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SAIAS E CHUTEIRAS, O PIONEIRO RADAR NO MEIO DO ESPORTE

DE MACHO: O FUTEBOL FEMININO NO BRASIL E QUESTÕES DE


GÊNERO

Aristides Leo Pardo1

Orientadora: Dulceli L. Tonet Estacheski

RESUMO: Através deste artigo serão discutidas questões de gênero, tendo como
tema os esforços para a implantação do futebol feminino no Brasil, que aos poucos
vai mostrando que chegou de vez para ocupar um espaço antes amplamente
dominado pelo sexo masculino. O texto aborda o tenebroso caminho que precisou
transpor enfrentando o desinteresse por parte do público, a espetacularização dos
primeiros jogos, o preconceito acerca da sexualidade das atletas, pois jogar futebol
não era maneira “correta” de comportamento de futuras mães de família. Entre
estes percalços se inclui uma inusitada carta de um popular endereçada ao
Presidente Getúlio Vargas pedindo a proibição ao futebol feminino e o fim do
grande esquadrão do Esporte Clube Radar, pioneiro na fase competitiva do esporte
e que foi desativado por falta de adversários e patrocínios, mas que plantou a
semente que agora está dando frutos e nos deixou como legado, o fato de que as
mulheres também podem (e devem) se aventurar pelos gramados do “País do
Futebol”. Será analisado o pouco material existente sobre o assunto no intuito de
ressaltar o papel da mulher que pratica o esporte e mostrar como algumas
barreiras estão sendo quebradas em relação a prática feminina no futebol que
ganha atenção especial neste ano de 2012, em virtude da disputa dos Jogos
Olímpicos a serem realizados em Londres.

PALAVRAS-CHAVE: Futebol Feminino. Gênero. E.C. Radar

1Jornalista formado pelo UNIFLU, campus FAFIC, em Campos dos Goytacazes / RJ,
desde 2007; Pós-Graduando em História pela UNESPAR, campus FAFIUV, em União
1

da Vitória / PR e Graduando do 2º ano do Curso de História na mesma instituição.


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Contato: tidejor@gmail.com
INTRODUÇÃO

Este artigo traz a tona o debate de gênero que de alguns anos


para cá, entrou em pauta efetivamente nos meios acadêmicos, nessas
páginas sob a perspectiva do futebol feminino, esporte praticado em
crescente ascensão em nosso país, mas ainda visto com certa cautela
por parte de torcedores e imprensa, já que o futebol é considerado a
grande paixão nacional e que ainda vê com ressalvas a participação
feminina neste esporte.

Aqui não serão lembradas as primeiras partidas, disputadas


nos anos iniciais do século passado, vinculadas ao caráter beneficente,
de exibição, ou seja, como espetáculo e não como competição
esportiva, como paixão clubística, presente na versão masculina; o foco
deste trabalho será analisar qual o papel da mulher, que joga futebol
no Brasil e as tentativas de se montar de fato as estruturas de base
para a implantação da modalidade no país.

O pioneirismo nesta modalidade, como forma competitiva,


coube ao Esporte Clube Radar, criado nas areias de Copacabana e que
migrou para os estádios, rompendo as barreiras do preconceito e da
descriminação, com uma equipe que fez história nos gramados
nacionais e mundiais e que por descaso de imprensa e público, se
desintegrou no começo dos anos 90, mas deixando como legado a
importância do esporte, que através da Seleção Brasileira em Copas do
Mundo e Jogos Olímpicos, foi ganhando espaço e alçou a jogadora
alagoana Marta, ao status de melhor do mundo, segundo a FIFA, (órgão
dirigente máximo do futebol mundial e suas vertentes, como as
modalidades de praia, feminina, de salão) por cinco vezes consecutivas,
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recorde absoluto, mesmo se comparado com o universo futebolístico


masculino.
QUESTÕES DE GÊNERO

A história das mulheres ganhou força a partir dos anos de


1970, com os movimentos feministas que acabaram chamando a
atenção da sociedade, para seus anseios e questões, que
paulatinamente vão ganhando espaço no meio acadêmico, buscando
cada vez mais a igualdade entre os sexos.

