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ESTUDOS ORIGINAIS

Prescrição de
benzodiazepinas
numa extensão rural
do Baixo Alentejo
MANUEL S. JANEIRO

RESUMO
Objectivos: Caracterizar o padrão de prescrição de Benzodiazepinas (BZD) do Médico de Família
(MF) e o perfil de consumo dos seus utentes.
tíficos e, através da difusão dos media,
Tipo de estudo: Descritivo, transversal e exploratório.
provocou grande interesse na opinião
Local: Extensão rural de Vale de Vargo, do Centro de Saúde de Serpa.
População: Todos os doentes inscritos na lista do MF a quem foi prescrita pelo menos uma BZD no
pública. Em alguns países, como nos
período de estudo, independentemente do prescritor. EUA, foram tomadas medidas políticas
Metodologia: Durante um ano ficharam-se os doentes, as datas das renovações da prescrição, a específicas com vista à contenção do
origem da prescrição e o número de comprimidos por embalagem. Calculou-se o consumo teórico seu uso.
entre a data da primeira e última prescrição. Nos EUA, em 1991, num estudo de
Resultados: Prescreveram-se 17 BZD diferentes, a 70 doentes num total de 83 tratamentos. Larson et al, 90% das prescrições de to-
Os doentes mais prescritos tinham mais de 55 anos. A prescrição nas mulheres foi superior à dos das as BZD foram feitas por médicos
homens. As 4 BZD mais prescritas foram de semi-vida intermédia e responsáveis por 54% dos dos Cuidados de Saúde Primários e não
tratamentos. Prescreveram-se com apenas uma embalagem 36% dos doentes. A cerca de 73,3% por psiquiatras1, o que se compreende,
dos tratamentos correspondeu um consumo mensal médio provável inferior a 10 Doses Diárias uma vez que os distúrbios psiquiátricos
Definidas (DDD) para cada BZD. Apenas 5 doentes (6%) fizeram mais de 30 DDD/mês. O MF foi da comunidade passam sobretudo pe-
o maior prescritor mas iniciou menos de metade dos tratamentos e iniciou, significativamente, mais los consultórios dos Clínicos Gerais
tratamentos curtos. (CG), mais que pelos consultórios de
Conclusões: Comparando-se este trabalho com outros, conclui-se que é aceitável a percentagem de psiquiatria2,3.
doentes da comunidade medicados com BZD no ano do estudo e que é baixo o padrão de consumo São de vária ordem as questões le-
de BZD dos doentes medicados. vantadas pelo consumo de BZD. Umas
dizem respeito à tolerância, à de-
Palavras chave: pendência e ao sindrome de privação do
Prescrição; Consumo; Dependência; Benzodiazepinas; Medicina Geral e Familiar; Medicina Rural. consumidor; também ao aumento da
incidência de problemas cardio-respi-
ratórios, acidentes rodoviários, casos
IENTRODUÇÃO
DITORIAIS de intoxicação graves quando ingeridas
com o álcool4, perturbações da memó-
aparecimento das benzo- ria5, aumento de acidentes domésticos

O diazepinas na década de
60 contribuiu muito para
o tratamento específico
dos distúrbios da ansiedade. Desde en-
tão, é numerosa a bibliografia médica
e fracturas do colo do fémur6, princi-
palmente nos idosos.
Outras dizem respeito à qualidade
da prescrição por parte do médico; à
subprescrição, mas sobretudo à sobre-
que trata as vantagens e desvantagens prescrição de BZD, igualmente impor-
do uso destes fármacos. Uma pesquisa tantes sob o ponto de vista clínico. Os
Manuel S. Janeiro na Medline revelou uma média de 22 médicos são muitas vezes acusados de
Assistente Graduado de trabalhos mensais referentes a BZD, receitarem pouco criteriosamente este
Medicina Geral e Familiar nos anos de 1993 e 1994. O assunto ex- tipo de fármacos, sob a pressão do mar-
Centro de Saúde de Serpa travasou os círculos estritamente cien- keting farmacêutico e dos doentes que

