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Revista Base (Administração e Contabilidade)

da UNISINOS
E-ISSN: 1984-8196
cd@unisinos.br
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Brasil

FLACH, LEONARDO; ANTONELLO, CLAUDIA SIMONE


IMPROVISAÇÃO E APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES A PARTIR DA
METÁFORA DA IMPROVISAÇÃO NO TEATRO E NA MÚSICA
Revista Base (Administração e Contabilidade) da UNISINOS, vol. 8, núm. 2, abril-junio, 2011, pp. 173-
188
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
São Leopoldo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=337228646007

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BASE – Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos
8(2):173-188, abril/junho 2011
2011 by Unisinos - doi: 10.4013/base.2011.82.06

IMPROVISAÇÃO E APRENDIZAGEM NAS


ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES A PARTIR DA METÁFORA
DA IMPROVISAÇÃO NO TEATRO E NA MÚSICA
IMPROVISATION AND LEARNING IN ORGANIZATIONS: REFLECTIONS ON THE BASIS
OF THE METAPHOR OF IMPROVISATION IN THEATER AND MUSIC

LEONARDO FLACH
leoflach@hotmail.com RESUMO
Nas organizações existem momentos em que são exigidas respostas imediatas que implicam impro-
CLAUDIA SIMONE ANTONELLO
visação. Estas ocasiões, por sua vez, fornecem pouca margem para elementos como planejamento,
csantonello@ea.ufrgs.br
padronização e controle. Surge, então, a necessidade de novos modelos teóricos e práticas que
abarquem estas necessidades organizacionais. Este ensaio teórico tem por objetivo apresentar, a
partir da metáfora das artes, algumas proposições que auxiliem nos estudos e compreensão do
papel da improvisação nos processos de aprendizagem nas organizações. Assim, são apresentadas
e discutidas as seguintes proposições: (a) o tempo influencia o processo de improvisação; (b) a
improvisação trabalha com a bricolagem; (c) a improvisação parte de estruturas mínimas; (d) as
pausas e o silêncio também fazem parte do processo de improvisação; (e) a improvisação pode
ser individual ou coletiva; (f) a improvisação pode estar baseada em clichês e em repetição ou
variação de temas; (g) o erro é considerado parte da improvisação; (h) a improvisação em conjunto
exige negociação e diálogos contínuos; (i) a performance é essencial no ato de improvisação.

Palavras-chave: improvisação, aprendizagem organizacional, bricolagem, metáfora.

ABSTRACT
There are moments in organizations when immediate answers are required, involving improvisa-
tion. These occasions do not provide enough time for items such as planning, standardization
and control. Thus, there is a demand for new theoretical models and practices to meet these
organizational needs. This essay aims to identify and propose, starting from the metaphor of
the arts, some ideas to help to understand the role of improvisation in learning processes in
organizations. Thus, the following proposals are discussed: (a) time influences the process of
improvisation; (b) improvisation works with bricolage; (c) improvisation starts from minimal
structures; (d) pause and silence are also part of the process of improvisation; (e) improvisa-
tion may be individual or collective; (f) improvisation may be based on clichés and repetition
or variation of themes; (g) error is part of improvisation; (h) improvisation in a group requires
continuous dialogue and negotiation; (i) performance is essential in the act of improvisation.

Key words: improvisation, organizational learning, bricolage, metaphor.


174 IMPROVISAÇÃO E APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES A PARTIR DA METÁFORA DA IMPROVISAÇÃO NO TEATRO E NA MÚSICA

INTRODUÇÃO de improviso, existe uma relação mantida entre o resultado


Considerando que boa parte da literatura em adminis- deste processo e o seu criador. No processo de construção do
tração, quando aborda as transformações que ocorrem no conhecimento estão imbricados artefatos, crenças, valores,
atual cenário de negócios, comenta que as organizações e entre outros símbolos gerados pelos criadores e compartilhados
seus membros necessitam aprender, inovar, responder com no grupo, ou mesmo criados pelo próprio grupo.
ações rápidas e que, por sua vez, é oferecida pouca margem a A utilização de metáforas para estudar e explicar teorias
um planejamento estratégico, surge então a necessidade de se e abstrações tem sido frequente nos estudos organizacionais.
discutir modelos teóricos que auxiliem a compreensão deste A própria Aprendizagem Organizacional, para Gherardi (2000),
fenômeno nas organizações. Desta forma, este ensaio teórico consiste em uma metáfora que une os conceitos de aprendiza-
tem como objetivo identificar e propor, a partir da metáfora gem e organização. Além disso, a metáfora da aprendizagem
das artes e da revisão de literatura sobre o tema, algumas organizacional consiste em uma alternativa válida à imagem da
proposições para a compreensão do papel da improvisação nos organização racional, pois não aborda relações causais como ten-
processos de aprendizagem nas organizações. tativa e erro, mas a ambiguidade dos processos interpretativos, a
Cabe ressaltar que neste ensaio teórico, a partir de experiência, a história, conflitos e poder (Levitt e March, 1995).
uma perspectiva sociocultural, considera-se que Apren- Alguns teóricos têm criticado a utilização das metá-
dizagem Organizacional (AO) pode ser compreendida como foras, apontando-as como uma forma de simplificação de
um sistema de representações de uma organização onde o uma realidade mais complexa. Entende-se, neste ensaio
conhecimento perpassa uma rede de transmissão, aquisição, teórico, que toda forma de estudo e sistematização de ideias
criação, ação e subversão, sendo que a linguagem exerce depende de uma determinada simplificação, pois um tema
papel essencial na formulação desta rede (Gherardi, 2000). abstrato, para se tornar um tema de pesquisa, passa por um
Os autores que abordam a aprendizagem sob perspectiva processo que o torna mais concreto e sistemático, no intuito
sociocultural (Yanow, 2000; Gherardi, 2000) concebem a de proporcionar uma análise teórica com base na leitura da
aprendizagem como um elemento integrante e inseparável realidade. Além disso, a utilização da metáfora da música e
de práticas sociais. Neste sentido, o conhecimento não é do teatro na administração já foi fonte de crítica pela possibi-
separado da prática (Brown e Duguid, 1995; Lave e Wenger, lidade de se tratar de uma forma de apropriação da arte, que
1991). Diferentemente da abordagem de teorias cognitiv- poderia resultar em uma nova ferramenta para dominação.
istas, a aprendizagem é social e não meramente cognitiva, Este argumento foi respondido por Hatch e Weick (1998),
possuindo um elemento de descobrimento, de recomposição ao afirmarem que qualquer metáfora, assim como qualquer
e reformatação de ideias a partir de vivências práticas e do ideia e conhecimento, pode acabar sendo utilizado para a
cotidiano social (Gherardi, 2000). A aprendizagem enquanto dominação. Ou seja, depende da forma de interpretação que
um fenômeno social indica que é mediada por relações so- é dada ao conhecimento estruturado e os resultados que se
ciais (Gherardi, 1999) e que o conhecimento e aprendizagem pretende atingir com o aprendizado deste.
não se encontram somente na mente do indivíduo, mas em A metáfora da improvisação na música, por exemplo,
um sujeito que simultaneamente pensa, aprende, trabalha tem ajudado na compreensão de problemas de análise e
e inova (Brown e Duguid, 1995). mudança organizacional. Entre os estudos que estabelecem
Conforme Gherardi (2005), o conhecimento não é uma analogia da improvisação do teatro e a improvisação nas or-
commodity ou um produto que possa ser facilmente comer- ganizações, destaca-se o trabalho teórico de Crossan (1998).
cializável. Ter conhecimento significa ser capaz de participar A autora diz que a improvisação não se limita a apenas uma
das atividades requisitadas, demonstrando competências na metáfora para promover insights na organização, pois sig-
complexa rede de relações entre pessoas, artefatos e atividades nifica também uma orientação para o alcance da renovação
(Gherardi, 2005). A aprendizagem envolve um investimento estratégica da organização. Além disso, relacionando a impro-
pessoal, por meio de uma participação ativa do indivíduo. visação no teatro e nas organizações, a autora destaca como
Sob este ponto de vista, o conhecimento pode ser entendido vantagens da utilização da improvisação: a ampliação da
como a manifestação de sistemas de linguagem, tecnologias, capacidade de interpretação do ambiente, aumento da astúcia
colaboração e conflito, localizados no espaço e no tempo, em estratégica, cultivo do espírito de liderança, fortalecimento
um contexto particular que é socialmente construído. das equipes de trabalho, desenvolvimento de habilidades
O conhecimento, do ponto de vista da aprendizagem so- individuais e análise da cultura organizacional. Ainda, con-
ciocultural, ocorre por processos de negociação de identidades forme Hatch e Weick (1998), a utilização da improvisação
e relações de poder, abrangendo a transmissão de artefatos nas organizações pode ampliar a capacidade da organização
físicos, comportamentais e verbais (Gherardi e Nicolini, 2001). em lidar com as mudanças, torná-la mais flexível e elástica,
No seu estudo junto a uma indústria de flautas, Yanow (2000) com uma capacidade maior de elaborar ações imediatas em
investigou as histórias da organização e mitos sobre o instru- detrimento de planejamentos e antecipações. Além disso, a
mento produzido e identificou que, ao final de um processo improvisação pode contribuir para a capacidade de agregação
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de novos conhecimentos, flexibilidade estrutural, flexibilidade IMPROVISAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES E OS PROCESSOS