Nesta premissa, originou-se o estudo de gênero, que ao


contrário do que muita gente pensa, não é somente a história das
mulheres, é também a história dos homens, enquanto agentes sociais,
incluindo ai, suas diferenças.

Neste contexto, as mulheres acabaram se destacando no estudo


de gênero, pois elas passaram “escondidas” na história, feita pelos
“homens da elite” e para os “homens da elite” em virtude de guerras,
impérios e decisões políticas, onde o papel masculino e dos nobres,
sempre prevaleceu em detrimento das ações femininas e das classes
menos favorecidas, que somente agora tem ganhado destaque e se
diversificando em múltiplas frentes.

Somente falar em história das mulheres não nos diz nada de


concreto, pois é muito ampla e vaga, então, é o estudo de gênero que
vai delimitar as funções sociais, como, as mulheres no Contestado, as
mulheres na Roma antiga, movimentos feministas, ou como no nosso
caso específico, trataremos do futebol feminino no Brasil.

Rago (1996, p. 02) fala dos valores de igualdade entre os sexos,


que vem sendo aprimorados gradativamente e que a idéia de
feministas como mulheres, feias, machistas e mal amadas, que buscam
seus direitos por não estarem satisfeitas com o quadro oferecido pela
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sociedade e por esse motivo, questionam, está sendo desmistificada.


Albuquerque Junior (2003, p. 21-22) questiona se existiria uma
história que não seja dos homens e responde:

Durante muito tempo a chamada historiografia dos


excluídos, dos vencidos, da sexualidade e das
mulheres, respondeu negativamente a esta questão.
Donos do poder, ocupantes do espaço publico,
produtores da riqueza, chefes de família,
responsáveis perante as leis, controladores da
cultura, os homens não teriam deixado lugar para
mulheres na historia. A reivindicação das mulheres,
nesse discurso, é tornar-se trabalhadora,
participando diretamente da reprodução da
sociedade, o que significa a própria desqualificação
do trabalho doméstico realizado por elas, que não é
encarado como fazendo parte da reprodução da
sociedade.

É bem comum o estudo de gênero ser confundido com o


feminismo, Nicholson (2000, p 13-15), explica que o mesmo, está mais
direcionado em chamar a atenção para as diferenças sexuais das
pessoas, enquanto o estudo de gênero busca entender essas diferenças
e aplicar um olhar mais atento para a importância das mulheres na
sociedade e continua dizendo que:

Durante a antiguidade os valores físicos eram muito


importantes, e sendo assim, os homens da época
acreditavam que as diferenças entre os corpos
femininos e masculinos ditavam a capacidade de
liderar, principalmente em relação à menstruação
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das mulheres, os homens eram mais capacitados


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para comandarem toda e qualquer manifestação ou


organização, e com isso as mulheres, consideradas
frágeis e sensíveis ficavam destinadas a
subordinação.

Butler (2003, p. 26) diz que podemos considerar o gênero


como uma construção cultural e não natural e que nesse caso, não a
biologia, e sim a cultura se torna o destino, e é ela quem exercerá
influencia no que é mais adequado para o masculino e para o feminino
em termos de práticas sociais.

FUTEBOL É COISA DE MACHO

O universo futebolístico, desde seus primórdios é caracterizado


como um ambiente estritamente masculino e Franzini (2005) nos
conta que esse espaço, não é apenas no âmbito do esporte, mas
também sociocultural, onde os valores nele embutidos e dele derivados
estabelecem limites aos quais a entrada das mulheres em campo
subverteria tal ordem, e as reações daí decorrentes expressam muito
bem as relações de gênero presentes em cada sociedade: quanto mais
machista, ela for, mais exacerbadas as suas réplicas.

