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Arlindo Manuel Esteves Rodrigues
Arlindo Manuel Esteves Rodrigues
PUC - SP
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AGRADECIMENTOS
Ao orientador Prof. Dr. Luiz Eduardo Wanderley pela atenção e sábias e oportunas
orientações, bem como incentivo permanente.
Ao co-orientador não somente no período de estágio doutoral junto a École des Hautes
Études en Sciences Sociales, em Paris / França, professor Dr. Michael Löwy por sua
acolhida e seus ensinamentos.
Aos professores Dr. Ladislau Dowbor e Dr. José Corrêa Leite pelas valiosas contribuições
no Exame de Qualificação.
Aos professores da PUC, em especial a Dra. Maura Pardini Véras, pela dedicação e
competência no diálogo na construção do conhecimento.
Aos funcionários da PUC / SP, que sempre me atenderam com eficiência e dedicação.
Por fim, revelo toda minha gratidão a Sandra de Barros, cuja presença em minha vida
encerra toda a poesia presente na palavra companheira.
ECOSSOCIALISMO: UMA UTOPIA CONCRETA
ESTUDO DAS CORRENTES ECOSSOCIALISTAS NA FRANÇA E NO BRASIL
ARLINDO MANUEL ESTEVES RODRIGUES
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1
Essa utopia, para iniciar uma transformação mais profunda, deve ser realista, isto é,
deve unir uma análise radical da realidade e o anúncio de uma outra lógica de civilização. A
visão utópica é realista quando está consciente das contradições, conflitos e da grande
desigualdade da atual sociedade mundial (Wanderley, 2013, p. 121); ao mesmo tempo em
que, sem abandonar a preocupação realista com a estratégia transformadora, permite os
devaneios, a esperança ativa e o “espírito visionário vermelho” (LÖWY, 2000a, p. 127).
2
No processo de acumulação de capital à custa do esgotamento dos trabalhadores e
depredação ambiental, o ecossocialismo surge como alternativa utópica, e, também, como
contribuição epistemológica, quando assume que o debate ambiental atualiza a teoria
marxista; e o marxismo é fundamental para o movimento ambientalista não optar por
soluções reformistas.
Esses autores não mantém homogeneidade política, mas apresentam como eixo
comum a busca da construção de um outro paradigma civilizatório, rompendo com a
ideologia produtivista do capitalismo e do socialismo burocrático (LÖWY, 2005a, p. 40).
3
Há alguns pontos que unem todas as correntes de pensamento ecossocialistas:
As crises ecológicas e o colapso social são consequências do processo capitalista,
com superação da capacidade de resiliência do planeta pelo produtivismo industrial e
consumismo massivo, ou seja, pela superexploração dos recursos naturais pelo capital;
O sistema capitalista não tem capacidade de gerenciar ou superar a crise engendrada,
pois sua lógica produtiva está alicerçada na regra “cresça ou morra!”;
O Ecossocialismo é, obrigatoriamente, internacional.
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PROBLEMA DE PESQUISA
OBJETIVOS
5
METODOLOGIA
A pesquisa enfocou a política partidária, pois é o setor da sociedade que tem debatido
o ecossocialismo há mais tempo e com mais vigor, principalmente depois do anúncio da IV
Internacional ter aderido ao ecossocialismo. Em 2003, a IV Internacional adotou em seu
congresso o documento “Ecologia e Revoluções Sociais” de inspiração ecossocialista
(LÖWY, 2011, p. 14).
6
interno em seus partidos. Foi também entrevistado Michael Löwy por sua vivência na política
partidária e, principalmente, pela influência que sua obra exerce sobre as correntes
ecossocialistas nos partidos políticos brasileiros.
7
na Rede Sustentabilidade, assim, as histórias das correntes ecossocialistas nesses partidos
estão retratadas nesse capítulo. O Estudo sobre a Rede Brasil de Ecossocialistas, sua
história e retomada, encerra esse capítulo.
Por fim, nas considerações finais, são retomadas as questões relevantes no conjunto
do trabalho, bem como a análise dos desafios e oportunidades do Ecossocialismo,
principalmente na política partidária brasileira.
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CAPÍTULO 1 – Crise Socioambiental: Riscos assumidos
As curvas dos índices, que inicialmente não refletem uma relação direta entre eles (a
temperatura no hemisfério Norte, população mundial, Concentração de CO2, PIB, perda de
florestas tropicais, extinção das espécies, automóveis, uso da água, consumo de papel,
exploração da pesca, perda da camada de Ozônio e investimento estrangeiro), passaram a
apresentar um paralelismo de suas curvas a partir de 1950.
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Gráfico 1 – Macrotendências – de 1750 até atualidade
As figuras 1 e 2 são os quadros de apoio do relatório How our economy is killing the
Earth da New Scientist, elas confirmam a relação das atividades humanas com sua pressão
do consumo (Fígula 1) e o esgotamento da Natureza (Figura 2).
O fato que desperta atenção nos gráficos contidos nas figuras é o ponto de grande
crescimento de todos os índices a partir de 1950, período pós II Grande Guerra. Por um
lado, houve o início de grande incremento da população, PIB, investimentos, consumo de
água, papel, fertilizantes e urbanização (Figura 1); por outro lado, as curvas dos gráficos da
Figura 2 mostram que, principalmente após 1950, as alterações na biosfera de diferentes
ecossistemas acompanharam as curvas da Figura 1.
10
Figura 1 – Crescente consumo humano
11
Figura 2 – Impacto no meio ambiente do crescimento do consumo humano
Para Cortez (2012): “este modelo não vai funcionar por muito tempo, na exata medida
em que os recursos naturais se esgotam e que as mudanças climáticas podem colocar a
economia e a sociedade diante de uma catástrofe planetária”.
12
permitiu que a humanidade iniciasse a agricultura, entre outras atividades necessárias ao
seu desenvolvimento. Antes dessa estabilidade, a humanidade vivia em pequenos grupos
como caçadores-coletores (STEFFEN, 2007, p. 614).
13
Tabela 1 – Limites Planetários
Processo Planetário Variável Métrica
Proposta
Mudanças Climáticas (i) Concentração de dióxido de carbono 350
atmosférico (ppm)
(ii) Mudanças na retenção de radiação solar 1
(watts por m2)
Taxa de perda da taxa de extinção (número de espécies extintas 10
biodiversidade por milhão de espécies por ano)
Ciclo do nitrogênio Quantidade de N2 removido da atmosfera para 35
(parte de um limite uso humano (milhões de toneladas por ano)
com o ciclo do
fósforo)
Ciclo do Fósforo Quantidade de P fuindo para os oceanos 11
(parte (milhões de toneladas por ano)
de um limite com o
ciclo do nitrogênio)
Esgotamento do Concentração de ozônio (unidade Dobson) 276
ozônio estratosférico
Acidicação dos Saturação média global de aragonita em águas 2,75
oceanos Superciais
Uso global da Consumo de água doce por seres humanos 4.000
Água doce (km3 por ano)
Mudanças no uso Percentagem do território global convertido em 15
do solo terras agrícolas
Carga atmosférica de Concentração total de material particulado na A definir
aerossóis atmosfera, em bases regionais
Poluição química Por exemplo, a quantidade emitida ou a A definir
concentração, no ambiente global, de poluentes
orgânicos persistentes, plásticos, disruptores
endócrinos, metais pesados e lixo nuclear – ou
seus efeitos no funcionamento dos
ecossistemas
e do Sistema terra
Fonte: ROCKSTRÖM, 2009
14
As demais fronteiras estavam dentro do limite proposto. A figura 3 ilustra a tabela, a
sinalização vermelha e amarela no indicadores auxiliam a analisar a situação e riscos dos
índices. As fronteiras marcadas em vermelho indicam que os limites foram ultrapassados e
as em amarelo indicam perigosa aproximação do limite.
ROCKSTRÖM, 2009
15
por completo de água doce, assim, não será mais habitável por seres humanos, além de
deixar os furacões mais ferozes (LYNAS, 2008, p. 37).
Mas a crise socioambiental não está restrita ao esgotamento dos recursos naturais, a
civilização também tem sérios problemas, principalmente na divisão justa da riqueza
produzida. O Gráfico 2 indica que os 20% mais ricos se apropriam de 82,7% da riqueza
produzida por todos, em contrapartida dois terços da população mais pobre são obrigados a
se contentar com 20% da produção.
A base desse gráfico é formada por 2,3 bilhões de pessoas, cuja renda é de até U$ 2
por dia, e destes, 1,3 bilhões sobrevivem com menos de 1,25 por dia. O que leva a
sociedade a ter 800 milhões de analfabetos e 850 milhões de famintos, e destes 180
milhões são crianças. O número de óbito infantil por fragilização do organismo é expressivo,
são de 10 a 11 milhões de crianças anualmente (DOWBOR, 2014, p. 85).
16
Em contrapartida, se o total da riqueza produzida no mundo está em torno de U$ 70
trilhões em 2014, e considerando que a população mundial está em torno de 7 bilhões de
pessoas, pode-se considerar que há volume de riqueza o suficiente para proporcionar a
renda mensal de U$ 3 mil por família de 4 pessoas (Dowbor, 2014, p. 85). Mas a lógica do
capitalismo é concentradora de riqueza, não apresenta a abertura de negociação dessa
divisão igualitária e justa.
Além da divisão da riqueza, o uso dos recursos no consumo expõe sérios problemas
na alocação dessa riqueza. O estudo considerando indicadores de várias instituições
multilaterais (ONU, 1997; UNDP / UNFPA e UNICEF, 1994, Relatório Direitos Humanos
1998) indicaram que são necessários investir 6 bilhões e 12 bilhões, respectivamente, para
proporcionar educação básica para todos no planeta e oferecer saúde reprodutiva a todas
as mulheres no mundo, mas esses recursos não são apurados para esse fim. Por outro
lado, valores bem mais expressivos são “alocados” para fins, no mínimo questionáveis,
como por exemplo: cosméticos nos EUA (U$ 8 bilhões); perfumes na Europa e nos EUA;
sorvetes na Europa (U$ 11 bilhões); entretenimento corporativo no Japão (U$ 35 bilhões);
cigarros na Europa (U$ 50 bilhões); bebidas alcoólicas na Europa (U$ 105 bilhões); drogas
no mundo (U$ 400 bilhões) e gastos militares no mundo (U$ 670 bilhões) (LOPES, 2010, p.
17).
17
A concentração de riqueza apontada pelos estudos da OXFAM confirma os resultados
estatísticos da ETH (Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnologica). ETH partiu de uma
amostra de 43.060 corporações contida no banco de dados Orbis 2007, com 30 milhões de
empresas. A pesquisa estudou como está estruturada a relação entre as empresas: o peso
econômico de cada entidade, a sua rede de conexões, os fluxos financeiros, e em que
empresas têm participações que permitem controle indireto (Dowbor, 2012a). O objetivo foi
analisar o inter-relacionamento de controle mútuo das empresas, isto é, uma empresa pode
ser controladora e controlada por outra, ou por uma rede de outras, e esse controle é
estruturado por mutua participação de ações, mutual cross-shareholdings. O resultado é que
o poder está altamente concentrado, pois apenas 737 das principais empresas (top-holders)
detêm 80% do controle de todas as empresas transnacionais (ETN) e destes, 147
transnacionais formam o núcleo de poder da rede, isto é, controlam a si mesmas e destes
75% são intermediários financeiros (Vitali, 2001). Para Dowbor (2012a), “O estudo do ETH
abriu uma janela importante para a abordagem científica do poder global das corporações,
com implicações óbvias para as ciências econômicas, políticas, sociais, de relações
internacionais e outras”.
O controle desse sistema impessoal e concentrador de riqueza tem sua força vital no
produtivismo e consumismo.
18
1.2 Trem sem freio: Capitalismo como devorador
19
Tabela 2 – Comparação de consumo por pessoa Canadá x EUA x Índia e Mundo
Consumo por pessoa (1991) Canada USA Índia Mundo
Emissão de CO2 (toneladas/ano) 15.2 19.5 0.81 4.2
Renda (US$) 19,320 22,130 1,150 3,800
Veículos (por 100 pessoas) 46 57 0.2 10
Consumo de Papel (kg/ano) 247 317 2 44
Consumo Energia Fóssil (Gigajoules/ano) 250 (234) 287 5 56
Consumo Água (m3 / ano) 1,688 1,868 612 644
Pegada Ecológica (ha. M3/ano) 4.3 5.1 0.4 1.8
Fonte: Wackernagel, 1996, p. 85
O capitalismo tem duas armas para manter o consumismo sempre muito ativo:
propaganda e a obsolescência programada.
Oliveira (2013) apresentou a lâmpada como exemplo dessa prática produtiva: “Nos
anos 1920, uma simples lâmpada durava mais de 2500 horas. Percebendo, nesse caso, que
as vendas seriam bem menores dada a elevada durabilidade do produto, os fabricantes
rapidamente trataram de dar uma vida útil bem baixa a esse produto” e assim, reduziu sua
vida útil para menos de 1.000 horas.
20
A obsolescência é uma estratégia mundial, esse modelo de planejamento de processo
produtivo está presente em todos os países. O documentário Comprar, tirar, comprar
apresenta experiências e reflexões na Espanha, França, Alemanha, Estados Unidos e Gana
com esse tema. Para Oliveira (2013), “a prática da obsolescência programada (proposital
curta vida útil) se configura numa maquiavélica estratégia de mercado” cujo objetivo único é
forçar que o consumidor não tenha alternativa diferente de efetuar nova compra.
Essa estratégia foi incorporada de forma mais intensa com a crise de 1929. Já em
1928, o lema do capitalismo era “Aquilo que não se desgasta não é bom para os negócios” e
em 1932, o corretor de imóveis, Bernard London propôs que a obsolescência planejada
fosse obrigatória, no seu panfleto Acabando com a Depressão através da obsolescência
planejada (Leonard, 2011, p. 175), isto é, os produtos deveriam ter uma data de expiração,
pois assim, as fabricas manteriam o nível de produção com o consumo contínuo do mercado
e, por consequência, o trabalhador manteria o nível de emprego, e o capital teria seu ciclo
de lucro garantido (Padilha, 2013). A obsolescência planejada avançou com a substituição
da ideia cultural do suficiente pela abundância contida no american way of life (Padilha,
2013).
21
Os produtos pesquisados e o tempo de uso da última unidade descartada (em anos)
foram (IDEC, 2013, p. 29):
Celular ou Smartphone 3,0
Câmara fotográfica: 3,8
Impressora: 4,0
Computador: 4,0
DVD ou Blue Ray: 4,1
Televisão: 7,6
Micro-ondas: 5,2
Lavador de roupas: 7,4
Fogão: 8,3
Geladeira ou freezer: 9,5
Apesar da vida útil reduzida do bem, o consumidor tem uma percepção positiva da
durabilidade de seus bens. A pergunta sobre satisfação da durabilidade para
eletrodoméstico apontou 62% como totalmente satisfeito, 28% como parcialmente satisfeito
e 3% como totalmente insatisfeito; os eletroeletrônicos e digitais apresentaram índices
semelhantes, apenas o celular apresenta números de satisfação menores: 56% como
totalmente satisfeito e 34% como parcialmente satisfeito e menos de 4% como totalmente
insatisfeito (IDEC, 2013, p. 13). A conclusão apontada na pesquisa é que o “consumidor
brasileiro está muito satisfeito com o desempenho e a durabilidade dos equipamentos que
possui” (IDEC, 2013, p. 59) ao mesmo tempo, considera a durabilidade uma característica
importante do bem (IDEC, 2013, p. 59).
A pesquisa também apontou que, quando o bem apresenta defeito que impede ou
atrapalha, o consumidor compra outro e não o conserta. O mapa dos motivos da opção de
nova compra em relação ao conserto é muito interessante, pois revela que os produtos
foram produzidos para não serem consertados e sim descartados após o prazo definido. Os
principais motivos para que o consumidor não fizesse o conserto do bem após a avaliação
da assistência técnica foram (IDEC, 2013, p. 39): conserto muito caro, demora do conserto,
falta de peça e o resultado não era garantido.
22
a moda assumem o controle. A cor e o cumprimento da roupa, a largura da gravata, nova
versão do celular, o armário de cozinha da época formam a obsolescência percebida em
ação (LEONARD, 2011, p.176).
A obsolescência planejada tem uma relação vital com a propaganda, pois a primeira
depende da ilusão de felicidade propagada pela segunda, e esta precisa da carência
artificial produzida pela primeira como fator de oportunidade de novas vendas.
23
A publicidade tem exercido o poder de influência sobre as necessidades através da
manipulação mental. O modelo de sociedade imposto pela publicidade invadiu grande parte
do cotidiano da sociedade como alimento, roupas, cultura, politica, religião (Löwy, 2009b, p.
46-47). A publicidade impõe sua vontade com a apropriação das ruas, jornais, mídias e da
atenção da sociedade. Para Löwy (2012b, p. 151), “se trata de criar um novo modo de
consumo e um novo modo de vida, baseado na satisfação das verdadeiras falsas
necessidades produzidas artificialmente pela publicidade capitalista”.
Certamente, a sociedade deve puxar o freio desse trem, que avança velozmente e
exige fontes ilimitadas, porém inserido em um planeta finito. O final desta estrada é o
abismo, resta aos passageiros a responsabilidade de pará-lo antes do colapso.
24
1.3 Soluções da Desgovernança global
O primeiro passo encontrado foi definir a sociedade ideal, cujo desenvolvimento seja
sustentável, e os mecanismos para alcançá-la. Lester Brow definiu essa expressão no inicio
dos anos 80 como “sociedade que é capaz de satisfazer suas necessidades sem
comprometer as chances da sobrevivência das gerações futuras” (Milanez, 2003, p. 77).
Posteriormente a CMMAD (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da
ONU) definiu desenvolvimento sustentável (DS) como sendo “aquele que atende às
necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
atenderem a suas próprias necessidades” (CMMAD, 1988, p. 46).
A definição da CMMAD não é unânime e nem é a última definição aplicada. Para Sachs,
o desenvolvimento sustentável deve obedecer ao duplo imperativo ético da solidariedade:
com as gerações presentes e futuras, e com a explicitação de critérios de sustentabilidade
social e ambiental e de viabilidade econômica. Assim, o desenvolvimento para ser
sustentável deve considerar os três elementos, isto é, promover o crescimento econômico
com impactos positivos em termos sociais e ambientais (SACHS, 2004, p. 36).
25
O debate mundial pela tomada de consciência sobre a necessidade de alcançar uma
solução global para a crise ambiental do planeta intensificou-se no final do século XX. No
entanto, alguns debates sobre questões ambientais aconteceram em encontros
governamentais desde século XIX, mas esses encontros debateram apenas temas
específicos. Os primeiros encontros ocorreram em Paris, em 1883, para debater sobre a
proteção das focas do mar de Bering e em 1895, sobre a proteção dos pássaros úteis à
agricultura. Em 1949, houve a Conferência da ONU sobre a Conservação e Utilização de
Recursos (UNSCCUR) na cidade de Nova Iorque, Estados Unidos (BENINCÁ, 2010, p.
101).
O Encontro foi marcado por conflito entre os países ricos e os países não
desenvolvidos. O conflito de posicionamento entre as nações pode ser assim resumido: os
países em desenvolvimento defenderam o direito do uso de suas riquezas naturais no seu
processo de crescimento e, por outro lado, os países ricos expressaram a preocupação com
o esgotamento de recursos estratégicos e poluição.
26
Essa posição radical repercutiu entre os países em desenvolvimento, principalmente a
Índia e a China, que já apresentavam alto índice de crescimento econômico. Nesse sentido
o discurso da primeira ministra indiana Indira Gandhi ficou marcado por denunciar a pior das
poluições: a pobreza. O mantra “poluição da pobreza” foi repetido diversas vezes nos
debates do encontro.
27
A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), Cúpula da Terra, ocorreu em junho de 1992 na cidade do Rio de Janeiro, com o
objetivo de estabelecer acordos internacionais “que mediassem as ações antrópicas no
ambiente” (RIBEIRO, 2010, p. 108).
Houve um amplo leque de temas debatidos nessa Conferência: proteção do solo, por
meio do combate ao desmatamento, desertificação e seca; proteção da atmosfera por meio
do combate às mudanças climáticas, ao rompimento da camada de ozônio e a poluição
transfronteiriça; proteção das áreas oceânicas e marítimas; conservação da diversidade
biológica; controle da biotecnologia; controle de dejetos químicos e tóxicos; erradicação de
agentes patogênicos e proteção das condições de saúde (DUARTE, 2003, p. 40).
O otimismo deixado pela Cúpula Rio 92 foi aos poucos eliminado pela hegemonia das
políticas neoliberais do Consenso de Washington, que buscam o lucro a qualquer custo.
Esse momento histórico proporcionou o frustrante encontro de Johannesburgo em 2002.
28
A conferência mais recente foi a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável-2012, Rio+20, que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro em
junho de 2012, com o tema: “uma economia verde no contexto do desenvolvimento
sustentável e a erradicação da pobreza” e “o quadro institucional para o desenvolvimento
sustentável” (PNUMA, 2011).
Além dos Congressos, o outro formato de reuniões mundiais das nações encontrado
pelas Nações Unidas são as Conferências das Partes (COP). A COP de maior impacto foi a
COP3 realizada em Quioto em 1997, pois nesse encontro as nações aprovaram o Protocolo
de Quioto. Segundo esse compromisso, os países contidos no Anexo 1 da Convenção sobre
Mudança do Clima devem reduzir as emissões antrópicas de gases de efeito estufa em pelo
menos 5% abaixo de dos níveis de 1990 no período entre 2008 e 2012. Essa redução
poderia ser individual ou em conjunto (Barbieri, 2011, p. 36). A grande contribuição para a
Gestão Ambiental Global do Tratado de Quito é a criação dos três mecanismos previstos no
método do Tratado: Implementação Conjunta, Comércio de Emissões e Mecanismos de
Desenvolvimento Limpo. Sua implantação foi prejudicada pela falta de assinatura dos
representantes dos principais países poluidores, entre eles os Estados Unidos. A reação da
sociedade americana, influenciada pelo uso dos meios de comunicação pelas indústrias, foi
negativa pelo temor de que haveria desemprego generalizado. Assim, o congresso
estadunidense rejeitou a assinatura do Tratado (DUARTE, 2003, p. 49).
29
afirmou que a China tem o mesmo volume de poluição e “se esse país não fizer nada, não
serão eles que tomarão a iniciativa” e em contrapartida, a China respondeu que os Estados
Unidos estão emitindo gases há mais tempo e têm a responsabilidade histórica de investir
na redução de suas emissões e, por isso, somente após essa ação, a China poderá discutir
o assunto. Mais uma vez, cada país empurrou para o outro a responsabilidade das
mudanças (LÖWY, 2012a, p.10).
O impasse pode ser resumido pelo conflito de dois interesses: o primeiro grupo
formado pelos países desenvolvidos que procuram chutar a escada na qual construíram seu
crescimento econômico; e o segundo, formado pelos demais países que buscam seu
desenvolvimento. Mas essa é uma interpretação, há outras conforme a estrutura teórica e
ideológica que as fundamentam.
30
CAPÍTULO 2 – Correntes Ecológicas
31
Em contrapartida, os ecologistas realistas apresentam críticas semelhantes ao modelo
insustentável de civilização, porém acreditam na possibilidade de transformação social com
a organização de um movimento ecologista rígido nos princípios e flexível na interação com
a sociedade. Os realistas não buscam alteração do modo de produção, a proposta é
ecologizar progressivamente o capitalismo e o socialismo. A opção transformadora dos
realistas é pela longa transição da atual civilização a partir da atual estrutura. (VIOLA,
1987a; VIOLA, 1987b, p. 46).
O partido UTG lançou doze candidatos na sua primeira eleição e obteve um índice
positivo, 7%, mas não conseguiu eleger representantes. Posteriormente, UTG conseguiu
disputar mais duas eleições, mas em 1977 foi dissolvido sem eleger nenhum representante.
Mesmo assim, deixou heranças positivas, como a apresentação de diversas propostas
políticas ecológicas e o despertar de novos cidadãos para a atuação na política partidária
em defesa de propostas ambientais (Rabóczkay, 2004, p. 18). As novas lideranças
formadas pela UTG, após sua dissolução, foram para outros partidos, principalmente o
Green Independent, criado em 1980 (RABÓCZKAY, 2004, p. 19).
32
A segunda experiência partidária de plataforma ambiental foi o The Values Party,
Partido dos Valores, da Nova Zelândia. Esse partido foi fundado em 30 de maio de 1972
com propostas de crescimento econômico e demográfico zero para conter a poluição e a
pressão sobre os recursos naturais (Rabóczkay, 2004, p. 19). O formato inicial de atuação
política foi somente no nível comunitário, para fugir de estrutura convencional de partido,
mas essa estratégia quase levou o partido à extinção. Em 1975, o The Values Party alterou
a estrutura organizacional e sua proposta política foi ampliada para atender as demandas de
um projeto de política econômica consistente (Rabóczkay, 2004, p. 19-20). Porém, essa
ampliação acirrou o embate entre posições antagônicas na condução do partido: a primeira
posição defendia que o partido deveria se comportar como um movimento visando apenas a
promoção de um novo estilo de vida alternativo; a segunda, composta por políticos mais
experientes, acreditava que seria possível provocar mudanças através de ações políticas
convencionais e com a busca do poder (Rabóczkay, 2004, p. 20). A crise aumentou na
campanha das eleições de 1978, pois as principais propostas do partido foram a
nacionalização das terras e a obrigatoriedade de cooperativismo das empresas privadas.
Isso acarretou reação do setor interno que defendia que o partido deveria ser apenas um
movimento, além disso, esse setor acusou estar ocorrendo a tomada marxista do partido.
Com a baixa votação eleitoral, o partido alcançou apenas 2,8%, a crise se agravou, e a
consequência foi a dissolução do partido e migração de seus ativistas para o novo partido,
Green Party (RABÓCZKAY, 2004, p. 21).
O Partido Verde alemão (Dia Grünnen) é o partido com plataforma ecológica mais
importante no cenário político mundial. Foi fundando em janeiro de 1980 no congresso de
formação, com a presença de 1.004 delegados, na cidade de Karlsruhe. A participação de
33
militantes foi expressiva, principalmente se considerar que cada um representava mais dez
membros do seu lugar de origem (Rabóczkay, 2004, p. 27). Em outubro de 1980, o partido
participou da sua primeira eleição, obtendo apenas 1,5% dos votos, mas mesmo com esse
baixo índice elegeu representantes em diversas cidades (Rabóczkay, 2004, p. 28). Sua
história, com seus conflitos internos, avanços e crises, levou o Partido Verde alemão a se
tornar a terceira força política alemã e a ser convidado a participar do governo Social
Democrata (RABÓCZKAY, 2004, p. 45).
