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1 QUADRINHOS E EDUCAÇÃO

1.1 O ENSINO DE HISTÓRIA

A proposta que envolve o emprego dos quadrinhos enquanto


ferramenta que auxilia no processo de aprendizagem da História vai ao
encontro das revisões curriculares e historiográficas, iniciadas na década de
oitenta, que trouxeram novos caminhos e abriram diferentes possibilidades
para a prática dos educadores e suas respectivas metodologias. Mesmo que a
utilização das HQs no âmbito pedagógico para o ensino dessa disciplina em
questão ainda seja tímida, ela oferece uma perspectiva diferenciada, que se
insere no contexto das renovações propostas a partir de então, procurando
desconstruir os incômodos rótulos que caracterizam o ensino de história e ela
enquanto disciplina escolar por si só. (MANOEL,2010)
Ainda para o autor supracitado, o ensino de História e por
consequência a própria disciplina são comumente rotulados como algo
decorativo e pragmático, que não apresenta possibilidades de alteração e
fornece aos discentes uma sensação de passividade, levando em conta que,
da maneira como é aplicada, não é possível interferir no curso da história, que
está tão distante dos nossos olhos e das nossas atitudes. Além disso, os
métodos de ensino consagrados até então priorizam a participação o educador
enquanto o único detentor do conhecimento, que passa o conteúdo de maneira
unilateral, priorizando os grandes heróis e fatos.
A falta de interesse dos estudantes que resulta nos incômodos rótulos
fornecidos à disciplina legitima-se medida que as práticas pedagógicas e os
seus respectivos materiais didáticos não se renovam e limitam-se a reproduzir
um conhecimento histórico caracterizado por ser fechado e sem flexibilidade. A
construção do conhecimento histórico que resultou nessa abordagem
predominantemente fatual tem suas raízes no século XIX, mais
especificamente no ano de 1838, com a criação do Colégio Pedro II, no Rio de
Janeiro. Segundo a análise do historiador Ivan Manoel, a criação da escola
fluminense e o desenvolvimento das diretrizes para o ensino de História devem
ser analisados em conjunto com a criação do IHGB. (MANOEL,2010)
O uso das HQs na educação, entretanto, é ilimitado e passível de
várias interpretações e possibilidades, como avalia Calazans (2005) “os limites
do emprego de HQ em sala de aula são os limites da criatividade de cada
professor”.
A entrada definitiva dos quadrinhos na educação brasileira vem
juntamente com a elaboração os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais),
proposta inicialmente em 1997. A abordagem educacional visando uma
perspectiva de aprendizado universal, voltada para um trabalho produtivo e
com o objetivo de fornecer ao discente o total domínio de competências que
permita condições plenas para o exercício da cidadania, passa pela
compreensão e domínio de diferentes gêneros, permitindo autonomia no
trabalho com a linguagem oral e a linguagem escrita. Sendo assim, o gênero
quadrinhístico mostra-se de extrema valia nesse sentido, uma vez que
consegue agregar essas duas linguagens de uma maneira dinâmica e que
contempla a perspectiva de uso produtivo desses dois códigos.
(CALAZANS,2005)
Outra situação que alterou o destino dos quadrinhos e permitiu a
inserção definitiva desses no meio educacional ocorreu em 2006, no último ano
do primeiro mandado do Presidente Lula: a inclusão deles na lista do PNBE
(Programa Nacional Biblioteca da Escola). Esse programa tem o objetivo de
construir um acervo de obras literárias que serão distribuídas às escolas
públicas do território brasileiro, levando aos discentes mais possibilidades de
acesso à cultura, fornecendo uma gama de materiais que tragam informações
e notícias, o que acabaria por levar à criação de um hábito de leitura entre os
alunos. É importante ressaltar que desde a primeira aparição das HQs na lista
do PNBE, datada do ano de 2006, até a última, do ano de 2009, o número de
