A proposta que envolve o emprego dos quadrinhos enquanto
ferramenta que auxilia no processo de aprendizagem da História vai ao encontro das revisões curriculares e historiográficas, iniciadas na década de oitenta, que trouxeram novos caminhos e abriram diferentes possibilidades para a prática dos educadores e suas respectivas metodologias. Mesmo que a utilização das HQs no âmbito pedagógico para o ensino dessa disciplina em questão ainda seja tímida, ela oferece uma perspectiva diferenciada, que se insere no contexto das renovações propostas a partir de então, procurando desconstruir os incômodos rótulos que caracterizam o ensino de história e ela enquanto disciplina escolar por si só. (MANOEL,2010) Ainda para o autor supracitado, o ensino de História e por consequência a própria disciplina são comumente rotulados como algo decorativo e pragmático, que não apresenta possibilidades de alteração e fornece aos discentes uma sensação de passividade, levando em conta que, da maneira como é aplicada, não é possível interferir no curso da história, que está tão distante dos nossos olhos e das nossas atitudes. Além disso, os métodos de ensino consagrados até então priorizam a participação o educador enquanto o único detentor do conhecimento, que passa o conteúdo de maneira unilateral, priorizando os grandes heróis e fatos. A falta de interesse dos estudantes que resulta nos incômodos rótulos fornecidos à disciplina legitima-se medida que as práticas pedagógicas e os seus respectivos materiais didáticos não se renovam e limitam-se a reproduzir um conhecimento histórico caracterizado por ser fechado e sem flexibilidade. A construção do conhecimento histórico que resultou nessa abordagem predominantemente fatual tem suas raízes no século XIX, mais especificamente no ano de 1838, com a criação do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Segundo a análise do historiador Ivan Manoel, a criação da escola fluminense e o desenvolvimento das diretrizes para o ensino de História devem ser analisados em conjunto com a criação do IHGB. (MANOEL,2010) O uso das HQs na educação, entretanto, é ilimitado e passível de várias interpretações e possibilidades, como avalia Calazans (2005) “os limites do emprego de HQ em sala de aula são os limites da criatividade de cada professor”. A entrada definitiva dos quadrinhos na educação brasileira vem juntamente com a elaboração os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), proposta inicialmente em 1997. A abordagem educacional visando uma perspectiva de aprendizado universal, voltada para um trabalho produtivo e com o objetivo de fornecer ao discente o total domínio de competências que permita condições plenas para o exercício da cidadania, passa pela compreensão e domínio de diferentes gêneros, permitindo autonomia no trabalho com a linguagem oral e a linguagem escrita. Sendo assim, o gênero quadrinhístico mostra-se de extrema valia nesse sentido, uma vez que consegue agregar essas duas linguagens de uma maneira dinâmica e que contempla a perspectiva de uso produtivo desses dois códigos. (CALAZANS,2005) Outra situação que alterou o destino dos quadrinhos e permitiu a inserção definitiva desses no meio educacional ocorreu em 2006, no último ano do primeiro mandado do Presidente Lula: a inclusão deles na lista do PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola). Esse programa tem o objetivo de construir um acervo de obras literárias que serão distribuídas às escolas públicas do território brasileiro, levando aos discentes mais possibilidades de acesso à cultura, fornecendo uma gama de materiais que tragam informações e notícias, o que acabaria por levar à criação de um hábito de leitura entre os alunos. É importante ressaltar que desde a primeira aparição das HQs na lista do PNBE, datada do ano de 2006, até a última, do ano de 2009, o número de títulos aumentou consideravelmente, evidenciando a boa aceitação desse material, seja por parte dos discentes, docentes ou dos estudiosos responsáveis pela elaboração da lista. (PNBE,2006) Os quadrinhos passam a ser então oficialmente aceitos como uma possível ferramenta pedagógica de grande valor, o que contrasta com a visão de pouco mais de meio século, que os colocava como uma leitura ruim e que levava à preguiça mental. (CALAZANS,2005) A legalização dos quadrinhos enquanto ferramenta pedagógica traçada em conjunto pelos PCNs e pelo PNBE, juntamente com a liberdade fornecida aos educadores por