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TRATADO DE DIREITO PRIVADO


PARTE ESPECIAL
TOMO LVI
Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Testamento em geral.

Disposições testamentárias em geral. Herança e legados.

TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS

TÍTULO III

SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

CAPÍTULO 1

HISTORICIDADE DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E


TESTAMENTÁRIA

§ 5.646. Figuras jurídicas do passado. 1. Surgimento da sucessão


testamentária. 2. Performas do testamento

§ 5.647. Aparição do testamento. 1. Figura jurídica típica. 2.


Correspondências sincrônicas. 3. Direito português

§ 5.648. Sucessão testamentária e saisina. 1. Equiparação perfeita completa


quanto à saisina. 2. Direito alemão. 3.

Direito suíço. 4. Código Civil austríaco. 5. Dois princípios. 6. Concepções.


8. Conseqüências dos princípios

§ 5.649.Influência e luta de dois princípios. 1. Adição da herança aquisição


automática. 2. Posse, sua regra jurídica sobre sucessão hereditária. 3.
Tentativas de explicações ....

§ 5.650. Precisões a respeito da posse. 1. Posse no sentido próprio posse


dos herdeiros. 2. Relevância da distinção.
3. Objetivo da posse. 4. Transmissão da posse

§ 5.651. Aceitação e renúncia da herança. 1. Sistema estabelecido após a


morte. 2. Herança tida por aceita. 3.

Transmissão por força da lei. 4. Função da aceitação. 5. Renúncia de


herança testamentária. 6. Credores e renúncia da herança. 7.Prazo para
deliberação. 8. Renúncia da herança e credores do sucessível. 9.
Legitimação ativa. 10.

Noção supérflua da fraude. 11. Autorização judicial. 12. Nulidade e


anulação da renúncia. 13. Transmissão do direito à manifestação de
vontade. 14. Cláusula testamentária a respeito da falta de manifestação de
vontade pelo sucessível que morre antes de deliberar. 15. Legitimação
passiva. 16. Credores e destino dos bens. 17. Aceitação e credores....

§ 5.652. Revogação da aceitação pelo herdeiro. 1. Revogação. 2.


Revogabilidade da aceitação. 3. Irrevogabilidade da abstenção e da
renúncia. 4. Anulabilidade por defeito de consentimento. 5.Direito
patrimonial de ação de nulidade ou de anulação. 6.Defeitos de vontade
(anulação ordinária e art. 1590, 1~a parte). 7. Efeitos da nulidade e
revogação

CAPÍTULO II
TESTAMENTO EM GERAL
§ 5.653. Conceito e natureza da testamento. 1. Morte e
testamento.2.Definições

§ 5.654. Direito de testar. 1. Surgimento do direito de testar. 2. Re-nascença


do testamento. 3. Origem do testamento

§ 5.655. Execução testamentária. 1. Dados históricos. 2. Direito de hoje

§ 5.656. Testamentos no direito luso-brasileiro. 1.inícios. 2. Ordenações


Afonsina

§ 5.657. Bens testáveis. 1. Direito romano. 2. Direito hodierno.

§ 5.658. Definições e pressupostos de testamento. 1.


Deferição.2.Revogabilidade essencial. 3. Sobre a definição do Código Civil.
4. Disposição no todo ou em parte. 4. Direito intertemporal e testamento

§ 5.659. Fundamento da faculdade de testar. 1. Lei e faculdade detestar. 2.


Direito de testar, e não dever. 3.

Interpretação do testamento. 4. Conteúdo da função personalíssima detestar.


5. Conseqüências de ser personalíssimo o direito de testar

§ 5.660. Revogabilidade inderrogável da testamento. 1.


Precisões.2.Conceito de revogabilidade. 3. Elementos do passado.4.Direito
de hoje

§ 5.661. Cláusulas derrogatórias no direito contemporâneo. 1. Conteúdo do


princípio da revogabilidade. 2. Espécies de cláusulas derrogatórias

§ 5.662. Porção testável. 1. Limite legal à disposição. 2. Pressupostos e


limitações. 3. Exceção ao princípio da inviolabilidade das legítimas
§ 5.663. Disposições estranhas ao patrimônio. 1. Dados históricos. 2.
Amplitude do objeto

§ 5.664. Contratos em testamentos. 1. Posição da questão. 2. Promessa de


prestação em testamento

§ 5.665. Pactos sucessórios e influência nos testamentos. 1. Espécies de


pactos sucessórios. 2. Sobrevivência do benefício....

§ 5.666. Testamento para concluir um ou mais sucessíveis “ab intestato”.


1. Exclusão de herdeiros não necessários.

2. Direito-brasileiro

§ 5.667. Incaducabilidade do testamento. 1. Direito romano. 2. Direito


contemporâneo. 3. Direito alemão, direito suíço e direito russo. 4. Direito
italiano. 5. Direito português...

CAPÍTULO III
CAPACIDADE DE FAZER TESTAMENTO
§ 5.668. Capacidade de direito o capacidade negocial. 1. Noções sobre
capacidade de concluir negócio jurídico. 2.

Pessoas físicas e Pessoas jurídicas. 3. Incapazes de testar. 4. Posição


jurídica do testador. 5. Beneficiados pelo testamento.

§ 5.669. Capacidade testamentária ativa. 1. Capacidades testamentárias


ativa e passiva. 2. Técnica legislativa a respeito de capacidade

§ 5.670. Menores de dezesseis anos (1). 1. Direito romano e outros


sistemas. 2. Direito brasileiro

§ 5.671. Loucos de todo o gênero (II). Exercitabilidade dos direitos e de


funções de ordem jurídica. 2. Ônus da prova da loucura. 3. Posição do
oficial público no caso de tresvario do testador. 4. Intervalos lúcidos e
testamento §

5.672. Imperfeito juízo (III). 1. Conceito de imperfeito juízo.2.Nulidade e


anulabilidade. 3. Presunção de juízo perfeito.4.Afirmativas de tabelião e
faculdades mentais

§ 5.673. Surdos mudas que não puderem manifestar a sua vontade(IV). 1.


Pressupostos para validade. 2.

Considerações“delege ferenda”. 3. Conseqüências da incidência da regra


jurídica

§ 5.674. Ausentes. 1. Testamento de ausente. 2. Solução acertada

§ 5.675. Pródigos. 1. Posição da questão no direito luso-brasileiro. 2.Direito


romano. 3. Problema de técnica legislativa...

§ 5.676. Silvícolas. 1. Problema de técnica legislativa. 2. Precisões


§ 5.677. Falido e “factio testameisti”. 1Capacidade testamentária ativa. 2.
Alienabiliadade

§ 5.678. Evolução técnica da regra de validade intertemporal. 1.


Incapacidade superveniente. 2. Direito romano. 3.

Direito moderno. 4. Natureza da regra jurídica. 5. Particularidade do


Código Civil alemão CAPÍTULO IV

NEGÓCIO JURÍDICO DO TESTAMENTO, VALIDADE E


EFICÁCIA

§ 5.679. Negócio jurídico do testamento. 1. Classificação do fato jurídico


do testamento. 2. Validade e invalidade. 3.

Maiores de dezesseis anos, incapazes. 4. Anulabilidade

§ 5.680.E rro nas disposições testamentárias. 1. Conceito de erro e


testamento. 2. Restauração da verba testamentária. 3. Erro no testamento

§ 5.681. Reserva mental. 1. Regra jurídica a respeito de reserva mental. 2.


Cláusula em que houve reserva mental e dados sobre ela

§ 5.682. “Falsa demonstratio”, lapsos e erros de redação. 1. Falsa


demonstração. 2. Erros de fácil emenda

§ 5.683. Dolo. 1. Conceito e sanção. 2. Anulabilidade das disposições


testamentárias. 3. Ação de anulação por dolo .

§ 5.684. Coação e testamento. 1. Conceito e precisões. 2. Pressupostos. 3.


Coação exercida pelo interessado ou por outrem.4.Dados fáticos. 5.Ameaça
de exercício normal de direito e temor reverencial.6. Coação exercida por
terceiro.7.Prova da coação

§ 5.685. Simulação. 1. Conceito e espécies de simulação. 2. Simulação e


outros vícios. 3. Três espécies principais de simulação. 4. Terceiros e
alegação de simulação. 5. Conversão. 6. Ressalva e legitimação ativa do
lesado pela simulação. 7. Regras jurídicas invocáveis

§ 5.686. Fraude feita pelo testador. 1. Fraude contra credores. 2. Cláusulas


testamentárias e fraude

§ 5.687. Mudanças das circunstâncias, circunstâncias novas e


interpretação. 1. Mudanças e repercussões. 2.

Algumas questões e julgados. 3. Cláusula “rebus sic stantibus”

§ 5.688. Anulabilidade e ações respectivas. 1. Causas de anulabilidade. 2.


Dificuldade no plano doutrinário. 3.

Prazos. 4.Nulidade e os vícios da vontade no espaço e no tempo.

§ 5.689. Indignidade. 1. Incapacidade e indignidade. 2. Eficácia sentencial.


3. Morte do indigno

§ 5.690. Direito das gentes e sucessão testamentária. 1. Relevância


eventual. 2. Estado estrangeiro reconhecido sob governo não reconhecido e
estado estrangeiro não-reconhecido. 3. Estado não reconhecido. 4. Governo
não-reconhecido e testamento.5.Governo reconhecido e testamento

§ 5.691. Direito intertemporal e testamentos. 1. Capacidade para testar. 2.


Espécies proibidas. 3. Convalescença

§ 5.692. Direito internacional privado e testamentos. 1. Direito e sobre


direito. 2. Remissão à lei estrangeira ou regra jurídica de envio. 3. Vocação
hereditária. 4. Renúncia, em vida do decujo, pelo sucessível. 5. Indignidade
e deserdação.6.Principio da coexistência dos contemplados e do
decujo.7.Momento da abertura da sucessão

§ 5.693. Considerações finais. 1. Explicação da comunhão hereditária.2.


Características da comunhão hereditária. 3.

Aceitação. 4. Renúncia. 5. Legados e “modus”


CAPÍTULO V

DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS EM GERAL

§ 5.694. Conceito e classificação de disposições testamentárias. 1.


Conceito e classificação. 2. Requisito da pessoalidade das disposições. 3
Distinções exigíveis e distinções eventuais.

§ 5.695. Principio da separação. 1. Separação das disposições. 2.Alcance


do princípio

§ 5.696. Vontades últimas como negócios jurídicos 1. Pressupostos de


validade. 2. Herança e legado. 3. Função do testamento

§ 5.697. Ilicitude e imoralidade das disposições testamentárias. 1.


Imoralidade e invalidade. 2. Conteúdo do ato imoral ou do ato ilícito. 3.
Bons costumes. 4. Ofensa aos bons costumes e tempo da apreciação. - 5.
Circunstâncias eventuais da atribuição. 6. Conhecimento de ilicitude. 7.
Condenação e nulidade. 8. Exemplos de herança e legados contra os bons
costumes. 9. Estado de necessidade e disposições com tumeliosas

§ 5.698. Necessidade de estar no testamento a disposição. 1. Preliminares.


2. Plenitude da declaração de vontade

§ 5.699. Disposições testamentárias, condições ,termos e modos. 1.


Negócio jurídico unilateral do testamento 2.

Condições vedadas. 3. Delimitações do assunto. 4. Disposições puras e


simples. 5. Condições e termos. 6.

Condições e “modus”

§ 5.700. Condição. 1. Herança e legado. 2. Pressupostos da condição. 3.


“Condicio iuris” e condição

§ 5.701. Espécies de condições. 1. Condições suspensivas e condições


resolutivas. 2. Critérios distintivos. 3.
Condições resolutivas. 5. Condição resolutiva no direito romano

§ 5.702. Impossibilidade, contraditoriedade e perplexidade das condições.


1. Precisões. 2. Condições contraditórias ou perplexas

§ 5.703. IninteTiqibilíd e inutilidade de condições. 1.Condições


ininteligíveis ou sem sentido. Condições inúteis

§ 5.704. Condições física e juridicanzente impossivris. 1 Conceituação. 2.


Sanções. 3. Se é cogente a regra jurídica sobre impossibilidade física. 4.
Condição impossibilitado impossível e termo. 5. Condição fisicamente
impossível.

6. Impossibilidade originária e impossibilidade subseqüente. 7. Condição


resolutiva

§ 5.705. Condições juridicamente impossíveis. 1. Conceituação. 2.


Mudança esperada de legislação. 3. Condições necessárias e testamentos. 4.
Sorte das condições necessárias. 5. Considerações finais

§ 5.706. Condições ilícitas e imorais. 1. Precisões. 2. Sorte das condições


ilícitas e das condições imorais. 3.

Condição de não casar. 4. “Quaestio facti”. 5. Condição contra o casamento


religioso

§ 5.707. Considerações gerais sobre condições duvidosas. 1 Análise do


conteúdo. 2. Ilicitude e imoralidade

§ 5.708. “Modus” ou encargo. 1. Conceituação. 2. Direito romano.

3.Direito germânico. 4. Direito civil brasileiro. 5. Conceito e natureza do


encargo (“modus”). 6. Necessidade de precisões conceptuais. 7. “Modus” e
condição suspensiva. 8. “Modus” e condição resolutiva. 9. “Modus” e
contrato a favor de terceiro. 10. “Modus” e “nuda praccepta”. 11. “Modus”
e fideicomisso. 12. “Modus” e fundação.
13.“Modus” e restrições de poder. 14. “Modus” assubjetivo e “modus”
possivelmente subjetivo

§ 5.709. Espeeses de “modus”. 1. Figura e espécies. 2. “Modus” com


modus”. 3. “Modus” e cláusula penal. 4.

Sucessividade de benefício modal

§ 5.710. Pressupostos e posições do “modus”. 1. “Modus” e exigência legal


da determinação dos sujeitos. 2. Casos de principalidade do “modus”. 3.
“Modus” excessivo em relação à deixa. 4. Requisitos jurídicos e aplicação
do

“modus”. 5.Aplicações do “modus”

§ 5.711. Ilicitude e impossibilidade em matéria de “modus”. 1. Invalidade.


2. Anulabilidade do “modus”. 3.

“Modus” e herdeiros legítimos e necessários

§ 5.712. Surgimento e sorte da obrigação modal. 1. Precisões. 2.


Conseqüências da autonomia modal. 3. Situação jurídica do encarregado ou
onerado modal. 4. Situação jurídica do beneficiado pelo “modus”. 5.
Unilateralidade da manifestação da vontade

§ 5.713. “Modus”, prescrição e prazos para, cumprimento. i.


Generalidades. 2. Prazo para cumprimento do

“modus”

§ 5.714. Objeto do “modus”. 1. Patrimonialidade e apatrimonialídade. 2.


Interesse do disponente e do beneficiado

§ 5.715. Caução Muciana. 1. Conceito. 2. Fundamento da caução Muciana.


3. Extensão da “cautio” Muciana. 4.

Direito brasileiro
§ 5.716. Caução do “modus”. 1. Precisões. 2. Direito brasileiro.

§ 5.717. Caução Sociniana,. 1. Cautela Sociniana. 2. Inclusão subentendida

§ 5.718. Restrições de poder em cláusulas testamentárias. 1. Cláusulas de


restração de poder. 2. Restrições do poder no Código Civil. 3. Cláusulas de
restrição de poder e herdeiros necessários. 4. Declaração de vontade do
testador. 5.

Possibilidade das restrições de poder. 6. Impossibilidade e possibilidade


superveniente. 7. Inalienabilidade perpétua e inalienabilidade temporária. 8.
Cláusula de impenhorabilidade. 9.Cláusulas de indivisibilidade. 10.
Incidência das cláusulas restritivas de poder

§ 5.719. Motivos de dispor e demonstração. 1. Causa e motivo. 2.Falsa


demonstração, falso motivo e falsa condição.

3. Falsa condição. 4. Conseqüência interpretativa da inoperabilidade da


falsa demonstração

§ 5.720. Heranças e instituições mexas. 1. Direito romano e código civil. 2.


Conteúdo da regra jurídica. Instituição e tempo. 4.Fundamento do
“vestigium antiqui iuris”. 5. Condição suspensiva e instantaneidade. 6.
Legados. 7. Fonte e entrada em sistema diverso. 8. Inaplicabilidade aos
legados. 9.A que, finalmente, se reduz a regra jurídica. 10.

Exotismo da regra jurídica. 11. Termo suspensivo. 12. Termo resolutivo. 13.
Regra jurídica sobre encargos.

14.Limitações de poder

§ 5.721. Direito intertemporal sobre disposições testamentárias. 1. Lei


nova e disposições testamentárias. 2.

Impossibilidade cognoscitiva. 3. Impossibilidade lógica. 4. Impossibilidade


física. 5.Impossibilidade moral e jurídica. 6. “Modus”. 7. Restrições de
poder. 8. “Falsa demonstratio”
§ 5.722. Direito internacional privado. 1. Mudanças no espaço.
2.Condições e “modus”. 3. Restrições de poder

§ 5.723. Tempo e direito intertemporal. 1. Conflitos de leis. 2. “Semel


heres, semper heres”, condições e termos às heranças.

§ 5.724. Ainda o direito internacional privado. 1. Conflitos de leis.


2.“Semel heres, semper heres”, condições e termos apostos às heranças

§ 5.725. Interpretação das verbas testamentárias. 1. Função do juiz. 2.Duas


regras fundamentais. 3. Conseqüências da unilateralidade das disposições.
4. Eliminações e distinções prévias. 5.Interpretação das leis e interpretação
dos testamentos. 6.Formas testamentárias e conteúdo dos testamentos. 7.
Diferença entre a interpretação dos testamentos e a dos negócios jurídicos
de intercâmbio. 8. Regra geral do Código Civil, art. 85. 9. Disposição clara.
10.

Interpretação filológica.

11.Declarações de volitade, e não intenções internas. 12. Regra especial do


direito testamentário. 13. Interpretação dos testamentos no direito romano.
14. Direito anterior. 15. Soluções confusas. 16. Problema técnico e a praxe.
17.

Preferibilidade da regra jurídica alemã. 18. Preferibilidade da regra jurídica


brasileira. 19. Regras da interpretação das vontades últimas. 20.
Declarações tácitas de vontade.

§ 5.726. Circunstâncias na interpretação das verbas. 1. Apreciação judicial


das circunstâncias. 2. Oficiais públicos e interpretação das verbas. 3.
Cédulas referidas, notas, codicilos e de polimentos

§ 5.727. Relações entre o testamento e a sucessão legítima. 1. Problemas e


princípios. 2. Pretenso favor da sucessão

“ab intestato”. 3. Resultado das considerações anteriores. 4. Disposições


ambíguas. 5. Dúvidas quanto a herdeiros legítimos. 6.Deixa a descendentes.
7. Deixa a descendente de terceiro

§ 5.728. Disposição testamentária em si. 1. Impossibilidades cognos-citiva,


lógica, moral, jurídica.2. Impossibilidade lógica. 3.Disposições
extravagantes. 4. Cláusulas privatórias, aplicadas às disposições
testamentárias. 5.

Permissibilidade das cláusulas privatórias, aplicadas às disposições


testamentárias.6.Casos em que não opera a cláusula privatória. 7.
Considerações finais

§ 5.729. Categorias jurídicas e interpretação dos testamentos. 1. Negócio


jurídico. 2. Categorias jurídicas CAPÍTULO VI

HERANÇA E LEGADO

§ 5.730. Discriminação fundamental: herança e legado. 1. Posição diante


do testamento. 2. Casos de presunção geral. 3. Verba com ou sem
especificação. 4. Limitações jurídicas.5.Distribuição em bens móveis e
imóveis. 6.

Limitações à regra jurídica dos legados. 7. Deixa de todos bens móveis e


imóveis. 8. Nomeação de testamenteiro que se pode interpretar como sendo
instituição de herdeiro

§ 5.731. Interpretação distintiva das determinações modais. 1.dus” e


interpretação. 2. Legados e “modus”. 3.

Regras práticas para se distinguirem “modus” e condições. 4. “Modus” e


simples recomendações. 5. Deixa de núpcias

§ 5.732. Conservação no direito testamentário. 1. Conservação.


2.Conservação, por motivo da piedade, das instituições e dos legados. 3.
Exemplos de conservação no direito testamentário hodierno. 4. Nulidade de
testamento e conservação.
§ 5.733. Conversão no direito testamentário. 1. Conceito de negócio
jurídico. 2. Favores e conversão. 3. Fixação do conceito de conversão. 4.
Função da conversão. 5. Requisitos para a conservação. 6. Conservação nos
sistemas jurídicos. 7. Conversão nas disposições testamentárias. 8.
Conversão e fideicomisso. 9. “Error in nomine negotii”.

10. Convalescença e conversão. 11. Conversão nos diferentes sistemas


jurídicos. 12. Nulidade, inexistência e conversão. 13. Campo de aplicação
do procedimento conversivo. 14. Previsão do autor do ato. 15. Entre
interpretação e nulidade, prima a interpretação. 16. “Totius ut valeat quam
ut pereat”. 17. Testamento nulo e reconhecimento de dívida. 18.Gravames
juridicamente impossíveis

§ 5.734. Natureza da regra jurídica. 1. Regra jurídica interpretativa, porém,


nem por isso, menos lei. 2. Questões de direito judiciário federal e de
direito rescisório. 3. Aplicação da regra jurídica

§ 5.735. Considerações finais sobre interpretação. 1. “Quaestio facti” e


“quaestio iuris”. 2. Efeito fixador da classificação da verba. 3. Quanto aos
legitimados para discutir a interpretação

§ 5.736. Direito intertemporal. 1. Preliminares. 2. Mudança da lei sem


conhecimento do testador (A). 3. Morte do testador antes da lei nova (B). 4.
Morte após a lei nova (C). 5. Direito anterior como elemento de
interpretação. 6.

Herdeiros legítimos contemplados. 7. Deixa a descendentes de outrem

§ 5.737. Direito internacional privado. 1. Problemas de sobre direito> no


espaço. 2. Limitações à autonomia. 3.

Substância e efeitos. 4. Vontade interpretável e vontade não declarada .5.


Considerações finais HISTORICIDADE DA SUCESSÃO LEGITIMA E
TESTAMENTÁRIA

§ 5.646. Figuras jurídicas do passado


1.SURGIMENTO DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. Em todos os
povos a herança testamentária é posterior a legitima. Só se testa se não há
sui heredes. Assim nas XII Tábuas (TH.. SCHIRMER, Das
Familienverrnõgen, Zeitschrift der Savigny-Stiftug, Romanistische
Abteilung, II, 165 s.), no direito ateniense (C. O. BUNSEN, Disquisitio
philologica de iure herediUvrio Athenien~ium, 74; Lu»wIG MITTEaS,
Reicl&srecht und Volksrecht, 332 s.; W. VAN HILLE, De Testamentis jure
attico, 18 e 28). fl geral a intervenção de autoridades religiosas e políticas,
nas primeiras práticas testamentárias, cujas formas não excediam o
testamento comicial, o thin.x lombardo, a afatomia. A Idade Média estava
cheia de costumes que atestavam a vigilância. Na Inglaterra (E.

POLLOCK and E. W. MAIT-~ LAND, History of English Larw, II, 327),


quanto à real proper ty. No direito talmúdico (Baba Bathra, f. 153 a). Nos
povos primitivos, de que fala ALB. HERM. POST (Grundriss der
ethnologischen Jurisp~-udenz, II, 202). Ainda hoje, perdura no direito
muçulmano (E. SACHAU, Mz mmedaniscl&es ReeI&t, 228 s.) e estava no
Código de Zurique, art. 982, como reminiscência do momento político-
jurídico.

Para tratarem múltiplas questões de que o testamento e o direito sucessório


semeiam a vida, temos de recorrer, constantemente, à sociologia e à
história. Só assim poderemos ter a cwisoiêncja das fontes, que são
heterogêneas, e só assim chegaremos à apreensão do fio funciona1 que as
regras jurídicas hodiernas traçam.

Dos hábitos de espírito, próprios dos pandectistas, já RUDOLF VON


JHERING observara que se não haviam despregado os historiadores do
direito romano. Pior é exercerem tal função raciocinante, mas divorciada
das verdades, os que tratam, nos nossoS dias, de assuntos singularmente
complexos e sutis. Procedimento, esse, sensivelmente arbitrário. ~ escusado
dizer-se que a matéria dos testamentos se ressente disso. Donde os erros
sem conta.

O Direito das Sucessões compreende as regras sobre a vocação hereditária,


o testamento, o regime jurídico da divisão sucessória, e a maneira de
inventariar e partilhar. Quanto ao direito de processo, muito há fora do
Código Civil: são as regras de organização judiciária e de caráter
estritamente processual, que hão de ser respeitadas em tudo que não
discrepe a lei de direito material, que é o Código Civil.

Conforme frisamos no Tomo LV, além do sentido geral, que lhe dá o étimo,
de tomar o lugar de outrem, ocupar o mesmo sítio (o comprador sucede ao
vendedor, o donatário ao doador, o arrematante à herança), suxeder tem o
senso restrito, que a idéia de morte implica. Então, em vez de abranger
todos os modos de adquirir a propriedade, originários e derivados,
restringe-se ele à noção de transmissão da totalidade de toda ou de parte da
herança à pessoa, a que, por lei, ou por testamento, se devolve. Definindo-a,
K. S. ZACHARIAE V. LiNGENTHAL, por um lapso, arbitrariamente,
falou de totalidade ou parte alíquota: em verdade, a sucessão compreende
partes alíquotas, aliquantes e até individuadas.

Nesse sentido estrito, a sucessão pode ser definida subjetivamente e


objetivamente. No sentido objetivo, é a universalidade, a massa de bens,
que, com os elementos negativos, ficam, com a morte do defunto, para
outrem. No sentido subjetivo, é o direito a receber tais bens.

Alguns autores frisam a distinção entre direito de suceder e direito de


sucessão. Aquele, direito e pretensão a receber, no momento da morte de
outrem, a herança ou parte dela. Direito em potência, iure Iutbitu.E sse,
direito efetivo, realizado, que a pessoa, herdeiro ou legatário, adquiriu, pela
aceitação, expressa ou tucita, sobre a herança, parte, ou coisas que a
compõem. Direito in suctu. Os arts. 1.572 e 1.690 do Código Civil dão a
figura do primeiro. O

art. 1.581, a do segundo. Mas, além deles, há direito a suceder, irrecusável


no caso dos herdeiros necessários. Ora, tudo isso é sem pertinência. O
herdeiro é titular do direito no momento da morte do decujo. A situação
jurídica, fundamental, é essa. A posse, que está com outrem, é ofensiva, se
passara ao herdeiro.
Aos bens, ou patrimônio, que o morto deixa, testado ou intestado, chama-se
herança, monte, espólio, e pode compreender parte intestada, para ser
devolvida aos herdeiros legítimos, e outra testada, para o cumprimento das
disposições do testamento.

Sobre a origem da palavra heres, primeiro se lhe deu a de herus, senhor,


dono, segundo CÍCERO, TITO Lívio, LuCRÉCIO e FESTUS. Mas,
excluída essa, digladiam-se os etimologistas: a) Heres do grego x E Q, mão,
XEQ~

ç, submetido (heres apud antiquos pro domino ponebatur, PAULUS-


FESTUS, 71, que tem outra interpretação), antigo indico hárate, para
VANLCEK (Etyrnologisches Wõrterbuch, der latenischen Sp‟rache, 2~a
ed., 93; e BRUGMANN (Grundriss der vergleichenden Grammatik der
indo gernuinischen Sprctcherc,

2 a ed., 133).

b) Heres, grego x ij o ç, pilhado, privado, i a, viúva, velho indico jáhati,


abandonado, deixado, cf. POTT, 1, 68, FIÇK, 1, 437, PRELLWITZ, verbo x
ij o g, HIRT, 34 s. BRUGMANN explica a sílaba ed (XV, 103), contra
PRELLWITZ (Beit rãge, 25, 31 s.: ed, comer, consumir). Contra, porque a
herança romana não cabia no conceito de “abandonar”, WENGER (Wõrten
und Sctchen, 1, 89 s.); ZUPITZÃ (Wochenschrift Ijir Klctssische Philologie,
1909, 674 s.).

2.PREFORMAS DO TESTAMENTO. Nas civilizações não desenvolvidas,


arcaicas, não se encontra a função atual do testamento. Mas outras
instituições chegam, de per si, a resultados parecidos.

a) Na, Grécia, na Índia, na Pérsia, na Irlanda, no País de Gales, na China, no


Japão, nas populações pré colombiana da América do Norte, na Arábia pré-
islâmica, na antiga Hungria, o que se vê são atos jurídicos que atuam no
círculo da família, e só em conseqüência, derivadamente, podem influir na
vocação hereditária. Ora, quem diz “herança”, dependente de status
familiae, exclui a função específica do testamento. Nos povos citados,
usava-se a adoção. Na Constituição de Diocleciano (Const. VI, 24, 7), acha-
se a adoip tio in fratrem, a fraternidade artificial, fratern,itas do costume
sírio-romano, as ad fratrationes lombardas, as Erbverbr-iiderungen dos
nobres alemães.

b)Noutras ocasiões, confere-se, sem o status familiae, a vocação


hereditária: afatomia sálica e ripuária, thinx lombardo, cartas de
afliliationes lombardas. Da afatomia fala o Título 46 “De hac famírem” da
Lei Sálica. Espécie de ado~tio in hereditatem, com que, por intermédio de
alguém (Salmannj, se buscava herdeiro a quem não no tinha (J. C.
WACHTERUS, Glossarium Germanicum, 1347: “Salmann, significat
quantum potest, villicum, & cuiusvis domus possessorem, hominem
Salicum, patronum causae in curia, assessorem in curia, executorem iuris
curialis, traditorem fiduciarium, si derivetur a selen tradere”). O nome vem
de Sal, tradição de bem (J. G. SCHOTTELIUS, Ausfithrliche Arbeit von der
deutschen Hauptsprctch, 287; J. L. FRISCH, Teutschlateinische
Wõrterbuch, Ii, 143; J.

UND W. GRIMM, Deutsches WÉirterbuch, VIII, 1698, Deutsche


Rechtsa2terthiimer, 555). Apresentava três fases: no mailus indicatus, com
a tradição simbólica, pela entrega da palha ao salmão e o indicar ao futuro e
definitivo destinatário; a instalação na casa do disponente, para, quanto a
terceiros, adquirir a Gewere; no maílus legitimus, em presença do rei, o
salmão cumpria a missão, transferindo “per festucam” ao destinatário os
bens confiados. No direito longobardo, em vez de Salman, chama-se Gisel
ao intermediário (Roth., 172), porém parece que, pelo menos longe da
origem, é assaz secundária e não de intermediário a função do Gisel
(TAMASSIA, Le Alienazioni degU

immobili, 227). No século VIII, perde a afatomia a existência autônoma (H.


AUFFROY. L‟Évolution du Testament, 210).

c)Contratos sucessórios, como se encontram na época franca, no Erbvertrag


alemão; e, correspondendo-lhes no passado, figuras típicas no direito
babilônico, no hebraico e no egípcio. Também donationes >ost obitum, ou
reseri~
ato usufructu, ou reservata precaiia, já na alta Idade Média.

d)Transmissões por intermediários, como se notam na alta Idade Média


cristã (executores testamentários e entre vivos), que são fatos históricos,
como aqueles, ajustáveis aos dos outros povos (e.g., o direito hebraico, o
bizantino e o muçulmano).

c)Liberalidades de um ou alguns objetos, de que são encarregados, à morte


de alguém, os seus herdeiros. Às vezes, ainda é só moral o dever de entrega
(alta Idade Média cristã, direito hebraico e povos primitivos).

§ 5.647. Aparição do testamento

1.FIGURA JURÍDICA TÍPICA. Verdade é que tudo isso bem longe estava
do testamento. A devolução do patrimônio do decujo, fora e
independentemente da ordem familial, pela só vontade do declarante, para
depois da morte, tal é a característica do que depois, com fontes romanas, se
precisou. Não o mostra a Etnografia. Na própria Europa ocidental, foi
grande a resistência. Ainda em 1837 o testamento inglês que recai em real
property apresentava os traços de operação inter vivos, de convevance. Na
Suíça, revelou-o o costume.

Já se quis invocar para provar serem mais próximas do que se pensa as XII
Tábuas (III, em vez de V antes de Cristo) o argumento de nelas se achar a
regra uti legassit super pecunia tutelave suae rei ita ius esto. Porém o muito
de arcaico das XII Tábuas opõe-se a tal presença: contra a afirmativa dos
escritores da época clássica, de PAUL FRÉDÉRIO GIRARD (Tertes de
D‟ioit romain, 13; Manuel élémentaire de Droit romain, 790) e de
historiadores e pandectistas, está a convicção sociológica. Aqui, a
convicção sociológica, com os elementos da crítica comparativa e da
etnologia jurídica, pode dizer: é possível que lá estivesse a frase, mas,
então, êsse testamento é um nome idêntico para outra coisa. Aliás, a dúvida
vem de mais de um século. Já em 1825, EDUAJw GANS (Das Erbrecht,
37-74) via naquele testamentum a criação de laços de família, algo de
adoção (ad-rogação e adoção, só mais tarde, acreditava E. GANS, se
distinguiram). Depois F. SCHULIN (Lehrbuch der Geschichte des
Ràmischen Rechts, 458) insistiu na adoção post mortein: o testamento in
calatis comitiis seria o equivalente do testamento grego Contra ambos, um
argumento: a adoção testamentária só apareceu, em Roma, no fim da
República. Mas pode ser falta de informes (A. LEFAS, L‟adoption
testamentaire à Rome, Nouvelle Révue Historique, 21, 724; EDoUAR.D
CUQ, Institutions juridiques des Romains, 236-239; Recherches historiques
sur le testament “per aes et libram”, Nouvelies Révue Historique, X, 540 s.;
LUDWIG MITTEIS, Reichsrecht und Votksrecht, 340). Demais, há o
exemplo, na Grécia, da transição da sucessão legítima. para a testamentária,
por intermédio da adoção (W. VAN IIILLE, De Testamentis iure attico, 1;
C. G. BRUNS, Die Testamente der griechischen Philosophen, Zeits,chrift
der Savigny-Stiftung, 1, 6 s.).

Discute-se se teria sido a adoção testamentária, que tarde se viu,


sobrevivência de expediente que levou ao testamento. É a hipótese de
RUDOLPH SOHM (Institutionen, 16~a ed., 675 s.). ~,Onde as provas
convincentes?

Como quer que seja, o testamento das XII Tábuas não era o que as
compilações justinianeias conheciam. Deve ter sido a forma correspondente
à afatomia franca e ao thinx lombardo. GAIO (II, 101) deu corno se fosse a
mais velha forma de testamento o que entendeu chamar calatis comitiis,
feito perante o colégio dos pontífices e os comícios por curias. com a
função primitiva, assaz generalizada de testemunhas instrumentárias:
função ativa, essa, que lhes atribuiu EDUARD GANS (II, 46), após CHR.
THOMASIUS, J. C. HEINÉCIO e A. D. TREKELL, seguido por alguns
romanistas hodiernos, como TH. MOMMSEN, A. PERNICE, PAUL
FRÉDÊRIO GIRARD, EDOUARD

CUQ e E. LAMBERT. Sustentaram o papel passivo, de simples assistência,


EDUARD HÓLDER (J3eitrÉtge, 40

s.), OTTO KARLOWA (Rõmische Geschichte, II, 847 s.), M. V oíGT (D


~e XII Tafoln, 171) e F. GREIF (De l‟Origine du Testament ro‟nuxin, 51
s.). Nos começos de evolução, as testemunhas instrumentárias exercem
papel ativo: e. g., aconselham, ou garantem moralmente a execução. Não
era a só vontade do disponente que decidia, e sim, também, a vontade
coletiva. Os comícios legislavam. Era criação excepcional, dispensa, ato de
poder. Falou-se em testamento legislativo. Esse encontro de vontades
colaborantes, temo-lo noutros institutos similares: na afatomia franca,
depois da assembléia judiciária do povo (R. SOHRÓDER, Lehrbuoh der
deutschen Rechtsgesohiohte, 334), no thinx lombardo, antes do edicto de
Rotário (A. HEUSLER, Institutionen. des deutschen Privatrechts, II, 622;
ANTONIO PERTILE, Storiadel Dirltto italiano, IV, 6; GEORG BESELER,
Die Lehre voa den ErbvertrÉtgen, 1, 109). TH. SCHIRMER (Das
Familienver mõgen, Zeitsohift der Savigny-Stiftung, R. A., II, 165-180)
sustentou que, havendo sui heredes, não se podia, no velho direito romano,
fazer testamento. O título do suus era mais direito de sucessão. Tanto assim
que postumi agnatione testarnentum rumpitur. Com a substituIção pupilar,
procurava-se “derrogar” a impossibilidade de instituir herdeiro com
prejuízo de sui heredes. Contraprova: no direito grego, também se usou da
substituição. Donde dizer E. LAMBERT (La Fo‟nction du Droit CivU

comparé, 431) : “As duas teorias do direito clássico, rutura do testamento


pela superveniência de herdeiro seu, substituIção pupilar, são apenas,
visivelmente, conseqüências do direito indelével de sucessibilidade,
conferido, outrora aos sui heredos. conseqüências que sobreviveram à sua
causa primitiva, transformando-se, aliás, porque receberam novas
utilizações”.

Na versão de GAIO (II, 224), de POMPÔNIO (L. 120, D., de verborum


significatione, 50, 16) e das próprias Institutas. lê-se uti iegassit suae rei, ita
jus esta. As XII Tábuas dispensaram a intervenção pontificial e da
assembléia quando se tratasse de res sua. Excluída ficara à testabilidade a
fortuna possuída em comum com os sui heredes.

2. CORRESPONDÊNCIAS SINFRÔNICAS. Sociologicamente, o regime


das XII Tábuas era, em correspondência de tempo social, o do thinx
lombardo, da afatomia ripuária: havendo sui heredes, não podia fazer-se.
Quando se lê a fórmula das XII Tábuas si intest ato moi Yur, oui .s‟uus
heres neo escit adgnatus proimus familiam hab eta deve-se entender: se
existirem herdeiros necessários, não os há testamentários; se não há
aqueles, nem esses, serão chamados os legais. Essa ordem, encontramo-la
noutros povos: em Atenas (C. C. BUNSEN, Disquisitio phiioiogioa de iure
hereditario Atheniensium, 74; R. CAILLEMER, Le droit de tester à
Athênes, Annuaire pour l‟Encouragement dos études, 27, s.), no velho
direto cantonal de Berna e na India moderna.

3.DIREITO PORTUGUÊS. Quanto às fontes remotas do direito português,


há os seguintes dados principais: (a) No Breviário de Alanco estão doações
reservato usufructu, com a candieio iuris da sobrevivência do donatário
(VIII, 5, 1; Código Theod., ed. de MOMMSEN, VIII, 12, 1. E doações com
reserva de posse (in q‟ua sibi donator certum tempus possessionis
reservat). Provavelmente era revogável a doação mortis causa do Breviário.
Foi o que o direito romano conseguiu meter nas fórmulas dos atos inter
vivos, tirado do seu direito testamentário. No caso de morte, perigo, doença,
viagem, o Breviário consignava a doação causa mortis, caducavel com o
afastamento do risco. (b) No Código Visigótico, o princípio é a
irrevogabilidade, se houve a tradição da coisa: dação efetiva, ou simbólica,
pela entrega da escritura. Mas o Código Visigótico também tratou das
doações cujo efeito dependia da morte do doador, com reserva de usufruto,
revogáveis (similitudo est testamenti, diz a lei). Note-se a diferença: no
Código Visigótico, reservato usufructu, não há tradição da coisa. O doc. de
1.060 (Diplomata et Chartae, n. 425), em que pessoa que enferma “voluit
testare”, não era testamento. No Código Visigótico (V, 2, 4, 6), testator, test
are, testationem traduzem doador, doar, doação. Nele, o testamento vem
entre as “escrituras”. Nada se disse sobre a instituição do herdeiro, a
aceitação da herança, os legados, os codicilos e os fideicomissos. Exigiu-se
presença de testemunhas, porém não se disse o número. A noção do ato
inter vivos perdurou. O romanismo mal se filtrou pelas grêtas da
mentalidade gôdo-lusitana.. Ainda no século XIII, com as Decretais de
Gregório IX, não é o testamento romano que se vê.

O Código Euriciano revela que os Visigodos já no século V tinham o


testamento oriundo do contacto com os Romanos; mas a doutrina mantinha
a ligação às donatianes mortis causa (Cap. 308). Dos tempos anteriores ao
direito reformador de Chindasvindo e de Recesvindo, cogitavam das volunt
ates a antiqua do Código Visigótico e os escritos de Santo Isidoro. Quase só
se falava de testamentum se a vontade unilateral tinha a forma escrita. No
Codex Euricianus, cap. 335, e na Lex Visigothorum, IV, 2, 12, falava-se de
“voluntatem ordinare”, ou de

“ordinare”.

As Fórmulas Visigóticas e documento do século VI foram as melhores


fontes sobre o testamento visigótico na península hispânica. No documento
de 516, testador foi um bispo, que, nas vésperas da morte, ditou a um
diácono a disposição de vontade, para que valesse como testamento
conforme o direito civil e o pretório e, se não valesse, tivesse a eficácia de
codicilo ab intestato. Era a cláusula codicilar, assaz em uso naquele tempo.
O modelo foi o testamento romano do Baixo Império. É interessante
observar-se que nele se confirma doação.

A propósito das testemunhas, a Lex Visigothorum nenhuma referência fêz


ao número das testemunhas, O testamento cerrado e o selado
desapareceram, e à subsoriptio se substituiu o sinal.

O sig‟num já aparece nos gesta de aperiunda testamento, no ano 474 (C. G.


BRUNS, Fontes iuris ronutni antiqui, 319; 7a ed., 317-319; H. AUFFROY,
L‟Évolution du Testament des Origines au XIIIe siêcle, 44), a despeito de
Recesvindo já ter, pormenorizadamente, cogitado das scripturae
olographae (Lex Visigothorum, II, 5, 16 e 17) OBreviário não se referiu ao
testamentum militis, mas aparecia no Edicto de Teodorico e na Lex Romana
Burgun

dionum.

O registro, a publioatia, era apud curiam, mas, com a extinção das


instituições municipais e o dificultamento do ato, atendeu-se às
circunstâncias, sem, porém, se extinguir.

§ 5.648. Sucessão testamentária e saisina

1.EQUIPARAÇÃO PERFEITA E COMPLETA QUANTO À SAISINA. - A


equiparação dos herdeiros testamentários aos herdeiros legítimos é
completa: com o testamento, os instituidos sucecedem como, ex lege, os
legítimos. Longe ficou o “solus Deus heredes facere potest, non homo”, o
“heredes gignuntur, non fiunt”, que exprimia o princípio germânico, ainda
representado no Código Civil francês, por influência das Coutumes, no
conceito de legatários universais e legatários a título singular (Código Civil
francês, art. 724). Lê-se na 1.a alínea:

“Les héritiers légitimes sont saisis de pIem droit des biens, droits et actions
du défunt, sous l‟obligation d‟acquitter toutes les charges de la
succession”. É a saisina. juris, pela qual propriedade e posse passam, ipso
iure, aos herdeiros legítimos. Mas, apesar disso, há o romanismo da
aceitação, que constitui algo de superposto, de colado, de preso por
alfinetes, de heterogêneo. Para penetrar e compreender a função dessa
janela depois do corpo da casa, desse órgão que se enxertou onde não cabia,
— e a História é cheia disso, como o é de teratologias a Natureza, os
intérpretes (e.g., E. AÇOLLAS, Manuel de Droit Civil, II, 192 s.)
levantaram a questão da suspensividade ou resolutividade da aceitação: isto
é, ou o herdeiro recebe com a condição suspensividade de aceitar, ou com a
condição resolutiva de renunciar.

No direito brasileiro, a herança vai aos herdeiros, mesmo se não


necessários, no momento da morte do decujo. No direito romano, não;
porque isso somente ocorreu com os heredeu necessari. Por isso, até à
aceitação, a herança jazia. Tinha-se de chamar quem fosse herdeiro e ao
mesmo tempo de cuidar do interesse dos outros. Hoje, todos os herdeiros,
legítimos e testamentários, são beneficiados pela saisina, de modo que, em
boa terminologia, não há jacência da herança, ou se reduz o conteúdo
conceptual a simples espera dos atos de adição. Por isso mesmo, se o
herdeiro está na situação de haver alguém, mesmo se herdeiro fosse, na
posse da herança, cabe-lhe a ação para que ele restitua a posse e outros
direitos da herança. Se há pluralidade de herdeiros, cada um tem a
legitimação ativa quanto ao todo da herança, porque há entre eles
comunhão de mão-comum. O fideicomissário não tem posse, de modo que
não lhe tocam ações possessórias (Torno X, § 1.092, 2). l, Não pode ele ir
contra terceiro para exercer a pretensão da herança, salvo se já se tornou
em direito à herança? Para isso, só tem as pretensões contra o fiduciário
(e.g., KARL BLUMENSTEIN, Der Erbschaftsarnspruch naeh dem BGB.,
8); para outros, não: e.g., L. KuHLENBFCK (Das Bilrgerliche Gesetzbuch,
II, 511), que admitia a pretensão de herança, indistintamente; cf. CARL
SPRINGGUTH (Die Rech.tsverhãltnisse zwischen Vorerben und
Nacherben, 42). Não se há de confundir a pretensão da herança com a ação
declaratória do direito à herança. O fideicomissário pode exercer a
pretensão declaratória mesmo como litiscon sorte ou terceiro que intervém.
Se o direito do fiduciário acaba com a morte do decujo, o que se transfere já
é a propriedade, ou a posse, ou uma e outra.

Com a extensão da saisina, no direito brasileiro, quer se trate de herança


legitima, quer de herança testamentária, a ação de qualquer herdeiro não é
ação para haver a herança. A ação de petição de herança é ação real, e não
pessoal.

No direito alemão, o titular do Pflichtteil é titular da pretensão e de ação à


aquisição do quinhão, do quanto (cf.

RICHARD LEIBL, Das Pflichtteilsrecht, 6). No direito brasileiro, o que


teria de ser do herdeiro — quer legítimo, quer testamentário — já o é (cf.,
para o direito francês, M. SCHUTZENSTEIN, Beitrtlge zur Lehre voin
Pflichtteilsreeht, 240).

Se a condição é suspensiva, não há direito adquirido a coisa: os herdeiros


do beneficiado, que morreu pendente condicione, não herdam a coisa.
Herdam, ou, melhor, podem herdar o direito expectativo.

Se não é de condição suspensiva que se trata, mas de termo inicial, há


direito adquirido à coisa: está suspenso o exercício, e não a aquisição do
direito. Os herdeiros do beneficiado que morreu antes do advento do termo,
herdam o direito à coisa..

O que decide quanto a haver condição ou termo, acontecimento certo ou


incerto, é a intenção do testador. Velha lição, que o CARDEAL DE LUCA
ilustrou.
No caso de legado condicional (suspensivamente), adjudica-se ao herdeiro,
ou testamenteiro, ou outro Legatário, que tem de cumprir o que resulta da
deixa. E sse pode reivindicar a coisa de quem quer que seja. Está com ele o
domínio.

Quanto ao legado in diem, antes do dia o legatário não pode pedi-lo, mas
com razão dizia PASCOAL JOSÉ DE

MELO FREIRE que já adquiriu o direito, real ou pessoal (cf. art. 123).

Tudo isso toma aspecto bem grave se perguntarmos: pode o legatário ante
conditionem vel diem renunciar?

PAULO DE MOURA E YAF.ABA, que tanto criticou e censurou o direito


romano (fonte de acertos e males) trouxe à balha a L. 45, § 1, D., de legatis
et fideicommissis, 31: “Si sub condicione vel ex die certa nobis legatum sit,
ante condicionem vel diem certum repudiare non possumus: nam nec
pertinet ad nos, antequam dies veniet vel condicio existat”. E vergastou a
POMPONIUS: “A razão que dá o texto é porque antes do dia, ou condição,
não se adquire o legado; cujo fundamento se reconhece o quanto é vão: 1.0)
porque para renunciar um direito basta que possamos adquiri-lo; pois
semelhante renunciação só se entende do direito contingente; 2.0) porque
sobre o fideicomisso condicional pode o fideicomissário transigir, como
expressamente o decide a L. 1, C., de pactis, 2, 3, ibi —

Condieioni~ incertum inter fratres non iniquis rationibus conventione


unitum est”.

E é inegável que pode ser matéria da renunciação aquele direito que tem
entidade bastante para ser transigido.

Escreveu PASCOAL JOSÉ DE MELO FREmE (Institutiones, III, 83) : “Pro


partem etiam legatum renunciari (potest) ... quamvis sub condicione, vel ex
die (h.ereditas) certa sit relictum, et quidem antequam dies veniat, vel
condicio implertur”.
Porque o que ele renuncia não é o direito que vai vir, mas “o direito, a que
ele”, o ato jurídico “visa” (art. 118) ; e o direito a esse direito é o direito
expectativo, é Wartrecht.

A diferença entre o termo suspensivo e a condição suspensiva está, apenas,


em que essa é mais enérgica na suspensividade; porém não é, nem podia
ser, inexistência jurídica abso-. luta: obsta a um direito, que é
condicionado; não, porém, ao que resulta do ato jurídico (contrato,
testamento) : há o direito a um direito. Por mais que possa destoar de
leituras superficiais, essa é a construção.

Daí a ineficácia da lei nova para ferir tais situações júridicas criadas pela
condição suspensiva e a herdabilidade de tais direitos eventuais, salvo lei
especial ou declaração contrária.

Quanto à alienabilidade (transferência, transação, renuncia,


penhorabilidade, arrestabilidade), a regra é a afirmativa da possibilidade. Só
não cabe onde o direito, a que visa, não no é. PAULO DE MOURA E
YARABA e ANDREAS

VON TUHR (Der Allgemeine Teu, 1, 224; cf. G. PLANCK, Kommentar, II,
556), após as lutas que se conheceram.

No Código Civil francês, ad. 1.181,

2 a alínea, diz-se: “obligation ne peut être éxecutée qu‟aprês l‟événement”.

Dos textos o que mais se parece com o brasileiro é o do Código Civil


alemão, § 158.

Tirou-se do art. 1.181 do Código Civil francês que a posição jurídica não se
herda. “Une chaince‟, dirão os juristas franceses, “qui est considerée déjà
comme un élément actif ou passif du patrimoine”. Nih.il adhuc debetur, sed
spes est debitum ici.

Mas, nesse estado, já o direito condicional é transmissível:e sse direito, que


só existe em estado futuro ou virtual, passa aos herdeiros, com a morte do
titular. É cedível, é renunciável. Os italianos não diziam outra coisa: há
direito, se bem que não seja, precisa e completamente, o que haverá,
quando se verificar a condição; transmite-se aos herdeiros do titular, de
regra. Os juristas portugueses entenderam durante o tempo que medeia
entre a declaração de vontade e a verificação ou falha da condição, há
estado de pendência, que constitui situação especial regulada pelo Direito,
e dela derivam direitos. São permitidos os atos conservativos. Tais direitos
condicionais, ou eventuais, podem ser transmitidos, quer por atos entre
vivos, quer causa mortis (GUILHERME ALVES MOREIRA, Instituições
do Direito Civil português, 1, 480).

Se a condição tem por objeto ato de uma das partes, que não seja pessoal, o
herdeiro toma-lhe o lugar. A regra é a hereditariedade, não só das
obrigações como de todas as posições jurídicas, oriundas de declaração de
vontade.

A condição suspensiva, só por si, não obsta à hereditaríedade do direito


expectativo. Onde foram buscar o contrário ITABAIANA DE OLIVEIRA
(Elementos de Direito das Sucessões,. 281) e EDUARDO ESPÍNOLA
(Manual, III, 2, 63), que muito parece ter-se impressionado com o art. 74,
III, e o § único? Mas tais dizeres, oriundos da Comissão revisora (ad. 183),
não meras proposições definidoras, e não regras legislativas. Provavelmente
em FERREIRA ALVES (Manual do Código Civil, 19, 150).. Não haverá
herdabilidade quando a condição é ato pessoal do titular, ou quando, por lei,
ou disposição do ato, deva verificar se durante a vida do titular do direito
expectativo, ou quando tocar a qualidade própria do titular.

direito expectativo do Código Civil, arte. 118, 121, é a Rechtspositicrn dos


comentadores alemães, o Wartrecht, de que GREGOR SEMEKA (Das
Wartrecht, Archiv f‟Ur BiirgerlichesRecht, 135, 121 s.) e ANDREAS VON

TUHR (Der Alígemeine Teil, tanto cogitaram e foi assunto deste Tratado,
Tomo V, § § 573— 578). Não há dúvida quanto à hereditariedade deles, de
regra.
No Código Civil alemão, § 2.074, aparece a exceção à hereditariedade:
“Tendo feito o decujo disposição de última vontade sob condição
suspensiva, deve presumir-se, em caso de dúvida, que a liberalidade
somente deve valer se o beneficiado sobreviver ao advento da condição”.
Não há, explícita, no Código Civil brasileiro, tal regra jurídica de
interpretação. (Aliás, o “valer”, gelten, foi termo impróprio, porque se trata
da eficácia, e não de validade.) O Código Civil brasileiro, art. 118, coincide
com o Código Civil alemão, § 158. Ora, lá, ninguém tiraria do § 158

que ele inibe a hereditariedade da posição jurídica. No Brasil, vemos tal


dedução em ITABAIANA DE OLIVEIRA (Elementos de Direito das
Sucessões, 281). Não está certo. As conseqüências seriam desastrosas A
contratou tantas sacas de açúcar para o dia 5 do mês próximo, se o Brasil
tiver aderido ao convenio ou quando o Brasil aderir; morreu no intervalo,
os seus herdeiros não herdariam isso. Herdam, sim. Herdam o Wartrecht, o
direito expectativa a posição jurídica, que vai aos herdeiros como todos os
outros elementos componentes do seu patrimônio, é herdavel, transferível,
como parte do patrimônio do titular do direito expectativo, e como ativo de
uma massa.

A posição jurídica, o direito expectativo do fideicomissário, é protegido


pela combinação de restrições e de deveres do fideicomisso, como acontece
noutras situações oriundas de condições suspensivas (art. 121). O art. 1.788
do Código Civil é exceção ao principio da hereditariedade.

Ainda no caso de legado, ou de herança com opção (Código Civil, art.


1.699), o direito passa ao herdeiro.

Outra questão é a da aceitação: se não foi feita, e a instituição do herdeiro


está adstrita a condição suspensiva, ainda não verificada, é inerdável; mas
porque há texto expresso, especialíssimo (art. 1.585, in fie). Seria êrro
este/nder-se tal regra jurídica sobre herança ainda não aceita a outras
heranças não aceitas. O art. 1.585, in fine, só se ~refere à aceitação não
operada em vida do herdeiro, em caso de condição suspensiva.
A deferência do art. 74, parágrafo único, nada tem com a herdabilidade do
direito expectativo. O mais frisante exemplo é o da situação criada no
intervalo entre a transmissão da herança (art. 1.572) e a aceitação ou
renúncia.

Ora, em se tratando de renúncia, que seria o caso mais próprio de aplicação


do artigo 74, parágrafo único, se ele tivesse considerado direito já herdável
ou direito não herdável, como direito deferido ou não deferido,
respectivamente, nenhuma invocação seria preciso do ad. 1.585. Não se tire
das definições do art. 74, parágrafo único, qualquer regra legal, quer sobre
direito intertemporal, porque se chocaria com os princípios, quer sobre a
herdabilidade dos direitos, porque seria, na prática, calamitosa. Jus delatum,
is nondum delatum: por exemplo, herdeiros necessários presumíveis (antes
da morte do decujo), herdeiros necessários no momento da morte.

No revogado Código Civil português, art. 2.011, foram equiparados


herdeiros legítimos e testamentários. E lá vinha a aceitação cuidadosamente
disciplinada. O Código Civil alemão fixa prazo à renúncia (§ 1.944, alínea
í.~). Bem assim, o Código Civil suíço (arts. 567 e 571, 1ª parte).

Em virtude do desenvolvimento, que aí fica, restringiu-se o assunto,


delimitou-se o campo em que se há de pôr o problema de interpretação do
direito brasileiro:

a) Nada tem o direito brasileiro, quanto à transmissão ipso iure, com o


direito romano: o Código Civil, art. 1.572, claramente estatui transmitirem-
se, desde logo, quer aos herdeiros legítimos, quer aos testamentários, o
domínio e a posse (entenda-se a propriedade e a posse).

b) Como o direito francês, que é, nesse ponto, o mais germânico, o direito


brasileiro tem a saisina; porém não a limitação aos herdeiros legítimos (e
“naturais”), e aos legatários universais, no caso do art. 1.006 do Código
Civil francês.

2. DIREITO ALEMÃO. — No Código Civil alemão, o § 1.922, que trata da


transmissão por morte, fala em Vermiigen, patrimônio, ais Ganzes, “como
todo”. É o conceito da sucessão universal. Quanto à posse, estatui o §
857: “Der Besitz geht auf den Erben tiber”. É a hereditariedade da posse,
como já se tem, e o direito romano não a conheceu. A concepção alemã
lutou na elaboração do Código Civil alemão e venceu o II Projeto, § 777
(Protoleollc, V, 650 s.). A doutrina tirou do apodíctico princípio do § 857
todas as conseqüências de aplicação: todas as espécies de posse, que o
testador tinha e suscetíveis de se lhe transmitir o exercício, passam aos
herdeiros, cf. OTTO vON

GIERKE (Deutsches Privatrecht, II, § 115), E. 1. BEKKER (Aphorismen


zur Besitzlehre, 17) e MARTIN WOLF‟F

(Das Sachenrecht, Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts,)

3.

DIREITO suíço. — No Código Civil suíço, § 560, os herdeiros adquirem,


de pleno direito, a universalidade da sucessão, desde que está aberta. Mit
dem Tode, diz o texto alemão. No art. 567 consigna-se o prazo de três meses
para a renúncia (ré pudier, diz o texto francês; zuir Ausschlagung, no
alemão). Contados da morte, para os legítimos; do dia da comunicação,
para os instituidos. O prazo do art. 567 constitui direito cogente (A.
ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch
de A. EGOER, III, 250). Se não a renuncia (art.

571, alínea 1), ou se a renuncia ilegalmente (e.g., sob condição ou reserva;


EMIL STROHAL, Da deutsche Erbrecht, II, 16; EuGÊNE CURTI-
FORRER, Commentaire du Code Civil suisse, 448; A. ESCHER, III, 210),
não importa.

4.

CÓDIGO CIVIL AUSTRÍACO. — Bem diferente é a solução no caso dos


§§ 797-824 do Código Civil austríaco. Entre o decujo e os herdeiros
interpõe-se o juiz. A aceitação é perante ele: nunca ela é tácita. O juiz
aprecia a espécie, e dá ou não a posse. Se há testamento e sucessíveis ex
lege, que pleiteiam a nulidade ou a anulação, a imissão não se faz. Nenhum
dos litigantes recebe a herança: da se lhe administrador. A ingerência do
juiz é, evidentemente, grande. ~A preocupação fundamental é a de só se
entregar o bem aos verdadeiros herdeiros.

Com a adjudicação, confere-se a posse. E a posse, que então se confere, tem


a vantagem da publicidade, porque coincide com o registro fundiário e com
as garantias da entabulação (§§ 819 e 436).

Em comparação com outros sistemas, é de notar-se que nesses não se


transcrevem as passagens mortis causa, donde a ocorrência das soluções de
continuidade. Com o sistema jurídico brasileiro, coincide, em parte, mas
quanto à propriedade, uma vez que, hoje, se transcrevem as partilhas e os
cálculos de adjudicação: a posse é que, transmitida ex lege, fica sem
publicidade. Aliás, mesmo a propriedade transmite-se com a morte (Código
Civil brasileiro, art. 1.572), apenas — quanto aos efeitos divisórios —
depende da transcrição (art. 532, 1).

A transmissão aos herdeiros (Código Civil brasileiro, artigo 1.572) não


precisa de registro: opera-se ex tege.

§ 5.648. TESTAMENTO E SAISINA

Noutros sistemas jurídicos, procuraram-se expedientes para se dar


publicação às transmissões causa mortis, conforme provam os projetos
italianos de 1903 e de 1910. VITTORIO POLACCO (Delie successioni, II,
75) pensou na própria transcrição dos testamentos. Assim, se evitaria o tão
longo decorrer entre a transmissão ex lege e a transcrição.

Se bem que a ingerência judicial, no Brasil, não dê a posse, o sistema


aparece fundamente atenuado, quase contraditório, quando os bens são
apólices ou outros títulos, porque as repartições e estabelecimentos exigem,
pelos regulamentos e estatutos respectivos, os alvarás ou ofícios do juiz.
Mas há o artigo 1.572 do Código Civil, dir-se-á.

Sim, há o art. 1.572. Mas que é ele (argúi-se) diante da lei especial, ou dos
estatutos da sociedade, que subordinam os efeitos da transmissão à
intervenção decisória do juiz? De qualquer modo, está no ar, inesboçada,
mas ja perceptível em traços fugidios, solução nova da publicidade e da
transmissão causa mortis, quando operada ex lege.

A descoberta dos expedientes que tornem compossíveis um e outro


princípio, que alternadamente os sistemas austríaco e brasileiro
sacrificariam, constituiria problema de política jurídica, e — no momento
— dos mais urgentes e delicados. As leis especiais e os estatutos só se
podem referir a efeitos internos à empresa ou à entidade estatal ou
paraestatal emissora. O testador não pode destruir o direito do Código Civil,
artigo 1.572: é ius cogens, é inderrogável, pelos disponentes, a aquisição
ipso iure da herança. O art. 1.665 não precisava dizê-lo, nem,
verdadeiramente, o disse. Nas próprias disposições fideicomissárias, a
herança — domínio e posse — passa, desde logo, aos herdeiros fiduciários,
O direito do herdeiro, o direito condicionado ou não à herança, o direito de
herdar, a qualidade hereditária, essa nasce simultaneamente, com a morte do
decujo, aos fiduciários e aos fideicomissários, indistintamente. O próprio
fideicomissário é herdeiro do morto, e não do fiduciario.

. É absoluto o princípio da aquisição ipso iure? ~ No caso de falência, ou de


insolvabilidade notória? A lei não abriu exceção. Não havendo, no Código
Civil, prazo fixo, como existe no alemão e no suíço, a exceção é escusada.

Demais, o art. 1.590 contém a veia aberta da retratabilidade da própria


aceitação.

5. DOIS PRINCÍPIOS. — Vigoram no Brasil os dois princípios: a) o


princípio da sucessão em todo, ou da universalidade da herança (Prinzip der
Gesamtfolge): a herança passa aos herdeiros como todo, indo, como
unidade (ativo e passivo, domínio, nuas propriedades, domínio útil, direitos
reais, créditos), aos que são chamados e que recolhem. b) O princípio da
aquisição co ipso (Prinzip des “eo ipso”-Krwerb es), pelo qual os bens da
herança passam aos herdeiros, sem qualquer ato para os adquirir e sem
necessidade de qualquer manifestação de vontade.

“Aberta a sucessão”, isto é, com a morte, transmitem-se os bens. É o


germânico Der Tote erbt den Lebemdigen, le mort saisit te vif, a saisina de
direito, saisina iuris. Não se pode falar em herança jacente (P. rBUOR, Das
Erbrecht, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 565) : no
Código Civil brasileiro, tal expressão é errônea, para designar a herança
sujeita às procuras de herdeiros parentes; tecnicamente (arts. 1.591-1.594),
contradição verbal. O art. 1.572 estatui que a herança se transmite, desde
logo, aos herdeiros legítimos e testamentários; o art.

1.603 inclui os Estados, o Distrito Federal e a União na classe dos


legítimos; e o art. 1.594 diz que os bens arrecadados passam ao domínio do
Estado, do Distrito Federal ou da União, decorridos cinco anos da abertura
da sucessão (Decreto-lei n. 8.207, de 22 de novembro de 1945). Mas o
domínio, se não havia herdeiros, passou, no dia da morte, àquelas pessoas
jurídicas de direito público; se os havia, não passou, e somente passam
cinco anos depois.

Tem-se de interpretar, desfazendo-se a contradição intrínseca.

6.

CONCEPÇÃO CIENTÍFICA DA SAISINA. — Finalmente, a construção.


Foram propostas as explicações seguintes:

a) Presunção da aceitação pelos herdeiros (G. P. CHIRONI, Istituzioni di


Diritto Civije italiano, II, 2Y~ ed., 405

s.; A.

EsCHER, Das Erbrecht, Kommentar, III, 183). Mas, em verdade, quanto ao


fundamento histórico do princípio germânico da aquisição co ipso, tal
presunção constituiria elemento heterogêneo e acrescido pelos que têm
dificuldade em explicar o próprio princípio. Aliás, a dificuldade só existe
onde se quer, com os conceitos romanos, esclarecer o elemento germânico.

b) Condição suspensiva da aceitação. Explicação contraditória, porque o


princípio estabelece exatamente o contrário: a transmissão automática.
Máxime historicamente. Incorreram nesse erro A. HEUSLER (Institutionen
des Deutschen Privatrechts, II, 560), EUGEN HUBER (Sstem und
Geschichte des schweizerischen Privatrechts, IV, 667) e L. REHF‟OUS-A.
MARTIN, Introduction à l‟Ê‟tude du Code Civil suisse, 158).

c) Princípio da transmissão ipso iure. Haveria condição resolutiva da


renúncia. É a solução teôricamente menos artificial. , mas atendamos a que
essa explicação pelo fato jurídico condicionado tornaria ato jurídico o que o
não é.

A transmissão deriva de acontecimento involuntário, que é a morte. Os atos


jurídicos são fatos jurídicos, porém nem todos os fatos jurídicos são atos
jurídicos. A condição, na espécie, seria daquela classe que se costuma
chamar condição legal, pelo fato de serem efeito de ius cogens e inerentes
ao instituto.

d) Aceitação, com efeito retroativo, explicação que, posta por A. FABER e


CESARE LOSANA, não se compadece com a existência indiscutível de
dois princípios diferentes: o romano e o germânico.

e) Condição resolutiva para o herdeiro chamado, suspensiva para o


beneficiado pela renúncia; com a aceitação, cessaria o direito desse; com a
renúncia, o daquele. Certo, tudo se passa como se assim fosse; mas por que
aludir-se a condição?

f)

Diante dos efeitos do art. 1.572 do Código Civil (cf. Código Civil alemão, §
1.922), entendia ERNST STAMPE

(Unsere Recht und Begriffsbildung, 55 s.) que só existia uma aquisição ipso
inre, a do Fisco, porque não precisa aceitar nem deliberar: chegada a sua
vez de suceder, sucede sem qualquer ato seu, sem qualquer possibilidade de
se voltar sobre a ordem do Código Civil. Nos outros casos, não; é a própria
lei que se encarrega de atenuar, até à contradição, as conseqüências
imedatas do art. 1.572: a aquisição dos outros sucessíveis não é definitiva,
tanto assim que pode a herança ser renunciada, e os chamados se tratam
como se não estivessem na sua vez. Daí falar na oferta causa mortis, que
seria a situação do sucessível antes de aceitar ou renunciar, — oferta do que
faleceu aos herdeiros. Vê-se bem quão desesperada foi a solução teórica de
ERNST STAMPE, solução em que insistiu em 1922

(Juristische Wochenschrift, 50, 22), em nota a julgado da justiça.


Interessante é notar-se que, no fim da sua exposição, aludiu a “mania

de construir” dos juristas, esquecendo-se de que a sua construção,


aberrativa, concorreria para maior acúmulo de edificações opinativas.

7.

EXAME DAS OPINIÕES. — Alguns autores põem muito ao vivo a


provisoriedade do herdeiro em espera; porque não e definitiva. É levar
muito longe a noção de provisório: definitivo, então, não seria o
proprietário de nenhum bem, porque pode dá-lo, vendê-lo, trocá-lo. Nem
seria definitivo o proprietário de fundo que outro possui, porque a posse
gera usucapião. O domínio e a posse transmitem-se, diz a lei, desde logo:
herdeiro, ele o é, definitivamente; com a possibilidade de renunciar
po‟sterior‟m~ente, deixando de ser, de ter sido, como, ainda depois de
aceitar, pode retratar a aceitação, ou renunciar a herança já aceita (ato de
doação ou de alienação onerosa) 8. CONSEQÜÊNCIAS DO PRINCÍPIO.
— Resulta do princípio posto no Código Civil, art. 1.572: a) Os herdeiros,
quer legítimos, quer testamentários, podem, desde logo, exercer as ações de
domínio. Mas fazem-no como proprietários pro iudiviso, se há mais de um.

b) Os herdeiros, legítimos, ou testamentários, podem reclamar, na qualidade


de compossuídores, os bens da herança que se acham com terceíro ou cuja
posse terceiros turbam.

c) Não existem bens sem dono, por motivo de morte. A expressão “herança
jacente” é errônea; e o nome que se dá ao instituto dos arts. 1.591-1.594 não
tem o significado romano. Nem podia ter (arts. 1.572, 1.603) . No spatium
deliberandi, há sempre sujeitos da herança: nunca se dá a existência de bens
que, pela morte do dono, fiquem adéspotas.

d) Para a posse da herança — no direito brasileiro — os herdeiros não


precisam de investidura judicial. Nem precisam eles de apreensão material.
A formalidade da abertura ou da apresentação e do cumpra-se do
testamento nada tem com o fato do Código Civil, art. 1.572: são
formalidades do processo do testamento, que não tiram nem dão direitos;
apenas, tratando-se de herdeiros testamentários, delas precisam eles, para a
exigibilidade de alguns dos seus direitos, ou para a prova da qualidade de
herdeiros ex testamento.

Daí dizer-se que a função do juiz é receptiva, e não ativa. Os direitos dos
herdeiros, eles os têm por forca do ato testamentário, desde o dia dos
efeitos (morte do testador), ainda que continuem em segrêdo as disposições
(isto é, quando ainda fechado o testamento). A posse da herança vem-lhes
da lei. Dá-se o mesmo quando particular o testamento e, pois, dependente
das formalidades dos arts. 1.646-1.648 do Código Civil: são
comprobatórias. O julgado opera desde a morte do testador. (Em todo o
caso, na discussão, e enquanto se apura a verdade, pode o juiz ordenar atos
conservativos, ou de tutela dos interessados, como o sequestro. Mas isso
pode ele decidir a respeito de quaisquer coisas sobre cuja posse pairem
fortes dúvidas, tal como se dá na espécie do Código Civil, art. 507,
parágrafo único.)

No caso de fideicomisso, discutiu-se se, com a morte do fiduciário, a posse


dos bens fideicomitidos passa aos herdeiros do fiduciário, ou, desde logo,
também ao fideicomissário. EMII. STROHAL (Das deutsche Erbrecht, III,
75) procurou reestudar a questão, tida como difícil. JULIUS BINDER (Die
Rechtsstellung des Erbe‟n, III, 60), de acordo com a sua concepção geral,
admitiu, sempre, a possibilidade de ipso iure passar aos fideicomissários a
posse.

Aliás, a opinião mais vulgar era a de transmitir-se aos pós-herdeiros com o


implemento da condição, com advento do termo, ou a posse dos bens
gravados. Mas pode ocorrer que a condição se adimpla ou o termo advenha
em vida do fiduciário, que está de posse dos bens: ora, nesse caso, ele não
perde, ipso iure, a posse, pois, ocorrendo-lhe a morte, passa, segundo
alguns, a seus herdeiros, que a entregarão aos fideicomissários e, para
outros, vai ao fideicomissário, automáticamente (JOHANNES
BIERMANN, Das Sachenrecht, III, § 57).
É possível mais puro trato de problema tão sutil. Com a morte do decujo
nasceu o direito de herdeiro ao fiduciário e ao fideicomissário. Não há
dúvida. Mas o fiduciário é que recebe o domínio resolúvel e a posse.
Questão preliminar:

~. O fideicomissário já tem domínio? Segunda questão preliminar: o


fideicomissário já tem posse, por farsa do art.

1.572, uma vez que a peça transmitida independe da veste de fato, isto é, a
ordem legal abstrai do poder efetivo?

Quanto ao domínio, fideicomissério ainda não o tem: a condição, para o


fiduciário, é resolutiva, e foi ele quem adquiriu o domínio.

Se a posse do fiduciário é só mediata, com a morte dele,. vai ao


fideicomissário. Mas, se é, também, imediata (direta), adquirida depois, não
pode essa, sem qualquer ato de transmissão, isto é, por efeito do art. 1.572

(transmissão automática), passar ao fideicomissário: fica com os herdeiros


do fiduciário, de quem o fideicomissário a haverá. Não é pela ação de posse
que há de reclamá-la contra os herdeiros.

O co-herdeiro, que foi acionado para cumprimento de dívida da herança,


dívida da comunhão hereditária ou só parcial, tem objeção contra o que
atinja o seu patrimônio fora do que lhe passa com a morte do decujo, por
direito sucessório. O que herdou entrou no seu patrimônio, com a saisina,
mas permite, em virtude do benefício de inventário, legalmente
estabelecido, a discriminação.

§ 5.649. Confluência e luta de dois princípios

1. ADIÇÃO DA HERANÇA E AQUISIÇÃO AUTOMÁTICA. —


Rigorosamente, dois princípios disputam as preferências, e a História, aqui,
os extrema, e ali, os mescla um ao outro: o princípio da adição da herança
ou aquisição pelo ato jurídico do herdeiro; o princípio da situação criada
pela acidentalidade da morte para os bens já comuns. A modernidade
juntou-os, e fêz sistemas novos, que são os vigentes, mais próximos ou mais
distantes da noção romana, mais próximos ou mais distantes do
Sachsenspiegeí, 1, 33, III, 83, § 1, e do Preussisches Alíge-mernes
Landrecht, 1, 9, § 67 s. Na sucessão dos tronos, le roi est mort, vive le roil
No primeiro sistema, são em tempos diferentes delação e aquisição; no
segundo, simultâneos.

A aditio operava a transmissão. Havia efeito retroativo à morte do


sucedendo. Com ela, adquiria-se o domínio; não, porém, a posse. Posse
seria questão de fato.

Havia princípio da compropriedade familiar, e só a sucessão legítima


operava tal comunidade. Morto o chefe, a administração tinha,
naturalmente, de passar a outrem. Não se podia cogitar de aceitação, de
aditio; tão-pouco, de ingerência judicial, que fosse instrumento de
passagem do chefe aos com proprietários. De herditas iacens também não
se podia falar. Não havia sucessores propriamente ditos. Havia a comunhão,
sob a chefia; passada a chefia, continuava o que antes era: a comunhão, já
sem aquele que morreu. Der Todte erbt den Lebendigen. Mortuus saisit
vivum. Saisina defuncti descendit in vimtm. Le mort saisit le vif, son plus
prochain héritier habileà lui succéder.

No direito romano, havia o principio da transmissão reta via ao legatário (L.


80, D., de legatis et fideicommissis, 31). donde as duas ações, a real e a
pessoal (L. 2, C., communia de legatis et fideicomrnissis et de irt rem
missione tollenda, 6, 43). Ao herdeiro o legatário havia de pedir a posse; se
o legatário arbitrariamente se imitia, concedia-se ao herdeiro o interdictum
quod legatorum (L. 1, § 1, D., quod legatorum, 43, 3). A diferença entre o
direito romano e o hodierno, inclusive o brasileiro, resulta da posição de
domínio e posse do herdeiro. Havia problema técnico, que os juristas
romanos não resolveram, e parecia estarem a procurar, problema a que a
modernidade, fundidos o sistema romano e o germânico, deu solução, de
origem híbrida, porém, na teoria posterior e nos resultados, de toda a
inteireza.

A saisina iurís estabeleceu a nova ordem. Der Todte erbt den Lebendigen,
le mort saisit le vif, ou, na Itália, transeat possessio in heredem defuncti
ipso inre sine aliqua apprehensione (Estatuto de Busseto, r. 54).

No direito romano, havia a continuação da posse no sucessor a título


universal, e a conjunção das posses no sucessor a título particular (L. 40 e
L. 31, § 5, D., de usurpationibus et usucapitionibus, 41, 3; L. 13, § 10, D.,
de adquirenda vel amittenda possessione, 41, 2). Todavia entre a delação e
a adição, se outrem possuia a coisa, não havia espoliação, porque não havia
possuidor (L. 6, § 2, D., pro emptore, 41, 4). O lapso constituía o problema
técnico. Donde a lacuna na tutela possessória. A imaginação prática dos
jurisconsultos romanos experimentou expedientes, como aquele de obrigar a
pronta adição, o interdictum quorum bonorum e, devido a Marco Aurélio, o
erimen expilatae hereditatis. Expedientes, tão só.

A vida posterior deu a solução; mas a vida, a experiência, só o ousou depois


de ver a fórmula que trazia a concepção mânica da continu dxtde, da
unidade patrimonial e da investidura imediata (saisina íuris).

No conjunto do direito, esse grito germânico dominou, mas como exceção,


como direito singular, e por isso disse A.

FABER. no Codex Fabrianus, L. VII, 6, IV: “beneficium possessionis


consuetudina‟úiae quod a defuncto in heredem recte continuatur singulare
ius et privilegium est”.

Da saisina excluia-se o legatário, porque era sucessor a título particular. A


vida aproveitou os dois sistemas e deu-se, historicamente e evolutivamente,
o seguinte: ao direito romano somou-se o elemento germânico; a tutela
jurídica da posse fêz-se possível, sem os incompletos expedientes romanos,
de modo que a aspira9áo do direito romano se realizou com a fusão dos
dois direitos; e teoria e prática consagraram a nova concepção da
investidura imediata, que se coadunava com a necessidade social da
sucessão, in universum ins.

2. POSSE, NA REGRA JURÍDICA SOBRE SUCESSÃO HEREDITÁRIA.


— A posse de que fala o Código Civil, no art. 1.572,indcpende de qualquer
efetividade: ela se transfere, saiba ou não o herdeiro que se lhe transferiu;
posse nec animo nec corpore. O elernsnto germânico reponta, vê-se-lhe
bem o traço de espiritualidade, que atravesga, firme, a materialidade das
concepções romanas. Posse, que não precisa de ato ou gesto ou
reconhecimento do possuidor. Um é, categórico, que a tradição germânica
disse, e as leis escritas, após os costumes da França e de alhures, repetem.
No tempo em que a posse bonorum (Código Civil, arts. 485-523) era de
configuração romana, ao jeito de FR. VON SAvIGNY, isso criava
embaraços teóricos; hoje, com a concepção nova, refletida no Código Civil
brasileiro, esmaeceu. A lacuna romana foi preenchida, com a conseqüência
de se transmitir ao herdeiro a posse dos bens de que o testador era
proprietário e a dos pertencentes a outrem, desde que lhe coubesse a posse.
Porém, como a posse do testador vai toda ao herdeiro, o título testamentário
atribui a propriedade ao legatário e a posse vai do testador ao herdeiro, em
virtude da saisina iuris. Daí a cisão; e ter o legatário de pedir a posse.

Em francês, sai,sine é palavra de origem germânica, que significa posse, —


mais direito de possuir, ou posse que o direito dá, do que posse no sentido
de exercício efetivo. Tão portuguesa, como de outra língua, porque está nos
textos do latim cosmopolita: saisina, in saisina. No brocardo francês, le
mort saisit le vif, a psique germânico-latina da França bem se retrata: saisir,
do germânico, traduz a passagem, por força de direito, da posse do defunto
aos herdeiros, isto é, palavra germânica para exprimir conceito germânico.

A posse vai aos herdeiros que receberem a herança, quer dizer —


potencialmente deslocável de grau, incluído o efeito da representação: se
um dos chamados não aceita a herança, e ia toca aos co-herdeiros, ou, se é o
único, ou se todos renunciarem, aos sucessíveis do grau imediato. No
Brasil, ao próprio cônjuge sobrevivo e ao Fisco (art. 1.603; cp. Código Civil
francês, art. 724, que não se estende a esses). Mas repugna aos nossos dias
concepção da saisina coletiva aos parentes; só se refere a herdeiros.

Em vez de seguirem os dados históricos e os veios do princípio, através dos


tempos e em luta com o direito romano, que partia a posse, pontuando-a
com a morte do decujo, e deixando lapso entre esse momento e a tomada de
posse pelos herdeiros, — os juristas deixam-se levar pela ambição de
explicar o fato, que o art. 1.572 apodictamente cria, mas segundo os
propósitos dos seus raciocínios.
É a exigência de explicação dogmática, que, por vezes, conduz a
edificações só a priori. Aliás, para o bom êxito dos métodos científicos,
esse desejo de explicar tem de precipuamente buscar os dados históricos e
os informes de sociologia. Todo caminho, que não seja esse, pode ser
desvirtuador das realidades e dos próprios preceitos que se querem
explicados.

3. TENTATIVAS DE EXPLICAÇÕES. — a) JULIUS BINDER (Die


Rechtsstellung des E7rben, 47) entendeu que a posse do Código Civil
alemão, § 857, é posição jurídica ligada ao poder efetivo, mas que se
desprende, ao passar, do seu suporte fundamental, da sua base material.

b) Em tal ato vêem W. TURNAU—K. FÓRSTER (DOS Sochenrecht,

3 a ed., § 857) e MARTIN WOLFF (Das

Sachenrecht, Lehrbuch, III, 36), apenas ficção da posse. Assim, também,


ROTERING (Aus der Lehre vom Besitz, Archiv filr Biírgerliches Recht, 27,
95 a.).

c) FERDINAND KNIEP (Der Besitz des BGB., 168) esforçou-se por


mostrar que só se transmite a pretensão para que continue a posse.

d) Entendia HUGO KREsS (Besitz und Recht, 168 s. e 186) que os


herdeiros adquirem a posse imediata (Verkersbesitz) sem apreensão, desde
que saibam da morte e queiram ser herdeiros. É estranho aludir a esse
elemento intruso da vontade do herdeiro.

e) Para CARL CROME (System des deutschen biirgerlichen Rechts, III, 16


s.), trata-se de relação de posse, e nessa sucedem os herdeiros, sem
dificuldades conceptuais e práticas.

f) M. GREIFF (G. PLANCK, Kommentar, III, 39) achava que o poder


efetivo do decujo acabou com a morte: não poderia transmitir-se aos
herdeiros; de modo que esses precisam de tomar posse efetiva, para serem
possuidores no sentido do artigo 485 (Código Civil alemão, § 854), e os
arts. 496 e 1.572 (§ 857) não bastariam. (Na 4 ~ ed. de G.
PLAN‟CK, E. BRODMANN rediscutiu o assunto, e continuou a sustentar
que a posse não é algo de separável da personalidade, — é relação de
pessoa com a coisa; não pode ser tratada como se trata, por exemplo, o
domínio. Mas acabou por explicar como ficção, “pelo menos”).

g) A verdadeira teoria é a que busca o fundamento e a evolução do


princípio, que é estranho ao direito romano; e dele há de tirar, como
fazemos, todas as conseqüências doutrinárias e práticas. Sem esse elemento
histórico-cultural, nada se consegue de sólido e de certo.

§ 5.650. Precisões a respeito de posse

1. POSSE NO SENTIDO PRÓPRIO E POSSE DOS HERDEIROS. —A


respeito de posse dos herdeiros e legatários, encontram-se no Código Civil
os arts. 495, 496, 1.572, 1.580, 1.754, 1.755 e 1.579. Mas, a despeito, de
usar-se a mesma palavra posse, cumpre distinguir-se da posse dos arts. 495
e 496, referida no capítulo sobre posse (Direito das Coisas), rei possessio,
BesUz ou Sachenbesitz, e posse dos demais artigos, que é a hereditatis
possessio do direito romano, Erbschaftsbesitz. São institutos distintos,
outrora e hoje, que concernem a fatos idênticos.

Como havemos de ver, a hereditatis possessio apresenta, no direito romano,


no comum e no vigente entre povos cultos, estrutura particular, que a olhos
cuidadosos teria lembrado, na feitura dos Códigos Civis, nome que evitasse
qualquer confusão. Se no Código Civil alemão se empregou o romanismo
Erbschaftsbesitzer, para que se não misturasse com o Besitzer da doutrina
da posse, nenhum cuidado tiveram os legisladores de outros Estados,
desatentos a linhas mestras das instituições. Na prática, a diferença é de
importância. Basta pensar-se em que a ação do possuidor, no caso do art.
495, combinado com os arts. 485, 499, 501, 502 e 5.04, esbarra, em se
tratando de bens móveis, diante do art. 618 (usucapião, no caso de boa fé e
posse ininterrupta de três anos), ou do art. 619 (ainda com má fé e sem
título, durante cinco anos), ao passo que não prescrevem em tais tempos as
ações oriundas da hereditatis possessio. Quando já é nenhum o meio de
reaver-se a posse, possessio rei, ainda perdura a ação contra o possuIdor da
herança. Em se tratando de imóveis, as ações possessórias têm de parar,
diante de quem alega posse, com justo título e boa fé, de dez anos entre
presentes, ou quinze entre ausentes (art. 551), e no entanto persistem os
meios legais fundados no direito hereditário (e.g., petição de herança,
querela de doação oficiosa). Cp. Código Civil, arts. 177, 179 e 1.772, § 2.0.

2. RELEVÂNCIA DA DISTINÇÃO. — E evidente a relevância da


distinção. No instituto da posse da herança, dois elementos alteiam-se
como indestrutíveis colunas, e é impossível, sem graves erros, tomar-se
uma por outra das duas construções heterogêneas, a posse do direito das
coisas, que só ela rigorosa-mente merece chamar-se posse, e a outra, a do
herdeiro, que se funda em título, e não no ter-se, de fato, o exercício, pleno,
ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou outro direito real
(art. 485). Aquelas duas colunas, a que nos referimos, dão caráter próprio
ao instituto: uma é o pensamento de universalidade, que dilata a
significação mesma da palavra posse; outra, o de título lucrativo, mas
ineficaz, pelo qual alguém, em vez de herdeiro, possui (A. A. VON
BUCHHOLTZ, Juristische Abhahdlungen, 10; RUDOLF LEONHARD,
Die Erb schaftsbesitz, 76 s.; JOSEPH SCHAEFER, Vergleich zwischen
Sachbesitz und Erbschaftsbesitz, 71). No fundo (bem significativo é o fato
do excesso dos prazos da usucapião), privilégio para restaurar a ordem
intrínseca, dentro do tempo (cp. JuLIUS BINDER, Die Rechtsstellung des
Erbeu, 421 s.). Os dois elementos dão à posse do herdeiro as ações que
decorrem de particularidades de direito material e de direito processual, tão
firmes, que RUDOLF LEONHARD não acreditava em que, no futuro, se
apaguem (127). Foram baldados os propósitos assimiladores do
Preussisches Alígemeines Landrecht e do Código Civil francês: teve a
prática, fruto da vida, de trazer as águas. ao leito próprio; bem assim, o
exemplo do Código Civil alemão (§§ 2.018-2.031). No Brasil, deixou-se à
doutrina, mas, em verdade, subentendem-se as regras jurídicas materiais
precisadoras do instituto e constitutivas do velho e tradicional direito das
ações.

Na posse, rei possessio, cogita-se de relação entre a pessoa e a totalidade


dos sujeitos, a respeito de coisa sobre a qual se exerce poder fático, estado
social, que independe do direito à coisa. Nas ações fundadas no Código
Civil, arts. 1.572, 1.580v 1.754, 1.755 e 1.769, alega-se direito. A ação de
petição de herança compete ao herdeir.o, legítimo ou testamentário, contra
aquele que, com fundamento em direito sucessório que em verdade não
tem, só possui os bens da herança (Código Civil alemão, § 2.018: “der auf
Grund eines ihm in Wirklichkeit nicht zustehenden Erbrechts- etwas aus der
Erbschaft erlangt hat (Erbschaftsbesitzery‟; Código Civil brasileiro, art.
1.580:

“ao terceiro, que indevidamente a possua”). Ação universal, que nada tem a
ver com os efeitos da posse, nem com os da usucapião, pois, semelhante à
reivindicação, constitui luta entre direitos, porém, luta de títulos,
independente das regras jurídicas de aquisição por outro título que não seja
o hereditário. Por isso mesmo, o réu pode opor-lhe, não só a prescrição de
vinte anos, que é a das ações do direito hereditário, como também o não se
tratar de possuidor a título de herança, caso em que só seria possível a ação
do art. 524, ineficaz além dos prazos usucapitivos.

Aproveitemos o ensejo para meditar no punclum dolens: é o fato de o réu


possuir com pretendido direito hereditário, isto é, crer-se ou ter-se por
herdeiro, que lhe escancara as portas às investidas dos autores contra a sua
posse, ainda depois de cumpridos os prazos que lhe dariam, se outro fosse o
título, a propriedade dos bens móveis (arts. 618 e 619), ou imóveis (arts.
550-552).

3. OBJETO DA POSSE. — Quanto ao próprio objeto, há diferença entre o


que pode ser objeto de proteção possessória (Código Civil, arts. 485, 486 e
493, 1, II) e o que pode ser compreendido sob o conceito de posse do
herdeiro (arts. 1.572 e 1.580) ou de posse e administração (arts. 1.754 e
1.755). Se um título nominativo pode ser reclamado com fundamento na
posse da herança, não no seria pelas ações dos arts. 499-519. Tudo que é
patrimonial constitui objeto de hereditatis posses-. sio. Não se
compreendem na posse, em sentido próprio, os direitos, isto é, o que se
pode ter sem ser objeto de direito das coisas. Pela mesma razão, não se
poderia reclamar por ação possessória universitas iuris, ao passo que os
herdeiros, com as ações do art. 1.580, pedem, precisamente, a herança, a
universalidade, na qual se incluem dívidas ativas nominais, quiçá simples
ações a serem propostas contra outros.
Bastaria ler-se a L. 18, § 2.0, D., de hereditatis petitione, 5, 3. Agora
vejamos, disse ULPIANO, que coisas se compreendem na petição da
herança, et placuit universas res hereditarias in, hoc indicium venire7 sive
iura sive corpora sint. Ora, sabemos quais os direitos, pretensões e ações
que, em razão de recaírem em coisas, se protegem, mas, no direito romano,
“possideri autem possunt quae sunt corporalia” (L. 3, pr., D., de adquirenda
vel amittenda possessione, 41, 2), nem se cogitaria de admitir posse sobre.
universalidade de coisas (H. DERNBURG, Pandekten, 1, § 176, nota 3,
407). Enquanto pende a ação dos herdeiros, o réu continua a ser protegido,
pelas regras jurídicas sobre posse, na sua possa. Na justa dos títulos, entre
sujeitos determinados (autores e réus) não se apaga situação pessoal em
relação a totalidade dos sujeitos, protegida em virtude de considerações de
ordem social entre os cidadãos.

Tão radical é o efeito da petição de herança, que ela busca ações nascidas
contra o próprio possuIdor, dívidas que, noutros casos, desapareceriam pela
confusão dos sujeitos. Seria difícil conceber “posse” em tais espécies
(RUDOLF

LEONHARD, Der Erbschaftsbesitz, 11; ARNOLD LEINWEBER, Die


hereditatis petitio, 7). Pede-se um patrimônio (L. ARNDTS VON
ARNE5BERQ Gesammelte civilistische Schriftert, II, 280) Também no
Código Civil alemão não se poderia pensar em “posse que não fosse poder
fático sobre coisas. Escapa ao JULIUS BINDER, Die Rechtsstellung des
Erben, 421 s.). Os dois elementos dão à posse do herdeiro as ações que
decorrem de particularidades de direito material e de direito processual, tão
firmes, que RUDOLF LEONHARD

não acreditava em que, no futuro, se apaguem (127). Foram baldados os


propósitos assimiladores do Preussisches Aligemeines Landrecht e do
Código Civil francês: teve a prática, fruto da vida, de trazer as águas. ao
leito próprio; bem assim, o exemplo do Código Civil alemão (§§ 2.018-
2.031). No Brasil, deixou-se à doutrina, mas, em verdade, subentendem-se
as regras jurídicas materiais precisadoras do instituto e constitutivas do
velho e tradicional direito das ações.
Na posse, rei possessio, cogita-se de relação entre a pessoa e a totalidade
dos sujeitos, a respeito de coisa sobre a qual se exerce poder fático, estado
social, que independe do direito à coisa. Nas ações fundadas no Código
Civil, arts. 1.572, 1.580v 1.754, 1.755 e 1.769, alega-se direito. A ação de
petição de herança compete ao herdeiro, legítimo ou testamentário, contra
aquele que, com fundamento em direito sucessório que em verdade não
tem, só possui os bens da herança (Código Civil alemão, § 2.018: “der auf
Grund eines ihm in Wirklichkeit nicht zustehenden Erbrechts etwas aus der
Erbschaft erlangt hat (Erbschaftsbesitzer)”; Código Civil brasileiro, art.
1.580:

“ao terceiro, que indevidamente a possua”). Ação universal~ que nada tem
a ver com os efeitos da posse, nem com os da usucapião, pois, semelhante à
reivindicação, constitui luta entre direitos, porém, luta de títulos, .,
independente das regras jurídicas de aquisição por outro título que não seja
o hereditário. Por isso mesmo, o réu pode opor-lhe, não só a prescrição de
vinte anos, que é a das ações do direito hereditário, como. também o não se
tratar de possuidor a título de herança, caso em que só seria possível a ação
do art. 524, ineficaz além do~ prazos usucapitivos. Aproveitemos o ensejo
para meditar no punctum dolens: é o fato de o réu possuir com pretendido
direito hereditário, isto é, crer-se ou ter-se por herdeiro, que lhe escancara as
portas às investidas dos autores contra a sua posse, ainda depois de
cumpridos os prazos que lhe dariam, se outro fosse o título, a propriedade
dos bens móveis (arts. 618 e 619), ou imóveis (arts. 550-552).

3. OBJETO DA POSSE. — Quanto ao próprio objeto, há diferença entre o


que pode ser objeto de proteção possessória (Código Civil, arts. 485, 486 e
493, 1, II) e o que pode ser compreendido sob o conceito de posse do
herdeiro (arts. 1.572 e 1.580) ou de posse e administração (arts. 1.754 e
1.755). Se um título nominativo pode ser reclamado com fundamento na
posse da herança, não no seria pelas ações dos arts. 499-519. Tudo que é
patrimonial constitui objeto de hereditatis possessio. Não se compreendem
na posse, em sentido próprio, os direitos, isto é, o que se pode ter sem ser
objeto de direito das coisas. Pela mesma razão, não se poderia reclamar por
ação possessória universitas iuris, ao passo que os herdeiros, com as ações
do art. 1.580, pedem, precisamente, a herança, a universalidade, na qual se
incluem dívidas ativas nominais, quiçá simples ações a serem propostas
contra outros.

Bastaria ler-se a L. 13, § 2.0, D., de hereditatis petitione, 5, 3. Agora


vejamos, disse ULPIANO, que coisas se compreendem na petição da
herança, et placuit universas res hereditarias in hoc iudicium venire, sive
iura sive corpora sint. Ora, sabemos quais os direitos, pretensões e ações
que, em razão de recaírem em coisas, se protegem, mas, no direito romano,
“possideri autem possunt quae sunt corporalia” (L. 3, pr., D., de adquirenda
vel amittenda possessione, 41, 2), nem se cogitaria de admitir posse sobre
universalidade de coisas (H. DERNBURG, Pandekten, 1, § 176, nota 3,
407). Enquanto pende a ação dos herdeiros, o réu continua a ser protegido,
pelas regras jurídicas sobre posse, na sua posse. Na justa dos títulos, entre
sujeitos determinados (autores e réus) não se apaga situação pessoal em
relação a totalidade dos sujeitos, protegida em virtude de considerações de
ordem social entre os cidadãos.

Tão radical é o efeito da petição de herança, que ela busca ações nascidas
contra o próprio possuidor, dívidas que, noutros casos, desapareceriam pela
confusão dos sujeitos. Seria difícil conceber “posse” em tais espécies
(RUDOLF

LEONHARD, Der Erbschaftsbesítz, 11; ARNOLD LEINWEBER, Die


hereditatis petitio, 7). Pede-se um patrimônio (L. ARNDTS VON
ARNESBERGY Gesammeíte civilistische Schrif teu, II, 280).

Também no Código Civil alemão não se poderia pensar em “posse” que não
fosse poder fático sobre coisas. Escapa ao conceito a chamada posse de
direitos. O objeto da hereditatis passessio ultrapassa as raias do que a teoria
e a lei traçaram à posse.

Na ação de reivindicação, o réu é possuIdor. Na de petição de herança, é de


mister que o réu tenha adquirido algo da herança, ponto em que se percebe
a má redação do art. 1.580, ~ 1.~, que insiste na expressão “possua”,
afastando-se da precisa frase do Código Civil alemão, § 2.018 (“do que, em
virtude de um direito hereditário, que, na realidade, não lhe pertence.
adquiriu algo da herança”). Aqui, basta que faça a prova de ter adquirido, a
título hereditário, ao passo que ali a posse no momento constitui um dos
pressupostos de legitimação passiva (PAUL

LANGHEINEKEN, Ansp‟ruch und Einrede, 157; RUDOLF LEONHARD,


Der Erbschaftsbesitz, 24; EMIL

STRoHAL, Das deutsche Erbrecht,

2 a ed., 554). Em todo o caso, há caracteres comuns quanto ao sujeito. No


direito romano, o que tinha a posse jurídica, com animus domini, ou era a)
em relação de fato com o objeto da posse, b) qwiliti se obtulit, ou e) qui
dolo desiit possidere, ou qui feeit quonimus possideret (G. W. WETZELL,
Der rõmischen Viudicationsprozess, 214 s.) ; W. FRANCKE (Exegetisch-
pragmatisChe Kommentar ilber deu Pandekt eutitel de hereditatis petitio,
175 s.). Na rei vindicatio, também o detentor e o que não possuía para si,
pois que eles tinham a facultas restituendi, pouco importando a boa ou má
fé (WALTER NAGELSCHMIDT, Der Kigentumsanspruch wegen
Besitzensziehung, 24), e na hereditatis petitio, como na possessoria
hereditatis petitio, seria impossível a ação contra o detentor, porque esse, se
está em situação de restituir, só possui alieno nomine, ou, como disse
TJLPIANO (L. 13, § 12, D., de hereditatis petitione, 5, 3), contemplatione
alterius, ao contrário das ações possessorias que se exercem contra os
detentores, parecendo que o exerce contra aquele qui pra possessore
possidet, se sem qualquer iusta causa possessionis ou nulo o titulus.

No Código Civil alemão, a rei vin,dicatio dirige-se ao possuidor imediato,


isto é, ao qui habet et tenet e ao mediato do § 868, aquele em primeiro lugar
(OTTO WENDT, Der mittelbare Besitz der BGB., Archiv filr eivilistische
Praxis, 87, 68 s.), porém não ao servidor da posse (§ 855) ; nem aos ficti
possessores, ao contrário, aqui, do direito romano (JosEF ScHAEFER,
Vergleich zwischen Saehbesitz und Erbschaftsbesitz, 82). Quanto a
hereditatis possessio, trata-se de posse como pretendido herdeiro, espécie
de animus, como diz CARL CROME (System, V, 531), e essa subjetividade
é que lhe dá a abertura para invasão além dos prazos usucapitórios. preciso
crer-se herdeiro sem se ser.
No direito anterior e, com a mesma razão no vigente, claro está que, se
ninguém impugna ao autor a qualidade de herdeiro, é inútil a ação. Se
possui por título singular mas nulo, compete a rei vind‟Zeatio, e não a
petição de herança. Se a questão é de posse, pode o herdeiro intentar as
ações possessórias, que forem mais hábeis.

O terceiro pode ter adquirido apenas a posse da herança. Então, a sua


posição jurídica é a que teria o possuidor da herança, se não a tivesse
alienado. Tem ele de entregar os frutos e outros proventos, inclusive
alquiles de que adquiriu a propriedade. Se algum herdeiro tem direito
relativo a algum bem da herança, inclusive, por exemplo!o, se obteve
penhora, tem o possuidor de respeitá-lo e atender às suas conseqüências (cf.
ALFRED NAVE, Finzeifrage und Erbschaftsanspruch, 25 5.).

4. TRANSMISSÃO DA POSSE. — A posse passa aos herdeiros legítimos


e testamentários. Se só os há legítimos, fácil é saber-se quais são. Se pende
algum processo de habilitação, ou de investigação de paternidade ou
maternidade, de que aquela dependa, só a sentença fará certo o direito e
com ela é que se pede a imissão de posse, se bem que o herdeiro assim
reconhecido tenha sido proprietário e possuidor desde a abertura da
sucessão. Se só existem herdeiros testamentários, foi a posse a todos os que
herdaram do decujo por forca do testamento que se mandou cumprir. Daí a
importância do “cumpra-se”. O que é, segundo o testamento, herdeiro, ou
legatário com posse, tem direito à imissão enquanto não passa em julgado a
sentença que declara a nulidade ou anula o testamento.

Após esse trânsito, os que são herdeiros legítimos, ou testamentários


segundo outro testamento, ou outra cláusula, é que podem propor a ação de
imissão. Se há herdeiros legítimos e testamentários, cada um tem o direito à
imissão segundo o seu título.
Uma vez que o testamento dá a posse, desde logo, a algum legatário, cabe-
lhe a ação de imissão.

O herdeiro que é imitido na posse, que lhe faltava, quase sempre posse
imediata, já estava na posse, em virtude da saisina. A sentença favorável na
ação de imissão declara a posse em virtude da saisina e põe na posse que
faltava o sucessor a causa de morte.

O posse pelo legatário pode gerar a usucapião; não basta o decurso do


prazo, porque a posse, que se transmitia, em virtude do princípio da saisina,
ao herdeiro ou ao legatário, pode ser retirado por outrem, mesmo se já
houve a transcrição. O registro concerne à propriedade, e não à posse. Cp. o
que diz LUIGI FERRI (La Trascrizione degli acquisti mortis causa e
problemi counessi, 147 e 152).

§ 5.651. Aceitação e renúncia da herança

1. SITUAÇÃO ESTABELECIDA APÓS A MORTE. — A morte de alguém


cria aos seus herdeiros testamentários, como aos legitimos, a situação
decorrente do princípio da saisina: sucessão por eles no todo, segundo o
princípio da universalidade da herança; e aquisição eo ipsa, princípio
segundo o qual os bens da herança passam aos herdeiros, sem qualquer ato
deles para os adquirir. A aceitação e a renúncia têm efeitos de confirmação
e de correção à imagem da transmissão. Se houve renúncia, a passagem foi
feita sem dever ter sido: imagem falha da transmissão, porque essa não se
deu. Procurou-se explicar a aceitação e a renúncia da herança como
aceitação ou recusa de oferta, oferta causa mo‟rtis, como há as inter vivos.
Extravagância inadmissível; a situação do sucessível é criada pela lei ou
pdrx vontade da testador, sem qualquer laço contratual entre o sucessível e
o hereditando. Podem as deliberações constar de termo judicial ou de
escritura pública, sem a presença de outros interessados. Unilaterais:
definitivadora, uma; abdicativa, a outra. Só há um sujeito, que é o
declarante. Como todas as manifestações de vontade, supõem capacidade,
representação dos absQlutamente incapazes, ou assistência dos
relativamente incapazes, manifestação de vontade do cônjuge. A renúncia
da herança, ato abdicativo, cabe no Código Civil, art.

428, II. O curador de ausentes pode aceitar.

2. HERANÇA TIDA POR ACEITA. — No caso do Código Civil,. art.


1.584, tem-se “a herança por aceita”.

Intimado o sucessível, correu o prazo. Não é aceitação expressa, mas‟ tem


eficácia como tal. Requer-se que seja intimado o sucessível, ainda que por
edital, observadas nas intimações pessoais as regras jurídicas de capacidade.
A aceitação não é sujeita a exigências de forma, no que difere da renúncia.
De duas maneiras pode operar-se: a) expressamente; b) tacitamente,
inclusive em pra herede gestio (exceto, por exemplo, os atos oficiosos,
como o de funeral, os meramente conservatórios, ou os de administração e
guarda interina, há a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais
co-herdeiros).

3. TRANSMISSÃO POR FORÇA DA LEI. — O sucessível, que faz valer o


seu direito, perante terceiro, não pode ser obrigado a provar a sua aceitação;
porque o direito lhe vai por farsa da lei, e não por forca da aceitação. O

pedido do Código Civil, art. 1.584, é independente: faz-se ao juiz do


inventário, que examina o interésse do suplicante. É ponto delicado, que
exige atenção. O autor de ação possessória, ou o réu, não pode exigir que o
sucessível, réu ou autor, prove a aceitação. Trata-se de ato que se subsume
no art. 1.581, § 2.0; portanto, praticável sem o ato de aceitação. Ainda mais:
na propositura de ação, que importe aceitação, a outra parte não pode
pretender que o sucessível prove a aceitação. Poderia propô-la ou defender
o espólio; se importa aceitação, ou se não importa, não cabe discutir-se no
processo. O que o autor ou réu da ação pode pretender é que o sucessível
prove a chamada, coisa diferente.

4. FUNÇÃO DA ACEITAÇÃO. — A aceitação definitiva, a herança: mas o


sucessível não procede sem direito de escolha, pois que a lei tornou
revogável a declaração. Donde três fases: a) a do sucessível com
alternativa, com o qual os credores da herança não têm ligação direta; b) a
do que aceitou, e fica ligado aos credores da herança, e responde pelos atos
que praticou, não como gestor da herança, mas sim como dono. A diferença
é sutil, mas de importância prática: quem aceitou a herança, se, depois, a
revoga, não pode invocar que tudo ocorreu como se não tivesse ocorrido; as
penhoras feitas pelos credores valem; o endossante da cambial que
pertencia ao herdeiro e de responsabilidade do morto fica exonerado se não
foi protestada no lapso da abertura da sucessão e da vigência da aceitação,
ou se, protestada, ele não pagou por ter ocorrido a confusão. Ora, esse
último efeito não aconteceria se o sucessível não tivesse aceito a herança.

Antes de o chamado aceitar, o sucessivo pode requerer ao juízo que se


protestem títulos, que se intimem ou citem possuidores, que se transcrevam
títulos de aquisição sujeitos a registro, ou, por si só, levá-los a tais
formalidades conservatórias. Nada obsta a que o sucessível do grau
subseqüente, enquanto o preferido não aceita, peça a partilha dos bens,
exerça as ações sucessorais, tome posse de bens, conteste ação contra o
espólio, proponha a ação de nulidade de testamento. A jurisprudência
francesa foi, acertadamente, até essas conseqüências, que, se dão ao
subseqüente margem ampla de ação, assaz se justificam pelos perigos, para
ele e para os terceiros, da inação do herdeiro. Os opositores criticam à
jurisprudência ser fundada na inaceitável concepção da saisina coletiva ou
virtual, mas são obrigados a reconhecer que as decisões, embora criticáveis,
traduzem necessidade de fato (e.g., MARCEL

PLANIOL e GEORGES RIPERT). É ladear o problema. Necessidade de


fato, que cria direitos, é fundamento de direito, e não necessidade de fato.
Ora, se existe fundamento para que se dêem aos sucessíveis da classe
subseqUente atuações tão fortes, é que a situação deles não é a de simples
autorizados a atos de conservação. Eles têm poder maior: o do Código
Civil, art. 1.584, que é a ação provocaduca; mas dessa não se pode usar
quanto aos ausentes, sem que se arrisquem os requerentes às conseqUências
da aceitação presumida do art. 1.584, que os exclui definitivamente. Há, às
vezes, interesse em não se usar da ação provocatória.

A aceitação não se presume; mas pode ser tácita. Aqui, C. DEMOLOMBE


(Cours de Code Napoléon, XV, n. 4), impressionado com a instantaneidade
da saisina, entendia que por essa se presumia a aceitação. Mas sem razão: a
aceitação não se presume; a saisina passa ao que recolhe, ao chamado, pois
que aceitou, aos co-herdeiros ou aos sucessíveis da classe subquente, se o
chamado recusou e esses aceitaram. A saisina do sucessível terá sido, se
houve aceitação; não terá sido, se, no caso, ocorre renúncia.

A aceitação é absoluta, pura, indivisível. Absoluta, quer dizer: ato adversus


omnes. A respeito de todos, de quem quer que seja. Não se pode aceitar
para beneficiar a A, ou a B, e não a C. Pura, pode ser subordinada a
condições, ou termo. indivisível, ou se aceita por inteiro, ou se renuncia.

A abstenção e a renúncia são atos abdicativos puros; não admitem


condições, nem termos, nem divisão. Nem os beneficiados por um ou outro
precisam aceitá-lo; têm de aceitar, ou recusar, a herança que lhes vai. Com
a abstenção ou a renúncia, o que recusou põe-se fora da herança, desde todo
o princípio, como estranho.

Todos os sucessíveis podem renunciar a herança, sejam os testamentários,


os legítimos não-necessários, ou os necessários. Às vezes, à morte do
sucedendo, discute-se, em ação, a filiação ou a identidade do sucessível. Se
o não sucessível renunciou e foi julgada a ação contra ele, renunciou o que
não lhe era atribuído. Se renunciou e venceu como sucessível, válida e
eficaz foi a renúncia.

5. RENÚNCIA E HERANÇA TESTAMENTÁRIA. — O renunciante, quer


seja herdeiro legítimo, quer seja testamentário, abdica. Abdicação, que é
renúncia, corte da própria figura. Quando ele renuncia a herança não a
transmite: ele é que desaparece da sucessão; reputa-se nunca ter sido. É
princípio comum. Mas os efeitos são reveladores de sutilezas que escapam
ao princípio: a) Tolda a pureza do princípio, acima formulado, o fato de não
se dar a representação (algo fica na figura do renunciante, tanto assim que
ele não se reputa morto. para que descendente ou irmão o represente) . A
diferença, criada pela lei, entre a morte e a renúncia do herdeiro, mostra que
o ato abdicativo não transmite a herança, que o renunciante não é, porém
que o seu ato opera contra ele mais do que operaria a morte. A morte
depois do testador, porque aos seus herdeiros iria o direito de manifestar-se;
antes do testador, porque poderia dar-se a representação. b) A recusa pelos
herdeiros testamentários, herdeiros feitos pela vontade do testador, e não
pela lei, obedece aos arts. 1.710-1.716, ainda no que concerne ao art. 1.713,
são ius disponitium e não ius cogens, como os arts. 1.588 e 1.589.

A renúncia da herança apaga a ligação do renunciante para com a herança.


Ele, para os efeitos sucessórios, não foi.

Herdeiro legítimo ou testamentário não teve Sazsifla; tiveram-na os que se


beneficiam com sua renúncia. Os outros herdeiros, ou os herdeiros do grau
subseqüente na sucessão legítima, foram os donos e possuidores da herança
desde o instante da morte do hereditando.

A renúncia exige capacidade e certas formas. Só há renúncia expressa, para


que se não presuma o abandono de um direito e não se criem, em torno de
ato abdicativo, incertezas quanto a atos de que resultaria, ou não, a recusa
tácita.

A doutrina é no sentido de que, quaisquer que sejam as circunstâncias, as


presunções hominis, as recusas não se presumem. Mas cumpre que se
examinem dois casos. a) Se o sucessível aceita qualidade incompatível com
a de herdeiro, apode-se afirmar que não houve tácita recusa? j, Não seria
exemplo de renúncia tácita? O sucessível aceitou legado que se lhe fêz sob
a condição de não intervir na sucessão a título de herdeiro: aí, a aceitação é
exclusiva da qualidade de herdeiro. Alega-se que o testador, com isso legou
e excluiu o herdeiro legítimo, o que podia fazer: não houve renúncia. Mas
verdade é que o testador não fêz tal exclusão: instituiu, pois que admitiu
fosse herdeiro ou legatário. A exclusão tácita pode não existir no
testamento. Se existir, toilitur quaestio. b) Se o sucessível deixa que expire
.0 prazo sem deliberar, ou recusou, tacitamente, a herança? A doutrina
pende, quase toda, para a afirmativa; mas incorre na grave confusão de
renúncia com expiração de prazo. A identidade dos efeitos não faz idênticas
as causas. Que a expiração do prazo tenha os mesmos efeitos que a recusa,
não se discute: o art.
1.58~ e o 1.594, 1) a parte, importam o mesmo quanto ao acrescimento e
quanto ao recolher da sucessão; os herdeiros, a que s~ refere o art. 1.594,
são os que se habilitarem segundo o art. 1.589, de certo modo implícito no
art. 1.594. A renúncia tácita constituiria noção artificial, estranha; porque
igual razão haveria para se presumir a aceitação, e porque o art. 1.581 foi
claro em dizer que a renúncia deve constar, expressamente, de escritura
pública, ou de termo judicial. A verdade está no seguinte: o direito de
manifestar-se, por definição, é direito de aceitar ou de não aceitar; aceitação
e renúncia são atos que se excluem, que bifurcam o querer e depois o
unificam num só. Na expiração do prazo não há isso: ne nhuma cisão do
querer, e sim só a ausência do querer; nenhum ato volitivo, mas sim só a
inexistência de atos volitivos. Não há duas faculdades distintas, não há o
direito de escolher; há, em causa, o próprio direito de suceder. Por isso, com
a expiração do prazo, não se afasta a aceitação. nem a renúncia; afastam-se,
inescindNelmente, uma e outra, porque cessa, com o direito de sucessão, o
direito de manifestar-se. Não renunciou; o que se dá é que, sem aceitar, nem
renunciar, já não é herdeiro. Se não é herdeiro ~como estar-se a discutir se
houve, ou não, renúncia tácita? A renúncia não pode ser em testamento.
Inserta em testamento, os herdeiros do testador renunciante podem usar do
direito de deliberação. Não há renúncia de herança em testamento (F.
HERZFELDER, J. v. Staudingers Kommentar, V, 96). Os efeitos do
testamento são co-instantâneos com a morte do testador, mas co-
instantâneos também são as transmissões dos seus bens aos seus herdeiros.
A esse vai o direito de manifestação de vontade; a herança pode ser
recusada no momento anterior a morte; portanto, não em testamento, ato
cujos efeitos datam da morte.

6. CREDORES E RENÚNCIA DA HERANÇA. — ~ Podem os credores


renunciar, em nome do herdeiro, a herança? A lei protege os credores contra
as recusas prejudiciais (art. 1.586). Nada diz quanto às aceitações que sejam
desfalcadoras do patrimônio do devedor. Parte da doutrina francesa,
invocando o art. 1.166 do Código Civil francês, entende que os credores
podem escolher entre aceitação ou renúncia (AUBRY et RAU, MARCEL

PLANIOL, GEORGES IRIPERT, contra: F. LAURENT, THÉOPHILE


HUC). MARCEL PLANIOL sustentou que o Código Civil francês, art.
1.166, só autoriza o exercício de ações do devedor, interpretação restritiva,
que se compreende, posto que resolva; THÉOPHILE HuC (Conmentaire
thé.orique et pratique du Code Civil, 1, 75) suscitou distinção sutil entre
“opção e “aceitação”, mas verdade é que os opositores frisaram bem o valor
da própria escolha, desde a morte, isto é, existente, desde ela, no patrimônio
do devedor Outra questão no direito francês é o direito dos credores no caso
de revogação da renúncia. Na França, os credores podem usar de tal direito
em virtude do Código Civil francês, art. 1.166, mas lá a renúncia é
revogável, à diferença do que ocorre no direito brasileiro. No Brasil, já os
credores estão protegidos. No direito brasileiro, os credores não precisam
proteger-se contra a aceitação ou a revogação da renúncia, porque o
herdeiro só responde pelas forcas da herança. Podem ser atacados pelos
credores os atos do devedor que constituam diminuição do seu patrimônio,
como os pagamentos de dívida do espólio.

O‟ direito de pedir a decretação de nulidade ou de anulação de ato jurídico


constitui elemento patrimonial, que os credores podem penhorar. ?
penhorável o que resulta da nulidade absoluta (cp. PAULE MALLET, La
Renonciation à succession, 194), ou relativa (art. 1.59.0,

1 a parte), por serem de fins pecuniários.

O direito moderno tem o princípio da liberdade do sucessível quanto à


herança que lhe vai. A recusabilidade da herança, a renúncia, que antes
seria repúdio, constitui princípio do moderno direito hereditário. Bem
diferente a situação do herdeiro romano, do seu, quanto aos bens do
falecido: adquiria-os ipso iure. Não porque fosse, em todas as épocas,
condômino, como, sem razão, querem muitos, e sim porque isso resultava
de ter de suceder no culto e na missão político-jurídica de pater familias.
Daí a explicação do imperador Gordiano a Florentino: não obstante filho
(céus) do seu irmão haver morrido antes de se abrirem as tábuas
testamentárias, foi herdeiro do pai. Ocupação automática do lugar de
herdeiro. Etiam ignorantes, e até sem a auctoritas tutoris, se duplo. Não se
dava a oferta da herança, como aos estranhos. Eram sincrônicos, a morte e a
aquisição pelo suus. Mas, ao lado dos herdeiros seus, havia os sucessores
propriamente ditos, os que precisavam adir à herança, pois que não
participavam do culto. Para eles introduziu-se o repúdio. Quando o direito
romano conheceu a pr.opriedade individual, em vez da familiar, os pais
costumavam inserir nos testamentos a cláusula que subordinava a aquisição
da herança à vontade do instituído: podia deserdar; portanto, podia inserir a
cláusula. Depois, para CARDO FADDA (Concetti fondamentali del Dirito
ereditario romano, 24), com os dados da vida, criou o pretor o benefício da
abstenção; mas GIORGIO LA PIRA (La Successione ereditaria intestata e
contro il testamento in dirito romano, 49) entendia que a instituição
condicional pressupõe pleno desenvolvimento da abstentio. A.opinião que
temos, difere de uma e de outra: nada justifica a sucessividade que
introduziu CARDO FADDA, nem a que sustentou GIORGIO LA PIRA.
Com os elementos dos textos, são arbitrárias uma e outra: em verdade, são
institutos distintos, com efeitos diferentes. A abstentio, de direito
pretoriano, não eliminava ao suus a qualidade de herdeiro, civilmente
adquirida, ao passo que, com a instituição condicional, pára a eficácia do
testamento. A favor do que dizemos milita não ter uma abolido a outra.