operacional, capacidade de adaptação (Lewin, 1998), inova- DE APRENDIZAGEM
ção, criatividade, cooperação (Weick, 1998).1 Improvisação, em um sentido amplo, é definida como
Barrett (1998) apresenta um conjunto de implicações do “produto intelectual inspirado na própria ocasião e feito de
jazz para a prática da gestão que se baseiam no pressuposto repente, sem preparo” (Ferreira, 1988, p. 353). Na área do
de que as funções do gestor e do jazzista apresentam algumas teatro, Pavis (1999) conceitua improviso como:
semelhanças. Estas incluem a necessidade de buscar constan-
temente novas soluções sem o benefício de planos ou cursos [...] uma peça improvisada (a l’improviso), pelo menos
de ação predeterminados, sendo poucas as certezas quanto que se dá como tal, isto é, que simula a improvisação a
aos resultados prováveis das ações levadas a cabo. As conse- propósito de uma criação teatral, como o músico impro-
quências de suas ações desenrolam-se e vão sendo analisadas e visa sobre determinado tema. Os atores agem como se
compreendidas simultaneamente, sendo direcionadas para uma tivessem que inventar uma história e representar per-
audiência específica, que pode ser constituída por apreciadores sonagens, como se realmente estivessem improvisando
de jazz ou, no caso dos gestores, pelos membros da organização, (Pavis, 1999, p. 206).
acionistas, clientes ou qualquer outra parte interessada.
Outras fontes de inspiração também auxiliaram o desen- A edição especial da revista Organization Science do
volvimento de estudos sobre improvisação nas organizações. ano de 1998 foi inteiramente dedicada à metáfora do jazz
Crossan e Sorrenti (1997), por exemplo, analisaram a relevância para novos estudos em administração. Nesta edição, Lewin
da commedia dell’arte, gênero de teatro improvisado, surgido (1998) apresentou a improvisação no jazz como uma metáfora
na Europa no século XVI. Utilizando a metáfora da improvisação para as teorias organizacionais, afirmando que a improvisa-
teatral, Vera e Crossan (2004) analisaram as implicações de ção anteriormente era considerada como uma disfunção da
processos de improvisação nas empresas. Elas identificaram organização, um evento inesperado. Em sua contextualização
semelhanças e diferenças entre os conceitos de performance e sobre improvisação organizacional, Weick (1998) argumenta
sucesso no teatro e nas organizações, extraindo também lições contra visões idealizadas de improvisação, frequentemente a
da improvisação teatral possíveis de serem transportadas para partir de metáforas da arte, na qual, muitas vezes, se posiciona
o estudo da improvisação nas organizações. a improvisação como uma cura mágica para as empresas que
Desta forma, o interesse aqui incide em analisar como possuem carência de inovação e adaptação.
a improvisação a partir da metáfora das artes (teatro e mú- Pavis (1999) identifica o L’Impromptu de Versailles
sica) poderia contribuir para compreender os processos de (O improviso de Versalhes), de Moliére, como um dos primeiros
aprendizagem nas organizações. A utilização da metáfora da e mais célebres improvisos em peças teatrais. Tal obra tem forte
improvisação nas artes não tem por objetivo fornecer uma influência do gênero commedia dell’arte, também conhecido no
explicação completa de um fenômeno abstrato, mas apenas passado como commedia all improviso. Caracterizava-se por
uma comparação analítica. Além disso, independentemente um teatro que seguia apenas um roteiro, possuía um esqueleto
das responsabilidades sobre as possibilidades de utilização a de história que era incrementado com o improviso dos atores,
partir de novas interpretações, acredita-se que a utilização da por meio de falas, gestos, encenações, humor, malabarismos,
metáfora da improvisação nas artes pode gerar novos insights truques, etc.
e futuras pesquisas para a improvisação nas organizações. Além da proposta de Weick (1992) em tomar a banda de
Diferentemente da improvisação nas artes, a improvisa- jazz como um protótipo organizacional, também ultrapassam
ção nas organizações consiste em um fenômeno que se procura o domínio do metafórico as lições que Barrett (1998) transfere
constantemente evitar, a partir da capacidade de administra- do jazz para as organizações. Como ele afirma, existem fortes
ção. No entanto, não se pode negligenciar que a complexidade semelhanças entre o jazzista e o profissional da gestão: ambos
do contexto de trabalho pode exigir do sujeito a improvisação, precisam encontrar novas respostas em sua área de atividade
pois mesmo organizações com alta tecnologia, planejamento e ambos o fazem sem o benefício de uma partitura guia nem
e padronização, em determinadas ocasiões, podem precisar de certezas quanto à qualidade das soluções encontradas. No
improvisar. Desta maneira, novas lentes de análise são necessá- choro, costuma-se brincar que o músico que toca “de estante”
rias para contribuir na compreensão da atuação dos indivíduos (referindo-se à estante musical utilizada para colocar a par-
nas organizações, e a contribuição teórica deste ensaio incide titura) é também um músico “distante”, “distante de tudo”. A
em discutir a questão improvisação e sua articulação com os expressão jocosa é utilizada no sentido de afirmar que o chorão
processos de aprendizagem nas organizações. não deve se afixar somente às indicações expostas na partitura,

1
Weick (1999) realiza a comparação analítica dos grupos de jazz e de organizações flexíveis e orgânicas, sendo as orquestras sinfônicas consideradas estruturas
mecânicas. O autor destaca que o mundo contemporâneo exige organizações mais flexíveis e orgânicas. As artes têm uma capacidade explicativa peculiar por
adotarem uma linguagem universal de ideias, emoções, interpretação, podendo abrir novos caminhos para o campo administrativo.

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176 IMPROVISAÇÃO E APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES A PARTIR DA METÁFORA DA IMPROVISAÇÃO NO TEATRO E NA MÚSICA

mas compreender a música, captar seu sentido, “decorá-la”, o físico Newton acreditava no tempo absoluto, que o tempo
pois, a partir de então, será capaz de criar novas melodias e existia de forma completamente independente do espaço (Da-
improvisações, desbravar novos caminhos. vies, 2002). Esta crença permaneceu até 1915, quando Albert
Existe uma falsa crença de que a improvisação parte de Einstein defendeu a Teoria da Relatividade, argumentando que
elementos livres, sem articulação, totalmente espontâneos e o tempo não é independente do espaço; ao contrário, ambos
sem nenhum planejamento. No entanto, a improvisação, no formam um elemento chamado tempo-espaço, um contínuo
teatro e na música, exige muito estudo e aprendizagem por quadridimensional, formado, portanto, pelas três dimensões
parte dos indivíduos. Os improvisadores de jazz, por exemplo, do espaço e a dimensão temporal.
estão interessados na criação de novos materiais musicais, Na sociedade capitalista, para Harvey (2001, p. 218),
surpreendendo o seu público com ideias espontâneas e ante- tanto o tempo como o espaço “são definidos por intermédio da
riormente não ensaiadas. Neste ponto o jazz difere da música organização de práticas sociais fundamentais para a produção
clássica, pois não há uma prescrição clara do que realmente de mercadorias”. O tempo passa então a ser tratado como uma
deve ser executado (Barrett, 1998). mercadoria, particularmente a partir da revolução industrial,
A Aprendizagem Organizacional numa perspectiva socio- nas relações de produção e de trabalho. Com isso, substitui-
cultural oportuniza a compreensão da transformação organi- se a tarefa pela duração do trabalho como principal unidade
zacional transcendendo a interface cognição-comportamento. de produção. O tempo, nessa abordagem, é considerado um
Além disso, considera os aspectos intuitivos e espontâneos recurso e um fator de produção. Denota, assim, tratar-se de
da criação de novos insights e a compreensão de como se uma estrutura hegemônica sob a qual se exigem a precisão, a
institucionalizam estes insights nos sistemas, estruturas e disciplina e controle por critérios quantitativos (Hassard, 1996).
procedimentos (Crossan e Sorrenti, 1997), permitindo que se Numa linha similar, o espaço e o tempo formam uma unidade
proponha a inclusão da improvisação como um importante à medida que associamos as coexistências com as sucessões,
processo a ser considerado nos estudos da AO. Desta maneira, sejam elas “sequências recorrentes” (Elias, 1998, p. 8) ou apenas
são apresentadas a seguir algumas proposições que podem ser sucessões que não se repetem, mas que marcam um momento,
consideradas essenciais para o estudo e para a compreensão uma época, um fato histórico. O espaço e o tempo não podem
do papel da improvisação nos processos de aprendizagem nas ter significados objetivos atribuídos sem levar em considera-
organizações. ção os processos materiais. Somente pela investigação destes
podemos fundamentar de forma adequada os nossos conceitos.
O TEMPO INFLUENCIA O PROCESSO DE IMPROVISAÇÃO Cada modo distinto de produção ou formação social incorpora
Na física clássica, especialmente na mecânica newtonia- um agregado particular de práticas e conceitos de tempo e
na, o espaço e o tempo eram independentes entre si, medidos espaço (Harvey, 2001). Dentro das organizações, Orlikowski e
pelos corpos em movimento e representados como uma linha Yates (2002) distinguem três diferentes interpretações sobre
no espaço euclidiano. Ou seja, assim como o filósofo Aristóteles, o tempo, que estão dispostas no Quadro 1.

Quadro 1 - Diferentes perspectivas sobre o tempo nas organizações.


Chart 1 - Different perspectives about time in organizations.