Para se discutir a situação das mulheres na sociedade,


especificamente na área esportiva, somos levados a refletir os aspectos
relacionados ao gênero, que segundo Scott (1995, p. 86) “Se torna uma
categoria útil de análise que nos permite compreender conceitos,
valores e representações circulantes na nossa sociedade”. A autora
segue definindo gênero como “um elemento constitutivo de relações
sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos (...) uma
forma primária de dar significado às relações de poder”
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Neste contexto, é clara a conotação preconceituosa da


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participação das mulheres na prática futebolística, pois a cultura


brasileira associa o futebol como um esporte masculino, violento e de
atrito, além de envolver paixões por seus times, então soaria estranho,
por exemplo, um torcedor santista falar em uma roda de amigos, que
seus ídolos são Pelé, Pepe, Robinho, Neymar e Marta, mesmo esta
última tendo conquistado para o time da Vila Belmiro, um Campeonato
Sul-Americano e ser uma das melhores do mundo.

A virilidade e o contato existente na disputa das partidas de


futebol originaram o senso comum de que o “futebol é coisa para
macho” e o tema sempre foi carregado de preconceito, como é
observado nas palavras do jornalista João Saldanha, ex-treinador da
Seleção Brasileira, em 1970, declarado opositor da modalidade
feminina e famoso por sua língua afiada:

Imagina, o cara tem um filho, aí o filho arranja uma


namorada, apresenta a namorada ao sogro e o sogro
pergunta a ela: “O que você faz minha filha? E a
mocinha responde: “Sou zagueiro do Bangu”. Quer
dizer, não pega bem não é? (FRANZINI, 2005, p.
316)

E segue mostrando, Franzini (2005, p. 317) que frente a tais


posturas, não surpreende que as mulheres não sejam vistas como mais
um sujeito da historia do futebol, e que a modalidade feminina, seja um
tema praticamente inexistente quando se fala sobre a trajetória do
“esporte bretão” no Brasil.

Alem do machismo e do moralismo que essas ditas


preocupações com o bem estar das brasileiras não conseguem
esconder, revelam que na verdade, o grande problema não dizia
respeito ao futebol em si, mas justamente à subversão de papeis
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promovida pelas jovens que o praticavam, uma vez que elas estariam
abandonando suas “funções naturais” para invadirem o espaço dos
homens e Franzini (2005, p. 321) continua afirmando que:

À mulher caberia entre outras obrigações,


contribuir de forma decisiva com o fortalecimento
da nação e o depuramento da raça gerando filhos
saudáveis, algo que, pensava-se, só seria alcançado
se a mulher preservasse sua própria saúde. Se esta
condição não excluía a pratica de esportes, é certo
que nem todo esporte a ela se adequava.

A participação das mulheres no âmbito dos esportes, não mais


como expectadoras, agora como parte integrante das disputas,
incomodou uma grande parcela da sociedade, como podemos ver na
carta de um senhor, chamado José Fuzeira, datada de 25/04/1940 e
que teve grande repercussão na imprensa da época, destinada ao então
presidente Getúlio Vargas, solicitando “clarividente atenção de V. Ex.
para que seja conjurada uma calamidade que esta prestes a desabar em
cima da juventude feminina do Brasil” e Franzini (2005, p. 319)
reproduz o seguinte trecho:

Refiro-me, Sr. Presidente, ao movimento entusiasta


que está empolgando centenas de moças, atraindo-
as para se transformarem em jogadoras de futebol
sem levar em conta que a mulher não poderá
praticar esse esporte violento sem afetar
seriamente, o equilíbrio fisiológico das suas funções
orgânicas, devido à natureza que dispôs a ser mãe
(...) Neste ritmo de crescimento, dentro de um ano, é
provável que, em todo o Brasil, estejam organizados
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uns 200 clubes femininos de futebol, ou seja: 200


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núcleos destroçadores da saúde de 2.200 futuras


mães que, além do mais, ficarão presas de uma
mentalidade depressiva e propensa aos
exibicionismos rudes e extravagantes...

