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Achilles Delari O Sujeito e A Clinica Na Psicologia Historico Cultural
Achilles Delari O Sujeito e A Clinica Na Psicologia Historico Cultural
diretrizes iniciais*
Achilles Delari Junior**
Agradecimento1
Cabe dizer que a tarefa de falar sobre o sujeito e a clínica na perspectiva da psicologia
histórico-cultural não é nada simples.
*
Para referenciar: DELARI JR., A. O sujeito e a clínica na psicologia histórico-cultural: diretrizes
iniciais. Mimeo. Umuarama-PR. 2012. 17 p. Disponível em: http://www.vigotski.net/clinica-ufms.pdf
Este material está sujeito a revisões posteriores. Críticas e sugestões envie para delari@uol.com.br
**
Psicólogo pela UPPR, desde 1993, mestre em Educação, pela Unicamp, desde 2000. Professor de
psicologia aposentado. Página pessoal: http://www.vigotski.net/casa.htm
1
Este texto é, a um só tempo, um material didático de apoio para minha fala na mesa redonda “O sujeito
dentro da clínica” no âmbito da VIII Semana de Psicologia da UFMS/CPAR (de 29 de outubro a 01 de
novembro de 2012) e um material para socialização e livre circulação de ideias entre os interlocutores
interessados. Algumas marcas de oralidade aparecerão no texto por conta disso.
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apesar do reconhecimento póstumo como um dos grandes pilares da psicologia do
século XX, tanto da parte de epistemólogos (como Toulmin2), ou grandes psicólogos
(como Bruner3), foi um autor proscrito em seu próprio país, durante pelo menos vinte
anos (1936-1956), e fragmentos de sua obra só começaram chegar a nós no Brasil, a
partir dos anos 1980, mais especificamente em 1984. Diferentemente de outras
correntes de pensamento em psicologia, em livre circulação há bem mais tempo, mesmo
em tempos de ditadura, a psicologia histórico-cultural não conta ainda com trinta anos
de recepção, uma recepção repleta de dificuldades de cunho editorial – já que
pouquíssimas das obras de Vigotski foram até agora traduzidas para nossa língua. Dos,
pelo menos, 282 títulos escritos por Vigotski, 54 foram publicados nas suas Obras
Escolhidas, ou Reunidas, editadas de 1982 a 1984 na URSS – além de alguns títulos
fora do plano das obras. E no Brasil temos desde 1984 a 2012, apenas 33 títulos
publicados (traduzidos das Obras, ou não), até a minha última contagem. Ora, somos,
coletivamente, ainda iniciantes em Vigotski e na psicologia histórico-cultural no Brasil,
e suas possibilidades para a prática profissional do psicólogo foram muito pouco
exploradas, de fato.
Em segundo lugar, é um tema difícil, pois no interior dos próprios grupos que estudam
Vigotski em nosso país há resistência em ver essa corrente em psicologia, que coloca as
relações sociais no centro de suas explicações sobre o homem, adentrando o campo por
alguns tido tão “individualista” e “burguês” quanto a clínica e/ou as práticas
psicoterápicas individuais. Como se fosse uma traição à psicologia histórico-cultural,
em sua matriz epistemológica marxista, ocupar-se também da clínica, quando talvez
devesse estar voltada exclusivamente a processos educativos e a práticas sociais
preventivas em saúde mental que, supostamente viessem a evitar ou a abolir as situações
traumáticas que levam um ser humano a buscar ajuda em uma psicoterapia, individual
ou grupal... Muito na direção de lidar com essa segunda dificuldade, estará orientada a
minha fala hoje, que se subdivide em três partes: 1) Pode a psicologia histórico-cultural
servir de base para a prática clínica e em saúde mental, de um modo geral? 2) Qual
conceito de sujeito está em jogo na psicologia histórico-cultural? 3) Quais os principais
desafios para desenvolver a teoria da clínica histórico-cultural?
2
Vê Vigotski como o “Mozart da Psicologia” (Toulmin, 1978/1984).