esses mesmos parâmetros abrange a possibilidade de uso, seja de acordo com as temáticas propostas pelas próprias revistas, ou então de acordo com as ideias dos educadores, responsáveis diretos pela escolha do material, de acordo com o costume a adequação dos estudantes. Algumas sugestões são feitas pelos especialistas em quadrinhos na educação. (PCNs,1997) As HQs (Histórias em Quadrinhos) são conhecidas mundialmente e se apresentam enquanto um poderoso veículo de entretenimento e lazer, contando com um extenso público alvo que não apresenta limite de idade, o que permite que não exista também qualquer obstáculo para a abordagem de temáticas diferenciadas. A união entre linguagem gráfica e visual fornece ao leitor uma sensação de dinamismo e flexibilidade, o que confere à leitura um caráter de subjetividade, que se liga com o ritmo de cada um, respeitando as individualidades, tão pouco valorizadas em se tratando do ambiente escolar, a natureza dos quadrinhos: [...] sequência dinâmica de situações, numa narrativa rítmica em que o texto, quando ele existe, tanto pode aparecer como legenda abaixo da imagem, como com outros espaços a ele destinado, ou em balões ligados por um apêndice à pessoa que fala (ou pensa). Para atingir sua finalidade básica, a rapidez de sua compreensão, as HQ lançam mão de símbolos, onomatopeias, códigos especiais, elementos pictóricos que lhes garantam uma universalidade de sentido. (ANSELMO,1988) De acordo com Manoel (2010) e Anselmo (1988) a principal característica das histórias quadrinizadas está na sua capacidade de entreter, sendo inclusive parte integrante e respeitável da grande indústria de entretenimento mercadológicos. Os e quadrinhos lazer e seus mostram-se, respectivo, portanto, desdobramentos naturalmente mais convidativos que qualquer outro texto acadêmico/didático, já que a diversão é uma característica praticamente inerente das revistas. O presente estudo tem a proposta de conceituar as diferentes possibilidades de uso das HQs na educação principalmente no ensino de História e fazer a proposta de uma nova abordagem metodológica, que venha com o intuito de desconstruir o pragmatismo e a natureza metódica assumida pelo ensino da disciplina em questão desde os seus primórdios. (MANOEL,2010; ANSELMO,1988) A aplicação metodológica de acordo com os PCNs não representou melhoras efetivas para o ensino de História, que continua sendo encarado como uma disciplina pragmática, factual, decorativa e que não desperta interesse nos estudantes, que não conseguem vislumbrar praticidade e muito menos aplicação nos conteúdos ensinados. O problema continua sendo a postura passiva que a metodologia aplicada fornece aos educandos, que se mantém a margem do processo histórico e a manutenção do educador enquanto o único detentor do conhecimento. Novos métodos e materiais devem ser encarados como um instrumento que agrega valores ao processo dialético de aprendizagem e que permite uma renovação produtiva em se tratando da abordagem falha, na maioria dos casos, que é aplicada ao ensino de História. O emprego dos quadrinhos se mostra oportuno e deve ser pensado como uma poderosa ferramenta que venha se não para preencher completamente a lacuna deixada por todas essas aplicações metodológicas pouco eficazes represente um novo fôlego e um alento para o ensino dessa influente disciplina. (SEE, 2008. p. 11)
Os quadrinhos vão se revelar, no decorrer da análise, uma ferramenta,
que não conta com uma natureza essencialmente pedagógica, mas que oferece grande potencial para tal finalidade, sendo esse ainda pouco explorado pelos educadores. A faceta de entretenimento aliada à diversão das HQs deixa de representar um obstáculo e passa a ser um elemento catalisador, que possa estimular os estudantes e torná-los mais dispostos e menos resguardados em se tratando do ensino de História. As HQs devem ser encaradas como um facilitador, que diminua a distância envolvendo o conteúdo estudado e a vida dos educandos, explorando ao máximo sua grande exposição midiática, na medida em que contribui para que a História abandone o posto de disciplina fechada e decorativa, sem possibilidades de alteração e/ou envolvimento. (MANOEL,2010) Através dos quadrinhos, os alunos podem abandonar o posto passivo de observação e se vislumbrarem enquanto agentes ativos do curso histórico, apresentando possibilidades diferentes de interferência e opinião. É através dessas premissas que o estudo vai se desenvolver.
