mais complexas. Parece
que ele acha que as pessoas podem jogar com vários transcritos e combinações de transcritos ao
mesmo tempo porque ele tem uma noção relativamente estratégica e voluntarista da ação
humana. Se pensarmos na ação como um produto dos esquemas do habitus, ou, na versão de
Giddens, das regras embutidas na consciência prática, as pessoas têm muita menos capacidade
que Scott acha de fazer distinções apuradas entre relações distintas de dominação, em vez disso
agindo conforme as homologias percebidas entre as situações encontradas. As conseqüências
contraditórias das “penetrações parciais” do transcrito escondido podem se multiplicar.
Uma das divisões principais entre poderosos em muitos lugares é a divisão entre oficiais
do estado e a classe dominante. Em um trabalho anterior, rastreei as conseqüências de uma
série de leis anti-vadiagem para as relações de classe no interior da Província de Buenos Aires
no início do século XIX (Monsma, 1992, p.111-134). Além de criminalizar a falta de emprego
entre homens sem propriedade, as leis limitaram a mobilidade dos pobres rurais, proibiram
várias diversões populares, especialmente o jogo, restringiram as vendas rurais, que eram o foco
da vida social, e proibiram o contato com os índios. A punição principal para violações dessas
leis foi recrutamento para o serviço militar. As leis constituíram uma tentativa de impor ordem
e respeito na população rural, notoriamente indisciplinada, forçar os pobres do campo a vender
seu trabalho aos grandes fazendeiros de gado, e encher as fileiras do exército, tudo ao mesmo
tempo. Porém, os delegados de polícia, juízes de paz e oficiais militares encarregados de pôr
em vigor a lei encontraram muita resistência informal da população rural, especialmente a
violência, as fugas dos réus, e a deserção de soldados, inclusive os soldados da própria polícia.
15
Na maior parte do tempo, a resistência era individual, mas contava com a cumplicidade dos
outros, como, por exemplo, a prática comum de ajudar na fuga de prisioneiros. Com a falta de
mão de obra no campo, muitos fazendeiros também colaboraram nessa resistência para segurar
seus peões. Mentiam para as autoridades, não deixavam os juízes de paz prenderem seus peões
e toleravam as vendas e os jogos proibidos nas suas propriedades. Em algumas localidades o
jogo contava com o apoio, e a participação, de amplas redes da elite local. Durante a guerra
com o Brasil dos anos 1820 (a Guerra Cisplatina) o recrutamento indiscriminado no campo de
Buenos Aires levou a confrontos entre oficiais militares e fazendeiros e protestos destes ao
governo, além de fugas em massa dos peões.
Na visão de Scott, seria relativamente fácil os peões desenvolverem um transcrito
escondido replicando suas relações públicas com os fazendeiros e outro replicando suas relações
públicas com os oficiais do estado, podendo resistir aos dois tipos de poderosos, mas o conceito
de habitus sugere que não é tão fácil segregar as percepções, os sentimentos, e as estratégias
para resolver problemas que são adequados a esferas de interação distintas. O fato de que os
fazendeiros eram colaboradores na resistência contra o estado significava que não era fácil os
peões redefiní-los como inimigos e opressores no dia a dia das fazendas. O transcritos públicos
e escondidos podem ser vistos como estratégias para lidar com o poder embutidas no habitus.
Colaborando com a resistência dos pobres aos oficiais do estado, os fazendeiros estavam, de
certa forma, invadindo o transcrito escondido dos pobres e não deixando espaço para o
desenvolvimento de um conjunto de entendimentos e esquemas de resistência direcionados
contra os fazendeiros. Como conseqüência, quando o transcrito escondido dos pobres emergiu
em público durante a guerra civil de 1828-29, os alvos dos rebeldes do campo bonaerense, sem
nenhuma organização central no início, eram quase sempre os símbolos do estado,
especialmente as delegacias e as casas e fazendas dos juizes de paz. Os rebeldes não atacavam
as outras fazendas.
Outra forma de complexidade decorre das divisões entre os subalternos. Em um projeto
de pesquisa com processos criminais do fim do século passado em São Carlos, no interior
paulista, estamos examinando, entre outras coisas, as relações entre imigrantes italianos e
negros nas fazendas de café na primeira década após a abolição.8 O que chama a atenção nos
processos envolvendo violência entre esses dois grupos é a mistura contraditória de convivência
e conflito. Os negros e italianos que se diziam amigos, e que eram reconhecidos como amigos
pelas testemunhas, podiam explodir em violência um contra o outro com pequenas provocações.
O que se vê nas interações que levavam à violência é uma tentativa do italiano de se colocar em
uma posição superior ao negro dentro da amizade e uma insistência do negro em afirmar sua

8
O projeto conta com a colaboração de Oswaldo Truzzi e seis alunos da graduação. Este
pesquisa tem o apoio da FAPESP, processo 97/10863-1.
16
dignidade e igualdade. Dois conflitos ocorridos em bailes nas fazendas exemplificam essas
interações.
1. Em 1893 houve um baile depois de um casamento de colonos italianos na fazenda do
“Coronel Gentil”. Um grupo de negros, empregados do coronel, e suas mulheres entraram e
começaram a dançar. Ninguém questionou o direito dos negros participarem em um baile de
italianos, e parece que os negros foram convidados. Tachiano, um dos negros, começou a brigar
com a mulher, causando certo escândalo. Conforme os outros negros, Antônio Bertoli, um
italiano amigo do Tachiano, interveio a bateu nele com o cabo de um machado para ele parar de
brigar. Com isso o negro se apossou do machado e golpeou o italiano com o olho do machado,
deixando-o cego em um olho.9 O italiano foi resgatado pelos outros colonos presentes e
Tachiano fugiu. Bertoli contou uma história algo diferente, dizendo que tinha tomado o
machado de um dos negros, que estava ameaçando o administrador por este ter tentado controlar
a desordem entre os negros. Bertoli também achou que o autor dos seus ferimentos foi outro
negro, que tinha batido nele enquanto Tachiano e os outros o seguravam. 10
2. Na primavera de 1891, José Rodrigues de Sampaio deu um jantar aos colonos na sua
Fazenda da Cachoeira para celebrar o fim da colheita. Depois do jantar os colonos organizaram
um baile na tulha da fazenda. Um negro camarada da fazenda chamado Zeferino Lunes acabou
de tirar uma mulher para dançar quando o italiano Antônio Lanna pediu para o negro dançar
com ele. Zeferino recusou, dizendo que já ia dançar com a mulher. Com isso, o italiano tirou
um revólver e insistiu que Zeferino dançasse com ele. 11 Zeferino recusou de novo, dizendo que
nesse caso ninguém mais dançaria. Zeferino e todos os outros presentes saíram da tulha,
deixando Antônio dentro. Foram buscar o fazendeiro, que foi à tulha com Zeferino e abriu a
porta, perguntando “O que é isso Antonio, áo que este respondeu: quem chegar morre, e
disparou diversos tiros de revólver em direcção a porta, um dos quaes rossando pela cara do dito
seo patrão foi offender [Zeferino]”. Zeferino foi baleado no peito, mas sobreviveu. O
fazendeiro prendeu Antônio e o entregou ao delegado quando este chegou à fazenda no dia
seguinte. 12

9
Segundo um dos depoimentos Bertoli bateu em Tachiano com um porrete e Tachiano
tomou o machado de outro italiano.
10
Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, Caixa 462, Processo 2691.
Conforme a política da Fundação Pró-Memória, os sobrenomes dos envolvidos nos crimes
foram mudados.
11
Embora se possa especular que a reação do italiano foi um ataque de ciúme, este evento
provavelmente não tinha nada a ver com homossexualismo. No passado era mais comum
homens heterossexuais dançarem com outros homens. Nenhuma testemunha achou notável o
italiano querer dançar com o negro e Zeferino nunca sugeriu que o pedido em si mesmo era
insultante. A briga começou porque o italiano reivindicou a prioridade sobre a moça,
possivelmente ela também uma negra.
12
Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, Caixa 291, Processo sem
número (1891). Citação do depoimento de Zeferino.