A Produção Mais Limpa foi desenvolvida pelo PNUMA e pela Organização das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Industrial. A proposta da P+L é produzir com menos
poluição ao meio ambiente, menos resíduos e menos recursos naturais (Barbieri, 2011, p.
124); sua base é gerir produtos e processos de acordo com a seguinte sequência:
“prevenção, redução, reuso e reciclagem, tratamento com recuperação de materiais e
energia, tratamento e disposição final” (BARBIERI, 2011, p. 126).
34
poluição aumenta a produtividade da empresa, pois a redução de poluentes na fonte
significa recursos poupados, o que permite produzir mais bens e serviços com menos
insumos” (Barbieri, 2011, p. 110). A motivação ecocapitalista para adotar os Rs é a redução
dos custos, melhoria da produtividade e, consequentemente, aumento dos lucros (Barbieri,
2011, p. 110). Os 4Rs são: reduzir, reusar, reciclar e recuperar energia.
35
Para Delfim Netto, o capitalismo tem imperfeições, mas é a melhor opção. Esse modo
de produção apresenta como produto muita desigualdade, pois não há como compatibilizar
liberdade, igualdade e eficácia; esses fatores são contraditórios porque a “eficácia exige
alguma hierarquia” (Delfim Netto, 2010, p. 13). Nessa lógica de produção, a sociedade “não
pode escolher simultaneamente o máximo de crescimento e o máximo de distribuição. Há
uma contradição nisso” (DELFIM NETTO, 2010, p. 31).
A poluição está na pauta de debate e reflexão dos ecocapitalistas. Para Delfim Netto,
a poluição é um grande problema, pois além de interferir na temperatura do planeta, encurta
a expectativa de vida da população. Com essa realidade, todos os setores estão cuidando
da poluição, por exemplo: “já não produz aço com a poluição gerada antes. Praticamente
em todos os setores há filtros e tecnologias novas” (Delfim Netto, 2010, p. 12). O novo
desafio é minimizar a emissão de CO2 por unidade de PIB, assim, o modelo matemático do
desenvolvimento econômico, que já previa a maximização do crescimento, melhora da
distribuição de renda, manutenção da liberdade dos agentes e diminuição das
desigualdades regionais, tem o incremento da minimização da relação de CO2 por unidade
de PIB (DELFIM NETTO, 2010, p. 13).
36
A última corrente ecológica, para Viola, é a opção ecossocialista que propõe uma
ruptura com a sociedade capitalista e a socialista “real”. Para Viola (1987b, p. 46), o
ecossocialismo é herdeiro do “socialismo revolucionário-democrático” de Marx, Rosa
Luxemburgo e Leford-Castoriadis da fase “Socialismo ou Barbárie”. O diferencial político dos
ecossocialistas está na proposta de transformação, com o desenvolvimento da consciência
socialista e ecológica da “classe operária” (Viola, 1987a; Viola, 1987b, p. 47). A corrente
ecossocialista será apresentada no capítulo 3–Ecossocialismo.
37
ponto, essa corrente se diferencia dos realistas e ecocapitalistas, pois acredita que a
tecnologia contribui na transformação socioambiental somente quando está sob o controle
do interesse público, da sociedade e não sob a tirania dos bancos e empresas capitalistas
(LÖWY, 2011, p. 35-36).
38
Para a corrente ecossocialista, a questão não é optar entre capitalistas maus ecocidas
ou bons capitalistas verdes, em ambos os casos, são condutores de um sistema destrutivo.
A energia vital do capitalismo é proporcionada pela competição agressiva, a busca de lucros
rápidos e aumento contínuo de rentabilidade, essa dinâmica destrói o equilíbrio natural. A
crítica de Löwy (2011, p. 35) é que capitalismo verde é uma manobra publicitária, uma
etiqueta que visa vender a mercadoria, ou, no melhor dos casos, uma iniciativa local
equivalente a uma gota de água sob o sol árido do deserto capitalista:
39
Por outro lado, Rabóczkay defende que o Partido Verde, por seu caráter democrático,
deve “acomodar os ecossocialistas, ao lado dos ecocapitalistas”, pois o debate na
diversidade é a fonte da riqueza ideológica verde. Porém seu posicionamento não é tão
democrático como afirma, pois para ele “a ideologia ecologista é que deve ser a referência
para o socialismo e não o socialismo para o pensamento verde”, o argumento do autor para
essa afirmação é que “assim como não há o porquê recorrer à teoria de Ptolomeu para
entender o sistema solar, pode-se esquecer Marx com tranquilidade” (Rabóczkay, 2004, p.
105). Assim, para o autor, o marxismo não tem contribuição no debate ecológico, e sim,
busca a ecologia para sobreviver:
40
2.2 Proposta de Alier
A proposta política priorizada pela corrente Culto à vida Silvestre é a manutenção das
reservas naturais, parques nacionais ou naturais, livres da ação degradadora da
humanidade, elas poderiam ser visitadas pela população, mas nunca seriam habitadas por
humanos (Alier, 2009, 24). A preservação da vida silvestre envolve a manutenção da
biodiversidade e a proposta dessa corrente para analisar e propor mudanças para a perda
da biodiversidade é a AHPPL. Esse índice seria usado como base de metas nos níveis
mundiais e nacionais para redução da apropriação humana das reservas naturais atuais, na
mesma relevância dos atuais índices de cotas para emissões de clorofluorcarbono, dióxido
de enxofre ou limite de pesca de algumas espécies (Alier, 2009, p. 24). Nesse sentido,
41
houve a contribuição da ONG Amigos da Terra da Holanda sobre a utilização dos recursos
ambientais da Holanda nos início da década de 1990 (ALIER, 2009, p. 26).
As teorias que sustentam essa corrente são: pensamento das “Curvas Ambientais de
Kuznets”, Figura 4, cuja proposta é que os investimentos e a tecnologia produzem, no
primeiro momento, aumento do impacto ambiental, mas após atingir o ápice de impacto,
essa tendência se torna cada vez mais decrescente (Alier, 2009, p. 27), sendo que a curva
de impacto tem o formato de “U” invertido, conforme figura abaixo; “desenvolvimento
sustentável” que defende o crescimento econômico “win-win”, isto é, crescer com soluções
de ganhos econômicos e ganhos ecológicos; por último, a “modernização ecológica” que
envolve dois vetores: o econômico baseado nos ecoimpostos e mercados de licenças de
emissões, e o segundo, tecnológico, cuja base é o investimento em soluções técnicas para
a redução de uso de energia e matéria-prima nos processos produtivos e pelas famílias
(ALIER, 2009, p. 28).
42
Figura 4 – Curvas Ambientais de Kuznets
43
vínculo com a militância dos direitos civis de Martin Luther King da década de 1960 (Alier,
2009, p. 35). A denominação Ecologismo dos pobres está associada aos movimentos do
Terceiro Mundo que buscam reduzir e reverter os impactos socioambientais que ameaçam
as condições de sobrevivência dos pobres. O Ecologismo dos pobres pode ser
exemplificado pelos “movimentos de base camponesa cujos campos ou terras voltadas para
pastos têm sido destruídos pela mineração ou por pedreiras; movimentos de pescadores
artesanais contra os barcos de alta tecnologia ou outras formas de pesca industrial” (ALIER,
2009, p. 35).
Ecologismo dos Pobres foi identificado a partir de 1985, inicialmente como “agrarismo
ecologista” que era a resistência dos movimentos camponeses associada a crítica ecológica
no enfretamento à modernização agrícola (Alier, 2009, p. 37). A dificuldade de identificar
essa corrente como socioambiental é que em muitos casos, seus envolvidos não utilizam
um discurso explicitamente ambientalista (ALIER, 2009, p. 39).
O risco do “efeito Jevons” também é apontado pelo Ecologismo dos Pobres como
consequência na aposta da tecnologia como solução de todos os problemas. Stanley
Jevons no seu livro The Coal Question (1865) mostrou que a crescente eficiência na
produção de energia reduzia a demanda por carvão na unidade produzida, porém o
paradoxo era que essa economia por unidade provocava aumento na demanda de energia,
aumentando a pressão por mais carvão, assim, esse paradoxo é conhecido por efeito
Jevons (Cechin, 2012). Aplicando esse conceito, a corrente Ecologismo dos Pobres alerta
que as novas tecnologias não são necessariamente uma solução para a divergência entre a
economia e o meio ambiente, mas sim riscos (ALIER, 2009, p. 36).
44
Ecologismo dos Pobres se distingue do “Culto ao silvestre” por não reverenciar a
natureza como sagrado e sim, como agente de sobrevivência e subsistência humana. A
ética do Ecologismo dos Pobres se distingue dos fundamentos do Culto ao Silvestre ao
assumir a orientação ética da justiça social entre os humanos; para Alier (2009, 34): “tanto
como um fator positivo quanto uma debilidade”. O relato de José Augusto Pádua do diálogo
com um amigo, militante do IBASE, ilustra a tensão e confluência entre essas correntes:
Eu dizia para ele que “não preciso de justificativa para defender as
baleias. Não acho que seja necessário ter uma justificativa utilitária
para defender as baleias. Não é porque o óleo vai servir para alguma
coisa no futuro – mas porque a baleia é uma maravilha da Terra, é
uma maravilha da vida. Não existe argumento utilitário maior do que
este”. Esse meu amigo “ambientalista do desenvolvimento social”,
disse: “Para mim, não. Não tenho nenhum compromisso especial com
a defesa das baleias. Se as baleias desaparecessem, isto para mim
não traria grandes problemas de consciência. A minha preocupação é
com os pescadores, sua vulnerabilidade a essas práticas predatórias,
o recurso pesqueiro; como ficará a situação dos pescadores se esse
recurso acabar”. Depois ele diz: “no entanto, somos aliados na
maioria das lutas concretas” (PÁDUA, 1995, p. 19 – 20).
Ecologismo dos Pobres envolve diversas frentes teóricas e políticas. Sua proximidade
com a relação da questão agrária e a pobreza atraiu militantes da agroecologia, da
etnoecologia e da ecologia política (Alier, 2009, p. 35-36). Essa corrente cresce na medida
em que aumentam os conflitos socioambientais no planeta, devido ao aumento da
deterioração das condições de sobrevivência dos setores mais humildes por causa da
degradação ambiental (ALIER, 2009, p. 36).
Alier (2009, p. 39) alerta que “uma mesma organização pode pertencer a mais de um
destes tipos”. Greenpeace é um dos exemplos de instituição que flui entre as três correntes
quando: atua ativamente na Convenção de Basileia, que proíbe a exportação de resíduos
tóxicos para África e outros países; trabalha junto a moradores urbanos pobres contra os
45
riscos tóxicos dos incineradores; apoia as comunidades dos mangues; promove a
ecoeficiência de refrigerador alemão por não usar CFC e ter maior eficiência no uso de
energia (ALIER, 2009, p. 39).
46
2.3 Decrescimento
47
capitalismo de Marx e capitalismo destruidor do meio ambiente de Gorz, o afasta do
pensamento ecossocialista (LÖWY, 2011, p. 15-16).
48
O Decrescimento debate a equação de Ehrlich, I=PAT, onde: I é o impacto ambiental;
P é o tamanho da população; A representa o consumo ou afluência; e T, a tecnologia. Mas o
foco de sua crítica está na variável A, consumo. Os decrescentistas não negam a
importância da variável Tecnologia, sua estratégia de reciclagem e ecoeficiência, mas não
creditam à melhoria dessa variável a salvação para o impacto do crescimento ilimitado,
assim, a tecnologia deve estar associada à libertação da “gaiola do consumismo” para ter
eficácia (BOCCATO-FRANCO, 2013).
O debate sobre o controle populacional pode ter propostas bem mais radicais, como a
de William Vogt que, nos anos 1950, defendia uma redução drástica da população com uma
“guerra bacteriológica de grandes proporções”, energicamente conduzida para devolver à
terra suas florestas e suas pastagens (Latouche, 2009, p. 31-32). A redução demográfica,
nesse debate, fica restrita aos países pobres do Sul. Mas para o Decrescimento, a questão
não está na quantidade de pessoas no planeta, mas na capacidade de dividir os recursos
com honestidade e equidade (LATOUCHE, 2009, p. 35).
49
inicialmente, não o teria para consumir. O problema socioambiental é a falta de
responsabilidade, pelos agentes de crédito, das consequências sociais do endividamento.
(LATOUCHE, 2009, p. 20).
Reavaliar: é romper com os “velhos valores “burgueses”” que orientam uma sociedade
baseada na busca de riqueza monetária e o individualismo (Latouche, 2009, p. 43) e
construir a troca de valores, enfim, substituir o dinheiro como fim e do individualismo como
forma de vida pela cooperação, solidariedade, o prazer do lazer, senso de justiça,
democracia (Latouche, 2009, p. 44). Sua relevância estratégica é que a reavaliação “preside
a toda mudança” (Latouche, 2009, p. 58), afinal a sociedade deve assumir valores como
altruísmo, convivialidade, respeito a natureza entre outros para possibilitar o diálogo entre as
diversas culturas (LATOUCHE, 2009, p. 147);
50
vivo” (Latouche, 2009, p. 54). Reduzir tem papel estratégico porque “condensa todos os
imperativos práticos do Decrescimento” (LATOUCHE, 2009, p. 58);
51
exemplo de Latouche foi a experiência do programa da Xerox para receber as máquinas
sem uso e devolvidas e reutilizar as peças na fabricação de novas máquinas (LATOUCHE,
2009, p. 55).
52
2.4 Buen Vivir
Buen Vivir tem diversas raízes, as mais divulgadas são a equatoriana e a boliviana. No
Equador, surge a partir de sumak kawsay, na língua kichwa, que significa uma vida plena
em comunidade, isto é, em harmonia com as demais pessoas e a Natureza; na Bolívia, a
denominação é Vivir Buen ou vida buena, tem sua origem no conceito suma qamaña do
povo aymara (Gudynas, 2011a, p. 103; Gudynas, 2011c). Além dessas, que são as
principais referências, há também Waras (vida boa do Shuar no Equador) e Kume mongen
(dos mapuches do Chile) (Gudynas, 2011c). Para Gudynas (2011c), Buen Vivir é melhor
definido como um guarda-chuva de diferentes posições, onde as visões críticas ao
desenvolvimento e as práxis transformadoras são compartilhadas.
53
Suma qamaña (Bolívia) está ligada ao conceito andino ayllu, que define o bem estar
como não só humano, mas também, em relação à cultura e a Natureza, assim, rompe com a
dualidade homem-Natureza, em ayllu, não há como separar o homem e a Natureza
(GUDYNAS, 2011c).
Buen Vivir ganhou maior visibilidade no debate socioambiental ao estar presente nas
constituições da Bolívia e Equador, mas sua relevância e dimensão estão particularizadas
em cada constituição. Enquanto a constituição da Bolívia, aprovada em 2009, apresenta o
conceito como Vivir Buen e suas referências são: suma qamaña (do povo aymara);
ñandereko (vida harmoniosa dos guaranis); teko kavi (boa vida); ivi maraei (terra sem males)
e o qhpaj Ñan (caminho para a vida nobre). Essa união de referências provoca o
comportamento multicultural do modelo boliviano do Buen Vivir (Gudynas, 2011a, p. 106;
Gudynas, 2011c). Buen Vivir está previsto no Artigo 8 da constituição como um dos
princípios éticos e morais de uma sociedade plural, o artigo prevê a suma gamaña, Vivir
Bien, assim como suwa (são sejas mentiroso e nem ladrão); ñandereko (vida harmoniosa),
teko kavi (vida buena), ivi maraei (terra sem mal) e qhapaj ñan (camino da vida nobre). Esse
artigo postula o Buen Vivir em seus diversos conceitos culturais (Gudynas, 2011a, p. 107;
Gudynas, 2011b, p. 233) e na mesma hierarquia dos demais princípios éticos como
igualdade, inclusão, dignidade, solidariedade, respeito, justiça social (GUDYNAS, 2011b, p.
234).
54
participação, comunidades, proteção e Natureza (uma inovação importante na constituição).
Sendo que não há hierarquia entre os direitos, isto é, todos têm a mesma importância
(Gudynas, 2011a, p. 106; Gudynas, 2011b, p. 234; Gudynas, 2011c). O artigo 11 da
Constituição aponta que os direitos de Buen Vivir estão no mesmo nível hierárquico que os
demais direitos (Gudynas, 2011a, p. 106), essa quebra de hierarquia vincula todos os
direitos, isto é, não há exercício pleno de um direito sem que todos os direitos estejam
respeitados, assim, a conquista do Buen Vivir está diretamente vinculada ao conjunto de
direitos, que será somente alcançada com transformações nas estratégias de
desenvolvimento (Gudynas, 2011a, p. 107). Esse vínculo de direitos, sociedade e Natureza,
é reforçado na constituição pelo artigo 14, que reconhece o direito de todos viverem em um
ambiente saudável e ecologicamente equilibrado como premissa para alcançar o sumak
kawsay, Buen Vivier (GUDYNAS, 2011b, p. 234).
As diferenças entre as abordagens Buen Vivir e Vivir Buen, isto é, entre a visão
equatoriana e boliviana, podem ser resumidas como: a primeira trata o conceito de uma
forma mais incisiva, como um conjunto de direitos e, inovando com regularização do direito
da Natureza, Mãe Terra ou Pachamama (Gudynas, 2011c), no seu artigo 72, a constituição
equatoriana estabelece os direitos da preservação e recuperação da Natureza, o que
fortalece sua dimensão ecológica (GUDYNAS, 2011a, p. 108; GUDYNAS, 2011a, p. 235).
Buen Vivir não é um conceito fechado e muito menos, uma proposta à volta ao
passado. Esse movimento expressa um processo que está em construção, sempre
buscando propor resposta, ferramentas e métricas, a partir da identidade multicultural, para
superação da atual crise socioambiental (GUDYNAS, 2011a, p. 109; GUDYNAS, 2011c).
A insatisfação com os manejos da Natureza foram uma das motivações do Buen Vivir
e, ao mesmo tempo, é um dos seus dos principais desafios. O neo-extrativismo, que
persiste no atual modelo baseada na visão utilitarista da Natureza, mantém os países do Sul
reféns da dependência da exploração mineral, petrolífera e gasífera e monoculturas dos
agronegócios de exportação (Gudynas, 2011b, p. 237). Esse modelo está presente em
todos os países da América do Sul, seja pelas exportações de minérios e soja da Argentina
55
e Brasil, ferro pelo Uruguai ou hidrocarbonos pela Bolívia, Equador e Venezuela
(GUDYNAS, 2011b, p. 237).
56
Desenvolver a estratégia para superar o extrativismo predatório, com planos concretos
para mudar a matriz energética baseada em hidrocarbonetos fósseis e reduzir o desperdício
de recursos;
Alcançar a integração regional da América Latina (com iniciativas como CELAC,
UNASUL, o Banco del Sur, ALBA-TSP, Petrocaribe, etc.) para a inserção comum na
economia mundial dentro de um internacionalismo ecossocialista que promova a
cooperação Sul-Sul e ajude a alterar a desigualdade das relações Norte-Sul;
Reconhecer e reforçar o papel dos saberes tradicionais; e
Lutar contra modelos consumistas, tendo como guia a concretização de Buen Vivir nas
práticas.
. A proposta que uniu esses diversos nomes e origens foi o compromisso de todos nos
esforços para construir os princípios do Buen Vivir, o ecossocialismo, ecofeminismo, a
ecologia política radical, justiça ambiental, entre outras propostas emancipatórias
(Declaración de Quito). A virtude do encontro foi permitir o contato da militância do Bien Vivir
com diversas propostas de transformação social, principalmente a ecossocialista.
57
2.5 Política partidária ecológica na França
Mesmo com o aumento da preocupação ecológica no país, há pouco espaço para uma
transformação ecossocial no Partido Socialista, o principal partido de esquerda francês. A
visão ecológica nos partidos socialdemocratas e socialista permanece minoritária, por
exemplo, a corrente altermundialista e ecológica alcançou apenas 2% no Congresso do
Partido Socialista francês em 2008 (Münster, 2013, p. 120). Os atuais partidos socialistas e
marxistas ortodoxos não conseguem revisar sua posição produtivista e foco no crescimento,
ao mesmo tempo em que os partidos Verdes não rompem com a economia de mercado
capitalista, adotando o ecocapitalismo liberal, propondo algumas reformas ecológicas, mas
sem alteração da forma de produção capitalista (MÜNSTER, 2013, p. 120).
58
2.6 Política partidária ecológica no Brasil
Para Viola, a política ambiental brasileira pode ser dividida em duas fases: a primeira,
que inicia em torno de 1971 e vai até 1986, associada à educação ambiental, representa um
esforço para difundir uma consciência ecológica, com a finalidade de impedir a deterioração
do meio ambiente. A segunda fase, a partir de 1987, incorpora a gradual institucionalização
do movimento e o debate sobre o modelo de desenvolvimento do país e sua relação com os
desequilíbrios ambientais (VIOLA, 1992, p. 89).
A Natureza fez tudo a nosso favor, nós, porém, pouco ou nada temos
feito a favor da Natureza. Nossas terras estão ermas, as poucas que
temos rotado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes
e forçados. Nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores
ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas. Nossas
preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado
destruidor da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas
vão-se escalvando diariamente, e, com o andar do tempo, faltarão as
chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas
fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois
59
séculos, ficará reduzido aos páramos de desertos áridos da Líbia.
Virá então este dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza
se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos.
Em 1942, o padre jesuíta Balduíno Rambo publicou o livro Fisionomia do Rio Grande
do Sul, descrevendo a Geografia e história natural do Rio de Grande do Sul. Na sua obra,
encontra-se o capítulo A Proteção à Natureza que alerta sobre os sinais de agressão
humana e a necessidade de uma consciência preservacionista em defesa da Natureza e
criação de parques nacionais. A importância histórica dessa obra foi o despertar ecológico
de Lutzenberger ao lê-lo na sua infância (CARNEIRO, 1995, p. 9).
Outra voz verde brasileira importante anterior a 1970 foi Roessler. Luiz Henrique
Roessler foi um dos pioneiros da consciência ecológica no Brasil. Funcionário da Delegacia
Estadual dos Portos, aproveitava suas viagens de ofício para deixar cartazes nos postes
com mensagens de defesa do meio ambiente e, após o expediente, fazia, inicialmente de
forma voluntária e posteriormente credenciado pelo Ministério da Agricultura, fiscalização de
caça e pesca no Rio Grande do Sul. Sua credencial foi cassada após denunciar a poluição
do rio Sinos pela indústria dos curtumes. Sua reação à cassação foi a criação da primeira
entidade ecológica, União Protetora da Natureza - UPN, em 1955. (Carneiro, 1995, p. 8). O
papel educativo das ações da UPN, com mensagens endereçadas aos pais para aplicar
seus ensinamentos na educação dos filhos, utilizou panfletos contendo desenho do próprio
Roessler e mensagens fortes e diretas (Pereira, 2008). Roessler publicou suas propostas e
reflexões no O Correio do Povo de 1957 até o dia 8 de novembro de 1963, dia de seu
falecimento; suas ideias apresentadas no jornal influenciaram as gerações seguintes de
ecologistas gaúchos (CARNEIRO, 1995, p. 9).
O Brasil teve três fatores que impactaram a politica ecológica na década de 1970: o
Estado brasileiro teve que adotar medidas preservacionistas para ter acesso aos
investimentos e empréstimos junto às agências internacionais, pois a questão ambiental
entra na pauta das exigências pelo impacto da Conferência de Estocolmo 1972; movimentos
ambientais brasileiros, principalmente no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul; e o retorno
dos exilados políticos com experiência do debate ecológico (Gonçalves, 2013, p. 16). Além
desses, houve fatores internos como devastação ambiental gerada pelo “milagre brasileiro”,
despertar da luta pela qualidade de vida pelo estrato médio da população brasileira,
60
liberação política iniciada em 1974 e a derrota da luta revolucionária da esquerda brasileira
(VIOLA, 1992, p. 90).
O movimento ecológico no Brasil foi enriquecido nas décadas 1970 e 1980 pelo
debate e ações políticas apontados acima, mas também, por produção teórica. No plano
reflexivo, houve algumas publicações que contribuíram com o debate ecológico, com
destaque dos livros Poluição: A morte dos nossos rios de 1972 de Samuel Murgel Branco; O
Fim do Futuro de José Lutzenberger de 1975 e Catecismo da Ecologia de Vasconcelos
Sobrinho (CARNEIRO, 1995, p. 10).
61
A primeira grande vitória da AGAPAN foi a inclusão da proibição de construção de
usinas nucleares na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (VIOLA, 1987a).
62
. Na década de 1980, começaram os primeiros resultados eleitorais das candidaturas
verdes. Em 1986, foi eleito o primeiro deputado federal com plataforma ecológica: Fábio
Feldman pelo PMDB (Viola, 1992, p. 94). Mesmo sendo o único deputado verde eleito na
Assembleia Constituinte, ele conseguiu sensibilizar, com ajuda do lobby ambientalista,
outros parlamentares para a criação da Frente Parlamentar Verde, com 15% do congresso
(Viola, 1992, p. 97-98). Esse pequeno grupo conseguiu assegurar em constituição o direito
do brasileiro em ter condições socioambientais dignas. Para isso, está determinado no
Capítulo IV Meio Ambiente, Art. 225, que “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações”. Para assegurar esse direito da população no Brasil, o
Capítulo IV prevê obrigações do Estado para promover educação ambiental, proteção de
biomas e fauna e flora em risco de extinção. Além do Capítulo IV, há também o Artigo 23 do
Título III, Da Organização do Estado, da Constituição que define a competência comum do
Estado (nos três níveis) de zelar e proteger o meio ambiente e combater a poluição (VI),
preservar as florestas, a fauna e a flora (VII), fomentar a produção agropecuária e organizar
o abastecimento alimentar (VIII), promover programas de construção de moradias e a
melhorias das condições habitacionais e de saneamento básico (IX), combater as causas da
pobreza e os fatores de marginalização (X) (BRASIL, 1988).
A primeira posição defendia que o Partido Verde era desejável e viável em curto
prazo. A principal corrente dessa opção era o “Coletivo Verde” do Rio de Janeiro com o
argumento que a “participação na arena parlamentar é fundamental para a luta ecologista,
como vem demonstrando a experiência europeia” (VIOLA, 1987b, p. 48). Para Sirkis (1987,
p. 62), a ação política deveria ser inserida em uma perspectiva de luta pelo poder e “os
verdes devem se preparar para exercê-lo dentro de padrões éticos diferentes dos da política
tradicional brasileira”.
