Você está na página 1de 82

Aula 09 –

Claro Enigma
(Carlos Drummond
de Andrade)
Leitura Obrigatória
Fuvest 2021

Professor Fernando Andrade


Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Sumário
Introdução ............................................................................................................... 3
Carlos Drummond na FUVEST ............................................................................................... 3
1. Contextos............................................................................................................. 4
1.1 Contexto Histórico ............................................................................................................ 4
1.2 Carlos Drummond de Andrade......................................................................................... 5
1.1 Claro Enigma na Produção de Drummond ...................................................................... 6
2. Pressupostos filosóficos para a interpretação da obra ......................................... 9
2.1 Tédio ................................................................................................................................ 9
2.2 Modernidade e Desencanto ........................................................................................... 11
2.3 O desafio do Super-Homem .......................................................................................... 13
2.4 O Sublime ....................................................................................................................... 14
2.5 O título: Claro Enigma .................................................................................................... 16
2.6 O eu lírico e Carlos Drummond de Andrade .................................................................. 18
2.7 A própria poesia ............................................................................................................. 20
2.8 Dois recursos poéticos bastante utilizados: paralelismo e anáfora .............................. 21
2.9 Resumo .......................................................................................................................... 22
3. Interpretação de um poema de Carlos Drummond............................................. 23
4. Resumo e indicação de leitura dos poemas ....................................................... 25
4.1 entre o lobo e o cão........................................................................................................ 26
4.2 notícias amorosas .......................................................................................................... 31
4.3 o menino e os homens ................................................................................................... 36
4.4 selo de minas.................................................................................................................. 38
4.5 os lábios cerrados .......................................................................................................... 42
4.6 a máquina do mundo ..................................................................................................... 45
5. Questões ............................................................................................................ 47
5.1 Gabarito ......................................................................................................................... 60
5.2. Questões comentadas ................................................................................................... 61
6. Considerações Finais ........................................................................................................ 81
Referências ............................................................................................................ 82

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 2


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

INTRODUÇÃO
Parceiro de jornada,
Já tendo enfrentado um livro de poesias, o de Gregório de Matos, chegou a hora do obscuro
Carlos Drummond.
Falando assim dá até um certo medo de enfrentar essa obra. No próprio título, o poeta já
deixa claro que teremos que desvendar alguns enigmas. Teremos alguns percalços pela frente. As
combinações de imagens muitas vezes são inesperadas e demandam bastante esforço para
entender razoavelmente o poema de Carlos Drummond. Relaxe!
A banca não pede algo impossível, e estamos aqui para ajudá-lo.
Nossa tarefa inclui contextualizar a produção poética de Carlos Drummond e explicar no geral
a lógica de sua obra, porque a obra tem lógica, embora não pareça.
Estudar os poemas por temáticas, interpretar alguns poemas e fazer muitas questões.
Na aula zero, eu indiquei um método de estudo de poesia e o repeti na aula sobre Gregório
de Matos. Acho que agora não é mais preciso, mas qualquer coisa dê uma olhada nas aulas
anteriores.
Então, bora para o enfrentamento com o enigma.

CARLOS DRUMMOND NA FUVEST


Desde o início da Fuvest, algumas obras já foram cobradas pela Banca, Rosa do Povo,
Sentimento do Mundo, Alguma Poesia e Claro Enigma. Considerando o universo de questões,
observa-se a seguinte distribuição dos tipos de questão.

Tipo de questão Quantidade

Comparação entre obras literárias 11

Interpretação textual 17

Estilo e linguagem 5

Contexto histórico 4

Contexto histórico 4

Crítica 1

De todas as obras literárias, os poemas de Carlos Drummond de Andrade são aqueles que
parecem proporcionar maiores possibilidades de questões intertextuais. Fique atento! O outro tipo
de questão bastante explorado, obviamente, são as questões que exigem interpretação. Você tem
que estar afiado em interpretação de poesia.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 3


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Fiquei espantado diante da quantidade de questões que fazem um vínculo entre texto e
crítica literária, apenas uma. A FUVEST é um dos poucos vestibulares que fazem essa relação, mas
no caso de Drummond isso não se verifica.

1. CONTEXTOS

1.1 CONTEXTO HISTÓRICO

A obra é escrita num momento bastante especial do século XX. Terminada a 2ª Guerra
Mundial em 1945, aos poucos o mundo caminha para a Guerra Fria. O final da guerra deveria ser
comemorado com grande entusiasmo, afinal, nunca a humanidade caminhara tão perto do abismo.
Contudo, não é bem assim que a esquerda vai encarar os eventos que marcam o fim dessa grande
batalha.
Os socialistas e comunistas ao redor do mundo observaram com grande decepção a forma
como a União Soviética, o grande modelo do socialismo, comportou-se durante a guerra. Antes de
iniciar o grande conflito, os soviéticos fizeram um pacto de não-agressão com os nazistas. Além
disso, logo depois da derrota da Alemanha, na mesa de negociação sentaram-se as potências
capitalistas e os soviéticos para decidirem os rumos do mundo, sem qualquer traço de preocupação
com os caminhos do Socialismo.
A esperança de uma sociedade diferente recebia um último golpe com a definição, em 1948,
de como a Alemanha seria dividida.
Carlos Drummond não foi exatamente um comunista, mas manteve alguma simpatia durante
algum tempo pelo partido. Os eventos mundiais assim como o contato que ele teve com a
organização partidária levaram-no à decepção com a possibilidade política.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 4


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

1.2 CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Carlos Drummond de Andrade viveu uma vida pacata e quase sem
mistérios. Nasceu em Itabira, em 1902, filho de proprietários
rurais em decadência. Aos 14 anos ingressou em um colégio
interno em Belo Horizonte e dois anos depois foi para Nova
Friburgo. Em 1924, passa por Belo Horizonte, “a caravana a
Minas”, um viagem cultural feita por Mário de Andrade, Oswald e
Tarsila. Drummond conhece Mário, com quem trocará cartas. No
ano seguinte, conclui o curso de Farmácia e funda uma revista
literária cuja finalidade é divulgar o Modernismo em Minas. Ao
retornar a Belo Horizonte, exerceu a profissão de professor.
Em 1928, publicou o poema “No meio do Caminho” na Revista de
Antropofagia” de São Paulo, provocando escândalo.
No meio do caminho tinha uma pedra A “pedra no meio do caminho” pode
tinha uma pedra no meio do caminho ser considerada o “erro” de português.
tinha uma pedra Segundo o padrão culto, não se deve usar
no meio do caminho tinha uma pedra. o “ter” com o sentido de haver.

Nunca me esqueci desse acontecimento


Observe a
na vida de minhas retinas tão fatigadas. mudança de
nunca me esquecerei que no meio do caminho lugar da
tinha uma pedra palavra “pedra”
tinha uma pedra no meio do caminho no poema
no meio do caminho tinha uma pedra.
No mesmo ano, começou a exercer a função de auxiliar de Gabinete da Secretaria do Interior
em Minas Gerais. Casou-se com Dolores Dutra de Morais, com quem teve 2 filhos. Em 1934, muda-
se para o Rio de Janeiro, trabalhando como chefe de Gabinete do Ministério da Educação e Saúde.
Capanema apoiou Getúlio e foi Ministro da Educação até o fim do Estado Novo em 1945. Essa
relação entre o poeta crítico e o Ministro da ditadura da Era Vargas sempre pareceu estranha e
incompreensível.
Na verdade, às vezes pareceu ser um problema para o poeta que, no fim do Estado Novo,
aproximou-se do Partido Comunista. Há documentos que provam a intenção do poeta, logo
abandonada, de se candidatar a deputado pelo Partido Comunista. Durante dois anos publicou
artigos no jornal Tribuna Popular, um veículo de informação de esquerda. Mas aos poucos vai se
afastando desse ambiente.
Em 1948, diante da radicalização do Congresso da ABDE (Associação Brasileira de Escritores),
Drummond toma uma posição de isenção ideológica dos escritores. Por conta desse fato, alguns
meios impressos ligados ao PC, quando mencionavam o poeta, associavam a ele os adjetivos
“traidor”, “reacionário”, “escritor decadente” etc.
De 1945 até 1962, ano de sua aposentadoria, foi funcionário do Serviço Histórico e Artístico
Nacional. Se sua vida prática foi dedicada ao funcionalismo, sua vida mental foi bastante agitada,
continuou escrevendo mesmo depois de aposentado. Faleceu em 1987.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 5


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Na verdade, sua vida fornece poucas pistas da poesia taciturna e, por vezes pessimista.