Objetiva Subjetiva Baseada na prática


Existe independentemente Socialmente construído pela Constituído pelas, assim como sendo
Conceito
da ação humana; exógeno; ação humana; culturalmente elemento constituinte das ações
de tempo
absoluto. relativo. humanas.
O tempo é experienciado através O tempo é realizado através das
O tempo determina ou
de processos interpretativos práticas recorrentes das pessoas que
poderosamente constrange
Experiência das pessoas que criam noções reproduzem estruturas temporais (Ex.:
ou limita as ações humanas,
do tempo significadoras temporais, tais calendários e cronogramas em planos)
graças à adoção de sistemas
como eventos, ciclos, rotinas e que são tanto resultantes quanto meio
padrões de mensuração.
ritos de passagem. ou suporte para essas práticas.

Os atores não podem modificar Os atores podem modificar Os atores são agentes que
Papel dos
o tempo; eles podem adaptar sua interpretação cultural do reflexivamente monitoram suas ações
atores na
suas ações para corresponder tempo e, assim, alterar sua e, assim, em certas condições, podem
mudança
adequadamente à sua aparente experienciação do tempo nas reproduzir estruturas temporais novas
do tempo
inexorabilidade. rotinas, eventos e ciclos. ou alteradas em suas práticas sociais.
Fonte: Orlikowski e Yates (2002, p. 691).

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Traçando as perspectivas temporais objetiva, subjetiva e sária a habilidade do feeling, quer dizer, uma aguçada percepção
baseada na prática, Orlikowski e Yates (2002) buscaram formular e sensibilidade das ações que ocorrem nestes períodos de tempo.
uma estrutura temporal nas organizações, ou seja, uma maneira Pode-se dizer, então, que a improvisação é predominan-
de compreender o tempo nas organizações. Desta forma, tam- temente baseada no tempo presente. A improvisação baseia-se
bém sugerem que, em suas ações diárias, os atores produzem em parte no passado, tendo em vista as experiências anteriores
e reproduzem uma variedade das estruturas temporais que, por acumuladas. No entanto, sua ação é predominantemente no
sua vez, dão forma ao ritmo temporal e a suas práticas. O foco presente e baseada muito pouco no futuro. Por exemplo, diferen-
na estrutura temporal, combinado com a perspectiva da prática, temente de um arquiteto, que realiza seus projetos e maquetes
permitiu a construção de uma ponte sobre a dicotomia da visão com a possibilidade de pensar em como será o resultado no
subjetiva e objetiva do tempo nas organizações. futuro, um músico que improvisa não pode se desconcentrar no
O tempo-espaço passou a ser uma categoria única que momento que está tocando e pensar no resultado futuro de seu
agiliza, garante eficiência e aumenta significativamente a ro- improviso. Além disso, isto se justifica pelo fato de que as notas
tatividade da produção e do consumo. Como a economia global e melodias precisariam ser imaginadas e tocadas num curto
é um conjunto de estratégias das empresas multinacionais para espaço de tempo. O músico pode apenas olhar um pouco para
conquistas e domínios de mercados, as novas tecnologias da o passado e pensar nas notas que já executou, mas ainda assim
informação e o acervo do conhecimento possibilitaram a interco- deve se concentrar nas notas que está executando no presente,
nexão rápida dos negócios, oferecendo uma outra caracterização no momento do improviso. Essencialmente, a execução de uma
à economia global: economia de velocidade. O tempo-espaço é, improvisação no momento em que for necessária depende da
no atual mundo das organizações, uma unidade indissociável. Há memória, da prática e da forma como é executada (Weick, 1998).
de considerar-se a escala de incorporação das novas tecnologias
de gestão e informação, sob o pressuposto de que a contração A IMPROVISAÇÃO TRABALHA COM A BRICOLAGEM
do tempo-espaço exerce atualmente uma poderosa influência Uma questão que abre espaço para a análise de pro-
nos padrões de organização das empresas (Vieira, 2003). cessos individuais e coletivos – que consistem em um ponto
Diferentemente do caso de relações espaciais, um proces- convergente no papel da improvisação nos processos de
so temporal é incongruente com a sua imagem. Por exemplo, aprendizagem individual e coletivo – é a bricolagem. O ter-
uma música tocada de trás para frente perde suas caracterís- mo deriva do francês bricolage e significa, dentro do campo
ticas e a torna irreconhecível. Embora possamos nos mover no de estudo das organizações, realizar ações com os recursos
espaço tanto para frente como para trás, o tempo, por sua vez, disponíveis, sendo também interpretado por Verjans (2005)
tem mão única. O tempo tem apenas uma direção: do passado da seguinte maneira:
para o futuro. Outra questão ligada à direção do tempo é o fato
de que não temos liberdade para mover-nos no tempo, tal como A tradução inglesa mais comum para a palavra bricola-
nos movemos no espaço. Não temos a liberdade de andar para gem é “do-it-yourself” (faça você mesmo), e se relaciona
trás nem nos apressar, nem ir mais devagar se o desejarmos. a pessoas em particular fazendo pequenas alterações em
O tempo nos conduz independentemente de nossa vontade. suas casas, jardins e utensílios. Em um contexto orga-
Se o tempo é considerado atualmente uma vantagem nizacional, poder-se-ia interpretar o termo “bricolage”
competitiva, embora seja absoluto, intangível, não comerciali- como séries de ações toscas, realizadas por tentativas
zável, então as pessoas ganhariam velocidade caso realizassem bem intencionadas de gerentes sem muita experiência, no
improvisos mais espontâneos, sem a necessidade de constantes intuito de desviar sua organização de problemas, e reparar
planejamentos (Crossan e Sorrenti, 1997, p. 4). Destaca-se, por- prejuízos ao longo do caminho (Verjans, 2005, p. 509).
tanto, neste momento, a importância da improvisação para a
aprendizagem nas organizações e as práticas dos atores frente a Verjans (2005) associa a palavra francesa bricolage com a
estas novas demandas. Sobre o ponto de vista da improvisação, palavra inglesa tinkering, que em português teria o significado
o tempo determina não somente a necessidade de improvisação, de remendar. Segundo o autor, os trabalhos desenvolvidos nas
como também determina a duração da improvisação. Quando se organizações regularmente requerem habilidades e capacidades
improvisa em conjunto, um aspecto essencial para o improvisador para resolver problemas ad hoc. Além disso, habilidades como
é o chamado timing, ou seja, uma aguçada concentração no criatividade não podem ser facilmente pré-sistematizadas.
tempo, regulação e controle de velocidades, tempo e ritmo, para Desta forma, o caráter de improvisação das práticas de trabalho
uma efetiva escolha dos momentos adequados para a realização possui uma relação próxima com as habilidades de bricolagem.
de determinadas ações ou improvisos. Para isso, é também neces- O termo tinker2 tem o significado de trabalho por um caminho

2
No contexto organizacional, o conceito de tinkering poderia ser relacionado a gerentes tendo que resolver problemas causados por tomadas de decisões
errôneas realizadas anteriormente. Nesta interpretação, tinkering é conceitualmente ligado a se esforçar a qualquer custo para manter-se flutuando em uma
enchente (Verjans, 2005, p. 506).