63
A segunda posição defendia que o Partido Verde era desejável, porém não era viável
em curto prazo. A corrente majoritária dessa posição era o “Movimento Ecológico Livre” de
Florianópolis que alegava que o “movimento ecológico brasileiro é ainda insuficientemente
consistente na sua base para lançar à dificílima tarefa de construção de um partido”, o temor
dessa corrente era o risco do Partido Verde cometer os mesmos erros dos partidos já
existentes, como personalismo, oportunismo, clientelismo e sectarismo (VIOLA, 1987b, p.
48).
A terceira posição achava que o Partido Verde não era desejável. A alegação dessa
postura, fundamentalista, era baseada na ideia de que a “arena parlamentar é negativa para
o movimento ecológico, já que o leva inexoravelmente à realização de compromissos com
as formas tradicionais de fazer política” (VIOLA, 1987b, p. 48-49).
Em 1986, foi fundado o Partido Verde brasileiro com a vitória da primeira posição do
debate sobre a criação do PV, principalmente nos estados Rio de Janeiro, São Paulo, Santa
Catarina e Minas Gerais. Devido a alguns problemas enfrentados pelo partido, seu registro
definitivo foi obtido somente em 30 de setembro de 1993 (Rabóczkay, 2004, p. 57). O
Manifesto do Partido Verde afirmava ser este um partido de mudanças, de movimento de
cidadãos e não de políticos profissionais, com o objetivo de “transformar a vida das pessoas
fazendo-a mais livre e digna” (PV, 1987, 65-66). Mas, sem um modelo pré-definido, para
Sirkis (1987, p. 61), o partido surgiu sem “grandes gênios do pensamento, como Marx e
Engels, capazes de criar um edifício teórico completo como o Capital”.
64
visibilidade junto à sociedade (Rabóczkay, 2004, p. 128). A atual política do partido “não
admite normalmente, uma coligação com outra agremiação se esta for tachada de direitista”
(Rabóczkay, 2004, p. 128). Uma liderança que defende a primeira posição é Tibor
Rabóczkay, para esse militante do PV de São Paulo, o Partido Verde deve ser independente
não só dos demais partidos brasileiros, até mesmo dos demais Partidos Verdes dos outros
países, nesse caso, ele argumenta que os problemas locais demandam estratégicas
específicas (Rabóczkay, 2004, p. 16). Mas a história do partido tem mostrado que a
segunda posição, mais pragmática, tem prevalecido.
65
O ponto alto da campanha foi o Abraço à Lagoa. A manifestação do Abraço
denunciava a ausência de uma demarcação clara das margens e o despejo de esgotos em
suas águas, comum aos demais espaços hídricos da cidade, Baía de Guanabara, Rio
Paraíba (Gabeira, 1987, p. 169). A manifestação superou os oito mil participantes
necessários para seu sucesso (Gabeira, 1987, p. 166). Para Gabeira, o “Abraço à Lagoa
provou que é possível caminhar por novas trilhas e que o Brasil resiste, através de milhares
de pessoas, e o único problema é encontrar os momentos e as chances para que elas
possam se manifestar” (GABEIRA, 1987, p. 174).
Em 1989, o Partido Verde indicou Fernando Gabeira para vice de Luís Inácio Lula da
Silva do PT para a presidência, mas após pressão de alguns setores dos demais partidos da
candidatura, o nome verde foi retirado e o Partido Verde, inicialmente, optou pelo
lançamento de Herbert Daniel, que associava o ativismo verde e homossexual (Rabóczkay,
2004, p. 55). Mas o candidato oficial do Partido foi Fernando Gabeira (TSE).
66
Em 2009, o Partido Verde optou por uma candidatura própria para eleições de 2010 e
em julho de 2009, iniciou as negociações com Marina Silva para sua candidatura à
presidência como uma resposta à avalição que o governo “fracassou na criação de um novo
marco institucional e ético, um novo modelo para a nação” e não “soube enfrentar a questão
do desenvolvimento sustentável nem o desafio socioambiental” (Sirkis, 2011, p. 33). A
avalição do PV foi que a Marina seria uma alternativa competitiva aos candidatos
conhecidos e superaria o voto ideológico ou de protesto como foi Heloísa Helena. A
proposta da campanha era “Não é Lula nem anti-Lula, mas pós-Lula” (Sirkis, 2011, p. 35).
Nessa campanha, o PV com Marina Silva alcançou 19,33% dos votos (sitio de TSE).
O candidato verde na eleição presidencial de 2014 foi Eduardo Jorge com slogan
“Viver bem. Viver Verde”. Seu documento de campanha, Diretriz, apresentou suas propostas
inovadoras e avançadas, como a remuneração dos parlamentares, descriminalização do
aborto.
67
no Brasil, para setores pobres poderem melhorar a qualidade de vida (PV, 2014, p. 5). Para
o PV (2014, p. 5) é possível “um projeto para o Brasil que combine desenvolvimento
sustentável, justiça social, cultura de paz com radicalização da democracia”;
Reforma Política: Esse item apresenta a percepção de democracia para o Partido
Verde, que defende a democracia participativa e direta. O primeiro ponto debatido foi o
papel e condições dos parlamentares: a proposta envolve, além da eliminação de verbas de
gabinete, a redução de gasto do legislativo com redução de parlamentares e teto máximo de
20 salários mínimos para os parlamentares federais e estaduais e o fim do salário dos
vereadores, o argumento para eliminar o salário do vereador foi que “é função de relevância
pública” e “ser vereador é uma honra para o cidadão eleito” (PV, 2014, p. 7). No nível
municipal, as alterações buscam “a fusão da democracia representativa e participativa” com
a eleição direta dos conselhos de cidadãos com funções integradas e complementares às
Câmaras Municipais, inclusive na elaboração de projetos e orçamentos (PV, 2014, p. 7).
Além da alteração das condições dos parlamentares, o PV retoma dois debates: voto
distrital misto e facultativo (para aproximar o cidadão e o parlamento com redução de custo
de campanha, com o fim da obrigatoriedade do voto) e o plebiscito sobre parlamentarismo,
pois para o PV, o atual modelo é “presidencialista imperial e centralizador” e estimula o
“messianismo despolitizador e regressivo” (PV, 2014, p. 8);
Mais Brasil, menos Brasília: A proposta é transferir gestão de recursos e obrigações
para o nível municipal, pois a “proximidade com os cidadãos abre oportunidade maior à
participação e democracia direta” (PV, 2014, p. 10). O governo federal terá apenas a função
de coordenação e o governo estadual será o responsável de agrupar os municípios em
regiões e consórcios para melhor eficiência das políticas públicas (PV, 2014, p. 10-11);
Economia Verde: A condução da economia do país será orientada pela associação da
economia de baixo carbono, democracia, respeito à diversidade e igualdade com a
substituição do parâmetro de crescimento do PIB pelo IDH da ONU, pois incrementa
indicadores de educação e saúde a evolução do PIB per capita (PV, 2014, p. 12);
Energia: Esse item está baseado nos textos do professor José Goldemberg (PV, 2014,
p. 21). A proposta é gerar aumento de oferta de energia com eficiência sem comprometer os
recursos naturais e ampliar a emissão de gases de efeito estufa. Entre as propostas está o
investimento em tecnologia para aumentar a eficiência dos motores utilizados na indústria
automobilística e investimento em Gás de xisto por seu baixo custo mesmo com alto preço
ambiental (PV, 2014, p. 21). A posição do Partido Verde em relação à energia nuclear é ser
contrária, inclusive com a desativação das usinas existentes em Angra (PV, 2014, p. 21);
Previdência Segura: A solução, inclusive para o desequilíbrio das contas da
Previdência, é unificar o regime para todos os brasileiros, inclusive deputado, camponês,
empresário ou alto burocrata. O atual regime do INSS será o ponto de partida, mantendo os
68
tipos atuais: por contribuição, idade, invalidez, casos de profissões insalubres e perigosas,
porém com teto máximo de 10 salários mínimos (PV, 2014, p. 22);
Saúde e Educação: O aumento do investimento nas áreas de saúde e educação está
associado a implantação do tributo único federal. Esse tributo financiará, além da saúde e
educação, a política de estímulo ao baixo carbono e o combate ao aquecimento global com
investimentos na agricultura mais limpa, combate ao desmatamento, energias renováveis e
transporte público (PV, 2014, p. 23). A educação terá a revisão de conteúdo para agregar a
disseminação de valores como o valor do trabalho, da solidariedade, respeito à diversidade
e observação da natureza e música. Além dessas mudanças, a saúde terá ênfase na
educação para prevenção na saúde (PV, 2014, p. 24). O capítulo da saúde prevê dois
pontos envolvendo o planejamento familiar e a gravidez indesejada: a opção da esterilização
voluntária e a legalização do procedimento de interrupção da gravidez sem a
obrigatoriedade de todos os profissionais de saúde, possibilitando a recusa por motivos
filosóficos ou religiosos (PV, 2014, p. 24);
Cultura da paz: Os preceitos da Carta da Terra são aplicados e refletidos, inclusive
como material básico nas escolas, com uma política de apoio as diversidades e revisão da
política de segurança pública (PV, 2014, p. 26-27). Um ponto inovador ecológico da cultura
da paz dessa diretriz é a política de Bem Estar Animal com o fim da escravidão animal,
inclusive com preocupação do bem estar dos animais de estimação e política de estimulo à
alimentação vegetariana (PV, 2014, p. 28);
Desigualdade e Miséria: as inspirações da política ao combate à desigualdade e
miséria são a Economia solidária defendida por Paul Singer e a política de inclusão de
Muhammad Yunus. Além da manutenção do programa Bolsa Família e as melhorias da
qualidade de vida apontadas nos itens anteriores da Diretriz, o PV propõe, como política de
acesso ao emprego, a redução imediata da jornada de trabalho para 40 horas semanais
com reduções graduais até atingir 30 horas semanais (PV, 2014, p. 30);
Internacionalismo: A globalização deve ser transformada para ser benéfica a todo o
planeta, para isso, a insustentável desigualdade entre os países deve ser superada. O PV
apoia a ONU como gestor mundial pela paz e solução de conflitos, mas assume que o Brasil
deve liderar a construção de uma governança mundial orientada pela cultura da paz e
desenvolvimento sustentável (PV, 2014, p. 31).
69
Apesar de ter uma presença positiva nos debates, Eduardo Jorge alcançou em torno
de 630 mil votos, ficando com 0,61% dos votos (TSE).
70
CAPÍTULO 3 – Ecossocialismo
71
Löwy amplia a quantidade de “operários ecossocialistas”. Para ele, o ecossocialismo
teve as primeiras contribuições através do socialismo ecológico de alguns pioneiros russos,
ainda no período entre o final do século XIX e início do século XX, entre esses pensadores
estão Sérgio Podolinsky e Vladimir Vernadsky (Löwy, 2000b, p. 234). As contribuições de
elaborações teóricas e práticas ao ecossocialismo têm evoluído a partir da década de 1970
com colaborações surgidas em diversos países: Elmas Altvater e Frieder Otto Wolf
(Alemanha); Barry Commoner, James O’Connor, Joel Kovel e John Bellamy Foster (EUA);
Francisco Fernandez Buey, Jorge Riechman, Juan Martínez Alier e Manuel Sacristán
(Espanha); André Gorz, Jean-Marie Harribey e Jean-Paul Déléage (França); Raymond
Williams (Reino Unido) (LÖWY, 2000b, p. 234; LÖWY, 2005a, p. 48; LÖWY, 2011, p. 13).
72
“se fosse generalizado ao conjunto da população mundial o consumo médio de energia dos
EUA, as reservas conhecidas de petróleo ficariam esgotadas em dezenove dias” (Löwy,
2000b, p. 235-236; Löwy, 2005a, p.49-50; Löwy, 2010, p. 37; Löwy, 2011, p. 34). O segundo
argumento é, mesmo mantendo a desigualdade entre Nações apontada no primeiro
argumento, as condições do planeta de suprir a vida humana na terra estão seriamente
ameaçadas pela dinâmica do capitalismo, e nessa ameaça é imperativo humano preservar o
meio ambiente para possibilitar a continuidade das condições naturais à vida humana na
Terra (LÖWY, 2000b, p. 235-236; LÖWY, 2005a, p.49-50; LÖWY, 2010, p. 37; LÖWY, 2011,
p. 34).
73
du Travail, do setor de energia, defende as centrais nucleares e uso do petróleo. Nesse
aspecto, os militantes dos partidos ecossocialistas (NPA, PG, Ensemble entre outros) têm
levado o debate socioambiental para o interior das lutas sindicais, cientes de que é uma luta
de longo prazo, mas animados com alguns sinais positivos (LÖWY, 2014a).
Essa associação entre segmentos dos movimentos está presente nos documentos dos
partidos ecossocialistas. Os documentos de programas e debates dos partidos franceses
NPA - Nouveau Parti Anticapitaliste, Parti de Gauche e Ensemble e do brasileiro PSOL
apresentam propostas envolvendo o arco-íris ecossocialista, principalmente, a questão da
libertação da mulher e o fim das discriminações raciais e orientações sexuais, assim
74
confirmam a relevância da articulação do arco-íris ecossocialista para a construção de outra
lógica de civilização.
75
socialismo “real” e resgata a valorização do ser humano com sua plena realização de suas
potencialidades. Para Marx, o socialismo resgata a produção de valores de uso: consumo e
produção não devem ser guiados pelo crescimento infinito de posse de bens (“o ter”), mas o
aumento da disponibilidade de tempo para o ser humano buscar e viver suas
potencialidades (“o ser”). Esse tempo será possível com a redução da jornada de trabalho
(Löwy, 2000b, p. 229; Löwy, 2005a, p. 23-24; Löwy, 2005a, p. 58; Löwy, 2005a, p. 71; Löwy,
2011, p. 84; Löwy, 2011, p. 120-121; Löwy, 2012b, p. 149). O tempo é redefinido no Reino
da Liberdade, ele não está mais submetido à lógica da acumulação de infinitas de bens,
induzida pela ideologia burguesa e sua publicidade, mas sim, no envolvimento de atividades
que proporcionam realização pessoal como: culturais, lúdicas, eróticas, esportivas, artísticas
e políticas (LÖWY, 2005a, p. 58; LÖWY, 2005a, p. 71; LÖWY, 2011, p. 120-121).
Para Engels, o domínio da Natureza pelo homem não pode ter a mesma lógica de
uma invasão de um povo em terras estrangeiras, esse domínio tem outro conceito: é uma
relação de pertencimento, de conhecimento de suas leis e sabedoria na aplicação da ação
sobre a Natureza (Engels, 2000, p. 223-224). Essa sabedoria é possibilitada pelas ciências
naturais e suas descobertas sobre as consequências das ações humanas sobre a Natureza
de uma forma mais consistente, compreendendo além dos efeitos imediatos. Esse crescente
conhecimento tem consequências positivas para relação entre ambos.
76
tanto mais os homens se sentirão unificados com a Natureza e tanto
mais terão a consciência disso, tornando-se cada vez mais impossível
sustentar essa noção absurda e antinatural que estabelece a
oposição entre espírito e matéria, entre o homem e a Natureza, entre
alma e corpo (ENGELS, 2000, p. 224).
77
O envolvimento de Marx no debate ambiental foi orientado pelas preocupações
ecológicas de seu tempo. Foster (2012, p. 88) alerta que a crítica ecológica de Marx está
limitada pelo período em que foi escrita. As grandes preocupações da sociedade europeia
do século XIX eram: “o esgotamento da fertilidade do solo, só comparável às preocupações
com a crescente poluição das cidades, o desflorestamento de continentes inteiros e os
temores malthusianos de superpopulação” (FOSTER, 2005a, p. 211).
Dessas preocupações, um dos principais pontos ecológicos nas obras de Marx é sua
reflexão sobre o desgaste do solo e seu impacto social. Marx, apoiado pelas pesquisas do
agrônomo químico Justus von Liebig, desenvolveu a problematização e crítica radical dos
desastres socioecológicos resultantes do produtivismo capitalista, assim, avançou a
teorização do metabolismo da ruptura entre a humanidade e a Natureza gerada por este
produtivismo (Löwy, 2005a, p. 27; Löwy, 2011, p. 87). No livro I do Capital, a conclusão
alerta que o produtivismo capitalista não só desgasta a saúde física e espiritual do
trabalhador, mas também, deteriora a relação entre a humanidade e a terra, afetando a
perenidade da fertilidade do solo, tornando cada vez mais difícil a sua contribuição com o
bem viver (LÖWY, 2011, p. 89).
Ao ser aplicada na lógica capitalista, a troca metabólica foi interrompida pela excessiva
urbanização e a migração maciça da população para os grandes centros, assim, os
nutrientes essenciais a reposição do solo, produzidos pelo ser humano, eram despejados
nos rios, poluindo-os, ao invés de retornar para o solo (Foster, 2010, p. 24). Esse processo
de absorção de pessoas pelos grandes centros e o empobrecimento químico do solo foi
denominado Raubbau por Justus von Liebig. Para Marx, Raubbau, roubo, tomou a forma de
“uma fenda irreparável” no interior da sociedade ao romper o metabolismo entre a
humanidade e a terra, um metabolismo “prescrito pelas próprias leis naturais”, o que exige
sua restauração sistemática enquanto “lei regulativa da produção social” (FOSTER, 2012, p.
91).
78
A fenda metabólica na relação humanidade e Natureza descrita por Marx no século
XIX evoluiu em múltiplas fendas metabólicas e ecológicas, transgredindo as fronteiras entre
a sociedade e a Natureza e colocando em risco as condições de sobrevivência da
humanidade (FOSTER, 2012, p. 101).
Para Löwy, é impossível ter uma análise ecológica sem considerar a crítica marxista
da acumulação destrutiva do capital, sem essa gama de conceito, o parecer ecológico não
consegue superar a limitação de propor ajustes dos excessos do capitalismo produtivista e
perde a capacidade de apresentar soluções consistentes para a crise socioambiental
(LÖWY, 2005a, p. 37 LÖWY, 2011, p. 98).
79
progresso e tecnologia da civilização industrial moderna. O marxismo precisa radicalizar sua
crítica da modernidade e da civilização industrial burguesa para oferecer propostas
concretas aos desafios atuais (LÖWY, 2000d, p. 242).
80
3.2 Ética Ecossocialista
A ética ecossocialista orienta a nova forma de propor e construir uma outra civilização
com valores sociais e ecológicos qualitativos e irredutíveis aos valores do capital. Para isso,
une valores fraternidade, igualdade e justiça social do socialismo e valores ecológicos como
proteção ambiental, proibição do desperdício de energia, respeito pela Natureza e pela vida
em todas as suas formas, proteção da biosfera, movimento cooperativo e uma
transformação radical da relação entre humanidade e Natureza (MÜNSTER, 2013, p. 123).
Para Löwy, a ética ecossocialista pode ser assumida como a união de cinco éticas:
81
distribuição de seus produtos deve seguir o critério da equidade, isto é, a partilha será “a
cada qual segundo as suas necessidades”, assim, não há homogeneização e nem a
equidade liberal (LÖWY, 2005a, p. 74-75; LÖWY, 2011, p. 123-124);
4. Democrática: a democracia ecossocialista assume que as decisões econômicas e as
escolhas produtivas devem ser tomadas pela sociedade, tirando esse poder dos banqueiros
e tecnocratas, donos do poder capitalista e do Politburo do socialismo “real”. Assim, as
definições sobre a produção e distribuição serão frutos de debate democrático e plural, mas
sempre orientados por outra forma de responsabilidade: não exploração dos trabalhadores e
preservação do meio ambiente (LÖWY, 2005a, p. 75; LÖWY, 2011, p. 124);
5. Radical: o ecossocialismo busca a raiz da crise socioambiental e alerta que as
propostas de reformas e mercados de direito de poluir são incapazes de oferecer uma
solução concreta. A ética ecossocialista indica que é “necessária uma mudança radical de
paradigma, um novo modelo de civilização, em resumo, uma transformação revolucionária”
(LÖWY, 2005a, p. 76; LÖWY, 2011a, p. 124).
82
encaminhamentos não devem ser monopolizados por leis de mercado ou por oligarquias,
seja capitalista ou socialista (LÖWY, 2005a, p. 52; LÖWY, 2009, p. 7).
83
e despreparo das forças populares e desqualificação da cultura popular; esse processo é
uma fraude ideológica que busca escravizar a sociedade aos interesses de uma minoria.
84
A denúncia é o primeiro passo para construção de outra sociedade. A consciência que
a sociedade é malvada, desigual e desumanizadora somente ocorre com o exercício critico
da leitura e da releitura do mundo (Freire, 1992). A denúncia busca desconstruir a política
deliberada pelos dominantes em convencer os dominados que são seres incultos e
incapazes, um adestramento que transforma os homens em “coisas”.
85
Economist, na página 16 da edição de 18 de setembro de 2004, apresenta um comentário
que ilustra essa apropriação do tempo:
É insuficiente apontar apenas para o setor bancário como apropriador de tempo social,
há mais setores como transporte público, companhia telefônica entre outros. A escravatura
fóssil também danifica o tempo da sociedade, o paulistano gasta em média duas horas e
quarente e três minutos no trânsito com uma média de 14 km/hora (Dowbor, 2013a, p. 146-
147). O empoderamento do tempo pela sociedade deve, além da redução da jornada de
trabalho, assumir politicamente o domínio de seu tempo livre.
Mas estes objetivos passam por um valor essencial que precisa ser
resgatado: o da solidariedade humana. Primeiro, porque é triste ver
estes pobres seres humanos, que passam numa breve viagem pela
vida, gastar o seu pouco tempo arreganhando os dentes uns para os
outros, como que impotentes frente às suas raízes animais – homo
homini lupus – incapazes de ver, ou de ter o tempo para ver a beleza
do rio que passa, o esplendor do pôr do sol, a genialidade de um
poema, o gosto de um trabalho bem feito, a magia de uma criança
que descobre uma coisa nova, cada vez mais motivados
negativamente pela insegurança generalizada, numa eterna fuga para
a frente, correndo como loucos atrás do sucesso, ainda que sabendo
perfeitamente onde termina a corrida. A solidariedade é uma questão
de elementar senso das realidades (DOWBOR, 1998, p. 9).
86
fundamental para a participação da sociedade no debate democrático. Para Löwy (2011, p.
57), o planejamento democrático é o exercício da liberdade da decisão que se faz em
conjunto na sociedade. Esse exercício é necessário para libertar das leis econômicas e das
gaiolas de ferro alienantes que estruturam a sociedade capitalista e burocrática. A
planificação democrática associada à redução de tempo de trabalho seria um progresso
para chegar ao “Reino da Liberdade” anunciado por Marx, o argumento do tempo livre é
condição para a participação dos trabalhadores na discursão democrática e gestão
econômica e social. Para Marx (1988e, p. 255), a “redução da jornada de trabalho é a
condição fundamental” para o verdadeiro reino da liberdade.
87
3.3 Planejamento e Estratégia na construção do Ecossocialismo
A corrente ecossocialista, como utopia concreta, não fica restrita apenas a debates de
projetos futuros e planos de governos, seu planejamento e estratégia envolvem ações
imediatas identificadas como emergências para a justiça socioambiental, seja propondo
soluções para problemas concretos, seja refutando falsas soluções. Nesse sentido, uma das
ações ecossocialista é se opor radicalmente a grandes projetos inúteis e ao desmatamento
florestal (MÜNSTER, 2013, p. 156-157).
88
A proposta para o Estado é que seja substituído por sistema de governança
democrático com planejamento participativo:
Mesmo o Estado proletário, revolucionário deveria acabar por
“definhar” (Engels), suas funções indispensáveis sendo
progressivamente absorvidas pela sociedade civil. O planejamento
numa escala mundial, baseado em unidades regionais e locais,
substituiria o sistema atual de nações-Estado rivais com suas
fronteiras, exércitos, alfândegas etc (LÖWY, 2000a, p. 128)
O novo aparelho produtivo, assim como o novo Estado, deve ser construído por outra
racionalidade envolvendo planejamento democrático, participativo e ecológico, assim um
dos desafios da tomada ecossocialista do meio de produção é a definição da forma de
posse e exercício do controle da produção. O poder de decisão sobre investimento e
tecnologia sai do capital financeiro e das empresas privadas e será assumido pela classe
oprimida e estará à serviço de todos. A tecnologia deve estar à serviço da classe
trabalhadora que, assim, assume o seu controle, pois seu papel é fundamental para criar
novas condições da construção de uma outra forma de produzir e conviver. A contribuição
das novas tecnologias para despoluir ricos e solos, expandir o uso de energia solar e eólica,
além de desenvolver outras formas de energia renováveis e não poluentes entre diversas
oportunidades que a tecnologia proporciona se for apropriada de forma social (Löwy, 2011,
p. 35-36).
Essas são as bases para a construção de uma sociedade ecossocialista, que terá um
processo longo, e as necessidades de mudanças são urgentes. Nesse processo, há ações
de transição. Para Löwy (2009b, p. 36), para construir uma sociedade ecossocialista, é
necessário superar três condições para efetivar as transformações socioambientais:
1) “propriedade coletiva dos meios de produção”, o termo “coletivo” é definido como
propriedade pública, comunitária ou cooperativa;
2) “planejamento democrático que possa permitir à sociedade a possibilidade de definir
seus objetivos no que concerne ao investimento e à produção” e
3) “nova estrutura tecnológica das forças produtivas”.
89
além de envenenar solo e rios e lençóis freáticos, nesse caso, as soluções energéticas que
devem ser geradas por fontes renováveis: Sol, ar e água (Löwy, 2009b, p. 38). A solução
energética nuclear não é indicada pela severidade dos riscos envolvidos e a falta de solução
consistente para seus resíduos tóxicos (Löwy, 2009b, p. 38).
90
3.4 Ecossocialismo e o Altermundismo
91
O Fórum Social Mundial foi planejado para ocorrer no mesmo período do Fórum
Econômico Mundial, que ocorre anualmente em Davos, pequena e luxuosa estação de esqui
na Suíça, com o objetivo de reunir lideranças e intelectuais para debater a evolução do atual
sistema capitalista. A força simbólica do paralelismo temporal entre o Fórum Social Mundial
e o Fórum Econômico Mundial é destacar o antagonismo dos “dois projetos de civilização e
duas realidades sociais opostas, antagônicas, irreconciliáveis” (LEITE, 2003, p. 70).
O Primeiro Fórum Social Mundial ocorreu entre os dias 25 e 30 de janeiro de 2001 sob
o lema utópico “Um outro mundo é possível” com 4 mil delegados e 16 mil participantes
credenciados de 117 países (Leite, 2003, p. 66). O Encontro foi subsidiado por quatro eixos
para reflexão propositiva: a produção de riquezas e a reprodução social; acesso às riquezas
e a sustentabilidade; afirmação da sociedade civil e dos espaços públicos e poder político; e
a ética na nova sociedade (WHITAKER, 2005, p. 178).