1.1 CLARO ENIGMA NA PRODUÇÃO DE DRUMMOND


Carlos Drummond de Andrade publicou sua primeira obra em 1930, Alguma poesia.
Percebe-se nessa estreia a influência da primeira geração modernista no que diz respeito à forma:
verso livre, coloquialismo, prosaísmo, poemas curtos e poema-piada. A novidade fica por conta dos
temas. Havia algo de nacionalismo crítico entre os modernistas de primeira hora Mário de Andrade,
Oswald de Andrade e Manuel Bandeira. Contudo, a poesia de 22 tratou dos temas com maior leveza
fazendo uso do humor e da ironia.
Drummond traz para a poesia brasileira a gravidade dos novos tempos que o crash da bolsa
de valores provocou num mundo que caminhava para a Segunda Guerra Mundial. Desde o início, o
poeta mineiro se coloca na posição de intermediário entre um mundo que parecia se dissolver na
sua frente e poesia. Essa visão bastante particular, que ele exagera, produz uma série de metáforas
e combinações de imagens próprias.
No primeiro livro, o autor aliviava a tensão de um existencialismo pessimista através do
humor e da ironia que ele herdou a primeira geração. Os temas que ele elabora nesse primeiro
momento vão acompanha-lo nas outras fases e outras produções.
Talvez o traço que melhor distinga o poeta seja o impasse. Podemos perceber claramente 5
grandes temas nessa obra:
1. O indivíduo gauche (de esquerda, ou que não se adapta)
2. A família
3. O difícil amor
4. Paisagem e viagens
5. A questão social.
Percebe-se que o poeta retoma alguns grandes temas do Romantismo, mas para evitar as
saídas fáceis dos românticos. É como se ele reelaborasse temporariamente alguma esperança em
torno do amor, da família, da terra natal etc somente para criticar qualquer sentido melodramático
revertendo a aparente esperança em um vazio angustiante que o poeta fazia questão de encarar.
Em 1940, Drummond publica outra grande obra, Sentimento do Mundo. Trazia 28 poemas
escritos entre 1935 e 1940, portanto, tendo como pano de fundo a ascensão do nazismo, a ditadura
de Getúlio Vargas e a Segunda Guerra Mundial. O individualismo do poeta tinge-se de uma
preocupação coletiva que o leva a procurar dissolver-se em um nós político, como se almejasse um
socialismo que redimisse o mundo e o próprio poeta. Encontramos nessa obra temas como o
sentimento do mundo, o eu indissolúvel, o outro social, a alienação.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 6


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Ainda impactado pela guerra, Drummond escreve em


1945, A Rosa do povo. A menção ao povo não é arbitrária. A
preocupação social, com a coletividade e com os
(des)caminhos da humanidade aparecem nesse livro. O
Figura 1 : Pixabay

poeta reflete sobre a função da poesia: será que a rosa (a


poesia) é para o povo ou do povo? Que tipo de poesia a
época em que ele vive poderia satisfazer um mundo em
convulsão? Nesse livro, ele escreve um dos poemas mais
celebrados pela crítica “A flor e a náusea”. Nele o poeta
descreve uma cena hostil a uma flor, mas mesmo assim ela fura o asfalto. Vale a pena transcrever
as três últimas estrofes, seja porque esse tema da poesia improvável será o fundamento de Claro
Enigma, seja porque o poema será citado na obra posterior.
(...)
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.


Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde


e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Claro Enigma é publicado em 1951. O nazismo não se consolidou como regime mundial, mas
tampouco uma vida social mais plena surgiu de todos os eventos que abalaram esse quartel do
século XX. As traições de Stalin ao ideário socialista durante a Segunda Guerra e o acordo feito entre
o representante do comunismo e as grandes potência deixaram claro que não havia muita esperança
na saída coletiva declamada por Carlos Drummond nos dois livros anteriores.
O livro parece registrar esse ressentimento. O poeta, mais pessimista, encarando a realidade
como um enigma, reflete sobre a condição humana e sobre a poesia. A esperanço no “nós” dá lugar
ao fatalismo de uma possível dissolução de sentido a qual o poeta resiste.
Na que diz respeito à forma, o poeta resgata a metrificação, vale-se inclusive escreve 8
sonetos nesse livro poético. Não é somente na forma que se percebe a influência clássica. Em “A
máquina do mundo”, o poeta dialoga com Os lusíadas de Camões.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 7


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Quanto aos temas, o poeta expressa-se sobre sua angústia de viver em um mundo
incompreensível, sobre a família, a própria poesia, Minas Gerais e a própria poesia. O próprio livro
está dividido em partes:
I – Entre lobo e cão (18 poemas)
II – Notícias amorosas (7 poemas)
III – O menino e os homens (4 poemas)
IV – Selo de minas (5 poemas)
V – Os lábios cerrados (6 poemas)
VI – A máquina do mundo (2 poemas)

O poema abaixo deve servir de exemplo dessa sutil mudança que revelou um Carlos
Drummond de Andrade mais realista, menos esperançoso, além, é claro de revelar o retorno à
forma tradicional, o soneto (forma clássica usada por Camões e que consiste na organização do
tema a partir de 2 quartetos e dois tercetos). Seguiu os modelos mais consagrados, afinal, ele usa
o decassílabo e um esquema de rima regular, os dois quartetos obedece ao seguinte esquema ABAB.

Poesia
oficina irritada metalinguística
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Características do
Eu quero pintar um soneto escuro,
poema desejado: “duro”,
seco, abafado, difícil de ler. “escuro”, “seco”,
“abafado”, “difícil de ler”,
Quero que meu soneto, no futuro, “maligno”, ar imaturo”,
não desperte em ninguém nenhum prazer. “antipático”, “impuro”.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro


há de pungir, há de fazer sofrer, Metáforas imprevistas
tendão de Vênus sob o pedicuro. para “ninguém o lembrará: “tiro
no muro”, “cão mijando no caos”,
Ninguém o lembrará: tiro no muro, “a história (mitológica) de
Arcturo, que foi morto por
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
pastores a quem ele deu vinho.
claro enigma, se deixa surpreender.

O poeta deixa claro seu ideal de ofício: fazer um poema duro, um poema difícil, que deva
traduzir tanto essa realidade particular, mas também a realidade da poesia como um todo. Afinal, o
que é ser poeta no século XX, em plena modernidade? Talvez, conscientemente, o poeta quisesse
apenas exprimir sua decepção com sua época, mas na verdade o tipo de texto que ele produz,
adequa-se à grande Literatura que traz à tona as questões mais importantes da Literatura no século
XX.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 8


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

2. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS PARA A INTERPRETAÇÃO DA OBRA


A interpretação de qualquer tipo de texto, exige algum tipo de conhecimento prévio da
obra. No caso de Carlos Drummond de Andrade, a exigência é até maior. O poeta mineiro
desenvolveu um estilo único de combinação de imagens que deixam atordoado qualquer leitor de
primeira viagem. A compreensão do tipo de poesia que ele desenvolve passa por algumas
discussões filosóficas que permitem justificar porque o poeta mineiro foi considerado o maior
escritor brasileiro do século XX na poesia.

2.1 TÉDIO
O livro de Drummond se abre com uma epígrafe, “Les événements m’ennuient”, de Paul
Valery (1871-1945), escritor, filósofo e poeta. A tradução livre seria “os acontecimentos me
entediam”. A frase, por outro lado, remete a Charles Baudelaire (1821-1867), o grande poeta que
reflete sobre a Modernidade e que escreveu um dos livros de poesia mais influentes no século XIX,
As flores do mal.
Em 1859, Baudelaire ao escrever para sua mãe, define com precisão o
que ele chama de tédio: “O que eu sinto é um imenso desânimo, uma
sensação de isolamento insuportável, o medo permanente de uma vaga
Figura2 : Pixabay

infelicidade, uma total falta confiança nas minhas forças, uma absoluta
ausência de desejo, uma incapacidade de encontrar qualquer
divertimento que seja.”
Em Claro Enigma podem-se observar esses mesmo traços: desânimo,
isolamento, medo de uma vaga infelicidade. Mas, deve-se destacar que o
tédio a que ele se refere está mais próximo de Valery, poeta que exprimiu toda uma teoria sobre o
que seria o fazer poético nos novos tempos. O teórico da poesia defende que, na arte, vontade e
entendimento devem ser conjugados na obra.
Nesse sentido, a poesia de Carlos Drummond não é aquela coisa chorosa, prenha de
autopiedade, como se o poeta tivesse a intenção de encontrar no leitor um ombro amigo sobre o
qual pretende despejar suas frustrações e, ao mesmo tempo, provocar a empatia profunda do
leitor.
O tédio sentimentalista já tinha sido experimentado à exaustão no Romantismo. Carlos
Drummond é duro e não auto condescendente. Desde sua primeira publicação Alguma poesia, o
poeta já se valia do impasse como forma de expressão, numa espécie de contra-romantismo.
É preciso lembrar que o Romantismo foi o primeiro movimento artístico que deu voz à cultura
burguesa. Uma cultura contraditória, marcada pela aceitação do mundo material e da riqueza como
valor supremo e, ao mesmo tempo, como a recusa do vazio que isso provocava. Tratava-se,
portanto, de um movimente de evasão. Os escritores elaboraram os grandes temas pelos quais o
burguês, cansado de sua vida esvaziada de sentido, poderia encontrar valores satisfatórios mesmo
que fossem ilusórios: o amor, a família, a nação e o engajamento social.
O poeta enfrenta cada um dos temas esvaziando-os de sentido, pelo deslocamento. Aquilo
que o eu lírico procura, ele não encontrará. Como exemplo clássico dessa postura, pode-se citar “E
agora, José?” publicado em 1942. Nele todas as saídas propostas para o eu lírico está fechadas.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 9