Com a abstentio procurou-se obviar aos inconvenientes da aquisição ipso


iure pelo suus; mas a eliminação dos efeitos, restrita aos efeitos
patrimoniais, não ia até o ponto de lhe tirar a qualidade de herdeiro (L. 30,
10, D., de fideicomissarjís libertatibus, 40, 5). Se o suna se abstinha, o que
tinha não era seu herdeiro; donde serem eficazes: a substituição pupilar
inserta no testamento, os fideicomissos universais, as manimissões diretas e
fideicomissárias, e permanecer o ius sepuicri.

A chamada renúncia dos nossos dias, que está no Código Civil, arts. 1.581-
1.590, fundiu abstentio dos seus e o repudium dos herdeiros não-seus,
atribuindo a essa forma nova (simetrização) os efeitos totais do repúdio.
Mas há superveniências interessantes: como a abstentio romana, a renúncia
do Código Civil (renúncia a suceder e não ao já aceito), pode ser retratada
no direito francês. No direito brasileiro, é irrevogável, mas pode ser
anulada, como todos atos jurídicos, por violência, erro ou dolo, e até pela
fraude contra os credores, além do que ocorre no caso do art.

1.586. A abstenção e a renúncia regem-se por princípios comuns, mas os


efeitos são assaz diferentes.
No direito brasileiro, o sucessível pode tomar dois caminhos: aceitar pura e
simplesmente; recusar pura e simplesmente. Não há o terceiro caminho de
alguns sistemas jurídicos. como o francês (aceitar sob benefício de
inventário, porque, no direito vigente, o herdeiro só responde dentro das
farsas da herança, art. 1.587). Quando a sucessão se abre e nenhum dos
herdeiros chamados a recolhê-la se apresenta, para fazer valer o seu direito
e manifestar a vontade, diz-se vacante a herança, e tomam-se certas
medidas, que adiante serão estudadas, para salvaguarda dos interêsses dos
sucessíveis e dos credores da herança, inclusive, nuns e noutros, a Fazenda,
sucessível na falta de parentes e de cônjuge, e credora de impostos, taxas e
multas.

O direito cabe a qualquer sucessível. Ninguém é obrigado a aceitar herança,


nem pode ser constrangido a renúncia. Exercem-no, na sucessão legítima,
os chamados imediatos e os sucessivos, inclusive esses, como veremos,
antes da sua vocação, que é eventual e subordinada à recusa dos herdeiros
da classe ou das classes mais próximas. Espera-se a manifestação de
vontade dentro do prazo. O retardamento dela pode pôr em risco os
interesses dos sucessivos e dos credores, mas eles (máximos interessados,
dentre todos os que são autorizados pela lei) têm a legitimação à medida do
art. 1.584. Não obstante a eventualidade e subordinação do seu direito de
recolher, é-lhes dado aceitar desde logo. Com esse ato, fortifica-se a sua
situação e podem exercer, com mais desenvoltura, em requerimentos aos
juizes, ou por outros quaisquer meios judiciais ou extrajudiciais, as medidas
legais.

7.

PRAZO PARA DELIBERAÇÃO. — O prazo marcável pelo juiz, ou o


prazo fixo do direito alemão e do suíço, constitui vantagem para os
possíveis herdeiros próximos e para os credores. É de interesse do credor do
espólio saber quem aceita a herança, como do credor do herdeiro vigiar o
ato abdicativo desse, a fim de usar do que lhe permite a lei. O Código Civil,
no art. 1.584, diz que o prazo razoável, fixado pelo juiz, a requerimento do
interessado, não será maior de trinta dias. Mas isso não pode aplicar-se às
instituições de pessoas jurídicas que precisem de autorização do Govêrno,
porque, então, o ~prazo terá de contar-se depois dessa.‟ ,E o caso do
nasciturus? Marca-se o prazo ao representante legal ou ao curador do
ventre? Se nasce depois dos trinta dias? j,Tal exigência formal lhe pôs a
salvo os direitos, como diz o art. 4 do Código Civil? A solução deve ser a
que teve o sistema jurídico alemão, mutatis mutandis. Desde a intimação
corre o prazo, se já nasceu; se, feita a intimação, o herdeiro ainda não
nasceu, o prazo somente corre a partir do nascimento. Quid iuris, se, feita a
intimação antes do nascimento, morre ou é destituído o representante?
Certo, não se trata de prescrição, de modo que se pudesse aplicar o art. 169,
1. É preclusivo o prazo. Tratando-se de menor sob tutela, isto é, nascituro
não sob a curatela do pai ou da mãe, é imprescindível a autorização do juiz
(art. 427, III), de modo que a fixação de prazo do art. 1.584

não pode ser atribuida ao juiz de órfãos: somente corre a partir da


autorização. Se o representante não a requereu, o mais prudente proceder é
o de um juiz oficiar ao outro, e certo bastará tal negligência para a
destituição. Se o curador do nascituro é o pai ou a mãe, precisa, igualmente,
de autorização (art. 386) : a renúncia pode equivaler à alienação gratuita. Se
o nascituro ou qualquer outro incapaz está sem representante legal, ou ficou
sem ele, o prazo somente pode correr contra ele quando a incapacidade
cessar, ou quando lhe for dado representante legal. Vale isso ainda quando
a falta se dá durante o correr do prazo. Se nasce morto, não houve
aquisição. Se eram dois, ou mais, e algum ou alguns nascem mortos, só se
operou quanto ao outro ou aos outros. O prazo corre para cada pessoa. Se
não nasce vivo o herdeiro, quem deve recolher a sucessão, ainda que
representante do nascituro, precisa receber nova intimação com prazo
fixado. Se o representante aceitou pelo nascituro e esse nasce morto, pode
aceitar por si, se é o herdeiro chamado. Aliás, se renunciou a parte que lhe
cabia para beneficiar o nascituro, e esse nasce morto, não pode retratar a
renúncia, porque não houve dolo, nem violência, nem erro; teria sido
renúncia condicionada, e o Código Civil, no artigo 1.583, a proibe. Mas, se
aceitou, e nasce vivo o nascituro, pode revogar a aceitação: porquanto, se o
art. 1.583 não permite a aceitação condicionada, o art. 1.590 admite que se
revogue. O intimado pode alegar farsa maior (JULIUS BINDER,
Rechtsstellung des Erbeu, 79 s.; EMIL STROHAL, § 61; contra HEEGER,
tber die Anftchtung der Versãumung der Auschlagsfrist wegen Irrtum, 8 s.),
assunto sem importância prática no Brasil, devido ao art. 1.590. A falência
do herdeiro não atinge de modo nenhum o prazo do art. 1.584?

Segundo o § 9 da Lei alemã de falência, é sem qualquer significação o


concurso de credores. No Brasil, o art. 1.586

permite aceitação pelos credores do renunciante; mas isso, quer haja, ou


não, falência, ou outro concurso de credores.

8.RENÚNCIA DA HERANÇA E CREDORES DO SUCESSÍVEL. —A


renúncia priva o sucessível de todo o ativo hereditário. Por isso, pode
prejudicar os credores. Rigorosamente, nem sempre há fraude contra eles;
mas a técnica legislativa teve o fito de protegê-los, ainda quando não haja
fraude. Daí a diferença entre o Código Civil, art. 1.586, e a ação Pauliana.
Mera proteção do credor. Discute-se qual é o fundamento na França, de
cujo sistema jurídico veio o art. 1.586, do Código Civil brasileiro. Entende-
se que é aceitação pelo devedor, como seguimento a (implícita?) ação
Pauliana (C. DEMOLOMBE, XV, Cours de Cade Napoléon, n. 77), ou que
deriva do art. 1.166, relativo ao direito dos credores de aceitar du chef de
leur débiteur. Ora, em verdade, a criação francesa foi independente da
noção de fraude; portanto, da ação Pauliana, e parece-nos errada a
concatenação feita pelos escritores, aliás todos os que versaram o assunto
(AUBRY ET RAU, Cours de Code Civil, IX, § 613, texto e nota 34; F.
LAURENT, Principes de Droit Civil français, IX, n. 473; G. BAUDRY-
LACANTINERIE et ALBERT WAHL, Traité théorique et pratique de
Droit Civil, II, n. 1.707; PAULE MXLLET, La Reuonciation à la
Succession, 170.) 9. LEGITIMAÇÃO ATIVA. — Os credores, a que se
refere o Código Civil, art. 1.586, são os do sucessível renunciante, e não os
da herança. Em todo o caso, pergunta-se: ~ quid iuris, se a recusa é feita no
intuito de lesar os legatários? ,~ Têm esses o mesmo direito?
Afirmativamente, AUBRY et RAU, Cou.rs de Droit Civil, IX, § 613, nota
33; G. BAUDRY-LACANTINERIE et ALBERT WAHL, Traité théorique
et pratique de Droit Civil, II, n.

1.715. e 1.716). Não temos dúvida em aceitar a solução (não a extensão);


mas com outra explicação do propósito nocente:
a) se prejudica o legado, e esse tinha de ser cumprido pelo renunciante, e só
por ele, o legado cai com a renúncia do irdefiro, e só o ânimo de ofender
poderia intervir; b) se separável da personalidade do renunciante, cumpri-
lo-ão alquiles a quem acrescer, ou a quem passarem os bens. O legatário, no
caso a), tem a ação fundada na fraude ou na simulação, e não a do artigo
1.586, como teria o cônjuge contra o outro cônjuge que renunciasse a
herança para fraudar o contrato antenupcial e desviar os bens que deveriam
comunicar-se. Pode fundá-la no abuso do direito (Código Civil, art. 160, 1).
De qualquer modo, é preciso provar-se que a fraude ou simulação existiu,
ou que se usou, irregularmente, da faculdade legal de renunciar.

10. NOÇÃO SUPÉRFLUA DA FRAUDE. — Não é preciso provar-se a


fraude, no que difere da ação Pauliana a ação oriunda do art. 1.586 do
Código Civil. Aqui, o Código Civil, com o seu silêncio, dá ganho de causa
à jurisprudência francesa contra a maioria dos autores, sem razão, esses, em
não assimilarem o art. 783 do Código Civil francês à ação Pauliana. Entre
uma e outra solução está a decisão de Grenoble, a 29 de abril de 1852: se a
lei não previu, é que “a evidência do prejuízo causado exclui toda boa fé e
põe em relevo a intenção manifesta de fraudar os credores”. Seria
presunção de má fé, posta na lei. Mas é intrusa tal explicação. Não se
cogitou, e não se cogita, de prova da fraude: mostra-se, tão-só, que há
prejuízo na renúncia. Se assim não fosse, a lei teria mandado aplicar os arts.
106-113. A palavra “fraude” estava no projeto do Código Civil francês;
substituiram-na por prejuízo.

Propositadamente. Portanto, a prova da fraude não é necessária (assim,


AUBRY et RAU, Cours de Droit Civil, IV,

§ 313; A. DEMANTE, Programme du Cours de Droit Civil français, II, n.


471 bis, 1, II; A. DEMANTE et COLMET DE SANTERRE, Cours
analytique d~ Droit Civil, III, n. 82 bis, IX, X). Mas argúem outros que
ainda não se discutira o art. 1.167, para se saber se seria exigida, ou não, a
fraude, para a ação Pauliana (C.

DEMOLOMBE, Cours de Code Napoléon. 25, ns. 192-195; F. LAURENT,


Principes de Droit Civil français, 16, n.
445; THÉOPHILE HUC, Commentair théori que et pratique du Código
Civil, VII, n. 221). Os dois únicos argumentos, que nos poderiam parecer
sérios, seriam: o tratar-se desigualmeute, sem razão, a doação, ato de
alienação, mais suspeito, e a renúncia da herança, abdicativa. Se a herança,
pelo fato dos herdeiros, se torna vantajosa, os credores podem aceitar pelo
renunciante que se fundara no valor verdadeiro dela. Pergunta-se: ~

cumpre distinguir-se, do caso do acrescimento, o do herdeiro ou herdeiros


da classe subseqüente? No primeiro. a renúncia prevaleceria; no segundo,
dando-se a chamada, tem-se dito, valorizaram o que é seu e o que seria seu,
se aceita pelos chamados à herança, não podem mais os credores usar da
medida do art. 1.586, se bem que possam usar da ação Pauliana, provando-
se a má fé do renunciante e dos favorecidos. Ora, não cabe distinção. No
Brasil, HERMENEGILDO DE BARROS (Manual do Código Civil
brasileiro, 18, 207 s.), continuou a ver no art. 1.586

mero caso da ação Pauliana e o seu comentário obedeceu a esse pensamento


inicial; mas dispensou a prova da fraude, ponto incontroverso no Brasil.
Além da medida do art. 1.586, os credores têm: a) a Pauliana, para os
efeitos do art. 106-113; b) a ação por simulação da renúncia, ainda que se
trate de credores posteriores a essa.

11. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. — A lei fala em “autorização do juiz‟


como o Código Civil francês, art. 788.

Discutiu-se se a autorização é necessária para se apreciar o valor da


sucessão, e nela se verificar se há, ou não, prejuízo aos credores (CHABOT
DEL‟ALLIER, Questiona transitoires sur le Code Napoléon, II, art. 788, n.
2); ou se constituiu mera formalidade ligada a aceitação (F. LAURENT, IX,
n. 473, 476). A verdade é que o juiz verifica se cabe, na espécie, a medida
do art. 1.586; não há autorizações que não constituam exame: se há
prejuízo, concede-a; o que êle não pode fazer é entrar na apreciação do ser
beneficiaria, ou não, para o credor, revogar a renúncia.

12. NULIDADE E ANULAÇÃO DA RENÚNCIA. — Pode acontecer que


a renúncia seja nula ou anulável. Os credores podem alegá-lo. Poderiam ir
contra a renúncia válida; a fortiori. contra a renúncia nula ou anulável.
Quem pode o mais, pode o menos. Aliás, praticamente, nunca pedem a
anulação, porque mais fácil é a medida do art.

1.586 que a decisão sobre anulabilidade.

13.

TRANSMISSÃO DO DIREITO À MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. —


Depois de aberta a sucessão, e antes de se pronunciar o herdeiro, é
transmissível a causa de morte o direito de deliberar (Código Civil, art.
1.585).

Há quem assimile tal situação à de quem tem o direito de representação,


por se tratar, em ambos os casos, de morte do sucessível. No caso de ins
representationis, antes da morte do decujo dá-se a morte do que seria
chamado à sucessão; depois da morte do decujo, também haveria. Mas, em
verdade, o paralelo é ocasional. Os dois institutos nenhum parentesco têm,
quer dogmático, quer histórico. O art. 1.585 é conseqüência lógica do art.
1.572, isto é, da saisina germânica, que o direito francês recebeu. Aliás, a
experiência já ia abrindo brechas à regra romana hereditas nondum
aditanon transmittitur ad heredes (L. unica, § 5, C., de cadueis toflendi, 6,
51), por exemplo, a transmissio iustineanea (L. 19, C., de iure deliberandi
et de adeunda vel adquirenda heviditate, 6, 30), para o caso em que o
sucessível morresse dentro do ano~ em que lhe veio notícia da delação ou
dentro dos têrmos eventualmente prefixados para deliberar.

Mas, no direito brasileiro, como no francês, a hereditariedade da


deliberação deriva do princípio da aquisição e o ipso.

Algumas conseqüências dos arts. 1.572 e 1.585:

a) Se C renuncia a herança de B, que estava na posição jurídica do art.


1.585, em relação à herança de A, isto é, se se achava no apatium
deliberandi, prefixado ou ordinário, necessáriamente renunciou o que lhe
viria da herança de A. A herança de A estava no patrimônio de B. Mas os
herdeiros B, em virtude do auto-afastamento de C, podem aceitar a herança
de A; porque, não tendo prefalecido C, ele não pode ser representado na
herança de A. Não houve renúncia da herança de A: o direito continua na
herança de B, renunciada por C, mas, necessàriamente, transmitida aos
outros herdeiros de E (talvez, ao Estado).

b) Se o herdeiro do sucessível falecido aceita a herança desse, nela entra o


direito de aceitar ou renunciar a herança do decujo: pode aceitá-la, ou
renunciá-la. Assim, se C aceita a herança de B, pode renunciar a de A. O
que C herdou de B foi a faculdade de deliberar: aceitou a herança de B e,
agora, resolve renunciar ou aceitar a de A.

Até aqui, tudo é fácil, porque decorre, livremente, dos princípios.


Admitamos que o herdeiro de B não seja somente C, mas haja O, C‟, C”, e
não estejam de acordo em renunciar. Seria aceitação parcial ou renúncia
parcial da herança de A, parcial subjetivamente.

Os Códigos Civis procuram a solução técnica:

A) No Código Civil francês, art. 782 (cf. Código Albertino, art. 995),
aceitação forçada, a beneficio de inventário.

B) Solução da aceitação total pelos que querem aceitar (cf. Código Civil
argentino, art. 3.316).

C) Solução de renúncia da parte correspondente à quota hereditária (Código


Civil alemão, § 1.952).

D) Solução ibérica: “Se os herdeiros se não acordarem sôbre a aceitação ou


sôbre a renúncia, podem uns aceitá-la e repudiá-la outros; mas, se uns
quiserem aceitá-la simplesmente, e outros a benefício de inventário, haver-
se-á por aceitada beneficiàriamente (Código Civil português revogado, art.
2.031, Código Civil português de 1966, art.

2.058: “1. Se o sucessível chamado à herança falecer sem a haver aceitado


ou repudiado, transmite-se nos seus herdeiros o direito de aceitar ou
repudiar.
2. A transmissão só se verifica se os herdeiros aceitarem a herança do
falecido, o que não os impede de repudiar, querendo, a herança a que este
fora chamado”. Cf. Código Civil espanhol, art. 1.007.

A aceitação beneficiária obriga à conferência das liberalidades (C.


DEMOLOMBE, Co‟urs de Code Napoléon, XIV, 348, F. LAURENT,
Cours élémentaire de Droit Civil, IX, 375; THÉoPHILE Huc, Comme, taire
théorique et pratique du Code Civil, 171; e outros. Se o desacôrdo só se
produziu por isso, é possível que os outros se houvessem combinado para
obrigar a conferir os bens. No antigo direito francês a solução era mais
feliz: ao juiz decidir quid melius, e disso C. DELVINcoURT (Coura de
Code Civil, II, 28, nota 7) e A. DEMANTE tiraram que em certos casos os
juizes do Código Civil poderiam impor a renúncia; mas o artigo é claro, tão
claro quanto dogmàticamente cego.

As soluções B) e C) são entre si contraditórias: aceitação total, renúncia


parcial; e as conseqüências são as seguintes:

toda a herança do decujo vai aos que aceitaram, conforme a solução B); a
herança do decujo (solução alemã) vai somente aos que aceitaram, de modo
que ~a parte que corresponderia aos outros passa, não aos que aceitaram,
mas aos que concorrem com o sucessível morta.

Em todo .o caso, é de notar-se que a interpretação do Código Civil alemão,


§ 1.952, não foi pacífica. ~A quem havia de ir a parte do herdeiro
renunciante na sucessão do primeiro decujo? Eis as soluções: a) aos
herdeiros do primeiro decujo, que o seriam, se, ao tempo de morte, já
tivesse falecido o sucessível, cujo ius deliberandi se herda (MAx
HACHENBURG, Das BGB., 656; E. GOLDMANN e L. LILIENTRAL,
Das Bilrgerliche Gesetzbuch, 319; GEORO FROMMHIOLD, Das
Erbrecht, nota 1 b) ao § 1.952; H. MAYER-R. REIS, Lehrbuch des
Familien, und Erbrechts, II, § 70, nota 27; PAUL KÓLNE u. RICHARD
FEI.ST, Die Nachlassbehand~ung, § 146, B, IV, f, 2).

Ficção, essa, de sérias e graves dificuldades. b) A quota dos renunciantes


iria aos seus co-herdeiros (PAUL
OERTMANN, Civilistische Rundschau, Archiv flir Bilrgerliches Recht, 14,
366; 15, 443). c) Os herdeiros de B, sucessível morto, quando renunciam a
parte da herança de A, não atendem à situação dos seus co-herdeiros: os
herdeiros de A recebem o que foi atingido pela renúncia, de modo que
houve derrogação do princípio de virtude da deliberação (F. RITGEN, em
G. PLANCK, Kommentar, V, 48; L. ENNECCERUS u. II. LEHMANN,
Lehrbuch, II, 677; EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrecht, § 61, d, nota
5; H. DERNBURG, Das biirgerliche Recht, V,

§5.0; ANDREAS VON TUHR, Der Allge‟rneine Teil, 1, nota 3;


WILHELM ERNST KNITSCHKY, Erbschaft und Erbtheil, Archiv fitr die
eivilistische Praxis, 91, 292; F. KRETZSCH MAR, Das Erbrecht, § 56, a.
27; CARL

CROME, System, V, § 667, nota 63; F. HERZFELDER J. v. Staudingers


Kommentar, V, 113). Por isso mesmo, um co-herdeiro de B não fica sujeito
às exigências de prazo, que caberia aos outros ou a algum dêles.

Se recorremos aos Motive (V, 493), veremos que os legisladores alemães


não vacilaram em dar solução prática, ainda com o prejuízo de ferirem os
princípios da comunhão ipso iure e da indivisibilidade da aceitação.
Atenderam à c irculação dos bens e ao que lhes pareceu vantagem
econômica. Mas é preciso notar-se que só foram derrogados para se permitir
a renúncia parcial: os que aceitaram, estão, entre si, sujeitos ao princípio.

Qual a solução do direito brasileiro?

É uma das lacunas do Código Civil. CLOVIS BEVILÁQUA (Código Civil


comentado, VI, 31) censurou e afastou a solução francesa, mas disse que
“cada um se pronunciará segundo entender”. Que solução seria essa? Não
se sabe se aceitou a italiana que encontrara, ou a alemã. HERMENEGILDO
DE BARROS (Manual do Código Civil brasileiro, 18, 204) foi claro:
podem aceitá-la e outros renunciá-la, contanto que aceitação (“e a
renúncia”, acrescentou, mas foi lapso) não seja parcial. Noutros termos: se
um aceita, a herança está tôda aceita. Não se tem, no Código Civil,
nenhuma limitação ao art. 1.583, de modo que se mantém integro o
princípio da impraticabilidade da aceitação. Tem-se o art. 1.585. A solução
que vemos sacrificar a estrutura do direito hereditário, segundo a concepção
(germânica) do art. 1.572, seria a solução que era a italiana. Tal regra
jurídica constitui, por um lado, a medida técnica mais pura e mais acorde
com os princípios, e, por outro, a mais afeiçoável ao sistema jurídico
brasileiro. Outra, pura mas oposta, e derrogatória de um princípio, é a
alemã; porém não está no sistema brasileiro, em nenhum dos artigos do
Código Civil que se possam invocar.

14. CLÁUSULA TESTAMENTÁRIA A RESPEITO DA FALTA DE


MANIFESTAÇÃO DE VONTADE PELO

SUCESSÍVEL QUE MORRE ANTES. DE DELIBERAR. — ~ Pode o


testador derrogar o Código Civil, artigo 1.585? Quer dizer: ~ pode ele
dispor a intransmissibilidade do ius deliberandi? Trata-se, já se vê, de
herdeiro instituido, que morre antes de deliberar. No Código Civil austríaco,
§ 809, há a solução permissiva. E tal regra jurídica deve ser a de todos os
direitos contemporâneos, O testador, A, pode, nomeando B, dispor que,
morto B

antes de aceitar, nenhum dos herdeiros de B ou só alguns recebam o ius


deliberandi. É caso de substituição vulgar, porque tal proibição de
passagem equivale a substituição do herdeira nomeado.

O art. 1.585 tem a mais a parte final (condição suspensiva). ~ Pode o


disponente revogá-la? Sim, porque pode substituir, e substituir é impor
passagem. Mais: pode escolher, dos herdeiros do herdeiro morto, quem
receba, a despeito da condição.

15. LEGITIMAÇÃO PASSIVA. — O pedido do Código Civil, art. 1.586,


faz-se contra o renunciante, os herdeiros ou os sucessíveis da classe
subsequente. Esses são partes, a título de‟ intervenientes. (Se houve
aceitando e, depois, cessão, sob a forma de renúncia, a ação somente pode
ser a ação Pauliana: se gratuita, ou onerosa, a estranho, ou a herdeiros, ou
sucessíveis de classe subseqüente. Está-se em planos de matéria contratual.)
A cessão gratuita, pura e simples, da herança aos demais herdeiros, ou aos
da classe subseqüente, constitui renúncia, e cabe a medida do art. 1.586.

Até quando o credor do art. 1.586 pode aceitar pelo devedor herdeiro
renunciante? Enquanto não se afasta a aceita-

ção, cabe a intervenção do credor do renunciante. Ora, no direito brasileiro,


não há prazo para isso; portanto, até passar em julgado a sentença que
julgou o cálculo da adjudicação ou a partilha. O credor não é terceiro que
possa impugnar tal adjudicação ou partilha passada em julgado para os
herdeiros: a sua intervenção só pode ser em nome do renunciante, contra o
qual já se operaram todos os efeitos da renúncia. Os herdeiros ou os
herdeiros da classe subseqüente, com o pagamento dos credores do
renunciante, podem afastá-los.

16. CREDORES E DESTINO DOS BENS. — Revogada a renúncia, pela


aceitação dos credores, os bens que restarem do pagamento vão aos
herdeiros ou aos sucessíveis da classe subsequente. O Código Civil, art.
1.586, 2.~

alínea, diz “herdeiros”, e havemos de entender conforme as regras dos arts.


1.588 e 1.5.89.

O credor não é

herdeiro, nem se equipara a herdeiro: não fica com os direitos de ser


nomeado inventariante, ou testamenteiro, como teria o renunciante: até a
concorrência da soma dos seus créditos tem os direitos que sobre os bens
teria o sucessível, se aceitado houvesse. Se o herdeiro renunciante devia
conferir, a aceitação pelos credores obriga-os a fazê-lo, como se o
sucessível tivesse aceito; quer dizer, imputando-se à metade legítima
necessária. Discutiu-se na França. A imputação será feita como se tivesse
havido aceitação; e não, como entendeu a justiça francesa (Chambre des
Requêtes, 2 de maio de 1899), que se apoiou no efeito relativo da
revogação da renúncia, para decidir que a imputação continuaria a fazer-se
sobre a quota disponível. Solução duvidosa e pouco prática, porque
obrigaria a duas liquidações, uma, da renúncia (que teria existido em
parte!), e outra, da aceitação pelos herdeiros. O direito do renunciante é o
que seria. A atitude do credor insere-o na relação jurídica, tal qual seria e
se admite que seja, para a eficácia da inserção dos credores.

17. ACEITAÇÃO E CREDORES. — Os credores não podem usar da


medida do Código Civil, art. 1.586, contra a aceitação. Só a renúncia pode
prejudicá-los. HERMENECILDO DE BARROS (Manual do Código Civil
brasileiro, 18, 228-230) procurou, longamente, provar o contrário,
invocando CLÓVIS BEVILÁQUA, em livro anterior ao Código Civil. Sem
razão. Se o devedor aceita a sucessão e assume as dividas da herança, não
prejudicou os credores com a aceitação, e sim com o fato de assumir as
dividas, obrigação nova que nasce no dia em que a contraiu e pode não ser
o dia da aceitação. Claro que contra essa obrigação pedem os credores
invocar os arts. 106-113 do Código Civil; não contra a aceitação, que, por
farsa do art. 1.587, não pode lesar os credores. No Código Cível argentino,
art. 3.340, compreende-se que se dê a revogação da aceitação pelos
credores, porque lá existe responsabilidade ilimitada (arts. 3.342, 3.343 e
3.371). No Brasil, não.

§ 5.652. Revogação da aceitação pelo herdeiro

1. REVOGAÇÃO. — O exame do Código Civil, art. 1.590, dissocia três


noções: a) a da revogabilidade da aceitação, criação legal; b) a da
irrevogabilidade da renúncia com uma exceção única; c) a da anulabilidade
da recusa e da aceitação, com a permissão do processo célere com
referência à recusa (retrata ção do art. 1.590, 1~a parte). No direito anterior,
só o menor podia revogar a aceitação.

2. REVOGABILIDADE DA ACEITAÇÃO. — Pergunta-se: j. a regra


jurídica do Código Civil, art. 1.590, relativa à aceitação, deve ler-se como
permissiva da livre revogabilidade, como se dá com a renúncia no direito
francês, ou como se estivesse subentendido que só o pudesse ser nos casos
de violência, êrro ou dolo? A doutrina corrente é pela segunda solução
(HERMENEGILDO DE BARROS, Manual do Código Civil brasileiro, 18,
277; CLÓVIS
BEVILÁQUA, Código Civil, VI, 37). Tal era o pensamento do Projeto de
Felício dos Santos, art. 1.459, do Projeto primitivo, art. 1.747 (revisto, art.
1.922) e do parecer do Senado, art. 1.594. O texto até 1913 fora o seguinte
(Projeto da Câmara n. 1, 1902, art. 1.594): “A renúncia é retratável por
violência, erro e dolo; a aceitação o é nos mesmos casos e mais quando,
pela descoberta do testamento, a herança se reduz a menos de metade”. Mas
foi emendado (Senado, emenda Noemiro 1.547) : “É retratável a renúncia
quando proveniente de violência, erro ou dolo, ouvido a os interessados. A
aceitação pode retratar-se, se não resultar prejuízo a credores, sendo lícito a
estes, no caso contrário, reclamar a providência referida no art. 1.590”.
Nenhuma referência aos mesmos casos; e isso, de propósito, como se vê
dos motivos da Comissão Especial da Câmara (Projeto n. 2, 1913):
“Compõe-se esta emenda de duas partes; na primeira acrescenta as
palavras: ouvidos os interessados, com as quais supre a falta de clareza do
art. 1.594, e na segunda modifica a disposição, facultando a renúncia de
aceitação da herança e ressalvando a hipótese de prejuízo do~ credores,
com a providência consignada no art. 1.590. É conveniente a aceitação
desta emenda”. Ficou, pois, o Código Civil com a possibilidade de se voltar
sobre a aceitação, como, no direito francês, sobre a renúncia, constituindo
inovações de um e do outro sistema jurídico. A terminologia do Código
Civil brasileiro é defeituosa: no fundo, o art. 1.590 contém dois elementos
conceptuais diferentes, um de anulação, e outro, de revogação, a primeira
fundada na violência, dolo, erro, ou fraude, a segunda, sem necessidade de
fundamento, se bem que, como declaração de vontade, se lhe possa argüir a
nulidade ou a anulabilidade. A interpretação de CLÓVIS BEVILÁQUA
ressentiu-se do vício de grande parte dos seus comentários: lei, através do
texto legal, diferenciado, seria o que pretendera no seu projeto.

Para explicar a inovação francesa, A. DEMANTE (Cours analytique de


Code Civil, III, n. 111 bis 1) alegava que a sai-sina só se refere ao sucessível
chamado em segundo lugar sob a condição resolutória de aceitação feita
pela renúncia rebus ad huc integrus, — contraditório fundamento, porque
resolução e salvaguarda de direitos adquiridos são conceitos que se
repugnam e, além de contraditório, inaceitável, pois que há efeitos contra
terceiros. F.
LAURENT (Príncipes de Droit CivU français, IX, n. 450) renuncia a
explicá-lo, por considerá-lo anomalia. Outros o viam como tendente a evitar
a vacância, e eram quase todos os novos juristas. Mas nenhuma das
explicações serve ao caso brasileiro, aliás só explicável pela consideração
da fisionomia do direito hereditário do Código Civil: responsabilidade só
dentro das farsas da herança (art. 1.587); salvaguarda do interesse dos
credores (arts. 1.586 e 1.590, 2.~ parte). Na inovação francesa criou-se
situação anômala ao chamado em segundo lugar, pois seus credores, e.g.,
podem ter penhorado o quinhão, cujos débitos se confundiram. Por isso, a
revogabilidade não persiste após a aceitação por esse. Na inovação
brasileira, não: aceita a herança, sob a possibilidade de revogar-se a
aceitação, só os credores podiam ser lesados, mas os seus interêsses são
acautelados pelo próprio art. 1.590,

2a

parte (art. 1.586). Se o falecido só deixou um herdeiro e netos


representantes, a revogação da aceitação altera a vocação, porque, pelos
arts. 1.588 e 1.589, os herdeiros do renunciante não herdam, mas,
renunciada a herança pelo único herdeiro chamado em próprio nome, não
cabe representação pelos netos, filhos do herdeiro pre-morto, e a herança
devolve-se à classe subseqüente, que é composta dos netos em geral, filhos
do pre-morto e do renunciante, por direito próprio e por cabeça (artigo
1.588). Aqui, a inovação da lei pode ser antes de julgado o cálculo, ou de ir
à partilha. Tudo se tem de reformar, mas, indiscutivelmente, às expensas do
revogador da aceitação. Não é absurda a inovação da lei, desde que a
construção obedeça aos princípios jurídicos fundamentais, e não se
introduzam noções estranhas. O art. 1.590 fêz revogável a aceitação, em vez
de só considerá-la anulável por violência, erro, ou dolo, como a renúncia.
Dele têm-se de concluir: a) que a aceitação é revogável; b> que é anulável,
nos casos em que o é a renúncia, mas sem a celeridade dó art. 1.590, 1~a
parte (retratação). A anulabilidade pode tocar à aceitação expressa como à
tácita.

3.
IRREVOGABILIDADE DA ABSTENÇÃO E DA RENÚNCIA. — Se bem
que, na sua nem sempre precisa terminologia, o Código Civil diga que a
renúncia é retratável, a própria lei brasileira basta para nos convencer,
imediatamente, do contrário: no direito civil do Brasil, a renúncia é
irrevogável. Aliás, a tradição do nosso direito é a irrevogabilidade. Assim,
nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 87, § 3, na Consolidação de
TEIXEIRA DE

FREITAS, art. 1.040, § 1, e em CARLOS DE CARVALHO, artigo 1.723.

O art. 1.590 não permite que se revogue a abstenção ou a renúncia. Se bem


que use do adjetivo, somente estatuiu que fosse anulável por erro, violência,
ou dolo, como dados os outros atos jurídicos, e por fraude contra os
credores.

A única particularidade é o processo célere. O art. 1.590 nada acrescenta,


materialmente, ao que se entenderia possível se esse artigo, na

1 a parte, não estivesse escrito; é supérfluo. Não assim o art. 1.586: quer
tenha ou não sido proposta ou proposta e julgada a ação Pauliana, o credor
ou credores podem, com requerimento ao juiz, que apreciará o prejuízo, aos
credores proveniente da renúncia, aceitar, em nome do herdeiro, a herança.

o caso único de revogabilidade da renúncia.

4. ANULABILIDADE POR DEFEITO DO CONSENTIMENTO. — A


renuncia e retratável” (melhor, anulável, infirmável) por violência, êrro ou
dolo. Entendemos que também pela fraude (ação Pauliana), se bem que o
Código Civil, art. 1.586, já acautele os credores. A aceitação também o é,
conquanto a lei não o diga; mas sem fundamento no art. 1.590, e sim por se
tratar de declaração de vontade (arts. 86-113). Não se confunda tal
anulabilidade, que precisa de “ação”, com a anulabilidade do art. 1.590,

1 a parte, só referente à renúncia da herança, possível em simples


requerimento, ouvidos os interessados (simplificação processual assaz
importante), nem com a revogabilidade — ou, menos corretamente, livre
retratabilidade — do art. 1.590,
2 a parte, criada pelo Senado em emenda

aos projetos anteriores e novidade da lei brasileira, O art. 1.590,

1 a parte, é singularidade do direito sucessório

(OT‟ro WENT, Unterlassungen und Versãumnisse im búrgerlichen Recht,


Archiv fUr die civilistische Praxis, 92, 231) ; maior ainda, a parte, — sem
correspondentes legislativos.

4. CASOS DE INVALIDADE. — Além dos casos acima referidos, à


aceitação e à renúncia pode ser decretada nulidade, ou anulação, por
incapacidade absoluta ou relativa do sujeito; e àrenúncia a nulidade, por
falta ou defeito de forma. A nulidade pode ser invocada pelo renunciante,
ou pelo aceitante, ou qualquer interessado. No caso de renúncia
convencional (aceitação mais alienação), constituída, portanto, doação ou
cessão, ~o os terceiros interessados podem intervir: a herança foi aceita.
Está-se em matéria contratual, e não hereditária.

5.

DIREITO

PATRIMONIAL DA AÇÃO DE NULIDADE OU DE ANULAÇÃO. —


penhorável o direito patrimonial oriundo de ação de nulidade ou de
anulação da renúncia da herança (PAULE MALLET, La Renoneiation à la
Succession, 195), quer no caso do art. 1.590, do Código Civil, quer nos de
aplicação dos. arts. 86-113, quer no de incapacidade, e falha ou defeito de
forma.

6.

DEFEITOS DE VONTADE (ANULAÇÃO ORDINÁRIA E REGRA


JURÍDICA DO CÓDIGO CIVIL, ART.

1.590, 1~a PARTE). — A aceitação e a renúncia são anuláveis por defeito


da vontade. Anuláveis, como os atos jurídicos entre vivos; aliás, trata-se de
ato entre vivos, e não mortis causa (THEODOR Kíp, Lehrbuch des
biirgerlichen Rechts, III, 3.~ parte, 174; ~ a ed., 472). Não é‟o simples 2~

erro que a faz anulável; é preciso que, sem

ele, não tivesse havido a declaração. O erro sobre qualidade dos bens é
suficiente para a eiva. O valor não é qualidade, mas deriva das qualidades
dos bens que compõem a herança e de outros fatores (L. INÍCIOS, H.

LIDIMAM, Lehrbuch des biirgerlichen Rechts, 1, § 157, nota 27, 427);


portanto, o êrro sobre ele fundamenta a ação, salvo se a apreciação fora
subjetiva, ou não se atendeu a desvalorização de títulos, créditos, ou
objetos.

Constitui razão bastante, para se pedir a anulação por erro,. aparecer, após a
recusa, herdeiro necessário que se desconhecia (THEODOR Kípp, 3~a
parte, 175; 9~a ed., 473), ou outro testamento, que deva subsistir ou
substituir o que se mandara cumprir. A reivindicação posterior da herança
não pode ser razão de nulidade por erro; foram fatos que deviam ser
conhecidos pelos sucessíveis, não essenciais à herança ao tempo da abertura
da sucessão. Se concerne à natureza do ativo, e não à das dividas, será
invocável. Assim pensava ERNST STAMPE, em nota a decisão alemã
(Juritische Wocheiwchrift. 51, 22); porém com o errado fundamento de
haver oferta causa mortis. O

erro sobre a pessoa do hereditando pode ser alegado: a herança, que se


aceitou, ou foi renunciada, não era. de quem se supôs. Mas, aqui, não
houve, por bem dizer, aceitação, ou renúncia; a vontade foi nenhuma:
aceitou-se ou renunciou-se outra coisa. Há de ser erro de fato; salvo o que já
dizíamos no Tratado dos Testamentos, sobre escusabilidade excepcional do
erro de direito. O sucessível que deixa de renunciar, porque não sabia que
estava a correr o prazo, pode alegar o erro. Assim, HEEGER, que dedicou
ao assunto estudo. especial. Em parte contra, KARL AUGUST HAUSER
(Die Anfech tung der Versãumung der Erbausschlagungsfrist, Jhenings
Jaksbitch@, 65, 271 s.). Com aquela opinião, THEODOR KíPP~ (III, 2.~
parte, 176;
9 a21~a ed., 474). Basta que a intimação

contenha dados inexatos (CARL CROME, System, V, 217, nota 3); mas
êsse caso é de vicio formal da intimação, e não caso de erro da renúncia. O‟
art. 1.590 aplica-se ao caso do art. 1.584~ que contém aceitação.

A expiração do art. 1.584 pode ser atacada como o pode ser a aceitação.
Primeiro, é revogável (art. 1.590); segundo, pode ser inquinada de nula ou
de anulável. As nulidades são as dos atos jurídicos de direito material e as
dos atos jurídicos processuais, inclusive as dos defeitos de vontade, que são
as decorrentes de violência, erro, dolo, ou fraude contra credores.

7.

EFEITOS DA NULIDADE E REVOGAÇÃO. — A ação de nulidade da


aceitação não vale renúncia: continua, íntegro, o direito de deliberar. A ação
de nulidade da renúncia não importa aceitação: persiste, integro, o direito de
deliberar. Porque tal é o princípio comum às declarações de vontade. Para
que a nulidade da renúncia importasse aceitação, e inversamente, seria
preciso que o Código Civil contivesse tal regra jurídica. Não na tem. Tem-
na o Código Civil alemão, no § 1.957.

A ratificação da renúncia é impossível; será preciso refazer-se toda a


renuncia, observadas as regras jurídicas omitidas.

CAPITULO II

TESTAMENTO EM GERAL

§ 5.653. Conceito e natureza do testamento

1. MORTE E TESTAMENTO. — Com a morte, passam os bens da pessoa


aos seus herdeiros. Atendem-se a interesses gerais (estabilidade social e da
família e outros proventos coletivos), no determinar-se a sucessão legítima
(necessária ou não); bem assim, a interesses do falecido, atendendo-se ao
que, por sua vontade, dispôs no testamento. Testamento diz-se, assim, o
escrito público ou particular, pelo qual alguém exprime o que deseja, para
depois da morte, quanto aos seus bens, ou relações de ordem jurídica
privada, como a nomeação de tutor aos filhos, ou a gerência de uma casa
comercial que lhe pertence. Noutros tempos podia o testamento cogitar de
efeitos de direito público. Hoje, isso repugna às idéias de democracia e de
liberdade de escolha. Seria inconstitucional, por exemplo, estabelecer-se a
sucessão, por testamento, de qualquer cargo, função, ou título. O último
reduto da hereditariedade jurídica é o que concerne ao nome de família e ao
patrimônio.

2. DEFINIÇÕES. — Testamento (diz-se) é o ato pelo qual a vontade de um


morto cria, transmite ou extingue direitos. Porque “vontade de um morto
cria”, e não “vontade de um vivo, para depois da morte”? Quando o testador
quis, vivia. Os efeitos, sim, com serem dependentes da morte, somente
começam a partir dali. Tanto é certo que se trata de querer de vivo, que
direitos há (excepcionalíssimos, é certo), que podem partir do ato
testamentário e serem realizados desde esse momento. Digamos, pois, que o
testamento é o ato pelo qual vontade de alguém se declara para o caso de
marte, com eficácia de reconhecer, criar, transmitir ou extinguir direitos.

O testador declara o que quer. Porém não tem eficácia, desde logo, a sua
vontade. Sai, como se ficasse a vogar, até que êle morra. Só então pára, para
ter efeitos. Até à morte, pode voltar atrás, desfazer-se, essa vontade. A
imagem é de ULPIANO: ambulatoria est usque ad vitae supremum exitum.

Na faculdade de testar há inteiro reconhecimento legal da dignidade


humana e concessão de ser assaz respeitável, só por si, a vontade individual.
N~ podia cêdo aparecer, nas práticas sociais. Por outro lado, supõe grande
enfraquecimento dos laços costumeiros entre os bens do defunto e as
pessoas a ele ligadas. Se tal amortecimento não se verificasse, não se
compreenderia que a vontade individual tão facilmente os cortasse e criasse
outros, só dependentes dela.

§ 5.654. Direito de testar

1.
SURGIMENTO DO DIREITO DE TESTAR. — Para que surja o direito de
testar, é de mister que a sociedade venha a querer que a nova lei rasgue um
pouco de lei antiga, que a postulação político-individualística abra as
brechas no costume, e que a família perca a extrema significação dos
primeiros tempos. A concessão da simples sucessão do filho ao pai, fato
social, por ser comum o patrimônio, resiste visivelmente, onde já se
reconhece o direito de propriedade privada. Vimos, por exemplo, o direito
hindu continuar sem testamento; na Ática, a despeito de Sólon, só no século
IV antes de Cristo se há por certo o direito de testar. No direito de Gortina,
longo tempo se passa sob o regime da propriedade privada, sem que apareça
o testamento.

Fruto tardo, nos Germanos, o testamento, o que se lê em TÁCIO pode ser


repetido quase ao findar a Idade Média: heredes tamen auccessores que
suique liberi, et nuum testamentum. Deus, e não o homem, faz os herdeiros,
diziam eles: Gott, nicht der Mensch, macht ctie Erben.

Em Esparta, a propriedade era indivisível e inalienável; passava,


necessariamente, ao filho mais velho. Os cidadãos chamavam-se Iguais,
constituíam a camada do povo com direitos políticos, elegiam os foros,
soberania nacional diante dos dois reis hereditários, chefes religiosos e do
exército e do conselho dos gerontes (gerontos). Esses, sob a presidência dos
reis, dirigia a política interna e a exterior, julgando os próprios reis. Foi o é
foro Epitadeus que, por simples decreto, permitiu a doação entre vivos e o
testamento (PLUTARCO, Agis, 5), o que é para surpreender pela
transformação que à sociedade espartiata trazia tal medida.

Nos Germanos, com a comproviedade familiar, farsa intensa e inerte do


costume, não aparece o testamento. Nulla testamenta (TÁCITO, Germania,
20). Nas leis bárbaras, a despeito do contacto com os romanos, não o vemos
brotar: mal se percebem as Leges — a anatomia franca e o thinx lombardo -
—que dependiam da existência de filhos ou da deserdação do filho
sobrevivente. Algo de adaptio in hereditatem, negócios jurídicos entre
vivos, sem os inconfundíveis traços dos testamentos. A instituIção nasce
com os Merovingios e os Carolingios. A família perde a rigidez.
Intervinham considerações de ordem afetiva (filhos de descendente pre-
morto, cônjuge), religiosa (legados a pobres, corporações religiosas,
principalmente), ou de amor próprio (privação de sepultura, se não provia a
necessidades piedosas). Pode dizer-se que o velho testamento romano — a
casca, o envoltório — serviu para que se enchesse de novos intuitos. Mas,
no choque, no contraste entre o costume nórdico e o testamento romano,
entre a compropriedade familiar e o instituto individualístico, dois fatos se
observaram: a) o caráter de negócio jurídico entre vivos, que se lhe
emprestou, às vezes com a comparência de parentes e amigos, que
assentiam (laudatares); b) a aparição dos executores testamentários
(testamenteiros), originariamente amigos, que recebiam a incumbência de
executar a vontade do disponente. Sempre, ainda, negócio jurídico entre
vivos.

2.

RENASCENÇA DO TESTAMENTO. — Comparando esses tipos de


obrigação póstuma, podemos ter melhor noção da fisionomia jurídica do
que chamaremos a preforma primitiva do testamento. O que se sabe da
Treuhand germânica completa ~o que sabemos da e mancipatio familiae. Só
mais tarde cessa tal feição entre vivos. Só após o século XI é que começa a
operar-se a renascença do testamento propriamente dito. Deve-se, ainda, ai,
à Igreja, com a sua insistente vigilância da morte> os seus tribunais
eclesiásticos, com o seu assíduo procurar de esmolas e de dádivas e com a
sua política, tenaz, da absorção econômica. Mas, ainda no século XIII, são
frequentes os negócios jurídicos (H. AUFFROY, L‟Evolution du
Testamento, 594). A instituição de herdeiro, seguidor do morto, não
reponta; renova-se o instituto do testamento, mas já não é romano o
conteúdo. Falta a figura do continuador do grupo familial. Não é, digamos,
negócio político jurídico, mas jurídico-econômico; não supõe a
permanência temporal do circulo família, e sim, estreitamente, a validade
post mortem do querer individual. Vemos, por vezes, sob o influxo
religioso, associar-se o testamento à confessio in extremis. A penalidade da
privação de sepultura diz bem da pressão da Igreja contra os que não
testavam, isto é, não instituiam legados. Só no século XV começa a
laicizarão do testamento no mundo cristianizado (J. ENGELMANN, Les
Testamentos coutumiers au XVc Siêcle, 104). Certo, continuaram as
fórmulas de invocação de Deus e dos santos, os cuidados da alma, ainda
hoje assaz frequentes, e as disposições de intenção piedosa. Porém crescia a
distribuição a religiosa dos bens e a jurisdição dos tribunais civis.

Afinal, proclamou-se o principio da legítima e da reserva costumeira.

No Codex Visigothorum, Livro IV, Título 5, L. 1, proibiu-se ao pai dispor


de mais do que a têrça. Documentos portuguêses de 1138 e 1150 mostram
que se respeitava a lei. As Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 97,
receberam, através. de costume, esse princípio da livre disponibilidade da
têrca. Assim, as Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título 70, e as
Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 91, § 1. A Dei número 1.839, de 21
de dezembro de 1907, art. 2.0, aumentou a quota disponível, que passou a
ser a metade. No mesmo sentido, o Código Civil, art.

1.576.

3. ORIGEM DO TESTAMENTO. — Vulgarmente se crê que, em Roma,


provêm das XII Tábuas a instituição do testamento e a liberdade de testar.
Historiadores remontavam a mais de século e meio, corrigindo a data da
Lei.

Porém O. CLARICE (Sul Diritto sue cesso‟rio del XII Tabole, 77 e 79)
entendia que a Lei das XII Tábuas só proclamou a liberdade de testar para
os bens não patrimoniais. Mas E. LAMBERT negou ao texto das Tábuas
(uti legassit... ita ius esto) o caráter de verdadeiro testamento: o testamento
comicíal não merecia tal nome; os bens, que podiam ser legados, eram os
não-patrimoniais. Usou, para chegar a tais conclusões, do método
comparativo: a liberdade de testar já constitui avanço social. Certo é que a
comparação só esclarece até o meio: medievo e tempo romano começam
ciclos relativos ao testamento, mas as linhas não são as mesmas. Daí as
críticas. Em verdade são duas civilizações— a romana e a germânica; mas a
comparação não é, como pareceu aos críticos, entre coisas incomparáveis:
algo não se repete, quando se retomam ciclos: o fim da ciência, o seu
trabalho específico, é, justamente, procurar o que no irrepetivel se repete.
Atributo da onipotência majestática do pater familias foi o testamento
romano, ao passo que, ato de vontade individual a mirar a própria morte (e
não a sucessão do poder familial), era o testamento medievo. Não há negar,
em todo o caso, que dependeram de situações históricas comparáveis.
Também ALFRED OBRIsT (Essai sur les Origines du Testament roinctin,
2 s.), havia sustentado que a forma de liberdade testamentária dependia de
grau elevado de cultura jurídica: originàriamente, trata-se de adoção; a
intervenção dês-se sucessor é que modifica a ordem legal. O testam entum
calatis comitiis, que veio após a adoptio in hereditatem, permitiu ao
sucessor não perder o status famitiae. Mas era revogável, com o
consentimento do herdeiro, e mais significou transmissão de culto
doméstico que de propriedade. A isso era que se referia a Dei das XII
Tábuas, para simplificar o ato. Com o desenvolvimento do testamentum ver
aes et libram é que aparece, mais preciso, o instituto.

O pater não tinha poder para alterar a sucessão: o comunismo familial, em


Roma, como entre os Germanos, evidentemente lho obstava. Tem-se de
indagar como apareceu esse direito. W. ERDMANN (Die Entwicklung der
Testierfreihet im rõmischen Recht, Zeitschrift flir vergíeichende
RechtwessenSchaft, 22, 1-32), feriu o ponto principal: pela intervenção do
Estado, menos tirânico para o individuo e mais favorável ô iniciativa
individual.

Quer dizer, completando-lhe o pensamento: círculo maior, menos


despotismo; enfraqueciment0 da família, fortalecimento. Donde: liberdade
testamentária, menor despotismo, menor farsa exclusivista do circulo
familial, maior eficiência do Estado, maior dignidade e respeito do querer
individual (do pater famílias, em Roma; das pessoas, nos nossos dias). A
princípio, adoção. Depois, testamento comicial, quando faltavam heredes
sui, e sem perda da família do instituidor. Mais tarde, liberdade de testar
quanto à pecúnia (bem individual), testamento per aes et libram, instituição
de herdeiro (cf. nosso Introdução à Política Científica, 151: “Dos dois
princípios, um concerne ao espaço, outro ao tempo; um é a mais geral das
leis sociológicas especiais, o utro a mais importante no que se refere à
cultura, à civilização, ao tempo. Mas é preciso advertir em que tais
princípios são evolutivos. Se os dois se verificam, há, incontestavelmente,
evolução civilizadora. Se só o primeiro se realiza, é unilateral a evolução,
porque é espacial, e não correlativa de aumento de civilidade. Se só o
segundo atua, causas sutis separam o povo, prendem-no, sequestra-no, e —
determinada por elementos interiores —a evolução realiza-se
unilateralmente sem a correlação espacial, que lhe daria o surto evolutivo
integral: aumento especial e diminuição do quantum despótico”.)

§ 5.655. Execução testamentária

1. DADOS HISTÓRICOS. — a) A e mancipatio familiae, a execução


testamentária dos costumes pré-românicos ou do direito hebraico foram
formas diferentes, mas de um mesmo conceito jurídico. Entre a primeira e a
segunda, pormenores devidos às concessões romana e germânica (assaz
distintas), do direito de propriedade, ou das cerimônias de transmissão de
direitos.

b) No antigo direito inglês, também havia o use, que obviava à proibição da


testamentariedade da real property.

Outro expediente, O joint tenancy, que, estabelecida a compropriedade,


faria do intermediário um joint-tenant. O

executor da vontade, investido por ato entre vivos, recebia, em seu


patrimônio, os bens, e depois os passava àqueles a quem o disponente
queria beneficiar. Era o feoffee to uses, que, mais tarde, passou a reter a
propriedade, só transferindo o use dos direitos. O surrender to use of will
exerceu papel visível, que nos instrui sobre as linhas evolutivas, sobre a
passagem do regime vedativo ao permissivo. Digamos, em termos romanos:
da e manciparei, familiais ao testamento per aes et libram. Transmissão por
intermédio do senhor: fato que já conhecemos, mas, aqui, com as
características que lhe vêm de se banhar na morfologia feudal. Algo de
Saimann, na afatomia saliana. Em todo o caso, no surrender to use of will,
não há liberdade de escolha.

c) Na Idade Média, a função de executor testamentário, o testa»nenteiro do


direito luso-brasileiro, desempenhou relevante papel. No Código Civil
francês, menor foi a sua importância. Como surgiu? No velho direito, tinha
a missão, criada como expediente de possibilidade jurídica, de ultimar
doações pro anima. Depois, o padre tornou obrigatórias tais doações.
Liquidador, protetor e defensor do testamento; mais: executor, intérprete e
até supridor, no caso de obscuridade, o testamenteiro chegou a ter, em
costumes locais, a tutela da viúva e dos filhos (R.

CAILLEMER, Origines et Déveioppement de l‟Exécution testamentaire,


77 e 79).

2.

DIREITO DE HOJE. — A execução testamentária toca ao testamenteiro, ou


a quem a lei, na falta de testamenteiro, ou de exclusão, atribui tal função. É
assunto para trato à parte.

A distribuição entre co-herdeiros pode ser totalmente feita, ou em parte


feita, pelo testador, no testamento, como pode ser judicial, ou amigável
pelos co-herdeiros. A partilha em vida, essa, está ligada à necessariedade da
herança.

O Código Civil não admitiu que se fizesse partilha em vida se não há


herdeiros legítimos, como pré-excluiu o contrato de herança. A ratio legis
de só se pensar na partilha feita, em vida, pelo testador, se há herdeiros
necessários, está em que, aí, os herdeiros são todos necessários e a
atribuição de irrevogabilidade do negócio jurídico unilateral da partilha pelo
decujo não implica permissão do contrato de herança, isto é, o pactum de
succedendo, ou o pactum de non succedendo.

Aliás, feita a partilha pelo pai, ou outro ascendente, a sentença sôbre a


indignidade do herdeiro necessário se refle-tina, ex tunc, na partilha.

ascendente testador, em vida, pode fazer a partilha de que corresponde à


metade da herança, porque assim se respeitam as legitimas dos herdeiros
necessários; porém não pode partilhar a outra metade se a reputou
disponível, porque faltariam os legitimados. A distribuição é, então, entre
metades e entre co- herdeiros necessários, e não entre co-herdeiros
necessários e co-herdeiros testamentários, porque esses ainda não existem.

princípio, vigente no direito brasileiro, como o era no direito luso-brasileiro,


é o de ter o testador poder de distribuir no testamento os bens dos herdeiros,
quer legítimos quer testamentários. O art. 1.776 do Código Civil (Código de
Processo Civil, art. 502), que se refere a pai (leia-se: ascendente, em caso de
haver herdeiros legítimos), não alude às cláusulas testamentárias
distributivas dos bens da herança, porque, posta em testamento a
discriminação, tem a partilha de observar o que o testador disse.

As cláusulas testamentárias pelas quais o testador põe na quota hereditária


determinado elemento é distributiva, porque, antes, nas mesmas cláusulas,
ou noutras, se atribuiu à pessoa, ou as pessoas a herança. A distribuição
pode ser a um, a alguns ou a todos os herdeiros (a para A, b para B, c para
C). O que importa é que, com isso, não se ofenda a legítima de herdeiro
necessário. Pode dar-se que o testador haja deixado a herança a A, B e C e,
no distribuir haja omitido C, ou haja distribuído a a A, b a B, e c a C, tendo
perdido em vida, por alienação, ou outra causa, a propriedade de c. Se a
distribuição não compreende todos os bens, a lei rege o que não foi
distribuído pelo testador.

Se há herdeiro necessário, ou se há herdeiros necessários, e o testador


dispõe do patrimônio, respeitando a legítima do herdeiro necessário, ou dos
herdeiros necessários, pode, no testamento, distribuir os bens. O art. 1.776
do Código Civil (Código de Processo Civil, art. 502) não se refere à
distribuição no testamento, porque do princípio de auto-regramento. da
vontade resulta que tal volição distributiva é permitida, quer exista, quer
não exista herdeiro necessário. Qualquer testador pode manifestá-la. No
testamento, o testador disse quem é herdeiro testamentário, com a morte
tornou-se irrevogável o testamento; nada obsta, portanto, a que se distribua
o que há de caber a quem herdeiro é.
Temos sempre acentuado que o testador pode atribuir, no testamento, a
posse ao legatário (Tratado dos Testamentos, III, § 1.069; Comentários ao
Código de Processo Civil, III, 1, 330. “. . . ou o legatário recebeu do
testador, por disposição especial, a posse”; 1959, VI, 2~a ed., 162; Tratado
de Direito Privado, X, § 1.154).

Lê-se, com explicitude em MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Notas de


Uso prático e críticas, III, 408) : “Há em Direito muitos casos em que o
legatário, sem recorrer a ação alguma judicial, pode entrar na posse do
legado por autoridade própria; como quando o testador expressa ou
tacitamente lhe facultou essa autoridade, e em outros casos, que até o
número de doze figuram e provam os Doutores”.

As ações de legatário são: a) a ação de reivindicação, se a propriedade de


objeto legado se transferiu com a morte do testador; b) a ação cominatória
segundo o art. 302, XII, do Código de Processo Civil; e) a ação condena
tória, para que o herdeiro entregue o bem, ação pessoal ex testamento, não a
ação de imissão de posse (ação adipiscendae possesion, conformei o art.
381, 1, do Código de Processo Civil), porque ou ele recebeu a posse, por
disposição do testamento e então há de exercer a ação possessória, que
caiba, ou não a recebeu, nem recebeu o domínio, e não se poderia pensar
numa ou noutra, ou, se recebeu o domínio, tem de pedir o domínio e a
posse, como se o legado foi de bem pertencente ao herdeiro ou a legatário,.
cf. Código Civil, art. 1.679; d) as ações possessórias, se a posse foi
transferida com a morte do testador, ou se já foi entregue pelo herdeiro.

Para que haja legado, é preciso que se trate de disposição a causa de morte,
a título particular e autônomo. Portanto, que o direito não se haja de
considerar incluso ou em função da quota hereditária. Se o bem a que alude
a verba testamentária se há de ter como elemento da herança, a qualidade de
herdeiro afasta que se pense em legado.

Diferentemente ocorre se, por exemplo o testador dispôs que A teria a


metade dos bens e B a outra metade, ou que a A, herdeiro legítimo, tocaria
o que a lei lhe assegura e B seria herdeiro testamentário de um quarto da
herança e legatário da casa em que B reside, ou em que o testador residia.
Sobre a casa não incidiriam os débitos da herança, salvo se, com a
incolumidade, ocorreria ofensa à legitima do herdeiro necessário.

A disposição de vontade pela qual o testador estabelece ~que determinado


bem deve achar-se na quota do herdeiro não faz legatário o herdeiro, porque
o testador apenas disse que na ~quota do herdeiro havia de achar-se o bem.

O art. 27, a), do Decreto Lei nº. 2.627, de 26 de setembro de 1940,


estabelece que a transferência das ações nominativas se opera, por termo
lavrado no livro de “Transferência das Ações Nominativas”, datado e
assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus legítimos
representantes‟~ Acrescenta..se no ~ 1.0: “A transferência das ações
nominativas, em virtude de transmissão por sucessão universal ou legado,
de arrematação, adjudicação ou outro ato judicial, somente se fará mediante
averbação no livro de “Registro de Ações Nominativas” em face de
documento hábil, que ficará em poder da sociedade”

Tem-se de atender a que a transmissão da propriedade das cisões


nominativas ou é entre vivos ou é a causa de morte. Entre vivos,
transmissão. somente há após o termo no livro de “Transferências das
Ações Nominativas”, tal como acontece com os bens imóveis e com os bens
móveis para cuja transmissão da propriedade a lei exige o registro.

Sempre que a propriedade se transmite pela saisina, as regras jurídicas


sobre registro, referentes à transferência (ato formal de transferência), não
são atributivas do direito de propriedade esse já existe. A eficácia é só
interna e para determinados efeitos, como se o herdeiro sucedeu na
propriedade de ações nominativas que precisam de registro na sociedade
por ações, ou se sucedeu na propriedade de bem imóvel, cujo registro se
haja de fazer. No intervalo o herdeiro é dono, em virtude do art. 1.572 do
Código Civil: falta a formalidade, que é indispensável para determinados
efeitos.

Se algum bem imóvel ou móvel, para cuja transmissão de propriedade se


exige registro, é atribuído a credor da herança a transmissão da propriedade
somente se dá com o registro. Diferente é o que se passa sempre que há
transmissão legal da propriedade, como acontece com os herdeiros e os
legatários que se achem na situação do art.

1.692 do Código Civil, inclusive em se tratando de títulos nominativos Os


poderes do inventariante resultam ou de regra jurídica imperativa, ou de
manifestação de vontade do testador. Se o testador estabeleceu que
determinado bem ou determinados bens têm de ser entregues
imediatamente, ou em data certa ou na certa, a algum herdeiro, ou ao
testamenteiro, ou a legatário, ou. mesmo ficarem com outra pessoa, como,
por exemplo, o banco depositário, até que se dê a posse imediata ao
herdeiro ou ao legatário, a vontade do testador tem de ser cumprida. Bem
assim, se o testador disse que nas votações ou quaisquer outros exercícios
dos direitos de acionistas nas sociedades por ações teria de tomar parte,
desde logo, algum herdeiro, ou legatário, ou, mesmo até que se fizesse a
partilha, alguma pessoa como investido de poderes de representação da
herança.

juiz tem de procurar conhecer o que quis o testador.

Contra o que quis o testador, só se pode invocar regra jurídica que seja
cogente, isto é, imperativa ou proibitiva.

Fora daí, o que o testador quis ele podia querer, e à justiça compete o
deferimento de tudo que seja necessário ao cumprimento da vontade do
testador.

§ 5.656. Testamentos no direito luso-brasileiro

1.

INÍCIOS. — Em Portugal, os testamentos foram, origínaríamente pro


anima. Tudo se passou sem destoar da lei sociológica. Vejamos alguns
documentos. No de Afonso 1:
“Placuit mihi de meo habere partem quandam assumere, et dare pro anima
mea”. No de Afonso III: “Facio testamentum meum, ut Dominus propitietur
animae meae, et non consideret peccata mea”. No de Dinís: “Pera proli de
minha alma... E o que per alguma maneira per si, ou per outrem, embargar,
aja a maldiçam de Deus, e a minha, pera todo sempre, e seja condenado
com Judas traedor em fundo do Inferno”.

No meio das asseverações, é de ver a finura com que P. 3. DE MELO


FREIRE toca, de leve, o problema fundamental dos testamentos Isso, que a
hodierna ciência assentou, de serem recentes, nos povos, os atos
testamentários, já o jurisconsulto lusitano (no meio dos que remontavam ao
Gênese e a Adão!>, tinha por firme (cf.

Institutiones III, 5, ~ 2, onde ele mostra que fora, antes, probono et remedio
animae suac, e ato de recomendação e confiança em prelados e na Igreja) -
Tudo faz ver que o princípio germânico atuava em Portugal e através da
Igreja; surgiam, não os testamentos, mas aquelas preformas de que se falou.
O elemento romano não bastava para vencer o apego à sucessão legítima.
No fim da Idade Média, é a luta entre a realeza (crescente, fortalecida pelo
despotismo jurídico dos textos romanos imperiais) e o feudalismo. Com
Afonso III, triunfou o Corpus luris Civilis.

2.

ORDENAÇÕES AFONSINAS. — Nas Ordenações Afonsinas, podemos


ver, em resquícios de uma e aparição escrita de outra, as duas épocas da
formação do testamento em Portugal: no Livro IV, Título 96, § 1.0, há o
antigo testar em benefício da alma (resposta de Dom João 1 a requerimento
da clerezia, em que dizem que som agravados na execução dos testamentos,
que non perteecem a nós de direito, mas aos Prelados nas cousas
piedosas”); no Título 97, a recepção do direito imperial. A revolução
jurídica, que se operou, não pôde apagar os traços feudais, consuetudinários
Copiou a legislação romana, associando-se às outrã~

côres do direito gótico e local. Continuou, na doutrina posterior às


Ordenações Filipinas, a instituição de herdeiro a ser caput et fundamemtum
totius testamenti, princípio a que negavam valia os espíritos livres de P. J.
DE MELO

FREIRE e COELHO DA ROCHA. Depois, no Brasil, TEIXEIRA DE


FREITAS. Contra êles, veemente, se insurgiu F. DE P. LACERDA DE
ALMEMA (Sucessões, 247-251). Não lhe deu razão o Código Civil, mas,
nem por isso, se esqueceu do antigo conceito (e.g., art. 1.665, onde reponta,
um tanto insólita, a regra Semel heres semper heres).

Devemos raciocinar com o conceito de aquisição de bens a título gratuito,


inortis causa, se bem que a herança se haja de considerar universalidade
(art. 57).

§ 5.657. Bens testáveis

1. DIREITO ROMANO. Diante de uma das variantes da regra uti legassit, a


de ULPIANO (J?eg., XI, 14: uti legassjt tutelave suas rei), pretendeu
EDOUARD Cuq (Recherches historiques sur le testament “per aes et
libram”, Nouvelte Révue Historque, 540 e 547; Institutiorres, 282 e 301)
que o texto só se referisse à pecúnia (res nec mftncipi), e não à família (res
mancipi), tão-pouco, a heredium, bens da comunhão doméstica. A
revolução das XII Tábuas seria só a da liberdade de legar objetos de plena
propriedade individual. Não seria, assim, tão profundo o golpe. Só depois se
operou, com a ação simetrizadora da jurisprudência, à medida que a
compropriedade familiar cedia, a testabilidade dos outros bens.

No direito testamentário romano, há os adágios institutio heredis est caput


et fundamentum testamenti et nemo partim intestatus decedere potest, que
têm tido várias explicações. Em verdade, trata-se de sobrevivência das
antigas formas de disposição. Formas anteriores às XII Tábuas. Com a
instituição caiatis coniitiis, podia o cidadão, sem filhos, para continuar a
sua personalidade, criar-se com o assentimento do povo, associado ao seu
patrimônio.

Já não era o status familiae, nem a submissão ao pátrio poder. Preforma de


testamento. Pode-se mostrar, no direito grego, o momento correspondente.
2. DIREITO HODIERNO. — Hoje, só não é testável o bem que não pode
ser transmitido, seja em geral, seja por faltar ao beneficiado pressuposto
para a aquisição (e.g., nacionalidade).

§ 5.658. Definição e pressupostos de testamento

1. DEFINIÇÃO. — Testamento é o negócio jurídico unilateral, de última


vontade, pelo qual alguém, nos limites da lei, e para depois de sua morte,
dispõe dos seus bens, no todo ou em parte, ou algo determina para efeitos
jurídicos.

Diz o Código Civil, art. 1.626: “Considera-se testamento o ato revogável


pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte,
do seu patrimônio para depois da sua morte”.

Trata-se de declaração unilateral de vontade, náo-recepticia (não existe


qualquer aceitante ou recebedor da declara-

ção de última vontade). Ninguém é comparte, ou destinatário. No


testamento público ou no testamento cerrado, o tabelião recebe o que se lhe
dita, sem participar do negócio jurídico em si: inscreve, quiçá escreva pelo
testador.

Mero instrumento> com funções acauteladoras. Tanto assim que poderia o


disponente escrever o testamento particular: seria válido. A sombra que se
vê, o outro pólo da relação jurídica, é a mesma dos outros negócios
jurídicos unilaterais, nos direitos reais, nas aquisições não consensuais da
propriedade. A voz social> que obriga ao prometido, ou faculta a
disposição, ou reconhece o nascer do direito de propriedade. Por isso
mesmo, para ser válido o testamento, não é de mister que dele se saiba:
opera os seus efeitos, à abertura da sucessão, ainda que os herdeiros e
legatários nada saibam. Mas ainda: não é‟ preciso, para sua perfeição, que
faleça o testador, menos ainda que nas cláusulas consintam os beneficiados,
o que importa é que o testador tenha capacidade para fazê-lo e o faça dentro
da lei. Tanto ele independe da morte, ou de qualquer ato de outrem, que se
lhe ha de aplicar, e só se lhe pode exigir, a lei do tempo em que foi feito.
Enlouqueça o testador, mude-se a legislação, nada importa: estava perfeito
quando se fêz. Os casos dos artigos 1.750 e 1.751 só se podem fundar em
presunção de “outro querer” do testador: advieram-lhe filhos, ou netos, ou
existiam herdeiros necessários, que ele, ao testar, desconhecia. Na doutrina,
somente A.

RÓPPEN (Lehrbuch des heutigen rõmischen Rrbrechts, § 66) ousou


considerar negotia imperfecta os testamentos: dependeriam da morte do
testador e de certas circunstâncias. Donde duas consequências: não valer,
sobrevindo incapacidade; não valer, se há os herdeiros, posteriores ou
ignorados, de que acima se falou. Nem ao direito romano (H. DERNBURG
Pandekten III, § 66, nota 2), nem ao Código Civil alemão (F.
ENDEMANN, Lehrbuch des Bi~rgeiiichea Rechts, III, § 33, 247), nem ao
Código Civil brasileiro, nem aos princípios gerais de direito que o método
científico revela, poderia servir tal teoria.

2. REVOGABILIDADE ESSENCIAL. — No dizer-se que é ato de última


vontade, está implícita a revogabilidade essencial. Testamento, que não
fôsse revogável, não seria ato de última vontade, mas de vontade, de
determinado momento, que se fixou. Dizendo-se declaração de vontade
última, fora redundante acrescentarse “revogável”.

Personalíssima, porque, do contrário, não seria vontade do testador, mas de


outrem, em colaboração ou contra a vontade do disponente, a liberdade de
dispor em testamento constituí incompressível atributo do direito de
propriedade. As disposições, que ele pode conter, ou são positivas (deixo,
lego, mando que se dê dos alugueres das casas uma pensão a B), ou
negativas, como as deserdações, as. revogações, totais ou parciais, de
testamento anterior e as clausulações de legítimas. Além das disposições
sucessórias, há outras de direito de família, ou de direito das obrigações, ou
de direito das coisas, que podem vir nos testamentos.

3. SOBRE A DEFINIÇÃO DO CÓDIGO CIVIL. — Na definição do


Código Civil, não se atendeu à vontade testamentária quanto às relações de
direito de família e às demais, se bem que alhures o reconheça (por
exemplo, Código Civil, artigos 407, parágrafo único, e 410, 1). Dêsse
assunto, trataremos adiante. Como veremos ao cogitarmos do art. 1.769,
não é de mister a instituição de herdeiro, O art. 1.626, de si só, deixa
resolvidos ou suscitados os seguintes pontos, que adiante versaremos: a)
disposição, “no todo, ou em parte”; b) direito a testar, nascido da lei e de
conformidade com ela ~ c) função personalíssima de testar; d)
revogabilidade inderrogável do testamento; e) testamento de conformidade
com a lei, pois às vezes só se dispõe de parte do patrimônio (porção
testável); f) disposições estranhas ao patrimônio; g) impreclusividade do
testamento.

4. DISPOSIÇÃO NO TODO OU EM PARTE. — A possibilidade de testar


todo o patrimônio já significa evolução jurídica. Com a liberdade de testar
— sem se estabelecer status familiae, diretamente — denuncia-se já se não
tratar de fato religioso-político, mas puramente jurídico-econômico.
Superou-se, também, o principio rígido da essencialidade da instituição do
herdeiro. O testador pode dispor em parte, distribuir tôda a herança em
legados, só prover a certos encargos. É pena que se não tenha libertado, de
todo, o Código Civil da regra semei heres semper heres e das suas
conseqüências. O direito romano, recebido em Portugal, lançou raízes
fundas, de que no Brasil os legisladores não se desenvencilham. Há certa
surdez mórbida aos brados, de século em século, que se ouvem, mas não se
atendeu a certas considerações de P. J. DE MELO FREIRE e de TEIXEIRA
DE FREITAS.

É vulgar invocar-se, sistematicamente, o velho direito romano como o


inspirador do testamento. Mas erra-se nisso.

Através dos tempos, palavras dificilmente mostram identidade: o evoluir


das coisas muda-lhes o sentido. Um instituto pode transformar-se, fazer-se
outro, inteiramente diverso, nos fins e nos processos, sem perder o antigo
nome. O elemento germânico, a sugestão de vida, a praxe, são fôrças que
também se contam. Hoje, ~, quais são os bens sôbre que pode dispor o
testador? A resposta faz-nos volver às sucessões em geral, aos princípios
comuns: todos os bens herdáveis. Não foi sempre assim.

5. DIREITO INTERTEMPORAL E TESTAMENTO. — O testamento,


negócio jurídico unilateral, sempre revogável, que se faz para eficácia a
partir do momento da morte, supõe que no seu conteúdo esteja a última
vontade do testador. Não há direitos de outrem, antes da morte; mas da lei
— vigente nesse instante — depende a sua existência, a sua validade e a sua
eficácia. Todavia, com o lapso entre a feitura do testamento e a morte, pode
ocorrer que haja diferença entre a lei do momento da feitura, a de alguma
data intercalar e a do montante da morte.

Não é possível testar-se no instante da morte. A manifestação de vontade é


última, porque não existiu outra, com os pressupostos formais e materiais,
para entrar no acervo jurídico e ser válida.

A forma do testamento tem de obedecer à lei do momento em que se faz o


testamento.

Aqui, temos de tratar do contendo do testamento, e não da forma.

Na doutrina do século passado, toda a matéria testamentária, a partir da


caqxtcidade de testar e da faculdade de dispor, era submetida à lei do
momento do ato. Para isso era invocada a Novela 66, cap. 1, §§ 2-5, em
que, aliás, só se via solução justinianéia para caso particular. As criticas
estão, principalmente, em K. J. HÚTTNER (Uber die riickwirkende Kraft
der Gesetze zur Erlduterung des § 5 des õsterreichischen Biirgerlichen
Gesetzbuchs, § 40), e foram assaz justas (F. VON SAVICNY, System des
heutigeu rõmischen Rechts, VIII. 473; JOSEPH UNGER, System des
õsterreichischen alígemeineu Privatrechts, 1, 5.a ed., 144). Hoje, chegou-se
a distinções acertadas.

Pode ocorrer a) que a lei nova vede o testamento, portanto — não tenha a
faculdade de testar, que se não confunde com a capacidade de testar, como
pode dar-se b) que, entre a época do testamento, quando se admitia, e a da
morte, medeie a da proibição, ou c) que fosse vedado quando se testou e
seja permitido por ocasião da morte. Na espécie a), tem o juiz de submeter-
se a essa atitude hostil do legislador (JOSEPH UNGER, System, ~j,

5 a ed., 144),
reveladora de recuo histórico. Passar-se-ia o mesmo se a nova lex só
atingisse a capacidade de testar, ao quanto da testabilidade. Quanto à
espécie b), antes do Código Civil francês, a jurisprudência francesa era pela
invalidade das regras jurídicas concernentes à faculdade de testar, como,
por exemplo, das relativas à quota legal do momento da morte; o Código
Civil francês considerou atendíveis as regras jurídicas sobre disposições
universais a causa da morte, excedentes da quota disponível e redutibilidade
daquelas a essas; portanto, o princípio da não-revogabilidade da lei vedativa
intermediária. Só se atendiam às regras jurídicas do momento de testar e as
do momento da morte do testador. Era a esteira do adágio Media te?n para
non nocent (cp. L. 49, § 1, 13.,de heredibus instituendis, 28, 5). A lei
posterior repararia a invalidade com que a lei intermédia ferira a instituição.
Contra isso argumentava-se: se o testador aliena a propriedade do bem que
legara, retira o efeito da disposição, o que se não confunde com a
revogação, que desfaz, diretamente, a verba testamentária; ora, há leis que
tolhem efeitos e leis que invalidam, e compreenda-se que possam não
incidir aquelas, por ocasião da morte do testador, e essas, não. O corte por
essas é definitivo. A lei nova não poderia ter a função de vontade do
testador, para fazer voltar o que o testador sabia que estava desfeito. Quanto
ao adágio Media tempora non nocent não seria invocável, porque só se
refere a mudança na pessoa do instituído entre a feitura do testamento e a
morte do testador. O maior argumento a favor do respeito da vontade
manifestada está em que o testamento foi negócio jurídico unilateral (ato
jurídico unilateral perfeito) e, a despeito da lei intermédia que o atingiu, o
testador não cogitou de substitui-lo,Porque a sua vontade não mudou.

(Contra: o testador conta com a incidência, que ocorreu, da lei intermédia


de invalidade.) O testamento é declaração de última vontade, e há o
principio do favor testamenti; portanto, o que se há de entender é que o
testador contava, ao morrer, com aquilo que fizera. Quanto à espécie c), que
é a de lei vedativa, ao tempo da testamentifição, e de lei permissiva, ao
tempo da morte, logo se traz à baila o princípio Quod initio vitiosum eM,
tractu temporis conval e-seere non potest. Quando o decujo testou, a
manifestação de vontade não teve qualquer validade, de modo que a lex
nova comemte poderia ter qualquer eficácia quanto ao negócio jurídico
inválido do passado, se contivesse regra jurídica sanatória, retroeficaz, e o
sistema jurídico, no plano do direito constitucional, considerasse valida tal
regra jurídica.

A capacidade para testar é capacidade especial, principalmente por ser


personalíssimo o negócio jurídico unilateral do testamento. Problemas assaz
delicados apresentamse à doutrina. ~ Quem, hoje, não poderia testar, mas
testou antes da lex nova, morre com o testamento que fizera?

§ 5.659. Fundamento da faculdade de testar

1.LEI E FACILIDADE DE TESTAR. — No declarar que algorem deixa os


bens aos herdeiros legítimos ou testamentários e aos legatários, a lei estatui
que tais bens obedeçam à lei do decuja (ou à dos herdeiros, conforme o
caso), e passem às pessoas designadas pela lei dentre os parentes do morto
ou indicadas por êle. Desde o uti lingua nuncupassít, ita ius esto das XII
Tábuas até o Código Civil, art. 1.626, o fundamento é o mesmo: a lei
permite que, dentro de certas circunstâncias e limites, a vontade declarada
do testador substitua a lei. Seja exercício de direito. A vontade interna não
tem tal efeito. A vontade que se há de investigar é a externa, a manifestada,
que não precisa de provas do querer interno: não deve ater-se o juiz as
palavras em sentido ordinário; em cada espécie, há de procurar conhecer o
contexto, as circunstâncias, o que esclareça a declaração do testador,
esclarecimento que, Por vêzes. lhe mostrará, por exemplo, sob a palavra
“usufruto”, simples cláusula de inalienabilidade, ou vice-versa. A procura
de tal intenção manifestada é o que lhe impõe a lei (Código Civil, art. 85),
com o propósito de afastar a interpretação literal, assaz perigosa, tanto na
interpretação das leis quanto na interpretação dos negócios jurídicos.

2.

DIREITO DE TESTAR, E NÃO DEVER. — O testamento é ato permitido


ao homem. Nunca houve formal dever de testar. Em geral, a Igreja, que nele
sempre teve magnífico instrumento, pugnou pela liberdade de fazê-lo. O

povo e alguns juristas cercaram-no de desconfianças: perturba a paz pública


(diziam uns); estraga patrimônios e heranças (argumento que também vale
contra as partilhas obrigatórias); serve a maquinações, a falsidades e aos
heredípetas.

Nos séculos em que se digladiavam, como, aliás, ainda hoje, os dois


princípios, o da sucessão legítima e o da liberdade de testar, cada série de
batalhadores buscava argumentos, religiosos, filosóficos, político-
econômicos, às suas convicções. Assim, há os que tiravam do direito divino
a origem e liberdade do ato testamentário (J. G. HEINÉCIO, G. A.
STRUVE e P. MÚLLER, MANUEL RIBEIRO NETO, DOMINGOS
ANTUNES PORTUGAL, FRANCISCO PINHEIRO). Os outros, só do
direito civil (HENRIQUE COCOEIUS e SAMUEL COCCEIUS, CHR.
THOMASIUS, SAMUEL STRYK, J. H. BOEHMER e GOUVEIA
PINTO). Mas o que neles se lê sobre a origem do testamento assaz se
ressente dos parcos recursos de direito comparado e do quase nenhum
critério sociológico. Aqui FURGOLE, dentro da cronologia católica, vai até
Adão; ali, com ele, MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, até o Gênese, 10,
v. 5 e 25, e a inadmissível testação dos povos de Espanha e da Lusitânia,
antes do domínio romano. Para os nossos olhos de hoje, com os recursos de
cronologia, de direito comparado e de critica histórica, constitui pitoresco
exame o folhear tantas páginas de errado informe e de imprestável
sabedoria. Profunda lição de humildade e ao mesmo tempo de confiança na
evolução da ciência, — mais se avança no tempo, após o século XVIII, mas
sabemos dos antigos o que ele de si mesmo não sabiam.

Na mecânica da sociedade hodierna, os dois princípios mantêm-se em


equilíbrio. Cerca-se de formalidades ato testamentário, vigia-se-lhe, quanto
possível, a aplicação. Mas, no policiá-lo internamente, bem pouco se lhe
evita aquela liberdade mal entendida, de que falava a Lei de 9 de setembro
de 1769, pois que não se entra na apreciação da justiça ou injustiça das
deixas. A lei tomou cautelas quanto ao exterior e ao interior dos
testamentos; fixou a parte disponível, se há parentes em linha reta. Mas, em
verdade, optou pela liberdade, a fim de evitar que se possa intrometer nas
disposições testamentárias o critério de outrem.

3. INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO. — Intervém aqui a questão


dos atos jurídicos favoráveis e odiosos.
Favorabilia late, odiosa stricte sunt interpretanda Em poucos assuntos, as
regras jurídicas seriam mais frágeis e transitórias. Interpretar favorável o
testamento seria interpretar estritamente o favorável à sucessão legítima.

Resolver~se, na dúvida, por essa, seria ferir-se aquele. CHR.


THOMASIUS, J. G. HEINÉcIO e outros tinham razão em mostrar, contra
HUGO GRócIo, a ideia relata da questão dos favoráveis: resolver por um é
resolver contra outro. Dois favores, duas soluções possíveis. Claro que, na
dúvida, se haveria de resolver pelo testamento e em favor das disposições
de última vontade. Mas é preciso distinguir-se. Uma coisa é existência,
validade de testamento, e outra, luta de sitoasses, existente e válido o
testamento, entre a sucessão legitima e a testamentária O

que então se procura há de ser a vontade do testador, e o argumento da regra


jurídica dos favcyrabilia nada pode resolver. Fundamentum interpretationis
?tltimarum voluntatum, escrevia SAMUEL STRYK (De Cautelis
testamentorum, 315), non debere esse istum praetensum favorem, sed
voluntatem defuncti, a qua ob favorem nunquam deflectendum. A questão
assaz se complica no caso de dois ou mais testamentos. Só sentidos
histórico e evolutivo podem dar ao jurista o roteiro científico. A razão
contemporânea persuade-se de que a ampla liberdade de testar seria causa
de impias sugestões, de extorsões maliciosas, de simulações e de falsidades
(Lei de 9 de setembro de 1769, pr.) Se, hoje, a tivéssemos de adotar,
forçosamente passariam ao Estado deveres que incumbem aos pais; ou
cresceriam os impostos, ou ocuparia o lugar dos herdeiros necessários a
Fazenda Pública. De qualquer modo volver-se-ia ao equilíbrio. Enquanto os
outros povos discutiam tudo isso, no direito inglês não havia legítima, parte
intestável, a que a lei desse destino hereditário prefixo: o testador podia
dispor de todos os bens (5. SCHUSTER, Búrgerliche Rechtspflege in
England, 243).

4. CONTEÚDO DA FUNÇÃO PERSONALISSIMA DE TESTAR. — O


testamento só pode ser feito pela própria pessoa (Código Civil alemão, ~
2.064; Código Civil, arts. 1.623, 1, 1.638, II, 1.640 e 1.645, 1). Donde se
conclui: a) que não é possível constituir mandatário, ou servir-se alguém de
representante, ainda legal, para fazer testamento; b) que os absolutamente
incapazes (menores de dezesseis anos, loucos, e os privados
momentaneamente de juízo, os surdos-mudos que não exprimem a
vontade), nem por isso, nem por intermédio de ou crem, podem testar (art.
1.627); c) que o testador não pode deixar a outrem a determinação da
identidade de pessoa incerta (art.

1.667 II), nem a do objeto do legado (art. 1.667 IV), nem o decidir sobre a
validade, ou não-validade, de uma cláusula, ou da sua eficácia, ou
ineficácia. A personalidade do testamento refere-se assim à vontade como à
declaração. Não constituem exceção ao princípio os testamentos dos
artigos 1.656-1.659 (marítimo) e 16604663

(militar) : o terceiro, aí, serve apenas de instrumento.

Assim como o Código Civil francês e o Código Civil alemão, desconhece o


Código Civil brasileiro o instituto da substitução pupilar ou quase-pupilar
do direito romano. Tinha-o o revogado Código Civil português, arts. 1.859-
1863 (menores e interditos). No Código Civil português de 1967, artigos
2.297-2.300, foram mantidas a substituIção pupilar e a quase-pupilar. Antes
do Código Civil brasileiro, regiam as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título
87, §§

7-11 (substituIção pupilar e exemplar ou quase-pupilar) ; de modo que, no


Brasil, ainda seriam possíveis, após 1917, questões de direito intertemporal.

5.CONSEQÜÊNCIAS DE SER PERSONALíSSIMO O DIREITO 1)E


TESTAR. — Por isso que é personalíssima a função de testar, é preciso que
a vontade se conceba, não em termos enunciaivos, mas dispositivos.
Outrossim, deve ter por fonte a vontade do testador, o que vale dizer —
exercida livremente, indene a temores, a violências, fraudes, artifícios, ou
captações. De ser ato personalíssimo o testamento resulta: não poder ser
feito por procurador; nem delegada a outrem a instituição; nem, sequer,
deixada ao arbítrio do herdeiro, ou de outrem, o valor do legado; nem
cometida a terceiro a designação da identidade do herdeiro, ou o legatário;
nem atribuída à vontade de outrem a eficácia ou ineficácia da disposição;
nem afastada da imediata escolha do testador, com a instituição disjuntiva
que se não pudesse tomar por verdadeiramente copulativa, ou condicional
para um ou ambos. Demos exemplos. Não valem as disposições
testamentárias: “deixo a têrça parte dos meus bens à pessoa, que minha
mulher, no dia da minha morte, designar”; “cabe ao meu sobrinho A um
legado, cujo valor meu filho fixará”; “serão meus legatários A, B e C, se a
isso não se opuser meu pai”; “serão meus herdeiros os dois filhos de meu
irmão o u os três de minha irmã”; “fica a D o edifício maior, se A não
designar pessoa mais digna”. Mas valem as disposições testamentárias que
digam: “deixo dois prédios aos pobres” (entender-se-á aos pobres do
domicílio do testador)

“deixo mil apólices federais aos estabelecimentos de caridade”; “a fazenda


situada no Estado em que nasci, deixo-a a um dos sobrinhos de lá, que
minha mulher (ou B) o determinar”; “lego cem ações ao menor, filho de C,
empregado da fábrica, que eu dirigia, e minha mulher escolher”; “deixo
duzentas ações ao operário que a diretoria julgar, pelo mérito, que deve
receber”; “meu irmão fixará o valor do legado que eu quero que se faça ao
meu advogado, a quem devo serviços de porte”. Todos esses casos são
atenuações ao principio geral da indelegabilidade da voluntas testantium.
Demais, cumpre advertir:

a incerteza que se ressalva somente permite a estranhos poder relativo de


eleição, O círculo é estreito (família, pobres, estabelecimentos de caridade
ou de assistência pública, membros de corpo coletivo ou de estabelecimento
designado, remuneração de serviços).

Claro que, tendo havido a disposição “deixo a A ou B, se solteiro”, há de


entender~se que é herdeiro ou legatário o que se não haja casado. Nesse
caso, há instituição condicional. Portanto, válida. ~ a cláusula si in
Capitolium ascenderit, como se previa na L. 68, D., de heredibus
instituendis, 28, 5. Por outro lado, sob a aparência disjuntiva é‟ possível
que se trate de legado, ou de herança, em verba, na verdade, copulativa.
Exemplo: “deixo os três prédios, um situado aqui, outro em Petrópolis e
outro em São Paulo, que caberão a A, ou a B, ou a C.”.

O
ato de dispor, positivo ou negativo, não pode ser por intermédio de
representante, nem de substituto. Quer quanto ao conteúdo, quer quanto à
validade, quer quanto aos efeitos. Mas basta que deixe sinais
inconfundíveis, para que se não trate de despersonalização do ato de testar:
“deixo as apólices a a g, que o meu testamenteiro entregará ao sobrinho que
primeiro for promovido a capitão”. Adiante, a propósito dos arts. 1.667 e
1.668, mudaremos os casos.

§ 5.660. Revogabilidade inderrogável do testamento

1. PRECISÕES. — O testamento, figura jurídico-econômica dos nossos


dias, é essencialmente revogável. Nisso difere das primitivas formas de
testar, de caráter religioso-político. Só se torna irrevogável com a morte.
Até então é a “virtude ambulatória”, da imagem atribuida a ULPIANO. Os
seus efeitos são a partir do óbito. Nem sempre foi assim. O testamento
comicial não esperava o dia da morte. Com as afatomias e as hereditoriae,
tinha efeitos imediatos — isto é, desde o dia das cerimônias. O instituído
não era apenas alguém que podia vir a ser herdeiro. Era sucessor, com o
direito de o ser, desde . Em todo o caso, a irruptibilidade não pode ser
invocada como característica de tais formas primitivas: na Lei de Gortina,
podia ser desfeito por outra decisão comicial (F. SCHULIN, Das
griechische Testament verglichen mit dem rdmischen, 36; LUDWIG
MI‟rrEIS, Reichsrecht und Volksrecht, 213-219), ao passo que, no costume
germânico, era irruptível. Revogável, pela só vontade do disponente, não.
Aqui se torna evidente a diferença em relação ao testamento propriamente
dito.

2.CONCEITO DE REVOGABILIDADE. — Dizer-se que era revogável o


testamento romano constitui anacronismo. Tem-se de precisar o que se tem
como testamento. Dizendo desfazível adutum, pomos preconceito moderno
sob as palavras. Hoje, sim, ele o é; porque, sem fazermos outro, podemos
romper o já feito. Antes, não: revogava-o o nôvo testamento, mas apenas
pelo fato, bem simples, de substituir-se uma instituição à outra, sem lapso
que justificasse o conceito posterior de revogabilidade com a solução da
continuidade testamentária. Tudo faz crer na interpolação da frase —
ambulatoria est enim voluntas defuncti usque ad vitae supremum exitum —
no final da L. 4, D., de adimendis vel transferendis legctti,s vel
fideicommwsis, 34, 4; (BOzzoNí, Testamento romano primitivo e sa
revocabiità, 14 5.~ ANTONIO SUMAN, “Favor testamenti”, e ~„Voluntas
te3tantium”, 127; G.

SEGRÉ, cf. PIETRO BONFANTE, Istituzioni di Diritto Romano, 616).


Mais radical, GF~oaG BESELER (Die Lehre von den Erbvertrãgen, III,
50). Sômente reputou genuína a primeira parte da L. 32, § 3, D., 24, 1, até à
palavra valere, mas aí, ainda válido todo o texto, não se poderia falar de
revogabilidade.

De qualquer modo, um testamento substitui a outro. Essa, a revogabilidade


romana. Aliás, não se diria revocatum, mas ruptum. Era de ruptio, e não de
revocatio, que se tratava, O que era essencial consistia na designação do
sucessor: vindo outro, ainda no caso de póstumo, rompia-se o instrumento
antenor. Donde melhor dizer-se (o que consulta a continuidade histórica do
direito romano): irrevogável, mas rompível pelo nôvo ato testatónio.

Continuava de ser principal a nomeação do he-es. Só o testamento regular


desfazia, iure civii, o antenor. Justiniano permitiu (não como hoje) a
revogação dos testamentos. Adiante, a propósito do Código Civil, art.
1.769.

A revogação do testamento só se teve em Roma, em 530, com a inovação


justinianéia. Ainda assim quando da feitura haviam passado dez anos (cfr.
FR. MtYHLENBRUCH, em CHR. FR. VON GLÍICK, Ausfi~rliche
Ertãuterwng der Pandekten, 38, 178; contra J. W. MARCKART,
Interpretationum recept. iur. cÂV. Lectionum, II, 177, que interpretava o
texto, sem a exigência do decurso). Foi o primeiro golpe decisivo na
instituição de herdeiro e em favor da voluntas testantium (L. 27, C., de
testamentis: quemadmodum testamenta ordinatur, 6, 23). No ano seguinte,
na L. 30, O., 6, 23, o respeito à vontade mais se acentuou: — frisou-se a
distinção pretoriana entre o corte da linha pelo testador e o corte contra a
sua vontade, ou fortuitamente. Já o testamento não se conservava contra
explícita vontade; subordinava-se-lhe a existência eficaz à persistência do
querer. Se volvemos alguns séculos antes de Justiniano, quando se dizia não
valer (z~ não existir) o testamento que o testador abriu, — e teremos a
GAIO, com a solução, para a consciência de hoje, absurda, — nihilomin,us
iure civili vateat. “Valere” era, então, existir.

3.

ELEMENTOS DO PASSADO. — Na história do testamento, vemos


persistirem, sem razão de ser, caracteres de outros momentos históricos.
Dificilmente se desliga do ato jurídico entre vivos, que originariamente foi.

Persistiram resquícios do familiae emptor, tornado figura inútil, e da


irrevogabilidade. Se quisermos sintetizar, podemos dizer: crescentemente se
favorece a revogabilidade, mas, em compensação, se criam rigores ao ato
jurídico revocatório. Já não intervém a exigência de se substituir um
testamento a outro, com o intuito de se evitar o desaparecimento da
comunidade doméstica, do culto privado. Mas, em verdade, tais caracteres
pertencem a épocas que não tinham o testamento propriamente dito. Em
todo o caso, passaram séculos e séculos, sem que se apagasse o caráter de
ato jurídico entre vivos, como a entrega do testamento em mãos dos
executores, que, no Medievo, os deviam assistir e neles colaborar (R.
CAILLEMER, Origines et Dévetoppement de l‟Exécution testamentaire,
323-331). Certo, é uma dessas sobrevivências o que se lia e se lê em leis de
organizações judiciárias e de funções do Ministério Público, quando,
enumerando as atribuições do Curador de testamentos, lhe dava e lhe dá a
de promover a exibição dos testamentos em poder dos testamenteiros. No
direito atual, não é só em poder deles que pode estar o testamento. O
“detentor”, de que fala o art. 1.756 do Código Civil, é, talvez, o herdeiro, ou
outrem, que não seja testamenteiro.

No direito muçulmano, a aceitação é revogável, para urs (SHAFI‟TTE,


Minhâdjat-Ta,libin, II, 282), e irrevogável, para outros (HAMILTON-
GRADY, Heda~ia, 697). Após a morte, sempre revogável (A. QUERRY,
Droit musuiman, 1, 629).

No Direito romano, são visíveis as sobrevivências, como essa, da


incapacidade de ser testemunha com que se feria o emptor familiae (GAIO,
II, 105408). Na Inglaterra, só em 1837, com o Wills Act, foi que se
apagaram as sobrevivências do originário ato jurídico entre vivos.

§ 5.660. REVOGABILIDADE INDERROGÁVEL -A revogabilidade ad


Nilton é característica de testamento moderno. A vontade, para usar a
imagem atribuída a ULPIANO, sai a andar, até que o declarante morra. Ç

ambulatória até a morte. Até parar, definitivamente, é-lhe livre voltar. Não
se dava o mesmo nas outras formas, das épocas em que não havia
testamento propriamente dito. Fruto de decisão comicial, com a função
interventora das primitivas testemunhas instrumentárias, o testamento
calatis comitiis, é de admitir-se, só se rompia por outra decisão (PAUL
FRÊDÉRIC GIRAaD, Manuel élémentaire de Droit romain, 799; E.
LAMBERT, La Fonction du Droit Civil comparé, 1, 424). Assim também
na lei de Gortina (F. SCHULIN, Das griechische Testament, 36). A adoção
in hereditatem do costume germânico não podia revogar-se, nem romper-se.

Os romanistas atribuem às XII Tábuas verdadeira revolução: o ato comicial


passava a dar aos indivíduos poderes extraordinários, como os de instituir
herdeiros, deserdar, legar, nomear tutores. Somente mais tarde a quaerela
inofficiosi testamenti pôs termo a tal regime de extremo individualismo.
Mas uma coisa é a lenda de história jurídica, o texto, e outra, a verdade. ~
vulgar que algo se afirme em Roma sôbre história romana, ou escritor grego
diga algo sobre a Grécia, sem que possamos crer no que êsses antigos
disseram. Pouco importa que os juristas romanos vissem no testamento das
XII Tábuas o que ao tempo deles havia. Os hodiernos recursos científicos,
para conhecer a história deles, são outros, e mais seguros. Corrigimo-lhes
datas, fatos, interpretações. Sabemos reduzir ao devido valor os informes
lendários. Agora, raciocinemos com espírito de hoje. Vida é mudança.
Legido que hoje se faz, amanhã talvez não no mereça o legatário. Quem
hoje se escolheu e se incluiu entre os herdeiros, talvez, no ano próximo, ou
no mês que vem, seja inimigo, e se deva excluir. Pode bem ser que, feito o
testamento, se descubram o manejo, os ardis, as insinceridades, com que se
conseguiu o testamento. O próprio testador pode cair em si da paixão,
maldade, ira, contemplação, fraqueza moral, demasiado rigor, com que
instituiu ou excluiu herdeiro. Maior experiência da vida pode sugerir-lhe
expedientes clausuladores, que acautelem os bens dos descendentes ou
beneficiados. Talvez simples maneira de execução dos encargos. Impunha-
se, tinha de induzir-se essa regra jurídica fundamental da revogabilidade
inderrogável dos testamentos.

No direito contemporâneo, é o princípio geral. Primeira consequência: não


se pode prometer, nem dispor sobre revogabilidade.

4. DIREITO DE HOJE. — O Código Civil cogita da revogação do


testamento (arts. 1.746-1.749), da ruptura, rup tio, do testamento (arts.
1.750-1.752), e da caducidade dos legados (arts. 1.708 e 1.709). Não
dedicou regra jurídica especial à perda de eficácia das disposições
testamentárias, por ter mediado negócio jurídico entre vivos, de eficácia
anterior ao começo da eficácia do testamento, que é no momento que se
segue à morte do testador. Tal assunto pertence, por sua generalidade, à
Parte Geral do Direito Civil. Se ao tempo de se iniciar a eficácia do
testamento, que é negócio jurídico perfeito em vida do testador, mas de
efeitos só com a sua morte, o testador concluiu negócio jurídico com cuja
eficácia seria incompatível a eficácia do testamento, deixa esse de a ter,
enquanto aquela eficácia não cessa, ou deixa esse de a ter para sempre, se
aquela eficácia não cessa nunca. Se o testador pôs na quota do herdeiro o
direito de habitação (Código Civil, artigos 746-748) da casa H e, em vida,
deu em usufruto a casa H a outrem, ou lhe doou a propriedade a outrem, a
disposição testamentária é ineficaz, porque não se pode habitar, por direito,
o que, por direito, outrem usufrui, ou não pertence ao. testador. Para se
resolverem os problemas relativos a isso,. ou se teria de lançar mão de
analogia com as espécies do artigo 1.708, 1-111, do Código Civil, ou do
princípio geral de~ direito, segundo o qual a eficácia do fato jurídico só se
produz, se não há, no mundo jurídico, eficácia que a pré-elimine.

Se a deixa é legado, o art. 1.708, I-V, incide. E. g., o testador quis legar
biblioteca para ser aberta ao público, constituindo-se fundação, e vende,
antes de morrer, o prédio, ou quase todos os livros, — mudou de vontade,
sem haver revogação, que é retirada da voz (revocatio), e a disposição
testamentária caduca. Outrossim, se o testador diz legar fazenda, para pôsto
de ensino agrícola, e a loteia, antes de morrer, não deixando o que se preste
ao cumprimento da sua vontade. Ambas as espécies cabem no art. 1.708, 1.
Porque, aí, a alienação não operou como diminutiva do valor, mas sim
como modificativa da coisa, tornando-a inadequada à deixa testamentária,
em sua forma, ou em sua destinação. Ê a adenção, espécie de caducidade
(adinip tio legatis).

§ 5.661. Cláusulas derrogatórias no direito contemporâneo

1.

CONTEÚDO DO PRINCÍPIO DA REVOGABILIDADE. — A


revogabilidade é tão essencial ao testamento que, ainda onde se permite o
contrato de herança, como na Alemanha, são nulas (Código Civil alemão, §
2.302) as próprias cláusulas que obriguem a fazer ou a não fazer, a revogar
ou não revogar qualquer disposição de última vontade. Não se proibe o
contrato com efeito de sucessão, mas proibe-se o pacto de ter de dispor ou
de não dispor (EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrecht, 1, 83). No direito
brasileiro, que exclui o próprio contrato de herança, a revogabilidade
mantém inteira pureza. No Código Civil, não se tem princípio expresso
especial, mas vale o mesmo a definição do art. 1.626, que o diz “ato
revogável”: “Considera-se testamento o ato revogável pelo qual alguém, de
conformidade com a lei, dispõe, em todo ou em parte, do seu patrimônio
para depois de sua morte”. Na L. 22, pr., D., de legatis et fideicommissis,
32, disse-se: “nemo enim eam sibi potest legem dicere, ut a priore ei
recedere non liceat”. Código Civil italiano, art. 587. fl a invalidade de
qualquer cláusula, admitida ou não pelo uso. Não só a cláusula derrogatória
absoluta, impropriamente chamada cassatória (JOSEPH UNGER, System
des õsterreichischen allgemeinen Privatrechts, 107), na qual se diz não
haver valor qualquer testamento futuro; também a relativa, que
preestabelece formalidades, ou pressupostos de conteúdo, para que valham
os testamentos posteriores.

Houve tempo em que se quis permitida a cláusula derrogatória relativa, para


maior garantia da liberdade de testar: ficaria o disponente incólume às
pressões dos parentes ou de estranhos, que o obrigassem a testar contra a
sua vontade; faria testamento, e não valeria. Mas havemos de convir que
maiores seriam os perigos, que de tal vínculo voluntário derivariam, e não
se justificaria, perante a segurança pública, tal expediente imunizador às
coações.

Passado muito tempo, esquecer-se-ia o testador do que escreveu e exigiu,


como forma, ao seu querer futuro, testaria sem isso, e teriamos a nulidade
de ato que, na verdade, conteria o seu querer. Com a prática de tal cláusula,
surgiram, pululantes, os inconvenientes. Para evitá-los, distinções,
exceções, pretendidas cautelas, que constituíam trama inextricável. Dai, no
século XVIII, as leis que a aboliram. Na Itália, em 1729. Na França, em
1735. Em Portugal, vimos admitir-se que a pessoa se privasse da liberdade
de testar, máxime, em relação a alguma coisa (MANUEL DE ALMEIDA E
SOUSA, Tratado pratico e crítico da todo o Direito Enfitéutico, 1, 256),
mas isso passou. Na Áustria, o § 716 do Código Civil imunizava de tais
cláusulas a liberdade de testar, mas dizia: se, na disposição posterior, não se
houver expressamente revogado a cláusula derrogatória geral e especial, ter-
-se-á por válida a cláusula precedente, e não a posterior. Só a 19 de março
de 1916, a Novela 3, § 61, veio integrar na corrente geral o velho direito
austríaco.

Em Portugal, as dificultações de ordem formal (sêlo das armas, nódoas de


sangue) eram da simpatia dos juristas, por serem menos restritivas que
favorecedoras da liberdade de testar: com elas, dizia FRANCISCO
PINHEIRO

(Tractatus de Testamentis, 6, seção 2, § 2.0, n. 17) não se priva a si mesmo


o testador da faculdade de pôr de parte o primeiro testamento e fazer nôvo,
sendo-lhe permitido, nesse, derrogar a própria cláusula anterior; demais
disso, pela aposição da cláusula derrogatória, favorece-se a liberdade de
testar com o evitamento dos efeitos das coações.

Ainda quando lograssem nôvo testamento compulsório, a forma salaria a


vontade livre: testou, mas não vale. As opiniões de SAMUEL STRYK e
outros vigoravam. FRANCISCO PINHEIRO e MANUEL ÁLVARES
PÊGAS
deram exemplos minuciosos. Ainda MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA,
sem as admitir, diante do direito dos povos cultos (Ordenação de Luis XV,
art. 76; Preussisches Alígemeines Landrecht, II, 7, Título 17, art. 1.0, §
10.0; Código da Sabóia, V, Título 1.0, § 25), escrevia: “Inventaram-se as
cláusulas derrogatórias formalizadas de muitos modos, e não deixam de ter
alguma equidade no (único quanto a mim) caso em que o testador, testando
livremente, teme ser depois sugerido e atacado por algumas pessoas, para
testar a favor delas, e, não o fazendo, cair na sua indignação, desprezo, etc.”

2.

ESPÉCIES DE CLÁUSULAS DERROGATÓRIAS. — Havia três classes


de cláusulas derrogatórias: potestatis, solennitcttis, voluntatis. Umas
consistiam na renúncia à faculdade de fazer outro testamento. Outras pré-

rejeitavam as solenidades legais, ou, além delas, escolhiam outras,


especiais. As últimas preestabeleciam que outro testamento posterior não
valesse: a) per verba generalia, por exemplo: “não quero que qualquer
outro testamento posterior vigore”; b) per verba specia lia, por exemplo:
“não valerá qualquer outro, se no fim, ou no princípio, não houver a
saudação Angélica”. Usavam-se em França (C. DEMOLOMBE, Cours de
Code Napoléon, V, 123) ; e umas e outras, em Portugal (FRANCISGO
PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, 6, 2, § 2.0, ns. 18, 19; MANUEL
RIBEmO NETO, Comentaria in lus Civile, 1, 14, ns. 3-5). Se percorremos
os tratados encontramos a possível revogação de tais cláusulas, o que
eliminaria, até certo ponto, a inconveniência. A revogação geral (dos
testamentos anteriores) era insuficiente: encontrava a eficiência da cláusula
derrogatória antes concebida. Mas a revogação especial (da cláusula
derrogatória contida em testamento anterior) tinha-se por plenamente
eficaz. Considerava-se ociosa a revogação in individuo (da cláusula tal
como foi concebida): pela razão de poder tê-la esquecido o testador, e ficar,
em conseqüência, privado da liberdade de testar.

Hoje, é princípio geral de direito que. tais cláusulas, umas, as clausulae


potestcttis, contrariam a revogabilidade essencial dos testamentos, outras, as
clausulae solennitatis, as solenidades legais do ato que são de ordem
pública, e as outras, as clausulae voluntatis, igualmente ferem a liberdade
testamentária. Quanto a essas, não se exigindo a regovação in individuo,
não seriam tão perigosas. Mas ~ que poderiam adiantar, revogáveis por
simples alusão? Um descuido, e esqueceria ao testador revogar, no nôvo, a
cláusula derrogatória inserta no testamento anterior. Mais ainda: seriam
inúteis, por passarem aos formulários as revogações e constituírem
fórmulas, tabelioas, maquinalmente copiadas. Hoje, em vez delas, os que
querem testar, ou não testar, e se acham coagidos, recorrem 9

aos meios policiais, à justiça dos testamentos ou, se testaram, deixam


elementos para nulidade.

Em matéria testamentária, não cabe a escolha de formas pelo declarante,


como se daria com os contratos (Código Civil, art. 133) : não se admitem
outros testamentos que não sejam os ordinários (público, cerrado, particular,
art.

1.629) e os especiais contemplados no Código Civil (arts. 1.631, 1.656 e


1.663).

§ 5.662. Porção testável


1.

LIMITE LEGAL À DISPOSIÇÃO. — O primeiro limite que se impõe à


liberdade no testar é o das regras jurídicas asseguradoras da porção
destinada aos herdeiros necessários, O testar só se exerce no que sobra, na
outra porção do patrimônio. Se o excede, constitui disposição que, ao
morrer o decujo, ofende o direito dos herdeiros necessários. Tanto assim
que se não invalida o ato inteiro de dispor, — reduz-se, apenas, à metade
disponível. Mais precisamente: tem-se por nulo e ineficaz o que apanha o
quanto inviolável. É isso o que se estabelece no Código Civil, art. 1.727.

Cumpre, porém, que se recorde a exposição do Tomo LV. Enquanto as


doações a estranhos, ou a sucessíveis legítimos que não são descendentes,
são doações definitivas, que têm de caber na quota disponível, as doações e
outras liberalidades a descendentes, têm-se como adiantamento da legítima
do herdeiro necessário descendente, salvo se o doador afasta a incidência da
regra jurídica. Daí poder ocorrer que, a despeito de se ter de saber, a cada
doação, qual, no momento, o valor da porção disponível, os valôres dos
adiantamentos de legítima tenham sido maiores, de modo que, ao morrer o
decujo, a porção disponível seja pequena em relação ao que receberam e
recebem os herdeiros legítimos necessários, descendentes do decuje.

O direito das sucessões estabelece qual a parte disponível e qual a parte


que, falecendo o proprietário ou titular de direitos, seria dos herdeiros
necessários. Para que as doações não prejudiquem os futuros herdeiros
legítimos, há a sanção de nulidade do contrato (nulidade parcial), no tocante
ao excesso em relação àquilo de que o doador poderia dispor no momento
da liberalidade.

§ 5.662. PORÇÃO TESTÁVEL

2. PRESSUPOSTOS E LIMITAÇÕES. — Outras ralas existem:

todas as que derivam de lei que não constitua princípio derrosável pela
vontade particular. Daí dizer-se que o testador mão pode fazer com que não
incidam sobre as suas disposições outras regras legais, como dispensar de
contas os testamenteiros (Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 62 pr.; Lei
de 9 de setembro de 1769) e deturpar figuras jurídicas (exemplo: criar
direitos reais além dos que a lei conhece) Dizer-se que a lei fixa porção
testável é supor-se direito ~dos herdeiros necessários no momento da morte
do decujo. Testar-se-ia todo o patrimônio se não houvesse a lei que o
vedasse. A lei somente o veda se há tais herdeiros. Se os há, as legilimas
têm de ser respeitadas, mas a tal inviolabilidade se abrem exceções
(clausulabilidade das legítimas; partilha feita pelo testador, desde que não
viole a integridade quantitativa~ da quota hereditária).

O que o decujo doou, ou, gratuitamente, atribuiu a alguém, sem ser em


adiantamento de legitima, de modo que se haja de computar na porção
disponível, é somado para que se saiba qual a porção disponível no
momento da morte do decujo. As liberalidades, em tais espécies, são
predetrações, e não adiantamento de legítima, nem simples detrações.

Se as liberalidades foram válidas, por se ter observado a <exigência que


resulta do Código Civil, art. 1.176, nada se pode retirar aos beneficiados.
Todavia, os valores são computados para se saber qual a quota disponível,
se há, no momento da morte do decujo. Não se fale de técnica para
complementação da legítima (ErgÉinzung des Pflichttcil~s, Código Civil
alemão, § 2.325; com razão, KURT HANKWITZ, Die Einwirkung von
Zuwendungen des Erblassers unter Lebenden auf die Gestaltung der
Pflichtteilsanpriiche, 8 s.).

O valor dos bens da herança, no momento da morte, é o valor de venda, e


não o da renda. Tem-se de apreciar o valor comum de cada objeto singular
do patrimônio. Advirta-se, porém, que, por exemplo, empresa industrial
pode ter valor distinto, maior ou menor, daqueles que têm os objetos
singulares que a compõem. Aí, o que importa é o valor da unidade
econômica, cujos objetos podem ser vendidos, à parte, por alquiles
sucessores que a hajam recebido, se lhes convém. Se a empresa continua,
após a morte do decujo, com os sucessores, de modo nenhum se pode fazer
o cálculo pelos elementos componentes da empresa.

A determinação do valor do todo, ou de parte, ou de unidade, pelo decujo,


de jeito nenhum tem eficácia jurídica. Foi ineficaz a declaração dele.
Para o cálculo das porções não se pode tomar por base avaliação das
entidades estatais, ou de autarquias, ou de quaisquer outras entidades,
exceto bolsas.

Se algum direito, pretensão ou ação depende de condição suspensiva, não se


inclui no cômputo. Implida a condição, hei. de ser feito o suplemento. Dá-
se o mesmo se não fora avaliado o direito inseguro, ou a pretensão ou ação
duvidosa, e sobrevém certeza ou seguridade. O inventariante, como o
testamenteiro, tem, no intervalo, de providenciar para que se torne certo o
direito e sem dúvidas a pretensão ou a ação.

No tocante ao cálculo da herança, as relações jurídicas que, com a


transmissão hereditária, se extinguiram, por ser caso de confusão extintiva,
não se consideram extintas.

Feito o cálculo dos valores dos bens da herança (bens de que era titular o
decujo no momento em que faleceu, pelo valor que é o da avaliação ao
tempo do inventário, mais o dos bens que foram doados, a título de
adiantamento de legítima, ou não, pelos valores que foram os do tempo das
doações), sabe-se qual o valor da porção das legítimas.

Quem teve adiantamento de legítima, que cabe no quinhão, e isso não basta,
recebe o que falta. Quem não teve adiantamento da legitima recebe todo o
quinhão. Quem teve doação sem adiantamento de legitima, e o quanto era
de disponibilidade ao tempo da abertura da sucessão, recebe o quinhão
integralmente. Noutro lugar falaremos de correção monetária, quanto a
herdeiros necessários.

3. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE DAS


LEGITIMAS. — Antes do Decreto n. 1.839, de 31

de dezembro de 1907, as legitimas eram invioláveis, e o princípio da


inviolabilidade, incidia em toda a plenitude. O

art. 3 o estatuiu: “O direito dos herdeiros, mencionados no artigo


precedente, não impede que o testador determine que sejam convertidos em
outras espécies os bens que constituírem a legítima, prescreva-lhes a
incomunicabilidade, atribua à mulher herdeira a livre administração,
estabeleça as condições da inalienabilidade temporária ou vitalícia, a qual
não prejudicará a livre disposição testamentária, e na falta desta a
transferência dos bens aos herdeiros legítimos, desembaraçados de qualquer
ônus”. Na história do direito nacional, o Decreto n. 1.839 constituiu
alteração notável: não só antepôs aos parentes colaterais o cônjuge
sobrevivente e limitou à metade a legítima, como também limitou ao sexto
grau a sucessão legal (hoje, quarto grau, Código Civil, art. 1.612, com a
redação de 1946) e acolheu as possibilidades, de que tratou o art. 3 O, bem
representativa de triunfo e invasão da liberdade de testar na zona, antes
intangível, da sucessão legítima.