Esse encontro foi um sucesso surpreendente, “até aos seus próprios organizadores” e
contrariou as previsões da mídia dominante que tiveram que mudar a redação da notícia
previamente escrita com o fracasso do encontro (Whitaker, 2005, p. 33). O sucesso não
ficou no primeiro encontro, a participação nos demais Fóruns somente aumentou. Os
números apresentados na tabela abaixo ilustram o sucesso dos encontros FSM:
92
Fonte: Sousa Santos, 2005, p. 39
O CO foi formado pelas instituições que organizaram o Primeiro FSM e manteve a sua
formação. Seu papel é organizar o FSM no Brasil e atuar como Secretaria Internacional
(Sousa Santos, 2005, p. 45). O objetivo do CI é consolidar o processo permanente de
mundialização do FSM (Leite, 2003, p. 79). As organizações que compõem o Conselho
Internacional estão disponíveis no site http://www.forumsocialmundial.org.br/index.php.
A evolução do FSM aponta para aumentos de fóruns locais articulados por ele,
proporcionando uma capilaridade global dos debates e aumentando a aderência dos
diálogos sobre as questões locais e globais.
93
250 pessoas, representando 16 estados brasileiros (Löwy, 2005a, p. 91). O documento de
lançamento foi a Declaração de Princípios e Objetivos da Rede Brasil de Ecossocialistas
(Anexo 4).
94
O Fórum Social Mundial de 2009 foi muito relevante pela interação entre os
ecossocialistas e os indígenas e populações tradicionais, que contribuíram apresentando
seu diagnóstico sobre a crise da civilização capitalista ocidental, além do alerta sobre a
destruição acelerada da floresta amazônica pela exportação de madeiras, produção de soja
e pelas grandes propriedades de pecuária; a proposta política resultado dessa análise foi
“Desmatamento Zero, Agora!” (LÖWY, 2013a, p. 59).
Considerando que o carro individual é, além de nocivo à saúde dos habitantes das
grandes cidades, um dos principais emissores de gás de efeito estufa, a gratuidade do
transporte público está inserida na transformação socioambiental que leva a um outro modo
de vida, um passo importante para a libertação da sociedade da indústria fóssil. Para Löwy
(2014c), “a luta pelo transporte público gratuito é ao mesmo tempo uma luta pela justiça
social, pelo interesse material dos jovens e dos trabalhadores, pelo princípio da gratuidade,
pela saúde pública, pela defesa dos equilíbrios ecológicos”.
95
3.5 Ecossocialismo na política partidária francesa
Nos anos 80, surgiu uma corrente ecossocialista marxista na Alemanha, cujo
representante principal é Rudolf Bahro, dissidente do partido Die Grünen. Sua saída do
partido se deveu a divergência e recusa de aderir às ideias e propostas do Partido
(MÜNSTER, 2013, p. 139).
96
resultado de combate à destruição sistemática do ecossistema e agricultura dos países
africanos pelas multinacionais, conforme René Dumont e André Gorz (Münster, 2013, p.
148-149). As duas correntes apresentam orientações anticapitalista, sendo que a primeira
corrente avançou na organização da Rede Ecossocialista Internacional, composta
essencialmente por intelectuais da esquerda radical norte-americana, canadense, europeia
e brasileira, que produziram o Manifesto Ecossocialista de 2001. A segunda corrente,
ecossocialista autogestionária, foi incorporada na Europa, nos anos 80 e 90, por movimento
ecológico majoritariamente de orientação reformista (Verdes, Europe Ecologie/Les Verts), ao
mesmo tempo, foi reforçada, nos plano das ideias, com as publicações de André Gorz
(MÜNSTER, 2013, p. 149).
97
Gorz foi uns dos primeiros ecossocialistas franceses do século XIX, sua proposta é a
troca da lógica do capitalismo por outra, anti-produtivista, anti-crescimento e autogestionária.
O ecossocialismo, para Gorz, está estruturado em novas tecnologias e oficinas comunais
cooperativas, "ateliers communaux coopératifs", interligadas entre si, para troca de
experiências, ideias e invenções (Münster, 2013, p. 11-12; Münster, 2013, p. 144 - 145). A
essência da proposta de Gorz é produzir menos e melhor, para isso, a estrutura de
autogestão envolve a autonomia dos trabalhadores associados sobre a quantidade e a
qualidade da aplicação do trabalho (Münster, 2013, p. 12-13). A inovação radical dessa
proposta era sua projeção que as oficinas comunais substituíssem os grandes complexos
industriais (MÜNSTER, 2013, p. 13).
98
e social, acompanhada de medidas concretas para a abolição da precariedade e da pobreza
e a criação de uma verdadeira proteção social para todos (MÜNSTER, 2013, p. 136-137).
99
NPA Nouveau Parti Anticapitaliste
O NPA, Nouveau Parti Anticapitaliste, foi fundado em fevereiro de 2009 com o objetivo
de reunir todos os movimentos e cidadãos que desejassem romper com o capitalismo e
construir uma sociedade inédita, democrática, igualitária, feminista e ecológica (NPA,
2009a).
O NPA foi fundado com o objetivo de superação da crise socioambiental. Para ele, o
capitalismo é o fato gerador da crise socioambiental que une as crises de alimentos,
ecológica, energética, financeira, saúde e as tensões entre países e guerras. Em nome do
lucro, a produção é organizada para o excesso de produção e consumo de bens
desnecessários para poucos, enquanto quase a metade da humanidade sobrevive com
menos de um dólar por dia (NPA, 2009b). Esse produtivismo capitalista produz, além da
poluição do ar, água e comida, aquecimento global pela concentração dos gases de efeito
estufa e degradação da saúde da população, e essas consequências levam sérios riscos de
sobrevivência da população, principalmente dos estratos mais pobres e, em muitas vezes,
causando grandes migrações (NPA, 2009b). As políticas públicas francesas atuais não
estão contribuindo para superar as crises, ao contrário, a busca do lucro continua sendo a
prioridade, inclusive das ações “retificadoras” com a deterioração das condições de trabalho
e a flexibilização na contratação e desmanche dos serviços públicos. O resultado dessa
política pode ser ilustrado pela participação dos dividendos aos acionistas em relação à
folha de pagamento na França, enquanto em 1982 era 4,4%, subiu para 12,4% em 2009.
(NPA, 2009b).
100
A proposta do NPA não tem um modelo pré-existente. Ao mesmo tempo, o NPA
nasceu repudiando, além do capitalismo verde e a proposta socialdemocrata presentes na
França, as ditaduras burocráticas soviéticas e chinesas (NPA, 2009b). A nova lógica deve
ter como orientado a utilidade social ao invés do lucro e, principalmente, uma sociedade
liberta da ditadura do capital, pois somente assim, haverá reconciliação entre o homem e a
Natureza (NPA, 2009b).
101
desses segmentos. Para o NPA, essa liberdade é importante para construir uma proposta
de uma sociedade livre de discriminação em que todos tenham acesso ao trabalho, escola,
formação, habitação, transporte público, saúde e cultura (NPA, 2009b).
A democracia interna no NPA é radical. Ela prevê que cada pessoa com sua
especificidade, inclusive de nível de compromisso, deve ter o seu espaço no partido, a
pluralidade de opinião e ponto de vista está garantida (NPA, 2009b).
O poder, para o NPA, não é o fim em si mesmo. O verdadeiro poder é germinado pela
auto-organização da sociedade no rompimento do capitalismo e apropriação da autogestão
da população (NPA, 2009b).
102
Parti de Gauche
103
Ensemble Mouvement pour une alternative de Gauche, Ecologiste et Solidaire
104
O Ensemble tem suas propostas de utopia ecossocialistas com caminhos e projetos
de médio e curto prazo para contribuir não só no Front de Gauche, como também no amplo
debate ecossocialista. Para o Ensemble, o ser humano e a natureza são inseparáveis, e o
ecossistema compatível com a vida humana deve estar no centro do projeto de
transformação da sociedade (Ensemble, 2013b, p. 11). Esse projeto deve anunciar uma
nova forma de relacionamento sociedade e Natureza, superando as contradições das
dimensões ecológica e socialista. A busca do Ensemble é uma ecologia da justiça social
(ENSEMBLE, 2013b, p. 12).
105
A questão ecológica não monopoliza o documento, o combate a todas as opressões
norteia o projeto do Ensemble, assim, há propostas para as questões femininas, racismo,
xenofobia e orientações sexuais. A proposição é combater todas as discriminações
socioeconômicas e construir uma sociedade democrática. A democracia defendida pelo
partido combina a libertação social e respeito ecológico, fruto da ação dos movimentos
sociais (ENSEMBLE, 2013b, p. 17).
O Front de Gauche tem dois grandes obstáculos para vencer. O primeiro é o modelo
de governo conservador adotado pela coligação Partido Socialista e Partido Verde (EELV),
seu perfil desqualifica a esquerda francesa perante a percepção popular, construída com o
investimento da mídia, que veicula que não há alternativa e que a esquerda não consegue
propor mudanças ao modelo atual de governo. A outra crise é interna, foi gerada pela
coligação do Partido Comunista Francês (PCF) com o Partido Socialista na candidatura ao
governo municipal de Paris, de 2013, ao romper com a Frente (Hendrik, 2013). Para superar
essa crise, o Ensemble optou em buscar ser liderança no aumento do diálogo e projetos,
não só internamente no Front de Gauche como também incorporar outras forças de
esquerda, como NPA, sindicatos, associações (como ATTAC, Fundação Copernic,
movimentos ambientalistas). Além da interação junto aos setores de esquerda, Ensemble
decidiu organizar frentes temáticas e mobilizar cidadãos para participar de reuniões
ordinárias e abertas (HENDRIK, 2013).
106
A democracia, principalmente interna, é um dos principais valores do Ensemble para
irradiar mudanças. As decisões não são tomadas por estrutura burocráticas, e sim por
amplo debate interno, com total liberdade de expressão de opinião de todas as correntes,
seja nos Congressos internos, seja externamente. Mas o desafio dessa democracia é estar
em sintonia com a eficiência, afinal todo movimento político deve ser eficaz, isto é, atingir
objetivos, mas no caso do Ensemble, a meta é construir a conexão entre o partido e o
ativismo social e recriar uma ligação de aspirações (HENDRIK, 2013).
107
CAPÍTULO 4 – Ecossocialismo Brasileiro
Chico Mendes construiu uma história que é referência para a proposta ecossocialista.
Foi um dos primeiros brasileiros a associar luta social com responsabilidade ambiental. Ele
tinha a convicção que era necessário preservar a Amazônia para todos os povos e que a
autoemancipação dos seringueiros deveria ser construída a partir da sua integração aos
demais povos da floresta e à própria floresta. Sua história pode ser estudada com ajuda de
suas entrevistas documentadas por Edilson Martins (1998) e Cândido Grzybowski (1991),
documentários e textos de diversos autores que trabalharam com Chico.
Chico Mendes era de uma família de seringueiros, sua trajetória foi marcada pela
herança das condições opressoras impostas pelos fazendeiros. Os seringueiros foram
inseridos na floresta amazônica com a ilusão de vida melhor que a sofrida rotina do sertão
cearense, porém a realidade encontrada foi outra. As trabalhadoras e trabalhadores
buscaram os seringais da Amazônia na segunda metade do século XIX para fugir das
longas estiagens e da gripe de 1877, causadora de mais de cem mil mortes (Martins, 1998,
p. 13). A situação de opressão, com características de escravidão, foi detalhada por
Euclides da Cunha (2006) no início do século XX.
108
Os utensílios invariáveis presentes na tabela 4 proporcionavam as condições mínimas
de sobrevivência na selva: um boião de furo, uma bacia, mil tigelinhas, uma machadinha de
ferro, um machado, um terçado, um rifle (carabina Winchester) e duzentas balas, dois
pratos, duas colheres, duas xícaras, duas panelas, uma cafeteira, dois carretéis de linha e
um agulheiro. Os mantimentos entregues na chegada do trabalhador antes do envio a sua
estadia final eram: 3 paneiros de farinha de água, 1 saco de feijão, outro, pequeno, de sal,
20 quilos de arroz, 30 de xarque, 21 de café, 30 de açúcar, 6 latas de banha, 8 libras de
fumo e 20 gramas de quinino (CUNHA, 2006, p.29).
109
A conclusão de Euclides da Cunha (2006, p. 30-31) não dá margem de dúvida da
perversidade das condições do trabalhador: é “natural que ao fim de alguns anos o freguês
esteja irremediavelmente perdido. A sua dívida avulta ameaçadoramente: três, quatro, cinco,
dez contos, às vezes, que não pagará nunca. Queda, então, na mórbida impassibilidade de
um felá desprotegido dobrando toda a cerviz à servidão completa. O regulamento é
impiedoso: "Qualquer freguês ou aviado não poderá retirar-se sem que liquide todas as suas
transações comerciais..." Fugir?” A fuga era inviável pelas condições da região, distância
entre os barracões e a cumplicidade entre os senhores dos seringais, aliado a pesadas
multas aos fazendeiros que não cumpriam o “acordo”. (CUNHA, 2006, p. 31).
Euclides da Cunha já em 1908 escrevia que era necessário intervir politicamente para
mudar as condições dos trabalhadores dos seringais:
Uma lição fundamental para a trajetória de Chico foi aprender a ler e ouvir notícias
com o auxílio de um exilado político, Euclides Fernando Távola. Euclides era oficial do
exército quando participou da Coluna Prestes, por essa militância, foi preso e enviado para o
presídio da ilha de Fernando de Noronha. Foi solto por influência do seu tio Juarez Távola, e
seguiu para a Bolívia onde se engajou no Partido Comunista Boliviano, trabalhando com o
movimento operário. Porém foi perseguido e obrigado a voltar à clandestinidade. Acabou se
refugiando na selva perto da fronteira entre Brasil (Acre) e Bolívia e para sobreviver,
aprendeu a fazer a borracha com os seringueiros (MARTINS, 1998, p. 87-88).
110
Em 1962, Euclides Távola passou ao acaso na casa da família Mendes e o pai de
Chico gostou do diálogo e das ideias do visitante. Com a permissão do pai, Chico Mendes
iniciou a alfabetização com seu mestre marxista. Inicialmente, as aulas eram aos sábados e
domingos na casa de Euclides, para chegar às aulas, Chico Mendes andava três horas. O
método usado pelo professor era a leitura crítica de jornais, Euclides conseguia edições
atrasadas de jornais e noticiários de rádio. Chico criou o hábito de ouvir o noticiário das 18
horas das estações Central de Moscou, BBC de Londres e Voz da América no rádio à
bateria cedido por Euclides. O contato com as notícias permitiu que Chico Mendes
observasse a diferença de enfoque na forma do noticiário sobre o golpe de 1964, pois para
a Voz da América, a democracia seria a vitoriosa em evitar que os comunistas acabassem
com o país, em contra partida a Central de Moscou alertava sobre as prisões das lideranças
sindicais e das torturas aos presos da repressão (GRZYBOWSKI, 1991, p.63).
Não há muitas informações sobre Euclides Távola, pois ele queimava tudo que
anotava e em julho de 1965 foi à cidade para checar se seu emagrecimento era um
processo de úlcera e nunca mais voltou (MARTINS, 1998, p. 88).
A lição do professor Távola muito valorizada por Chico Mendes era a relevância na
militância sindical e a possibilidade da futura restruturação dos sindicatos no Brasil, pois
“apesar de derrotados, humilhados, massacrados, as raízes nunca se acabaram, elas
sempre germinam; por mais atacadas que sejam, elas germinarão mais tarde” (Grzybowski,
1991, p.64). Para Távola, a militância no movimento sindical era fundamental, mesmo no
caso de sindicatos chamados pelegos, porque o ingresso de militantes combativos
estabelece as bases para espalhar as “sementes da liberdade” (GRZYBOWSKI, 1991, p.64).
Com o conhecimento adquirido nas suas aulas, Chico descobriu que sua família e os
demais seringueiros eram manipulados pelos comerciantes da fazenda: o valor da metade
da produção de um ano de borracha pagava a conta na venda do seringalista e o lucro
gerado seria a outra metade, porém, nas contas do seringalista, o seringueiro estava
sempre devendo (Martins, 1998, P. 89). A lição foi que a eterna dívida do mercado do patrão
era ferramenta de opressão, a liberdade deveria ser construída com a ruptura do monopólio
da venda aos seringalistas. A opção inicial foi o comércio com os marreteiros, pequenos
comerciantes, para comprar mais barato pagando com borrachas (MARTINS, 1998, p. 89).
111
O segundo marco na formação de Chico Mendes foi o convívio com o sindicalista
Wilson Pinheiro, a avalição dos sucessos e a desmobilização do sindicado após a morte do
Wilson esteve presente nas ações posteriores de Chico. Wilson Pinheiro foi a primeira
liderança na direção do sindicado de Brasiléia, Acre, em 1978 e 1979. Foi na sua
coordenação que os empates foram generalizados por toda a região (GRZYBOWSKI, 1991,
p.18-21).
112
A avaliação e aprendizado de Chico Mendes com o crescimento e retração da
experiência desse sindicato foram que:
O movimento deveria passar por uma discussão muito maior e uma
preparação muito maior para não se repetir o que aconteceu em
Brasiléia. Quando mataram Wilson, como ele centralizava todo o
poder, toda a resistência em suas mãos, houve uma recuada. Aqui,
em Xapuri a gente se propõe a fortalecer mais as bases, para que o
movimento tivesse uma sustentação maior (GRZYBOWSKI, 1991,
p.21).
Outro apoio importante na organização das primeiras escolas foi a OXFAM. Esse
apoio foi motivo de denúncia por parte dos fazendeiros aos órgãos de repressão sob a
acusação de recebimento de recursos dos comunistas de Moscou. Os seringueiros não se
intimidaram e conseguiram, em 1983, comprovar que a fonte das divisas eram de uma
entidade não governamental inglesa de apoio a projetos sociais no terceiro mundo
(GRZYBOWSKI, 1991, p. 46).
113
Além do apoio das ONGs e do Ministério da Educação, o diferencial do projeto da
construção das escolas foi a mobilização da população, os agentes do Ministério ficaram
estarrecidos com o resultado obtido com reduzidos recursos, em relação ao alto montante
de recursos enviado às prefeituras do Acre: as prefeituras entregaram menos que um terço
do total de escolas (GRZYBOWSKI, 1991, p. 47).
Para Chico Mendes, a educação era fundamental para a práxis transformadora, esse
sentimento pode ser exemplificado pelo último conselho que Chico Mendes deu a sua filha
Elenira, que quando ele morresse, ela não deveria chorar na sua morte e sim estudar para
continuar a sua luta: “Se seu pai morrer, você tem que ser forte, tem que estudar para
continuar a luta dele” (VENTURA, 2003, p. 19).
Chico Mendes entendia que para avançar com as conquistas, o movimento deveria se
estruturar em sindicatos e se inserir na política partidária. Em 1977, Chico participou
ativamente na fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e se elegeu
vereador pelo partido de oposição à ditadura militar, MDB (Martins, 1998, p.15).
Posteriormente ele soube dialogar com as diversas siglas (PT, PCB, PC do B, PV, PDT e
PSB). Sem perder o espaço de diálogo com os demais partidos, ele se filiou ao PT, pois
para ele era o “único partido, com todos os seus problemas, que tem dado maior cobertura,
maior apoio à luta dos seringueiros” (GRZYBOWSKI, 1991, p. 49-50).
114
reserva extrativista da Amazônia. O objetivo da proposta da reserva extrativista era
demonstrar que há alternativa sustentável para a Amazônia em relação à proposta de
desenvolvimento de crescimento econômico à custa da devastação da floresta
(GRZYBOWSKI, 1991, p. 23).
O Conselho Nacional dos Seringueiros foi o espaço fundamental para o diálogo entre
os seringueiros e indígenas e para a criação da União dos Povos da Floresta. A conclusão
dos seringueiros e indígenas era que nenhum dos dois era o responsável pelo conflito entre
eles, os verdadeiros geradores eram o seringalistas e os demais exploradores das riquezas
amazônicas (GRZYBOWSKI, 1991, p. 26).
O método dividir para dominar foi amplamente usado pela classe dominante para
manter os povos da floresta isolados e enfraquecidos. Em entrevista, Chico Mendes afirmou
que a crença das diferenças entre seringueiros e índios esteve presente na sua formação:
“estão vivos na minha memória o preconceito e a hostilidade alimentados em relação aos
índios da Amazônia: traiçoeiros, primitivos e preguiçosos” (MARTINS, 1998, p. 14).
115
Um depoimento muito interessante sobre a aliança nos Povos da Floresta pode ser
expresso pelo depoimento de Osmarino Amâncio no Encontro Rio 92:
"No começo", afirmou ele, “instigados pelos poderosos,
acreditávamos que os índios eram nossos inimigos. Por sua vez, os
índios, manipulados pelos mesmos poderosos, acreditavam que
éramos seus inimigos. Com o tempo, fomos descobrindo que as
nossas diferenças não deveriam ser jamais razão para que nos
matássemos entre nós em favor dos interesses dos poderosos.
Descobrimos que éramos todos 'Povos da Floresta' e que queríamos
e queremos uma coisa só em torno da qual nos devemos unir; a
floresta. Hoje”, concluiu, “somos uma unidade nas nossas diferenças”.
(FREIRE, 1992, p. 155 – 156).
A proposta extrativista liderada por Chico Mendes associa a justiça social com respeito
à cultura local e responsabilidade ambiental, pontos ecossocialistas para a construção de
uma sociedade sustentável. Para Chico Mendes, “a Amazônia não pode se transformar num
santuário intocável. Por outro lado, entendemos, também, que há uma necessidade muito
urgente de se evitar o desmatamento que está ameaçando a Amazônia e com isto está
ameaçando até a vida de todos os povos do planeta” (GRZYBOWSKI, 1991, p. 24).
A resposta das lideranças do Conselho Nacional dos Seringueiros para esse paradoxo
é a reserva extrativista, isto é, as terras devem ser da União para usufruto dos povos da
floresta, trabalhadores extrativistas e índios. A renda deve ser gerada pela extração dos
frutos da floresta, sejam já conhecidos e industrializados como borracha da seringueira,
castanhas, babaçu, açaí ou a explorar novos produtos como tucumã e papauá (ricos em
óleo), capaíba, bacaba, babaçu e pupunha, assim como o mel das abelhas, pescado e
plantas medicinais, mas sempre respeitado o limite de exploração (Grzybowski, 1991, p. 24).
Além da produção industrial dos produtos da floresta, Chico alertava que a Amazônia será
uma região muito rica quando as faculdades investirem em pesquisa de novos
medicamentos na região (GRZYBOWSKI, 1991, p.25).
116
que o interesse dos usineiros não estava nas melhores condições do trabalhador e sim no
lucro proporcionado pela compra de mercadorias mais baratas (Martins, 1998, p. 84). Além
do objetivo do lucro, os seringueiros sabiam que os usineiros também eram madeireiros,
mas a associação era tática e restrita a melhorias de condições de venda da borracha e com
o objetivo imediato de evitar o fechamento da Superintendência do Desenvolvimento da
Borracha, SUDHEVEA, órgão federal de apoio à produção brasileira de borracha
(GRZYBOWSKI, 1991, p.30).
Chico Mendes tinha muito claro que a armadilha do desenvolvimento gera riqueza
apenas a uma pequena oligarquia, seja no campo ou nos grandes centros. Para Chico
Mendes “queremos que a Amazônia seja preservada, mas também queremos que seja
economicamente viável” (Martins, 1998, p. 92). Além disso, Chico alertava que o modelo das
queimadas é insustentável: “O solo fica improdutivo. Por exemplo, em uma passagem onde
eles desmatam 2 ou 3 mil ha, essa terra não tem potência para resistir, e em dois anos a
terra seca ..” (MARTINS, 1998, p. 94).
117
como pela pecuária da década de 70, não considera o impacto social, não cumpre a
promessa de retorno social do rendimento econômico e nem mantém a perenidade
produtiva da floresta. Os números apresentados por Chico Mendes ilustram a percepção e
necessidade de enfrentar o descompromisso socioambiental dos fazendeiros: “a borracha,
com todo o desgaste que tem sofrido, ainda foi responsável por 45% da arrecadação do
ICM, enquanto a pecuária chegou somente a 5%” (MARTINS, 1998, p. 94).
Chico alertava que o discurso ecológico do governo não era comprometimento com
propostas sustentáveis e sim, era argumento para viabilizar financiamento de bancos
internacionais e órgãos multinacionais. O passo seguinte foi alertar aos responsáveis da
aprovação de crédito a contradição entre o discurso e a prática dos tomadores de
empréstimos da Amazônia, pois o argumento de integração era na verdade transformada
em desmatamento e degradação social. Chico Mendes conseguiu reverter o financiamento
dos órgãos multilaterais à obra da BR-364 (Transamazônica) com a sua participação na
reunião do BID em Miami em março de 1987. Em consequência da denúncia de Chico
Mendes e pressão das organizações ambientais, o BID suspendeu os recursos destinados
ao asfaltamento da estrada em abril de 1987 (MARTINS, 1998, p. 81).
A construção da sociedade sonhada por Chico Mendes tinha alguns adversários com
poder: os seringalistas, madeireiros e agropecuaristas. O crescimento do movimento da
classe trabalhadora no Acre provocou reação dos opressores, principalmente com o
ingresso da União Democrática Ruralista, UDR, no Acre. A UDR tinha como prioridade
combater a organização dos seringueiros em Xapuri, pois consideravam que o sindicato de
Xapuri era o principal obstáculo no seu domínio da região do Acre (GRZYBOWSKI, 1991, p.
30).
A morte de Chico Mendes não foi em vão. Em visita ao Acre quinze anos após a morte
de Chico Mendes, Zuenir Ventura (2003) encontrou as cidades de Rio Branco e Xapuri mais
urbanizadas e a sociedade mais integrada socialmente. Algumas lideranças que
trabalharam com Chico ocupavam posições de destaque na politica socioambiental, eram o
118
prefeito de Xapuri (Júlio Barbosa), o governador do Estado do Acre (Jorge Viana) e a
ministra do Meio Ambiente (Marina Silva). Acima de tudo, os índices da participação do Acre
no desmatamento da Amazônia foram reduzidos. Os indicadores de participação dos nove
estados da Amazônia brasileira na pesquisa sobre desmatamento, no período de 1988 a
2002, apontava que o Acre, com 2,7%, perdia apenas para Roraima (1,1%) e Amapá
(0,3%). O pódio de desmatamento era o Pará com 33,9% (VENTURA, 2003, p. 190). O
relatório divulgado pelo INPE (2013) sobre desmatamento de 2012, tabela 5, aponta que os
indicadores não se alteraram muito, Pará e Mato Grosso continuam liderando o
desmatamento da Amazônia brasileira e o Acre apresenta baixa participação (INPE, 2013).