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Essa forma de encarar a realidade nunca abandonou Carlos Drummond. O tédio do livro
refere-se ao mundo externo que provocava desânimo no poeta. Sentimento que servia para uma
poesia “dura” em que o impasse poderia ser observado com mais intensidade. Observe o poema
que abre o livro, “dissolução”. O título assinala a decomposição do mundo. A metáfora da escuridão,
que aparece várias vezes em outros livros, comparece também no começo desse poema. Contudo,
diferentemente do que acontecia em A rosa do Povo, no qual o eu lírico tentava interferir nesse
processo, agora ele aceita que a noite desça e não procura sequer encontrar a luz. A palavra “aceito”
aparece duas vezes no espaço curto de alguns versos.
dissolução
Escurece, e não me seduz Nenhuma ação
tatear sequer uma lâmpada. seduz o poeta; ele
Pois que aprouve ao dia findar, aceita a noite
aceito a noite.

E com ela aceito que brote Aceita uma outra ordem das
coisas - resignação
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.
Não fazer nada
Braços cruzados.

Vazio de quanto amávamos, Aquilo que o poeta amava não existe


mais vasto é o céu. Povoações mais. Encontra o vazio e o vácuo. Na
surgem do vácuo. nova configura social, o eu lírico está
Habito alguma? deslocado. O que ele habita?

E nem destaco minha pele


Escuridão até da
da confluente escuridão. sua pela
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando.

E aquele agressivo espírito


que o dia carreia consigo, A paz dos novos
já não oprime. Assim a paz, tempos é agressiva e
destroçada. Duração
destroçada.
incerta (Guerra Fria).

Vai durar mil anos, ou


extinguir-se na cor do galo?
Esta rosa é definitiva,
Rosa, metáfora da poesia. Como fazer
ainda que pobre.
poesia nesse mundo? Não pode ser
pela imaginação. A palavra no mundo
Imaginação, falsa demente,
de mudança é insuficiente. O poema
já te desprezo. E tu, palavra.
deve flertar com o não dizer: até
No mundo, perene trânsito,
porque o mundo é “enigma”.
calamo-nos.

Eliminar a afetividade; resta a


necessidade de compreensão
Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 10
www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

E sem alma, corpo, és suave.

Contudo, não se deve levar tanto a sério esse tédio. Em outras palavras, não é exatamente
na mensagem que o leitor deve se fixar, mas nos efeitos do texto e na construção poética de
imagens. Lembre-se, o tédio, em Carlos Drummond, está em constante tensão com a capacidade de
entendimento para a produção de um poema que seja capaz de expressar os novos tempos.

2.2 MODERNIDADE E DESENCANTO


Do ponto de vista filosófico, “modernidade” refere-se à consolidação de uma sociedade que
não se vale mais da religião como sistema de organização social. O conhecimento científico e a
racionalidade desbancaram a tradição e os valores subjetivos.
A organização social é pensada por especialistas. Vamos a uma exemplificação bem na moda
hoje: se o indivíduo sente alguma dor, ele deve ir ao médico. Antigamente, se o indivíduo sentia
alguma dor, ele deveria consultar o xamã, o pajé, o padre etc. Podemos, ainda, considerar outra
circunstância. Se você tiver um problema com algum eletrodoméstico moderno, você não pediria
ajuda de uma pessoa mais velha, pois o saber dela, saber tradicional, não serviria como referência
para a resolução de problemas diários. Eu apresentei exemplos cotidianos, mas essa forma de viver
valida todas as relações sociais e de produção de valores.
Uma das consequências mais evidentes refere-se à indeterminação que a Modernidade
provoca nos indivíduos. Se o passado não é mais capaz de fornecer formas de comportamento que
deem segurança ao indivíduo, ele deve forjar novos valores. Contudo, ao se destruir o passado, a
possibilidade de criação abre várias perspectivas, e nenhuma é capaz de oferecer garantia de
sucesso.
Some-se a isso o desenvolvimento do Capitalismo, que introduz um novo valor, a acumulação
do Capital, e uma nova maneira de compreender a realidade a partir da materialidade das coisas.
Esse movimento provoca a erosão dos valores tradicionais e um vazio interior, já que a subjetividade
é relegada a segundo plano.
A poesia que sempre foi a forma artística das palavras de expressar o belo ficou sem objeto.
O belo da subjetividade ficou obliterado por um mundo no qual conhecimento e riqueza dão o tom
da organização simbólica da vida. Como fazer poesia?
Os poetas das vanguardas e do Modernismo tentaram atar as duas pontas dessa equação.
Baseando-se numa individualidade extremada, produziam obras incompreensíveis à primeira vista
a partir de elementos dados pela tecnologia e pelo modo de vida urbano. A poesia deveria ser a
mais cotidiana possível, agressiva, capaz de prender a atenção ao tematizar tanto o vazio quanto a
angústia dos novos tempos. A beleza muda de figura.
Carlos Drummond de Andrade faz isso magistralmente, fazendo poesia do seu desencanto
nos dois sentidos que a palavra pode assumir. “Desencanto” tem como sentido primeiro
“desilusão”, ou no caso de Drummond, que raramente se iludiu, pode ter o significado da produção
de um canto ao contrário, de uma poesia sobre um tema antipoético: não celebrar o belo, mas o
feio, o difícil e o impossível.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 11


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

O segundo poema do livro dá a dimensão dessa proposta estética. O título “remissão” pode
significar perdoar ou mesmo resgatar. O poeta parece tentar resgatar algo desse vazio interior
provocado pelo vazio de sentido externo . Usa a melancolia decorrente da percepção da passagem
do tempo ( “enquanto o tempo.../se evapora no fundo do teu ser?”) como algo a ser fixado no seu
poema. Esse resgate de um indivíduo tão vazado do nada se dá pela palavra: o que lhe resta é o
contentamento de escrever.
No poema fica clara a referência ao outro canto. Para o eu lírico, sua poesia deve registrar “a
angústia dos cantares”, ou uma outra matéria poética. Um verdadeiro “desencanto”

Duas lindas metáforas


remissão expressas em paralelismo
Tua memória, pasto de poesia, sintático: A poesia do autor se
tua poesia, pasto dos vulgares, alimenta da memória; os vulgares
vão se engastando numa coisa fria (pessoas ou fatos cotidianos)
a que tu chamas: vida, e seus pesares. alimentam-se da poesia

Mas, pesares de quê? perguntaria,


se esse travo de angústia nos cantares, O travo de angústia São efêmeros
se o que dorme na base da elegia A beleza dormida na poesia (secam nos ares)
vai correndo e secando pelos ares, (elegia)

e nada resta, mesmo, do que escreves


e te forçou ao exílio das palavras, Nada resta dos pesares,
senão contentamento de escrever, nada resta do que escreve

enquanto o tempo, em suas formas breves Resta a passagem do tempo, ou


ou longas, que sutil interpretavas, melhor, a consciência da
se evapora no fundo de teu ser? passagem do tempo

Observe alguns outros recursos expressivos:


Anáfora: repetição de palavra no começo do verso, ocorre em “se esse travo de angústia
nos cantares,/se o que dorme na base da elegia”.
Paralelismo sintático : no primeiro verso, observar a seguinte estrutura frasal: um
substantivo (memória) seguido de um aposto constituído de uma palavra (pasto) e um
adjunto adnominal (de poesia); no segundo verso, o eu lírico repete essa estrutura com
outras palavras.
Ambiguidade: ao falar em “exílio das palavras” o poeta pode querer dizer que ele foi
exilado no mundo da poesia, foi o único lugar que sobrou para ele; ou que ele exilou as
palavras, deu um sentido tão próprio para seu texto que elas se tornam uma coisa única.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 12