títulos aumentou consideravelmente, evidenciando a boa aceitação desse
material, seja por parte dos discentes, docentes ou dos estudiosos
responsáveis pela elaboração da lista. (PNBE,2006)
Os quadrinhos passam a ser então oficialmente aceitos como uma
possível ferramenta pedagógica de grande valor, o que contrasta com a visão
de pouco mais de meio século, que os colocava como uma leitura ruim e que
levava à preguiça mental. (CALAZANS,2005)
A legalização dos quadrinhos enquanto ferramenta pedagógica traçada
em conjunto pelos PCNs e pelo PNBE, juntamente com a liberdade fornecida
aos educadores por esses mesmos parâmetros abrange a possibilidade de
uso, seja de acordo com as temáticas propostas pelas próprias revistas, ou
então de acordo com as ideias dos educadores, responsáveis diretos pela
escolha do material, de acordo com o costume a adequação dos estudantes.
Algumas sugestões são feitas pelos especialistas em quadrinhos na educação.
(PCNs,1997)
As HQs (Histórias em Quadrinhos) são conhecidas mundialmente e se
apresentam enquanto um poderoso veículo de entretenimento e lazer,
contando com um extenso público alvo que não apresenta limite de idade, o
que permite que não exista também qualquer obstáculo para a abordagem de
temáticas diferenciadas. A união entre linguagem gráfica e visual fornece ao
leitor uma sensação de dinamismo e flexibilidade, o que confere à leitura um
caráter de subjetividade, que se liga com o ritmo de cada um, respeitando as
individualidades, tão pouco valorizadas em se tratando do ambiente escolar, a
natureza dos quadrinhos:
[...] sequência dinâmica de situações, numa narrativa rítmica em que o
texto, quando ele existe, tanto pode aparecer como legenda abaixo da
imagem, como com outros espaços a ele destinado, ou em balões ligados
por um apêndice à pessoa que fala (ou pensa). Para atingir sua finalidade
básica, a rapidez de sua compreensão, as HQ lançam mão de símbolos,
onomatopeias, códigos especiais, elementos pictóricos que lhes garantam uma
universalidade de sentido. (ANSELMO,1988)
De acordo com Manoel (2010) e Anselmo (1988) a principal
característica das histórias quadrinizadas está na sua capacidade de entreter,
sendo inclusive parte integrante e respeitável da grande indústria de
entretenimento mercadológicos. Os e quadrinhos lazer e seus mostram-se,
respectivo, portanto, desdobramentos naturalmente mais convidativos que
qualquer outro texto acadêmico/didático, já que a diversão é uma característica
praticamente inerente das revistas. O presente estudo tem a proposta de
conceituar as diferentes possibilidades de uso das HQs na educação
principalmente no ensino de História e fazer a proposta de uma nova
abordagem metodológica, que venha com o intuito de desconstruir o
pragmatismo e a natureza metódica assumida pelo ensino da disciplina em
questão desde os seus primórdios. (MANOEL,2010; ANSELMO,1988)
A aplicação metodológica de acordo com os PCNs não representou
melhoras efetivas para o ensino de História, que continua sendo
encarado como uma disciplina pragmática, factual, decorativa e que
não desperta interesse nos estudantes, que não conseguem
vislumbrar praticidade e muito menos aplicação nos conteúdos
ensinados. O problema continua sendo a postura passiva que a
metodologia aplicada fornece aos educandos, que se mantém a
margem do processo histórico e a manutenção do educador enquanto
o único detentor do conhecimento. Novos métodos e materiais devem
ser encarados como um instrumento que agrega valores ao processo
dialético de aprendizagem e que permite uma renovação produtiva
em se tratando da abordagem falha, na maioria dos casos, que é
aplicada ao ensino de História. O emprego dos quadrinhos se mostra
oportuno e deve ser pensado como uma poderosa ferramenta que
venha se não para preencher completamente a lacuna deixada por
todas essas aplicações metodológicas pouco eficazes represente um
novo fôlego e um alento para o ensino dessa influente disciplina.
(SEE, 2008. p. 11)