AC (7.13)
AM (166.07)
AP (0.31)
MA (57.42)
U
MT (1155.65)
F
PA (632.25)
RO (357.09)
RR (55.39)
TO (15.41)
119
A utopia ecossocialista sonhada por Chico Mendes deve servir de inspiração a todos
que buscam a construção de uma outra sociedade (Mendes, 2012):
Mas essa utopia ainda é apenas uma indicação de chegada, pois a situação rural é
muito crítica. O poder do setor rural assumiu a pauta partidária e consegue exercer grande
influência política no país e consequentemente, manter ou até mesmo aumentar seu poder
na área rural, fechado o ciclo. Um exemplo dessa força política está na formação da
Comissão de Agricultura da Câmara federal, composta por 40 parlamentares que
acumulavam um patrimônio de R$ 51 milhões em propriedades rurais (Castilho, 2012, p.
121).
Além de eleição pessoal nas prefeituras, governos estaduais e parlamento nos três
níveis, há também, o ingresso na política partidária com financiamento de campanha. Um
dos exemplos, presentes na obra de Castilho, foi a Friboi que investiu R$ 10 milhões nas
candidaturas a governos de estado, conseguindo eleger Marconi Pirillo em Goiás e Siqueira
Campos em Tocantins, mas sua força está no parlamento federal, pois dos 63 candidatos
financiados, conseguiu eleger 41 deputados federais e 7 senadores (Castilho, 2012, p. 150 –
151), poucos partidos políticos tem uma bancada tão numerosa. Essa questão esteve
presente no debate sobre alteração do Código Florestal, pois a maioria da bancada Friboi foi
fiel ao seu financiador, com exceção apenas de três parlamentares, além do relator, Paulo
Piau, ter sua campanha financiada pelo agronegócio (Castilho, 2012, p. 153).
120
Infelizmente a escravidão, os assassinatos e a grilagem ainda são companhias dos
povos da floresta, companheiros de Chico Mendes. Além do conflito desigual pelas terras,
há ainda a prática de escravidão em nossa área rural. Castilho, com apoio da ONG Repórter
Brasil, uma referência em pesquisa sobre escravidão, apontou em seu livro diversos
exemplos de trabalhadores em situação análoga a escravos em diversos estados brasileiros
(Castilho, 2012, p. 184 – 204). Interessante observar que há casos em que o político tem
domicílio eleitoral nos estados do sul e sudeste, mas suas propriedades rurais estão no
norte e nordeste, como o caso de um deputado federal radialista de Santos de cujas terras
em Bonópolis (Goiás) foram libertados 46 trabalhadores, sendo 7 menores (CASTILHO,
2012, p. 201).
121
4.2 Ecossocialismo na política partidária brasileira
O Partido dos Trabalhadores, PT, foi o primeiro partido político brasileiro que abarcou
diversos segmentos ambientais. No Brasil, a proposta política de integração das lutas
sociais e ambientais motivou os ecossocialistas a ingressarem no Partido dos Trabalhadores
(PT) na década de oitenta do século XX. O movimento apostava na transformação do PT
em um partido ecossocialista, sob o argumento que “todo componente inovador de sua
corrente socialista democrática deverá reconhecer em médio prazo o caráter crucial dos
problemas ecológicos no mundo contemporâneo” (VIOLA, 1987a, p. 47).
122
O primeiro manifesto ecossocialista (Anexo 1) é amplo com 41 pontos programáticos.
Esse manifesto denuncia a degradação socioambiental gerada pelo antropocentrismo, mas
alerta que não é a presença humana que esgota a capacidade de resiliência do planeta,
mas sim, a atual “sociedade fundada no lucro e na propriedade privada”, isto é, o modo de
produção hegemônico, seja sua versão capitalista ou socialista “real”, que “gera riqueza
(questionável) para poucos, miséria para muitos e degradação ambiental para todos” e
assim, assume o risco de esgotar a capacidade do planeta fornecer condições de
sobrevivência humana (PT, 2001, p. 352). Outro aspecto relevante é o resgate do conceito
marxista que o homem “é parte da natureza, aquela que, inclusive, desenvolveu a
consciência” (PT, 2001, p. 352), assim, a relação homem e Natureza deve superar a atual
forma de dominação antropocêntrica capitalista; segundo o primeiro manifesto, o meio
ambiente saudável é incompatível com o capitalismo, seja na sua versão liberal ou
socialdemocrata (PT, 2001, p. 352). O manifesto ecossocialista afirma que a proposta não é
“pintar de verde a fachada do prédio do capitalismo” (PT, 2001, p. 358) e sim, substituir a
propriedade privada por gestão coletiva democrática, em sintonia com a Natureza e solidária
com as futuras gerações (PT, 2001, p. 352).
O primeiro manifesto apresenta temas relevantes para o inicio do século XXI como a
participação das lideranças sindicais e o papel da ciência e tecnologia na construção de
uma sociedade ecossocialista. A reflexão sobre o papel das lideranças sindicais no
manifesto é bem atual, pois questiona o “corporativismo” em diversos pontos do manifesto; o
enfoque desse questionamento é que o movimento sindical deve superar o estágio de se
limitar à pauta de melhoria salarial e participação de lucros, assim, os proletariados fabris e
rurais devem, em parceria com os movimentos sociais, assumir as transformações
socioambientais (PT, 2001, p. 356). O exemplo dado pelo manifesto para pensar além do
corporativismo é a reflexão sobre a falta de acesso a automóveis por todos trabalhadores: a
123
proposta não é priorizar a posse de automóveis, e sim estruturas eficientes de transporte
público, pois o objetivo não deve ser a socialização do congestionamento. A proposta
contida no Manifesto de 1991 é que a análise critica do movimento sindical sobre produção
deve incorporar “para o que se produz” ao questionamento “como se produz” (PT, 2001, p.
355), isto é, além das condições físicas e monetárias dos trabalhadores, a utilidade e o
impacto socioambiental dos bens e serviços produzidos é também presença importante na
pauta política sindical. A orientação contida do Manifesto é que o desejável deve ser o bem
viver, e não somente o conforto material (PT, 2001, p. 355).
124
Além da militância partidária, os ecossocialistas petistas também se envolveram na
militância de ONGs ambientalistas e nos debates dos Fóruns Sociais Mundiais. Para Laxe
(2013a), a participação dos ecossocialistas do partido nos Fóruns Sociais Mundiais e os
debates do pensamento ecossocialista com diversos segmentos políticos no Brasil e demais
países do continente americano e europeu aumentou a visibilidade do ecossocialismo e
melhorou a consistência das propostas da corrente ecossocialista (LAXE, 2013a).
Outro impacto da vitória de 2002 foi alteração pragmática da candidatura, pois para se
viabilizar eleitoralmente, o partido amenizou sua radicalidade socioambiental. Após uma
sequência de derrotas para candidaturas neoliberais (1988 para Fernando C. de Mello e
1994 e 1998 para Fernando H. Cardoso), o PT alterou a estratégia eleitoral se aproximando
de setores mais conservadores. Entre as ações, a candidatura da vice-presidência foi
assumida pelo industrial José de Alencar e houve também o fortalecimento interno de
setores da socialdemocracia (Löwy, 2012d). Uma ação formal de campanha, para “acalmar”
o mercado e reduzir a resistência à candidatura Lula, foi a redação e divulgação do
documento Carta ao Povo Brasileiro. A estratégia foi vitoriosa, pois venceu as eleições de
2002 no segundo turno com 61% dos votos contra o candidato José Serra do PSDB (TSE).
125
A preocupação na proposta do PT era resgatar a confiança do mercado para obter os
investimentos necessários ao crescimento econômico, e assim, gerar empregabilidade e
renda para os trabalhadores. Desta forma, o governo buscou deliberar orientado que: suas
decisões influenciam como tendências de longo prazo; os choques de curto prazo têm
impacto nas rotinas das empresas e das pessoas (Barbosa, 2013, p. 69), assim como, a
“política econômica também pode criar tendências de longo prazo e alterar o curso de
desenvolvimento de uma economia promovendo avanços mais rápidos a favor de alguns
setores ou grupos sociais” (BARBOSA, 2013, p. 70).
Nesse aspecto, o governo trabalhou para construir cenários positivos para estimular os
investimentos privados, pois esse investimento depende da expectativa e segurança. Em
2012, houve uma redução de investimento privado pela contaminação da crise europeia.
Essa retração levou o governo a reduzir as tarifas de energia elétrica, reduzir as taxas de
juros pela ação dos bancos públicos e efetuar as desonerações (SICSÚ, 2013, p. 77).
126
Para as lideranças do PT, os partidos de esquerda precisam de aliados para governar,
para ter a maioria no Congresso. Para Sicsú (2013, p. 91), o desafio é administrar as
coligações políticas, pois há aliados com interesses particulares e conveniência eleitoral e
“governar com esses partidos é uma tarefa difícil, governar sem eles é uma tarefa
impossível ... o Brasil avançaria mais rápido se pudesse contar com uma base aliada de
partidos e parlamentares progressistas e de esquerda, mas esta possibilidade não existe”. O
Congresso Nacional é um espelho da sociedade, são representantes da cultura e
pensamento da sociedade, que em grande parte são conservadores e de direita (Sicsú,
2013, 91). A situação é agravada pela atuação da mídia ao propagar o repúdio à classe
política e assim, alimentar a hegemonia conservadora no congresso pelo voto
descompromissado ou indiferente do eleitor, reflexo da crença deste que “todos são iguais”
(SICSÚ, 2013, p. 92).
A gestão de Marina Silva foi, para a corrente ecossocialista do partido, outro obstáculo
para o ecossocialismo no PT. Para Laxe (2014c), a primeira crise ocorreu em 2003, com a
proibição de reunião do coletivo ecossocialista no interior do ministério, o que levou o grupo
ecossocialista a realizar suas reuniões em espaço público na região do ministério. Essa
127
proibição criou desconfiança dos ecomarxistas históricos do PT em relação à Marina Silva e
essa crise teve o seu ápice na reforma no Ministério do Meio Ambiente em 2007. Nessa
reforma, houve uma forte alteração no perfil ideológico no ministério, sendo que o espaço do
ecossocialismo foi totalmente eliminado com o desligamento de alguns ecomarxistas
petistas e o rebaixamento de cargo para os demais. O setor político fortalecido na reforma
ficou conhecido como “grupo marinista”, que posteriormente a acompanhou na saída do PT
e seu ingresso no PV (LAXE, 2014c).
Em 2008, Marina Silva saiu do PT após atritos e disputas internas. Uma crise séria
entre a então ministra e demais setores do governo federal foi o embate sobre a MP
458/2008, que tratava a questão fundiária na Amazônia, esse projeto foi enviado pelo
governo e aprovado pelo Congresso. Para Marina Silva (2010, p. 84), essa Medida
Provisória foi “a pior coisa já feita para Amazônia desde a ditadura militar”, pois, em sua
percepção, o projeto desconsiderou dois elementos fundamentais: o relacionamento das
terras ao ordenamento territorial, zoneamento ecológico, e o combate à grilagem e, assim,
privatizou 67 milhões de hectares de terras públicas na Amazônia (Silva, 2010, p. 85).
Os doze primeiros anos dos governos do PT e aliados foram marcados por problemas
na área ambiental, mas também houve avanços na área social e desafios na área produtiva,
em todos os casos sem ruptura com o modelo produtivo hegemônico. O objetivo central dos
mandatos foi incentivar a produção para aumentar a riqueza, mas proporcionando
distribuição mais justa. Para incentivar a produção, o governo reduziu a taxa de juros para
capital de giro de 42,3% em 2002 para 18% em 2012 (SICSÚ, 2013, p. 31). Outro desafio
para gerar riqueza enfrentado pelo governo foi estimular a competitividade das empresas
brasileiras para poder disputar com a importação de produtos industrializados. O volume de
importação cresceu de US$ 40,4 bilhões em 2002 para US$ 193,9 bilhões em 2012, esses
números indicam transferência de empregabilidade, sendo que a proposta para o aumento
da competitividade no Brasil era aumentar a empregabilidade do brasileiro e interromper a
exportação de “postos de trabalho” (SICSÚ, 2013, 45).
128
As políticas na área social apresentaram alguns indicadores de avanços, como a
redução da desigualdade territorial com o crescimento das regiões Norte e Nordeste, 5,6% e
5% respectivamente no período de 2003 a 2013. No mesmo período o Sudeste cresceu
4,5% ao ano, sendo que os estados de Rondônia, Acre e Tocantins cresceram em torno de
7% ao ano (SICSÚ, 2013, p.32).
129
os riscos da “socialização do congestionamento” da sociedade do automóvel (PT, 2001, p.
355 - 356). A alternativa de estimular a economia por intermédio da produção e venda de
automóveis seduziu o governo, porém “consolidamos um modelo de cidades para os carros,
que é insustentável. O modelo atual deve ser substituído pelo modelo de cidade para os
cidadãos” (SICSÚ, 2013, p. 32).
A campanha pela reeleição de 2014 foi acirrada, mas a presidenta Dilma se reelegeu,
com discurso de ampliação dos projetos sociais e melhoria da economia através do
aumento da produção. Os documentos de campanha, Diretrizes e Programa de Governo:
Mais Mudanças, Mais Futuro, sinalizam que a opção produtivista para geração de riqueza
com distribuição de renda será mantida no segundo mandato de Dilma Rousseff. O
documento Diretrizes aponta que para continuar com as mudanças iniciadas em 2003,
primeiro governo Lula, é necessário gerar um crescimento mais acelerado da economia
brasileira, movida, entre outros fatores, pelo aumento da produtividade (PT, 2014a, p. 12). O
governo pretende associar o crescimento à erradicação da pobreza, preservação do meio
ambiente e a ampliação da democracia (PT, 2014a, p. 14), pois para a candidatura de Dilma
“não precisa existir contradição entre crescer, incluir, proteger e conservar” (PT, 2014a, p.
14).
130
O programa de governo apresentava algumas preocupações ambientais. A
“profissão de fé do PT” registrada no programa de governo para o segundo mandato de
Dilma Rousseff é o modelo de desenvolvimento economicamente viável, socialmente
justo e ambientalmente sustentável (PT, 2014b, p. 8), esse desenvolvimento foi
associado pelo documento ao aumento de investimento na economia; inflação baixa;
radical redução da pobreza e redistribuição de renda; e fortalecimento do consumo de
massa (PT, 2014b, p. 8).
131
(PDF); e Plano de Desenvolvimento de Assentamento Sustentável (PDA) (Minc, 2010, p.
105). Por outro lado, aliada ao produtivismo do PAC, a política da reforma agrária é
insuficiente e há uma forte influência do setor de agronegócio no governo federal (MINC,
2010, p. 114).
132
O processo de formação do Coletivo Ecossocialista do PT tem grandes desafios na
sua construção. Para Viana (2014), não existe uma corrente ecossocialista organizada no
PT, apenas um grupo de socioambientalistas em torno do Setorial de Meio Ambiente e
Desenvolvimento, que é reconhecida como uma secretaria nacional e dentre esses, há
diversos ecossocialistas.
133
A retomada do ecossocialismo no PT foi animada pelo Encontro de 2013. Em 17 de
dezembro de 2013, ocorreu a Plenária “o PT e o Ecossocialismo” na sede nacional do
Partido dos Trabalhadores em Brasília, que retomou o tema ecossocialismo no partido e
criou o Coletivo Ecossocialista do PT (LAXE, 2013c). A proposta inicial do encontro foi
comemorar os 22 anos do Manifesto Ecossocialista de 1991 e retomar a construção do
coletivo ecossocialista no partido (LAXE, 2013b).
134
O encontro decidiu construir os seguintes pontos (LAXE, 2013c):
A organização de uma Agenda de discussões ideológicas, para prover uma releitura
ideológica dos principais documentos ecossocialistas, inclusive com uma avaliação e
possível atualização do I Manifesto Ecossocialista do PT (1991).
A organização de uma Agenda de Debates temáticos e programáticos socioambientais
e a formação de um grupo interativo pela internet dos ecossocialistas do PT.
A imediata constituição de um Coletivo Ecossocialista do PT, buscando promover uma
integração permanente entre os militantes.
A organização de um Calendário de Atividades específicas de rearticulação dos
ecologistas socialistas do Partido, inclusive nos Estados.
Formação de um Grupo de Trabalho de caráter preliminar, para colaborar na
organização destas Agendas, tanto político-partidária, como técnico-temática.
A realização de uma nova reunião dos ecossocialistas do PT, com o indicativo de ser
organizada entre fevereiro a março de 2014.
135
secretário, assim, até essa data, a Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento estará
desativada (Laxe, 2014d). A última atividade da secretaria foi o debate “O Ecossocialismo e
as Eleições 2014” que ocorreu no dia 8 de abril de 2014 (LAXE, 2014b).
136
PSOL Partido Socialismo e Liberdade
A página História do sitio do PSOL aponta que o PSOL surgiu como resposta de
militantes que “estavam descontentes com os rumos do governo, pois sinalizava, a cada dia,
o abandono do socialismo como horizonte estratégico e a defesa de projetos prejudiciais ao
povo brasileiro”; a proposta foi a fundação de um partido de orientação socialista e
democrática. O PSOL foi regularizado junto ao TSE em setembro de 2005 (TSE).
Em 2005, o PSOL foi enriquecido por mais uma migração de descontentes do PT,
entre eles, os deputados federais Ivan Valente, Chico Alencar, João Alfredo Telles Melo, os
deputados estaduais Afrânio Boppré, Randolfe Rodrigues, Carlos Gianazzi e Brice Bragato,
além de personalidades, militantes e intelectuais como Plínio de Arruda Sampaio, Marcelo
Freixo, entre outros.
137
Para Bannwart (2013; 2014), houve dois grandes marcos para a corrente
ecossocialista no partido: o 1º Congresso do PSOL e o 1º Encontro Ecossocialista do PSOL.
O 1º Congresso do PSOL ocorreu na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na praia
Vermelha em 2007. No intervalo desse encontro, houve o primeiro encontro presencial entre
os ecossocialistas do PSOL, que até então, se comunicavam por troca de e-mail. Essa
reunião foi resultado de investimento de vários ecossocialistas e conseguiu unir várias
pessoas que, além do PT, tinham migrado de outros partidos (Bannwart, 2014). Nesse
encontro foi estruturada a lista nacional de correspondência eletrônica, e-mails, entre os
militantes ecossocialistas de todos os estados contando inicialmente com em torno de 40
militantes cadastrados (Bannwart, 2013).
Esse Encontro definiu a pauta política com cinco pontos (BANNWART, 2013):
Código Florestal;
Usina Belo Monte;
Angra 3 (Projeto Nuclear);
Transposição do São Francisco;
Agrotóxico.
138
Além da definição da coordenação nacional do setorial, o encontro decidiu que
ocorrerá um encontro nacional dos ecossocialistas do PSOL a cada dois anos, assim, o
segundo encontro ocorreu em 2013 no Rio de Janeiro e o terceiro será em 2015 no Ceará
(Bannwart, 2014). Todos os encontros geraram documentos de reflexão e indicações de
prioridades nas pautas políticas do setorial e estão disponíveis no sítio do setorial.
O segundo encontro ocorreu no Rio de Janeiro em maio de 2013. Foi estruturado com
apresentações de conceitos como Crise Socioambiental por João Alfredo T. Melo,
Aquecimento Global por Alexandre A. Costa, Belo Monte por Mauricio Matos e mesas de
debates sobre atuação do setorial frente aos desafios atuais. As apresentações estão
disponíveis no blog do setorial ecossocialista do PSOL.
Carta do Rio foi o documento gerado pelo encontro. Esse documento retoma as
críticas ao capitalismo como concentrador de riqueza e devorador da Natureza e
humanidade e indica os seguintes eixos prioritários para a atuação ecossocialista do
coletivo:
139
Combate aos megaempreendimentos (grandes barragens e obras para os
megaeventos), suspensão de Belo Monte
Suspensão imediata dos leilões de petróleo e gás.
O depoimento presente nesse texto aponta que uma frente do mandato é o combate
ao capital imobiliário. A ação concreta foi a conquista da preservação de quinze hectares
das milenares dunas às margens do Rio Cocó pela aprovação do Projeto Lei da Área de
Relevante Interesse Ecológico das Dunas de Cocó. Essa vitória foi construída pela
mobilização envolvendo intelectuais, pesquisadores, jovens, moradores de bairro e
movimentos sociais e ecológicos cuja pressão unida com a atuação do mandato fez crescer
a resistência ao lobby de especulação imobiliária, tanto no legislativo quanto no judiciário
(Melo, 2012, p. 35). Essa vitória animou que esses setores mantivessem a articulação com o
mandato em outras propostas, como a conservação da “matinha do Pici”, que está
localizada em torno do Açude Santo Anastácio proposto por professores universitários e o
projeto de lei que declara os botos-cinza como patrimônio natural de Fortaleza desenvolvido
em parceria com movimentos sociais e ONGs (Melo, 2012, p. 35).
140
O diferencial do mandato é o seu envolvimento com a mesma intensidade tanto nos
temas ambientais quanto aos temas sociais, assumindo que a proposta é construir um
mandato socioambiental. Mas o perfil de diálogo com a sociedade e utilizar o mandato como
ferramenta de desenvolvimento da autoemancipação da sociedade é o ponto ecossocialista
fundamental.
Essas ações são coerentes com a visão de João Alfredo (Melo, 2010, p. 235) sobre
politizar a ecologia:
141
O setorial ecossocialista elaborou o documento Contribuição do Setorial Ecossocialista
“Paulo Piramba” para os programas de governo do PSOL nas eleições de 2014 para
subsidiar a elaboração de programas de governos, nos três níveis e candidaturas ao
legislativo. O documento apresenta análise crítica aos governos federais do PT e aliados,
seu perfil produtivista e desenvolvimentista presente no PAC, Programa de Aceleração do
Crescimento; questionamento sobre as Conferências do Clima; reflexão sobre causas e
impactos socioambientais das mudanças climáticas e propostas ecossocialistas da
agroecologia, gestão hídrica, democratização da ciência, a questão indígena, e alterações
no modelo de geração e gestão da energia (PSOL - Setorial Ecossocialista, 2014). Esse
documento é uma ferramenta de apoio importante para candidato, ou mesmo parlamentar
ou executivo eleito, elaborar projetos.
142
Rede Sustentabilidade
143
Outro ponto polêmico na proposta da Rede é a possibilidade de candidatura
independente ou “autoral”. O Título IV, Capítulo I do Estatuto prevê que o partido oferecerá
30% das vagas às eleições proporcionais para os candidatos “cívica independentes”, isto é,
pessoas que desejam atuar politicamente no legislativo, porém não desejam se filiar a
nenhum partido político, inclusive a própria Rede, bastam apresentarem documentos que
comprovem ficha limpa, seus históricos de atuação em causas em sintonia com as
orientações da Rede, manifesto público com os compromissos e a relação de apoiadores da
candidatura (com nome e número do título de eleitor) (Rede Sustentabilidade, 2013b). Para
Samuel Santos, essa proposta é positiva, pois visa um eleitorado que acredita no candidato
avulso. Como não há como ser candidato sem partido pela legislação brasileira, essa opção
é um mecanismo para atrair possíveis candidatos que não gostariam de estar filiados em
partido a entrarem na Rede nessa perspectiva (SANTOS, 2014).
144
Em ambas as respostas, os formuladores ecossocialistas do partido, Júlio Rocha,
Pedro Ivo de Souza Batista e Gabriela Barbosa Batista foram indicados para ajudar na
publicação, mas não houve o retorno deles. Esses três membros são reconhecidos
internamente como elaboradores ecossocialistas, principalmente pela publicação do livro A
Crise Ambiental Planetária e o Ecossocialismo pela Associação Alternativa Terrazul, da qual
eles são também colaboradores. Com o incentivo das duas respostas, Samuel enviou
mensagem diretamente aos três ecossocialistas com a pergunta “Quais são as contribuições
que podemos dar para o debate sobre ecossocialismo?”, o silêncio continuou e a edição do
jornal da Rede na Baixada teve que assumir outro tema (SANTOS, 2014).
145
conservador reacionário de caça a quem defende o socialismo ou qualquer outra proposta
de rompimento com atual modelo de produção capitalista” (SANTOS, 2014).
A Rede Sustentabilidade efetuou uma coligação informal com o PSB para a campanha
presidencial de 2014. Por não estar formalizada junto ao TSE, seus militantes se filiaram ao
PSB. Inicialmente, Marina Silva assumiu a candidatura à vice-presidência na chapa
presidencial do governador Eduardo Campos, porém, com o óbito do candidato em um
acidente em agosto de 2014, Marina Silva assumiu a candidatura à presidenta com Beto
Albuquerque como vice (Rede Sustentabilidade, 2014a, p. 3). O programa da candidatura
apresentava o slogan Plano de Ação para Mudar o Brasil e detalhava os principais pontos
dos documentos de fundação da Rede Sustentabilidade (Diretrizes Programáticas e o
Estatuto). Esse documento anunciava diversas mudanças na gestão federal, cuja meta era
“atingir um desenvolvimento sustentável, porta de acesso a condições civilizatórias básicas”
(Rede Sustentabilidade, 2014a, p. 14). O documento apresenta diversos pontos com
críticas, critérios e algumas metas em seu texto, por exemplo: a unificação do calendário
geral das eleições, o fim da possibilidade de reeleição e a mudança do mandato para cinco
anos; novos critérios para definição dos eleitos para os cargos proporcionais; a possibilidade
de inscrição de candidaturas avulsas; redefinição do tempo de propaganda; criação de
mecanismos de transparência nas doações de campanhas; melhorar a representatividade
da sociedade brasileira nos parlamentos (REDE SUSTENTABILIDADE, 2014a, p. 15).
146
intervenção do Banco Central na taxa de câmbio, deixando-a flutuar livremente, além da
imediata independência do Banco Central (REDE SUSTENTABILIDADE, 2014a, p. 46).
147
O posicionamento da Rede Sustentabilidade no segundo turno da eleição presidencial
de 2014 causou forte tensão no partido. Além do apoio formal ao candidato Aécio Neves do
PSDB, o processo da decisão também criou instabilidade interna, pois apesar de haver uma
reunião prevista no Elo Nacional para definir se o partido iria optar pelo voto nulo ou apoio
sem formalização ao candidato Aécio Neves, o grupo mais próximo da Marina Silva
declarou, pelo porta voz Walter Feldman, apoio ao candidato tucano. Essa antecipação criou
uma séria tensão na direção do partido e a reação foi a redação de um documento, Nota
Paralela, redigido por setores mais a esquerda, defendendo o voto nulo (Santos, 2014).