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

2.3 O DESAFIO DO SUPER-HOMEM


Esse desafio de encarar o vazio da vida foi
tematizado por Friederich Nietzsche. O filósofo
alemão que forjou a frase mil vezes repetida como
forma de acusá-lo: “Deus está morto”. A frase não
representa uma vontade do filósofo de matar a figura
de Deus, mas de constatar que o mundo moderno
gerido por outros fundamentos que não o religioso –
Figura3 : Shuttrerstock

o capital, a ciência e o conhecimento -, levavam os


homens, na prática, a matarem Deus. A outra frase
associada a esse e nem sempre lembrada é a de que
“Deus está morto, mas seu cadáver está insepulto”. O
que ele quer dizer como isso? No cotidiano agimos
como se Deus estivesse morto, mas valemo-nos ainda
das ilusões todas criadas pela religião para nos sentirmos confortados vivendo uma verdadeira
farsa.
Nietzsche imagina, no futuro, um ser humano que consiga viver esse vazio de sentido. Dá o
nome de “übermensch”, ou super-homem em português. Esse sobre-homem seria capaz de
suportar a vida.
Pode-se entender a poesia de Drummond dessa forma. Alguém que experimenta um pouco
dessa dureza da vida, valendo-se da poesia para suportar a vida descrita por Nietzsche. Aliás, o
poeta mineiro parece responder ao filósofo alemão que escreveu Gaia Ciência. Nesse texto de
aforismos, Nietzsche retoma uma palavra
de origem provençal que significava a ingaia ciência
habilidade técnica e ao espírito livre
requeridos para a escrita da poesia. O filósofo A madureza, essa terrível prenda
imagina que encarar a realidade sem ilusão que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
permitiria o desenvolvimento de um espírito todo sabor gratuito de oferenda
livre. sob a glacialidade de uma estela,
No soneto “a ingaia ciência”,
Drummond parece discordar do filósofo. O a madureza vê, posto que a venda
espírito não pode ser tão livre assim, interrompa a surpresa da janela,
considerando a própria vida e as marcas que o círculo vazio, onde se estenda,
ela deixa no indivíduo. Nietzsche teria e que o mundo converte numa cela.
deixado de perceber o quanto a maturidade
como um terrível presente (prenda) nos tira A madureza sabe o preço exato
o sabor da vida. Metáfora que ele oferece é dos amores, dos ócios, dos quebrantos,
brilhante: como uma estrela glacial, bela mas e nada pode contra sua ciência
gelada. A visão da vida como ela é destrói a
ilusão e o mundo se converte numa cela. e nem contra si mesma. O agudo olfato,
o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
Apesar disso, a conclusão é paradoxal.
se destroem no sonho da existência.
Vale a pena reler:

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 13


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

“e nem contra si mesma. O agudo olfato,


o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
se destroem no sonho da existência.”

Veja que “o agudo olfato, o agudo olhar, livre de encantos” retoma a ideia da maturidade,
“a terrível prenda”, contudo todos essas habilidades conseguidas pela experiência “se destroem”,
diz o poema, “no sonho da existência”. O espírito livre seria uma miragem mesmo na poesia. A
existência em si impõe como sonho. A madureza permite o entendimento que tira o encanto e
deixa perceber a realidade, mas somente para mergulhar num outro sonho.

2.4 O SUBLIME

Como uma antipoesia pode ser tão celebrada?

Comentário perspicaz, corujinha esperta! Talvez tenhamos que atentar para outra
característica da obra e não só para o fato de que o poeta se vale da subjetividade, da angústia e
do cotidiano para avaliar sua obra. O que interessa nesse caso, é como ele articula esses elementos.
Immanuel Kant, um dos maiores filósofos do Iluminismo em um obra sore estética, tentou
definir o sublime. Para o filósofo, quando a mente humana se depara com alguma composição do
extremamente grande, intenso, o entendimento humano falha ao perceber o objeto e resta a
imaginação tentar reconfigurar a grandiosidade do fenômeno observado com a pequenez do
indivíduo que assiste ao espetáculo.
Ele dá como exemplo, a paisagem de um mar revolto em um dia de tempestade. O mar
batendo nas rochas violentamente provoca o terror do infinito. O que Kant diz para a composição
da natureza pode ser aplicado às artes mais impressionantes e para a própria poesia de Drummond.
O poeta, para expressar sua angústia existencial, elabora imagens ou contrapõe cenas em
que a distância entre o ilimitado e o finito se coloca produzindo uma sensação de desconforto e de
admiração ao mesmo tempo. No poema confissão, o poeta fazendo um balanço da própria vida
começa o soneto com a afirmação “não amei bastante meu semelhante”. Esse ideia será repetida
até a última estrofe, onde o eu lírico oferece uma imagem imprevisível: “Não amei ninguém/ Salvo
aquele pássaro – vinha azul e doido -/ que se esfacelou na asa do avião.”
A desproporção entre o pássaro e a asa do avião choca o leitor e imprime essa imagem na
imaginação que ao mesmo tempo que fornece o prazer de conciliar dois elementos díspares, deixa
circular a sensação amarga do tragédia que não tem qualquer importância para o cotidiano das
pessoas.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 14


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Esse recurso de aproximar objetos inesperados


numa combinação sublime é um traços mais fortes de
Drummond, mas há um poema que essa sensação de
grandiosidade que até cala o espectador é melhor
exemplificado no poema que é obra-prima do livro, “A

Figura4 : Pixabay
máquina do mundo”.
O poeta, retomando Camões, vale-se da referência
a tal máquina feita pelo eu lírico de Os Lusíadas. Já no
retorno da viagem às Índias, a deusa Tétis (deusa da
sabedoria) resolve recompensar os portugueses e mostra para Vasco da Gama a máquina do
mundo. Refere-se ao sistema imaginado por Aristóteles para explicar o movimento celeste.
No poema que dialoga intertextualmente com a literária camoniana, o eu lírico caminha
pelas estradas de Minas quando é abordado pelo Máquina.
“E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos


que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo


na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu


para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.”
Esses últimos versos retomam a imagem do eu lírico resignado que já havia aparecido no
primeiro poema do livro, dissolução. A máquina do mundo aborda o eu lírico que caminha solitário
pela estada de Minas no momento da vida em que ele já tinha desistido de abri-la (“para quem de
a romper já se esquivava”) e até mesmo chorava só de pensar em ter de fazer isso (“só de o ter
pesando se carpia”).
Mesmo assim a máquina se abre para o poeta de forma imponente (“Abriu-se majestosa e
circunspecta,/sem emitir um som que fosse impuro/nem um clarão maior que o tolerável”). Além
de abrir-se, convida a “quantos sentidos e intuições restavam/ a quem de os ter usado os já
perdera”. O convite é irrecusável. Há um discurso direto, no qual a máquina faz sua oferta: “O que
procuraste em ti ou fora de/ teu ser restrito e nunca se mostrou,/...olha, repara, ausculta: essa
riqueza/...sublime e formidável, mas hermética,/... abre teu peito para agasalhá-lo.”
A partir dessa oferta, o eu lírico passa em revista todos os grandiosos segredos do universo,
desde edifícios e pontes até os recursos da terra dominados pelos impulsos da paixão passando
pelas plantas e pelos minérios. Esse esplendida cena, escapa a imaginação, que tenta integrada a
partir do contraponto do mineiro que anda devagar por uma estrada qualquer.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 15


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

A decisão é comunicada ao leitor com um “mas”. O eu lírico reluta em aceitar o convite, o


apelo faz eco a “defuntas crenças”, coisa que não angustia mais o caminhante. Ele abaixa os olhos,
“incurioso, lasso, desdenhando colher a coisa oferta”. A maquina se retrai.

“A treva mais estrita já pousara


sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,


enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.”
O poeta recolhe a sua insignificância diante de tal infinita possibilidade. A distância entre o
ser humano comum e a grandiosidade do que talvez seja o mundo, faz essa pequena narrativa
poética alcança o sublime de um ser humano perdido num mundo indecifrável, aliás ideia que se
anuncia no próprio título da obra.

2.5 O TÍTULO: CLARO ENIGMA


O título da obra faz menção do incompreensível. Trata-se de um paradoxo, um enigma não
pode ser claro. Mas trata-se de um paradoxo que se desfaz numa simples antítese se considerarmos
que o poeta vê claramente que ele está diante de um enigma.
Se tomarmos a trajetória de sua percepção da realidade, pode-se dizer que ele, em algum
momento, deixou-se levar pela ilusão de que o mundo tivesse algum tipo de sentido, sendo, assim,
havia alguma esperança. Tendo passado pela frustração pós-guerra, o poeta percebe uma realidade
impossível de ser apreendida. A máquina do mundo se fecha para ele.
Novamente vou me socorrer na filosofia para entender essa postura de Drummond. Volto
para Kant, sempre ele. O filósofo ao explicar o processo pelo qual conhecemos a realidade, nos
força a reconhecer que nada sabemos sobre a essência dos objetos. Encontramos na realidade
apenas fenômenos. A palavra vem do grego “phainomenon” cujo significado é “o que surge aos
olhos” tem o mesmo radical da palavra “fantasma”.
Kant ser referia sobretudo ao mundo físico. Deixava claro que deveríamos abdicar da
tentativa de entender as coisas em sua profundidade. Drummond não está interessado nas coisas
físicas. No poema “A máquina do mundo” oferece ao eu lírico o conhecimento, a ligação entre o
pensamento superior e os “recursos da terra dominados”, a perspectiva é humana. Podemos ler
isso nos seguintes versos
“e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade;

e a memória dos deuses, e o solene


sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance


e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.”