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amador e sem método, especialmente para ajustes e reparos de nes tira sua matéria-prima das diversões populares informes
maquinaria e faz sentido na relação com bricolagem quando se (improvisação) e a eleva à categoria de arte”. Na música, estes
trata de um tipo de processo de improvisação que não fornece recursos incidem sobre as partituras, equipamentos musicais,
espaço para planejamento. Ainda assim, é importante salientar habilidade técnica e conhecimento teórico do músico, entre
que, mesmo que o caminho tenha sido realizado de maneira outros. Nas organizações, os recursos a serem utilizados na
amadora, o gerente que executa a ação de improvisação prova- bricolagem abarcam todos os bens, capacidades, competências,
velmente já passou por um processo de aprendizagem e possui processos organizacionais, informações que sejam controladas
conhecimentos que poderão ser utilizados como estrutura para por seus membros e que tornam a organização capaz de con-
desenvolvimento de suas ações de improvisação com bricolagem. ceber e implementar estratégias que visem à sua eficiência e
Cunha (2004) defende a improvisação baseada na ação efetividade (Kamoche e Cunha, 2001).
em tempo real e a bricolagem como os principais processos O processo de aprendizagem individual de um gerente
para o desenvolvimento das organizações. Os termos bricola- como o improvisador, estrategista e bricoleur consiste em fazer
ge (bricolagem) e bricoleur (pessoa engajada no processo de ligações entre o passado e o futuro com uma consciência grande
bricolagem) foram abordados primeiramente por Levi-Strauss de que, quando, por que e como os recursos têm sido usados
(1966) e trazidos, posteriormente, para o campo dos estudos (Cunha, 2004). O termo “experiência” refere-se ao processo em
organizacionais por Weick (1992). Weick definiu que a bricola- que o gerente desenvolve as habilidades que lhe permitem que
gem nas organizações ocorre através do processo de criação de aja melhor de acordo com a experiência pessoal, mais do que pelo
sentidos, gerados a partir dos recursos disponíveis e utilizados conhecimento explícito formalizado (Vera e Crossan, 2004). Já
como parte do repertório de ações para os eventos que surgirem. no nível coletivo das organizações, as atividades de bricolagem
A bricolagem consiste na invenção de recursos a partir são provocadas quando as situações aumentam e requerem
dos materiais disponíveis, para resolução de problemas impre- do grupo inovações e expedições rumo a novos caminhos para
vistos, caracterizando-se, assim, por ser local e contextual. A guarnecer recursos. Estas situações podem ser caracterizadas
bricolagem nas organizações consiste em se trabalhar com os pela presença de duas causas: imprevisibilidade dos eventos e
recursos disponíveis na organização e reorganizá-los de modo a necessidade para a ação rápida. A imprevisibilidade promove a
a tornarem-se úteis nas dinâmicas e contextos que surgirem. bricolagem porque neutraliza planos existentes e torna a distri-
Ou seja, utilizando os recursos disponíveis, o administrador buição atual de recursos obsoleta, introduzindo gaps inesperados
os redefiniria como recursos úteis, redefinindo também suas entre planos, procedimentos e eventos reais. A necessidade de
ideias de acordo com os materiais que estivessem no momento ações rápidas estimula a bricolagem por inibir a modificação
ao seu alcance (Cunha, 2004). Para Weick (1998), a bricolage dos planos existentes e impedir a elaboração dos novos. Surge
consiste essencialmente em retrabalhar uma estrutura exis- a necessidade não somente de os gerentes planejarem, mas
tente de acordo com as circunstâncias, a fim de lidar com também de improvisarem, no intuito de sem um plano delineado
oportunidades e problemas inesperados. Weick (1998) e Hatch tornar disponíveis os recursos (Cunha et al., 1999).
(1999), além de contraporem a ideia de que a improvisação Desta maneira, levando em consideração que a ordem
ocorre por meio do caos e da falta de estrutura – afirmando temporal se encontra no coração da improvisação, a bricolagem
que ocorre em ambientes estruturados – defendem que os se destaca como uma importante habilidade a ser requerida
ambientes estruturados fomentam a improvisação. Os auto- no processo de improvisação, uma vez que, quanto menor
res destacam a importância dos elementos pré-compostos for o tempo para realizar determinada improvisação, menor
no fomento à improvisação, como planos, experiências ou também será o tempo para se obter os recursos apropriados,
interações prescritas e papéis. gerando consecutivamente uma necessidade de bricolagem, de
Nas organizações, a necessidade de ações rápidas es- trabalhar com os recursos disponíveis (Moorman e Miner, 1998).
timula o processo de bricolagem, pois há a necessidade de
planejar, mas também a necessidade de improvisar e realizar A IMPROVISAÇÃO PARTE DE ESTRUTURAS MÍNIMAS
ações rápidas a partir dos recursos disponíveis sem um plane- Nas organizações, as estruturas mínimas são estruturas
jamento prévio (Cunha et al., 1999). Desta forma, assim como a que fornecem alguns balizamentos para a execução da improvi-
capacidade de improvisação, a bricolagem deve ser reavaliada sação, mas que também fornecem uma maior liberdade para a
como uma prática funcional adaptativa, e não como um desvio execução do improviso. Para atingir este aspecto contraditório
inconsequente e disfuncional (Lewin, 1998). Na improvisação entre liberdade e controle, as estruturas mínimas definem os
teatral, estes recursos incidem em todos os recursos materiais limites para os comportamentos das pessoas, especificando
(como equipamentos de cena, fantasias) e recursos humanos algumas regras gerais, nomeando objetivos, responsabilidades
(conhecimentos específicos de cada ator, performance). Chacra ou prazos (Kamoche e Cunha, 2001). A noção de estruturas
(2005, p. 26) descreve que vários elementos da improvisação mínimas nas organizações está associada à capacidade de os
podem ser retirados de observações, análises, atribuições de membros da organização serem criativos sem o risco de perder
valores, até mesmo em âmbito popular, sendo que “Aristófa- a coordenação (Brown e Eisenhardt, 1997).
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LEONARDO FLACH  CLAUDIA SIMONE ANTONELLO 179

Assim como se aprende e se observa a gramática e regras aspectos organizativos, culturais, tecnológicos, sistemas de
de análise sintática para travar uma conversação e realizar um informação e controle capazes de guiar sem limitar a autono-
improviso no momento de um discurso, a linguagem musical mia das contribuições individuais.
também possui regras que devem ser observadas no momento da A improvisação na música é baseada em determinadas
improvisação. Barrett (1998) destaca, ao explorar como os mú- estruturas, no entanto a música, o improviso e a interpretação
sicos de jazz aprendem a improvisar, que aprender a improvisar sempre se tornam diferentes. Tal como discutido por Hatch
no jazz envolve aprender a teoria e as regras que governam as (1999) e por Kamoche e Cunha (2001), a música oferece uma
progressões musicais. Esta mesma questão pode ser transportada combinação única de estrutura e liberdade que pode se revelar
para a questão do improviso de tarefas e ações nas organiza- preciosa para alcançar um novo entendimento sobre a essência
ções. Na música, a improvisação funciona como uma conversa da estrutura organizacional.
a partir de uma linguagem que exige estruturas mínimas, como Então, relacionando agora as estruturas mínimas com
regras gramaticais e de ortografia. Realizando a analogia de o elemento visto anteriormente, denominado bricolagem,
uma improvisação musical com uma conversa, a linguagem entende-se que as estruturas mínimas podem facilitar a bri-
poderia ser considerada o estilo musical ou cultura regional, colagem, porque criam um espaço para a exploração improvi-
o alfabeto seriam as notas musicais, as escalas seriam estudos sada dentro dos limites estabelecidos. Tomando a concepção
gramaticais, que seguiriam também a lógica da harmonia e dos de improvisação como ação extraída com base nos recursos
acordes. Todos estes elementos unidos e formando novas frases disponíveis, a conexão entre bricolagem e estruturas mínimas
e conversas de forma extemporânea caracterizariam o processo pode facilmente ser estabelecida. As estruturas mínimas
de improvisação. Além disso, a conversa musical na improvisação criam um espaço para exploração inovadora da utilização dos
exige também normas como saber escutar enquanto o outro recursos. Entretanto, quando as organizações se pautam em
executa uma frase, de modo a posteriormente ter a capacidade rotinas estáveis, estruturas e controles rígidos, convidam seus
de responder a frase tocada com uma outra melodia. funcionários a estabelecerem procedimentos e utilizar recursos
O modelo de improvisação para desenvolvimento de no- em maneiras predeterminadas, ao invés de convidá-los a serem
vos produtos proposto por Kamoche e Cunha (2001) identifica criativos e se engajarem na exploração, na improvisação e na
um conjunto de elementos estruturais claramente especificados bricolagem (Eisenhardt e Martin, 2000).
das dimensões técnica e social, as quais servem para facilitar
a ação inovadora em vez de a constrangerem. A essa estrutura AS PAUSAS E O SILÊNCIO TAMBÉM FAZEM PARTE
foi atribuída a designação de estrutura mínima. DO PROCESSO DE IMPROVISAÇÃO
Na mesma linha, Barrett (1998) sugeriu a necessidade Nos estudos sobre improvisação na música, apenas
de estruturas mínimas inegociáveis, tacitamente aceitas e sem alguns métodos e estudiosos trabalham com foco nas pausas
necessidade de articulação constante. Todas essas sugestões, no e no silêncio. De maneira geral, parece que se trata de um
fundo, indicam uma tendência no sentido de um esforço de sínte- elemento negligenciado. Um dos compositores musicais que
se entre elementos frequentemente tidos como opostos. A neces- revolucionou a música moderna foi John Cage, que compôs
sidade de aprendizagem exploratória e utilitária (Levitt e March, uma música denominada “Três minutos e trinta e três segun-
1995) e a “dança” entre adaptação sistemática e aproveitamento dos”. O músico revolucionou o conceito de silêncio, pois, em
de oportunidades ou soluções fortuitas no desenvolvimento dos suas apresentações, sentava ao palco em frente ao piano e
processos organizativos constituem exemplos adicionais dessa permanecia por 3 minutos e 33 segundos sem tocar. Desta
visão dialética, a qual sugere novas possibilidades de entendi- música, podem-se realizar algumas inferências. O primeiro
mento das realidades organizacionais, para lá das tradicionais argumento é de que o silêncio é algo que na forma absoluta
dicotomias, como diferenciação versus integração, organicismo não existe, pois mesmo trancado em um estúdio, o ser humano
versus mecanicismo, inovação versus rotina. consegue escutar algo, como as batidas do coração. O segundo
No choro e no jazz, o tema tem um papel fundamental argumento é que o silêncio faz parte de uma improvisação e
na manutenção do foco dos músicos, ao mesmo tempo em que deve também ser valorizado. O terceiro argumento é que, nas
lhes permite a flexibilidade necessária para improvisar sobre organizações, o silêncio pode proporcionar uma maior abertura
as estruturas harmônica, melódica e rítmica. É essa síntese para as percepções. Por exemplo, quando uma pessoa entra
entre liberdade e controle que torna as estruturas musicais atrasada em uma reunião, o simples silêncio de todos por um
do choro tão apelativas para o mundo das organizações (Fla- período de tempo pode passar uma certa mensagem para esta
ch e Antonello, 2007). A dificuldade com que se confrontam pessoa, e dependendo da percepção desta, pode causar um
os investigadores e os gestores consiste na identificação dos sentimento de constrangimento. O quarto argumento é que
equivalentes organizacionais da estrutura mínima. Visões, nas organizações a pausa, assim como na música, também
missões ou protótipos de produtos constituem possibilidades deve ser valorizada, ou seja, deve haver um tempo de pausa
dignas de menção. Estes diferentes elementos podem, aliás, para que o indivíduo possa repensar e refletir sobre suas ações
combinar-se em uma filosofia de estruturação que envolva tomadas e ações futuras.
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180 IMPROVISAÇÃO E APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES A PARTIR DA METÁFORA DA IMPROVISAÇÃO NO TEATRO E NA MÚSICA