No art. 1.723, o Código Civil reafirmou: “Não obstante o direito


reconhecido aos descendentes e ascendentes no artigo 1.721, pode o
testador determinar a conversão dos bens da legítima em outras espécies,
prescrever-lhes a incomunicabilidade, confiá-los à livre administração da
mulher herdeira, e estabelecer-lhes condições de inalienabilidade
temporária ou vitalícia. A cláusula de inalienabilidade, entretanto, não
obstará à livre disposição dos bens por testamento e, em falta deste, à sua
transmissão, desembaraçados de qualquer ônus, aos herdeiros legítimos”. -

§ 5.663. Disposições estranhas ao patrimônio

1.

DADOS HISTÓRICOS. — No passado, fato religioso-político, menos do


que jurídico-econômico, continham os testamentos regras jurídicas de toda
a natureza, inclusive de direito público. Hoje, se bem que mais jurídico-
econômico, não perdeu ele a possibilidade de conter declarações de vontade
de ordem não patrimonial, e até de não conter qualquer cláusula referente a
bens. E é certo. Pode haver testamento sem conteúdo econômico.

Hoje, testamento é o negócio jurídico (e não mais jurídico-religioso ou


jurídico-politico), pelo qual se estabelece a sucessão testamentária, ou o
cumprimento da vontade última. Por ele, com o caráter de declaração de
última vontade, a pessoa designa quem tem, por sua morte, de suceder-lhe,
em todo o patrimônio, ou em parte aliquanta ou alíquota, em valor ou em
certo bem. Qualquer noção de representação do defunto, de continuação da
personalidade, seria extemporânea; e o anacronismo prejudicaria a
interpretação e a aplicação dos textos legais. Nem sequer se mantém a
necessidade da instituição de herdeiro. Por isso mesmo, seria errada, hoje, a
definição de J. H. CORREIA TELES (Digesto Português, III, § 1.481) :
“Disposição em que alguém institui um ou muitos herdeiros”. Não seria
admissível, hoje, a argumentação romanistica de F. DE P. LACERDA DE
ALMEIDA (Sucessões, IX), fora de tempo. Em todo o caso, podendo haver
testamento sem disposição de bens, é deficiente, como fora a de M. A.

COELHO DA ROCHA (Instituições de Direito Civil português, § 673), a


definição do Código Civil, art. 1.626.

Lendo-a, poder-se-ia, enganosamente, concluir: a) que não há testamento


sem disposição de bens; b) que não são testamentárias as disposições
estranhas a esse dispor. No direito brasileiro, não é solenidade intrínseca
dos testamentos a instituição de herdeiro. Pode-se testar sem o instituir,
distribuindo-se, em legados, toda a herança (art.

1.769), ou, apenas, para dar encargos aos herdeiros legítimos, desde que se
lhes respeite, em se tratando de herdeiros necessários, a porção intestável.
Já no direito anterior, as Ordenações Filipinas, Liv. IV, Título 86, pr., não
faziam imprescindível, no testamento, a instituição de herdeiro, a despeito
da referência a codicilo, dito, aliás, “pequeno testamento”. Pode ocorrer
testamento que nada diga quanto à instituição de herdeiros, nem disponha
sobre legados, nem dê a herdeiros legítimos encargo ou modus. Tal o que
alguém faça (e é assaz usado) com o só intento de clausular, nos limites da
lei (art. 1.723), a legitima, a metade hereditária. Na espécie, tôda a herança
vai aos herdeiros necessários, como se não houvesse testamento. Nem por
isso deixa de ser cumprido o negócio jurídico martes causa, que se limitou,
por exemplo, a mandar converter em apólices todo o acervo, ou parte dele,
ou a mandar comprar prédios, a gravá-los de inalienabilidade, de
incomunicabilidade ou de livre administração.
Ao triunfo da vontade individual contra a família, conceito sacropolítico,
correspondem a desnecessariedade da instituição do herdeiro (os bens
podem passar a dois ou mais, sem qualquer vinculo abstrato entre o decujo
e o sucessor), contra o direito romano, a revogação nua do testamento, que
desfaz o que antes se fêz, e até o concurso creditório em tôrno dos bens do
defunto (Código Civil alemão, ~§ 1.970, 1.975, 1.977 e 2.061; Código Civil
brasileiro, art. 1.554, cf. art. 1.569,

Já vimos que a instituição de herdeiro não é solenidade intrínseca dos


testamentos. Outrossim, que há e se usam os testamentos só destinados a
clausular como inalienáveis, incomunicáveis, ou de livre administração,
alguns, algum, ou todos os bens, ou a obrigar à conversão os bens da
herança legítima. São testamentos sem herdeiros instituidos, sem lêgados e
sem modus.

2. AMPLITUDE DO OBJETO. — O objeto do testamento excede, pois, o


conceito de patrimonialidade. Daí ter dito TEIXEIRA DE FREITAS, em
nota 33 a GOUVEIA PINTO, que é todo o licito. Não sendo possível
definir tal objeto senão como o quid do direito de querer nas disposições de
última vontade, importa enunciar-se que o objeto é omnis .

Volve-se à questão: ~ possível, no testamento, incluir-se a cláusula de não


se revogar a doação, cujo objeto se entregou ou só se entregará depois da
morte? Noutros termos: ~ “Emtende-se revogável a doação a causa de
morte, inserta em testamento?”. Sim, pela natureia do negócio jurídico.
“Pré-elíde-se tal interpretação pela renúncia à revogação ?“ Por outro lado,
fora do testamento, pode admitir-se a revogabilidade? Não, porque repugna
aos contratos a potestativa pura. A doação a causa de morte, doação ín facto
esse, mais legado é que‟ doação: revoga-se ad libitum. A introdução do
pacto de non revocando transformá-la-ia em doação entre vivos; portanto,
caberia na questão preliminar: ~ pode-se, em testamento, fazer contrato ou
qualquer declaração irrevogável, ou a revogabilidade do testamento
contagia tudo que nele se diz? ~ o de que iremos cogitar.

§ 5.664. Contratos em testamentos


1. POSIÇÃO DA QUESTÃO. — Velha questão, essa, que separava os
escritores europeus dos séculos XVII e XVIII, vindo,. com a mesma dura
divergência, até os nossos dias. Para bem tratá-la, é de mister dividi-la em
três pontos: a) ~ em testamento pode-se fazer contrato?; b) feito em
testamento, ,~ pode revogá-lo o testador, a despeito de cláusula, que
excetue, para o caso, a revogabilidade da cédula?; c) anulado o testamento,
~, subsiste o contrato?

a) Negativamente, J. H. CORREIA TELES (Direito Portugués, § 246).


Afirmativamente, TEIXEIRA DE FREITAS

(Tratacto dos Testamentos e Sucessões, 36), que escreveu: “Meu alvitre é


favorável aos contratos, sejam quais forem, — ou para consumar os
executados, ou para propô-los, ou para aceitar propostas” (cp. Consolidação
das

Leis Civis, art. 605, nota). Antes, P. J. DE MELO FREIRE (Institutiones


luris Civilis Lusitani, 5.ª ed., 41), sem distinguir, dizia poderem celebrar-se,
nos testamentos, doações, contratos, e outros atos externos, porque
nenhuma lei portuguêsa o proibia, antes o supunha permitido: “Donationes,
contractus, et reliqui actus, qui externi vocantur, inter testandum celebrari
recte possunt; nuíla enim Patria lege prohibentur; quinimo donationes
expresse adprobatur, Ord. lib. 1, tít. 62, § 7, in fine”. Era fraco o argumento
tirado do direito positivo: resolver-se, para os contratos, fora resolver-se
para as doações> mas resolver-se para as doações (que, feitas em
testamento, seriam legados, e iega.tum est donatio testamento relictct), não
seria resolver.~

-se para os contratos em geral. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, que


lhe censurou a concisão, desceu à questão prática da prova (Notas do uso
prático, III, 257) : se em testamento público, fácil será fazer-se o contrato
comisto com o testamento; idem, se em testamento cerrado, subscrevendo
os contraentes a cédula e o ato de aprovação (II, 562), lição de MANUEL
ÁLVARES SOLANO DO VALE (Cogitationes Iuridicae atque Forenses, c.
1, n. 40); se em testamento particular, seria preciso que o contrato não
dependesse de escritura pública. Raciocínio perfeito, quanto ao testamento
público; é escritura; por ela provar-se-iam os mais graves contratos; a
certidão bastaria para lhes dar prova. Quanto aos outros, não há negar a
nenhuma firmeza que teriam: o romper apagaria todos os vestígios; seriam
impossíveis as provas. Mas verdade é que, obrigado neles alguém, poderia
o testador ter interesse em conservá-los. Por outro lado, o que disse
MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA sobre o testamento particular e os
contratos que se devem fazer por escritura pública, ter-se-á de dizer quanto
aos testamentos cerrados, que não poderiam valer o mesmo que os feitos
por instrumento público: o ato de aprovação não os iguala aos que se
escrevem nas notas dos tabeliáes.

ilavia os que conciliavam. MANUEL RIBEIRO NETO (Commentaria in


Ins Civile, n. 46) dizia: se o objeto do ato ou do contrato é pertinente ao do
testamento (aceitação do encargo pelo legatário, da tutela pelo tutor
testamentário), pode celebrar-se o ato ou o contrato; se não toca ao objeto
do que se testa, não vale: “Inter actos seu contractus celebratos circa rem
quae testamentum spectat, nec ab illo sunt alieni, nec omnino diversi, quia
spectant ad illud, quod quis post mortem suam fieri vult, et inter actos seu
contractus, qui fuerint extranei, ita ut ad negotium testamenti non
pertineant. In primo casu dicendum est recte posse praedictos contractus in
testamento celebrari; nec ob il annullari testamentum; secus in secundo
casu, in quo interpositione contractus annullari testamentum existimamus”.

Antes de respondermos, precisemos: a) estão fora de dúvida os contratos


sobre a herança da pessoa viva: são nulos; b) mas, com o caráter definitivo
(promessa), ou de oferta, valem os contratos que não se referem a herança,
isto é, se não importam contrato de sucessão. Se têm forma especial, é de
mister que respeitem a lei nesse pormenor.

b) An huiusmodi contractus in testamento celebratus, possit a testatore


revocari. Ofertado, rode ser retirada a ofer

ta se não houve aceitação‟ e nos mais casos de que se vai falar. Aceita a
oferta, torna-se definitivo o negócio jurídico. A revogabilidade das
disposições testamentárias não pode infirmar, pelo contágio, o que se rege
por outros princípios. A irrevogabilidade da declaração contratual nos
testamentos participa (e não poderia ser de outra maneira) da teoria geral
dos contratos. Regem a espécie os arte. 1.080-1.088 do Código Civil. Se o
testador propõe vender a casa a outrem que não os herdeiros, sem prazo, e a
pessoa, presente, não declara aceitar, claro que êle pode retirar a oferta. Se,
ausente, remete cópia do testamento, somente poderá retirar a oferta depois
de decorrido tempo suficiente para a volta da resposta.

§ 5.662. PORÇÃO TESTÁVEL

Dá-se a mesma revogabilidade se ocorre um dos casos do artigo 1.081, III e


IV. Pode suceder que a declaração em testamento seja aceitação, e não
oferta. Então, é irrevogável o contrato. De qualquer modo, a promessa de
contratar venda, troca, locação, torna-se irrevogável com a morte do
testador: o interessado pode aceitar por declaração ao herdeiro (R.
DEMOGUE, Effets d‟une promesse de vente d‟un droit indivis faite par
testame~t, Révue trimestrietie de Droit Civil, 26, 989, contra a Côrte de
Cassação, 20 de junho de 1927). Em todo o caso, cumpre ao juiz examinar
as circunstâncias, a natureza do negócio jurídico, os têrmos da declaração
de vontade que no testamento se inseriu (arg. ao art. 1.080).

c) An annul ato testamento subsistato contratus. Anulado, se por vício de


vontade, concernente, também, ao dado contratual, claro que se anula o
contrato. Por incapacidade do testador, idem. Se nulo por defeito de forma,
cumpre distinguir. As formalidades dos testamentos às vezes excedem as
dos contratos: o que é demais não prejudica, nem a falta da demasia pode
ter o efeito de prejudicar o suficiente. Mais ainda. Nos atos que declaram
direitos, em vez de os constituírem (diferença, essa, que é de natureza
capital no trato do assunto), a revogação do testamento não pode produzir,
de díreito, a retirada do que se declarou. É possível, nos testamentos, haver
tais declarações, porém elas nada têm de comum com o conteúdo
patrimonial, ou não, essencialmente revogável, dos testamentos. Seria
ofender a declarabilidade daquelas comunicar-lhes a revogabilidade
inderrogável dos atos constitutivos de direitos, que integram a figura
jurídico-econômica do testamento (art. 1.626).
Pode suceder que a declaração, por exemplo — o reconhecimento de filho
— se faça em testamento particular ou secreto. Mais ainda: em escritura
pública de testamento, sem os requisitos do testamento público, porém com
todos os que em geral se exigem aos atos notariais; em testamento cerrado,
cuja cédula esteja perfeita, porém nulo o ato de aprovação. Se o testador
rompe o testamento particular, cujas declarações necessariamente as
testemunhas conhecem (arts. 1.645, III, e 1.647), nada obsta a que, na ação
de filiação, sejam elas inquiridas. Então, pelo desaparecimento do ato
escrito, a lembrança do ato de reconhecer apenas constitui elemento de
prova. A revogação pela destruIção do instrumento implica retirada de fato.
Se a destruição não foi devida ao testador, o processo, que reconstitui o
testamento particular, reconstitui a parte dele que reconhecia o filho. Se o
reconhecimento se fêz em testamento cerrado, que o testador não
comunicou às testemunhas (o que é a regra), destruido, ou extraviado, não
se poderia cogitar do efeito de tão secreta declaração. Feito em testamento
público, sem os requisitos dos arts. 1.632-1.634, porém com as
formalidades gerais das escrituras públicas, seria absurdo negar-se a firmeza
do reconhecimento, que o art. 357 permite se faça no termo do nascimento,
mediante escritura pública, ou por testamento. Tanto mais quanto é
princípio expresso que o reconhecimento do filho não se pode subordinar a
condição ou termo (art. 861). Se impecável o testamento, mas nulamente ou
por outro testamento o testador o revoga, persiste o reconhecimento já feito,
a que não se poderia atribuir qualquer condição; a fortiori, a potestativa
pura. Feito em testamento cerrado, que foi lido, ou secreto, após aberto e
desconstituído por defeito do ato de aprovação, vale, como elemento de
prova, o depoImento dos que ouviram, ou, no segundo caso, a despeito da
nulidade do ato notarial, será o escrito do testador (não o a rogo), um
daqueles a que se refere o Código Civil, art.

363, III. A respeito do testamento cerrado, anulado, ou nulo, por defeito do


ato de aprovação, mas escrito pelo testador, seguiu a opinião aproximada da
boa doutrina o voto vencido de RAFAEL MAGALRXES, em julgado do
Tribunal de Minas Gerais, a 5 de julho de 1922: “O testamento em questão
está maculado de vícios substanciais, que lhe tiram, absolutamente, os foros
de documento autêntico e solene. Tais são: 1.0) o não ter sido o auto de
aprovação subscrito pela parte (o testador); 2.0) o não ter sido o mesmo
auto lido às testemunhas antes de por elas assinado. É preceito de lei que o
instrumento público nulo, se esftl assinado pela ~parte, vale como
particular, e pode constituir princípio de prova por escrito (art. 691 do Reg.
n. 737). Na espécie sujeita, todavia, nem esse apreço limitado se pode
atribuir ao “auto de aprovação”, porque lhe falta — a esse instrumento —
precisamente o requisito da “subscrição da parte”, que é o elemento
principal da autenticidade. É esse auto de aprovação, apesar disso, que se
invoca para se demonstrar a autenticidade da cédula testamentária. É dele
que se tira a prova da “espontânea apresentação dessa cédula ao tabelião
pelo de cuina, pessoalmente, com a declaração de ter sido, a seu rogo,
escrita por outrem e assinada por ele”. ~ dele que se tira ainda a certeza “da
apresentação da cédula do instrumento lavrado pelo tabelião e assinado por
cinco testemunhas presentes, as quais assistiram à entrega, ouviram as
declarações do de cuius e viram o oficial lavrar o instrumento pedido”.
Atribui-se assim fé às declarações constantes de documento não assinado
pelo declarante nem por alguém a seu rogo — contra o que vem estatuído
no art. 131 do Código Civil.

Resta, entretanto, a cédula, que está assinada pelo testador. E nessa cédula
vem declarada a filiação de Luís Es-pínola. Mas êsse documento está por
outrem escrito e sem testemunhas, tem a simples valia de “começo de
prova” ou “meia prova”, como diz a Ordenação. Não pode ser o documento
“autêntico” de que fala o art. 7 O do Decreto n.

181, de 24 de janeiro de 1890, documento que per se prove a filiação


natural paterna. Pode ser, quando muito, o escrito a que se refere o art. 363
do Código Civil, emanado daquele a quem se atribui a paternidade e
contendo o reconhecimento expresso da filiação; escrito esse que, nos
termos do citado artigo dá ao filho ilegítimo ação —

“ação própria” — contra o pai ou~ seus herdeiros para demandar o


reconhecimento da filiação”. Pelo exposto, julgando não provado o
reconhecimento voluntário, nem tendo sido ainda decretado o
reconhecimento judicial, mediante ação do filho ilegítimo contra os
herdeiros do pai, assiste ao autor, que é irmão do de cuius, em falta de
herdeiro mais graduado na ordem da vocação hereditária —o interesse de
agir, que se lhe contesta”.

Se o testamento particular está em forma legal, escrito e assinado, portanto,


pelo testador, e assinado pelas testemunhas, mas não pode ser confirmado,
pela exigência do artigo 1.648, também constitui o escrito do art. 363, III,
isto é, permite a ação.

2.

PROMESSA DE PRESTAÇÃO EM TESTAMENTO. — Pode ocorrer que


o testador prometa vender um edifício, ou parte dele, usando, para isso, do
próprio testamento. Na ocasião de abrir-se ou de cumprir-se, vê-se o que
prometeu. Vale a promessa. A êsse respeito sucedeu, na França, caso típico:
no testamento, um condômino prometeu a outro vender-lhe a sua parte no
imóvel indiviso (obrigação pessoal, por se tratar de promessa de venda),
mas, na partilha dos bens, coube à mulher meeira, e não ao espólio, o
imóvel. Vendeu-o a um legatário universal. A Côrte de Cassação, a 20 de
junho de 1927, resolveu que a ação não poderia ser contra esse, terceiro
adquirente.

Caducara, com a morte, a promessa. Raciocínio, és-se, insustentável. Partiu


da seguinte consideração: “La promesse de vente faite par testamenta pu
devenir synallagnatique par l‟acceptation et se transformer en contrat,
puisqu‟ elle ne constitue qu‟une disposition faite par testament”. A
propósito, é de lembrar-se a crítica de R. DEMOGUE (Effets d‟une
promesse de vente, d‟un droit indivis faite par testament, Ttévue
trimestrielle de IJroit Civil, 26, 989): “Sans doute ou est peu habitué a voir
un contrat se greffer sur un testament. Mais la techuique doit être souple et
se prêter aux formes que nécessite l‟utilitê pratique. Si une personne a
manifesté sa volonté par testament, pourquoi celie-ci ne se compléterait -
elIe pas par une déclaration du tiers a l‟héritier?”.

§ 5.665. Pactos sucessórios e influência nos testamentos

1.
ESPÉCIES DE PACTOS SUCESSÓRIOS. — Os pactos sucessórios são de
três espécies: de sucedendo, pelos quais alguém vai herdar, suceder, quiçá
mútuamente (pacta de mutua .successione); de rum succeciencio, pelos
quais alguém renuncia à herança de outrem; de tertii disposione, pelos quais
se dispõe da herança de terceiro.

Rigorosamente, duas: a de suceder e a de não suceder. As Ordenações


Filipinas, Livro IV, Título 70, proIbiam o contrato sobre a herança de
pessoa viva; suscetível de confirmação por juramento (§§ 3 e 4), com o que
se conciliavam o direito romano e o canônico, na espécie do § 4 (contrato
contra direito, confirmação no julgamento) Distinção sutil que não dispensa
a leitura dos textos. Mas ao princípio geral da interdição dos pactos
sucessórios, além da exceção do § 4, firmavam as Ordenações Filipinas,
Livro IV, Título 46, pr., a de permitirem-se convenções hereditárias insertas
nos pactos antenupciais: “Todos os casamentos feitos em nossos Remos e
senhorios se entendem serem feitos por carta de a metade: salvo quando
entre as partes outra cousa for acordada e contratada, porque então se
guardará o que entre eles for contratado”. Dir-se-á que o texto precisava de
interpretação. Mas, sobre ser o uso universal das nações (SAMUEL
STRYK, W. A. LAUTERBACH), como frisou MANUEL DE

ALMEIDA E SOUSA (Notas do uso prático, II, 369, 397), veio a Lei de 17
de agôsto de 1761, § 8, que, referindo-se às mulheres nobres, reconheceu a
existência da regra singular, permissiva: podiam “estipular com seus
respectivos esposos, assim para a vida como para a morte, as reservas e
condições que bem lhes parecer, como até agora se praticou sem a menor
diferença”. Indiscutível o valor interpretativo (TEIXEIRA DE FREITAS,
Tratado dos Testamentos e Sucessões, 281 5.; Consolidação das Leis Civis,
art. 354, nota 13). Pouco importava a vantagem.

Podiam ser recíprocos e igualmente vantajosos, ou desiguais. Era o que


pensavam, com MANUEL DE ALMEIDA E Sousa e J. H. CORREIA
TELES (Digesto Português, II, § 124 s., Manual do Tabelião, § 141), M. A.
CO~LRO
DA ROCHA (Instituições de Direito Civil português, II, § 731), CARLOS
DE CARVALHO (Nova Consolidação das Leis Civis, art. 1.488, parágrafo
único) e F. DE P. LACERDA DE ALMEIDA (Sucessões, 517-520). Contra:
LAFAIETE RODRIGUES PEREIRA (Direitos de Família, 347-349) e
CLóvIS BEVILÁQUA (Direito das Sucessões, § 79, 283). De qualquer
modo, era assaz embaraçosa a construção de tais pactos, — feitos em
convenções, tinham de ser revogáveis, pelo essencial às últimas vontades:
ao contrário dos pactos antenupciais simples, nos quais non agitur de
successione in casum mortis, resistiam à própria convenção sôbre
irrevogabilidade (W. A. LAUTERBACH, Caílegium Partdectarurn
Theoretico-practicum studio, II, 446), contra a opinião de MANUEL DE
ALMEIDA E SYOUSA, que admitia não se revogar o pacto, se intervinha a
cláusula. BORGES

CARNEIRO (Direito Civil de Portugal, II, § 133, 1, 6, 7) considerava


irrevogáveis os pactos simples e revogáveis os feitos por morte: se dêles
constasse a revogabilidade, ter-se-iam por simples. Mas não construiu a
última espécie do instituto. TEIXEIRA DE FREITAS (Formulário, §§ 368
e 313) permitia, sem distinções, estipular-se a irrevogabilidade. Presunção
de serem revogáveis, elidível pela convenção. Sendo mistos os pactos, cada
parte reger-se-ia pela sua lei. Onde faltasse atualidade, interviria a
presunção de ser revogável. Onde houvesse atualidade, impor-se-ia, pela
construção, a irrevogabilidade. Contra RUI BARBOSA (R. de D., 45, 39-
57) e F. DE P.

LACERDA DE ALMEIDA (Sucessões, 517-520), decidiu a 2.~ Câmara da


Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 1 de dezembro de 1916, seguindo
o Supremo Tribunal, a 7 de maio de 1913. Foi o influxo simplista de
LAFATETE

RODRIGUES PEREIRA e CLÓVIS BEVILÁQUA. Volver-se-á ao


assunto.

Os testamentos e os codicilos são negócios jurídicos, unilaterais, a causa de


morte. Há outros negócios jurídicos a causa de morte, isto é, que somente
têm a eficácia com a morte de alguém seja do manifestante em vida, ou seja
de outrem. Mas, aí, há eficácia desde logo, de que deriva a irrevogabilidade,
e não a conclusão sem ser possível a revogação, como se passa com o
testamento ou o codicilo. A doação mortis causa apenas retarda a
completitude da eficácia, porque já se manifesta a vontade, sem
retirabilidade da vox.

Não se deve dizer que a vontade individual, nos testamentos e nos


codicilos, vá além da morte do decujo. A vontade foi manifestada, era
revogável, mas deixou de ser revogável no mornento da morte. Desse
momento em diante, o que há é efeito da manifestação de vontade, que fora
posta no negócio jurídico unilateral.

direito brasileiro não tem os pactos sucessórios. Nas Ordenações Filipinas,


Livro IV, Título 70, §§ 3 O e 4~O, havia explícita proIbição de pactos
sucessórios, ou de promessas unilaterais sucessórias, se de suceder. O

pacto e a promessa de não suceder eram permitidos se juramento os


confirmasse. No § 3~0, dizia-se: “assi como se algum homem prometesse a
outro sob certa pena de o fazer herdeiro em parte, ou em todo, ou lhe fizesse
doação entre vivos sob certa pena de todos seus bens móveis e de raiz,
direitos e cauções havidos, e por haver, não reservando deles para si cousa
alguma: ou fosse feito contrato sobre a herança de pessoa viva, por que
alquile, que não devia ser seu herdeiro, o seja sob certa pena; porque tais
contratos são assim ilícitos e por Direito reprovados, que não podem se por
juramento confirmados: E per conseguinte as penas em eles postas se não
podem pedir, nem demandar”. No § 4.0: “E sendo os contratos tais, que
posto que sejam contra Direito, podem ser confirmados per juramento,
poder-se-á levar a pena entre os contraentes posta, se o contrato não for
cumprido per alquile, que prometeu de o cumprir, assim como, se fosse
feito contrato entre dois, ou mais que esperavam ser herdeiros por morte de
algum, que ainda seja vivo, que por sua morte algum deles não herdasse em
sua herança, ou se algum deles fizer convença com alquile, de cuja herança
se trata, per que possa herdar nela, ou em outro resultante caso; porque
ainda que tal contrato em alguns casos por Direito não valha, pode-se
confirmar segundo Direito Canônico por juramento, por não ser tão
reprovado, como os outros, de que se acima faz menção. E per tanto bem se
pode pedir e levar a pena prometida em ele, se se não cumprir”.

O texto prende-se a lei de Afonso IV, de que se cogitou nas Ordenações


Afonsinas, Livro IV, Titulo 62, § 6.

A Lei de 22 de setembro de 1828 extinguiu o Desembargo do Paço, a que


competia a permissão do juramento confirmatório, e dela se tirou que não
mais havia possibilidade de pacto sucessório ou de promessa sucessória.

2. SOBREVIVÊNCIA DO BENEFÍCIO. — Tendo o testador, no


testamento, doado coisa, ou parte, alíquota ou aliquanta, para o dia de sua
morte, se, a esse tempo, o donatário sobrevive a terceiro, que, vivo recebe a
coisa ou deixa, — trata-se de negócio hereditário perfeitamente construtível
com as regras do direito de sucessões. Se, fora do testamento, faz o mesmo,
trata-se de negócio jurídico entre vivos, irrevogável, portanto, e figurável
pelo elemento condicional. As dificuldades, que podem ocorrer, não
consistem na intervenção da pressuposta premorte de outrem. Advém das
mesmas combinações ou formas comistas a que antes, mais de espaço, se
aludiu.

§ 5.666. Testamento para excluir um ou mais sucessíveis “ab intestato”


1.EXCLUSÃO DE HERDEIROS NÃO NECESSÁRIOS. — Se o testador,
que tinha dois ou mais parentes sucessíveis, não necessários, faz
testamento, para dizer que não deseja herde seus bens um deles, vale o
testamento, como se, em vez de excetuar a esse, chamasse a sucessão o
outro ou chamasse os outros não excluídos. No Código Civil alemão há
regra jurídica expressa (§ 1.938): “Pode o decujo, por testamento, sem
instituir herdeiro, excluir da sucessão legal um parente ou cônjuge”. Na
Alemanha, a Fazenda é herdeiro legítimo, § 1.936; porém não se exclui.

Se o testador declara o que acima dissemos, procede-se como se o herdeiro


excluído não existisse.

2. DIREITO BRASILEIRO. — No direito brasileiro, a solução tem de ser a


mesma. Nem é de mister ao testamento conter instituIção de herdeiro
(Código Civil, art. 1.769); e no art. 1.742 se permite que se ordene no
testamento a deserdacão. Se, havendo herdeiros necessários, isso se permite
(pois que a eles concerne o ato de deserdar), com mais forte razão se quer
excluir cônjuge ou parente colateral: quem, pelos não contemplar, testando
tudo o que tem, os exclui (art. 1.725), claro é que os pode excluir de modo
expresso: “Não quero que A me suceda”, “A não será meu herdeiro”.

Na L. 24, C., de testamentais: quemadmodum testainenta ordinantur, 6, 23,


disse-se: “Consideramos que se devem estirpar as ambigüidades quase
originam da imperícia ou da desídia dos que escrevem os testamentos, e
(ou) se a instituição de herdeiros foi escrita depois da dação dos legados, ou
se se omitiu outra formalidade, sem intenção do testador, ou por falta do
tabelião ou de outrem que escreveu o testamento a ninguém concedemos
em tal ocasião, faculdade para subverter a vontade do testador ou diminuí-
la”. Ambiguitates, quae vel imperitia vel desídia testamenta conscribentium
oriuntur, resecandas esse censemus et, sive institutio heredum post
legatorum dationes scripta sit vel alia praetermissa sit observatio non ex
mente testatoris, sed vitio tabellionis vel alterius qui testamentum scribt,
nuíli licentiam concedimus per eam ocasionem testatoris voluntatem
subvertere vel minuere).

Alguns intérpretes de hoje entendem que, assim, Justiniano aboliu a


exigência da nomeação do herdeiro, a necessidade da heredis institutio (por
exemplo, PIE‟rso BONFANTE, Scritti giuridici vapi, 1, 135; CONTARDo
FERRINI, Manuale di Pandette, 3ª ed., 603; 5. DI MARzo, Istituzione di
Dirttto ro~mano,

5 a ed., 442, 453 e 494).

Verdade é, porém, que só há referência a testamentum ecriptum e alógrafo.


Só se levou em consideração a alograf ia, tanto que se fala da “imperitia vel
desidia testamenta conseribentiam”.

Nas Institutas, § 34, de legatis, 2, 20, não há distinção.

O que mais importa é a heredis institutio, que era caput testamenti.


§ 5.667. Incaducabilidade do testamento

1. DIREITO ROMANO. — No direito romano, introduziu-se — antes de


418 (imperadores Honório e Teodósio) —

espécie assaz curiosa de ruptio de testamento: a prescrição decenal (L. 6, C.


Theod., de testamentis et codicillis, 4, 4). Fundava-se na presunção da
mutabilidade do querer: em dez anos, não haveria de ser a mesma a vontade
do testador. Por outro lado, em dez anos podia ocorrer estarem mortas as
testemunhas (cf. FR. MÍIHLENBRUCH, em CHR. FR. GLÚCK,
Ausfiihrliche ErlÉtuterzcng der Pandecten, 38, 174). Ora, se algo se devia
de presumir era que tal vontade não mudara: se houvesse mudado, poderia o
testador tê-la expresso noutro testamento. Em 530, aboliu tal caducidade
Justiniano: o decênio, por si só, não rompe o testamento; mas, tendo
passado êle, podia ser feita a prova da revogação perante três testemunhas
ou perante o juiz (CHR. FR. MÚHLENBRUCH, 38, 178). A L. 27, C., de
testamentis: quem admodum testamenta ordinantur, 6, 23, foi de alta
importância, porque, além disso, admitiu a revogação (note-se: a revogação,
e não a ruptio) sem nova instituIção.

2. DiREITo CONTEMPORÂNEO. — Hoje, não há prazos para caducidade,


além do qual se rompam os testamentos, nem para revogá-los é mister
aguardar-se qualquer período. Feito hoje, ao meio-dia, pode ser revogado
no minuto após ter sido feito. Basta dilacerá-lo o testador, ou ditar outro,
com as formalidades legais. Assinado aos dezesseis anos, pode ser aberto e
cumprido quando o testador morrer, quiçá aos oitenta, aos noventa, aos cem
e tantos anos.

3. DIREITO ALEMÃO, DIREITO SUÍÇO E DIREITO RUSSO. — No


Código Civil alemão, trata-se do testamento, disposição unilateral do
decujo, e do contrato de herança (Erbver-trag), de natureza bilateral. Às
vêzes, o Código Civil alemão chama ao testamento “disposição de última
vontade” (letztwillige Verfugung). A contrário do contrato de herança, é
revogável o ato testamentário. Não se cogitou de codicilos, nem de cartas
ou cédulas hereditárias (Nachzettel). Não os há. Nem o princípio Nemo pra
parte testatus, pro parte in~testatus de - cedere potest, nem o outro —
Semel heres semper heres —poderiam ser invocados. Não se conhece
fideicomisso universal.

A reserva (Pflichtteil) consiste na metade da quota hereditária legal.

No Código Civil suíço, há o pacto sucessório (arts. 468 e 481) e o


testamento. Se há descendentes, pais, irmãos, ir-mãs ou cônjuge, a
faculdade de dispor fica sujeita ao respeito das reservas ou quotas
(Pflichtteil) : se há descendente, a quota é de três quartos do que lhe
caberia; se pai e mãe, a metade; para cada um dos irmãos, um quarto do seu
direito à sucessão; se cônjuge sobrevivente, concorrendo com herdeiros
legais, todo o direito de~

propriedade e reserva, mas sê-lo-á da metade, se é êle herdeiro único (art.


471). Isso, em relação ao cônjuge sobrevivente, não se tratando de usufruto.
No caso de usufruto, concorrendo com herdeiros legais, a reserva dos
descendentes será de seis dezesseis avos da propriedade e seis dezesseis
avos do submetido a usufruto, seja, em conjunto, doze dezesseis avos
(EUGÊNE CURTI-FORRER, Coinmenta,ire du Cade Civil suisse, 372).
Mas, analisando o art. 473, A. ESCIHER (Das Erbreclit, Kommentar, III,
35) procurou o conteúdo de tal regra jurídica, que deixa ao testador a
faculdade de dispor de toda a parte dos descendentes em proveito do
cônjuge, redutível, por segundas núpcias, à metade, e do art. 462, que
reconhece ao cônjuge a opção entre o quarto da propriedade e o usufruto da
metade, havendo descendentes. Tem direito ao quarto de propriedade e a
três quartos de usufruto.

concorrendo com pai e mãe ou a sua posteridade, ou, em concurso com


avós, ou sua posteridade, à metade de propriedade e metade de usufruto. A
conclusão de A. ESCHER é diferente da que deu EUGÉNE CURTI-
FORRER.

O direito sucessório suíço constitui intrincado cálculo aritmético, cujos fins


dificilmente se percebem: esmerou-se em frações, bem reveladoras do
hábito, junto à limpidez expositiva e elegante, de tratar certos problemas
jurídicos, como quem faz relógios.
No Código Civil russo de 1922 definiu-se o testamento:

disposição para o caso de morte, em forma escrita, seja para deixar um bem
a uma, ou a algumas pessoas, entre as designadas no art. 418 (herdeiros),
seja para repartir êsse bem entre algumas delas, ou entre tôdas essas
pessoas, de maneira diferente da prevista no art. 420. Privadas, pelo
testador, dos direitos sucessórios todas as pessoas mencionadas no artigo
418, passavam os bens ao Estado, segundo os arts. 417 e 433. Só existia
sucessão até dez mil rublos-ouro, feita a dedução das dívidas do defunto
(art. 416). São herdeiros legais: os descendentes, o cônjuge sobrevivente e
as pessoas incapazes de trabalhar ou indigentes, que estavam a cargo do
defunto, há um ano, pelo menos, antes da morte (art. 418). Só os vi~vos ou
concebidos podem herdar. Se não há testamento, herdam em partes iguais
(art. 420). Os que viviam com o defunto recebem, sem se ter em conta o
limite, os bens que constituíram a instalação e proviam às necessidades
correntes do lar, excluidos os objetos de luxo (art. 421). Mas foi revogada a
parte em letra grifa. Não há, pois, herdeiros testamentários fora do art. 418.
Pode o testador dispor que o herdeiro cumpra o que ditar a favor de uma,
algumas ou todas as Pessoas designadas na lei (arts. 418 e 422), e os
beneficiários podem exigir a execução (art. 423). Permitem-se as
substituições testamentárias, sem se sair das pessoas do art. 418. O
testamento tem de ser assinado pelo testador e apresentado a órgão notarial,
para ser inserto no registro de atos. No caso de analfabetos, assina-o
terceiro por eles. A pública forma segundo o registro de atos faz as vezes do
original (art. 425). O posterior revoga o anterior, no que o altera (art. 426,
j 8 parte). Pode-se revogar o testamento sem se fazer nôvo, por declaração
notariada ou judicial, que se inscreve no registro de atos ou no protocolo
judiciário (2.8 parte). A execução incumbe aos herdeiros instituidos, salvo
se o testador encarregou alguém (executor testamentário, “testamenteiro”
do direito brasileiro); mas deve ter consentido o encarregado (art.

427) - Desde fevereiro de 1926, a integralidade da sucessão passa aos


herdeiros, abolido o limite de dez mil rublos; mas as categorias de
sucessíveis ficaram. Foram revogados os artigos 415, 419, in fine, 422, in
fine, e 424, in tine.
4. DIREITO ITALIANO. — No direito italiano, o testamento ordinário não
caduca por tempo. As disposições testamentárias, a essas, se foram
atendidos todos os requisitos de fundo e de forma, pode acontecer que fato
superveniente, tal com& ocorre se houve revogação do testamento, ou de
outro testamento posterior que revogue a disposição, ou de fato estranho à
vontade do testador, impedidos ficam os efeitos. Falam os juristas de
eficácia, que se extingue. Mas a revogação é retirada da vox, portanto
exclusão do próprio suposto fáctico.

Quanto ao testamento em caso de moléstia contagiosa, calamidade pública


ou infortúnio, há termo dito de eficácia (termine di efficácia). Lê-se no
Código Civil italiano, art. 610:

“Ii testamento ricevuto nel modo indicato dall‟articolo precedente perde la


sua eficácia tre mesi dopo la cessazione delia causa che ha impedito aí
testatore di valersi delie forme ordinarie. Se ii testatore muore
nell‟intervallo, ii testamento deve essere depositato, appena é possibile,
nell‟archivio notarile dei luogo in cui é stato ricevuto”.

Quanto ao testamento marítimo, diz o art. 615: “11 testamento fatto durante
ii viaggio per mare, neila forma stabilita dagli articoli 611 e seguenti, perde
la sua efficacia tre mesi dopo lo sbarco del testatore in un luogo dove ê
possibile fare testamento nelle forme ordinarie”. Ainda, a respeito do
testamento a bordo de aeronave, estabelece o. art. 616, 1.8 alínea: “Ai
testamento fatto a bordo di un aeromobile durante ii viaggio si applicano le
disposizioni degli articoli 611 a 615”.

§ 5.667. INCADUCABILIDADE DO TESTAMENTO - curso deste prazo o


testador for colocado de nôvo em circunstâncias. 3. A entidade perante
quem for feito o testamento deve esclarecer o testador acerca do disposto no
n.

1, fazendo menção do fato no próprio testamento; a falta de cumprimento


deste preceito não determina a nulidade do ato”.

5. DIREITO PORTUGUÊS. — No Código Civil português (dez 1966),


depois de cogitar dos testamentos de forma especial, o art. 2.222 estatui: “1.
O testamento celebrado por alguma das formas especiais previstas na
presente seção fica sem efeito decorridos dois meses sobre a cessação da
causa que impedia o testador de testar segundo as formas comuns.

CAPÍTULO III

CAPACIDADE PARA FAZER TESTAMENTO

§ 5.668. Capacidade de direito e capacidade negocial

1.NOÇÕES SOBRE CAPACIDADE DE CONCLUIR NEGÓCIO


JURÍDICO. Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil
(capacidade de direito, Código Civil, art. 2.0). Além das pessoas físicas,
existem as pessoas jurídicas, mas o testamento é‟ ato essencialmente ligado
ao fato da morte física: só o ser humano pode testar. Mas, entre esses, há os
que, pela insuficiência social (menores de dezesseis anos, silvícolas
inadaptados, loucos), ou por ocasional perturbação do juízo, ou, ainda, pela
impossibilidade material de manifestar a vontade, não podem testar
(incapacidade de testar, art. 1.627). Outros, que são inábeis para
determinadas formas testamentárias (inaptidão para o ato formal). Somente
da capacidade negocial para o testamento é que temos de tratar.

2.PESSOAS FÍSICAS E PESSOAS JURÍDICAS. As pessoa jurídicas não


testam. Não é por não poderem dispor.

Contratam, doam, alienam. Dispõem sobre o próprio destino dos bens, nos
casos de extinção, que são imagens da morte física. Será porque a
personalidade delas só se justifica pelo fim socialmente útil que lhes dá a
ordem jurídica? Testar supõe morte; portanto, ultrapassa o fim. Será porque,
perpétuas, não poderiam testar; e, temporárias, o fim lhes é previsto? Tudo
isso cairia em especulação. As pessoas jurídicas não testam, porque, na
determinação histórica, o testamento serviu à pessoa física, na transmissão
religioso-política, político

-jurídica, jurídico-econômica, e o direito vigente não se desprendeu do


conceito de morte física, realística, no definir o testamento.
3.INCAPAZES DE TESTAR. Diz o Código Civil, art. 1.627: “São
incapazes de testar. 1. Os menores de dezesseis anos. II. Os loucos de todo
o gênero. III. Os que, ao testar, não estejam em seu perfeito juízo. IV. Os
surdos-mudos, que não puderem manifestar a sua vontade”. Não podiam
testar:

os menores de quatorze anos e as menores de doze (Ordenações Filipinas,


Livro IV, Título 81, pr.) ; os filhos-famílias, ainda que os pais consentissem,
exceto quanto aos bens castrenses e quase-castrenses (Livro IV, Título 81,

§ 3 O, Título 83, § 1.0, e Título 91, § 1ª); os loucos e os pródigos tolhidos


da administração de seus bens (Livro IV, Título 81, § 5.0); os religiosos
professos (Titulo 81, § 4.0). Com a Constituição do Império, art. 179, §
5 o, cessou a incapacidade testamentária dos hereges e apóstatas, por não
ser possível perseguir-se alguém por motivos de religião. Por outro lado, a
despeito de se falar de morte civil no Código Comercial, art. 157, 3,
imitação do Código Comercial português, não se incluiu entre incapazes os
condenados à pena última (TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das
Leis Civis, art. 993, nota 6). O escravo tinha capacidade testamentária
passiva (Lei n. 2.040.

de 28 de setembro de 1871, art. 4), porém não a ativa (Livro IV, Título 81,
§ 4.0; Aviso n. 16, de 13 de fevereiro de 1850). Valia o testamento do louco
em momentos lúcidos (Consolidação das Leis Civis, art. 995). A disposição
referente a religiosos professos já se achava revogada.

4.PoSIÇÃO JURÍDICA DO TESTADOR. O testamento supõe sujeito de


direito que seja o testador. Deve estar consciente e livre, conhecer a
natureza do ato que pratica, e partirem de si, e não de outrem, as vontades
que exprime: liberdade e testamentificação são inscindíveis. O conjunto de
pressupostos para ser capaz de testar, isto é, ser declarante no negócio
jurídico unilateral testamentário necessários e suficientes é a capacidade
testamentária, menos extensa que a capacidade de direito (personalidade),
porque há pessoas que não testam, se bem que sejam capazes de ser sujeitos
de direito (e.g., menores de dezesseis anos). Além dos que são pessoas, e
não testam por defeito ocasional, e os que não testam, por defeito de idade
(insuficiência social), há os que, pessoas, nunca poderão testar, e são as
pessoas jurídicas, que também não adotam, nem se inserem em família.

5.BENEFICIADOS PELO TESTAMENTO. A disposição testamentária


beneficia a alguém: herdeiro, legatário, ou favorecido pelo modus. No
beneficiado hão de exigir-se a personalidade (capacidade de direito) e a
capacidade para adquirir por testamento (testamentificação passiva).

Fala-se de incapacidade testamentária ativa relativa, que se distinguiria da


incapacidade testamentária absoluta, segundo o Código Civil, art. 1.627, e
seria: a) a que consistiria na vedação de usar de certas formas
testamentárias; b) a de só dispor de alguma parte do patrimônio; c) a
proibição de testar em favor de certas pessoas. Mas seria estender-se a
situações heterogêneas a noção de capacidade. A primeira circunstância é
exigência legal: tanto não é relativa à capacidade, que pode ter de reger-se
pela lex loci, em vez de o ser pela lex successionis. A segunda é a exigência
do respeito aos direitos dos herdeiros necessários, oriundo da organização
da família, dentro do tempo. A terceira é o rechaço, a impressão, o verso, o
reflexo da incapacidade testamentária passiva: mais interessa ao testado que
ao testador. Falar-se em incapacidade testamentária ativa, no sentido da
letra e, seria aptar-se por injustificável terminologia, que o Código Civil,
art. 1.719, à semelhança de outros, refugou.

A capacidade de testar e a de receber por testamento não coincidem: o


louco, o menor de dezesseis anos, podem receber por testamento, e não
podem testar; as pessoas jurídicas, as fundações, não testam, e podem
receber o que se lhes deixa. ~Mais ainda: pode contemplar-se, em certas
circunstâncias, o que ainda não nasceu, nem foi concebido.

§ 5.669. Capacidade testamentária ativa

1.CAPACIDADES TESTAMENTÁRIAS ATIVA E PASSIVA. Na sucessão


testamentária, exige-se que haja no testador a capacidade de testar; e nos
herdeiros e legatários, a capacidade de suceder por testamento. Capacidade
testamentária ativa e capacidade testamentária passiva. Direito de testar é o
direito de declarar o querer, por disposição de última vontade. Como
capacidade de direito, todos o têm; como capacidade, não de direito, mas
de testar, só o têm aquelas pessoas que o Código Civil, art. 1.627, não
exclui. A regra é que todas as pessoas físicas são capazes. Só se poderia
considerar a incapacidade como excepcional. Não seria admissível o
principio contrário.

Nem, tão-pouco, presumir-se a incapacidade ativa. Ainda a propósito de


doenças e moléstias, todos são capazes, exceto os que a lei exclui. Por isso
mesmo, seria ocioso dizer-se, como fazia o Código de Zurique, § 993, não
influir na capacidade de testar a doença de corpo. É verdade que, em alguns
estilos notariais, se escreve “achando-se são de corpo e de espírito”, ou
“achando-se são de corpo e alma”; a primeira parte constitui declaração
inútil (VITTORIO

POLACCO, Delle Successioni, 160).

Não se deve restringir, nem assimilar a capacidade testamentária aos


fundamentos da capacidade de exercício dos arts. 5 e 6 do Código Civil.
Tanto assim que os maiores de dezesseis anos e menores de vinte e um têm
plena capacidade de testar, se bem que, para outros atos negociais ou não-
negociais, sejam relativamente incapazes e precisem da assistência dos pais
ou dos tutores. Também não se há de confundir a capacidade testamentário,
ativa com a capacidade de disposição: há limitações ao direito de dispor
sem qualquer repercussão nas declarações mortis causa. Os homens
casados e mulheres casadas estão sujeitos a várias limitações no dispor, e,
quanto a esses mesmos bens, podem livremente, testar. O condômino
somente pode dispor como em vida poderia; o sucessor será condômino.

2.TÉCNICA LEGISLATIVA A RESPEITO DE CAPACIDADE. A


capacidade civil (Código Civil, arte. 6, 1, e 9) não coincide com a
capacidade nupcial (art. 183, XII), nem com a capacidade de ser testemunha
(art. 142, III), nem com a capacidade de testar (art. 1.627, 1). A civil
começa aos vinte e um anos, quiçá, mas acidentalmente, pela venia aetatis,
aos dezoito (artigo 9, 1), pelo casamento, pelo exercício de emprego
público efetivo, pela colação de grau científico em curso de ensino superior,
ou pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria (art.
9, II-V). A nupcial, aos dezesseis, para a mulher, e aos dezoito, para os
homens. A de ser testemunha (capacidade euremática, arts. 142, III, e
1.650, 1) e a capacidade testamentária são simétricas e indiferentes ao sexo.
De modo que, antes de poder o menor praticar, por si só, atos jurídicos entre
vivos (salvo oculta ação dolosa, art. 155), pode testar vàlidamente. ~,Qual a
razão de tal diferença? Quando se trata de atos entre vivos, o menor aliena,
ou vincula-se, faz-se devedor, obriga-se, imediata e irrevogavelmente,
conforme os princípios: compreende-se que se lhe exija maia
experimentado conhecimento da vida, pois são atos de homem a homem,
ainda quando unilaterais. (Nas disposições de última vontade, minora o
inconveniente da idade a inderrogável revogabilidade do testamento, cujos
efeitos são mediatos.) No Código Civil brasileiro, tal capacidade é‟ a
priori, e até os dezoito anos não será possível a emancipação do menor, de
modo que a incapacidade relativa, a priori, até os dezoito anos. é atenuada
pela dolosidade da declaração, art. 155. É particularmente notável a simetria
entre os sexos, que o Código Civil, só excetuado na capacidade nupcial,
estabeleceu a respeito da idade.

Comparando-se a capacidade nupcial e a testamentária, vê-se que o Código


Civil considerou o ato matrimonial, para o homem, mais grave que o
testamento. Porém seria superficial tal conclusão. No exigir dezesseis anos
às mulheres e dezoito anos aos homens, para que se possam casar, a lei
atendeu a considerações relativas à geração.

A capacidade de testar precisa ser apurada ao tempo da disposição. A do


momento da morte não tem, no direito brasileiro, nenhuma importância.

Das incapacidades, que o Código Civil enuncia (Código Civil, art. 1.627), a
do inciso í é a priori, dependente, tão-só, da idade; a do inciso II, é a priori,
ou ipso iure, se há interdição: havendo-a e provando-se, é nulo o
testamento; mas será a posteriori, dependente de prova, se não houve
interdição; a do inciso III, sempre a posteriori, requere prova; a do inciso
IV, coincide com a capacidade de exercício segundo o art. 6, III: pode ser a
priori, se houve interdição, e será a posteriori, se não houve.

§ 5.670. Menores de dezesseis anos (1)


1.DIREITO ROMANO E OUTROS SISTEMAS. No direito romano, já a L.
25, § 1, D., de mortis causa donationibus et capionibus, 39, 6, permitia que
o filho-famílias fizesse doação mortis causa, mas não podia testar. O

testamento não era, então, jurídico-econômico (patrimonial): era nomeação


de sucessor (fato religioso-político), na soberania do grupo familiar. Nos
nossos dias, o Código Civil francês, art. 904, permite ao que já fêz dezesseis
anos, porém é menor, dispor em testamento, até a metade da parte
disponente (semelhantes, quanto aos pródigos, algumas legislações). Trata-
se de tentativa de solução técnica, conciliatória. No Código Civil austríaco,
§ 568, regra jurídica parecida, a propósito de pródigo, foi assaz censurada
(JOSEPH UNGER, System des tisterreichischen alígemeineu Privatrechts,
VI, 4).

No direito inglês, a capacidade de testar também começa aos vinte e um


anos (K. WERTHEIM, Wõrterbuch des englischen Rechts, 565). No direito
francês, a propósito de testamentificação do menor, contém ~ó Código
Civil, arts. 488 e 904, curioso expediente a que chamaríamos de
semicapacidade objetiva. Diz o art. 904: “Le mineur parvenu à l‟âge de
seize ans ne pourra disposer que par testament, et jusqu‟à concurrence
seulement de la moitié des biens dont la loi permet au majeur de disposer”.
A emancipação nenhum efeito tem na capacidade testamentária: o art. 904
atua até os vinte e um anos. Se, a despeito disso, o menor testa porção
maior que a do art. 904, não são nulos os legados, mas redutíveis à parte
permitida em lei. Tal parte não é a metade da fortuna do menor, mas a
metade da porção testável. Assaz se censurou o expediente francês (e. g., F.
LAURENT, Príncipes, XI, 191; TH.

HUC, Commentaire, VI, 113) : alguns juristas não concebem meia


capacidade para um só e mesmo ato, e prefeririam a incapacidade absoluta.
Historicamente, os Costumes de Paria (art. 293), de Calais (art. 86) e de
Orléans (art. 293) estabeleciam a intestabilidade dos móveis e dos
adquiridos até vinte anos e dos próprios até vinte e cinco. Considerações do
interesse dos herdeiros introduziram a testabilidade de uma porção, restrita,
do patrimônio do menor. Diante das duas tradições, a romana e a
costumeira, o Código Civil francês elaborou o art.
904, bem significativo da sobrevivência de ambas. A Lei francesa de 28 de
agosto de 1916 acrescentou ao artigo 904: “Toutefois, s‟il est appelé sous
les drapeaux pour une campagne de guerre, il pourra, pendant la durée des
hos.tilités, disposer da la même quotité que s‟il était majeur en faveur de
l‟un quelconque de ses parents ou de plusieurs d‟entre eux et jusqu‟au
sixiéme degré inclusivement ou encore en faveur de son conjoint survivant.
À

défaut de parents au sixiême degré inclusivement, le mineur pourra disposer


comme le ferait un majeur”.

2. DIREITO BRASILEIRO. No direito brasileiro, o menor de vinte e um


anos e maior de dezesseis está plenamente habilitado, por exemplo, para ir a
cartório e ditar ao tabelião o seu testamento. A simples prova de ter o pai
vedado o ato do filho, ou criado dificuldades à livre manifestação da
vontade testamentária, constitui causa suficiente para as medidas do art. 394
ou 395, 1 e III, do Código Civil, além da responsabilidade criminal
respectiva, na salvaguarda penal da liberdade de testar. Se o abuso parte de
tutor, esse, além de ser punido, deve ser destituído. Escrito pelo menor, ou
escrito por outrem e por ele assinado, ou a rogo, aprovando-o o oficial
público, vale igualmente o testamento cerrado. Diga-se o mesmo do
testamento particular hológrafo.

A lei não veda ao pai, ou tutor, ser testemunha testamentária. Mas, se isso
não causa invalidade (tanto mais quanto ficaria excluída a instituição a
ascendentes, descendentes, irmãos e cônjuge do pai ou tutor, ou a qualquer
desses (arts. 1.650, IV e V, e 1.719, II), é desaconselhável, pela
possibilidade de ação de anulação com fundamento nos arts. 98 e 101 do
Código Civil (coação).

§ 5.671. Loucos de todo o gênero (II)

1.EXERCITABILIDADE DOS DIREITOS E DE FUNÇÕES DE ORDEM


JURÍDICA. Para a exercitabilidade dos direitos, a lei parte do pressuposto
da consciência, da liberdade dos atos, e torna função da suficiência social,
assim a responsabilidade penal como a capacidade civil, geral ou especial.
Donde as regras jurídicas concernentes aos loucos em geral (Código Civil,
artigo 5, II) e à incapacidade testamentária por loucura, ou imperfeição
episódica de juízo.

Todos os negócios jurídicos e todos os atos jurídicos stricto sensu exigem a


vontade, inteligente e livre, segundo o conceito da coexistência social.
Nesse ponto, o direito do artigo 1.627, II, coincide com o do art. 5, II, que
regula os atos jurídicos em geral, com o art. 1.650, II, referente às
testemunhas testamentárias, e com o art. 142, 1, que dos loucos fala como
incapazes de testemunhar, instrumentária ou probatoriamente, em quaisquer
atos da vida jurídica.

Se o testador, ao tempo de testar, estava interdito por loucura, deve o juiz,


diante da prova, negar o cumpra-se: trata-se, em verdade, de simples
verificação de datas. O respeito aos atos do registro público impõe tal
procedimento. Se é certo que são igualmente nulos os atos praticados pelo
louco interdito e pelo não interdito, pois que a interdição apenas declara a
infirmitas mentis, não é menos certo que a prévia declaração de tal
insanidade vulnera, fundamentalmente, sem dependência de declaração de
loucura, que já se fêz, os atos pelo louco praticados. Muito diferente da
invalibilidade implícita (LORENZO BOREl, Istituzioni di Medicina
Giuridica, 107), da faculdade de fazer a prova da loucura, para que se
declare simultâneamente com a nulidade do ato. Diferença, essa, assaz
importante: quanto ao ato praticado Yelo louco interdito, se houve a
declaração da loucura, basta, depois, a decretação da nulidade do ato;
quanto ao ato praticado pelo louco não interdito, vão ser feitas ao mesmo
tempo a declaração da loucura e a decretação da nulidade do ato do louco,
com a eficácia ex tunc. Num e noutro caso, a nulidade é absoluta, com a só
distinção que lhe advém da sucessividade, ou da simultaneidade das duas
decisões.

Durante o tempo posterior à interdição, permanece, absoluta, a


incapacidade: não é possível provar-se a injustiça da decretação judicial,
passada em julgado, quer pela afirmação de momentos lúcidos, quer pela
mesma evidenciação da sanidade indiscontínua do espírito. É a antinomia
eventual da verdade e do julgado.
2.ÔNUS DA PROVA DA LOUCURA. O ônus da prova cabe ao autor da
ação de nulidade de testamento. (Já se viu que, tendo havido interdição, o
registro basta, e dispensa o processo de nulidade.) Deve o autor provar que
a insanidade existia no momento do negócio jurídico testamentário. A prova
pode fazer-se por todos os meios: testemunhas, depoimentos, documentos
particulares, indícios, presunções e perícias; ao juiz apreciar as
circunstâncias. Nesse assunto, todo fato positivo mais importa do que
múltiplos informes negativos (J. RAECKE.

Kurzgefasstes Lehrbu.ch der gerichtlichen Psyschiatrie, 66) : o tabelião, as


testemunhas, o médico da casa podem ter-se enganado; se é certo que do
escrito, da natureza e do teor das disposições se pode tirar argumento contra
a capacidade, não é menos que, ainda sensatas as declarações, e tão
acertadas como as faria qualquer pessoa sã, pode não valer o testamento.

Se é certo que em todos os homens se presumem o senso e a razão, todos


sabemos que é por sinais extrínsecos, inclusive as palavras, que se prova a
loucura, e não repugna a prova testemunhal (ANDREA ALCIATO,
Tractatus de Praesumptionibus. 149). Quanto às cartas, além da letra e do
prenome exarado numa delas, concorre a verossimilhança, que é elemento
assaz importante na virtus probandi dos escritos (JOH. WILH. VON
TEVENAR, Theorie des Beweises im Civilprocess, nova ed., 242). Há fatos
patológicos que provocam algo de anormal, sem tirar ao indivíduo a aptidão
necessária à administração da fortuna e à capacidade de testar. Exemplo
vulgar temos em pessoas devotadas, excessivamente, ao espiritismo ou às
ciências ocultas. A matéria é tanto mais delicada quanto são passados os
indícios da vida física. A perícia psiquiátrica forense recai em pessoa que já
morreu. No entanto fora do caso do exame em vida, para testar a pergunta é
sempre esta:

~ Deve ou não considerar-se como a expressão de vontade sã ~o testamento


do falecido?” O que importa é verificar-se se havia distúrbios, que
diminuíssem, ou abolissem a faculdade de testar: a) se havia estado
psíquico anormal; b) qual o distúrbio; c) se, no momento da
testamentificação, se achava em grau reputado perturbante ou elidente da
normal determinação da vontade. Tem-se de levar em consideração o
informe sobre a pessoa e o ambiente em que vivia, a fim de se conhecerem
as circunstâncias mais próximas das disposições testamentárias. No próprio
texto da cédula, pode haver indícios; e. g., indicações que não
correspondam ao patrimônio, ou à situação jurídica de todos os bens, ou de
alguns bens ou não-inteligibilidade das disposições. Para haver capacidade
psíquica, que as leis, para se dispor por testamento, fazem exigida, a) o
testador deve ter inteira consciência do significado das disposições
testamentárias, das suas relações fáticas e jurídicas, e claro conhecimento
das declarações que faz e da sua importância para si e para os co-
interessadOs, b) deve achar-se livre de toda perturbação episódica, quer
exterior (coação, ameaças, dolo, sugestões caluniantes, que induzam em
erro), quer interior (ira, embriaguez).

Na perícia, o ponto de partida é o próprio escrito, se feito pelo testador, ou,


pelo menos, por ele subscrito. Vão os médicos, com os informes sobre a
saúde física e mental, redigir história, tão exata quanto possível, de quem já
não existe. Todos os dados são indiretos. Através de escritos, de
informações da vizinhança, de criados, de fregueses, ou de pessoas do trato
diário, terão em conta os caracteres psíquicos do testador, as suas
particularidades, os seus sentimentos habituais, as suas simpatias e
aversões, as suas relações de família e de sociedade. É de grande
importância verificarem os peritos quais as pessoas que estavam em
contacto com o testador antes, durante e depois do testamento, se vivia
retirado, por vontade própria, ou por exigência de outrem, se certas pessoas,
que deviam viver em contacto com o testador, eram, de fato, dele afastadas.
Na apreciação dos distúrbios, deve o juiz dar valor aos que só se revelaram
nas proximidades da feitura do testamento, porque as debilidades de
vontade, as irritabilidades permanentes, se fossem de natureza a eliminar a
capacidade volitiva, provavelmente teriam levado a atos de desbarato
pecuniário, a gestos incompreensíveis e às medidas de interdição.

Nesse ponto, surge questão, que a prática põe em relevo: proposta a


interdição por loucura, e negada, transita em julgado a sentença, j,pode ser
promovida, após a morte, a nulidade do testamento? Sim, porque pode ter
ocorrido não se terem trazido a exame todos os informes pertinentes. A
própria propositura, ainda que sancionada pela justiça, poderia ter sido um
dos processos postos em prática pelos interessados na testamentificação.
Quanto ao suicídio, próximo do testamento, não basta ele, de si só, para
provar o estado psíquico de insuficiência testamentária.

3.POSIÇÃO DO OFICIAL PÚBLICO NO CASO DE TRESVARIO DO


TESTADOR. Se, na ocasião de se fazer o testamento público ou de se
aprovar o testamento cerrado, tresvaria o testador, j,que há de fazer o oficial
público?

Alguns escritores declaravam ter visto muitos casos em que o oficial


público interrompeu a aprovação e inutilizou o testamento, declarando não
continuar porque o testador se não achava com inteireza de juízo, com a
inte gritas mentis. Mas tal prática lhes parecera inconveniente: faz do
oficial público juiz do ato que é chamado a legalizar. Por isso, propunham:
chamar-se a atenção das testemunhas, mencionarem-se os desvarios no auto
de aprovação. Outros distinguiram, perigosamente, desvarios antes e depois
das perguntas: se antes, obstam à aprovação; se depois, deve declarar tal
circunstância, e uma testemunha, e não o testador, assina. Ao juiz ficaria
reservada a questão da validade do testamento. A tal opinião desde já
opomos: ~,por que não o há de assinar o testador? ~ Não constituirá a
assinatura elemento para os exames futuros? TEIXEIRA DE FREITAS
cortava, pelo cerne, a questão: “Não há meio termo entre o tabelião aprovar,
ou não aprovar o testamento, para que arrogue o arbítrio de lavrar, em vez
de um instrumento de aprovação, outro de nova espécie, não autorizado por
lei alguma, virgem na prática, que provoca inesperadas questões e decisões:
o tabelião é fiscal único do ato, as leis confiaram em sua fé pública; se
aprova o testamento do tresvariado, as partes interessadas podem
responsabilizá-lo criminalmente, e Civil-mente anular a aprovação; se
recusa aprovar, nada feito, caso irremediável, como se não fosse chamado
algum tabelião”. Sim, menos quanto à irremediabilidade. Ao direito
repugna isso:

deve, se se julga em mente sã, requerer o exame, como fundamento para a


queixa ou denúncia contra o tabelião; ou proceder contra ele, desde logo,
para que sobre a capacidade civil não paire a suspeita que resultaria de ter,
inutilmente, procurado o tabelião, que se recusou a tomar-lhe as
declarações, ou a aprovar o testamento cerrado. O

mesmo havemos de entender quanto ao agonizante. As partes interessadas


podem requerer ao juízo competente o exame de sanidade, a fim de não se
suspeitar do testamento do Código Civil, art. 1.638, escrito pelo testador, ou
a rogo, e da aprovação por outro tabelião. Em todo o caso, a aprovação é
essencial ao testamento cerrado; e o ser escrito e assinado, ao particular. As
circunstâncias devem ser atendidas: é válido o testamento curto, abreviado,
de quem está quase a morrer, ainda que murmurando ao ser escrito (“seja
lido perante as testemunhas”, art. 1.655).

4.INTERVALOS LÚCIDOS E TESTAMENTO. O direito brasileiro não


conhece os intervalos lúcidos. Foi revogada a regra jurídica das Ordenações
Filipinas, Livro IV, Título 81, pr. e § 2. Lia-se então: “O Varão menor de
quatorze anos, ou a fêmea menor de doze, não podem fazer testamento, nem
o furioso. Porém, se não tiver o furor contínuo, mas per luas, ou dilúcidos
intervalos, valerá o testamento, que fêz, estando quieto e fora do furor,
constando disso claramente; como também valerá o testamento, que antes
do furor tiver feito. E isso, que dizemos do furioso, se entenderá também no
que nasceu mentecapto, ou que veio a carecer de juízo por doença, ou
qualquer outra maneira”. § 2.0: “E se o que tem dilúcidos intervalos fizer o
seu testamento, e se duvidar se o fêz, estando em seu perfeito juízo, deve-se
considerar a qualidade da disposição e testamento; se o que nele se dispõe é
tão razoado, e

feito com tão boa ordem, como fizera um homem de são juízo, deve-se
presumir e crer, que no tempo que o fêz estava em seu perfeito juízo. E
sendo feito em outro modo, se presumirá o contrário”.

No sistema do Código Civil, a loucura é continuIdade, não há momentos de


lucidez. Nesse ponto venceu a velha e sozinha opinião de CHR.
THOMASIUs, para quem não havia, nos loucos, intermissão ou lúcidos
intervalos: leis e escritores, que outra .coisa diziam (e eram todos), erraram.
E o erro, acrescentava, vinha do Código de Justiniano, donde passou aos
povos da Europa. No seu tempo e depois, médicos e juristas, contra tal
afirmativa se insurgiram: era inquinar de estupidez o Código de Frederico,
II, 7, 2, § 2, bem como as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, § 2ª,
Bem mais tarde, na memorável oração de P. J. DE MELO FREIRE, sobre o
testamento de melancólicos, FREIRE DE MELO, seu sobrinho, sustentou
(Notas, em P.J. DE MELo FREIRE, Alegação jurídica, 15) a esporádica,
mas hoje vitoriosa opinião de CHR. THoMASIUS. Com o triunfo, perdido
ficou o esforço especulativo, perdidas as sutis regras presuntivas e as
cautelas, que estão nas obras de ZACCHIA, de SCALONA, de SAMUEL

STRIK e de tantos outros juristas. Mas, se, no sistema do Código Civil,


loucura é cont inuIdade, admite-se que deixe de haver juízo perfeito, sem
haver loucura. Não há momentos lúcidos: a vida do louco constitui, para a
lei, escuridade contínua, sem relâmpagos de consciência jurídica. Porém a
lei mesma, à continuIdade iluminada dos sãos reconhece manchas escuras.
Daí falar-se (art. 1.627, III) nos que, ao testar, não estejam em perfeito
juízo.

§ 5.672. Imperfeito juízo (III)

1.CONCEITO DE IMPERFEITO JUÍZO. Ato de extraordinária


significação como é o testamento, estatui-se que só o podem fazer os que
estão em perfeito juízo. Não só os loucos, os menores de dezesseis anos e os
surdos-mudos, que não podem manifestar a sua vontade, como também
aqueles, sãos, maiores da idade referida, que ocasionalmente não podem ser
cridos em discernimento, em inteira capacidade de deliberar. Os dois casos
típicos são a embriaguez e a ira. A embriaguez é tida como loucura
passageira, porém não é à obriedade que se refere o Código Civil, art.
1.627, III. Quanto à ira, cumpre que se examine, mais de perto, a questão.
Seria perigoso que se considerassem nulas todas as cédulas ou disposições
testamentárias feitas ab irato. Impõem-se-nos distinções, que por si mesmas
se revelam. A ira contínua de um pai, por atos reprováveis do filho,
levando-o a só lhe deixar a legítima, constitui uso da faculdade que a lei lhe
dá, e não o podemos cercear de dispor, livremente, da metade do que tem.
Valeria o mesmo que destruir, com a invocação do color insaniae, a
faculdade de apreciar por si e sem a intervenção de outrem, nos testadores,
o ato de testamento. Mas, se a ira, passageira e totalmente ofuscante da
inteligência, traduz o momentâneo de um estado de espírito, e não o
contínuo ou último querer do testador, então se patenteia aquela
circunstância que o Código Civil prevê: não se achar, ao testar, em perfeito
juízo. Transitória, sim; nem por isso, menos provada incapacidade natural.

Ao direito antigo, que estabelecia a nulidade necessária do testamento ab


irato (hoc cobre quasi non sanae mentis fuerint), sucedeu, como doutrina,
regra jurídica indutiva que podemos enunciar: se a ira ou cólera é tão
violenta que vulnera a capacidade psíquica, dá-se um dos casos de não
perfeito juízo (art. 1.627, III). Por isso, vemos julgar-se nulo o testamento
de tão iradas disposições contra a família que só se explicariam por
verdadeira insanidade de espírito (Cassação de França, 20 de fevereiro de
1876).

2.NULIDADE E ANULABILIDADE. Não se confundam com os


testamentos nulos, por não se achar em perfeito juízo o testador, os
testamentos anuláveis por sugestão, coação, ou captação. Nessas espécies,
seria erro, a respeito dos que dispuseram por engano ou temor de ameaça,
falar-se em infirmeza momentânea da mente. Se o testador testou, quando,
indignado, não estava em estado de discernir, e. g., se ele mesmo o
reconheceu em carta, ou ato que tanto valha, como voltar a residir com a
pessoa que deu causa~ à ira nulo é o testamento. Mas, tendo havido, não ato
determinado pela ira, porém abatimento de espírito, pela violência ou
captação, é anulável o testamento, conforme o sistema de invalidades, atos
nulos e atos anuláveis, que está no Código Civil. Se algumas testemunhas
depõem pelo bom juízo, e outras, pela loucura, ou pela perturbação
ocasional do testador, sem darem razões convincentes do que dizem, hão de
ser cridas, de preferência, aquelas (MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA,
Segundas Linhas sobre o Processo Civil, 571). Muito se invocou a regra *
Plus valent duo testes de sana mente, quam mille de furore deponentes (cp.
ANTÔNIO MENDES AROUCA, Allegationes luris, 262; MA NUEL
ÁLVARES PÊGAS, Tractatus de Successione, et Erectione Majoratus,
existe no sistema jurídico tal regra Exclusone, Inclusicine, IV, § 45); porém
não interpretativa.
3.PRESUNÇÃO DE JUÍZO PERFEITO. Ainda agonizante, a balbuciar, há
de presumir-se com juízo perfeito o testador. Nos velhos tratadistas é
controversa a questão. Uns, como SAMUEL STRIK (De Cautelis
testamentorum, cap. 4, ~ 36), exigiam tivessem sido articuladas as palavras,
e de modo ativo, isto é, cum bono intellectu, et memoria; ita ut ex eius
ioquella manife.stum fiat, et concludi possit testatorem sanae mentis fuisse.
Outros, menos exigentes, satisfaziam-se com o apanhar do sanus sensus das
palavras baibuciadas e do animus testa-menti faciendi.

Tudo, em verdade, se reduz a questão de fato, como bem discutiram,


firmados nos velhos julgadores e na doutrina, FRANCISCO DE CALDAS
PEREIRA (Consilia, 19, n. 18; 24, n. 3), e ANTÔNIO MENDES
AROUCA (Alie gationes luris, 260). Fica a palavra aos médicos: furore non
probato, vale o testamento. Escusado é dizer-se que se não compadece o
estado atual da ciência com as mil e uma questiúnculas sôbre o juízo
perfeito, como iactare lapides non est probatio dementiae, ou ex
melancholia non arguitur furor, aut dementia, de que se pontilham,
especulativamente, as obras de J. MASCARDO, FARINÁCIO,
FRANCISCO MANTICA e outros. Em todo o caso, retenhamos a que vem
formulada em BÁRTOLO DE SAXOFENArO, GRACIANO, JACOB
MENÓQUIO, JOSEPH RAMON e ANTÔNIO MENDES AROUCA; as
testemunhas falam do fato, sôbre que depõem, e não da capacidade do
testador, testes de iure deponentes non probant, como diz o último (26).
Hão de referir-se ao tempo em que o testador escreveu ou ditou o
testamento. Quem vai julgar, pelas circunstâncias, é o juiz: o parecer dos
médicos serve-lhe, apenas, de auxílio, como todo laudo pericial.

4.AFIRMATIVAS DO TABELIAO E FACULDADES MENTAIS. Se bem


que parecesse ao oficial e às testemunhas, ao fazer-se o testamento, ou ao se
escrever o auto de aprovação, achar-se em perfeito e pleno gozo das
faculdades mentais o testador, pode ser feita a prova da loucura (Código
Civil, art. 1.627, II) ou do imperfeito juízo (art. 1.627, III) . Notá rio não é
perito médico-legal: não poderia ter plena fé o que a respeito dissesse. Da fé
dos oficiais públicos resulta a presunção de direito que provas em contrário
podem destruir; mas a fé pública não se estende à afirmação de estados
psíquicos e não é prova a respeito da sanidade mental do testador, quando,
por exemplo, pela qualidade das próprias disposições, se mostra que não se
achava ele em seu perfeito juízo (TEIXEIRA DE FREITAS, Tratado dos
Testamentos e Sucessões, de A. J. GOUVEIA PINTO, 22). Mas, ainda que
tão sensatas, como as faria qualquer outro em estado normal, não vale, a
despeito do que disse o tabelião sôbre sanidade, o testamento do louco
(Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, ~ 1; Consolidação das Leis
Civis, art.

993, § 3.0).

A afirmativa, escrita, do tabelião, e posteriormente assegurada, de que


estava em perfeito juízo o testador, não basta para prová-lo (CHR.
TOMASIUS, FRANCISCO DE CALDAS PEREIRA, P. J. DE MELO
FREIRE). Mas tem-se por verdadeira enquanto se não prova o contrário
(ANTÔNIO MENDES AROUCA, Allegationes iuris, 262: “non probate
furore, plena fit probatio per notarium pro sana mente”). Com maioria de
razão, se concorrem, contestes, as testemunhas do testamento público ou
cerrado (82, n. 22) : “tabellionis testimonium cum testibus testamentariis,
quando alia concurrunt, multum faciunt probatione sanae mentis”. Quando
haja provas da demência, contra o dizer do tabelião e das testemunhas
instrumentárias, muito faz o dito dele a favor da cédula, sômente pode o
juiz, para ser justo, em sendo o caso,‟ decidir pela nulidade, por valerem,
na espécie concreta, mais aquelas do que essas.

A fé pública dos tabeliães é quanto ao que escrevem, relativamente ao ato


que diante deles se passou. Qualidade que depende de outra aptidão técnica,
não poderia ser por ele certificada. Dai, se, ao contrário do que se diz no
instrumento, estava louco o testador, não se pode classificar como
criminoso, só por isso, o ato notarial. Sê-lo-á, porém, e constituirá escritura
em falso, dizer o tabelião que o testador ditava, perfeito juízo, disposições
bem redigidas, coerentes, e provar-se que se achava em estado de delírio, a
pronunciar frases truncadas e sem senso.

§ 5.673. Surdos-mudos que não puderem manifestar a sua vontade (IV)


1.PRESSUPOSTOS PARA VALMADE. Se o surdo-mudo pode ler e
escrever, pode fazer testamento cerrado (Código Civil, art. 1.642). Do
testamento particular está excluído, de lege lata (não de lege ferenda),
porque a forma hológrafa requer a leitura pelo testador perante as
testemunhas (art. 1.645, III). Por não poder fazer, de viva voz, as
declarações, tira-se-lhe o testar sob forma pública (art .1.635). Tal o que
deriva de interpretação literal da lei. De modo que a incapacidade para
testar (art. 1.627, IV) é menor que a regulação do uso das formas. Haveria
capazes que, de fato, não poderiam testar. Ao falarmos dos arts. 1.635,
1.641 e 1.642, trataremos dos casos irresolvidos. Se o surdo-mudo não é
totalmente „mudo, isto é, fala com dificuldade, pode testar. É o surdo do art.
1.635, que lerá o testamento, se souber ler, ou, se não souber ler, designará
quem o leia, em seu lugar, presentes as testemunhas. Com a sua meia-voz
fará as declarações ao tabelião, que deve especificar tudo, sob pena de
responsabilidade civil e criminal. “Os que ouvem e falam com dificuldade”,
diziam as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, § 5,

“poderão fazer testamento”.

2.CONSIDERAÇÕES “DE LEGE FERENDA”. No assunto de mudez e


surdez, seria acertado que as legislações estabelecessem princípio mais
adequável às realidades: desde que possa ser suprida a falta de um dos
sentidos, comprovado, assim, o conhecimento e causa do que se lhe atribui,
pode testar o mudo ou o surdo. Ficariam as espécies à apreciação do juiz.
Suprir-se-ia, pela escrita, a mudez; a surdez, pela leitura direta; as duas, pela
escrita ou outro meio de expressão.

3.CONSEQÜÊNCIAS DA INCIDÊNCIA DA REGRA JURÍDICA. As


conseqüências das proibições do Código Civil, art. 1.627, consistem na
nulidade do ato. Pergunta-se: ~ ato posterior, em tempo de capacidade, pode
cobrir o testamento nulo? Sim, se o verdadeiro ato for o nôvo, e. g.,
revogação parcial, pelo maior, de testamento, que fizera antes dos dezesseis
anos (KONRAD COSACK, Lehrbuch, II, 706). Por outro lado, a regra da
lei pessoal pode criar situações especialíssimas. De qualquer modo, o
menor alemão não pode, mesmo no estrangeiro, testar por testamento
hológrafo (CARL CROME, System, V, 54), mas há de valer o do menor
domiciliado no Brasil, se o fêz na Alemanha, porque a lei brasileira acolhe a
lex domicilii.

§ 5.674. Ausentes

1.TESTAMENTO DE AUSENTE. O Código Civil, art.1.627, não inclui os


ausentes entre os incapazes de testar.

Censurou-se a exclusão, pelo fulminar a lei (art. 5, IV) com a incapacidade


absoluta, e a eles não se aludir quanto à incapacidade testamentária ativa.
Ora, se testamento havia, abre-se. Se testamento alhures aparece, cumpre-
se. As palavras de ULPIANO “de statu suo dubitantes vel errantes
testamentum facere non possunt, ut divus Pius rescripsit” hoje „têm
significação assaz esvaziada de conteúdo. Quem testa há de testar em algum
lugar. Testamento é notícia. Se se só tem notícia do testador e do testamento
após a morte, ~por que „se não haveria de observar o testamento que o
ausente entendeu de fazer no lugar em que estava?

2.SOLUÇÃO ACERTADA. Ainda declarada ausente em qualquer ponto do


Brasil, não fica a pessoa privada de exercer direitos no lugar em que se
acha. (Pode, até, no lugar em que esteja, casar-se, exercer cargo público,
comprar, vender, comerciar.) Com a boa doutrina, PRATES DA FONSECA
(Sucessão testamentária, 50); contra, sem razão, ITABAIANA DE
OLINEIRA (Elementos de Direito das Sucessões, 201).

§ 5.675. Pródigos

1.POSIÇÃO DA QUESTÃO NO DIREITO LUSO-BRASILEIRO. j,Podem


os pródigos testar? No regime das Ordenações Filipinas, não podia fazer
testamento o pródigo, “a que é defesa e tolhida a administração de seus
bens” (Livro IV, Título 81, § 4). JOSÉ FEREEIRA BORGES (Instituições
de Medicina Forense, 337) reputava injusta a regra jurídica, e TEIXEIRA
DE FREITAS (Consolidação das Lcis Civis, art. 993, § 3) apoiava tal
censura. Somente era incapaz, entende-se, se estava interdito. No caso
negativo, ainda que por todos fosse reputado pródigo, podia testar (A. J.
GOUVEIA PINTO, Tratado regular e prático de Testamentos e Sucessões,
6ª ed., 108).
2.DIREITO ROMANO. No direito romano equiparava-se o pródigo ao
furioso (§ 2.0, 1, quebros non est permissum testamenta facere, 2, 12; L. 18,
pr., D., qui testamenta facerc possuntet quemadmodum testamenta fiant, 28,
1), pela razão que dava ULPIANO, aludindo à mancipatia, com que, na
antiga forma de testamento, imaginàriamente se vendia a herança:

não podia vender, não podia Emancipar. Concluía-se que não podia testar
“quoniam commercio illi interdictum est et ob id familiam mancipare non
potest”. A Nov. n. 39 (de Leão), atenuou o princípio e mandou que se
apreciasse o ato do pródigo, a fim de se julgar do vício.

3.PROBLEMA DE TÉCNICA LEGISLATIVA. A capacidade do pródigo


envolve problema sutilíssimo de técnica legislativa (de lege ferenda). a)
Nas pegadas do Preussisches Alígemeines Landrecht, 1, 12, §§ 27 s., e do
Código albertino (arts. 701, 7.04) e do modenês (art. 687), o Código Civil
austríaco (§ 568) permitiu que a pessoa tida como pródigo pudesse testar
sôbre a metade, abrindo-se, necessàriamente, quanto à outra, a sucessão
legítima. b) O

Código Civil de Zurique, § 994, permitiu-lhe testar, porém com a aprovação


da autoridade tutelar. Expediente, esse, que repugna, evidentemente, ao ato
personalíssimo, intimo, do testamento. e) A terceira solução é a do testar
incondicionado, que é a do direito brasileiro e de outros sistemas jurídicos.
Mas intervém consideração bebida nas realidades: os atos de desperdício
podem ser um dos indícios para a prova do imperfeito juízo, da loucura.

A solução da incapacidade estava nas Ordenações Filipinas, Livro IV,


Título 81, § 4.

Examinando o direito anterior, dissemos em 1916 (Direito de Família, §


202, nota 53) ter sido violência iníqua, que o Código Civil aboliu, pois o
art. 1.627, que enumera os incapazes de testar, não incluiu o pródigo. É
verdade que o inciso III do art. 1.627 considera incapazes “os que, ao testar,
não estejam em seu perfeito juízo”, mas é preciso advertir-se que oCódigo
Civil, embora, cientificamente, prodigalidade seja anormalidade psíquica,
não na tem como tal; e, para evitar gradações na incapacidade do pródigo,
circunscreveu a cura-dona, deixando ao interdito a suficiente aptidão
jurídica para exercer os atos que não lhe foram proibidos. Pode acontecer
que haja a interdição por prodigalidade, e venham a requerer a nulidade do
testamento por se achar o testador entre as pessoas de que trata o art. 1.627,
II e III. Outra questão. Isso é possível, como seria a respeito de quaisquer
indivíduos, ainda os que não fossem pródigos, nem interditos por
prodigalidade. Os loucos e os fora do juízo perfeito, a que se refere o art.

1.627, II e III, não precisam estar interditos, para que se lhes ataque o
testamento. A interdição dos loucos apenas lhes declara o estado: nada
mais. Antes dela, se havia loucura~ nulos são os atos.

Se a prodigalidade é mais loucura do que simples degeneração ou resultado


de convivências, ao argüido de dissipar seus bens deve dar-se, não o
curador para o patrimônio, porém a curatela dos loucos (já em nosso Direito
de Família, 1~a edição, § 196).

§ 5.676. Silvícola

1.PROBLEMA DE TÉCNICA LEGISLATIVA. Sociologicamente, a


incapacidade por deficiência de idade é simétrica à dos selvagens incultos,
de que o Código Civil não cogitou na incapacidade para testar. No art. 6, IV,
os silvícolas foram incluídos entre os relativamente incapazes: ficam
sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis, e em regulamentos especiais
(art. 6, parágrafo único). À medida que se forem adaptando à civilização do
país, cessa esse regime. Ora, se o silvícola comparece e fala em língua
nacional ao tabelião, pede testar por testamento público.

Se escreve o testamento, ou, escrito a rogo, o assina, e o leva, em presença,


pelo menos, de cinco testemunhas, a oficial público que o aprove vale esse
testamento cerrado. Com maioria de razão, se o escreve todo e o assina,
com as mais formalidades do testamento hológrafo. Donde se tira o
principio: o exercício da testamentificação pelo silvícola prova, por si, o
estado em que se achava de suficiência social. Se testou, era capaz.

§ 5.677. FALIDO
2. PRECISÕES. Os silvícolas estão sob a tutela do Estado, à medida em
que se adaptam à civilização. Se os bens pertencem ao silvícola, e deles
podem dispor em vida, deles podem dispor testamentàriamente (cf. Tomo 1,
§ 62, 4; IV, § 384, 1, onde há a classificação técnica).

§ 5.677. Falido e “factio testamenti”

1.CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA ATIVA. Pode testar o falido, no que


não constitua disposição dos bens compreendidos na falência. Isso não quer
dizer que ele sofra limitação sua capacidade testamentária: o objeto, sujeito
à execução falencial, é que escapa aos efeitos da disposição, como escaparia
o dinheiro entregue a repartição pública em fiança e destinado ao reembolso
do alcance. Trata-se de ineficácia relativa da testamentificação.

2.ALIENABILIDADE. A pessoa falida, ou pessoa contra a qual se abriu


concurso de credores ou liquidação forçada, somente pode testar no tocante
aos bens que, no momento da morte, seriam alienáveis por ela entre vivos.

Apenas se tem de atender a limitações objetivas. A instituição de herdeiro


ou de legatário rege-se pelos respectivos princípios.

§ 5.678. Evolução técnica da regra de validade intertemporal

1.INCAPACIDADE SUPERVENIENTE. Diz o Código Civil, art. 1.628: “A


incapacidade superveniente não invalida o testamento eficaz, nem o
testamento de incapaz se valida com a superveniência da capacidade”.
Feitas num momento A, as disposições de última vontade devem, por
definição, reger o‟ futuro. Ainda mais do que os atos entre vivos, porque só
se destinam a isso, a partir da morte. No meio tempo entre a feitura e o
óbito podem mudar os dados e as circunstâncias concernentes ao sujeito e
às leis. A regra jurídica do art. 1.628 concerne às mudanças subjetivas, que
influam na capacidade de testar. Na capacidade de fazer testamento, e não
na capacidade de direito, porque a essa, sobrevindo, não se teria de aplicar o
art. 1.628; a regra jurídica somente tem por fito o interesse do sujeito, e a
mudança na capacidade de direito apagaria o próprio sujeito. O que a regra
jurídica estatui é que só se exija a capacidade de testar no momento da
feitura. Não importa que, por alterações subjetivas, diminua, ou se apague.
Já vimos que também a lei, se muda (mudança objetiva), nenhum efeito
terá. Porém tudo isso só se conseguiu aos poucos. Houve evidente evolução
técnica.

2.DIREITO ROMANO. A capitis deminutio, posterior ao testamento,


tornava-o irrurn, segundo o direito civil, ainda que, depois, o testador
recuperasse a capacidade. Exatamente como sucederia àquele a quem
nascesse um filho e depois lhe morresse: o testamentum ruptum não voltava
à vida. Era a exigência da continuidade do ente capaz: os pressupostos
subjetivos tinham de ser sem interrupção, até à morte. O testamento não era
simples declaração de vontade, o último querer validamente expresso, mas o
querer permanente, que pudesse ser validamente expresso desde a feitura
até os últimos momentos. O direito pretoriano exigiu a capacidade no
momento de testar, em que o testador pratica o ato testamentário, e no
momento da morte, em que vai dar-se o contacto com o meio ambiente,
derivado da delação. Mas e aqui o punctum saliens esse contacto não é
entre testador e ato. É entre o ato, perfeito desde o tempo em que se fêz o
testamento, e os que adquiriram os bens. A morte não é um contacto entre o
testador e os sucessores. É corte.

3. DIREITO MODERNO. O direito moderno, firmando a regra jurídica que


está no Código Civil, no art. 1.628, procede como se raciocinasse da
maneira~ que dissemos: vale como declaração de vontade a última
declaração de vontade, validamente feita. O testamento ato jurídico perfeito
passa a ter, ainda uma vez, conseqüências lógicas de grande alcance prático.
AGOSTINHO BARBOSA, ÁLVARO VALASCO e P. J. DE MELO
FREIRE, sem formularem o princípio, aplicavam-no, recusando a lição
romana. M. A. COELHO DA ROCHA (Instituições de Direito Civil
português, § 676) foi mais explícito. A capacidade, ao tempo da feitura,
como pressuposto necessario e suficiente, vem-nos desse tempo, se bem
que não formulada a regra jurídica, que o anterior Código Civil italiano, art.
763, última alínea, inserira de modo claro (cf. Código Civil espanhol, art.
666; uruguaio, art. 832; venezuelano, art. 827; argentino, art. 3.611; chileno,
art. 1.006; durante a elaboração do Código Civil brasileiro, art. 1.628,
eliminou-se o art. 1.632 do Projeto primitivo, que dizia: “O filho-famílias,
com capacidade testamentária, só não pode dispor dos bens profectícios”).
4.NATUREZA DA REGRA JURÍDICA. O princípio geral é o de regular-se
a sucessão pela lei vigente ao tempo da morte. O art. 1.628 do Código Civil
não constitui exceção a esse princípio. Mas, em direito intertemporal, há
regra jurídica que lhe corresponde: a capacidade atende à lei do momento
em que se testou, em vez de regular-se pela do óbito. Em vez de
acompanhar a lei da herança, regula-se pela mesma consideração de
contemporaneidade do ato e da aptidão, que domina o direito intertemporal
da capacidade negocial (FRIEDRICH AFFOLTER, System des Deutschen
Biirgerlichen tibergangsrechts, 204). Trata-se, pois, não de exceção
propriamente, mas de outro princípio. A regra jurídica do art. 1.628 incide e
a superveniência da incapacidade é devida ao testador (enlouqueceu,
tornou-se surdo-mudo sem poder manifestar o que quer). A regra do direito
intertemporal incide se a superveniência da incapacidade deriva de lei nova,
que torne incapaz o que, ao testar, não no era. Mas, aqui, em virtude do
direito inter-temporal, e não do art. 1.628, relativo a mudanças no sujeito, e
não no direito. Diga-se o mesmo quanto à superveniência da capacidade,
subjetiva ou legalmente operada.

5.PARTICULARIDADE DO CÓDIGO CIVIL ALEMÃO. Algumas


legislações mantêm a incapacidade testamentária do pródigo, inclusive o
Código Civil alemão, § 2.229, alínea 3ª, onde se diz que a incapacidade
começa com a apresentação do pedido. Mas pode ser revogado o testamento
que se fêz antes da interdição (§ 2.253).

É da essência do testamento a livre revogabilidade. Para revogar


disposições de última vontade, pressupõe-se a capacidade de testar (Motive,
V, 297). ~,Por que, então, aos fracos de espírito, aos pródigos, aos ébrios,
criou o Código Civil alemão, § 2.253, a alínea 2ª, introduzido pelo
Bundesrat, como algo de extravagante no campo do direito? ~,Por se
presumir malfeita a disposição anterior e, diante do movimento do interdito,
parecer conveniente respeitar o intuito revogatório? ~Constituiu resquício
de favor à sucessão legitima? Interpretando-se a lei, conclui-se que a
revogação pelo interdito pode ser total ou parcial, sendo admitidas as
revogações de quaisquer cláusulas positivas. A capacidade é limitação à
desconstituição; revogações, de conteúdo positivo, não seriam possíveis.
Parece-nos reminiscência daquelas regras que atribuíam ao pródigo plena
capacidade para adquirir e nenhuma para dispor. De qualquer modo, há
grave questão no direito do Código Civil alemão: se o pródigo revoga um
testamento, havendo mais de um, Óptica em vigor o antecedente?
Indiretamente, é caso de disposição positiva pelo interdito. A solução é
afirmativa (F. ENDEMANN, Lehrfruch, III, 275). Outra: ,~ pode revogar o
interdito a revogação? Não, dizem KONRAD COSACK (Lehrbuch, II, §
386, 1, b) e F. RITGEN, (Birgerliches Gesetzbuch, 475). Sim, insiste F.
ENDEMANN, que reputa revogar a revogação espécie semelhante à
anterior. Do contrário, a lei diria que só uma vez poderia usar a revogação.
Com ele, EMIL STROHAL (Das deutsche Erbrecht, § 42, 3).Com os
outros, KÚNTZEL (Beitrilge zur Erldutemtng des Deutschen Rechts, 41,
598 s.) e K. RICHARD (Einfluss der Entmundigung auf die
Testierfãhigkeit, 21).

CAPÍTULO IV

NEGÓCIO JURÍDICO DO TESTAMENTO,

VALIDADE E EFICÁCIA

§ 5.679. Negócio jurídico do testamento

1.CLASSIFICAÇÃO DO FATO JURÍDICO DO TESTAMENTO.

O testamento é ato jurídico; mais precisamente: negócio jurídico unilateral.


Como tal, sujeito aos princípios gerais.

2.VALIDADE E INVALIDADE. O testamento pode ser nulo ou anulável.


A validade do ato jurídico requer agente capaz, objeta licita e forma
prescrita ou defesa em lei (Código Civil, art. 82).

a) É nulo o testamento: se foi feito por pessoa incapaz de testar; se for


ilícito, ou impossível, o seu objeto; se não revestir a forma prescrita em lei;
se for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua
validade; se a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito (art. 145,
I-V). Podem alegar tais nulidades qualquer interessado e o Curador de
Testamentos, pois que lhe cabe intervir no cumprimento das disposições de
última vontade (art. 146). Devem ser decretadas pelo juiz, quando conhecer
dos atos ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo
permitido supri-las, ainda que a requerimento dos interessados (art. 146,
parágrafo único). Portanto, se o juiz as encontra provadas (a fortiori,
evidentes do próprio teor do testamento), não é preciso propor-se a ação.

As nulidades derivadas de forma podem, como as outras, ser de direito civil


(teoria geral, parte geral) e de direita acessório, isto é, específicas; porque,
antes de ser de direito de sucessões o testamento, é ato jurídico, mais
precisamente negócio jurídico unilateral. Por isso, submete-se às regras
jurídicas gerais. Mas esse antes não quer dizer que se tenha de considerar
imperfeito (erradamente, C. F. A. KÓEPPEN, Lehrbuch des h.eutigen
romischen Erbrechts, 420) : feito, o testamento é ato perfeito e acabado (F.
ENDEMANN, Lekrbuch des Búrgertichen Rechts, III, 506). A morte, de
que dependem os efeitos, é fato seguro: virá. Com a vontade dos
beneficiados nada tem que ver. Quiçá, com a morte deles: pode caducar a
disposição, porém não o testamento.

Se a disposição viola a lei, é nula. Ai, é essencial distinguirem-se das regras


jurídicas cogentes, as regras jurídicas para a ausência de disposição e as
regras jurídicas interpretativas (não-cogentes). Como adiante se dirá, o juiz
tem de interpretar, de modo a preferir a própria solução que reconheça
eficácia à verba testamentária (Código Civil, art.

1.666). À diferença do que se passa em relação aos outros atos jurídicos, a


interpretação parte de presunção da validade pelo art. 1.666, porém tal
presunção não é absoluta.

Ilicitude do objeto quer dizer: ilicitude do móvel, do fim, do conteúdo da


disposição de última vontade (F.

ENDEMANN, Lehrbuch des Birgerlichen Rechts, III, 513). Mas, ainda aí,
a apreciação é in concreto. O homem casado, rico, que praticou estudos
sobre a prostituIção, pode se essa era a conclusão científica ou moral dos
seus estudos deixar a sua fortuna para a higiene das prostitutas. O fim
piedoso e o intuito de concorrer para a ciência exercem, em tais casos,
influência enobrecedora do objeto abstratamente ilícito. Outro dispôs:

“deixo tantos milhões a cada uma das mulheres com quem, antes de casar,
vivi”. Nada obsta a que se legitimem as pretendentes; as provas são as das
relações sexuais anteriores ao casamento (e. g., cartas, bilhetes, pagamento
de aluguer de apartamento). A própria religião cristã santificou antigos
pecadores.

3.MAIORES DE DEZESSEIS ANOS, INCAPAZES. O testador pode ser


maior de dezesseis anos, são de espírito, testar em seu perfeito juízo, não
ser surdo-mudo, usar de uma das formas testamentárias que a lei permite, e,
não obstante, poder ser anulado o seu testamento. Não se trata da nulidade
por incapacidade de testar (Código Civil, arts.

1.627 e 145, 1), nem da nulidade por preterição de forma ou solenidade que
a lei considera essencial para a sua validade (arts. 1.629, 1.631 e 145, III e
IV), mas da anulabilidade, que resulte de erro substancial (art. 85), de dolo
(art. 92), ou de coação (artigo 98), ou de simulação (art. 102).

4.ANULABILIDADE. É anulável o testamento por vício resultante de: a)


erro; b) dolo; c) coação; d) simulação; e) fraude (art. 146, II). Raríssimo,
nos dois últimos casos. Têm de ser propostas as ações, mas, aqui, cumpre
atender-se à contingência da primária e predominante importância da
interpretação. O que é principal é saber-se o que o testador quis. A função
do juiz consiste em buscar essa verdade subjetiva. Isso lhe dá poder de
pronunciar-se, implícita ou explicitamente, sobre a vontade do testador,
ressalvando, se se argúi, a ação de nulidade ou de anulação. No caso do art.
146, parágrafo único, há situação parecida (se bem que em sentido
contrário) : o juiz pode pronunciar as nulidades que encontre provadas,
mas, se não as encontra provadas e elas existem, o meio para os
interessados conseguirem a decretação é a ação de nulidade, se bem que,
com isso, as espécies não se tornem simples anulabilidades.

Se são muitas as disposições do testamento, e só uma anulada por coação,


por erro, ou dolo, ou simulação, ou fraude, as outras valem. Mas, se foi o
testamento mesmo, o todo, que se obteve por dolo, coação, ou simulação, ou
fraude, então todo ele é anulável e, anulado, nada vale (A. ENCHER, Das
Erbrecht, Kommentar, III, 28).

§ 5.680. Erro nas disposições testamentárias

1.CONCEITO DE ERRO E TESTAMENTO. A palavra erro envolve fatos


distintos: erro impróprio (F. VON

SAVIGNY). que concerne a vontade; erro próprio, que recai no conteúdo


da declaração e, em conseqüência, torna viciada a declaração; erro
irrelevante, que supõe desatenção, pouco exame, e na” atinge a validade do
ato. O

primeiro obsta ao querer, e daí a terminologia de C. LAROMBIÊRE:


“erreur obstacle”. O ato, pelo fato obstativo, não se compõe. É empecilho à
existência. Bem diferente do segundo, que torna defeituoso o ato. O terceiro
deixa incólume a manifestação de vontade: mera vigilância do foro interno
do declarante. O sistema jurídico exige maiores precisões (cf. Tomo IV, §§
430-437, 382, 383, 401, 3, e 412, 1).

Exemplos de erro, que exclui, e de erro que não exclui a manifestação de


vontade, razão por que se há de proceder à verificação e classificar-se o
erro: testar, crendo vender; deixar legado a filho, e não ser, esse, filho, e
poder-se provar; legar alguém uma casa que se lhe doou, e apurar-se não se
ter doado ao testador, mas a outrem; legar uma fazenda, crendo legar outra;
deixar a herança aos três filhos de A, e serem quatro. O erro, que exclui o
querer, ou a declaração em si, não constitui fundamento para a
anulabilidade. É um to be or not to be. Às vezes, há erro impróprio, mas,
nem por isso, deixou de haver vontade expressa. O erro pode ser
irrelevante; então, cumpre ao juiz do testamento procurar a interpretação
que, sem absurdo, salve a proposição testamentária: buscar a vontade
verdadeira do testador, a intenção dominante. Exemplo: quis referir-se aos
“três” filhos de A, com quem conviveu, ou a todos os filhos do casal A, se
bem que, ao escrever, só se referisse aos três da época do testamento, os que
com ele mais conviviam, ali, só aos três aproveita o testamento; aqui, só se
pode entender que a expressão “três” foi acidental, lapso. Entre dar ao erro
significação obstativa e classificá-lo como obscuridade, deve preferir-se
isso, que explicita, em vez de invalidar a disposição de vontade. É preciso
que não haja qualquer correspondência entre a vontade interna e a
manifestação externa para que se trate de erro-obstáculo. Se não há
qualquer correspondência, não é de mister a ação de anulação das
disposições testamentárias: o juiz, interpretando o testamento, declara a
inexistência de vontade manifestada. Não se trata de conteúdo da vontade,
ou erro, vício da declaração, mas de erro que incide na própria expressão da
vontade. Nos testamentos, os equívocos nas palavras empregadas, ou por
ignorância da língua, ou por qualquer outra razão, devem ser reduzidos a
questões de exegese. Bem assim, o lapsus linguae e o lapsus calami.

O erro que influi na manifestação da vontade nem sempre (e raro) invalida


a disposição testamentária. O que o fere, sempre, é o erro que influi na
determinação do querer. Nos da primeira espécie, se e possível restaurar a
vontade do testador, cabe ao juiz fazê-lo. Vale a máxima Falsa demonstrado
nonocet, de que oportunamente se vai tratar. Se falha qualquer propósito de
se reconstruir o pensamento, então a disposição testamentária se considera
riscada, nenhuma, e não simplesmente anulável por erro.

Se o testador, erradamente, lega a B a casa da rua Áurea, crendo que foi B


quem o salvou do mar, ou que conheceu em Poços de Caídas, errou
propriamente: não é a expressão da vontade, mas o conteúdo dela, que
falhou.

No Código Civil brasileiro, não se distinguem os erros obstáculos (ou


impróprios de F. VON SAVIGNY) e os p róprios, os que obstem e os que
viciem a vontade, e pertence à classe das codificações que, passando sobre a
distinção, se afastam da doutrina savigniana, como o Código Civil chileno,
art. 1.453, o argentino, arts. 1.044, 1.045, o Código suíço das Obrigações,
de 1911 (arts. 23-27; de 1881, arts. 19 s.) e o Código Civil alemão (§§ 119 e
120).

Nos testamentos, o texto já está sob os olhos do juiz para a aplicação, para o
cumprimento, de proposição a proposição, minuciosamente: no distinguir o
erro e a dificuldade de inteligência, o juiz tem de pronunciar-se.

Pronunciando-se, decide. Dirá se há erro impróprio, excludente, ou erro


impróprio, interpretável, ou o que será possível matéria dependente de
maior indagação, por ser evidentemente de erro próprio que se disputa.

Se o erro concerne à natureza do ato jurídico do testamento, de modo que


não seja testamento o que se fêz, não há ato jurídico que possa ser tido
como disposição de última vontade. É juridicamente inexistente: faltam-lhe,
forçosamente, algumas das solenidades essenciais, o que permite ao juiz
não no cumprir e logo o declarar no despacho. Mas esse erro pode ser de tal
ordem que não fira, na essência, o ato, que não o torne visIvelmente
nenhum. Ser substancial,sim, e dele emanar a declaração de vontade, porém
depender de maior exame, de indagação. então, na esteira dos sistemas
jurídicos chileno, argentino, uruguaio, colombiano, suíço e alemão, há de
ser tido como Vicente do consentimento, anulatório, e não excludente. O
erro sobre o nomeu iuris só seria causa de anulabilidade se o testador,
fazendo o escrito público ou particular, não fêz, na verdade, testamento. O
que importa é a conseqüência jurídica. Se o erro recai no objeto

e. g., o testador tem filhos e, sabendo ter tirado sorte grande, lega valor de
prêmio a um afilhado e deixa aos filhos a sua fortuna, mas foi falsa a notícia
do bilhete de loteria ainda que o legado não diga ser do prêmio, se houve
erro quanto ao objeto, é anulável a disposição de última vontade.

O erro na designação das pessoas e das coisas, se não se errou quanto às


pessoas e às coisas, não torna anulável a disposição de última vontade. Se,
na designação, não se estabeleceu a identidade física do objeto, ou a sua
natureza abstrata, nem, tão-pouco, se lhe fêz a individuação, e só se lhe deu
a categoria, qualquer objeto, que entre na classe, pode servir a cumprir-se a
disposição ou cláusula testamentária, não devendo ser o melhor (salvo
acôrdo dos outros interessados), nem. o pior (salvo escolha ou aquiescência
do legatário). Todavia, casos há em que elementos do testamento, ou
circunstâncias da vida do testador, ou de legatário, mostram tratar-se de
subespécie.
Quanto ao erro sôbre a quantidade, pode ser, ou não, essencial. Legar os três
prédios da rua R, de dois andares, se só de um é dono, nada importa. Legar
x alqueires que possui em Campos se não são x, mas x-{-y ou ~y, ,que
poderia viciar? Nesses casos, a interpretação da verba passa à frente da
questão dos defeitos do ato jurídico. É da natureza do negócio jurídico
unilateral mais tocar à interpretação do que apreciação dos fatos toda
solução sôbre discrepância de expressão. Ato unilateral, de última vontade,
só se anula, por erro, a disposição testamentária, quando fracassa a
interpretação.

Qualquer qualidade ou atributo, que o testador eleve a categoria de motivo


determinante do negócio jurídico, é essencial. O pensamento do declarante
faz ou desfaz a essencialidade das qualidades. É, pois, em relação a esse
pensamento que se há de apreciar o erro sôbre a qualidade. A regra é que as
coisas têm as qualidades essenciais que, normalmente, as caracterizam. A
vontade pode mudá-las; mas só a intervenção da vontade as muda. As
qualidades essenciais da pessoa são fundamentais em certas instituições e
legados.

É possível erro sôbre o objeto, fora dos legados, e. g., se o testador dá


instruções para a partilha.

O erro do testador não obriga a reparação (cp. Código Civil alemão, §


2.078, III). Pode ter efeitos de minoração do legado, de restituição do
indevido e outros. Mas o testador, errando, não se obrigou a ressarcir o
dano.

2.RESTAURAÇÃO DA VERBA TESTAMENTÁRIA. É da natureza do


negócio jurídico unilateral de última vontade ser mais fácil a restauração da
verba testamentária em que houve erro do que o seria no ato entre vivos
(ANDREAS VON TUHR, Der Alígemeine Teil, II, 601). Trata-se de
interpretação que só atende ao ponto de vista individual do testador: não se
tendo outra vontade, a que atender, o erro dificilmente encobre a vontade,
dificilmente terá sido de natureza a exclui-la. Procura-se a direção em que
quis, o que, em verdade, quis, No ato entre vivos, será preciso (de
ordinário) o consensus: se um quis a A e outro a B, nada se fêz. No
testamento, não: se o testador fala em A, mas referia-se, em verdade, a B,
vale o legado como, afastada a má expressão, ele, realmente, quis. Donde:
só se pronuncia a anulação por erro, quando a restauração não faria a
vontade manifestada corresponder à verdadeira vontade do testador. O
assunto implica a interpretação do testamento (art. 1.666), de que não cabe,
nesse lugar, tratar-se.

3.ERRO NO TESTAMENTO. Para os erros nas disposições de última


vontade, ocorre: a) a necessária e suficiente causalidade subjetiva do erro;
b) a corrigibilidade do erro de fato ou de direito, mais fàcilmente do que se
daria nos atos entre vivos. Para isso, a interpretação tem de desenvolver-se
do lado do testador, sem qualquer consideração de boa fé do beneficiado ou
de recepção da vontade; c) às qualidades essenciais da pessoa ou da coisa só
se atendem subjetivamente, isto é, só se vêem do lado do sujeito que testou.

O que importa é a verdadeira vontade do testador: pode errar na linguagem,


nos efeitos jurídicos: será cumprido o que ele quis. Desde que se possa
revelar o querer do disponente, tudo se recompõe e observa. A vontade do
testador é o que mais deve merecer: nela está o principal objeto da pesquisa.
Se ocorre que foi alegada a anulabilidade, negada essa, intervém a
interpretação, mas tal seguimento não é necessário: a interpretação é
positiva, ao passo que negativa a anulabilidade. Se o juiz o interpretou,
prevalece a situação positiva, até que se anule, pelo meio próprio, o
testamento, ou a disposição de última vontade.

Discute-se se pode determinar a anulabilidade da disposição testamentária o


erro essencial de direito, máxime sobre a causa. A doutrina imediata foi no
sentido de não ter cogitado o Código Civil do erro de direito, porque (dizia-
se) só o erro de fato pode influir na eficácia da vontade: “o erro de direito
poderá referir-se à capacidade do agente, à proibição do ato, ou à sua forma;
não à essência mesma dele, ao seu conteúdo” (CLÓVIS BEVILÁQUA,
Código Civil comentado, 1, 354). Certo, se sobre a capacidade do agente,
nulo está o ato, e não anulável por erro (art. 145, 1). Se proibido o ato
também há nulidade (art. 145, II), e não anulabilidade. Se o erro consiste
em violação da forma prescrita em lei, quando a lei exija a observância do
que estabeleceu, ou tenha por essencial à validade algum requisito (art. 145,
III e IV), há nulidade, e não anulabilidade por erro. Resta saber-se se os
casos mencionados pelo autor do Projeto esgotam os erros de direito.
Doutrinariamente, o Código Civil francês, arts. 1.109 e 1.110, não
distinguiu, o nemini ins ignorare licet não vai até os extremos de tornar
impossível o erro de direito. Assim D‟AGUESSEAU, L. LAROMBIÊRE,
F. LAURENT, AUBRY e RAU, MARCEL PLANIOL, CARL CROME, O.

BEUDANT. O que se colima, na lei, sem se distinguir, é proteger a boa fé


nos atos humanos. A regra Nemo censetur ignorare legem não poderia
invadir tais domínios. O velho Código Civil italiano, art. 1.109, admitiu,
expressamente, que o erro de direito produzisse nulidade do contrato
“quando ele é causa única e principal”. Aliás, a distinção não é fácil. Erro
de direito é o que concerne à norma jurídica. erro de fato, o que recai nos
fatos ou nos pressupostos exigidos para a incidência de uma regra jurídica.
~ A falsa interpretação de uma lei é erro de fato? A certos fatos
correspondem certas relações jurídicas:

se o erro recai nesses fatos, é de fato; se são conhecidos os fatos, e o que se


ignora é a eficácia que a lei lhes atribui, é de direito o erro. O erro de direito
consiste, pois, na ignorância ou mau informe de uma regra de direito, ou na
falsa interpretação ou inexata interpretação de uma lei.

O error iuris não é erro invalidante, no direito brasileiro. A regra jurídica,


se tinha de incidir, incide.

§ 5.681. Reserva mental


1.REGRA JURÍDICA A RESPEITO DE RESERVA MENTAL. Estatui o §
116 do Código Civil alemão: “Pelo só fato de ter feito o declarante a
restrição mental de não querer o que declarava, não é nula a declaração de
vontade. É

nula a declaração se é feita a alguém (einem Anderen) que conheça a


restrição”. O Código Civil brasileiro não possui regra jurídica escrita que
corresponda ao § 116, nem outra com o conteúdo do § 118 do Código Civil
alemão:

“É nula a declaração de vontade não seriamente opinada, que foi feita com
a esperança de que se lhe não denegasse a falta de seriedade”. No primeiro
caso estão o dizer-se, sem se querer o que se diz, a pilhéria má, ou a
malévola disposição, que quase se equivalem. No segundo, o gracejo. Foi
omisso o Código Civil brasileiro, mas as regras jurídicas correspondentes à
do § 116 e à do § 118, existem, não-escritas, no sistema jurídico brasileiro, e
repousam no interesse público, na necessidade de segurança das relações da
vida. Por isso, vale a manifestação de vontade, ainda que tenha havido a
reserva mental, e não pode valer o testamento hológrafo, feito em dia de
festa, sem qualquer intuito de que o juiz o cumprisse após a morte do
testador. Não houve ato jurídico. (O § 116 do Código Civil alemão não
importou, como se procurou sustentar, a aceitação de teoria da declaração, a
Erkldrungstheorie; se a tivesse adotado, o § 116 não seria de mister (F.
HERZFELDER, 3‟. v. Saudingers Kommentar, 445). Sôbre reserva mental,
Tomos 1, § 35, 3, 4; II, § 245, 2; III, §§ 252, 3; 326, 2; 315, 1; IV, §§ 412, 5;
464, 1; 481; VI, § 658, 5.

A pilhéria má, com o intuito de que outrem creia, não invalida o testamento,
nem a disposição. Assim, se o testador deixou legado, por pilhéria, a B, vale
o legado; porque ele quis enganar, seduzir, e o direito não pode permitir que
se brinque com as relações jurídicas. Mas, se falta o intuito de enganar, de
maldade astuciosa, como o de angariar simpatias, e não passou de gracejo,
não há declaração de vontade.
2.CLÁUSULA EM QUE HOUVE RESERVA MENTAL. A cláusula em
que houve reserva mental pode ser anulável por outro motivo (e.g., dolo,
ameaças, coações; Código Civil, art. 147, II). Assim, JOSEF KOHLER

(Lehrbuch des bisrgerlichen Rechts, 1, 487) e E. RIEZLER (J. v.


Staudingers Komrnentar, 1, 445). No direito alemão, vale a reserva, se
aquele, com quem se tratou, sabia que a fizera o declarante (§ 116,

2 a alínea). Mas isso

só se reporta às declarações dependentes de recepção (empfangsbediirftige


Willenserklãrung). Salvo nos casamentos, pois do instituto do casamento
não se pode abusar, nem com ele brincar (Motive, IV, 65). No contrato
hereditário, que o Código alemão admite, cabe invocar-se todo o § 116; nos
testamentos, só a alínea 1~a~ Portanto, qualquer que tenha sido a reserva
mental, válido é o testamento (FR. HELLMANN, Vortrãge, 87; E.

MEISCHEIDER, Die letzwilligen Ver fiigungen, 84).

3.CONCEITO DE RESERVA MENTAL E DADOS SOBRE ELA. Alguns


juristas atribuem ao direito canônico o conceito da reserva mental; mas
outros, como ANTON GRAF VON PESTALOZZA, consideraram erro.
Foram os moralistas que a estabeleceram, ligada ao princípio udo uientirás
(cf. Tomo IV, § 481, 1). Naturalmente, para os casos de necessitas e quando
grave imminet discrimen, tratavam os moralistas das restrictiones quas
mentales dicunt. Neles, muito se encontra sôbre o materialiter verbis uti, a
distinção entre scientia communicabilis e scientia incommunicabilis,
aequivocatio e restrictio mentalis, e as escalas, como a de SANCHEZ
(Opus morale in praecepta decalogi, 1723, 1, 1. III, 4, n. 15).

Há quem tenha como restrição mental a mais inofensiva (ANTON GRAF


VON PESTALOZZA, Der Begriff der Mentalreservation, 3) a troca de uma
palavra por outra, a anfibologia; mas seria engano considerar reserva mental
a troca de palavras: trata-se de equivocação, que o juiz desfará,
interpretando a verba testamentária, como se dá, vulgarmente, com as
palavras usufruto e fideicomisso, usufruto e inalienabilidade.
§ 5.682. “Falsa demonstratio”, lapsos e erros de redação

1.FALSA DEMONSTRAÇÃO. Aplica-se em matéria de testamentos a


regra Falsa demonstratio non nocet. É

corolário do Código Civil, art. 85, onde se veda a interpretação literal com
prejuízo do verdadeiro sentido da vontade manifestada (ERICH DANz, Die
Auslegung der RechtsgescMf te, 235). Não se devem levar em conta
descuidos, lapsos, ou palavras, cujo sentido usual é diferente, quando as
circunstâncias mais claramente falem que as partes desagregadas do
contexto. Diz E. HÓLDER (Kommentar, 17): “O que, ao falar ou escrever,
se equivoca, declara, em vez do escrito ou falado, outra coisa, sempre que
aquelas palavras, pelo contexto do discurso, adquirem outro sentido”. O
essencial, assim em testamentos, como em negócios jurídicos de
intercâmbio, não são os meios, de que se serve o declarante, mas o que se
há de entender com os sinais de que usou. Quer dizer: o sentido real,
efetivo, da declaração (ERIcH DANZ, Die Auslegung der RechtsgescMf te,
145). Para fixar-se tal sentido real dos testamentos, pode-se recorrer a
circunstâncias alheias à declaração, manifestações ocasionais do declarante,
utilizando-se delas para completar o incompleto, corrigir o equivoco, e
determinar o sentido de expressões poucos frequentes ou empregadas em
acepção esporádica (EMIL STROHAL, Das deutsche Frbrecht, 1, 133; F.
RITGEN, em G. PLANCK, R‟iirgeriiclzes Gesetzbuch, V, 337, 338; ERIcH
DANz, Die Auslegung der Rechtsgeschdfte, § 31, 4).