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 16


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

A máquina oferece o sentido da vida. Mas, o eu lírico recusa e a máquina se fecha. Esse é o
drama da modernidade. A aceitação do fenômeno significa renunciar a
pretensão de entender o mundo até o eu interior. E aí, o mundo surge

Figura 5 : Pixabay
assim como um maquina fechada a qualquer compreensão. Alguns
versos dão a dimensão dessa percepção, o mundo é “um vácuo
atormentado , um sistema de erros em “campo de flores”; um “perene
trânsito”, em “dissolução; “não tem sentido” e “é fechado” em “cantiga
de enganar”.
No poema “opaco” o poeta figurativiza esse processo do indivíduo
sem capacidade de ir além dos fenômenos. Inicialmente há um
empecilho, o edifício que barra a vista do eu lírico. Ao final do da
reflexão ele percebe que, na verdade, é sua incapacidade de olhar que
Opaco: o que nem
barra a própria vista.
tem luz, escuro,
sombrio. Quem é
Opaco Observe o duplo sentido de
opaco?
vista: pode significar olhos;
Noite. Certo ou pode significa a
muitos são os astros. Noite, escuridão, paisagem. O prédio barra o
Mas o edifício angústia; mas há luz olhar do eu lírico ou barra o
dos astros: o prédio cenário que fica atrás dele.
barra-me a vista.
“barra a vista

Quis interpretá-lo. Tentativa de


compreensão de sua
Valeu? Hoje
visão limitada
barra-me (há luar) a vista.

Nada escrito no céu,


sei. Não sabe nada do mistério celeste
Mas queria vê-lo.
O edifício barra-me Graficamente, o edifício está em um
a vista. verso, a vista em outro; a vista está isolada.

Zumbido Há outras sensações sonoras, associadas ao


de besouro. Motor mundo tecnológico, mas interessa ao eu
arfando. O edifício barra-me lírico somente a visão do luar e dos astros
a vista.

Assim ao luar é mais humilde. A contrário do que pensava,


Por ele é que sei do luar. o edifício por o faz perceber o luar por
Não, não me barra refleti-lo, não barra o luar. Então qual é o
problema? A incapacidade da vista
a vista. A vista se barra
a si mesma.
A própria subjetividade parece ser, portanto, a causa do compreensão do mundo e o meio
em que isso se manifesta. No caso de Drummond, essa subjetividade parece ser o instrumento
principal para que o poeta não consiga perceber a opacidade do mundo como também para
transformá-la em poesia.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 17


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

2.6 O EU LÍRICO E CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Geralmente, quando um professor fala dos elementos da poesia, ele menciona algumas
expressões equivalentes: “eu poemático”, “eu lírico”, “a voz que fala no poema”. Tenta a todo custo
fazer o aluno entender que ele deve separar poeta de eu lírico. Mas não são a mesma coisa?
Não corujinha confusa. Carlos Drummond de Andrade, realmente se decepcionou com a
política, tinha severas críticas ao Brasil, viveu os amores à distância com medo de decepções etc.
Contudo, esse homem de carne e osso, não vivia esses dilemas e sensações vinte quatro horas por
dia. Essa percepção do mundo era diluída nos seus afazeres, nas suas relações com os outros, num
afago na sua filha, na ação de degustar uma boa refeição etc.
Isso significa que quando ele se sentava para escrever, era o poeta preocupado com as
palavras que recolhia em palavras a sua percepção da realidade que valia a pena, valia se escrita,
pois permitiria aliviar toda sua impressão da realidade através do sublime alcançado pela linguagem.
Nesse sentido, embora esse cara que se senta a escrivaninha para escrever seja já outro que
adense suas percepções e as recrie em combinações inusitadas, ele tira da sua própria experiência
o material de sua poesia. No caso de Claro Enigma, essa angústia diante de uma realidade opaca
leva o poeta a refletir sobre o amor e a sua relação familiar. Mais do que em outros poemas, nos
quais o amor parecia sempre fadado ao desencontro, em Claro Enigma, as relações afetivas têm
algo de lírico no sentido tradicional da palavra, mas ainda conservam aquele traço duro de alguém
que não se entrega ao melodrama e põe em cada verso traços afetivos, tentativa de compreensão
e registro linguístico.
Dois exemplos, dão conta desse trânsito do poeta por temas tão subjetivos. O primeiro,
chama-se “ser” está na primeira parte “entre lobo e cão”. Trata-se de um tema autobiográfico.
Drummond teve um filho que morreu pouco tempo depois do parto. O eu lírico lembra-se, de forma
melancólica, “O filho que não fiz/ hoje seria homem”. A partir desse mote, ele descreve esse homem
como um fantasma de seus desejos não cumpridos. O eu lírico pergunta a esse “objeto de ar” onde
ele está, ao que a voz responde:
“Lá onde eu jazia,
responde-me o hálito,
não me percebeste,
contudo chamava-te

como ainda te chamo”


Até aqui, o eu poemático registra a dor que um pai sente em função de sua impotência de
não te socorrido o filho. Esse material poético é romântico e próprio da dor de um pai. Contudo, o
final, provoca uma inversão de perspectiva e mostra o distanciamento do eu lírico que parece
analisar esse pai. Nos dois últimos versos, ele conclui:
“O filho que não fiz
faz-se por si mesmo.”
Reconhece que a possível dor do pai cria essa ilusão que agora sobrevive como um fantasma
dentro dele. Não é ele que foi impotente diante do filho, é esse fantasma que se tornou potente
diante do poeta, esse filho que agora faz-se poesia.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 18


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

No poema “convívio”, esse eu lírico que pensa, reflete e filosofa aparece antes da expressão
afetiva em relação àqueles que já morreram.
Análise argumentativa
convívio sobre as marcas que as
Cada dia que passa incorporo mais esta verdade, de que eles não pessoas próximas já
[vivem senão em nós mortas deixam em nós.
e por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil. Vivem na nossa
Fora de nós é que talvez deixaram de viver, para o que se chama lembrança, mas
[tempo. deixaram de viver no
E essa eternidade negativa não nos desola. tempo.
Pouco e mal que eles vivam, dentro de nós, é vida não obstante.
E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco. Paradoxo: a morte
está dentro dos vivos
Mas, como estão longe, ao mesmo tempo que nossos atuais
[habitantes
Os mortos dentro
e nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa! de nós, nossos habitantes e
A mais tênue forma exterior nos atinge. hóspedes são semelhantes às
O próximo existe. O pássaro existe. pessoas externas que também
E eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, nos atingem, de forma tênue.
[que disfarçados…

Há que renunciar a toda procura.


Não os encontraríamos, ao encontrá-los. Essa estrofe é o coração do poema. A procura pelos
mortos no poema é fadada ao fracasso. O poeta se
Ter e não ter em nós um vaso sagrado,
vale de metáforas “ter e não ter um vaso sagrado”.
um depósito, uma presença contínua,
Além disso registra graficamente esse processo que
esta é nossa condição, enquanto,
vai da procura ao calar-se. Os versos ficam cada vez
sem condição, transitamos
mais curtos.
e julgamos amar
e calamo-nos.

Ou talvez existamos somente neles, que são omissos, e nossa


[existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiram.
Talvez, os mortos sejam o nosso solo
onde vivemos. Eles são indiferentes a nós, nós
somos uma forma impura de silêncio, pois no
nosso silêncio estão as vozes deles.

O poema começa argumentativo e aos poucos adiciona reflexões e imagens que dão um ar
trágico a esses mortos dentro de nós. Não se trata de um saudosismo romântico, embora
percebamos um traço desse sentimento, mas a reflexão pura, contrapõe o fenômeno dentro dele,
que o transforma em simples objeto desse jogo incomensurável. Estamos diante do sublime
novamente.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 19


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

2.7 A PRÓPRIA POESIA


Esse eu lírico moderno sem referência e vivendo somente no mundo dos fenômenos vai
transformando seu tédio e sua perplexidade me matéria da poesia. Como ele mesmo afirmou no
poema “remissão” vive no exílio das palavras.
Em Claro Enigma, percebe-se o quanto Carlos Drummond se aproxima de um pressuposto
quase parnasiano de criar mundo através da linguagem. Há pelo menos quatro poemas, nos quais
a evocação de uma narrativa ou descrição de um personagem se realiza pelo puro jogo da
linguagem: “ser”, “sonho de um sonho” e “contemplação de um banco” e “a tela contemplada”.
Em outros momentos a palavra tem a função de ser dura, expressão da pouca concessão que
o poeta faz para qualquer tipo de ilusão e, finalmente, a palavra permite combinar figuras e
aproximar o incomensurável ao banal, buscando a expressão do sublime na modernidade.
Para exemplificar essa criação pela palavra, vamos considerar o poema tela contemplada.
Observe esse emprego de termos que constroem na imaginação um lugar que figura como metáfora
da própria beleza.
a tela contemplada