Na música, as pausas também são consideradas pelos A IMPROVISAÇÃO PODE SER INDIVIDUAL OU COLETIVA
músicos nos momentos de improviso. Nas interpretações de Assim como a aprendizagem nas organizações, a improvi-
Manezinho da Flauta, por exemplo, foram observados dois tipos sação pode ser individual ou coletiva, sendo que a coletiva neste
de improvisação, um que acontece nas notas longas e nas pau- caso se refere ao nível grupal ou intergrupal. Neste sentido,
sas da melodia por parte dos companheiros – podendo ocorrer Weick (1998) comenta que aprimorar a improvisação significa
na própria substituição da melodia pelo improviso – e outra melhorar a memória (organizacional, coletiva ou individual).
que acontece depois do término da melodia (Goritzki, 2004). Por sua vez, aperfeiçoar a memória da organização consiste
Roglio (2006) desenvolve o conceito de executivo reflexivo em ampliar a perspectiva com relação aos recursos existentes
para descrever o indivíduo que atua nas organizações com de- bem como o acesso a estes. Implica também ouvir a si mesmo
mandas constantes de ação rápida e que, ao mesmo tempo, ne- e ouvir aos outros.
cessita de momentos de ação e pausas para reflexão. Segundo a A improvisação individual pode ser comparada a um
autora, o executivo trabalha com a inter-relação dos pensamentos solo de improviso de um dos músicos ou artistas de teatro. No
conectivos, críticos e introspectivos. A pausa para reflexão pode entanto, quando um pequeno grupo passa a improvisar, este
gerar uma aprendizagem que promove a criação de uma confi- improviso passa a ser coletivo, havendo uma necessidade de
guração organizacional equilibrada, procurando conciliar visão harmonia entre os improvisadores, para que todos percorram
organizacional, estratégia, dinâmica das relações interpessoais e em um mesmo sentido. A improvisação coletiva ocorre como
eficácia dos processos organizacionais (Roglio, 2006). uma boa conversação, onde os membros se reúnem em uma
Enfim, de acordo com Martins (2009), é necessário dar voz estrutura básica e exercitam a arte de ouvir aos outros e a si
ao silêncio, dando, assim, vida à História. Ou ainda, talvez seria me- mesmos, com trabalho mútuo, intervenções em tempo real
lhor dar ouvido às “vozes do silêncio”, que às vezes são as que mais (Weick e Westley, 2004).
falam, mesmo que sejam as menos ouvidas. As pausas sugerem De acordo com o framework proposto por Crossan et
uma prática de refletir, ou seja, sobre um tempo destinado à busca al. (1999), os processos de aprendizagem nas organizações
de ideias, pois auxiliam o indivíduo a se concentrar realmente no (individual, grupal e organizacional) ocorrem principalmente
problema. Conforme sustentam Harman e Hormann (1997), pausa em dois sentidos. O primeiro, no processo de feedforward,
não é perda de tempo e, sim, condição essencial para o ato de ocorre pela transferência da aprendizagem de indivíduos para
construir, compor, criar. É uma necessidade do trabalho criativo. o coletivo, podendo ser posteriormente institucionalizada na
Este pressuposto está associado ao apresentado na seção organização em forma de sistemas, estruturas, estratégias e
“O tempo influencia o processo de improvisação”. O tempo livre procedimentos. O segundo sentido, de feedback, relaciona-se
passou a ser praticamente sinônimo de riqueza, pois atualmente com a utilização do que foi aprendido, bem como os impactos
a dinâmica social dá a impressão aos indivíduos de que estaria se dessa aprendizagem nos indivíduos e grupos. Estes dois sentidos
tornando cada vez mais escasso. O que determina o tempo livre da aprendizagem, segundo os autores, perpassam a aprendiza-
não é o que se faz com ele, mas como se faz, a forma de usar gem individual, coletiva e organizacional em quatro estágios
o tempo liberado do trabalho em ações reflexivas ou práticas. que, pode-se dizer, abrangem o processo de improvisação. Estes
O tempo parece sofrer uma aceleração desenfreada, mas, na estágios dinâmicos, sociais e psicológicos do framework são:
realidade, é o homem que se subordina a um ritmo acelerado e
avassalador. A categoria tempo possui um valor relativo a cada (a) Intuição – no nível mais básico, a intuição envolve a
indivíduo, variando conforme o seu uso; é preciso “dar sentido percepção de similaridades e diferenças, padrões e possibili-
ao tempo”, além daquele que existe para o tempo de trabalho, dades; a exemplo da metáfora das artes, um músico quando
seguindo a tradição linear-quantitativa do tempo que o torna um improvisa em conjunto, enquanto aguarda seu momento de
objeto (Antunes, 1999). Dentro desta concepção que se remete improvisar, improvisa suas notas com base nas notas anterior-
novamente à metáfora da pausa e do silêncio no processo de mente tocadas, na intuição de possibilidade de passagens para
improvisação nas organizações, ou seja, o tempo livre poderia ser outros temas e frases musicais, na intuição das notas tocadas
uma espécie de pausa para repensar as ações e improvisações, pelo companheiro de improviso (ou mesmo pelo “duelo” mu-
quando tomado de maneira curta e eficiente. sical), intuindo as notas que o companheiro irá tocar;
Por fim, o processo de improvisação e aprendizagem (b) Interpretação – enquanto a intuição enfoca predo-
nas organizações deve também levar em consideração esta minantemente os processos inconscientes do desenvolvimento
metáfora das pausas e silêncios, ou seja, que deve valorizar de insights, a interpretação aborda a captação e organização
este tempo livre e momentos de pausa entre uma ação e ou- destes elementos de forma consciente;
tra, entre um improviso e outro, para refletir sobre elementos (c) Integração – ocorre a partir do momento em que as
armazenados na memória, sobre ações e práticas. Considera-se informações que já passaram pelas fases de intuição e integração
que os executivos possuem uma ansiedade por ações e práti- são socializadas para um grupo ou para a organização; esta in-
cas, mas negligenciam os momentos de pausa, que poderiam tegração pode ocorre por meio de conversas, artefatos e práticas
proporcionar o surgimento de novos insights. (Brown e Duguid, 1995);
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(d) Institucionalização – consiste no processo de le- exemplo, os músicos no transcorrer do tempo desenvolvem um
gitimação de atividades, comportamentos e conhecimentos vocabulário de frases e padrões que são colocados em suas
(Crossan et al., 1999), que passam a fazer parte das rotinas e improvisações. Estes clichês podem surgir pela observação e
da memória da organização (Levitt e March, 1995). análise da improvisação de outros, por imitação de improvisações
executadas, por repetição e por memorização de solos e frases
Então, como funcionariam estas fases no processo de (Barrett, 1998). O mesmo ocorre no teatro, quando os atores se
improvisação? Tomando como exemplo a metáfora de um grupo pautam em movimentos e frases já observados em improvisos
de choro, a intuição é uma constante no processo de improvi- de colegas ou mesmo de seus próprios improvisos. De qualquer
sação, que se reflete no feeling e no timing de quem improvisa. maneira, somente a prática e memorização destes padrões não
A interpretação ocorre quando o músico reconhece os padrões seria o suficiente, pois o improvisador necessita desenvolver uma
musicais, tem conhecimento pleno das notas da partitura e parte percepção, para saber quais frases, clichês e padrões podem ser
para novas organizações destes elementos e linguagens musicais, utilizados nas circunstâncias em que se depararem (Barrett,
formando novos olhares e improvisos sobre a música. A integra- 1998). Estes padrões e repetições de ações anteriormente exe-
ção ocorre no momento em que suas práticas são socializadas cutadas são também úteis para as organizações. Levitt e March
com o grupo, podendo resultar em uma institucionalização, que (1995) se referem a uma competency trap sobre esta tendência
teria como resultado uma nova composição musical, um novo a tornar-se competente e especializado em uma rotina bem-
padrão rítmico ou de práticas a serem utilizados em outras sucedida.
músicas, ou mesmo uma nova música. Neste sentido, a roda Para o improvisador, um grande salto de aprendizagem
de choro consiste em uma metáfora para a possibilidade de ocorre quando este consegue estabelecer relações entre dife-
improvisação coletiva, pois se trata de um encontro de músicos rentes padrões e contextos de improviso, exportando clichês
para tocar o ritmo brasileiro do choro de forma espontânea e para outros momentos antes não premeditados, recriando
com bastante espaço para a improvisação. Outra característica padrões, combinando-os, fazendo variações dos mesmos,
da roda de choro é a possibilidade de proporcionar em grande adicionando e trocando notas, variando acentos, desviando
parte das vezes uma aprendizagem coletiva informal, pois muitas subitamente o contorno de uma frase antes padronizada.
vezes os músicos que tocam em uma roda de choro não fazem A improvisação também envolve combinar elementos
parte dos mesmos grupos, possuem formações e interpretações de modelos diferentes. Na música, por exemplo, isto ocorre
musicais diferentes e não se reúnem por motivo de compromissos quando o improvisador mistura diferentes harmonias e notas,
formais. Desta maneira, o improviso mistura também as influên- estende intervalos, altera tonalidades ou transfere elementos
cias e construções de significados de cada um dos componentes musicais de um ritmo para outro para produzir algo novo. Já
(Flach e Antonello, 2007). no teatro isto ocorre quando um ator utiliza técnicas teatrais
A improvisação coletiva também poderia ser comparada com influências de diferentes escolas, no intuito de realizar um
com a metáfora da improvisação das Big Bands de jazz ou em improviso em forma de teatro de rua, alternando falas e gestos.
ocasiões onde vários membros realizam improvisos em tempos O improviso realizado pelos atores da commedia dell’arte era,
concomitantes, podendo chegar a alterar padrões rítmicos e musi- muitas vezes, ensaiado, simulado, resultado de repetidas e mais
cais anteriormente estabelecidos e de forma conjunta. Na medida repetidas situações cênicas, pois, como era característica deste
em que a improvisação varia, combina e recombina um conjunto tipo de teatro, os atores costumavam desempenhar o mesmo
de elementos, os membros passam a perceber a coerência e os personagem durante toda a sua vida (Pavis, 1999).
rumos da improvisação, conferindo a esta um significado. Desta Assim, pode-se dizer que, nas organizações, estas repetições
maneira, projetam nela o que estão realizando coletivamente. de temas e clichês estão diretamente ligadas às rotinas (Levitt
Nestes momentos surge a aprendizagem do grupo, pois passam a e March, 1995), que por sua vez se encontram na memória
ser momentos a serem lembrados como experiências significati- organizacional (Levitt e March; 1995; Moorman e Miner, 1998).
vas. Assim, a ação coordenada parece fluida, não requer esforço, Moorman e Miner (1998), relacionando improvisação nas orga-
e a linguagem parece criar em vez de descrever, onde o antigo nizações com a memória organizacional, definem a improvisação
é visto como novo, numa mistura de descoberta e nostalgia. Os nas organizações como o grau no qual a composição e a execução
indivíduos reconhecem a experiência como social e local, podendo de uma ação convergem no tempo. Esta relação aproxima-se da
inclusive ser recuperada com a combinação correta de pessoas, noção de procedural memory (memória processual, baseada no
recursos e circunstâncias (Weick e Westley, 2004). conhecimento de habilidades) e da noção de declarative memory
(memória declarativa, baseada no conhecimento factual). Os
A IMPROVISAÇÃO PODE ESTAR BASEADA EM CLICHÊS autores propõem que ambas as formas de memória organiza-
E EM REPETIÇÃO OU VARIAÇÃO DE TEMAS cional moderam o impacto dos resultados da improvisação nas
Na improvisação a pessoa que a executa desenvolve organizações. Ao mesmo tempo, a improvisação influencia a
com o passar do tempo, pelo acúmulo de estudos e experiência, memória organizacional por gerar novos experimentos e permitir
alguns padrões de improviso denominados clichês. No jazz, por o desenvolvimento de competências de alto nível na improvisação.
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182 IMPROVISAÇÃO E APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES A PARTIR DA METÁFORA DA IMPROVISAÇÃO NO TEATRO E NA MÚSICA