Os quadrinhos vão se revelar, no decorrer da análise, uma ferramenta,


que não conta com uma natureza essencialmente pedagógica, mas que
oferece grande potencial para tal finalidade, sendo esse ainda pouco explorado
pelos educadores. A faceta de entretenimento aliada à diversão das HQs deixa
de representar um obstáculo e passa a ser um elemento catalisador, que possa
estimular os estudantes e torná-los mais dispostos e menos resguardados em
se tratando do ensino de História. As HQs devem ser encaradas como um
facilitador, que diminua a distância envolvendo o conteúdo estudado e a vida
dos educandos, explorando ao máximo sua grande exposição midiática, na
medida em que contribui para que a História abandone o posto de disciplina
fechada e decorativa, sem possibilidades de alteração e/ou envolvimento.
(MANOEL,2010)
Através dos quadrinhos, os alunos podem abandonar o posto passivo
de observação e se vislumbrarem enquanto agentes ativos do curso histórico,
apresentando possibilidades diferentes de interferência e opinião. É através
dessas premissas que o estudo vai se desenvolver.

1.2 PENSANDO O ENSINO DE HISTÓRIA COM OS QUADRINHOS

A proposta de abordar os conteúdos históricos fazendo uso dos


quadrinhos vem ganhando notoriedade e destaque ao longo das últimas
décadas, juntamente com a revisão que abarca os meios de comunicação. A
ideia das HQs enquanto uma ferramenta pedagógica, entretanto, não deve ser
vislumbrada como a saída definitiva para a melhoria da educação e nem como
um método infalível, ao passo que o uso exclusivo dessa não resultará em uma
melhora determinante do ambiente escolar. Ela deve ser encarada como um
elemento que venha para somar no âmbito da vivência em sala de aula, e não
como o único material pedagógico que levará à salvação do processo
educacional. (SCHIMIDIT; CAINELLI,2004)
O ensino de História tal como vem sendo feito nas escolas brasileiras
carrega uma concepção pragmática da disciplina, reduzindo severamente as
discussões e ampliando a importância de datas e fatos isolados. A ótica factual
não fornece aos discentes possibilidades de visualizar os assuntos ensinados
com o seu cotidiano, o que dificulta a aprendizagem e minimiza as reflexões,
coibindo o processo dialético atrelado à aprendizagem. Tornou-se usual,
portanto, assimilar os conteúdos históricos apenas como uma sucessão de
datas e fatos marcantes, sem traçar qualquer conexão entre esses e tornando
mínimas as motivações para o estudo da disciplina, uma vez que os fatos
passados não apresentam qualquer possibilidade de interferência por parte
dos estudantes. (SCHIMIDIT; CAINELLI,2004)
É comum definir a História como uma matéria decorativa, rotulação
essa que se mostra justificável ao estabelecer uma análise das metodologias
adotadas e do material didático proposto para a aprendizagem dessa disciplina:
a abordagem predominantemente baseada em fatos, que percorre a linha do
tempo e estabelece uma sucessão de fatos relevantes e suas respectivas
datas evidenciam o caráter factual e pragmático, que resulta na pouca
participação dos estudantes.
Entretanto, o rótulo oferecido à disciplina não é legítimo e não deve ser
aceito por parte dos educadores, que sabem do potencial amplo da História e
tem ciência de como o estudo adequado dessa disciplina pode fornecer noções
plenas de cidadania e de incentivo ao desenvolvimento da capacidade de
interpretação e do senso crítico. Esse ensino da História pressupõe,
fundamentalmente, que se tome a experiência do aluno como ponto de
partida para o trabalho com os conteúdos, pois é importante que também o
aluno se identifique como sujeito da História e da produção do conhecimento
histórico. Nesse sentido, há consenso entre as diferentes correntes
historiográficas contemporâneas de que a História é feita por todos os homens,
e não somente pelos heróis ou personagens importantes. Assim, a História
ensinada deve levar em consideração a multiplicidade e a multilinearidade
históricas. (SCHIMIDIT; CAINELLI,2004)
A necessidade do aprendizado de competências que forneçam ao
educando perspectivas do exercício da cidadania juntamente com um trabalho
produtivo, isto é, a importância clara de se ligar o conteúdo aprendido na
escola com uma possível profissão na vida futura é uma das principais
preocupações dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
O texto dos PCNs salienta que a sociedade brasileira atual exige que a
noção de identidade se torne uma temática de dimensões abrangentes, uma
vez que o país vivencia um extenso e complexo processo migratório que, nas
últimas décadas, tem desestruturado as formas tradicionais de relações sociais
e culturais. Nesse sentido, o ensino de História procura desempenhar um papel
mais significativo na "formação da cidadania", "envolvendo a reflexão sobre a
atuação do indivíduo em suas relações pessoais com o grupo de convívio, suas
afetividades e sua participação no coletivo”. (PCNs,1997)
A constituição da identidade social do aluno, nessa linha de
pensamento, constituísse um desafio para as propostas educacionais para a
disciplina História na escola. Essa questão, segundo os autores supracitados,
necessitaria de uma abordagem que considere "a relação entre o particular e o
geral, quer se trate do indivíduo, sua ação e seu papel na localidade e cultura,