Nesse caso, o posicionamento da Heloísa Helena foi para o voto nulo, o que reforça a
expectativa de que haverá a política do “pêndulo” e, consequentemente, mais espaço para o
pensamento ecossocialista no partido (SANTOS, 2014).
Para Samuel Santos (2014), a afirmação do partido que não é direita e nem esquerda
não é sustentável, “quando se posiciona que não é A e nem B, mas afinal, o que é o C?”.
Certamente, o partido não concorda com a direita extremada que pede o impeachment da
Dilma e o retorno da ditadura, ao mesmo tempo em que está distante da “esquerda que se
comporta como autista, que afirma que nada aconteceu e que essas acusações estão
inseridas em um grande golpe da direita” (Santos, 2014). Mas deve definir qual é a proposta
de modelo de sociedade que quer defender (SANTOS, 2014).
148
No caso, da experiência da Rede Sustentabilidade, a sua cultura e saberes enraizados
são proporcionados pelos seus aliados políticos, financiadores de campanha e militância.
Para Samuel Santos (2014), construir uma nova política na Rede Sustentabilidade é um
grande desafio, pois
ela é feita pelos velhos políticos isto é, militantes que vieram da velha
tradição, PT, PSTU, PSOL, PSDB e que trazem para as relações
internas a escola que tiveram, então é muito difícil driblar essas
culturas, principalmente porque essas se mantêm nas estruturas que
já tinham antes, mas agora organizados dentro da Rede (SANTOS,
2014).
Para Carlos Henrique Painel, coordenador executivo, o encontro foi muito positivo,
pois definiu a forma de atuação para as eleições municipais de 2016: “A Rede vai mostrar a
importância da sustentabilidade na política. O evento também valeu a pena porque permitiu
formar a projeção para o futuro da legenda e para definir o cenário político nas próximas
eleições” (REDE SUSTENTABILIDADE, 2014b).
149
Em relação ao calendário político para 2015, o encontro definiu que haverá as
convenções estaduais em maio e junho e o Congresso Nacional até setembro, quando
haverá a eleição do novo Elo Nacional e a revisão programática e estatutária (Rede
Sustentabilidade, 2014b). Para Samuel Santos (2014), há uma grande expectativa na
Conferência Nacional da Rede em 2015, pois será definido o “momento chave” para o rumo
do partido, isto é, qual será o projeto que será “defendido pelo partido, mas há um sério
risco de que o setor derrotado não deseje continuar, pois para criar o partido, houve um
leque muito amplo de associados e com grande diversidade ideológica”.
O novo partido tem inspiração nos partidos Podemos (espanhol), Syrisa (grego) e o
MAS – Movimiento al Socialismo (boliviano), além de experiências partido-movimento. Há
expectativa de ingresso de não só descontentes com a Rede Sustentabilidade, mas também
do PT, PSOL, PSB e PCdoB (Faria, 2015).
150
4.3 Rede Brasil de Ecossocialistas
Além disso, o alerta presente na Declaração da Rede está relacionado com inovação e
tecnologia. Nesse caso, o critério deve ser o da precaução, isto é, a sociedade não deve
assumir riscos socioambientais, assim, há uma troca de lógica social, pois o fato de não
haver provas que uma tecnologia é perigosa não é critério para adotá-la, seus responsáveis
devem provar que ela é segura e que representa um fator de melhoria socioambiental em
151
relação à situação vigente no planeta (REDE BRASIL DE ECOSSOCIALISTAS, 2005, p.
92).
A Declaração da Rede encerra seu texto com uma definição sobre o que é ser um
ecossocialista: “a rede de ecossocialistas é formada por pessoas que dedicam suas vidas
para defender a vida, contra a barbárie e pela paz no planeta” (Rede Brasil de
Ecossocialistas, 2005, p. 93). Nesse caso, a barbárie socioambiental alertada pelo
ecossocialismo envolve o colapso das condições do planeta em manter a vida em sua
superfície, inclusive a humana.
152
Constituir um Grupo de Colaboradores da Coordenação para ajudar na elaboração
teórica da Rede;
Construir uma página da Rede Brasil na internet;
Efetuar recadastramento dos membros da Rede;
Realizar encontros e fóruns nos Estados, tendo o Fórum Social Mundial como espaço
privilegiado de atividades.
A avaliação da coordenação da Rede para o II Encontro foi positiva, como também foi
considerada positiva a oficina da Rede Brasil de Ecossocialistas no Fórum Social Mundial
em Nairóbi, com a participação de 100 ativistas, que se mostraram “dispostos a contribuírem
com a discussão política do ecossocialismo” (REDE BRASIL DE ECOSSOCIALISTAS,
2007).
Foi definido que 2007 seria o ano de fortalecimento e consolidação da Rede Brasil de
Ecossocialistas e para cumprir essa meta, foram definidas as seguintes ações:
recadastramento dos integrantes da Rede; proposta de formação de “quadros”, elaboração
de um projeto para trabalho junto a juventude, desenvolver a edição de Boletins e Revista
Teórica, organizar a moderação da lista de discussão na internet e realizar os encontros
estaduais (REDE BRASIL DE ECOSSOCIALISTAS, 2007).
153
foi impactada pelos processos de rupturas internas do PT, geradas por discordâncias com o
governo Lula, os quais esvaziaram a organização da Rede até o seu completo fim de
funcionamento (Melo, 2015). O depoimento de Laxe (2014d) ilustra o processo: “A Rede
Ecossocialista Brasileira teve um início promissor, com representantes em São Paulo,
Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Sul, mas não evoluiu, não houve reuniões presenciais
e nem virtuais após 2007, a Rede morreu “por inanição””.
Já João Alfredo, do PSOL, propôs que haja uma pessoa dedicada a essa construção,
uma pessoa com história e conhecimento reconhecido que consiga reconstruir as “pontes
destruídas” pela história das principais lideranças dispersas nos diferentes partidos,
Bannwart, José Correa e João Alfredo, entre outros ecossocialistas, estão no PSOL, Pedro
Ivo na Rede e o Laxe e Gilney no PT (Melo,2015). Para João Alfredo Melo (2015), “o desafio
é como “juntar esses cacos”, acredito ser difícil, pois exigiria um grau de esforço de unidade
imenso em função do tamanho de divergências”. A grande dificuldade de diálogo entre as
154
lideranças das correntes ecossocialistas está nas divergências históricas, embates e
diferenças ideológicas entre os partidos.
Para João Alfredo (Melo, 2015), o melhor nome para essa tarefa é o Michel Löwy, pela
sua história e respeito que todos têm por ele. João Alfredo acredita ainda que as
dificuldades de retomar a Rede Brasil de Ecossocialistas são “imensas” e a figura de
“alguém profissionalizado” para o papel de articulador das diferentes posições é
fundamental, essa articulação “é uma tarefa de Sísifo” (Melo, 2015). Segundo ele, a
proposta de haver um responsável pode ser substituída por um comitê de refundação, mas
certamente é fundamental organizar um primeiro encontro de ecossocialistas para iniciar o
processo. Nesse sentido, Löwy (2014b) acredita que os ecossocialistas do PSOL, por ter a
corrente ecossocialista mais organizada, devem buscar o diálogo com Pedro Ivo, por ser o
último coordenador, e em conjunto convocar uma reunião de refundação da Rede Brasil de
Ecossocialistas.
Para João Alfredo, nesse caso, a Rede Brasil Ecossocialista estaria alterando o seu
perfil para agregar o movimento social, “essa alteração deve ficar claro, pois há uma troca
155
de situação, pois o ecossocialismo está muito ligado à visão política, que se organiza dentro
dos partidos e suas correntes” (Melo, 2015). João Alfredo (Melo, 2015) acredita ser possível
integrar com uma série de movimentos sociais e com outras redes. Sua sugestão foi
incorporar a Rede Brasil de Justiça Ambiental, por ter ações importantes de integração com
muitos movimentos no Brasil, como anti-nuclear, mineração, agroecologia, etc. Mas, para a
retomada avançar, deve haver uma proposta detalhada sobre o formato de atuação (Melo,
2015).
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O primeiro passo foi entender o porquê essas perguntas são tão importantes. E a
resposta encontrada foi que a sociedade vive hoje uma crise socioambiental de grandes
proporções, que coloca em risco as condições do planeta suportar vida na atual proporção,
pois sua capacidade de recomposição, resiliência, está sendo superada em uma velocidade
crescente. Essa realidade pode ser mensurada pela pegada ecológica, criada por
Wackernagel e Reed e amplamente divulgada pela WWF, são números cada vez mais
preocupantes, que revelam que a capacidade do planeta a cada ano está sendo esgotada
cada vez mais cedo: ao final de 2014, eram necessários dois planetas para suprir o atual
nível de consumo. Além do esgotamento, há também o processo de mudanças climáticas,
que afetam a capacidade do planeta fornecer solo fértil e água, essenciais para a
sobrevivência da humanidade. Diante de perguntas tão relevantes, a sociedade deveria
buscar respostas o mais breve possível, antes de atingir o ponto “sem volta”, onde poucos
ou ninguém conseguirá se adequar à nova realidade climática.
157
A análise socioambiental sobre inovação e tecnologia também ilustra essa
divergência: para os ecocapitalistas, qualquer tecnologia é válida – transgênicos e energia
nuclear, por exemplo – “desde que” seu impacto socioambiental seja compensado por
ecotaxas e seus riscos mitigados. Para eles, essa remuneração deve ser paga por parcela
de rendimentos adicionais proporcionados pela tecnologia em questão, resumindo-se,
qualquer tecnologia é válida “desde que” incremente o lucro.
158
ecossocialistas dos partidos brasileiros, dois militantes experientes apontaram que falta, nos
partidos brasileiros, quadros com conhecimento da ciência da Natureza para subsidiar o
entendimento sobre os impactos socioambientais das ações humanas e os limites que a
sociedade deve respeitar para ter perenidade de condições de vida saudável. Nesse
sentido, o cientista do clima, Alexandre Costa, tem uma atuação muito importante, com suas
informações e alertas sobre as mudanças climáticas e políticas hídricas. Mas, infelizmente,
são muitos poucos ecossocialistas com esse conhecimento técnico da natureza.
Para os ecossocialistas, essa interação com a sociedade é um dos pontos vitais para
sua consolidação, pois busca trabalhar com todas as formas de construir mudanças em
conjunto, isto é, gerar um empoderamento social dos mecanismos políticos, fundamental
para construir uma sociedade sem a hegemonia do capital ou de um “grupo centralizador de
decisões”. O empoderamento pela autoemancipação deve ser construído pelo diálogo entre
os ecossocialistas e a sociedade.
159
Mas para a construção da sociedade ecossocialista será necessário uma práxis radical
dos ecossocialistas junto aos demais setores anti-hegemônicos e altermundistas, isto é, o
vermelho do movimento operário, a violeta da libertação das mulheres e do respeito a todas
as orientações sexuais, o negro dos anarquistas e igualdade racial, o branco da mobilização
pela paz, o verde pela defesa de uma integração humana responsável com a Natureza,
assim construindo o arco-íris ecossocialista, principalmente porque a política ambiental é
necessariamente transversal, há conexão com todos os setores. O grande desafio nessa
construção é despertar nesses setores a relevância socioambiental de seus movimentos e
que é fundamental a integração de todos.
Nesse aspecto, os partidos franceses estão com essa práxis mais avançada, há
interação entre os partidos e movimentos sociais, seja através da luta pela eliminação da
solução de energia nuclear na França ou pela proteção ao imigrante. Mas há a dificuldade
em tornar propostas e ações em votos e participação no congresso, a votação dos partidos
ainda não permite o sonho de domínio da pauta na política francesa.
Mas um ponto de grande resistência interna é a esquerda tradicional nos partidos, que
mantém a cultura produtivista e desenvolvimentista, adoradora do crescimento ilimitado do
PIB, pois ainda tem a ilusão que a empregabilidade e a geração da renda são
proporcionadas por crescimento desse índice e que isso é bom para a sociedade.
160
As dificuldades externas são provocadas também pela cultura desenvolvimentista da
esquerda e pela falta de conhecimento da população sobre a severidade dos riscos e a
complexidade da situação. Esses fatores são reforçados pela associação da mídia com os
demais donos de capital que filtram as informações sobre todos os assuntos, inclusive sobre
temas socioambientais que possam por em cheque o conforto do capital. Mas há uma
expectativa que essa “segurança” seja fragilizada pelo agravamento da crise ambiental,
principalmente a hídrica, pelo alto grau de impacto na rotina da população.
161
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BARBOSA, Nelson. Dez anos de política econômica. In: SADER, Emir. 10 anos de governos
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ENTREVISTAS
BANNWART, Roberto.
Militante histórico, membro do setorial nacional ecossocialista do PSOL e coordenador do
núcleo paulista ecossocialista do PSOL.
Entrevistas nos dias:
25 de fevereiro de 2013;
03 de dezembro de 2014.
LÖWY, Michael
Pensador e militante ecomarxista brasileiro radicado na França, diretor de pesquisas do
Centre National de la Recherche Scientifique. Redigiu o Manifesto Ecossocialista
Internacional com Kovel e participou com comitê de Redação da Declaração Ecossocialista
de Belém.
Entrevistas nos dias:
9 de fevereiro de 2014a;
27 de outubro de 2014b.
183
SANTOS, Samuel Maia dos.
Militante ecossocialista da Rede Sustentabilidade, membro do Elo Nacional da Rede.
Entrevista no dia 09 de dezembro de 2014
184
SÍTIOS:
185
Eco Brasil (http://ecosbrasilong.blogspot.com.br/): ONG ecossocialista. ONG fundada em
1997 com o objetivo de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos e sociais e,
promoção do Ecossocialismo e da Ecopolítica.
186
Michael Löwy (http://blogs.mediapart.fr/blog/michael-lowy): blog do Michael Löwy.
187
ANEXOS
MANIFESTO ECOSSOCIALISTA
3) A crise na qual está imersa a humanidade não se restringe ao campo do econômico, mas
abrange todo um processo civilizatório com suas crenças e seus valores, inclusive a crença
de que a economia é a base da felicidade humana. Daí a necessidade de se repensar os
fundamentos filosóficos para a construção de uma nova utopia. Entre esses valores que
precisam ser repensados e que fazem parte, inclusive, da herança filosófica de grande parte
da esquerda está o antropocentrismo.
5) Para os ecossocialistas, a defesa da vida não se restringe à defesa da vida humana, mas
se estende a todas as formas de vida.
188
newtoniana (mecânica), deve ser dialeticamente superado. Uma nova visão de mundo,
holística, não-compartimentalizada, que reconheça que aquilo que a ciência convencional
chama de "LEI" e "ORDEM" é apenas uma parte da realidade, da qual o ACASO também
faz parte, constitui-se em novo paradigma sobre o qual poderíamos reformular nossa utopia.
8) Desse modo, os recursos naturais do planeta não podem ser apropriados sob o regime
da propriedade privada com poderes absolutistas do proprietário, mas sim de forma coletiva,
democrática, em sintonia com o meio ambiente, e solidária com as gerações futuras.
189
(vide Chaplin em Tempos Modernos) e com os ritmos próprios à vida de cada povo e
cultura. Nesse sentido, capitalismo e desenvolvimento auto-sustentável são incompatíveis.
11) A queda do Muro de Berlim e da burocracia com suas políticas secretas sepultou o
modo coletivista do Estado autoritário e centralizado, mas não os princípios e os
fundamentos de um igualitarismo socialista democrático.
190
espiritual e cultural dos indivíduos e dos povos e das tecnologias alternativas, libertos das
amarras do produtivismo e do Estado autoritário, ajudarão a semear e robustecer a utopia
transformadora ecossocialista e libertária.
16) Uma das decorrências do antropocentrismo (na verdade, do homem europeu, logo do
eurocentrismo) foi (e é) o produtivismo. A crença num homem TODO-PODEROSO que tudo
pode submeter está na base da idéia de progresso do mundo moderno. O PROGRESSO
entendido como aumento da riqueza material, medido por meio do PIB, impregnou as
consciências, inclusive a de muitos que se pensam críticos da sociedade dominante. Para
os ecossocialistas, o capitalismo não é somente um modo de produção. É também um modo
de vida, um determinado projeto civilizatório, um modo de ser para o ser humano. Não cabe
simplesmente questionar o modo de produção-distribuição do capitalismo. Se o capitalismo
não permite que todos tenham automóveis, nós, os ecossocialistas, não lutamos para que
todos tenham um, pois isso só socializaria o congestionamento. Assim, não questionamos
somente o modo como se produz e para quem. Incorporamos à nossa crítica também o
BEM-ESTAR. Queremos um BEM-VIVER, que vai além do conforto material. SEM MEDO
DE SER FELIZ.
19) A tese do "crescimento zero" demonstrou toda a sua fragilidade sobretudo na última
década de recessão e desemprego, com queda do PIB. Mesmo nesse contexto, a
degradação ambiental só fez progredir. Nada temos contra o crescimento se ele for baseado
191
na proteção da natureza e na gestão democrática dos recursos. O crescimento do ser
humano não pode ser reduzido ao consumo de bens materiais. Não queremos substituir o
SER pelo TER. Essa é a utopia capitalista.
21) Os ecossocialistas não entendem que os proletários fabris e rurais sejam os únicos
agentes da transformação social. Há um movimento real, constituído por diferentes
movimentos sociais, que procura suprimir o estado de coisas existentes. São pessoas que
pelas mais diferentes razões rompem a sua inércia e vêm para o espaço público construir
novos direitos.
192
vivos. A sociedade moderna surgiu apoiada numa ética do trabalho, que, no entanto, vem
sendo substituída pela ética do consumo. É preciso superarmos, dialeticamente, a ambas.
26) Até agora o movimento popular e sindical tem se preocupado com a questão tecnológica
basicamente por seu impacto no (des)emprego, com ênfase nas conseqüências da robótica
e da informática. Esse é um aspecto importante e por intermédio dele é possível perceber
com clareza que a redução da jornada de trabalho se constitui numa bandeira
extremamente moderna e atual. No entanto, há um outro lado da questão que precisa ser
aprofundado: em muitos casos o trabalhador tem vendido a sua saúde (insalubridade como
adicional no salário) em vez de lutar pela despoluição das fábricas e dos processos de
produção, deixando intacta a matriz tecnológica do capital. Os ecologistas lançam junto aos
sindicatos e à classe trabalhadora a luta política pelas tecnologias limpas e um ambiente de
trabalho saudável, tanto no aspecto bio-físico-químico como no psicossocial. Devemos, pois,
assumir a luta por tecnologias que minimizem o impacto agressivo sobre a saúde e a vida
de quem produz e o meio ambiente, patrimônio da população e base de sua qualidade de
vida. A luta pela substituição das tecnologias sujas que usam o benzeno, o mercúrio, o
ascarel, o asbesto, os agrotóxicos e o jateamento de areia (nos estaleiros, por exemplo),
entre outros, supõe o aumento da consciência de classe e, por incorporar a dimensão
ecológica, torna-se uma questão de interesse de toda a humanidade, contribuindo para
superar o corporativismo. Ambientes de produção ecologicamente seguros são condição
preliminar para que todo o ambiente seja despoluído. O segredo comercial, normalmente
invocado pelo capital para não revelar a composição química de seus produtos, não pode
estar acima da vida.
193
27) As chamadas tecnologias limpas não se resumem ao tratamento da saúde, dos
efluentes e dos despejos, mas implicam a despoluição de todo o processo de produção em
todas as suas fases. O ecossocialismo não quer limpar a atual organização do processo
produtivo sem alterar seus princípios e sua lógica de funcionamento. Não queremos pintar
de verde a fachada do prédio do capitalismo predatório, mantendo inalterada sua lógica de
exploração, exclusão e desigualdades. Assim, a bandeira das tecnologias limpas deve se
associar às transformações na estrutura da propriedade, de distribuição e da natureza do
consumo final.
28) Para efetivar esta bandeira torna-se fundamental uma articulação entre a comunidade
científica, o movimento ambientalista e o movimento popular e sindical. Isolados estes, as
teses ficam nas gavetas e a chantagem patronal joga trabalhadores e ecologistas uns contra
os outros. São os trabalhadores que vivem cotidianamente submetidos às piores condições
ambientais, tanto no seu local de trabalho como em sua moradia. É preciso, no entanto,
romper com o corporativismo que opõe trabalhadores de um lado e ambientalistas e
cientistas de outro. Se os trabalhadores, por exemplo, não têm onde morar e, constrangidos,
invadem áreas de interesse público, como mananciais, é preciso afirmar que nesse caso a
questão habitacional torna-se de interesse público e haveremos de buscar alternativas para
que os trabalhadores tenham um teto e o manancial seja preservado. Assim, é preciso
reverter o corporativismo e a alienação a ele vinculada, aprofundando a luta política,
cimentando a concepção de uma nova sociedade fundada em um outro tipo de
desenvolvimento tecnológico.
30) A conversão gradual do complexo militar e industrial para uma economia voltada para
um desenvolvimento autogerido, democrático e sustentável deve ser acompanhada pela
transformação radical dos critérios de investigação de ecotécnicas, tecnologias
economicamente eficientes, poupadoras de energia, descentralizáveis (tanto no plano
técnico como no político), ecologicamente seguras e capazes de serem apropriadas e
geridas pelo trabalho coletivo.
194
31) A tendência atual do capitalismo de diminuir cada vez mais o número de trabalhadores
do processo de produção material, aumentando enormemente a capacidade de produção,
tem como um dos sustentáculos a manipulação do desejo, a fabricação capitalista da
subjetividade por meio da mídia, sobretudo da televisão. Este tem sido um poderoso
instrumento político dos grandes monopólios. A democratização dos meios de comunicação
torna-se essencial. Pela "Reforma Agrária do AR".
33) Um projeto ecossocialista pressupõe as reformas agrária e urbana, que devem ser
pensadas na sua articulação com a matriz energética. O incentivo às formas de geração de
energia descentralizadas como miniusinas, biodigestores, eólica (vento) e solar é importante
no sentido de democratizar o acesso à energia sem aumentar a pressão sobre a atual matriz
energética, esta sim excludente, com vistas a possibilitar o desenvolvimento de pequenas e
médias cidades. Essa preocupação não deve nos omitir das responsabilidades referentes
aos problemas das grandes cidades, exigindo a proteção das encostas, dos mananciais e
fundos de vales, a primazia do transporte coletivo sobre o individual, o uso do gás como
combustível, as ciclovias, a reciclagem do lixo urbano e outras propostas.
195
35) Os ecossocialistas lutam pelo desenvolvimento de formas democráticas e participativas
de gestão em todos os níveis, desde o local de trabalho até o Parlamento, por meio da
combinação da democracia direta e da representativa. Acreditamos ser esta uma forma
evoluída de gestão política e administrativa. Os cidadãos trabalhadores devem ter uma
noção geral dos problemas e participar criativamente das soluções, substituindo a visão
fragmentária por uma visão holística (que se preocupa com a relação das partes entre si,
das partes com o todo e com a relação do TODO retroagindo sobre as partes). Para isso
são necessários tanto um processo educacional que, ao mesmo tempo que estimule o
senso crítico e a criatividade, vise o interesse público como uma radical democratização dos
meios de comunicação. Sem essas condições as mudanças no regime de propriedade e nas
formas de gestão, que estão associadas, ficam comprometidas.
36) Para os ecossocialistas uma nova ética revolucionária é precondição de uma nova
política: os FINS não justificam os MEIOS. As práticas autoritárias, machistas, elitistas,
militarizadas e predatórias só fundamental uma falsa transformação, sem a afirmação de
novos valores para uma nova sociedade.
37) Essa nova ética ecológica planetária é incompatível com a exportação de lixo químico
dos países ricos para os países periféricos e inconciliável com os testes nucleares que
transformam o planeta em laboratório e a população em cobaia. Sobretudo agora, quando
caiu o Muro e com ele toda a lógica da Guerra Fria e sua corrida armamentista, torna-se
necessária a desnuclearização do mundo para que a política não fique submetida àqueles
que têm o poder de definir a morte. A queda da burocracia no Leste Europeu, saudada por
todos os verdadeiros socialistas, deixou, por outro lado, o imperialismo de mãos livres para
apertar o botão.
38) Defendemos uma nova divisão internacional do trabalho radicalmente diferente da atual,
em que os países ricos se reservam as tecnologias de ponta, como a robótica, a
biotecnologia, a química fina e o laser, e relocalizam no Terceiro Mundo as indústrias sujas,
altamente degradadoras do meio ambiente e consumidoras de energia, inclusive do próprio
homem. Uma nova ética ecológica planetária supõe intercâmbio, cooperação, paz,
solidariedade e liberdade no lugar da hipocrisia do nacionalismo chauvinista que justifica as
próprias agressões praticadas por cada governo e empresas contra suas próprias
populações e seu meio ambiente. O direito à autodeterminação dos povos não pode ser
196
invocado para destruí-los, assim como suas fontes naturais de vida. Um novo conceito de
soberania é necessário, incorporando uma ética ecológica.
39) O ecossocialismo não se constrói num só país nem numa só direção. A solidariedade
entre todos aqueles que são negados em sua humanidade, por serem explorados e
oprimidos, se faz pelo reconhecimento de que formamos uma mesma espécie, cujo maior
patrimônio é nossa diferença cultural. Uma posição verdadeiramente revolucionária,
ecossocialista, reconhece que habitamos uma mesma casa, o planeta Terra, que, por sua
vez, vem sendo ameaçado por um internacionalismo fundado no dinheiro e no lucro e por
um poder altamente concentrado: o IMPERIALISMO.
40) Os ecossocialistas entendem que é necessário romper com a idéia restrita de revolução,
originária da mitológica tomada de assalto do poder, militarizada e, por sua vez, derivada de
uma restrita visão do Estado. Afirmamos que inexiste o tal corte absoluto mistificado na
história, uma vez que o processo de transformação social é composto não por uma, mas por
várias rupturas, descontinuidades, desníveis e disfunções. No entanto, numa sociedade em
que o poder está hierarquizado, do cotidiano familiar ao aparelho de Estado, passando pelos
locais de trabalho, as diversas rupturas nos diversos níveis têm contribuições diferenciadas,
embora todas essenciais num verdadeiro processo de transformação, aliás em curso. Aqui
se faz necessária, mais uma vez, uma visão que dialetize a relação entre as partes e o todo.
Os debates acerca dessa questão vêm ganhando maior profundidade no seio da esquerda.