1.2 PENSANDO O ENSINO DE HISTÓRIA COM OS QUADRINHOS
A proposta de abordar os conteúdos históricos fazendo uso dos
quadrinhos vem ganhando notoriedade e destaque ao longo das últimas décadas, juntamente com a revisão que abarca os meios de comunicação. A ideia das HQs enquanto uma ferramenta pedagógica, entretanto, não deve ser vislumbrada como a saída definitiva para a melhoria da educação e nem como um método infalível, ao passo que o uso exclusivo dessa não resultará em uma melhora determinante do ambiente escolar. Ela deve ser encarada como um elemento que venha para somar no âmbito da vivência em sala de aula, e não como o único material pedagógico que levará à salvação do processo educacional. (SCHIMIDIT; CAINELLI,2004) O ensino de História tal como vem sendo feito nas escolas brasileiras carrega uma concepção pragmática da disciplina, reduzindo severamente as discussões e ampliando a importância de datas e fatos isolados. A ótica factual não fornece aos discentes possibilidades de visualizar os assuntos ensinados com o seu cotidiano, o que dificulta a aprendizagem e minimiza as reflexões, coibindo o processo dialético atrelado à aprendizagem. Tornou-se usual, portanto, assimilar os conteúdos históricos apenas como uma sucessão de datas e fatos marcantes, sem traçar qualquer conexão entre esses e tornando mínimas as motivações para o estudo da disciplina, uma vez que os fatos passados não apresentam qualquer possibilidade de interferência por parte dos estudantes. (SCHIMIDIT; CAINELLI,2004) É comum definir a História como uma matéria decorativa, rotulação essa que se mostra justificável ao estabelecer uma análise das metodologias adotadas e do material didático proposto para a aprendizagem dessa disciplina: a abordagem predominantemente baseada em fatos, que percorre a linha do tempo e estabelece uma sucessão de fatos relevantes e suas respectivas datas evidenciam o caráter factual e pragmático, que resulta na pouca participação dos estudantes. Entretanto, o rótulo oferecido à disciplina não é legítimo e não deve ser aceito por parte dos educadores, que sabem do potencial amplo da História e tem ciência de como o estudo adequado dessa disciplina pode fornecer noções plenas de cidadania e de incentivo ao desenvolvimento da capacidade de interpretação e do senso crítico. Esse ensino da História pressupõe, fundamentalmente, que se tome a experiência do aluno como ponto de partida para o trabalho com os conteúdos, pois é importante que também o aluno se identifique como sujeito da História e da produção do conhecimento histórico. Nesse sentido, há consenso entre as diferentes correntes historiográficas contemporâneas de que a História é feita por todos os homens, e não somente pelos heróis ou personagens importantes. Assim, a História ensinada deve levar em consideração a multiplicidade e a multilinearidade históricas. (SCHIMIDIT; CAINELLI,2004) A necessidade do aprendizado de competências que forneçam ao educando perspectivas do exercício da cidadania juntamente com um trabalho produtivo, isto é, a importância clara de se ligar o conteúdo aprendido na escola com uma possível profissão na vida futura é uma das principais preocupações dos Parâmetros Curriculares Nacionais. O texto dos PCNs salienta que a sociedade brasileira atual exige que a noção de identidade se torne uma temática de dimensões abrangentes, uma vez que o país vivencia um extenso e complexo processo migratório que, nas últimas décadas, tem desestruturado as formas tradicionais de relações sociais e culturais. Nesse sentido, o ensino de História procura desempenhar um papel mais significativo na "formação da cidadania", "envolvendo a reflexão sobre a atuação do indivíduo em suas relações pessoais com o grupo de convívio, suas afetividades e sua participação no coletivo”. (PCNs,1997) A constituição da identidade social do aluno, nessa linha de pensamento, constituísse um desafio para as propostas educacionais para a disciplina História na escola. Essa questão, segundo os autores supracitados, necessitaria de uma abordagem que considere "a relação entre o particular e o geral, quer se trate do indivíduo, sua ação e seu papel na localidade e cultura, quer se trate das relações entre a localidade específica, a sociedade nacional e o mundo”. Entende-se que o ensino de História, ao valorizar datas em detrimento das reflexões restringe o aprendizado das competências e contribui cada vez mais para a hierarquização do ensino, pois o conhecimento das datas não apresenta possibilidade de alteração e/ou interferência, o que coloca o professor como detentor único do saber e acaba por intimidar os estudantes e também por desmotivá-los, fortalecendo cada vez mais o aparato escolar tradicional, que não apresenta resultados animadores, salvo raras exceções. (SCHIMIDIT; CAINELLI,2004) O ensino de história tradicional engendrou a imagem de um professor de história “narrador” de histórias”, lecionando uma disciplina desestimulante para os educandos e distantes de suas realidades sociais. Indagações por parte dos alunos do gênero “por que se estudar esta matéria chata? ”refletem bem essa distância abissal. Não obstante, as relações hierarquizadas na escola apresentam aos alunos um professor autoritário, descomprometido e desinteressado com perspectivas heterogêneas acerca do saber e emissor das “verdades absolutas” que têm de ser incorporadas. É muito complicado elaborar conhecimento considerando diferentes visões de mundo em um espaço que institui unilateralidade e monoliticidade por parte do professor, onde o aluno aprende e o professor ensina. Esta dicotomia não produz conhecimento, somente despeja nos alunos uma série de informações desconexas e incoerentes, lógica coerente apenas para preparar o aluno para o mercado de trabalho e para a aprovação no vestibular. Não se pensa a estrutura de ensino, o papel do indivíduo nessa instituição ou o papel da escola como reprodutora das estruturas que legitimam o poder hierarquizado e institucionalizado na sociedade. (SCHIMIDIT; CAINELLI,2004) O ensino de História deve ser desenvolvido de acordo com a ideia de interdisciplinaridade e também com a proposta de estabelecimento de conexões entre os assuntos ensinados e o cotidiano dos alunos. Sendo assim, o caminho a ser seguido deve passar por uma visualização do conteúdo histórico construído de acordo com a influência, o pensamento e ação dos homens, logo, passível de alteração nas suas interpretações e escritas. O estudante deve se enxergar enquanto um agente histórico ativo, capaz de influir decisivamente no segmento histórico e disposto a fazer uso dessa possibilidade de interferência, e não como um agente passivo, que assiste aos acontecimentos e as mudanças do cenário histórico de braços cruzados, mostrando-se incapaz de estabelecer qualquer revisão ou mediação no curso da história. (DAVID; BIROCCHI,2010) O uso das HQs enquanto um artifício para o ensino da História, se encarado com seriedade e não como o “salvador da pátria” do ensino, vem como um elemento capaz de servir para preencher essa lacuna. O caráter altamente acessível dos quadrinhos, que alia o seu baixo valor de compra com a sua ampla exposição midiática confere ao educando familiaridade e possibilidades de estabelecer conexões entre as situações estudadas e o seu cotidiano, uma vez que o material didático adotado faz parte da vida dos alunos fora do ambiente escolar. Além disso, o viés de entretenimento das revistas contribui para a quebra da formalidade e do pragmatismo das aulas de história. A adoção das temáticas propostas pelas histórias quadrinizadas fornece uma nova visão para os fatos, que anteriormente aparentavam ser inatingíveis. (DAVID; BIROCCHI,2010) Segundo Ribeiro (2010) as várias possibilidades de uso envolvendo diferentes personagens dos quadrinhos e revistas diversas que abordem o mesmo assunto conferem ao educando perspectiva de se enxergar enquanto agente histórico e também de estabelecer diferentes visões acerca de um mesmo assunto, vislumbrando as diferentes interpretações possíveis de um fato histórico. O uso dos quadrinhos mostra ser possível a construção de uma história mais crítica e reflexiva nos bancos escolares ao invés de apenas perpetuar a história dos grandes heróis. A adoção dos quadrinhos para o ensino da História passa necessariamente pela avaliação dos docentes, responsáveis pelo processo de agrupamento do material e pela sondagem acerca da receptividade dos estudantes. Alguns personagens das revistas quadrinizadas são nitidamente “favorecidos” nessa escolha, uma vez que apresentam temáticas e caracterizações que remete diretamente a um determinado objeto histórico, o que contribui decisivamente par amenizar o possível choque notado nos discentes, acostumados com materiais didáticos tradicionais. Alguns desses personagens merecem destaque. (RIBEIRO,2010) Ampliando ainda mais o emprego das HQs, Vilela (2007) propõe a possibilidade de emprego dessas servindo como ponto de partida para discussão de conceitos históricos, fazendo uso de fontes fictícias que não apresentam ligações diretas e explícitas com o conteúdo a ser estudado. A aplicação dessa metodologia pressupõe certa autonomia com os quadrinhos, levando em conta que as associações entre as temáticas das revistas e o assunto da disciplina são mais complexas e acabam sendo vistas apenas através de uma capacidade mais desenvolta de interpretação. 1.3 UTILIZAÇÕES, TEMAS E EXEMPLOS
A reflexão acerca dos quadrinhos utilizados de acordo com uma
metodologia diferenciada do ensino de História oferece uma nova perspectiva para o aprendizado, enriquecendo os valores e facilitando a apreensão dos conteúdos, tornando o ambiente de sala de aula mais dinâmico. O emprego das HQs contribui para a desconstrução do ensino pragmático e factual favorecendo a construção de uma história crítica e reflexiva, inserindo os estudantes em um âmbito historiográfico no qual eles possam se enxergar enquanto agentes ativos, que constroem os fatos históricos e interferem diretamente neles. Os estudiosos dos quadrinhos como Flavio Calazans, Tulio Vilela, Moacy Cirne e Waldomiro Vergueiro indicam vários caminhos a serem seguidos, seja adotando o material enquanto ponto de partida para um assunto histórico ou como uma possível ponte para temas presentes no cotidiano dos discentes ou então enquanto retrato da época na qual ele foi produzido, oferecendo um contexto que sirva para embasar melhor o assunto específico a ser tratado, possibilitando a visualização de elementos referentes a comunidades do passado. O emprego de alguns personagens específicos, juntamente com as suas simbologias e seus ideais vem também ao encontro da proposta de renovação do ensino de história, além de permitir que estudantes aumentem sua capacidade interpretativa e o senso crítico. A união dos quadrinhos com outros possíveis materiais didáticos diferenciados, tal como o cinema e a música, vem para somar e agregar valores ao processo dialético de aprendizagem. Um dos indicativos para o ensino de História nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) é o uso de diferentes linguagens, para a produção de conhecimento, entre elas a musical. O uso da música nesse desígnio configura se como uma ferramenta que manifesta as características do compositor, e o lugar de onde ele fala. Não se trata tão somente de uma manifestação artística, e tampouco de um material didático simplesmente ilustrativo, fala-se de uma representação social, política e cultural. Nos quadrinhos o enquadramento ou planos representam a forma como uma imagem é representada e determina a visão que o leitor tem sobre a cena do quadrinho, grande influência vinda do cinema. O enquadramento geral é representado de forma bastante ampla, descrevendo para quem o lê o cenário onde a história é descrita. A figura inteira mostra a pessoa humana, as formas humanas e as linguagens de movimentos corporais são ingredientes essenciais dos quadrinhos. (EISNER,1989) As histórias em quadrinhos se tornaram peça fundamental na leitura de crianças, jovens e adultos. Firmaram-se com suas narrativas pautadas em questões que se aproximam do que os leitores veem na sociedade, porém em grande parte das histórias com tons fantasiosos. Abordando temas como violência urbana, política, moral e filosofia, são importantes veículos propagadores de ideia para as gerações que consomem esse tipo de produto. Além dessa inspiração nos leitores, influenciou também outro tipo de arte do século XX, o cinema, que soube buscar nas referências de super-heróis um caminho de lucro e sucesso. O caminho a ser percorrido para que a utilização de um quadrinho como esse seja feita de maneira satisfatória de acordo com a segunda proposta apresentada é maior e mais difícil. Entretanto, os resultados serão também mais satisfatórios e a capacidade de assimilação dos discentes será maior, embasada pelo desenrolar do procedimento sugerido, que consiste em entregar as revistas para os educandos e indagá-los acerca da temática da história, do papel correspondente de cada personagem e do contexto histórico no qual aquela revista está inserida. A adoção desse procedimento permite que os estudantes abandonem o posto passivo e observação da história e se vislumbrem enquanto agentes ativos na construção do conhecimento. O desenvolvimento de uma metodologia que permita aos estudantes sentirem-se ou situarem-se enquanto agentes históricos ativos e protagonistas na construção do conhecimento, tal como foi mostrado anteriormente, permite expandir ainda mais o leque de opções do emprego dos quadrinhos enquanto ferramenta pedagógica. O livro “Super-Heróis e a Filosofia: Verdade, Justiça e o Caminho Socrático”, coletânea de Matt Morris e Tom Morris com a coordenação de William Irwin e tradução de Marcos Malvezzi Leal apresenta diferentes ensaios que podem ser utilizados com riqueza de conteúdo nas aulas de História. Tome-se como exemplo a análise desenvolvida por Matt Morris acerca da filosofia Aristotélica refletida nas histórias quadrinizadas do Batman, personagem da Detective Comics. O ensaio tem o objetivo de classificar as relações do Homem Morcego com os demais personagens (Robin, Harvey Dent e Duas-Caras, Jim Gordon e o mordomo Alfred) Uma cidade consumida por problemas sociais, violência, impotência do poder público e fortalecimento de gangues e máfia, Gotham City está à beira do caos. Inspirada em várias outras cidades do mundo real que convivem com os mesmos problemas, Gotham é o cenário da história de transformação de Bruce Wayne em Batman. Bruce Wayne, um menino de oito anos, filho de pais bilionários que lutavam por uma cidade mais justa, sofreu na pele as consequências da deficiência da segurança pública. Numa noite, na saída do cinema, um assaltante além de levar a carteira de seu pai e o colar de sua mãe, tira a vida de Thomas e Martha Wayne deixando o pequeno Bruce órfão. Thomas foi um grande filantrópico da cidade de Gotham, como é mostrado no filme Batman Begin, construiu um sistema de transporte barato para os mais humildes, apesar de seu nome estar ligado a grandes negócios empresariais, ele atua como médico ajudando os habitantes mais carentes da cidade. (CIRNE,2000) Nem sempre é fácil superar uma perda tão grande. Bruce Wayne teve sorte por ser herdeiro de uma fortuna inestimável. Não ficou totalmente sozinho, foi criado por seu mordomo Alfred que fez um incrível papel de pai. Economicamente nada lhe faltou. Mas ele carregava o sentimento de culpa pela perda dos pais, afinal, em diferentes versões da saída da família Wayne ora no teatro ora no cinema, os pais decidem sair mais cedo da sessão, pois o menino estava com medo de personagens que pareciam com morcegos. (BIBE-LUYTEN,1985) Ainda criança prometeu em frente ao túmulo dos dois que iria vingar suas mortes. Traria a paz que Gotham esperava. Diferente de outros heróis, Batman é um homem “normal”, sem superpoderes. Todo o treinamento que teve lhe garantiu força e inteligência acima do normal, teve ajuda claro de sua fortuna que proporciona a compra e a construção de aparelhos e armas altamente tecnológicas e poderosas, mas fora isso ele é um ser humano com características, sentimentos e fraquezas humanas.
Batman é um homem comum, sem poderes, sem capacidades
Especiais sobre-humanas. Uma pessoa como qualquer um de nós que decidiu, por escolha própria, se tornar um herói, um combatente do crime. (CUNHA,2006, p.33)
Bruce decidiu criar um símbolo para intimidar todos que não
cumprissem as leis. E tira a ideia do seu próprio medo de infância. Quando pequeno o herói tinha medo de morcegos, por esse motivo decide se vestir do animal que tanto o amedronta, para meter medo nas pessoas de má índole nas ruas da cidade. A característica do morcego explica muitas das ações de Bruce como Batman, ser um solitário, sair apenas durante à noite, não se vê morcegos durante o dia, e desperta um sentimento de medo em qualquer pessoa. A partir daí o Batman entra em cena para livrar Gotham City do crime. Bruce Wayne, o bilionário, tem uma identidade secreta, sai às noites vestido de preto caçando bandidos e os entregando à polícia. De início a polícia desconfia das intenções do “justiceiro” mascarado que faz justiça com as próprias mãos. O policial Jim Gordon é o único que acredita no lado bom de Batman e acaba se tornando o elo entre a polícia e o homem morcego. Ao abdicar de viver uma vida normal, como qualquer pessoa, Bruce Wayne treina seu corpo e sua mente para praticar um bem comum à sociedade. O personagem, criado por Bob Kane um ano depois do surgimento de superam, em 1939, foi baseado em histórias de heróis que continham uma atmosfera mais sombria e escondia o rosto com uma máscara emblemática, inspirado em personagens que escondiam a verdadeira identidade, como o Zorro Um ano depois, para não deixar o protagonista tão solitário, um auxiliar de luta foi criado, um adolescente que foi “adotado” por Batman e inserido no seu processo de justiça sendo treinado pelo seu mentor.
Robin estreava no mundo do morcego, alterando crucialmente o rumo
das histórias. Batman nunca mais mataria, uma das suas preocupações seria dar bons exemplos ao Robin – o clima no ir dos pulos da época aos poucos ia se apagando. Da segunda metade dos anos 1950 à segunda metade dos 1960, Batman e Robin participariam de diversas histórias de ficção científica, derrotando máquinas gigantes, viajando entre diferentes épocas e espancando ETs de todo o tipo. (BIBE-LUYTEN,1988, p.148)
Nas primeiras décadas Batman e seu parceiro Robin, apareceram em
várias HQs combatendo o crime, muitas histórias com um tom infantil. Com o sucesso nos quadrinhos a dupla estrelou uma série de TV década de 1960 num tom altamente humorístico, desmistificando a real identidade do herói mascarado de morcego. Com o início dos anos 1980, as sequências de HQs do homem- morcego foram reformuladas e ganharam um tom mais sombrio e configurando uma Atmosfera pautada nas questões psicológicas de Bruce Wayne/Batman, mais Característico com a origem e personalidade do personagem, que ainda é assombrado com a tragédia familiar e luta por justiça. A gráfica novelas Batman- O Cavaleiro das Trevas (1986), Batman- Ano Um (1987), Batman – A Piada Mortal (1988) e Batman – A Queda do Morcego (procurar o ano), foram responsáveis por escrever um novo capítulo na história do vigilante mascarado de Gotham, aumentando as vendas e número de fãs, e posteriormente responsável por influenciar os filmes que fizeram grande sucesso mundial dirigido por Christopher Nolin. Apesar dos anos terem se passado, Batman continuou com imenso sucesso, e se tornou um produto cultural estrelando série de TV, filmes, brinquedos, além de livros e estudos acadêmicos pautados sobre sua intensa carga psicológica e filosófica. O herói foi bem construído, e seduziu os leitores ao longo das décadas, com suas frustações e sentimentos humanos, é um herói possível, que poderia ser uma pessoa qualquer, eu, você, um amigo ou um parente próximo e pela fragilidade da alma de Bruce Wayne se aproximar das patologias que muitas pessoas sofrem. É um produto que Conquistou as massas populares, fascinou leitores crianças e adultos, e ao longo de tanto tempo conseguiu se reinventar e ocupar um lugar cativo na mídia e no mercado. “O motivo disso é que a sedução do mito do Homem- Morcego está enraizada nas contradições de sua condição humana. Mortal e falível, ele recebeu dos artistas envolvidos na sua reprodução industrial o heroísmo e a capacidade de dar reviravoltas nas tramas que protagoniza, sem perder de vista a condição humana, condenada à imperfeição. ” O modo de luta de Batman diverge de outros heróis, por não ter superforma, olhos de raios lasers, teias de aranha que saem dos pulsos, um anel que cria tudo o passa pelo seu pensamento. Se vestir de morcego e atacar malfeitores com golpes de artes marciais antes de trancá-los no Asilo Arcam, é sua marca registrada e explica sua personalidade. Grande quantidade de dinheiro auxilia na sua luta por garantir que ele tenha recursos tecnológicos que equipam sua Bat. Caverna e seu Bat. móvel. É um personagem altamente complexo e contraditório. Age à margem da lei, mas ainda assim está dentro dela, pelo fato da lei em Gohan ser altamente corrupta, fazendo dele uma pessoa virtuosa. Marcado pela tragédia, Bruce constrói uma fortaleza no seu relacionamento com outras pessoas, sendo um indivíduo sozinho, sem amigos ou namorada. Alfred, seu mordomo, é uma figura de pai, que cuida das suas feridas físicas e psicológicas. Robin, seu fiel escudeiro e parceiro de missões, uma espécie de adotado por Bruce que aprende a filosofia do herói, diminuindo a tensão pesada que rodea o homem morcego. Selina Kylie, uma bandida conhecida como mulher-gato, ora é inimiga de Bruce, ora é um caso de romance e também ajuda contra bandidos. Jim Gordon, policial que posteriormente se torna comissário, tem uma relação de parceria com Bruce na luta contra o crime. Apesar de tantos exemplos de pessoas que o ajudam, o bilionário excêntrico Wayne não considera nenhum como “amigo”, por considerar-se sozinho e para não perder o foco de sua missão de vida. Ao escolher o símbolo do morcego para representa-lo na luta contra o crime, Bruce Wayne utiliza o seu medo de infância para aterrorizar aqueles que perturbam a ordem em Gotham, à figura de playboy milionário que ajuda projetos voltados para a população carente com o nome de suas empresas virou a imagem que ele precisava para garantir o anonimato de Batman. O herói deve permanecer desconhecido para inspirar medo aos bandidos e esperança aos cidadãos de bem.Um herói é definido pelos vilões que enfrenta (BIBE-LUYTEN,1988) No caso de Batman, um herói com problemas comuns, com problemas psicológicos atraía vilões altamente perturbados que trazem batalhas envolvendo moral e psicologia. Criminosos que se originaram de diferentes formas, de maneiras, que moldaram identidades insanas e até brutais, os mais conhecidos Charada, Espantalho, Pinguim, Duas Caras, todos com características que perturbam pessoas inocentes e o próprio herói Batman. De acordo com a concepção de amizade do filósofo grego Aristóteles. É necessária, entretanto, uma explanação envolvendo essa noção desenvolvida pelo pensador grego. De acordo com o referido autor, existem três diferentes tipos de amizade, sem que elas sejam excludentes: a primeira é chamada de amizade de utilidade, relação na qual existe um benefício envolvendo ambas as partes e que está diretamente ligado ao ambiente de desenvolvimento desse relacionamento (como colegas de trabalho, por exemplo). A amizade dura enquanto houver utilidades e benefícios para os dois lados. A segunda modalidade de amizade é classificada como uma amizade de prazer, ou seja, os dois lados sentem prazer na companhia do outro, se divertem juntos e apreciam o fato de estarem unidos. A duração dessa modalidade está aliada ao deleite: enquanto ele existir, a amizade continuará. Já a última forma é chamada de amizade de virtude, na qual os envolvidos se envolvem nesse relacionamento de amizade apenas pelo bem do outro, isto é, não existe qualquer necessidade de prazer ou benefícios: a amizade existe apenas porque o outro se sente bem na companhia do primeiro, e vice-versa. Essa modalidade só é possível de se desenvolver com pessoas realmente boas e comprometidas mutuamente. (MORRIS,2006) Definidas as modalidades, o autor procura encaixá-las nas relações do Homem Morcego. Para Morris, o envolvimento entre Batman e o seu escudeiro Robin está inserido na primeira classificação de Aristóteles, ao passo que existem benefícios para os dois lados (o primeiro ensina o segundo a se portar como um combatente do crime, além de oferecer condições de sobrevivência como casa e comida juntamente com companheirismo e um objetivo maior de vida, enquanto que o segundo recompensa tudo isso com fidelidade, disposição, respeito e amor) e a amizade se esvazia quando eles deixam de serem parceiros. Em relação a Harvey Dent a amizade é caracterizada por Morris como sendo também de utilidade, sendo que o benefício mútuo consistia na ajuda ao combate ao crime e à manutenção da justiça. A ressalva é feita em se tratando da transformação envolvendo o promotor, que após ser vítima de um ataque enquanto interrogava o suspeito de um crime teve seu rosto totalmente desfigurado, que acarretou em distúrbios de personalidade que o fizeram pender para o lado das injustiças. O Homem-Morcego estava prestes a revelar sua verdadeira identidade quando aconteceu a tragédia, o que nos leva a pensar na possibilidade do desenvolvimento de outro nível de amizade, mas que não se materializou. A relação envolvendo Batman e Jim Gordon também está presa à primeira definição de Aristóteles, ao passo que ambos são úteis ao outro, no que se refere a mútua ajuda para melhorar o combate ao crime. Morris destaca a hesitação do Homem-Morcego em tornar-se mais próximo do Tenente, que poderia não titubear em prender o herói caso julgasse que esse estava atuando fora dos limites da lei, criando assim um obstáculo para o desenvolvimento de um nível mais avançado de amizade. Para encerrar o ensaio, a análise corresponde ao relacionamento de Bruce Wayne com o seu mordomo, Alfred. A princípio, a amizade parece corresponder a uma classificação maior, sendo que existe entre os dois uma cumplicidade enorme, além de o mordomo representar a figura paterna para o dono da mansão, que ficou órfão ainda muito jovem. Entretanto, é justamente esse fator que impede o desenvolvimento de uma amizade de maior virtude, pois após a morte dos seus patrões, Thomas e Martha Wayne, Alfred tornou-se responsável pela criação de Bruce, e fazer dele um homem formado era a verdadeira missão da vida do mordomo. Soma-se a isso o fato de eles serem patrão e empregado, o que implica em uma relação formal. (MORRIS,2006) A explanação de Tom Morris permite uma análise quadrinhística mais profunda e completa, o que pressupõe uma maior intimidade com os quadrinhos, além de maturidade e um conhecimento mais desenvolto dos discentes. A exemplificação utilizada tem o fim de mostrar que a metodologia quadrinhística extrapola qualquer limite de faixa etária, além de evidenciar a possibilidade de estudo de História de maneira mais divertida e informal. (MORRIS,2006)