quer se trate das relações entre a localidade específica, a sociedade nacional e
o mundo”.
Entende-se que o ensino de História, ao valorizar datas em detrimento
das reflexões restringe o aprendizado das competências e contribui cada vez
mais para a hierarquização do ensino, pois o conhecimento das datas não
apresenta possibilidade de alteração e/ou interferência, o que coloca o
professor como detentor único do saber e acaba por intimidar os estudantes e
também por desmotivá-los, fortalecendo cada vez mais o aparato escolar
tradicional, que não apresenta resultados animadores, salvo raras exceções.
(SCHIMIDIT; CAINELLI,2004)
O ensino de história tradicional engendrou a imagem de um professor
de história “narrador” de histórias”, lecionando uma disciplina desestimulante
para os educandos e distantes de suas realidades sociais. Indagações por
parte dos
alunos do gênero “por que se estudar esta matéria chata? ”refletem bem essa
distância abissal. Não obstante, as relações hierarquizadas na escola
apresentam aos alunos um professor autoritário, descomprometido e
desinteressado com perspectivas heterogêneas acerca do saber e emissor das
“verdades absolutas” que têm de ser incorporadas. É muito complicado
elaborar conhecimento considerando diferentes visões de mundo em um
espaço que institui unilateralidade e monoliticidade por parte do professor,
onde o aluno aprende e o professor ensina. Esta dicotomia não produz
conhecimento, somente despeja nos alunos uma série de informações
desconexas e incoerentes, lógica coerente apenas para preparar o aluno para
o mercado de trabalho e para a aprovação no vestibular. Não se pensa a
estrutura de ensino, o papel do indivíduo nessa instituição ou o papel da escola
como reprodutora das estruturas que legitimam o poder hierarquizado e
institucionalizado na sociedade. (SCHIMIDIT; CAINELLI,2004)
O ensino de História deve ser desenvolvido de acordo com a ideia de
interdisciplinaridade e também com a proposta de estabelecimento de
conexões entre os assuntos ensinados e o cotidiano dos alunos. Sendo assim,
o caminho a ser seguido deve passar por uma visualização do conteúdo
histórico construído de acordo com a influência, o pensamento e ação dos
homens, logo, passível de alteração nas suas interpretações e escritas. O
estudante deve se enxergar enquanto um agente histórico ativo, capaz de
influir decisivamente no segmento histórico e disposto a fazer uso dessa
possibilidade de interferência, e não como um agente passivo, que assiste aos
acontecimentos e as mudanças do cenário histórico de braços cruzados,
mostrando-se incapaz de estabelecer qualquer revisão ou mediação no curso
da história. (DAVID; BIROCCHI,2010)
O uso das HQs enquanto um artifício para o ensino da História, se
encarado com seriedade e não como o “salvador da pátria” do ensino, vem
como um elemento capaz de servir para preencher essa lacuna. O caráter
altamente acessível dos quadrinhos, que alia o seu baixo valor de compra com
a sua ampla exposição midiática confere ao educando familiaridade e
possibilidades de estabelecer conexões entre as situações estudadas e o seu
cotidiano, uma vez que o material didático adotado faz parte da vida dos alunos
fora do ambiente escolar. Além disso, o viés de entretenimento das revistas
contribui para a quebra da formalidade e do pragmatismo das aulas de história.
A adoção das temáticas propostas pelas histórias quadrinizadas fornece uma
nova visão para os fatos, que anteriormente aparentavam ser inatingíveis.
(DAVID; BIROCCHI,2010)
Segundo Ribeiro (2010) as várias possibilidades de uso envolvendo
diferentes personagens dos quadrinhos e revistas diversas que abordem o
mesmo assunto conferem ao educando perspectiva de se enxergar enquanto
agente histórico e também de estabelecer diferentes visões acerca de um
mesmo assunto, vislumbrando as diferentes interpretações possíveis de um
fato histórico. O uso dos quadrinhos mostra ser possível a construção de uma
história mais crítica e reflexiva nos bancos escolares ao invés de apenas
perpetuar a história dos grandes heróis.
A adoção dos quadrinhos para o ensino da História passa
necessariamente pela avaliação dos docentes, responsáveis pelo processo de
agrupamento do material e pela sondagem acerca da receptividade dos
estudantes. Alguns personagens das revistas quadrinizadas são nitidamente
“favorecidos” nessa escolha, uma vez que apresentam temáticas e
caracterizações que remete diretamente a um determinado objeto histórico, o
que contribui decisivamente par amenizar o possível choque notado nos
discentes, acostumados com materiais didáticos tradicionais. Alguns desses
personagens merecem destaque. (RIBEIRO,2010)
Ampliando ainda mais o emprego das HQs, Vilela (2007) propõe a
possibilidade de emprego dessas servindo como ponto de partida para
discussão de conceitos históricos, fazendo uso de fontes fictícias que não
apresentam ligações diretas e explícitas com o conteúdo a ser estudado. A
aplicação dessa metodologia pressupõe certa autonomia com os quadrinhos,
levando em conta que as associações entre as temáticas das revistas e o
assunto da disciplina são mais complexas e acabam sendo vistas apenas
através de uma capacidade mais desenvolta de interpretação.
1.3 UTILIZAÇÕES, TEMAS E EXEMPLOS