2.ERROS DE FÁCIL EMENDA. Não são óbices errôneos de fácil emenda:


Almeida, em vez de Almada; E em vez de A, quando foi A, e não E, que
prestou o serviço ao parente ou ao próprio testador. “Deixo trinta contos ao
meu médico Manuel Alves, a cujos carinhos sou reconhecido”. Se o médico
se chama Manuel Ramos, e não Alves, há de se entender o que deve ser, e
não o que está na letra da verba testamentária. As circunstâncias dizem o
que é de mister; e, se é a intenção manifestada pelo testador, e não o sentido
literal que se pesquisa, acertado é que se observe o que elas disseram. Nos
próprios testamentos hológrafos, as erratas não os viciam (ERIOR UANZ,
Die Ausiegung der Rechtsgeschitf te, § 31, 4; sentença do Supremo Tribunal
alemão de 6 de dezembro de 1906).
No caso da falsa demonstratio não se dá erro; porque, se bem que falsa a
indicação, “as palavras do declarante se interpretam no sentido que
correspondem à sua vontade interna; sômente se tem por declarar o que
corresponde à sua vontade interna, só essa declaração existe, e só ela vale,
pois que se formulou com a forma exigida” (ERIcH

DANz, Die Auslegung der Rechtsgeschdf te, a ed., 235 s.). Se o testador
deixa ao seu sobrinho, “o ilustre pianista 2~

A”, a quantia de trezentos mil cruzeiros novos, pois que “muito me honra
em ver o seu nome exaltado”, mas o sobrinho não se chama A, e sim B,
ainda que A também toque piano, o chamado a suceder,
testamentàriamente, não é A, e sim, por via de interpretação, B.

§ 5.683. Dolo

1.CONCEITO E SANÇÃO. As negociações, os artifícios, os gabos, os


louvores, dons afetivos, com o intuito de insinuar-

-se para herdeiro ou legatário de outrem, escapam, em regra, às sanções


anulatórias. Mas, se há dolo isto é, quando se põem por verdadeiros fatos
que o não são, ou se empregam meios ilícitos, como a calúnia anulável é a
disposição testamentária. Cumpre insistir. A regra é que todos podem
proceder de modo a agradar, seduzir, angariar afeições, ou por meio de
gestos, carícias, palavras, lisonjas, conselhos, ou por exteriorização de
opiniões pessoais contra outrem. Em matéria testamentária, o dolo, que
possa haver, dirige-se contra terceiros, herdeiros necessários, ou possíveis
herdeiros instituídos ou legatários. Mas a linha divisória entre a
permissibilidade da captação ou simulação e a viciação da vontade
dificilmente se conceitua: depende e coincide com a intervenção de dolo.
Que é dolo?

Melhor: ,~ Qual é asse dolo que pode fazer anulável o testamento?

2.ANULABILIDADE DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS. Os atos


jurídicos são anuláveis por dolo, quando esse foi a sua causa (Código Civil,
art. 92). Supõe-se, no testador, representação errônea das circunstâncias que
lhe determinam a vontade, induzimento em erro, ou aproveitamento do erro.
Mas, na espécie, não é o erro que vicia, é a falta de liberdade da vontade, ou
o ato ilícito do autor do dolo. Fica uma estreita margem para o dolo, que o
erro lhe deixa; mas essa margem é autônoma. Há erros que por si sós não
tornariam anuláveis a disposição de última vontade, mas, somados ao dolo,
a viciam. E dolos, pouco caracterizados, que não viciariam, sendo anuláveis
por erro as disposições; bem como manobras, que levam a erros retificáveis,
pela corrigibilidade dos erros nos testamentos. Para que o dolo vicie a
disposição de última vontade, é preciso: a) que haja intenção de induzir o
testador a testar, a deixar em herança ou em legado ou em modus, a
beneficiar, em suma, ou deixar de beneficiar alguém; b) que os artifícios
fraudulentos sejam graves: o direito não pode pretender a pureza da vida, a
perfeita correção moral das relações humanas; c) que seja a causa da
declaração da vontade.

No dolo há intuito de prejudicar: ou pelo fazer herdeiro alguém, em vez de


outrem; ou pelo deserdar; ou pela insinuação de disposições que sejam
nulas. Exige-se vontade direta, não de prejudicar, como querem alguns, mas
dos efeitos juridicas. O que se faz passar por sobrinho, para ser beneficiado,
não tem direito de lesar alguém, se o testador não tem herdeiros
necessários, nem cogita de alguém para ser instituído herdeiro, ou legatário.
Mas o dolo existe.

Há o dolo positivo, fazer acreditar por verdadeiros fatos que o não são, e o
negativo, ocultar circunstâncias, não revelar a verdade. Quanto ao último,
torna-se positivo, se acompanhado de artifícios para ocultar. Assim, se a
pessoa que vivia com o testador, oculta a morte de alguém, para que o
testador contemple o morto, nulamente, o dolo não pode aproveitar-lhe. Se
o testamento diz: “deixo a A; se êsse morrer, antes de mim, a B”, não tem
importância prática. Mas se diz: “deixo a A, e morto A, que é solteiro e não
tem filhos, a E”, e B ocultou ter-se casado A e haver filhos, claro que,
provado o dolo, se anula a disposição. O requisito da gravidade do artifício
fraudulento torna sem grande interesse a omissão ou dolo negativo, a
gravidade do artifício ou das circunstândas, sela-o com a dolosidade
positiva. Na apreciação da gravidade entram em linha de conta as
circunstâncias pessoais do testador, do autor do dolo, as situações de família
e do próprio caso.

O dolo, de que se trata, é o dolus causam dans ou principal, e não o


incidens (Código Civil, arts. 92 e 93). A distinção é oriunda dos glosadores
(SPRENGER, Úber dolus causas dans und incidens, Archiv fúr die
civilistische Praxis, 88, 361), e não do direito romano. Aliás, já o notara
GERH. NOoDT, no século XVII. O Código Civil alemão, § 123, não se
preocupa com ela; mas o Código Civil brasileiro, art. 92, manteve-a. Exige
a causalidade. O

dolus Pacidens só permite a ação de perdas e danos, art. ~3. Nos


testamentos, o art. 92 é que interessa: o dolo causa determinante do ato; e
não o acidental, que não impediria, se conhecido, a feitura da disposição.
Cf. Tomo IV, §

449.

Tem, pois, grande importância a distinção. O dolus mcidens é estranho ao


ato testamentário, em si. A diferença entre ele e o dolus causam dans está
explícita no Código Civil; dela se ocuparam GERH. NOODT (Opera
omnia, 145, 522), CHR. FR. vo~ GLUcK (Ausfiihrtiche Krliiuterung der
Pandectem, IV, 113 s.), C. J. M. VALETT (Praktisch-theoretische
Ablutndlungen, 63 s.), reconhecida por CHR. FR. VON MÚHLENBRUCH
(Doct~rina Pandectarum,

§ 337), A. F. J. THIBAUT (Systein der Pandektenrechts, § 148, n), ALB.


SCHWEPPE (Das Rõmische Privatrecht, V,

4 a ed., 540 s.), J. A. SEUFFERT (Pra ktisches Paiidektemrecht, II, § 261,


n. 1), R. VON HOLZSCHUHER

(Theorie und Casuistik, 1, 330), JOSEPH TJNGER (System, § 81), A. VON


VANGEROW (Lehrbuch der Pandekten, III, § 605), B. WINDSCHEID
(Lehrbnch, § 78, n. 5, 7), L. ARNDTS (Lehrbuch der Pan,dekten, § 237, f e
g), F. REGELSBERGER (Pandekten, 1, § 146, III), F. VON ZIEGLER
(Úber Betrug beim Vertragsschllusse, 22
s.), e não por G. C. BURCHARDI (Die Lehre von der Wiedereinsetzung in
den voriqen Stand, 331-333). A.

BECHMANN (Pandekten, 1, § 104, 248). Mas (pergunta-se), ~o dolus


inc~dens, o qu‟3, revelado, não levaria a não-testar, a não dispor, e só
modificaria a disposição nunca poderá ser invocado em atos unilaterais
como o testamento?

Seria perigoso dogmaticamente afirmar-se o completo desinteresse do dolo


acidental, acessório (Nebenbetrug dos alemães), do dolus incidens da glosa.
Provado ele por exemplo, por um herdeiro contra outro, ou contra o
legatário, que insinuou o testador, de modo a iludi-lo, dizendo valer menos
a propriedade, a substituir uma por outra, creio que a ação de indenização
cabe (art. 93). É como se restaura o equilíbrio. social, uma vez que, não
havendo, na espécie, dolus causar dans, em que se funde a ação de nulidade
relativa, ficaria sem remédio a ofensa, e sem repressão o ato doloso. É
preciso~ que o autor da ação de anulação tenha interêsse na
anulação.Interesses nos efeitos, como bem frisou A. BEUHMANN (Der‟
Kctuf nach gemeinem Recht, 303).

Do próprio dolo ninguém pode aproveitar-se. Nem, se~ quer, o pode alegar.
Dotum proprium aliegans nou est audiendus (J. E. J. MÚLLER,
Promptuarum inris novum, 580). Do ato do que enganou nenhum direito lhe
deve vir (SPRENGER, tYber dolus causam dans und incidens, Archiv fi,tr
die civilistische Praxis, 88, 381). Diz o art. art.

97: “Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para
anular o ato, ou reclamar indenização”.

~ Se o dolo de um é incidens e o do outro é causam dans? Na L. 203, D., de


diversis regulis iuris antiqui, 50, 17, põe-se por princípio quod quis ex
culpa sua damnum sentit, non inteliegitur damnum sentire mas, na L. 45, §
1, D., de actionibus empti venditi, 19, 1, vem a exceção (cp. FR.
MOMMSEN, Beitróge, 1, 108, nota 12; SPRENGER, Ueber dolus causam
dans und incidens, Archiv fúr die civilistische Praxis, 88, 388). A culpa
leve, o dolo acessório, não escusaria o dolo causam dans.
Não se presume o dolo; precisa ser provado. Mas, para a prova, servem
todos os meios que a lei admite, inclusive as presunções. Dizer-se que o
dolo não se presume e dizer-se que ele se pode provar por presunções não
são coisas contraditórias. Inicialmente incumbe ao que alega dar a prova
(por isso, o dolo não se presume); e fatos, dados, circunstâncias, que façam
nascer presunções, podem bastar para prová-lo (por isso, prova-se o dolo
com presunções). Mais ou menos tal raciocínio desenvolveu-se na Câmara
dos Deputados, ao tempo da elaboração do Código Civil (Trabalhos, V,
126, 127). Cabe ao juiz examinar os dados probatórios, quiçá presunções, e
decidir se houve dolo, ou se o não houve. Nos próprios Códigos Civis que
têm o princípio (supérfluo, porque evidente) de se não presumir o dolo
(Código Civil francês, art. 1.116; chileno, 1.459; colombiano, 1.516),
presunções bastam. Dir-se-á que, em tal fluidez de provas, é enorme o
arbítrio do juiz. Que fazer? A dificuldade de provar-se o dolo não poderia
ter o efeito de prescindir-se da anulabilidade. Às vezes, a lei presume o dolo
(e.g., art. 1.719). E presume de modo inelidível.

3. AÇÃO DE ANULAÇÃO POR DOLO. A ação de anulação por vício de


dolo (causam dans) cabe aos interessados e a seus herdeiros e sucessores. O
art. 198, § 9º, V, b, do Código Civil, diz que a ação de anulação por dolo
prescreve em quatro anos (erradamente, semente se refere a contrato). Não
disse que a partir do conhecimento pelo interessado, e sim do ata. Ora, os
interessados só o são a partir da morte do testador; portanto, só a partir do
cumpra-se nos testamentos é que se deve contar o prazo. E os ausentes? Da
ciência, ainda presumida (editais). No caso de indenização (dolus incidens),
a ação é de trinta anos. Perdido o „prazo para a ação anulatória (dolus
causam dans), não o está para a de ressarcimento, porque o dolus causam
dans contém o incidens e a pretensão à indenização só prescreve em trinta
anos.

O dolo pode ser de qualquer herdeiro ou legatário, beneficiado, parente, ou


qualquer pessoa, que não tenha interesse direto na realização do ato
testamentário e no seu cumprimento (AUBRY et RAU, Caurs, IV, 505-506,
nota 26). O
dolo estranho vicia a disposição testamentária, se foi a causa de haver
disposto, em tal sentido, o testador. Isto é: se essencial, e não acidental.
Cumpre notar que em matéria testamentária (e isso também vale para os
contratos de herança, nos povos que o admitem, F. RITGEN, em G.
PLANCK, Das Búrgerliche Recht, V, 528), não é preciso que o interessado,
ou beneficiado, conhecesse ou devesse, conhecer o dolo para que se possa
~pedir a anulação com esse fundamento: o art. 95 do Código Civil e o § 123
do Código Civil alemão são estranhos ao do-mínio das disposições de
última vontade, essencialmente unilaterais.

§ 5.684. Coação e testamento

1.CONCEITO E PRECISÕES. A coação, para viciar a manifestação da


vontade, há de ser tal, que incuta ao paciente fundado temor de dano à sua
pessoa, à sua família ou a seus bens, iminente e igual, pelo menos, ao
receável do ato extorquido (art. 98). É a fuerza do Código Civil argentino,
arts. 936-943, e do chileno, a violence do francês, a violenza do italiano, a
Drohung do alemão, a gegrúndete Furcht do suíço.

Alguns sistemas jurídicos distinguem a coação obstativa de consentir e a


que vicia o consentimento. Violência da primeira categoria tornaria
inexistente, por ser vis absoluta, e ter sido outrem o autor do ato jurídico,
em vez de, viciada-mente, a pessoa de quem se quis o consentimento.
Torná-la-ia instrumento mecânico da vontade de coator.

Na coação propriamente dita, há consentimento, o que diminui, sem excluir,


de todo, a liberdade. No Código Civil brasileiro, não se fêz referência à
violência-obstáculo e à violência-vício. Apenas se fala de temor, situação
que permite preferir a prática do ato viciado ao dano à pessoa, à família, ou
aos bens do sujeito. Se há vis absoluta, nada feito: aí, o caso não é de
anulabilidade, mas excludente da própria declaração de vontade (CAEL
CROME, System, 1, 428). De declaração de vontade, o ato só tem a
aparência; e, para que se cogite de anulabilidade, é preciso que exista
declaração, que se anule, isto é, que tenha consentido, viciadamente, o
declarante. Coactus voluit. No Código Civil argentino, arte. 936 e 937, há a
anulabilidade para todos os casos, ainda de vis absoluta, a exemplo do
Esboço de TEIXEIiRA DE FREITAS, art. 488. A coação vicia o ato porque
o querer não foi livre. Mas há quem procure outro fundamento:

a reprovabilidade, firmada na imoralidade da violência (W. VON BLUME,


Beitrãge, Jherings Jahrbiicher, 38, 228

5.; JOSEF KOHLER, Lehrbuch, 1, 517). ~ digno de menção o critério, mas,


historicamente, não é esse o fundamento das anulabilidades pela coação.
Contudo praticamente sempre que se apreciam a ameaça e os seus efeitos,
não se devem desprezar as sugestões nascidas da antieticidade da violência.

2. PRESSUPOSTOS. Para que a coação faça anulável o testamento, ou a


disposição, é preciso: a) que seja a causa determinante do ato ou verba
testamentária; b) que seja justificado o temor, ameaças, que não podiam
intimidar, não bastam; c) que o temor seja de dano, referente à pessoa do
paciente, à família dele, ou aos seus bens. Não seria suficiente poder ligar-
se a disposição à violência, remota, ou, se contemporânea do ato, não
inquinável de ser-lhe a causa. Exemplo: se o testador, antes dela, havia
pensado dispor, ou fizera esboço, ou iniciara o testamento tal como foi feito.

A vis compulsiva pode consistir em violência atual, ou em ameaça. Mas


ameaça não do ato coativo, mas das conseqúências, dos efeitos há, também,
naquela. Há meios materiais e meios morais de coagir. Todos podem tornar
anulável a disposição, ou o testamento. O próprio dano temido pode ser
moral: desonra, desconsideração pública, ridículo. Temores pânicos e
insensatos não viciam o ato. Mas o direito contemporâneo não exige tipo
abstrato de homem, resistente, por igual, às ameaças. O juiz tem de se levar
em conta a receptividade do paciente. O dizer Vani timaris iusta excusatio
non est hoje só significa dever ser fundado o temor; sem se excluir a
consideração das qualidades e circunstâncias pessoais do testador.

A lei fala em dano à pessoa, à família ou a bens do paciente. ~Que se há de


entender por família, no art. 98? Houve evolução técnica. No Código Civil
francês, art. 1.113, no espanhol, art. 1.267,

2 a alínea, no chileno, art. 1.456, no


colombiano, 1.513, e no da Lusiana, 1.835, não se acolheu expressão
genérica, mas marido, mulher, seus ascendentes, ou seus descendentes.
Descendentes ou ascendentes ilegítimos, acrescentaram o Código Civil
argentino, art. 937, o uruguaio, 1.246; e o de North Dakota, art. 5.290:
cônjuge, ascendente, descendente, filho adotivo e seu cônjuge. Próximos,
preferem outros (e. g., Lei suíça, art. 30). O velho Código Civil italiano,
artigo 1.113, ao sistema napoleônico juntou o de deixar ao juiz pronunciar-
se sobre a nulidade, segundo as circunstâncias

“tratando si di altre persone”. Desprezou o termo jurídico-parental para ver


o cerne da regra jurídica: o laço afetivo, que pode existir sem essa relação
de família, a que se aferravam os outros códigos. No mesmo sentido o nôvo
Código Civil italiano, art. 1.436, alínea .a: “Se il male minacciato riguarda
altre persone, l‟annullamento del 2

contratto é rimesso alla prudente valutazione delle circostanze da parte dei


giudice”. O Código Civil português revogado perdera de vista o laço
afetivo, talvez por mera extrapolação jurídica, talvez por possibilidade
receptiva de atuar no coagido o dano a estranho (art. 666, parágrafo único) :
“A coação consiste no emprêgo da fôrça física, ou de quaisquer meios, que
produzam danos, ou fortes receios deles, relativamente à pessoa, honra ou
fazenda do contraente ou de terceiros”. No Código Civil português de 1966,
art. 255 (cf. art. 220, 1) estatui-se: “1. Diz-se feita sob coação moral a
declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante
foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração. 2. A
ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do
declarante ou de terceiro. 3. Não constitui coação a ameaça do exercício
normal de um direito nem o simples temor reverencial”. Acrescenta o art.
256: “A declaração negocial extorquida por coação é anulável, ainda que
esta provenha de terceiro; neste caso, porém, é necessário que seja grave o
mal e justificado o receio da sua consumação”. Evidentemente, o juiz tem
de apreciar: a coação é estado que se verifica no sujeito coagido. A
jurisprudência francesa em sua louvável atitude de completar a lei, nunca
assaz encarecido, e em tantos casos fêz o artigo compreensivo dos
ilegítimos. L. LAROMBIÊRE (Traite theorique et pratique des
Obligations, 1, 78) e C.
DEMOLOMBE (Cours, 24, n. 162) consideram-no demonstrativo,
exemplificante, e não taxativo, e incluíram tios, irmãos e amigos.
Revelaram o conteúdo da regra jurídica, que é pro affectu. A decisão de
Paris de 31 de março de 1906, que se ateve ao sangue, foi de irritante
retrocesso, O amigo pode valer mais do que o pai. Certo, nem sempre, e
raro. Porém, então, é preciso examinar as circunstâncias. Daí a solução
italiana, digna de louvor. Os próprios tribunais anglo-saxões vão até os
colaterais e afins.

Resta a terminologia suíça: “ejue ih~m nahe verbundene Person”, “un de


ses proches” (Código suíço das Obrigações de 1911, art. 30). Não é só o
parente: não se disse nahe Verwandte, mas nahe verfundene Person,
expressão que também se encontra no art. 126, alínea

1 a, e no Código Civil suíço, arts. 126 e 477, alínea í.a. A apreciação é


deixada ao juiz, que examina o caso particular (H. OSER, D‟as
Obligationenrecht, Kcnnmentar de A.

EOGER, V, 126). Direito, como o suíço, que sabe prezar a amizade, e


reconhecer-lhe efeitos jurídicos da máxima importância (os amigos íntimos
podem pedir a anulação do casamento obtido por coação, art. 126), não
podia dar à coação viciante dos atos jurídicos em geral o limite do dano aos
parentes. Daí o art. 30, como, no direito sucessório, o critério de equiparar à
ofensa à pessoa do decujo a ofensa aos próximos (Código Civil suíço, art.
477, alínea 1ª), inclusive aos amigos (A. SCHNEIDER, Das schweizerische
Obligationeurecht, nota ao art. 27 do Código suíço das Obrigações de 1881;
E. STADLER, Die Enterbung, 33), máxime se vivem sob o mesmo teto (A.
ESÇHER, Das Erbrecht, Kommentar, III, 41). Trata-se de expressão elástica
que remete à apreciação do juiz o caso circunstancial (P. TUOR, Das
Erbrecht, Kommentar de MAx GMÚR, III, 176).

Quanto ao direito brasileiro, família é compreensiva de cônjuge e filhos


menores (Código Civil, arts. 233, 1, III, V, e 70), ou de cônjuge, filhos
solteiros e domésticos (art. 744). Mas há conceito de direito sucessório: até
o quarto grau, na linha colateral. Seja como for, no momento, a que se
chegou, de consciência jurídica e de evolução técnica, a que se deu tão
científica solução, não pode o interprete, menos ainda o juiz, deixar de
considerar a regra legal referente aos ligados por sangue e afinidade,
porque, na verdade, ordinariamente, são amados, como abrangente da
coação por ameaça de dano a pessoas que se não presumem, legalmente,
amigos, porém são tanto ou mais que os parentes. A referência é a favor do
cônjuge, dos ascendentes, descendentes, legítimos ou ilegítimos, irmãos e
sobrinhos, mas alcança outros parentes, provado o afeto, a íntima
convivência. A violência vicia, quando digirida a não-parente que valha,
para o coagido, quase ou o mesmo que sua pessoa, o grande antigo, a noiva,
o afilhado querido, o protetor por quem se fariam sacrifícios. Assim
teremos ficado onde a ciência nos diz. Nem a extrapolação (não se chame
liberal, porque não serve a liberdade: mero escorregar de racionalistas
intemperantes), nem o Código Civil francês textual (o Código Civil francês
interpretado, é outro). Em suma, o critério pra affectu. Noutros têrmos, a
dor que o testador coagido sente. Êsse elemento de dor, ou que atua
dolorosamente, é de capital importância (P.

TUOR, Das Erbrecht, Kommentar de MAx GMUR, III, 176). Nos nossos
dias, se a lei faz alusões, que podem ser discutidas como tax ativas ou
exemplificativas, o intérprete bem orientado só é coerente com a evolução
técnica se considera a lei por fixadora do quod plerum que fit e os mais
casos como de apreciação judicial.

Alguns escritores consideram a sugestão hipnótica como excludente, e não


só viciante da vontade (L.

KUHLENBECK, Von deu Pandekten zum búrgerlichen Gesetzbuch., 1,


450). Com a sua grande perícia, TEIXEIRA DE FREITAS (Esbôça, art.
509) cogitava do assunto, e no mesmo sentido. No direito testamentário, a
matéria é de alta relevância. Mas qualquer princípio a priori seria perigoso.
Há sugestão e sugestão. Se é possível ao hipnotizador ordenar que A, no dia
seguinte, vá ao tabelião e teste (exemplo que nos dá L. KUHLENBECK,
Vou den Pandekten zum bUrgerlicheu Gesetzbuch, 1, 450), também é
possível que a sugestão só modifique o consentimento. Juridicamente para
que se trate de vício é preciso que se possa dizer coactus voluit; ~ mas
como afirmar que, em todos os casos, o querer é de hipnotizador? O Projeto
de COELHO RODRIGUES, art. 350, falava de sugestão hipnótica ou
magnética, exercida por quem tiver o hábito de as praticar. Seriam espécie
de coação moral. O Projeto primitivo adotou o mesmo critério, chamando-
lhes sugestões (art. 115, parágrafo único).

Censuraram-no a Faculdade Livre do Rio de Janeiro (Trabalhos, II, 50) e o


Prof. NINA RIBEIRO, que desenvolveu, lucidamente, a crítica (Trabalhos,
II, 322): “foi a idéia incompleta que tinham da incapacidade por insanidade
mental transitória, da inconsciência mórbida, que levou o Ur. Clóvis
Beviláqua, como Coelho Rodrigues, a dar à sugestão hipnótica ou
provocada situação, que lhe não pode convir. Reproduzindo a disposição do
art. 350 do Projeto Coelho Rodrigues, que entre os meios de coação moral
compreende as sugestões hipnóticas ou magnéticas, quando a pessoa a
quem forem atribuídas tiver o hábito de as praticar, o Projeto revisto
conserva no parágrafo único do art. 115 o disposto no art. 115 do Projeto
primitivo, isto é, que entre os meios de coação moral se compreendem as
sugestões hipnóticas. O Projeto primitivo havia retirado da definição de
Coelho Rodrigues a consideração restritiva da qualidade de hipnotizador
habitual no criminoso, assim como havia suprimido o qualificativo de
moral dado à coação por sugestão. Delicada, como é essa doutrina, pelas
incertezas científicas, que ainda rodeiam o assunto, e pelas inovações que
introduz nos códigos, devemos aferir o seu valor à luz das opiniões mais
autorizadas em psicologia aplicada e experimental, das quais não nos seria
lícito afastarmo-nos aqui. Ora, tão atacável é a doutrina de psicologia
forense de todos esses artigos, como a definição legal, que eles dão, de
sugestões criminosas. Por que sugestão hipnótica? Os progressos realizados
pela ciência no conhecimento das sugestões deixam hoje bem esclarecidas
as diferenças existentes entre sugestão e hipnotismo. O estado hipnótico, já
de sua natureza simples efeito da sugestão, não é mais do que condição
mental, que facilita a realização das sugestões feitas durante ele. O „fato
capital é, pois, a sugestão, que tanto se pode dar em estado hipnótico, como
em estado de vigília”. E continuou: “Pela minha parte, preferiria denominar
as de que deve tratar um Código Civil de sugestões artificiais criminosas, o
que as extremaria, por um lado, das sugestões normais, e, por outro lado,
das sugestões experimentais terapêuticas, também artificiais, patológicas,
provocadas, mas lícitas ou permitidas. A expressão sugestão hipnótica é
hoje empregada em dois sentidos distintos: ou em acepção genérica, para
designar sugestões artificiais ou patológicas, em oposição às sugestões
normais; ou em sentido restrito para distinguir, entre as sugestões
patológicas artificiais, as provocadas em estado hipnótico das produzidas
em estado de vigília. Se, pois, Clóvis Beviláqua escreve que “é de grande
inconveniência para a doutrina que os termos técnicos que se prestem a
mais de uma significação, e só diante da inexistência de outra expressão é
tolerável essa inópia idiomática”, é claro que na lei escrita jamais se poderá
tolerar semelhante coisa. No entanto, precisamente Coelho Rodrigues e
Clóvis Beviláqua evidentemente empregaram o termo sugestão hipnótica
cada qual exclusivamente num dos dois sentidos apontados. Quando o Dr.
Coelho Rodrigues estabeleceu no seu projeto equivalência entre os
qualificativos hipnótica e inagnética pensou naturalmente designar assim as
sugestões artificiais, aquelas que forem conhecidas graças aos estudos do
magnetismo e do hipnotismo. Nesse sentido, os qualificativos são, de fato,
equivalentes, e a expressão magnéticas não merecia o ponto de interrogação
que lhe pôs Clóvis. Ao contrário, Clóvis dá à expressão sugestão hipnótica
o sentido restrito de sugestão feita em estado de sono hipnótico. As
doutrinas de Campili e dos jurisconsultos brasileiros, mesmo em sua
divergência, equivalem a desprezar nos alienados a condição fundamental
de perturbação mental mórbida, como causa suficiente de sua incapacidade
civil, para ir buscar, no modo imperfeito, porque ainda funciona a mente no
naufrágio das faculdades ou funções mentais desagregadas pela moléstia, as
condições da anulação dos atos civis, segundo os vícios do consentimento,
que daí resultarem. E assim se poderia falar de erro nos alienados, que
sofressem de ilusões e alucinações; de coação moral nos dementes; de dolo
nas explorações criminosas, das perversões afetivas do melancólico, dos
delírios dos paranóicos, etc., nos quais a volição, como as funções
intelectivas, tem ilusórias aparências de integridade. No entanto, se é
verdade que é na possibilidade de todos esses vícios dos atos jurídicos que
está a razão de ser prática da incapacidade dos alienados, essa se funda de
fato num princípio geral de uma lesão da conduta, na impossibilidade que
traz a moléstia ao doente de se governar, o que é uma conseqüência do
consenso e harmonia das funções mentais comprometidas, ainda no caso de
perturbações aparentemente circunscritas a este ou aquele domínio da
inteligência. Foi em nome destes princípios que a medicina condenou a
doutrina da responsabilidade parcial, e a lei acabou sancionando o seu
aresto.

Não se queira estender, pois, ao domínio da inteligência doente ou anormal


regras jurídicas, que só se destinam a exercício da saúde e normalidades
psíquicas. E os vícios do consentimento pressupõem a sanidade mental,
pois é a incapacidade o recurso jurídico contra os desvios da insanidade
mental”.

A verdadeira solução é deixar-se à Ciência dizer a palavra atual sobre o


assunto, que mais lhe pertence que ao direito. Se a sugestão foi excludente
ou viciante da vontade,. responde a perícia. Somente ela pode dizer o que a
psicologia decide quanto ao caso; e o juiz, ouvindo-lhe o parecer,
estudando-o, conferindo as premissas com os dados de fato e contas outras
circunstâncias (quiçá, e não raro, presunções de dolo,. coação de outra
natureza), proferirá a sentença.

No estado atual dos conhecimentos, ao hipnotismo reconhecem os autores


maior valor inibitório que de sugestão‟

faciendi: assim, fácil será ordenar-se que a pessoa não desse, pois é grande
o poder de inibição; mas difícil conseguir-se de alguém o que em verdade
não queria, nem estava nas premissas do seu caráter. O fato, que vemos
referido em vários livros, da experiência da sugestão para testar de
determinada maneira, não prova totalmente o poder da sugestão de testar:

podia bem ser que estivesse em propósito do testador, e seria o papel da


sugestão hipnótica mais revelador que determinador do fato. De qualquer
modo, é assaz prudente deixar-se à ciência o que é da ciência.

3.COAÇÃO EXERCIDA PELO INTERESSADO OU POR OUTREM.- A


coação pode ter sido exercida pelo interessado (herdeiro, legatário,
beneficiado), ou por outrem. A ação coatora pode ser com ameaça direta
(males físicos, lei, execução de títulos), ou velada (a do médico que põe em
quarentena, para não poder testar, o paciente).
A coação pode consistir em ameaça, dano ao próprio coator que tenta
suicidar-se (por exemplo). Trata-se, em verdade, aí, de coação exercida
sobre os sentimentos afetivos do paciente. Tudo o que exerce pressão no
querer pode constituir coação, no sentido da lei, e torna anulável o ato. O
credor que tem pronto o arresto, mas dele desistirá se o devedor o
contemplar no testamento, coage. É anulável a disposição. Dir-se-á que o
credor pode legitimamente ameaçar, para conseguir nôvo contrato. Mas:
outro contrato não é testamento; ainda nos contratos, há linha de separação
entre a ameaça lícita e a ilícita, assunto que, em matéria testamentária, se
torna mais simples.

Se o coagido teria querido o mesmo que viciadamente quis, mas por outro
motivo, sim; não se há anulabilidade ANDREAS vON TUHR, Der
Alígemeine Teil, II, 612, nota 55.)

4.DADOs FÁCTICOS. Está no Código Civil, art. 99: “No apreciar a


coação, se terá em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o
temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias, que lhe possam
influir na gravidade”. Em vez do tipo abstrato de homem, que o direito
romano fixava, ou tentava fixar, objetivamente, acolheu-se o critério
subjetivo (Código Civil francês, art. 1.112) . Em alguns sistemas jurídicos,
ao lado do critério subjetivo concreto, ainda se vê a

reminiscência romanistica da personne raisonable ou da persona sensata,


correspondentes jurídicos do homem médio, do homem bom cidadão e
outras abstrações. Por isso mesmo, querendo salvar a contradição
napoleônica da coação apreciada in abstracto e da coação apreciada in
concreto, interveio (~ sempre os sofismas da conciliação do passado morto
com o tempo nôvo repontante!) a ardilosa explicação de COLMET DE
SANTERRE: o abstrato seria o máximo exigível pelo juiz e o concreto algo
de campo livre até êsse máximo. Donde: se a violência faria impressão a
qualquer pessoa razoável, bastava, não cabendo apreciar-se, in concreto, o
tipo acima do normal em energia e capacidade de resistir às ameaças e
coações; se a violência, pequena embora, devido à fragilidade da pessoa,
efetivamente podia intimidar, é de ser levada em conta para a anulação do
ato (Pandectes Françaises, 43, II, 34, 35). Se observamos,
contemplativamente, tal explicação, engenhosa e sutil, e se a julgamos
sociologicamente, claro que se nos depara um daqueles casos de pertinaz
procura da interpretação que salve a lei, que dê aparente homogeneidade a
texto evidentemente heterogêneo. Digamos que lá está o direito romano, e o
racionalismo do tipo abstrato, e, na

2 a parte do artigo 1.112 do Código Civil francês, a atenuação já conhecida


em R. POTHIER que pretendera justapor, coerentes, os dois sistemas. Em
verdade, como quase sempre sói acontecer, um expulsa o outro.

O art. 1.112 é bem certidão de idade do Código Civil francês e dos que o
imitaram.

A evolução técnica tinha de completar-se. O direito acaba por enterrar a


múmia romanística do tipo abstrato de resistência. Sucessão normal: ao
critério a. priori o critério da realidade concreta e observada. É a trilha do
Código Civil espanhol, do argentino, do uruguaio, do montenegrino. No
próprio direito anglo-saxão começou a operar-se a passagem de um a outro
sistema. Resta saber se a apreciação concreta é unilateral, isto é, somente
quanto ao sexo, idade, condição, saúde, ou temperamento do paciente. No
brasileiro, é bilateral: lá está escrito “e todas as demais circunstâncias que
lhe possam influir na gravidade” (cf. Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS,
art. 492). Claramente, o montenegrino. A verdadeira interpretação científica
do art. 99 é a seguinte: tudo que justifique a intimidação, esteja no sujeito
coator ou no coagido, é suficiente para a anulação do ato. Assim, é anulável
a disposição testamentária que foi obtida: a) pela ameaça ou sugestão
imperiosa (não o temor reverencial do tutor ao tutelado, do pai ao filho); b)
mediante a declaração de publicar cartas de alguém (timor infamiae) ; c) ou
mediante os gestos ameaçados de boxeador, ou pessoa extremamente forte,
à pessoa frágil;

4) por mera circunstância de se acharem sós em uma ilha, porão, navio,


túnel, esconderijo, floresta ou outro lugar isolado; e) por palavras, atos ou
gestos, feitos a testador de timidez e imaginação doentias. O elemento
repressibilidade social da violência que, como vimos, se quis caracterizasse
a anulabilidade por coação, teria no art.
99 forte apoio: fracos e tímidos são os mais protegidos por ele. Todavia,
rigorosa-mente, o art. 99 pode, em vez de favorecer, desfavorecer: o militar,
por exemplo, presume-se homem de coragem, a educação física e moral que
recebe, prepara-o para isso; a mesma violência, suficiente à anulabilidade
de ato praticado pelo menor testador, não bastaria em relação a pugilista
profissional ou amador. O sexo, que a lei manda levar-se em conta, não
opera abstratamente: o revólver, que intimida a senhora caseira, intimidaria
menos uma caçadora, ou desportista, ou mulher de temperamento viril.

5.AMEAÇA DE EXERCÍCIO NORMAL DE DIREITO E TEMOR


REVERENCIAL. Diz o Código Civil, art. 100:

“não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem


o simples temor reverencial”. Duas questões: exercício normal de direito
(no art. 160, 1, também se fala em “exercício regular de um direito
reconhecido”); e temor reverencial. Cf., hoje, o Código Civil português, art.
255, 3.

(a) Exercício normal de direito: o mesmo é dizer-se exercício regular de


direito, ou, negativamente, exercício não abusivo de um direito. Trata-se de
princípio indiscutido de direito moderno (Código Civil austríaco, § § 870 e
874; argentino, art. 939; alemão, § 266; Lei suíça, art. 5~, 2.a parte). Se o
exercício é irregular constitui abuso do direito: é suficiente para a anulação,
como bastaria para a ação de atos ilícitos. O exercício anormal pode ser
qualitativo ou quantitativo. Exemplos: se o credor ameaça mandar cobrar
ao futuro sogro, rico, do devedor; se, em vez de somente cobrar, põe, para a
não cobrança, a condição de testar o devedor a favor do credor ou de
outrem. Em geral, a ameaça de meios legais é injusta em relação ao fim, se
feita, não para o fim direto, que lhe reconhece a lei, mas para segundo fim,
estranho ao conteúdo da pretensão. De modo que, na ordinariedade dos
casos, a imposição necessariamente vicia a disposição de última vontade: é
segundo fim, estranho ao conteúdo da pretensão do credor. OTTO

FISCHER-WILHELM HENLE (Bi45rgerli-ches Gesetzbuch,, 123) dizem


ser legitima a ameaça se é contrária ao direito e meio ou o fim. Se bem que
W. VON BLUME (Beitráge, Jherings Johrbiicher, 38, 242) advirta que a
distinção não traz vantagens, em alguns casos é de grande ajuda; e. g., se a
coação é meio, isto é, se o exercício anormal de direito se emprega para se
obter a disposição, claro é que faz anulável o ato; se o exercício é normal,
mas o credor, por exemplo, aproveita a situação legitimamente criada (meio
legítimo), para conseguir, coagindo, a disposição testamentária (fim
contrário a direito). Aqui, não é o art. 100 que se deve invocar, mas o art. 99
(“e tôdas as demais circunstâncias, que lhe possam influir na gravidade”).
De qualquer maneira a ilegitimidade do fim é plus se exercício inicialmente
normal do direito.

(b)Temor reverencial: TEIXEIRA DE FREITAS enumerou os casos de


temor reverencial (EsbOço, art. 495, 1-1V): a) o temor dos descendentes
para com os ascendentes; b) o da mulher para com o marido; c) o dos
domésticos para com o amo; d) o de qualquer subordinado para com o seu
superior. No temor reverencial, há, não o temor de dano, mas o de desgostar
com o que sugere, ou afasta. Supõe dever de obediência ou de respeito
especial. Na evolução técnica da regra jurídica, vemos o Código Civil
francês, art. 1.114, que só se referiu a pai, mãe, ou outro ascendente, mas a
jurisprudência francesa, aqui, como a respeito do art. 1.384, § 2ª

(e. g., PONTES DE MIRANDA, Das Obrigações por Atos Ilícitos, 281,
289 e 291), deu maior largueza ao princípio: o art. 1.114 passou a ser
meramente exemplificativo. Alguns Códigos Civis italianos (e. g., de
Guastala, em 1820, art. 1.089, da Sardenha> em 1937, art. 1.201)
acrescentaram o temor da mulher para com o marido. Tivemos, em seguida,
o degrau exemplificativo do Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, que o
Código Civil argentino, art. 940, adotou, e o degrau indutivo do Código
Civil chileno (art. 1.456, a alínea): “Eu temor 2~

reverencial, esto es, el solo

temor de desagradar a las personas a quienes se debe sumision i respeto, no


basta para viciar el consentimiento”), e do italiano revogado (art. 1.114: “11
solo timore riverenziale, senza che sia intervenuta violenza, non basta per
annullare il contratto”) e do italiano de hoje (art. 1.431):
“11 solo timore riverenziale non ê causa di annullamento del contratto”.
Tem a fórmula indutiva o Código Civil brasileiro. Cumpre observar que
essa pré-exclusão da invalidade, que se concede ao dever de respeito,
combatida por VESEMBÉCIO, deixa ao exame judicial a questão da sua
pureza: porque o temor reverencial não basta para fundamentar a
anulabilidade, porém não escusa a violência ou ameaça. Os exemplos
esclarecem: se o pai usa da situação de pai, ameaçando o filho de lhe cortar
as relações com ~ família, se o filho não testa a favor do próprio pai, ou dos
irmãos, aquele cortar de relações. é elemento positivo, plus, que se soma ao
temor reverencial, e se, por si só, êsse não faria anulável o ato jurídico,
aquele, por si basta. O temor reverencial é faca bigamia: pode tornar-se
agravante da ameaça. Sozinho, não constitui coação:

é o simples temor, a que se refere o Código Civil, art. 100. Acompanhado,


serve à apreciação in concreto da violência segundo o princípio salutar do
art. 99. Tal o direito contemporâneo: el solo temor reverencial do Código
Civil chileno, il solo timore do italiano, the mere reverential fear do Código
Civil da Lusiana, art. 1.859, correspondem ao “simples temor” do brasileiro
e às distinções do direito anglo-saxão.. Aliás, parece que as leis nem deviam
falar em tal insuficiência do temor reverencial: é o verso do dever.
Compreende-se a omissão do direito suíço e do alemão.

6. COAÇÃO EXERCIDA POR TERCEIRO. Diz o Código Civil, art. 101:


“A coação vicia o ato, ainda quando exercida. por terceiros”. E o § 1.0: “Se
a coação exercida por terceiro for previamente conhecida à parte, a quem
aproveita, responderá esta solidariamente com aquele por todas as perdas e
danos”. § 2~: “Se a parte prejudicada com a anulação do ato não soube da
coação exercida por terceiro, só este responderá pelas perdas e danos”. Que
a coação pode ser exercida por terceiro, não há dúvida. Mas ~ é possível
cogitar-se da ação de indenização? Creio que sim. Se o testador dispôs
coagido, e foram partilhados os bens e de qualquer modo desfalcado o
espólio, provando-se, na ação competente, a coação exercida por terceiro, e
anulado o ato, há a ação de indenização, cumulável com a anulatória.

7.PROVA DA COAÇÃO. A coação não se presume. Quem a alega deve dar


provas. Mas, como a respeito do dolo, cabem todos os meios de prova,
inclusive as presunções. Aliás, raramente se pode pensar em coação que não
envolva o seu tanto de dolo. Se o dano temido for à família, cumpre ao
autor da ação, para estabelecer a admissibilidade do temor pro affectu,
mediante a presunção legal, provar o parentesco existente, ou, melhor, a
situação de família. Isso tem por fim isentá-lo de provar o grau de afeição.
Quando não se trata de parentes, mas houve, efetivamente, coação pro
affectu, tem o autor de provar o grau de afeição existente entre o testador e
aquele sobre quem recairia o dano à pessoa ou aos bens. Cumpre advertir
que o dano pode também ser do filho daquele a quem tão intimamente se
achava ligado o testador. Não é possível cercear-se o juiz na apreciação dos
casos concretos.

§ 5.685. Simulação

1.CONCEITO E ESPECIAIS DE SIMULAÇÃO. O dolo e a simulação do


testador, se violam a lei, não são só dolo e simulação: são ilícito
procedimento, quer quanto ao móvel, quer quanto ao fim, quer quanto ao
conteúdo da disposição. De modo que dolo e simulação do testador
constituem, se violam lei imperativa, causa de nulidade, e não de
anulabilidade (F. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 512, nota 13, 513), facere in
fraudem legis. O mesmo dir-se-

á da fraude à lei.

As simulações mais vulgares são as de data e as de não..doação, que


obrigaria o herdeiro a colacionar. Sempre que a simulação é para evitar ou
aplicar, indevidamente, norma legal, há nulidade, fraude à lei, e
anulabilidade, por simulação propriamente dita. Mas, se o testador simula o
ato jurídico (venda de bens, em vez de doação ao herdeiro, que teria de
colacionar; reconhecimento de dívida, em vez de doação), há simulação,
com todos os característicos do vício e, então, cabe a ação de anulação.
Pode ter sido simulado o próprio ato, e. g., se o disponente testou em vez de
doar. Mas, então, pode haver erro. Pelo menos, mais erro que simulação.
Talvez dolo.
2.SIMULAÇÃO E OUTROS VÍCIOS. Diz o Código Civil, art. 102:
“Haverá simulação nos atos jurídicos em geral:

1. Quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das


a quem realmente se conferem ou transmitem. II. Quanto contiverem
declaração, confissão, condição, ou cláusula não verdadeira. III. Quando os
instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados”. Já se tratou
da reserva mental e do ato n&~-sério.

Nem de uma, nem de outro, falou a lei brasileira. A simulação é terceira


espécie. Em sentido amplo, a palavra simulação abrange: a reserva mental
em que há divergência entre a vontade declarada e a vontade real; o
gracejo, que não se destina a produzir efeitos jurídicos; a simulação stricto
sensu. Mas, no sentido do artigo 102, só a última espécie seria de
considerar-se. Preliminarmente, há generalizada opinião de que só existe
simulação se concertada com o aceitante, ou a pessoa a quem se destina.
Restringir-se-ia aos negócios jurídicos bilaterais. A inteligência com a
parte, a quem se dirige, distingui-la-ia da reserva

mental, fato unilateral, portanto possível em quaisquer atos jurídicos.


escapariam ao vício da simulação todos os atos unilaterais. Nesses, seria
impossível distinguir da reserva mental a simulação propriamente dita; nos
atos bilaterais, simulação unilateral não seria simulação: seria dolo. Daí não
vermos tratado, nos testamentos, o caso de invalidade por simulação. Parece
que os escritores procuram limitar os vícios aos sós exemplos do erro, do
dolo e da coação. Não se poderia ter no direito brasileiro idêntica atitude:
no Código Civil (ao contrário do Projeto primitivo art. 102, como no
Projeto de CtELHO RODRIGUES, art. 335, que somente falavam de atos
entre vivos), a simulação apanha os atos jurídicos em geral, portanto os atos
jurídicos mortis causa. Tima coisa é o testamento, outras são as diferentes
disposições que ele contém.

A questão terá, pois, de ser discutida. No Esboço, TEIXEIRA DE FREITAS


distinguiu da simulação nos atos jurídicos em geral a simulação nos atos
entre vivos (art. 521: “Haverá simulação nos atos jurídicos em geral: 1.0.
Quando constituírem ou transmitirem direitos a interpostas pessoas, que
não forem aquelas, para quem realmente se constituem ou transmitem. 2.0.
Quando contiverem qualquer declaração, confissão ou cláusula, que não for
verdadeira”; art. 522: “Haverá si mulação nos atos entre vivos: 1.0 Quando
as partes os tiverem celebrado, sem intenção de realizar o ato aparente ou
qualquer outro. Haverá em tal caso simulação absoluta. 2.0. Quando as
partes os tiverem disfarçado, na intenção de realizarem outro ato de diversa
natureza. Haverá em tal caso si mulação relativa. 3 0 Quando a data dos
instrumentos particulares também não for verdadeira”. O Código Civil não
distinguiu. Do art. 102, 1, a própria lei dá, no art. 1.720, aplicação especial:
são nulas (sic) as disposições em favor de incapazes de adquirir por
testamento, ainda quando simulem a forma de contrato oneroso, ou os
beneficiem por interposta pessoa. Aí, o declarante quis fazer aparecer ato
jurídico válido, para evitar a invalidade do ato que realmente quis. Daquele
só se quis a aparência. Nisso diferença-se dos atos ostensivos em fraude à
lei e dos em fraude aos credores, verdadeiramente queridos. Nada obsta a
que a teratologia da vontade chegue ao ponto de casos simulados em que
também se verifique a fraude da lei ou a fraude dos credores: vistos de um
lado, simulam; vistos de outro, são negócios jurídicos sem jaça, isto é, que
não tiveram fito de dar aparência de ser ao negócio que se escolheu, na
divergência intencional entre aparência e realidade, e sim o de chegar,
através deles, à eficácia de resultados proíbidos, ou à equivalência de tais
resultados.

Na reserva mental, não se quis enganar, valendo, ao passo que, na


simulação, se quis a validade do ato aparente, ou no que se refere à sua
existência (simulação absoluta), ou no que se refere à natureza, ao
conteúdo, ou à interposição de pessoa (simulação relativa).

Trataremos das três espécies principais de simulação:

a) interposição de pessoa; b) declaração, confissão, condição ou cláusula


não-verdadeira; c) instrumento particular ante-datado ou pós-datado.

3.TRÊS ESPÉCIES PRINCIPAIS DE SIMULAÇÃO. (a) Na interposição


de pessoa, o intuito do testador é fazer acreditar na existência de
beneficiado (o da declaração), ao qual, na verdade, não se conferem direitos
nem proventos: é o beneficiado aparente, que serve à missão simulante de
encobrir o verdadeiro beneficiado. Se analisamos as relações, vemos:

há negócio jurídico efetivamente querido, quis-se o ato, a disposição de


última vontade; o que não se quis, mas quis-se aparentar, foi beneficiar o
titular do direito que se declarou; não há divergência entre a disposição
querida e a declarada, e sim entre o sujeito beneficiado pela disposição
querida e o outro favorecido pela declarada. Portanto, é relativa a
simulação. Quase sempre com isso se pretende deixar herança, legado, ou
outro benefício, a quem por lei era incapaz (Código Civil, art. 1.720); mas
nem sempre a interposição tem esse intuito de beneficiar o que não pode
suceder: o testador pode querer ocultar o verdadeiro interessado e servir-se,
para isso, da pessoa interposta, da Zwischenperson de F. REGEL8-GER. A
rigor, o fiduciário é pessoa interposta real; o que entregará o legado ao
incapaz é pessoa interposta real, para só ferirmos os casos dos interpostos
simulados; mas deixemos dito que, ainda real a interposição, se tem por fim
fugir à proibição legal, não vale a deixa, porém não por ser simulação, e
sim por ser in fraudem legis. A interposição, que vicia, é a que aparenta
conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas a que realmente
se conferem ou transmitem (Código Civil, art. 102, 1). A fraude na
interposição real é caso de nulidade e facilmente se descobre. Depende de
provas a interposição simulada, que vicia a disposição e constitui causa de
anulabilidade. Às vezes, a lei, querendo adiantar-se à prova, faz certos
casos passarem de uma categoria para outra. Entende, por exemplo, que o
pai, a mãe, os descendentes, o cônjuge do incapaz figuram nas declarações
testamentárias como pessoas interpostas (art. 1.720).

(b) O testador pode dispor livremente dos seus bens. Se simulou, mas, com
a simulação, não teve intenção de violar a lei, ou de prejudicar terceiro, não
pode constituir vício a simulação. São válidas as disposições testamentárias.
Se violou a lei, ou se prejudicou direitos de outrem, é que se lhes pode
apurar a validade: os lesados com a simulação, o Curador de Testamentos
ou a Fazenda requere a anulação, ou, nos casos de nulidade, a decretação
dela. Nada obsta a que o testador deixe a quem bem entende o seu
patrimônio, usando de interposição de pessoa, uma vez que não viole
legítimas, nem fira de qualquer modo a lei ou os direitos de terceiros. Seria
absurdo anular-se a disposição pelo simples fato da não veracidade do
beneficiado: é direito dele ocultar, se o entende proveitoso ou aconselhável,
o benefício testamentário. Aqui vigoram os mesmos princípios que teriam
de reger os ates chamados de caridade velada.

(c)Quanto à declaração, à confissão, ou à cláusula não verdadeira, se o


negócio jurídico é absolutamente simulado, como se o testador lega
quitação de dívida, que não existia, ou se reconhece ser devedor sem o ser,
ou declara ter vendido o que não vendeu, é anulável a disposição se ofende
a lei eu direito de terceiros. Se a simulação é relativa, há disposição com
negócio jurídico aparente, simulado, e outro, verdadeiro, secreto. Se esse
negócio jurídico reúne os elementos necessários à sua constituição e à sua
eficácia, e não causa prejuízo a qualquer pessoa, nem ilude disposição de
lei, não pode ser anulado pelo simples fato da simulação. Mas ~ quais são
esses requisitos? ,~ Os do ato aparente ou os do ato verdadeiro? No Código
Civil alemão vem a seguinte regra (§ 117,

2 a alínea):

“Se negócio aparente encobre outro negócio jurídico, aplicam-se as


disposições concernentes ao negócio jurídico encoberto”. ~.É aplicável às
declarações testamentárias? Não, diz CARL CROME (System, V, 705, nota
2), invocando os Protokolle (V, 46). H. O. LEHMANN (Das Birgerliche
Recht, II, 775) reputou inconcebível (quanto é difícil o inconcebível,
máxime em assunto de simulação e fraude!) o negócio jurídico aparente,
por pressupor combinação. A solução é bem outra: o fito, na interpretação
dos testamentos, é a vontade do testador, e não outras considerações. Por
isso, seria difícil preferir-se o velado ao aparente. Ora, o direito brasileiro
não fica só. Há esteios doutrinários. H. DERNBURG (Das Burgerliche
Recht, V, 135) considerou os §§ 116 e seguintes em geral aplicáveis aos
testamentos. A espécie é que é difícil de figurar--se, pela unilateralidade do
ato testamentário.

Não volveremos à questão da simulação, mais referente a atos jurídicos


bilaterais. Porém não é escusado perguntar: se é preciso o elemento
combinação, ,~ só se combina onde é bilateral o ato? Os atos podem ser
unilaterais, e haver a bilateralidade nas maquinações, nos conciliábulos, nos
simulacros. Parece que os juristas estão a confundir unilateralidade do ato
jurídico e unilateralidade das manobras simulantes. Demais, o que,
praticando ~to jurídico, simula isto é, finge algo pode proceder de tal
maneira, que, sozinho, maquine no interesse de outrem, de modo a
dispensar a efetiva bilateralidade da simulação.

(d)Quanto à antedata e à pós-data, TEIXEIRA DE FREITAS (Esboço, art.


522, 3.0) restringia tal vicio aos atos entre vivos e aos instrumentos
particulares. Ó Projeto de COELHO RODRIGUES, art. 335, 3~o, e o
primitivo, art.

102, 3 O, referiam-se aos instrumentos em geral, porém, pelo sistema de


ambos, só havia simulação nos atos entre vivos. De modo que no direito de
qualquer deles não seria possível no capítulo da simulação vicitante do ato
jurídico tratar-se da antedata ou pós-data dos testamentos.

A antedata ou pós-data do instrumento particular constitui simulação. A do


instrumento público, não: é falsidade.

Implica a acusação ao oficial público que o lavrou. A lei reserva ao oficial


público determinar o momento em que se lavrou o ato público: não são as
partes que escrevem as datas. Por isso, só se deve~ falar de data falsa, e não
de data simulada. (Não atendendo a isso, SPENCER VAMPRÉ, Código
Civil anotado, 1, 78, censurou, sem razão, o art.

102, III, e quis lê-lo como exemplificativo.) Nesse ponto, TEIXEIRA DE


FREITAS estava certo; COELHO

RODRIGUES e CLÔVIS BEVILÁQUA, misturavam conceitos. Certo está,


como o Esboço, o Código Civil brasileiro.

O art. 102 do Código Civil refere-se aos “atos jurídicos em geral”, e o


inciso III, que só concernia aos atos entre vivos (Esboço, art. 522, 3.0),
aparece sem qualquer limitação. Por isso surge a questão das antedatas e
pós-datas nos testamentos particulares, uma vez que os públicos e os
cerrados hão de ter o momento fixado pela designação cronológica, que o
oficial inseriu na escritura de testamento, ou no ato de aprovação. Noutros
termos: não tendo o Código Civil exigido como requisito essencial do
testamento particular a data (art. 1.645), ~ pode ser anulado o testamento
particular antedatado ou pós-datado, com o fundamento da simulação? O
problema seria assaz importante se houvesse prevalecido a doutrina do
Projeto primitivo, que não tinha a regra jurídica do Código Civil, art. 103,
oriundo do Esboço, art. 523 (Código Civil argentino, art. 957). Fugindo ao
direito romano, queria CLÓVIS

BEVILÁQUA que se anulasse por simulado o ato jurídico, ainda que


inocente a simulação. (Sem advertir nisso, fulminavam a simulação
inocente, SPENCER VAMPRÉ, Código Civil anotado, 1, 78, JoÃo LUIS
ALVES, Código Ciull, 1, 90 s.) No direito brasileiro de hoje se inocente a
simulação, pode ser demonstrado o emprego dela na constituição de
determinado ato jurídico. ~ Mas qual o destino do ato jurídico
inocentemente simulado? CLOVIS

BEVILÁQUA (Código Civil, 1, 381) entendia que o Código Civil não


considera defeito a simulação inocente; portanto, deve subsistir o ato,
apesar dela. EDUARDO ESPÍNOLA (Manual, ~ 1ª parte, 503 s.) queria
que se anulasse o ato simulado, ou subsistindo as relações decorrentes do
ato dissimulado, ato que realmente quiseram constituir (simulação relativa),
ou considerando-se tudo inexistente, porque, em verdade, nenhuma relação
se quis formar. Tal opinião lembra o Esboço e o Código Civil argentino, art.
957, que o seguiu, e lê o Código Civil brasileiro como se houvesse a
distinção em simulação absoluta e relativa. Ora, a simulação absoluta, que,
ainda sem a má-fé, fere, o simulante não pode alegar. Mas, está visto, supõ-
se, na espécie, a torpeza do que a invoca. Se participou da simulação, sem
malícia (o que é possível), pode vir a juízo invocá-la. Aliás, se há malícia,
não na podem alegar nem os que tomaram parte, nem os que, sem tomarem
parte, foram cúmplices.

A simulação absoluta que, ainda sem a má fé, feria de nulidade absoluta o


ato jurídico, era, no Esboço, art. 524, do art. 522, 1.0 (“quando as partes os
tiverem celebrado sem intenção de realizar o ato aparente, ou qualquer
outro”), inciso que o legislador brasileiro não trasladou ao Código Civil; e a
simulação relativa, inocente, que tem o efeito de fazer valer o ato
verdadeiro, em vez do simulado, era a do art. 522, 2.0 (“quando as partes os
tiverem celebrado, sem intenção de realizar o ato aparente ou qualquer
outro”), inciso que também não foi transcrito no Código Civil. O art.

102 do Código Civil contém todos os incisos do Esboço, arts. 521 e 522,
exceto, exatamente, os dois a que se referiam os arts. 524 e 525.

4.TERCEIROS E ALEGAÇÃO DE SIMULAÇÃO. Em determinadas


circunstâncias, são terceiros para demandar a anulação dos atos simulados
os próprios sucessores a título universal. Assim, os filhos do herdeiro
premorto, para anular os contratos, a partilha em vida, ou a disposição
testamentária, em que o pai foi autor do ato jurídico simulado. Em suma:

dificilmente pode dar-se simulação do ato testamentário; menos


dificilmente em algumas das dispbsições, máxime se referente à relação
jurídica anterior, ou se envolve qualquer matéria de ato jurídico não-
patrimonial, ou, patrimonial, de manifestação no testamento. A simulação
de que tratam os arte. 102-105 é a simulação viciante do ato. Não
imponhamos ao Código sistema que ele não adotou. Excluiu, vê-se, sem no
querer, discrepância fundamental entre o querer e o declarar,
provàvelmente reserva mental. Quiçá gracejo, o que deslocaria a questão.

A simulação que consiste em qualquer dos incisos do art. 102 (interposição


de pessoa, declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira,
instrumentos particulares antedatados ou pós-datados), se inocente, não
constitui defeito: subsiste o ato. Por isso só, a simulação não causa a
invalidade dos atos.

5. CONVERSÃO. Em matéria testamentária, o Código Civil, art. 1.666,


leva a soluções que favorecem a conversão dos negócios jurídicos. Quando
um negócio jurídico na espécie, disposição testamentária não reúne o que se
lhe requer para a sua validade, mas tem o que é de mister a outra figura
jurídica, dá-se a conversão (controverso actus iuridico, não só pela
preferência estabelecida no art. 1.666, como porque, no direito hodierno, o
nome dos negócios jurídicos não tem grande importância (R. ROMER, Zur
Lehre von der Conversion, Archiv filr die civilisti.sche Praxis, 36, 66). Nas
declarações de vontade, sempre há dois lados, um externo, o corpo do
negócio jurídico, melhor a declaração, cuja forma é a forma mesma do
negócio jurídico, e outro interno, que a alma do negócio, a direção da
vontade para o fim jurídico (68). Ora, o direito testamentário vai além
disso: cria ~o favor voluntatis, extraordinariamente decisivo. Assim, se o
testador, partilhando os bens entre os filhos (art. 1.776), considera em
usufruto as legítimas, não deve o juiz invalidar a cláusula, reputando-a nula,
nem, se indícios há de simulação, pronunciar-lhe a anulação por defeito: ou
o testador quis, ressalvando as legítimas, ou, sem as ressalvar, quis o que a
lei permite a inalienabilidade, quiçá a incomunicabilidade (o que se
verificará dos dados testamentários e das circunstâncias). Deve-se, tanto
quanto possível, manter de pé a disposição.

A regra jurídica da conversão, que é invocável para tantos outros negócios


jurídicos, a fortiori o é para os testamentos. Todavia, isso escapa à definição
de ato simulado, que é o ato encobridor de outro ato verdadeiro, querido
aquele para a aparência. Dá-se a conversão quando o declarante quis
alguma coisa possível e o modo de dizê-lo lhe deu figura inválida: há de
preferir-se a validade. Todos esses pontos são necessariamente devolvidos à
interpretação, que é precípua em matéria testamentária.

Quanto à data falsa (testamentos públicos ou cerrados) e à data simulada


(testamento particular), a discussão envolve outras regras do Código Civil,
constitui questão de requisito formal e ponto de reparo de requisitos
intrínsecos (e.. g., capacidade), de modo que tudo aconselha a prostrai-la.
menos a simulação que está em jogo do que a data mesma.

6. RESSALVA E LEGITIMAÇÃO ATIVA DO LESADO PELA


SIMULAÇÃO. No que toca à ressalva, ou ela serve à prova da simulação
nociva, ou, deixando de ser ressalva, para ser elemento de interpretação da
vontade do testador, constitui dado para a construção da disposição
testamentária.
Se o que foi lesado por simulação nela interveio, não pode alegá-la, em
juízo: Nemo auditur propria turpitudine allegans. Supõe-se, ai, a torpeza do
que a invoca. Se participou da simulação sem malícia, pode alegá-la. A
cumplicidade afasta a legitimação ativa.

7. REGRAS JURÍDICAS INVOCÁVEIS. Os arte. 108-113 do Código Civil


podem ser invocados. Assim, se o testador declara ter vendido um prédio ou
ações de companhia, sem receber o preço, desobriga-se o adquirente,
depositando-o em juízo, com citação de todos os interessados. Provada a
má fé do adquirente, ainda terceiro, pode ser intentada a ação dos arts. 106 e
107. Se o testador legou quitação de divida quirografária, cumpre distinguir
se vencida ou se ainda não vencida. Se vencida, e a insolvência foi posterior
à morte (insolvência do espólio, e não do devedor>, é indiscutível que se
deve reputar efetuado o pagamento pelo testador no momento preciso da
morte, pois que o testamento é ato de última vontade. Não só ele podia
pagar as dividas vencidas, como também faltaria, na espécie, outro requisito
da ação dos arts. 106 e 197: a má fé do credor satisfeito. Entenda-se, porém,
que, provada a má fé, a situação muda (e. g., se simulado o vencimento).
Escusado é dizer que se presumem de boa fé, e valem, os negócios
ordinários indispensáveis à manutenção do estabelecimento mercantil,
agrícola ou industrial do devedor (art. 112). Presunção essa que pode salvar
a declaração do devedor, sem outros vícios, no testamento.

§ 5.686. Fraude feita pelo testador

1. FRAUDE CONTRA CREDORES. A fraude, se, feita pelo testador, teve


por fito a lei é ato in fraudem legis.

Nulo, portanto, e não anulável. Da fraude à lei, tratar-se--á depois. Mas


pode haver, excepcionalmente embora, fraude contra credores. Imaginemos
o contrato em que se diga: “pagará cem contos a B, salvo se, antes do prazo,
morrer, e tiver herdeiros necessários”. No testamento, o testador reconhece
um filho, que não o é. É irrecusável a atacabilidade pelos credores dos
filhos. Admitido que os testadores insiram disposições de ordem contratual,
reconhecimentos de dividas, e até legados de dívidas ativas, não se pode,
doutrinariamente, recusar a possibilidade simétrica de vício por fraude. O
patrimônio é do testador; portanto, a fraude alegável é a dele, e não a dos
interessados, porém ele pode deixar bens inalienáveis, gravados de
encargos, e sob cláusula de impenhorabilidade, a quem deva e esteja sendo
executado. Os credores do herdeiro, de legatário, dos contemplados em
geral, não podem atacar o ato de disposição do testador, ainda quando a
inalienabilidade, a impenhorabilidade, a incomunicabilidade, o usufruto, a
nua propriedade, ou qualquer figura que for adotada, aparentemente, contra
o herdeiro, legatário, beneficiado ou seu cônjuge, tenha sido sugerida pelo
interessado em afastar dos bens os credores.

2.CLÁUSULAS TESTAMENTÁRIAS E FRAUDE. Diz o Código Civil,


art. 106: “Os atos de transmissão gratuita de bens, ou remissão de divida,
quando os pratique o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à
insolvência, poderão ser anulados pelos credores quirografários como
lesivos de seus direitos”. E o parágrafo único: “Só os credores, que já o
eram ao tempo dêsses atos, podem pleitear-lhes a anulação”.

É a ação Pauliana, que somente cabe se o ato do testador (por exemplo,


reconhecimento de dívida) agrava ou cria o estado de insolvência: só assim
se verifica o eventus damni. A insolvência deve preexistir ou resultar do ato
impugnado:

nem o ato, em si, basta, nem a verificação da insolvência justifica, por si só,
a ação anulatória. É preciso haver nexo causal entre o ato e o prejuízo.

Pode bem ser que o testador aproveite o testamento para nele declarar que
não aceita a herança de outrem (exemplo: o patrimônio, em que é um dos
fideicomissários, e há disposição do decujo contra a caducidade do
fideicomisso), e então se dá o caso do Código Civil, art. 1.586. Se há
legados ou deixas modais remuneratórias, a ação dos credores somente
pode recair na parte excedente aos serviços remunerados: só as
liberalidades são atingidas pelo art. 106.

Em todo o caso, pode caber o art. 107: “Serão igualmente anuláveis os


contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória,
ou houver motivo para ser conhecida do outro contraente”.
Os adiantamentos de legítima, os dotes, os empréstimos a filhos, e todos os
mais atos que importam colação, constituem atos desfalcantes do
patrimônio, contratos gratuitos que, havendo insolvência, podem ser
revogados (art.

106), independente do consilium fraudis. Cumpre advertir que, em


quaisquer casos, somente aos credores que o eram ao tempo do ato jurídico,
e não aos posteriores, compete a ação anulatória. Os credores posteriores já
encontraram desfalcado o patrimônio. No caso do testamento, ato que só
tem eficácia com a morte, a situação dos credores posteriores à feitura é
bem digna de exame. Mas varre as primeiras obscuridades a distinção
preliminar entre o ato verdadeiro e o ato simulado. No caso de ato
fraudulento (verdadeiro), a regra é que só os credores lesados com a
superveniência ou agravação da insolvência são autorizados a pedir a
anulação. Mas, se houve dolo, erro, simulação, já não se trata de simples
fraude contra credores, e podem requerer anulação quaisquer credores
anteriores ou posteriores ao ato simulado, doloso, eivado de erro, desde que
se legitimem às ações respectivas. Pode também acontecer que o ato
verdadeiro se conserve oculto, escapo à mais fina vigilância; nesse caso, os
credores posteriores não têm por si a ação por fraude contra credores, mas a
de dolo. (Ao que acabamos de dizer quanto aos chamados credores
posteriores não há, rigorosamente, exceções: no caso do art. 988, é questão
de sub-rogação; e o reconhecimento posterior ao ato lesivo, mas de ato
anterior a esse, não justificaria considerarem-se posteriores aqueles cujos
créditos reconheceram.)

§ 5.687. Mudanças da circunstâncias, circunstâncias novas e interpretação


1.MUDANÇAS E REPERCUSSÕES. No manifestar a vontade, não pode o
testador prever todas as contingências possíveis, de modo que tem o juiz,
por vezes, de suprir as lacunas. Para alcançá-lo, tenta penetrar o
pensamento do testador, atendendo a todas as circunstâncias que poderiam
ter atuado no espírito do disponente, separando o que ele podia querer e o
que podia não querer (H. DERNBURG, Das Burgerliche Recht, III, 3ª ed.,
370). Não deve corrigir ou mudar a que está claro no testamento, mas é
dever seu prestar atenção às circunstâncias em que foram escritas as
palavras. Aqui o papel do intérprete da lei e o do intérprete de testamentos
assaz se distinguem. Não pode dizer que o testador se esqueceu de alguém
ou de alguma cláusula: a vontade do testador, mesmo manifestada, é, em si
e por si, inoperante, se não tem, no testamento, expressão juridicamente
válida. É preciso que se manifeste de acordo com a lei; porque, de outro
modo, não se interpretaria vontade declarada, e sim vontade inexistente no
testamento. Mas tal advertência não se há de entender com demasiado rigor:
uma coisa é a falta de declaração, e a outra a lacuna na declaração
existente. O juiz pode preencher a lacuna, que se nota na declaração da
vontade. Um dos casos possíveis é o de haverem surgido novas
circunstâncias:

“deixo a casa a, que rende um milhão de cruzeiros novos, que reputo o


estritamente necessário para que meu sobrinho e afilhado viva bem, e é de
meu desejo assegurar-lhe esse bem-estar, sem o que não morreria em paz,
pois que muito o amo e quero sua felicidade garantida”. Se a casa, pela
passagem de um trem à porta, ou por outra imprevista circunstância, se
desvaloriza, a ponto de só render duzentos cruzeiros novos, claro é que o
juiz deve considerar lacunosa a declaração. Em todos os casos, em que o
testador, ao fazer o testamento, não podia conhecer as circunstâncias, como
se ainda imprevisíveis, e não as regulou, intervém o juiz e enche o vazio
que a vida fêz às declarações, ou que, por consciência, escapou ao testador.
Sôbre o ponto em questão pode o testador não dizer uma palavra; mas
tratar-se de lacuna da declaração de vontade. Outro exemplo: o testador
declara que os bens deixados a A, B e C serão administrados por B, que tem
procedido com toda a lisura e correção. Mas B começou a beber, a desviar-
se dos bons costumes, e foi condenado por atos de abuso de confiança. O
testador, se o soubesse, não o teria apontado para a missão. Pode o juiz
substitui-lo, com fundamento na própria declaração. A esse respeito, são
vulgares as nomeações de testamenteiros, e todas devem ser atendidas se
mantidas pelo nomeado as circunstâncias pessoais que concorreram para
que o testador escolhesse essa e não outra pessoa. “Nomeio o meu sócio F”,
diz o testamento; há de entender-se que o não nomearia, se o sócio tivesse
requerido (como requereu, posteriormente à morte) a liquidação
contenciosa da firma.
Ainda assim, vale e é eficaz a declaração, em sua inteireza, quando
contemple a mulher e, nas vésperas da morte, foi decretado o desquite por
adultério dessa, se o testador poderia ter roto o testamento, e não no fêz.
Certo, na espécie, pode ser argüido achar-se revogado e haverem terceiros
roto o segundo testamento; porém já é de outra questão que se cogita.
Cumpre que não se confundam interpretação e apreciação da validade ou
revogação dos testamentos, ou, até, das cláusulas.

2.ALGUMAS QUESTÕES E JULGADOS. A testadora instituiu seus


herdeiros a Frederico, a Carlos, seus irmãos, e aos filhos de um irmão
premorto, dispondo que Frederico, antes do inventário, receberia os móveis.
Frederico morreu depois de feito o testamento e antes de a testadora falecer.
Os filhos dele foram reclamar a herança, têrça parte do espólio. O tribunal
alemão (Rechtsprechung des OLG., VI, 72) negou-lhes o direito; e para isso
declarou que a vontade da testadora de chamar, para êsse caso, aos filhos do
irmão premorto, não estava expressa no testamento. Conseguintemente, se
desse cumpra-se a essa vontade inexpressa, deixaria a justiça de interpretar
a vontade da testadora; e deixaria de interpretá-la para supri-la, coisa que
ao intérprete se não permite. Bem se pode imaginar a repulsa que tal
exegese literal causou. Do julgado trataram vários autores. H. DERNBURG
(Die Auslegung der Testamente, Deutsche Juristen-.Zeitung, 9, 6-8)
censurou-a como contrária à vontade do testador.

Havia a beneficiação dos filhos de outro premorto; estava evidente que o


seu fito fora o de contemplar os herdeiros legítimos. Não era de mister
mudança de testamento. E ainda que não houvesse a tal referência aos filhos
do outro, é máxima de experiência (Erfahrungssatz): o bem que se quer
deixar ao pai quer-se também deixar aos filhos. É de presumir-se. No
Lehrbuch (V, 119), sustentou o mesmo e fêz séria crítica ao julgado. Não se
pode atribuir ao testador pensamento que não esteja no testamento; pode
estar implícito, pode não se achar expressamente e sim tâcitamente, pode
ser conseqüência do contexto das cláusulas e, até, resultar do adequamento
entre as cláusulas expressas e as circunstâncias. Pode ser claro o texto, e
dever interpretar-se; porque pode ser claro e lacunoso (circunstâncias
ignoradas e circunstâncias posteriores), ser claro e, nas conseqüências,
ambíguo; ser claro sobre um ponto e obscuro quanto ao resto. Só o ser claro
não obsta à interpretação. WALTER ERMANN (Publius luventius Celsus,
Griínhuts Zeitschrift, 31, 577) exclamou: ~que é que diria CELSO dêsse
culto severo da letra e da palavra, digno da primeva interpretatio
pontificum? Olvida-se, precisamente, a regra fundamental de interpretação,
em matéria de testamentos, a que ordena que o conteúdo da disposição se
determine, ajustando-se, tanto quanto possível, às intenções do testador a
aplicação da cláusula. Ora, o próprio art. 85 d.o Código Civil brasileiro e o
§ 133

do Código Civil alemão exigem que se dê às palavras, não o sentido usual,


mas o que delas resulta, atendidas as circunstâncias concretas, os hábitos de
vida e o modo corrente de exprimir-se o testador e a classe social a que
pertencia. Mais a intenção que a letra. Por exemplo: O testador deixou à
viúva o usufruto ilimitado da metade do seu patrimônio até à maioridade do
filho. Ao patrimônio pertencia uma fábrica; designou como testamenteiros a
alguns amigos conhecedores do negócio, e êsses não aceitaram o encargo;
deviam eles liquidar a herança; o tribunal decidiu que o tutor podia requerer
a venda da fábrica, pois faltaram as pessoas técnicas (A. BOLZE, Die
Praxis des Reichsgerichts, VI, 280). Não decidiu certo; ter-se-ia de nomear
testamenteiro quem tivesse realmente competência.

3.CLÁUSULA “REBUS SI‟C STANTIBUS” E PRESSUPOSIÇÃO


“REBUS SIC STANTIBUS”. Cumpre que se não confunda com o erro
sôbre o conteúdo da declaração a cláusula rebus sic stantibus. Se ele
conhecesse a verdade, não testaria: tal o erro. Se, ao tempo que testou, a
situação fôsse a da morte, não testaria: tal a cláusula rebus sic stantibus.
Exemplos de cláusulas rebus sic stantibus: a) o testador dispôs da metade
testável a favor da mulher, mas, pouco antes de morrer, apresentava petição
de desquite ou divórcio (estrangeiro) contra o cônjuge, ou, ainda, de
nulidade de casamento, e venceu, ou, ao morrer, continuava na ação; b) o
testador contemplou a noiva, com quem cortou relações, ou simplesmente
desfez os esponsais (se bem que, na espécie, possa caber a interpretação
“deixou a alguém, que coincida, ao tempo da morte, ser a noiva”, ou que
exclui tratar-se de “deixou a noiva A”). Num e noutro caso, a disposição
vale desde que se deva admitir que o testador após o ocorrido manteria a
declaração. Mas cumpre precisar a aplicação: o casamento dissolvido, o
noivado desfeito e a sociedade conjugal que se apaga, são, na verdade,
casos e situações que supõem existir a cláusula rebus sic stantibus, não,
porém, de anulabilidade por erro, o que já se prende a outro plano, o da
validade. Em todo o caso, ainda no casamento dissolvido, na sociedade
conjugal ou no noivado que se desfez, se tem de inquirir se há
pressuposição ou clausula.

sula. Quem dispõe (herança, legado, modus) em favor de mulher ou noiva,


bem assim em favor de filho, fê-lo tendo em conta a qualidade essencial:
cônjuge, noiva, filho. Se essa qualidade desaparece, ou pela mudança p
osterior (clausula rebus sic stantibus), ou pela revelação da verdade, contra
o que o testador supunha (erro), o favor testamenti não pode ir até ao
absurdo de se decidir contra a vontade do testador. Na primeira espécie, o
contemplado não fornece mais a qualidade que era essencial (F. RITGEN,
Biirgerliches Gesetzbuch,, V, 242). Na segunda, há erro, distinção
justamente feita por MAx MATTHIAS (Rechtswirkungen der Clausula
rebus sic stantibus und der Voraussetzung rebus sic stantibus, 48).

O Projeto alemão concedia a ação de impugnação nos casos do § 2.077 do


Código Civil alemão, que, afinal, falou do casamento dissolvido, ou nulo, e
de espécies outras: intentação de ação de divórcio, ou dissolução da
sociedade conjugal; noivado roto. A II Comissão preferiu a caducidade de
plano ou Un.wirksamkeií. No direito brasileiro, não havendo o § 2.077,
apode o juiz admitir não se cumprir o testamento? No caso afirmativo, ~
trata-se de anulação ou de caducidade? Seria necessária a regra legal,
equivalente ao § 2.077, se não fosse o próprio § 2.077 regra jurídica de
interpretação. Quando o legislador insere nos códigos regras jurídicas
interpretativas da vontade dos testadores, certo fixa critério, mas o critério,
que se supõe nos fatos quotidianos, preexiste ao texto. Quando o disponente
deixa algum bem, ou toda a herança, ou parte da herança, ao cônjuge, ou à
noiva, ou ao noivo, fazendo-o nessa qualidade, o reconhecimento da
qualidade como pressuposto da disposição só se funda na vontade
presumida do testador.

Provada a intenção contrária, não cabe a incidência da regra jurídica que se


fêz explícita no § 2.077 do Código Civil alemão, nem a dúvida, sem texto
legal prévio, no direito brasileiro. A declaração de nulidade ou anulação do
casamento, implicaria a idéia de erro, viciante da disposição testamentária;
mas, ainda aqui, a questão principal é a intenção do testador: A deixou à
mulher, B, duas casas; B promoveu a anulação do casamento por coação de
A; se for de se admitir que, ainda anulado, A manteria a declaração de
última vontade, claro que não está caduca a disposição sobre herança ou
legado. Cartas, revelações a amigos, atos de amizade posteriores à lide, se
morreu durante ela, ou, a fortiori, após a sentença anulatória, tudo isso pode
fazer segura a continuidade da vontade do testador.

É discutido, porém, se, no Código Civil alemão, o § 2.077 é simples regra


de interpretação. Frisemos bem: no Código Civil alemão. Regra jurídica
dispositiva, que contém condição tácita, diz F. RITGEN (G. PLANCK,
Elirgerliches Gesetzbucl2, V, 242). Por isso mesmo, se outra foi a intenção
do testador, não existe a condição (alínea 8.~). Contra., F. ENDEMANN
(Lehrbuch, III, ~ ed., 515): a lei fêz mais do que inserir regra interpretativa,
porque o disponente não teve só em vista as qualidades de cônjuge, ou
noivo, e os casados e os noivos podem separar-se, permanecendo grandes
amigos e afetuosos. Assaz preciso ANDREAS VON TUHR (Der
Augemeine Teu, II, ) : condições e pressuposições não precisam ser
explícitas, nem, sequer, expressas, podem ser tácitas, ou implícitas; podem
os atos jurídicos apoiar-se em fatos, que se suponham, ou que deixem de
ser; o § 2.077 constitui regra jurídica de interpretação, com que se cria, em
lei, caducidade (e não anulabilidade, como se sugeria no 1

Projeto alemão), isto é, ineficácia (II, 275), em virtude da condição


resolutiva ex lege (II, 278; contra E. RITGEN, em G. PLANCK,
Biirgerliches Gesetzbuch, V, 242); quer dizer condição presumida,
legalmente (III, 272, nota 79).

Não podemos negar que a inserção em lei dá mais fôrça à presunção. É


exatamente esse mais que suscita as discordâncias. F. RITGEN (V, 242)
ficou do lado dos fatos e os viu entumescerem-se, inspirando, forçando a
regra legislativa (aliás o direito não é só isso). E. ENDEMANN (Lehrbuch,
III, 515), coerente com o que, noutro lugar (III, § 49), estabeleceu entre as
condições insertas em testamento e as não constantes dele, declarou que se
foi o cônjuge, ou a noiva, e não a pessoa (que era noiva ou cônjuge), o
contemplado aí, sim, a disposição é nenhuma, porque falta o beneficiado
pela disposição: o testador não instituiu ninguém, porque não existe quem
ele instituiu.

Não se deve aceitar o raciocínio de E. ENDEMANN. É falso. O testador


deixou metade disponível à mulher, ou à noiva, e sobreveio o desquite,
divórcio, ou rompimento dos esponsais, e contraiu novas núpcias ou
noivado. Com a argumentação de F. ENDEMANN, que vê na disposição
outra coisa que condição resolutiva tácita, faltaria o cônjuge, ou a noiva, e
só por isso se desfaria, fundamentalmente, a disposição. Ora, tanto a pessoa
é que era herdeira, legatária ou beneficiada que, saindo de dentro, digamos,
das expressões cônjuge, noiva, não pode outrem preencher-lhe o lugar.
Tanto assim que: a) se o testador diz, em 1967, “deixo as minhas fazendas à
minha mulher”,

“deixo duas casas à minha noiva (o que constitui a maior abstração possível
da pessoa contemplada), nunca se pode chamar à herança, ou ao legado, ou
ao modus, a noiva do momento da morte, ou a outra mulher com quem se
casou após o testamento; b) se o testador desfaz a sociedade conjugal, ou
volta a ser noivo, ou se casa com a noiva, com quem havia rompido o
noivado, as duas circunstâncias a da identidade da contemplada ao tempo
do testamento e a da vigência da sociedade conjugal, ou do noivado ao
tempo da morte novamente juntas produzem a conseqüência eficacizante. É
indiscutível a condição resolutiva tácita. Dir-se-á que admitir, no direito
brasileiro, a caducidade é criar presunção legal, o que não se permite. Não:
o § 2.077 do Código Civil alemão nasceu dos fatos; e os fatos que, no
direito alemão, repontaram na regra jurídica interpretativa,, escrita, podem,
quando se trata de direito brasileiro, constituir presunção de fato. Apenas,
no Brasil, a caducidade não se-opera imediatamente, depende da
provocação regular, admitidas as provas de uma e de outra parte. Resolve-se
na ação (declarativa) de caducidade da verba testamentária, ou de
interpretação, conforme o caso e segundo prefira a parte. Aliás, o assunto é
por sua natureza como nesga de terra entre duas regiões vizinhas as regras
jurídicas de interpretação e as de anulação. Andou bem avisado o legislador
alemão em pô-lo entre aquelas (§§ 2.074-2.076) e essas (§§ 2.078 s.).
No direito brasileiro, mais uma vez a interpretação leva a cortar-se,
inicialmente, a questão: “caducou”, “não caducou”; cabendo ao interessado
recorrer do despacho interpretativo positivo (“caducou”), e ao adversário,
no caso de despacho negativo (“não caducou”), recorrer. Antes, atrás pode
propor a ação declarativa de caducidade, por estar revogada a disposição
impugnada. A sentença sôbre interpretação faz causa julgada para a disputa
sôbre a revogação e vice-versa, desde que se resolveu sôbre todas as
premissas e não se ressalvou a discussão por meio de ação competente. E
aconselhável aos juizes a ressalva explícita: podem surgir documentos ou
outras provas da voluntas testatoris.

No direito alemão, a alínea do § 2.077 diz que a disposição não é ineficaz


(quer dizer não caducou) quando é de se admitir que o testador, em tal caso,
também teria disposto. A despeito da opinião de E. ENDEMANN, a alínea
concerne não só a noivado desfeito, como também à nulidade do
casamento, à dissolução e à separação. O § 2.077

não se aplica aos testamentos conjuntivos e ao contrato de herança,, que não


temos. Lá rege o § 2.279, alínea 2.

Não cabe distinguir-se se a nulidade do casamento foi por defeito de fundo


ou de forma; sempre se mantém a disposição se cabe presumir-se
continuada a vontade do testador. Também é indiferente a boa ou má fé dos
casados.

Se a nulidade, a dissolução do casamento, o rompimento dos esponsais


ocorre antes ou ao tempo do testamento, não se pode cogitar de erro ou de
cláusula rebus sic stantibus (F. RITGEN, em G. PLANCK, Biirgerliches
Gesetzbuch, V, 242), desde que o testador sabia do que se passava ou
passou. Se foi antes, e o testador tinha por válido o testamento e conhecia
os fundamentos do divórcio, do desquite, da anulação, do rompimento dos
esponsais, torna-se difícil que as circunstâncias figurem a revogação, ou o
erro. Mas só difícil, e não impossível. Os fatos aqui é que falam. Se o
testador, crendo morta a primeira mulher, recasou, decidir-se-á pelos
mesmos critérios que se adotam em casos de divórcio, ou desquite. A
presunção facti é a de que revogou a disposição testamentária.
Dito o que acima ficou, resta saber-se qual o ponto de partida para a prova:
~ presume-se revogado ou deve o juiz presumir não revogado o testamento?
É a questão daquele mais, de que se tratou. Se dissermos que se deve
presumir, diremos que existem presunções legais fora do direito escrito.
Donde o problema de ordem legal, que mais uma vez merece discutido. Se
não dermos qualquer valor prévio à mudança de circunstâncias, ou à
revelação do erro, reduziremos a controvérsia a mero confronto de provas,
que escaparia ao direito civil e só interessaria ao direito processual.

Nas espécies que versamos, que são a cláusula rebus sic stantibus e o caso
particular de erro, e. g., pela nulidade do casamento, toda a questão se
devolve à interpretação. Tratando-se de ato por sua natureza submetido ao
juiz para q~e se cumpra (tal circunstância assaz separa dos atos entre vivos
o testamento, inexecutável por si), tendo de ser executado ~pelo
testamenteiro segundo o exame e as decisões do juiz, tal contingência cria
situação singular: se o juiz interpreta (e ~ninguém lhe nega que possa
interpretar), afirma, explícita ou Implicitamente, que vale o que interpretou,
supõe, digamos, a validade, a vigência; mas, no interpretar, pode dizer “não
„vale”, para não afirmar, com a interpretação, o valor jurídico

do que não tem. Donde a conclusão necessária: o poder de interpretação que


as leis reconhecem, no processo especial, administrativo, do cumprimento
dos testamentos (dentro dos inventários, ou por petições dos interessados,
fora do inventário, ou nas prestações de contas dos testamenteiros), dá-lhe o
de preliminarmente manifestar-se sôbre a vigência, não do testamento, mas
da disposição, salvo se for preciso haver discussão de provas, caso em que
é aconselhável ressalvar as ações ou remeter as partes à ação competente.
Por isso, o juiz do inventário, que não é do testamento, deve abster-se de
interpretação de tal espécie: seria pronunciar-se sôbre matéria do Juízo da
Provedoria.

§ 5.688. Anulabilidade e ações respectivas

1.CAUSAS DE ANULABILIDADE. As anulabilidades resultantes de erro,


dolo, coação, simulação, ou fraude (Código Civil arts. 86-113, 147), não
têm efeito antes de julgadas por sentença, nem se pronunciam de ofício. Só
os interessados podem alegá-las e aproveitam exclusivamente aos que as
alegarem, salvo caso de solidariedade ou indivisibilidade (art. 152). Nos
testamentos, pela natureza de tais negócios jurídicos, não pode pedir
anulação o próprio testador; é essencial aos atos de última vontade a livre e
geral revogabilidade; para revogá-los, não precisa de fundamentos o
disponente; o pedido de anulação, por parte dele, constituiria absurdo
(ANDREAS VON TUHR, Der Alígemeine Teil, II, 304).

a) Somente aos diretamente interessados na anulação concede a lei pedi-la.


Nenhuma ação poderá ser movida antes da morte do testador. Mais
precisamente: antes do cumpra-se ao testamento. Se são muitos os
interessados, cada um tem direito próprio e autônomo à anulação (como na
querela inoficioso testamenti, B. WINDSCHEID, Lehrbuch, III, 389 s.), de
modo que o herdeiro legítimo, que pede anulação, não obtém anulação da
disposição em favor dos outros. Não há solidariedade nem indivisibilidade
do direito. Tal a opinião de ANDREAS VON TUHR (Der Alígemeine Teu,
II, 304), contra F. RITGEN (G. PLANCK, Riir gerliches Gesetzbuch, V,
250). F. HERZFELDER

(J. v. Staudingers Kommentar, V, 6 ao § 2.080), KONRAD COSACK


(Lehrbuch, II, 708), TH. Kí~~ (Lehrbuch, §

22, V, 2) CARL CROME (S~stem, V, 110), constituindo a interpretação


dominante, fundada em obscura passagem dos Motive (V, 57). Ora, a
anulação ataca a declaração do testador, segundo a legitimação do autor:
não risca do mundo jurídico, em absoluto, a verba testamentária (facta
infecta fieri nou possunt), sê-mente a atinge nos seus efeitos jurídicos
quanto ao autor (JosEF KOHLER Lehrbuch, § 67; H. HENLE,
Anwendungsgebiet, 38); e os efeitos jurídicos dos testamentos (excluído o
caso da anulação da instituição do só herdeiro testamentário) são divisíveis
(ANDREAS VON TUHR, Der Alígemeine Teu, II, 304): pode ocorrer que,
pela vontade do testador, só a um dos herdeiros legítimos aproveite;
outrossim, que aproveite a ambos, ou a nenhum. Não se confunda isso com
as ações de nulidade que infirmam, inteiro, por falta de formalidades
essenciais ou incapacidade do testador o testamento: seriam invalidades
absolutas, e nada teriam com o art. 152, 2~a parte.
2.DIFICULDADE NO PLANO DOUTRINÁRIO. As anulações de
testamentos criam aos juristas sérias dificuldades. A situação delas é assaz
complexa. O vicio não ofende os interesses do declarante, mas os dos
herdeiros, legatários, ou beneficiados, interesses que dependem da morte do
que declarou. Se ficamos do lado desses interesses unilateriais, daremos aos
sucessores, ou beneficiados, a posição de terceiros, com interesse distinto
do que teria o testador: com a morte do decujo nascer-lhes-ia a ação, fonte
de direito próprio. ~ Mas os terceiros têm ação de anulação? Não; contudo,
a eles certos atos não se podem opor. E então? Trata-se, pois, de ação
própria, de ação de anulação do testamento, portanto, se bem que, por ser a
causa de morte o ato, os interesses do testador (salvo a sua liberdade de
querer em testamento) não estejam em jogo, os beneficiados e sucessores
têm ação própria.

As dificuldades que R. JAiPIo‟r (Des Nuílités en matiêre d‟actes


juridiques, 29, nota), pôs em relêvo, diminuem, se atendemos a que: o
testamento é ato jurídico, perfeito com a feitura, o que daria ao testador
ação anulatória, se a essencial revogabilidade, a líbito, de tais atos não
tornasse supérflua tal ação de anulabilidade; os efeitos, os interêsses dos
contemplados, ou não, só nascem na ocasião da morte, a que se difere o
nascimento da ação dos interessados. Dir-se-á: a ação do vício nasce ao
testador, que foi o disponente. Sim; mas ~ para que há a livre
revogabilidade? O vício existe em relação a ele. Tanto assim que livre da
coação ou do dolo, por exemplo pode confirmar, validamente, o testamento
anterior. Isso não autoriza a concluir-se que os herdeiros dele sucedem na
ação que o testador teria.

R. JAPIOT (Des Nuilités en matiêre d‟actes juridiques, 29, nota) não


atendeu a que, nos testamentos, atos jurídicos perf eitos, há outras ações que
são contra o testador (por fraude de legítima, de redução, etc.). Para ser
coerente, teria ele de fazer a contagem do tempo para a ação, desde a feitura
do testamento. Seria absurdo.

3.PRAzos. O legislador brasileiro não cogitou dos prazos para as ações de


nulidade e de anulação de testamentos.
As ações pessoais prescrevem, na falta de prazo especial, em vinte anos; as
reais em dez entre presentes e quinze entre ausentes (Código Civil, arts. 177
e 179). Contados da data em que poderiam diz o art. 177 ser propostas.

Tratando de erro, dolo, coação, simulação e fraude, diz o Código Civil, art.
178, § 9, V: “a ação de anular ou rescindir os contratos para a qual não se
tenha estabelecido menor prazo; contado este: a) no caso de coação, do dia
em que ela cessar; b) no de erro, dolo, simulação, ou fraude, do dia em que
se realizar o ato ou contrato; c) quanto aos atos dos incapazes do dia em que
cessar a incapacidade”. Quando se trata de coação, prescreve em quatro
anos a partir do dia em que ela cessou. Quanto ao erro e ao dolo, à
simulação e à fraude, não se aludiu ao conhecimento da anulabilidade. A
referência à data do negócio jurídico constitui um dos erros do Código
Civil. Não se compreende contar-se a prescrição de outro dia que não seja
aquele em que os vícios forem descobertos. Quando teve parte no vício o
próprio testador (erro, dolo, simulação, fraude), só tendo ação os
interessados a partir da morte, seria absurdo contar-se prazo antes de nascer
a ação que ele pretende encobrir. Se o testador vivesse mais quatro anos
estaria prescrita a ação dos herdeiros e mais interessados, quando, na
verdade, nada poderia estar prescrito, porque nenhum direito lhes corria
para a ação.

Está claro que só se tratou, literalmente, do ato entre vivos, tanto assim que
se manda contar, para a anulação por vício de coação, do dia em que ela
cessar (ora, pode ocorrer que, entre o testamento e a morte, passem mais de
quatro anos); para o erro, o dolo, a simulação, a fraude, quer-se que conte
do ato ou contrato.

Para os testamentos, o art. 178, § 9º, V, c), não tem importância: as


incapacidades de testar (todas incapacidades absolutas) tornam nulos, e não
anuláveis, os testamentos.

~ Qual a solução quanto às anulabilidades? Ou se considera incluída no art.


170, § 9º, V, a anulação por vício, lendo-se como relativo a todos os atos
jurídicos e adaptando-se o texto às diferentíssimas situações; ou se reputa
caso não previsto e como tal incluído nos prazos gerais ou ordinários
(artigos 177 e 179), isto é, vinte anos para as ações pessoais. (Tivemos de
discuti-lo, em 1930, no Tratado dos Testamentos, 1, 223-226.) No Código
Civil alemão não surge a questão. O § 2.082 estatui que a anulação somente
pode ser feita no prazo de um ano. Conta-se do momento em que o
interessado teve conhecimento da causa de anulação. Aplicam-se, por
analogia, os §§ 203, 206 e 207. Mas, passados trinta anos da morte, fica
excluída a ação de anulação (aqui nada se tem que ver com o conhecimento
ou não do interessado; cf. E. MEISCHElDER, Die letzwilligen
Verfiigungen, 166, e F. RITGEN, em G. PLANCK, BIirgerliches
Gesetzbuch, V. 253). No caso do prazo de um ano, ~ quid iuris, se o
conhecimento é anterior ao cumprimento ou publicação do testamento?
Não se conta (J. BÕHM, Das Erbrecht, 206; F. RITGEN, BiLrge~rliches
Gesetzbuch, V, 253; Motive, V, 58), porque, em muitos casos, o perfeito
conhecimento do conteúdo sômente com a publicação ou “cumpra-se” se
pode ter. O fundamento é que parece fraco: as ações só nascem com a
morte; viciado, como era, o consentimento, o testador podia revogar o ato:
os herdeiros e interessados até à morte não podem intervir com a ação de
anulação; portanto, não corre contra ele o prazo. Certo, podem eles dar
parte àpolícia pelo crime. Mas isso é outra questão.

Se o testamento foi ato público, ou particular, pouco importa. Os terceiros,


que têm negócios com o testador, não são obrigados a vigiar os atos
testamentários, que, por sua natureza, são de última vontade. Cerrado, tem
uma data exterior (ato de aprovação), mas que não poderia fixar um
conteúdo possivelmente oculto.

A solução tem de ser a seguinte: os prazos do Código Civil, art. 178, § 9, V,


contam-se para coação do dia em que ela cessou, para o dolo, o erro, a
simulação, a fraude, do dia em que se revelou o ato, isto é, o dia dos efeitos
do testamento, ato cuja efetivação e execução se protrai à morte do decujo.

Se o interessado na anulação conheceu o vício antes da morte do testador, ~


não se conta, contra ele, o prazo? A solução para ser justa e atender à
função e ao caráter do ato testamentário, tem de ser a que deram J. BÕHM e
F.
RITGEN, no direito alemão. Mas o fundamento, aqui como lá, há de ser o
que opusemos àqueles escritores. Se os interessados nunca vieram a
conhecer o vicio, ~ indefinidamente fica exposta à anulabilidade a
disposição? Se a coação, sabida, nunca cessou (o testador viveu coato até o
último momento), a ação morre findos os quatro anos que se seguirem à
morte. Se o testamento somente foi conhecido depois desses quatro anos,
não se pode forçar alguém a pedir a anulação de um ato que ele não
conhece. Seria aconselhar aos que tiveram proveito ou coagiram o testador
a que só apresentem o testamento findo o prazo da prescrição. Os quatro
anos não se podem contar antes de apresentado e registrado o testamento:
antes do cumpra-se, enfim. A má fé não pode aproveitar. (Não sabida a
coação, depois de vinte anos é inalegável).

No caso de dolo, ou de erro, claro que é de mister a apresentação e registro,


o cumpra-se. Os herdeiros e demais interessados precisam de um texto: o
ato, quanto ao testador, teve a data da feitura, mas, quanto aos outros, tem a
do cumpra-se. É da natureza dos atos unilaterais. Principalmente, do
testamento. A questão está em se saber se o prazo do art. 178, § 9, V, b),
corre sem dependência do conhecimento do vicio. Literalmente é isso o que
está no Código, mas destoa, singularmente, do Direito, é incuria legis. É
acertado ler-se o art. 178, § 9º, V, b), como relativo aos que tomaram parte
no ato ou contrato e não eram conhecedores. Quanto aos outros, os
terceiros, seria favorecer a desonestidade dos que empregassem manobras e
habilmente esperassem quatro anos. Conhecido o vício, é justo que corra o
prazo. Ou, não conhecido, fique ileso para sempre o testamento que há
vinte anos teve o cumpra-se. As relações da vida, a estabilidade social, os
interesses públicos o exigem.

Finalmente: os prazos de todas ações de invalidade, absoluta ou relativa,


somente começam a correr da morte do testador. Ainda que se trate, e.g., de
partilha feita em vida pelo testador, adiantamentos de legítima ou de
doações mortis causa.

4.NULIDADES E OS VICIOS DA VONTADE NO ESPAÇO E NO


TEMPO. Os atos viciados podem ter sido praticados noutro país, ou por
estrangeiros domiciliados, residentes ou de passagem no Brasil, assim como
a lei de hoje quando se abre o testamento pode não ser a mesma do
momento em que ocorreu a declaração de vontade.

Cumpre que se apreciem, separadamente, as duas questões, e, depois, que


se combinem, para se cercar, por todos os lados, o problema.

a)Muitas vezes ocorre testar o decujo fora de sua pátria, ou testar o


estrangeiro no Brasil. Não se trata, claramente e em todos os casos, de
capacidade, de modo que a lei aplicável pode ser discutida.

A forma extrínseca dos atos, públicos ou particulares, rege-se pela lei do


lugar em que se praticarem. Ficam fora a forma intrínseca e a validade do
consentimento, a legitimidade do objeto, o conteúdo dos atos jurídicos e as
modalidades acessórias. Não é isso o que se submete à regra jurídica Locus
regit act um.

Tudo o que, nos testamentos, não é forma externa, ou éconcernente à


capacidade, ou à validade intrínseca, ou ao efeito. Os defeitos de
consentimento pertencem à classe dos pressupostos de validade intrínseca:
rege-os, portanto, a lei pessoal, ou, se estrangeiro casado com Brasileira, ou
que deixou filhos brasileiros, pela lei brasileira, em se tratando de bens
situados no Brasil, nos têrmos da Constituíção de 1967, art. 150, § 33 .

Assim, os vícios de vontade escapam à lei do lugar e ficam sujeitos à lei


que rege a sucessão (cf. L.

KUHLENBECK, Einfíihrungsgesetz, J. v. Staudingers Kommentar, VI, 125


e 605; G. PLANcK, Bilrgerliches Gesetzbuch, VI, 80).

b)A validade da declaração de vontade, os defeitos e vícios de vontade


(reserva mental, gracejo, erro, dolo, coação, simulação, fraude) regem-se
pela lei do tempo em que se fêz o ato. Tocam diretamente à vontade,
prendem-se a um tempo, que é o da feitura do ato (L. KUHLENBECK,
Einftihrungsgesetz, J. v. Staudingers Kommentar, VI, 437; C.

F. GABBA, Teoria. della Retroattiv‟ità delle leggi, 1, 239).


Quanto aos testamentos, as legislações e as doutrinas não são acordes. No
Código Civil saxônico, §§ 2.078-2.080, somente era anulável segundo a
nova lei o ato de última vontade. eivado de erro, ou de coação, e julgado
nulo pelo direito vigente. No domínio do direito comum e no direito
prussiano, a diferença consistiu no prazo em relação ao Código Civil
alemão, § 2.082. Quanto ao direito alemão, H. HABICHT (Die Einwirkung
des BGB., 689) opinou pela lei nova; e FRIEDRICX AFFOLTER (Das
Intertemporale Privatrecht, II, 335) interpretou o direito intertemporal do
Código Civil alemão como afirmativo da lei antiga, por ser o art. 214 da Lei
de Introdução cláusula garantidora (Gewãhrungsklausel), e como tal
interpretável do modo mais largo possível. Tais palavras tiveram forte
repercussão na doutrina alemã. Porém A. NIEDNER (Das
Einfithrungsgesetz, 472), também deu argumentos em favor da nova. A
questão merece exame.

Diz a alínea 1.a do art. 214 da Lei alemã de Introdução: “A feitura e a


revogação de uma disposição a causa de morte, feita antes da vigência do
Código Civil, ainda que o disponente morra após a entrada em vigor,
regula-se pelas leis anteriores A alínea 1~a do art. 214 é exceção ao art. 213
que aplica o Código Civil alemão às relações hereditárias se a pessoa falece
na vigência dele. Como vimos, FRIEDRICH AFFOLTER, procurando
conhecer a natureza da cláusula e reputando-a de garantia, aconselhou a
interpretação mais favorável. Na 6.8 edição do Tomo VI do J. v.
Staudingers Kommentar, seguia-o L.KUHLENBECK; mas, na edição
seguinte, abandonou-o: nos outros atos jurídicos inter vivos, era de impor-se
a lei antiga, ou se submeterem a ela todas as relações de obrigação nascidas
antes da vigência do Código Civil (art. 170); mas seria errôneo estendê-lo
às disposições de última vontade, pois o art. 214, alínea

1 a, somente se refere a feitura e revogação,. estando inserto em título que


somente cogitou da capacidade testamentária e das formas de testar.
Assim, A. NIEDNER (Das Einfiíhrungsgesetz, 472), H.

HABICHT (Die Einwirkung des BGB., 3Y ed., 714 s.), G. PLANCK


(B‟iírgerliches Gesetzbuch. nebst Einfúhrungsgesetz, VI, 403, e a
jurisprudência, e. g.~ Superior Tribunal de Jena, 3 de janeiro de 1911).
No direito brasileiro, não temos textos especiais de direito intertemporal,
que reduzam o problema à questão de interpretação de lei. O único artigo
que poderíamos invocar é o art. 150, § 3º, da Constituição de 1967
(Constituição Política do Império, art. 179, § 3.0; Constituição de 1891, art,
11, 3ª de 1934, art. 113, 3.º; de 1946, art. 141, § 3.º):

“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, ou a coisa


julgada”. Reputa-se ato jurídico perfeito o já concluído segundo a lei
vigente no momento. O testamento, contra a opinião isolada de A.
KÕPPEN, é negócio jurídico perfeito antes da morte do testador. À primeira
vista, portanto, parece resolvida, liminarmente, a questão. A solução vinda
de FRIEDRICH AFFLTER valeria para todos os sistemas jurídicos, e não
só para o alemão. Porém seria esquecer-nos de aspecto assaz relevante: não
atenderia à revogabilidade essencial dos atos de última vontade.

Basta (para reabrir a questão) trazer-se à balha o caso da coação que


continuou até o momento da morte. Já na vigência da lei nova, o testador
não pôde testar de outra maneira, e foi coagido a manter disposição viciada.
Não só é irrecusável, na espécie, a aplicação da lei nova, como também a
apreciação segundo ela, se ainda mais rigorosa a sanção.

Sempre que se raciocina a favor da lei antiga atende-se a certo direito do


testador ao ato perfeito. Mas, nos casos de erro, dolo, ou coação, seria
absurdo invocar-se esse interesse do disponente. Isso, que dizemos quanto
aos vícios de vontade, não cabe, porém, quanto à invalidade absoluta da
declaração (e. q., reserva mental, gracejo). Aqui, nem se abre a questão: é a
lei do tempo em que se fêz. Ou valia, ou não valia a disposição
testamentária. Se valia, vale. Se não valia, não adquire validade. Se a
atuação viciante continuou até à morte, não se pode sustentar outra opinião
que não seja a da aplicação da lei vigente ao tempo da morte. Se a atuação
viciante cessou, a tempo de fazer-se outro testamento, a questão se reduz a
saber-se se, a despeito dela, testaria da mesma forma o decujo. Escapa isso
ao direito intertemporal.

O que importa, em direito intertemporal, é a questão oriunda do direito


nôvo, que dá sanção anulante, ou que, contra o direito anterior, não
estabelece invalidade. Ora, o ato viciante existiu ao tempo da feitura,
participa, em verdade, desse momento. Porém uma coisa é o fato viciante, e
outra, a sanção legal. Se o direito anterior o considerava anulável, pelo
fundamento moral (portanto, mais permanente), dos defeitos de vontade, e
o testador não no revogou, ciente do vício, ~ por que não se há de aplicar a
lei nova, se o maior interessado era o testador?

Se a lei anterior não dava sanção ao fato viciante e a lei nova considera
causa de nulidade, dois argumentos militam a favor da lei nova: a) deu
forma jurídica a conteúdo ético; b) se bem que perfeito o ato jurídico do
testamento, o testador conheceu a sanção que o protegeu.

Por outro lado, as ações de invalidade são exercidas por terceiros, após a
morte, e, ação nata como eles têm, seria difícil separá-la das regras
jurídicas que regem, não o ato extenor, mas os efeitos e a validade
intrínseca dos atos de última vontade.

Como bem notaram G. PLANCK (Biirgerliches Gesetzbuch, VI, 402) e L.


KUHLENBECK (Einfíihrungsgesetz, J.

v. Staudingers Komment ar, VI, 605), a solução da lei nova tem a grande
vantagem de fazer coincidirem os princípios de direito internacional
privado e os de direito intertemporal, em matéria dos efeitos de vontade.
Por isso mesmo tratamos, em conjunto, os dois sistemas. Assim se percebe
o seu íntimo ajustamento. Ficam com os mesmos limites as duas regras:
tem.. ius regit actum e locus regit actum. Ato, em ambas, não é o id quod
actum est, a declaração de vontade, tôda a exteriorização. Exteriorização é
um realizar-se sob forma, mas há a forma externa e a interna. Donde: a) Em
relação aos vícios de vontade, a regra é regerem-se pela lei nova, e não pela
lei do tempo da feitura. Se a atuação viciante cessou em tempo de fazer o
testador outro testamento, e não o fêz, a questão é de interpretação (se, a
despeito do vício, o testador testaria do mesmo modo, pois que, cessada a
atuação viciante, manteve o testamento), e nada tem com o direito
intertemporal;
b) No direito internacional privado, rege a lei da morte, e não a da feitura.
Portanto: no direito intertemporal, a regra tempus regit actum não incide, de
modo absoluto, quanto aos vícios de vontade do ato testamentário; no
direito internacional privado, nada tem com os vícios de vontade (requisito
intrínseco) a regra locus regit act um.

A forma forma externa, ou forma extrínseca é regida pela lei do tempo e


pela do lugar: tempus, locus regit actum.

O intrínseco rege-se pela lei da morte e pela lei pessoal: nem tempus, nem
locus. O extrínseco que se qualificou intrínseco segue o tempus, e não o
locus.

A capacidade segue a lei do tempo, porém não a do lugar. Os vícios de


vontade não seguem a uma, nem a outra.

Não se poderia afirmar a coextensão dos princípios de direito intertemporal


e de direito internacional privado, e é escusado encarecer-se a
extraordinária importância prática das distinções.

§ 5.689. Indignidade

1.INCAPACIDADE E INDIGNIDADE~ Quanto ao indigno, não se há de


dizer que não era herdeiro; perde com a sentença a posição, o não se
poderia falar a respeito do herdeiro renunciante. Aqui, o direito francês e o
brasileiro diferem; e evite-se a lição dos juristas do Código Civil francês.
Na França, THÉOPHILE fluo (Commentaire theorique et pratique da Code
Civil, V, n. 59), F. LAURENT (Co‟urs élémentair de Droit civil, IX, n. 29),
BAUDRY-LACANTINERIE et WAHL (Traité theorí que et pratique de
Droit civil, 1, 286), sustentaram ser a indignidade operada de pleno direito;
C. DEMOLOMBE (Cours de Code Napoléon, 13, ns. 310 e 311) e outros
atribuíram retroeficácia àdeclaração judiciária de indignidade, o que teria a
conseqúência cia de caírem, com o julgamento, os direitos reais consentidos
a terceiros pelo indigno. Mas houve terceira concepção, a de C. TouLLIEa
(Le Droit civil français, IV, n. 115), A. DOMANTE et E. COLMET DE
SANTERRE
(Coara analytique de Code Civil, III, n. 38 bis) e AUBRY e RAU, segundo
a qual não há, sequei‟, retroeficácia.

Êsses tinham dois caminhos a seguir: a) ou só admitirem que se


mantivessem as constituições de direitos reais em relação a terceiros de boa
fé, e foi o que tomaram; b) ou reconhecerem, em geral, as alienações e as
constituições de direitos reais, e foi o que tomou o Código Civil brasileiro,
art. 1.600. Com tal solução, implícita foi a única concepção que se
enquadraria no sistema da lei: a da não-retroeficácia quanto a terceiros.
Uma implica a outra. E a da letra b mais fortemente do que a da letra a, se a
tivesse acolhido o Código Civil brasileiro.

No direito alemão e no direito francês não há regra jurídica correspondente


à do Código Civil brasileiro, art. 1.600.

No alemão, recorre-se à gestão de negócios sem mandato (§§ 677-687).


Intervêm os princípios da boa fé. Mas o art.

1.600 afasta a figura da negotiorum gestio; e só merece louvor. O herdeiro


que é declarado indigno recebeu a herança, situação bem diferente da em
que fica aquele que a renuncia: chamado à herança, aceitou, ou praticou
atos oficiosos, atos conservatórios, atos de administração ou de guarda
interna, para os quais era autorizado pela lei (arts.

1.572 e 1.581). A omissão dos dois grandes momentos codificativos do


século XIX levou juristas a recorrer à gestão de negócios (F.
IIERZFELDER, Erbrecht, J. vou Staudin.qers Kommentar, V, 1008; FRANz
LEONHARD, 529, IB), à teoria do herdeiro aparente (A. CoLIN et H.
CAPITANT, Cours élémentaire de Droit Civil français, III, 446; C.
DEMOLOMBE, 13, n. 310 s.), sem pertinência, porque o indigno não tem a
aparência de herdeiro; é herdeiro.

Em lamentável confusão com o direito francês, onde a indignidade opera de


pleno direito, contra o sistema italiano, o argentino e o brasileiro, CLóvís
BEvILÁQUA falou de “resolução” ex tunc! E adiante, (49) disse: “O
indigno, antes da sentença, que o exclui da sucessão, é um herdeiro
aparente e, como tal, em condições de dispor dos bens da herança”. Sôbre
isso, AUBRY e RAu, IX, § 594, nota 13, BAUDRY-LACANTINERIE e
WAHL, 1, n. 286, e tem-se cabal resposta a tal confusão.

O código Civil argentino, arts. 3.309 e 3.310 (cp. chileno. art. 976;
uruguaio, art. 852), e o brasileiro admitiram, claramente, Cabalmente, a
exclusão ex nunc. Mas ainda no caso do direito alemão, que é omisso não
nos parece feliz a solução de F. RITGEN, F. HERZFELDER, de FRANZ
LEONHARD; e folgamos de ver que dela se afastou TREODOR Kí
(Lehrbuch des Bilrgerlj Rechts, 3ª parte, 482), evitando a confusão em que
aquêíes caíram com a situação decorrente da recusa.

2. EFICÁCIA SENTENCIAL. A sentença não faz não ter sido ~ o indigno,


como ocorre à renúncia. Foi herdeiro, e depois excluído como indigno.
Porque foi herdeiro (caso diferente da incapacidade e da renúncia da
herança), dão-se os efeitos do art. 1.600; porque se trata de pena, o indigno
restitui os frutos e rendimentos (art. 1.598), e não pode ter o usufrut0 e
administração a que se refere o art. 1.601. O art. 1.599 ~ é efeito da
sentença: é regra legal de ordo successioms. Pata que não haja, da parte dos
outros, enriquecimento injustificado cabe o direito do art. 1.601.

Por onde se vê a diferença entre a ação do art. 1.596, que é uma ação de
desconstituição de relação de direito, e a de anulação dos atos jurídicos,
consignados no art. 147: o art. 158 é inaplicável àquela: quer dizer: não se
restituem as partes ao estado em que antes se achavam; por isso a lei teve de
precisar os direitos do autor e do r~u vencido. No intervalo, o indigno foi
herdeiro, e quan do deixa ~e ter sido. Se credores lhe penhoram bem e
executam as dívidas todos os atos persistem, inclusive a praça, a transação,
o compromisso, a compensação das dívidas. Para os efeitos do ordo
successionis, é que ele fica como se não tivesse sido herdeiro (art.

1.599); mas a lei, ainda aí, introduziu ficção, e não admitia, sequer, o efeito
que se observa nos casos de renuncia.

Quando a lei diz “como se ele morto fosse”, não manda reputá-lo morto,
ter-se por morto, por não ter sido herdeiro,
~ sim que os bens passem aos descendentes dele como se morto ele
estivesse. A diferença é fundamental.

O fato de o herdeiro indigno ter sido condenado, no caso de alegação de


crime, não faz coisa julgada formal para a ação de indignidade: os efeitos
da sentença criminal serão materialmevae atendidos na ação ordinária, que
se proponha e na qual o indigno pode apresentar a defesa do art. 1.597. De
modo nenhum, o juiz pode declarar, fora da ação ordinária, a indignidade.
(A ação ordinária é a reputada “ordinária” pela lei do processo.) A
indignidade só concerne aos direitos hereditários; a~ doações só poderão ser
atacadas segundo o Código Civil, artigos 1.181-1.187. A indignidade não
tira, por exemplo, o direito ao nome.

Os efeitos da indignidade limitam-se à pessoa do indigno. Donde três


conseqüências, todas explícitas nos arts. 1.599

e 1.602: a) os descendentes do herdeiro legítimo excluído sucedem, como


se ele morto fosse; b) o excluído da sucessão não tem direito ao usufruto e à
administração dos bens, que aos seus filhos couberem na herança; c) nem à
sucessão eventual quanto a esses bens. “Como se ele morto fosse”, lê-se no
art. 1.599; coisa bem diferente do que diz CLóvís BEVILÁQUA (Código
Civil Brasileiro anotado, V, 50) : “o art. 1.599 considera o indigno um
morto civil para os efeitos da sucessão”.

Em nenhum artigo da lei brasileira se dá à indignidade o efeito de se


considerar o indigno como se não tivesse sido herdeiro. De modo que a
situação não é igual à do herdeiro que recusou a herança; se bem que, em
relação a ele, os direitos e obrigações que se extinguiram com a aquisição
da he-~ rança, voltem a valer.

