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Voltaire: naturalização do
abate animal nos embrutece
“Animais têm suas faculdades organizadas como nós,
recebem a vida como nós e a geram da mesma maneira"
14 de julho de 2019

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“Os sofrimentos de um animal nos parecem males, porque, sendo animais nós Enviar
mesmos, sentimos que deveríamos estimular a compaixão da mesma forma como
se fosse em relação a nós” (Arte: Reprodução)

Em 2014, o professor de literatura francesa Renan Larue, da


Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, lançou o
livro Pensées Végétariennes (Pensamentos Vegetarianos), que reúne
uma compilação de escritos do controverso ensaísta e lósofo
iluminista francês François Marie Arouet, mais conhecido como
Voltaire.

“Animais têm suas faculdades organizadas como nós, recebem


a vida como nós e a geram da mesma maneira. Eles iniciam o
movimento da mesma forma e comunicam-no. Eles têm
sentidos, sensações, ideias e memórias. Animais não são
totalmente sem razão. Eles possuem uma proporcional
acuidade de sentidos”, escreveu Voltaire em Lettres de Memmius
à Cicéron (Cartas de Gaius Memmius a Cícero) em 1772.

Para o lósofo francês, animais não humanos são


fundamentalmente importantes e devem ser vistos como tal. E
o que o impulsionava a defender esse ponto de vista era o seu
anseio de mostrar ao ser humano que o antropocentrismo, a
ideia de que ele tem lugar privilegiado na natureza, portanto
deve dominar outros animais, é um atestado genuíno da
jactância humana.

Embora não haja provas consistentes de que Voltaire tenha


sido realmente vegetariano, aparentemente ele seguiu as
recomendações do lósofo neoplatônico Porfírio. Além disso,
ponderava que era um dever da humanidade assegurar o bem-
estar dos animais.

Na década de 1760, quando Voltaire se aprofundou nos


estudos da Grécia Antiga, incluindo nomes como Plutarco,
Pitágoras e Porfírio, ele logo se interessou pelo vegetarianismo
enquanto tema de pesquisa. A princípio, por uma questão
particularmente dietética, e in uenciada
por Περὶ ἀποχῆς ἐμψύχων (De Abstinentia ab Esu Animalium), obra
escrita entre os anos de 268 e 270, em que o lósofo grego
Porfírio fala dos benefícios e da importância da abstinência do
consumo de alimentos de origem animal.

A versão lida por Voltaire foi traduzida pelo historiador Jean


Lévesque de Burigny, um homem pací co e considerado um
dos grandes acadêmicos franceses de seu tempo. A obra
chegou às suas mãos em 1761.

“Você mesmo, quando estava conosco, confessou que uma


dieta sem carne contribuía tanto para a saúde como para a
resistência dos trabalhos losó cos; e a experiência testi ca
que ao dizer isto você disse a verdade. Mas quando fui
informado por certas pessoas de que empregastes argumentos
contra aqueles que se abstiveram de comida de origem animal,
não só padeci, mas quei indignado contigo, que, persuadido
por certos so smas frígidos e muito corruptos, se enganou”,
escreveu Porfírio.

Com o tempo, Voltaire sentiu-se incomodado com a


banalização e legitimação da crueldade envolvida na criação e
no abate de animais. Em Traité sur la tolérance (Tratado Sobre a
Tolerância), de 1763, ele relata, sem velar o espanto, que
homens comiam animais, membro por membro, enquanto
estes ainda estavam vivos; o que não é muito diferente do que
acontece hoje principalmente com sapos, peixes, crustáceos e
outros animais.

Embora muitas pessoas demonstrem ceticismo em relação às


inclinações de Voltaire ao vegetarianismo e ao bem-estar
animal, livros como Pensées Végétariennes lançam luz sobre a
importância que o assunto teve na vida de um dos lósofos
mais polêmicos da história da França. Voltaire atribuía à
humanidade a responsabilidade sobre o sofrimento dos
animais que, segundo ele, optavam pelo abate ou massacre, ou
ambos.