O ERRO É CONSIDERADO PARTE DA IMPROVISAÇÃO as pessoas podem manter o equilíbrio entre ordem e desordem,
A palavra improviso provém do latim improvisus, que aumentando a probabilidade de que ocorra a aprendizagem
significa “não visto antes do tempo”. Improvisação consiste em (Weick e Westley, 2004).
executar uma ação de modo extemporâneo, em uma composi- Desta maneira, o improvisador necessita estar apto a
ção no momento. Considerando o alto potencial de inovação correr riscos, cometer erros diante de sua plateia. Precisa estar
e exploração, existe também um potencial grande para o erro. consciente de que os erros podem ser oportunidades para novas
A improvisação, desta forma, envolve explorar, experimentar informações e para acesso à formação de novos significados.
continuamente, consertando os erros com novas possibilidades Os erros resultantes da justaposição entre ordem e desordem
(Barrett, 1998). na improvisação podem ser revistos como oportunidades e não
As organizações, em princípio, tendem a enfatizar a como ameaças à execução (Weick e Westley, 2004).
intolerância com relação ao erro. Seifert e Hutchins (1992) Portanto, entendendo a aprendizagem como um processo
estudaram as oportunidades que os erros podem gerar para que envolve descoberta, retenção de informações, e que o
um desenvolvimento mais amplo e criação de novos olhares. próprio processo de improvisação consiste em ações que per-
Nas bandas de jazz, o erro é considerado parte do improviso e mitem posterior avaliação de resultados, ambos se caracterizam
algo praticamente inevitável quando se trata de alçar novos pelo processo de tentativa e erro (Moorman e Miner, 1998).
caminhos musicais. Barrett (1998) destaca que os improvisa- Organizações que estimulam os processos de aprendizagem e
dores do jazz regularmente cometem erros, mesmo que para improvisação podem ser descritas como aquelas que valorizam
a plateia isto não seja perceptível. Uma parcela destes erros a estética da imperfeição (Weick, 1999), ou seja, que atribuem
ocorre pela discrepância entre intenção e ação, ou seja, às vezes valor positivo para experiências de aprendizagem, sejam elas
as mãos do músico falham ao tocar algo que inerentemente o primeiramente bem ou malsucedidas. Consistem em organiza-
músico já imaginava. No teatro, ocorre o mesmo, pois muitas ções que estimulam a experimentação, a iniciativa voluntária
vezes a pronúncia de determinadas palavras ou a gesticulação para assumir riscos e que visualizam os erros como falhas do
não ocorre conforme o ator havia planejado. alcance, mas também como oportunidades de obter a infor-
Por mais planejadas e estruturadas que as organizações mação que talvez pudesse não ser facilmente perceptível por
estejam, existem contingências do ambiente que, em deter- outros meios (Sitkin, 1992).
minados momentos, exigem ações rápidas e eficientes. Chacra
(2005, p. 15) enfatiza esta relevância do improviso no teatro, A IMPROVISAÇÃO EM CONJUNTO EXIGE NEGOCIAÇÃO
ao afirmar: E DIÁLOGOS CONTÍNUOS
A improvisação aborda também uma capacidade de
A natureza momentânea do teatro já prefigura, por si trabalhar com perguntas e respostas de frases melódicas.
só, um caráter improvisacional na obra acabada. Por Neste sentido, por exemplo, um músico de jazz em determi-
mais preparado, ensaiado e pronto, o teatro no seu grau nado momento é desafiado com uma pergunta em linguagem
máximo de cristalização – embora passível de reprodu- sonora e deve respondê-la com seu instrumento. Este jogo de
ção – ainda assim ele não é capaz de se repetir exata e improvisação, também muito utilizado na música nordestina,
identicamente do mesmo jeito, por causa do seu fenô- no repente, na bossa-nova e no samba, caracteriza o diálogo,
meno, cujo modo de ser é a comunicação momentânea, bem como as relações existentes entre cooperação e compe-
“quente”, ao vivo, e cuja efemeridade leva a um efeito tição (Flach e Antonello, 2007).
estético também transitório. Vianna (2002) destaca esta heterogeneidade da cultura
brasileira, afirmando que é possível observar a pluralidade de
Quando os erros ocorrem, os artistas improvisadores suas manifestações culturais, sejam elas no âmbito religioso,
não procuram achar logo as causas nem identificar os res- artístico ou étnico, harmoniosas ou não. A improvisação no
ponsáveis, mas tratá-los de forma impessoal e considerá-los samba cria “um território de mediações interculturais, possi-
inerentes ao processo. Neste sentido, Weick (1999) defende a bilitando o encontro de grupos sociais de várias procedências”
“estética da imperfeição” nas organizações. Segundo o autor, (Vianna, 2002, p. 41).
ao invés de procurar avaliar os sucessos ou falhas de criações Segundo Wenger (1998), uma prática não existe em
individuais baseadas em modelos simples de perfeição (como abstrato, pois depende de pessoas envolvidas em ações cujo
a metáfora da música clássica), deve-se pensar em modelos significado é negociado entre as pessoas. Assim, só existe por-
imperfeitos, mas audaciosos, que agreguem valor a novas que estas pessoas pertencem a uma comunidade engajada em
experimentações, sejam estas bem ou malsucedidas. Assim, concretizar um empreendimento. O empreendimento comum
a estética da imperfeição envolve avaliar um repertório de é negociado entre os membros da comunidade a partir de um
ações que combine frases belas com frases feias (que seriam processo social de negociação que reflete o envolvimento das
resultantes de processos de improvisos com erro e ações ino- pessoas na comunidade. O repertório compartilhado é criado pela
vadoras malsucedidas). Apreciando a estética da imperfeição, comunidade aos poucos. A busca conjunta de concretização do
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LEONARDO FLACH  CLAUDIA SIMONE ANTONELLO 183