3
Vê Vigotski como um “Titã da psicologia”, ao lado de Piaget e Freud. (Bruner, 2005)
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Sendo assim, vocês que aqui me escutam, com quem venho dialogar, irão notar que falo
do lugar de alguém que está em busca e não de quem já tem tudo estruturado, para tão
somente “ensinar” o que supostamente sabe. Venho sinceramente mais para aprender do
que para ensinar, pois ao tentar dizer do que penso para o outro, meu próprio
pensamento se potencializa. Toda minha trajetória teórica desde a graduação e durante a
docência no ensino médio e ensino superior, veio se pautando numa busca permanente
de montar um quadro teórico geral em psicologia histórico-cultural, uma vez que ele nos
chega em forma de umas poucas peças de um grande quebra-cabeças, sem a figura na
caixa. Contudo, aconteceu-me de vir a trabalhar em clínica com crianças, primeiro num
CAPS, depois num Programa Federal de combate à violência sexual contra crianças e
adolescentes – sim, eu estava em terapia e tinha supervisão. O fato é que se havia
institucionalizado nesses espaços que o atendimento clínico/psicoterapêutico individual
era o modo prioritário de se trabalhar – e assim eu devia me perguntar: como fechar a
porta do consultório e deixar de fora minha visão de mundo, visão de homem, e
concepção sobre a gênese social da consciência e dos processos psíquicos superiores?
Não havia como. As crianças demandavam atendimento. Algo era preciso se produzir, E
neste trajeto o trabalho com a brincadeira e os jogos tornou-se a forma material mais
tangível de relação simbólica, sob a luz, digamos, de uma hermenêutica, uma ciência da
interpretação, histórico-cultural. Então falarei como um profissional mais experiente no
campo da “psicologia geral” e da “docência”, e iniciante nas práticas clínicas, sobretudo
com crianças.
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patologia cerebral e outras disciplinas. Por inclinação ele era um
psicólogo teórico. Na prática, seu trabalho aplicado dava-se mais em
settings clínicos.” (Valsiner e Van der Veer, 2000, p. 339)
De fato, Vigotski não apenas trabalhou com crianças como recebia seus pais, e procedia
a entrevistas, elaborava diagnósticos e tinha sua própria posição crítica quanto a como
proceder ao diagnóstico, na época. Além disso, temos registros de que Vigotski realizou
estudos com pacientes histéricas, parkinsonianos, afásicos, esquizofrênicos e pessoas
com a doença de Pick (uma demência). Disso podemos concluir que não se trata de um
autor de gabinete que nenhum contato teve com o sofrimento humano. Nem alguém que
advogasse que a única e exclusiva saída para tal sofrimento fosse a prevenção, sem que
4
Para ver um plano geral da nova publicação das Obras Completas de Vigotski, acesse:
http://www.vigotski.net/obras_lsv-15t.html
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nada se pudesse fazer uma vez que a dor já estivesse instalada. Evidentemente, sua
franca aposta na educação intencionalmente organizada para a formação integral de uma
personalidade saudável para todos era fundamental e programática – no interior de sua
visão socialista sobre a formação do “novo homem” (Vygotsky, 1930/1934). Mas quem
busca entender como se forma o ser humano de forma integral, se for um pesquisador
honesto, também se aproximará das situações limite em que ocorrem “desintegrações”
(ou “dissoluções”, conforme a tradução), das funções psíquicas superiores, da
consciência e da personalidade como um todo. Até porque, parafraseando Vigotski,
“nenhum edifício desaba senão de acordo com as próprias leis pelas quais foi
construído”.
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instrumento da sociedade. A peculiaridade essencialíssima do homem,
diferentemente do animal, consiste em que ele introduz e separa do
seu corpo tanto o dispositivo da técnica quanto o dispositivo do
conhecimento científico, que se tornam instrumentos da sociedade. De
igual maneira, a arte é uma técnica social do sentimento, um
instrumento da sociedade através do qual incorpora ao ciclo da vida
social os aspectos mais íntimos e pessoais do nosso ser. Seria mais
correto dizer que o sentimento não se torna social mas, ao contrário,
torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia uma obra de arte,
converte-se em pessoal sem com isso deixar de continuar social.”