Mesmo aqueles que procuram afirmar a idéia de uma ruptura têm apontado que ela implica
o estabelecimento de novas relações entre o Estado e a sociedade civil, entre partidos e
sindicatos e demais movimentos populares. Apontam que o socialismo se torna uma
necessidade reconhecida pela população quando no processo de luta evidenciamos os
limites de desenvolvimento capitalista. Esses limites são evidenciados, por sua vez, quando
a burguesia rejeita propostas humanização em geral, em particular no tocante à socialização
da propriedade. Desse modo, a ruptura deve ser entendida como o resultado prático e
teórico da dialética reformas / revolução. Nesta dialética é fundamental, portanto, entender
que a teoria e a prática para uma sociedade socialista devem existir já a partir do
capitalismo, embora condicionada pelos limites e barreiras dessa sociedade. Aí são
fundamentais, por exemplo, os Conselhos Populares. Estes devem ser organizações da
sociedade civil autônomas em relação ao Estado e aos partidos, atuando como verdadeiros
laboratórios de construção de hegemonias. Assim, a democracia socialista não é
197
simplesmente a negação da democracia capitalista, mas sim a sua superação. Se a
democracia é um valor estratégico, como acreditamos, e não tático, e o poder não se
localiza em um lugar restrito, como no aparelho de Estado, por exemplo, devemos instituir
práticas democráticas em todos os lugares de interesse público, inclusive nas unidades de
produção (empresas / locais de trabalho), o que implica repensar o regime de propriedade.
Afinal, assim como os fluxos de matéria e energia dos ecossistemas e mesmo da sociedade
transcendem as fronteiras nacionais, o mesmo ocorre com as cercas e fronteiras da
propriedade privada.
41) Por fim, a atual crise que afeta a humanidade expressa na descrença com relação ao
futuro, no hipocondrismo, no alcoolismo, na violência cotidiana, no estresse, na apatia e no
consumo indiscriminado de drogas em geral mostra a decadência do atual modelo de
desenvolvimento. Repudiamos a militarização do combate às drogas que vem substituindo a
antiga caça aos comunistas. A militarização no combate às drogas acaba por escamotear a
verdadeira questão: o esvaziamento do sentido da vida, a instrumentalização mercantilizada
do desejo, a vida sem direito a fantasias típicas da sociedade que transformou a liberdade
"numa calça velha, azul e desbotada", conforme um anúncio publicitário. Nós,
ecossocialistas, reconhecemos que, se é, num certo sentido, verdadeiro que ninguém vive
de fantasia, também é verdadeiro que a dimensão da fantasia é inerente à vida. Assim,
repudiamos a sociedade que reduz a fantasia à sua por intermédio da droga.
198
Anexo 2: Manifesto Ecossocialista Internacional (2001)
O século XXI se inicia com uma nota catastrófica, com um grau sem precedentes de
desastres ecológicos e uma ordem mundial caótica, cercada por terror e focos de guerras
localizadas e desintegradoras, que se espalham como uma gangrena pelos grandes troncos
do planeta África Central, Oriente Médio, América do Sul e do Norte, ecoando por todas as
nações.
Agindo sobre a natureza e seu equilíbrio ecológico, o sistema, com seu imperativo de
expansão constante da lucratividade, expõe ecossistemas a poluentes desestabilizadores,
fragmenta habitats que evoluíram milhões de anos de modo a permitir o surgimento de
organismos, dilapida recursos, e reduz a vitalidade sensual da natureza às frias trocas
necessárias à acumulação de capital.
199
trabalho de repressão. O capital também colocou em funcionamento, sob a supervisão das
potências ocidentais e da superpotência norte-americana, uma rede de organizações trans-
estatais destinada a minar a autonomia da periferia, atando-a às suas dívidas enquanto
mantém um enorme aparato militar que força a obediência ao centro capitalista.
Nós entendemos que o atual sistema capitalista não pode regular, muito menos superar, as
crises que deflagrou. Ele não pode resolver a crise ecológica porque fazê-lo implica em
colocar limites ao processo de acumulação uma opção inaceitável para um sistema baseado
na regra “cresça ou morra!”. Tampouco ele pode resolver a crise posta pelo terror ou outras
formas de rebelião violenta, porque fazê-lo significaria abandonar a lógica do império,
impondo limites inaceitáveis ao crescimento e ao “estilo de vida” sustentado pelo império.
Sua única opção é recorrer à força bruta, incrementando a alienação e semeando mais
terrorismo e contra-terrorismo, gerando assim uma nova variante de fascismo.
É dessa forma que retornamos à dura escolha apresentada por Rosa Luxemburgo:
“Socialismo ou Barbárie!”, em que a face da última está impressa neste século que se inicia
na forma de eco-catástrofe, terror e contra-terror e sua degeneração fascista.
Mas por que socialismo, por que reviver esta palavra aparentemente consignada ao lixo da
história pelos equívocos de suas interpretações no século XX? Por uma única razão:
embora castigada e não realizada, a noção de socialismo ainda permanece atual para a
superação do capital. Se o capital deve ser superado, uma tarefa dada como urgente
considerando a própria sobrevivência da civilização, o resultado será necessariamente
“socialista”, pois esse é o termo que designa a passagem a uma sociedade pós-capitalista.
200
É por essas razões que escolhemos nomear nossa interpretação de “socialismo” como um
ecossocialismo, e nos dedicar à sua realização.
Entendemos o ecossocialismo não como negação, mas como realização dos socialismos da
“primeira época” do século vinte, no contexto
da crise ecológica. Como seus antecessores, o ecossocialismo se baseia na visão de que
capital é trabalho passado reificado, e se fortalece a partir do livre desenvolvimento de todos
os produtores, ou em outras palavras, a partir da não separação entre produtores e meios
de produção. Entendemos que essa meta não teve sua implementação possível
no socialismo da “primeira época”. As razões dessa impossibilidade são demasiadamente
complexas para serem aqui rapidamente abordadas, cabendo, entretanto, mencionar os
diversos efeitos do subdesenvolvimento no contexto de hostilidade por parte das
potências capitalistas. Essa conjuntura teve efeitos nefastos sobre os
socialismos existentes, principalmente no que ser refere à negação da democracia interna
associada à apologia do produtivismo capitalista, o que conduziu ao colapso dessas
sociedades e à ruína de seus ambientes naturais.
A generalização da produção ecológica sob condições socialistas pode fornecer a base para
superação das crises atuais. Uma sociedade de produtores livremente associados não
cessa sua própria democratização.
Ela deve insistir em libertar todos os seres humanos como seu objetivo e fundamento. Ela
supera assim o impulso imperialista subjetiva e objetivamente. Ao realizar tal objetivo, essa
sociedade luta para superar todas as formas de dominação, incluindo, especialmente,
aquelas de gênero e raça. Ela supera as condições que conduzem a
201
distorções fundamentalistas e suas manifestações terroristas. Em síntese, essa
sociedade se coloca em harmonia ecológica com a natureza em um grau impensável sob as
condições atuais. Um resultado prático dessas tendências poderia se expressar, por
exemplo, no desaparecimento da dependência de combustíveis fósseis característica do
capitalismo industrial , que, por sua vez, poderia fornecer a base material para o resgate das
terras subjugadas pelo imperialismo do petróleo, ao mesmo tempo em que possibilitaria a
contenção do aquecimento global e de outras aflições da crise ecológica.
Ninguém pode ler estas recomendações sem pensar primeiro em quantas questões práticas
e teóricas elas suscitam e, segundo e mais desesperançosamente, em quão remotas elas
são em relação à atual configuração do mundo, tanto no que se refere ao que está baseado
nas instituições quanto no que está registrado nas consciências. Não precisamos elaborar
estes pontos, os quais deveriam ser instantaneamente reconhecidos por todos.
Mas insistimos que eles devem ser tomados na perspectiva adequada. Nosso projeto não é
nem detalhar cada passo deste caminho nem se render ao adversário devido à
preponderância do poder que ostenta. Nosso projeto consiste em desenvolver a lógica de
uma suficiente e necessária transformação da atual ordem e começar a dar os passos
intermediários em direção a esse objetivo. O fazemos para pensar mais profundamente
nessas possibilidades e, ao mesmo tempo, iniciar o trabalho de reunir aqueles de idéias
semelhantes. Se existe algum mérito nesses argumentos, então ele precisa servir para que
práticas e visões semelhantes germinem de maneira coordenada em diversos pontos do
globo. O ecossocialismo será universal e internacional, ou não será. As crises de nosso
tempo podem e devem ser vistas como oportunidades revolucionárias, e como tal temos o
dever de afirmá-las e concretizá-las.
202
Anexo 3: Declaração de Belém (2013)
"El mundo tiene fiebre por el cambio climático y la enfermedad se llama modelo de
desarrollo capitalista"
Evo Morales, presidente da Bolívia, Setembro 2007
A Escolha da Humanidade
Não precisamos de mais provas da natureza bárbara do capital, este sistema parasita que
explora a humanidade e a natureza. Seu único motor é o imperativo rumo ao lucro e logo a
necessidade de crescimento constante. Ele cria produtos desnecessários de maneira
dispendiosa, drenando os limitados recursos naturais e dando em retorno toxinas e poluição.
Sob o capitalismo, a única medida de crescimento é quanto é vendido cada dia, cada
semana, cada ano – incluindo vastas quantidades de produtos que são diretamente
prejudiciais aos seres humanos e à natureza, produtos que não podem ser produzidos sem
espalhar doenças, destruir as florestas que produzem o oxigênio que nós respiramos,
devastar ecossistemas, e tratar nossa água e ar como se fossem esgotos do lixo industrial.
Sem controle, o aquecimento global terá impactos catastróficos nas vidas humana, animal e
vegetal. A produção das colheitas se reduzirão drasticamente, gerando fome em larga
203
escala. Centenas de milhões de pessoas serão deslocadas por secas em algumas áreas e
por níveis elevados das marés em outras. Um clima caótico e imprevisível será a regra.
Epidemias de malária, de cólera e mesmo de doenças mais mortais aniquilarão os mais
pobres e os mais vulneráveis de cada sociedade.
O impacto da crise ecológica é mais devastador naqueles cujas vidas já foram ou vêm
sendo destruídas pelo imperialismo inúmeras vezes na Ásia, África e América Latina, e os
povos indígenas de todas as partes são especialmente vulneráveis. A destruição ambiental
e as mudanças do clima constituem um ato de agressão dos ricos sobre os pobres.
A destruição ecológica, resultante da ânsia insaciável pelo lucro, não é uma característica
acidental do capitalismo: está no DNA do sistema e não pode ser reprogramada. A produção
orientada ao lucro considera somente um horizonte a curto prazo em suas decisões de
investimento, e não consegue levar em consideração a saúde e a estabilidade a longo prazo
do meio ambiente. A expansão econômica infinita é incompatível com ecossistemas finitos e
frágeis, mas o sistema econômico capitalista não pode tolerar limites ao crescimento; sua
necessidade constante de expansão subverte todos os limites que possam se impor em
nome do "desenvolvimento sustentável." Assim o sistema capitalista inerentemente instável
não pode regular sua própria atividade, muito menos superar as crises causadas por seu
crescimento caótico e parasítico, porque fazê-lo exigiria colocar limites em sua acumulação
– uma opção inaceitável para um sistema predicado na regra: Crescer ou Morrer.
Se o capitalismo continuar a ser a ordem social dominante, o melhor que podemos esperar
são condições climáticas insuportáveis, a intensificação das crises sociais e a propagação
das formas mais bárbaras de poder, como a luta dos poderes imperialistas entre si e com o
Sul global para controlarem os cada vez mais escassos recursos naturais no mundo.
204
Não faltam estratégias para lidar com a ruína ecológica, incluindo a crise do aquecimento
global em conseqüência do aumento imprudente do dióxido de carbono atmosférico. A
grande maioria destas estratégias compartilha uma característica comum: são planejados
por e agem em nome do sistema global dominante, o capitalismo.
Não é surpreendente que o sistema global dominante que é responsável pela crise
ecológica também estabelece os termos do debate sobre esta crise, uma vez que o capital
comanda os meios de produção do conhecimento, tanto quanto aquele do dióxido de
carbono atmosférico. Conformemente, seus políticos, burocratas, economistas e professores
proferem uma gama infinita das propostas, todas variações do tema que o dano ecológico
do mundo pode ser reparado sem o desbaratamento dos mecanismos do mercado e do
sistema de acumulação que comanda a economia mundial.
Mas uma pessoa não pode servir a dois mestres, ou seja, neste caso, a integridade da terra
e a rentabilidade do capitalismo. Um deve ser descartado, e a história deixa poucas dúvidas
sobre as alianças da vasta maioria dos atores políticos. Temos toda a razão, portanto, de
duvidar radicalmente das ações estabelecidas para medir a escalada da catástrofe
ecológica.
E certamente, além de um verniz cosmético, as reformas dos últimos 35 anos foram uma
falha monstruosa. Melhorias individuais acontecem naturalmente, contudo elas são
inevitavelmente oprimidas e varridas pela expansão impiedosa do sistema e da natureza
caótica de sua produção.
Um exemplo demonstra este fracasso: nos primeiros quatro anos do século XXI, as
emissões globais anuais de carbono eram quase três vezes maiores daquelas da década
dos 1990s, apesar do surgimento do Protocolo de Kyoto em 1997.
Kyoto emprega dois mecanismos: o do Sistema "Cap and Trade" , que fixa um limite máximo
de emissões e cria um mercado de livre troca de títulos de direito de emissão de carbono, e
projetos no Sul global — os chamados "Mecanismos de Desenvolvimento Limpo" (MDLs) —
para compensar as emissões das nações industriais. Todos estes instrumentos dependem
dos mecanismos de mercado, o que significa, primeiramente, que o carbono atmosférico se
transforma diretamente em uma commodity, logo sob o controle dos mesmos interesses das
classes que criaram o aquecimento global em primeiro lugar. Os poluidores não são
compelidos a reduzir suas emissões do carbono mas na verdade têm carta branca para usar
seu poder monetário para controlar o mercado de carbono para seus próprios fins, o que
inclui a exploração devastadora para mais carbono. Tampouco há um limite à quantidade de
créditos da emissão, que podem ser emitidos por governos coniventes.
205
Dado que a verificação e a avaliação dos resultados é quase impossível, o regime de Kyoto
não só é incapaz incapaz de um controle das emissões, mas dá margem também a amplas
oportunidades de evasão e fraudes de todos os tipos. Como o jornal Wall Street Journal
escreveu em março de 2007, o comércio de emissões "daria lucro para algumas grandes
corporações, mas não acredite por um minuto sequer que esta trapaça fará muito pelo
aquecimento global."
As reuniões de Bali em 2007 abriram precedentes para futuros abusos ainda maiores. Bali
evitou a menção explícita dos objetivos drásticos para a redução do carbono elaborada
pelos melhores cientistas dos clima (90% até 2050); abandonou os povos do Sul global à
mercê do capital, ao dar a jurisdição do processo ao Banco Mundial; e deixou ainda mais
fácil a compensação da poluição do carbono.
A Alternativa Ecossocialista
206
Além da grande escala de intervenções valiosas propostas pelo "movimento dos
movimentos," uma perspectiva singular e central está começando a ser discutida: que, para
afirmar e sustentar nosso futuro da humanidade,
O ar puro e a água e o solo fértil, assim como o acesso universal a alimentos sem
agrotóxicos e às fontes de energia renováveis, não-poluidoras, são direitos naturais e
básicos do ser humano básico defendidos pelo ecossocialismo. Longe de ser "despótico," a
tomada de decisões coletiva nos níveis locais, regionais, nacionais e internacionais ocasiona
o exercício da sociedade de liberdade e responsabilidade comuns. Esta liberdade de
decisão constitui uma libertação das "leis" econômicas alienantes do sistema capitalista
orientadas ao crescimento.
Para evitar o aquecimento global e outros perigos que ameaçam a sobrevivência humana e
ecológica, setores inteiros da indústria e a agricultura devem ser suprimidos, reduzidos ou
reestruturados e outros devem ser desenvolvidos, fornecendo emprego para todos. Uma
transformação tão radical é impossível sem o controle coletivo dos meios de produção e o
planejamento democrático da produção e da troca. As decisões democráticas sobre o
investimento e o desenvolvimento tecnológico devem substituir o controle das empresas
capitalistas, acionistas e bancos, a fim de proporcionar um horizonte a longo prazo dos bens
comuns da sociedade e da natureza.
207
ativos da opressão capitalista. Outros agentes potenciais da mudança revolucionária do
ecossocialismo existem em todas as sociedades.
Tal processo não pode começar sem uma transformação revolucionária das estruturas
sociais e políticas baseadas no apoio ativo, pela maioria da população, de um programa do
ecossocialista. A luta do trabalho – trabalhadores, fazendeiros, os sem-terra e
desempregados – pela justiça social é inseparável da luta pela justiça ambiental. O
capitalismo, explorador social e ecológico e poluidor, é o inimigo da natureza e do trabalho
em igual medida.
Para teorizar e trabalhar para concretizar o objetivo de um socialismo verde não significa
que não devemos lutar por reformas concretas e urgentes agora. Sem nenhuma ilusão
acerca de um "capitalismo limpo," devemos tentar ganhar tempo e impor nos poderes – quer
sejam governos, corporações, instituições internacionais – algumas mudanças elementares
mas essenciais:
208
* redução drástica e obrigatória da emissão de gases estufa; * desenvolvimento de fontes
limpas de energia; * provisão de um sistema extenso de transporte público grátis; *
substituição progressiva de caminhões por trens; * criação de programas de despoluição; *
eliminação da energia nuclear e do orçamento bélico.
Estas, além de demandas similares, estão no coração da agenda do movimento pela Justiça
Global e dos Fóruns Sociais Mundiais, que tem promovido, desde Seattle em 1999, a
convergência de movimentos sociais e ambientais numa luta comum contra o sistema
capitalista.
A devastação ecológica não será paralisada nas salas de conferências ou nas negociações
de tratados: somente a ação de massa pode fazer a diferença. Os trabalhadores urbanos e
rurais, os povos do Sul global e os povos indígenas de todo o mundo estão na vanguarda
desta luta contra injustiça social e ambiental, combatendo as multinacionais exploradoras e
poluidoras, o agronegócio químico venenoso e desregulado, as invasivas sementes
geneticamente modificadas, e os biocombustíveis que agravam a crise alimentar. Nós
devemos intensificar estes movimentos socio-ambientais e construir a solidariedade entre as
mobilizações ecológicas anti-capitalistas no Norte e no Sul.
Fonte http://ecosocialistnetwork.org/Wordpress/wp-content/uploads/2012/03/Declaration-
Belem-pt.pdf/
209
Anexo 4: Declaração de Princípios e objetivos da Rede Brasil de Ecossocialistas
Não existe futuro para qualquer pensamento político que não seja ecologicamente
sustentável. A crise ecológica é um fenômeno Global, que deve ser tratado local e
mundialmente com a mesma intensidade. Em sua ofensiva, para transformar tudo em
propriedade e mercadoria, o capital patenteia a vida, apropria-se da biodiversidade, quer
impor os produtos transgênicos, privatizar, mercantilizar e controlar as reservas florestais e a
água. Entender que a lógica da produção e consumo capitalistas funciona como se ela
mesma fosse o seu próprio objetivo não basta, temos que transpor a barreira do
entendimento ortodoxo, objetivado puramente nos termos das antigas vitórias da classe
operária e seu partido, e reconhecer que a pauta ecológica impõe uma nova identificação de
atores da cena social e na composição do bloco de forças em torno da aliança operário-
camponesa.
A rede de ecossocialistas é formada por mulheres e homens que acreditam que o ambiente
não pertence a indivíduos, grupos ou empresas, nem mesmo a uma só espécie.
Que lutam para que cada ser humano existente no planeta tenha os mesmos direitos a
dispor dos elementos ambientais e sociais que necessita e que, quando estes forem
limitados, ou mesmo insuficientes, a divisão deve ser justa e planejada. Nunca definida por
guerras, competição ou outras formas de disputa.
Que compreendem que a humanidade deve limitar e adequar as suas atividades produtivas,
respeitando os outros seres e processos de manutenção da vida no Planeta.
Lutamos por uma sociedade sem a exploração de pessoas sobre pessoas, onde o trabalho
vise a libertação e não alienação humana. Uma sociedade movida por energia de fontes
renováveis, onde a produção reaproveite totalmente os materiais utilizados, sem gerar
resíduos.
Lutamos por um Planeta onde o eterno ciclo natural de extinção e renovação de espécies,
mantenha-se determinado por ritmos naturais e não mais dentro do ritmo avassalador dos
dias de hoje, em que muitas espécies sucumbem com enorme rapidez, por causa das ações
da humanidade, que fica cada vez mais sozinha na superfície da terra. Um planeta habitado
210
por espécies originadas nos processos naturais de criação e mutação naturais, onde se
insere a humanidade;
Uma sociedade onde todos tem direito básico ao seu território, a um espaço para viver as
superfície da terra e o espaço ambiental não é objeto de especulação imobiliária ou
instrumento de Dominação e exclusão. Onde a terra fica para quem nela trabalha e vive, no
campo e na cidade. E falamos de cidades sustentáveis.
Onde as pessoas tem consciência de que toda a produção utiliza elementos ambientais,
conhecimentos e estruturas sociais. E que, portanto, parte de produção é de propriedade
social e toda pessoa tem direito de acesso aos resultados da produção social, que lhe
permita viver em condições dignas.
Uma sociedade que não aceite riscos sócio-ambientais. Que entenda que a inexistência de
provas para demonstrar que uma tecnologia é perigosa não basta para a sua aceitação, pois
quando surge uma inovação, normalmente ainda não se tem conhecimento dos riscos. Ao
contrário, é preciso que a tecnologia prove ser segura e constituir-se em instrumento de
melhoria sócio-ambiental da sociedade, em relação ao existente.
Lutamos por um tempo onde a diversidade social é fruto da livre determinação de pessoas e
povos. As diferenças culturais, étnicas, de raça, de gênero e de opção sexual não podem
jamais ser instrumento de negação de igualdade de direitos sociais.
Enfim, a rede de ecossocialistas é formada por pessoas que dedicam suas vidas para
defender a vida, contra a barbárie e pela paz no planeta.
Cimara Machado
Centro de estudos Ambientais
Contatos:
ceaong@uol.com.br
tel: 53 9112 7807
Disponível em:
http://www.forumsocialmundial.org.br/dinamic.php?pagina=oficina_ecosocialist
211
Entrevistado: Roberto Bannwart
Militante histórico, membro do setorial nacional ecossocialista do PSOL e coordenador
do núcleo paulista ecossocialista do PSOL.
Diálogo:
O PSOL foi fundado em sua grande maioria por militantes do PT insatisfeitos com a
política do PT. O movimento ecossocialista estava presente no setorial de Meio
Ambiente do PT com a participação de várias correntes, inclusive o grupo da então
ministra Marina Silva.
O nome do Professor que eu lhe disse é "Vasconcelos Sobrinho", como sendo um dos
primeiros na avaliação da relação da questão ecológica com a questão social, não
necessariamente com o caráter de precursor do ecossocialismo. Ele tratou dos
desafios das questões ecológicas e sociais no semiárido, da vida do nordestino
interagindo com as questões do uso e domínio da terra, da força do capital no
agravamento da degradação da caatinga, na exploração do capital sobre o homem
sertanejo, ressaltando a necessidade de difusão das praticas de convivência com o
semiárido e a seca. Ele foi sim, o precursor da tese da desertificação (acelerado pela
influencia antrópica). Foi o primeiro a tratar academicamente a matéria ecologia e
conservacionismo, entre outras ações..
Propôs e promoveu inclusive, diversas articulações junto a Igreja Católica, (com ajuda
de Dom Helder Câmara), para que fosse estabelecido "São Francisco de Assis" como
patrono da Ecologia, (sua proposta obteve êxito ao final), numa estratégia na mesma
lógica anterior, para facilitar a ampliação da consciência social para com os problemas
ecológicos e suas relações com os problemas sociais. Visava que, a partir da
inspiração e significado da própria biografia de São Francisco e a influencia de seus
pensamentos junto aos pobres e a natureza, aumentar a sensibilização da sociedade
para a questão ecológica. Precursor na luta e militância ecológica no Brasil foi um
dos responsáveis pela instalação da primeira CPI sobre um problema ecológico com
repercussão social no Brasil, que foi a CPI do Engenho Uchoa, ocorrido na
Assembleia Legislativa de Pernambuco, ao final dos anos 70. Foi um dos fundadores
da ASPAN, segunda Ong ecológica do Brasil e a primeira do NE. Foi contemporâneo
de outros influentes pernambucanos como Paulo Freire, Josué de Castro, Mário
Schenberg e inclusive seu vizinho e amigo, Gilberto Freire. Como professor da UFPE
e UFRPE, exerceu importante influencia politica junto à retomada do movimento
estudantil em Pernambuco.
Mas acho que não seria adequado rotulá-lo como "o precursor do ecossocialismo",
mas sim um dos que ajudariam a influenciar o surgimento e elaboração desta corrente
de pensamento ideológico, como parte de um processo de evolução politica. As
avaliações da conjuntura politica diante dos desafios para uma transição ao
socialismo, não eram objeto direto de seus trabalhos. A questão ecológica associada a
uma visão holística, dialética e social, assim como a busca de processos
sustentáveis, fazia sim parte da matriz de suas avaliações. Destaca-se que as
reflexões sobre a relação da ecologia e o socialismo vêm sendo historicamente
aprimorada no decorrer de analises e debates políticos, que foram intensificados
principalmente a partir da queda do muro de Berlim. Lhe manderei um texto a respeito.
Diálogo:
1. A Rede Ecossocialista Internacional é um grande marco importante para a
construção de uma civilização ecossocialista. Qual é a situação hoje e quais são as
perspectivas?
A Rede conseguiu ter uma intervenção importante no Fórum Social Mundial de
Belém do Pará (2009), quando seu Manifesto, acerca da mudança climática, foi
distribuído em duas línguas. Nesta ocasião houve também uma conferência
ecossocialista internacional. Depois desta data houve também uma intervenção
interessante na Manifestação de protesto nas ruas de Copenhagen em 2009, quando
distribuímos, em nome da Rede, um panfleto em forma de historia em quadrinhos.
Mas desde então têm sido raras as intervenções da Rede, que provavelmente
necessita de uma reorganização.
4. O congresso com participação dos partidos Parti de Gauche (Fr), Alliance Rouge-
Verte (Dk), Syriza (Gr), Bloco (Port), Die Linke (All) aprovou a proposta
ecossocialista com 48% de votos a favor e 43% contra em dezembro de 2013.
Qual é o impacto dessa aprovação no debate entre os ecossocialistas? E, nas
correntes de esquerda que ainda não incorporaram as lutas ambientais à luta
social?
Obviamente é um passo importante, que amplia consideravelmente o
espectro das forças interessadas pelo ecossocialismo. Isto não quer dizer que
não haja desacordos entre estas forças, assim como com outras correntes que
já ha algum tempo se reclamam do ecossocialismo (como o NPA francês). Mas
sem duvidas o ecossocialismo esta na ordem do dia da esquerda radical
europeia. As principais resistências vêm dos Partidos Comunistas tradicionais,
mas mesmo em seu seio já se começa à discutir do ecossocialismo.