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exigem alívio para as suas queixas, tos são, presentemente, considerados


muitas delas do foro psicossocial. deveres éticos12.
Num estudo de 19947, realizado num Nesta perpectiva, pela actualidade,
Centro de Saúde da periferia de Lisboa, pela complexidade do problema e pelos
23% dos adultos consumiam BZD com artigos que ao longo dos anos têm saí-
alguma regularidade. São valores su- do na literatura médica, pensou-se
periores aos encontrados em 1981 para necessário avaliar o padrão de pres-
a prevalência do uso de BZD a nível na- crição de BZD do clínico geral e o padrão
cional na Bélgica (17,6%), Holanda de consumo dos utentes da sua lista.
(7,4%) e que os estimados para os EUA As características rurais da freguesia,
(12%)8. associadas a condições sócio-económi-
Em 1992 foram prescritas em cas muito desfavoráveis (envelheci-
Portugal 50 milhões de unidades de mento, pobreza, emigração, desem-
tratamento só de hipnóticos e em 1993, prego, marasmo económico, interio-
os ansiolíticos representaram 3,2% do ridade e isolamento, entre outras) re-
encargo total com medicamentos no forçaram a pertinência da avaliação do
Serviço Nacional de Saúde (SNS)9. Em consumo de tranquilizantes pela sua
1994 essa percentagem tería descido população.
para 2,8% mas o grupo dos ansiolíticos,
sedativos e hipnóticos ainda represen-
taram 10,3% do total de embalagens ODITORIAIS
E BJECTIVOS
prescritas e 4% das vendas das farmá-
cias aos utentes do SNS10. Tambem em • Conhecer a população consumidora
1994 o consumo de ansiolíticos, por dia de BZD
e por 1000 habitantes, foi cerca do tri- • Conhecer o padrão de prescrição do
plo do dos sedativos e hipnóticos10. CG e de consumo dos doentes inscritos
Por outro lado são enormes as im- durante os doze meses de estudo.
plicações económicas da prescrição de Este é um estudo transversal, descriti-
BZD. Portugal é o país da Comunidade vo e exploratório.
Europeia (CE) que maior percentagem
dos recursos de saúde gasta em
medicamentos. Os seus 23,6% encon- EMDITORIAIS
ÉTODOS
tram-se muito longe dos 5,5% da
Holanda, dos 11,5% da Inglaterra ou Entre Maio de 1993 e Maio de 1994
mesmo dos 13,8% da Espanha11. É criou-se um ficheiro de todos os doentes
tambem o país em que maior percenta- a quem foram prescritas BZD na ex-
gem do rendimento familiar é gasto em tensão de Vale de Vargo, do Centro de
medicamentos, na parte não compar- Saúde de Serpa. Em cada ficha cons-
ticipada pelo Estado11. Muitas das preo- tavam as seguintes variáveis:
cupações referentes aos gastos em • Nome do utente
saúde devem-se à falência anunciada • Idade
do estado-providência. Entre as causas • Sexo
atribuídas à subida dos custos em • Nº Proc familiar
saúde, o preço dos medicamentos figu- • Nº de comprimidos /embalagem
ra entre as primeiras, a par do envelhe- • Fármaco
cimento da população e do preço da te- • Dosagem
cnologia e da complexidade das práti- • Dose diária definida (DDD)
cas médicas. • Datas das prescrições
As preocupações dos médicos com as • Nº de embalagens (grandes)
consequências económicas dos seus ac- prescritas

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• Origem da prescrição maco prescrito na última receita não foi


• Assistência psiquiátrica considerada no seu cálculo.
Cada ficha foi iniciada pelo MF quan- Dividiu-se o consumo em 5 catego-
do prescreveu, pela primeira vez, uma rias:
BZD a um doente e actualizada sempre • Consumo baixo, se TCM<=10
que se renovava a prescrição da mes- • Consumo médio, se TCM= [11,20]
ma BZD ao mesmo doente. • Consumo alto, se TCM= [21,30]
A dosagem é a de cada unidade tera- • Consumo muito alto, se TCM>30
pêutica. Utilizou-se o teste t de Student para
A DDD é a definida pela OMS para a comparação das médias e o X2 com
cada fármaco13. correcção de Yates nas variáveis com-
A origem da prescrição pode ter sido paradas em tabelas de contingência.
no MF, consulta hospitalar, psiquiatria
ou outro, como no SAP, médico parti-
cular, etc. R
EESULTADOS
DITORIAIS
Foram assinalados os doentes que
tiveram pelo menos uma consulta de 3.1 A população do estudo
psiquiatria no ano de estudo. Foram medicados 70 doentes da lista
Após a informatização do ficheiro14 do MF, o que corresponde a 6% dos ins-
foi possível a partir das variáveis des- critos na lista de utentes que cobre
critas calcular: 100% dos residentes da povoação.
• Número de tratamentos com BZD Destes, 3/4 são mulheres, não existin-
• Tempo de tratamento com cada BZD do, no entanto, uma diferença signifi-
• Total de embalagens, de comprimi- cativa na representação dos dois sexos
dos e miligramas de fármaco prescritos em relação à sua proporção na lista de
• Taxa de consumo mensal utentes (X2=1,37). A classe modal nas
• Consideraram-se tratamentos sim- mulheres é a dos 55 aos 64 anos, en-
ples os que corresponderam à pres- quanto nos homens é a classe dos 65
crição de apenas uma receita de BZD aos 74 anos. A idade média dos doentes
ao mesmo doente no ano de estudo. é de 61,37 anos com um desvio padrão
Chamou-se tratamento renovado o que de 14,47 anos. Não existe diferença sig-
implicou a prescrição de mais de uma nificativa entre as médias de idades dos
receita da mesma BZD ao mesmo homens e das mulheres (t de Student=
doente. 0,19). Na Figura 1 é visivel que o au-
Entendeu-se tempo de tratamento mento de doentes prescritos aumenta
com uma daterminada BZD o número com a idade, diminuindo no último
de dias entre a primeira e a última pres- grupo etário.
crição (tratamento renovado). Assim,
não foi possível determinar o tempo de 3.2 As BZD prescritas
tratamento aos doentes a quem foi pas- Diversos prescritores prescreveram
sada apenas uma receita (tratamento aos doentes incluídos no estudo, 83
simples). tratamentos com 17 BZD, listadas no
A taxa de consumo mensal (TCM) é Quadro I, por frequência decrescente de
um indicador indirecto de consumo que prescrição.
parte do princípio que o doente con- Verificamos que o diazepam, alpra-
sumiu de modo regular o que lhe foi pre- zolam, bromazepam e lorazepam foram
scrito durante o tempo de tratamento. os mais prescritos, respectivamente
É igual à média mensal de DDD pre- com 15, 11, 10 e 9 tratamentos. Estes
scritas durante o tempo de tratamento quatro fármacos foram responsáveis
com cada BZD. A quantidade de fár- por 54% dos tratamentos prescritos.

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ESTUDOS ORIGINAIS

16

14

12

10
Homens
8
Mulheres
6

0
<25 25-34 35-44 45-54 55-64 65-74 >74
Grupos Etários

FIGURA 1 - População do estudo, por sexo e grupos etários

QUADRO I

BENZODIAZEPINAS PRESCRITAS

BZD Nº tratamentos t 1/2(h)†/Uso comum‡ Marca

Diazepam § 15 16 / A Valium, Metamidol, Unisedil


Alprazolam 11 6-12 / A Pazolam, Xanax
Bromazepam 10 12 / A Lexotam, Ultramidol
Cloxazolam 9 50 / A Cloxam, Olcadil
Lorazepam 7 10-18 / A Lorenim, Ansilor
Clorazepato 6 50 / A Medipax, Tranxéne
Loprazolam 6 6-12 / H Dormonoct
Loflazepato 5 24 / A Victam
Clobazam 3 12-60 / AE Castilium, Urbanil
Nitrazepam 3 15-38 / H, AE Mogadam
Lormetazepam 2 10-12 / H Loramet, Noctamid
Oxazepam 1 4-15 / A Serenal
Mexazolam 1 72 / A Sedoxil
Flunitrazepam 1 16 / PA Rohypnol
Flurazepam 1 80 / A Morfex,Dalmadorm
Midazolam 1 2-4 / H, PA Dormicum
Triazolam 1 2-5 / H Halcion
Total 83

† Duração de acção: Longa, se tempo de semi-vida de 24 h ou mais; intermédia, se tempo de semi-vida de 12 a 24 h; curta, se tempo de
semi-vida de 6 a 12h; muito curta, se tempo de semi-vida de 2 a 4 h.
‡ A: Ansiedade. AE: Antiepilético. H: Hipnótico. PA: Pré-anestésico.
§ Se bem que classificado como ansiolítico, o diazepam é útil como hipnótico em doses únicas e como anticonvulsivante.

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O MF prescreveu 69% dos trata- p<0,001). Não existe diferença significa-


mentos com as quatro BZD mais pres- tiva entre os sexos (X2=0,55) (Quadro
critas por si: o cloxazolam, o diazepam, III).
o bromazepam e o alprazolam, com res- O MF prescreveu significativamente
pectivamente, 7, 6, 6 e 5 tratamentos. mais tratamentos simples (p<0,025).

3.3 BZD por doente 3.5 Taxa de consumo mensal


Da população em estudo, a 57 doen- Como vimos no ponto anterior, 36%
tes prescreveu-se apenas 1 BZD e a 13 dos tratamentos corresponderam ao
prescreveram-se 2 BZD. No primeiro consumo de apenas uma embalagem de
grupo houve 40 mulheres (70%) e no se- BZD no ano de estudo. Trata-se, pois,
gundo grupo 12 mulheres. Entre os dois nestes casos, de um consumo ocasio-
grupos não foram significativas as dife- nal. Dos tratamentos restantes, em que
renças entre as médias das idades houve a prescrição de mais de uma em-
(t=0,61), o sexo (X2=1,68) e o tipo de tra- balagem, 31 tratamentos (37,3% do to-
tamento efectuado (X2=1,43). (Quadro II) tal) tiveram um consumo médio igual
Os doentes a quem foi prescrita ape- ou inferior a 10 DDD/mês, pertencen-
nas uma embalagem foram prescritos do à categoria de «baixo consumo»; 11
sobretudo pelo MF (p<0,005). tratamentos (13,3%) tiveram um con-
sumo «médio» de 11 a 20 DDD/mês; 6
3.4 Embalagens por tratamento tratamentos (7,2%) tiveram um con-
Dos 83 tratamentos prescritos, 30 sumo «alto» de 21 a 30 DDD/mês; ape-
(36,1%) foram tratamentos simples, ou nas 5 tratamentos (6%) excederam 30
seja, com apenas uma embalagem, en- DDD/mês. Em todas as categorias as
quanto 53 (63,9%) foram tratamentos mulheres fizeram mais tratamentos que
renovados. os homens. A soma dos consumos «alto»
As mulheres foram maioritárias nos e «muito alto» foram 13% do total dos
dois grupos: 25 e 39 respectivamente. tratamentos prescritos (Quadro IV).
Os doentes que fizeram tratamentos As distribuições dos tratamentos que
simples tiveram uma média de idade correspondem apenas a uma prescrição
significativamente inferior aos que fize- e os que definem consumos baixos são
ram tratamento renovado (X2=4,38; práticamente sobreponíveis. Juntas

QUADRO II

DISTRIBUIÇÃO DO NÚMERO DE BZD PRESCRITAS E A IDADE, SEXO E TIPO DE TRATAMENTO

1 BZD 2 BZD Teste Valor de p


(n=57) (n=13)

Idade±DP* 60,96±15,12 63,11±10,34 t= 0,61 NS


Sexo
Masculino 17 1
Feminino 40 12 X2=1,68 † NS
Tratamento
Simples 22 8
Renovado 35 5 X2=1,43 † NS‡

† Qui-quadrado com correcção de Yates


‡ NS: não significativo.
* DP: desvio padrão

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ESTUDOS ORIGINAIS

QUADRO III

DISTRIBUIÇÃO DOS TRATAMENTOS, A IDADE E O SEXO

Tratamento Tratamento Teste Valor de p


simples renovado
(n=30) (n=53)

Idade±DP* 52,7±7,9 64,53±14,67 t= 4,38† 0,001


Sexo
Masculino 5 14
Feminino 25 39 X2=0,55 ‡ NS§

† Teste t de Student para a comparação das médias;


‡ Qui-quadrado com correcção de Yates
§ NS: não significativo.
* DP: desvio padrão

QUADRO IV

TRATAMENTOS POR CLASSES DE CONSUMO

Tratamento DDD/mês Total


Simples 1-10 11-20 21-30 > 30
Homens 5 7 4 2 1 19
Mulheres 25 24 7 4 4 64
Total 30 31 11 6 5 83
% 36,1 37,3 13,4 7,2 6 100

QUADRO V

DISTRIBUIÇÃO DOS INÍCIOS DE TRATAMENTO

Médico de Outro Psiquiatra Hospital Total


Família médico

Nº de tratamentos 35 28 16 4 83
% 42% 34% 19% 5% 100%

constituem 73,3% dos tratamentos são significativamente diferentes


prescritos. (X2=27,12; p<0,001). O MF iniciou signi-
Não existe associação entre o número ficativamente mais tratamentos que
de BZD prescritas e as DDD/mês con- qualquer outro médico (X 2=9,78;
sumidas (X2=1,73). p<0,01) (Quadro V).
Na figura 2 podemos comprovar a Apenas 16 tratamentos foram inicia-
importância dos tratamentos simples dos em consultas de psiquiatria.
nos grupos etários mais jovens mas
tambem o peso dos consumos menores 3.7 Tratamento psiquiátrico
que 11 DDD/mês. Dos doentes estudados, 17 tiveram
pelo menos uma consulta de psiquia-
3.6 Quem iniciou o tratamento? tria durante o estudo. Fizeram um tra-
As origens da prescrição com BZD tamento 10 doentes e dois tratamentos,

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ESTUDOS ORIGINAIS

> 74
Trat. simples
65-74
≤ 10 DDD/m

Grupos Etários
55-64
11-20 DDD/m
45-54 21-30 DDD/m

35-44 > 30 DDD/m

25-34

< 25
0 5 10 15 20 25

DDD/mês

FIGURA 2 - Tratamentos simples e renovados, com os respectivos consumos (DDD/mês), por grupos etários