O art. 1.599 do Código Civil brasileiro muito se parece com a regra do


Código Civil suíço, art. 541; mas o art. 1.596

fá-los diferentes na 1~a parte: na Suíça, a indignidade opera de inre; no


direito brasileiro, depende da ação e valem as próprias alienações feitas
pelo herdeiro antes de ser pronunciada a indignidade (entenda-se de passar
em julgado).
Nas conseqüências quanto ao ordo successionis (2.a parte de ambos). é que
são iguais.

O descendente do herdeiro indigno recebe, no caso do~ art. 1.599, como o


teria recebido se morto o herdeiro. A indignidade do parens não o
prejudica, e tem ele os direitos que lhe advêm do art. 1.599, como se já não
existisse o indigno quando se abriu a sucessão.

A lei estabelece que o sucessível assuma como se sempre tivesse sido


herdeiro (a isso o autoriza a exclusão do outro). Assim, se o chamado à
herança, durante a ação de indignidade, movida contra o outro, morre, os
seus herdeiros sucedem;. porque o chamado foi herdeiro do morto, no dia
da abertura da sucessão, e não herdaria do indigno. Se o chamado à herança
renuncia, os que recebem a herança são os que a receberiam se não tivesse
havido, no meio-tempo, o indigno (F. HERZFELDER, J. vou Staudingers
Kommentar, V, 1008).

3.MORTE DO INDIGNO. Se o indigno morreu antes do decujo, os


descendentes dele herdam segundo o art. 1.604

ou segundo o art. 1.621, e não segundo o art. 1.599. Ao aparecer o Código


Civil alemão, E. HEYMANN (Die Grundziige der gesetzlichen
Verwandtew-Erbrechts, 53) sustentou o contrário; mas sem razão, o que se
tornou assente (GEORG FROMMHOLD, taber das gesetzliche Erbrecht der
Abkõmmlinge des Enterbten, Archiv flir Biirgerliches Recht, 21, 306).

§ 5.690. Direito das Gentes e sucessão testamentária

1. RELEVÂNCIA EVENTUAL. Também com o Direito das Gentes pode


ter de interessar-se quem faz o testamento, quem o examina, como juiz, ou
quem o executa como testamenteiro. As duas questões principais são
relativas: a) ao testamento feito em Estado de governo não reconhecido; b)
ao testamento feito em território contestado por dois ou mais Estados.

2.ESTADO ESTRANGEIRO RECONHECIDO SOB GOVERNO NÃO


RECONHECIDO E ESTADO
ESTRANGEIRO NÃO RECONHECIDO. Nos nossos dias, com os
governos de fato em países americanos, ou com a situação de afastamento
quanto à forma do governo de países de outros continentes, o fato de o
nacional se achar em Estado sem o sistema jurídico ocidental, e querer
testar, ou de o cidadão de tal Estado se achar no Brasil, e o fato de ser
apresentado ao juiz do Brasil o testamento feito alhures, criam melindrosas
questões de direito das gentes.

Pode ocorrer o reconhecimento ou o não-reconhecimento do governo de


fato, e pergunta-se se o juiz está, a respeito dos atos praticados pelo cidadão
do país revolucionado, adstrito à observância de leis efetivamente
revogadas.

Outrossim, se o ato praticado no território do Estado que se não reconheceu,


porém feito de acordo com a lex boi, é perfeitamente jurídico.

Pode acontecer que esteja reconhecido o Estado, e não o governo. No


primeiro caso, reconhece-se a personalidade, a soberania do Estado. Mas o
governo de fato, a esse pode o Estado, que reconheceu o outro, não no
reconhecer. Quer dizer: não se nega personalidade, em direito das gentes,
ao Estado, se bem que se não repute o governo de fato com os pressupostos
para representar o organismo anteriormente reconhecido. Talvez se esteja a
esperar a restauração do governo com que se tinham relações. Talvez não
haja qualquer organização que se possa tratar como representante do
governo nacional (JoMN BASSET MOOaE, A Digest of International
Lau‟, 1, 40). E o caso das grandes guerras civis. A regra é conservarem-se
as relações com o antigo governo, a que definitivamente caia. Terminada a
guerra, reconhecido o governo, tollitor quaestio. Mas pode acontecer que os
Estados não reconheçam o nôvo governo e continuem, obstinadamente, em
relações com o que tombou. Foi o que se deu durante algum tempo com a
Rússia.

Ou cessarem as relações com o governo vencido e não s~e quererem com o


nôvo.
Ainda assim, o Estado continua soberano, se bem que comprometido no
exercício da sua soberania: capacidade de direito, não de exercício. Existe:
tem território distinto; enquanto há o Estado, há nacionais dele. Às vezes,
esses poderão invocar convenções, que os beneficiem. Não foram
denunciadas. É ponto, esse, particularmente importante para a questão dos
testamentos. (O inverso governo reconhecido, pelo fato de beligerância, e
Estado não reconhecido não tem relevância:

é o que ocorre com qualquer Estado não reconhecido.)

O reconhecimento de governo pode ser de fato e de jure. supondo-se, ou


não, a irregularidade constitucional.

Irrompe revolução, devido a estreitos interêsses, reconhece-se o governo de


fato, até que, sobrevindo ConstituIção, se reconheça de iure o governo (caso
dos Estados Unidos da América, com o México, em 1915 e 1917, cf.
FINcH, The Recognition of the de fato Government in Mexico, Amerícan
Journal aI International Law, 1916, 366). No reconhecimento do governo
de fato vê-se a esperança de tal governo entrar na legalidade.

Às vezes, o governo de fato só é reconhecido para efeitos comerciais: o


acordo econômica precede o acordo político (discurso de LLOYD
GEORGE, a 22 de março de 1921: “Os Soviets exercem em vasto território
autoridade tão completa quanto qualquer outro governo, nas condições
atuais; somos, pois, obrigados a reconhecer que constituem o governo de
fato de tal império” (cf. E. LAGARDE, La Réeonnaissance du gouvernment
des Soviets, 102 s.).

O juiz brasileiro tem diante de si duas questões: a) os tratados não foram


denunciados; b) as leis estrangeiras são antigas ou novas. Do dever de
aplicar a lei, não podendo recusar-se a isso, vem-lhe o direito de interpretar
os tratados e decidir sôbre as leis estrangeiras, aplicáveis em virtude do art.
10 e §§ 1.0 e 2.0 da Lei de Introdução ao Código Civil, posta à frente a
regra jurídica da constituição de 1967, art. 150, § 33. À semelhança dos
Estados Unidos da América, o Brasil não exige dos seus juizes conformar-
se com a interpretação do tratado que lhes dê, oficialmente, o Ministério das
Relações Exteriores: aqui, como lá, ao Poder judiciário cabe examinar e
invalidar atos executivos, que não sejam puramente políticos, como a
denúncia.

Discute-se se, tendo o governo de fato mudado a legislação, tem o juiz


brasileiro de aplicar a lei estrangeira em vigor. Reconhecido ou não o
governo (mas, aqui, havendo, no governo de fato, permanência), a
notoriedade de mudança é argumento que pesa (na Côrte Suprema de
Nova-lorque, disse o juiz FORD, Bons N. Sokoloff versus The N. City
Bank of New York: “existe, na Rússia, um governo, há mais de cinco anos,
e não é o governo imperial dos. tzares”).

A omissão política não deve, sempre, ter como conseqüência a revolução


jurídica. A falta de reconhecimento não é negação: é falta; não se diz que o
governo não existe, mas que o governo existente não merece relações
políticas.

Os tribunais franceses, que se recusavam a conhecer do divórcio dos


Russos, por ter sido religioso o casamento , acabaram por estender a sua
competência, a fim de evitar a denegação de justiça. Aplicavam a lei do
ato, a lei da Rússia desaparecida.

O Direito impondo a sua solução, a despeito da mudança política, com o


fundamento da fôrça maior.

§ 5.690. DIREITO DAS GENTES E SUCESSÃO

Reconhecido o governo, quer seja como governo de fato, quer seja como
governo de iure, isso não interessa ao juiz da outra nação que reconheceu
qualquer sem-razão do reconhecimento (não se confunda com
reconhecimento de fato‟ e de iure). As dificuldades estão ligadas ao
reconhecimento de fato e ao não reconhecimento.

3.ESTADO NÃO-RECONHECIDO. Aqui, supõe-se que o Estado não seja


reconhecido. Falta-lhe personalidade de direito das gentes. No momento
em que vivemos, já a Terra, toda ela, está distribuída. O que se descobre é
dentro, ou em continuação de paises. O que mais acontece é um pedaço do
país reconhecido desligar-se. Então, cabe ao juiz aplicar a lei do Estado a
que ele pertencia: para o Estado do juiz, os limites continuam os que eram.
O

reconhecimento pelo seu governo é que cria a personalidade de nôvo


Estado.

Se o próprio Estado, a que o separado pertencia, não estava reconhecido, a


questão passa a ser posta a propósito do outro de que o Estado era parte.

Os efeitos do reconhecimento de um Estado são retroativos. A questão está


em se saber até quando: se até a constituição do nôvo Estado, ou se até o
reconhecimento como beligerante. Duas doutrinas a do Estado nascido e a
do Estado nascituros. Aquela é a mais aceitável. Resta o caso do Estado do
juiz ter entrado em relações dissimuladas, em solidariedade, em tratos a
favor do Estado nasciturus, isto é, trazidos ao direito das gentes os fatos in
favorem tertii; mas, nas espécies, só a firme observação dos fatos pode
ajudar a decidir. Talvez seja o próprio reconhecimento de fato que tenha
começado ao tempo do Estado naseiturus.

O caso do testamento em território contestado por dois ou mais Estados,


resolve-se de acordo com o ato político do Estado do juiz terceiro, ou, já se
vê, se juiz de um dos Estados disputantes, de acordo com o desse, ou, se
esse tinha reconhecido, antes, a jurisdição de outro, a desse. Se o nôvo
Estado pertencia a outro ou outros Estados e ainda não fêz a legislação
civil, aplica-se a do Estado a que pertencia, ou as dos Estados a que
pertencia, respeitadas as discriminações territoriais antigas, se outra coisa
não se estatuiu em lei do nôvo Estado.

4.Governo NÃO-RECONHECIDO E TESTAMENTO. É sem


personalidade jurídica o governo: não pode contratar, não pode suceder,
ainda que testamentàriamente, e não pode estar em justiça (NOEL-HENRY,
Les Gouvernements de fait devant le juge, 125). Mas poderia ser
beneficiado como população, como corpo coletivo, com o fim de
assistência (Código Civil brasileiro, art. 1.669). Os contratos de tal governo
são nulos. Cumpre, porém, advertir-se: é de objeto ilícito a disposição
testamentária que tenha por fim encorajar a revolução em outro Estado,
ilicitude que fica à apreciação do juiz, porquanto

havendo guerra entre os dois países pode não haver ilicitude.

As decisões do governo não-reconhecido não têm exportação da eficácia de


coisa julgada, sem que valha o argumento de se tratar de Poder Judiciário;
salvo se êsse Poder Judiciário pertence ao governo reconhecido e com o
governo reconhecido não cessaram as relações.

O governo não-reconhecido não legisla, validamente, para que as justiças


dos Estados que o não reconheceram tenham de aplicar as suas leis. O juiz
do outro Estado não aplica as leis, os decretos e os regulamentos dele
emanados. O reconhecimento é indispensável ao efeito no território
nacional do juiz: sem reconhecimento, não há extraterritorialidade. Não
cabe discutir se ofendem, ou não, a ordem pública, as eficácias das suas
regras jurídicas: é preciso supor-se aplicabilidade, para que isso se possa
discutir. Então, a legislação aplicável?

Ex hypothesi, o Estado é reconhecido; quer dizer: coutinua reconhecido. O


governo é que o não é. As soluções assaz relevantes em matéria de
testamento e de sucessões legítimas têm sido discordantes: a) o direito
natural, disse julgado italiano (Gênova, 19 de maio de 1923); b) a lex fori;
c) a lei do estatuto pessoal antes do nôvo governo não-

-reconhecido (e. g., legatários universais venceram, de acordo com a velha


lei russa, já revogada na Rússia, herdeiros de sangue, que, pelo direito
francês, seriam necessários) ; d) a solução da rejeição das leis novas, se
contra a ordem pública, e aplicação das nacionais (foi o que fêz a
Alemanha, firmada no art. 30 do Einfi2hrungsgesetz:

“exclui-se a aplicação de uma lei estrangeira, se a aplicação fôr contrária


aos bons costumes ou ao fim de uma lei alemã”).

A Rússia aboliu, pelo Decreto de 27 de abril de 1918, qualquer vocação


hereditária: a República recebia todo o acervo. Depois, veio o Código Civil,
que estabeleceu, embora restritíssimo, o direito de sucessão. Durante a
vigência do Decreto de 1918, os Estados não aplicaram o direito soviético,
ainda aqueles que reconheceram o nôvo governo: o Direito resistia ao
fenômeno político. É uma das suas características: ser mais estável, menos
mudável, que a política. Depois de se restabelecer o direito de sucessão, as
limitações não pareceram bastantes para a invocação da ordem. pública
(salvo ao Tribunal de Atenas, em 1923). O Código Civil evitou a
acumulação de fortunas, fêz mais próximo o grau de parentesco sucessível
(coisa que, em bom senso, ninguém pode reprovar, e não se justifica a
sucessão, por exemplo, até o 6.0 grau). Atitudes semelhantes de limitação
observaram-se e observam-se cada dia na França, na Bélgica e na
Alemanha. Essa, pela Convenção Consular de 12 de outubro de 1925,
excluiu qualquer indagação de ordem pública. Donde a solução: quanto à
forma dos atos, rege a lei do nôvo governo estável; quanto ao intrínseco e à
capacidade, a lei que antes do nôvo governo os regia.

5.GOVERNO RECONHECIDO E TESTAMENTO. Para o juiz do outro


Estado, o governo reconhecido tem o exercício da personalidade jurídica e
da soberania do Estado que ele representa.

Reconhecido o governo, reconhecidas estão as partes componentes dele


(Estados particulares, Municípios, estabelecimentos públicos), bem como as
coisas julgadas e os reconhecimentos da personalidade das instituIções
particulares. A questão de ordem pública só se levanta se o julgado, ou a lei.
ofende a ordem pública territorial. É

aqui que se dá o conflito de leis. A solução é no sentido de se


salvaguardarem os interesses individuais do nacional (Lei de Introdução ao
Código Civil, Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 17).

Se o governo reconhecido só o foi de fato (não se trata de reconhecimento


de governo de fato, mas de reconhecimento de fato), a regra é que o
governo reconhecedor dê as diretivas, salvo circunstâncias que desmintam
essas diretivas, ou impliquem solução diferente, ditada pelos fatos e pelos
princípios jurídicos. Se não há aquelas diretivas, ou se não deve havê-las, o
juiz dá ao reconhecimento de fato as mesmas consequências que ao
reconhecimento de direito. Solução dos juizes americanos: State of Yucatan
versus Argumedo (S. C. of New York, 1915, em WRIGHT, Suits brought
by foreign States with unrecognized Governments, American Journal of
International Law, 1923, 744). Solução inglêsa: ainda contra a indicação do
governo (Luther versus James Sagor, 1921).

Mas intervém a discussão da retroatividade: a) ~ O reconhecimento


retroage a ponto de invalidar o que se legislou e foi feito de acordo com as
leis do tempo anterior? b) ~ O reconhecimento retroage a ponto de
invalidar o que se legislou durante a luta (governo de iure), ou foi feito de
acordo com a lei anterior ao governo reconhecido? Aqui, não devemos
seguir a opinião raciocinante dos americanos (retroatividade até o começo
da nova ordem, Williams versas Bruffy, 1877), aplicando o juiz do pais
reconhecente critério mais próprio do juiz interno (a que aquele caso de
1877 se referia, Underhill versus Hernandez, 1897; Oetjen versus Central
Leather Co., 1918; Rigaud versas The A. Metal Co.). Nem as dos tribunais
inglêses, que seguiram o exemplo americano, na falta (reconhecida, no caso
Luther versus Sagor) de precedentes inglêses. Tão-pouco deve servir-nos o
argumento da declaratividade do reconhecimento C. DE VISSCHER, Les
Gouvernments étrangers, Revue de Droit International et Légi.slatíon
comparée, 1922, 151): seria o poder político estatuindo para o passado, e o
poder político só estatui para o futuro.

(O sinal que afeta a política é e não +; é 2, e não 1), como o Direito,


regulador da retroatividade da lei, regulador da atividade política, só até
onde encontra resistência de ordem jurídica, isto é, até 1). O
reconhecimento é ato que opera desde a sua data: não digamos, como
NOEL-HENRY (Les Gouvernements de fait devantle juge. 177), que seja
atributivo, e não declarativo; ele declara, como todo ato de caráter político,
desde a data: como se nomeiam, como se designam delegados, como se
assinam tratados, convenções.

No caso State of Yucatan, o governo estava em juízo; o reconhecimento,


retroagindo, diz-se, tornou válida a ação.

Não há, aí, retroatividade. Nem o argumento da inútil exigência da outra


ação pode satisfazer. Assim, contra NOEL-HENRY (Les Gouvernements de
fait dcv ant le juge, 177), entenda-se que a capacidade de direito, a
personalidade, não está sujeita à irratificabiliclade dos atos nulos: a
superveniência não os ratifica, como aconteceria aos atos anuláveis, mas
tira ao juiz, no momento em que decide, a faculdade de ver, no passado, o
pressuposto de capacidade de direito do autor ou do réu.

Se o Estado cujo governo foi reconhecido é beneficiado em testamento, e a


morte ocorreu quando esse ainda não estava reconhecido, mas reconhecido
o Estado, a personalidade existe. Faltou o exercício.

Se a lei anterior ao reconhecimento admitia a forma testamentária que, no


intervalo, o juiz terceiro não admitia, a) o reconhecimento valida toda a
série de atos que foram praticados antes do reconhecimento do nôvo
governo de acordo com as leis desse; portanto, valem os testamentos. b)
São válidos os testamentos feitos no país do governo ainda não
reconhecido, de acordo com as leis do governo de jure ainda não
definitivamente decaído, (atenda-se à distinção) no estrangeiro, antes do
reconhecimento do nôvo governo. Duas séries de atos, criados pelas
contingências. Na espécie b), pode ocorrer que se levante a questão das
abolições com cará~ter de ordem pública, mas o juiz terceiro somente
atende a isso se praticado depois da queda definitiva do governo de u~re e
se a abolição não fôr contra a ordem pública territorial.

§ 5.691. Direito intertemporal e testamentos

1.CAPACIDADE PARA TESTAR. A lei que rege a capacidade para testar é


a do momento da morte do testador. O

artigo 1.628 do Código Civil nada tem com o assunto, porque só se refere à
incapacidade superveniente, não à lei superveniente.

§ 5.692. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

2. ESPÉCIES PROIBIDAS. Se a lei posterior elimina espécie de


testamento, não se tem de considerar atingido o testamento feito antes da
lex nova. É o que hoje pensamos como outrora. A retratividade é vedada.
3.CONVALESCENÇA. Se o testamento regido pela lei do tempus era
inválido, a lei nova não tem eficácia de convalescença. Afasta-se, assim, a
solução da Ordenança Oldenburguesa da 25 de julho de 1814, § 9, de A.

MAILHER DE CHASSAT (Traité de la Rétroactivité des bis, II, 27),


GRANDMANCHE DE BEAULIEU (De l‟Étend~e de l‟Autorité des bis,
86), JEAN KALINDERO (De la Non-réti oactivité des bois, 119) e V.
VITALI (La Formct dei Testamento italiano, 157).

No tocante às condições, insertas em testamento, não há questão de direito


intertemporal, que seja peculiar ao direito testamentário. Tudo se passa com
a superveniência de lei que lhes dá trato ou eficácia diferente como a
propósito de quaisquer negócios jurídicos.

No que é conteúdo do testamento, a lei do tempo da morte do decujo é que


o rege, trate-se de regra jurídica cogente, ou de regra jurídica dispositiva (e.
g., a lei nova considera não escrita alguma cláusula ou disposição; a lei
nova, na falta de cláusula explícita, considera incluídos na quota
indispensável os bens residenciais; se o testador dissera ser inconsumível a
herança de B, sômente por isso a lei nova não a tem como inalienável).

Só lei do tempo da morte é que diz como se têm de tratar as cláusulas


contraditórias. Outrossim se está em causa a sorte da disposição com
condição fisicamente ou juridicamente impossível. O que era ilícito ou
imóvel sob lei do momento da feitura do testamento deixou de o ser, vale o
que se dispusera. Se não era tido como ilícito ou imoral e passou a ser
considerado ilícito ou imoral, não vale.

A lei que rege o modus é a da data da morte.

Se ocorre que a lei do tempo da feitura proibia cláusula da inalienabilidade,


ou incomunicabilidade, ou impenhorabilidade. e a lei nova a permite, tem-
se de atender a essa, se é a do tempo da morte do decujo. Idem, se, em vez
de vedar, a lei nova, do tempo da morte, apenas circunscreve ou atenua a
extensão. Se a lei nova, do tempo da morte, é que proíbe, ou circunscreve,
ou atenua, tem de ser respeitada (E. ROSENBERG, Die Enterbung aus
guter Absicht, 143) . Se, em vez de proibir, ou circunscrever, ou atenuar, a
lei nova estende a cláusula constritiva, a extensão só é atendível se a regra
jurídica da lex nova é cogente ou dispositiva; aliter, se interpretativa, porque
o testador não previa a lei nova.

A lei do dia da morte do decujo é que rege a validade e a eficácia, em se


tratando de erro, de reserva mental, ou de gracejo, ou de falsa demonstratio
(nocet ou nou nocet).

A regra jurídica interpretativa do tempo da feitura pode ser invocada.

§ 5.692. Direito internacional privado e testamentos

1. DIREITO E SOBREDIREITO. Importa saber-se qual a lei que rege a


capacidade de testar e o ato do testamento.

No Brasil, a lex patriae era o estatuto; passou a ser a lex domicilii, isto é, a
lei do último domicilio do decujo (Lei de Introdução ao Código Civil,
Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 10: “A sucessão por
morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o
defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos
bens”; § 1.0: “A vocação para suceder em bens de estrangeiro situados no
Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e
dos filhos do casal, sempre que não lhes seja mais favorável a lei do
domicílio”; § 2.0: “A lei do domicilio do herdeiro ou legatário regula a
capacidade para suceder”. Cf. Constituição de 1967, art. 150, § 33.

2.REMISSÃO À LEI ESTRANGEIRA OU REGRA JURÍDICA DE


REENVIO. O direito de um Estado não pode impor a outro Estado o que
não concerne a nacionalidade que ele atribui à pessoa, ou ao domicílio. No
art. 16, a Lei de Introdução ao Código Civil parece pré-excluir o reenvio: o
que se há de entender é que não afastou a remissibilidade (lei-conteúdo) se
o Brasil não é o Estado da nacionalidade, nem o do domicílio. Se o decujo
era domiciliado, ao morrer, no Estado de que era nacional, não há questão.
Se era domiciliado em Estado de que não era nacional, e a Estado da
nacionalidade e o do domicílio têm a regra jurídica de a sucessão ser regida
pela lei do último domicílio, ou pela lei da nacionalidade, entre os dois
Estados não há divergência. Se o Estado da nacionalidade impõe à sucessão
a lex patriae, sem que o faça o Estado do último domicílio, o problema de
direito internacional privado é entre eles, e o juiz brasileiro na falta de
decisão entre eles tem de atender à lex domicilii, em virtude do art. 16 da
Lei de Introdução ao Código Civil. “Quando, nos termos dos artigos
precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a
disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra
lei”. Se, porém, o Estado do último domicílio assenta que a sucessão é
regida pela lex patriae, seria absurdo que a Justiça brasileira impusesse a
regra jurídica do art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil.

A lei de nacionalidade, ou do domicílio, conforme os princípios (no Brasil,


a lei do domicílio), é que rege o conteúdo do testamento, posto que possa
ocorrer a espécie do art. 150, § 33, da Constituição de 1967. É tal lei que
estatui quanto as quotas disponível e indisponível, a deserdabilidade, as
condições (resolutivas, ou suspensivas, quer quanto à validade, quer quanto
à eficácia, quer quanto às conseqüências da impossibilidade física, jurídica
ou moral).

Quanto às cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e


impenhorabilidade, a lei que apanha o conteúdo do testamento também as
atinge .~- Mas, devido à situação dos bens e exigências registárias ou outras
exigências locais, tem-se de obedecer à lex rei sitae. Não se fale, aí, de
choque, mas sim da incidência e da aplicação de dois princípios (cf.
ERNST FRANKENSTEIN, Interna tionales Priva trecht, II, 62). O estatuto
real decide quanto às cláusulas que atinjam os bens, restritivas de direito,
sem que se afaste a incidência do estatuto pessoal quanto à permissão delas
e o dever e a obrigação que resultam para os herdeiros e legatários, ainda
mesmo quando o estatuto real não admite a gravação.

3.VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. A vocação hereditária é determinada pela


lei sucessoral: os fatos necessários a fazer herdeiro a alguém (parentesco,
casamento) são determinados pela lei do domicílio do falecido. Quer se
trate de sucessão legítima, quer de sucessão testamentária. Quanto aos
contratos de herança, não se justificaria que outra fosse a lei competente
(quanto à lei nacional, L. VON BAR, Theorie und Praxis dês
internationctlen Privatrechts, II, 340; ERNST ZITELMANN,
Internationales Privatrecht, II, 96 s.). A questão de ordem pública pode
intervir, porém não pelo simples fato de se tratar de ato bilateral.

4.RENÚNCIA, EM VIDA DO DECUJO, PELO SUCESSÍVEL. A


renúncia, aí, é convencional, e rege-se pela lei do domicílio do decujo, ou
pela lei nacional, conforme o sistema jurídico. O sucessível renuncia o
direito eventual (antigo Código Civil italiano, art. 954), a expectativa
hereditária. Assim, os Códigos Civis alemães, §§ 2.346 e 2.352, suíço, ad.
495, e austríaco, § 551.

O Código Civil francês e outras legislações proibem o~ pactos sucessórios.


Os Estados que têm a renúncia submetem o caso à lei sucessoral, e não
podem discutir ordem pública. Os outros ou acolhem a solução da situação
dos bens como lei de sucessão e então a questão de ordem pública é sem
sentido; ou têm como incidente a lei nacional do falecido, e então cabe
examinar-se se há conflito, ou se não o há: se não há conflito toblitur
quaestio; se há, isto é, se o decujo tem filho brasileiro e esse é o herdeiro, a
lei sucessoral é a brasileira, e o Brasil. por farsa da lei, e não por motivo de
ordem pública, considera nulo o contrato de renúncia para ser coerente,
ainda quando o renunciante seja estrangeiro.

5.INDIGNIDADE E DESERDAÇÃO. A indignidade e a deserdação (é o


caso do § 1.938 do Código Civil alemão) regem-se pelo estatuto do
falecido. Quanto a indignidade, o Código Civil a incluiu nas palavras
“direito dos herdeiros” do art. 14: foi a doutrina de L. VON BAR (Theorie
und Praxis des internationalen Priva trechts, II, 316), ERNS‟r
ZITELMANN (Internationales Privatrecht, II, 941) e P. FIORE
(Disposizioni generali subia pub bbicazione, applicazione ed
Interpretazione deble Leggi, II, 345 s.), que venceu contra A. WEISS
(Traité de Droit international privé, IV, 578), e J. CHAMPdOMMUNAL
(Étude sur la Succession ab intestat en droit international privé, 348 s.) que
são pela lei pessoal do sucessível, e contra P. FEDOZZI (Successione,
Diritto internazionale, Digesto Italiano, 22, 804) e outros, pelas duas. A
aplicação da lei pessoal do sucessível é ilusão: o que se passa é a freqüência
de casos de ordem pública quando a lei da sucessão não inclui certas causas
de exclusão por indignidade, ou quando inclui casos que não se justificam
perante os princípios superiores de direito.

O que se poderia sustentar é que se trata de vontade do testador e a lei seria


conteúdo dessa vontade, e não lei. Com efeito, a indignidade funda-se na
vontade presumida do testador, e a deserdação, na vontade expressa. Mas
tal argumento, quanto a deserdação, não convence: a vontade, só, do
testador, não deserda, o que deserda é ela mais a lei. É a vontade presumida
que causa a indignidade? Aqui, a questão se desloca: tudo se reduziria a
interpretação da verba testamentária,

isto é, se há, ou não, cláusula rebus sic stantibus, ou se caducou, ou não, o


legado. Mas a pura indignidade, aquela em que é só a regra jurídica
dispositivo que se invoca, essa se rege, no sistema jurídico brasileiro, pela
lei do último domicílio do decujo.

6. PRINCÍPIO DA COEXISTÊNCIA DOS CONTEMPLADOS E DO


DECUJO. As questões de direito internacional privado ligadas ao principio
da coexistência dos contemplados e do decujo são as seguintes: a) é preciso
que o herdeiro ainda viva ao tempo da abertura da sucessão, e a lei do
último domicílio do falecido é que decide; b) algumas leis exigem o nascer
com vida e outras, a viabilidade, a lei do último domicílio do falecido é que
decide; c) o Código Civil brasileiro, art. 1.718, permite a instituição de
filhos a nascer (prole eventual) de pessoas determinadas, vivas ao tempo da
morte do testador (instituições de non concepti). Pergunta-se: ~é regra
jurídica de capacidade, propriamente dita, de modo que se deve aplicar a lei
do sucessível? Não se justificaria: a.

regra jurídica é de sucessão, e a capacidade sucessoral é matéria da


sucessão, (cf. L. VON BAR, Theorie und Praxis des internationalen
Privatrechts, II, 314; P. FIORE, Disposizioni generali suíla pub 611-
eazione, applicazione cd interpretazione delie Leggi, II, 344).

Vale o mesmo para os casos do art. 24 (fundações), do art. 1.668, 1 (pessoa


pertencente a certo círculo e determinável por terceiro), e de legados ou
heranças a favor de pobres (artigo 1.669).
7.MOMENTO DA ABERTURA DA SUCESSÃO. A lei do último
domicilio do falecido é que decide do momento da abertura da sucessão. O
momento é o da morte do decujo, segundo a quase totalidade das
legislações. A morte civil, que outra lei acolhesse, não seria operante,
porque constituiria caso típico de aplicação do princípio relativo a ordem
pública: a morte civil é contra os princípios superiores de direito, revelados
no inundo contemporâneo.

A questão de saber se uma pessoa ausente pode ser chamada à sucessão


rege-se pela lei da sucessão; e não pela lei pessoal do ausente. Mas a
doutrina não é pacifica. Se essa lei manda presumir vivo, P. FIORE
(Disposizioni generali suíla publicazione, applicazione cd interpretazione
delle leggi, II, 345) era pela lei da sucessão; no mesmo sentido, HANS
LEWALD (Questions de Droit international des Successions, Recuei 1 des
Cours, IX, 62). Mas, se, pela legislação do domicilio do au-Lente, ele já
fôra declarado morto, ou já se lhe abriu a sucessão, por presunção definitiva
(e.g., Código Civil, arts. 481-483), não pode ser chamado à sucessão de
alguém. Se aparece, no caso do art. 483, a lei da sucessão é que decide:
porque o direito de família só tem, a respeito, conseqüências negativas; não
pode ter positivas, se a lei da sucessão as nega.

No caso de comorientes, rege a lei de sucessão: ela estatuírá o que diz o


Código Civil francês, arts. 720-722, ou o que está no Código Civil
brasileiro, art. 11 (presunção da simultaneidade), à semelhança do alemão, §
20, do holandês, 875, e do suíço, art. 32, alínea 2.

§ 5.693. Considerações finais

1.EXPLICAÇÃO DA COMUNHÃO HEREDITÁRIA. ~Como explicar a


comunhão hereditária?

A tendência dominante foi a de se ver no fato da indivisão hereditária


simples caso da compropriedade. O direito das sucessões teria
acompanhado o direito das coisas. Interveio, então, com CHABOT DE
L‟ALLIER, o mau gosto da dialética jurídica. Para uns, lembra o totum in
tato et in qualibet parte dos glosa-dores: os direitos dos herdeiros são
absolutamente individidos. Outros, como V. MARCADÊ, recorreram à
teoria do átomo (última divisão da matéria, teoria de que os nossos tempos
sorriem), e explicaram que cada um apanha, em cada átomo do bem
comum, a sua parte. Mas outros, como AUBRY e RAU, entenderam que a
quota é intelectual, se bem que autônoma.

Outros dizem recai sôbre toda a coisa: o que se limita é o só. exercício (E.
NAQUET, C. GuÉNÉE, FRANÇOIS

GÊNY). R. QUÉRU invocou o condxnninium plurium in solidum.

Contra tal assimilação do fato sucessório ao fato de direito de propriedade,


manifestam-se: CHAMPINNIÊRE, RIGAUD‟ e F. LAURENT
(P‟rincipes, X, ns. 212 e 393), que foi ao ponto de lhe recusar o carâter de
direito real.

Outros pretendem que se trata de direito condicional dos co-herdeiros, e daí


a retro atividade do art. 883 do Código Civil francês: condição resolutiva,
para C. DEMOLOMBE (Cours, XVII, n. 264); condição suspensiva, para
MARCEL PLANIOL (Traité, III, n. 2.379).

Na Alemanha, há os que postulam a indivisibilidade absoluta e para os


quais a quota representa direito pessoal, quer atribuam à coletividade o
caráter de pessoa jurídica (CHE. G. KONOPACK, Die lnstitutio-nen des
rõmischen Privatrechts,. § 206), quer se satisfaçam com a idéia do sujeito
coletivo (G.DIEZ, Zur Lehre vom Miteigenthum, §§

1 e 2; A. BRIN4 Lehrbuch der Pandekten, § 131). Há os que, admitindo a


indivisibilidade da propriedade, reconhecem que a compropriedade. implica
fracionamento. Fracionamento de quê? Do vaior do objeto, respondem os
partidários da Wertteilungstheorie (W.GERTANNER, Die Stellung der
Sache und der Eigentumsbegriff, III, 55; P. STEINLECHNER, Das Wesen
der iuris com munio un.d iuris quasi communio, 1, 109; JOSEF KOHLER,
Gesammelte Abhandlungen, 1, n. „7, 161 s.). Das qualidades materiais do
objeto, decomposição do corpóreo em incorpóreo, cujo conteúdo esgota o
direito de propriedade advertem, em resposta, os adeptos das
Sachteilungetheorien (B. WINDScHEID-TH. KIPP, Lehrbuch der
Pandekten, 1, § 142; OTTO KARLOWA, Rômische Rechtsgeschichte, II, 1,
40; II. GÓPPERT, Beitriige zur Lehre vom Miteigntung, 15; e OITO VON

GIERKE, Deutsches Privatrecht, II, § 103, 48, para o final).

Na sucessão primitiva, em que o herdeiro, comproprietário do patrimônio,


só ia ocupar a administração (digamos, vaga por morte), era imediata, ipso
facto, a transmissão. O suns heres não precisava aceitar (adire) a sucessão.

Tratava-se de sobrevivência da personalidade jurídica do pai do filho


herdeiro, aliás herdeiro, em parte, de si mesmo. Logicamente, era
imprescritível; daí o adágio perseverante no direito romano: hemel heres
semper heres. Sucessão pessoal, não podia faltar.lhe o caráter de
universalidade.

A questão do herdeiro legítimo que herda por mais de um fundamento


legítimo não tem grande interesse em nosso direto, porque os mais
próximos excluem os mais remotos e não há representação além dos casos
do Código Civil, arts. 1.620-1.º,25.

2.CARACTERÍSTICAS DA COMUNHÃO HEREDITÁRIA. São


múltiplas as circunstâncias que podem determinar a comunhão jurídica
como modalidade geral dos fatos do mundo do direito. Por isso mesmo, são
de extrema variedade e de quase indisciplinável diversidade de elementos e
de caracteres. Contemplar-se a vida social e dentro dela, no espaço e através
dos tempos, veremos: o par andrógino (homem, mulher), o clã, a familia, a
tribo, a nação de tribos e as diferentes formas intermédias, que as
sociedades apresentam. E apresentam segundo as variações de lugar e de
tempo, de raça e de clima, de fatores econômicos e morais; as sociedades
particulares, secretas, políticas, filantrópicas, comerciais, e tantas outras, na
incalculável riqueza de suas formas e direções, desde a mais esteticamente
mercantil às que invadem o direito público; ou se desenvolvem,
indiferentes, a promover novas estruturas sociais, como as confederações
gerais de trabalho, as vinculações da vida contemporânea, como o contrato
coletivo de trabalho; e tudo que os esforços e argúcia apenas vislumbram no
labirinto das relações sociais.
Seria erro pretender-se que constitua peculiaridade de direito das coisas e
das sucessões o fato da comunhão. Vento-lo por toda a parte; a cada
momento nos surpreende como algo de particular, em que se reflete e
manifesta o próprio processo da vida social, que é comunicar e difundir.
Pensemos nos expedientes fundamentais do direito público: os corpos
legislativos, os tribunais coletivos, a própria administração colegial; s
escolha de representantes por votação e maioria. Certamente, as diferentes
circunstâncias, a natureza dos serviços e as relações sociais, que as
concretizam, dão-lhes, diversamente, caracteres nítidos e inconfundíveis.
Mas, rigorosamente, tudo isso traz o selo da possibilidade abstrata, em que
todas as espécies assentam e sôbre a qual se edificam.

Por outro lado, cumpre observar que a comunhão não fica adstrita a
necessária existência do objeto ou do direito particular, que ela prenda.
Pode abranger a universalidade jurídica, desde que sôbre ela, e não só sôbre
uma coisa ou um direito, incidam as pretensões jurídicas, simultâneas e sem
distinção especial ou qualitativa.

3.ACEITAÇÃO. A aceitação pertence àqueles atos que não admitem


condição nem termo. O direito romano já falava de actus legitimi qui non
recipiunt diem vel condicinem (L. „7‟?, D., de diversis regulis iuris antiqui,
50, 17) hoje, entram, em tal classe, e. g., o casamento, a adoção, o
reconhecimento de filho, as aceitações de heranças e legados, o cargo de
testamenteiro.

No direito brasileiro, EDUARDO ESPÍNOLA (Manual do Código Civil


brasileiro, III, 2ª parte, 91) disse ser nula a aceitação condicional: é como se
nada houvesse declarado o aceitante. O interessado em saber se aceita, ou
não, tem de pedir que seja intimado a declarar. E a parcial?

O silêncio foi igualmente danoso aos franceses e aos italianos. Cumpre


distinguir: a) Se houve aceitação tácita, essa deriva dos atos praticados, e
não de qualquer declaração que acaso ocorra. b) Nula, pode ser condicional,
ou a termo, a aceitação, aceita pode estar a herança pelos atos de que se
induza a tácita aceitação. Aceitação nula não quer dizer renúncia. A
renúncia tem de ser, sempre, expressa. Se infringe a lei, não se deu. Mas
uma coisa é abstenção ou renúncia que não se deu, e outra, aceitação: é
nula, mas o prazo para deliberar continua, e não houve aceitação. Não há
razão para reputar total a renúncia parcial, nem a aceitação parcial. Seria
vestigium antiqui iuris.

E o princípio do art. 1.572 não é romano. A própria indivisibilidade do que


se refere no art. 1.583 aparenta-se ao art.

1.572, e não ao pro parte adire non potest, com a sanção da validade total.
A nulidade é a melhor solução. Quis-se uma coisa e outra e não uma só;
portanto a contradição existe, invencível.

O princípio da indivisibilidade é de interesse público; por isso não torna


válida a renúncia o fato de terem os outros herdeiros tomado posse da parte
de bens que o renunciante pôs de parte.

~A aceitação ou a renúncia, condicional ou a termo, vale sem o termo ou


condição, ou se vicia com a aposição?

Solução romana: nulla aditio est. No Preussisches Alígemeines La~ndrecht,


1, 9, §§ 394-396), qualquer infração do art. 1.583 constituiria nulidade
(ineficácia) da declaração. O Código Civil saxônico distinguia: nula, no
caso de aposição de termo ou condição; válida como total, se feita
parcialmente. Assim, o Código Civil alemão, §§ 1.947 e 1.950, que separou
as disposições (condições, termos; parcialidade).

Se o herdeiro renunciou antes da morte do decujo não vale a renúncia. Esse


sucessível pode, após a morte, aceitar (F.HERZFELDER, Erbrecht, J. v.
Staudingers Kommentar, V, 103).

A Fazenda não pode renunciar a sucessão legítima. Pode deliberar quanto à


sucessão testamentária. Tal regra jurídica, expressa no Código Civil alemão,
§ 1.942, alínea 2ª, deve aplicar-se no Brasil; porque é o próprio Estado que
cria a sucessão legítima e a regra jurídica do Código Civil brasileiro, art.
1.603, interessa à segurança jurídica.
Mas, se renuncia a herança como herança testamentária, e não há outros
herdeiros, recebe-a na qualidade de herdeiro legítimo.

4.RENÚNCIA. Se o herdeiro renuncia a herança e algum seu credor, ou


alguns dos seus credores, ou todos os seus credores a aceitam e depois se
julga a indignidade do herdeiro, ou de algum, ou de alguns, ou de todos, são
aplicáveis os arts. 1.598, 1.600 e 1.601 do Código Civil. Vale dizer: a) os
credores aceitantes em nome do renunciante restituem os frutos e
rendimentos que dos bens da herança houverem percebido; b) são válidas as
alienações de bens hereditários e os atos de administração legalmente
praticados pelos credores antes da sentença de exclusão; c) se houve
prejuízo aos co-herdeiros,. os credores têm de indenizar; d) os credores têm
direito a quaisquer despesas feitas com a conservação dos bens hereditários.
Restam as questões resultantes de confusão e da compensação dos créditos.
O credor não teria direito, porque a lei diz “cobrar os créditos, que lhe
assistam contra a herança”, o que exclui os efeitos quanto a ele, com bom
fundamento na doutrina; o credor aceitou pelo herdeiro, mas é terceiro,
quanto aos outros herdeiros: seria eficaz, quanto a eles, a datio ia solut um,
que é alienação (art.

1.600); quanto a confusão ou à compensação, o art. 1.024 seria, nesse caso,


incompatível e afastado pelo art. 1.600.

Não se trata de efeitos da aceitação em nome do herdeiro:

essa é como se não tivesse havido, pois que, com a sentença de exclusão,
não há efeitos da aceitação, nem da renúncia; o que se levanta é a questão
das relações jurídicas entre herdeiro enquanto não julgado indigno (pois
foi, realmente, herdeiro, e não herdeiro aparente como erradamente se tem
dito) e os terceiros, relações jurídicas previstas no art. 1.600. Tal sucessível
é responsável pelos prejuízos que da aceitação em seu nome tenha havido;
mas, para isso, deve ele opor-se ao uso do art. 1.586 antes de julgada a
acusação de indignidade já proposta. O juiz tem de atendê-lo.

O art. 1.602 contém duas regras jurídicas: a) o excluído da sucessão não


tem direito ao usufruto e à administração dos bens, que a seus filhos
couberem na herança; b) o excluído não tem direito à sucessão eventual
desses bens.

A situação do pai ou da mãe, no caso da letra a (Código Civil, art. 391), é


idêntica à que o sucessível teria se os bens tivessem sido deixados ao filho
com a exclusão do usufruto, paterno ou materno (art. 390, 1) e a cláusula de
não serem administrados pelos pais (art. 391, III) . Compreende-se
facilmente. Sendo fundada em- presumida vontade do hereditando a
exclusão por indignidade, deve presumir-se (ou, pelo menos, teria de ser
admitido que se presumisse) a exclusão do usufruto e administração de tais
bens.

O segundo caso, que é o da letra b), contém regra jurídica de efeitos


pessoais, é certo; mas já noutra sucessão. A doutrina francesa fora contrária
à ilação que o Código Civil brasileiro acolheu, mas devemos interpretar que
a indignidade extensiva do art. 1.602, ia fine, só se refere à sucessão dos
herdeiros do filho (ou neto, ou bisneto) do indigno. Tal interpretação
restritiva se justifica de si mesma. Aliás, a letra da lei não admite a atitude
estranha de CLÓVISs BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 51),
que o alargara além da letra da lei, e depois o censurou.

Se já houve entrega do legado, o legatário indigno tem de restitui-lo; se já o


alienou, tem de restituir o valor. No

„caso de o legatário ser devedor, a quitação dada fica sem efeito; se houve
entrega de título, o herdeiro pode exigir a restituição ou exigir o crédito. Se
o testador mandar que se compensasse o legado feito ao credor, a
compensação é como se não se tivesse operado. Se, entregue o título da
dívida do espólio ao legatário, esse a compensa com algum dos seus
credores, „vale a compensação.

5.LEGADO E “MODUS”. A lei que rege a sucessão rege ~o que concerne


aos legados e aos modos. Quanto à responsabilidade do herdeiro pelo
legado, ou do legatário, ou de quem recebe a herança, ou o legado, com
restrição modal, a lei da sucessão é que decide.
No tocante à interpretação da disposição de legado ou modal, é a lei da
sucessão, porque ela atende à ligação do testador à nacionalidade, ou ao
domicílio, conforme o estatuto.

Se se trata de modas, ou de simples recomendação, ou de outra espécie que


não vincule o beneficiado, dá-se o mesmo.

CAPÍTULO V

DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS EM GERAL

§ 5.694. Conceito e classificação de disposições testamentárias

1.CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO. As disposições testamentárias,


declarações de última vontade, podem ser da seguinte maneira
classificadas: a) heranças, legados, encargos (de conteúdo econômico ou
não econômico) e recomendações ou nuda praecepta; b) determinações sós
e determinações (melhor, às vezes, disposições) anexas (encargos ou
modus, limitações de poder, como as cláusulas de inalienabilidade, de
impenhorabilidade e de insub-rogabilidade); o) determinações mexas, ou
consubstanciais (condição, termo), por serem ex testamento, têm como
todas as disposições de última vontade, o requisito da pessoalidade do ato
de dispor. Nem herança, nem legado, nem condição, nem modus, nem
termo pode ser deixado a outrem para se determinar. Temos, porém, de
atender a regras jurídicas especiais.

2.REQUISITO DA PESSOALIDADE DAS DISPOSIÇÕES. Já vimos que


o testamento é ato absolutamente pessoal, que não permite qualquer
representação. Outrossim, tal pessoalidade exige e assenta: a) que a
validade de qualquer disposição não pode ficar a arbítrio de outra pessoa; b)
que a outrem não pode caber a determinação da pessoa; c) que da
determinação do objeto ou fixação do quantum não pode ser incumbido
alguém; á) que não pode tocar a outrem a condição ou qualquer
modalidade. Nem a validade, nem o objeto, nem o sujeito, nem as
modalidades (condição, termo, modo).
No caso de validade, porque seria, irrecusavelmente, representação para
dispor, por outrem, mortis causa (E.

MEISCHEIDER, Die letztwilligen Verfgungen, 52 s.).

A regra é a proibição de se deixar a outrem determinação da pessoa


beneficiada. A disposição seria nula. A primeira limitação é quanto aos
encargos, que podem ser no interesse geral (Código Civil, arts. 1.707 e
1.180). Os arts.

1.667, II, III, 1.668, 1, e 1.669 tratam de resolver em direito positivo,


quanto á regra e às exceções à regra. Mas a regra geral é a proibição: es
citados dispositivos dos arts. 1.667, II, III, e 1.663, 1, bem o mostram.
Quanto ao modus ver-se-á o que diremos a propósito do art. 1.667, III. O
testador não pode incumbir alguém ~de dizer qual a porção hereditária, ou o
bem legado. O Código Civil, art. 1.667, IV, somente se refere ao legado,
mas a regra jurídica geral não precisa de texto escrito: decorre do caráter
absolutamente pessoal das disposições de última vontade.) Também, a
determinação do valor do modus não pode ficar a terceiro, ainda a herdeiro,
ou ao testamenteiro; mas, se for deixado, sem ser o caso de modus de “valor
aproximado” (e.g., “o que for necessário para a educação”, modus
perfeitamente eficaz), vale como recomendação.

3.DISTINÇõES EXIGÍVEIS E DISTINÇÔES EVENTUAIS. ~ Cabe


distinguir o puro arbítrio, a decisão equitativa, a “solução criteriosa”?
Nenhuma distinção quando se trate da validade. Nenhuma quanto à
determinação do objeto. E quanto à da pessoa? Quanto à pessoa, qualquer
que fôsse o dizer, seria um sim ou um não, que importaria opinião alheia,
em vontade de outrem. Salvo, se o arbítrio desaparece: a) ao que tiver
melhores notas do ano da minha morte; b) ao filho do testamenteiro, que
mais me tiver sido útil nos últimos dias de vida, a juízo de A; e) à família
mais pobre da rua A; d) se meu herdeiro premorrer, aquele que for herdeiro
no seu testamento ou o que por ele for mais beneficiado, porque não
contravém o art. 1.667, III, que se refere a terceiro sobrevivente ao testador.
Vejamos quanto ao julgamento sôbre o implemento das condições.
Casuística: a) “deixo a A o prédio x sob a condição suspensiva de restituir a
B as apólices de ns. 1.102-2.002, cabendo a C decidir do cumprimento”; b)
“é legatário de meus ~bens situados em São Paulo A, que sustentará, com
todo conforto, enquanto solteira, minha sobrinha B, resolvendo-se o legado
em favor dessa, se A deixar de cumprir o que lhe mando; e a C incumbe
apreciar o cumprimento”. Ambas as verbas são válidas. Trata-se de
implemento de condição e tal verificação pode ser e tem de ser deixada a
terceiro. Esse terceiro não está em lugar do testador, mas do juiz, do
testamenteiro (F.

HERZFELDER, J. v. Staudingers Konímentar, V, 450). Figura como juiz


árbitro. Trata-se como tal. (A interpretação da verba é que se não pode tirar
ao juiz.)

§ 5.695. Princípio da separação

1.SEPARAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES. Cada liberalidade deve ser tratada


como negócio jurídico diferente: esse princípio é de grande importância
prática. Porque, por exemplo, a condição juridicamente impossível para o
legado do fideicomisso, imposta ao fideicomissário, não pode viciar a
instituição do fiduciário (salvo o caso excepcionalíssimo de ser principal a
segunda instituição). Uma das principais consequências: o legado é outra
disposição, ainda quando o testador diga: “Instituo a A com a condição de
comprar uma casa para B, do valor de duzentos mil cruzeiros novos”.
Qualquer que seja o motivo da exclusão de A ou da ineficácia da
instituição, o legado, por isso, nada sofre. Cumpre-se o legado, com a
compra da casa. Não assim se o legado depende expressamente da aceitação
da herança por parte do herdeiro encarregado (cp. EMIL STROHAL, Das
deutsche Krbrecht, 1, 215).

2. ALCANCE DO PRINCÍPIO. Quanto ao alcance do princípio da


separação das determinações testamentárias, o testamento, se há um só ou
muitos, trata-se como um só corpo. Mas as vontades do testador em cada
determinação não ficam sujeitas a essa exigência de unidade. O princípio da
separação é tão vivo e tão relevante que atua, não só em relação às heranças
e legados, como a respeito de outras disposições. Exemplo: se o testador
deixou herança a A com o encargo x e A renuncia (ou premorre), o modus
persiste. Outro exemplo, ainda mais significativo: se A é excluído, ou se a
herança é ilícita (nulidade da disposição), os que herdarem, ou a quem
acrescer a parte, têm de cumprir o encargo.

§ 5.696. Vontades últimas como negócios jurídicos

1. PRESSUPOSTOS DE VALMADE. A validade do ato jurídico requer: a)


agente capaz, o testador, de cuja capacidade já se tratou (quanto à
capacidade do beneficiado, o assunto pertence aos arts. 1.717-1.720 do
Código Civil; cp. arts. 82, 145, 1, 1.627‟ e 1.628) ; b) objeto lícito (arts. 82,
145, II); c) forma prescrita em lei (arts. 82, 145, III, IV, 130)

Das formas testamentárias cogitar-se-á, largamente. A lei não admite outras


formas que as reguladas nos arts. 1.629-1.663 do Código Civil.

2.HERANÇA E LEGADO. Instituição de herdeiro é a nomeação feita pelo


testador de uma ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, para lhe sucederem
a titulo universal; isto é, no todo, ou em quota da herança. Mas, além desse
instituir com o caráter de sucessor universal, pode o testador referir-se a
coisas suas e fazê-las passar, por título singular, a quem lhe apraz. Objeto
ou quantia, sôbre que recaia, é sempre a titulo particular, in singulas res, o
legado. Tais os conceitos. Mas as dificuldades surgirão e só a interpretação
das verbas pode resolver. Por isso, é de deixar-se ao estudo do art. 1.666.
Herança é quota, quociente, ou qualquer relação com o todo, isto é,
quantidade abstrata, ou resultado de divisão que se vai fazer, ou feita, porém
não uffidade em si, algo de irrelacionado com o todo, porque isso é legado.
Advirta-se: quem faz o legatário ou o herdeiro não é a relação, é a vontade
do testador: ele é quem nomeia, ele é quem diz “este é herdeiro, aquele é
legatário”. O que, pela relação, seria legado, pode, havendo outros dados,
constituir herança; e vice-versa. Porque o beneficiado ou é herdeiro ou é
legatário. As regras jurídicas discriminativas segundo a natureza das deixas
só incidem quando a intenção do testador não ressalta. Se a intenção
ressalta, nem cabem as regras jurídicas discriminativas, nem a interpretação
literal. Mas a herança, necessàriamente, envolve relação (ainda que não
aritmética) com o todo. (Nada tem que ver com a distinção de herança e
legado o conceito de universitas, salvo a universitas iuris do patrimônio.)
Diz-se que a vontade do disponente não pode deformar os elementos
essenciais constitutivos do próprio negócio jurídico

§ 5.696. VONTADES ULTIMAS

(VITToRIo POLACCO, Deile Successioni, 1, 248). Seria certo, no direito


das coisas, no das obrigações e, às vezes, no direito testamentário; porém
não aqui, onde o disponente no dizer que A é herdeiro e B é legatário tem
toda a liberdade. Há confusão, que cumpre desfazer: a) a qualidade de
herdeiro ex testamento ou de legatário só resulta da vontade do testador; b)
herança é uma coisa, legado é outra. Mas, se o legado é a herdeiro, e entra
na possibilidade conceptual desse, ou na possibilidade relacional com o
todo, perde os caracteres constitutivos, porque outros intervêm; c) se a
figura (legado, herança), a despeito da qualidade diferente do beneficiado
(herdeiro, legatário, respectivamente), resiste à influência alterante
(resistência que, em última análise, somente pode provir de vontade do
testador, ou de texto de lei), então dá-se a coexistência de qualidades e,
pois, de deixas: é herdeiro e legatário, ou legatário e herdeiro. Em verdade,
a luta foi entre qualidades. Confirmação do que dizemos encontra-se na
divisio parentum inter liberos, a partilha em vida, que, dos bens da metade
disponível, faz o testador, ou simples declarante, nos termos do Código
Civil, art. 1.776, por ato entre vivos, e na partilha de todos os bens, ato que
individua cada um deles sem desfazer a qualidade dos herdeiros.

3.FUNÇÃO DO TESTAMENTO. O testamento é o envoltório das


disposições de última vontade: muitos, que sejam, fazem um, para se
interpretar e se cumprir. Como todo, que contém as partes, a capacidade e a
forma prescrita concernem ao todo, e não às partes. Nesse ponto não há
separação, salvo quanto a disposições que podem e disposições que não
podem vir em forma codicílar (arts. 1.651 e 1.653) e vedações de
determinadas deixas, o que não excetua a regra, porque atende a
separabilidade das determinações testamentárias (cp. 1.719, 1.720 e 1.650,
IV e V). Da capacidade ativa de testar já falamos; quanto à capacidade de
herdar, também; as formas constituem assunto do estudo dos arts. 1.629-
1.655. Resta-nos ~o exame do objeto lícito, em relação, não ao testamento
em si, irias às disposições testamentárias. Por motivo de método, trata-se,
em primeiro lugar, da licitude ou ilicitude das disposições sós, verbas
principais, e daquelas a que são anexas outras determinações, como os
encargos e as limitações de poder, de que se falou no começo desse
capítulo.

§ 5.697. Ilicitude e imoralidade das disposições testamentárias

1.IMORALIDADE E INVALIDADE. Os processos sociais do Direito e da


Moral não coincidem, mas há trechos comuns. Específicos, mas em
contacto. Aliás, todos os processos sociais de adaptação coexistem, sem se
confundirem, e deixam-se margem uns aos outros (Introdução à Sociologia
Geral, 225 s.) : há a interdependência dos processos adaptativos. Por isso
mesmo, a atuação da Moral no Direito não precisa de textos de lei: é fato de
mecânica social. Noutros termos: seria anti-social a negação de tal
interdependência nas relações individuais. A ilicitude supõe a ofensa à
ordem jurídica. A imoralidade, a ofensa à ordem moral.

A sanção por ilicitude ou imoralidade do ato jurídico constitui limitação


social à autonomia privada dos figurantes.

Não precisa de texto legal (cp. Código Civil alemão, § 130). Se, pelo
Código Civil, art. 115, pretendia o legislador brasileiro circunscrever esse
caso de interdependência social dos processos adaptativos, querendo que a
nulidade só apanhasse o que a lei vedou, errou palmarmente (o art. 115 diz
que são lícitas todas as condições que a lei não vedar expressamente). Pode
parecer quo as outras não vedadas por lei, mas contra os boni mores são
permitidas, e não viciam os atos, nem se viciam. Não devemos, em matéria
de terminologia, muito exigir do Código Civil: pois que, em todo o corpo,
intuito se descurou disso. A doutrina tem de sobrepor-se à obra
inconsciente. O ilícito dos arts. 82

e 145, II, é o contra a lei e o contra os boni mores:

contra Direito e contra Moral. No art. 115, o legislador não podia querer
que os dados imorais valessem, O ilícito com que se objetivam atos ilícitos
dos arts. 82 e 145, e condições ilícitas, é o contra os boni mores, os
sittenwidrige Geschãf te dos alemães, e o contra a lei: o Direito não pode ter
a pretensão de discriminar, em toda a dimensão da moral, o que é atendível,
e o que não é atendível. Por isso mesmo, fracassam todas as tentativas de
enumerar o que é contra bonos mores: e a Moral procede a discrimes sutis,
que põem em evidência gritante a inanidade dos propósitos codificadores.
Teremos ensejo de ver. Mais: de mostrar que a própria doutrina jurídica
tem, forçosamente, de estacar diante dessa empresa arrogante de trans-.
mutação taxativa de valores, de conversão dos fatos morais em~ fatos
jurídicos. Daí termos falado em especificidade dos processos de adaptação
social (Religião, Moral, Direito, Ciência,. Política, Arte, Economia). Onde
tal especificidade ressalta é exatamente onde a querem violar, ou onde a
pressionam: ela reage. No domínio pacifico, em que os processos
coexistem, não se revela: os bons costumes, em regra, quando respeitados,
são de natureza negativa no domínio jurídico, porque não fazem nascer
direitos, nem deveres jurídicos. A infração, essa,. provoca o processo: se
objeto, ou se condição de contrato, é. nulo esse, se a lei não deu outra
sanção (essa sim é direito, porque se trata de sanção da lei). Em matéria de
jogo e aposta, o Direito procede com igual respeito das regras morais. Por
onde se vê como a técnica social adquiriu plasticidade e como dá conta de
todos esses pontos sensíveis, de que o encontro dos processos sociais
semeia os fatos da vida.

2.CONTEÚDO DO ATO IMORAL OU Do ATO ILÍCITO. A determinação


do conteúdo imoral e do ilícito é assaz relevante:

se o objeto é ilícito iur o sensu (imoral, contra os bons costumes, ou


proibitivo por lei), o ato jurídico é nulo.

Auscultador da ordem jurídica, ao juiz fica a apreciação das concepções


dominantes no seu círculo social. Toda enumeração seria perigosa e
temporal. Mas o círculo social que ele ausculta não é, necessariamente, o do
seu povo, e sim o do lugar em que o negócio jurídico terá efeitos. Não é,
tão-pouco, a concepção dos figurantes ou dos testadores, e sim a do círculo
social, que os‟ envolve. Se eles vivem noutro círculo, que seja maior, esse,
e não aquele, prevalece. Em todo o caso, em certos pontos, deve o juiz
compreender o influxo que os pequenos círculos ou os pequenos meios
exercem: o principio da igualdade de todas as apanhas conceptuais, de
todas as fontes jurídicas, perante a lei (apriorismo irritante de PHILIPP
LOTMAR, Der unmora‟lische Vertrag, 96 s.) teria a consequência de tratar
absolutamente do mesmo modo o que, todos sabemos, onimodamente
difere. “Deixo x mil cruzeiros a A, com quem vivi”: em relação a um
homem solteiro, é moral, mas solteira é uma freira e, enquanto não deixa o
convento, em que está, nem se desliga do seu meio, não seria de se cumprir
disposição que, em relação à pessoa que testou, e ao meio em que vive, tão
escandalizante parece. Outros falam em “opinião comum” (R. SAVATIER,
Dos Effets et de la Sancticrn du Devoir moral, 348). “Vontade geral”,
“vontade efetiva da maioria”, moral padrão, como se os conceitos
estatístico-apriorísticos de maioria pudessem encobrir, apagar, ocultar,
desfazer, o realismo dos círculos sociais (cp. F. VON LIszT, Die
Deiiktsobiígatiouen., 43; OT‟rO DICK, Der Verstoss gegen die guten Sitten
in der gerichtlichen Praxis, Archiv filr Biirgerliches Recht, 33, 99 s.; HANS
ALBRECHT FISCHER, Die Rechtswidrigkeit, 81 s.; PONTES DE
MIRANDA, Sistema, II, 604, e Introdução à Sociologia Geral, 38).

No aplicar no seu país a lei estrangeira, ou o ato particular, é que o juiz


aprecia, segundo o seu circulo, o ato. Mas, ainda aí, volta-se ao problema
local.

Na apreciação dos bons costumes, não se exige, nem se supõe a


invariabilidade (ANDREAS VON TUHR, Der Aligemeine Teil, III, 23, nota
8, onde adverte a II. DERNBURG, Das Burgerliche Recht, 1, § 125, II).
Não se devem reputar cãnones de moral que bastem e sejam absolutos para
a caracterização dos bons costumes: a) as regras convencionais de mera
exteriorização social; b) as regras‟ de outros processos adaptativos, ainda
que de moral interna deles (Religião, Política, Economia), pois, ai, há um
plus, como ocorre às regras religiosas, ou défice, como sucede a certos
grupos econômicos ou profissionais; c) as regras de círculos assaz restritos.
O ponto de vista do juiz é o do circulo a que corresponde a lei, ou os
maiores, quando esteiam em causa.

Também não podem ser conceitos dos bani mores: a) o modo de ver dos
partidos políticos legisladores; b) a opinião subjetiva dos juizes. Seria
perigoso e insocial subjetivismo. Tem de ser a Moral de determinado povo,
do lugar onde se aplica a lei. Tal concepção também há de ser observada
para se definir, no direito internacional privado, o que são os bons
costumes. Pela formação histórica do Brasil, há conteúdo católico cristão
na Moral, que o juiz consulta. Mas a consulta não é direta à Religião, é aos
fatos, à realidade em que a Religião introduziu as suas convicções,
suscetíveis de mudança, inclusive por influência protestante ou de livre
pensamento.

§ 5.697. ILICITUDE E IMORALIDADE

Na concepção dos boni mores, o juiz não é obrigado a conformar-se com os


estalões dominantes, formais, se eles contradizem ou se chocam com a sua
consciência (EDUARD HÓLDER, Zum allgemeinen Theile des Entwurfs
eines BGB., Archiv fiir die civilistische Praxis, 73, 702). Também ele e
porque não principalmente ele? é fator precioso na crítica de julgamen„tos
superficiais, que sacrificam às aparências sérias forças humanas, muitas
vezes sancionam contra as mais puras normas das religiões dominantes.
Nos próprios países de cristianismo oficial, há preconceitos, modos de ver e
de apreciar os atos alheios, inclusive por parte de alguns padres e pastôres,
que destoam dos princípios cristãos e incidem nas suas mais „vivas
condenações.‟

Os círculos menores ou especiais não podem dar o conceito do que é moral,


mas o ato praticado pode ser apreciado em sua imersão no meio, isto é,
tomadas em consideração as situações de vida em que estavam as partes ou
o testador (E. RIEZLER, Alígemeiner Teil, J. v. Staudingers Kommentar, 1,
532; L. JACOBY, Recht, Sitte und Sittlichkeit, Jherings Jahrbitcher, 41,
111; ANDREAS VON TTJHR, Der Alígemeine Teu, III, 24; PH.
LOTMAR, Der unmoralische Vertrag, 96 5.; IIANS ALBRECHT
FISCHER, Die Rechtswidrigkeit, 81 s.). O que é~preciso é que não se
sacrifique o conceito: o caso em si é que se desveste, por outras
considerações, da gravidade a priori.

3. BONS COSTUMES. Temporalmente, ~qual o momento que deve decidir


do conceito de bons costumes? ~ O da legislação, isto é, a concepção
dominante, ou aplicável, quando entrou em vigor a legislação? ~„, Ou a que
incide ao tempo da apreciação pelo juiz? Nem uma, nem outra, responde E.
RIEZLER, Alíge„meiner Teil, J. v. Staudingers Kommentar, 1, 532; a do
tempo sob o qual o ato se praticou. Se em testamento ou codicilo? Não
cogitou disso. A questão depende da outra, que será, em seu ensejo,
versada: ~ aprecia-se segundo a legislação da feitura do testamento, ou
segundo a legislação ao tempo da morte, a licitude de um legado?

A ilicitude tem de ser apreciada em cada caso. Seria erro dizer-se “tal
legado à amante” é nulo. Seriam erros todas as afirmações que
pressupusessem julgamento a priori da validade das heranças ou legados. A
conformidade ou ofensa aos costumes tem de ser vista, verificada, em cada
caso, ou porque dependa a gravidade de circunstáncias subjetivas (por
exempIo, ser casado o testador), ou porque as circunstâncias objetivas a
caracterizam. É a lição conspicua (E. MEISCHEIDER, Die letztwilligen
Verfi~gungen, 120; EMIL STROHAL, Das deutsche E~rbrecht, §

25, n. 1, 7, 144; PAUL MEYER, Das Erbrecht, § 25 notas 71 s.). Assim, a


condição de não mudar de religião e a de entrar noutra, são consideradas
ilícitas. Porém não no é a primeira, se o beneficiado é padre: foi deixado
legado com a condição resolutiva para quando abandonar as vestes e a
profissão. Outrossim, vale, se a deixa foi para fundação cujos chefes serão
A, B e C, se esse, que hoje é protestante, se tiver convertido ao catolicismo.
Outro exemplo.

Testador, tio, ou padre; verba: “deixo a A, minha sobrinha, filha de minha


irmã, católica, e do marido, pastor protestante; se, ao tempo de minha
morte, A for católica, recebe toda a minha herança; se protestante, o têrço
em fideicomisso, sendo fiduciária a Mitra”. Vale. Mais outro exemplo.
Testador, pai, protestante; verba: “deixo a parte disponível à minha filha; se,
ao tempo da minha morte, tiver meu filho desistido de ser padre católico,
receberá metade”. Vale. Os exemplos servem para mostrar que não se
podem tratar no mesmo pé de igualdade a disposição e a condição. A
condicio in praesens afasta, em muitos casos, a aplicação da regra jurídica
nulificante; bem assim, a in praeteritum.

4.OFENSA AOS BONS COSTUMES E TEMPO DA APRECIAÇÃO.


Em relação a que tempo se aprecia a ilicitude das disposições, ~, o legado
ou herança contra os bons costumes ao temPo da feitura do testamento
(cem mil cruzeiros a amante do testador casado), mas acabada a torpeza ao
tempo da morte do disponente, é nulo? Assim entendia o 1 Projeto alemão,
§ 1.853, 1~a parte; contra: os Motivos (V, 154), que tiveram por decisivo o
tempo da feitura, e não o da morte do decujo. É a opinião corrente (contra,
EMIL

STROHAL, Das deutsche Erbrecht, 1, 215, e nota 10: tempo da morte).


Mas E. RITGEN (V, 350) sustentou que a superveniência da
admissibilidade não no sana, ao passo que a incidência ao tempo da morte o
fere. Faca bigúmea.

i.Como se há de resolver? a) EMIL STROHAL (Das deutsche Krbrecht, 1,


214, 215), para opinar como opinou, recorreu à analogia com o legado cuja
prestação é impossível, física ou juridicamente: para ele, é o caso de se
riscar, também aí, o arcaísmo da regula Catoniana. A regula Cataniana
punha por princípio o seguinte: todo legado, nulo ao tempo da feitura do
testamento, não se pode revalidar quando o testador morra: quod, si
testamenti facti tempore decessisse testator, mutile foret, id legatum
quandocumque decesserit, non valere (L. 1, D., de regula Catcmniana, 34,
7). Aliás, do modo geral, havia o Quod initio vitiosum est, non potest tractu
temports convalescere (L. 29, D., de diversis regulis inris anti-. qui, 50, 17).
Ora, a situação, para os objetos do legado, para o legado em si e
subjetivamente, e para as condições, não é, precisamente, a mesma: a
futuridade é essencial à condição, e tendo ela, por definição, de se verificar
após a morte, a lei do tempo da morte, o conceito do tempo da morte, é que
as deve julgar. Donde se tira que a solução de EMIL SROHAL teria a
vantagem da uniformização: legados e condições seriam conferidos pelo
mesmo estalão, pelo menos temporalmente. b) Entende E. HERZFELDER
(J. v. Staudingers Kommentar, V. 469) que a condição, quanto à ilicitude, se
aprecia ao tempo da morte. É nula a disposição, quando só forem lícitas ao
tempo da morte do decujo. É o conteúdo que está em causa. São i‟us
cogens os arts. 82 e 145, II, do Código Civil brasileiro (Código Civil
alemão, §§ 134 e 138). c) A leitura do Código Civil, artigo 1.717, dá a
entender que a lei é a do tempo da morte, porque se fala daquelas pessoas
que “não forem por este Código declaradas incapazes”. Mas esse argumento
serviria para o direito intertemporal, e não para a apreciação das mudanças
de fato.

A ilicitude não se aprecia no plano da eficácia, e sim no plano da validade;


portanto, é o tempo da feitura do testamento que importa, pôsto que a
superveniência da ilicitude, tratando-se de negócio jurídico unilateral,
revogável, apanhe o negócio jurídico de última vontade. Quanto à condição,
a sua essencial futuridade a faz apreciável ao tempo da morte, e não ao
tempo da feitura.

5.CIRCUNSTÂNCIAS EvENTUAIs DA ATRIBUIÇÃO. O testador “deixa


a A e à mulher de A, que está desenganada pelos médicos e prestes a
morrer, os prédios a, b e c: se a mulher de A morre antes do testador, toda a
herança será de A, mesmo se ele, casando com B, de quem tem filhos,
legaliza a sua vida sexual, legitimando os filhos, pois a lei brasileira permite
a legitimação dos próprios adulterinos; se a mulher não morre, metade será
dela e metade de A”. É válida tal disposição para o tempo em que seja
lícito. Existe a lição geral: se o que se quer é para o tempo em que for lícito,
não há ilicitude (assim, E.MEISCHEIDER, Die letztwilligen Verfúgungen,
120).

6.CONHECIMENTO DE ILICITUDE. Discute-se se, para haver ilicitude, é


preciso que o disponente ou o favorecido a conhecesse. Distinga-se, para
melhor se apanharem os aspectos: a) o disponente conhecia a razão de
ilicitude, ou a da imoralidade; b) o disponente não a conhecia, nem a
conhece o beneficiado; c) o disponente não conhecia, mas o beneficiado
conhecia; d) só o disponente e o beneficiado conheciam; e) só o disponente
e o beneficiado não conheciam: o público sabia. Pela distribuição, que ora
se faz, logo ressalta que a questão não é suscetível das soluções simplistas,
como se pretende. Assim, há os que dizem não ser preciso o conhecimento
pelos figurantes ou interessados (F. RIEZLER, Alígemeiner Teil, J. v.
Staudingers Kommentar, 1, 533; ANDREAS vON TUHR, Der Alígemeine
Teu, III, 24; PAUL OERTMANN, Aligemeiner Teil., nota B, 1, a, ao § 138);
contra, a jurisprudência alemã, inclusive do Supremo Tribunal, a 30 de
novembro de 1909, Seufferts Archiv, 65, n. 88). Ora, não nos parece posta
nos devidos termos a questão. Nos casos de a) nenhuma razão há para
disputas. Restam-nos os outros, mas todos só dependem do penúltimo: sé o
disponente e o beneficiado conheciam. Não houve escândalo, não houve
passagem ao terreno jurídico, que é o dos atos exteriores e cujas sanções
são exteriores. Mas isso não prova que o perigo da nulidade não esteja
iminente. Basta que se prove o que eles, secretamente, sabiam. Invertamos o
problema (letra e) : só eles não sabem. Aqui, o ato é nulo, porque o ato
imoral passou ao campo do direito: a lei pode cortá-lo cerce, porque a
nulidade interessa à ordem social, e não às partes. Não M, pois, questão do
«mhecimento, ou não, dos interessados.

Pode ser reputada ilícita a disposição, ou condição, que faça ridículo o


beneficiado (F. HERZFELDER, J. v.

Staudingers Kommentar, V, 469), ainda que ele não no perceba. Tal


argumento é assaz forte. Vem pôr ao vivo que o fundamento do Código
Civil, art. 145, II, ius cogens, nada tem com a convicção do interessado,
nem com o conhecimento que ele possa ter.

7.CONDENAÇÃO E NULIDADE. Simples condenabilidade não torna


nulo o ato. Há um meio-termo, que não permite a nulidade. Note-se bem
que a sanção somente pode resultar de infração grave, de ato que rompa
com os melindres sociais, que fira a consciência pública. Censurabilidade e
reprovação radical são coisas diversas. Não se exigem aos negócios
jurídicos a rigidez dos princípios morais, em toda a extensão e
sensibilidade: se assim fôsse, o conteúdo do Direito e da Moral
coincidiriam; um e outro teriam a mesma aplicação. Dizer de um fora dizer
do outro. Nem isso, nos fatos, seria possível;, nem o Direito o estatui. E
assim, dizem os juristas que a simples condenabilidade de sentir não causa
nulidade. Na matéria testamentária, ainda mais prudente deve ser o juiz; são
vontades últimas, vontades para depois da morte. Demos exemplo: a verba
diz “tenho um prédio em que está um bordel, sempre me rendeu bem, e,
solteiro, sempre me doeu a sorte das inquilinas: com uma delas tive
relações, durante algum tempo, e por isso deixo-lhe o prédio, com o
encargo de ser gratuito o aluguer de cada uma das que, no dia da minha
morte, lá estiverem: pagará, enquanto lá permanecerem, a conta de casa de
cada uma”. Pode ser condenável o modus faciendi de tal caridade. Mas a
ofensa aos costumes não vai a ponto de produzir a nulidade. É preciso
atender às circunstâncias de vida de tal solteirão, e a que se há atos
absolutamente contra os bons costumes outros há que só o são
relativamente (OITO DICK, Der Verstoss gegen die guten Sitten in der
gerichtlichen Praxis, Archiv fitr Bilrgerliches Recht, 33, 123 s.).

8.EXEMPLOS DE HERANÇA E LEGADOS CONTRA OS BONS


COSTUMES. São exemplos de herança ou legados contra os bons
costumes: a) as heranças e os legados feitos notôriameute em paga de
relações sexuais proIbidas por lei; b) a herança ou legado recompeusatório
de relações homossexuais (V. HEnZFELDER, J. v.

Staudingers Kommentar, V, 66); c) a deixa em paga de crime, ou a


criminoso, em louvor explícito pelo crime (aliter, só por piedade); d) a
herança ou legado correspondente a serviços ignóbeis ou a atos sexu ais
contra a moral.

Porém o simples fato das relações sexuais não constitui imoralidade, nem
ofensa aos bons costumes (E.

HERZFELDER, J. v. Staudingers Kommentar, V, 67); pela natureza


especialíssima do testamento.

9.ESTADO DE NECESSIDADE E DISPOSIÇÕES CONTUMELIOSAS.

É de discutir-se se há estado de necessidade em matéria de moral. E. g., ~


regra mais alta de moral pode criar para outras estado de necessidade?
PIHLIPP LORMAR (Der unmoralische Vertrag, 56), cerradamente, nega:
como o estado de necessidade não dá razão a invalidade de contratos
concluídos, assim também não os invalida, quando se criam ilícitos. É
resolver sem previsão. Nos casos ordinários, sim: os contratos não
mereciam tanto. Mas há momentos delicados. Há os casos profundos, em
que se antepõe a um dever outro maior. Um exemplo: “Ao entrar no
combate, fui ferido”, diz o testador, “e a mulher do oficial A preferiu salvar-
me a mim a salvar o marido: foi carinhosa; e agora, no momento de morrer,
quero deixar-lhe a minha fortuna, pelo seu gesto, que eu guardo no
coração”. A mulher enviuvou; ou se desquitou, depois da feitura (antes
simplificaria a questão). Não se poderá deixar de cumprir essa verba, que
sobrepõe um sentimento a outro. Ainda que não se houvesse desquitado. O
oficial em guerra determinou: “No combate, fui prisioneiro; tive uma
concubina, e devo-lhe a fuga, voltando ao campo da batalha. Não quero que
essa pessoa, que recalcou sentimentos patrióticos, em meu proveito, pense
que me não lembro do que por mim fêz: deixo-lhe uma casa que tenho na
fronteira e servirá para acabar os seus dias”. Cumpre-se essa verba.

Várias vezes ocorre que os testadores censuram e repreendem, às vezes,


com afrontas e injúrias, os herdeiros ou os legatários (disposições
contumeliosas). Tem-se a impressão de castigo, de um intuito correcional,
menos do que de exortação ou conselho. Pode interpretar-se como profundo
dissabor, ou violento desabafar de disponente contrafeito: luta íntima entre a
vontade de assegurar recursos a alguém e a verificação de que esse alguém,
descendente, ascendente, parente, afilhado, protegido, ou amigo, não lho
merece. É a constituição contumeliosa.

Hoje, como outrora, temos de repitar não escrita, e salvar o testamento e a


deixa ao herdeiro, oi ao legatário, que tão acerbadamente se exprobrou.

§ 5.698. Necessidade de estar no testamento a disposição

1.PRELIMINARES. As disposições testamentárias, por definição, devem


estar no testamento. Mas até que ponto vai a exigência não é questão
pacifica. Aliás, em tal assunto, os códigos variam, e o intérprete ou juiz tem
de apreciar o caso de acôrdo com as concepções do direito que presidiu à
feitura, mas sem desatender ao que possa Ter imposto pela lei pessoal. A
propósito, os princípios e as Explicações já foram insertos no volume
anterior. Por isso que também interessa à inquirição da vontade do testador,
será objeto de estudo ao Código Civil, art. 1.666.

2.PLENITUDE DA DECLARAÇÃO DE VONTADE. As disposições


devem ser plenas, de si só bastantes, e precisas no que significam. Seria
ineficaz a que apenas estivesse a vontade abstrata de instituir, de legar ou de
beneficiar com o modus. Nem se poderia deixar para outra cédula ~
revelação do contemplado, ou qualquer modalidade, ou alteração, do que no
testamento se dispôs. Seja aposta, seja separada, a folha, aberta ou fechada,
a que se reporte. Não valem mais os testamentos pelos quais os testadores,
fora do testamento subscrito e selado, dispunham ou completavam
diEposições. Contudo, já FR. HELLMANN (Das testamentum mystium,
Leipziger Zeilschrift, VIII, 256) distinguiu: assim convale a disposição
“será herdeiro A se seu nome estiver escrito no bilhete, carta, diário, que
tenho na estante”, também há de valer a outra” será meu herdeiro aquele
cujo nome estiver no blhete, carta, ou diário, que pus na estante”. Contra
isso iisurgiam-se LUDWIG GOLDMANN (Das testamentum mysticum,
Leipziger Zeitschrift, VIII, 470) e E. ENDEMANN (Lehrbuchír, 229). A
primeira disposição dificilmente seria séria; a segunda aberraria dos
princípios legais que restringem as formas de testamento. Pode ocorrer erro
ou deficiência na designações da pessoa do herdeiro, do legatário, ou do
beneficiado, como da própria coisa que se deixa, mas isso constitui outra
questão: os documentos, as referências, o próprio testemunho de parentes e
amigos, fatos,circunstâncias, quiçá indicações do testamento, verificadas
fora dele, são elementos auxiliares da interpretação das palavras
designativas, que no próprio testamento se inseriram. É o caso do art. 1.670,
e nada tem que ver com a questão do testamentum mysticnm, pelo qual a
pessoa do herdeiro, com a cópia hereditária, podia ser indicada em
documento particular (B. WINDSCHEID, Lehrbuch, III, ~ 546; C. F. A.
KÓPPEN, Lehrbuch, 482). Então houve designação, falha talvez, mas
houve-a. Não se poderia cogitar de institutio mystica. Ainda quando não
seja nominal, precisa, a designação; porque, para a instituição de quaisquer
outros benefícios, basta que se possa averiguar a identidade (E MIL
STRoHAL, Das deutsche Erbrecht, 1, 133; CARL CROME, System, V, 89;
também Fa.

HELLMANN, Das testamentum mysticum, Leipziger Zeitsclirift, VIII,


257). É preciso que o testamento contenha a nomeação: não pode deixá-la a
outro escrito. Dizer que deixa seus bens ao criado Estêvão é disposição que
vale. E

valeria a que disesse: “ao criado que me serve há vinte anos”, e pelos
documentos diários, cartas, se tivesse de averiguar de qual dos criados se
cogitava.

Claro que, se a cédula aposta, ou referida, ainda sendo mística a instituição,


se reveste das formalidades dos testamentos, não se lhe há de negar, nem ao
que a citava, inteira validade (FRANZ LEONHARD, Erbrecht, 2~a ed.,
388; PAUL MEYER, Das Erbrecht, 176 s.). Assim pensamos que se
dirimem as controvérsias do direito alemão e de outros sistemas e, se bem
que ainda não tivessem sido levantadas, antes de 1930, no sistema jurídico
brasileiro.

No direito brasileiro, resta cogitar dos codicilos. Temo-los, mas de objeto


estrito. Nesse domínio, podem eles, não só completar, como também
atender à função mística e, até, como veremos, revogar. Mas, fora daí, desse
objeto que não pode ser dilatado, os codicilos são inábeis para designações
que os testamentos não fizeram. São hábeis para carrear maiores indícios à
instituição feita, posto que deficiente ou errada (Código Civil, art. 1.670).

No direito inglês, as disposições de última vontade podem constar de


muitos escritos, e dá-se a incorporação de todos ao testamento. É de mister
que os mencione a cédula em forma legal, ou, se feitos depois, tenham as
formas exigidas aos testamentos (TRISTAM and COOTE, Pro bate Praxis,
41). É a cédula aposta, adjunta, mística, apensa.

Na cédula adjetiva do Preussisches Aligemeines Landrecht (1, 12, § 16:3,


35), não se podia alterar a instituição do herdeiro. O direito. inglês não faz
distinção.

§ 5.699. Disposições testamentárias, condições, termos e modos

1.NEGÓCIO JURÍDICO UNILATERAL DO TESTAMENTO. Diz o art.


1.664 do Código Civil: “A nomeação de herdeiro, ou legatário, pode fazer-
se pura e simplesmente, sob condição, para certo fim ou modo, ou por certa
causa”. Veio do Projeto revisto, art. 2.051: “A nomeação de herdeiro ou
legatário pode ser feita pura e simplesmente, debaixo de condição, para
certo fim ou modo, ou por certa causa”.
A regra jurídica do art. 1.664 concerne às disposições do testador, e não ao
testamento mesmo. Aos efeitos particulares, a cada verba testamentária, e
não ao ato de testar. Há um testamento, ainda quando todas as vontades
contidas se tornem ineficazes, ou pela impossibilidade, ou pela não
verificação das condições, ou pela ausência das causas. Essa distinção,
teórica e praticamente, é de grande importância.

O testamento é negócio jurídico unilateral, não suscetível de condição ou de


exigência de causa; condições, causas, existem as da herança e dos legados.
A condicionalidade ou caráter treminativo da vontade última não se admite.

Exemplo: “este é o meu testamento, para o caso de morrer da operação que


vou fazer”, ou “assim, disponho se não voltar da guerra”, “este testamento
só é para atender-se se morrer antes de 1973”. O ato do testamento não é,
portanto, suscetível de termo ou de condição; as disposições é que podem
ser afetadas de termos e de condições.

Aliás, aquelas restrições não são propriamente condições ou termos: são


motivos de testar no momento em que se testa. E sem efeito jurídico (H.
DERNBURG, Das Bi~rgerliche Recht, V, 131) Não há representabilidade
em se tratando de testamento. Isto é, não pode o genitor, ou o tutor, ou o
curador, dispor dos bens do descendente, ou do tutelado, ou do curatelado, a
favor de outrem, ou de quem se inculcou tal poder.

Nem pode a pessoa que deseja testar outorgar poderes a alguém, para que
em nome dela teste. É a pessoatidade da atividade negocial testamentária
que está em causa. Se o tabelião escreve o testamento, porque o testador
não pode escrever, ou porque não o sabe, a atividade do tabelião é apenas
instrumental. O testador dita, ou ouve o que o tabelião escreve e faz seu o
que aquele escreveu, ou diz conferir com o que dissera. O surdo-mudo que
não pode exprimir a vontade é absolutamente incapaz. O louco, ainda se
pode exprimir vontade, é absolutamente incapaz. Dá-se o mesmo com o
menor de dezesseis anos. A pessoa que, no momento de testar, não estava
em perfeito juízo, testou nulamente, porque há no Código Civil, art. 1.627,
III, regra jurídica explícita. Não basta a carta que o decujo envie ao
tabelião, ou o recado por mensageiro, para que lavre o testamento. O surdo,
que sabe ler, lê o testamento. Se não sabe ler, designa alguém que o leia. A
lei precisou as formalidades indispensáveis.

2.CONDIÇõES VEDADAS. As condições “valerá esse testamento se


minha mulher quiser”, ou outra semelhante, ou “se ela o aprovar antes de
morrer”, são vedadas. Um testamento não pode ser subordinado a tais
condições. ~

Quid iuris, se o for? Não é condição juridicamente impossível que vicie o


ato; é condição aposta a negócio lurídico que a não permite. É indispensável
a apreciação in concreto.

Se o testador disse “este é o meu testamento, que aqui fica no Brasil,


enquanto me ausento, e quero que o cumpram como está, se fora morrer”,
interpreta-se como motivo de testar. Se escreveu “vou a Paris casar-me; se
não efetuar o meu casamento, mato-me, e então cumpram este testamento”,
o juiz tem diante de si uma das mais graves questões: se o testador não se
casou, e se matou, há de interpretar como motivo de testar, e há de cumpri-
lo; se o testador casou, e morreu, de morte natural, não houve motivo de
testar: houve cláusula rebus sic stantibus às disposições contidas no
testamento; se casou, e matou-se, a solução é a mesma: a mudança, que
infirmaria as disposições, deu-se, e ele podia ter testado diferentemente; se
não casou, e não se matou, houve motivo de testar, e a expressão

“mato-me” não é condição: continha algo de insensato, que se não realizou,


porém que não atinge nem o testamento nem as disposições..

3.DELIMITAÇÕES DO ASSUNTO. O conteúdo do Código Civil, art.


1.665, não é relativo ao testamento em si, mas às disposições que ele
contém: herança, legados, modo. A fim de metodizarmos o estudo,
separemos as questões: a) heranças e legados puros e simples; b) heranças e
legados sob condição; e) termo; d) fins e modos; e) motivo.

4.DISPOSIÇÕES PURAS E SIMPLES. Os atos jurídicos ou são puros e


simples, isto é, operam imediatamente e para sempre, ou são ligados a
determinações relativas a circunstâncias, ou ao conteúdo do próprio ato, ou
a autônomas determinações mexas. Donde: condições, termos e modus.
(Puro, porque não tem condição suspensiva; simples, porque não lhe tocam
condições resolutivas, nem modus. Os romanos, de onde nos vem o
conceito de puro, consideravam o ato com a cláusula resolutiva, não como
condicional, mas pururn quod sub condicione resolvitur.)

Puras e simples podem ser todas as disposições testamentárias. A regra é


esse atuar imediato à morte, e para sempre, das vontades últimas. As regras
legais intervêm exatamente para regular os casos em que não ocorre pureza
e simplicidade do querer: em que o testador diz, por exemplo, “lego a B o
prédio x sob a condição de acabar com o prédio que está construindo”,
“lego a A, passando, por sua morte, a B”, “lego a A, que sustentará B até os
21 anos”.

Há verdadeira escala de qualitatividade: da condição ao mudus; aquela


evidencia entre o conteúdo condicionado e o incondicionado diferença
qualitativa (L. ENNECCERUS, RechtsgeschÉtft, Bedingung und
Anfangstermin, 85) ; no termo, sem que cesse a unidade qualitativa do
negócio, há algo de quantitativo, que intervém; no modus, há duas
declarações. Na condição e no termo, a situação é uma só. No modus tal
unidade pode desaparecer por completo; assim tem autonomia que a
condição e o termo não têm. Por isso mesmo, a expressão determinação
anexa, Nebenbestimmung, ou, ainda, Nebengeschtift, que excele para o
modus, não é feliz, nem serve para a condição (II.

FITTING, tber den Begriff der Bedingung, Archiv file die civilistische
Praxis, 39, 308). Porque, nas condições há íntima ligação com o negócio
jurídico, põe-se em jogo a eficácia, quiçá a existência dele. Não é, em
verdade, distinta do principal; consubstancia-se com ele; é dele.

Daí a terminologia que nos parece melhor: a) determina-. çóes anexas:


modus (disposições, limitações de poder); b) determinações mexas, porque
não existem duas declarações de vontade, mas uma só, com condições, ou
termos. Cf.

Tomos
V, §§ 538-553; XVIII, ~§ 2.228, 3; 2.229, 6; XXV, §§ 3.048, 3.049; XLVI
§§ 5.014, 1; 5.023, 2; 5.025, 1, 3.

A cindibilidade, que é possível no mudus torna-se difícil, se não impossível,


na condição: só se torna possível, onde, a respeito dos atos condicionados, a
lei permite que algumas condições vitiatur, et non viciant. Ainda assim, é
impartível o todo:

cai, deteriora-se, desprega-se o que morreu, ou nasceu morto. A palavra


acessória aposta à determinação é de ambigúidade e ao mesmo tempo de
restrição perniciosas: de ambiguidade, porque, para conter condições,
termos e modo, teria de impor acessoriedade necessária a esse (o modo
pode não ser acessório) e dá à condição caráter de anexidade, que ela não
tem (ainda mais: traduz mal Nebenbestimmung); de restrição, porque
estabelece craveira de acessoriedade, quando, em verdade, a condição é, de
regra, consubstancial, e o modus vive sem o chamado negócio jurídico
principal (impõe-se ao herdeiro A, e premorto esse, àquele a quem vai a
deixa cumprir o modus).

A expressão “modus” originàriamente não tinha o sentido técnico de hoje.


No direito comum, discutia-se se podia ser anexo aos negócios jurídicos
onerosos, ou não. Contra W. A. LAUTERBACH (Thesaurus, 141, e
Coliegium Pandectarum~ 1, n. 88), que o afirmava, GUSTAV HUGO
(Lehrbuch der Geschichte des r&mischen Reclzts,

11 a

ed., 539), que o limitava aos negócios jurídicos benéficos, e a torrente dos
escritores que o adstringiam aos negócios jurídicos gratuitos. Quanto à
construção, viam nele causa finalis, XV. A. LAUTERBACH (Thesaurus,
490 e 1210) e W. X. A. VON KREITTMAYR (Aninetrkungen ilber den
Codicem Maximilianeum Dava ricum civilem, III, 359); restrição à
liberalidade, GUSTAV HUGO (539) e Fa. HAYMANN (Die Schenkun.q
unter einer Auflage, 59); negócio jurídico bilateral, HERMANN
LAMMFROMM (Tcilung, Darlchen, Auflage und Umsatz-Vertrag, 94 5.).
5.CONDIÇõES E TRMOS. Se a determinação consiste em tornar os efeitos
do ato jurídico dependentes de acontecimento futuro e incerto, tem-se a
condição; se de acontecimento futuro certo, ou quanto ao tempo em que se
vai dar, ou quanto à sua inevitabilidade, tem-se o termo.

Fala-se em dies certus an et quando (23 de abril de 1975), dies certus an


inc&rtus quando (no dia da minha morte), em dies incertus an certus
quando (no dia da tua maioridade, porque podes morrer antes) e em dies
incertus an incertus quando (no dia do teu casamento).

Não é verdade que o Código Civil alemão, ou o brasileiro, tenha


considerado condição os dois últimos (dies incertus an certus quando, dies
incertus an incertus quando). Houve tal propósito no 1 Projeto alemão (§
143, cp.

Código Civil saxônico, § 114), mas a II Comissão acertadamente riscou


isso.

O dies incertus an incertus quctndo é condição; mas o outro, o incertus an


mas certus quando, esse não o é necessàriamente. O que decide da
condicionalidade ou terminatividade é a vontade das partes, o sentido que
lhe deu o disponente (E. RIEZLER, Alígemeiner Teil, J. v. Staudingers
Kommentar, 1, 610). Quanto ao dies certus an incertus quando, esse, de
regra, é termo, e não condição; todavia as partes ou os disponentes podem
conferir-lhe o caráter de condição.

No direito testamentário, encontram-se atos que não admitem condição,


nem termo: a) a aceitação da herança ou do legado (Código Civil, art.
1.583); b) a aceitação da testamentaria. ~ Qual a sanção para a aposição de
condições ou outras modalidades a atos que o não admitem? São os atos
inimigos de condições, incondicionáveis: ou por motivo de interesse
público (adoção, reconhecimento de filho, aceitação ou recusa de herança),
ou de circulação dos bens (direito cambiário, existência da pessoa jurídica),
ou de certos interessados (aceitação ou repúdio de legado). A sanção é a
nulidade da declaração de vontade. Nem a verificação da condição pode
validá-lo; precisa ser renovado.
O “madus” ou encargo é a determinação anexa, pela qual se restringe a
vantagem criada pelo negócio jurídico (doação, verba testamentária),
obrigando o beneficiado pelo ato, ou omissão, quer seja de conteúdo
patrimonial, quer não o seja. Sem que aquele a quem aproveita a prestação
modal tenha direito a ela, acrescentam os alemães, devido ao § 1.940 do
Código Civil alemão. Assim no direito alemão o elemento negativo é
essencial para o distinguir do legado. Mas, lá mesmo, pode importar
condicionalidade, ou se despir do caráter de secundariedade, assumindo
evidente principalidade. No m odus do Código Civil alemão não há sujeito
do direito. (F. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 726). No Código Civil
brasileiro, o sujeito não é necessário, mas a regra é havê-lo.

6.CONDIÇÃO E “MODUS”. A condição é consubstancial ao negócio; o


modus, anexo, sem precisar seguir a sorte da determinação a que se junta,
tem destino próprio.

§ 5.700. Condição

1.HERANÇA E LEGADO. Heranças e legados podem ser condicionais;


isto é, pode a disposição testamentária conter determinação mexa,
concernente a circunstância que lhe suspenda a eficácia, ou a possa resolver.
Suspensiva ou resolutiva, afirmativa ou negativa, possível ou impossível,
honesta ou desonesta (moral ou imoral; licita ou ilícita), verdadeira ou falsa;
contraditória ou não-contraditória, útil ou inútil, a condição aparece,
frequentemente, nos atos de última vontade, por isso mesmo que é um-só a
dispor e a precisar o que entende e quer. Porém as distinções acima feitas
dilatar podem o conceito de condição, de modo que se nos impõe eliminar o
que excede ao definido. A falsidade, por exemplo, que supõe julgamento
sôbre o que foi, ou o que e.

2.PRESSUPOSTOS DA CONDIÇÃO. Na condição é preciso que exista


incerteza objetiva, isto é, que possa não ser: a) por definição foi querida,
escolhida, imposta (donde a exclusão das condiciones iuris) ; b) por
definição, é de mister que se refira a tempo que vem, e não a tempo que
passou (donde a segunda exclusão: condicio in praesens, condicio in
praeteritum collata).
A deixa pode ser em parte condicionada e em parte incondicionada ou
condicional, dadas certas circunstâncias, e incondicional, nos outros casos:
“se A estiver casada, será sob a condição de ter filhos; se solteira, pura e
simplesmente”.

§ 5.700. CONDIÇÃO

Na condicio in praesens seu in praeteritum colíata, não há pendência, não


há a chave, o dilema, o índice de falibilidade, a futuridade da circunstância,
ou é ou já foi, ou não é, ou já não foi. Pertence ao passado, ou ao presente,
que não permite a incerteza objetiva. (O declarante pode não saber se é, ou
não é,. se foi ou não foi; mas acabou o domínio do que pode ser ou não ser,
que é o futuro.) No caso de condiaio in praesens seu praeteritum collata,
tem-se por incondicionado o ato jurídico se, ao tempo da aceitação, já se
tinha verificado a condição suspensiva. Assim, o legado é puro, e o
legatário recebe-o desde logo. Se a condição foi resolutiva, trata-se como se
o legado estivesse resolvido: é ineficaz o negócio jurídico (E.
MEIScHEIDER, Die letztwilligen Verfilgungen, 109).

O legado vai ao que receberia do beneficiado. Se fideicomisso, o chamado


fideicomissário é herdeiro de herança pura. ~ Quid iuris, se, no passado ou
no presente, não se verificou?

Aqui, o negócio é ineficaz, porque o pressuposto não corresponde à


realidade. Mas, se tiver os caracteres de incerteza subjetiva próprios da
condição, será o seu destino o das condições. Mutatis mutandis, quando
envolver cláusula rebus sic stantibus.

3.“CONDíCIO IURIS” E CONDIÇÃO. A condicio inris éparte da figura


jurídica, e não da declaração em si.

Condicioncs quae insunt, que vêm intrínsecas; mas intrínsecas à própria


figura. Por isso, a vontade não mexa qualquer determinação: a condição
tacite inest. O negócio jurídico, a despeito de&t, épuro e simples; porque
ela lhe dá o ser. Se ela intervém, não há escolha, arbitrariedade, vontade do
figurante, ou dos figurantes, de condicionar.
Não poderia ser tratada como condição (Código Civil, art. 117). A figura
jurídica é que supõe a existência ou realização posterior do fato. Por isso
mesmo, ainda que o declarante creia e diga ter escolhido, ter condicionado,
em verdade não condicionou. Exemplos: lego a A, se ele for vivo; deixo a
B, se ele for capaz de herdar. A lei, compondo a figura jurídica, cria as
condiciones iuris. O querer, que as recria, nada obtém. ~ enunciado
supérfluo: existiria a “condição” (lato sensu), ainda que ele não ocorresse.
São condiciones snpervacuae, como diziam os juristas romanos. Só na
aparência são condições (donde chamaram-nas Scheinbedingungen cf.
CARL CROME, System, 1, 446; ANDREAS VON TUHR, Der Aligemeine
Teil, III, 279 s.).

A denominação condições tácitas é perigosa: elas tacite insunt; porém não


se confundem com as condições tácitas, que são tàcitamente queridas pelos
figurantes ou pelo figurante. Ali, insunt, porque estão na própria figura, e
supérfluo seria o querer da condição; aqui, o figurante ou figurantes tacitê a
quiseram. Dois casos, que exemplificam: “Lego a A. a casa da rua X, que é
minha”, “Lego a A a casa da rua X, mas só quando vencer a ação de
reivindicação”. Aqui, há condição suspensiva. Ali, é condição de direito,
pressuposto legal, o de ser proprietário da coisa o disponente.

A sorte das condiciones iuris ~é dada pelo ius da figura, a que pertence.

§ 5.701. Espécies de condições

1.CONDIÇõES SUSPENSIVAS E CONDIÇÕES RESOLUTIVAS. É a


principal distinção: sus pemsivas, as que fazem depender de acontecimento
futuro e incerto a eficácia de um ato ou um ou alguns dos efeitos desse ato;
resolutivas, quando do acontecimento depende cessar a eficácia do ato, ou
um ou alguns dos efeitos desse ato.

(Condicional só é, rigorosamente, o ato ou efeito suspenso; sob condição


resolutiva, é puro. Aliás, só existe, prôpriamente, uma condição, a
suspensiva, porque o direito ou interesse resolúvel vige, é, e a sua resolução
é o outro aspecto da situação suspensiva do segundo direito ou interêsse.) A
suspensividade e a resolutividade não operam, necessàriamente, em todo o
ato. Na mesma declaração, ou em declarações ligadas, pode só se referir a
um dos efeitos, ou a uma das declarações. Exemplos: nos legados sub
modo, a condição só ser relativa ao encargo; nos legados condicionais, a
suspensividade ou resolutividade só se referir a usufruto. A esse respeito
cumpre ter-se sempre em vista o princípio da separação, a que se aludiu; e
não só: atender-se à relação completa da condição para com o texto, isto é,
se apanha toda a declaração, ou declarações; se só apanha a parte dela, ou
algumas em parte e outras em globo. “Deixo a A os prédios x, y, z, mas, se
meu filho B entrar para a Faculdade, durante o tempo da escola, terá o
usufruto do prédio y, e faço os legados com o cargo de alimentá-lo até os 21
anos”. O modus toca a toda a declaração; o usufruto, suspensivo em relação
a B, só atinge ao prédio y. Os legados de x e z são incondicionais, se bem
que onerados pelo encargo alimentar.

2.CRITÉRIOS DISTINTIVOS. Se a condição é suspensiva ou resolutiva,


decide a interpretação. Não há nenhuma presunção de que seja dessa, ou
daquela natureza; nem há qualquer regra geral de interpretação (E.
RIEZLER, Alígemeiner Teu, J. v. Staudingers Kommentar, 1, 598).
Atendem-se os dados de vontade e as circunstâncias.

Queria R. LEONHARD (Der AUgemeine Teil, 397), que, por ser mais
fortemente eficaz a resolutiva, na dúvida não se presuma a resolutividade.
Assim, E. ENDEMANN, L. ENNECCERUS, H. LEHMANN (Das
Bi.irgerliche Recht, 1, 253) e G. PLANCK (Biirgerliches Gesetzbuch, 1,
413). Tal o direito comum, tal o alemão e tal o brasileiro (cp.

MARTINIUS, “Wenn... nicht” und “wenn nicht” (si... non u. nisi) in


Vertrtigen, Gruchots Beitrãge, 51, 503 s.). Se é de uma ou de outra
natureza, a exegese decide. No pacto de melhor comprador há presunção de
ser resolutiva (Código Civil, artigo 1.159) ; na venda a contento, suspensiva
(art. 1.144). Fora disso, não há presunção legal de ser de uma ou de outra
espécie.

Se entre as circunstâncias e as palavras empregadas há discordância, o que


resolve são aquelas (G. PLANCK, Burgerliches Gesetzbuch, 1, 413). Aliás,
sempre mais se há de procurar a intenção do que o sentido literal (Código
Civil, art. 85).

A reserva ou retenção da propriedade é de grande importância na


interpretação das condições, para se saber se suspensivas, ou se resolutivas
(II. DERNBURG, Das Bilrgerliche Recht, 1, 505). Outrossim, para se
decidir se o figurante ou os figurantes quiseram suspensividade do direito
todo, ou só do exercício.

Quanto à condicionalidade da aquisição e à condicionalidade do exercício,


certamente, pendente a condição suspensiva, não se adquiriu o direito a que
ela visa, isto é, não se produziram os efeitos suspensos. Resulta do próprio
conceito. Mas, diante do art. 118, que diz, “subordinando-se a eficácia do
ato à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar”, não se terá
adquirido o direito, a que ele “visa”, alguns escritores nacionais tiraram
conclusões de perigosíssima afoiteza, ora vendo no art. 118 regra de direito
intertemporal (e o art. 118 nada t em com o direito intertemporal), ora
postulando qualquer inerdabilidade da posição juridica criada pelo art. 118
(e o art. 118 fala em direito, a que o ato visa, e não do próprio ato, ou da
situação que desse imediatamente resulta). Não se estabeleceu suspensão da
existência, mas sim suspensão de efeitos, porque tais são, nos atos jurídicos,
os direitos a que eles visam. Por isso, praticamente, sempre que se vai
resolver quanto aos efeitos de uma condição, tem-se de atender ao que
dissemos. A vontade dos figurantes, nos contratos, e a do testador, nos atos
de última vontade, devem decidir da extensão e do alcance da
suspensividade. Porque: a) condição suspensiva, só por si e em absoluto,
não obsta à hereditariedade; exemplos: “ficam vendidos a A cem sacos, sob
a condição suspensiva da chegada de B

a esta cidade, de volta da Europa”, os herdeiros de A herdam o contrato;


“lego a A os prédios a, b, c, com a condição suspensiva de ser restituído a B
o manuscrito x”, os herdeiros de A herdam a posição jurídica, assunto esse
que mais de espaço se tratou a propósito do Código Civil, arts. 118 e 1.572;
b) o art. 118 nem sequer é cogente, para com o próprio efeito visado.
3. CONDIÇÕES RESOLUTIVAS. Quanto à aposição de condicões
resolutivas às heranças, nenhuma dúvida sôbre a sua admissibilidade pode
haver, diante do Código Civil, art. 1.664. A intromissão do art. 1.665 é que
poderia criar dúvidas; mas estender a outras situações jurídicas regra
jurídica obscura fora atitude com que se não compadece nenhuma boa
política jurídica. Desde já se observe: a) No direito romano, devido à
estrutura do seu direito sucessório (que não é mais hoje), tinha-se como
contradictio in adiecto que o evento, previsto pelo testador, destruísse a
qualidade de herdeiro. Tratando-se da condição suspensiva, permitia-se
(SILVIO PEROzzI, Istituzion~

di Diritto romano, II, 432) : contràriamente ao dies a quo, podia ser


invocada a ficção da eficácia retroativa (F.

HOFMANN, Kritische Studien im ràmischen Rechte, 138). Com isso,


pensava-se salvar a máxima Semel heres semper h,eres e evitarem-se os
perigos da mutação de herdeiros. Para vermos quanto dista do direito
brasileiro, confrontem-se os arts. 118, 124, 121, 1.664 e 1.665. b) No direito
português, de onde nos veio o art. 1.665, também se notou a omissão da
referência à condição resolutiva quando se vedaram os termos, e JosÉ DIAS

FERREIRA (Código Civil português anotado, IV, 162), raciocinou (direito


português) : nesse caso, entra logo o instituído na posse e administração dos
bens, correndo o risco de ficar sem eles quando se verificar a condição;
porém, como a resolução do seu direito depende de circunstância muito
eventual, não é obrigado a prestar caução, salvo se desbarata ou dissipa os
bens que lhe deixaram. Em verdade, nem o direito brasileiro, nem o
português, foram lógicos com os sistemas, pois que o art. 1.665 existe. Mais
lógico, o romano. Lógico ficaria o nosso, riscado esse dispositivo, quase
inaplicável, como se verá. c) Portanto, também o Código Civil admite a
condição resolutiva.

Na Itália, por exempio, somente uma opinião fora contrária a essa


interpretação: a de C. F. GABBA (Teoria deita Retroattività deite leggi, II,
1-16), porque todos os mais pensavam (e.g., VITTORIO POLACCO, Deite
Successioni, 1, 345) que o art. 851 do antigo Código Civil italiano só se
referia a termos (cp. Código Civil brasileiro, artigo 1.665). O nôvo Código
Civil italiano, art. 633, é explícito:

“Le disposizione a titolo universale o particolare possono farsi sotto


condizione sospensiva o risolutiva”. Mas ~ por que tratar diferentemente
termo e condição? Alega-se que a condição há de ter efeito retroativo: mas
certo é não se cancela o passado, instaura-se nova ordem de coisas. O efeito
retroativo necessário é erro e velharia.

4.CONDIÇÕES CASUAIS E POTESTATIVAS. As condições ou são


casuais, por constituírem acontecimento estranho à vontade dos figurantes
ou do figurante, ou do beneficiado, como, nos seguros, o dano, ou nas
doações mortis causa, a sobrevivência do donatário; ou potestativas, se o
acontecimento incerto é a vontade pura ou parcial de um deles. No direito
romano, distinguiam-se quanto à existência as potestativas puras (si velit), e
as que o não eram, e podiam impor-se como condições, ainda quando si
velit, desde que houvesse interesse substancial. Alguns autores falam na
proibição das potestativas da parte do devedor; mas é uma dessas frases da
grande herança dos velhos axiomas, diz FRANZ LEONIIARD (Willktir
und Willenserkuirung, Jherin.gs Jahrbilcher, 39, 188), que se vão repetindo
por aí a fora, sem mais exame. Em verdade, o direito romano era bem mais
sensato, nesse ponto, do que o expõem. No Código Civil francês, arts. 1.170
e 1.171, define-se a condição potestativa e proibe-se a potestativa da parte
do devedor. Mas a doutrina explicou que só se trata da simplesmente
potestativa (apesar da supressão de um “uniquement”). A distinção é
questão de fato. Semelhantemente, mas frisando tratar-se de mera voluntâ,
o velho Código Civil italiano, art. 1.162 (o nôvo, art. 1.355, quanto à
condição suspensiva), o espanhol, art.

1.115 (exclusiva vontade do devedor). Cf., com variantes de adjetivos e


advérbios, o chileno, art. 1.478, o colombiano, art. 1.535, o argentino, art.
542, o uruguaio, art. 1.387, e o japonês, art. 134.

No Código Civil alemão, não se cogita da condição potestativa, a que se


referiram os Motive (V, 30), quando, no inseri-la, o testador só atende a que,
dependendo o implemento da condição de ação voluntária do beneficiado
ou de outrem, seja isso que decida da validade ou não-validade, da eficácia,
ou não-eficácia. Não é o caso do § 2.065. No Código Civil, artigo 1.667,
não se falou da cláusula deixada ao arbítrio de outrem. Mas, certamente,
porque já o fizera, em geral, no art. 115. O § 2.065 só se refere à potestativa
pura.

O Código Civil, no art. ~ 2ª parte, diz: “Entre as condições defesas se


incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de
uma das partes”. Note-se preliminarmente: a) são as condições potestativas,
ou não, que pri.vam de todo efeito o ato; b) ou as potestativas que o
sujeitam ao arbítrio de um dos figurantes. Das condiciones perplexae
adiante se falará.

A condição potestativa pura é negação da coercibilidade, da garantia, da


força exterior, nas relações humanas, que tem o negócio jurídico: seria, para
ele, porque é jurídico, contradictio in adjecto. É o querer puro: concedida a
um engenheiro, não lhe diz “se convier”, isto é, se for razoável dentro do
que esperava, ainda a seu critério, mas somente “se quiser”, ainda que tenha
todas as indicações de prestabilidade. Ali, haveria juízo técnico, embora
pessoal; aqui, independe de tudo: si voiam! Não atende a circunstâncias; é
absoluta. A condição “se quiser entregar à volta do vapor x”, havendo
consideração das conveniências, não é potestativa pura.

A regra de que mais se há de atender à intenção do que ao sentido literal


(Código Civil, art. 85) também se aplica às condições, inclusive para as
distinguir, se potestativas, em puras e impuras (a expressão simples, usada,
é ambígua).

Assim, não se deve atribuir valor exclusivo às palavras (contra isso, cf. H.
FITTING, Zur Lehre vom Kauf auf Probe oder auf Besicht, Zeitschrift fiir
das gesammte Handelsrecht, II, 232 s., e V, 119. 139 s.). O adjetivo apôsto
ao querer nem sempre torna a condição apreciável pelo juiz e, pois, válido o
negócio jurídico. A questão de fato manda verificar se no razoável há
apreciação objetiva. A importância do ato pode vesti-lo de juridicidade:
potestativo puro é “se vou de minha casa à esquina”, mas impuramente
potestativa “se vou à Europa”. Mais: as circunstâncias podem transformar o
próprio exemplo: “se vou até àesquina”, a um paralítico, vale, porque, para
ele, não é potestativa, menos ainda impura a declaração de vontade. As
circunstâncias corporais, que tolhem, são como elemento casuais, porque,
por definição, atuam contra a vontade, ou a despeito dela. Vale, também, a
condição

“enquanto possa”. Não depende só da vontade. Estabelecer regras para as


conseqUências de tais condições, que tão sutilmente se compõem, é
arbitrário legislativo, como veremos, a respeito das condições impossíveis.
A melhor tendência é deixar-se à doutrina, mais progressiva indagadora e
classificadora dos fatos. (A despeito do § 138 do 1

Projeto, que excluia as condições de mero arbítrio, exceto nos contratos


sinalagmáticos, § 79, nenhuma regra in seriu a propósito o Código Civil
alemão.)

Oque decide da pureza ou impureza da potestatividade éa interpretação.


Porém alguns roteiros podem ser úteis.

Assim, não é pura a potestatividade: a) quando depende de verificação de


circunstâncias, ainda que a juízo do obrigado (exemplo:

venda a contento); b) quando depende de poder ou de ter necessidade a


confirmação (não a conclusão) do negócio jurídico:

é reserva de deliberação posterior, unilateral, certamente, mas sem


suspensão do ato; o negócio ficou perfeito, a reserva não obstou à
conclusão, nem sequer se submete às exigências de forma, que o negócio
teria; c) quando foi objeto de contrato: aqui, a potestatividade é vantagem,
que se adquiriu, houve prestação e contraprestação, o que tem a condição
adquiriu-a, houve-a como mercadoria, ou coisa (a opção é como compra de
deliberação unilateral); d) quando envolve equitativa apreciação do negócio
jurídico; e.g., gratificação dos patrões aos caixeiros, gorjetas, o caso do art.
1.697; e) quando há alternativa, porque a potestativa é só parcial (quer isso,
ou aquilo), portanto, necessariamente impura (cf. art. 1.700).
5.CONDIÇÃO RESOLUTIVA NO DIREITO ROMANO Para os romanos
a resolutiva não tornava impuro o negócio jurídico:

só a suspensiva. Em parte, tinham razão; porque, naquela, a condicão não


toca ao negócio jurídico, que é, mas o que sera: a condição é da resolução.
Daí admitirem alguns autores que o Código Civil, no art. ~ 2ª parte, só se
refere às suspensisivas. E dizem porquê: a vontade realizou o negócio
jurídico; a resolução é que é potestativa. (Sim, mas isso também se daria em
todas as suspensivas de exercício ou de um ou alguns efeitos: só atingiria a
esses.) A questão não é sem importância prática. Se vale a condição
resolutiva potestativa, vale a resolução que se opere: “lego a A, sob a
condição resolutiva de passar a B, se quiser (A ou B, devedor, credor ou
legado) “. Se não vale perante a lei, a resolução não se dá, ainda que A ou B
o queiram. A letra da lei é pela última solução: fala em “uma das partes”.

Fixemos bem a questão: ~ vale ou não vale a resolução? Não é o negócio


jurídico que está em causa, não é o legado a A~: é o reconhecimento da
puramente potestativa pelo direito. Disse puramente, porque a condição
potestativa não pura não oferece dúvidas: vale. No direito testamentário
(não é lugar para a discussão do assunto nos atos entre vivos), vale; porque:
a) não há figurantes, há um só, o testador, e dois beneficiados: e a condição
resolutiva potestativa pura não é mais do que o mod‟i2s ou uma
recomendação, nudum praeceptum (art. 1.666), que cumprido exclui a
repetição (art. 970); b) há analogia com a fixação do prazo de entrega
deixado (a terceiro; c) a condição potestativa, em certos casos, pode ser
interpretada como até à morte do primeiro beneficiado e casual da premorte
dele: “poderá entregar quando quiser”.

A condição “si volet”, referindo-se ao legatário, é implícita nos legados


pois só os recebe quem os quer. Daí pôr-se como condicio iuris que se não
rege pelo art. 116, ou outra qualquer regra jurídica referente às condições.
Não assim se o testador

quer violar o art. 1.572, relativo à transmissão da herança, ou o art. 1.690


(F. HERZFELDER, J. v. Staudingers Kommentar, V, 468, a propósito dos
§§ 1.942 e 2.176 do Código Civil alemão). “Se A quer, lego a B”,
transmite-se a outrem o decidir da eficácia da disposição: só aparentemente
é condição; na realidade, infringe o princípio da pessoalidade do
testamento. Tal condição só se admite se envolve concurso, promessa de
recompensa, ou júri. Mas, nesse caso, não há potestatividade pura. A
condição “lego a A, se B não quiser” é substituição vulgar (art. 1.729). ~

permitida a disposição em que se deixe ao herdeiro, ao testamenteiro, ao


outro legatário, a determinação do dia em que deve ser entregue o legado
(H. PEISER, Handbuch des Testam emtsrechts, 2~a ed., 11, nota 27).
Entende-se que há de desempenhar-se convenientemente. O juiz dos
testamentos aprecia.