Pintor da soledade nos vestíbulos


Pintor da solidão, um espaço
de mármore e losango, onde as colunas
solene mas silente, não há
se deploram silentes, sem que as pombas sequer pombas
venham trazer um pouco do seu ruflo;

traça das finas torres consumidas


no vazio mais branco e na insolvência O vazio e a insolvência de uma obra
de arquiteturas não arquitetadas, somente plástica
porque a plástica é vã, se não comove,

ó criador de mitos que sufocam, Os mitos que o pintor cria, recuam, para o
desperdiçando a terra, e já recuam charco, para o subsolo
para a noite, e no charco se constelam,

por teus condutos flui um sangue vago, A beleza pura, esconde um sangue vago,
um suspiro de paixão. O que sobressai é
e nas tuas pupilas, sob o tédio,
esse tédio associado à pura beleza.
é a vida um suspiro sem paixão.
O tema é a própria arte. A imagem é hermética. O pintor que procura a solitude num
ambiente belo e vazio, também cria mitos que recuam até o charco. A arte nesse poema contempla
a forma que deve apagar através do branco, do mármore e das colunas as paixões mais quentes.
Resta essa arte sem paixão.
Esse traço é o que mais se verifica na poesia do autor: uma reflexão dolorida, bela e sublime
de uma angústia decorrente do sufocamento da paixão.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 20


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

2.8 DOIS RECURSOS POÉTICOS BASTANTE UTILIZADOS: PARALELISMO E ANÁFORA


Esses dois termos se referem à construção sintática, ou seja, à forma como o poeta coloca as
palavras na frase. Drummond usa com maestria cada um desses recursos.
Diz-se que uma frase é paralela à outra quando os termos da oração têm a mesma disposição,
mas são completados por palavras diferentes. Observe as duas primeiras estrofes do soneto:
Mudam-se os tempos...”

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


Muda-se o ser, muda-se a confiança”
Note que o poeta optou por começar com um verbo conjugado na terceira pessoa seguido
da partícula “se” (o que configura uma oração passiva sintética) 1, acrescentando um substantivo.
Ele repete essa mesma estrutura frasal depois da vírgula e faz a mesma coisa no verso seguinte,
embora o verbo tenha sofrido alteração por ser conjugado no singular. Ele até poderia ser mais
radical ao mudar o verbo, mas, se a estrutura sintática fosse a mesma, o paralelismo seria mantido.
Só como exemplo, vamos supor que ele dissesse “Mudam-se os tempos, o homem
envelhece,/ Apertem-se os cintos, o piloto sumiu”. Os verbos são outros, os substantivos também,
mas a estrutura é a mesma, então há paralelismo.
Claro que o paralelismo se torna muito mais expressivo quando os termos utilizados são
complementares ou quando são contrários. Veja outra possibilidade:
“Mudam-se as vontades
Preserva-se o caráter”
A oposição entre mudança e preservação fica muito mais evidente pelo fato de haver tensão
entre a estrutura sintática de repetição e os termos usados manifestarem contradição.
Passemos agora à anáfora.
Observe o poema abaixo.
E nossa rica fazenda
já presto se desfazendo
vai-se em sal cristalizando
na porta de sua casa
ou até na ponta da asa
de seu nariz fino e frágil,
de sua alma fina e frágil,
de sua certeza frágil
frágil frágil frágil frágil
O que dá expressividade (“ênfase”) ao poema?

1
Passiva sintética é uma forma mais curta da passiva analítica e, nesse caso, o “se” é partícula apassivadora. A oração
“mudam-se os tempos” poderia ser escrita da seguinte forma “os tempos são mudados”.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 21


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Notou a repetição das palavras? Há anáfora quando o poeta repete uma mesma palavra no
começo de um trecho ou de um verso e catáfora quando isso ocorre no final. No caso desse poema,
observa-se o uso dos dois recursos.

Calma, corujinha ansiosa. Essas diferenciações não interessam a você. Não importa muito
saber o nome da figura, mas perceber que ela ocorre para poder explicar porque o texto é tão
expressivo. E Drummond se vale muitas vezes desses dois recursos poéticos.

2.9 RESUMO
O mundo como sem sentido, o enigma indecifrável
Poeta como ser isolado
A presença da morte;
O ser e o não ser, o efêmero e o duradouro.

Subjetividade refletida

Laços familiares/afetivos
O amor Ceticismo e questionamento
A própria insuficiência

O exílio das palavras

O sublime das imagens incomensuráveis


A dureza das palavras
A combinação de imagens

Palavras-chave:
Sonho, morte, melancolia, amor não realizado, solidão, opacidade, obscuridade, fragmentos,
restos, familiares.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 22


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

3. INTERPRETAÇÃO DE UM POEMA DE CARLOS DRUMMOND


Antes de passarmos aos poemas propriamente ditos, como foram divididos pelo poeta, seria
importante que você aprendesse a se virar sozinho. Vamos considerar o poema “fraga e sombra”
como exemplo dos passos de uma interpretação. No vestibular, você terá que se virar sozinho. A
informação sobre os temas desenvolvidos pelo poeta ajuda muito, mas sua habilidade de ler e
entender de que tema se fala e como se fala será posta à prova. Então, vamos lá, mãos à obra.
fraga e sombra * fraga= rochedo
A sombra azul da tarde nos confrange.
Baixa, severa, a luz crepuscular.
Um sino toca, e não saber quem tange
é como se este som nascesse do ar.

Música breve, noite longa. O alfanje *alfange= sabre, espada


que sono e sonho ceifa devagar
mal se desenha, fino, ante a falange * falange= tropa de infantaria
das nuvens esquecidas de passar.

Os dois apenas, entre céu e terra,


sentimos o espetáculo do mundo,
feito de mar ausente e abstrata serra.

E calcamos em nós, sob o profundo


instinto de existir, outra mais pura
vontade de anular a criatura.

Observe o título

O título vale muito. Em alguns casos, fornece a chave de interpretação do poema. No caso
desse poema, trata-se de dois substantivos unidos pelo “e”, ou seja, de alguma forma o poema
deve explicar que tipo de relação existe entre o “rochedo” e “sombra”.

Considere a forma

Esse poema é um soneto. Isso significa que ele tem uma forma fixa bem estruturada. No
último terceto, o poeta finaliza dando sentido a todo o texto. Por isso, vale a pena prestar muita
atenção ao final.

De quem se fala

Sempre é importante saber de quem se fala, quem ou o quê é o tema principal de cada
estrofe. Para tanto, vale a pena observar os verbos, eles indicam o sujeito da ação. Esse sujeito

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 23


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

pode ser o tema principal, pode ser uma metáfora ou pode se associar a outros temas para criar o
sentido mais amplo.
Na primeira estrofe os sujeitos são a sombra e o sino. Qual a relação entre esses elementos?
Na segunda estrofe, a imagem se organiza a partir da espada (“alfange”). Há uma imagem e
uma metáfora. Leia com cuidado e imagine o que o poeta quis dizer. Será preciso colocar a frase na
ordem direta: o alfange que ceifa devagar sono e sonhos mal se desenha.
Na terceira estrofe, o eu lírico se vale do sujeito “nós”. Observe a importância de se descobrir
quem são os “dois” no começo da estrofe.
No último terceto, você deve observar o paradoxo, o “profundo instinto de existir” ao mesmo
tempo em que ocorre a “vontade de anular a criatura”.

Hipóteses Interpretativas

A partir dessa leitura preliminar para se reconhecer do que se fala e os mistérios do poema,
tente elaborar hipóteses de leitura e localize os grandes desafios.
Como o eu lírico fala de paisagem, pode ser que ele esteja querendo expressar a melancolia
do final de tarde, coisa bem evidente na primeira estrofe. O problema é que isso não explicaria muito
bem o paradoxo final.
A metáfora da espada parece juntar melancolia e morte. Mas o que isso tem a ver com o
penhasco?
Quem são “os dois”? A que criatura o poeta se refere no final do último terceto? Qual é o
papel desse nós? Qual a relação entre a espada e as nuvens?

Refaça a leitura através da chave interpretativa

Tente descobrir onde é o ponto sensível do texto, aquele que pode entregar o significado
maior. No caso desse poema, obviamente, você deve tentar encaixar a “sombra” e o “rochedo” na
intepretação do texto. O poeta fala dessa paisagem mesmo ou é uma metáfora, personificação,
metonímia ou ironia?
Você deve tentar substituir a palavra “dois” no começo da terceira estrofe por esses dois
elementos. Veja como agora começa a fazer sentido.
Os dois ( o rochedo e a sombra) apenas, (estão) entre céu e terra,
( E diante deles ) sentimos o espetáculo do mundo,
feito de mar ausente e abstrata serra.

E (diante dessa paisagem) calcamos em nós, sob o profundo


instinto de existir, outra mais pura
vontade ( ou melhor, a mais pura sensação de que essa grandiosidade causa) de anular a criatura
(isso torna o indivíduo um nada, elimina a sensação de ser alguém).

Tente ler o poema inteiro sob essa perspectiva

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 24


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Na primeira estrofe, o poeta começa a falar de uma sombra que se mistura ao crepúsculo.
Essa imagem é reafirmada pelo sino que toca. Na segunda estrofe, o eu lírico se concentra no céu,
uma tropa de nuvens quase imóveis.
Diante desse cenário, o rochedo que deve ter sua sombra alongada pelo crepúsculo faz com
que esse “nós” sinta-se aniquilado diante dessa grandeza, embora não perca o instinto de
sobrevivência.

Observe os detalhes

Agora chegou a hora de ver como as figuras de linguagem tornam o texto mais impactante.
O sino é uma metonímia de Igreja e se refere ao hábito de, nas cidades do interior, badalarem os
sinos às 18 horas, hora da ave-maria, mas também, hora do crepúsculo. Ao falar que o sono parece
nascer do ar, o eu lírico traz uma sensação de isolamento para o espectador que contempla esse
rochedo e sua sombra, ouvindo um som longínquo de um sino.
Como ele falasse em som, agora se permite começar a segunda estrofe com a palavra música.
Mas aqui ele faz uma inversão. A oração “musica breve, noite longa” lembra a frase latina famosa
“ars longa vita brevis” (“a arte é duradoura, mas a vida é breve”). A inversão do poema nos leva a
entender que a arte é breve (música, ainda mais a dos sinos) diante da angústia da vida (a metáfora
da noite para Carlos Drummond). Nesse outro trecho, o tema do crepúsculo retorna, já que esses
fenômenos se referem ao findar de um dia.
A metáfora da falange é bela e complicada. Há uma espada que se opõe às nuvens
amontoadas no céu. Ela mal se desenha, como se fosse uma forma também de nuvem. Mas ela ceifa
sonhos. Ao tentar dar a grandiosidade da cena, agora ampliando para os céus, ele lembra sonhos
desfeitos. Além disso, a música parece contaminar essa estrofe. Observe a aliteração do do som
nasal “alfange”, “sono”, “sonho”, “desenha”, “fino”, “ante”, “falange”.
Na terceira estrofe, o poeta fala textualmente em “espetáculo do mundo” e num verso um
pouco enigmático diz “feito de mar ausente e abstrata serra”. Ele amplia o horizonte da imaginação.
Já mencionara o céu, o rochedo, agora menciona o mar com sua grandiosidade (embora ausente) e
a grande serra que suporta o rochedo.
Na última estrofe, o eu lírico deixa claro que a paisagem não é realmente o agente de nada.
O “nós” é que calca em si mesmo esse sentimento que fica entre o paradoxo.

4. RESUMO E INDICAÇÃO DE LEITURA DOS POEMAS


Bom, depois desses preâmbulos, já é possível passarmos para os poemas. Carlos Drummond
dividiu em seis temas os poemas publicados em Claro Enigma:
i. entre o lobo e o cão (18 poemas)
ii. notícias amorosas (7 poemas)
iii. o menino e os homens (4 poemas)
iv. selo de minas
v. lábios cerrados (6 poemas)
vi. a máquina do mundo (2 poemas)

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 25


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Na medida do possível, vou fazer um resumo de cada poema e apontar algum recurso
linguístico usado pelo poeta. Use como guia de leitura.

4.1 ENTRE O LOBO E O CÃO


Nessa primeira parte, encontramos uma grande variedade temática: o poeta fala sobre o
amor, sobre arte, poesia, sonho, decepções, a efemeridade das coisas, a madureza etc. A pergunta
que qualquer um se faz é: por que esse título? O que dá unidade a essa parte?
Uma resposta fácil seria dizer que se trata de uma parte binária, em que o poeta contrapõe
contrários, afinal, um cão é dócil e um lobo é selvagem. Mas esse traço está presente na poesia de
Drummond como um todo. E, na verdade, em alguns poemas, isso é evidente, em outros não.
Podemos citar: “legado”, “perguntas em forma de cavalo marinho”, “sonetilho do falso Fernando
pessoa” etc.
Outra possibilidade de explicar o título seria apontar sua postura introspectiva e mansa como
a de um cão, momento em que ele se resigna ou deixa-se abater pela angústia e, ao mesmo tempo,
manifesta uma frustração com o mundo, a quem ele acusa. Há realmente poemas desse tipo,
aqueles em que se percebe uma atitude mais subjetiva, mas eles não configuram a maioria.
Se pensarmos não nos traços opostos, ou seja, naquilo que distingue o cão do lobo, mas nos
focarmos na indistinção, naquela zona cinzenta que nos deixa em dúvida se o que vemos é um cão
ou um lobo, talvez consigamos dar conta da maioria dos poemas. Os versos dessa parte tematizam
o ser das coisas e dos homens sem essência, como os fantasmas de “contemplação no banco” e
“ser”; a passagem do tempo em “a ingaia ciência”, “memória”; “legado”; a condição humana vista
pelos animais como em “um boi vê os homens”, “os animais do presépio”.
A única coisa que parece escapar desse lusco-fusco das coisas é a poesia, que deve ser dura
e reflexiva.
Nesse sentido, na primeira parte o poeta já tateia de fora o enigma, a impossibilidade de
captar aquilo que permanece e, ao mesmo tempo, só compreender pela angústia esse “perene
trânsito”.

dissolução Temas: resignação, frustração com o mundo


externo (perspectiva subjetiva)
Já analisado

Tema: efemeridade, a própria poesia,


remissão
angústia da existência (perspectiva subjetiva)

Já analisado

A ingaia ciência Tema: a idade madura, a passagem do tempo


(perspectiva subjetiva)

Já analisado

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 26


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

legado Temas: subjetivismo; menosprezo de si,


frustração com o mundo externo (perspectiva
subjetiva)
Dúvida em relação ao que vai deixar.
Soneto
Acredita que deixará apenas a “pedra no
caminho. Ambiguidade: Ele vai deixar esse poema que
será sempre lembrado, ele vai deixar essa
Percebe que vive num mundo em que os enigmática poesia como pedra no caminho da
monstros não se deixam cativar por Orfeu, estética.
pela poesia.
Ironia: o mundo que não se encanta por
poesia vai lembrar da pedra no caminho.

confissão Temas: menosprezo de si; amor (perspectiva


Não amei bastante... Só proferi algumas subjetiva)
palavras, novamente o poeta mostra dúvida
quanto ao valor da sua existência. (...)Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro — vinha azul e doido —
que se esfacelou na asa do avião.
Esse final surpreendente, até pela
desproporção entre o pássaro e o avião. Amar
o frágil doido.

perguntas em forma de cavalo-marinho Temas: metalinguagem, reflexão sobre a vida


(perspectiva reflexiva)

O título é sugestivo. O cavalo-marinho é um Uso do cavalo marinho como metáfora, uma


peixe, mas não parece. Tem a forma de uma forma que lembra uma interrogação.
interrogação e tem esse nome porque lembra Cavalo marinho como algo que engana.
um cavalo. Verso extremamente curto, lembra poesia
Esse poema parece ser uma espécie de infantil.
camaleão. O poeta se vale de pergunta com o Paralelismo sintático e anáforas
“nós” como se fossem questões para nós
humanos. Por outro lado, as duas primeiras
estrofes permitem que se apliquem as
questões à própria poesia.
Que metro serve
para medir-nos?
Que forma é nossa
e que conteúdo?
Ou seja, de forma surpreendente ele junta
metalinguagem e reflexão existencial.
O tempo aparece aqui de forma enigmática. O
poema parece ser atemporal.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 27


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Tema: condição humana; homem x animal


os animais do presépio (perspectiva subjetiva)

O poema começa com uma visão geral do


presépio, os animais suportam o plano celeste Poema simples com 11 estrofes de 5 versos.
vazio e carregam as coisas terrestres. O poeta se vale da apóstrofe, dirige-se a
Depois, o eu lírico estabelece um diálogo com alguém com quem conversa.
um tu, que parece ser um dos animais do Há paralelismo sintático nas duas primeiras
presépio. estrofes.
Os seguintes versos alteram a lógica do poema:
“teu voo limitado,/teu rastro melancólico, /tua
pobre verônica (estampa)/ em mim..;/se
incorporam”
A partir desse ponto, o eu lírico se identifica
com o burro, depois com o boi e, finalmente,
com o anjo.
A chave interpretativa aparece nos seguintes
versos: “Para tocar o extremo/ de minha
natureza”
O eu lírico, para entender-se, procura se
identificar com o seu oposto, como acontece
em outro poema, “o boi vê os homens”. Além
disso, reedita o olhar infantil de quem vê um
presépio e se imagina nele.