E importante, diante desta ampliação, de manter uma atitude vigilante,
insistindo no caráter anticapitalista do ecossocialismo, e evitando que se
transforme numa formula vazia, tipo “economia verde” ou “desenvolvimento
sustentável”.
Com o apoio da Nacional com Sônia Hypólito (secretária nacional do PT: movimentos
populares) e Augusto de Franco, o setorial conseguiu que todas as atividades da
sociedade civil e do governo preparatórias para a Rio-92 tivesse reuniões de petistas
durante ou no final. Nessa participação, o setorial já se apresentava como
ecossocialistas e utilizava o Manifesto Ecossocialista como elemento agregador e o
termo ecossocialismo como reflexo simbólico da filosofia.
No FSM do ano seguinte, as ONGs Ecos Brasil e a Terra Azul (duas entidades, que na
época, eram coordenadas por petistas) assumiram a agenda e organização das
reuniões, sendo que a Terra Azul assumiu a gestão formal das reuniões. Nessas
reuniões, foi escrito o segundo Manifesto Ecossocialista. Além do manifesto, ficou
decidido que seria estruturado um Fórum ecossocialista do Brasil, trabalhando com a
perspectiva de ser um movimento, a ideia do fórum seria o PT teria o seu setorial
ecossocialista e nos fóruns trabalharia com outros partidos de esquerda como o PC do
B, PCO, PTSU, que ainda quando seus militantes estavam no PT participaram no
inicio dos debates sobre ecossocialista. Após o Fórum Social Mundial, houve uma
tentativa de reunião em São Paulo mas sem sucesso. A estrutura da Rede era “meio
anárquica”, não havia um comando, a ausência de um comando ou ponto focal, para
tentar a evitar a personalização, por impacto com as críticas geradas pela queda do
Muro de Berlim.
Após essa crise, o ecossocialismo sumiu no interior do PT. Esse processo foi
agravado com o enfraquecimento do socialismo no partido, o dialogo interno era
agravado porque o grupo estava propondo ir para além do socialismo, isto é, o
ecossocialismo, enquanto o partido não chegava nem no socialismo. A máquina do
governo engoliu o sonho socialista e ecológico.
A esperança ecossocialista está nos movimentos sociais. Movimento Sem Terra não
se assume como ecossocialismo, mas há lideranças ecossocialistas, como por
exemplo, o coordenador do MST de Brasília, Alexandre Conceição, que é
ecossocialista e um dos fundadores da Ong Ecos Brasil. Há questões agrícolas com
viés ambiental que o MST participa ativamente como o combate ao transgênico e ao
agrotóxico.
.
Entrevistado: Roberto Bannwart
Militante histórico, membro do setorial nacional ecossocialista do PSOL e coordenador
do núcleo paulista ecossocialista do PSOL.
Diálogo:
Primeiramente, gostaria de alertar que falarei sobre o que eu conheço e
vivenciei, podem haver algumas informações que podem fugir, o meu conhecimento
que é mais concentrado no eixo Rio de Janeiro e São Paulo, pois morei e militei
politicamente nesses dois estados. Além do Rio de Janeiro e São Paulo, há outros
estados com bom histórico de militância na política ambiental.
O PT tinha um amplo debate ambiental, mas não explicitamente ecossocialista,
inclusive a direção nacional do PT, na época, não permitiu que nos denominássemos
de ecossocialista o setorial que existia para debater as questões ambientais. Havia
militantes que defendiam o nome Ecossocialismo, mas, o nome permaneceu como
setorial do Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Assim, já havia a vontade de conceber o setorial ecossocialista nas décadas
1990 e 2000 no PT. Posteriormente, ocorreu a ruptura, fomos expulsos do PT no inicio
dos anos 2000 porque divergíamos publicamente da formação do primeiro governo
Lula, esse embate ocorreu no interior do partido durante um ano até ocorrer a
expulsão.
Houve duas grandes migrações de militantes do PT para o PSOL, a primeira
ocorreu já nos ano de fundação, 2004 e 2005, e a segunda no processo do mensalão
em 2006 e 2007. O PSOL foi criado no inicio dos anos 2000 herdando a cultura do
debate ambiental pela presença de ex-militantes do PT que tinham histórico do debate
ecossocialista travado no PT nas décadas anteriores, inclusive com militância no
setorial do meio ambiente e desenvolvimento no PT, que é o meu caso, assim havia
um acúmulo de conhecimento e cultura sobre militância ambiental na formação do
PSOL.
Havia uma elaboração teórica e militante interessante na área ambiental que era
travada pelas correntes internas do PT, DS (Democracia Socialista) e FS (Força
Socialista) e também pelo grupo de Marina Silva entre outros.
Muitos desses militantes, com conhecimento acumulado, vieram para o PSOL,
mas o inicio do partido não foi fácil, pois havia uma urgente necessidade de reunir e se
organizar para finalmente conseguir construir o setorial ecossocialista.
Como o PSOL é uma crítica à esquerda da política produtivista e
desenvolvimentista do PT e havia um acúmulo mais radical de conhecimento adquirido
nos debates sobre temas socioambientais dos grupos que estavam fundando o PSOL,
os ecossocialistas oriundos do PT, acreditavam que era possível construir o setorial
ecossocialista no PSOL. Mas, o processo não foi tão simples como o projetado porque
as pessoas estavam dispersas, assim havia inicialmente a necessidade de reorganizar
esse grupo e reaglutinar essas pessoas. Em resumo, o registro do PSOL no TSE foi
em setembro de 2005 e somente em abril de 2011 foi fundado o setorial nacional
ecossocialista no PSOL no primeiro Encontro em Curitiba. Nesse encontro foi definida
a primeira coordenação nacional.
A primeira reunião dos ecossocialistas do PSOL ocorreu durante I Congresso
Nacional do PSOL em 2007 no Rio de Janeiro (UFRJ na praia Vermelha), nesse
encontro, houve um espaço de debate entre os ecossocialistas para construir uma
organização mínima, havia em torno de 30 a 40 pessoas identificadas com a proposta
ecossocialista. Esse foi o primeiro encontro presencial entre os ecossocialistas, até
então, havia diálogo apenas por troca de e-mail, mas a importante herança dessa
reunião foi a definição sobre a fundação do setorial ecossocialista.
A reunião ecossocialista de 2007 foi articulada pelo Paulo Piramba, João
Alfredo, Roberto Bannwart entre outros. Um resultado imediato dessa reunião foi a
criação da Lista Nacional de E-mails dos Ecossocialistas do PSOL. Com a facilidade
de comunicação nacional proporcionada pela Lista, o grupo começou a articular a
criação formal do setorial ecossocialista junto ao Partido.
E, posteriormente o grupo organizou o primeiro Encontro Nacional Ecossocialista
do PSOL em Curitiba em abril de 2011. Nesse encontro, foi definida a primeira
coordenação nacional do setorial, estavam presentes representantes de oito estados e
cada estado definiu seu coordenador para facilitar o diálogo. Os estados presentes na
primeira coordenação nacional do setorial eram: Bahia, Ceará, Espirito Santos,
Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. Outra
decisão importante foi que ocorreria um encontro nacional dos ecossocialistas do
PSOL a cada dois anos, o segundo encontro foi em maio de 2013 no Rio de Janeiro e
o próximo será em 2015 no Ceará. A atual coordenação foi escolhida no segundo
encontro. A cada encontro, as coordenações são atualizadas e um documento ou
carta é redigido. Esses documentos estão disponíveis no sitio e no blog do setorial
(https://ecossocialismooubarbarie.wordpress.com/).
Em geral, a maioria no PSOL tem sensibilidade ambiental, nenhuma corrente do
PSOL se assume publicamente como produtivista ou desenvolvimentista, mas há
correntes que se empenham mais na construção do programa ecossocialista do
PSOL. O motivo da dificuldade de assumir o ecossocialismo como estratégia de
organização é porque, historicamente, a esquerda revolucionária tinha uma forte
influência do pensamento produtivista ou desenvolvimentista, apesar de diversos
estudiosos, entre eles o Michael Löwy, buscarem nas fontes de Marx e Engels e
conseguirem resgatar várias preocupações ecológicas desses autores.
Enquanto alguns setores do PSOL assumem o ecossocialismo como uma
construção estratégica, há outros que o encaram como uma questão tática porque o
tema está em voga e é uma forma de enfrentamento aos governos e à direita
tradicional, a questão ambiental é um gancho importante na critica radical à situação
atual, porque há um desprezo no tratamento ao tema ambiental tanto pela direita
tradicional quanto pelo governo do PT, haja vista a politica do atual governo federal
para a questão do Belo Monte, Angra III, ampliação da energia nuclear, produção de
energia por hidroelétrica, super exploração dos combustíveis fósseis, crise hídrica, a
falta de investimento nas energias menos poluidoras como eólica, solar, marémotriz,
etc. Nesse quadro, há a oportunidade de fazer uma séria critica aos governos no
campo ambiental.
Importante é que, dentro do PSOL, há um quase consenso de que a questão
ambiental é importante por diferentes motivos, já descritos na entrevista, e há
correntes mais engajadas e outras menos, mas publicamente todos se assumem com
preocupação ambiental. Por exemplo: no debate da reforma do código florestal,
praticamente todos do PSOL, parlamentares, correntes, e militantes entraram em
bloco na luta contra a reforma, mas assumir as pautas ecossocialistas em questões
específicas não garante que todos assumam o programa ecossocialismo na sua
plenitude.
Nesse sentido, o setorial elaborou um amplo programa de governo para
contribuir com as diversas candidaturas do PSOL no país. Uma das questões que
defendemos é o abandono do projeto pré-sal, isto é, a proposta é não haver
investimento na extração do petróleo pré-sal porque defendemos sair da matriz
energética atual e para isso, não só deve-se desmontar as atuais usinas nucleares
como interromper a construção de novas, além de interromper o investimento nos
projetos de grandes hidrelétricas, o investimento deve ser focado nas energias
alternativas.
Mas assumir um programa nesse perfil, como a cultura fóssil está enraizada no
senso comum, é muito difícil. A proposta de chegar na rua e defender que o petróleo
deve fica lá sendo ela uma riqueza e que pode ser usada para investir em eólica, solar
e em marémotriz é uma missão complicada de cumprir, mas devemos fazê-la. Por
isso, há uma necessidade de uma transição de um modelo de desenvolvimento
produtivista para um modelo ecossocialista, sabemos que isso não é feito de um dia
para a noite, nem alguns anos ou até em algumas décadas, é um processo longo e
complexo.
Podemos citar alguns países que esse debate está mais avançado, como por
exemplo, Alemanha, Suíça, Itália etc., onde se tem uma consciência ecológica maior e
um acúmulo mais avançado.
Não é difícil defender o ecossocialismo no PSOL, exemplo foi o ato da Luciana
Genro no dia 01 de dezembro em São Paulo, onde eu fui convidado para falar em
nome do setorial ecossocialismo. O partido já se sensibilizou para a importância do
debate ambiental e da mobilização das forças e parlamentares a favor do meio
ambiente e contra o produtivismo e desenvolvimentismo exacerbado, o próximo passo
será adotar o ecossocialismo como um programa, não só para ganhar eleições, mas
para governar também.
Eu estava na reunião que fundou a Rede Brasil de Ecossocialistas no Fórum
Social Mundial, em janeiro de 2003 em Porto Alegre. A base teórica para essa reunião
foi Manifesto Ecossocialista Internacional. Uma das preocupações era tentar minimizar
os impactos socioambientais do primeiro governo Lula, pois havia um sentimento que
esse governo teria um viés produtivista e desenvolvimentista, mesmo com a Marina
Silva convidada para ser ministra do Meio Ambiente. O único encaminhamento
concreto da reunião de fundação foi a criação de uma Lista de e-mails.
Para nós, ala mais radical, Marina seria como uma “cerejinha no bolo”, pois os
ministérios chave estavam nas mãos de Henrique Meireles no Banco Central, Furlan
no Ministério Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Rodrigues na
Agricultura, e esses nomes indicavam a tendência produtivista do governo Lula e o
papel da Marina era ser um consolo para os ambientalistas.
Mas, desde seu nascimento, a Rede Brasil de Ecossocialistas tinha sérios
problemas, pois nós percebemos que as lideranças estavam usando esse espaço para
fazer propaganda para o governo Lula, a Lista era controlada por Pedro Ivo, que
estava no Ministério do Meio Ambiente, até o momento que ocorre o rompimento da
Marina Silva com o governo e seu grupo saí do PT. Após esse rompimento, Rede
Brasil de Ecossocialistas teve descontinuidade, mas, antes já havia uma crise: com o
passar do tempo, a Rede Brasil de Ecossocialistas foi instrumentalizada para fazer
política interna na disputa de espaço dentro do governo. A situação da Rede
Ecossocialista piorou com a política produtivista do governo Lula, chegando a
ressuscitar projetos do governo militar, que na época não tiveram coragem de
desenvolvê-los, que é caso do Belo Monte e nuclear. Tudo isso fez falir o projeto da
Rede Brasil de Ecossocialistas.
Acreditamos que o projeto Rede Ecossocialista Brasil deve ser resgatado, porém
em outras bases, pois não há como mais resgatar algo que foi feito no período anterior
a experiência do governo do PT, a passagem da Marina no Ministério e as rupturas do
PT, para a construção do PSOL e Rede Sustentabilidade. O momento histórico é
outro, completamente diferente.
Mas a proposta ainda é válida, vide o crescimento do pensamento
ecossocialista, não só por evolução teórica, mas, principalmente porque a atualidade
tem levado as pessoas a terem novas preocupações ambientais, por exemplo, a crise
hídrica em São Paulo, desmatamento acelerado da Amazônia, aquecimento global,
queima dos combustíveis fósseis, expansão do projeto de construção de usinas
nucleares, assim, essa realidade objetiva impõe as pessoas uma preocupação maior
com a questão ambiental, e como há também a preocupação social, fica fácil fazer o
link, pois as minhas preocupações me levam a ser um ecologista e um socialista ao
mesmo tempo, e aí então a palavra e o programa ecossocialista vem como proposta.
A realidade mudou, há alguns anos os ecossocialistas eram como o “patinho
feio”, pois quando se apresentavam como ecologistas no ambiente socialista
revolucionário, o retorno, em geral, era que a ecologia era assunto para o pequeno
burguês urbano de bairros nobres e universitários, não podiam ser socialistas e em
contra partida, quando falava de socialismo para os ecologistas, era encarados como
defensores do socialismo real, modelo soviético.
Mas, essa crise não define que a Rede Brasil de Ecossocialistas não deve ser
retomada, mas, o problema é definir sobre que base será feito?, com quem? Em
minha opinião, a base para isso é fortalecer o setorial ecossocialista do PSOL e
transformar o PSOL em um partido ecossocialista para gerar esta semente. Esse é um
projeto em aberto.
Um novo caminho é envolver ONGs e movimentos sociais. MAB, MTST, MST,
Sindicato da Sabesp, Sindicado dos Químicos de Campinas, pessoas avulsas,
intelectuais etc., para gerar um diálogo. A proposta é a transversalidade, isto é, a
utopia perseguida é que maioria a sociedade encampe esse projeto, ou seja assuma o
programa ecossocialista.
Entrevistado: Gilney Amorin Viana
Diálogo:
Diálogo:
Previamente foi enviada a proposta de pauta para o Samuel Maia para orientar o
diálogo. A pauta enviada foi:
5. Como a corrente ecossocialista está organizada na Organização?
6. Qual á oportunidade de desenvolvimento do pensamento ecossocialista na
Organização?
7. Quais são os desafios enfrentados pela corrente ecossocialista na Organização?
8. Qual é a sua avaliação sobre a retomada da Rede Ecossocialista Brasileira?
Diálogo:
A pauta enviada foi:
9. Como a corrente ecossocialista está organizada na Organização?
10. Qual á oportunidade de desenvolvimento do pensamento ecossocialista na
Organização?
11. Quais são os desafios enfrentados pela corrente ecossocialista na Organização?
12. Qual é a sua avaliação sobre a retomada da Rede Ecossocialista Brasileira?
O diálogo:
Não houve apenas retrocesso na área ambiental no partido, a área social também
sofreu retração com o enfraquecimento da práxis socialistas do partido e a pouca
atenção aos movimentos sociais e participação social. A visão desenvolvimentista do
governo federal explica o desmonte ecológico no partido e crises socioambientais e
retrocessos como nos casos da PL 215, Código Florestal, Mineração, poucos
resultados na politica Climática, falta de investimento em energia alternativas (falta
marco regulatório). Assim, o Partido perdeu a capacidade de se apresentar como
diferencial para a sociedade. Perante essa fúria produtivista, a capacidade de
intervenção dos ecologistas no partido e no governo fica muito limitada.
Uma proposta ecossocialista da ONG Ecos Brasil, que será apresentada no próximo
ano, é a limitação para, no máximo, de três mandatos.
Entrevistado: João Alfredo Telles Melo
Advogado e Ecólogo, militante ecossocialista histórico no Partido Socialismo e
Liberdade, parlamentar ecossocialista, foi deputado federal e estadual pelo Ceará,
atualmente exerce o mandato de vereador pela cidade de Fortaleza.
Diálogo:
Arlindo: Como para você o ecossocialismo está organizado no seu partido, o que o
partido facilita nesse debate, o que o partido cerceia e por último, qual é a sua
avaliação sobre a Rede Brasil de Ecossocialistas?
João Alfredo:
Mas temos feito bons encontros. Os encontros têm apresentado bons debates,
resoluções importantes para o interior do partido. Acho que o setorial é um setorial
vivo, com todas as dificuldades que todos os setoriais têm, mas eu acho que ele é
importante. O setorial ecossocialista no Ceará, de certo ponto de vista, é um dos mais
vibrantes, um dos mais atuantes.
João Alfredo:
Sim, além do Bellamy Foster, temos o Kovel, outros autores latino americanos,
como <<Não consegui entender o nome>>, que tem um livro importante sobre o tema,
há também Jorge Riechmann na Espanha. O Foster tem seu livro A Ecologia de Marx,
que é um clássico, além de boas reflexões, artigos mais conjunturais que permitem
uma intervenção mais no dia-a-dia, mais conjuntural do que propriamente somente a
reflexão teórica. No Brasil, José Correa Leite também tem escrito sobre isso, na área
de mineração, o Carlos Bittencourt no Rio tem trabalhado também nessa perspectiva,
e o Beto Bannwart tem atuado mais na área anti-nuclear.
Eu acho que a nossa revista foi um produto muito rico, porque ela traz o debate
ecossocialista de uma forma bem ampla, pegando a questão urbana, a questão
nuclear, agrotóxicos, justiça ambiental, populações tradicionais, a contribuição de
Braguinha, que trabalha com a questão das populações tradicionais na Bahia, assim,
eu acho então, que temos uma boa reflexão.
O que eu sinto falta é uma ação mais organizada, isto é, o conjunto do partido,
sua direção, seus parlamentares para tornar o partido ecossocialista, pois não somos
um partido ecossocialista, nós temos um setorial ecossocialista, mas nós não somos
um partido ecossocialista. Isso aí ainda é uma lacuna, uma falha muito grande na
nossa base teórica e, consequentemente, na nossa ação política. Existe uma abertura,
mas falta incorporar a cultura ecossocialista, tanto é que quando se ler qualquer
documento que sai no início do ano ou no final do ano do diretório, pode-se observar
que o tema mudanças climáticas não está presente nos documentos. O que acontece,
por exemplo, na questão da água, há uma crítica que deve ser feita evidentemente
sobre a irresponsabilidade dos governos tucanos, do Alckmin, principalmente, mas
uma abordagem sistêmica que possa ver desde problema do desmatamento da
Amazônia, que causa um impacto muito grande na diminuição de chuvas em todo
continente sul-americano, à destruição das margens dos rios e das nascentes não são
abordados de uma forma sistêmica.
Acredito que falta uma formação em ecologia, porque um sujeito para ser
ecossocialista, precisa ser verde e vermelho, precisa ser verde no sentido de que ele
tenha incorporado em sua reflexão e na sua ação, a questão ecológica, a
compreensão das dinâmicas ambientais, o ciclo de vida do carbono, da água, etc.,
portanto, é preciso compreender a relação da sociedade humana com seu entorno da
natureza, para que essa perspectiva tenha corte de classe, um corte socialista, assim
para que tenha uma visão humanista radical no sentido de que possa buscar a
superação desse problema, procurando conciliar a igualdade social, com a
sustentabilidade. Assim, se afastando do capitalismo verde, ou até mesmo um certo
fascismo verde que existe, anti-humanista, mas tem que ter a reflexão ecológica. Falta
isso, a esquerda faz belas análises da questão estrutural da sociedade, do ponto de
vista da economia, do ponto de vista da dívida pública, do ponto de vista das relações,
da questão do desemprego, etc., mas falta a base da economia que é a ecologia, que
não entra nesse debate.
João:
Olhando aqui em Fortaleza, que já está entre a quarta e a quinta cidade do país,
do ponto de vista da visão ecossocialista, há problemas imensos, são tão grandes
quanto essas cidades estão. O problema de abastecimento de água, São Paulo já
sinalizou isso de uma forma muito forte, nós aqui no Ceará temos um problema grave,
porque as três grandes indústrias sedentas de água que estão no polo industrial do
Pecém, a termoelétrica que funciona, a siderúrgica que está em construção e a
refinaria que está em projeto, elas três juntas irão consumir 95% do que consome a
população da cidade de Fortaleza, sendo que a fonte dessa água, que é o açude
Castanhão, construído sobre o leito do rio Jaguaribe, vem do mesmo canto. Então
esse conflito da água, que São Paulo trouxe de forma bastante aguda, eu acho que é
um problema grave. O problema do lixo, dos resíduos sólidos, você tem aí essa
pressão dos municípios para que as medidas no plano da Lei do Plano Nacional de
resíduos sólidos não viessem a ser adotadas, poucas cidades têm uma política de
separação e de reciclagem, reuso, reutilização, redução do seu lixo, dos seus resíduos
sólidos, esse é um problema grave.
Agora, evidentemente, como política urbana, se ela não tiver articulada no global
com a política rural, o problema da migração vai continuar. O tema da reforma agrária
é um tema para o campo, mas também para a cidade, e uma reforma agrária que seja
popular como o MST fala, mas também que seja uma reforma agrária ecológica, uma
reforma agrária que possa trabalhar numa perspectiva de sustentabilidade,
perspectiva de respeito à biodiversidade, ligada à questão da agroecologia, da
questão do combate aos agrotóxicos.
Até o caso das chamadas energias renováveis, que poderia ser algo positivo,
mas como está submetido aos interesses do capital, acaba causando impactos sociais
muito fortes. No nordeste no Ceará, há especificamente o problema das eólicas, como
elas estão ligadas a grandes multinacionais, construtoras ou geradoras de energia,
seus parques eólicos estão sendo construídos sobre dunas, sobre comunidades de
pescadores e índios do nosso litoral, provocando privatização as praias e dunas. Essa
privatização dos recursos naturais provoca uma natural resistência dessas
comunidades às energias eólicas. A política energética deveria ser descentralizada,
onde, nas casas nas comunidades, nas repartições públicas, nas universidades, nas
empresas, tivesse em cima de cada uma delas uma placa solar e um “cata-vento”
eólico desses, mas o que há, são os grandes parques eólicos. A mesma lógica serve
para as hidrelétricas, pois, ao invés de estar estruturada por pequenas barragens – a
ideia de pequenas barragens é mais sustentável –, a lógica atual é a construção de
grandes barragens.
João Alfredo:
Essa está precisando existir, a figura do Pedro Ivo e a quem ele está ligado
talvez seja a chave para compreender o que ocorreu com a Rede Brasil de
Ecossocialistas, durante um momento nos anos de 2003 a 2006.
Quando estávamos todos no PT, a figura da Marina Silva era a catalizadora
desse processo, mesmo com suas contradições, ela fazia que, mesmo tendo algumas
divergências, houvesse a tentativa de construção de algo mais amplo.
A grande dificuldade da Rede Brasil de Ecossocialistas foi o “Big Bang” que foi o
governo Lula: nós estamos no PSOL, Pedro Ivo, na Rede ou PSB e o Laxe e Gilney,
no PT. O desafio é como “juntar esses cacos”, acredito ser difícil, pois exigiria um grau
de esforço de unidade imenso em função do tamanho de divergências.
Um exemplo é a Marina, que é uma pessoa que tenho uma relação de respeito
muito grande, mas nos últimos anos, ela caminhou para direita de uma forma
impressionante. Nesse caso, a minha hipótese é que somente o ressentimento com o
PT pode explicar o fato da adesão dela ao PSB e ao Eduardo Campos, considerando
o que representou o governador Eduardo Campos em Pernambuco do ponto de vista
socioambiental, e, depois, inclusive apoiar o Aécio no segundo turno. Assim, Marina
rompeu e queimou todas as pontes com setores médios que ainda acreditavam nela
como referência ecológica, mesmo considerando que ela nunca foi ecossocialista.
Usando o conceito de Ecologismo dos Pobres ela migrou da justiça ambiental para o
capitalismo verde, o que o Alier chama do evangelho ao credo da ecoeficiência.
Hoje, a grande dificuldade é envolver uma pessoa que possa assumir o papel de
ser um ponto de unidade, um catalisador desses elementos tão diferentes e articulador
de um programa em comum, que junte, esses grupos. Essa é, em minha opinião, a
grande dificuldade.
Acredito que uma pessoa que pode assumir esse papel de articulador seja o
próprio Löwy, por ser uma pessoa que mora fora, pela história dele e pelo respeito que
todo mundo tem dele, ele teria seria o mais indicado para fazer essa “congregação”.
Essas dificuldades são imensas para essa Rede, mas para ser retomada,
alguém tem que “colocar a mão na massa”. Infelizmente, no meu caso, tenho muita
dificuldade para assumir essa função, pelo fato de ter um mandato municipal, que me
exige muito, e do próprio setorial, além das atividades acadêmicas. O difícil, mas
necessário, é ter alguém profissionalizado que possa fazer esse papel de articular
essas diferentes posições. Não acho que seria de todo ruim, acho difícil, muito difícil, é
uma tarefa de Sísifo.
Arlindo: Qual é a sua opinião sobre a Rede Brasil de Ecossocialistas trabalhar com os
movimentos sociais, MTST, MST, MAB, Rede Brasil de Justiça Ambiental, nesse caso,
o Laxe poderia participar como representante da ONG ECOS Brasil, assim, como
Pedro Ivo e a Gabriela como representante da Alternativa Terrazul, mas eles não
podem participar em nome dos partidos PT e Rede respectivamente, pois seus
partidos não tem um setorial ecossocialista organizado. Mas, a essência da proposta é
amplia, a Rede para além dos partidos.
João Alfredo: