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Prescrição de
benzodiazepinas
numa extensão rural
do Baixo Alentejo
MANUEL S. JANEIRO
RESUMO
Objectivos: Caracterizar o padrão de prescrição de Benzodiazepinas (BZD) do Médico de Família
(MF) e o perfil de consumo dos seus utentes.
tíficos e, através da difusão dos media,
Tipo de estudo: Descritivo, transversal e exploratório.
provocou grande interesse na opinião
Local: Extensão rural de Vale de Vargo, do Centro de Saúde de Serpa.
População: Todos os doentes inscritos na lista do MF a quem foi prescrita pelo menos uma BZD no
pública. Em alguns países, como nos
período de estudo, independentemente do prescritor. EUA, foram tomadas medidas políticas
Metodologia: Durante um ano ficharam-se os doentes, as datas das renovações da prescrição, a específicas com vista à contenção do
origem da prescrição e o número de comprimidos por embalagem. Calculou-se o consumo teórico seu uso.
entre a data da primeira e última prescrição. Nos EUA, em 1991, num estudo de
Resultados: Prescreveram-se 17 BZD diferentes, a 70 doentes num total de 83 tratamentos. Larson et al, 90% das prescrições de to-
Os doentes mais prescritos tinham mais de 55 anos. A prescrição nas mulheres foi superior à dos das as BZD foram feitas por médicos
homens. As 4 BZD mais prescritas foram de semi-vida intermédia e responsáveis por 54% dos dos Cuidados de Saúde Primários e não
tratamentos. Prescreveram-se com apenas uma embalagem 36% dos doentes. A cerca de 73,3% por psiquiatras1, o que se compreende,
dos tratamentos correspondeu um consumo mensal médio provável inferior a 10 Doses Diárias uma vez que os distúrbios psiquiátricos
Definidas (DDD) para cada BZD. Apenas 5 doentes (6%) fizeram mais de 30 DDD/mês. O MF foi da comunidade passam sobretudo pe-
o maior prescritor mas iniciou menos de metade dos tratamentos e iniciou, significativamente, mais los consultórios dos Clínicos Gerais
tratamentos curtos. (CG), mais que pelos consultórios de
Conclusões: Comparando-se este trabalho com outros, conclui-se que é aceitável a percentagem de psiquiatria2,3.
doentes da comunidade medicados com BZD no ano do estudo e que é baixo o padrão de consumo São de vária ordem as questões le-
de BZD dos doentes medicados. vantadas pelo consumo de BZD. Umas
dizem respeito à tolerância, à de-
Palavras chave: pendência e ao sindrome de privação do
Prescrição; Consumo; Dependência; Benzodiazepinas; Medicina Geral e Familiar; Medicina Rural. consumidor; também ao aumento da
incidência de problemas cardio-respi-
ratórios, acidentes rodoviários, casos
IENTRODUÇÃO
DITORIAIS de intoxicação graves quando ingeridas
com o álcool4, perturbações da memó-
aparecimento das benzo- ria5, aumento de acidentes domésticos
O diazepinas na década de
60 contribuiu muito para
o tratamento específico
dos distúrbios da ansiedade. Desde en-
tão, é numerosa a bibliografia médica
e fracturas do colo do fémur6, princi-
palmente nos idosos.
Outras dizem respeito à qualidade
da prescrição por parte do médico; à
subprescrição, mas sobretudo à sobre-
que trata as vantagens e desvantagens prescrição de BZD, igualmente impor-
do uso destes fármacos. Uma pesquisa tantes sob o ponto de vista clínico. Os
Manuel S. Janeiro na Medline revelou uma média de 22 médicos são muitas vezes acusados de
Assistente Graduado de trabalhos mensais referentes a BZD, receitarem pouco criteriosamente este
Medicina Geral e Familiar nos anos de 1993 e 1994. O assunto ex- tipo de fármacos, sob a pressão do mar-
Centro de Saúde de Serpa travasou os círculos estritamente cien- keting farmacêutico e dos doentes que
16
14
12
10
Homens
8
Mulheres
6
0
<25 25-34 35-44 45-54 55-64 65-74 >74
Grupos Etários
QUADRO I
BENZODIAZEPINAS PRESCRITAS
† Duração de acção: Longa, se tempo de semi-vida de 24 h ou mais; intermédia, se tempo de semi-vida de 12 a 24 h; curta, se tempo de
semi-vida de 6 a 12h; muito curta, se tempo de semi-vida de 2 a 4 h.
‡ A: Ansiedade. AE: Antiepilético. H: Hipnótico. PA: Pré-anestésico.
§ Se bem que classificado como ansiolítico, o diazepam é útil como hipnótico em doses únicas e como anticonvulsivante.
QUADRO II
QUADRO III
QUADRO IV
QUADRO V
Nº de tratamentos 35 28 16 4 83
% 42% 34% 19% 5% 100%
> 74
Trat. simples
65-74
≤ 10 DDD/m
Grupos Etários
55-64
11-20 DDD/m
45-54 21-30 DDD/m
25-34
< 25
0 5 10 15 20 25
DDD/mês
FIGURA 2 - Tratamentos simples e renovados, com os respectivos consumos (DDD/mês), por grupos etários
7 doentes. A estes doentes, 4 homens e to das mulheres nas consultas com esta
13 mulheres, correspondem 24 trata- patologia parece não corresponder à
mentos com BZD. Destes, 16 foram ini- prevalência na população em geral onde
ciados pelo psiquiatra e 8 por outro havería uma igualdade entre os sexos17.
prescritor. Apenas 6 foram tratamentos Sabendo que nem todos os casos
simples, sendo renovados os restantes chegam aos consultórios da Clinica
18. Geral, é grande, mesmo assim, o peso
Os 18 tratamentos renovados, tive- desta patologia nas causas de consul-
ram uma taxa de consumo mensal de ta dos Centros de Saúde, muitas vezes
10, 4, 2 e 2 DDD/mês, respectivamente mascaradas com sintomatologia diver-
para os grupos de baixo, médio, alto e sa que pode levar a um subdiagnóstico
muito alto consumo; 3 foram prescritos dos distúrbios da ansiedade. O uso de
a homens e 15 a mulheres. escalas como a de Goldberg pode ser útil
para identificar esses distúrbios e pre-
cisar diagnósticos18.
EDDITORIAIS
ISCUSSÃO Considera-se baixa a percentagem
de utentes a quem foram prescritas
Os dados existentes sobre a preva- BZD neste estudo. O valor de 6% está
lência da ansiedade na comunidade são mais perto das prevalências de distúr-
díspares variando com as sociedades e bios ansiosos da comunidade do que
as épocas, parecendo dependerem so- das percentagens de medicação com
bremaneira dos critérios de diagnósti- BZD.
co utilizados nos estudos publicados. Como vimos, as percentagens de
Carraça15 refere que sem utilizar a população consumidora variam, no oci-
DSMIII, Weissman encontrou em New dente, entre 7,4% e 17,6%8.
Haven, em 1978, uma prevalência pon- O valor de 6% encontrado neste es-
tual de distúrbios ansiosos de 4,3%15. tudo é indicativo, mas não deixa de ser
Outros estudos apontam 2% nos EUA relativo, porque houve tratamentos
em 1943, 3,6% no Reino Unido em prescritos que não passaram pelo MF.
1966 e 4,6% na Suécia em 196616. As A confirmá-lo está também o facto de
fobias e as neuroses ansiosas, mais fre- 42% de tratamentos iniciados pelo MF
quentes nos Cuidados de Saúde Primá- neste estudo ficarem longe dos 90% en-
rios, e que parece estarem a ceder lu- contrados por Larson et al. nos EUA.
gar às depressões e às perturbações de Mesmo ressalvando as diferenças
adaptação com humor ansioso, encon- históricas e de contexto, a diferença é
tram-se em 8% dos doentes. O aumen- grande. Esta diferença pode atribuir-se
formação deve ser fornecida por todos trias regionais no consumo de ansiolíticos e
os prestadores de serviços de saúde, faz hipnóticos no SNS [dissertação]. INFARMED.
Lisboa. 1994.
parte da negociação terapêutica e é 11. Taylor D. Prescribing in Europe - forces
garante do seu êxito. Medidas simples for change. European Union of General
dos CG, como o envio de uma carta aos Pratitioners Reference Book 1994/95. Ed Dr
doentes explicando os riscos e benefi- Norman Ellis1994;London.
cios da toma de BZD, poderão levar à 12. Martins G. «É falta ética grave o médico
não se preocupar com o que gasta», Notícias
diminuição do seu uso, mesmo em pop- Médicas, 22/3/1996, p.4, Ano XXV, nº 2338.
ulações idosas20. 13. WHO Collaborating Centre for Drug
As BZD continuam a ser fármacos Statistics Methodology. Anatomical Therapeu-
indispensáveis no tratamento de certas tic Chemical (ATC) classification index inclu-
formas de ansiedade e a merecer a con- ding Defined Daily Doses for plain substances.
Oslo: OMS, January1993.
fiança dos doentes e dos médicos. 14. File-Maker Pro [programa de computa-
A intensa investigação a que o uso dor]. Versão Macintosh. Claris Corporation, Stª
das BZD tem sido sujeita, tem ajudado Clara/Califórnia,1992.
a precisar os limites da sua utilização e 15. Carraça IR. Perturbações da ansiedade.
a torná-la cada vez mais segura. in Almeida JM, Nunes JM, Carraça IR, coor-
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9. Ribeiro CA. Informação Terapêutica. IN- Centro de Saúde de Serpa
FARMED 1994; Ano III, nº1. 7830 Serpa
10. Vassangi S, Silva EA, Abreu AP. Assime- E-mail: Janeiro@mail.telepac.pt
ABSTRACT
Objectives: To characterise the benzodiazepine (BZD) prescription pattern of a family doctor (FD) as well as
his patients’ consumption profile.
Type of Study: Descriptive, cross-sectional, exploratory.
Site: Vale de Vargo rural practice (Serpa Health Centre).
Sample: All patients from the FD’s roster to whom at least one BZD in the study period was prescribed, inde-
pendently of the source of prescription.
Methods: Patients, prescription renewal dates, prescription sources, and number of tablets per package were
all filed throughout one whole year. Tablet consumption was estimated between the dates of the first and
the latest prescription.
Results: Seventeen different BZDs were prescribed to 70 patients for a total of 83 treatments. The patients
with the most prescriptions were older than 55 years. Women received more prescriptions than men. The
most often prescribed BZDs had an intermediate half-life and corresponded to 54% of treatments. Merely
36% of patients received prescriptions for one package only. An average monthly consumption probably lower
than 10 Defined Daily Doses (DDD) for each BZD corresponded to around 73% of treatments. Only 5
patients (6%) took more than 30 DDD/month. The FD was the main prescribing source, although he initia-
ted less than half of all treatments and started significantly shorter treatment courses.
Conclusions: In comparison with results from other studies, one may conclude that the proportion of patients
in the community who received BZDs during the study year is acceptable. The BZD consumption pattern of
treated patients is comparatively low.
Key-words:
Prescription; Consumption; Addiction; Benzodiazepines; Family Medicine; General Practice; Rural Medicine