17
Não é a toa que esses conflitos aconteceram em bailes. Como Scott nota, as pessoas
afoitadas pelo álcool declaram mais facilmente o transcrito escondido em público. As
indignidades que as pessoas não responderiam, ou responderiam de uma maneira velada, em
outras circunstâncias, são amiúde retrucadas diretamente sob a influência do álcool. Esses dois
casos sugerem que grande parte do transcrito escondido dos negros depois da abolição se
orientou para a preservação da dignidade frente aos insultos dos italianos e de outros brancos
pobres. No primeiro caso, o negro retrucou com violência à humilhação da correção pública e
física imposta pelo italiano, tão parecido ao trato sofrido pelos escravos. No segundo caso o
negro calmamente afirmou seu direito de dançar com quem ele queria, e de não mudar seus
planos só para se adequar à vontade do italiano. Este tratou o negro como um inferior e
respondeu com violência ao desacato dele. O fazendeiro entrou na história como defensor do
negro. (Mas é importante notar que os outros italianos presentes tampouco aprovaram o
procedimento de Antônio.) Os fazendeiros e administradores aparecem uma vez atrás de outra
como mediadores de conflito e agentes da ordem nas fazendas. Conforme os negros dependiam
dos fazendeiros para a proteção contra a violência dos italianos––e estes eram mais numerosos
que os negros––tornava-se mais difícil os negros manterem o transcrito escondido de oposição
aos fazendeiros que haviam tido antes da abolição. As tensões entre negros e italianos, a
maioria das vezes submersas, mas de vez em quando eclodindo em público, teriam também
impedido a colaboração entre eles na resistência cotidiana contra os fazendeiros.

Conclusão
Depois de ler o trabalho de James Scott, é difícil achar que a resistência cotidiana tem
pouca importância, que é “só” uma maneira de amenizar um pouco a dominação, e que a luta
social “verdadeira” se acha exclusivamente nas ações dos movimentos e partidos organizados.
Os que acham que os pobres, especialmente os camponeses, têm “consciência falsa” e precisam
ser educados, tutelados e conscientizados antes de serem capazes da ação política eficaz,
também estão vulneráveis às críticas de Scott. Com seu enfoque nos transcritos públicos e
escondidos, Scott proporciona um método útil para estudar as relações de dominação e as
formas da resistência cotidiana. Também nos alerta para a importância dos produtos culturais e
do discurso indireto para estudar como os grupos subordinados entendem sua situação. No seu
livro mais recente, elabora uma crítica original e convincente da arrogância dos intelectuais que
inventam grandes esquemas de engenharia social e desprezam o conhecimento prático das
pessoas sujeitas a esses esquemas, especialmente os camponeses e outras classes consideradas
atrasadas pelo pensamento modernista.
Contudo, a abordagem de Scott traz as conseqüências de seu modelo algo ingênuo e
voluntarista da ação humana. Ele exagera o elemento planejado e estratégico da interação.
Como Goffman mostrou, as pessoas ajustam sua interação naturalmente à situação social, sem
refletir a cada palavra ou gesto. Quando Scott imbui o interacionismo com o poder, ele tende a
18
esquecer do aspecto não pensado da interação. Schutz (1967), com sua discussão do uso de
tipificações na ação humana, Bourdieu, com a noção de habitus, e Giddens, com o conceito da
consciência prática, mostram que os seres humanos não são capazes de inventar estratégias
novas para lidar com cada situação específica. Em vez disso, usam regras ou esquemas de
percepção e de ação generalizáveis entre situações semelhantes. Boa parte desses esquemas as
pessoas sabem usar mas não sabem explicar em palavras, e, se Bourdieu está correto, aspectos
importantes dos esquemas da ação são profundamente embutidos nas disposições das pessoas.
Muito da resistência cotidiana, como Scott reconhece, consiste em manipular as
relações com os poderosos para conseguir pequenos ganhos. Como ele tende a exagerar o grau
de entendimento discursivo no transcrito escondido e o grau de cálculo consciente e estratégico
na resistência cotidiana, ele não se preocupa com os resultados inesperados ou contraditórios
dessa resistência. Mas tanto Genovese quanto Willis mostram que os entendimentos parciais e a
resistência de pequena escala podem fortalecer aspectos importantes da estrutura de dominação
ao mesmo tempo que resultam em melhorias reais na vida dos subjugados. Ao manipular as
relações de dominação os subalternos estão reproduzindo-nas como estruturas de interação e
como disposições e esquemas de percepção e ação, que eles não podem simplesmente decidir
usar ou não usar conforme cálculos de seu valor estratégico em cada tipo de interação com os
poderosos. As possibilidades para resultados contraditórios se multiplicam com a dominação
institutionalizada e indireta, como também com divisões entre as elites ou entre os
subordinados.
O ponto aqui não é que a resistência cotidiana é fútil. Scott apresenta bastante evidência
da sua importância, inclusive na formação dos entendimentos e dos repertórios de ação que se
evidenciam nas grandes explosões sociais. O importante é entender as complexidades e
contradições da resistência cotidiana. O método de Scott, enfatizando os transcritos públicos e
os transcritos escondidos, deve ser combinado com uma teoria mais sofisticada da ação para
estudar a resistência cotidiana e as suas conseqüências em situações de dominação complexas e
indiretas.

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