Da íntima vontade de um figurante ou de terceiro é que não podem


depender os efeitos de um negócio jurídico. Mas o contrato pode ser feito
sob a condição de um dos figurantes, dentro de prazo, emitir nova
declaração (ANDREAS

VON TURR, Der Aligemeine Teil, III, 27), e bem assim o legado sob a
condição de que o legatário se pronuncie dentro de certo prazo, ou até
quando algum fato se der. Então, o legatário precisa declarar o que quer, e
fazê-lo nos limites que se fixaram; se, no intervalo, morre, não adquire.
(Note-se bem: nesse caso, porque era potestativa e referente a aceitação, o
direito ao legado não surgiu. Por isso, e não como regra, falsissima, da
inerdabilidade do direito nas condições suspensivas. Razão por que a nota
50 de ANDREAS VON Tu~R nos adverte.) Pode tocar a potestativa pura
nos testamentos: ou a) ao herdeiro obrigado; ou b) ao legatário obrigado, e
ambos, em tais casos, ficam no lugar do testador (R. KRuG, Die
ZuUissigkeit der reinen Wollens-Bedingung, 88); ou c) a terceiro. Si volet
heres, si volet Titius. Como se vê, se aplicamos, simétricamente, os
princípios dos atos entre vivos, não se compreende a inclusão do si volet
Titius. (Cp. art. 115, onde se fala em “arbítrio de uma das partes”). Sôbre o
art. 1.667 ver-se-á qual o fundamento de tal exclusão da potestativa por
parte de terceiro, erradamente considerado como resultante da proibição da
potestatividade das condições.
§ 5.702. Impossibilidade, contraditoriedade e perplexidade das condições
1.PRECISÕES. As condições podem ser consideradas em sua
impossibilidade; mas o serem impossíveis não as submete ao mesmo
destino. Por isso, devemos precaver-nos contra identificações, em que
incorreram grandes juristas. A impossibilidade das condições pode ser: a)
lógica, por haver contradição, ou perplexidade; pela impossibilidade de se
entenderem,

essa mais propriamente cogretoscitiva do que lógica; b) física, quando o


fato não possa acontecer ou deixar de acontecer; o) jurídica, quando o
direito, e não as leis físicas, lhes negue existência.

2.CONDIÇÕES CONTRADITÓRIAS OU PERPLEXAS. São ditas


lôgicamente impossíveis, ou impossível lógico, as condições que deixam na
declaração de vontade contradição íntima. Ser e não ser. Não se sabe o que
há de prevalecer. A dúvida é invencível. A lei brasileira é saliente quanto à
contradição das disposições. Assim devera ser: é assunto que não precisa de
texto. Mas, em termos tortuosos, referiu-se a condições que negam todo
efeito ao ato (Código Civil, art. ~ 2ª parte) e entre elas estão as
contraditórias, que põem e retiram, dizem e se desdizem. A contradição das
disposições pertence ao âmbito do art. 1.666. Aqui somente das condições
temos de tratar. Em todo o caso, também fica assente: só se é invencível,
pela interpretação, a contradição apontada, é que se pode falar de condição
contraditória; porque basta haver solução conciliante, dentre as possíveis,
para, na dúvida, ter de prevalecer (art. 1.666). São, pois, pressupostos do
que se vai dizer: a) que haja condição; b) que seja invencível, pela
interpretação, a contrariedade.

Quanto à sorte das condições contraditórias, no direito contemporâneo, a


regra é serem tidas por inexistentes, nenhumas, as disposições, a que se
ligam. E cumpre notar o seguinte, porque constitui particularidade de
grande importância prática: os negócios jurídicos tratam-se, em tais casos,
como unidades, quer seja sob condição suspensiva, quer resolutiva, de
modo que se não poderia ter uma parte por válida e outra não (E.
RIEZLER, J. v.

Staudingers Kommentar, 1, 595; F. HERzFELDER, J. v. Staudingers


Kommentar, V, 470, quanto aos testamentos).

Achava H. FITTING (Úber den Begriff der unsittlichen Bedingung, Archiv


filr die civilistische Praxis, 56, 424) que a noção de condição perplexa
devia ser inteiramente abandonada e acolhida, em geral, a de disposição
perplexa. F.

REGELSBERGER (Pandekten, 565) esclareceu que, sendo incompatíveis o


conteúdo da condição e o da disposição principal, nula é essa:

fala-se, em verdade, em condição perplexa, mas verdadeiramente perplexa é


toda a disposição. Na prática, é preciso não se esquecer o principio da
separação, para se não sacrificar a disposição não consubstanciada à
condicionalidade. Exemplo: “se B casar com A”, adiante “se B não casar
com A”. Tal contradição relativa à passagem de um legado a outrem não
vicia o legado, mas a passagem. Em verdade, há dois negócios jurídicos na
mesma disposição. Por onde se vê que às condições resolutivas não se pode
aplicar, sem atenção, o principio da unidade. Por outro lado, a atuação do
art. 1.666 pode ser no sentido de um favor voluntatis, quando a contradição
não implique contradita com a disposição, e sim quanto ao modo de
executar-se. Sempre que é entre condições, e só entre elas, deve o juiz
buscar caminho que salve a verba testamentária. “Deixo a A o prédio x, que
passará a B no dia do casamento desse”. E adiante, no mesmo testamento:
“deixo a A o prédio x, que passará a B no dia de sua maioridade”. Não se
deve prejudicar a disposição. É passagem por ocasião do que primeiro
aconteça.

§ 5.703. Ininteligibilidade e inutilidade de condições

1.CONDIÇÕES ININTELIGÍVEIS OU SEM SENTIDO. As condições


ininteligíveis, ou sem sentido, são feridas de impossibilidade gnosiológica:
não se podem conhecer; por isso, não se podem cumprir. Seria erro
equipará-las, em tudo, às perplexas. Quanto a essas, são, necessariamente,
antagônicas a alguma coisa, ou à disposição mesma.

Há, sempre, duas ou mais proposições, que se chocam. O caso é de


incompossibilidade. Bem diferente das ininteligíveis, ou sem sentido, que
em si mesmas têm a impossibilidade: não podem ser entendidas. Por outro
lado, seria erro tratarem-se as condições ininteligíveis como as fisicamente
impossíveis: essas são impossíveis, porque se sabe o que são e o que as
aguarda; daquelas, tudo se ignora. Também seria erro tratá-las como as
juridicamente impossíveis: essas supõem conteúdo conhecido, que se sabe
vedado por lei.

A ininteligibilidade tem de ser invencível, ou não é. A extrema dificuldade


ainda não é a impossibilidade de entender-se.

Nas condições contraditórias, há dois elementos que se tocam e tornam


invencível a dúvida. Nas ininteligíveis, a invencibilidade está na própria
condição. A sorte delas é, de regra, a das condições contraditórias. Se há
dois negócios jurídicos, separáveis, na mesma disposição, só o do segundo
beneficiado está ferido.

Se a interpretação revela que a condição não alteraria muito a situação


jurídica criada, cumpre reputar válida a disposição. Exemplo da vida real:
“Deixo a A três prédios, sob .a condição suspensiva de instalar B
gratuitamente no prédio... com todo o conforto”. O ininteligível é bem
pouco e somente recai em se saber qual dos três prédios cabe à habitação de
B. Não deve o juiz prejudicar nem a herança, nem o legado de habitação.
Deixou-se o prédio mais próprio (cp. arts. 1.697 e 1.698).

2. CONDIÇÕES INÚTEIS. As condições inúteis são as que nada adiantam.


Não são impossíveis: são possíveis, mas inteiramente supérfluas, vás. Seria
erro tratá-las como as condições impossíveis ou ilícitas (E. RIEZLER, J. v.

Staudingers Konmentar, 1, 596) . Quanto à sorte das condições inúteis, se


tiram aos negócios jurídicos a seriedade, são inexistentes: mas é outra
questão. Se não tiram, não o prejudicam.
§ 5.704. Condições física e juridicamente impossíveis

1. CONCEITUAÇÃO. Já se disse que a impossibilidade pode ser


gnosiológica ou cognoscitiva (condições ininteligíveis ou sem sentido),
lógica (condições perplexas ou contraditórias), física (condições
fisicamente impossíveis) e jurídica (condições juridicamente impossíveis).
São condições fisicamente impossíveis as que consistem em fato que não
possa acontecer, devido a leis naturais, ou, em negação de fato, devido às
mesmas leis não possa deixar de acontecer. São condições juridicamente
impossíveis as que são impedidas pelas próprias regras juridicas cogentes.
Poder-se-ia falar em condições moralmente impossíveis, mas a
impossibilidade derivaria de reconhecimento jurídico da impossibilidade
moral.

2. SANÇÕES. No tocante à técnica das sanções, pergunta-se: se a condição


é (física ou juridicamente) impossível, cai o ato ou cai a condição aposta? A
esse problema, de certa sutileza, três soluções foram dadas: a) nos
testamentos, à diferença dos atos entre vivos, tais condições vitiantur non
vitiant (Código Civil francês, arts. 900, 1.172, inclusive doações, e artigo
840, cp. arts. 1.065 e 1.180). b) a regra da viciação é comum a todos os atos
jurídicos (assim a doutrina alemã); c) o Código Civil brasileiro segue a
última para as condições ilícitas ou juridicamente impossíveis, porém não
para as fisicamente impossíveis. Qual a melhor? Uns dizem que a solução
francesa cinde a vontade dos testadores, corta-a em duas partes: uma para
valer, e outra para não valer. Outros pugnam pela indiferença, porque o
testador não merece mais do que os contraentes. Os adversários respondem:
os figurantes, no contrato, são culpados do vício; nos testamentos, a culpa é
toda do testador. Esse fundamento tem o seu quê de ridículo: pune-se o
testador, o defunto, com o prevalecer de uma vontade que pode não ter sido
a sua. Na Itália, pela solução francesa, G. BRUNETTI (Le condizioni
impossibili e illeciti nei testamenti, Archivio Giuridico, IV, 181-205);
contra, VIT‟rORIO POLACCO (Deile Successioni, 1, 349). É a velha
discrepância romana, dos sabinianos vencedores contra os proculianos,
acolhida a solução por Justiniano. Mas o próprio GAIO dizia: “et sane vix
idonea diversitatis ratio reddi potest” (III, § 98). A diversidade tinha, então,
certa razão de ser na necessidade de não morrer intestado. O Código Civil
argentino, art. 530 (uruguaio, artigos 1.408 e 1.411) ressalva a obrigação
quanto à condição de não fazer coisa impossível.

Estatui o art. 116 do Código Civil brasileiro: “As condições fisicamente


impossíveis, bem como as de não fazer coisa impossível, tem-se por
inexistente. As juridicamente impossíveis invalidam os atos a elas
subordinados”.

Afastou-se do direito romano, que distinguia atos entre vivos e mortis


causa. pelo menos quanto às mais importantes disposições testamentárias
(instituição de herdeiro, legado, fideicomisso, manumissão testamentária).
O

nec non do § 10, 1., de heredibus instituendis, 2, 14, significa que, em tudo
mais, a condição fisicamente impossível se vicia e vicia (VITToRIO
SCIALOJA, Corso di Istihu. zioni di Diritto romano, 378). Alguns o
estendem às doações mortis causa (MANENTI, Suíla regola sabiniana
relativa alie condizioni impossibili, illeciti e turpi, Studi in onore de
VITToRIO SCIALOJA, 409). Também se afastou da lição inovadora de P.
J. DE MELo FREIRE

(Institutiones luris Civilis Lusitani, III, 55), que, em vez de considerar,


como o direito romano, não-escrita a condição, tinha por nula (no sentido
moderno) a instituição:

“Extranei heredes recte instituuntur sub quacumque condicione possibili;


nam impossibilis, turpis, vel omnimo derisoria vitiat institutionem”.
Rigorosamente, partindo de lados opostos, as duas soluções dão quase no
mesmo, porque constituem regras jurídicas que se têm de contactar nas
realidades. Já vimos que há duas soluções: a da viciação contaminante; a da
não-viciação contaminante, porém com a queda do condicional. Se se~
guida a primeira, tem-se de limitar às condições suspensivas; porque, se
resolutivas, o ato está incondicionado e puro: o que se risca, o que se vicia,
é o a que se visava. Se há a segunda, a não-viciação salva o que a outra
solução também não atingiria, o que já se efetivou incondicionalmente, isto
é, o ato puro, pôsto que sob condição resolutiva; O que se apanha é a
resolução, e não o ato jurídico quod sub condicione resolvitur. Outrossim,
salva-se apenas o ato condicional ou sob condição suspensiva impossível,
nos testamentos. Por isso mesmo, e porque isso ématéria de dogmática, de
ciência pura, e não de lei, quem andou bem foi o legislador alemão: nada
disse sôbre o assunto.

Assim, hão de ser tratadas as condições impossíveis pelo modo que decorre
da natureza das coisas (E MIL

STROHAL, Das deutsche Erbrecht, 1, 143). No Código Civil,


combinaram-se as soluções, os modos de dizer. Mas, eliminados os casos a
que se não aplica a 2~a parte do artigo e precisado o campo de aplicação da
1~a parte, os resultados vão ser quase os mesmos. Apenas caminhos
tortuosos; se não de técnica, que a ciência não precisa corrigir: esboroa-se
ao contacto das realidades, da natureza das coisas.

Quando tratarmos de condições fisicamente impossíveis diremos o que for


bastante.

§ 5.704. IMPOSSÍVEL FÍSICO E JURÍDICO

3.SE É COGENTE A REGRA JURÍDICA SÔBRE IMPOSSIBILIDADE


FÍSICA. ~É ius cogens o art. 116 do Código Civil, ou pode o testador
prevenir as sanções? Dois casos têm de ser considerados: a) “se, acaso, me
considerarem ilícita a condição, quero que se respeite a disposição, sem
ela”; b) “se, acaso, entenderem que vaIe o legado e reputarem não-escrita a
sanção, quero que seja afastada toda a disposição”. Quanto à letra a,
existem, em verdade, duas disposições: deixo sob a condição; se não valer
com ela, entenda-se sem ela. Quanto à letra b, tem maior importância no
sistema da diversidade; e FRANCESCO FERRARA (Teoria dei Negozio
iliecito, 316) reputou direito co-gente a regra legal; G. BRUNETTI (La
Condizioni impossibili e ilieciti nei testamenti, Archivio Giuridico, 181, s.)
considerou revogação, ademtio, condicionada, da disposição testamentária.
Com ele, VITTORIO

POLACCO (Deile Successioni, 1, 350). Consideram-na regra jurídica dis


positiva, no art. 900 do Código Civil francês, AUBRY e RAU (Cours de
Droit Civil français, II, 173-176); no velho Código Civil italiano, NIÇOLA
COVIELLO (Corso completo dei Diritta delie Successioni, II, 712).
Reputaram-na ius cogens F. LAURENT

(Principes de Droit Civil français, II, n. 434), juristas portuguêses, o


Código Civil espanhol, art. 792, e E.

ESPÍNOLA (Manual, III, 2, 215) . Uns recorriam à ficção, como F.


LAURENT; outros, à presunção absoluta. Ora, a verdade é que o art. 116,
todo ele, e não só nesse ponto, é disparatoso: fêz-se regra jurídica escrita
sôbre o que pertence à natureza das coisas e às múltiplas feições da vontade
humana. Quem faz a condição, por definição, é o figurante; se ele não a fêz,
não é condição (art. 117) : de modo que o figurante a faz como a quer.
Suspensiva, resolutiva; incindivel do negócio jurídico, ou cindivel; com
esses, ou aqueles efeitos. A lei, aí, dá roteiros aos que previamente os não
escolheram. Onde esses roteiros fôssem fixos, cogentes, nao haveria
condição (faltar-lhe-ia a chamada arbitrariedade, ou posição pelo
manifestante da vontade) : haveria condicio iuris.

4.CONDIÇÃO IMPOSSIBILITADA, OU IMPOSSÍVEL, E TERMO. Às


vezes, os testadores mais se preocuparam com o prazo em que se daria a
condição do que com a condicionalidade mesma. Então, é como termo que
se trata.

Deixo a A o prédio x, que o meu herdeiro lhe transferirá, entregando-lhe a


escritura no dia do casamento dele com C”. C falece. Se C é sobrinha do
testador, e A não tem parentesco, nem amizade, que de si se justificasse a
deixa, dá-se a falha da pressuposição, pela mudança das circunstâncias;
mas, se não ocorre que o parentesco foi a causa, porque A era o sobrinho, e
o casamento com C não é condição, nem causa, no dia do casamento A
recebe. Aqui é condição casar. Se diz “no dia 23, em que completará 30
anos, quando se casará”, prima o termo.

Pode dar-se que haja condição com prazo em que prime a condição. Se o
testador, em 1972, deixa, em legado, fortuna suficiente a instituição de
caridade sob a condição de se edificar em dois anos um hospital e
inaugurar-se a 15 de novembro de 1975, o prazo que será, talvez, a
impossibilidade única da condição não pode primar: foi engano do testador,
ou falta de previsão de certos fatos retardadores. (Aliás, quase‟ sempre, isso
é encargo, e não condição.)

5.CONDIÇÃO FISICAMENTE IMPOSSÍVEL. Na lei brasileira separam-


se as duas impossibilidades: a física e a jurídica. Tratam-se, diferentemente:
aquela vitiatur, n.on vitiat; essa, vitiatur, et vitiat. Para bem apanharmos o
campo da aplicação do Código Civil, art. 116,

1 a parte, em que se reputa inexistente a condição fisicamente impossível,


quer dizer não escrita (vicia-se, mas não vicia), tratá-la-emos de parte,
como fêz a lei.

CLÓVIS BEVILÁQUA (Em defesa, 355, 356) procurou sustentar o


Projeto, invocando F. VON SAVIGNY, que serviria contra ele (cp. E.
ESPÍNOLA, Manual, III, 2, 203), na parte da distinção “fisicamente” e
“jurídicamente impossíveis”.

Os primeiros limites postos a incídencia do art. 116, l.~ parte, assaz o


definem, reduzem-lhe a pouquíssimo o seu princípio. Quase o excluem.
Limitações ao conteúdo do artigo 116, 1~a parte: a) Gracejos, pilhérias,
animus ludendi (“se tocar o céu com o dedo”, “se mudar de sexo”, “se virar
burro”), mas condição “se obtiver a quadratura do círculo”, “se descobrir o
moto perpétuo”) pode não ser gracejo: a indagação é toda no ato
testamentário. Pode ser que o testador acreditasse possível, e não legasse
gracejando. Se lega para. cumprir aposta, que em vida fêz, ou em tom de
desafio a alguém que se propôs a isso, não há condição impossível que se
submeta ao art. 116; mas algo de prestação, de que se falava. A regra
jurídica de que são inexistentes as vontades sem seriedade vem antes da que
manda considerar não escrita a condição impossível: por ser mais alta,
prima aquela (A. VON SCHEURL, Beitrâge, Zur Lehre von den
Nebenbestimmungen~ bei RechtsgescMft, II, 277). (Adiante, sôbre
condições ilícitas e o golpe em falso do art. 115 do Código Civil.) Por outro
lado~ não se diga que os testadores, ainda os moribundos, não pilhe-riam:
dentre outros, havia, em 1928, na Provedoria do Distrito~ Federal,
testamento de um engenheiro, crivado de jocosidades e deixas não sérias a
pessoas das suas relações. b) Pode haver desafio, aposta, promessa de
recompensa: a causa obriga a outros princípios. c) Pode tratar-se de
insensatez: se a insensatez envolve, o que é frequente, incapacidade, nula é
toda a disposição, e não só a condição: vitiatur et vitiat (F.
REGELSBERGER, Pandekten, 1, 414). Aliás, quase todas as condições
impossíveis importam prova de insensatez: “prius inspiciendum est, ne
homo, qui talem condicionem posuit, neque compos mentis esset (L. 27, pr.,
D., de condicionibus institutionum, 28, 7, interpolação). Ora, essa é a regra,
de modo que se não deveria abrir exceção: o Código Civil, por culpa do
Projeto primitivo, deu como princípio o que só em casos rarissimos incide e
suscitou delicadissima e sutil discriminação do sensato e do insensato nas
disposições sob condição impossível.

6.IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA E IMPOSSIBILmADE


SUBSEQUENTE. Quanto à impossibilidade originária e à impossibilidade
subsequente, tratando-se de condição (se concerne ao objeto do ato, a
solução é diferente, cf. arts. 878, 882 e 889), pode existir a impossibilidade:
a) na ocasião da feitura do testamento; b) no tempo que vai da feitura do
testamento à morte do decujo; c) depois da morte. Cumpre examinar os três
casos: (a) Se, desde a origem (momento de se fazer o testamento), era
impossível a condição, considera-se inexistente. “Deixo a A sob a condição
suspensiva de ir ao pólo sul em 10 minutos”, se tal condição de tal natureza
puder escapar aos casos de gracejo e outros, será não escrita. Se escapar? O
segundo sistema não entraria nessa indagação. Os resultados, praticamente,
são quase os mesmos, porque a eliminatória é peneira que poucas condições
fisicamente impossíveis deixa

passar. E as que deixa nem viciam nem se viciam. b) Subveniência da


impossibilidade: nos testamentos, se, ao tempo da feitura, não era
impossível a condição, e depois se tornou, não cabe falar-se de
impossibilidade, mas de não se ter verificado a condição (E.
MEISCHEIDER, Die letztwilligen Verfiigungen, 114). São sérias as
consequências: porque a disposição, de que a condição era fisicamente
impossível, vale; a que se tornúu pode valer e vale, mas não se lhe
reaMzando a condição, não se lhe operam os efeitos. Para o direito romano,
cf. B.

WINDSCHEID (Lehrbuch, 1, ~ 94) e F. REGELSBERGER (Pandekten, 1,


559). (b) Superveniência da possibilidade: se a condição, no momento da
feitura do testamento era impossível, mas, depois, se tornou possível (E.
RIEzL~a, ,J. v. Staudingers Kommentar, 1, 594), não há condição
impossível. ~. Que é impossibilidade física senão algo que pode depender
de correções ao que sabemos? Impossíveis há muitas coisas; mas, se o
testador estava no caminho da verdade, melhor o diz, evidentemente, o fato
„de se ter tornado possível o que se havia por impossível. Exemplo: “Lego
as minhas fábricas a A, se ele conseguir, em toda a vida (não precisa
declará-lo), dar a volta do mundo em dois dias”. Não é fisicamente
impossível. Então, sim. Mas sê-lo-á em vida de A? Resultado: não se
invalida a condição; valem ato e condição. Pode o testador ter em mira o
incentivo, e a impossibilidade não pode viciar, porque o que se quer é que
ela acabe. A probabilidade exclui o impossível. Mas seria demais exigi-la:
basta o possível para destruir a impossibilidade (cp. C. G. WÃCHTER,
Pandekten, 1, 372). (c) No dia da morte, tudo se tornou definitivo: a) A
impossibilidade superveniente rege-se pelo que antes já se disse. b) Mas a
possibilidade superveniente, a tempo de ser atendida a verba, tem o efeito
de legitimar o beneficiado ao que se lhe deixou. A possibilidade
superveniente corrige a nossa interpretação anterior dos fatos. (Salvo se o
testador fixou prazo à revelação da possibilidade. Mas isso é outra questão.)

A interpretação pode dizer outra coisa. É uma das consequências de ser


dispositiva, e não ius cogens, a regra jurídica do art. 116. Assim, a
interpretação é que precipuamente decide: a) se a verba disse: “Deixo a A,
com a condição de continuar na direção intelectual de B”, e B morreu antes
do testador, sem que A descontinuasse o seu zêlo até à morte de E, cumpre-
se a deixa? De regra, sim. Mas pode ser que se trate de condição falha. 1>)
Se disse:

“O meu principal objetivo é que B se forme; por isso deixo metade dos
meus bens a B e a metade a A, sob a condição de A continuar a dirigir a
educação de B até à formatura”. A, morto B antes de se formar, não herda.
c) No legado, e. g., em que se estabelece “deixo a A a casa da rua x, sob a
condição, apenas, de ensinar geometria a B”, e B morre, a prestação do fato
se impossibilitou, de modo que se não verificou a condição (o que é coisa
diferente). A não recebe a casa da rua x. No direito das obrigações, a
solução seria diferente (art. 879). Também, outra, se se tratasse de encargo.
O caso da letra a) quase sempre é modus. O da letra b) díficilmente o é.

7.CONDIÇÃO RESOLUTIVA. O ato sujeito à resolução é por si mesmo


válido, não o apanha o art. 116,

1 a parte;

isto é, o vitiatur et non vitiat, nem o pode prejudicar. O legislador brasileiro


não atinou com os infimos resultados dos seus dizeres gerais; de modo que,
para bem aplicar o direito que ele escolheu, temos de reduzir ao que deve
ser, ao que é compossível com a natureza das coisas, o que ele disse. Na
condição resolutiva, a situação é diferente da que resulta da suspensiva. No
momento em que se aprecia o ato, já ele é em todos os seus efeitos. Ora,
isso, e só isso, é que se ablui, que se risca, e não o ato nos efeitos que surtiu
e surte. Já há a certeza de que nunca se resolverá.

É puro e, mais, pela impossibilidade, irresolúvel. O campo de aplicação do


art. 116, 1~a parte, é o das heranças sob condição suspensiva, dos legados
sob condição suspensiva e do modus com condição suspensiva imposta ao
beneficiado pela disposição modal. Porque, nessas espécies, não há um pré-
beneficiado sob condição resolutiva.

Ter-se-á, de voltar ao assunto, quando se tratar dos fideicomissos.


§ 5.705. Condições juridicamente impossíveis

1.CONCEITUAÇÃO. No declarar a vontade sob condição juridicamente


impossível, há um como não declarar, um não querer o vinculo de direito.
As condições juridicamente impossíveis invalidam o negócio jurídico
(Código Civil, artigo 116,

2 a parte). Mas o art. 1.666 obriga a salvar-se o negócio jurídico, se


possível, pela interpretação: nos testamentos~ guarda-se o máximo da
vontade dos testadores, não só pela importância social da última vontade,
como‟ porque o testamento é um todo; como tal, há de tratar-se. A questão
desenvolve-se a propósito do art. 1.666.

Cumpre distinguir-se da impossibilidade originária a superveniente. Se,


quase sempre, as condições fisicamente impossíveis se conservam tais, pela
invariabilidade das leis naturais, e raro se tornam possíveis (inventos,
descobertas), não ocorre o mesmo às juridicamente impossíveis: a cada
passo topamos com as que, originariamente impossíveis, deixaram de o ser.
Por isso, é de grande importância saber-se quando se há de apreciar a
impossibilidade jurídica. No momento em que o ato se constituiu, ou
quando se vai cumprir? Tratando-se de testamentos, ou de codicilos, no dia
da morte, pelo lapso que há entre a feitura e os efeitos. Nas condições com
prazo, a situação torna-se difícil. “Deixo dois milhões de cruzeiros a A se,
aos vinte e oito anos, presidir o Brasil”. É

impossível?‟ Não, pode vir a ser possível. Quem viver verá.

2.MUDANÇA ESPERADA DE LEGISLAÇÃO. Sempre que o testador


tiver cogitado, ou seja de crer que cogitou da mudança de legislação, de
modo a tornar possível a condição, aguarda-se a verificação a continuidade
de ser impossível constituirá falha, não-verificação, das condições, em vez
de caráter que as vicie e ao ato a que se apuseram. O mesmo ocorre às
fisicamente impossíveis que se crêem tornadas, no futuro, possíveis.
“Espero que Alagoas e Sergipe constituam um só Estado, o Estado de São
Francisco; lego a minha fortuna aos; presidentes que assinarem por ele o ato
de incorporação”. Não é impossível, nem física, nem juridicamente. O
testamenteiro aguarda. Nem é contra bonos mores. “Lego um milhão de
cruzeiros para a propaganda pró-escravidão”. Aí, nulo o legado. Porque é
imoral. Delicada a questão: <„Lego um milhão de cruzeiros para a
propaganda da monarquia no Brasil, ou para o govêrno unitário”
(Constituição de 1967, art. 50, § 1.0). Não pode vir, dentro da ordem, tal
mudança. Mas, ~se, a despeito disso, ao se cumprir o testamento, for
provável? Exemplo: alguns Estados já se declararam pelo unítarísmo. ~ Se‟
alguns já se definiram pela monarquia? A solução é difícil,.

porque o juiz está dentro da lei. Mas deve ver, também, os princípios
superiores de direito.

Mudanças de fato são mudanças que se podem tornar de direito. C. G.


WÀCHTER (Pandekten, 1, 373) quase falou nos princípios superiores de
direito: “Os figurantes podem ter em vista, muito bem, a variabilidade das
regras jurídicas, quando as possam considerar sob aspecto moral ou
racional”. É vulgar, no direito civil, encontrarem-se princípios que são
humanamente superiores aos das Constituições. ~ Como negar ao
disponente o que é mais alto nas franquias públicas liberdade de pensar?

3.CONDIÇÕES NECESSÁRIAS E TESTAMENTOS. Só aparentemente as


condiciones necessariae são condições. Ao contrário do Preussisches
Alígemeines Landrecht, 1, 4, § § 129 s., 12, §§ 62, 504, o Código Civil
francês, arts. 1.172 e 900, e o saxônico, §§ 884 e 885. Nem delas, nem das
impossíveis cogitou o Código Civil alemão. O Código Civil brasileiro
somente se referiu às condições de não fazer coisa impossível. Aqui, a
expressão

“de não fazer coisa impossível” abrange as duas classes de coisas: as física
e as juridicamente impossíveis. São, pois, três casos distintos: a) condições
fisicamente impossíveis (inexistentes) ; b) condições juridicamente
impossíveis (invalidantes); c) condições de não fazer coisa física ou
juridicamente impossível. Dessas é que temos de tratar: são as seguidas
condições de que falou o art. 116, 1~a parte, e se não podem incluir na 2,a
parte.
4.SORTE DAS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS. Quanto à sorte das
condições necessárias, temos de considerar: a) O que se quis,
suspensivamente, sob condição necessária, quis-se, em verdade, sem
condição: a deixa é pura; todavia, é de toda a importância verificar se há,
rigorosamente, condição, e não dies a quo (E. RIEZUER, .1. „v.

Standingers Kommentar, 1, 592);

b) Quando resolutiva, a solução cancelativa da condição tem de se


circunscrever aos casos em que o negócio jurídico seja o principal. Nos
contratos, a condição resolutiva necessária a cargo de segundo beneficiado,
ou de outrem, dificilmente deixa de pé o negócio jurídico. Não é séria.
Assim, nos testamentos. Por outro lado, pode ser causa, ou dies ad quem.
O‟ assunto é assaz complexo, e só a interpretação pode conseguir as
soluções justas.

Pretendia GIORCIO GIORGI (Teoria deile Obbligazioni, IV, 382) que a


condição resolutiva de fazer coisa impossível deixa puro o legado e a de
não fazer o torna nulo. Dois exemplos: o octogenário que contrata sob a
condição resolutiva de ter filhos (contrato puro) ; o contraente sob a
condição resolutiva de não casar com B, se o comprador já é casado
(contrato nulo). Ignorando-o, disse ele. Mas, então, houve erro! A
interpretação tem de decidir. De qualquer modo, a opinião tem contra si o
art. 116, que é expresso quanto à condição de não fazer coisa impossível.
Ela é que é nenhuma (não escrita). c) A condição de fazer coisa necessária:
comer, dormir, beber.

Dificilmente seria séria, diz-se. Nunca seria séria, dizem outros. É nulo o
negócio? Se for séria? Ou são não escritas, ou se tem como recomendações.

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS. Se bem que tenhamos tratado dos


diferentes casos de condições impossíveis, parece-nos útil formular algumas
distinções elucidativas. As condições ou são: a) a cargo de um primeiro (ou
único) beneficiado, ou de outrem, ou casuais, a favor dele; b) a cargo de
segundo beneficiado, ou de outrem, ou casuais, a favor dele. A regra
jurídica do art. 116, 1,a parte, sôbre as condições fisicamente impossíveis só
incide quanto aos

„casos a). Entenda-se que o legatário é o primeiro beneficiado em relação


ao herdeiro ou incumbido. É o quod plerumque fit. A regra jurídica do art.
116, 1~a parte, sôbre condição de não fazer coisa impossível também só
coincide quanto aos casos a). Ao legatário aproveita; não aproveitaria ao
que fôsse colocado no raso b), isto é, fideicomissário. A regra jurídica do
art. 116, da 2~a parte, sôbre condições juridicamente impossíveis só incide
quanto às condições

a).Nos casos b), seriam resolutivas, e encontrariam atos já eficazes, nos


quais há certeza de que nunca se resolvem.

(Se o declarante gracejava, ou não queria sem isso, é outra questão.) Não se
confundam com as condições de não fazer coisa juridicamente impossível:
nessas, o que é impossível é a coisa que se havia de fazer, e não a condição
que, ao contrário, só é possível. O campo da primeira regra é o das
condições a), ou suspensivas que não sejam dos casos b), porque, se o
forem, são o verso da resolutiva de outrem. Alguns exemplos: 1) “Lego 100
apólices a A, se não suplementar a idade do filho antes dos dezoito anos” é
condição de não o fazer fora da lei, isto é, de não fazer coisa impossível.
Condição necessária, sem efeito no ato jurídico, “inexistente”, diz a lei. 2)
“Lego 100 apólices a A sob a condição de não se eleger senador antes de 35
anos”. (Pode dar-se que se haja de interpretar que o testador tinha em mira a
mudança de legislação.) 3) “Lego 100 apólices se A não mais se inimizar
com B”. E morre. A condição de não fazer é necessária; mas pode ser razão
de legar, e não condição: não se lerá “se não mais” e sim

“para que não mais

4)“Deixo 100 apólices a A, que passarão a E, quando A deixar de beber


água”. É condição impossível; portanto,

“inexistente”. 5) “Deixo a A, mas passarão a B, quando B se abstiver de


suplementar a idade do filho antes dos dezoito anos”. É condição de não
fazer coisa impossível. Mas há primeiro beneficiado, com direito adquirido;
a queda da condição b) não pode riscar aquele direito. Caem a condição e o
direito a que ela visa, por haver suspensividade quanto a E, que se limita
com a condição jurídica de A. É a morte normal das condições dadas ao
segundo beneficiado. Assim, temos a comprovação de que, na regra sôbre
condições de não fazer coisa impossível, o efeito cancelativo da condição
só se pode referir, ordinariamente, às disposições testamentárias em que se
trate de beneficiado único. A casa de segundo beneficiado, dificilmente será
sensata ou séria. “Deixo o prédio x a A, e, se E

não construir casa no céu, o legado passar-lhe-á”. Isso não é fideicomisso: é


condição pilhérica, que seria absurdo prevalecesse.

§ 5.706. Condições ilícitas e imorais

1.PRECISÕES. Ilícito ou imoral pode ser o conteúdo, o objeto, o ato


jurídico em si, e ilícita ou imoral pode ser a condição. Do primeiro já se
tratou; agora, cumpre-nos falar da segunda espécie. A sorte das condições
ilícitas ou imorais não pode ser diferente das manifestações de vontade que
têm objeto ilícito: a nulidade.

a)Há diferença entre a ilicitude e a impossibilidade das condições. No


impossível, seja físico, seja jurídico, o ato, que se quer, ou a omissão, que se
pretende, não pode ser: a liberdade humana é tolhida pela natureza, ou pela
lei. No ilícito ou imoral, o ato e a omissão são possíveis: a liberdade
humana persiste; a natureza social ou a lei não tolhem, reprovam. “Deixo a
A o prédio x, se adquirir venia aetatis antes dos dezoito anos” é condição
juridicamente impossível, como seria fisicamente impossível, se dissesse
“se A tiver um filho aos seis anos”. Mas “deixo a A se furtar o relógio de
B” é imoral, ilícita: A poderá furtar, mas ser-lhe-á acerbadamente
exprobrado. Possível proibido, que bem se distingue do próprio
juridicamente impossível.

b)Há diferença entre o ilícito (stricto sensu) e o imoral. São contra bonos
mores as condições imorais; as condições proibidas por lei seriam as únicas
ilícitas (art. 115), se ilícito não tivesse outro sentido: o dos arts. 82 e 145, íí,
é mais largo.
A respeito das condições ilícitas, contra bons costumes ou imorais, torpes,
nefastas, cabe repetir-se o que foi dito anteriormente sôbre as disposições
testamentárias de tais espécies.

Casos há em que o fato da condição é ilícito, porém não o é a condição.


“Deixo 100 a C, se o marido a tiver abandonado”. Vale. É como o seguro
contra os assaltos, os furtos: ilícito o fato, lícita a condição. Não há
incitamento à ilicitude.

2.SORTE DAS CONDIÇÕES ILÍCITAS E DAS CONDIÇÕES IMORAIS.

Quanto à sorte das condições ilícitas ou imorais, as condições ilícitas


(contra bonos mores e as proibidas por lei) tornam nulo o próprio negócio:
vitiantur et vitictnt. O testador diz:

“Deixo a A sob a condição de entregar as provas do adultério de C”


(ANDREAS VON TUHR, Der Aligemeiner Teil, III, 34). As condições são
determinações inexas, são consubstanciais ao negócio jurídico, que em seus
efeitos a elas se subordinam. Por isso, a ilicitude ou a imoralidade da
condição de regra contamina o próprio negócio: vitiatur et vitiat. Nesse
ponto, o direito testamentário do Brasil passou por profunda mudança.
Adotava-se para as condições impossíveis o sistema da viciação não
contaminante, e a condição si non nupserit, se ilícita ou imoral, contava-se
entre as impossíveis (impossibilidade moral); de modo que se havia de ter
por não escrita. Hoje, elas contaminam o ato, viciam-no. As consequências
são bem diferentes. Aliás, é coerente a lei, porque igual destino deu às
juridicamente impossíveis. Se, na generalidade dos casos, é fácil decidir-se
sôbre a moralidade ou imoralidade de uma condição, não no é quando se
envolva problema confinante com a religião ou com os princípios
superiores de direito. A questão magna, a questão de tantos séculos e
dogmaticamente irresolúvel, porque depende da interpretação das verbas e,
por isso mesmo, das circunstâncias é a das condições de celibato e as de
viUvez. Para lhes sentir a gravidade, é preciso ter tido, alguma vez, a
missão de decidir sôbre a sua validade ou não validade. Por ser a principal
condição possivelmente ilícita ou imoral, temos de tratá-la em particular.
3.CONDIÇÃO DE NÃO CASAR. Os velhos e os novos juristas
esfolhearam todos os argumentos, quer históricos, quer políticos, quer
morais, a propósito das condições de não casar. Argumentos romanos contra
as condições si nuptias non couÍraxerit e si coelebs viduave pernwinserit
tiraram-se das leis IPapias Popeas na sua política de natalidade, diante da
situação de despovoamento que ameaçava Roma (perdas de homens na
guerra, temor do casamento, vaga venus ou homossexualidade):

seriam inexistentes (nulías, no sentido do direito romano), por opostas às


razões cívicas das ditas leis: bonis moribus, et progationi sobalis adversa
seria a positiva ou a negativa, que dão no mesmo, viúvo, ou solteiro, não
importava; constrangiam, contra o homem. Depois a lei Julia Misecíla
temperou a norma quanto aos viúvos, e é por isso que, no direito luso-
brasileiro, a distinção persistiu (DIOGO GUERREIRO, De Munere ludicis
Orphanorum Opus, Tractatus 1, de Inventarzo, Livro 2, e. 10, n. 27). Ab-
rogou-se a Lei Julia Misceila, volvendo-as às Papias Popeas; logo depois, a
Nov. 22 ab-rogou a tudo. Argumentos cristãos: certamente, enfrentam-se
dado moral e vontade do testador, se aquele, na espécie, parece fraco, essa
tem de primar. ~ Mas onde o dado moral? Se havia os adversários da
condição non nubendi, reputando-a imoral, também havia os que a
festejavam como moralissima, pois qu e perfeito o celibato. Redobravam
esses de entusiasmo, quando estava em causa a condição de viUvez. Mas,
com bons fundamentos no apóstolo Paulo (Cor., 7, 8; Timot., 1, 5, 24; Cor.,
1, 7, 9), VAN ESPEN, EYBEL, GIBERTI e outros canonistas sustentavam a
não reprovabilidade das segundas núpcias. O Concilio Tridentino (24, de
matrim., c. 10) decidiu que o estado de celibato é mais perfeito e melhor
que o de casamento.

O estado vidual apresentava a mesma excelência a Santo Agostinho. ~


Onde, pois, as razões decisivas contra a condição de viduídade contra a
condição non nubendi imposta aos solteiros? No Codex iuris canonici, c.
1.143, disse-se: “Licet casta viduitas honorabilior sit, secundae tamen et
ulteriores nuptiae validae et licitae sunt”. Mas a bênção solene não se repete
(e. 1.143).
Na Itália, a condição de não contrair matrimônio era ilícita, mas, por
expressa lei (Código Civil italiano de 1865, artigo 850), quer se tratasse de
pessoa solteira, quer de viúva. Não se menosprezou a mulher viúva; porém
afastava-se a viduldade imposta. Duas exceções ao princípio (art. 850): a)
se o testador legou usufruto, uso, habitação, pensão ou outra prestação
periódica (por exemplo, de alimentos) pelo fato ou pelo tempo do celibato,
cessa de gozá-lo o legatário se contrai nôvo casamento; b) se a condição foi
aposta pelo cônjuge.

Por onde se vê que a exceção b) praticamente volveu sôbre as pegadas,


arrepiou carreira: o cerne da questão é exatamente esse, o da condição
aposta pelo cônjuge. Os escritores censuraram o Código Civil italiano de
1865, art.

850. Um deles (RAMPONI, L‟art. 850 del Codice Civile, 73) verberou que
o estado de virgindade ou de viUvez, contra a natureza, ou resulta de falso
sentimento religioso, ou de exagerado culto da memória de outrem,
aberrações de fantasias doentes. O grande argumento continuou de ser o da
subordinação à condição, disfarçando-se a incastidade da vida. Vive com
outrem, sem casar, para não perder a deixa.

No nôvo Código italiano, art. 636, é ilícita a condição que impede as


primeiras núpcias e as última&; todavia, o legatário de usufruto, ou de uso,
ou de habitação, ou de pensão, ou de outra prestação periódica para o caso,
ou para o tempo do celibato, ou da viUvez, não pode gozá-lo senão durante
o celibato ou a viuvez.

No Código Civil austríaco, § 700, vale a condição de viduídade imposta,


não pelo cônjuge, mas por outrem, se o viúvo ou a viúva tem filhos.

4.“QUAESTIO FACTI”. Trata-se de quaestio facti. Ao juiz cabe examinar


as circunstâncias e apreciar a vontade do testador. A doutrina somente pode
apontar-lhe critérios auxixiliares, a que a variedade dos casos venha a
corresponder..

Assim, podemos acentuar: a) Casos em geral permitidos: usufruto, uso,


habitação, fideicomisso, pensão ou prestação periódica, de alimentos ou
não, enquanto o beneficiado for solteiro, ou permanecer em estado de
viuvez; condição de conservar a viuvez, imposta por terceiro, ou pelo
cônjuge com especial referência, se a pessoa tem filhos e eles estão em
causa na intenção do testador: “quia magis cura liberorum quam viduitas
iniungeretur” (L. 62,

§ 2, D., de condicionibus et demonstratioflibus, 35, 1; cf. austríaco, § 700) ;


b) É irrecusável que se tem de atender às circunstâncias que rodeiam cada
caso. Assim, vale a condição de não casar: se, no testamento, só se quer que
o casamento não se dê cedo, antes dos vinte e cinco anos, antes de o filho
menor ter x anos, II. DERNBURG (Das Bítrgerliche Recht, 1, § 125, nota
20, 425) considerou válida a condição de casar temporaimente limitada; se
o testador teve em vista, não obrigar a não casar, mas a prover às
necessidades da pessoa beneficiada enquanto não casar: porque não é
condição, e termo; se o testador provê, com x, ao tempo da viUvez, ou
estado de solteiro, e com múltiplo ou fração de ~ ao tempo de casado.
Testamento é um todo, que se interpreta: o legado de um tempo serve para
assegurar a licitude do legado pendente condicione; se imposta pelo
cônjuge por mera afeição, e entendemos que vale, podendo o juiz
interpretar como condição, ou como nudum praecep (um, segundo as
circunstâncias.

5.CONDIÇÃO CONTRA O „CASAMENTO RELIGIOSO. Tratamos agora


da condição de não contrair o casamento religioso. Levantou-se a seguinte
questão, que é mais grave do que exame superficial permite julgar.

Dois argumentos opostos: a) a lei só se pode preocupar com o casamento


civil, único que ela exige; b) as palavras

“matrimônio”, „ casamento”, “núpcias”, usadas nos atos jurídicos, podem


não significar só o civil. Para os da primeira opinião, o casamento religioso
seria inoperante, não seria casamento (VIT‟rORIo POLACCO, Delie
Successioni, 353). Não perderia o legado condicional quem só se casasse
perante a Igreja. Para os da segunda, tratar-se-ia de indagação da vontade do
testador: se ele quis referir-se a qualquer laço, religioso ou jurídico, a
condição está verificada pelo fato de se haver casado perante a Igreja; se
somente cogitou de núpcias legais não. Há terceira opinião, e) esta singular-
mente extremada, a de IJEL GIUDICE (Ii matrimonjo religioso e la
condizione di vedovanza neile legge e nei testamenti, Ri-vista di Viritto
Civile, 1916, 293 s.), para quem, ainda que o testador tivesse explicitamente
declarado “casamento religioso”, não seria operante, porque ilícita,
atentatória do sentimento religioso. A verdadeira solução é a seguinte: a) se
o testador disse “cassar”, atendendo ao fato de o beneficiado ou beneficiada
ter filhos, casamento civil e religioso têm o mesmo efeito; b) se o testador
falou em “casamento civil ou religioso”, toilitur quaestio; o) se o testador
sabia das circunstâncias do benefidado para com terceiro, ou se não sabia
mas tinha em mira evitar laço de ordem jurídica, que desviasse os bens, o
casamento religioso, por si só, não tem esse efeito e, pois, não opera; d) se o
testador diz “resolver-se-á a deixa se A contrair núpcias perante a Igreja”, a
questão é diferente: não são as núpcias que estão em causa, são os
sentimentos religiosos. A solução é a mesma que se dá à condição de
permanecer, ou de mudar de religião.

Nos casos de ser infração o casamento religioso, como resolver, se secreto?


tsse é problema estranho ao direito civil, mas é impôsto pelo direito
canônico, outrora (Concilio Tridentino, s. 24, e. 1) e hoje (Codéx luris
Cartonici, e.

1.104: “Nonnisi ex gravissima et urgentissima causa et ah ipso loci


Ordinario, excluso Vicario generali sine speciali mandato permitti potest ut
matrimonium conscientiae ineatur, idest matrimc.nium celebratur omissis
denuntiationibus et secreto, ad normam canonum qui secuuntur”). De tal
tasamento só se conserva o registo no arquivo secreto da Cúria. No foro
civil pode ser provado por testemunha: é questão de fato, foi ou não violada
condição negativa.

§ 5.707. Considerações gerais sôbre condições duvidosas

1.ANÁLISE DO CONTEÚDO. As disposições que obrigam, pela condição,


à mudança de confissão, ou de nacionalidade, ou de domicílio, ou de
profissão, não contêm, só por isso, imoralidade: as circunstâncias é que
fazem revelar-se, ou não, o caráter contra bonos mores. Se o testador tinha
o intuito de fixar à terra o seu filha e disse:

“deixo a Fazenda x se nela for residir e trabalhar, e enquanto a cultivar,


passando, se o deixar, a B”, vale a disposição, porque a condição quer
suspeitava, quer resolutiva, não é imoral. Se o testador tem sobrinha que vai
casar e lega ao noivo, se for efetuado o casamento, ou ao marido, com a
cláusula rebussio atantibus, vale. Não só por isso casaria o beneficiado.
Não assim nos casos em que só por isso casaria (FLIANZ HAYMANN, Zur
Grenzziehung zwischen .Schenkung und entgeltlichem Geschãft, Jherings
Jahrbiioher, 56, 132; PAUL

OERTMANN, Entgeltliche Gesch,ãf te, 78) “lego a A sob a condição de ir


ao Pará, onde tenho uma sobrinha, e casar-se com ela”. Mas, se diz “lego a
A e x à minha sobrinha, que reside no Pará, mas, se acaso se casarem,
também serão fideicomissârios dos bens que deixo a B”, há instituição de
fideicomisso a B, com a condição resolutiva do casamento de A e da
sobrinha. O testador deixou x a A, x à sobrinha, x ao casamento, é de crer,
não se realizará só por isso. Aqui, o juiz não pode esquivar-se de apreciar o
valor impulsivo do quanto deixado a E, sob condição resolutiva, porque, em
comparação com o deixado a A e à sobrinha, pode ser decisivo. Se o
testador escreveu: “500 apólices será o dote de minha sobrinha que
simpatiza com A, se esse casamento se efetuar; se não se efetuar, serão só
em usufruto, passando, por morte aos meus sobrinhos”. Trata-se de simples
mudança de figura juridica (dote, usufruto) Se diz: “se ela se casar com
outrem, o regime será o da separação absoluta e livre administração”, vale a
determinação, que é restrição de poder. Quando a deixa é contribuição
pecuniária para determinada confissão, ou mudança de profisslio, nAo se
deve considerar ilícita ou imoral a condição, desde que tenha havido
probabilidade (dúvida do beneficiado na escolha), ou quando a quantia é
menos aliciação a prêmio do que o necessário para o caso de ser escolhida a
profissão, ou resolvida a entrada na confissão religiosa. Porque o interesse
moral do beneficiado não pode caber: o que precisa de cinquenta mil
cruzeiros para entrar em ordem no-mística ou trinta mil para se formar em
Medicina, não verte em puro interesse próprio, aplica, o que é diferente. No
direito anterior, a condição se não fOr clérigo ou frade era válida
(DOMINGO ANTUNES PORTUGAL, Tractctug de Donationibus Jurium
et bonorum Regiae Coronae, 1, 2, § 2, n. 89. Todavia. teria de ser conferida
com as circunstâncias, porque pode conter seduções vis e, se o direito não
se confunde com a moral, não se pode pôr em lide com os seus ditames. Em
verdade, deve o juiz partir da. licitude, e não da ilicitude. E procurar ver se
há razão para a nulidade.

2.ILICITUDE E IMORALIDADE. A sorte da condicão de não casar,


quando contra os bons costumes, é a seguinte: resolutiva, cumpre distinguir:
a) se a resolução é pelo casamento do segundo beneficiado: “A terá, se E se
casa (ou não se casa) com C”; pois que é ilícita ou imoral a condição, a
segunda queixa jurídica é que é nula; b) se a condição é a cargo do primeiro
beneficiado, a questão toca ao cerne: a tradição do direito brasileiro era a de
ter-se por não escrita a ilícita si non nupserit(COELHO DA ROCHA,
flwtitwiçôes de Direito Civil portugués, § 699).

Valia a deixa. Ora, o Código Civil só acolheu isso para as fisicamente


impossíveis. Assim, a herança ou o legado si

„non nupserít é nuto se o si non nupserit, pelas circunstàiwias, for ilicito ou


imoral. A solução de hoje é a da nulldade, à semelhança do que ocorre às
juridicamente impossíveis. (O art. 116, 1~a parte, é direito excepcienal, pelo
princípio da inexidade da condição.) Assim, se a condição é ilícita ou
imoral, resolutiva, de não fazer (eg., non nubendi) ou de fazer, salvo casos
especiais, o negócio jurídico é nulo; se ilícita ou imoral, suspeitiva, de fazer
ou de não fazer, nula é a deixa. Trata-se o negócio jurídico como „unidade.

§ 5.708. “Modus” ou encargo

1.CONCEITUAÇÃO. A lei fala em heranças e legados. puros e simples,


sob condição, para certo fim ou modo, ou por certa causa (Código Civil, art.
1.664) Não se referiu às restrições de poder, de que ela, noutros lugares,
trata, sem lhes. dar nome genérico, nem lhes considerar a natureza jurídica)

Já se versaram os dois primeiros assuntos, restam-nos o M odus e a causa,


lembrados pela lei, e as restrições de poder, que constituem matérias assaz
relevantes em disposições muiis causa. (O Código Civil fala em “fim ou
modo”, art. 1.664. Talvez o legislador tentasse referir-se a determinações
objetivas. Mas essas não são modus: o modus é subjetivo, incumbe a
alguém; a determinação objetiva pertence às restrições de poder.)

2.DIREITO ROMANO. No Digesto, a palavra modus empregou-se em


várias significaçôes. Medida, limite, quantidade, maneira, cláusula aposta a
qualquer direito ou negócio jurídico, temperamentum das servidões. A
figura jurídica precisa, construída, nâo aparece no direito clássico (A.
PEIINICE, Labeo, 12). Pode-se dizer: originâriamente, a palavra tinha de
designar tudo que se apunha para limitar, restringir, determinar. Todos os
negócios juridicos que não eram puros e simples podiam chamar-se «um
modo. Sentido larguíssimo e genérico, sobretudo vago. É pena que ainda
hoje, desatendendo-se à evolução fixadora da terminologia, se encontrem
trechos de juristas que descurem do sentido técnico, semeando equívocos,
bem graves, na doutrina e na prática. Tanto mais quanto o emprêgo em
sentido próprio, correspondendo a nítida figura jurídica, é irrecusável na
época justinianéia.

Às vezes para ela, emprega-se outra expressão menos feliz: Lex, condicia,
iwssus, ca (ou hac) lege ou condicione ut, algumas vezes só ita ut. Mas a
categoria lá estava, precisa. Nos testamentos, o nwdws é bem lex. Neles, a
vontade do testador é tez priv ata (A. PERNICE, Lab co, 79 s.), a que deve
obedecer a interpretação, JOA. DOM.

PEREGRINES (De Fidcico;ninissis, art. 11, n. 112), notou ser vulgar, nos
antigos juristas, nomear-se a disposição testamentária como lez privata ín
reb‟us suja (testatoris) ; mas lez privata era qualquer negócio jurídico. As
outras expressões, inasus, jubere, também se reportam a testamentos. Ao
livre ordenar do testador bem se presta o verbo i ubere; e o dizer das
inscrições sepulcrais, quanto a ereções iussu testatoris, precisou o sentido.
Na palavra condicio também não se enquadra a figura, e muitas vezes
abrange fatos restringentes bem diversos.

A precisão terminolégica data do século III, segundo A. PERNICE (Labeo,


12 e 18), se bem que Constantino, no ano 316, iTho diga, como devera,
donatio sub modo (Fragmenta ficaria, 249, 8), e observou FE. HAYMANN
(Die Schenlcung unter einer Auflage, 24, nota 2). Das Leis Finja, Cincia e
Vocofia, pretendeu GUSTAv Huco (Lekrbuoh des Geschichte des rdmisehen
Rechts bis a.uf Justinian, 589), que proviesse a fixação.

Nas legislações modernas, a confusão terminológica continua a afear os


textos (Código Civil francês, arts. 900 e 953; “condition”; velho Código
Civil italiano, art. 1.128; nôvo, artigos 647 e 648) . Surgem, às vezes,
equivalentes novilatinos e teutos: peso dos italianos, charge, Auflage,
encargo. As duas últimas são expressões técnicas, uma no Código Civil
alemão

(§§ 525-527, arts. 1.940, 1.967, 2.186, 2.187, 2.192-2.196) e outra no


Código Civil brasileiro, ainda que, nesse, os arts. 1.740 e 1.737 discrepem
do sentido estrito, constituindo o último expressão envolvedora de modus e
de obrigações dos bens. Nos autores alemães, antes do Código Civil,
empregava-se Zweck, Zweckbestimmung. F. VON

SAVIGNY preferia Verwendung. Mas o Código Civil alemão fixou a


terminologia.

8. DIREITO GERMÂNICO. No ambiente jurídico da fidúcia germânica, do


Salmann, da aftomia, a que se referimos no Tomo LV e volveremos a tratar,
tinha o encargo, modus, de adquirir caracteres diferenciais, de colorir-se
com as concepções germânicas da propriedade, menos duras, menos
formais, menos categóricas, que a concepção romana. Para se sentir a
diferença, basta ler-se a PAUL OERTMANN e OTTO KARLOWA sôbre a
fidúcia romana, e a A. HEUSLER, K. BEYERLE e A. SCHULTZE sôbre o
salmão. Na mancipatio fiduciae causa, o fiduciário é senhor pleno da
propriedade, aquela espécie de imperador dos bens, que era o dominus
romano. Propriedade inteira e ilimitada. Quanto ao modus, era simples
devedor. Por isso mesmo, ele, e só ele o era. Os terceiros nada tinham com
isso (PAUL OERTMANN, Die fiducia, 161; ALERED SCHULTZE,
Treuhãnder im geltenden bíirgerlichen Recht, Jherings Jahrbw. cher, 43, 95
sjj. Nos povos germânicos, a fidúcia mordia a propriedade, imprimia-lhe o
seu sinête, como que a carimbava. O titular da confiança, parecendo
diminuir-se diante do amicus romano, moralmente se elevava: a
propriedade, em sua construção abstrata, pouco era, diante da fé que
merecera. Assim se explica que até se reivindique contra terceiros e
ALFRED SCHULTZE (generalizando um pouco demais) tenha construído
o negócio jurídico das transmissões como sob o efeito in rem de condição
resolutiva: seria resolúvel, de regra, a propriedade do Salmann. A discussão
disso tem-se em ALFRED SCHULTZE (Die Longobardische Treuhand,
Gierke‟s Unters‟uchungen, §§

10, 11, 28, quanto ao dispensator do direito longobardo; Tretihãnder im


geltenden bíirgerlichen Recht, Jherings Jahrbitcher, 43, 11, nota 14, e
JOSEF RORLER, fie Resolutivbedingung, Archiv filr Riirgerliches Recht,
15, 83 s.).

As duas concepções atuaram no direito comum e constituem elementos


históricos do direito vigente.

4.DIREITO CIVIL BRASILEIRO. No capítulo das disposições


testamentárias em geral, o Código Civil brasileiro contém a permissão
global das disposições puras e simples, condicionais, modais e por ceda
causa. Quanto às condições encontram-se esporádicas exceções, nos arts.
1.667, 1, 1.731; e. g., nos arts. 1.706, 1.707 e 1.731, fala-se em encargos,
sem que o legislador adote restrições. Já o mesmo sucedeu nos arts. 1.180 e
1.181, parágrafo único.

Outra vez em que se tratou de encargo apenas se dispôs que ele não
suspende a aquisição, nem o exercício do direito, salvo quando
expressamente imposto no ato, pelo disponente, como condição suspensiva
(art. 128) . Era o que dispunha o EsbOço de TEIXEIRA DE FREITAS, art.
655. A suspensividade somente de expressa declaração pode resultar. Há
também referências a encargos nos arts. 1.166, 1.167 e 1.714
(excepcionalmente, a expressão foi empregada noutro sentido, que cumpre
não confundir, no art. 1.587).

5.CONCEITO E NATUREZA DO ENCARGO (“MODUS”). Modus ou


encargo é categoria autônoma, figura jurídica inconfundível. Apenas, houve
confusão, incertezas, no precisar-se-lhe o conceito, e a vigente concepção
da sua autonomia é um desses lentos progressos, em que se vê a
imperfeição dos esforços humanos individuais, mas a sua utilidade, a sua
indispensabilidade, para o apanhamento das verdades. As próprias
dificuldades, que as noções errôneas de jurisconsultos romanos e de
glosadores continham, serviram para que ressaltasse da figura em si, do
instituto especial contido nas relações da vida jurídica. Negócio jurídico
anexo (note-se que não se disse: acessório, para se evitar a contrariedade
com principal) não muda o caráter do negócio jurídico a que se junta, não
impede a incidência dos princípios gerais próprios desse; consiste em
vínculo obrigatório a cargo do onerado; em alguns casos, pode ter efeitos de
resolução.

Manifestação de vontade, está o inodus sujeito às exigências feitas aos


demais negócios jurídicos quanto à capacidade do disponente, à forma
legal, e ao objeto lícito, e de possibilidade, gnosiológica, lógica, física,
moral e jurídica. Nenhum efeito tem o motins impossível. Uma vez
executado por equivalente não se pode pedir restituição.

É a lição de J. F. DE RETES (De Donationibus, em MEERMANN,


Thesaurus, VI, 140) : “non enim potest videri dedisse propter implementum
causae, qui scivit, eam impossibilem esse, nec sequi valere; ex quo fit, ut,
quod dedit, repetere ulio modo nequeat”. Às vezes, pela verba, ou pela
natureza do motins, cabe a prestação por outra espécie.

a)Velhas definições e confusões houveram de ser eliminadas. Quase todas


as definições tomavam por base outra figura jurídica, o que importava
definir confundindo, ou tomar, como espécie, o motins, o que em verdade
era autônoma categoria jurídica. As duas menos censuráveis foram assaz
vagas:

“modus significat moderation.em quandam rei de qua agitur adiectam”


(FRANO. BALPUÍNO, De Condicionibus, Opus au la ornuza, col. 882) ;
“dicimus motins a moderando, quod moderetur dispositionem seu
promissionem”. a) Confundiam alguns o motins com a causa ou o fim de
uma disposição, no que incidiram Húco DONELO, J. G.
NAdANdO, J. G. HEINÉCIO, J. BRUNEMANN e C. C. HOPACKER.
DANIEL NET‟rELBLADT (Systenta eleinentare universal Inris
pructential naturalis, § 153) dizia:

“modus est adiectio mentis declaratione facta quae continet causam eius
finalem”. J. E. CoRrEs (Specimen inaug. de modo couventionibus adjecto,
elus que effectu inridico, 16), insistia:

“adiectio rationis finalis, propter quam negotium erat initum” (cf.


Preussisefles Aligemeines Landrecht, 1, Título 4,

§ 152 s.) Escrevia HIPER (Deo eo quoti inter condicionem resotutativam et


modum interest, 21) : “finis adiectus in quem fit negotiam”. Também, A. E.
J. THIBÂUT (System ties Pandelctenrechts, § 102) e CHR. ER. VON
GLt}cR

(Ausfithrliche Erktuterung der Pandecteu, IV, 460 s.). As consequências


doutrinárias e práticas foram lamentáveis.

Modus não é razão jurídica e imediata de obrigar-se, ou de dispor; portanto,


se ocasionalmente o é, não serve isso a defini-lo. A despeito do valor que o
Código Civil brasileiro, art. 1.181, parágrafo único, deu ao encargo, não se
pode dizer, com B. WINDSÇHEm (Zur Lehre ties Code Napolcóu von der
Ung-iiltigkeit der Rechtsgeschãfte, 280) que tal atividade seja a causa das
doações sub modo: transformaria o contrato gratuito em oneroso. A causa
deve estar no dar, determinação principal, e não no inodus, determinação
anexa. (O motins principal é outra questão, porque dependeu de vontade
especial, que deslocou a principalidade.)

b)Explicava-se o modus como duplo “querido” (F. VON SAvrnNY, Syst em


des heutigeu rbntischen Rechts, TU, §

154; Ar~nwno Ascoli, Traltato deite Donazioni, 298 s.) : nos atos inter
vivos, dois negócios, a doação e o motins.

Outros, pela dupla causa (J. F. DE RETES, De Donationibus, no Thesaurus


de MEERMANN, c. 14, n. 17: “Alteram quae inest, alteram quae
exprimitur! Quae inest, est liberalitas, haec irretractabilis est. Quae
exprimitur, facit negotium; idcirco competit donandi actio, ut fides a
donatario praestetur”; A. FABER, De Erroribus pragmaticorum, 45, error
9: “praesenten unam, futuram alteram”. Duas causas, “hermafrodismo
jurídico”, advertia CARL CROME. Certo, o modus tem sua causa., mas a
relação com a causa de dar não é necessária, portanto seria generalizar
falar-se em causa secundina, como VITroino SOTALOJA (Lezioni sul
Negozi giuridici, 878) ou de tendência comutativa, como C~JNTAItDO
FERRENI (Manuale til Pantiette, 158 s.), de fim anexo (Nebenzweclc),
como A. PERNICE (Labeo, 197) . ti) As explicaçóes de C. BUFNOJII
(Propnieté et Contrat, 546, “equivalente moral”), nada adiantam, e saem do
terreno jurídico. Motins é categoria jurídica, como as outras. Unilateral, sem
qualquer conceito de contraprestação. MERLIN (Répertoire, verbo Motie)
entendia que a natureza do modo era a mesma da potestativa. J. E. CoRrEs
(Speciinen inaug. de modo, conventionibus adiecto, ejus que effectu
inridico, 16, nota h), achava que da resolutiva o modo distava nou re, seti
verbis. Insistiu A. VON SCHEURL (Zur Lehre vou deu
Nebenbestimmungen bel Rechtsgeschdften, 21) : o modo contém em si,
sempre, condição resolutiva. Assim, C. DEMOLOMBE (Couve de Code
Napoléon, 20, n. 564). De todos, mais caracterizado, JOÂO. DOM.
PEREGRINUS (De Fideicommissis, art. 48, n. 14) “modus est quaedam in
futurum resolutiva condicio” (cf. L. 1, C., de lãs quae sub modo legata vel
fldeicommissa rellrtqnuntior, 6, 45; L.

40, § 5, D., de condicionibus a demonstrationibus, d causis et modis eorum,


quae ifl testamento sanibuntur, 35, 1) .

No mesmo sentido, o Código Civil austríaco, § 709.

6.NECESSIDADE DE PRECISÕES CONCEPTUAIS. Para melhor


apanharmos o conceito, procedamos a diferenciações de-conteúdo e de
aplicação: modus e condições suspensiva e resolutiva, motins e
contraprestação, motius e contrato a favor de terceiro, nuda praeeepta,
fundações, limitações de poder.
7. “MONUS” E CONDIÇÃO SUSPENSIVA. O motus não écondição
suspensiva potestativa, porque: a) Disposições condicionais são as que
repelem o autor, quae protinn,s agerttem rejpellunt, e modais, as quite
habent moram cum sumjptu (CÉVOLA, L. 80, D., de condicionibus et
demonstrationibus et causis et motiis eorum, quae in testamento scrlbuntur,
35, 1)

A condição, sem obrigar, faz dependente; nas suspensivas, a dependência é


essa mesma suspensividade; nas resolutivas, o corte incisivo, que é a
resolução. A condição agarra, prende, não obriga; o encargo, obriga, não
prende. b) A L. 1, C., tia Ii,is quite sub modo legata vel fidelcommissa
relinqunutur, 6, 45, não identifica, observa parecenças. A obrigação da
cautio tem como consequência suspender a aquisição, pelo fato de se lhe
opor a exceptio dou; não, porém, em virtude de ser o motins como a
condição. c) Certo, o negócio jurídico, antes da condição, existe, mas a
condição suspensiva deixa no ar, suspensa, certa eficácia; no negócio sub
modo, nada se suspende: há aquisição e há os outros efeitos. Mais: é pelo
fato de adquirir, pelo fato da eficácia, que a obrigação modal surge. Há
verdadeira gradação entre a condição suspensiva, o termo inicial e o motins:
esse nada difere, nem adia a qualquer momento ou fato. ti) Condicio sus
peiutlt, motins contrahft. É de J. CUJÁCTO. Disse DURANTE:

“Implementum modi non est voluntarium, sed necessarium, cum p.ossit


quis ad modi implementum adstringi” -E

FRANC. BALDUINO: “modus debet impleri per viam compulsionis,


condicio per modum exclusionis”. Ninguém pode obrigar a cumprir
condição: pode excluir, desfazer o ato que a continha.

e) A condição suspensiva aperfeIçoa, o motins supõe a plena validade da


disposição (A. VON SCHEuRL (Zur Lekre von tien Nebenbestimmungen
bei Rechtsgeschãften, 19). Com o implemento, a condição dá eficácia à
vontade que sob condição se declarou; no motins, a obrigação de adimplir
deriva da eficácia da declaração.
8.“MoDus” E CONDIÇÃO RESOLUTIVA. O motins não é condição
resolutiva, porque: a) A maior parecença é a que deriva do Código Civil,
art. 1.181, parágrafo único, que poderia fazê-lo resolutiva tácita, mas
ocorre: a condição resolutiva adere essencialmente ao negócio jurídico; a
resolução opera-se ex tune e ipso inre; no motins, a regra é não se resolver,
não se revogar, o adimplemento pode ser exigido. “Modus in obligatione,
condicio resolutiva in sola praestatione vel eventu posita est (HIPER, De eo
quoti inter condicionem resolutivam et motium interest, 27) ; inconsequente,
pois, o Código Civil austríaco, § 709) demais, se doação pura se revoga (art.
1.181), não há razão para se tirar de revogabilidade da doação sub modo
que o motins se identifica com a resolutiva. b) Não cumprida a condição
resolutiva, não se pode ordenar o cumprimento. Não cumprido o encargo,
cabe a execução, bem como a responsabilidade pelos danos que cause o
inadimplemento por culpa do obrigado. Dai haver razão de
inadimplemento, que se procura no motins; ao passo que, na condição
resolutiva, vindo ele, toilitur quaesti.o. J.B.

DE LUCA ensinava: “nor spectatur, an non implemelltulfl condicionis


resultet ex dolo malitia, necne, quoniam sufficit, ut ea non sit impleta, seu
sit defecta, cum in condicionibus attendatur nudum factum”. c) A
revogação pelo inadimplemento do motins é ex nunc, há de ser decretada
pelo juiz, porque depende da violação. Apura-se a mora solvendi do
onerado com o encargo. ti) Quanto ao Código Civil austríaco, § 709, sentiu-
se a fluidez da construção: falou em condição resolutiva, mas os
comentadores experimentaram vários conceitos vizinhos (termo ad quem
condicionado, J. KRAINZ, Spstem des £ísterreichischen aligemeineu
Privatrechts, 1, 851; condição resolutiva, com efeito ex nune, e não ex tunc,
JOSEPLI TJNGER (Systeni des àsterreichischen allgemeineu Privatrechts,
1, 227). e) No motins, a existência da vontade principal só se pode atacar
pelo inadimplemento do motins, ocorrendo certos pressupostos, que se tido
pela vontade tia parte. Isso é que lhe confere, às vezes, a força de ser causa
de resolução, à diferença da condição resolutiva, pois que essa o é em si. No
motins não há onerosidade: não há motins e contraprestação. Nem motins é
contraprestaçãO nenhuma relação contratual. O encargo é liberalidade;
liberalidade é a herança, é o legado. O herdeiro ou legatário é mero
intermediário (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Rilrgeriichefl Rechts, III,
729), se bem que possa ser, e ordinariamente seja, no intervalo, proprietário,
como é o fiduciário nas disposições fideicomissárias. Quanto à natureza da
propriedade desse onerado discordavam as duas concepções a romana e a
germânica: naquela, propriedade plena, ilimitada, o modus nenhum efeito
de direito real tinha contra terceiros (PAUL OERTMANN, Die fiducia, 165
s.); nessa, propriedade afetada ao fim, com a possível atuação modal contra
os terceiros adquirentes. Ora, os herdeiros de ambas, na prática,
acertadamente, em alguns casos, que são assaz vulgares, exigem nas
transferências consignaremse as verbas testamentárias modais:
Inconscientes das heranças germânico-romano, adaptam-se ao sentido das
declarações do testador as duas concepções, conforme a maior
ajustabilidade ao caso. Com isso serve-se extraordinaríamente ao bom
cumprimento das últimas vontades. As civilizações capitalizam o que lhes
deixaram os antepassados, antagônicos que tenham sido; e os harmonizam,
servindo à vida.

9.“MODUS” E CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO. O motins não se


identifica com o contrato a favor de terceiro para o caso de morte, porque
esse pressupõe a existência de sujeito, ou, pelo menos, em formação (E.

ENDEMANN, Lehrbuch des liuirgerlicheu Rech,ts, III, 730) . As


consequências das distinções mais interessam às doações com encargo que
ao modus testamentário.

10.“Monus” E “NUDA PRAECEPTA”. O motins é ônus juridicamente


eficaz. Não se confunde com o nudum praeceptum, que é o simples
conselho ou recomendação. A sanção desse é moral, não juridica. Não
pertence à ordem externa, mas à consciência. Coisas fronteiriças, entre as
quais J. F. CORrES (Specimen inaug. de modo cxmventionibus adjecto, eius
que effectu inridico, 22), queria pôr os conselhos que obrigam com um
pouco de sanção jurídica. Ora, sanção jurídica, ou há, ou não há. Porque a
coação-proteção implica ser ou não ser: à diferença das sanções morais, que
são graduadas ao infinito, variáveis, sutis, era íntimas, ora centrípetas. Aos
intérpretes dizer a que domínio pertence a recomendação: se ao Direito, e
será modus, ou só à Moral, e será nutum praeceptum.
“Lego

a B e quero que seja amigo de C”, “lego a E, a quem recomendo continue a


ser o bom filho, que é” são ruida.

praecepta. “Lego a E, que acudirá a C, por ocasião da sua formatura” é


motins: o testador crê em apertos econômicos, ou outras dificuldades de O,
por ocasião de concluir o curso, e quer que E o auxilie. Juridicamente
eficaz. Quase sempre e não sempre (como, sem razão, quis CLóvís
BEVILÁQUA (Teoria Geral do Direito Civil, 314), a recomendação a favor
do beneficiado é conselho, e não motins. Quase sempre. Não sempre,
porque: a) não é verdade que a vantagem do próprio onerado, no direito
romano, importasse, sempre, nudum praeceptum (CARMELO SCUTO, Ii
Motius, 119) ; b) porque há recomendações desse caráter que são modais e
até condicionais suspensivas. A opinião adotada por CLóvís BEvILÁQUA
fora refugada há séculos.

11.“MODUS” FIDEICOMISSO. Alguns escritores (por exemplo, R.


TROPLONG, ao art. 900, n. 363) lamentavelmente confundiam modus e
fideicomisso. As duas determinações estão ligadas, sim, porém não anexas:
o fideicomissário é herdeiro ou legatário. A justaposição é consequência de
direito real, ao passo que de direito das obrigacões o encargo. A
propriedade do fiduciário é atingida. Inventaria os bens gravados, O
fideicomissário tem direito ao que acrescer à parte do fiduciário.

12.“Monus” E FUNDAÇÃO. - O motins, se bem que possa constituir


destinação objetiva dos bens, não se confunde com a fundação. Na vida,
soem aparecer juntos ou associados, a) Pode haver modus cujo destinatário
seja fundação, ou para se formar fundação, ou constituNção de fundação
com todos os caracteres e capacidade de direito (E. 1.

BEKKER, System des heutigen Pandektenrechts, 1, 285; A. PERNICE,


Labeo, III, 150; LUDWIG Mírrms, Rthnisckes Privatrecht, 1, 415). A
fundação fará próprios e destinados aos seus fins os bens da porção que se
lhe deixou. Mas cumpre notar que: ou será o próprio testador que figura
como fundador, criando-a antes de morrer; e o motins não sofre qualquer
alteração na sua estrutura ordinária; ou é criador mortis causa, e então os
bens ficam com o onerado, em situação jurídica a que F. ENDEMANN
(Lekrbuch. des Rúrgerlichen Rechts, III, 731) deu nome de
Wartverpflichtung, obrigação expectativa como se fala do Wartrecht, direito
expectativo (no sentido técnico) : do lado da fundação, não há direito
expectativo, posição jurídica, de modo que é erro f a-lar-se do
Anwartschaftsrecht da fundação; ou o onerado é, pela própria verba, o
fundador, tendo-se, então, a fundacão fiduciária (Josm?

KOHLER, tiber das Recht der Stiftungen, Arcltiv Ijir Ejirgerliches Redil,
III, 228; 1W. LEVY, Gemeinnutzíge Auflage, § 28>. Nessa, o onerado
realiza o querer do testador, mas a fundação é ato criativo de fundador vivo.
b) Pode o fim do motins ser a formação de fundação não autônoma, isto é,
sem sujeito, a cargo de pessoa física ou jurídica (E. REGELSEERGER,
Pandelcten, 341 s.; OTTO VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, II, 60).
Quase sempre do herdeiro, do legatário, ou do testamenteiro. A obrigação é
de empregar, ou de entregar à pessoa que mantém o serviço a que se
destina, em cujos cofres e escrita é bem à pafle, fundo especial. A esse
respeito, cumpre reter que os princípios jurídicos e as regras de lei relativas
à sub-rogação (do herdeiro, ou do legatário) se aplicam muI alia mutandi a
esses bens à parte (F. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 782), a esses fundos
especialmente destinados, e as pessoas, a que se entregam, cometem crime
e respondem civilmente pela inaplicação segundo a verba modal. c) O
modus pode ser motins ordinário, simples e não envolver qualquer fundação
autônoma ou não-autônoma. Mas, em qualquer dos dois casos (a e o motins
não se confunde com a fundação. Apenas se associaram as duas categorias
jurídicas, compossíveis, que são, e de eficácia mais ou menos equivalente.

13.“MODUS” E RESTRIÇÕES DE PODER. Também não se deve


confundir o modus com as restrições de poder, a que a lei brasileira chama
cláusula (inalienabilidade, incomunicabilidade, indivisibilidade, venda só
judicial ou só em leilão, impenhorabilidade). Errado, a respeito,
CARMELO SCUTO (17 Modus, 262); certo, F.

REGELSEERGER (Pandekten, 604), que a todos advertiu quanto a de não


alienar ou de não entregar aos credores: tal determinação, disse ele, não tem
por fito um dever, mas restrição de poder. Acrescentemos: tais cláusulas
cabem, precipuamente, ao testamenteiro, são objetivas, podem e devem ser
averbadas, registradas, ainda contra a vontade do herdeiro legatário. Ora, o
motins é obrigação do herdeiro ou legatário, é obrigação de ato ou de
omissão. Adiante teremos de ver várias consequências dessa distinção.

14. “Monus” ASSUBJETIVO E “MODUS” POSSiVELMENTE


SUBJETIVO. A solução alemã do motins assubjetivo consulta o dado
histórico mais remoto, mais puro o da confiança absoluta no encarregado
(cf. ALFRED

SCHULTZE, Treuhãnder im geltenden búrgerlichen Recht, Jherings


Jahrbúcher, 43, 7, 92). É dever. Não se vê o direito de outrem. Falta credor,
falta a pessoa formalmente autorizada a reclamá-lo para si (E.
ENDEMANN, Lehrbuch des Búrgerlicheri Redita, 1H, 727). Falta a
execução formal, pedida pelo destinatário. Falta verdadeiro direito
creditório (EMa, STROHAL, Das deutsche Erbrecht, 1. 38). E KONRAD
HELLwIG (lhe Verlrdge auf Leislung an Drilte, 58 s.) notou algo de
“excepcional”, porque, a despeito de tudo, em alguém surge direito de ação,
que não corresponde a qualquer direito, e surge em pessoa que nenhum
interesse patrimonial tem. Caso típico de titular de interesse estranho. Não
há, da parte do beneficiado, verdadeiro direito de obrigação, em que
devedor seja o onerado (E. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 728):

obrigações no ar, sem credor. Por mais estranho que pareça, fatos como o
título ao portador e a promessa ao público, logo no-lo aclaram.
Principalmente, a situação jurídica da res mi blico usni destinatae.

A construção brasileira permite o sujeito; não no exclui a priori. Depende


da interpretação. Tão-pouco o exige. Um cão, um cavalo, um rio pode ser o
passivo recebedor do benefício.

§ 5.709. Espécies de “modus”

1. FIGURA E ESPÉCIES. A figura do motins também se espectraliza.


Donde as seguintes formas: a) Motins a cargo dos herdeiros em geral, ou do
inventariante do espólio (o testamenteiro e o Curador são, de regra,
autorizados a intervir).

b)Motins alternativo quanto à prestação. A escolha cabe ao obrigado ou a


terceiro. e) Motins condicional, ou a termo. Determinação anexa, ao modus,
por sua vez, não fica vedado condicionar-se ou acompanhar-se de termos.

Há condições e termos apostos a disposições modais. J. CUJÁCIO deu o


exemplo: “Lego o prédio a ti com o encargo de dares dez a Tício, se a nau
voltar da Ásia”. A disposição, a que se anexa o motins, pode ser
condicionada: mas, por sua natureza, o motins liga; não-suspende, obriga,
ao contrário da condição suspensiva, que não obriga, suspende. Por isso
mesmo, o modus que tivesse de atuar, de obrigar antes da eficácia, não
poderia ser: seria condição, que suspende, e por isso não obriga, faz
dependente. Não seria motins.

2.“Morius” COM “MODUS”. “D‟eixo a fortuna ao hospital B, que


continuará com a grande sala de médicos do Ginásio de tal lugar, mas o
Ginásio deverá continuar só do sexo masculino”. ~ Pode apor-se motins ao
motins? Sim.

Nada obsta a. que o testador, beneficiando a alguém, lhe dê encargo. Posso


legar a B uma casa, com o encargo de dar pensão de tanto a

mas sujeitar C a guardar os livros que deixo, ou a ter em sua casa a


alguém. Não há texto de lei, nem princípio geral que proiba a adjunção
de disposição modal a outra.

3.“Morais” E CLÁUSULA PENAL. Nada obsta a que, como estímulo para


o cumprimento, se aponha ao motins a cláusula penal: a cláusula penal não
tem, hoje, o caráter roma-no (cp. A. PERNICE, Labeo, 44 s.).

4.SUCESSIX‟IDAnE DE BENEFÍCIO MODAL. Também o beneficiado


pode ser sucessivo-.: sustentar a B; se E

falecer, sustentar filho. O encargo é um: sucessividade subjetiva, que


nenhum texto proibe, nem constitui a figura proThida do fideicomisso de
fideicomisso.

§ 5.710. Pressupostos e posições do “modus”

1. “MODUS” E EXIGÊNCIA LEGAL DA DFrERMINAÇXO DOS


SUJEITOS. O Código Civil, arts. 128, 1.180, 1.181, parágrafo único, e art.
1.664, trata o motins como determinação anexa. Assim, em regra, não
suspende a eficácia do ato, porque não é condiçâo; e não se aplica o art.
1.572: ao beneficiado pelo modus, não se transfere, co ipso, o domínio, nem
a posse. Mas há outra conseqUência que é de grande importância prática: o
art. 1.667, III, não atinge os encargos. Por isso, a interpretação
discriminativa legado ou motins tem sério alcance:

se é legado, não vale a “disposição”; se é motins, pela acessoriedade vale a


determinação do testador.

Pelo motins restringe-se a vantagem que a disposição criou. ao herdeiro ou


ao legatário.

2.CASOS DE PRINCIPALIDÂDE DO “MODUS”. Nos atos entre vivos, o


motins pode ser correspectivo. Nos atos de dis-posição vwrtis causa, não.
Por isso mesmo envolve, sempre, limitação da liberdade. Todo encargo, se
não diminui, restringe, grava, onera. É preciso, portanto, que o direito
hereditário possa ser diminuído, onerado. Se esse direito não é o do artigo
1.721, tudo mais se simplifica: o testador pode distribuir, como quer, o que
é seu e disponível. As disposições de última vontade, diz-nos, ferindo o
ponto, E. WINDSCEEID (fie Lehre ties rõmischen Rechís von der
Voraussetzung, 83), não tem por fito e caráter de atribuir a alguém qualquer
coisa, mas regular, dispor, ordenar a sorte do patrimônio depois da morte
(cf. FR. HAYMÂNN, Die Schenkung unler ejuer Aufiage, 79). Ainda que o
legado não beneficie o legatário, nem por isto deixa de ser legado: que o
não queira o legatário.

Nem o enriquecimento desse é elemento essencial, nem, tão-pouco, pode


ele invocar uma oposição entre a liberalidade e o encargo. Legado é
disposição com conteúdo patrimonial, e não o caracteriza, se quer, o
enriquecimento do legatário (G. HARTMANN, Úber Begriff wnd Natur der
Verinlichínisse, 10).

Excluída, nas disposições mortis cansa, a relação, o sina lagma, a doutrina


do motins só encontra dois obstáculos: a quota hereditária dos herdeiros
necessários e a construção de outras figuras jurídicas, a que o encargo possa
deformar, a ponto de cair na ilegalidade. Se, nos atos inter vivos, a
disposição ci causam constitui contrato correspectivo, e não doação sub
modo, não se dá o mesmo com os legados: ainda que o encargo lhe esgote
toda a utilidade econômica, que seja, por exemplo, pensão maior que o
valor locativo da coisa, nem por isso deixa de haver legado.

Se o motins é principal, não se embota por ilegal: é o legado que se há de


subordinar ao motins. Foi meio, e não fim.

E podia ser. A acessoriedade dos legados é fato vulgar: L. 88, § 1, D., de


tegatia eI fideieo‟mmissis, 31; 28, § 1, D., de excusatianibus, 27, 1. Tanto
assim que a interpretação tem por vezes de rumar pela dependência. Aceitar
legado, e não cumprir encargos, é expor-se. Por exemplo: os legados a
testamenteiros,se não têm eles, por isto, direito à vintena, são dependentes
da execução testamentária. Lembre-vos o dizer de G. MAJÂNSIO: sub
modo te gare idem est ao in contractibus ob causam dare. A isso apegou-se
HERMANN LAMMPROMM (Teilung, Dartehen, Auflage unti Umsatz-
Vertrag 82 s.) Aliás, a caução vai criar esse vínculo entre os interessados.

Otexto da L. 88, D., de legatis et fideicoqnmissis, é de PAULO; e lá está


dito: “Lana legata vestem, quae ex ea facta sit, deberi non placet. 1. Sed et
materia legata navis armarlumve ex ea factum non vindicetur. Nave autem
legata dissoluta negue materia neque navis debetur. Massa autem legata
scyphi ex ea facti exigi possunt”. E na L. 28, § 1, D., de exonsationibus, 27,
1: “Quae tutoribus remunerandae fidei causa testamento parentis
relinquuntur, post excusationem ab hei-edibus extrariis quoque retineri
placuit. quod non habebit locum in personam filii, quem pater impuberi
fratri coheredem et tutorem debit, cum iudicium patris ut filius, non ut tutor
prozneruit”. Se a deixa foi a tutor, que ainda não tem o decreto, com o
pedido devidamente formulado, e recusa a função, PÂPINIANO chamou
atenção para a transmissão aos herdeiros estranhos, salvo se se trata de
filho, que o pai nomeou co-herdeiro e tutor do irmão impúbere, porque, aí,
merecia a retribuição como filho, e não como tutor. Hoje, havemos de
entender que há de ser a quem for o tutor.

3.“Modus” EXCESSIVO EM RELAÇÃO Á DEIXA. Aquele a que


beneficia a disposição sub modo pode obrigar-se a satisfazer encargos que
vão além do valor recebido em herança, doação ou legado. A questão não é
tão simples quanto se tem pensado (E. ESPÍNOLA, Manual, III, 2, 639; J.
A. FEEREIRA ALVES, Manual, 19, 255). No direito civil português, sim.
Lá estatula o art. 1.793: o legatário não responde pelos encargos do legado
senão até onde chegarem as forças do mesmo legado. No Brasil, a regra do
art. 1.587 concerne aos herdeiros, e não aos legatários, e a palavra
“encargo” está no sentido de dívidas. Na Argentina, o Códivo Civil, ao
tratar das doações, estatui (artigo 1.854) : “El donatario responde sólo del
cumplimiento de los cargos con la cosa donada, y no está obligado
personalmente con sus bienes. Puede substraerse à la ejecución de los
cargos, abandonando la cosa donada, y si esta perece por caso fortuito,
queda libre de toda obrigación”. Regra, essa, que se afasta da inspiração de
C.

TouLLIER, e V. MARCADÉ: uma vez que o donatário aceitou, com os


encargos, deve executá-los; a doação não é contrato menos servil que os
outros contratos. Ora, no Código Civil brasileiro, não se encontra solução
que lembre a do Código Civil argentino, nem poderíamos adotá-la. Menos
ainda transferi-la ao direito dos legados e ler

“encargos”, em vez de “dívida”, no art. 1.587. Talvez por isso mesmo se


exige à doação com encargo a aceitação expressa, excluindo-se, no art.
1.166, a tácita. No art. 1.167, cogita-se da perda do caráter de liberalidade,
quando o objeto seja equivalente ou inferior ao encargo impôsto.

Uma das consequencias do art. 1.167 é a de poder-se acionar o doador pela


evicção (ainda que não se trate do art.
285), quando, de gratuito, passar a oneroso o contrato. A despeito do que
diz CLóvIS BEVRÁQUIA (Código Civil comentado, IV, 347), nem todas
as doações gravadas de encargo e remuneratórias ficam sujeitas aos danos
da evicção: a responsabilidade do doador, na parte liberal, só se entende
quando haja dolo art. 1.057). Não é o nome do contrato, que lhe dá o poder
de obrigar o contratante perante o evicto, mas o caráter de onerosidade. Ora,
esse caráter pode ser restrito a parte dos bens doados, a certo pedaço da
figura contratual; e foi isso o que se disse no art.

1.167. Aliás, antes (IV, 335), essa é a opinião do autor do Projeto.

No nôvo Código Civil português, art. 2.276, seguiu-se outro caminho: “O


legatário responde pelo cumprimento dos legados e dos outros encargos que
lhe sejam impostos, mas só dentro dos limites do valor da coisa legada. 2.
Se o legatário com encargo não receber todo o legado, é o encargo reduzido
proporcionalmente e, se a coisa legada for reivindicada por terceiro, pode o
legatário reaver o que houver pago”. O art. 2.277 acrescenta: “Se a herança
for toda distribuída em legados, são os encargos suportados por todos os
legatários em proporção dos seus legados, exceto se o testador houver
disposto outra coisa”.

No direito brasileiro, sempre entendemos que, na ordinariedade dos casos,


cada modus se apõe a um legado. Se tal não ocorre, os encargos são
distribuídos proporcionalmente ao valor dos legados.

§ 5.710. PRESSUPOSTOS E POSIÇÕES DO “MODUS” 285

No direito alemão, não há a regra que o Código Civil português e o


argentino entenderam inserir. No § 526, quando devido a vício de direito ou
da coisa dada, se torne inferior às despesas do encargo o valor da doação, se
dá ao donatário o direito de recusar-se a executá-lo além do que vale o
recebido, enquanto não se lhe entregue o que o vício tirou. Se, ignorando,
cumpre o encargo, pode pedir que o doador lhe pague o que gastou causado
pelo vício.

Não se trata, pois, de regra jurídica geral que confira com o valor da coisa
os encargos, e sim de outra, bem diferente, que admite a conferência
quando o valor tenha diminuído do que se cria, em razão de vicio de direito
ou da coisa. Mas, aí, não é só o encargo que se vai conferir com a valia do
objeto: o que se procura saber é se o vício diminuiu aquele valor, para que,
então, se verifique, por eqUidade (Motive, II, 301) o importe da diferença.
Melhor seria, aliás, contar-se apenas o abate se bem que assim não pensem
os escritores (KARL KOnn, J. von Staudingers Kommentar, fl, 7Y-8ª ed., 1a
parte, 819).

No direito civil suíço, o art. 246, alínea 33, firma a recusabilidade, se


insuficiente para o encargo a doação. Mas essa faculdade a que se não exige
determinado fundamento (erro, evicção, vícios redibitórios), longe está do
sistema do Código Civil alemão e do brasileiro. Cumpre não se misturar a
conferência objetiva do direito suíço (H. Osm~, Koinmentar zuni
Sckweizerischen Zivilgesetzbuck, V, 561) com a do Código Civil alemão e a
do Brasil, dependentes da responsabilidade pela evicção e pelos vícios
redibitórios (arts. 1.101, parágrafo unico, e 1.179) No Código Civil
brasileiro, não há nenhuma regra jurídica que permita afirmar-se a
recusabilidade da execução do encargo quando esse exceda o valor da
doação, nem o direito de reaver o excesso quando porventura se verifique
que o cumpriu a donatário <o art. 920 não é aplicável, porque modo não é
cláusula penal). Nem o direito suíço, nem o argentino, nem o português
podem ser invocados: adotaram critério que não é o das nossas tradições,
nem o da doutrina comum aos povos civilizados, sucessores do direito
romano.

4. REQUISITOS JURÍDICOS E APLICAÇÃO DO “MODUS”. A figura


do modus, sem a exigência de sujeito de direito, que seja

o destinatário, podendo o destinatário ser animal ou coisa, surpreende à


primeira vista. Porque parece faltarem-lhe os requisitos das figuras
jurídicas. Mas esses logo exsurgem. É preciso: a) que o testador tenha
fundado relação de obrigação autônoma e eficaz, porque, se lhe falta a
autonomia, não é modus; b) que consista num prestar ou fazer (que
juridicamente possa ser conteúdo de obrigação, F. ENDEMANN, Lehrbuch
des Biirgerliehen Rechts, III, 732; E. STROHAL, Das deiiische Erbrech,t,
1, 160; e.g., se o conteúdo é um pensar, sem proceder, tratar-se de nwlum
praeceptum) ; c) que se insira no testamento, ou nas partilhas em vida, ou
nas doações, para depois da morte (ou para o tempo da vida, o que, aqui,
não nos interessa)

5.APLICAÇÕES DO “MODUS”. O principal campo de aplicação do


madns são as disposições de interesse geral: sustento de mutilados, livros
para determinada escola, limpeza semanal de determinado jardim público,
coleção de quadros, biblioteca, ala especial de livros em bibliotecas
públicas ou de sociedades de grande freqUência. Há os encargos de puro
interesse privado; e. g., cremação do cadáver, forma do enterro, missas e
funerais; sustento de criança (basta que a verba negue direito a reclamar, ou
ordene que se preste em segrêdo, para que não possa ser legado), presente
de aniversário durante dez anos a alguém.

A fixação de honorários ao testamenteiro, F. ENDEMANN (Lehrbuch des


Rúrgerliclum Rechts, III, 733), considera modus. Ou é prêmio, o que consta
da lei, ou, se excede o valor, legado. Não há nenhuma conveniência teórica
ou prática em se preferir a figura do ,notius à do legado. Não é de se excluir
a possibilidade da fixação modal; porém não é o que mais acontece.

Nas disposições modais a favor de particulares, a figura quase sempre


vacila. Como que ondulante entre o motins e o legado. Mas, a cada
momento, é preciso classificá-la rigorosa-mente, para certas consequências
práticas. O

testador disse:

“Deixo a A os três prédios, que, por sua morte, passarão a mas, durante a
vida de A, B receberá dele x mil cruzeiros, com que se educará e manterá
em bom estado a biblioteca, que não quero se desloque da sala do quarto
prédio, de propriedade de E”, Fideicomisso, legado de alimento, com
motins; finalmente, legado do quarto prédio a E.

São motins: a) a determinação ao herdeiro ou legatário de pagar a hipoteca


do prédio, que lhe deixa, ou de outro, ou do prédio de outrem (F.
ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgerticheu Rechts, III, 788; no Brasil,
diferente do Código Civil alemão, § 2.166, o beneficiado por isso pode ter,
e é regra, direito a reclamar) ; b) a disposição que ordena constituir bem de
família o prédio que lhe lega, ou outro. Mas pode ser olhe-Uva; nesse caso,
não é modus e sim restrição de poder, que o testamenteiro cumpre ainda
contra a vontade do herdeiro eu legatário.

§ 5.711. Ilicitude e impossibilidade em matéria de “modus”

1.INVALIDADE. Não vale o encargo: quando não vale o testamento, ou se


a cláusula em si é nula; quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto.
Exemplo: os encargos imorais, captatórios. Ou se a lei os veda, como
ocorreria na espécie do Código Civil, art. 1.667, II ou III. Se só em parte é
impossível, ilícito ou imoral, cumpre-se na parte indene (Esboço de A.
TEIXEIRA DE FREITAS, art. 668), quando separável (Código Civil, art.
153).

Pelo motins, o testador não pode limitar a liberdade de testar do herdeiro, ou


legatário encarregado (M.

ROSENTRAL, Einfluss der Auf gabe und Resolutivbedingung auf die


Testierfreiheit, 48, 49 e 54). Por exemplo, o art. 1.167, 1; porque seria
fraude à lei converter em disposição modal a captatória, disfarçando-a. Nem
pode impor que não Leste sôbre os bens, ou que teste sôbre o que deixou ou
legou (F. ENDEMANN, Lehrbuch III, 784).

É proibido o motins contra as leis; é nulo o motins, que, no dia da morte do


testador, era objetivamente impossível (A. PERNICE, Labeo, III, 292; E. 1.
BEKKER, System, II, 859). Ressalve-se o caso de vir a ser possível,
previsto pelo testador, conforme as considerações feitas noutro lugar.

Modns absolutamente inútil ou necessário não opera; porque só constitui


recomendação. Às vezes, a inutilidade aparente deve levar o juiz a reputar
restrição de poder: “deve pagar no 8º dia os impostos, fiscalizado pelo
Juízo”,

“receberá por alvará do Juízo os juros e pagará os impostos”; cabe, no


primeiro caso, se houve infração, receberem-se os alugueres e pagarem-se
os impostos, pontualmente, e, no segundo, nomear-se corretor.
O juiz não pode entrar na indagação de se o modus consulta, ou não, o bem
público, como pareceu ao testador. O

que ele deve é verificar se é sério, ou pilhérico, se revela perfeito juizo ou


não, se é ilícito ou imoral, ou se licito ou moral o seu conteúdo, ou a sua
execução. Vale, por exemplo, o motins apôsto ao legado, impondo ao
legatário (hospital vegetariano) médicos vegetarianos (E. ENDEMANN,
Lehrbuch des Bhirgerlichen Rechts, III, 785).

Quanto à impossibilidade ou ilicitude (ilegalidade, contra bonos mores) do


encargo, cumpre distinguir: a) Se já se operou a aquisição por parte do
onerado, não há separar motins acessório e motins principal: trata-se de
determinação anexa. que não contamina em regra, a herança ou legado;
tornando-se impossível, ou ilícito, sem culpa do onerado, a própria
principalidade desaparece, porque ele, que era principal, desapareceu. Cabe
a regra de DURANTE, De Candicionjôns et Modis impossibiUbus et
iureprohibentis, c. 1, n. 5): “Si modus casu deficit, legantum tamen et
dispositio non corruit”. São os mesmos princípios dos direitos das
obrigações. b) Se ainda não se operou a aquisição por parte do onerado,
ainda não cabem os princípios dos direitos das obrigações: trata-se da
constituição do motins, que pode envolver a própria existência do negócio
jurídico sub modo. Nesse caso, há de inquirir-se:

se o motins é principal, e então o negócio jurídico é nenhum; b) se é


acessório, e então o negócio jurídico se compõe, porque existe por si.

2. ANULABILIDADE DO “MODUS”. As regras sobre condições nada têm


com o motins. Pode a determinação modal ser anulada por violência, erro
ou outro defeito. Mais: aplica-se ao motins a regra de impossibilidade;
nesse caso, nulo é ele, e não o legado ou a herança. Porque é determinação
anexa, que não levanta a disposição. Não cabe fazer-se a distinção do
Código Civil, art. 116, só relativa a condição. Assim: a) a impossibilidade
ou ilicitude da determinação modal é inoperante se o m odus foi concebido
para quando for possível, física, jurídica ou moralmente (F.
HERZFELDFÁR, .7. von Staudingers Kommentar, V, 688) ; b) tratando-se
de disposição suspensivamente condicional ou a termo inicial, é válido o
modus, se a possibilidade, ou ilicitude, cessar, antes de se verificar a
condição, ou de se atingir o termo (E. HERZFEIZDER, .7. von Staudingers
Kommentar, V, 638).

8. “MonUs” E HERDEIROS LEGÍTIMOS E NECESSÁRIOS. ~. Os


herdeiros legítimos podem ter encargos? F.

HERZFELDER (.7. von Stautiíngers Kommentar, V, 76), respondia


decisivamente: sim. Mas precisamos atender ao seguinte: sim, desde que,
quando de valor econômico, não importe violação das legitimas. Certo, se
herdam mais do que isso, a questão está cortada pelo cerne. Donde: a) os
herdeiros legítimos podem ter encargos; 14 as porções legitimas
necessárias, não.

No direito vigente, digamos, não se pode apor o modus patrimonial às


porções legitimas necessárias. Seria contra-vir-se o art. 1.721, a que só o
art. 1.721 cria limitações. Por serem indisponíveis, tais quotas se cobram
aos encargos.

Dar-se-á a possibilidade de aposição se o testador tiver disposto, em favor


do herdeiro necessário, de algo, que exceda a quota hereditária inatingível
pela testamentariedade. Então, não terá sido a quota, mas o excesso porção
testada, que se quis gravar. Assim, se alguém distribui a herança e dá
encargo, esse recai, vâlidamente, no que podia ser testado, isto é, em tudo
que deixe livres as porções indisponíveis (art. 1.721). O jurista socienio
cogitou do assunto dai falar-se em cautela sociniane.

Mas, se o objeto do modus não é patrimonial, pode ser onerado o herdeiro


necessário, que só recebeu a sua quota? A questão é delicada. Os dados
morais estão em jôgo e onde eles surgem a solução jurídica torna-se difícil.
Argumento pela impossibilidade de se criar modus aos herdeiros
necessários como tais: o testador podia testar, dispôs da metade, sem impor
aos que beneficiou. Argumento a favor da possível aposição: a porção
necessária é sucessão, se bem que ex lege; o herdeiro é beneficiado, pôsto
que não ex testamento. Sem razão. O modus, aí, é mera recomendação, e
não pode ser outra coisa.
§ 5.712. SURGIMENTO E SORTE DA OBRIGAÇÃO MODAL -A
Fazenda, ou herde ex lege, ou ex testamento, pode ser onerada pelo motins
(CARMELO SOUTO, II Motins, 257). Não épreciso que se individuo o
encarregado: pode ser “quem herdar”, “os meus herdeiros”.

§ 5.712. Surgimento e sorte da obrigação modal

1.PRECISÕES. Ao herdeiro nasce a obrigação modal com a aceitação da


herança, quer no caso do Código Civil, artigo 1.581, § 1.0, quer no do art.
1.584. Ao legatário, no momento em que está autorizado a reclamar o
legado: a) se puro e simples, desde a morte (art. 1.690) ; b) se a condição ou
a prazo, depois de realizada a condição, ou o vencimento do prazo (art.
1.691>; e) passada em julgado a sentença que decidiu ser válido o
testamento, ou terminada a lide (art. 1.691, 1~a parte). Se o legado é
alternativo, e o modus só toca uma coisa, desde a opção; mas a
interpretação dirá de quando lhe começam os efeitos. Nos casos de
obrigação eventual (wartrech,tliche Verpflichtung), como a de que antes se
falou, ou a de prêmio às primeiras dez mulheres que entrarem para o
Congresso Nacional (exemplo de F. ENDEMANN, Lehrbuch des
Biirgeriichen Rechis, III, 786), a obrigação somente surge quando se
verifica a condição: é mu dus condicional. Ao testamenteiro cabe velar pela
execução, ainda que tenha prestado contas: as suas funções duram enquanto
duram as restantes aplicações do testamento.

Obrigação modal nasce ex re: se perece o objeto do legado, perece o modus,


se ele não tocava à herança; perecidos os objetos da herança, perece o
modus, se não estava ligado ao objeto deixado ao legatário e não perecido.
Diz-se que, ineficaz o legado, é ineficaz o modus. Certo, se se ressalva a
interpretação da verba. Na verdade, a interpretação é que decide; e não há,
como regra, o que ele postula. Ao testador é livre estabelecer: a) a
dependência de ambos os lados: nulo um, nulo o outro; b) a independência
de ambos; e) a dependência de um ao outro. Mas as regras ordinárias são: 1)
O legado não é dependente do motins; 2) O modus acompanha a sorte
objetiva da deixa, mas, somente se pessoal, acompanha a sorte subjetiva.
O motins não se integra no negócio jurídico, como a condição suspensiva.
Não suspende a aquisição, porque é anexo, e

não parte integrante do negócio jurídico. Mas quem aceita a herança ou


legado, obriga-se ao modus. Quem não quer cumprir o motins, tem de
renunciar a herança ou o legado.

2. CONSEQUENCIAS DA AUTONOMIA MODAL. São consequências


da autonomia do encargo: a) a ineficácia ou nulidad& dele não atinge a
herança ou legado: nulo, é como algo de anexado que se tirou fora; 14 se
não toca, de perto, à pessoa do herdeiro, ou do legatário obrigado (sorte
subjetiva), pode acompanhar o bem.

A disposição modal, de regra, persiste eficaz, salvo, portanto, vontade


contrária do testador (o que seria a exceção), se não há herdeiro, ou
legatário (F. HERZFEL»ER, .7. von Stau. tiingers Iommentar, V, 638). No
caso de nulidade, salva-se a parte sadia (art. 158, 13 parte). Aliás, há regra
expressa no art. 1.714, e isso bastaria para não podermos seguir a opinião
dos que não ressalvam o motins nos casos em que se dá acrescimento entre
herdeiros e legatários.

Vejamos agora qual a sorte da disposição no motins principal. O testador


pode criar dependência jurídica entre o motins e a disposição de herança, ou
legado. Pode, até, fazê-lo principal, passando a herança, ou legado, a ser
apenas o meio. Mas e.como construí-lo, se principal e sem sujeito? Herança,
não pode ser. Legado, também não.

Uns recorrem à pressuposição, outros, à condição tácita (cp. E.


ENDEMANN, Lehrbuch, III, 729). Não nos parece que se precise de uma
ou de outra figura. É a própria figura do modus, crescida de força, numa
espécie de hipertrofia (reconhecida pelo direito) do interesse do testador.
Nesses casos de motins principal, ocorre: a.) a nulidade ou ineficácia dele
acarreta a da disposição de herança ou legado; b) a não-validade ou
ineficácia do motins afeta a disposição, a que se apôs, se é de supor-se que o
testador só disporia se cresce válido ou eficaz o modus.
Modus é disposição autônoma, pôsto que anexa. Se nulo, se anulado, ou se
ineficaz, por impossibilidade, ou cláusula rebus sic stantibus, arrasta
consigo a disposição, se for interpretado que, sabendo da nulidade ou
ineficácia, não disporia.

8. SITUAÇÃO JURÍDICA DO ENCARREGADO OU ONERADO


MODAL. O onerado é fiduciário, no sentido medievo-cristão, um.

§ 5.712. SURGIMENTO E SORTE DA OBRIGAÇÃO MODAL

TreuMnder. Mais uma vez nos aparece esse elemento germânico-


eclesiástico, que constitui precioso e inabolível componente das nossas
culturas ocidentais, realmente vividas e compósitas; e aparece mesclado a
instituto romano, no meio de regras jurídicas romanas. ~ como se déssemos
braços a fidúcia de Roma, ao amicua (PAUL

OERTMANN, Die fiducia, 124; Orro KARLOWA, Rõmische


Rechtsgeschichte, II, 560), o salmào (de que falamos nos Tomos XXXII, §
3.663, 1, 2; L. II, § 5.482, 2; e noutro Tomo volvermos a falar).

Quando o testador não designou o onerado, é onerado o herdeiro, ou são


todos, se há mais de um (E.

HERZFELDER,J. v. Staudingers Kommentar, V, 688). Se são muitos os


obrigados ao mesmo encargo, observa-se a regra interpretativa do artigo
1.702. Quanto aos herdeiros legítimos e necessários, já se disse quando
podem ser onerados. Em geral, o modus pode ser impôsto a qualquer pessoa
que figure no testamento: herdeiro, legatário, primeiros e mediatos
herdeiros (fiduciários, fideicomissários). Já se pretendeu, entre nós,
erradamente, que o fideicomisso não admite aposição de modus. Talvez
sugestão do art. 1.789, que, aliás, não diz isso, nem nada tem que ver com o
problema dos encargos. Nem fideicomisso é encargo, que pudesse obstar ao
motins: naquele, a obrigação de entregar é conteúdo da ardem sucessiva e, a
bem dizer, recai nos herdeiros do onerado, e não no onerado. Nem há
exclusão a priori do motins ao motins.
Para se ver a sem-razão de tal novidade impeditiva, cerceante da vontade
dos testadores, e sem apoio em lei, nem na doutrina, seria assaz lembrar o
próprio titulo do Codez Instiulauns, VI, 45: de his q~uae sub modo legata
veZ

fideicomntissa relinquun,tur (do que, sob modo, se deixou por legado ou


fideicomisso) . Se os herdeiros do legatário podem ser onerados de motins,
j,por que não os poderiam ser os herdeiros do legatário que se substituem?
No direito brasileiro, previu-se, expressa-mente, a sorte dos encargos (art.
1.781), nas substituíções em geral, e no mesmo capítulo se cogitou, como
espécie que é, do fideicomisso. Fêz-se mais: inseriu-se o art. 1.787, que,
como aquele, se refere ao substituto. A imunidade do fiduciário e do
fideicomissário, bem como a do nu proprietário, às restrições modais
aberraria dos princípios de sucessão testamentária, e nada encontraria, de
fundamento filosófico, ou de lei escrita, que a justificasse.

Os encargos são irrecusáveis à herança, são linhas traçadas pelo testador, e


o fideicomissário, como qualquer substituto, não pode pretender que a
vontade testamentária deixe de ser lex privata para ele. Seria antepor-se o
substituto ao herdeiro ou legatário do primeiro grau. Tão ocioso era dizê-lo
que o art. 1.731 não constitui outra coisa que simples regra jurídica
interpretativa do querer de quem testou. Ressalta, translácido, do texto legal
(art. 1.781) :

“O substituto fica sujeito ao encargo ou condição impostos ao substituído,


quando não for diversa a intenção manifestada pelo testador, ou não resultar
outra coisa da natureza da condição, ou do encargo”.

Os encargos passam aos próprios herdeiros (note-se bem:

herdeiros) do adquirente gravado. Lição indiscutível, a que se deu forma no


Esbôço de A. TEIXEIRA DE

FREITAS, art. 668: “Se os encargos não forem de tal qualidade que só pelo
adquirente gravado possam ser cumpridos, os bens serão transmissíveis
entre vivos e por sucessão hereditária, e com eles passará a obrigação de
cumprir os encargos”. Só não acompanham os bens, se forem de natureza
personalissima, como ensinar matemática, ele próprio, ao filho do testador
(ainda aí pode não ser personalissima). Aliás, é- difícil imaginar-se encargo
que só pelo adquirente possa ser cumprido, e evitar-se-á interpretá-lo como
intransferível.

4. SITUAÇÃO JURÍDICA DO BENEFICIADO PELO “MODUS”. A base


do instituto do motins está o pensamento de existirem interesses, dignos de
reconhecimento jurídico, cuja execução não precisa caber no circulo
estreito dos direitos de um sujeito e cujo titular pode ser, até, pessoa jurídica
a construir-se. Interesses, às vezes, dilatadamente gerais, como edificar
parque de diversões, arborizar praça. Certos requisitos legais, como o de
haver a pessoa que seja o sujeito, indispensável em se tratando de herança,
ou de legado, não se exigem aos encargos.

Muitas vezes, por tal maneira se concebe o modus, que o benelidado


nenhuma intervenção possui, passivamente recebe a vantagem, que a
disposição lhe traz. Certo, para se consertar Igreja, cemitério, jardim
público, é de mister a permissão da autoridade eclesiástica, do diretor do
cemitério, da Municipalidade; porém a estrutura do encargo pode ser tal que
não dê legitimação a qualquer deles para reclamar o benefício. Isso, que
nessa hipótese ocorre, mas somente pode acontecer (e não é a regra),
penetrou no Código Civil alemão como elemento definidor do modus ou
Auflage testamentário. No direito brasileiro o modus não é sem sujeito, mas
pode ser. Ou seja com o fim de engendrar personalidade jurídica
(fundações, institutos), ou seja para beneficiar a sêres que nunca terão
personalidade. Ou a coisas, como a estação da cidade em que nasceu o
testador, os pontos vacinicos de determinado Município. Em tais casos, há
destinatário, e não sujeito. Não há legitimados, não há titulares de direito:
há participantes ou coparticipantes passivos da liberalidade.

O motins pode beneficiar o próprio onerado. No direito romano, não


operava, seria mera recomendação do testador, conselho, insinuação afetiva
(Cmi. FR. VON GLÚCK, Ausfiihrlicite Krlduterung der Pandect eu, IV,
464; A.
PERNICE, Lab co, 4). É o motins simplez. No direito comum, o de não
fazer dívidas, valia. Hoje, não nos servem os velhos critérios. É preciso
maior respeito ao interesse ideal dos testadores. “Deixo um milhão de
cruzeiros a B, que, com parte desse dinheiro, acabará a casa que começou”
é legado e modus, perfeitamente válido. “Deixo x à Ordem A com que
acabará o edifício da Igreja da minha rua”. Se a Igreja (da Ordem) demole a
casa e não cogita de outra na mesma rua, não se pode cumprir o motins.
Nem ela, recebendo-o, tem jus ao que recebeu. As disposições

“pagando todas as dívidas que tem e nada, depois, hipotecando”, “pagando


todas as dívidas que tem e nada, depois, hipotecando, passando a B, se o
infringir” são cláusulas que valem. A primeira é herança ou legado com
modus, como a segunda seria herança ou legado com modus e mais
resolutividade (não pagamentos das dividas), ou condição (não hipotecar),
que pode ser registrada como cláusula de impenhorabilidade.

Mas, se o beneficiado é o contemplado, ~ como exigir-se? No caso de haver


equivalente pecuniário, volveria a ele; ou não volveria, e prejudicá-lo-ia.
Não cabendo o valor econômico, nem por isso o ato ou omissão deixa de
ser suscetível de constituir modus. Se se trata de doação, ,dá-se a
revogação? Sim: o art. 1.180 do Código Civil concerne ao cumprir, e o art.
1.181,parágrafo único, à revogação pela inexecução. Nos testamentos, o art.
1.180 é aplicável, por força do art. 1.707. Quanto à revogação, falaremos do
assunto a propósito do art. 1.707. A caução de modo conservando pode, em
todo o caso, ser exigida, máxime ocorrendo suspensividade, o que pode
haver (art.

128) e, na dúvida, haverá, como consequência do respeito ao artigo 1.666.


Não se poderia presumir que o testador quisesse disposição ineficaz. Do
contrário, não seria modus, mas nudum praeceptum.

5. UNILATERALIDAJIE DA MANIFESTAÇÀo DA VONTADE.

O moduss não precisa de aceitação. Se o beneficiado recusa, cumpre


interpretar a verba; porque pode dar-se o caso de poder executar-se para
com outrem (F. ENDEMANN, Lehrbnch, III, 740).
§ 5.718. “Modus”, prescrição e prazos para cumprimento

1. GENERALIDADES. As ações pessoais que possam surgir só prescrevem


em vinte anos. Mas, se o herdeiro só nas vésperas da expiração desse prazo
é que vem a reclamar a herança, semente do dia em que a recebe é que se
conta o prazo liberatório para ele; e isso é consequência do que já se disse: a
obrigação modal surge com a aceitação da herança (artigos 1.581, § 1, e
1.584). Quanto ao legatário, certo ele é obrigado a cumprir, desde que pode
reclamar, mas a prescrição somente cabe a partir do recebimento, porque,
chamado a cumprir, poderia defender-se com o fato de se lhe não haver
entregue o legado.

2. PRAZO PARA CUMPRIMENTO DO “MODUS”. Se não foi fixado o


tempo em que se devia cumprir o modus, entende-se, na dúvida, ser exigível
com a morte ao herdeiro, ou ao legatário, quando puder exigir o legado.
Cláusula em que aquele, que dispõe, restringe a própria disposição, o modus
obriga àquele a que se impôs, salvo se física ou juridicamente impossível,
ou se o testador o enunciou em forma de mero conselho ou exortação
(Preussisebes Aligemeines Landrecht, 1, Título 12, § 516) . O que recebeu a
herança, ou legado, deve cumpri-lo no tempo marcado, ou nos períodos em
que se deva cumprir. Se se não marcou, no momento razoável e enquanto
possível o cum

primento. Se, sem culpa do herdeiro ou legatário, se torna impossível o


cumprir-se, na forma determinada, o modus, devo executar-se por outra
análoga, que consulte a intenção do testador. Só se for de todo impossível,
exonera-se-á do encargo o instituído (Preussíscites augemeines Landrecht,
§ 511; M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito Civil
portugués, II, § 702, 553 s.; Esboço de A. TEIXEIRA DE FREITAS, art.
662). Havendo culpa, observa-se o que resulta do art. 1.707, combinado
com o art. 1.180. Pela interpretação desse, conclui-se que, em sendo a
benefício do próprio herdeiro, ou do legatário, se tem o encargo como
recomendação, deixada, por isso mesmo, ao critério do beneficiado (cp.
Esboço de A. TEXEIRA DE FREITÂS, art. 657), ou consiste em restrição
de poder, seguindo a sorte dessa, que é objetiva, ou constitui o modus que
beneficia o próprio onerado, suscetível de pedido de caução, ou, conforme o
caso, de resolução (cp. art. 1.707). Se a execução do modus se torna
impossível por culpa do onerado, cabe a ação de enriquecimento
injustificado para volver ao espólio a prestação que não foi cumprida e
tomar o destino que o testamento ou a lei regram.