empreendimento cria recursos para a negociação de significado. Nas organizações, a improvisação está muito ligada à
Os elementos do repertório podem ser muito heterogêneos e atitude tomada no momento da improvisação. Esta é adquirida
obtêm sua coerência não como símbolos, atividades ou artefatos com a experiência, com o sentido de autoeficácia e autocon-
específicos, mas sim do fato que eles pertencem à prática de fiança. Pensar a performance implica também não isolar esfe-
uma comunidade em busca de um empreendimento. ras da vida social como estética, ética, política, religião, dentre
Na improvisação, as negociações e diálogos contínuos, outras. Schechner (1995) conta que, em sua experiência de
a partir da interação dos membros, tornam-se essenciais. De estudos de rituais indianos, foi questionado sobre seu desejo
forma similar, destaca Sawyer (2000, p. 153), “na improvisação de conversão para o hinduísmo: “Seus motivos são religiosos
teatral, a essência do processo criativo é social e interativo, ou estéticos?”. Após refletir, percebeu que não fazia sentido a
e não pode ser reduzido na inspiração ou processo mental de divisão sugerida na questão: “Como podemos separar os dois,
um único ator”. especialmente na Índia?”. Turner (1982) defende o estudo da
A aprendizagem e a relação de negociação de identidade “antropologia da perfomance” como parte essencial de uma
e poder podem ser melhor compreendidas pela interpretação “antropologia da experiência”: “todo tipo de performance
de conhecimentos físicos que são repassados por meio de arte- cultural, incluindo ritual, cerimônia, carnaval, teatro e poesia,
fatos. Estes artefatos são símbolos que são transmitidos pelos é explicação da vida” (1982, p. 13). Recorrendo à etimologia
próprios atores e consistem em elementos que fornecem inter- da palavra – performance deriva do francês antigo parfournir,
pretações e geram novas negociações. Esta negociação ocorre completar – o autor atribui à performance o momento de fina-
pelo fato de a aprendizagem ser mediada por diferenças de lização de uma experiência, sem a qual esta não seria completa.
perspectivas entre pessoas para a construção de uma realidade Schechner (1988), parceiro de Turner (1982) em trabalhos sobre
social. A prática da comunicação dentro de um grupo social a antropologia da performance, defende sua diferença com
fornece a forma de uma comunidade que produz e apropria relação ao autor do conceito de drama social. Turner (1982)
conhecimentos (Gherardi e Nicolini, 2001). localizaria o drama essencial no conflito e na sua resolução.
Schechner (1988) localiza-o na transformação, em como as
A PERFORMANCE É ESSENCIAL NO ATO pessoas usam o teatro como um meio de experimentar, atuar
DE IMPROVISAÇÃO e sancionar mudanças. As transformações via performance se
Schechner (1985) comenta que uma das possibilidades dão tanto nos performers – que rearranjam seu corpo e mente
da performance é essa experiência de transformação. Tornar- – como no público. Estas mudanças podem ser temporárias,
se outro não implica abandonar a si próprio. O autor afirmou quando se trata da performance como entretenimento, ou
que Stanislawski, um dos principais nomes do teatro do século permanentes no caso do ritual.
XX, apesar de defender um sistemático naturalismo, advertia Cabe notar que o trânsito entre entretenimento (teatro)
que o ator não deve se perder no palco, sair de si. Schechner e ritual é fluido. Schechner (1988) lembra que, quando a per-
(1985) afirma que o performer não deixa de ser ele próprio, formance tem como propósito efetivar transformações – “ser
mesmo quando possuído por outro ser (como no caso do eficaz” –, outras qualidades (como transe, participação da
transe) ou representando um papel no teatro. O performer audiência, ausência de crítica) estarão presentes e a perfor-
vive uma situação que o autor traduz como: not himself/not mance será, de fato, um ritual. Por outro lado, considera que,
not-himself. Essa possibilidade de viver identidades múltiplas quando o teatro pretende gerar atos eficazes, a performance
e ambivalentes simultaneamente seria tipicamente humana e está sendo também ritualizada. A diferença básica entre teatro
uma das propriedades da performance. De qualquer maneira, e ritual estaria na separação entre espectadores e performance,
o argumento de que a aprendizagem do teatro poderia formar que caracteriza o primeiro. Mas as fronteiras não são rígidas:
pessoas mais falsas, pela habilidade adquirida em representar “em todo entretenimento há alguma eficácia, e em todo ritual
outros personagens, consiste em uma crítica inválida, pois, se há algum teatro” (Schechner, 1988, p. 138)Relacionando a
assim fosse, todos os atores de teatro, seriam bem-sucedidos, performance na improvisação teatral com a improvisação nas
fato este que não ocorre com todos. organizações, Vera e Crossan (2005) discutiram o papel do trei-
O improviso está presente em qualquer apresentação namento para a efetividade na improvisação e as possíveis ma-
cênica, com maior ou menor grau de intensidade, dependen- neiras em que se desenvolvem habilidades desta performance.
do da proposta inerente à montagem teatral (Chacra, 2005). Segundo as autoras, existe uma ênfase exagerada com relação
Além disso, o improviso é identificado por muitos estudiosos ao aspecto espontâneo da improvisação. Analisando grupos de
e teatrólogos como ferramenta oportuna para a preparação teatro, destacaram que a improvisação teatral fornece lições
do ator, formação de cenas, construção de personagens, ela- de performance para as organizações sobre: (a) práticas, (b)
boração de textos (Chacra, 2005; Spolin, 2003; Stanislavski, colaboração, (c) combinar, aceitar e adicionar, (d) estar presente
1982). Há ainda a visão de performance no improviso baseada no momento, (e) trabalhar com a reincorporação de clichês.
em situações de esquecimento da fala, imprevistos, momentos A performance da improvisação no teatro e na música
emergenciais. consiste em uma metáfora transparente e acessível para a
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184 IMPROVISAÇÃO E APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES A PARTIR DA METÁFORA DA IMPROVISAÇÃO NO TEATRO E NA MÚSICA

performance da improvisação nas organizações, porque os Neste ensaio teórico, foram apresentadas algumas
elementos usados pelos atores de teatro e músicos são pra- proposições para descrever o processo de improvisação e sua
ticamente os mesmos utilizados pelos times de trabalho nas articulação aos processos de aprendizagem nas organizações.
organizações. Ou seja, principalmente no caso da improvisação Como primeira proposição, o tempo influencia o processo
teatral, observa-se que está baseada na fala, pensamento, de improvisação, estabelecendo-se, talvez, uma indagação:
postura, gestos, expressões faciais, movimento, ação, que como o encurtamento dos tempos no universo organizacional
consistem nos mesmos elementos utilizados na performance lida com a improvisação? Além disso, o improviso trabalha
dos indivíduos nas organizações (Vera e Crossan, 2005). Na com a bricolagem, ou seja, depende dos recursos materiais,
performance, trabalha-se com o processo criativo, e, “na per- financeiros, cognitivos, emocionais presentes no momento.
formance improvisacional, o processo criativo é o produto” Assim, pergunta-se: com estes elementos, assim como um
(Sawyer, 2000, p. 149). quebra-cabeças, como os indivíduos realizam associações e
A metáfora é uma figura de linguagem que auxilia a procuram enfrentar o cotidiano organizacional, utilizando a
percepção de fenômenos mais complexos, possibilitando sua bricolagem no improviso? Esta bricolagem também é pautada
melhor compreensão e visualização. O campo da administração por estruturas mínimas, isto é, regras gerais, normas, crenças
de empresas está repleto de metáforas e, desde que as ana- e alicerces que precisam ser observados no ato de improvi-
logias sejam realizadas de maneira adequada, elas auxiliam sação. Para proporcionar reflexões, fazem parte do processo
a aprendizagem de abstrações e construções teóricas mais de improvisação as pausas e o silêncio. Além da diminuição
complexas. Como uma figura especial de linguagem, a metá- da possibilidade de pensar sobre os caminhos do improviso,
fora é um caminho para procurar “visualizar algo a partir de podem-se revisar rapidamente as estruturas mínimas nestes
um outro ponto de vista” (Brown, 1977, p. 77). Ela é capaz de momentos. A emergência do modelo de improvisação tem
transferir qualidades de um fenômeno conhecido para outro menos a ver com a mera exploração de novas metáforas do
desconhecido. Sustenta-se, neste estudo, que a metáfora da que com a necessidade de encontrar modos de atuação mais
improvisação nas artes (Barret, 1998; Cunha e Cunha, 2008; adaptados às exigências de um mundo organizacional em
Vera e Crossan, 2004) pode auxiliar a compreensão da impro- mudança (Cunha, 2002). Um dos estímulos mais significativos
visação nas organizações, assim como sua articulação com para a emergência da improvisação decorre da insatisfação
a aprendizagem para a resolução de problemas e conflitos, com a concepção de estrutura que tem prevalecido de forma
adaptabilidade, flexibilidade, estrutura, entre outras formas duradoura. Os teóricos da organização há muito tempo têm
de buscar novos caminhos. se preocupado com o problema da estrutura e com a forma
A literatura de administração analisa predominante- profunda como as estruturas influenciam o comportamento
mente de forma teórica a improvisação nas organizações, das (e nas) organizações. As novas investigações sobre a im-
relacionando-a principalmente com a improvisação no jazz provisação organizacional vêm ilustrando, contudo, o fato de
(Barret, 1998; Lewin, 1998; Weick, 1998), no teatro (Vera e a escolha de uma posição no contínuo orgânico-mecanicista
Crossan, 2004) e no choro (Flach e Antonello, 2007). O presente não ser uma inevitabilidade.
ensaio traz uma contribuição teórica para a análise da impro- Trabalhou-se também com a proposição de que o im-
visação nas organizações. Com base na revisão da literatura, proviso pode ser individual ou coletivo. Nas artes, o improviso
foram criadas novas analogias, destacando características e e a própria aprendizagem ocorrem a partir do coletivo, e esta
elementos do improviso, delimitando tanto as similaridades metáfora poderia ser transposta para o ambiente organizacio-
da metáfora da improvisação nas artes com o improviso nas nal. Em ambos os casos, há a possibilidade de a improvisação
organizações, como suas diferenças apresentadas no Quadro 2. ser fundamentada em repetição ou variação de temas. Afinal,
conforme se afirmou, o improviso no gênero commedia dell’arte
CONSIDERAÇÕES FINAIS era baseado em repetições constantes, e tanto o teatro como
Embora a improvisação possa ser considerada um dos a música utilizam improvisos gerados a partir de constantes
importantes construtos para compreensão da Aprendizagem ensaios e repetições, retomando temas.
Organizacional, Crossan e Sorrenti (1997) comentam que Weick (1999) destaca a ideia de uma estética da imper-
tende-se a estudar AO lançando-se foco sobre diferentes feição em orquestras e organizações, pois está associada à no-
aspectos, tais como, memória, sensemaking, inteligência, mas ção das organizações como espaços de aprendizagem e de explo-
dificilmente a partir da noção de improvisação. Para estes au- ração de novas vias de atuação. Essa busca ativa da exploração
tores, a improvisação é uma parte do cotidiano organizacional de caminhos desconhecidos implica, inevitavelmente, a conside-
e um aspecto vital da AO. A improvisação ocorre, às vezes, de ração do erro como aspecto normal da prática organizacional e
forma positiva e, às vezes, de forma negativa, e sabe-se muito estaria ligada diretamente à ideia de improvisação. A exploração
pouco sobre as características que separam estes dois extre- de novos caminhos e novas interpretações através da improvisa-
mos. O tradeoff entre a prudência e a exploração continua a ção é considerada, pois, elemento fundamental. O erro consiste
atormentar a realidade das organizações. em elemento a ser considerado no processo de improvisação e
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Quadro 2 - Semelhanças e diferenças entre a improvisação nas artes e nas organizações.