(Vigotski, 1925/1999, p. 315)
Tenho identificado pelo menos cinco modos de ser da vida social, aos quais caberia
dedicar alguma atenção desde o ponto de vista da psicologia histórico-cultural: (1) a luta
de classes no seio das relações de produção; (2) as instituições; (3) os grupos; (4) a
inter-subjetividade; e (5) o indivíduo como ser social. Podemos dizer que os campos
que mais estão a descoberto nas obras de Vigotski, às quais tivemos acesso até o
momento, são os “grupos” e as “instituições”... Por certo, a existência social de um ser
humano concreto é sempre atravessada por estes cinco modos de articulação, aos quais
poderíamos complexificar com eixos igualmente importantes como gênero e etnia, entre
outras formas culturais de relação entre as pessoas que lhes confiram algum tipo de
identidade e/ou distinção com relação aos demais seres humanos. Qualquer prática
clínica histórico-cultural que desconsidere a integração dessas diferentes dimensões
tende ao fracasso, tanto quanto qualquer prática psicológica coletiva que desconsidere o
ser humano individual como ser social também ficará desfalcada, sem o homem (pessoa
- tchelovek) como a unidade viva para a sua intervenção, visto que díades, grupos,
instituições e classes são conjuntos dinâmicos não antropomórficos, não têm
“consciência própria”, como é mostrado por Vigotski no primeiro capítulo de sua
Psicologia da Arte (Vigotski, 1925/1999). Ao intervir no movimento destes planos
diferenciados, tendo potência para fazê-lo, se atingirá o diálogo com alguém singular,
com sua história, suas lutas, seus limites e suas potencialidades. Este tópico nos
direciona agora para o nosso próximo item de discussão que é relativo ao conceito de
sujeito que se deduz das formulações teóricas da psicologia histórico-cultural.
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2) Qual conceito de sujeito está em jogo na psicologia histórico-cultural?
O fato de Vigotski dar ênfase à consciência como objeto da psicologia, por ser o modo
de funcionamento psíquico que nos diferencia de outros animais, não implica em que o
sujeito de Vigotski seja “cartesiano”, ou seja, aquele que se garante enquanto tal, tão
somente pelo fato de que não pode negar que pensa (cogito ergo sum). Não se trata de
um sujeito cartesiano, porque esta consciência não é uma descoberta individual pelas
leis da razão auto exercidas mediante a dúvida metódica. Esta consciência é um
processo que não nasce conosco e se constitui historicamente ao longo do nosso
processo de desenvolvimento. Sou consciente de mim mesmo porque passo a atuar com
relação a mim, tal como antes atuava com relação ao outro, torno-me consciente de
quem sou, sendo um outro para mim mesmo. Existe uma relação duplicada na definição
de “consciência” por Vigotski: “a ideia do duplo é a mais próxima da ideia real da
consciência” (1925/1991, p. 57). Desde os seus primeiros trabalhos em linguagem
reflexológica: a consciência não aparece como um simples reflexo condicional, nem
mesmo apenas como um sistema de reflexos, mas como um “mecanismo de transmissão
entre sistemas de reflexos” (Vygotski, 1924/1991, p. 11 – itálico na fonte), ou, para
abreviar, como “reflexo de reflexos” (Vygotski, 1924/1991, p. 18; 1925/1991, p. 59).
Outra “duplicação” aparece, na linguagem da velha psicologia, propondo que a
consciência é: “vivência de vivências” (Vygotski, 1925/1991, p. 50). E também,
segundo relato de Leontiev (1982/1991), Vigotski gostava de ver a consciência como
“co-conhecimento”, conhecimento do conhecimento. Além desse caráter duplicado e
social da consciência, cabe lembrar que Vigotski não tem uma visão racionalista da
consciência, trata-se de um processo ao mesmo tempo cognitivo e afetivo, que reflete a
realidade objetiva, mas também a refrata, em função das necessidades e motivos do
sujeito. Ou seja, a consciência aqui não é apenas consciência de algo (aspecto
cognitivo), mas sempre consciência de alguém com relação a algo (aspecto afetivo).