7 doentes. A estes doentes, 4 homens e to das mulheres nas consultas com esta
13 mulheres, correspondem 24 trata- patologia parece não corresponder à
mentos com BZD. Destes, 16 foram ini- prevalência na população em geral onde
ciados pelo psiquiatra e 8 por outro havería uma igualdade entre os sexos17.
prescritor. Apenas 6 foram tratamentos Sabendo que nem todos os casos
simples, sendo renovados os restantes chegam aos consultórios da Clinica
18. Geral, é grande, mesmo assim, o peso
Os 18 tratamentos renovados, tive- desta patologia nas causas de consul-
ram uma taxa de consumo mensal de ta dos Centros de Saúde, muitas vezes
10, 4, 2 e 2 DDD/mês, respectivamente mascaradas com sintomatologia diver-
para os grupos de baixo, médio, alto e sa que pode levar a um subdiagnóstico
muito alto consumo; 3 foram prescritos dos distúrbios da ansiedade. O uso de
a homens e 15 a mulheres. escalas como a de Goldberg pode ser útil
para identificar esses distúrbios e pre-
cisar diagnósticos18.
EDDITORIAIS
ISCUSSÃO Considera-se baixa a percentagem
de utentes a quem foram prescritas
Os dados existentes sobre a preva- BZD neste estudo. O valor de 6% está
lência da ansiedade na comunidade são mais perto das prevalências de distúr-
díspares variando com as sociedades e bios ansiosos da comunidade do que
as épocas, parecendo dependerem so- das percentagens de medicação com
bremaneira dos critérios de diagnósti- BZD.
co utilizados nos estudos publicados. Como vimos, as percentagens de
Carraça15 refere que sem utilizar a população consumidora variam, no oci-
DSMIII, Weissman encontrou em New dente, entre 7,4% e 17,6%8.
Haven, em 1978, uma prevalência pon- O valor de 6% encontrado neste es-
tual de distúrbios ansiosos de 4,3%15. tudo é indicativo, mas não deixa de ser
Outros estudos apontam 2% nos EUA relativo, porque houve tratamentos
em 1943, 3,6% no Reino Unido em prescritos que não passaram pelo MF.
1966 e 4,6% na Suécia em 196616. As A confirmá-lo está também o facto de
fobias e as neuroses ansiosas, mais fre- 42% de tratamentos iniciados pelo MF
quentes nos Cuidados de Saúde Primá- neste estudo ficarem longe dos 90% en-
rios, e que parece estarem a ceder lu- contrados por Larson et al. nos EUA.
gar às depressões e às perturbações de Mesmo ressalvando as diferenças
adaptação com humor ansioso, encon- históricas e de contexto, a diferença é
tram-se em 8% dos doentes. O aumen- grande. Esta diferença pode atribuir-se

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ESTUDOS ORIGINAIS

à diversidade de prescritores possíveis BZD de semi-vida intermédia, por


que enviesará o estudo por defeito. exemplo, ou foram prescritas em mo-
Todos os trabalhos apontam as mu- mentos diferentes, pelo mesmo pres-
lheres como sendo maiores consumi- critor ou por outro diferente.
doras de consultas que os homens, so- Não havendo associação entre o tipo
bretudo nas últimas décadas de vida. de tratamento e o número de BZD
Tal tem sido explicado por factores de tomadas, nega-se a hipótese de que o
ordem biológica, que se referem aos sin- grande consumo se podería traduzir por
tomas peri-menopáusicos e a outros de tratamentos renovados e mais que uma
ordem social e cultural relacionados BZD prescritas.
com o papel da mulher na sociedade. Se focarmos a nossa análise não em
Está fora do âmbito deste trabalho quem tomou, mas como se tomou, nos
explicar os motivos porque vão as mu- tratamentos prescritos e nas vezes que
lheres mais ao consultório que os ho- cada doente renovou a receita da sua
mens, ou porque ali lhe são diagnosti- BZD, verificamos que apesar de pre-
cados mais casos de ansiedade ou pres- dominarem os tratamentos renovados
critas mais BZD. O nosso estudo ape- houve uma proporção relativamente
nas nos mostra que, apesar das alta de tratamentos simples (36,1%).
mulheres terem sido mais prescritas Mais importância ganha o peso dos
com BZD que os homens, tal não repre- tratamentos simples se nos lembrar-
senta uma diferença significativa em re- mos que foram feitos por 81% dos
lação à proporção, de cerca de 50%, dos doentes do estudo. Estes tratamentos
dois sexos na lista de utentes. foram necessariamente curtos.
A grande variedade das BZD pres- O aumento do consumo com a idade,
critas a este leque de doentes poderá manifesto na significância dos trata-
justificar-se pela grande dispersão de mentos simples nos mais novos, está de
prescritores, mais do que pela falta de acordo com a experiência, mas sur-
critérios de prescrição, se nos lembrar- preende-nos não existir maior consumo
mos que as quatro mais prescritas re- significativo no sexo feminino.
presentaram mais de metade das pres- Avaliar o consumo a partir da pres-
crições e que 58% dos tratamentos não crição é um método impreciso que uti-
foram iniciados pelo MF. lizamos apenas devido à natureza ex-
O facto das BZD mais usadas serem ploratória deste trabalho. Poderá haver
de semi-vida intermédia poderá ex- prescrições de fármacos que não foram
plicar-se pelo facto de ser grande a tomados ou, pelo contrário, outros que
prevalência de quadros depressivos na foram tomados pelos doentes cuja pres-
lista de utentes cujo tratamento os crição foi feita fora deste estudo. Com
aconselha, dispensando por seu turno, estas limitações reconhecidas e a cons-
frequentemente, o uso de indutores do ciência dos vieses existentes, interpre-
sono, pouco prescritos. tamos com cautela os dados reais que
Considera-se aceitável que apenas temos referentes ao presumido con-
13 dos doentes tenham sido prescritos sumo entre as prescrições.
com 2 BZD, se atendermos à duração Ao verificarmos que os tratamentos
do estudo, às variedades das origens de simples e os que têm uma taxa de con-
prescrição e ao número relativamente sumo ≤ 10 DDD/mês são cerca de 3/4
elevado de doentes seguidos na psiquia- dos tratamentos prescritos, somos leva-
tria. Mais de metade destes doentes dos a concluir que predomina na popu-
passaram, de facto, pela Psiquiatria. lação em estudo um consumo irregular
Essas prescrições ou foram simultâ- de BZD.
neas, caso de um hipnótico e de uma Como explicar estes consumos?

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ESTUDOS ORIGINAIS

Poderemos adiantar hipóteses que às dificuldades económicas das famí-


dizem respeito ao MF, ao doente e ao lias, sabemos que muitos tratamentos
meio social a que ambos pertencem e prescritos não são cumpridos pelo moti-
onde foi feito o estudo. vo crú de falta de dinheiro. O baixo con-
No primeiro caso, podemos admitir sumo de BZD poderá estar significati-
que a prescrição do MF, segundo de- vamente relacionado com a falta de
terminados critérios, está adaptada às poder de compra dos doentes. Mais
necessidades dos doentes da lista, que uma vez, a resposta a estas hipóteses
não necesitariam de mais BZD; mas encontra-se na investigação.
também poderemos conjecturar que, O elevado número de doentes que
atendendo à sensibilidade do MF para frequentou a consulta de psiquiatria
o uso criterioso das BZD, é possível que pode realcionar -se com a elevada
a sua insistência, no acto da prescrição, prevalência de depressão na comu-
do uso ponderado deste tipo de fárma- nidade e a boa acessibilidade das con-
cos com vista a minimizar a dependên- sultas de psiquiatria no Centro de
cia, tenha como consequência a re- Saúde de Serpa. Se bem que o consumo
dução das tomas, quem sabe se exage- dos doentes psiquiátricos não difira do
radamente. Um trabalho posterior de da população do estudo, será porven-
diagnóstico rigoroso da ansiedade e de tura um dos resultados mais enviesa-
definição de critérios de qualidade de dos, uma vez que não entraram no es-
prescrição, poderá ajudar-nos a perce- tudo as prescrições feitas nessas con-
ber melhor o que se passa a este res- sultas.
peito. Os dados sobre quem iniciou os
No que diz respeito ao doente, quem tratamentos confirmam o resultado de
é MF em meio rural sabe como muitas outros que reconhecem o MF como
pessoas associam a necessidade de principal prescritor de BZD. Contudo,
medicação à existência de sintomas, de o MF, sendo o maior prescritor apesar
tal modo que a medicação é suspensa de iniciar apenas 43% dos tratamentos,
quando se sentem melhor. É frequente leva-nos a conjecturar sobre a im-
o sub-tratamento da depressão, da portância do SAP na prescrição nos
hipertensão ou da diabetes nas fases «outros» 34% dos tratamentos, uma vez
assintomáticas destas doenças. Pelo que a clínica privada tem muito fraca
mesmo motivo, é provavel que os expressão no concelho.
doentes tomem BZD apenas nos dias É necessário continuar a investi-
em que se sentem pior; ou admitamos gação sobre a prescrição e consumo de
que os doentes estão bem informados fármacos na lista de utentes e a orien-
sobre o medicamento que utilizam e tar a terapêutica por critérios de rigor
fazem criteriosamente tratamentos cur- validados pela comunidade científica
tos nos picos ansiosos. A investigação internacional. Atendendo às incertezas
poderá responder-nos a estas questões. que surgiram relativamente à utiliza-
Finalmente, o contexto social: na ção das BZD, apesar do conhecimento
aldeia onde foi feito o estudo sente-se crescente que temos sobre este tipo de
duramente a crise socio-económica do fármacos e ao seu baixo consumo na
meio rural. A taxa de desemprego é das lista, deverão continuar a ser usados
mais elevadas do país, há famílias que métodos adjuvantes do tratamento de
recebem ajuda alimentar, longe e perto ansiedade, como a educação e a rela-
de todo o mundo, o quotidiano rural re- xação, comprovadamente eficazes19. O
flecte a crise de valores do fim do milénio doente tem o direito de ser informado
com reflexos nas famílias e no sentir in- sobre os efeitos e eventuais riscos da
dividual. Restringindo a nossa análise terapêutica que lhe é prescrita. Essa in-