Chart 2 - Similarities and differences between improvisation in the arts and organization.

Semelhanças entre a Diferenças entre a


Improvisação nas artes Improvisação nas
Elementos improvisação nas artes e improvisação nas artes
(jazz, choro, teatro) organizações
nas organizações e nas organizações
Na música há a neces-
sidade de conhecimento
prévio sobre acordes, rit-
Além de uma aprendiza- Enquanto uma prioriza
mo, harmonia, caracterís-
gem prévia formal, por Ambas necessitam de a aprendizagem que
ticas culturais da música
meio de cursos relacio- uma aprendizagem prévia possa contribuir para
Aprendizagem executada, etc.
nados com a área de sobre o tema e não são o desenvolvimento das
prévia ao
trabalho, há necessidade simplesmente inventadas organizações, a outra
improviso No teatro, há a
de aprendizagem prévia na hora, prioriza a aprendizagem
necessidade de
informal, por meio da a partir do zero. voltada à arte e
aprendizagem prévia
experiência de trabalho. contemplação.
sobre performance, script,
linguagem corporal, voz,
ritmo, etc.

Nas organizações, as
No teatro e dança:
ferramentas utilizadas
performance, script,
para o improviso variam
linguagem corporal,
conforme o trabalho e
Bricolagem expressões faciais, tons Ambas trabalham com
o improviso que estão
e elementos de voz, ritmos. a bricolagem, utilizando
sendo realizados. Estes ---
utilizados no determinados artefatos
elementos podem ser
improviso Na música: partitura, ou elementos subjetivos.
cognitivos ou físicos,
acordes, ritmo, elementos
como equipamentos,
culturais do ritmo que
ferramentas, máquinas,
está sendo executado.
pessoas, etc.

Predominantemente
A improvisação nas
aprende-se a partir do
organizações mantém o
erro, observando qual foi Ambas permitem uma
As improvisações foco da aprendizagem
o elemento que causou aprendizagem com o
Aprendizagem realizadas podem permitir posterior ao improviso
o improviso, por qual improviso, seja a partir do
posterior ao a criação de nova na verificação de quais
motivo ocorreu. Mas erro ou de nova criação,
improviso composição, novo tema, foram os problemas que
também pode permitir a novo caminho, podendo
novo padrão ou ritmo. exigiram a improvisação,
criação de novo caminho, resultar em novo padrão.
para que esta não ocorra
padrão, produto ou forma
novamente.
de ação.

Ambas buscam a Enquanto a improvisação


Maiores mudanças, por
Pequenas mudanças, mudança, a partir da nas artes permite
possibilitar a criação
normalmente inovação e da criação de mais mudanças, nas
Mudança de novos ritmos,
incrementais e de novos padrões, mudanças organizações existe uma
composições e visões
manutenção. de comportamento e de tendência a busca de
artísticas.
cognição. padrões e estabilidade.

Maior tolerância ao
Pouca tolerância ao As organizações
erro, sendo considerada
Tolerância erro, pois causa prejuízo Ambas permitem costumam tolerar menos
parte da busca por
ao erro financeiro e perda de assumir riscos. o erro, em função de
novas criações e novos
clientes, entre outros. prejuízos financeiros.
improvisos.

VOLUME 8 · Nº2 · ABRIL/JUNHO 2011


186 IMPROVISAÇÃO E APRENDIZAGEM NAS ORGANIZAÇÕES: REFLEXÕES A PARTIR DA METÁFORA DA IMPROVISAÇÃO NO TEATRO E NA MÚSICA

Enquanto uma mantém


As duas formas de o foco na contemplação
Foco na performance Foco na resolução de improvisação procuram artística, performance e
Objetivo final
artística, contemplação e problemas, manutenção novos padrões, novos autorrealização, a outra
do improviso
autorrealização. do cliente e lucratividade. caminhos, inovações, tem como foco essencial
criações. a manutenção da
lucratividade.

Na improvisação das
Como geralmente o
artes, quanto maior for
improviso ocorre em
o tempo de improviso,
função de um problema
possivelmente maior
O tempo de improviso enfrentado, o tempo é Ambas são baseadas no
será a autorrealização e
é ilimitado: quanto considerado elemento tempo presente e exigem
a satisfação do público.
maior for o improviso, que influencia sua dos improvisadores
Tempo Na improvisação nas
maior a possibilidade de realização. Assim, o foco em estarem
organizações, quanto
autorrealização e de um procura-se realizá-lo no comprometidos com o
maior o tempo de
bom retorno do público. menor tempo possível, tempo presente.
improviso, maior será o
de forma a resolver o
prejuízo em tempo, em
problema e continuar
dinheiro e em mão de
com as atividades.
obra empregada.

A pausa na improvisação
A improvisação nas artística pode ser maior,
Nas duas formas
Na improvisação artística, organizações permite e não há preocupação
de improvisação há
as pausas dão sentido ao pouco espaço para ou controle sobre
possibilidade de pausas.
improviso, fazem parte da pausas, pois o improviso este elemento. Nas
Pausas Em ambas, as pausas
melodia e da harmonia, é predominantemente organizações, a pausa
podem auxiliar pequenas
fornecem também ritmo decorrente de problemas pode significar perda de
reflexões sobre as
e swing. que precisam de tempo de trabalho, de
próximas ações.
resolução rápida. produtividade e prejuízo
financeiro.

aprendizagem. Há também, nestes momentos, a possibilidade e níveis de mudança no ambiente. Os modelos de gestão firmados
necessidade de diálogos contínuos. Por último, a proposição de nas proposições de previsibilidade, capacidade de antecipação
que a performance seja essencial no ato de improvisação procura e estabilidade deram lugar à busca de modelos capazes de
explanar que, na improvisação, o indivíduo precisa saber e poder oferecer um entendimento mais dinâmico da relação entre
utilizar os recursos e agir. E esta performance exige preparação, as organizações e seus ambientes, e que estariam também
experiência e aprendizagem prévia. associados diretamente com a ideia de improvisação (Cunha,
Assim, a partir das nove proposições aqui discutidas e 2002). Desta maneira, a exploração de novos caminhos e novas
sustentadas em revisão da literatura acerca da Aprendiza- interpretações a partir da noção da improvisação pode ser
gem Organizacional e da improvisação, entende-se que: se, considerada elemento fundamental.
por um lado, a improvisação pode permear um processo de Neste ensaio não se pretendeu propor soluções, ferra-
aprendizagem, o processo de aprendizagem pode exigir do mentas ou aplicações de natureza prescritiva para as orga-
indivíduo a improvisação. Não se trata de buscar estabelecer nizações lidarem com a improvisação e incrementarem sua
uma relação de causa-efeito entre os fenômenos, mas de performance. Procurou-se, a partir da metáfora da improvi-
buscar compreendê-los em sua complexidade e dinamicidade. sação na música e no teatro, enriquecer a discussão sobre a
As necessidades de adaptação organizacional tornam temática em foco e lançar alguns pressupostos que possam
claras as dificuldades com que se defrontam os gestores de servir de eixos norteadores para pesquisas futuras.
organizações e a necessidade de Aprendizagem Organizacional.
Os gestores são pressionados a alcançar resultados e responder REFERÊNCIAS
às mudanças do ambiente. Assim, lhes são exigidas capacidades ANTUNES, R. 1999. Os sentidos do trabalho. São Paulo, Boitempo,
de inovação e de adaptação suficientes para acompanhar os 264 p.

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LEONARDO FLACH
Universidade Federal de Santa Catarina
CCN - Departamento de Ciências Contábeis
Rua D. Joaquim, 757 –Trindade
Florianópolis, SC, Brasil

CLAUDIA SIMONE ANTONELLO


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Rua Washington Luís, 855, sala 315
90010-460, Porto Alegre, RS, Brasil

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