Goellner (2005, p. 146) nos aponta, que no mesmo ano, o editor


da Revista Educação Physica, Holanda Loyola, publicou um texto cujo
título é ilustrativo dessa informação: “Pode a mulher praticar o
futebol?” e seguia concluindo sua opinião que:

Tal acontecimento, pelo sabor da novidade,


provocou sensação e a imprensa esportiva
explorou-a habilmente através de um noticiário
minucioso e de propaganda intensa, aumentando o
entusiasmo do público e o “élan” das jogadoras. E as
partidas repetiram-se animadas e concorridas,
violentas e movimentadas, com todas as
características do jogo masculino, sem mesmo lhes
faltar esse complemento que parece imprescindível
no famoso esporte bretão – as agressões e os socos...
As nossas patrícias – belas e gentis – foram
completas na exibição de seu futebol, igualaram a
popularidade e o prestígio dos Faustos e Leônidas.
A propósito desse sensacional acontecimento
esportivo inúmeras teem sido as consultas a nós
endereçadas sobre esse tema: Pode a mulher
praticar o futebol? (GOELLNER, 2005, p. 146)

Tantas foram às campanhas contrárias a prática do futebol


pelas mulheres, que levaram as autoridades a debaterem o assunto, já
que o problema não era o futebol em si, e sim uma subversão de
papéis, que Marolo, Castro e Genny (2010, p. 3) descrevem:
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As mulheres deveriam ser as únicas responsáveis


pelo lar e sua família e os homens, mantenedores
financeiros e quase proprietários de suas proles e
esposas. Com receio de que a os estereótipos de
“Rainha do Lar”, “Boa Mãe” e “Boa Esposa” fossem
deixados para trás, o governo recomendou que
fosse realizada uma campanha de propaganda
mostrando os malefícios do futebol para as
mulheres.

No ano seguinte, depois de acirradas discussões sobre o


assunto e a inusitada carta citada acima, usada como opinião de uma
representativa parcela da sociedade, foi assinado o Decreto-Lei nº
3.199/41, do Ministério da Educação, que trazia seu 54º artigo, a
seguinte proibição: "Às mulheres não se permitirão a prática de
desportos incompatíveis com as condições de sua natureza", ficando
latente que entre outras modalidades, o futebol estava entre essas
“incompatibilidades”. Tal determinação pareceu que iria eliminar a
prática do futebol pelas mulheres de uma vez por todas, mas apesar da
longa duração, em 1979, a lei deixa de existir e o caminho para a
criação dos clubes estava aberto, iniciando uma história com muitas
páginas ainda a serem escritas por nossas atletas em atuação pelos
gramados do mundo.

O INVENCÍVEL RADAR

O Esporte Clube Radar fez história no futebol feminino


brasileiro e hoje é praticamente desconhecido do grande público
apreciador do esporte bretão, que não dá o devido valor à nossa
história, sobretudo influenciado pelo machismo, já que no Brasil, o
futebol ainda é considerado, como “coisa de homem”.
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Observamos em Fagundes (1991, p. 35), que o Radar nasceu
em 1932, como time de futebol de praia, nas areias de Copacabana, na
cidade do Rio de Janeiro e tinha como cores, o amarelo ouro,
representando o sol e o azul oceano, lembrando o mar. Foi pelas mãos
do empresário Eurico Lira, que o departamento feminino do clube foi
criado, em 1981, logo após a revogação da lei que proibia as mulheres
de praticarem alguns esportes, incluindo o futebol, que vigorava desde
a “Era Vargas”. Lira acumulava as funções de mecenas, presidente e
treinador do time.