A reflexão acerca dos quadrinhos utilizados de acordo com uma


metodologia diferenciada do ensino de História oferece uma nova perspectiva
para o aprendizado, enriquecendo os valores e facilitando a apreensão dos
conteúdos, tornando o ambiente de sala de aula mais dinâmico. O emprego
das HQs contribui para a desconstrução do ensino pragmático e factual
favorecendo a construção de uma história crítica e reflexiva, inserindo os
estudantes em um âmbito historiográfico no qual eles possam se enxergar
enquanto agentes ativos, que constroem os fatos históricos e interferem
diretamente neles.
Os estudiosos dos quadrinhos como Flavio Calazans, Tulio Vilela,
Moacy Cirne e Waldomiro Vergueiro indicam vários caminhos a serem
seguidos, seja adotando o material enquanto ponto de partida para um assunto
histórico ou como uma possível ponte para temas presentes no cotidiano dos
discentes ou então enquanto retrato da época na qual ele foi produzido,
oferecendo um contexto que sirva para embasar melhor o assunto específico a
ser tratado, possibilitando a visualização de elementos referentes a
comunidades do passado. O emprego de alguns personagens específicos,
juntamente com as suas simbologias e seus ideais vem também ao encontro
da proposta de renovação do ensino de história, além de permitir que
estudantes aumentem sua capacidade interpretativa e o senso crítico.
A união dos quadrinhos com outros possíveis materiais didáticos
diferenciados, tal como o cinema e a música, vem para somar e agregar
valores ao processo dialético de aprendizagem.
Um dos indicativos para o ensino de História nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998) é o uso de diferentes linguagens, para a
produção de conhecimento, entre elas a musical. O uso da música nesse
desígnio configura se como uma ferramenta que manifesta as características
do compositor, e o lugar de onde ele fala. Não se trata tão somente de uma
manifestação artística, e tampouco de um material didático simplesmente
ilustrativo, fala-se de uma representação social, política e cultural.
Nos quadrinhos o enquadramento ou planos representam a forma
como uma imagem é representada e determina a visão que o leitor tem sobre a
cena do quadrinho, grande influência vinda do cinema. O enquadramento geral
é representado de forma bastante ampla, descrevendo para quem o lê o
cenário onde a história é descrita. A figura inteira mostra a pessoa humana, as
formas humanas e as linguagens de movimentos corporais são ingredientes
essenciais dos quadrinhos. (EISNER,1989)
As histórias em quadrinhos se tornaram peça fundamental na leitura de
crianças, jovens e adultos. Firmaram-se com suas narrativas pautadas em
questões que se aproximam do que os leitores veem na sociedade, porém em
grande parte das histórias com tons fantasiosos. Abordando temas como
violência urbana, política, moral e filosofia, são importantes veículos
propagadores de ideia para as gerações que consomem esse tipo de produto.
Além dessa inspiração nos leitores, influenciou também outro tipo de
arte do século XX, o cinema, que soube buscar nas referências de super-heróis
um caminho de lucro e sucesso.
O caminho a ser percorrido para que a utilização de um quadrinho
como esse seja feita de maneira satisfatória de acordo com a segunda
proposta apresentada é maior e mais difícil. Entretanto, os resultados serão
também mais satisfatórios e a capacidade de assimilação dos discentes será
maior, embasada pelo desenrolar do procedimento sugerido, que consiste em
entregar as revistas para os educandos e indagá-los acerca da temática da
história, do papel correspondente de cada personagem e do contexto histórico
no qual aquela revista está inserida. A adoção desse procedimento permite que
os estudantes abandonem o posto passivo e observação da história e se
vislumbrem enquanto agentes ativos na construção do conhecimento.
O desenvolvimento de uma metodologia que permita aos estudantes
sentirem-se ou situarem-se enquanto agentes históricos ativos e protagonistas
na construção do conhecimento, tal como foi mostrado anteriormente, permite
expandir ainda mais o leque de opções do emprego dos quadrinhos enquanto
ferramenta pedagógica. O livro “Super-Heróis e a Filosofia: Verdade, Justiça e
o Caminho Socrático”, coletânea de Matt Morris e Tom Morris com a
coordenação de William Irwin e tradução de Marcos Malvezzi Leal apresenta
diferentes ensaios que podem ser utilizados com riqueza de conteúdo nas
aulas de História.
Tome-se como exemplo a análise desenvolvida por Matt Morris acerca
da filosofia Aristotélica refletida nas histórias quadrinizadas do Batman,
personagem da Detective Comics.
O ensaio tem o objetivo de classificar as relações do Homem Morcego
com os demais personagens (Robin, Harvey Dent e Duas-Caras, Jim Gordon e
o mordomo Alfred)
Uma cidade consumida por problemas sociais, violência, impotência do
poder público e fortalecimento de gangues e máfia, Gotham City está à beira
do caos. Inspirada em várias outras cidades do mundo real que convivem com
os mesmos problemas, Gotham é o cenário da história de transformação de
Bruce Wayne em Batman. Bruce Wayne, um menino de oito anos, filho de pais
bilionários que lutavam por uma cidade mais justa, sofreu na pele as
consequências da deficiência da segurança pública. Numa noite, na saída do
cinema, um assaltante além de levar a carteira de seu pai e o colar de sua
mãe, tira a vida de Thomas e Martha Wayne deixando o pequeno Bruce órfão.
Thomas foi um grande filantrópico da cidade de Gotham, como é mostrado no
filme Batman Begin, construiu um sistema de transporte barato para os mais
humildes, apesar de seu nome estar ligado a grandes negócios empresariais,
ele atua como médico ajudando os habitantes mais carentes da cidade.
(CIRNE,2000)
Nem sempre é fácil superar uma perda tão grande. Bruce Wayne teve
sorte por ser herdeiro de uma fortuna inestimável. Não ficou totalmente
sozinho, foi criado por seu mordomo Alfred que fez um incrível papel de pai.
Economicamente nada lhe faltou. Mas ele carregava o sentimento de culpa
pela perda dos pais, afinal, em diferentes versões da saída da família Wayne
ora no teatro ora no cinema, os pais decidem sair mais cedo da sessão, pois o
menino estava com medo de personagens que pareciam com morcegos.
(BIBE-LUYTEN,1985)
Ainda criança prometeu em frente ao túmulo dos dois que iria vingar
suas mortes. Traria a paz que Gotham esperava. Diferente de outros heróis,
Batman é um homem “normal”, sem superpoderes. Todo o treinamento que
teve lhe garantiu força e inteligência acima do normal, teve ajuda claro de sua
fortuna que proporciona a compra e a construção de aparelhos e armas
altamente tecnológicas e poderosas, mas fora isso ele é um ser humano com
características, sentimentos e fraquezas humanas.