O melhor modo que até hoje encontrei para definir o “sujeito” em Vigotski, embora ele
mesmo não o tenha definido com tal termo, é aquele enunciado pelo estudioso de sua
obra, professor Angel Pino (1996). Para este pensador, o sujeito em Vigotski é “sujeito
de relações sociais”. Não é nem um sujeito hipostasiado (cartesiano, que funda tudo o
que existe ao seu redor), nem um sujeito inexistente (assujeitado, que apenas espelha o
que existe ou existiu ao seu redor). Mas um sujeito emergente nas relações nas quais a
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pessoa concreta necessita colocar-se como tal, assumindo um determinado papel social,
o sujeito como pai na relação com seu filho, o sujeito como filho na relação com seu
pai, o sujeito como aluno na relação com seu professor, o sujeito como professor na
relação com seus alunos. Então, não se trata de uma postura relativista, de que somos
totalmente outros conforme as condições que se apresentam, a saída conceitual para isto
está em que se trata de uma mesma pessoa (homem - tchelovek), de um mesmo ser
humano, que vive diferentes situações, e estas diferentes situações deixam suas marcas,
têm sua história e sua memória para cada um, não desaparecem no mesmo instante em
que as circunstâncias mudam. Ao mesmo tempo a pessoa, o ser humano, vive o choque
de assumir seus diferentes papéis sociais alguns nem sempre conciliáveis com os outros.
Como pai desejo estar próximo ao meu filho, como pesquisador preciso concluir meu
próximo livro; como filho desejo estar perto de meus pais e cuidar deles, como
enamorado desejo mudar-me para longe deles e estar mais perto dela. O conflito entre
os papéis coloca o sujeito diante de uma situação de escolha, que é tensa, conflitiva, à
qual Vigotski chamou de “drama”.
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menor intensidade, o ato volitivo, o ato de escolher, não necessariamente esgota de todo
o conflito, a tensão.
Tenho um exemplo real, relatado numa dissertação de Melo (2001), sobre mulheres sem
terra. Uma das entrevistadas diz ter sido consultada pelos pais, ainda criança, quanto a
participar ou não da luta pela terra. Ela deveria decidir entre (a) ir para a zona rural com
seus pais e (b) ficar na cidade com outros familiares; porém seu real desejo era
continuar na cidade e junto com os pais. “(...) ela é consultada sobre a adesão e cogita
não concordar, mas não suporta não acompanhar a família e então adere” (Melo, 2001,
p. 141-142). Ou seja, uma decisão no sentido mais completo da palavra “decidir”, pois
qualquer opção envolvia uma perda. Minha hipótese é a de que a dor da ausência
daquilo que não foi escolhido continua marcando os sentidos sociais do que foi
escolhido, assim como o que calamos compõe o sentido do que pronunciamos. Não se
trata de uma escolha totalmente “livre”, no sentido de que o homem está “condenado a
ser livre”, mas também não se trata exatamente de uma imposição convencional, como
se estivéssemos “condenados a nos submeter”. Para Vigotski a liberdade é uma meta do
desenvolvimento humano, não um pressuposto. Por isso ele diz que “uma grande
imagem do desenvolvimento da personalidade: [é] um caminho para a liberdade.
Renascimento do espinosismo na psicologia marxista” (1932/2010, p. 92-93). Um
caminho para uma vida mais saudável, mais autônoma, em meio à contradição
envolvida no ato volitivo, contradição dialética entre ser e não ser, que, no meu
entendimento, é imanente ao “salto para adiante, do reino da necessidade para a esfera
da liberdade, como descrito por Engels” (Vigotski, 1930/1994, p. 182) - o que se faz
necessário tanto para “toda a sociedade quanto para a personalidade individual”.
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3) Quais os principais desafios para desenvolver a teoria da clínica histórico-
cultural?
Em segundo lugar, para haver psicologia clínica histórico-cultural, é necessário que seja
não só histórico-cultural, mas que seja clínica, isso é óbvio. E há saberes e práticas
importantes para a clínica que temos por meta e desafio desenvolver em diálogo com
tradição russo-soviética e também identificando os avanços da psicologia materialista
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ocidental. Eu elenco apenas cinco destas metas, ou desafios, os quais nossas pesquisas
estão cercando aos poucos num processo coletivo:
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com relação às quantitativas; (b) uma proposta científica prioritariamente explicativa e
não apenas descritiva; (c) uma proposta científica pautada na metodologia da
experimentação e não apenas na observação e coleta de material introspectivo; e (d)
uma proposta científica não pautada prioritariamente em classificações de quadros
patológicos tipificados, mas antes no caráter disfuncional de sistemas psicológicos5
integrais e dinâmicos, focando não apenas em “doenças” específicas, mas nas funções
psíquicas superiores que, por algum motivo, entram em colapso. Nada disso será
suficiente se não lembrarmos a máxima de Tomas Mann, citada por Puzirei ao explicar
a postura de Vigotski: “Mais importante do que a doença que a pessoa tem é a pessoa
que tem a doença” – paráfrase nossa (cf. Vigotski, 1929/2000).
(4ª meta) Há que se produzir um avanço na teoria das emoções de Vigotski, mais
voltada a questões de cunho filosófico e metodológico (Vygotsky, 1931-33/1999), que
devem ser preservadas, para os caminhos indicados por ele mesmo quando elogia
Chabrier. Convidando-nos a construir uma teoria dos sentimentos humanos que tenha
como algumas de suas categorias principais: a consciência, a cultura, a ideologia, a
história e a personalidade humana, em suas relações inter-constitutivas. Teoria que
complemente as críticas ao dualismo, com o conteúdo sensível de episódios em que se
nos apresentem as emoções de seres humanos reais, amando, indignando-se,
entristecendo-se, lutando por sua própria emancipação.
(5ª meta) Há que se dar uma resposta consistente ao problema dos processos psíquicos
inconscientes e não conscientes em sua dialética com a consciência humana. Este tema
é um problema metodológico para a psicologia histórico-cultural (Vygotski,
1930/1991a). A consciência não é um processo absoluto, ela tem caráter sistêmico e
construção semântica, relativa ao sentido do que dizemos/pensamos. Tal sentido não é
definido só por nós, mas por nossas relações com outras pessoas. Lembre-se que o foco
da consciência nunca pode abarcar toda a realidade num só ato, mas, como diz Vigotski:
“a atividade da consciência pode seguir rumos diferentes” (1934/1989, p. 78).
Mudanças de rumo nem sempre são planejadas. E podemos agir conscientemente sem
ter consciência de nossos motivos para agir assim. Não se estabelecerá uma consciência
paralela no interior da consciência, “império dentro do império”, como critica Espinosa.
5
Sobre o conceito de “sistema psicológico” ver Vygotski (1930/1991b).
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Mas temos um problema de investigação, já levantado na história da psicologia, para o
qual não há respostas sociais satisfatórias, sob os critérios do materialismo histórico e
dialético, embora Uznadze (1961/1966) e Bassin (1968/1981) tenham lançado bases
importantes.
Em suma, os principais desafios que pude apontar são da ordem da estruturação teórica,
das bases metodológicas e psicológicas para que possa haver uma clínica histórico-
cultural que: primeiro não deixe de ser histórico-cultural; e, segundo, que não se omita
das temáticas específicas próprias da clínica, algumas delas nem tão específicas assim.
Em seguida, direi algumas poucas palavras finais sobre o papel do terapeuta que
estamos perseguindo.
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tenha-se a honestidade de não forçar situações de intervenção que não sejam seguras. O
segundo o alemão Adorno, de quem meu amigo Luiz Lastória estrai a máxima “Se
ainda não há cura, aprofunda o diagnóstico”. O que complementa a primeira orientação,
tanto mais quando se trata de crianças supostamente vítimas de abusos físicos, morais,
sexuais, ou negligência, às quais um programa público federal e um conselho tutelar se
dirigem equivocadamente como que a testemunhas a serem policialmente interrogadas.
Era necessário resistir a tal demanda institucional. As crianças não vinham por vontade
própria, os pais não as traziam por vontade própria, de quem era o desejo de tanto lhes
fazer o bem? Era preciso números, estatísticas, eram demandadas denúncias e culpados.
Então, entendam estas coisas historicamente, como nos recomenda Vigotski.
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com as pessoas a quem atendemos, atores de nossa própria história. Isto é o que estamos
procurando aprender a fazer, inclusive ao estar aqui hoje com vocês.
Obrigado.
Referências
*
A. N. Leontiev morreu em 1979, mas foi colocado o ano da primeira publicação em russo, não temos a
data em que foi originalmente escrito.
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Rubinshtein, S. L. (1946/1967) Principios de psicología general. Ciudad de México:
Grijalbo. 767 p.
Valsiner, J.; van der Veer, R. (2000) The social mind: construction of idea. Cambridge,
UK: Cambridge University Press.
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Dmitri Nikolaevitch Uznadze viveu de 1886 a 1950. 1961 é a data da primeira publicação do livro, não
temos a data da produção dos manuscritos originais.
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legacy. New York, Boston, Dordrecht, London, Moscow: Kluwer Academic/Plenum
Publishers. p. 69-235.
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