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ESTUDOS ORIGINAIS

formação deve ser fornecida por todos trias regionais no consumo de ansiolíticos e
os prestadores de serviços de saúde, faz hipnóticos no SNS [dissertação]. INFARMED.
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parte da negociação terapêutica e é 11. Taylor D. Prescribing in Europe - forces
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não se preocupar com o que gasta», Notícias
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indispensáveis no tratamento de certas tic Chemical (ATC) classification index inclu-
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ESTUDOS ORIGINAIS

PRESCRIPTION OF BENZODIAZEPINES IN A RURAL PRACTICE IN LOWER ALENTEJO

ABSTRACT
Objectives: To characterise the benzodiazepine (BZD) prescription pattern of a family doctor (FD) as well as
his patients’ consumption profile.
Type of Study: Descriptive, cross-sectional, exploratory.
Site: Vale de Vargo rural practice (Serpa Health Centre).
Sample: All patients from the FD’s roster to whom at least one BZD in the study period was prescribed, inde-
pendently of the source of prescription.
Methods: Patients, prescription renewal dates, prescription sources, and number of tablets per package were
all filed throughout one whole year. Tablet consumption was estimated between the dates of the first and
the latest prescription.
Results: Seventeen different BZDs were prescribed to 70 patients for a total of 83 treatments. The patients
with the most prescriptions were older than 55 years. Women received more prescriptions than men. The
most often prescribed BZDs had an intermediate half-life and corresponded to 54% of treatments. Merely
36% of patients received prescriptions for one package only. An average monthly consumption probably lower
than 10 Defined Daily Doses (DDD) for each BZD corresponded to around 73% of treatments. Only 5
patients (6%) took more than 30 DDD/month. The FD was the main prescribing source, although he initia-
ted less than half of all treatments and started significantly shorter treatment courses.
Conclusions: In comparison with results from other studies, one may conclude that the proportion of patients
in the community who received BZDs during the study year is acceptable. The BZD consumption pattern of
treated patients is comparatively low.

Key-words:
Prescription; Consumption; Addiction; Benzodiazepines; Family Medicine; General Practice; Rural Medicine

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