Batman é um homem comum, sem poderes, sem capacidades


Especiais sobre-humanas. Uma pessoa como qualquer um de nós
que decidiu, por escolha própria, se tornar um herói, um combatente
do crime. (CUNHA,2006, p.33)

Bruce decidiu criar um símbolo para intimidar todos que não


cumprissem as leis. E tira a ideia do seu próprio medo de infância. Quando
pequeno o herói tinha medo de morcegos, por esse motivo decide se vestir do
animal que tanto o amedronta, para meter medo nas pessoas de má índole nas
ruas da cidade.
A característica do morcego explica muitas das ações de Bruce como
Batman, ser um solitário, sair apenas durante à noite, não se vê morcegos
durante o dia, e desperta um sentimento de medo em qualquer pessoa. A partir
daí o Batman entra em cena para livrar Gotham City do crime. Bruce Wayne, o
bilionário, tem uma identidade secreta, sai às noites vestido de preto caçando
bandidos e os entregando à polícia. De início a polícia desconfia das intenções
do “justiceiro” mascarado que faz justiça com as próprias mãos. O policial Jim
Gordon é o único que acredita no lado bom de Batman e acaba se tornando o
elo entre a polícia e o homem morcego. Ao abdicar de viver uma vida normal,
como qualquer pessoa, Bruce Wayne treina seu corpo e sua mente para
praticar um bem comum à sociedade.
O personagem, criado por Bob Kane um ano depois do surgimento de
superam, em 1939, foi baseado em histórias de heróis que continham uma
atmosfera mais sombria e escondia o rosto com uma máscara emblemática,
inspirado em personagens que escondiam a verdadeira identidade, como o
Zorro
Um ano depois, para não deixar o protagonista tão solitário, um auxiliar
de luta foi criado, um adolescente que foi “adotado” por Batman e inserido no
seu processo de justiça sendo treinado pelo seu mentor.