Desde então, o clube arrematou todos os títulos que disputou, e


ainda tendo excursionado pela Europa, disputando 71 partidas,
vencendo 66, empatando 3 e sofrendo apenas duas derrotas,
transformado-se em uma lenda no futebol feminino brasileiro, além de
ter sido o embrião da seleção nacional.

Com a não realização de competições oficiais, e o descaso por


parte da imprensa e de patrocinadores, somado com a falta de público,
o vitorioso Radar entrou em decadência no início da década de 90,
apesar de ter representado o Brasil no mundial da categoria em 1991,
mas nossas meninas não passaram da primeira fase da competição e o
clube acabou fechando as portas, mas escrevendo uma página na
história do futebol feminino brasileiro e plantando a semente que
agora começa a dar frutos.

O FUTEBOL FEMININO NO BRASIL

A partir da década de 1930, há registros de várias equipes


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femininas em várias partes do país, porém, essas formações eram


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sazonais e visavam a disputa de torneios, na maioria dos casos, de


cunho beneficente ou demonstrações em eventos festivos, sem o
caráter competitivo, como foram os casos de Araguari (MG), que se
autodenomina pioneira na modalidade, na década de 1940, fato hoje
comprovadamente ultrapassado, pois em Campos dos Goytacazes (RJ)
e em outras cidades, aconteceram partidas entre mulheres, bem antes
das mineiras entrarem em campo.

Na cidade Fluminense, onde existe a figura de Benta Pereira,


uma heroína da história local, importante no desenvolvimento do
município e até no brasão oficial se encontra referência à luta das
mulheres campistas pela liberdade de sua terra, com a inscrição, “Ipsae
Matronae Hic Pro Jure Pugnant” (Aqui Até as Mulheres Pugnam por
seus Direitos). Pardo (2010, p 96) mostra a necessidade do diretor do
orfanato São José, Monsenhor Severino em arrecadar fundos para a
reforma da instituição e a solicitação de que os principais clubes locais
montassem equipes femininas para a realização de um torneio, que
fora um sucesso e contou com a participação do Americano, Goytacaz,
Rio Branco e Industrial.

Nesta empreitada, o religioso teve a difícil missão de conseguir


a autorização dos pais, namorados/maridos e irmãos das moças para
levar a fundo seu projeto, explicando o motivo de sua causa acabou por
obter ao menos quatro times, com a ajuda de desportistas locais, que
admitiram a participação de mulheres de sua família, como foi o caso
da goleira Laura, do Americano, irmã de Mário Seixas, um dos
destaques do time alvinegro.

Não é nosso intento aqui, debater onde aconteceram as


primeiras partidas, ou entre quem, mas é fato que nos primórdios do
futebol feminino os jogos eram somente de exibição ou de caráter
beneficente, atraindo público para este fim, sem o sentido de disputas
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ou campeonatos, com torcedores apaixonados, como acontecem com a


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versão masculina desde os primeiros anos do esporte no Brasil, que


desbancaria as tradicionais regatas e caminhava a passos largos para
se tornar a “Paixão Nacional” da atualidade. Com inspiração nessas
disputas do passado, surgiu a idéia de criação do Radar e de outros
clubes, na década de 1980, que tentaram alavancar o futebol feminino
em terras tupiniquins.

Com o advento da Ditadura Militar em meados dos anos 60, o


então presidente da república Humberto de Alencar Castelo Branco,
baixou a resolução 7/65 no Conselho Nacional de Desportos (CND),
reafirmando a proibição da prática de certos esportes pelas mulheres,
o futebol era um deles.

Tal medida foi somente revogada, em 1981, quanto surgiu os


primeiros clubes que seriam os responsáveis de expandir o esporte no
país, após anos de impedimento e atraso e assim, torneios são criados e
as partidas passam a ser transmitidas pela televisão, atraindo um bom
público expectador e consequentemente despertando o interesse de
patrocinadores.

Com o fim do Radar e ainda um pouco antes, outros clubes


fecharam as portas, ou apenas seu departamento feminino, iniciando ai
um período de estagnação da modalidade, que duraria até 1995,
quanto mais uma tentativa de alavancar o futebol feminino brasileiro
aconteceu, desta vez, a valorização não estava no talento das atletas
com a bola nos pés, mas sim em outros atributos, pois por sugestão da
imprensa e de patrocinadores, os tamanhos dos shorts diminuíram,
para assim, valorizar as formas femininas e a montagem do elenco de
alguns times deram preferência à beleza de modelos como Milene
Domingues (Corinthians) e Suzana Werner (Fluminense) em
detrimento da técnica, sendo o Vasco da Gama, um dos poucos a terem
levado a sério a competição, tornou-se o principal clube do período e
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contando com a base da Seleção Brasileira que disputaria os Jogos


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Olímpicos de Atlanta, com destaque para a goleira veterana, Meg, única


do grupo, remanescente do outrora glorioso Esporte Clube Radar.
Franzini (2005, p. 326) sobre o assunto diz que:

Um dos pontos do projeto elaborado pela Federação


Paulista de Futebol pela empresa Pelé Sports e
Marketing para o torneio condicionava seu sucesso
a ‘ações que enalteçam a beleza e a sensualidade da
jogadora para atrair o publico masculino’.
Tradução: calções minúsculos, maquiagem e longos
cabelos, presos em rabos-de-cavalo”, o que
obviamente não deu certo, pois foi um retorno as
origens de exibição, fugindo do caráter esportivo,
mesmo que ali estivessem representados os
principais clubes do país.

Knijnik e Vasconcelos (2003, p. 5 in GOELLNER, 2005, p. 147)


também discorrem sobre este campeonato organizado em São Paulo,
denominado pela imprensa, de “Paulistana”:

Precisavam cumprir alguma condição estética, pois


os dirigentes da FPF2 prometiam literalmente um
campeonato bom e bonito, que unisse o “futebol à
feminilidade”. Assim, por exemplo, atletas de
cabelos raspados foram barradas – a preferência
era por moças de cabelos compridos; também havia
um componente etário nas pré-condições, as atletas
não poderiam ter mais de 23 anos para jogarem,
provavelmente pelo fato das imagens das mais
novas serem mais facilmente erotizáveis na mídia
em geral.
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2 N/A: Federação Paulista de Futebol


No ano 2000, enfim a CBF resolve impulsionar mais uma vez o
esporte e cria competições nacionais e de carona no sucesso também
nasce a versão feminina da Taça Libertadores da América, a mais
importante do continente.

A primeira Seleção Brasileira foi montada em 1988, para


representar o Brasil no Torneio Mundial de Futebol Feminino,
disputado na China, que seria o embrião para o Mundial da categoria,
disputado também no mesmo país.

A supremacia das cariocas do Radar foi nitidamente


comprovada, quando das 18 jogadoras convocadas, nada menos que 16
eram oriundas de seu quadro. Nesta ocasião, as meninas do Brasil
perderam na primeira fase para as australianas (1 x 0) e ganharam da
Noruega (2 x 1) e da Tailândia (9 x 0), passando para fase de quartas-
de-final, onde venceu a Holanda (2 x 1), se credenciando para as
semifinais, quando foi derrotada pela Noruega (1 x 2), disputando o
terceiro lugar, ao vencer as anfitriãs por 4 x 2.