O ser humano é embrutecido pela naturalização do destino


terrível dos animais que são colocados à nossa mesa. Sobre
isso, Voltaire cita como exemplo crianças que choram com a
morte do primeiro frango que eles veem matar, mas riem da
morte do segundo. No artigo Viande, página 577 de Questions
sur l’Encyclopédie (Perguntas Sobre a Enciclopédia), obra publicada
entre os anos de 1770 e 1772, o francês questiona:

“Que bárbaro assassinará um cordeiro se esse cordeiro puder


se defender num discurso comovente para não ser assassinado
e canibalizado?” Crítico mordaz, Voltaire era bastante cético
sobre as possibilidades da humanidade um dia aderir em
massa ao vegetarianismo. Ele declarou que sob o disfarce da
abstinência, até mesmo monges diziam desistir da carne, mas
tornavam-se assassinos de solhas, linguados, perdizes e
codornizes. Por outro lado, ele reconhecia que o
vegetarianismo em essência existiu e poderia fruti car, embora
não na proporção desejada.

Entre seus contemporâneos, o lósofo francês via bons


exemplos em regiões da Índia, principalmente entre os éis
praticantes do bramanismo. Em 1740, ele teve contato com
muitas cartas de jesuítas que viajaram pela Índia, China e
América. Reunidas em 34 volumes, deram origem ao
livro Les Lettres édi antes et curieuses (Cartas Edi cantes e
Curiosas), publicadas entre os anos de 1702 e 1776.

Quando estudou sobre a metempsicose ou transmigração de


almas, Voltaire começou a crer que o respeito dos indianos
pelos animais tinha relação com o receio de matá-los e
renascerem noutra vida na forma das criaturas assassinadas.
Assim como temiam que isso poderia afetar a passagem e a paz
de seus parentes falecidos. Porém, em 1760, quando leu um
possível manuscrito dos Vedas, intitulado Ezour Vedam, ele
começou a entender que tratava-se de uma loso a não
supersticiosa.

Em 1763, Voltaire publicou um diálogo entre um frango capão e


uma galinha. Uma das aves diz à outra que uma serva maldita a
colocou sobre seus joelhos, en ou uma longa agulha em sua
nuca, agarrou seu ventre, o girou em volta da agulha, o rasgou
e deu para que seu gato comesse. “Sou pací ca e nunca z nada
de errado. Eu mesma nutri esses monstros, dando-lhes os
meus ovos. Por que eu deveria ser castrada, cega, decapitada e
assada?”, perguntou a galinha.

Em La Princesse de Babylone (A Princesa da Babilônia), de 1768,


Voltaire narra que os pastores das imediações do Rio Ganges
viviam em perfeita igualdade e jamais matavam seus rebanhos,
porque era considerado um crime horrível matar e comer
criaturas que são suas companheiras. No ensaio Il Faut Prendre
um Parti (Devemos Tomar um Partido), escrito entre os anos de
1772 e 1773, o lósofo francês defende que a capacidade
humana de sentir empatia pelos animais deve ser levada em
conta quando se discute o conceito de maldade.

Para ele, o ser humano tem o hábito de discutir bem e mal


levando em conta apenas a sua relação com seus semelhantes,
excluindo o relacionamento que ele tem com outras espécies:
“Os sofrimentos de um animal nos parecem males, porque,
sendo animais nós mesmos, sentimos que deveríamos
estimular a compaixão da mesma forma como se fosse em
relação a nós.”

Referências

Voltaire. Renan Larue. Pensées végétariennes. La Petite


Collection. Fayard/Mille et une nuits (2014).

Porphyry. On Abstinence From Animal Food. Kessinger


Publishing (2006).

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David Arioch
http://davidarioch.com

Jornalista e especialista em jornalismo cultural,


histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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