Robin estreava no mundo do morcego, alterando crucialmente o rumo


das histórias. Batman nunca mais mataria, uma das suas
preocupações seria dar bons exemplos ao Robin – o clima no ir dos
pulos da época aos poucos ia se apagando. Da segunda metade dos
anos 1950 à segunda metade dos 1960, Batman e Robin
participariam de diversas histórias de ficção científica, derrotando
máquinas gigantes, viajando entre diferentes épocas e espancando
ETs de todo o tipo. (BIBE-LUYTEN,1988, p.148)

Nas primeiras décadas Batman e seu parceiro Robin, apareceram em


várias HQs combatendo o crime, muitas histórias com um tom infantil. Com o
sucesso nos quadrinhos a dupla estrelou uma série de TV década de 1960
num tom altamente humorístico, desmistificando a real identidade do herói
mascarado de morcego.
Com o início dos anos 1980, as sequências de HQs do homem-
morcego foram reformuladas e ganharam um tom mais sombrio e configurando
uma
Atmosfera pautada nas questões psicológicas de Bruce
Wayne/Batman, mais
Característico com a origem e personalidade do personagem, que
ainda é assombrado com a tragédia familiar e luta por justiça. A gráfica
novelas
Batman- O Cavaleiro das Trevas (1986), Batman- Ano Um (1987),
Batman – A Piada Mortal (1988) e Batman – A Queda do Morcego (procurar o
ano), foram responsáveis por escrever um novo capítulo na história do vigilante
mascarado de Gotham, aumentando as vendas e número de fãs, e
posteriormente responsável por influenciar os filmes que fizeram grande
sucesso mundial dirigido por Christopher Nolin.
Apesar dos anos terem se passado, Batman continuou com imenso
sucesso, e se tornou um produto cultural estrelando série de TV, filmes,
brinquedos, além de livros e estudos acadêmicos pautados sobre sua intensa
carga psicológica e filosófica. O herói foi bem construído, e seduziu os leitores
ao longo das décadas, com suas frustações e sentimentos humanos, é um
herói possível, que poderia ser uma pessoa qualquer, eu, você, um amigo ou
um parente próximo e pela fragilidade da alma de Bruce Wayne se aproximar
das patologias que muitas pessoas sofrem. É um produto que
Conquistou as massas populares, fascinou leitores crianças e adultos,
e ao longo de tanto tempo conseguiu se reinventar e ocupar um lugar cativo na
mídia e no mercado. “O motivo disso é que a sedução do mito do Homem-
Morcego está enraizada nas contradições de sua condição humana. Mortal e
falível, ele recebeu dos artistas envolvidos na sua reprodução industrial o
heroísmo e a capacidade de dar reviravoltas nas tramas que protagoniza, sem
perder de vista a condição humana, condenada à imperfeição. ”
O modo de luta de Batman diverge de outros heróis, por não ter
superforma, olhos de raios lasers, teias de aranha que saem dos pulsos, um
anel que cria tudo o passa pelo seu pensamento. Se vestir de morcego e
atacar malfeitores com golpes de artes marciais antes de trancá-los no Asilo
Arcam, é sua marca registrada e explica sua personalidade. Grande
quantidade de dinheiro auxilia na sua luta por garantir que ele tenha recursos
tecnológicos que equipam sua Bat. Caverna e seu Bat. móvel.
É um personagem altamente complexo e contraditório. Age à margem
da lei, mas ainda assim está dentro dela, pelo fato da lei em Gohan ser
altamente corrupta, fazendo dele uma pessoa virtuosa. Marcado pela tragédia,
Bruce constrói uma fortaleza no seu relacionamento com outras pessoas,
sendo um indivíduo sozinho, sem amigos ou namorada. Alfred, seu mordomo,
é uma figura de pai, que cuida das suas feridas físicas e psicológicas. Robin,
seu fiel escudeiro e parceiro de missões, uma espécie de adotado por Bruce
que aprende a filosofia do herói, diminuindo a tensão pesada que rodea o
homem morcego. Selina Kylie, uma bandida conhecida como mulher-gato, ora
é inimiga de Bruce, ora é um caso de romance e também ajuda contra
bandidos. Jim Gordon, policial que posteriormente se torna comissário, tem
uma relação de parceria com Bruce na luta contra o crime. Apesar de tantos
exemplos de pessoas que o ajudam, o bilionário excêntrico Wayne não
considera nenhum como “amigo”, por considerar-se sozinho e para não perder
o foco de sua missão de vida.
Ao escolher o símbolo do morcego para representa-lo na luta contra o
crime, Bruce Wayne utiliza o seu medo de infância para aterrorizar aqueles que
perturbam a ordem em Gotham, à figura de playboy milionário que ajuda
projetos voltados para a população carente com o nome de suas empresas
virou a imagem que ele precisava para garantir o anonimato de Batman.
O herói deve permanecer desconhecido para inspirar medo aos
bandidos e esperança aos cidadãos de bem.Um herói é definido pelos vilões
que enfrenta (BIBE-LUYTEN,1988)