Praticamente o mesmo time foi chamado para o Mundial de


1991, e dessa vez a eliminação viria na primeira fase, após vencer as
japonesas (1 x 0) e serem derrotadas pelos Estados Unidos (0 x 5) e
Suécia (0 x 2). Uma curiosidade deste torneio é que a Confederação
Brasileira de Futebol (CBF) não liberou verba para que a equipe fosse
representar o Brasil na competição e diante desse quadro, o sempre
presente, Eurico Lira, do Radar e chefe da delegação brasileira, arcou
do próprio bolso com as despesas pronunciou: “a partir daqui, ou se
decreta a morte dessa modalidade ou impulsionava de vez”.
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O futebol feminino foi incluído nos Jogos Olímpicos, em 1996,


quando foi realizado na cidade americana de Atlanta e a seleção
brasileira conquistou um honroso quarto lugar, mostrando que o
esporte estava em crescente evolução no país. Nos Jogos de Sydney, em
2000 a mesma colocação, superada em Atenas (2004), quando perdeu
as finais para os Estados Unidos, conquistando a medalha de prata,
feito repetido em Pequim (2008), quando mais uma vez na final,
perderam para as norte-americanas.

O futebol feminino do Brasil enfim, sai do ostracismo e começa


ser visto e respeitado como um dos melhores do planeta, fato
reconhecido pela FIFA, ao eleger Marta, como a melhor do mundo, ela
que é a grande esperança para uma conquista gloriosa nos Jogos
Olímpicos de Londres, a ser realizado entre os dias 27 de Julho a 12 de
Agosto de 2012.

CONCLUSÃO

Como foi visto através destas linhas a evolução paulatina do


futebol feminino no Brasil, que embora não tenha ainda conquistado o
espaço que deveria, já atrai um maior número de expectadores,
sobretudo, quando se fala em Seleção Brasileira em competições como
Copas do Mundo ou Jogos Olímpicos, pois está mais do que na hora de
uma conquista internacional, que vem batendo na trave nos últimos
anos para que se espante de vez o estigma de esporte masculino, já que
na atualidade esses preconceitos estão aos poucos se diluindo, a ponto
de uma mulher ter sido eleita para o cargo máximo da nação, entre
outras ocupações, que outrora fora reduto exclusivo do sexo
masculino.
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Esse preconceito, fruto do processo de inserção das mulheres


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no âmbito esportivo de exclusividade masculina, o que contribui para a


construção de estereótipos relacionados à identidade sexual e de
gênero das jogadoras, que principalmente na década de 1980, eram
rotuladas de lésbicas pela sua prática esportiva, levantando a
discussão sobre a masculinização das mulheres que praticam tal
modalidade. Essa visão de masculinizar ou feminilizar um sujeito social
se estabelece por uma definição acerca dos gêneros, que estigmatiza
algumas características como sendo exclusivamente do homem ou da
mulher, fixando as identidades.

Perante uma sociedade conservadora, as mulheres são


chamadas a demonstrar atributos considerados femininos,
obedecendo a um padrão de beleza imposto pelo meio social. Mas por
conta do treinamento esportivo, essas atletas adquirem uma forma
física que contrasta com esse padrão social, contribuindo para serem
estigmatizadas como “masculinizadas”, além de terem sua identidade
sexual posta sob suspeita.

De forma geral há rituais pelos quais meninos e meninas são


influenciados desde a tenra idade para construírem suas identidades
de gênero, sendo característica masculina, a associação ao futebol, para
a formação de homens competitivos, fortes, valentes e, resistentes à
dor, assim como, pelo lado feminino, as brincadeiras com bonecas e de
“casinha”, são os primeiros passos para se tornarem futuras mães,
esposas e donas de casa.

Apesar de caminhar a passos curtos, cada vez mais notamos em


nossa sociedade uma incessante busca para a definitiva igualdade de
gêneros, onde não haja competição entre os mesmos e sim harmonia
na convivência pacífica em um mundo onde independente do sexo (ou
preferência sexual) todos possam viver em paz e um dos objetivos
deste trabalho foi contribuir para que esta meta seja alcançada e não
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deixar que os primórdios do futebol feminino fiquem no ostracismo,


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pois somente um grão desta saga foi escrita, havendo muito ainda para
ser desvendado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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