Para que, impossível, por sua instrução ou meios, a execução do encargo,


possa ser cumprida, por outra, análoga, éde mister que o juiz, ouvidos os
interessados, o autorize (cp. Esboço de A. TEIXEIRA DE FREITAS, art.
662).

Se o modus se há de tratar à semelhança das cláusulas de restrição de poder,


o modus é limitação, sinal menos, na propriedade que se recebe, algo que se
funde com ela, limitando-a. Faz parte do bem, constitui qualidade
inseparável, depressão objetiva. Quem recebe um prédio que tem encargo
averbado, não recebeu só um prédio com obrigação pessoal de alguém. O
encargo adere. Trata-se de associação da figura do motins com a restrição
de poder, com a cláusula. No julgamento de extinção, nos ofícios e alvarás,
cumpre ter-se todo o cuidado ~m se atender a esse caráter objetivo que o
motins assumiu.

§ 5.714. Objeto do “modus”

1.PATRIMONIALIDADE E APATRIMONIALIDADE. O objeto do modus


pode ser patrimonial ou não-patrimonial. Um dar, iun fazer, uma ação, ou
uma omissão. Não precisa sair do próprio objeto deixado (F.

RECELSEERGER, Pandekten, 604):

educar o filho do testador, ou de outrem, ou do próprio herdeiro ou


legatário; continuar a pregar; fazer visit as, aos sábados, ã mãe ou a amigo
do disponente; fazer as pazes com algum membro da família do morto ou
do herdeiro, ou com alguém; educar-se em determinado colégio a
beneficiada; o de a pessoa designada alienar um bem próprio; alimentar
alguém. A favor do próprio onerado, cultivar os campos legados, seguir
carreira intelectual, descansar nas férias.
2.INTERESSE DO DISPONENTE E DO BENEFICIADO. O objeto do
modus não precisa ser diretamente coercível: o interesse do disponente pode
ser de mera afeição, ou, até, de consciência. Por isso mesmo nada obsta a
que somente seja no interesse do beneficiado; porque se transforma em
interesse do beneficiante (Vírroiuo SCIALOJA, Lezioni sui Negozi
giuridici, 380; CARMELO Souro, II Motins, 122).

Antes de passarmos ao estudo das restricões de poder e dos motivos de


dispor, rematemos o que se assentou sôbre condições e modus, com
indispensáveis referências a duas cauções e uma cautela, ligadas ao assunto.

§ 5.715. Caução Muciana

1.CONCEITO. As condições suspensivas, potestativas, concebidas


negativamente, só no fim da vida se poderiam apreciar, isto é, quando já
não aproveitaria ao herdeiro ou legatário sujeito à suspensiva. Nisi fine
vitae expleri non possent (L. 67, § 1, D., ad senatus consultum
Trebeilianum, 86, 1). Exemplos: “se Ticio não casa”, “se não for padre”.

O herdeiro ou legatário, sob condição potestativa negativa, pode adquirir


desde logo a deixa testamentária, mas deve prometer a omissão, e obrigar-
se, dando garantia, a restituir o que recebe, com os frutos, quando praticar o
fato vedado. Tal a caução dita Muciana, que houve o nome de quem a
introduziu (QUINTO CÉVOLA).

2.FUNDAMENTO DA CATJÇÂO MUCIANA. Discutiam-se os


fundamentos, fingindo-se, pela cautio, o adimplemento do fato potestativo
(L. 4, § 1, D., de condicionibus institutinum, 28, 7). Alguns juristas ainda
recorreram à ficção (G. MAJANSIUS>

Disputationes inris, II, disp. 40 (de cautione Muciana), n. 27; B.


WINDSCI-IEID, Lehrbuch des Pandektenreehts, §§ 554, nota 7, e 635,
nota 3) . Outros queriam que se tratasse de transformação da suspensiva em
resolutiva, seguindo a HIPER (De eo quoti inter condicionem resolutivam
et modum interest, 83:
“cautione ultima voluntas quoad perfectionem quasi in purarn et condicio
suspensiva in resolutiva abit”). Ainda outros pretenderam que, com a
Muciana, só se dá eficácia a disposição condicional, como se fora modal
com efeito resolutivo (A. VON SCREURL, Zur Lehre vou den
Nebenbestimmungen bei Rechtsgeschãften, § 74; CARMELO

ScuTO, O., Ii Modus, 96).

De qualquer maneira a cautio Muciana cria a relação obrigatória: é um


negócio jurídico nôvo. Gera obrigação de não fazer, e não só de restituir.
Não cabe, pois, falar-se em modus,, em transformação da suspensiva em
disposição modal, ou em resolutiva. Quem transforma, muda. O que se dá,
na cautio Muciana, é que intervém pins, que é a caução mesma. Assim,
nem se deu ficção, como aprazia a J. CujÁcIo e G. MAJANSIU~ ou a E.
WINDSCIIEID e L. ARNDTS (Lehrbueh der Pandekten, §§ 595 e 558),
nem a suspensiva em resolutiva transformada, de RIPER.

Tão-pouco, a mutação em modus, de A. VON SCI{EURL. e CARMELO


SCUTO.

Só se dá a obrigação de restituir quando o inadimplemento é imputável ao


caucionante, o que supõe obrigação de não fazer, obrigação. Ora, quem diz
condição, no diz obrigação. Condição suspende, não obriga. Obriga a
cautio, porque é negócio jurídico obrigacional. No modus há obrigação; por
isso recorreram a tal figura alguns explicadores. Porém não é o caso. A
restituição vem da cautio (OTTO KARLOWA, Rõrnische Rechtsgeschichte,
II, 872-874), que é reiuedium. Outra opinia.n foi a que estendia a cautio
Muciana às disposições modais. Ora, no modus, já existia a obrigação.

8. EXTENSIÃO DA CAUÇÃO MUCIANA. Uma vez que a deixa fora


feita suspensivamente, com condição potestativa para o beneficiado, mas
negativa, o acontecimento só seria certo quando ele morresse. Não se trata
de condição perplexa e QUINTO MúcIo CÉVOLA quis salvá la (L. 7, pr.,
L. 72, L. 73 e L. 106, D., de condieionibns et demonstrationibus et causes
et modis gorum, qua.e in testamento seribuntur, 35, 1>. De mieio, a caução
Muciana só se fazia quanto aos legados. Depois, estendeu-se aos
fideicomissos e às instituições de herdeiros (L. „7, L. 18 e I~. 101, D., de
legatis et fideicommigsis, 81, 1; L. 4, * 1, D., de condicionibus
institutionum, 28, 7). Finalmente, generalizou-se ao tempo de Justiniano (L.
4, § 1, D., de co‟,r. dicionibus institutionum, 28, 7). O herdeiros
abintestados podiam exigi-la (13. WINnsdnrnn, Lelvrbuch des
Pandektenrechts, IjI, 9 a ed., 270 s.; contra, E. AD.

VON VANGEROW, Lehrbucli der Panxteleten., II, § 485; II.


DERNBURO, Pandekten, ~ 7.~ ed., 157, nota 4). O

problema, que ainda se discute no tocante ao direito romano, diante da L. 4,


§ 1, 13., de condicionibus institutionum, 28, 7, e da Novela 22, caput 44,
ainda interessa ao direito hodierno.

Discute-se se cabia a caução Muciana, se a condição podia tornar-se certa


antes da morte do herdeiro ou do legatário condicional; por exemplo, se a
condição era “se não casar com A” e A morreu (cf. Cita. FR.
MÚHLENBRUCH, em CHR. FR. voN GLTJCK, Ausfijhrliche Erlituterung
des Pandecten, 41, 261 s.; E. WINDSCIIEID, Lehrbuch des
Pandektenrechts ~ 9.º ed., 270 s.). Ora, à interpretação é que tocou a
decisão (L.

106, 1?., de condicionibus et denwnstrationibus et causis et modis eorum


quae in testamento scribuntur, 85, 1). No Tratado dos Testamentos (Tomo
III, 120) escrevíamos que “a nossa opilimo e diferente das outras”, “em
principio, cabia a caução Muciana, de modo que só a vontade a afastaria e a
L. 106 era aplicação da vontade do testador, excepcionalmente”.

No direito romano, obtinha-se a aditio mediante a cautio .tvfuciana, se


havia condição suspensiva, concebida negativa-mente. Se não fizer,
receberá. Dava-se ~eficácia, pendente coudtctone, ou direito ou legado.
Com ela, conseguia o legatário escapar á dureza do fies non cedit ante
existentem condicionem.

A cautio Muciana era apenas para as disposições de última vontade; não


para os negócios jurídicos entre vivos, pois que qualquer ato entre os
figurantes nada tem com o reinediurn da cautio Muciana (SILVESTRE
COMES DE

MORAIS, Tractatus de Executionifrus, II, 63)

Sem a potestatividade negativa não há cautio Mucuzua. Todavia, às vézes


se formula de modo afirmativo a negativa:

“si cum filio meo in matrimonio perseveraverit” diz o mesmo que “si a filio
meo non diverterit” (L. 1.01, § 8) . Foi isso que

levou G. FEIN (De hereide suo sub condicione inst., 56 s.) ao erro de
afirmar que havia caução Muciana em casos de potestativa afirmativa.
Também o cometeu MANUEL DE ALMEIDA E SouzA (Tratado prático e
comnendidrio de todas as Ações Sunuirias, 162), inclusive admitindo a
caução Muciana no legado ao clérigo para se ordenar. A caução, ai, nada
teria com a condição suspensiva potestativa negativa, e não seria caução
Muciana: seria caução de modo servando, porque se trataria de modas, ou
cansa final, e não de condição suspensiva. Caberia, sim, em caso como o de
condição de habitar com determinada pessoa, ou com determinadas pessoas,
ou de sempre advogar, ou fazer pesquisas, ou de não deixar a profissão de
juiz, ou de não se afastar do serviço médico do Hospital A. Não caberia se,
além da negativa, há outra condição que possa diferir a ação do legado (L.
„77, § 1, 13., de condicionibus et de-monstrationibus et causis et modis
corum, quae in testamento scribuntur, 35, 1: “Muciana cautio locum non
habet, si per aliam condicionem actio legati differi potest”). Quer seja
alternativa, quer conjuntiva a condição (5.

ZIMMERN, Comm. de Muciana cautione, 19).

4.Dnuaro BRASILEIRO. Na tradição do direito brasileiro há a doutrina


autêntica da caução Muciana si sub condicione potestativa negativa aliquid
sit relictum (P. 3. DE MELO FREIRE, Institutiones luris Civitis Lusitani,
III, 82). Todavia, como os títulos falavam de tegato sub modo et de cautione
Muciana, leituras superficiais levaram a confusões, como aconteceu com
MANUEL DE ALMEIDA E Sousx (Tratado prático e cornpen.diário de
tódas as Ações Sumárias, 161) e com CARMELO SCuTo (II Modus, 95 s.).
O primeiro referiu-se a prestar caução antes da aquisição, referindo-se ao
modus, grave erro de conceituação; e citou SILVESTRE COMES DE
MORAIS

(Tractatus de Ezecutianibus, III, e. 4, n. 30). Mas SILVESTRE COMES


DE MORAIS só se refere à condição postestativa (III, c. 4, n. 30, p. 63) e a
extensão errônea foi feita por MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA.

CARMELO SCUTO baralhou os conceitos.

A caução Muciana é inconfundível com as garantias e seguranças que o


herdeiro ou legatário ferido pela condição suspensiva pode pedir (cf.
Código Civil, art. 121). Aí, ele pede; não dá. Na caução Muciana, pedida
por alguém, o herdeiro ou legatário é quem dá.

Quanto aos herdeiros legítimos na espécie do art. 1.728 do Codigo Civil,


pode caber a caução Muciana (L. 72, pr., 106, e „7, pr., 13., de
condicionibus et demonstrationitus ei causis et modis corum, quae in
testamento seribuntur, 85, 1) . In. omnibus condicionibus, <puxe morte
legatarioru»~ finiuntur receptum e-si, iii Mudana cautio interponatur

A caução Muciana pode ser por fiador ou real (cf. L. 67 e L. 106, 13., 85, 1;
e Nov. 22, caput 44).

§ 5.716. Caução ao “modus”

1. PRECISÕES. Uma vez que, de regra, o modas não suspende, não haveria
segurança, notadamente nos casos de não caber revogação. A caução ao
modus impunhase, pela natureza das coisas.

2.DIREITO BRASILEIRO No direito luso-brasileiro sempre se deu ao


onerado pelo encargo o dever de caucionar o adimplemento Muito diferente
do que se passa com a caução Muciana. Para fundamentação da caução de
modo servando, Invocou P. 3. DE MELO FREIRE (Institutiones uns Civilis
Lvsitani, III, 82) a L. 80, O., de condicionibus ei demonstraíio. nibus ei
causis et modis eorum, quae in testamento scnibuntur, 85, 1) e escreveu:
“Causa finalis, seu modus legato adiectus. non impedit quominus illud
statim peti possit; debet tamen praestari cautio de modo servando”. Estava
certo; porque em texto interpolado do QUINTO Múcío CflVOLA está
expresso.

A caução ao mcdus garante a obrigação, que há no motins,. à diferença da


caução Muciana que óbvia à suspensividade e permite a entrega.

Quem pode pedir o cumprimento do modus pode pedir a caução de modo


servanílo (cp. Código Civil, art. 1.707, onde se trata da legitimação para
exigir o adimplemento modal).

§ 5.717. Caução Sociniana

1.CAUTELA SOCINI. O nome “cautela Socini” provém, sem razão


plausível, de ter Marianus Socinus, o jovem, morta em 1556, ter aprovado
uma, em parecer. Em verdade, a cautela já estava na L. 44, pr., O., de bonis
libertorum, 88, 2, e na Nov. 117, caput 1, pr., e em velhos tratados de
direito. (Cf. J. E. RUNDE (Progr. „de nsu iongaevo cautelae, quem vocani,
Sacini, ante ipsum Socinum, 1 s.).

As porções necessárias são incólumes às obrigações modais e outras


restrições, salvo a de cláusula de inalienabilidade, quer temporária, quer
vitalícia, a de incomunicabilidade, a de livre administração pela mulher
herdeira e a de conversão dos bens da quota necessária em determinada
espécie de bem ou de bens, ou em determinadas espécies de bens (Código
Civil, arfigo 1.723) . Isso de modo nenhum impede que o herdeiro
necessário, que recebe mais do que a quota necessária, fique sujeito a
modus e outras restrições, inclusive condições.

A Nov. n. 117, caput 1, pr., foi bem clara em fazer atingível pelo modus ou
pela condição o que se inclui na parte testável. Se há caução, ou é caução
Muciana ou caução de „modo servando. Aceita a parte livre, isto é, a parte
além da quota necessária, o herdeiro

legítimo simples ou legítimo necessário assume o modus, e não pode alegar


que incide o Código Civil, art. 1.587 (a palavra “encargos”, no art. 1.587,
está no sentido de “dividas”, de “passivo” da herança, e não de modus, cuja
obrigação é decorrente de ter aceito a herança ou legado).

A cautela Sociniana põe o dilema: ou o herdeiro aceita mais do que a


porção necessária, e cumpre o modus, ou só recebe a quota necessária.

Tratando-se de herdeiros necessários: só aceitam o modus, se quiserem,


expflcitamente, porque poderiam ceder, vender, ou doar a quota necessária.
Com isso não se fere o principio da inviolabilidade das quotas necessárias
(cf.

L. 35, 2, C., de inoff idoso testamento, 8, 28). Tais considerações favoráveis


à cautela Sociniana, fê-las, em seu tempo, por outras palavras, O. L.
BOEHMER (Disse-natio de libenis fideicomisso oneratis, § 10, nota a).
Nem a cautela Socini é supérflua, como pareceu a J. U. VON CRAMER,
Progr. de cautela Socini abundante, Opus-cicia, II, n. 28), nem se há de
dizer que tem o mesmo efeito da aceitação de porções gravadas (cf. H. W.
KOCH, tiber die Socinzscke Cantei, 10 s.).

Tem-se de frisar que: a) na cautela Socini há sempre, junta à oneração,


imploratio ei ficie iudicis (Cmi. Luv.

CRELL, Dissertatio de cautela Socini, Dissertationes ai que rogramata,


Fasc. VI, n. 49, § 10), e essa, às vezes, suplanta aquela, e o ônus é nenhum,
ficando o nudum praecepíum~ b) se o testador insere a cautela, mas exige o
inventário da parte intestada, a cláusula é inútil (C. W. KíISTNER, Progr.
qico, remis. sionem inrate specificaíionis cum caule-ia Socini coniunetam
mutile esse, cwnmonstratur, 1 s.).

A cautela Sociniana é caso particular das cláusulas cassatórias ou de


subtração (FRÀNZ LEONHARO, fie Entzichungs klausch Entergung fífr
den FalI der Testamentsanfechtung Jhe‟rings Jabrbúcker, 66, 96) assaz
próxima daquela em que se comina a exclusão dos herdeiros legítimos que
se opuserem a dísposição testamentária.

2.INCLUSIO SUBENTENDIDA Devido ao caráter da indivisibilidade da


disposição testamentária, deve reputar-se subentendida a cautela Sociniana,
que, assim, é mais pressuposição do que cláusula. Se alguém institui
herdeiro o filho A, com o encargo de dar dois terços das rendas a B (ou
subcondiciome, por exemplo, de desistir da ação que vale dois terços da
herança total legítima e testamentária, ou pagar dívida de outrem, que em
tanto importe), o instituido não pode aceitar a herança testamentária, com a
ressalva da integridade da quota necessária. Uma vez que é indivisível a
disposição testamentária, ou a aceita como está, ou a renuncia. Se renuncia,
recebe, como filho, a porção necessária. Se aceita, inteiramente se vinculou.
Assim, acertadamente, MERLINUS (Tractatus de legitima absolutissimus,
III, Tít. 2, q. 7, ns. 5 s.), porque, se há depressão no valor da quota
necessária, foi o filho, submetendose à cláusula testamentária, que a tornou
eficaz, e se sujeito a encargos ou condição. Cf. W. 1~‟. C.

SETELS (Dissertatiõ de iure circa cante-1am Socini, 8 s.).

No Código Civil austríaco, § 774, lançou-se o princípio da inatingibilidade


da porção necessária. Tem ela de ficar incólume a qualquer condição ou
encargo ou gravame. Se o testador deixou mais para o herdeiro necessário,
só esse excesso é atingível.

No direito brasileiro, tem-se de interpretar a disposição testamentaria, para


se saber o que é ferido por ela. Em princípio, há a indivisibilidade da
disposição testamentária. Excepcionalmente, pode resultar do exame da
renda testamentária a

convicção de que o testador incorreu em erro, de fato ou de direito; e então


não cabe a pressuposição, como, por vezes, a própria cláusula torna
explícito. A indivisibilidade pode não existir, se o próprio testador separou
herança e legado, ou o legado a e o legado b (e.g., “Deixo a meu filhos as
casas a, b‟ e c, e da renda tir-se-á, por mês, um milhão de cruzeiros novos,
para prestar a E”, “deixo a meu filho metade da parte disponível e mais o
edifício e, para que da renda alimente o meu. neto C”).

§ 5.718. Restrições de poder em cláusulas testamentárias

1.CLÁUSULAS DE RESTRIÇÃO DE PODER. As cláusulas de restrições


de poder podem constar de negócios jurídicos unilaterais, bilaterais ou
plurilaterais entre vivos, ou de disposições a causa de morte. Falamos de
restrições, e não de limitações, porque, para terminologia inequívoca, só
chamamos limitações de poder as que a lei faz. Trata-se, aqui, de
determinações mortis causa, que não condicionam a disposição, nem a
subordinam a termo, nem lhe anexam modus, mas incidem nos bens ou
objetivamente, quanto à eficácia, os atingem. Seria erro confundi-las com as
disposições modais, propriamente ditas. É de estranhar que as cláusulas de
inalienabilidade, as de impenhorabilidade, as de incomunicabilidade e
outras mais, que não constituem fim, nem condição, nem simples termo,
fôssem encambulhadas com essas e outras figuras jurídicas. Bem frisou F.
REGELSEERGER (Pandekien, 604) que as cláusulas gravativas (e
devemos acrescentar: de efeitos pessoais ou reais), como as de
inalienabilidade e as de impenhorabilidade, não contêm modus. Não há,
nelas, um dever, mas sim restrição de poder (nicht em Sollen, sondem eine
Bechrãnkung des Kbnnens”). Não há obrigação. À abertura da sucessão,
tais restrições incidem nos bens. Só efeitos contra terceiros podem depender
de exigências registárias e alguma exigência especial. A alienação pelo
herdeiro, ou pelo legatário, ou outro beneficiado, de jeito nenhum pode
atingir a clausulação, que derivou da vontade do testador. Se o bem foi
deixado com a cláusula de inalienabilidade, a venda pelo herdeiro ou outro
beneficiado ou o próprio acôrdo de transmissão, mesmo se regístrado, é
ineficaz. (Observe-se que o Código Civil, nos artigos 1.676, 1.677 e 1.728,
chama às restrições cláusulas; mas, no art. 630, escapou ao legislador a
palavra

“condição”, evidentemente errônea.) Alguns juristas cometem a falha de


considerar condições as cláusulas restritivas (e.g., P. ROQUEBERT, De la
Clause d‟inaiiénabilité et d‟insaisissabilité inserée dans les dispositions
entre vifs et testamentaires, 2) . Mas é evidente o erro. Faltam a tais
cláusulas os elementos característicos das condições: nelas, não há
incerteza objetiva; nem suspendem, nem resolvem. Nada fica na
dependência da vontade ou do beneficiado, nem de evento. A cláusula vai,
diretamente, do querer do disponente ao bem. Se lhe falta a praticabilidade
real, talvez se trate de modus.
2.RESTRIÇÕES DE PODER NO CÓDIGO CIVIL. No sistema do Código
Civil, as cláusulas restritivas do poder são, quanto à parte disponível, de
inteira liberdade do testador. Apenas o art. 630 do Código Civil atenua a
permissão da indivisibilidade e o art. 1.723, a despeito do principio da
ingravabilidade das porções necessárias, permite cláusulas de conversão de
bens da quota necessária, de inalienabilidade temporária ou vitalícia, de
incomunicabilidade e de livre administração pela mulher herdeira. Na a
parte do art. 1.728 está dito: “A cláusula 2

de inalienabilidade, entretanto, não obstará à livre disposição dos bens por


testamento e, em falta dêste, à sua transmissão, desembaraçados de
qualquer ônus, aos herdeiros legítimos”. Não há, ai, referência à parte
testada: a propriedade do fiduciário e a do fideicomissário podem ser com
cláusula de inalienabilidade, de incomunicabilidade; bem assim, a do
herdeiro ou legatário condicional e a do seguinte, a do legatário a termo e a
do herdeiro ou legatário segundo beneficiado, e o objeto do encargo ou
motIns.

8.CLÁUSULAS DE RESTRIÇÃO tE PODER E HERDEIROS


NECESSÁRIOS. Em princípio, metade da herança do testador que tem
herdeiros necessários não pode ser clausulada, quer se trate de condição, de
termo, de modus, quer de restrição de poder. É 0 principio da
ingravabilidade das porções necessárias. A L. número 1.889, de 31 de
dezembro de 1907, art. 8.0, estatuiu: “O direito dos herdeiros, mencionados
no artigo precedente” os herdeiros necessários, entende-se “não impede que
o testador determine que sejam convertidos em outras espécies os bens que
constituírem a legítima, prescreva-lhes a incomunicabilidade, atribua à
mulher herdeira a livre administração, estabeleça as condições de
inalienabilidade temporária ou vitalícia, a qual não prejudicará a livre
disposição testamentária e, na falta desta, a transferência dos bens aos
herdeiros legítimos, desembaraçados de qualquer ônus”.

Passou isso ao art. 1.723 do Có digo Civil. No tocante aos bens disponíveis,
há a liberdade do testador. Apenas, quanto ao tempo, em que há de começar
ou cessar o direito do herdeiro (salvo no caso de fideicomisso), se há de ter
como não-escrito o termo, o ex die ou o ad diem.
4.DECLARAÇÃO DE VONTADE DO TESTADOR. Nas cláusulas da
restrições de poder há determinação de última vontade, como em quaisquer
outras. Por isso, estão sujeitas às regras jurídicas gerais e especiais sôbre os
negócios jurídicos, quer quanto ao fundo, quer quanto à forma, quer quanto
à eficácia. Nos negócios jurídicos entre vivos, como as doações mortis
causa, e nos negócios jurídicos testamentários, tem-se de atender dentro dos
limites legais à vontade do testador.

5.POSSIBILIDADE DAS RESTRIÇÕES DE PODER. As cláusulas


restritivas de poder, quer insertas em negócio jurídico de última vontade,
quer em negócio jurídico entre vivos, precisam ser possíveis cognoscitiva
(inteligíveis e com sentido), lógica (não contraditórias, nem perplexas),
moral, física e juridicamente. Exemplo de restrição de poder juridicamente
impossível tem-se nas que se não incluem nas espécies permitidas pelo art.
1.728 do Código Civil a respeito da legítima necessária. Por se tratar de
determinação objetiva, a cláusula restritiva de poder fica sujeita à eficácia
da disposição (herança, legado, ou modus, pois o objeto modal também
pode ser clausulado). Se o legado caduca no todo, óbvio é que seria
impossível cogitar-se da cláusula restritiva de poder. O que pode ocorrer
éque atinja a parte escapa à caducidade (Código Civil, art. 1.708, II>; bem
assim, no caso de legado alternativo (art.

1.709)

Se o herdeiro ou legatário morre antes do testador, ou se renuncia a herança,


ou dela foi excluído, ou, ainda, se não se verifica a condição sob a qual foi
nomeado, tem-se de interpretar a verba testamentária, para se saber se
acompanha o bem que vai ao co-herdeiro, ou ao colegatário conjunto, ou ao
substituto (arts. 1.710 e 1.712), ou aos herdeiros do remanescente (art.
1.726) . Para isso, cumpre que se verifique se o fundamento da restrição de
poder foi a pessoa do nomeado (cláusula restritiva relativamente objetiva),
ou o interesse do disponente. quanto ao bem (cláusula restritiva
absolutamente objetiva), ou o interesse de terceiro que haja de subsistir com
a mudança de pessoa do beneficiado (cláusula restritiva objetiva, absoluta
por ser em relação a outrem) . Só no primeiro caso, a restrição de poder
depende da pessoa nomeada.
Assim: a) Se contraditéria ou perplexa a cláusula de restrição de poder,
tem-se de considerar não-escrita, porque foi ela, e não a deixa, que não
pôde ser entendida. Seria extremamente injusto, de vire condendo, ter-se
por nula a declaração de vontade por se não saber o que diz a cláusula. Bem
diferente é o‟ que se passa com as disposições sob condições contraditórias
ou perplexas que deixam contradição íntima, inseparável, na própria
declaração de vontade, e a dúvida invencível envolve toda a manifestação
de vontade. b) Se a restrição de poder é ininteligível ou sem sentido, não
pode, de ordinário, invalidar a disposição, porque seria preciso haver parte
inteligível ou com sentido que a atingiu, o) As cláusulas inúteis, isto é, que
nada adiantam, desde que não tirem ao negócio jurídico o caráter de
seriedade, com mais forte razão não o podem ferir. Aliás, no Código Civil,
o art. 1.666 estatui que, se a cláusula testamentária é suscetível- de
interpretações diferentes, há de prevalecer a que “melhor assegure a
observância da vontade do testador”. Portanto, em caso de dúvida sôbre a
utilidade, a que contenha solução útil. d) Se ilícita ou contra Untos mores a
cláusula restritiva de poder, só ela é nula, salvo se se estende à própria
disposição, e) Se a cláusula restritiva de poder é fisica mente impossível
como a de compiar apólices do Estado A e gravá-las de inalienabilidade,
não havendo tais apólices a sorte da cláusula é ligada ao objeto; e, somente
se o juiz decide que se cumpra o legado com o equivalente (por ser essa a
interpretação do testamento), incide a cláusula nos outros bens que se
comprarem (no exemplo, nas outras apólices). f) Se juridicamente
impossível a cláusula restritiva de poder, há o princípio da invalidação pelo
juridicamente impossível (Código Civil, art. 116, 23 parte), porque ou só se
refere às condições, ou ao conteúdo da própria disposição. As cláusulas de
restrição de poder nada têm com a sorte das condições, nem o princípio de
invalidação pela impossibilidade jurídica atinge o modus e as cláusulas.

6.IMPOSSIBILIDADE E POSSIBILIDADE SUPERVENIENTE. Se a


impossibilidade superveniente é física e toca ao objeto, a sorte da cláusula é
a sorte do objeto. Se de ordem jurídica, é no dia da morte que se há de
verificar a possibilidade, porque o impossível, no momento da feitura do
testamento, deixou de ser, e a cláusula restritiva de poder não é impossível,
porque possível se tornou. Se a impossibilidade é que foi superveniente, no
momento da morte é que se aprecia, porque o testador tinha de conhecer a
impossibilidade até o momento antes de falecer.

7. INALIENABILIDADE PERPÉTUA E INALIENABILIDADE


TEMPORARIA. Em matéria de testamento, o direito brasileiro assenta o
principio da liberdade das cláusulas. Todavia, de iure condendo, há a
opinião que, a respeito da cláusula de inalienabilidade, afirma que ela turba
a circulação dos bens, e a aponta como contrária a algo de essencial à vida
jurídica de hoje: a livre transmissão dos direitos reais e pessoais, salvo se
alguma razão especial impõe a exceção. Por isso, de iure condito, há de ser
nulo qualquer negócio jurídico, inclusive disposição de última vontade, que
acorrente a circulabilidade dos bens (cf. . BRETONNEALY, Étude sur des
Clauses d‟inalienabilité en deIwrs da contrat de mariage et des
substitutions permzases, 73). O princípio é acertado, mas é preciso conciliá-
lo com o da liberdade de dispor (II. MALRIc, De la Défense d‟aliéner ou
Clause .d‟inaliénabil,ité dans les transinissions de propriété, 56). Tem-se
de buscar solução que evite, quanto possivel, o choque.

A cláusula de inalienabilidade não cria obstáculo absoluto à função


circulatória da propriedade. Certamente, seria nociva a inalienabilidade cm
qualquer circunstância e sem limite de tempo; não, porém, a que não afasta
a apreciação de necessidade acima daquela que é a nítio legis do princípio
vedativo. Daí a regra jurídica do Código Civil, art. 1.728, concernente à
inalienabilidade temporária e vitalícia (que temporária é), além das regras
jurídicas de direito público ou de direito privado que prevêem a situação
através de sentença e hasta pública de bens inalienáveis.
8.CLÁUSULA DE IMPENHORABILIDADE toda Quanto à cláusula de
impenhorabilidade cabe, a propósito dos negócios jurídicos gratuitos, toda a
liberdade. Nos negócios jurídicos onerosos, ou ela é parte integrante da
cláusula de inalienabilidade, ou fica adstrita a regras jurídicas permissivas
(Código Civil, arts. 70-73). E?. P. ROQUEBERT

(De la Clau.se d‟inaliénabilité tflserée dans les dispositions entre vifs a


testamentaires, 1 s., 80 s.). A cláusula de impenhorabilidade nada tem
contra os bons costumes, nem contra a ordem pública (L. ACHÂRD, Das
Clauses d‟inalienabilité, 145) ; máxime, nas disposições de última vontade,
a título gratuito. Argúi-se que se clausula no interesse do beneficiado,
afastando-se as conseqüências das dívidas que tem e vai ter. Mas o
argumento é frágil, porque o interesse em livrar o beneficiado das dívidas
que assumiu e vai assumir não é dele, e sim interesse moral, respeitável, do
disponente.

Advirta-se, que em qualquer cláusula de inalienabilidade está inclusa a de


impenhorabilidade O inalienável impenhorável é.

9.CLÁUSULAS DE INDIVISIBILIDADE. toda A propósito das cláusulas


de indivisibilidade, quer insertas em negócios jurídicos bilaterais ou
plurilaterais, quer em negócios jurídicos unilaterais, o trato legal é o mesmo
(Código Civil, art. 629, parágrafo único, e 680) . Não é nula a cláusula
excessiva, nulo é o excesso. Há espécies que têm de ser levadas em
consideração (cf. Tomos XII, §§ 1.296,2, 8 e 4; 1.802, 1; 1.820, 2; 1.325, 8;
LII, § 5.482, 8) - Se foi imposta a inalienabilidade ao bem imóvel ou móvel,
deixado em comum, com a cláusula de indivisibilidade, depois dos cinco
anos persiste a indivisibilidade por ainda serem inalienáveis as partes pro
indiviso. Todavia, não há, depois dos cinco anos de indivisibilidade, a sub-
rogação do bem comum; cessando a comunidade, a inalienabilidade não é
obstáculo. (Antes de terminar o quinto ano, a sub-rogação somente pode ser
em bem comum, de modo que não acaba a indivisão.) Depois dos cinco
anos, o juiz não pode impor que a sub-rogação se dê em bem indivisível.
A limitação aos cinco anos não atinge as figuras jurídicas em que a
indivisão seja elemento contenutístico. Por exemplo:

a) se se trata de bem de família, pois a indivisão, como a


impenhorabilidade, persiste enquanto vivem os cônjuges ou os filhos
atingem a maioridade (Código Civil, ad. 70, parágrafo único); b) se há
direito de habitação doado ou deixado a duas ou mais pessoas (arts. 746 e
748); e) quando a cláusula de indivisibilidade não pré-elimina condição de
resolução lícita, como se o edifício foi destacado a sede de sociedades
culturais, proprietárias em comum enquanto a indivisão perdurar.

10.INCIDÊNCIA DAS CLÁUSULAS RESTRITIVAS DE PODER. todaAs


cláusulas de restrição de poder têm de recair em bens determinados pelo
doador ou pelo testador (V. HEITZMANN, Das Clauses d‟inoiljéno,bilité
en delwrs des cas prevus dang la Mi, 105), ou que, no inventário, ou por
ocasião da herança ou do legado, se determinam. Dissemos “recair”, porque
se pode dispor da quota, ou do que for apurado, ou do que restar, para que
se possam determinar os bens, ou mesmo adquiri-los, O recair é que há de
ser em bem determinado, ou em bens determinados. No dia da morte do
testador, a cláusula incide para que se evite a inobservância futura da
cláusula. Se só se refere a determinado bem, ou a determinados bens, a ele,
ou a eles se restringe. Mas, se concerne a quota inalienável, as formalidades
da venda em praça ou leilão judicial toda enquanto não se julgue a partilha,
com a especificação toda são as que as leis estabelecem para os bens com
clausulação de inalienabilidade.

Efeito instantâneo da impenhorabilidade é não poderem os inventariantes


ou testamenteiros entregar os bens legados, porque lhes incumbem as
providências para o registro e outras medidas necessárias. Se o fazem e
advém penhora, ou qualquer medida constritiva, têm de repor o valor
atingido, ou o bem, ou os bens; pois que a cláusula, mesmo se tem por fito
proteger o beneficiado pela deixa, se funda no interesse do testador.

Para a aquisição erga omites de bem que foi deixado ao herdeiro, ou ao


legatário, é preciso que se haja transcrito a sentença que pôs termo à
indivisão da herança (Código Civil, arts. 532, 1, e 856, II), porque a
herança, quaisquer que sejam os bens de que se componha e ainda mesmo
que nela esteja apenas um bem móvel, é bem imóvel (art. 44, III). Até à
transcrição, o bem toda não o direito ao que foi deixado toda é inalienável.
É o lapso entre a transmissão 4so jure, mesmo com a saisina, e o registro.
Nele, já incidem o art. 1.572 e as regras jurídicas concernentes às restrições
de poder,

§ 5.719. Motivos de dispor e demonstração

1.CAUSA E MOTIVO. toda As leis por vezes se referem a “causa~~ como


“motivo”. Não se trata da causa jurídica; no sentido técnico (e.g., negócios
jurídicos causais e negócios jurídicos abstratos) Daí ser preferível falar-se
de “motivo”, fim longínquo. Diz-se no Código Civil, art. 1.664: “A
nomeação de herdeiro, ou legatário, pode fazer-se pura e simplesmente, sob
condição, para certo fim ou modo, ou por certa causa”. A causa, de que aí
se cogita, é o motivo. De regra, o motivo é indiferente ao direito relativo às
manifestações de vontade. Motivos são pré-

intenções que dão ensejo ao negócio jurídico., ou mesmo ao ato jurídico


stricto sensu. Podem ter significação na dimensão jurídica: a) em
determinadas circunstâncias podem ser de grande importância para
interpretação do negócio jurídico, mesmo entre vivos; b) quando há questão
sutil de ilicitude, desce-se, por vezes, a eles; e) o manifestante da vontade
pode elevar o motivo a elemento essencial e assim deixa ele de ser pré-
intencional; d) se o motivo se contém em condição, faz-se essencial, O
assunto foi- versado nos Tornos 1, § 44; III, ~§ 260; 262, 1, 2; 268 e 269;
XI, § 1.162, 6; XXV, § 8.067, 1; XLVI, §§ 5.001, 8; 5.009, 1. A causa a que
alude o art. 1.664 do Código Civil é o motivo, o que induziu a pessoa a dar,
prometer algo a outra, ou a unus ex publico (cf. 1W. A.

COELHO DA ROCHA, Instituções de Direito Civil português, § 108). De


ordinário, o falso motivo, mesmo se mencionado, não prejudica (Código
Civil, art. 90: “falsa causa) se expressa “como razão determinante”, ou “sob
forma de condíção”, sim, porque, então, se lhe elevou a categoria. Tomos
III, 269, 6; IV, §§ 480, 6; 436, 6; 438; XXII, § 3.721, 2; XXXVIII, § 4.199,
1; também, II, § 225, 1.
Quanto à causa, na sentido próprio, dela não se há de pensar a propósito do
ad. 1.664 do Código Civil, porque, de ordinário, as disposições
testamentárias são liberalidades. Mas pode exsurgir nos legados
remuneratórios, nos contratos metidos em testamento (e.g., “B foi sócio tão
bom e eficiente, que aqui lhe retiro a cláusula z do contrato social, em que
somente teria direito à terça parte dos lucros” e outras situações parecidas.

Nas liberalidades puras e simples, a teoria de causa pouco teria a fazer. Mas
é de repelir-se o que disse L. Dunn~uR

(Les Mobiles dans les Contrats, 82), quanto a ser inútil, ou, como RENÉ
UEMOGUE (Trotité das obligations eu général, II, 533), quanto a ser vã.
Basta que esteja em dúvida a causa donandli, para se ter de recorrer à teoria
da causa. Alguns juristas dizem que, aí, causa e motivo se confundem (e.g.,
E. BARTIN, Théorie des Canditions, 371; A. COLIN et E. CÂPITANT,
Cours élérnentaire de Droit Civil, II, 43 ed., 318). De modo nenhum. A
causa, de que êles falam, é o motivo (amizade, reconhecimento, amor filial
ou paterno), que vão mais longe nos negócios jurídicos entre vivos, sem se
identificarem com a causa, em senso próprio.

Os motivos, nos testamentos, precisam ser expressos como “razões


determinantes”, ou como “condições”, e para que haja a relevância jurídica.
Por exemplo: “Lego a B a casa x, pelo fato exclusivo de ser B o melhor
amigo do meu filho”. Aí está motivo. Se falsa a suposição (dito “falso o
motivo”), só é inválida por erro a declaração de vontade, e não porque o
motivo foi expresso como determinante, ou como condição (Código Civil,
art. 90). Verdade é, porém, que, concernente à pessoa ou ao objeto, pode
incidir a regra jurídica do art. 1.670, que e menos exigente: atende-se ao
fato de ser errôneo o que se supunha, sem se exigir que exista a falsidade.

O motivo, mesmo se referido, se não foi dado como determinante, ou como


condição, não importa à validade do negócio jurídico. Foi impulso, de
ordem interna, razão por que com ele não se preocupa o mundo jurídico. É
questão de interpretação saber-se se foi essencial para a determinação
testamentária.
O testador não precisa declarar ou deixar de fácil percepção o motivo por
que dispôs. Pode declará-lo, e querê-lo operante. Para a prova do equivoco,
ou do vício da verba, nas espécies do art. 1.670 do Código Civil, que são as
do erro na designação da pessoa do herdeiro ou do legatário, ao do bem
legado, podem terceiros ou o curador de testamentos inquirir da existência,
natureza e relevância do motivo. Não se confunda com o motivo falso,
inexatamente chamado “causa”, no art. 90 do Código Civil, com a causa,
senso próprio. Os princípios que a essa concorrem são outros. Àquele só se
estendem os princípios sobre erro no caso de ser essencial (motivo
determinante,. ou condição).

2. FALSA DEMONSTRAÇÃO, FALSO MOTIVO E FALSA CONDIÇÃO.


toda A simples falsa demonstração não invalida a disposição testamentária.
Busca-se o que o testador quis, desprezando-se a falsa indicação. Se apanha
a vontade do disponente, erro não houve que faça anulável a disposição
testamentária. Uma vez que é afastável a dúvida sobre a identidade do
beneficiado,. ou do objeto, falsa demonstracio nou nocet.

Advirta-se, porém, que pode ter havido erro, com a consequência da


anulabilidade. Mais: que a clausula rebus sie stantibus se rege por outros
princípios que o erro, o que já. expusemos; que a falsa causa (o falso
motivo), nos casos de erro na designação da pessoa, ou do bem deixado,
pode dar ensejo à anulação.

No direito romano, o falso motivo (causa, dizia-se então) não viciava, ainda
quando constasse da verba testamentária (L. 72, § 6, D., de condicionibus et
dernonstraeioniôus et causzs. et modis eorum, quae iii. testamento
soribuntur, 35, 1). A despeito disso, posteriormente, admitia-se que pudesse
viciar; e Furto (Traiu des Testamenis, cap. 11, n.

48) dava o exemplo: “Deixo a B, por ter cuidado dos meus negócios”,
estava no testamento; e B de modo nenhum deles cuidara. Em princípio,
vale a deixa, “qula ratio legandi legato non cohaeret; mas o contrário podia
provar-se.
Se no testamento se diz “lego a B que vai ser o meu melhor neto”, entende-
se que não há condição. Mas pode ocorrer que seja: a) condiciona o motivo
(“lego a B, se cuidou dos meus negócios”, ou, no futuro, “se cuidar do meu
inventário”, ou “dos meus negócios”; razdo determinante, o que se passa
sempre que se há de supor que o testador não legaria se soubesse a verdade.
Em tais espécies, expresso como “razão determinante” ou “sob forma de
condição” (Código Civil, artigo 90), o falso motivo vicia o negócio jurídico.
Expressa a causa, lê-se no Código Civil; mas isso não significa que deva ser
direta. (Nos arts. 90 e 1.670 do Código Civil há dois campos~ diferentes e a
ambos se têm de atender.)

818‟

Voltando ao princípio falsa demonstratio nou nocet, temos. de admitir que


ela invalida a) se há incerteza quanto à pessoa demonstrada, isto é, se não se
pode riscar o demonstrado (si certum sit, quem testator demonstraverie), o
que é questão de-interpretação (F. ENDEMANN, Lehrbuch des
Bilrgcrlich,en Recites, iii, 519) ; b) se a demonstração é necessária e
principal (rzz razão determinante), porque aí não há pensar-se em
demonstratio acessória ou lateral; c) se o problema se transforma em
problema de condição, porque, então, não é de demonstratio que se trata,
mas sim de efeito da condição insita.

Se é certo que se há de respeitar o dito de PAPINLO oda ratio legandi


legato non cohaeret toda de que falamos, não é menos certo que nas
espécies apresentadas a demonstração é essencial ao legado (ins ipsum
legati) . Por exemplo:

“Deixo a 13 a casa que herdei de meu tio”, e o testador não herdou, “Deixo
a 13 os meus dois prédios”, e o testador só tem um.. O. 13. ALTIMARO
(Tractatus de Nuilitatibus, III, 262 s.) enumerou casos de demonstração
viciante:

“1. Si constet, voluntatem disponentis fuisse, dispositionem esse nulíam. 2.


Quando. res, quae demonstratur, non existit. 3. Demonstratio falsa. vitiat
dispositionem, quando ex aliis de corpore non constat.
4.Quando falsitas demonstrationis substantiam legati, vel dispositionis facit
deficere. 5. Sic pariter, quando falsitas denionstrationis, circa finalem
dispositionis causam, versaretur,. ut in falsa consanguinitatis, vel affinitatis
demonstratione”.

Portanto, não se há de invocar, sem meditado exame, o.. princípio falsa


demonstratio non nocet, nem, tão-pouco, a outra falsa causa nocet. Nos
negócios jurídicos entre vivos, supõe-se ser o sentido da declaração aquilo
que lá está, embora falso; e, nos testamentos, que não diverge do que quis o
disponente (. TINE, Die Leitre voin Missverstàndnis, 124).

Da regra do art. 1.666 do Código Civil extrai-se o mesmo que J. CUJÁOIO


tirou à doutrina da L. 88, § 10, O., de legatis et fideicommissis, 31. Se o
testador reconheceu, no testamento, alguma dívida, de qualquer fonte que
seja, mas a dívida não existia, ou se há dúvida quanto à intenção do
testador, o que se há de presumir é que escondeu toda em confissão toda o
legado ou outra liberalidade que entendeu fazer (in dubio praesumitur test
ator quaes‟iisse praetextum te gato) À máxima de J. CUJÁ‟DIO pode dar-
se fundamento a posteriori, bem significativo: muitas vezes (r= de
ordinário), quem doa, quem lega, quem liberaliza, e pode doar, legar, ou
liberalizar, pode ocultar, por motivos da delicadeza da cortesia, do
reconhecimento ou de outras situações pra affectu, a doação que faz, o
legado que deixa, com o benefício que em verdade quis. Se alguma
circunstância reforça a presunção cujaciana, ainda mais consistência
adquire a máxima (MERLIN, Répertoire universal et raisouná de
Jurisprudente, 17, 623) Passemos à questão de CÉvoIÃÃ, na L. 88, § 10,
13., de lega-tia et fideicommissis, 31. O disponente declarou no testamento:

“saiba o meu herdeiro, qualquer que ele seja, que devo tal soma .a meu tio
Demétrio e outra a meu tio Selenco, e quero que sem tardança lhes sejam
entregues”. Se não era verdade o que dizia o testador, isto é, se não havia
qualquer divida, ou uma delas, CÉVOLA pôs, em termos gerais, a questão
(quaesitum est, an, si nou deberentur, actio esset) e respondeu: como
dívidas não podiam ser reclamadas, mas sim como (legados ou)
fideicomissos (si non deberentur, nulíam quasi ex debito actionem esse, sed
ex fideicommisso) . No fundo fazia-se preponderante o querer do testador,
posto que infirmada a demonstração. Falsa de9nonstratio nau nocet;
porém, na espécie, há mais do que aplicação de tal princípio: dá-se algo de
conversdo, um plus que atribui à solução jurídica alcance maior do que teria
simples intuito conservativo. A glosa de certo modo percebia isso quando
enunciava: “Confessio debiti a testatore facto non probat debitum, sed
fideiconimissi petitionem inducit”. Mas afastava, erroneamente, a possível
confissão de dívida sem liberalidade.

Na L. 28, §§ 13 e 14, D., de liberatione legata, 34, 3, CÉVOLA pôs outro


caso. O testador encarrega os herdeiros de entregar a sua mulher Semprônia
quantia que ela lhe emprestara. Decidiu-se que, não válida como
reconhecimento de dívida a declaração, valeria como legado. Em tudo isso,
é evidente o favor à vontade dos testadores. Mas seria errado pôr-se por
principio que todas as declarações de dívidas, ou de depósitos, e as demais,
se devem ter como liberalidades do testador, se podem os interessados
provar as operações. A máxima capacidade é de alta relevância, mas a.
presunção tem de cessar onde as palavras e as circunstâncias excluem a
dívida. Afastada está a suposição de ter existido intenção de liberalidade. A
presunção é elidível, pois que somente existe onde ocorre dúvida. (Advirta-
se que a espécie nada tem com o reconhecimento in fraudem legis, nem
com a conserva çdo da parte válida das disposições nulas quanto à forma.)

3. FALSA CONDIÇÃO. toda Se o testador diz “receberá B o edifício b, se


pagar as dívidas restantes que tem com C”, ou “se continuar sendo o bom
pai que é”, ou “se abrir mão das ações da empresa e, a favor de C”, e
acontece que B nada deve a C, ou não tem filho, ou é titular de ações da
empresa e, muito se há de levar a exame. Alguns juristas, atados à regra
jurídica romana da L. 72, § 7, 13., de condicio-nibus et demonstrationibus a
cansis d modis eorum, quae in testamento scribuntur, 35, 1, concluíram que
a falsa condicio se há de tratar como a condição impossível. Nada se tem
que se possa ligar àimpossibilidade, porque se verificou, no passado, a
condição (condicio in practeritum coilata). Ou não havia, nem há, e tem-se
de interpretar a verba testamentária, porque, a) se falta a característica da
condição (que é a incerteza objetiva) e o testador tinha por certo o que
ocorria, não há cogitar-se de condicionalidade (ANDaRAS VON TUHE,
Der Álígemeine TeU, II, 2, 280), pois, se não havia, ou não há o que se
pressuponha, a disposição não vale; ou b) se havia a incerteza objetiva,
condição há, e então é que se há de tratar como impossível.

4.CONSEQUÊNCIA INTERPRETATIVA DA INOPERAEILIDMIE DA


FALSA DEMONSTRAÇÃO. toda Já se disse o que era preciso sobre a
falsa demonstratio. Do que ali se concluiu e da própria regra jurídica do art.
1.666 do código Civil reextrai-se o mesmo que J. CUJÁCIO tiraria à
doutrina da L. 88, § 10, 13., de jegatis et fideicomissis, 31.

Se o testador reconheceu uma dívida, de qualquer natureza que seja e se


essa não é verdadeira, ou se fôr questionado quanto à intenção do
disponente, presume-se que escondeu em confissão o legado ou liberdade
que entendia fazer: in dubio praesumitur testator quaesiisse 7n-aetextum te
gato. A tal máxima de J. CUJÁCIO podemos dar fundamento a posteriori,
assaz significativo: em muitos casos, quem liberaliza, quem dá, quem lega,
podendo liberalizar, dar e legar, pode, no entanto, querer ocultar, por
motivos de delicadeza, de cortesia de reconhecimento e outras situações pro
affectu o benefício que faz, o dom que manda entregar, o legado que deixa.

Se qualquer circunstância corrobora a presunção cujaciana, ainda maior


consistência adquire a regra jurídica (MERLIN, Répertoire universel et
raisonné de .Turisprudence, 1‟7, 623).

5.A QUESTÃO DE CÉvoIÃ, NA L. 88, § 10, li., DE LEGATIS ET


FIDEICOMISSO, 31. toda O disponente declarou no testamento: “saiba o
meu herdeiro, qualquer que ele seja, que devo tal soma ao meu tio Demétrio
e outra a meu tio Seleuco, e quero que lhes sejam entregues sem tardança”.
Se não era verdadeiro o que dizia o testador, isto é, se, em verdade, não era
devido, surge a discussão. Foi posto a CÉvOLA o problema (quasitum est,
an, si non deberentur, acUo esset.E le respondeu: como dívidas, não
podiam ser reclamadas, mas, sint, como legados ou fideicomissos (si non
deberentur, nuílam quasi ex debito actionem esse, sed ex fideicommisso).
No fundo, fazia-se preponderante o querer do testador, pôsto que infirmada
a demonstração.
Já vimos que falsa demonstratio nau nocet, porém, rigorosamente, há mais
do que aplicação de tal principio: dá-se algo de conversão, um plus que
atribui à solução jurídica alcance maior do que teria simples fato
conservativo. (Está em jôgo a causa, no sentido técnico: não se confunda a
causa donandi com a causa donationis.) Sem perceber isso, ou, pelo menos,
sem no dizer, era o que movia a grande glosa no enunciar: confessio debiti a
testatore facto non probat debitum, sed fideicomissi petitionem inducit.

Mais simples é o caso da L. 28, §§ 18, 14, de liberatione legata, 34, 3, em


que o testador encarrega seus herdeiros de entregar a sua mulher Semprônia
quantia que ela lhe emprestou. Decidiu-se que, não válido como dívida,
valeria como legado.

Em tudo isso é evidente o favor à vontade dos testadores. Mas seria errado
pôr-se por principio: que todas as declarações de dívidas, ou de depósitos, e
as demais, devem valer como liberalidades do testador, se não capazes as
partes de provar tais operações (FURGOLE, Traité des Testaments, cap. 11,
n. 48); ou que, na dúvida, seja necessária a admissão interpretativa de
existência de legado. É de alta valia o principio

-que extraiu da L. 88, § 10, o próprio J. CuJÁcIO: dubio praesumitur


testador quaesiisse praetextum legaM; porém tal presunção tem de cessar
onde as palavras e as circunstâncias excluem a dúvida, isto é, onde afastam
o intuito de liberalidade. Esse, certamente, se presume, mas tal presunção
não é ineledível, por isso mesmo que só entra onde se cai em dúvida.

Advirta-se que o caso nada tem com os reconhecimentos in fraudem legis,


nem, tão-pouco, com os fenômenos de conservação da parte válida dos atos
nulos quanto a forma.

§ 5.720. Heranças e instituições mexas

1.DIREITO ROMANO E CÓDIGO CIVIL. toda No direito romano


deveriam ser nulas as instituições de herdeiros que se crivaram de
limitações, iniciais ou finais, no tempo (termos). Todo, rigorosamente,
inscíndivel. Expressão de um querer, que saiu de chofre, num só ato
volitivo. Diz o Código Civil, art. 1.665:
“A designação do tempo em que deva começar ou cessar o direito do
herdeiro, salvo nas disposições fideicomissárias, ter-se-á por não escrita”.
Mas a solução fora diferente.

No direito anterior ao Código Civil, toda pela validade das condições e


termos, isto é, de todas as limitações temporais, P. J. DE MEU) FREÍRE,
Institutiones Juris Civifls Lusitani, III, 5, § 32. Válida a instituição, não
escrita a designação de tempo, diziam outros. Por que se acolheu tal
exceção? As opiniões variaram: a) a vontade presumida do testador, dizia
A. TEWES (System des Erbrechts, 220), sem atender a que o testador quis
algo de composto (herdeiro mais limitação no tempo) e não um só
conteúdo. Cindir a vontade é resolver contra ela. b) Favor pela adoção, que
foi a reforma do testamente, pretende 5. PEROZZI (Istituzioni di Diritto
ro‟inano, II, 432).

c) Manter a instituição como o testador queria, não era possível; considerar


nula a instituição, fôra abrir a sucessão aos herdeiros legítimos, contra o que
o testador quis. Interveio o favor testamenti (A. SUMAN, “Favor
testamenti” e “voluntas testantium”, 70 s.). Hereditas ex die vel ad diem
non recte datur, sed vitio tempori.s sublato manet institutio (L. 34, 13., de
heredibus instituendis, 28, 5). ~ nula a disposição, e por isso se diz: nau
recte dzxtur; mas conserva-se pela eliminação da parte viciada.

§ 5.720. INSTITUIÇÕES INEXAS

Também as condições resolutivas, de que o texto não falar, eram


inaponíveis. Já no Direito Romano não se proibia a condição suspensiva.
Talvez, ab origine, também a vedasse. Não era, em rigor, lógico o
permitiremse tais determinações se bem que se prestasse a justificá-lo a
eficácia retroativa, que falta ao dzes a quo.

No direito brasileiro, o art. 1.585 fala, expressamente, de instituição sob


condição suspensiva. Não se dá o mesmo com. a condição resolutiva (arg. à
L. 15, § 4, 13., e/e testamento mititis, 29, 1). A analogia com o termo
resolutivo levava, legicamente, a tal decisão (contra: Fn. EISELE,
Civilistische Kleinigkeiten Jahrbiicher flir die Dogmati/c, 23, 132 s.). Se o
direito brasileiro a vedasse, teríamos a solução romana. Se não a veda, vale
lembrar o raciocínio de Faeisele: diferente. do dies ad quem, a condição
resolutiva não fere o direito do herdeiro, a instituição em si, mas a delação;
de modo que, a priori, nem sempre contravinha a regra semel heres sempre
heres.

A lei romana não queria que o herdeiro adquirisse, a partir de determinado


momento, que não fosse o da morte do testador (instantaneidade que nada
tem com o art. 1.572), a qualidade de herdeiro. Nem admitia que ele a
perdesse depois de adquiri-la. Por isso negava reconhecimento jurídico ao
termo, inicial (a quo) ou final (ad quem), que acaso se apôs à instituição do
herdeiro. ~ Segundo era ex quo, ou ad quem, o termo objetivamente incerto,
dies incertus au, também se havia por não escrito? Nos testamentos, como
em geral, considera-se. condição suspensiva ou resolutiva, respectivamente.
Dies is. certas condicionem in testamento facit. Assim, também, diziam,. o
certus ou incertas qnando (ANreNIo ELiUNErL‟!, que o sustentava em
1893). Contra, no direito romano: A. BRINZ

(Lehrbuch der Pandekten, III, § 427), E. COSTA (Papiniano,. Studio di


Storia interna deI Diritto romano, III, 143).

A regra referente ao tempo revive no direito brasileiro, mas o artigo 1.665,


que a consagra, não se aplica aos legatários.

2.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. toda Não é possível comentar o


art. 1.665 sem saber o que se entende por designação do tempo:
compreende te rmo e condição, ou somente termo? Noutras palavras: é
exceção ao art. 1.664, do qual excluiria. a condição resolutiva; ou referente
a outra matéria, toda sendo diferentes o art. 1.664 (condição, fim, modo) e
o art. 1.665, que trata de termo relativo ao começo ou cessação do direito do
herdeiro? No revogado Código Civil português, art. 1.747, em que se
inspirou o brasileiro, dizia-se o mesmo: “A designação do tempo, em que
deva começar, ou cessar o efeito da instituição de herdeiro, ter se a por não
escrita”. A fonte anterior foi o Código da Sardenha, art. 823. Também o
revogado Código italiano, art. 8.51, sancionava o romanismo da proibição
de se instituir o herdeiro, ex certo tem pare e ad certum tempus. Disso já se
havia livrado o Código Civil espanhol, art. 805, e o direito contemporâneo
não justificaria a sobrevivência que afeia o brasileiro. Ao seguir o exemplo
do extinto Código Civil português, o art. 1.665 afastou-se, com prejuízo da
evolução jurídica, da tradição do nosso direito, vinda de P. 5. DE MELLO
FREIRE, A. 5. GOUVETA PINTO, M. A. COELHO DA ROCHA e os
demais tratadistas, exceto o romanismo tardio de E. DE 1‟. LACERDA DE
ALMEMA (Sucessões, § 41). Antes, já se haviam apagado, como no
Código Civil alemão, as consequéncias, hoje injustificáveis, da regra
jurídica sentei heres, semper heres. É um desses artigos que futura revisão
deve riscar. Ganha o direito em simplicidade e valor plástico. Ao art. 1.664
presidiu o senso da continuidade histórica, a lição da assente doutrina. Na
precisão e no ritmo da frase, bem se vê e se sente o apurado de expressões e
maneira, em que P. J. DE MEU) FREmE e M.A. CÓELHO

DA ROCHA excediam. No art. 1.665, há como o ressoar de voz estranha,


algo de absurdamente estacionário, a gritar no todo de um direito evolvido.

Todas as críticas que fizemos ao art. 1.665 constam do Tratado dos


Testamentos, Tomo III, ed. de 1980.

O nôvo Código Civil italiano, no art. 633, estatui: “Se disposizioni a titolo
universale o particolare possono farsi sotto condizione sospensiva o
resolutiva”.

O nôvo Código Civil português (1966), art. 2.243, ainda se apegou, em


parte, ao passado: “1. O testador pode sujeitar a nomeação do legatário a
termo inicial; mas este apenas suspende a execução da disposição, não
impedindo que o nomeado adquira direito ao legado. 2. A declaração de
termo inicial na instituição de herdeiro, e bem assim a declaração de termo
final tanto na instituição de herdeiro como na nomeação dejegatário, têm-se
por não escritas, exceto, quanto a esta nomeação, se a disposição nascer
sôbre direito temporário”.

3.INSTITUIÇÃO E TEMPO. toda No direito brasileiro, não é essencial a


instituição do herdeiro. Pode o testador distribuir toda a herança em
legados. E nem criar legados, nem herdeiros: só encarregar de certos atos
os legítimos, ou, até, só clausular reservas hereditárias (arts. 1.769 e 1.723).
É estranhável, pois, que o art. 1.665 reviva o romanismo da regra semei
heres semper heres, com alguma das suas conseqüências. Manda que se
tenha por não escrita a designação do tempo em que deva começar ou
cessar o direito do herdeiro. No entanto, o próprio Código Civil conservou
o fideicomisso e a condição suspensiva e a resolutiva. Há mais do que
ilogismo. No direito anterior, o jurista genial, que precede e corresponde, na
península ibérica, a TEIXEIRA DE FREITAS, escrevia, desanuviado o
cérebro das teias de aranha do direito romano (P. J. DE MELO FRERE,
Institutiones luris Civilis Lusitani, III, 53)

“Cum vero libera esse debeat testatoris voluntas, et licitum cuicumque de


rebus suis modo leges speciales non obstente, disponere; consequens est, ut,
introducto semel testamentorum usu, possit quis heredem pure, vel sub
conditione, et in re certa instituere, et hereditatem ex die, vel ad diem dare,
quin rei certae mentio, vel adiectus dies pro supervacuo habeatur; itaque
herede ex certo tempore, vel ad certum tempus instituto, eo elapso, vel
antequam illud veniat, hereditas ab intestato desertur”. Tinha lido a
GROENEWEG, a GUDELINUS, a A.VINNIUS; e mais: percebia a
evolução do Direito.

4.FUNDAMENTO DO “VESTIGIUII ANTIQUL RIAIS”. toda Qual o


fundamento da regra semel heres semper heres no mandar que se haja por
não escrito o termo? a) É de mister, segundo pensava A. TEWES (System
des Erbrechts, 1, § 37, 217), a continuação imediata da personalidade do
defunto: a condição criaria o lapso; portanto, a insubgetividade do
patrimônio.

b)Herdeiro é filho, ou em lugar de filho, não se pode ser filho a partir de


certo tempo ou até que se verifique alguma condição (5. PELIOZZI,
Istituzioni di Diritto romano, II, 432). e) Seria inconcebível, com a noção
romana do título de herdeiro, que o herdeiro não pudesse desde logo exercer
ou cessasse do exercer os direitos relativos à qualidade (GONTALiDO
FERRINI, Manuale di Pandette, 754). d) Resguardam-se os interesses dos
credores (H.
13ERNBERG, Beitrãge zur Geschichte, 308). Em verdade, o fundamento
variou de conteúdo. As instituições soem mudar de fundamentos. No direito
brasileiro, o art. 1.665 é .imposição da lei, com a qual não se compadece o
art.

1.769. Se o testador fala em herdeiro e criva de termos o que lhe deixa,


justo é que se classifique como de legado a disposição, salvo se de todo
impossível. Para dar tal interpretação à verba, duas regras nos induzem e
aconselham: a do favor testamenti e a do favor voluntatis (art. 1.666).

5.CONDIÇÃO SUSPENSIVA E INSTANTANIEDADE. toda La


jantanejôxide, descrita no Código Civil, art.

1.572, cede ante a possibilidade da condição suspensiva (art. 1.585)? A lei


brasileira considera a condição suspensiva como aposta à instituição ou
somente suspensiva da execução? No primeiro caso, haveria exceção à
regra semel heres semper heres (arts. 1.572 e 1.665). Mas, em verdade, não
há a distinção no sistema do Código Civil, O art. 1.665 é que é exótico. As
condições valem; o termo, não! A lei manda que se considere não escrita a
designação de tempo, ad quo ou ad quem. Não tem o herdeiro de aguardar.
Nem cessa de ser herdeiro. Foi, fica sendo: sarnei heres, semper heres.
Nomeou-se para algum dia depois da morte, ou de algum evento, nem por
isso a nomeação deixa de operar simultaneamente à morte. É válida a
instituição como se fora pura.

6.LEGADOS. toda No direito romano, aos legados podia apor-se condição


suspensiva, termo a qua, tanto certo como incerto. Não a condição
resolutiva, que se considerava supervácua. Mas Justiniano (L. 26, C., de
legatis, 6, 37) não hesitou em admiti-la. E desde então, houve legados
temporais, a termo final ou sob condição resolutiva.

Constitui uma das inovações justinianas em direito sucessório. Donde a


caução, que deve prestar o legatário. Mas Justiniano não ousou ir até às
instituições de herdeiro: a herança, em dies a quo ou ad quem, continuava a
valer como pura. E com ele ficou o Código Civil, art. 1.665, a despeito da
evolução operada no direito contemporâneo.
Continua a cair, como folha morta, o acréscimo do dies a qua ou ad quem.
Tida pra supervácua a aposição; viver como pura, a instituição do herdeiro.
A válvula de hoje é a que já se havia no direito clássico: o fideicomisso. Na
prática> solução conciliatória; mas, na teoria, é interessante observar-se
como se perde esforço em se querer salvar um conceito, ligado a causas que
passaram. No Brasil, o art. 1.769 abre passagem ainda maior: a distribuição
de toda herança em legados. Confrontem-se esse e o art. 1.666, e teremos
assaz atenuado o valor impeditivo, amortizante, do art. 1.665; poderá tratar-
se de fideicomisso, ou de legado de todos os bens, ou de muitos legados,
esgotantes do patrimônio. Nos legados, as disposições temporais são
juridicamente possíveis.

7.FONTE E ENTRADA EM SISTEMA DIVERSO. toda O art. 1.665

do Código Civil foi copiado do revogado Código Civil italiano, art. 851: “Si
ha per non apposto ad una disposiãzione a titolo universale il giorno, daí
quale debba la modesima cominciare o cessare”. Mas, havendo, no Brasil, o
fideicomisso, e a regra do art. 1.666, riscar-se-ia o art. 1.665 sem qualquer
dano. É um espantalho ineficaz.

Não há juiz que, tendo, para a sua consciência, tantas construções possíveis,
e o art. 1.666, vá decidir contra a vontade do testador, por amor de um texto
inconscientemente incerto, vestigium antiqui inris, que se acotovela,
incompossível, com os arts. 1.664 e 1.666. Ora, o artigo 851 do extinto
Código Civil italiano só se justificava pela proibição dos fideicomissos.
Aliás, muito o censuraram, porque, proibindo também o fideicomisso de
legados (art.

899), não se justificava que a herança fosse, no art. 851, diversamente


tratada. O semel Iteres semper heres é velharia, incompatível com os
sistemas contemporâneos, e o sentido acabou.

8.INAPLICABILADE AOS LEGADOS. toda Nos legados, a regra jurídica


do Código Civil, art. 1.665 não incide.

Se é termo, ou condição, decide a interpretação. Se o testador quis, ou não,.


que, a despeito da incerteza, haja termo (o dies incertus an certus quando
pode ser termo), ou que haja condição, e não termo, no dies certus an
incertus quando, ou que, num e noutro caso, o legado seja transmissível aos
herdeiros do legatário se morre antes do termo ou pendente condição, é
questão de fato, questão de interpretação, que nada tem com regras dos
artigos 118 e 123.

Só há verdadeiramente uma regra legal: se épuro e simples, transmite-se aos


sucessores (art. 1.690). A do art. 1.712

é só para o caso de se não verificar o. condição (ela pode ser de natureza a


vir verificar-se depois da morte do legatário: quando nascer lhe um filho).

9.A QUE, FINALMENTE, SE REDUZ A REGRA JURÍDICA. toda


Exótico, vestigium antiqui iuris, como esses orgãos já sem USO que ficam,
superfinos, embaraçantes, aos animais que mudaram de meio (garras
inúteis, barbatanas tardas), o art. 1.668é mero fenômeno de incuria legis,
que escola avançada de ia-interpretação mandaria, diretamente, ter por
nenhum, e perante o qual as próprias atitudes interpretativas mais prudentes
outro caminho não têm que o de reduzi-lo, em suas contraditórias
consequencias, ao mínimo de dano. Só esse propósito de reverência à lei
escrita obriga a tê-lo como regra jurídica. Porém o seu deliberado intuito
não se justificaria fosse ferir outros princípios do Código Civil e o próprio
sistema. Nas vocações a título universal, o testador não pode apor dies a
quo ou ad quem. Se apõe, é não escrito. Note-se: isso só se dá quando
nenhuma interpretação é possível, que salve a verba (art. 1.666), e há tantas
figuras compatíveis que dificilmente se sacrificará o texto testamentário. A
regra do art. 1.665 não se aplica quando: a) O dies a quo não é aposto à
instituição, mas exclusivamente concernente à execução dessa. Ao
exercicio, digamos. b) Quando seja possível interpretar como fideicomisso
ou usufruto, ou converter.

10.EXOTISMO DA REGRA JURÍDICA. toda No sistema do Código Civil,


o art. 1.665 é corpo exótico: trata diferentemente o termo e a condição,
quando, pelo art. 119, a condição é que retarda a aquisição do direito, a que
ela visa, e o termo, não. Se houve termo resolutivo, ou suspensivo, vale:
significa precisamente que a aquisição não se retardou, isto é, que o direito
de herdeiro nasce como quer o art. 1.572. Como o art. 12& é dispositivo, e
não direito cogente, toda somente quando se quiser que ele retarde a
aquisição do direito, e não do exercício, é que se aplicará o vitiatur do art.
1.665. Resta o termo resolutivo, porém esse, sempre que intervier, ou, pelo
menos, quase sempre, terá o efeito de prefigurar a substituIção
fideicomissária, que pode ser a termo (arts. 1.665 e 1.733: “a certo tempo”).

11.TERMO SUSPENSIVO. toda De modo que o art. 1.665 do Código


Civil, se aplica ao termo suspensivo, que escape à regra geral, quer dizer ao
art. 123, e às sucessões resolutivas, que se não possam interpretar, de
maneira alguma, como fideicomisso, usufruto, ou outra figura do direito
sucessório ou das coisas. Ainda assim, quando o testador disser “A será
meu herdeiro e receberá a casa da rua A com o termo resolutivo de entregá-
la a B no dia 23

de abril de 1982”, vale: porque a palavra herdeiro, ou será referente ao que


recebe além da casa, ou foi erro do testador, perfeitamente escusável, toda o
que deixa a A (casa da rua A) é legado, e não herança. O art. 1.665 não se
aplica aos legados. Mais. Sempre que se deixe ao testamenteiro a
incumbência de entregar a A no dia 13 de janeiro de 1983 a casa da rua A,
vale, porque é legado: a casa fica com o testamenteiro, até que se vença o
prazo de aquisição. Dar-se-á o mesmo se deixar 1/3 da herança a A, só lhe
cabendo a propriedade no dia 13 de janeiro de 1984: é legado. Outrossim,
se deixar a algum herdeiro a incumbência. Por onde se vê que o sistema da
lei se encarrega de roer, em todas as suas inadmissíveis conseqüências
literais, o art. 1.665.

12.TERMO RESOLUTIVO. toda No direito romano clássico, o legado não


podia ter termo final (B.

WINDSCHEID, Lehrbueh dos Pandelctenrecht, J, 93 ed., 610, nota 4;


Lehre vom der Voraussetzung, 150; F.

SCHrLIN, Uber Resoiutivbedingungen, 200). FR. VON SAVIGNY


(System, III, 219) admitia eficácia indireta (obrigacional) ; mas tal opinião
se chocaria com a L. 44, § 1, D., de obliga.tionibus et actionibus, 44, 7,
onde se tratam igualmente obrigações, e legados. Efeito do art. 1.665 do
Código Civil é fazer herdável, de regra, o que o herdeiro aceitou (cp. art.
1.585). Muitas vezes o disponente apõe termo,toda esse só se entende
quanto ao exercício, porque, inserto quanto ao direito „de herdeiro, é não
escrito. Salvo nas disposições fideicomissárias (arts. 1.665 e 1.728), em que
há hereditariedade prevista em lei.

13. REGRA JURÍDICA SOBRE ENCARGOS. toda O encargo não


suspende a aquisição, nem o exercício do direito, salvo toda diz o art. 128
do Código Civil toda quando expressamente imposto, no ato, como
condição suspensiva (fonte: Esboço de TERCEIRA DE FREITAS, art.
655). A suspensividade pode ser da aquisição e do exercício da coisa
(legatário, com encargo) ou só do exercício (legatário, ou herdeiro com
encargo), ou do direito de legatário: por força do art. 1.665 o termo inicial
do direito de herdeiro será tido por não escrito; mas aos legados não se
aplica o art. 1.665, nem às condições. O herdeiro que, quanto a uma coisa,
não lhe adquire à propriedade antes de cumprir o

“modus”, é legatário quanto a esse bem. Mas a quem passou a


propriedade? A construção jurídica será a seguinte: se há herdeiro legítimo,
toda com ele; se não há herdeiro legitimo, porém há outro herdeiro dos
remanescentes, toda com esse; se não há legítimo, nem herdeiro dos
remanescentes, toda e só o próprio suspenso quanto ao legado, toda ou será
o testamenteiro, ou ele mesmo, na qualidade de herdeiro, conforme resultar
dos termos da disposição testamentária. Não há gradação nas menções
feitas, tudo depende da vontade do testador e das circunstâncias da
disposição.

14.LIMITAÇÕES DE PODER. toda As limitações de poder ou cláusulas,


sejam a quo ou ad quem, não atingem o direito de herdeiro; por isso mesmo
nenhum efeito pode ter, quanto a elas, o art. 1.665 do Código Civil.

§ 5.721. Direito Intertemporal sobre disposições testamentárias

1.LEI NOVA E DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS toda Quanto a


influência da lei nova nas condições, o direito brasileiro considera
adquiridos toda para os efeitos de direito intertemporal toda os direitos cujo
começo de exercício tenha termo prefixo ou condição preestabelecida,
inalterável a arbítrio de outrem. Nas disposições de última vontade, a regra
é, pois, a aquisição. O que cumpre é não se confundir o efeito suspensivo
dos efeitos de um ato (direito) com a inaquisição do direito, ou mais de
cujos efeitos a condição suspende.

Simplificada, assim, a matéria, temos de considerar: a) os fenômenos de


impossibilidade; b) a sorte intertemporal do modus; e) as limitações de
poder ou cláusulas; d) a falsa demonstratio.

2.IMPOSSIBILIDADE COGNOSCITIVA. toda A impossibilidade de


ordem cognoscitiva toda o ininteligível, o sem sentido toda não deixa de
ser, nem se modifica, por se modificarem as leis. Se era, sê-lo a sempre.

Mas certo é que a mudança de lei pode suscitar questões de direito


intertemporal. Disso é exemplo a lei E que mande considerar não escrita a
parte cognoscitivamente impossível, ao contrário da lei A, que ordenava ter-
se toda a declaração por nenhuma. Outro exemplo: lei B, que ordene
pertencer a quantia, se esta se lê, à quota de que se dispôs e, assim, caber
aos herdeiros testamentários; contra a lei A, que submetia ao Código Civil,
art. 1.726

(herdeiros legítimos).

A lei aplicável é a do tempo da morte, no caso do primeiro exemplo. No


segundo, a questão é a de aplicação de regras interpretativas e dispositivas
(sobre elas, E. ECK, Vortrãge ilber des Recht des BGB., 32; E. I{AEICHT,
fie Einwirkung des 3GB., 743), que no lugar próprio se vão distinguir,
porque a lei do tempo da morte rege a essas, e apanha, em geral, todo o
direito imperativo e dispositivo concernente ao conteúdo do testamento.

3.IMPOSSIBILIDADE LÓGICA. toda A impossibilidade de ordem lógica


toda contradição toda obedece à lei do tempo da morte, quando se tenha de
resolver, e.g., se o juiz há de reputar não escrita a primeira ou a segunda, ou
reputar tudo não-escrito, ou preferir a que beneficie o herdeiro legitimo. Se
a lei da feitura salva uma das vertas, resta saber se a regra jurídica é
dispositiva, ou, toda o que envolve certo contra-senso, porque se supõe a
invencibilidade da contradição, toda interpretativa. No último caso, é
possível ter-se de recorrer à lei da feitura.

4.IMPOSSIBILIDADE FÍSICA. toda A impossibilidade física é regulada


pela lei da morte, toda porque é nesse momento, precisamente, que se lhe
verifica a existência. Pode ocorrer que a lei E considere nado-escrita a
condição, contra a lei A, que tinha por nenhuma toda a disposição. A
resposta depende da preliminar: é interpretativa a regra jurídica? Ora, a
afirmativa seria errônea. O art. 116, poderia ser imperativo ou dispositivo;
não, porém, regra jurídica de interpretação, que pudesse autorizar a lei da
feitura do testamento.

5.IMPOSSIBILIDADE MORAL E JURÍDICA. toda Quanto à moral, vale


o que antes se disse. ~,A lei pela qual se confere a impossibilidade jurídica
é a do dia da morte do decujo?

Se a lei antiga permite e a nova, a da morte, veda, toda é contra leg era: não
vale. Se a lei antiga veda e a nova, a da morte, permite, toda toilitur
qunestio: vale. O testador preveniu a impossibilidade pela consideração da
mudança das leis: a lei nova, que vede, é bem a prova da mutabilidade do
Direito, porque a antiga não vedava, ou porque, se a antiga também vedava,
outra lei se fêz. Desde que não seja imoral, vale como possivel.

Se é de crer que a lei antiga vedativa por modo tal entrava na declaração,
que nenhum intuito teve o testador de fazê-la válida, não vale. Se constituir
reserva mental, rege-se pelos princípios.

6.“MODUS”. toda A lei que rege o modus é a do dia morte (F.


EERZFELDER, von Staudingers Kommentar, 637).

A interpretação segue os seus princípios próprios.

7.RESTRIÇÕES DE PODER. toda Se ocorrer que a lei A tirava aos


testadores a faculdade de gravar de inalienabilidade, incomunicabilidade ou
impenhorabilidade as deixas, ou as legítimas (Código Civil, art. 1.723), e o
testamento, feito sob a vigência da lei E, contém tais determinações
restringentes de poder, toda só serão aplicáveis se o óbito se operou sob a
lei E, permissiva.

Aliás, se alei?B não veda, mas circunscreve, ou atenua, serão aplicáveis


segundo a lei E, se a morte foi já na vigência dessa (cp. E. ROSENBERG,
Die Enterbung in guter Absicht, 143; E. MAYER-R. REIS, Lehrbuch des
Familien und Erbrechts, II, 300).

~. Quid iuris, se mais larga, mais eficiente? Não encontramos tratada, pelos
escritores, a questão. A solução que se impõe toda morto o testador antes ou
depois da nova lei estendente ou fortalecente toda é só se atender à
legislação da feitura, porque essa foi conteúdo da vontade do testador. Não
assim: a) se estava prevista por ele a mudança; b) se pensava valesse ao
tempo em que fêz, sem valer, e a lei nova é permissiva.

Se o testador gravou por atos inter vivos, opera desde então e se impõe após
a morte. Os ascendentes ou descendentes (art. 1.723) não podem invocar a
lei vedativa do tempo da morte para invalidar ato que já se tornou perfeito
entre vivos.

5.728. TEMPO E DIREITO INTERTEMPORAL

8.“FALSA DEMONSTRATIO”. toda A. lei que rege os cânones falsa


demonstratio non nocet, ou nocet, e a possibilidade de se expressarem nas
disposições testamentárias os motivos (artigo 1.664), é a lei do dia da
morte.

Já vimos qual a que rege o erro, e qual a que rege a reserva mental, ou o
gracejo. Se a lei A era de tipo romano e a lei E considera prejudicado o
legado, cabem as mesmas considerações que noutro lugar fizemos: a lei
nova dá a sanção anulatória por erro. Mas a interpretação toda se o testador
quis que o motivo interviesse, ou não interviesse com efeitos toda tem de
reger-se pela lei do tempo da feitura; porque não é a sanção que importa, e
sim um dado de vontade. Conseqüência disso não se poder falar de falsa
demonstratio non noeet quando a lei da feitura considerava o motivo e a
demonstração com referência a cédula como razão determinante: foi regra
jurídica interpretativa, que ainda se aplica.
Inversamente, a lei nova não pode dar regras para interpretar como razão
determinante, o motivo só referido, contra a lei antiga, que postulava só ser
razão determinante o motivo que como tal se declarou (não bastaria a
referência).

§ 5.722. Direito internacional Privado

1.MUDANÇAS NO ESPAÇO. toda As questões que se estabeleceram com


as mudanças no Tempo também no Espaço surgem: e as soluções do Direito
Internacional Privado coincidem com as do Direito Intertemporal.

2.CONDIÇÕES E “MODUS”. toda Rege as condições a lei pessoal, porque


esta é a que rege a disposição. Assim, se outra lei tiver de regular o
disposto, a ela se subordinam as condições (e.g., lego em fideicomisso o
bem que tenho na Inglaterra e em sucessão sucessiva o que está situado na
Alemanha).

Se cabem resolutivas ou suspensivas à herança, diz a lei pessoal.

Como se devem tratar as impossibilidades, também lhe cabe decidir. Salvo:


se a questão é de interpretação da vontade, porque, então, poderá a do
domicílio, a do lugar, a da situação da coisa ser conteúdo da vontade.
Contudo, é outra questão.

A condição moral impossível (contra bonos mores) rege-se pela lei pessoal,
salvo as aplicações de ordem pública e bons costumes.

O modus segue a lei pessoal, a lei do conteúdo do testamento. Disposição,


como quaisquer outras.

3. RESTRIÇÕES DE PODER. toda Aqui, a lei somente poderia ser a da


própria disposição, toda a pessoal. Mas as restrições de poder ou cláusulas,
recaem em bens que podem ser situados fora da pátria do testador ou do
Estado que lhe dá a lei pessoal,. ou serem móveis regidos pela 1a parte do
art. 10 da Introdução. Por isto, a inalienabilidade, indivisibilidade e
impenhorabilidade ficam dependentes da lex rei sitae.
Não há choque, mas aplicação de dois princípios (E. FRANtoda
KENSTEIN, Internationales Privatrecht, II, 62, contra se tratar de estatuto
real, A. PILLET, Traité pratique de droit internatoda tional privé, II, 445).
O estatuto real resolve quanto à possibilidade, durabilidade e intensidade da
clausulação de direita das coisas; mas a obrigação de não alienar, o que
vale o modus, éstes não podem ser atingidos pelo estatuto real. (O Estado da
situação da coisa poderá, quando for o foro, considerar ilícita ou contra a
circulabilidade dos bens; mas isto é a questão de ordem pública, que atende
a outros princípios.)

§ 5.723. Tempo e direito intertemporal

1.CONFLITOS DE LEIS. toda O art. 1.665 do Código Civil ou. as regras


similares e as antagônicas criam, no Tempo e no Espaço, conflitos de lei.
Cumpre, pois, estudá-los.

2.“SEMERES, SEMPER HERES”, CONDIÇÕES E TERMOS Às


HERANÇAS. toda A lei que regula é a do tempo da morte. E essa lei
decide: a) da necessária aplicação da regra jurídica extraída dos textos
romanos, se constar do seu sistema; b) da possibilidade de se aporem
condições ou termos às heranças (H. HABIÇHT, Die Einwirkung des BGR.
auf zuvor entstandene Rechtsverhãltnisse, 732 5.; L. KUHLENBECR,
Einfúhrungsgesetz, J. v. Staudingers Kommentar, VI, 599 s.) ; o) do número
de pós-herdeiros, se permitida a instituição sucessiva; d) do fideicomisso.

Se ocorre que se extinga o fideicomisso e se regule a herança sucessiva


(como o direito francês e o alemão), deve-se salvar a verba de fideicomisso
inserta ao tempo da permissão. construindo-a, ao tempo da morte, como
sucessão sucessiva.

§ 5.724. Ainda o Direito Internacional Privado

1.CONFLITOS DE LEIS. toda Situações em conflito desenham-se no


Direito Internacional Privado: ora é a lei pessoal que proibe, seja a nacional,
seja a do domicílio, ora a da situação da coisa, ora a lex fori, ora a lex loci.
2.“SEMEL HERES, SEMPER HERES”, CONDIÇÕES E TERMOS
APOSTOS ÀS HERANÇAS. toda O que precipuamente importa é a
vontade do testador, mas ela é impotente para se impor a regras, como a do
art. 1.665 do Código Civil, que lhe manda riscar termos, ou outras, ainda
mais vivamente aferradas ao romanismo do senteI heres, semper heres. São
limites, postos pela lei, ao princípio do livre querer do testador. Variam êles,
conforme os povos. Fideicomissos tem a Inglaterra; a França não os tem. O
sistema jurídico brasileiro só admite uma instituição fiduciária e uma
fideicomissária, a que se chamou, ex argumento, fideicomisso do 1.0 grau
(art. 1.789).

A lei que regula toda ~ matéria do art. 1.665, similares, ou antagônicas, é a


lei pessoal. Aqui, surge a questão de outro estatuto, o real, quando se trata
de substituição fideicomissária que a lex sitde proiba (E.
FRANKENSTEIN, Internationa.leS Frivatrecht, II, 62). Mas o assunto
pertence aos arts. 1.733-1.740. Quase sempre são reais as aplicações.
(Contra, A. PILLET, TraiU pratique de Droit international privá, II, 445).
A invocação da ordem pública raramente é necessária: e.g., se está em
causa a unidade do bem.

§ 5.725. Interpretação das verbas testamentárias

1.FUNÇÃO DO JUIZ. toda A interpretação das verbas testamentárias toda


com o intuito de salvar, o mais possível, a vontade do testador toda é o
nôbile offícium do Juiz dos Testamentos.

Encher os vazios; remediar os defeitos (Seufferts Árchiv, 60, n. 98, 191 s.);
investigar a verdadeira vontade; suprir na sentido da vontade do testador;
penetrar em suas intenções, para ver, lá dentro, o que no testamento o
disponente quis. Nada de agarrar-se às palavras, como que a castigar o
testador pelo que disse mal. No fundo da sua consciência, ele deve ter
sempre a palavra de comando: Salve, se possível, a verba: A missão não é
fácil, porque joga com toda a linguagem ?humana, cheia de imperfeições,
máxime nos iletrados, ou, pior, nos de meia-ciência, e com quase todas as
figuras ou categorias do mundo jurídico.
2.DUAS REGRAS FUNDAMENTAIS. toda Duas regras principais contém
o Código Civil: a) uma, relativa aos atos jurídicos em geral: “Nas
declarações de vontade se atenderá mais .à sua intenção que ao sentido
literal da linguagem” (art. 85); b) outra só referente aos testamentos, que é a
do ad. 1.666.

São idêntica?? Não. A primeira vai direto ao conteúdo do querer, para


revelá-lo: espana as dúvidas, varre todas as razões de duvidar, e impõe a
solução mais próxima do querer; a segunda supõe a perplexidade do
intérprete, duvidoso diante dos caminhos diferentes, que pode tomar. A lei
lhe diz, neste artigo, qual o que deve seguir.

3.CONSEQÜÊNCIAS DA UNILATERALIDADE DAS


DISPOSIÇÕES.todaA unilateralidade nos testamentos e codicilos é mais
perfeita do que nos negócios jurídicos de ordem contratual, nos quais só a
prestação é que é unilateral, e outros figurantes todaativos ou não toda
participam do ato. Tais as doações, as estipulações em favor de terceiro.
Nos testamentos e codicilos, a unilateralidade é imediata (E. R. BIERLING,
JuristMche Prin2ipienlehre, II, 202). Daí o valor subordinotivo das
disposições de última vontade. Daí, também, outras conseqüências
distintivas.

4.ELIMINAÇÕES E DISTINÇÕES PR VIAS. toda A palavra in


terpretação, aplicável, em Direito, às leis e aos atos jurídicos, teve, por
consequencia, lamentável confusão entre as regras, que se haviam de seguir
no entendimento das regras jurídicas, e as que disciplinariam a inteligência
dos negócios. Os critérios são assaz diferentes.

Outra lamentável extensão toda e às vezes confusão toda foi a que derivou
da própria palavra “testamento”: como se tratasse de verbas testamentárias
(negócios jurídicos), não faltou quem recorresse aos princípios
interpretativos concernentes às formas testamentárias (aplicações de regras
legais), ou a essas aplicasse regras de favor que não concerniam ao
testamento, e sim aos negócios jurídicos nele contidos. Diariamente,
observam os juizes esses baralhamentos; às vezes, frutos de consciência;
outros vezes, proposítais. Fácil será imaginar-se o número de injustiças que
disso resulta.

Menos graves, porém não sem conseqüências condenáveis são as derivadas


da falta de perfeita interpretação do Código Civil, art. 1.666, por sua vez
regra jurídica interpretativa. O conteúdo dessa regra jurídica é assaz rico.

Teremos o enseja de ver que se trata do coração do direito testamentário.

Porém, antes, cumpre proceder a cada uma das eliminações e distinções a


que acima nos referimos: a) não se confunda interpretação das leis com
interpretação dos atos juridicos; b) tão-pouco, interpretação das regras
jurídicas sobre leis testamentárias com interpretação do conteúdo dos
testamentos; c) não se equiparem as verbas testamentárias às outras
declarações de vontade.

5.INTERPRETAÇÃO DAS LEIS E INTERPRETAÇÃO DOS


TESTAMENTOS. toda Na interpretação das leis, deseja-se e pesquisa-se a
regra jurídica, que venha dar diretriz e solução a certas relações
examinadas: pode haver e pode não haver texto e todaquando haja toda ele
mesmo vale segundo o justo cabimento da sua aplicação. É

iniciativa, não obra final. Na interpretação dos atos jurídicos,


particularmente dos testamentos, o que se vai colher é uma vontade, que,
bem ou mal, se exprimiu no escrito, ou, extraordinariamente, por
intermédio de outras pessoas (Código Civil, art. 1.663). Por isso, a
interpretação dos testamentos sempre pressupõe uma “vontade” declarada
em testamento. Ora, nas leis, a suposição de “vontade” é critério, que se
deve recusar. O mesmo voluntarismo que tantas. vezes combatemos e
constitui vício dos intérpretes das leis, refugado nos meios cultos, esse erro
que repetidamente profligamos (nossos livros: Sistema, 1, 459-478, li, 264,
266, 448, 500 e 389; Introdução à Sociologia Geral, 213 5.; Política
Cientifica, n. 163; Fontes e Evolução, 140 s.>, principalmente no escrito
Sub jektívismus und Voluntarismus im Recht, inserto no Vel. XVI do Árchiv
liii- Rechts- und Wirtschaftsphilosophie, fundado por JOSEF ROULER e
FRITz BEHOLZHEIMER (volume em honra de ERNST ZITELMANN),
esse mesmo voluntarismo que, ali, não se compreende, aqui, constitui o
único intuito, o único critério interpretativo.

Nas suas performas históricas, foi o testamento algo de lei especial, lex
privata. A aprovação pública, como lei, bem o mostra. A lei de 25 de junho
de 1766, pr., ainda o disse ato sério e legislativo. Mas, depois que se fêz
instituto autônomo, inconfundível, deve tratar-se tão-somente como ato
jurídico e sujeito às regras de interpretação deles, e não das leis. Nunca é
demais insistir-se na essencial diferença entre uma e outra. Graves são as
conseqüências da confusão.

6.FORMAS TESTAMENTÁRIAS E CONTEÚDO DOS TESTAMENTOS.


toda O art. 1.666 do Código Civil não incide quanto às formas
testamentárias. Só se refere ao conteúdo dos testamentos. A observância das
solenidades é ius cogens toda interpretável, aliás, como toda lei toda porém
não suscetível de nele dispensar o testador, nem o juiz, quando conhece da
infração. Onde quer que se sancione o favor da vontade (art. 1.666), como
no Código Civil alemão, § 2.084, a regra só se refere ao conteúdo, e não às
formas solenes (W. MANTEY, Das Erforderniss richtiger Datierung eines
holographischen Testaments, em Gruchots Beitrãge, 48, 642). É um favor
voluntária.

7.DIFERENÇA ENTRE A INTERPRETAÇÃO DOS TESTAMENTOS E


DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS DE

INTERCÂMBIO. toda Nas relações entre contraentes, as palavras valem


pelo que significam no uso comum.

Porém, nos testamentos, o sentido que devem ter é o usual do testador. Se à


“adega” chamava “biblioteca” e deixou a “biblioteca” a F, o herdeiro ou
legatário receberá a “adega” (E. RITGEN, G. PLANCK, Búrgerliches
Gesetzbuch, V, 838). Pode falar em “legar” e deve entender-se “instituir
herdeiro”, porque é de uso dizer-se “legar” o deixar em testamento (E.
DANZ, Die Auslegung der Rechtsgeschíif te, 230).

Nos negócios do comércio jurídico, as “circunstâncias do caso” tomam-se


em consideração sempre que notórias para o outro figurante. Assim o exige
a segurança jurídica. Porém, nas disposições de última vontade, é nenhum
esse papel da segurança de direito, pois que o beneficiado, em vida, nada
tem que exigir, e poderia o testador mudar, livremente, de disposição. O que
se lhe há de procurar é a intenção real, que um só empecilho pode
encontrar: a regra proibitiva da lei, como o art. 1. 789 (E. STROHAL, Das
deutsche Erbrecht, 1, 298, nota 8). Donde: a) por se não tratar de negócios
jurídicos de comércio (VerkelvrsgescMf te) ou de intercâmbio, pode ser
atendido o erro nos motivos (ERICE DANZ, Die Auslegung der
Rechtsgesch.ãfte, 231; EMIL STROHAL, Das deutsch.e Erbrech,t, 1, 299),
art. 1.670; b) dever-se ter em conta a manifestação do de cujus acerca do
sentido da declaração de vontade, ainda que à terceira pessoa, alheia à
herança (ERICH DANz, Die Auslegung der Rechtsgeschíif te, 231).

8. REGRA GERAL DO CÓDIGO CIVIL, ART. 85. toda A regra primeira


está no Código Civil, art. 85: “Nas declarações de vontade se atenderá mais
à sua intenção que ao sentido literal da linguagem”. Deve-se procurar o
intuito do testador, porque este, mais do que tudo, esclarecerá. Porém há de
ser evitado o sentido absolutamente contrário às palavras, porque, então,
poderá dar-se o erro. Por conseguinte, a anulabilidade (E. HERZEELDER,
Erbrecht, 3‟. von Staudingers Kúmmentar, V, 457).

9. Disposição CLARA. toda Se não é obscura, nem ambígua, nem lacunosa,


a cláusula, diz-se, não cabe interpretá-

la (E. MEISCREIDER, Die letztwilligen Verfiigungen nach. dem BOR., Só;


F. HELZFELDER, Erbrecht, 3‟. von Staudingers Kommentar,

nem procurar dar-lhe maior alcance e melhor aplicação; e nisto consiste


uma grande diferença entre a interpretação das leis e a dos atos jurídicos,
que a incidência sói confundir. Mas, ainda em testamento claris verbis,
pode aparecer a necessidade de dar-lhe a categoria ou outra circunstância.

Certa vez, ANDREAS VON TUMR dehniu testador como a pessoa que “os
juristas ordinariamente contrariam”. E

não só o jurista: as gentes do foro, os práticos, os interessados, todo o


mundo. Daí dificilmente, pela afluência de todos esses elementos
conturbadores, que tecem em torno das verbas, o mais espesso labirinto,
poder ser obra conscienciosa, só do juiz, a interpretação e classificação das
verbas testamentárias. Ora, diante da cláusula, deve ele primeiro atender ao
que lá se diz, se claramente foi dito, e só após a evidência de que algo
escapou à expressão é que deverá, segundo o art. 85, buscar a intenção, que
lhe dê o verdadeiro conteúdo da declaração testamentária. Os dados
exteriores poderão auxiliar. Auxiliar, e nada mais.

10.INTERPRETAÇÃO FILOLÓGICA. toda Deve evitar-se interpretação


estreitamente filológica. Nos testamentos, há fins econômicos, há fins
morais, há precauções de ordem doméstica: se está claro o que pretendeu o
testador, nada temos a alterar, toda assim o quis, e o regime vigente
permite-lhe dispor do que é seu, nos limites da lei, do razoável e da moral.
Se não está claro, procure-se o que mais servirá àqueles fins econômicos ou
morais, àquelas precauções. Se estas e aquele não ressaltam, adote-se a
solução que maior eficácia e utilidade reconhece à cláusula escrita.

O que se deve procurar é o que ele quis dizer, ainda que as palavras
empregadas não o digam bem. Às vezes, por exemplo, enumerando os
legatários, porá o mesmo nome em duas séries. Já se discutiu isto (H.
PEISER, Fúr und Wider, Das Recht, VI, 609) . Quis o testador que a cada
número (1, 2, 3...) correspondesse uma quota (1, 2, 3...).

Decidiu-se que tal deve ser a interpretação, quando outra não caiba. “Deixo
os sete prédios 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 para os meus seis sobrinhos”. Será o
conjunto para todos: cada um receberá um sétimo dos sete prédios, ou a
sétima parte do produto da venda deles.

11.DECLARAÇõES DE VONTADE, E NÃO INTENÇÕES INTERNAS.


toda As interpretações de atos jurídicos têm por objeto declaração de
vontade, e não intenções internas: se a vontade declarada e a forma literal se
contradizem, prevalece aquela.

Deve atender-se, disse o Assento de 5 de abril de 1770, ao que o testador


completou, e não ao que teve tenção, ou principiou a testar. Não quer isso
dizer que se prefira a interpretação literal e se sacrifique a vontade do
testador.

Tratava-se, na espécie, de testamento que exprimia o querer do disponente,


mas a que faltavam formalidades exigidas pela Lei de 25 de junho de 1766
aos testamentos in seriptis.

A intenção, que se busca, de que se inquire e que, sutil-mente, se pode


colher, é a que, bem ou mal, se exprimiu no testamento, ainda que
tacitamente; não, porém, a que se sabe ter sido a do testador, antes, por
ocasião ou depois do testamento. As circunstâncias, os papéis, os
depoimentos podem ser úteis à interpretação; porém nunca terão, por si sós,
qualquer valor. A revogação de cláusulas testamentárias, por exemplo, só se
pode operar de acordo com os arts.

1.746-1.749. Não vale a prova de que o quis revogar; mas vale a de ter
deixado de inutilizá-lo, coagido por outrem ou sob ameaças, porque então
~e anulável, como se daria por ocasião da feitura dele (c.g., dolo, coação).

A diferença, a que aludimos, não deve ser exagerada, a ponto de se tornar a


teoria mítica de que trata Eiucn DANZ.

As circunstâncias dos casos primam, e a vontade dos contraentes pode ser


diferente do que se declarou. A vontade, que se busca, não é a que
efetivamente seria a do declarante, mas a que a declaração permite crer que
fosse, dita a vontade real. A intenção, a que se refere o art. 85, não é a
interna, mais ou menos secreta, que tanto interessou ao Juiz criminal do
direito penal clássico (intenção fraudatória, intuito de matar, de apropriar-
se). Trata-se de fixar e mostrar a vontade manifestada no contrato, ou na
declaração unilateral (títulos ao portador, promessa de recompensa,
testamentos, declarações unilaterais para depois da morte).

12.REGRA ESPECIAL DO DIREITO TESTAMENTÁRIO. toda Os


efeitos das declarações, dos negócios jurídicos, determinam-se pelo
conteúdo da vontade, que se declarou. Daí o papel, teórica e praticamente
relevante, da interpretação. ~ um tornar visível. patente, o que se quis, e do
que se quis se irradiam os efeitos. As expressões, a linguagem, os meios
usados, vêm em primeira plana; mas cedem desde que, sob eles, transpareça
a vontade. Nas declarações de última vontade toda em que, por definição,
pois que não temos contrato de herança, a vontade do testador ~é só toda se
discordam terminologia comum e terminologia pessoal ao declarante, vence
essa, e a essa é que se atende.

Já os romanos punham em regra: “In testamentis plenius voluntates


testantium interpretantur (L. 12, 111., de diversis regulis iuris antiqui, 50,
17). fl uma das conseqüências da unilateralidade imediata, a que nos
referimos.

Nos nossos tempos, as leis não trataram do mesmo modo, tecnicamente,


esse dado apreciável da natureza das coisas, das relações.

13.INTERPRETAÇÃO DOS TESTAMENTOS NO DIREITO ROMANO.


todaJá os juristas romanos queriam que, em primeira linha,viesse a
consuetudo (lo quendi) testatoris, depois, o uso geral, cotidiana loquendi
consuetudo (, Soziologische Rechtsanwendung im rõmischen Recht, Archiv
fir Burgerliches Recht, 38, 232). Cons-uetudo boi, regionis, civitatis. Mas a
casuística do Digesto é perturbante, e bem se justifica a acusação pilhérica
de ERNST

FUCHS (fie GemeinscMdlichkeit der Konstruktiven .Jurisprudenz, 261 s.,


265) : “escolásticas partilhas de cabelos e talmúdicas sofisticárias” (die
scholastischen Haarspaltereien und talmudistischen Sophistereien).

No direito romano, devia a instituição fazer-se em palavras diretas,


imperativas, e em língua latina. Ao tempo de TJLPIANO, permitem-se
formas elípticas (L. 1, ~§ 5-7, D., de heredibus instituendis, 28, 5), mas
reprovavam-se as que não eram diretas e imperativas (GAIO, II, 117;
ULPIANO, Reg., XXI). Não se tinha o mesmo rigor para os codicilos. Sob
Constantino, no ano 339, é que se atende à voluntas testantium e se
desprega do formalismo o espírito jurídico.

Em matéria de interpretação testamentária, a história do direito romano não


conseguiu regra jurídica fixa, concreta, que constituísse solução técnica do
problema que temos diante de nós: a regra jurídica interpretativa especial
aos testamentos. Acentuou diferenças, proclamou a precipua significação da
vontade do testador. Contudo, não chegou a cristalizações: a teoria
interpretativa, quando abstrainnos da perturbante casuistica a que nos
referimos, não é formulável estàticamente, toda é algo de dinâmico, algo de
vir a ser, regra jurídica in fieri. Mas, cronologicamente, observa-se a linha
de uma evolução:

Omnimodo testatorum voluntatibus prospicientes (L. 30, pr., C., de


inofficioso testamento, 3, 28) : sempre vigilantes pelas vontades dos
testadores.

In omnibus etenim testatoris voluntatem, quae legitima est dominari


censemus (L. 23, § 2 a, C., de legatis, 6, 37) em todos os casos queremos
que prevaleça a vontade do testador, que é legítima.

Quia semper per vestigia voluntatis sequimur testatorum (L. 5, § 1 a, C., de


necessarii.s et servis heredibus instituendis vel substituendis, 6, 27>.

Cum frequentissimas leges posuimus testatorum voluntates adjuvantes (L.


4, § 1, C., de postumis h,eredibus instituendis rol exkeredandis vel
praeteritis, 6, 29).

Novela 1, de heredis et Falcidia, caput 2: Sancimus igiturs quoniam tuenda


nobis ubique est deficientium voluntas (assim, mandamos, porque, em
todos os casos, há de ser defendida por nós a vontade dos que falecem).

Novela XXII, caput 44, 9: ... tunc enim sequenda est de functi voluntas.
Studii enim nostri est defunctorum conservare secundum legem voluntates.
(...pois que Se há de seguir a vontade do defunto. Porque é nosso empenho
conservar as vontades dos defuntos, ajustadas às leis.

Novela XXII, caput 46, 1: qula ubique custodire morientium volumus


voluntates (porque queremos, em todas as partes, guardar as vontades dos
que morrem).

Novela XLVIII, praef.: Semper hanc unam habemus intentionem


dispositiones morientium esse firmas, nisi resultent legi et aperte contrariae
sint his quae 11h placent. (Sempre uma só intenção tivemos, a de que sejam
firmes as disposições dos que falecem, se não se opõem à lei, ou não são
abertamente contrárias ao que ela há por bem.) Novela LXXIII, caput 9: in
ipsis testamentis, quibus maxime studemus, iam a nobis sancitum est.

14.DIREITO ANTERIOR. toda Esporadicamente, o direito anterior recorria


a regras jurídicas romanas de épocas diferentes, ora favor testamenti, ora
voluntas testantium, ora favor voluntatis puro, toda e nos atos jurídicos em
geral a concepção dominante cabia nos textos das L. 67, 96, 12, D., de
diversis regulis juris antiqui, 50, 17; L. 80, 219, D., de verborunt
signifiratione, 50, 16, e Preussisches Alígemeines Landrech,t, 1, 12, §§ 71,
66, 67 e 73. (O Código da Prússia e o Código Civil francês foram as leis
estrangeiras que mais influíram no direito luso-brasileiro, posterior às
ordenações.)

Nos comentários de AGOSTINHO DE BEM FERREIRA à L. 12, D., de


diversis regulis juris antiqui, 50, 17, tem-se uma noção de como se acolhera
em Portugal o direito interpretativo romano em matéria de testamento (7-
10).

As vontades dos testadores devem interpretar-se mais largamente, e não por


modo estrito; na dúvida, deve-se estar pelo testamento.

Importa ao público que os testamentos se sustentem (AGOSTINHO DE


BEM FERREIRA, Comentário ao Tit.

Digestis de regulis juris, 7; ÂLVARO VALASCO, Constatiomum et


Decisionum, ac rerum judicatarum, 436).

Se fizer instituição ou deixar legado com alguma condição impossível,


torpe, ridícula, ou contra os bons costumes, rejeita-se como se não fora
escrita, e o testamento se sustenta (AGOSTINHO DE BEM FERREIRA,
Comentário ao Tit. Digestis dc regulis iuris, 8; FRANCISCO PINHEIRO,
Traetatus de Testamentis, d. 3, 8, § 2, n. 169), toda proposições que, em
parte, hoje não cabem no direito brasileiro, conforme se viu.
15. SOLUÇÕES CONFUSAS. toda Vimos que o direito romano evolveu da
interpretação típica, fundada nas expressões este toda esteriotipadas do
testamento (HEINRICH DERNBURG, Pandekten, III, § 78, 148), para a
interpretação individual, pesquisaste do real querer, expresso, do testador.
Sensível, desde o fim da República aos tempos imperiais. (Na causa
Curiana, percebe-se o choque, cp. CICERO, Brutus, c. 52, §§ 195, 198.)
Tanto o direito romano quanto o comum, o mais que conseguem é a
sugestão da benignidade (HEINRICH

DERNBURG, Partdekten, III, 149, nota 10, no n. 2 do § 78, todo excluído


na 8ª ed.).

Aos legisladores portugueses, espanhóis, mexicanos e argentinos deparou-


se o problema. Mas todos fracassaram.

O velho Código Civil português, art. 1.761, estatuía: “Em caso de dúvida
sobre a interpretação da disposição testamentária, observar-se-á o que
parecer mais ajustado com a intenção do testador, conforme o contexto do
testamento”. Ora, essa regra jurídica interpretativa, em vez de servir, de
serve às verbas testamentárias. É fruto daquela confusão entre forma
testamentária e conteúdo do testamento, que profligamos. Concebida como
foi, retrogradou: alguns interpretaram que excluía qualquer prova não
derivada do contexto material do testamento (interpretação estereotípica da
República romana) ; outros, qualquer esclarecimento exterior; outros, só
admitiam a exceção da dúvida sobre a pessoa do legatário (antigo Código
Civil português, artes. 1.741 e 1.887).

No nôvo Código Civil português (1966), art. 2.188, diz-se: “1. Na


interpretação das disposições testamentárias observar-se-a o que parecer
mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do
testamento. 2. É

admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do


testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda
que imperfeitamente expressa”.
O legislador no Código Civil espanhol, art. 675, não vacilou em ordenar
critério literalista: “Toda disposición testamentaria deberá entender-se en ei
sentido literal de sus palabras, á no ser que aparezca claramente que fué otra
la voluntad dei testador. En caso de duda se observará lo que parezca más
conforme à la intención del testador según el tenor del mismo testamento”.
Cp. Código Civil mexicano, art. 3.247. O argentino, assaz vago, art. 3.619,
1la parte:

“Las disposiciones testamentarias deben ser la expresión directa de la


voluntad del testador”.

16.PROBLEMA TECNICO E A PRAXE. toda Nas interpretações, a praxe


aplicava, sem formular de modo preciso, tal regra jurídica revelada e útil.
Mas esse mesmo era o problema legislativo: escrever a regra jurídica. Ela
aparece no 1 Projeto alemão, § 1.778 (II Projeto, § 1.957) e daí passou ao
Código Civil alemão, § 2.084. Através do Projeto revisto, art. 2.026, ao
Código Civil brasileiro.

Donde duas formas definitivas: a) A do Código Civil alemão, § 2.084:


“Lãsst der Inhalt uiner letztwilligen Verfiigung verschiedene Auslegungen
zu, 80 ist im Zweifel diejenige Auslegung vorzuzichen, bei welcher die
Verftigung Erfolg haben kann”. Quer dizer: Permitindo o conteúdo d.e uma
disposição de última vontade diferentes interpretações, é de preferir-se, na
dúvida, aquela interpretação pela qual possa ter resultado a disposição.

b) A do Código Civil brasileiro, art. 1.666, que manda prevalecer “a que


melhor assegure a observância da vontade do testador”.

Nem uma nem outra é perfeita. Porém a brasileira é mais imperfeita. Isso,
aliás, não lhes tira o valor histórico de fixação.

17.PREFERIBILIDADE DA REGRA JURÍDICA ALEMÃ. toda no

texto germânico, em vez de se falar interpretação da em que mais se


assegure a vontade do testador, toda acolheu-se o critério objetivo da
plurissignificação da verba (Mehrdeutigkeit der T/erfilgung), ao passo que o
texto brasileiro mandou preferir a que mais atenda à observância da vontade
do testador. Ora, para se saber qual a interpretação que mais atende a
observância da vontade do testador, seria de mister conhecer a vontade do
testador. Se há mais de uma interpretação, é porque udo se conhece, inteira
e suficientemente, essa vontade. Com a forma que lhe deu o Projeto revisto,
e lhe dá, afinal, O Código, é supérfluo o art. 1.666: já no-lo disse o art. 85.
Porém. só se trata de má tradução. Devemos dar ao art. 1.666 entendi-.
mento útil: dada a plurissignificação da verba, buscar a objetiva apreciação
da melhor e mais real consequência da disposição; procurar o que
objetivamente é melhor, mais eficaz, e essa eficácia não será só a
econômica, e sim, por igual, a jurídica, a prática.

A interpretação subjetivista do art. 1.666 seria desaconselhável, porque


absurda: a pesquisa da vontade, ex hypothesi, fracassara, toda o que se quer,
dado esse mesmo fracasso, é uni. critério de ordem selet iva,
necessàriamente objetivo.

“Assegure a observância da vontade do testador” deve ser lido como


“assegure eficácia, bom resultado, à disposição testamentária”. Vale dizer:
firmar a interpretação, mediante a qual valha o que o testador dispôs.

18.PREFERIBILIDADE DA REGRA JURÍDICA BRASILEIRA. Toda a


plurissignificação da verba toda e, pois, a dúvida toda pode também se dar a
existência de mais de uma interpretação eficaz. Nesse ponto, o “melhor” do
art.

1.666 constitui trouvaille. Mas, para aproveitá-lo, fora preciso corrigir-se o


resto, de modo que melhor fosse, objetivamente, a que fosse mais eficaz.
Veremos o valor prático dessas sutilezas de técnica legislativa. Dar-nos-á
conta disso o comentário à regra jurídica brasileira..

19.REGRAS DA INTERPRETAÇÃO DAS VONTADES ULTIMAS. toda.


a) Diz o Código Civil, art. 1.666:

“Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes,


prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador”.
O‟ que há de vir em primeira plana é a vontade, o que, no testamento, quis
o testador, e não as palavras: essa regra jurídica, que é a do art. 1.666, nele
implícita, e explícita no art. 85, não esgota todo o conteúdo do art. 1.666.
Esse diz mais que o art. 85: quer que, na dúvida, se prefira a solução que
mais

“assegure a observância da vontade do testador”. b)Assim, na dúvida, há de


entender..se que o testador quis o juridicamente possível, e não o
juridicamente impossível, que lhe tornaria ineficaz toda a disposição. Mais:
que ordenou o lícito, e não o ilícito, se cabe duvidasse do que ele quis.
Além disso, que subordinou o querer a condição fisicamente possível, e não
a impossível, que seria inexistente. Sempre que a dúvida dê ensejo a
entendimentos diferentes, e um deles dei eficácia, „mais completa eficácia,
ou mais plenamente serve à observância do querer, esse se há de ter por
mais acertado. É um dos favores do direito testamentário.

c)Deve abster-se o intérprete de interpretação que esteja em contradição


com as palavras: contudo, se a contradição é inevitável, e o sentido se
impõe toda a voluntas tústatoris será respeitada. Certo, com as palavras do
texto é que se sabe qual a vontade última de alguém, mas a contradição
parcial pode coexistir com a invocação do principio de que só há vontade
testamentária ex testamento Elementos externos não podem compo-la ; se
bem que possam auxiliar a revelação do verdadeiro sentido.

d)Se a verba testamentária é clara, só suscetível de um entendimento (não


só clara: clara e de uma só significação, Mar und unzweideutig, feriu o
ponto E. HERZFELDER, J. v. Staudingers .Tlommentarr V, 454) e sem
obstáculos jurídicos, que suscitem dúvida na execução, não cabe
interpretar-se. Certo, se é clara, não cabe a exegese (in claris cessat
interpretatio, regra jurídica formulado para a interpretação das leis, e só
aplicável aos atos jurídicos, porque as leis claras se interpretam), e nenhum
ensejo se teria, no tocante aos dizeres, de interpretar. Porém sem o
absolutismo da proposição de E. MEIsCHEWER (Die letzwilligen
V‟erfUgungen, 85); porquanto pode, também a verba testamentária, ser
clara e ter de ser interpretada para o efeito de salvar-se, segundo o art.
1.666, se, por exemplo, a despeito da clareza, a deixa pode ter mais de uma
figura jurídica.
e)Se há inexatidões, que se possam corrigir, corrigem-se: é o campo da
escusabilidade do erro, nos testamentos.

Aqui, não é questão de interpretar, mas de restaurar a verdade, com a


predominância do querer sob a forma acidental inadequada e errônea (E.
HERZFELDER, J. v. Staudingers Kommentar, V. 843

455). Poderá ocorrer que a mesma verba precise de ser interrretada e


restaurada.

1)Nas declarações de última vontade, o papel da interpretação é maior do


que nos atos entre vivos. Está na natureza das coisas, porque, havendo,
como há, o lapso entre a feitura do texto interpretável e os efeitos <Mie
(morte do de Guina), há elementos que mudam, quer a respeito do objeto
das heranças e legados, quer do número e condições de vida dos
beneficiados. A lei dá algumas regras jurídicas, e.g., arts. 1.678, 1.680-
1.686. Mas hei outros casos, além desses, não consignados em regras
legais de interpreta$o. Mudanças de situações econômicas e murais podem
influir.

g)Se forem dois ou mais os testamentos, a regra é tratarem-se como um só,


salvo onde se infirmou a disposição do anterior. Procura-se a vontade do
testador. A parte infirmada pode ser utilizada na interpretação do primeiro
testamento, porque foi parte dele. Aliás, um testamento revogado, ou
inflinado em todas as disposições, pode ser útil na interpretação de
testamentos posteriores. Razão essa, que muito pesa, para os membros da
família do morto, ou os guardadores dos seus papéis, apresentarem, com o
testamento, os outros papéis testamentários (ainda revogados), que estejam
em seu poder.

h)Testamento, nulo por falta de solenidade, anterior ou p osterior ao válido,


pode ser invocado para a interpretação das cláusulas desse. Mas, se bem
que feito sob forma de testamento, o auxílio, que prestar, não será melhor
do que o que prestaria qualquer manuscrito ou documento firmado pelo
testador, do que, por exemplo, um diário ou as memórias do desponte. Tudo
isso é conseqüência de não ser estereotípica a interpretação hodierna do
testamento.

20.DECLARAÇÕES T.4 CITAS DE VONTADE. toda A vontade do


testador exprime-se por si, ou com o auxilio da lei; e interpreia-se com os
seus termos e com os meios comuns de interpretação dos atos jurídicos.
Não se lhe exigem fórmulas fixas, nem termos técnicos, nem determinadas
expressões. Pode haver, nos testamentos, declarações tácitas de vontade (E.
MEISCREIDER, Die letztwilligen Verfitgungen, 81).

O testamento é, por si, inteligível, ou poderá, com elementos pessoais do


testador (manuscritos, diário, notas, contratos), ou pela interpretação,
tornar-se inteligível. A reserva mental toda isto é, o fato de ter o testador
feito a reserva de não querer o declarado toda não faz nulo o testamento, ou
a disposição; o que se poderá alegar é a anulabilidade por violência, erro, ou
coação. Porém isto já exige outra prova.

§ 5.726. Circunstâncias na interpretação das verbas

1.APRECIAÇÃO JUDICIAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS. toda Nos atos da


vida de negócios, quer bilaterais, quer unilaterais, as “circunstâncias do
caso” em regra não se atendem. O juiz somente busca conhecê-las, e só as
toma em consideração, quando foram notórias para outro figurante, ou, de
certo modo, transparecem no ato. É regra de boa fé, de segurança jurídica,
que toda a despeito do Código Civil, art. 85 toda tem de intervir nos atos
entre vivos.