No caso de Batman, um herói com problemas comuns, com problemas
psicológicos atraía vilões altamente perturbados que trazem batalhas
envolvendo moral e psicologia.
Criminosos que se originaram de diferentes formas, de maneiras, que
moldaram identidades insanas e até brutais, os mais conhecidos Charada,
Espantalho, Pinguim, Duas Caras, todos com características que perturbam
pessoas inocentes e o próprio herói Batman.
De acordo com a concepção de amizade do filósofo grego Aristóteles.
É necessária, entretanto, uma explanação envolvendo essa noção
desenvolvida pelo pensador grego.
De acordo com o referido autor, existem três diferentes tipos de
amizade, sem que elas sejam excludentes: a primeira é chamada de amizade
de utilidade, relação na qual existe um benefício envolvendo ambas as partes e
que está diretamente ligado ao ambiente de desenvolvimento desse
relacionamento (como colegas de trabalho, por exemplo). A amizade dura
enquanto houver utilidades e benefícios para os dois lados. A segunda
modalidade de amizade é classificada como uma amizade de prazer, ou seja,
os dois lados sentem prazer na companhia do outro, se divertem juntos e
apreciam o fato de estarem unidos. A duração dessa modalidade está aliada ao
deleite: enquanto ele existir, a amizade continuará. Já a última forma é
chamada de amizade de virtude, na qual os envolvidos se envolvem nesse
relacionamento de amizade apenas pelo bem do outro, isto é, não existe
qualquer necessidade de prazer ou benefícios: a amizade existe apenas
porque o outro se sente bem na companhia do primeiro, e vice-versa. Essa
modalidade só é possível de se desenvolver com pessoas realmente boas e
comprometidas mutuamente. (MORRIS,2006)
Definidas as modalidades, o autor procura encaixá-las nas relações do
Homem Morcego. Para Morris, o envolvimento entre Batman e o seu escudeiro
Robin está inserido na primeira classificação de Aristóteles, ao passo que
existem benefícios para os dois lados (o primeiro ensina o segundo a se portar
como um combatente do crime, além de oferecer condições de sobrevivência
como casa e comida juntamente com companheirismo e um objetivo maior de
vida, enquanto que o segundo recompensa tudo isso com fidelidade,
disposição, respeito e amor) e a amizade se esvazia quando eles deixam de
serem parceiros.
Em relação a Harvey Dent a amizade é caracterizada por Morris como
sendo também de utilidade, sendo que o benefício mútuo consistia na ajuda ao
combate ao crime e à manutenção da justiça. A ressalva é feita em se tratando
da transformação envolvendo o promotor, que após ser vítima de um ataque
enquanto interrogava o suspeito de um crime teve seu rosto totalmente
desfigurado, que acarretou em distúrbios de personalidade que o fizeram
pender para o lado das injustiças. O Homem-Morcego estava prestes a revelar
sua verdadeira identidade quando aconteceu a tragédia, o que nos leva a
pensar na possibilidade do desenvolvimento de outro nível de amizade,
mas que não se materializou.
A relação envolvendo Batman e Jim Gordon também está presa à
primeira definição de Aristóteles, ao passo que ambos são úteis ao outro, no
que se refere a mútua ajuda para melhorar o combate ao crime. Morris destaca
a hesitação do Homem-Morcego em tornar-se mais próximo do Tenente, que
poderia não titubear em prender o herói caso julgasse que esse estava atuando
fora dos limites da lei, criando assim um obstáculo para o desenvolvimento de
um nível mais avançado de amizade.
Para encerrar o ensaio, a análise corresponde ao relacionamento de
Bruce Wayne com o seu mordomo, Alfred. A princípio, a amizade parece
corresponder a uma classificação maior, sendo que existe entre os dois uma
cumplicidade enorme, além de o mordomo representar a figura paterna para o
dono da mansão, que ficou órfão ainda muito jovem. Entretanto, é justamente
esse fator que impede o desenvolvimento de uma amizade de maior virtude,
pois após a morte dos seus patrões, Thomas e Martha Wayne, Alfred tornou-se
responsável pela criação de Bruce, e fazer dele um homem formado era a
verdadeira missão da vida do mordomo. Soma-se a isso o fato de eles serem
patrão e empregado, o que implica em uma relação formal. (MORRIS,2006)
A explanação de Tom Morris permite uma análise quadrinhística mais
profunda e completa, o que pressupõe uma maior intimidade com os
quadrinhos, além de maturidade e um conhecimento mais desenvolto dos
discentes. A exemplificação utilizada tem o fim de mostrar que a metodologia
quadrinhística extrapola qualquer limite de faixa etária, além de evidenciar a
possibilidade de estudo de História de maneira mais divertida e informal.
(MORRIS,2006)

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