Não cabe nos testamentos. Donde dizer-se: a anulação por erro tem mais
ampla aplicação nas disposições de última vontade (EMIL STROHAL, Das
deutgche Erbrecht, 1, 299). Por isso mesmo, procura-se, com mais afinco,
como a descer aos motivos, a real intenção do declarante. Nelas, não há o
interesse de outrem, que se tenha de resguardar.

Tudo está na intenção do disponente, senhor do seu querer.

O juiz deve apanhar o fim econômico da disposição. As palavras, segundo


as circunstâncias, podem ter significação diferente. Os dizeres hão de ler
entendidos dentro dessas circunstancia, mergulhados na ambiência, na
situação moral> afetiva, material, em que o testador os empregou. Aqui, os
escritores e a jurisprudência dividem-se: a) é preciso que a vontade esteja
no testamento, expressa, para que se interprete. b) Bastam sinais in
testamento da existência da vontade. A última é que é a verdadeira. Não se
cria a vontade do testador. Mas, com o dado, que está no testamento, se
recompõe o pensado por ele e mal expresso ali.

Lacuna e falta, são coisas diferentes. Preencher e fazer, criar, não se


confundem. O grossolano que diz: “Tudo que deixo é de meus filhos e de
minha mulher”, pode ter querido apenas declarar “minha mulher é
comuneira pelo regime de casamento, e meus filhos herdam a parte
disponível”. “Deixo 10 a A, 10 a B, 10”, sem dizer a quem, e o testador tem
três filhos, é a C, terceiro filho, que deixa, porque o dado volitivo, para essa
interpretação, está no começo das disposições. Há. lacuna, porém com o
sinal, que a enumeração nos dá: cumpre preencher. Para se pôr ao vivo o
valor das circunstâncias> basta admitir-se que o testador tivesse dito antes:
“são meus herdeiros A, B, e o filho de C”; e adiante, como legados,
dispusesse: “deixo 10 a A, 10 a B, 10‟ Sabendo-se estava de relações
cortadas com C, o filho de C é o legatário. O dado está na instituição de
herdeiros e nas circunstâncias. As circunstâncias, que se hão de considerar
na interpretação, podem ser as objetivas e as subjetivas. Os testadores
rudes, incultos, são exemplo, não raras vezes se tratará disso.

Os textos jurídicos são, não raro, empregados pelos testadores com


impropriedade.

O testador disse que podia dispor dos seus bens e o faz “da seguinte forma”.
Seguem-se a essas duas proposições dois pontos. O testador poderia, então,
declarar que deixava todos os seus bens, e.g., às suas irmãs, em partes
iguais, ou àquela que lhe sobrevivesse, “sem condições de espécie alguma”,
isto é, sem termos, condições, gravames, clausulações ou limitações de
poder, ou modus, porque tudo isso está na expressão “condições”, com que
o testador quis, em sua linguagem sem técnica, referir-se à disposição pura
e simples da propriedade e da posse. Não no fêz, porém, com a alusão à
totalidade dos bens. Lê-se no testamento: “Deixa a sua meação disponível,
como lhe é facultado por lei, para as suas duas irmãs, em partes iguais, ou
àquela que sobreviver a ele testador e sem condições de espécie alguma”.
Primeiro testamenteiro foi a própria mulher do testador, o que de si só
provou a confiança do marido e serviu de elemento de interpretação da
vontade, por se tratar de declaração de vontade, como é toda nomeação. Se
o testador tivesse elidido o nome da mulher, ao fazer as nomeações, teria
dado ensejo a interpretação contrária a ela, como interessada no testamento.
Inventariante teria ela de ser, por haver comunhão e ser cabeça de casal.
Testamenteiro, não: o marido, ao testar, poderia ter escolhido outros
testamenteiros, afastando -a dessa missão de confiança. Em vez disso, ele a
colocou no primeiro lugar. O testador, não-legista, sabia que podia dispor
dos seus bens, que todos eles eram disponíveis, e essa disponibilidade lhe
importava muito, para deixar parte deles, a metade, a “meação”, às suas
irmãs. Na sua doença e pressa, quis dispor dos bens e deixou-os, não todos,
mas a imeação deles às suas irmãs. À expressão “meação” acrescentou
“disponível”, porque é comum, havendo herdeiros necessários, pospor-se a
“meação”, “metade”, esse adjetivo; e não é de estranhar em testador leigo
confusão entre herdeiros necessários e herdeiros legítimos não necessários.
O testador só-mente quis dispor, a favor das suas duas irmãs, da meação
dos seus bens, e não da outra meação deles. Essa palavra meação nunca foi
empregada pelas Ordenações do Reino a respeito de metade dos bens
comuns matrimoniais. As leis do tempo e de antes só se serviam de
“meyadade”, “meiadade”, “ametade”, “metade”. Os próprios Vocabulários e
Dicionários, até os de ANTÔNIO DE MORAIS E SILVA e de
FRANCISCO SOIANO CONSTANCIO, não consignaram

“meiação” ou “meação”.

Meação é a metade de qualquer coisa ou patrimônio. No direito de família,


a metade dos bens comuns (meação do marido, meação da mulher). No
direito das sucessões, a metade disponível, que é a metade dos bens que
alguém pode deixar. De modo que, se tenho z, e digo deixar a meação a A e
B, deixei-lhes x/2. Para deixar-lhes x, teria de dizer que A e B são meus
herdeiros universais únicos, ou A e E são meus herdeiros de todos os bens,
ou simplesmente meus herdeiros.
Essa é a interpretação com os elementos do próprio testamento. Porém os
testamentos não são somente o que neles está escrito. São também as regras
legais, dispositivas (ius dispositivum), isto é, as regras que a lei estabelece
para que se entenda declarada alguma vontade, se outra não o foi pela
própria pessoa. Tais regras têm por fito, exatamente, encher o vazio de
vontade”. Por exemplo: o testador tem dez bens e somente testa quanto à
metade ou meação, ou quanto a cinco ou quatro ou seis, ou mais, ou menos,
sem estar quanto aos dez. ~ o caso do testamento que há alguns anos lemos,
e o Código Civil, art. 1.725, estatui: “Para excluir da sucessão o cônjuge ou
os parentes colaterais basta que o testador disponha do seu patrimônio, sem
os contemplar”; no art. 1.726: “Quando o testador só em parte dispuser da
sua metade disponível, entender-se-á que instituiu os herdeiros legítimos no
remanescente”; melhor ainda no art. 1.678, que estudaremos à parte. Do art.
1.725, isto é, quando não há herdeiros necessários, conclui-se: a) que a
instituição de herdeiro universal afasta a sucessão legitima não necessária;
b) que, se a instituição é em frações cuja soma seja a unidade, não há
sucessão legítima; e> também não na haverá se o testador distribuir toda a
herança em legados, ou se nomear herdeiro de parte da herança e ordenar
legados de todo o resto, ou nomear legatário e distribuir toda a herança em
encargos e recomendações. Quanto à letra a), não houve instituIção de
herdeiro universal (“deixo a A, na qualidade de herdeiro universal, o que
tenho”, ou “é meu herdeiro universal A”): a verba “deixa a sua meação
disponível” a A e E não as fêz herdeiras universais únicas. Quanto à letra
b), também não se pode pensar que se tenha deixado metade ou meação a A
e metade ou meação a E, de modo que, somadas as meações, se perfaça o
todo dos bens disponíveis: o testador falou de “meação disponível” deixada

“para as suas duas irmãs”. Quanto à letra e) não houve outra disposição que
a da “meação” às irmãs.

Dir-se-á que, falando de “meação”, o testador aludia à sua parte, a sua


“ametade”, como se exprimiam as Ordenações, nos bens comuns com a
mulher, e não à metade dos seus bens. Essa interpretação destoaria do teor
das verbas testamentárias. O testador nenhuma alusão fizera à totalidade
dos bens toda os seus mais os da sua mulher. A única referência é anterior à
parte do testamento que contém as disposições de última vontade; e essa
referência é tão-só ao regime matrimonial de bens. O testador, ao iniciar a
sua declaração unilateral de vontade, precisa que vai dispor do que é seu,
sem confusão possível com a metade que é da mulher: lá está escrito “pode
livremente dispor dos seus bens e o faz da seguinte forma, etc.”. Nesse
momento, o seu pensamento recaiu na totalidade dos seus bens.

Se quisesse deixá-los, todos, às suas irmãs, teria dito: “nomeio minhas


herdeiras minhas irmãs A e B”, ou “deixo os meus bens, em partes iguais, a
A e E, minhas irmãs”. Não no disse. Em confusão com a quota disponivel
(que fora, ainda em sua vida e na maior porção dela, “têrça disponível”, e
passou, depois, a ser “meação disponível”), toda o testador, querendo que
sua mulher herdasse, só dispôs da metade desses bens. A lei mesma prevê
tal hipótese e possui a regra dispositiva do art. 1.678, a que antes aludimos,
e a regra do artigo 1.726: “Quando o testador só em parte dispuser da sua
metade disponível, entender-se-á que instituiu os herdeiros legitimos no
remanescente”. O art.

1.678 não se refere à metade disponível, e é o que mais nos interessa, como
regra dispositiva.

Se o testamento, de que se cogita, fosse de alguém cuja lei pessoal


contivesse a regra romana Nemo pro parte testatus pro parte in.testatus
decedere pot eM, a solução poderia ser diferente: o testador deixara metade,
sem testar quanto ao resto. No direito romano, o prius é a instituição, a
determinação sobre o sujeito da herança, o ius successionis, ao passo que a
distribuição da hereditas, objetivamente, é posterius. A falta desse não
poderia prejudicar àquele; e a instituição encheria o resto. Tal foi o direito
que nos regeu até às Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 88, § 3, e Título
86, pr., exceto para os soldados. Porém com a reforma josefina, isto é, com
as Leis de 18

de agosto e de 19 de setembro de 1769, a doutrina assentou a proscrição da


regra Nemo pro parte testatus pro parte intestatus decedere potest.

No direito brasileiro, a lei interpretativa ou a sucessão legitima entra, como


sucessão legítima, se sobram bens; e isso por forca do art. 1.725 (se há
herdeiros necessários) ou do art. 1.673 (se só há herdeiros legítimos não-
necessários).

2.OFICIAIS PÚBLICOS E INTERPRETAÇÃO DAS VERBAS. toda Já


vimos que elementos externos podem auxiliar a interpretação. Pergunta-se:
~ os oficiais públicos que escreveram, ou aprovaram os testamentos, podem
ser ouvidos como elementos informativos, esclarecedores? Duas tendências,
que atuaram na jurisprudência alemã e de outros Estados: a) Mero
instrumento, nenhuma consciência nem conhecimento tem do que teria
sido, ou foi, a vontade do testador: seria um intruso no incidente da
interpretação (Reiehsgericht, 3 de abril de 1911).

b) Pode ter melhores informes e ser ouvido. Cp. Sammlung v. Entsch. des
Bayer O.L.G., 22 A, 94. Assaz se caracterizam. E a verdadeira solução, não
a encontramos exposta, nem na jurisprudência, nem nos autores; e é a
seguinte: Quando elementos de fato, suscetíveis de provarem-se por
testemunhas, puderem ser úteis no auxilio à interpretação, e o oficial
público constituir uma delas, toda será ouvido. Fora disso, é impertinente
qualquer valor, por farsa do cargo ou da função, meramente instrumental,
que exerce.

8.CÉDULAS REFERIDAS, NOTAS, CODICILOS E DEPOIMENTOS.

toda As cédulas anexas, ou referidas, podem ser elementos de interpretação.


Desde que circunscritos à produção de dados auxiliares, os depoimentos
podem ser úteis, principalmente o do cônjuge sobrevivo.

§ 5.727- Relações entre o testamento e a sucessão legitima

1.PROBLEMAS E PRINCÍPIOS. toda A fim de darmos ordem a assunto


em estado caótico, ainda nos melhores tratados, procedamos à seguinte
distribuição, que muito nos facilitará, assim em teoria como em prática, o
trato dos problemas da interpretação testamentária: a) pretenso favor
interpretativo da sucessão legítima e, em geral, relações entre o testamento
e a sucessão ab intestato; b) a disposição testamentária em si; e) as
categorias jurídicas e a interpretação dos testamentos; <1) o papel da
conservação e da conversão no direito testamentario; e) a natureza da regra
interpretativa do art. 1.666 do Código Civil.

Já vimos os papéis dos dois princípios toda o da sucessão legítima e o da


liberdade de testar toda na formação do direito hereditário. Cabe-nos volver
à questão dos favorabilia e dos odiosa. Reina, na maior parte dos autores,
grave confusão, aquela mesma que antes censuramos, consistente em se
tomar como favor na interpretação do testamento o que poderia ser
aplicável à interpretação das leis relativas à sucessão. Outras vezes, trazem,
para o campo assaz diferente da interpretação das verbas testamentárias o
que só poderia ser invocado quanto .a interpretação do direito cogente,
dispositivo imperativo, das formas de testamento.

2.PRETENSO FAVOR DA SUCESSÃO “AR INTESTADO”. toda A


despeito da advertência de 5. STRIK, muitos escritores insistiram no favor
da sucessão legítima, quando se está a interpretar disposição testamentária.
Grave erro.

Todos elos dizem que o testador, normalmente, deseja que os seus bens se
distribuam entre os seus parentes. Certo.

Mas concluem: na dúvida quanto à disposição testamentária, há de preferir-


se a interpretação que mais favoreça a sucessão legítima. Errado. Porque os
indivíduos normalmente querem que a sucessão vá aos parentes, já a lei
manda que, morrendo intestados, se transmitam os bens aos sucessores
legítimos (Código Civil, arts. 1.603-1.619), e, mesmo havendo testamento,
se o testador só em parte dispõe da porção testável, ordena que se
considerem Por instituidos os herdeiros necessários quanto ao que restar
(art. 1.726). Portanto, o legislador já tomou em conta aquela ordinariedade
do querer das pessoas, nas circunstâncias ético-econômicas do mundo
hodierno. (A quota necessária não constitui argumento: ainda contra a
vontade do decujo, ela passa aos herdeiros: o fundamento histérico é outro.
Cf. art. 1.721.) Mas, se aquela presumida vontade do testador serviu de base
à obra legislativa, que, com os artigos 1.608-1.619, já a satisfez, não quer
isso dizer que também tenha de ser levada em conta pelo intérprete da
disposição testamentária. Aqui, é questão .de ser ou não ser: ou. há verba de
testamento, texto, sinais de vontade, ou não os há. Se há, qualquer
presunção de vontade chocar-se-ia com esse mesmo texto, com esses
mesmos sinais, que, ex hypathesi, existem. Donde a consequência oposta à
que erradamente tiraram: não se deve postular favor interpretativo à
sucessão intestada. Os seus favores, de ordem Político-legislativa, ela já os
teve, ou, por considerações político-históricas assaz complexas, na quota
necessárias (art. 1.721), ou, pelo presumido querer das pessoas, na
transmissão dos bens sem testamento (arts. 1.608-1.619) e no caso dos bens
restantes (art. 1.726), cujo fundamento adiante discutiremos. Na dúvida
(isto é, se há disposição eficaz, ou se não há, devendo, nesse caso, ser
chamados os herdeiros legítimos), desde que há disposição, cabe o art.
1.666 que, neste caso de existência, ainda incompleta, de verba,
absolutamente não se compadeceria com o favor da sucessão legítima.

8.RESULTADO DAS CONSIDERAÇÕES ANTERIORES. toda Sempre


que se está a interpretar testamento, deve-se ter à lembrança o seguinte: as
regras jurídicas sobre a herança intestada, isto é, todas as regras que vão do
art.

1.603 do Código Civil ao art. 1.625, só supletoriamente se aplicam, no


caso, exatamente, de não haver nenhuma disposição do testador, quer
completa, quer em sinais ou dados, que precisem completar-se. Havendo
esses dados ou sinais, primeiro se preenche a lacuna com as regras jurídicas
da interpretação testamentária. porque esse esforço para que exsurja a
vontade do testador, ou se plenifique, constitui revelação do querido, que
vem antes das leis de sucessão legítima.

4.DISPOSIÇÕES AMBÍGUAS. toda Às vezes as disposições são


ambíguas. (a) O testador disse: “Sou casado pelo regime da separação de
bens, e deixo o que tenho, metade à minha filha, metade a minha
mulher”Como se há de interpretar? Deixou à filha a legitima e a metade
disponível à mulher, ou deixou a filha a legitima e mais metade da porção
disponível, cabendo à mulher só a outra metade da porção, isto é, um quarto
do monte? (b) Disse outro: “Sou casado pelo regime da comunhão, e deixo
o que tenho, metade à minha filha e metade a minha mulher”. (o) Outro
dispôs: “Deixo do que tenho metade à minha filha e metade a minha
mulher”. Regime: comunhão; tratando-se de pessoa inculta, sem noção da
comunhão conjugal de bens. No caso (a), a verba não fala em legitima: o
“deixo” pode ser só testamentário, ou em parte declaratório e em parte
testamentário. Como resolver? Tudo está nas circunstâncias de
conhecimento do testador. Se ele conhecia o direito concernente à herança,
e não deixou no testamento elementos contrários à suposição de conhecer,
só deixou metade da parte disponível. Mas, ainda que fosse pessoa de letras
toda digamos, até, advogado toda se nomeou todos os bens ou alguns por tal
maneira que ultrapassou, de muito, a metade, a expressão “deixo o que
tenho” é relativa a todo o monte: metade à filha, metade à mulher. No caso
(b), a situação é menos delicada. Entender-se-á, de regra, que deixou
metade à filha e metade à mulher. Mas, excepcionalmente, se, pessoa
insciente, enumerou todos os bens em comum e quis que coubessem a filha
prédios que excedem, de muito, a metade, dever-se-á entender que declarou,
com a falsa deixa, a comunhão com a mulher.

Ocaso de (o) é o mesmo (b), sem a expressa declaração de haver comunhão.


Nesse, apenas é mais fácil ocorrer a declaratoriedade, excepcional, do (b).
As soluções, que aí ficam. atendem à velha lição, que vem no Tractatus de
Fideicommissio do cardeal J. E. DE LUCA (Tractatus de Fideicommissis,
disc. 58, n. 3, 62, n. 6, 94, n. 9): ditada por juiz perito, a palavra se há de
tomar na acepção jurídica rigorosa; se por gentes rudes, conforme o uso
comum e verossímil vontade PASCOAL Josfl DE MEÍ.,o FREIRE
(Institutiones Jurig Civizis Lusitani III, 7, §, 9> insisto:

“In quaestíon de signification verborum quibus legatum fuit relictum


interpretatio voluntatís petenda est non ex proprietate Latini sermonis neque
ex iuridica verhorum signification quam testator Plerumque ignoran, sed ex
naturali obvia, et popular! quam lingua qua testator usus .fuit, admittit
Secundum vulgaren adceptbonem et colnmunen, loquen usum”.

4.(a) Se O testador diz “deixo aos meus filhos a outra metade”, entendem-se
os legítjmos ou estes e os naturais?

Nesse assunto qualquer regra simplista poderia in concreto ser injusta Se,
no testamento O testador omitiu, entre os herdeiros ex tege, os naturais que
só pela invocação da lei, irão pleitear a inclusão claro que deles não cogitou
no testamento , se, ao enumerar os filhos, mais a preço deu à qualidade de
filho que ao ser de matrimônio e depois, dispondo ex testamento, fala em
filhos, toda os naturais são tidos como inclusos nos herdeiros
testamentário5

Fora desses dois casos, tudo se resolve pela interpretação.

5.DÚVIDA QUANTO A REFERENTE AOS LEGÍTIMOS(a) Se o


Testador contemplou herdeiros LEGÍTIMOS

sem outra designação, deve-se presumir que sejam os chamados à ocasião


da morte do decujo.

(b)No caso de condição suspensiva ou de termo aposto ao legado se a


condição ou termo só se realizar depois da morte, serão chamados os que
seriam herdeiros se só então falecesse O testador (As duas regras aparecem,
a primeira como díspositiva e a segunda interpretativa no mesmo texto do
Código Civil alemão, § 2.066; no Brasil, São regras‟ jurídicas de
interpretação que não impedem outros dados de convicção contrária e
somente valem no caso de dúvida, mas há tal força de Presunção na
primeira oriunda da natureza das coisas, que a indução nos permite traria
como dispositiva. se O testador nada explicou toda e é o que se pressupõe
toda só a solução da regra(b)pode ser justa.)

(c) Se o testador deixou a parentes ou próximos parentes, em Caso de


dúvida só se hão de entender os que sucederiam ex lege, isto é, até o quarto
grau (Código Civil, art. 1.612). No caso de condição suspensiva à herança
ou legado, ou termo inicial ao legado, os que seriam ao tempo da realização
da condição ou advento do termo. Cf.

Código Civil alemão, § 2.067. (Regra jurídica interpretativa, e não


dispositiva. Portanto, ainda que o testador só dissesse parentes próximos ou
parentes, pode não Ser aplicável, se há outros dados para se crer que
diferente fosse a vontade do testador. Às vezes, “parentes” está para
designar “herdeiros legítimos”, inclusive o cônjuge (CARL
CROME, Syst em, V, 95, nota 55.) Cumpre notar que a regra jurídica é
inaplicável quando se trata de “parentes de outrem”; se isso se dá, serão os
mais próximos parentes de outrem, ainda não sucessíveis ab intest ato, ou
os que estavam na preocupação do testador.

(d) Se o testador não diz “herdeiros legítimos” (letra a), mas “herdeiros”,
não se aplica a regra da letra (a) : podem ser os testamentários do mesmo ou
de outro testamento anterior, não revogado, ou o de um contrato de herança,
nos países ~em que o houver. A regra jurídica não vem em leis, formula-a .a
doutrina (1W. SonExai, Erbrecht, V, 177; F. RITGEN, em O. PLANa,
Rhirgerlich.es Gesetzbuch, V, 282).(e)Se o testador disse “primos”, são os
“primos” que herdariam ex lege, e não os que passem do quarto grau.
Claro, que a regra é só interpretativa. A vontade do testador pode ser
diferente (EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrech.t, § 24, nota 11). O
filho do primo pré morto não herda (F. HEBZFELDER, Erbrecht, 1 v.
Staudingers Kommentar, V, 462).(f) i,Quid iuris, se o testador diz “deixo
aos meus herdeiros legítimos sob a condição de se formarem em direito”?

-A condição é suspensiva. São os que estiverem formados e todos os mais,


para esses suspensivamente. Porém que herdeiros legítimos? ,Os que o
seriam à feitura, os que seriam ao tempo de se realizar a condição, ou os do
tempo da morte? Trata-se de interpretação, e não nos parece acertado pó-lá
em lei, pelo menos nos termos do Código Civil alemão, § 2.066,

2 a parte, que fixou, na dúvida, os do tempo da verificação da condição.


Aliás, na dúvida; de modo que os inconvenientes serão inteligentemente
afastados pela interpretação. No caso (a>, a morte fixa: por isso é boa, na
espécie, a regra jurídica alemã; no caso (b), a condição fixa; no caso (d), a
condição não pode fixar, sem prejuízo dos que ainda podem formar-se. Por
onde se vê que a regra jurídica pode ser injusta: aqueles “herdeiros
legítimos” tanto podem ser os do tempo da morte, como os do tempo da
feitura, ou da verificação toda posterior toda a condição. Aqui, a
interpretação é livre: não cabe a regra (b) (do tempo de se verificar a
condição), toda a esta são estranhos os casos de condição toda qualidade
dos contemplados. (Aí a condição é aparência.) Mas há critérios: a) São, em
regra, os que vierem a se formar, dentre os que herdariam ao tempo da
morte. b) Em alguns casos, só os da feitura: “a meus netos, filhos de A, B e
C, que agora têm 10, 14 e 15 anos, se se formarem em direito”.(g) Quanto
aos legados a termo, cujo advento se deu antes da morte, feitos aos
“herdeiros legítimos”, é regra de interpretação que se reputem, em caso de
dúvida, os deste momento em que foi atingido. Isto é, como se o testador
tivesse morrido nesse momento.

6.DEIXA A DESCENDENTES. toda 1) A regra é que toda contemplando


“filhos”, se algum é morto toda na dúvida, se há de entender que
contemplou os descendentes desse, conforme a sucessão intestada para
esse. (fl regra jurídica interpretativa,. toda para o caso de dúvida. Assim,
aliás, no Código Civil alemão, § 2.068. Há, necessariamente, a consulta à
vontade do testador, procurando-se, nas circunstâncias objetivas ou
subjetivas, qual a solução a dar-se. Na dúvida, é que cabe invocar-se o
critério da regra jurídica.> É indiferente ter o testador sabido, ou não, da
pré-morte do filho (F. RITGEN, em O. PLANCR, Bilrgerliches Gesetzbuch,
V, 234) . Se o testador não tem filhos, e só netos, contemplando netos,
quando um já morreu, os bisnetos ou outros descendentes do neto pré morto
herdam, segundo a regra jurídica, O legislador alemão não colheu, como
devera, o dado das relações jurídicas, da vontade provável do testador: a
verdadeira compreensão afetiva da regra jurídica é a de que netos, quando
não há filhos, como filhos se tratam. Se o testador diz filhas, ou filhos
varões, a regra jurídica éinteiramente aplicável quanto à filha, ou ao filho,
que já estava morto. É grupo menor, mas grupo (F. HERZFELDELI,
Erbrecht, J. v. Staudingers Kominentar, V, 468). A regra jurídica não incide
quanto aos filhos de outrem, e.g., sobrinhos, primos, filhos de estranhos.

2) Se o testador contemplou um dos seus descendentes, e esse faleceu após


a feitura, deve-se presumir, em caso de dúvida, que assumirão o seu lugar
os descendentes desse, segundo a ordem legal da sucessão. A regra jurídica
interpretativa constitui aquisição indutiva de primeira ordem. Nada mais
injusto do que reputar só instituído o descendente, ou caduco, por força do
Código Civil, art. 1.708, V, o legado. Colheu-a o Código Civil alemão, §

2.069, com o simples caráter de regra jurídica de interpretação, como


deveria ser: se há. dados para se aceitar outra vontade do testador, seria
impróprio invocá-la, e.g., “deixo a meu filho, passando, por sua morte, a
B”. Nesse exemplo, se o filho morre antes da abertura da sucessão, os bens
não devem passar aos filhos do filho, mas. a B.

Outrossim, quando a regra jurídica fala em filhos do testador, e a verba


regra diversamente a passagem aos netos.

Tal regra jurídica interpretativa também se aplica aos fideicomissários: se o


nomeado para receber os bens é o filho ou outro descendente (exemplos:
deixo a minha mulher, passando aos meus filhos; deixo a meu filho A,
passando a meu neto E), no caso de dúvida deve entender-se que a morte do
fideicomissário descendente não faz caducar o fideicomisso, consolidando-
se a propriedade, se tal fideicomissário tem quem o represente como
descendente, que é (no primeiro exemplo, se todos ou algum filho morre,
deixando filhos ou netos; no segundo, se o neto E falece, deixando filho).
No direito alemão, a regra jurídica também se aplica à pós-herança (F.
HELiZFELDEIt, Erbrecht, 3‟. v. Staudingers Kommentar, V, 464). (Cumpre
notar que não se trata do direito de representação, arte. 1.620-1.625,
porquanto esse só se entende com a sucessão legítima, em cujo título se
acham os princípios legais. Direito de representação é ex lege, e o que se
interpreta, segundo a regra jurídica acima formulada, constitui vontade do
testador e apresentação, aí, é só resultado, e não causa.)

7.DEIXA A DESCENDENTE DE TERCEIRO. toda Se dor apenas falou de


descendente de A (que não é, thesi, seu descendente), deve-se presumir, na
dúvida, o testador que contemplou todos os descendentes do tempo da
morte do testador. Portanto, não os que ainda não estavam concebidos. Se a
liberalidade foi feita sob condição suspensiva, hão de ser chamados todos
os descendentes do tempo em que se verificar a condição. O direito
brasileiro não permite os termos apostos às heranças (art. 1.665); mas não
os exclui quanto aos legados e aos fideicomissos (art.

1.738). Se a deixa foi a termo inicial, devem chamar-se todos os


descendentes do tempo em que se atingir o termo.
Também essa regra se induziu dos fatos: quem institui descendente de
descendentes, ordinariamente (e isso é o que importa para a indução), quer
toda a linha reta, a descendência toda, ao passo que o testador, ao instituir
descendente de terceiro, não estende tão longe o seu ato de liberalidade. Por
isso mesmo, se o testador diz “deixo aos descendentes de meu filho A”
(quer se trate de herança pura, quer sob condição suspensiva, quer de
legado sob condição suspensiva, ou com termo inicial, quer de
fideicomissos), os descendentes são todos os que cabem na figura de direito
sucessório: a) se herança simples, os herdeiros do tempo da morte; b) se
outros podem haver, a herança, por força do Código Civil, art. 1.666, perde
o caráter de pura o simples, para se obter a Categoria jurídica que torne
possível contemplar-se todo um grau.

§ 5.728. Disposição testamentária em si

1.IMPOSSIBILIDADES COGNOSCITIVA, LÓGICA, MORAL,


JURÍDICA. toda A disposição em si está sujeita às mesmas contingências
que as outras declarações. Pode dar-se a impossibilidade cognoscitiva, a
lógica, a moral e a jurídica. Todas as impossibilidades ferem de modo
absoluto as disposições. Mas somente quando uma ou outra são invencíveis.
Pode dar-se a ilicitude da disposição (impossibilidade moral ou jurídica), ou
somente a da construção. Aqui, deve o intérprete exigir a si mesmo a
invencibilidade, ou, o que vale isso, a inteligencia da disposição; porque: a)
se a impossibilidade moral ou jurídica somente concerne a uma das
inteligências possíveis, a aplicação do art. 1.666 é irrecusável; b) se a
disposição só é suscetível de uma inteligência, e a impossibilidade moral ou
jurídica só se refere à construção, o problema é devolvido ao das categorias
jurídicas.

2.IMPOSSIBILIDADE LÓGICA. toda Se as disposições do mesmo


testamento são contraditórias (impossibilidade lógica), a regra é não
valerem. Mas está visto que, ex hypothesi, é invencível a contradição: se há
dúvida, e uma das interpretações concilia, prevalece essa (Código Civil, art.
1.666). Cumpre não confundir com as disposições contraditórias as
condições contraditórias. Se, na mesma disposição, há dois ou mais
negócios jurídicos (legado a A, encargo a B), e só um é contraditório com
outro, a contradição não vicia o outro negócio não contradito.

3.DISPOSIÇÕES EXTRAVAGANTES. toda Se extravagante a disposição,


não se há considerar qual devia ser a vontade do testador, mas sim,
somente, qual é (AGOSTINHO DE BEM FILAREFILA, Comentário ao
Tit. lligestis de regulis inris, 9). O juiz deve abster-se toda quando lhe
pareça extravagante o dispor todade lhe procurar desrazão; porque as
disposições extravagantes só são nulas, se houve incapacidade de testar
(art. 1.627, II e III): “a última vontade”, dizia AGOSTINHO DE BEM
FERREIRA (Comentário ao Tit. Digestis de regulis iuris, 9), invocando os
romanos, “não se regula pela razão, mas pela pura vontade”.

4.CLÁUSULAS PRIVATÓRLXS, APLICADAS Às DISPOSIÇÕES


TESTAMENTÁRIAS. toda Antes já se tratou das cláusulas privatorias, ou
cassatorias, aplicadas ao testamento, como ato juridico global. Agora
havemos de cogitar das mesmas cláusulas, já aplicadas às disposições. Não
é a mesma coisa. Aqui, não se fere de frente o ato; é o seu conteúdo que se
corta, aos poucos, ou pelo menos de per si, se surgem certas circunstâncias.
Por exemplo:

“Quem pleitear contra o testamento perderá qualquer proveito que dele


provier”. Viu-se em tal cláusula disposição sob a condição de que o
beneficiado não podia impugnar o testamento. A cautela Socini seria caso
particular das cláusulas cassatórias (FRANz LEoNHARD, Die
Entziehungsklausel Enterbung f (ir den Fali der Testamentsanfechtung,
dizeringa .Iahrbiicher, 66, 96 5.>: então está em causa a quota necessária.
Por isso, FRANZ

LEONHARD tratou a cláusula cassatória e a cautela ,Socini como


Entziekungskktusel, cláusula de subtração.

Oassunto é de grande interesse prático, porque surgem, quase todos os anos,


mais ou menos explícitas, cláusulas privatórias tocantes às disposições, ora
no todo, ora em parte. Os doutrinadores são omissos. Omissa é a lei. Erros
sem conta na prática de julgar. Deu-se o mesmo no direito alemão:
a omissão da lei. Mas continuou, lá como aqui, o uso de inseri-las nos
testamentos. Impõe-se o seu estudo, porque a solução concerne a assunto
grave, que é a validade, ou não, do que quis o testador, e, respectivamente, a
não eficácia, ou eficácia, da disposição sujeita à cláusula. De muito nos
serve a luta doutrinária que lá se travou não quanto à validade, que em
princípio não se pôs em dúvida mas quanto aos casos em que operava, e
àqueles em que não poderia operar. Ainda mais, como se haviam de
interpretar os diferentes enunciados cassatórios.

5.PERMISSIBILIDADE

DAS

CLÁUSULAS

PRIVATÓRIAS,

APLICADAS

Às

DISPOSIÇÕES

TESTÁMENTÁRIAS. Vemos a HERMÁNN MEYER (Lehrlnwh dos


Familien- und Erbrechts, „La ed., II, 216) só a excluir em certos casos, que
afetam o próprio testamento; e CARL CROME (Systeni, V, 100) foi
explícito, só excluindo o que tocava o interesse público: vicio de forma, por
exemplo. Nas edições anteriores, E. HERZEELDER

distinguia: se a anulação se dava, não seria de aplicar-se a cláusula; caberia,


se fracassassem as ações. FRANZ

LEONHARD (fie Entziehungsklausel Enterbung fúr den Faíl der


Testanentsanfechtung, Jh,erings Jahrbúcher, 66, 98) combateu-o: não só
inexato como também coiitraditório, porque, num e noutro caso, houve
procedimento contra o que exigia o testador. A cláusula tinha por fito
obrigar ao respeito do que escreveu: estabelecia pena, e o fato punível era a
ação, e não o mau êxito da ação. Na ed.

9 a, F. HERZPELDER (Erbrecht. 3. v. Staudingers

Kommentar, V, 471), EMIL STROHAL (Das deutsche Erbrecht, § 25, nota


1) e a jurisprudência, queriam que se examinem os casos particulares. Mas
recorreram a certos critérios (que aqui recompomos) : a) Em geral, o
testador só quis proibir o pleito contra a sua vontade, ou a infração do que
dispôs. (Não é a mesma coisa que a infração conE-cientemente querida
haver o procurador, sem permissão, intentado anular alguma disposição ou
o testamento.) b) A interpretação não constitui luta contra a vontade, mas
pela vontade. Por isso, a cláusula não opera quando se discutiu (JOSEF, me
privatorische Klausel in Testamenten, Archiv fiir Rechts;flege in Sachsen,
Thuringen und An,h,alt, III, 108-109>. Quem pergunta o que o testador
quis, ou sustenta uma das interpretações possíveis, não tem por fito
invalidar, sim fazer valer. Certo, se há chicana, ou frívolo discutir, atua a
cláusula privatória (F.

HERZFELDER, Erbrecht, 3. v. Staudingers Komrnefltar, V, 471).


Outrossim, se, a pretexto de interpretar, quer invalidar, e) A dúvida ou
discussão sôbre o objeto ou condição, termo ou discriminação das
categorias, não constitui luta contra a vontade do testador. d) A discussão da
interpretação testamentária pode ser infrativa, se o testador precisou-lhe os
têrmos: “disse usufruto, e não fideicomisso, e sei bem o que estou dizendo;
e aos que disserem o contrário, privo-os do que deixo

6.CASOS EM QUE NÃO OPERA A CLÁUSULA PRIVATÓRIA. Em


princípio, valem as cláusulas privatórias ou cassatórias, sempre que forem
concernentes às disposições e não ao testamento em si. Porém a cláusula
não pode operar: a) Quando se trate de validade formol e só seja êsse o
fundamento da disputa (HERMANN MEXER, Lehrbuch dos Familien.-
urnd Erbrechts, 4? ed., II, 216). b) Quando se trate de incapacidade do
testador, porque isso interessa à ordem pública, e) Se versa a lide, ou
discussão, sôbre a não seriedade ou ilicitude, porque é questão de ser ou não
ser. A cláusula privatória não poderia operar, se incapaz de testar o
disponente, ou se ilicita a disposição; mas, ali, cai todo o testamento, e aqui,
ou cai a própria cláusula, se nela está o ilícito, ou cai a disposição a ela
sujeita. De qualquer modo, ineficaz. Contudo, é de advertir-se: se frívola ou
manifestamente sem base a questão levantada, a cláusula opera. (j,Quid
juris, se, sem base, passar em julgado? Seriam afirmativos da aplicação
PAUL OERTMANN, FRÁNZ LFiONHARD e os outros. Já no Brasil há a
ação rescisória e, quando essa cabe, os interessados podem levantar a
questão: vencedores, a cláusula opera.) d) Quanto aos defeitos de vontade
(violência, dolo, êrro), as ações tendem a restabelecer a verdadeira vontade
do testador, o que seria forte argumento contra ag cláusulas privatórias. Em
todo o caso, o contra-senso, que aqui se quisesse ver, não seria tão grande
como no caso das letras a), b) e c). Se o testador disse “perderá o que lhe
deixo, se tentar anular por erro ou dolo”, há de entender-se que a cláusula
opera, em quaisquer casos, se foi vencido o infrator, não~ porém, se havia
interesse público em causa e êle venceu, invalidando-se parte do
testamento, não compreendida a cláusula. ~ impossível deixar de atender às
circunstâncias particulares, que rodejam cada uma destas cláusulas
cassatórias, menos ainda o grau de culpa do infrator. Aliás, essa culpa
entendendo-se a violação consciente será sempre de mister, para que se
cogite de aplicação da vontade privatória do testador. Em regra, nos defeitos
de vontade, a intervenção é a favor dessa, e não contra essa. e) No caso de
revogação ou de informação, que seja o objeto da discussão, trata-se de
questão de forma, pois que necessariamente se aprecia a existência de dois
ou mais testamentos ou de ato que valha revogação (art. 1.749).

Se não houve cláusula revogatória expressa no testamento posterior (art.


1.747, parágrafo Único), o anterior subsiste no que o não contrariar. Se
contraria, infirma-se. Quando a c1áusula cassatória está no segundo, a
afirmativa de haver incompatibilidade favorece o próprio querer do
testador: pede-se que valha o último testamento. Quando inserta no
primeiro, a não-inserção no segundo põe no mesmo pé de igualdade o
primeiro e o segundo. (Aliás, a questão da infirinação pode versar sôbre a
própria cláusula.) Ao juiz examinar as circunstâncias. Mas dificilmente a
caracterização da incompatibilidade escapa. à sua natureza ordinária, que é
a de questão de interpretação.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Para que se estabeleça a violação, é
preciso que o beneficiado sujeito à cláusula tenha. litigado ou discutido,
com intuito. Quer dizer: que a sua intervenção tenha sido consciente. Aqui,
não caberia aplicar-se a. regra do mandato quanto a podêres implícitos:
havendo a cláusula, deve o juiz exigir do advogado poderes especiais e
expressos para qualquer impugnação, de que possa resultar aplicar-se a
cassatória. Critério geral, objetivo, para se procurar o verdadeiro cabimento
da cláusula, é verificar-se se podia importar a discussão decisões contra a
prevalência da~ vontade do testador.

§ 5.729. Categorias jurídicas e interpretação dos testamentos

1.NEGÓCIO JURÌDICO. Negócio juridico é manifestação de vontade que


entra no mundo jurídico e pode produzir resultados juridicos, isto é,
resultados juridicamente reconhecidos ao querer do declarante.
Histôricamente, porque negotium e cuctus juridicus são diferentes: aquêle
cria, edifica, êsse é um vaso em que a plastilina se deposita.
Sociolôgicamente, porque nós regramos os nossos pensamentos íntimos
(Religião), fiscalizamos, censuramos, escolhemos, antes de os praticar
(censura moral), ou depois de os praticar (sanções morais), os nossos atos, e
procuramos regrar o que concerne à nossa esfera de ação, por meio de
negotia, a que o Direito recebe no seu mundo e confere efeitos. O que
alguém estatui é iex privatot; o que os órgãos sociais (Política) estatuem é
lex publica, que coordena e reconhece a respeitabilidade social das leges
privatae.

2. CATEGORIAS JURÍDICAS. A vontade, dentro do negócio jurídico, é


o que o encarna: o negócio jurídico é o negotium, na vida social,
juridicamente reconhecido. Do que se quer num‟ contrato pode haver algo
que se não reconhece: aí, o querido é mais do que o ato jurídico. Negócio
jurídico sem negócio seria a forma sem a matéria, o esquema dos negócios
possíveis: não teria realidade. Não há negócios jurídicos sem vontade. As
regras jurídicas dispositivas completam a vontade incompleta.

A ordem jurídica dos nossos dias evita formalismos, porém as categorias


jurídicas existem inapagadas: direito real, direito pessoal, herança, legado,
modus, usufruto, hipoteca, penhor, fideicomisso, gravames de
inalienabilidade e outras restrições de poder.

Essas figuras fixam o essencial à ordem jurídica. Não se nega a autonomia


da vontade, máxima do testador; mas impõem-se às infinitas combinações
das vontades humanas essas estradas abertas, esses corredores que a
experiência criou & conhece. Às vêzes ocorre: a) que a vontade do testador
não se enquadre com qualquer das figuras preestabelecidas; e isso acontece,
porque são nítidos os contornos dos tipos jurídicos e variáveis, ao infinito,
as vontades humanas; b) que o testador se valha de uma categoria para
usando dela, escondendo-se nela, abroquelando-se com ela obter resultados
que outra figura não permitiria.

CAPITULO VI

HERANÇA E LEGADO

§ 5.730. Discriminação fundamental: herança e legado

1.POSIÇÃO DIANTE DO TESTAMENTO. Se o testador não „diz se é


legado ou herança, cumpre ao juiz examinar a espécie, e decidir. Seria
impossível preverem-se todos os casos em que sucederá ter-se de interpretar
a verba testamentária. Mas algumas regras interpretativas e casos especiais
podem, na prática, servir.

2.CASOS DE PRESUNÇÃO GERAL. É herança, e não legado (salvo outro


elemento mais forte, que destrua a presunção de se tratar de instituição de
herdeiro) : a) Dizer deixo e referir-se à universalidade dos bens; não assim,
se diz deixo e refere-se a certo bem ou quantia (valor). Também não será
herdeiro, mas legatário, fideicomissário, se, depois de declarar qual o
“herdeiro de todos os seus bens”, diz: “passando os bens imóveis, por morte
do herdeiro, a A”. b) Se dispôs “o resto dos meus bens deixo a B”
(SAMUEL STRYK, De Cautelis testamentorum, 4?

ed., c. 16, § 16; FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus „de Testamentis, d. 3,


sect. 4, n. 28). e) Se empregou a palavra lego, referindo-se à universalidade
dos bens, sem lhe dar outro co-herdeiro (FRANCISCO PINHEIRO,
Tractatus de Testa mentis, n. 30), mas deixando legados. d) “Nomeio A
herdeiro de minha casa e E do resto da minha herança”, E é o herdeiro, A o
legatário (J. BõEM, Das Erbreeht, 2~a ed., 92). Por isso bem se vê a
importância do critério discriminante.

3.VERBA COM OU SEM ESPECIFICAÇÃO. (a) Se o testador dispôs de


toda a fortuna, ou parte dela, sem especificar a qualidade da nomeação,
considera-se instituíçâo de herdeiro.

(b)Inversamente, se só lhe deixou um objeto ou alguns objetos,


individualizados ainda que lhe dê a denominação de herdeiro, há de
considerar-se legatário. Segundo a opinião dominante, a regra jurídica (a) é
dispositiva; ao passo que a inversa é simples regra juridica interpretativa
de caráter negativo. Em todo o caso, encontra-se a opinião de FRÀ&NZ
Li»-. NHARn (LHe Beweiskxst, 2.~ ed., 416), que pretende seja a própria
regra (a) de caráter interpretativo. Se quanto à deixa de parte da fortuna,
cremos que sim; não, porém, quanto à toda a fortuna, O

legatário de toda a fortuna é, pela natureza das coisas> herdeiro.

4.LIMITAÇÕES JURÍDICAS. Aliás, as regras jurídicas (a) e (b) sofrem as


seguintes limitações: a) Se deixa o liquido ou parte do líquido, não se aplica
a regra jurídica (a). Porque o líquido não é o patrimônio, nem parte do
líquido ,parte do patrimônio. Deve-se a EMIL STROHÂL (Das deutsche
Erbreckt, 5ª ed., § 26, nota 4) a advertência a êsse respeito.

b) Se, praticamente, a deixa da coisa envolve a de todo o patrimônio (o


estabelecimento comercial, se só ê]e é o bem), não pode haver dúvida
somente por isso, que justifique considerar-se legado, porque a regra
jurídica (a) está indicada pelas circunstâncias (F. HERZFETJDER,
Erbrecht, J. v. Staudingers Kornmentar, V, 494). e) Se o testador só de uma
parte da fortuna dispôs, não parecendo que do mais houvesse disposto, é
remanescente, no sentido do ad.

1.726, o que resta, e, no direito brasileiro, não cria grandes dificuldades:


herdeiro ou legatário o nomeado, o restante vai aos legítimos. Mas a
qualidade de legatário pode patentear-se: “só exijo que se dê a A. a quinta
parte do que tenho”.

5.DISTRIBUIÇÃO EM BENS MÓVEIS E IMÓVEIS. 1) Se a testador


deixou a um “todos os seus bens móveis” e a outro “todos os seus bens
imóveis”, cabe a regra jurídica (a) ; isto é, não se pode dizer que se trate de
legatários, porque houve seriação, e não particularização dos objetos
legados. Há um herdeiro de móveis, e outro, de imóveis (F. HERZFELDER,
Erbre cht, J. v. Staudingerg Kornmentar, V, 495). Na Itália, encontramos
opinião oposta, a de PIETRO BONFANTE (L‟Istituzione in tutti 1 beni
mobili a immobili e la qualità di erede, Foro Italiano, 1897, 1, col. 528 sj
“Ora chi assegna ii complesso dei beni mobili o immobili assegna oggetti
concreti, non pone alcun rapporto aritmético cou la totalità”. Há engano: a
relação com o todo é de mister, para ser herança; mas ser aritinética, não se
exige. “Deixo o que tenho na Brasil” não é relação aritmética; e é herança.
ALFREDO AscoLI (II Legato deli‟ universalità dei beni, Foro Italiano,
1S89, co 635 s.) vê instituição de herdeiro, se o testador diz

“nomeio a Ticio herdeiro em todos os bens móveis (ou imóveis) “, e seria, à


romana, ex re certa. Radicalmente contra, querendo que a qualidade de
herdeiro ou de legatúrio derive dos seus caracteres, e não da vontade do
testador, VIrroRio POLÁCCO (Deile Sucoessioni,

2 a ed., 1, 247 sj, que censuramos. Herdeiro, no caso referido, é o que mais
acontece nas vontades últimas. (14 Se divide:“A será herdeiro dos meus
bens de São Paulo e B dos que possuo no Rio”, ou “A receberá o que tenho
na cidade e E o que fora eu deixar”, institui herdeiros, e não legatários
(JOSEF XOHLER, Gemeinschaften ndt Zwangsteilung, Archiv fur die
dvilistische Praxis, 91, 847).

6.LIMITAÇÕES À REGRA JURÍDICAS DOS LEGADOS. Quanto à regra


jurídica (6), cabe fazer-se a seguinte distinção:

a)A designação de determinado bem pode constituir simples parte da


fortuna, ou ordem de partilha: “deixo os meus bens a A e B, cabendo a A os
prédios z, y, z”.
b)A própria limitação à parte correspondente a um herdeiro, ou a todos os
herdeiros, pode não ser legado, e sim instituição de herdeiro: A, 1/3; B, 1/3;
C, 1/8; e D, 10% de cada um. Será ordem de partilha.

c)É herança, e não legado, a deixa de usufruto das partes designadas, se o


testador, por exemplo, diz: “instituo a A, mas o usufruto cabe a ou
“disponho do seguinte modo: a A, a nua propriedade, a E, o usufruto dos
prédios, e a O, o dos outros bens, convertidos em apólices”.

Alguns pensam o seguinte: constitui legado o usufruto de todos os bens. Por


isso, não é o legatário obrigado às dívidas, nem ao funeral. Vendem-se os
bens, todos ou quantos bastem, solvem-se os débitos, o que é justo, porque
sofrem, equitativamente, nu-proprietário e adquirênte mortts causa de
usufruto. Mas está errado. Tanto assim que a venda, o trato equitativo do
nu-proprietário e do adquirente supõe, exatamente, que se trate de herança,
e não de legado. Seria aplicar o certo como consequência falsa do errôneo.

d)Se o testador deixa ao beneficiado uma universitas facti (por exemplo,


biblioteca), e só isso, é legado; quando diz

“só possuo uma biblioteca e deixo a A”, morrendo com a biblioteca e mais
x em dinheiro, deixou tudo a A, que é o herdeiro.

„7. DEIXA DE TODOS BENS MÓVEIS E IMÓvEIS. Se o testador disse


“deixo a C todos os meus bens móveis e imóveis”

entendem-se incluídos todos os direitos e ações (FRANCISCO PINHEIRO,


Tractatus de Testamenti,s, n. 29>. Mas duvidava FRANCISCO PINHEIRO
da inclusão, se dizia “os meus bens situados em tal lugar”. Claro que só
inclui os direitos e ações relativos a esses bens, se o lugar era uma rua, ou
um arrabalde; todos os direitos e ações do lugar, se era outro país, ou outro
Estado, ou outra cidade, Os “bens situados na França” compreendem, na
falta de outros elementos interpretativos, todos os bens, móveis ou imóveis,
direitos e ações. Se trata de uma casa comercial, com sucursal lá e no
Brasil, os bens, direitos e ações de lá, segundo os respectivos balanços.
Assim respondemos às dúvidas centenares de FRANCISCO PINHEIRO
(Tractatus de Testamentis, n. 30, e seção 11, § 3, n. 320 s.).
8.NOMEAÇÃO DE TESTAMENTEIRO QUE SE PODE INTERPRETAR
COMO SENDO INSTITUIÇÃO DE

HERDEIRO. O testador dispôs de alguns bens em legados precisos, não


instituiu herdeiro, e, ao nomear o executor, escreveu: “deixo por meu
testamenteiro a A”, ou “nomeio meu testamenteiro a A”. É testamenteiro,
ou testamenteiro e herdeiro? Evidentemente, a denominação não permite tal
compreensão, se esse é o só elemento para se interpretar a cédula (a dúvida
provinha, nos velhos escritores portugueses, de reminiscências do executor
testamentário nos tempos em que não existiam testamentos). Salvo: se as
circunstâncias mostram que o testador quis dizer herdeiro, e isso se prova.
MANUEL ÁLVARES PÉGAS (Commentaria ad Ordinationes, L. 1, T. 50,
n.

417) falava em prova testemunhal e em se ouvir o que escreveu o


testamento, se homem de probidade.

Nexo se trata de declarar o que mio está no testamento, sim de revelar o


que lá está.

§ 5.731. Interpretação distintiva das determinações modais

1.“MODUS” E INTERPRETAÇÃO. dificilmente a dúvida é quanto a ser


mo dus ou herança, posto que alguns casos já víssemos. Um deles: não
nomeou herdeiros e apenas disse “metade para se acabar a Igreja A”.
Adiante, elementos do modus e da herança. A solução foi herança modal.
Mas, se não existissem os outros elementos, seria mo dus, cabendo a
obrigação ao herdeiro legítimo, que seria a Fazenda.

2.LEGADOS E “MODUS”. Regras jurídicas para se distinguirem legados e


modus: a)Se o conteúdo não é patrimonial, trata-se, provavelmente, de
modus; mas pode ser legado ou mo dus, se patrimonial, sem qualquer
preferente classificação.

b)Se patrimonial, e não foi dada a herdeiro ou legatário a incumbência, mas


objetivamente (ou ao testamenteiro, que não é herdeiro nem legatário, ou,
se o é, não lhe cabe nessa qualidade), é legado, e não modus. (Não há
modos sozinhos, pode havê-los principais, porém são sempre anexos. Aliás,
a própria nomeação do testamenteiro pode apor-se modus. E isso permite,
excepcionalmente, modus não aposto à nomeação de herdeiro ou legatário.)
O “que, cumpridos os legados, pagas as custas e deixas, sobrar dos meus
bens, deve ser distribuído pelos pobres” é modus, e não herança, ou legado.
Se o testamenteiro foi nomeado herdeiro, o cargo não se lhe reputa modus,
mas condiçáo (F. HERZFELDER, Erbrecht, J. v. Staudingera Kommentar,
V, 76).

3.REGRAS PRÁTICAS PARA SE DISTINGUIREM “MODUS” E


CONDIÇÕES. A questão é interpretativa: os arts. 85, 1.666, têm toda a
aplicação, aquêle para se preterir o que o testador quis ao que resulta do
sentido literal; esse para sua dúvida se optar pela solução que mais eficaz e
fielmente cumpra o que êle quis.

Nos velhos livros, há regras de interpretar condições e modus. Porém a mais


corrente, a que serve a CÉVOLA (L.

13.,de oomticionibus et demonstrationibus, 35, 1), si, quando se trata de


condição, e ut quando modal a determinação, quer dizer: se, e para tinha de
ser posta de parte, porque constitui primeiro plano de interpretação,
enquanto se procura o sentido literal e não surgem dificuldades. Seria a
primeira regra jurídica, mas para os casos claros. O que nos importa é e
caso obscuro. Para êsse, a primeira regra jurídica é outra, e exatamente a
que elide o valor do si e do ut.

1.Algumas regras são úteis:a)Moduni nau tam verba faciunt, quam voluntas
(J. CUJÂCIO, Commentaria in libros Quaestionum Aemilii Papiniani,
Opera, pars posterior, IV, lib. 17, ad. 1, 71, 419-422). As páginas cujacianas
são ricas de ensinamentos: há palavras que fazem modus; outras, condições.
Certo, isto não impede que, usando delas, o testador constitua modus aqui e
ali condições. A regra vale para as condições como para o modus:
condicionem non faciunt verba> sed voluntas defuneti. O que induz modus
ou condição, só o induz em quanto se não prova que outro foi o querer do
testador: nisi probetur aliam fuisse eius volunt atem (ei. E. W. PPEIFFER,
Von dem wesentlichen flnterschiede und den Renuzeicheu des Modus und
der Coudicio, Praktische Ausfiihrungen, 25).

b)Se há suspensividade quanto ao que se deixa ao encarregado, há


condição, e não nzodus. DURANTE (De Condidonibus et Modis
impossibilibus et jure proflibentis, e. 1, n. 4):

“candido est, quoties disponens voluit, ut id quod in modum vel


condicionem deduxit, impleri debeat, antequam actus perficiatur, modus
vero tum adiectus censetur, quando impleri disponens voluit post
dispositionem et actum perfectum”. As restrições que faz C. ScUrO (Ii
Modus, 102) a esta regra não cabem à forma que lhe demos, escorreita. O
modus segue, a suspensiva precede.

e)Na dúvida, e por fôrça do art. 1.666, Ldeve-se presumir que é disposição
sub nwdo, e não convencional, porque o nvodus evidentemente importa
menor limitação á eficácia juridica da disposição querida (A. VON
SCHEURL, Zur Lehre von deu Nebenbestimmungen hei Rechtsgeschd [teu,
257; F. REGELSEERGER, Pandelcten, 1, § 166, nota 10) Ou, como
querem outros (L. ARNDTS, Lehrbueh der Pandekten,

8 a ed., § 74, nota 17, duvidosamente),

revivendo a ALCIATO, GOMEZ e MANTICA, se há de opinar pela


condicionalidade? A primeira tem por si a regra romana semper in obscuris
quoti minimum est sequilflhltr (L. 9, D., 50, 17) . Os arts. 85 e 1.666
aplicam-se quando a questão é de saber se a cláusula testatuentária constitui
modus ou .condiçâio swspensiva. Se houver dúvida, decidir-Se-á pelo
encargo (M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito Civil
português, fl, 3? ed.,

§ 702; Esbôço, de TEIXEIRA DE FRUTAS, art. 656, inspirados no


PreUSS. A. L. R., 1, 12, § 508).

11.São falsas as regras seguintes: a)A fungibilidade do fato potestativo


induz modus: oque é fungível e pecuniàriamente se avalia é modal; caso
contrário, condicional.
b)Se diz “deixo a A, que, por isso, fará 1‟ é sempre encargo. De regra, sim,
porque verba facutnt; mas as circunstâncias do querer podem dizer o
contrário, sob as palavras.

e)A de A. ALCIATUS, de ANTÔNIO COMES 6 de FRANCISCUS


MANTICA, acima referida.

4.“MODUS” E SIMPLES RECOMENDAÇÕES. Regras para distinguirem


modus e nuda pracceptúL, aquêle juridicamente eficaz (obrigatório) e êsse
só moralmente:

a)Procurar saber se, pelas circunstâncias, ainda que a favor do beneficiado,


a intenção do testador era abrigado, isto é, conferir eficácia jurídica. Um
dos elementos é a intensidade do interesse que mostra o disponente na
execução do que recomenda.

b)Conseqüência da regra cuja modum nou tam verba faciunt, quam voluntas
defuneti: as palavras, ou frases precativas, não obstam a que se trate de
modus, em vez de simples conselho.

5.DEIXAS DE NÚPCIAS. A deixa objeto de casamento não se entende


condicional, desde que se nao determinou com quem; é modu.s: entrega-se
desde logo (E. CER. WESTPUAL, Diss. quaestionufl luris privati, au
Legatum, cui inodus dotis constitut odiectus, modo nou adimpleto, corruni,
sist, § 18). Mas, se está de casamento ajustado com filho, ou parente, ou
pessoa que tenha sido a razão determinante, ou a condição de se deixar, é
pressupostos ou oondiciond.

§ 5.732. Conservação no direito testamentário

1.CONSERVAÇÃO. Conservar algo de um ato é salvar essa parte. É nesse


sentido que se fala em conservação. Tal expediente técnico pode operar-se,
ou por considerações sub jetipos, ou objetivamente, por ser conseqüência
da natureza das coisas. São conservações perfeitamente justificadas, ao
passo que privilégios injustos aquelas. Os arts.
158 e 152, parágrafo único, do Código Civil, inspiram-se no que dissemos,
e as leis foram aos poucos apagando os privilégios conservatórios. Mas é
indispensável o estudo deles.

2.CONSERVAÇÃO, FOR MOTIVO DA PIEDADE, DAS INSTITUIÇÕES


E DOS LEGADOS. Em matéria de formas testamentárias, ora invocavam
os juristas a ConstituIção do ano 321, no O., de sacrosauctis ecclesiis et de
rebiÃs et privilegiis earum, 1, 2, mas sem atenderem à de 455 (L. 13, O., 1,
2); ora o Código Visigótico (II, 5, 14), que só se referia à abertura de
testamento escrito e tanto sobrepunha a jurisdição temporal, que a exigia
nos a rôgo ou orais; ora a legislação de Alexandre III, estendendo-a a
lugares em que não havia poder temporal do Papa. Tudo isso faziam os
escritores (porém não todos), a fim de criar minudente teoria extra legal das
disposições ad pias causas. Para se conhecer a extensão e o compacto de
doutrinas, basta folhear os livros de 5. Sixxx, de PAULO

RUBEO, de AMOSTAZO, do francês FURGOLE e do português


FRANCISCO PINHEIRO.

A Lei 8 do Toro, na Espanha, a Ordenança francesa de 1785, o Preussiscites


Aligemeines Landrecht (II, 7, Título 11, pr. e art. 2, § 20) e o Código da
Saboia (Livro 5, Título 1) já não cogitaram de quaisquer privilégios. As
Ordenações Filipi. nas (Livro 1, Título 62, § 24; Manuelinas, Livro II, titulo
85, § 24) estatuíram: “E tudo o que por bem dêste Regimento mandamos
que se faça na execução dos testamentos, se fará e cumprirá nas cédulas e
codicilos, sendo feitos conforme as nossas ordenações e direito para serem
valiosos”. Direito, aí, era o Direito Romano, e não o Canônico. A Lei de 9
de setembro de 1769, § 21, e o Alvará de 20 de maio de 1796 fulminaram
testamentos em que se instituisse. Eram nulos, não só as instituIções
testamentárias, como os legados, ainda profanos, deixados nêles: a nulidade
era do testamento mesmo <Assentos de 29 de março e de 5 de dezembro de
1770, de 9 de abril de 1772 e 21 de julho de 1797). Quanto à validade, ficou
a questão de se saber se valiam os legados pios em testamento, no qual o
instituido não fôsse alma, porém que fôsse nulo por outro motivo
(FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testa.mentis, d. 2, 9, § 5, n. 357
s.).
Na dúvida, queria AGOSTINHO BARROSA (De Jure ecciesiastico, II, e.
18, n. 46) que se decidisse a favor do legado, por poder ser demonstrativo
ou taxativo> porém chocava-se tal solução com a posterior Lei de 9 de
setembro de 1769 e o Assento de 2 de março de 1786. Se se tivesse ficado
no que ensinavam FRANCISCO

PINHEIRO e os outros, seria, se não aceitável, não escandaloso como


exegese. Aliás, as argumentações foram mais longe. Queriam que vigorasse
a legislação de Alexandre III, sem as solenidades do direito nacional e
romano: e a resposta do Papa fora a um bispo de sua dominação temporal.
Mais: queriam que valesse para os legados pias, e a regra do Papa fora para
todos os testamentos.

Luta extrema entre os dois poderes. É de ver, de um lado, dizerem


canonistas: onde se trata de causa pia, entre lei e cânon, prevalece o cânon
(PAULO RUBRO: ubi agitur de pia causa Canon praevalet Legi;
AMOSTAZO: quae spiritu Dei aguntur, legibus humanis non subiacent;
FRANCISCO PINHEIRO: unde nulibi gentium per aliquam legem civilem
impediri, vel abrogari potest dictum privilegium testamento ad causas pias
concessum). Havia vozes, como a de J. V. PATUZZI, a bradar pela
necessidade de se respeitarem as leis temporais, porque o manda a própria
religião, e deverem não se entender nem corromper as legislações por
interpretações de caráter privado. Era famoso teólogo e escreveu: “pietas
vero causae, nimirum quod Legatum, et testamentum cedat, in utilitateni
animae testatoris, non subtrahit materiam a subiectione Legum, cum haec in
rebus temporalibus sita sit, quaes Principum justis Legibus subjicitur, quae
certae sunt et sancte custodiendae; et non licet ilías iuxta privatorum
interpretionem plus justo, vel extendere, vel corrumpere”.

Os partidários da Decretal invocavam o exemplo dos escritores alemães.


Ora, a situação em Portugal era diferente, não só por fôrça da velha Lei de
21 de maio de 1849, como das Ordenações Afonsinas, Livro 11, Título 8,
das Ordenações Manuelinas, Livro 11, Titulo 5, e das Filipinas, Livro 111,
Titulo 64, que sobrepunham os estilos e costumes das leis imperiais aos
cânones, além do que especialmente diziam as Manuelinas e Filipinas sôbre
as formas testamentárias.
Quanto à exceção só a favor dos legados pios, havia dois grupos: uns pela
subsistência dos legados (ANTÔNIO DA GAMA, Decisiones Supremi
Senatus Regni Lusitaniae, d. 880; FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de
Testamentis, d. 2, 9, § 5, n. 357); outros, pela nulidade, se legados
acessórios do principal nulo (B. EGÍDIO, na L. 1, C. de Sacros. Redes., V, §
2, n. 15; AcosTINHO BARROSA, De Jure ecelesiastico, li, c. 13, n. 43).
Como quer que seja, o fato, que se dava, não era o de conversão, sim o de
conservaçâo, pôsto que, naquele tempo, a técnica jurídica ainda não tivesse
discriminado, como fôra preciso, fatos tão diferentes.

3.EXEMPLOS DE CONSERVAÇÃO NO DIREITO TESTAMENTÁRIO


HODIERNO. Permitimos hoje o reconhecimento de filhos se faça mediante
escritura pública ou por testamento (Código Civil, art. 357). Aí está
problema hodierno de conservação: se nulo o ato como testamento, porém
válido como escritura ordinária de ato jurídico, .~deve conservar-se com a
forma válida? Evidentemente, sim, e não se trata de converter-se, mas de
conservar-se. Também o tutor pode ser nomeado em testamento, ou
qualquer outro documento autêntico (art. 407, parágrafo único). Na
primeira edição do Código Civil dizia-se testamento válido e solene. Teria
sido elemento de resistência na possibilidade de conservação; mas o
Decreto n. 3.725, de 15 de janeiro de 1919, corrigiu o art. 407, parágrafo
único. Se, com aquelas expressões, fôra de admitir o procedimento
conservativo, hoje, nem sequer contra ele seriam de invocar-se. Se a
nulidade não destrói o valor como documento autêntico, conserva-se o ato
de nomeação.

4.NULIDADE DE TESTAMENTO E CONSERVAÇÃO. Defeituoso na


forma um testamento, ~qual o efeito da nulidade na parte não mortis causa?
É o caso do reconhecimento de filho, ou de dívida. Tecnicamente, a questão
pode ser posta nos seguintes termos: ~ há ou não há conservação?
(Preliminarmente, afastemos os reconhecimentos in fraudem legis, que nada
têm com o nosso assunto: são as questões de CtVOLA, na L. 27, 13., de
probationibus et praesumptionibus 22, 3, e na L. 37. § 6, de legatis et
fideicommissis, 82. Outro problema a eliminar-se é o do valor probatório do
reconhecimento de dívida, ou do valor da declaração si nou deberentur, que
pertence à matéria das interpretações. O que resta válido vale. Seria um
anular inútil e o Direito tem interesse em conservar o que é útil e separável.
Algumas leis o dizem. Não era preciso dizê-lo.

Cumpre, porém, separarem-se dois casos principais de conservação: a) o


que resta, por si, prova plenamente; exemplo: por faltar uma testemunha,
declara-se nulo o testamento, mas, nêle, há reconhecimento bastante de
dívida ou de situação jurídica; b) o que resta constitui comêço de prova por
escrito. Nesse caso (RICARD, Traité des Donations, Parte 8, n. 114;
DANTY, Traité de la Preuve par témoin, e. 16), salva-se o útil, e os
interessados que o completem.

Na espécie a), a razão está com C. TOULLIER (Le Droit civil français, V,
n. 636) : “si le Tostament qui contient la réconnaissance d‟une dotte eu
favour d‟une porsonne capable, est nul, ii faut distinguer: s‟il est souscrit
par lo testateur, il sombie qu‟ en co qui concerne la réconnaissance, il doit
faire preuve entiêre, car cette reconnaissance pouvait être faite par acte sous
soingprivé. Si le Testament, sans être signé par lo testateur, était revêtu dos
formes requises pour la validité dos actes notariés ordinaires, mais nul par
l‟omission de quelque forinalité exigée pour la validité dos Testaments, il
sembie oncore que la reconnaissance contenue dans un pareil Testament
devrait subsister; car, pour être valide, eIle n‟avait besoin que dos
formalités requises pour los actos notariés ordinaires”.

Certo, tal solução não pode intervir quando a falta de prova possa por em
dúvida, ainda em relação ao ato não

„nwrti.s causa, a validade do instrumento. Se bem que, se aquele se pode


provar por outros meios, a nulidade do instrumento não induza a do ato.

De qualquer modo, é contra princípios superiores de direito levar até


extremos de dureza e de inamolgabilidade o Quod nulium est nuilum
producit effectum, despido da sua generalidade e vestido na particularidade
do In jure testamentum imperfectum nulium est. Demais, há a possibilidade
de se tratar de aceitação de oferta, do reconhecimento de uma situação de
que realmente usou, em vida, o testador, e então impõe-se tudo que já
dissemos.
Princípio por princípio, poder-se-ia opor que a dívida ou o direito
reconhecido não no é in vim testamenti, saltem debetur in vim consensus.

§ 5.783. Conversão no direito testamentário

1.CONCEITO DE ANEXO JURÍDICO. O direito romano conseguiu tipos


de atos jurídicos, mas a teoria do negócio jurídico, o conceito do ato
jurídico, em sua inteireza de construção abstrata e sadia, constitui obra do
século XIX. A expressão Rechtsgeschdft, segundo F. REGELSEERGER
(Pandelcten, 1, 488, nota 1), pela primeira vez empregou GUSTAV HUGO,
na 33 ed. do Lehrbuch der Pand ect eu, em 1805; contra M. WLAsSAK,
que a atribui a A. HEISE, em 1807, em Gr‟undriss. Contudo, a perfeita
sistematização foi obra de GUSTAV Huco (5.

ScnwssMANN, Der Vertrag, 131).

Que aos juristas romanos faltou a indução magnífica, basta, para prová-lo,
dizer que êles falaram em negotium, mas tão inexatos que doações não eram
negotia (L. 58, D., de donationibus inter vivus et uccorem, 24, 1), pôsto que
o fôssem, para êles, os atos processuais (GAIO, IV, 84, 141, 184). Gest um,
que também empregavam, só se referia aos atos reais.

2.FAvOIWS E CONVERSÃO. . Cumpre, de início, distinguirem-se o favor


testamenti o respeito ou obséquio à voluntas testantium. Com a tendência
que caracteriza e define o favor testamenti, sustenta-se, quanto vossivel, a
instituição do herdeiro e o próprio testamento. Com o respeito à voluntas
testantium, tende o juiz a fortalecer e executar o que do texto consta ou
constitui o mais provável e presumível (E. COSTA, Papiniano, .S‟tudio di
Storia interna dei dirilto romano, II, 2). Ambos poderiam sugerir a
conversão, mas nem um nem outro com ela se confudem.

3. FIXAÇÃO DO CONCEITO DE CONVERSÃO. A ciência do Direito


conseguiu, aos poucos, por sucessivas aproximações do real, dos dados da
vida, das relações e fenômenos jurídicos, caracterizar o fato da conversão.

Eliminou-se do conceito tudo que lhe era estranho. Deu-se vigor a tudo que
a ele pertencia e obscura, confusa ou apagadamente se via. Não se havia de
cogitar de validade parcial de ato jurídico, como parecia a A. E. 5.
THIBAUT

(System des Pandektenreckts 4a ed., § 79),

§§ 5.783 E 5.784. CONVERSÃO E TESTAMENTO

875

e a G. F. PUCETA (Pandekten, § 67, e Voriesungeu ilber das heutige


rõmi.sche RecJ2.t, 43 ed., 1, 142). Seria diferença quantitativa, a que se
reporta o fato da conservação, e não o da conversão dos atos jurídicos.
Nesses toda a forma é nula, o que se salva não é parte, mas a vontade. Nem
seria caso de invocar a falsa nominação, porque, aqui, nem forma, nem
parte seriam sacrificadas; todos sabem que o nome não tem tão grande
importância.

Na conversão, é intacto o espírito, o espírito do negócio jurídico (R.


RôMER, Zur Lehre von der Conversion der Rechtsgeschãfte, Árch,iv flir
die civilistisefle Praxis, 86, 68, falou em corpo e espírito do negócio: o
corpo é que está ferido). A conversão é algo que obriga o corpo, a forma, a
seguir a direção da vontade para os fins jurídicos, isto é, a Seele des
Ge.sch4fts. Aproveitando e melhorando a imagem, digamos: na
convalescença, o corpo morto ressuscita; na conversão, o espírito persiste
e, pois, busca a forma que a contenha; na conservação, salva-se o corpo a
que se cortaram os membros insalvaveis.

4.FUNÇÃO DA CONVERSÃO. Pela conversão, o conteúdo do negócio,


passando a outra fana, produz os mesmo s resultados que se queriam. Não
se quis o nôvo negócio: o que se dá é que os resultados queridos são os
mesmos.

Ora, nos testamentos, o que o testador quer são os resultados, e não as


figuras jurídicas. Pouco lhe importa que se chame usufruto ou
ínalienabilidade, fideicomisso ou usufruto, modus ou usufruto, púnsão, ou
renda constituiria. O
que ele quer é a liberalidade, como lhe pareceu possível. Qualquer solução
que irremediável. mente atinja a verba, matando-a, riscando-a, canoelando-
a, por se tratar de erro de direito, e não de fato, constituiria péssimo
procedimento de política jurídica.

Todo querer e querer de resultado e de maneira: se o resultado é lícito, nada


obsta a que se procure a forma, em que se possam meter os resultados
queridos. Varia-se de forma, converte-se. O escopo econômico é o mesmo;
mas não se consegue pelo modo que o disponente quis, e sim por outro que
ele talvez não tenha querido. A vontade é a mesma, o actus varia 876
SOMENTE

5. REQUISITOS PARA A CONVERSÃO. Para que a conversão seja


possível, faz-se preciso: a) que no negócio nulo se encontrem todos os
elementos do negócio jurídico em que se converta (requisito objetivo) ; b)
que os resultados do negócio jurídico saído da conversão possam ser
idênticos, ou, pelo menos, provAvelmente queridos pelos declarantes ou
disponentes (requisito subjetivo).

Ora, quanto àquele primeiro requisito, quem o verifica é quem declara,


implicitamente, existir (nem seria de crer que se pudesse converter em
forma insuficiente e, pois, também ela, nula). O segundo remete ao
indagante a interpretação da vontade. Se quiseram os resultados, isto é, se
os resultados satisfariam os figurantes ou o disponente, impõe-se a
conversão. Não se confunde com a conservação, em que se mantém o
mesmo negócio.

Exemplo de conversão: nula a venda, pela falta de forma escrita suficiente,


vale como promessa (contratos) ; nula a verba testamentária como usufruto,
vale como inalienabilidade (atos unilaterais). Exemplo de conservação: se é
nulo o ato público por incompetência do oficial, mas, no que ficou, tem-se
documento com os requisitos do instrumento particular, e esse basta ao
negócio, vale o que se contratou, isto é, conserva-se, a despeito da nulidade
formal do ato público.
É sutil a distinção; contudo, de grande interesse prático. Esquecê-la é estar
prestes, a todo o momento, a cometer graves injustiças, porque conservação
e conversão atendem a sérios interesses pragmáticos da vida.

6.CONVERSÃO NOS SISTEMAS JURÍDICOS. Antes do Código Civil


alemão, a conversão não estava em lei.

Precisava estar? Não. Foi resultado da ciência, no analisar as relações


jurídicas e revelar a regra, induzindo-a. É o produto de atividade sadia,
como fora de desejar a todas as regras jurídicas. Nisso colaboraram E. VON
SAVIANY, A. E. J. THIEAUT (System des Pandektenrechts, § 79), G. F.
PUCETA (Pandekten, § 67, Vorlesungen liber das heutige rôrnisefle Recht,
4a ed., 1, 158, cp. E. L. v. KELLER, Pandekten, 23 ed., 1, 145), JOSEPH
UNGER, O. O. VON WÀCHTER, II. THÓL, B. WINDSCHEID, E.
RÓMER, F. REGELSEERGER e E. DERNBURG.

Nem sequer as fontes costumeiras eram concludentes, posto que houvesse


exemplos.

§§ 5.738 E 5.784. CONVERSÃO E TESTAMENTO

877

7.CONVERSÃO NAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS. Conversão é


a transformação do negócio jurídico nulo em outro que possa valer. Entre o
negócio nulo e o que o substitui, querem uns que se exija o mesmo gênero,
outros o mesmo conteúdo, outros o mesmo efeito, ou o mesmo fim prático.
Mais: indagar-se-á o que quis, ou, para outros, o que se deve considerar
como o querido, ou o que se quis, se não com o nome, com a substância. ~
preciso que o declarante tenha querido, ainda tácita ou eventualmente, o que
se substitui. Assim Joszrn UNGER (System, II,

§ 91).

Cumpre cercar as realidades. O que um testador quer são fatos, e não


nomes. Se quis uma coisa em vez do que disse, claro que se satisfaz a
JOSEPH UNGELi. Se ele quis isso mais aquilo, que seria fideicomisso, e a
lei só lhe permite isso, e não aquilo, o juiz não pergunta se quis só isso: está
no texto que ele quis as duas coisas, uma só das quais foi possível. O
escopo dos testadores é prático, e não teórico: e os não-juristas dificilmente
penetram nas peculiaridades jurídicas das relações humanas (F.
REGELSBELtGER, Pandekten, 1, § 139, 490). Dir

-se-á que ai não há conversão, mas conservação (E. DERNBURG, Das


Bilrgerliche Recht, 1, § 124, 2). Em verdade, contra

F. RECELSEERGER (Pandekten, 688, nota 7), aqui o que se faz é aplicar o


direito vigente, classificar a verba, como dizemos no Brasil, e não
converter. Porém será sempre assim? i.Tratar-se-á, sempre, de mera
conservação, de mero explicitar teórico-jurídico do que o testador
prAticamente quis?

Imaginemos que o testador deixou a fortuna em prédios a A, como


fideicomissário B, mulher de A, e por morte desse “os bens que dêem para
o sustento da mãe de A, que não será herdeira de E”. fl um fideicomisso
proibido (artigo 1.789). São bens que passam, de nôvo, a alguém, por morte
de outrem. APode intervir, aí, a conversão? ~Se o juiz disser que se trata de
encargo ao fideicomissário, invocando “o que dê para o sustento”? Há
diferença substancial entre o herdeiro fideicomissário e o beneficiado pela
pensão. O testador falou em bens, e não em quantias. Verdade é que há
elementos que a nulidade não atingiu e podem configurar o modus. Mas, se
o testador quis isso, é coisa difícil de saber-se. a conversão que se dá.

8.CONVERSÃO E FIDEICOMISSO. A quase totalidade dos escritores


admite que se converta a substituição fideicomissária em vulgar, quando os
elementos restantes possam perfazê-la. É conversão? “Deixo os bens a A;
por morte de A, a E; por morte de E, a O”. Antes do testador, morre A.
Pode converter-se a disposição, originariamente em parte, nula? Já não
ocorre violação da lei: se ocorresse, nula seria a substituição de O a E;
porém, como premorreu A, satisfez-se a lei. Não é conversão, é aplicação
da regra jurídica utile per mutile non vitiatur (art.

1.740).
No campo do adágio utile per mutile non vitiatur, divide-se o ato: cancela-
se o que é nulo, salva-se o que é útil. No da conversão, não é parte do ato
ferido, que se resguarda: é todo um outro ato.

9. “ERROR IN NOMINE NEGOTII”. Por Vezes, a interpretação descobre


tão rente satisfação dos requisitos de outro negócio jurídico, que a
conversão quase desaparece: resolve-se em simples proclamação de um
error in noinine negotii. O disponente ou os declarantes quiseram, não só os
resultados, como os resultados e a maneira: erraram no nome.

10. CONVALESCENÇA E CONVERSÃO. Nulo o negócio, e não cabendo


a conversão (exclua-se a conservação: nessa, o negócio vale, um aspecto da
forma é que não vale), o que não se pode pretender é que convalesça.

Convalescença e conversão são coisas diferentes. Na conversão, nula uma,


outra forma deixa que o resultado se obtenha. Na convalescença, o nulo
deixaria de ser nulo: não haveria outro, em que se convertesse; de si só
(como quem se levante, a si mesmo, pelos cabelos), se reergueria. Por isso,
nulo o ato, a prescrição não o faz convalescer. Tal a regra. Para que
convalesça é preciso norma especial, de que é exemplo o art. 208 do
Código Civil (casamento nulo que convalesce).

11.CONVERSÃO NOS DIFERENTES SISTEMAS TURCOS

O Código Civil alemão tratou da conversão (§ 140). Os outros Códigos


Civis nada dizem. Só as legislações, esparsamente.

„Consignam certos casos de conversão legal. A francesa, a italiana e a


brasileira. A falta de texto geral não nos deve levarà exclusão do instituto:
preexiste às regras escritas, só se não opera onde princípios firmes lhe
impedem. Aqui, como na França (RENÉ JAPIOT, Deg Nuílités en matiêre
d‟actes juridiques, 672), e na Itália (G. SAnA, La Converzione dei negozi
giuridici, pág. 1 s.), temos de construir teoria da conversão, resultante de
considerações superiores, que, se a lei escrita não consagrou, fazem parte da
ciência jurídica. A conversão jurídica, somente dois princípios a vedam em
certos casos:

1) quando a forma é essencial, e não existe figura substituível à nula


(testamento); 2) quando se prove que os figurantes, tendo conhecido a
nulidade, e podendo assinar outro ato, não teriam procedido deste modo.

Os alemães inseriram a regra jurídica sôbre conversão desde o 1 Projeto. Na


II Comissão, dois pareceres enfrentaram-se: manter o então § 111 (hoje §
140), ou riscá-lo. Mas riscar, não porque se quisesse impedir o princípio de
direito, e sim porque e isso tem grande importância nos outros sistemas
jurídicos devia o assunto ficar A Ciência. A II Comissão preferiu manter o
§ 111, com o intuito de, uma vez por todas, cortar cerco as discussões sôbre
a admissibilidade ou não da conversão (Protokolle, 1, 127).

12. NULIDADE, INEXISTÊNCIA E CONVERSÃO. A conversão exige


que o ato seja nulo, porém não pode ocorrer se inexistente. O que se quer é
salvar um mínimo de ato, que resta nos atos nulos, e é nenhum no
inexistente.

Demais, no ato em que se converteu o nulo deve haver o querer inicial, a


vontade inicial (G. SATTA, La Converzione dei negozi giuridici, 9 s.). Se
trata de ato informe, seria demasiado o propósito conservativo, pois a
conservação é outro instituto, mas legítimo o de pretender convertê-lo (OH.
LYON-CAEN et L. RENAULT, Traité de Droit eommerciaí, ga ed., IV, n.
470).

Se, na declaração de vontade, faltam os elementos para outro negócio


jurídico, em que o nulo se converta, do nada não se pode tirar o que possa,
juridicamente, ser. É preciso, portanto, que o negócio nulo, de que se trata,
seja, não o negotium non datum, mas o negotium inutiliter datur. O ser do
que vai valer há de achar-se no que inútil se fêz. (Por onde se vê, no fundo,
o parentesco entre a conversão e a conservação.) Por isso mesmo, o objeto
ilícito ou imoral obstaria à conversão. Mais: se é possível,.783 E 5.734.
CONVERSÃO E TESTAMENTO cogitar em testamento, a conservação,
não se deve
§§ 5 de uma conversão do ato (todo o negócio jurídico), unilateral, como é,
numa compra e venda de casas, que é bilateral.

Nulo, ou anulável, o ato pode converter-se.

Quando se trata de instrumento de prova, exemplo, ato autêntico nulo, que


vale como privado, não há conversão, porém conservação.

18.CAMPO DE APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO CONVERSIVO.

A conversão não é peculiar a espécies de atos jurídicos. Há conversão de


atos jurídicos de toda a natureza.

Unilaterais e bilaterais. Entre vivos e cansa mortis. De obrigação e de


direito das coisas. Causais e abstratos (II. A.

Voss, Die Konversion des Rechtsgeschiif Is, 42). Por isso mesmo, apanha
todo o mundo do direito.

Se a própria declaração de vontade é nula, porém não o seria para outro


negócio jurídico, pode dar-se a conversão.

Se negócio jurídico que é ineficaz, sem ser nulo, isto é, que vale mas não
tem efeitos, não se converte. Se bem que (cf. H. A. VOss, fie Konversion
des Recktsgeschãfts, 48) um negócio nulo, mas eficaz, possa converter-se.

14. PREVISÃO DO AUTOR DO ATO. Se o declarante reconhecia ou


desconfiava da nulidade, e quis ou queria a nova forma válida, não se trata
de conversão, ainda que essa nova forma, e outro negócio jurídico, seja
subsidiário.

Por isso, a cláusula codicilar nada tem que ver com a conversão (H. A.
VOSS, Die Konversion des Rechtsgeschãfts, 47).

Quid, se o declarante não cogitou da nulidade e queria, de fato, a nova


forma? Esse querer ou não querer do negócio jurídico convertido é
indiferente. Se não se sabe se queria, converte-se, porque é melhor que
valha. Se se sabe que era isso o que ele queria, tanto melhor. Queria, não só
os resultados, como os meios.

Aliás, o juiz não cogitará da teoria da declaração, para se ater ao declarado,


à palavra. Mas, para saber do querer dos resultados (elementos que vão
servir ao negócio jurídico nôvo), tem de procurar a vontade.

15.ENTRE INTERPRETAÇÃO E NULIDADE, PRIMA A


INTERPRETAÇÃO. Uma das principais conseqüências do art. 1.666 do
Código Civil é o salvamento das verbas testamentárias, quando, havendo
dúvida, há duas ou mais soluções possiveis: uma que daria valor à
disposição, outra que faria nula ou anulável, ou de qualquer maneira
ineficaz ou inoperante. Basta que haja dúvida, para se decidir pela
interpretação validante. Em relação à nulidade, prima a interpretação.

Por isso mesmo: (a) Antes de se pedir a nulidade de uma verba, deve pedir-
se a interpretação. Só depois da interpretação, é que se tem base para
requerer a declaração da nulidade ou anulação. Salvo se, desde logo, só uma
interpretação for possível e tal seja a que faz nula, ou anulável, a verba.

(b) O processo da interpretação não precisa ser litigioso; mas, havendo


discussão do sentido (salvo se de má fé, para criar litigiosidade), deve ser
tratado como contencioso.

16. “TOTIUS UT VALEAT QUAM UT PEREAT”. Dada a vontade do


testador, sob uma categoria proibida, deve-se entender a que lhe dá eficácia
7‟otins ut vaieat quam ut pereat. O argumento contrário é o de sacrificar-
se, preconcebidamente, disposição restritiva ou proibitiva (PRANÇOIS
GENY, Scence a Techuique eu droit privé positif, III, 171). Porém não tem
razão. Se a outra categoria permite, a proibição é relativa a uma categoria, e
não ao negotium. Não é o deixar que se proibe; é a forma pela qual se deixa.
Não é escapatória; é a aplicação de princípios, principalmente do art. 1.666
do Código Civil.

Diante do juiz que lê, para cumprir, um testamento, pode desenrolar-se todo
um mundo de categorias jurídicas, var-iae causaram figuras: e os
elementos, que as compõem, ali estão, como em caleidoscópio. O seu
principal mister vai ser o de distinguir tais elementos e classificá-los, como
o botânico faria As plantas. Usufruto, fideicomisso, inalienabilidade,
propriedade resolutiva, legado condicional, modus, substituição,
suspensividade do exercício, suspensividade da aquisição da

coisa... As formas estão na lei, nos livros: as matérias, com que as enche,
dá-las-á o testamento. Umas cabem aqui; outras, ali. A autonomia da
vontade, que faz a negotium, e os quadros legais, os tipos, em que o
negócio, actus iuridicus, se submete .A lei publica.

(~ÀEPIJS <M“A”!O IIJ

882 SOMENTE

17. TESTAMENTO NULO E RECONHECIMENTO DE DIVIDA.

O legado em testamento nulo pode ser válido como reconheci. mento de


dívida (Tribunal de Munique, Rechtsprecnung der O.L.G., 85, 874 s.; J?~
HERZFELDER J. von Staudingers Kom-mentar, V, 456).

18. GRAVAMES JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEIS Várias vezes ocorre


dispor o falecido que fiquem em usufruto as legítimas. ~ Como decidir:
considerar nula, não escrita, a cláusula, pelo favor das legítimas ou quotas
necessárias (art. 1.721),. ou, pelo respeito da voluntas testantium, entender
que as clausulou de inalienabilidade como a lei Ibo permitia? Volta aquilo a
que poderíamos chamar o drama dos favores.

Se ficarmos do lado do favor voluntatis (art. 1.666), atenderemos a que a


verdadeira causa das disposições mortis causa está no velar pelos herdeiros
e que se presume o amor do falecido. Então, decidir-se á pela cláusula
possível.

Se propendermos para o odium contra o testador, que escreveu a cláusula


impossível, sofregamente a daremos por não escrita, suvervácua e
aplicaremos às cláusulas em geral o que o Código Civil só dispôs quanto às
condições (infeliz, confusão, a cuja conta correm, nos repertórios, graves
erros judiciários).

Se quisermos invocar-o princípio, só restritamente atingível, da


inviolabilidade das legítimas (arts. 1.576, 1.721 e 1.728), desviaremos o
golpe que sôbre elas desferiu, erradamente, o testador.

Caracterizaremos a questão. Para isso, basta o exemplo concreto: “quero


que as legítimas de meus filhos A e B

sejam em usufruto”. Trata-se de troca de expressões e a regra geral do


Código Civil, art. 85, que se reforça no art.

1.666, por si só. resolve a dúvida: entre texto e vontade discernível,


prevalece essa contra aquele. Não se dará o mesmo noutros casos: “quero
que as partes dos meus filhos sejam em usufruto e a propriedade pertença
aos meus netos”; “dos bens de A e B, usufrutuários, serão proprietários
meus pais”. Nessas espécies, quis nulamente o testador: infringiu a lei,
solapou, inteiro, o princípio da inviolabilidade das quotas necessárias. Não
se poderá dizer que o seu fito era o de tornar inalienáveis os bens. Nem
poderá esperar o testador que se lhe conservem as disposições na melhor
das suposições, tão insuficientemente esclarecidas. Lendo-as, seria difícil
apontar-lhes como causa o propósito de evitar dilapidação ou azares da
vida. Mais transparece o de distribuir, em domínio e usufruto, a propriedade
dos bens herdados.

§ 5.784. Natureza da regra jurídica

1. REGRA JURÍDICA INTERPRETATIVA, PORÉM, NEM POR ISSO,


MENOS LEI. A regra jurídica do art.

1.666 é interpretativa, mas é inegável que intervindo questão de conversão


ou de evitamento de nulidade . ressalta algo de cogente, porque diz com a
validade mesma do disposto. As regras jurídicas interpretativas, que
aparecem nos Códigos, são leis, regras positivas, têm conteúdo jurídico
positivo. São leis, como as outras. O juiz que deixa de interpretar segundo
o art. 1.666 comete infração da lei, como se deixasse de aplicar qualquer
outra regra jurídica (F. STEIN, Das private Wissen des .Richters, 48).

São dirigidas ao juiz (W. WEDEMEYER, Áuslegung u?Zd Irrtum in ihrem


Zusammmenhange, 8). Porém não proc essuais; têm conteúdo material (E.
STEIN, Das private Wissen des Richters, 49), de direito civil ou comercial,
e por isso só ordenáveis, no Brasil, pelo Congresso Nacional.

O fato de serem interpretativas não lhes tira a subst antividade: são regras
de direito material. Determinam efeitos jurÍdicos, criam direitos materiais: o
juiz, aí, mediador aparente, é mero instrumento revelador. Os poderes, que
os artigos 85 e 1.666 lhe conferem, são no sentido de revelar o querer. Ora,
o querer é que dá a parte mais material do ato jurídico.

2. QUESTÕES DE DIREITO JUDICIÁRIO FEDERAL E DE DIREITO


RESCISÓRIO. Uma das conseqüências do que acima se disse é que o juiz,
se desatende ao pedido de aplicação do Código Civil, art. 1.666, viola lei
federal.

Não se confunda interpretar lei com aplicar ou deixar de aplicar regra


jurídica de interpretação. Pois, se atendeu e interpretou a vontade do
testador, pode ter interpretado mal.

não deixou de aplicar.

A situação já provocou na Alemanha discussões e discordâncias. Porque as


regras jurídicas interpretativas (arts. 85, 1.666) são leis, cujo objeto é
interpretar, queriam E. S¶rEIN (Das private Wissen des Rich,ters, 140 s.),
KONRAD

HELLWIG (Lehrbueh. des deutscken Zivilprozessreclits, II, 144), E.


LEONHAItD (Die Beweislast, SSi) e G.

KLEINFELLER (Lehrbueh des deutschen Zivilprozessrechts, 488) que os


Tribunais Supre-mos interpretassem.
Discutiram isso: STAHL (Zur Lehre von der Revision, Aro kiv fiar die
civilistische Pra yis, 67, 94 s.) PETERSEN

(Die Auslegung der Rechtsgeschãfte und das liavisionsgericht, Deutsehe


Juristen-Zeitung, IV, 281 s.). Contra, decisivamente, BOYENS (Grenzen
zwischen Tatfrage und Rechtsfrage, Sãchsisches Archiv, 199) e Eaicn
DANZ

(fie Auslegung der Reehtsgeschiif te, 8? ed., § 21), para quem a


determinação de fatos nos negócios jurídicos termina desde o momento em
que se comprovam as palavras concretas ou outras manifestações de
vontade que se hajam empregado como meio de declaração, porém a
declaração dos significados desses meios declaratórios do sentido faz parte
da questão de direito, conquanto também caiba à interpretação determinar
os efeitos jurídicos produzidos no caso concreto.

Também no Brasil, a questão surge na Constituição de 1967, art. 118, III,


a), b) e e). As regras jurídicas da natureza do art. 1.666 são leis, cuja
invalidação, ou interpretação (art. 118, III, d), suscita a pretensão ao recurso
extraordinário, se a decisão for contra a aplicação.

No caso do art. 118, III, á), da Constituicão de 196t, isto é, quando dois ou
mais tribunais ou juizes, em única ou última instância, interpretam de modo
diferente a mesma lei federal, cumpre distinguir discussão sobre as verbas,
matéria de fato, e discussão sôbre a interpretação de regras jurídicas
dispositivas, como os arts. 1.671, 1.678 e 1.674

do Código Civil, ou interpretativas. Se juiz ou tribunal disse, por exemplo,


que o art. 1.666 não vai até a conversão, ou que o fisco é herdeiro legítimo
no sentido do art. 1.675, e outro juiz ou tribunal discorda na interpretação,
cabe o recurso extraordinário do art. 113, III, d).

Mas o campo principal é a ação rescisória.. Sentença contra a aplicação de


regras jurídicas, como o art. 1.666, é sentença que se pode desconstituir
pela ação rescisória.
3. APLICAÇÃO DA REGRA JURÍDICA. A lei exige que, pela
multiplicidade de interpretações possíveis, não se deixe de atender à
disposição. Mais: que não se adote, na dúvida, a interpretação mais
acomodadora, mais denunciadora de transigência com os interessados. Esse
espírito de transação não lhe agrada, nem lhe serve, em matéria de
interpretação de cláusulas testamentárias. O juiz deve fazer prevalecer, até
onde for possível, o testamento, a disposição testamentária; havendo
dúvida, adotará a interpretação que lhe permita produzir efeitos.

Se o testador disse que deixaria a LI o prédio; procure-se saber qual dos


prédios. Se da letra do testamento nenhuma certeza se tira, não pode o juiz
considerar não escrita a cláusula: há de acolher, de preferência, a
interpretação que dê valor ao disposto no testamento, Se há muitos prédios,
um deles. Se o testador permitia ao legatário viver num dos prédios, foi esse
o prédio legado. Das interpretações possíveis, prevalece a que mais eficácia
dê ao testamento.

Dentre todos os prédios do testador, segundo o art. 1.700, por analogia.

Por isso mesmo, em caso de incerteza, quando forem muitas as pessoas,


serão todas chamadas em partes iguais (ad.

1.671). O que se faz mister é que se não invalide a disposição testamentária.


Ou a disposição codicilar.

§ 5.735. Considerações finais sobre interpretação

1.“QUAESTIO FACTI” E “QUAESflO IURIS”. A interpretação das verbas


testamentárias é questão de fato e de direito, da qual podem surgir
controvérsias graves e estabelecer-se a contenciosidade. Para os efeitos
processuais, é de extraordinária relevância. Pode dar-se que se firme o caso
julgado, e.g., se foram intimados, para isso, os interessados, ou se houve
recurso e foi definitivamente julgado.

2.EFEITO FIXADOR DA CLASSIFICAÇÃO DA VERBA. Convém


advertir-se que a vontade do testador há de ser procurada, para se conhecer
o conteúdo das disposições; não, porém, para as suas conseqüências
jurídicas (E.

HERZFELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, 9? ed., V, 458).


Classificada a verba, não cabe mais, para os efeitos jurídicos, a indagação
do que quis o testador.

O testamenteiro não interpreta, autenticamente, a cédula testamentária. Nem


o testador pode conceder-lhe isso. Se lho concedeu, em termos expressos e
claros, ainda assim é sem efeito. O direito de interpretar não se subsume
naqueles que decorrem da autonomia do testador. Nem ao juiz,
pessoalmente, pode o testador conferi-lo. Seria sem efeito a declaração do
testador: “O juiz da Provedoria interpretará sem recurso É a opinião
vitoriosa, e justa (F.

HERZFELDER, Erbrecht, 1. v. Staudingers Komment ar, 9? ed., V, 651; no


direito alemão anterior, havia divergências, cp. J. GOLDFELD, Streitfrageu
aus dem deutschen Erbrecht, 150, nota 84).

Resta-nos uma questão: não pode o testador pré-escolher o testamenteiro,


como juiz arbitral, nas divergências de inter-prestação do testamento? Há,
na Alemanha, jurisprudência favorável. Em todo o caso, no direito
brasileiro, cumpre distinguir: o testamenteiro exerce esse cargo, com
recurso para o Juiz da Provedoria, nos termos dos arts.

1.040, III, e 1.046, e a execução depende de homologação (art. 1.045); há


recurso sempre que se nega validade ou eficácia à verba testamentária,
porque não se pode deixar a outrem tal decisão (art. 1.667).

8. QUANTO AOS LEGITIMADOS PARA DISCUTIR A


INTERPRETAÇÃO. No direito brasileiro, a interpretação das verbas
testamentárias interessa às pessoas particulares e ao poder público. Daí a
necessária intervenção do Curador de Testamentos.

São matéria de:

a)
b)

c)aproveitar.

d) O inventariante, mas somente onde se trate de maneira de inventariar e


partir. Tem-se dado a esse cargo importância maior do que lhe cabe:
resultado da confusão com as funções de testamenteiro. Quando a verba foi
interpretada do modo (a) e o inventariante discorda, não sendo
testamenteiro, nem interessado, o cargo não lhe dá direito a recurso. A
questão de atribuição de direito não lhe toca: ele só inventário legitimados
a promover, discutir e recorrer em mainterpretação de verbas:

O testamenteiro.

O Curador de Testamentos.

As partes, a que uma das interpretações possa taria e partilha. Assim, a


própria mulher do decujo, que de modo nenhum é herdeira legítima ou
testamentária, ou interessada em verba testamentária, nada tem com a
questão da interpretação das verbas: concerne a porção, que lhe é estranha,
e a interpretação (a) ou a interpretação (b) de nenhuma forma lhe aproveita,
ou prejudica. Não deve o juiz admitir-lhe recursos: não é legitimada a
intervir na exegese do texto testamentário. A só qualidade de cabeça de
casal não lhe dá autorização.

e) A Fazenda: a) para mostrar que a qualificação acolhida ou a categoria


jurídica escolhida não corresponde à realidade que se quis, que houve a
fraude, ou diversa aplicação do imposto (ALRERT WAHL, Traité de Droit
fiscal, 1, 164 5.; II, 871,872). (Mas, se as duas ou mais figuras eram
possíveis, pode o juiz adotar a que o testador declarou, por ser a que obriga
ao menor imposto: a categoria jurídica tem esse efeito acobertador, ainda
que a outra fosse mais própria); b) para mostrar que os bens não são imunes
de impostos ou de algum imposto; e) para impugnar o grau de parentesco, a
que se refere a interpretação, se isso interessa à Fazenda.

§ 5.736. Direito intertemporal


1. PRELIMINARES. A sucessão de leis, no tempo, é fonte de dúvidas na
execução dos testamentos. A mudança de lei pode intervir: a) após a feitura
e antes da morte; b) depois da morte. Excepcionalmente, antes da feitura
sem ciência do testador. Esse caso excepcional, que, duas vezes, tivemos de
apreciar em casos concretos, não é tratado pelos escritores, mas constitui o
primeiro problema na matéria do direito intertemporal da interpretação
testamentária.

2.MUDANÇA DA LEI SEM CONHECIMENTO DO TESTADOR

(A). Imaginemos o testador que se acha longe e não sabe que se alterou a lei
do seu país. Se ficar provado que a lei antiga foi parte da sua vontade,
quando se interpretar essa vontade ter-se-á de levar em conta essa lei antiga,
que é vontade, e não propriamente lei. Quer se trate de regra jurídica
interpretativa, quer dispositiva. Dissemos dispositiva, porque é possível
omissão do testador que justifique a lei supletiva, e não omissão quanto a
elementos que mostrem ter o testador seguido o direito anterior. Ele não
quis, e por isso cabe procurar-se um direito dispositivo; mas há dados para
se crer que ele quis ou contou com (o que vale o mesmo) o direito
diapositivo que ele acreditara vigente.

8.MORTE DO TESTADOR ANTES DA LEI NOVA (E). Sobre a


interpretação dos testamentos em direito intertemporal, se o disponente
morreu antes da lei nova, há duas opiniões: a) Entende L. KUHLENBECK

(Einftihrungsgesetz, .1. v. Staudingers Kommentar, VI, 597), após M.


SCHERER (Einfiihrungsgeseiz zum Biirgerlichen Gesetzlncche, 1, 289),
que se rege pela lei da feitura, quer se trate de preceitos dispositivos, quer
interpretativos. b) Porém outro é o modo de ver de H. HABICHT (Die
Einwirkung de., .RGB. au>‟ zuvor entstandene Rechtsver)diltnisse, 8? ed.,
„740 5.): só se aplica a lei antiga quando valha por si, por seu conteúdo,
pelo fato de ter influído no disponente, aí o essencial é a vontade, e não a
lei. Na primeira opinião, nada se distingue; na segunda, procura-se saber se
efetivamente interveio a norma. Mais: separa H. HABICHT regras jurídicas
de interpretação (Auslegungsregeln) e regras jurídicas dispositivas
(dispositive Tlorsch,rif teu). Aquelas servem para se ver o que o disponente
quis; essas fazem as vezes da vontade, criam o conteudo da disposição, se o
contrário não se dispôs. (A diferença é indiscutível, existe; e lá está no
Fausto de GOETHE, em jogo de palavras, que clareia: “In jenen legt das
Gesetz, was gewollte ist, aus, in diesen legt es etwas, was nicht gewollt ist,
unter.) Quanto as regras jurídicas dispositivas, disse, não haveria dúvida:
são as do tempo da feitura: tempus regit. Quanto às regras jurídicas çle
interpretação, não se daria o mesmo: essas, quando perdem o vigor, não
podem ser invocadas como princípios de direito positivo (positive
Rechtssà,tze). Há condição para que se apliquem: ter sido influenciada por
elas a vontade do testador. O que importa é a vontade verdadeira dele; não a
lei, que lhe rege a interpretação. Mas uma coisa é interpretação e outra
regra jurídica de interpretação, redargúi-se: naquela, o testador quis e
busca-se, sem qualquer critério fixo, preestabelecido, o que ele quis; nessa,
a autoridade do legislador preestabeleceu alguma coisa, construiu cercas
que nos tiram a liberdade dos caminhos. Não se pergunta: ,que fo i que o
testador quis? Mas: 2.que é que a lei manda entender? Ele não disse; a lei é
que diz por ele. “A essência das regras legais de interpretação é completar a
vontade incompleta do testador”. Daí tira Du CHESNE (Erbrechtliche
Auslegungsregeín in der Uebergangszeit, Das Recht, 471) que a lei antiga
rege a pergunta ,que foi que quis o testador? Mas a outra ,que é que o
legislador manda entender? rege-a a lei em vigor, porque se trata de
modificação legal da vontade incompleta. No fundo, a opinião de H.
HABICHT, se bem que diferentes os caminhos. Com II. HABICHT, estão
O. PLANCE (Biirgerliches Gesetzbuck, VI, 408) e A. NIEDNER (Das
Einfiúhrungsgeeeíz vom 18. August 1896, 2? ed., 470 3 b). Todos os que
procuram distinguir vêem o plus, a resistência, as cercas, que o legislador
armou; mas essas cêrcas tiveram um fim, e esse ou foi o da verdadeira
vontade do testador, algo de certo, intrínseco, ou o de evitar a dúvida,
cortando, cerca, as vacilações, por um critério impositivo. Nesse último
caso, não é regra jurídica de interpretação. Para nós, todos se afastaram do
problema central, só o vendo no terreno do direito intertemporal: toda regra
de interpretação auxilia, é resultado de Ciência, que a lei entendeu
consagrar em texto escrito; se a nova lei a corrige, se a modifica, se a
destrói, se a exclui, o intérprete preferirá essa, em vez da antiga, como
deveria preferir, sob a própria lei antiga, a solução hoje adotada, porque
outro não era o fim que revelar a verdadeira vontade do testador. Aliás, esse
fim é o que importa, e pode existir nos próprios textos dispositivos, o que
trazendo o problema para o quaestio facti exclui a necessária e absoluta
aplicação da lei antiga.

4.MORTE APÓS A LEI NOVA (C). A pesquisa da vonLide do testador, da


verdadeira vontade, é princípio superior de direito. De modo que a questão
paira acima dos tempos, do ontem e do hoje: atemporal, por bem dizer.

Por isso mesmo, sem importância para as perguntas peculiares ao direito


inter-temporal, que implicam opção por tempos, pelo ontem ou pelo hoje.
Restariam os termos de técnica jurídica, das definições da nova lei, que
mudando significado mudariam a própria disposição.

§ 5.737. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

No segundo caso, herdeiros hão de ser as pessoas existentes ao tempo da


morte do testador. No caso de condição suspensiva ou de termo inicial, as
do tempo da realização. Salvo se cabe aplicar-se o art. 1.718.

Mas, no primeiro caso, a interpretação, havendo dúvida, não pode ater-se a


tais regras interpretativas. O testador quis tOda a descendência: é o que se
há de presumir. Assim, se êle diz “deixo aos filhos da minha filha”, é mais
justo que se contemplem todos os filhos que a filha possa ter. Em tal caso,
em direito que, a propósito, nenhuma regra jurídica possui, como o alemão,
entendia F. HERZFELDER, (Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, 9? ed.,
V, 465) que a interpretação é inteiramente livre, ao passo que EMIL
STROHAL (Das deutsche Erbreclit, 3a ed., 1, 137) evitava tirar do § 2.070
argumentum a contrario. De qualquer modo, é irrecusável que se devem
tratar tais descendentes como grupo, ficando os bens subordinados à
condição de mais filhos, o que, por se tratar de morte daquele descendente
cujos descendentes se contempIam, se resolve num termo inicial de morte.

Aliás, a mesma dificuldade aparece quando se procura solução para a verba


a descendentes de A, que é terceiro. Se, por ocasião da morte do testador, A
não tem descendentes.
F. HERZEELDER (Erbrecht, L v. Stctztdingers I<ommentar, 9? ed. V, 465),
queria que se aplicasse a regra (só interpretativamente, já se vê>, a despeito
do art. 1.666 (Código Civil alemão, § 2.084). Outro fôra o parecer de EMIL
STROHAL (Das deutsohe Erbreckt, 8? ed., 1, 137) e de OTTO
WARNEYER (Kommentar zum R~iirgerlich,en Gesetzbuch, II, 1.117), que
determinavam a aplicação, de modo a salvar-se a deixa por meio de pós-
herança, ainda nos casos em que, havendo descendentes ao tempo da morte,
as circunstâncias aconselhem outra construção. É irrecusável, porque a
regra é só interpretativa.

A essa questão quem melhor resposta formulou foi 1-1. PEISER, no seu
Tratado, 21, e no artigo Fiir und Wider (VI, 609) : em primeira linha, vem o
art. 1.666 (Código Civil alemão, § 2.084). Ora, ai a verdade: a) porque o art.

1.666 já constitui a preciação preliminar, ao passo que a regra jurídica


interpretativa viria invalidar a própria deixa; b) porque o testador morreu,
sabendo não existir tal descendência; e) se as circunstâncias podem excluir
qualquer aplicação de regra juridica, seria ilógico deixar de atender a tão
importante circunstância, como a de ter morrido o testador em pleno
conhecimento de só se referir a descedência futura. Assim, é insustentável a
nota 75 de CARL

CROME (System des deutschen bilrgerlicken Rechts, V, 97), que exclui a


aplicação do artigo 1.666, porque, na hipótese de não haver ao tempo da
morte descendentes, já está resolvido pela ineficácia e por não caber a
preferência que o art. 1.666 supõe.

§ 5.787. Direito internacional privado

1.PROBLEMAS DE SOBREDIREITO NO ESPAÇO. O que interessa à


validade intrínseca das disposições testamentárias rege-se, imperativa e
necessariamente, pela lei pessoal (diz bem o Código de Direito
Internacional Privado arts. 144 e 151). Todavia, uma coisa são as condições
de validade intrínseca, e outra, substância e efeitos do testamento. A
distinção é difícil, mas existe. E no que concerne a substância e efeitos, a
vontade do testador prepondera, de modo que pode a lei do domicílio, quiçá
outra lei, ser chamada a esclarecê-la e defini-la. Onde o testador podia
livremente exercer a sua autonomia, aí a lei não se impõe como lei, e sim
como conteúdo da próprio vontade: a primasia da lei pessoal é oriunda de
presunção, elidível pela prova de não no ter querido o testador. O

testador pode recorrer à la boi, à la dvmicilii, ou a outra, não como lei em


que vaze a sua vontade, mas como algo que ele cita e faz parte do seu
querer.

2.LIMITAÇÕES À AUTONOMIA. Em primeiro lugar, a lei que rege a


sucessão ah intestato decide quanto à possibilidade da sucessão voluntária,
É a lei pessoal do decujo. Ela fixa as limitações à autonomia testamentúria:
todos os princípios imperativos são aplicáveis. O testador não pode fugir a
tais regras com declarar que o seu querer é a aplicação da lei estrangeira.

Ficam os princípios interpretativos e os dispositivos. Onde não há a


imperatividade, exerce-se a autonomia testamentária, inclusive (veremos a
importância disso) quanto à escolha da lei que deve reger, como parte
integrante da vontade, a interpretação e a disposição em caso de silêncio.
Escolhe a regra de interpretação e a supletiva, aquela conteúdo da vontade,
e também essa, que passa a ser vontade do testador e não lei supletiva.

3. SUBSTÂNCIA E EFEITOS. A regra é que a substância, os efeitos, como


a validade intrínseca, se determinam pela lei que governa a sucessão.
Assim, as condições e termos, admitidos pela lei sucessoral, são válidos
alhures, onde o testador morreu.

(A questão de ordem pública é outra questão: não se dá competência a outra


lei; cortam-se os efeitos da lei competente.)

A lei do domicilio último do decujo rege, em virtude de presunção de


vontade. Não, porém, de presunção absoluta, que a lei de direito
internacional privado imponha. A regra jurídica da Lei da Introdução do
Código Civil somente se refere, imperativamente, à sucessão legitima ou
testamentária, à ordem da vocação hereditária, aos direitos dos herdeiros e à
validade intrínseca das disposições do testamento. Nesses casos, a lei
sucessoral é imperativa ou necessária. Quanto à substância e aos efeitos,
não. É possível demonstrar que o testador obedecia, ou tinha em vista, ao
dispor, outra lei, que não a sua.

Nem sempre é fácil a distinção entre validade intrínseca e substância ou


efeitos.

Tudo que concerne à interpretação da vontade do testador é do domínio da


autonomia. A lei sucessoral não é necessária ou imperativa. Outrossim,
tudo que é efeito do querer. Substância e efeitos são tudo no ato que
depende da vontade dos disponentes.

4.VONTADE INTERPRETÁVEL E VONTADE NÃO DECLARADA.

As questões de interpretação não são só de fato, são, também, de direito.


Por isso, surgem as hesitações entre sistemas diferentes. Como se há de
interpretar a verba testamentária? Uma vez que nada disse o testador, como
se preenche e sse vácuo?

A lei da sucessão limita a vontade dos testadores, mas as regras jurídicas


interpretativas e as regras jurídicas dispositivas não se impõem, só por isso,
a eles. E não se impõem, por definição de umas e de outras: interpretativas,
aquelas; dispositivas, essas. Nisso diferençam-se das regras jurídicas

cog‟entes. Assim, as regras jurídicas que mandam entender que os legados


contribuem na paga das dívidas, ou não contribuem, e as de a crescimento.
Aqui, o que é principalissimo é extrair na falta de cláusula expressa ou clara
do conjunto das circunstâncias, sejam objetivas, sejam subjetivas, a vontade
do testador. Se interpretativa, se por presunção, ou justo objetivo, no caso
de silêncio (é a função especifica das regras jurídicas dispositivas), pouco
importa.

Mas em verdade (diz-se) é a própria vontade do testador que deve indicar a


lei aplicável. Se não indica nenhuma?

Aqui, há os que preferem a lei do domicílio, e os que optam pela lei do


Estado da nacionalidade. A primeira, porque corresponde aos costumes, aos
hábitos, à ambiência, em que vivia e queria o testador: não podia deixar de
passar pelo seu influxo. A segunda, porque ninguém se deslembra do seu
direito, das regras jurídicas do seu país, da lei que lhe rege a capacidade e a
sucessão.

À diferença do problema de direito intertemporal, duas leis coexistem, e


não se sabe a qual delas se reporta ou deveria reportar-se a vontade do
testador. Nos contratos, tal indicação legal logo ressalta. Nos testamentos,
não: a só vontade do testador é que decide, e ela, pela hipótese, falta.

As circunstâncias, subjetivas, resolvem. Todavia, certo não basta o emprego


de língua estrangeira, para se concluir que, com a língua, também se adotou
o direito do país. Não assim, se, com o uso da língua, lançou mão de
instituições jurídicas estrangeiras (power of arxpointment, por exemplo).

Na falta de qualquer indicação circunstancial já se supôs ausência de


qualquer vontade indicadora, expressa no testamento é de natureza das
coisas a hesitação entre a lei de algum lugar e a lei sucessoral. Uma é a lei
da família, a lei de uma porção de relações jurídicas, lei que o testador
devia conhecer e é de supor que entre na sua declaração de vontade, quer lei
interpretativa, quer dispositiva. A outra não é menos legitimada para se
invocar.

Sem deixar de o reconhecer, A. PILLET (Traité pratique de Droit


international privé, II, 448) prefere a do domicílio: para ele, é mais sábio
isso, não precisamente porque o testador a tivesse querido (ele nada quis) e
sim porque esse é o meio de se dar às disposições o sentido mais razoável,
mais conforme com o efeito que ele mesmo esperava. Há, em tal parecer,
uma contradição: se o testador esperava, quis. Esperar e querer que uma lei
incida são dois nomes para a mesma coisa.

Demais, se há vantagens na aplicação da lei do domicílio, como seja a de


ser a lei dos negócios objeto da sucessão, há, também, desvantagens: o
choque com a lez successwnzs, se outra, quanto a frutos e pertenças, direito
de acrescer, conseqüências da perda fortuita da coisa legada.

Teoricamente, a melhor solução é dar a primeira plana nos casos raríssimos


de nenhuma indicação volitiva da circunstancial à lei que rege o negócio, lei
da sua validade intrínseca, validade que a cada momento a interpretação
toca. (Tal preferência não deve excluir, quando for ensejo, o favor negotil,
que o respeito às vontades últimas aconselha.)

Praticamente, a melhor solução é não se preferir nenhuma, só por si: a que


melhor efetiva o querer, julgamento, esse, mais objetivo do que subjetivo.
No caso, legítimo, porque se supos a falta de qualquer indicação de ordem
subjetiva. E objetivo, a não ser a necessária presunção de que, ao se querer
uma coisa, se quis com o melhor de eficácia. Contudo, veja-se bem que se
está nas fronteiras da validade intrínseca, cuja lei é a Sucessoral.

Cumpre notar que o domicílio por longo tempo dez anos, por exemplo pode
fazer presumir a adoção da lei do domicílio. Seria errôneo reputá-lo
suficiente, se de alguns dias, ou de anos, se a pessoa nem sequer mergulhou
nas circunstâncias e no mundo jurídico do nôvo ambiente.

A lei do domicílio impõe-se quando o testador já se esqueceu da própria


língua (E. FRANKENSTEIN, Internationales Privatrecht, 1, 575), e.g.,
empregou nela termo que, na língua do domicilio, significaria outra coisa.

Porque então pensou na língua do domicílio (e essa é que aí importa), e não


naquela em que se exprimiu.

Se ficar provado que se guiou por formulário bilingue,. vocabulário que não
seja exato, é de atender-se o que realmente quis, e não o que disse.

As considerações que antes fizemos, quer a respeito da interpretação das


disposições testamentárias, em geral, quer a respeito delas, se intervém o
elemento de tempo ou de espaço, mostram que o maior cuidado há de ter o
intérprete, seja juiz ou não no seja, para que se colha a vontade do testador.

A exposição um tanto introdutória teve por fito apontar os princípios com


que se há de examinar o testamento, em seu conteúdo.

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