sonetilho do falso fernando pessoa Temas: Metalinguagem; o processo poético:


ser x não ser

Nesse poema, o eu lírico lembra do processo (perspectiva reflexiva)


de heteronímia de Fernando Pessoa (ele criava Trata-se de um soneto com 6 sílabas poéticas
poetas imaginários e escrevia segundo o estilo e não decassílabo, daí porque o poeta o chama
deles). A partir dessa lembrança, ele conversa de “sonetilhos”. A associação de um poema
com um “tu” que podemos identificar como pequeno com um falso Fernando Pessoa
Fernando Pessoa ou o próprio poeta. Escrever parece dar uma dimensão menor a esse poema
é dar a luz ao inexistente que existe mais do tão bem construído.
que o real. Predomina o paradoxo, como pode ser
observado em:
“Onde nasci, morri.”
Temas: condição humana; homem x animais
um boi vê os homens (perspectiva reflexiva)

Um poema fácil de ser compreendido, em que


um boi estranha a forma de agir dos homens, a

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 28


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

agitação “e o translúcido vazio interior”. O Trata-se de um poema em verso livre, talvez


contraponto interessante aparece no último até para dar uma ideia da visão mais ingênua
verso “ e, difícil, depois disto, é ruminarmos do boi.
nossa verdade.”
O poema todo organiza-se por uma
personificação ou prosopopeia.
Temas: memória x esquecimento;
efemeridade x permanência
memória
(perspectiva reflexiva)
Trata-se de um poema de 4 estrofes e três
O poema é estruturado de forma simétrica. A versos. Os versos são curtos, 5 sílabas.
primeira e a última estrofes tematizam a
memória; as duas intermediárias, o
esquecimento. A memória (“amar o que foi O poema se organiza a partir de 2 antíteses:
perdido”) confunde o coração, mas, no esquecimento (“olvido”) x memória; coisas
processo, as coisas que são só lembranças tangíveis x intangíveis (“coisas findas”)
permanecem. No esquecimento, até as coisas
tangíveis tornam-se nada.
Há uma retomada da ideia greco-latina de que
a memória (poesia) torna as coisas imortais.
Temas: a arte (própria poesia)
a tela contemplada (perspectiva reflexiva)

Já analisado
Temas: relações afetivas, ser x não ser, as
Ser pessoas amadas que já morreram
(perspectiva subjetiva)
Já analisado

Temas: utopia, a insuficiência das palavras;


contemplação no banco ser x não ser; imaginação x realidade

Nesse poema, o eu lírico constrói uma (perspectiva subjetiva)


narrativa imaginada. Ele está sentado no banco Trata-se de um poema irregular, sem métrica
de uma praça um jardime e, observando as e com estrofes com medidas diferentes.
pessoas que passam, cria um humano Há várias metáforas como “...estoque de
imaginário. O poema está dividido em 3 partes. manhã/que cada um traz no sangue,...” e
Parte 1 combinações inusitadas como “mineralmente
O chão pisado e embebido dos humores dos te pressinto”.
homens faria nascer uma flor (uma esperança)
que nem “os nossos donos temporais”
poderiam devassá-la. Trata-se de uma

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 29


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

escultura de ar digna de um homem que o eu


lírico não será.
Parte 2
A partir desse ponto, ele começa a imaginar
esse homem. Ele não tem pai, não tem mãe,
não tem irmão. Trata-se de uma integração das
formas puras.
Parte 3
Ele é ausente nas esquinas, incorpóreo. Se for
possível ir além das palavas, pode-se perceber
o todo que ele abrange. Mas também não há
palavras possívies para essa quimera que fica
entre “o chão batido e a relva podre”.
sonho de um sonho Temas: utopia; frustração
Nesse poema, o eu lírico constrói uma (perspectiva subjetiva)
interessante arquitetura de um sonho
sonhado. São, na verdade, 3 sonhos.O eu lírico
sonha que ele estava sonhando e dentro desse Observe o título ambíguo, trata-se de um
sonho havia outro sonho. sonho que tem como objeto outro sonho; ou
esse sonho de agora é o material de um sonho
No sonho sonhado, ele era lúcido; ser o centro que alguém sonhou?
de tudo sem que sentisse a dor, vivendo um
desejo apaziguado. Seu sonho seria como a Interessante a arquitetura de 3 sonhos que se
realidade, não do que se desejaria, mas intercomunicam.
daquilo que se expressa por uma palavra Há vários recursos linguísticos:
ardente. No sonho seria possível exprimir o
Apóstrofe: “Ó terra sobre diamantes!”
melhor sem azedume.
Anáfora: repetição da primeira palavra em um
Na última estrofe, ele reverte toda a utopia,
poema;
“sonhava, sonhando que não sonhara” e a
partir daí, ele vê na frente do seu sonho” e Metáfora
começa a perceber “nas paredes degradadas
(do sonho),/na fumaça, na impostura,/no riso
mau,/ na inclemência”...que o sonho era falso.

Tema: utopia; frustração; mundo sem sentido


cantiga de enganar (perspectiva subjetiva)
Trata-se de um poema longo que não oferece Há vários recursos linguísticos a começar pelo
muitas dificuldades para o leitor, que vai título, onde há um trocadilho com “cantiga de
construindo muitas metáforas do que é o ninar”.
mundo. O titulo fala em enganar, mas o A primeira imagem é quase infantil, “eu
melhor seria cantiga de enganar e desenganar. plantei um pé-de-sono/ nasceram vinte
O tese principal é que “o mundo não vale a roseiras”.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 30


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

pena”, “o mundo não tem sentido”, “o mundo O eu lírico se vale de uma série de metáforas
é fechado”, mas devemos agir como se “tudo para dizer que o mundo não vale a pena.
fosse”. O conclusão indica o engano, “sejamos Faz uso frequente da anáfora, ele começa os
como se fôramos num mundo que fosse: o versos com a mesma palavra.
Mundo.”
Como cantiga dirige-se a um tu, estabelecendo
um diálogo ou uma canção.

Oficina irritada Temas: a própria poesia; metalinguagem;


poesia da frustração

Já analisado. (perspectiva subjetiva)

Temas: Incapacidade de compreender


Opaco
(perspectiva subjetiva)
Já analisado.

Aspiração Tema: amor; desilusão


Há várias metáforas e comparações, com
Nesse soneto, o eu lírico passa por todas as referências intertextuais.
modalidades de amor, recusando a todas. Não - sentimento “como o de Catarina Kippenbert
quer a maternal adoração, o adoração aos pés de Rilke” (Rainer Maria Rilke (1875-
platônica (“a ninfa desolada no seu ermo”), a 1926), poeta alemão.
“rosa do sexo” e muito menos “amizade - “ninfa desolada no seu ermo”, sugestões da
geométrica” de almas que se elegeram. No poesia clássica.
último terceto, o poeta afirma a que aspira: “a
fiel indiferença”, só ela é sem ilusão, pois
sugere o fim, sem querer a ilusão do amor
(“capaz de sugerir o fim sem a injustiça dos
prêmios”). Uma outra possibilidade de leitura
desse final considera o termo “premio” como a
compreensão por parte do leitor. Ou seja, ao
ser indifernte ao amor, o eu lírico abdica da
comunhão com seus possíveis leitores.

4.2 NOTÍCIAS AMOROSAS


Parece que finalmente entramos num tema mais ameno: o amor. Ledo engano. Aliás o leitor
já foi avisado disso. O último poema da seção anterior já indicava sua tentativa de se tornar
indiferente a esse sentimento. Ele tentará fazer isso de forma lúcida, reconhecendo a
impossibilidade de não amar. Diante disso, o poeta vai propor a si mesmo o mais difícil dos amores:
“amar o inóspito”.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 31


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Não é à toa, portanto, que o título dessa parte seja “notícias” sobre o amor. Não se trata de
expressar o que ele sente ou sentiu, mas de registrar o que lhe disseram, ou melhor, o que lhe diz
seu entendimento sobre o amor.
Sob esse tópico, Drummond vai dissecar o amor, no sentido de tornar seco o sentimento
que os românticos fizeram o favor de alimentar com uma seiva açucarada demais. Para quem já
conhece o poeta de outros livros, sabe que nesse tema, o poeta destaca o impasse, a não
correspondência. É conhecido até pelo mundo mineral o poema “Quadrilha”, no qual o amor não se
realiza, pois cada um aspira o desejo de um outro que ama outro. Resumo da ópera: resta pouco
sentimentalismo e muita negatividade, vazio, frustração e lucidez.
Apesar disso, vale lembrar que nenhuma resposta á fácil. Afinal, mesmo o amor não escapa
ao enigma do mundo e da vida. Sendo assim, numa atitude até incoerente ou paradoxal, em dois
poemas, percebe-se que o eu lírico deixa o amor se aproximar-se, mesmo que seja pela perspectiva
da não realização, como “campo de flores” e “canção para álbum de moça”.

Temas: amor; idealização extrema; ingratidão;


Amar negatividade
(perspectiva reflexiva)
O eu lírica disseca o amor. Logo na primeira
estrofe, já o coloca como algo inexorável (“Que
pode uma criatura senão,/ amar criaturas, Esse poema de estrofação irregular e verso
amar?) livre junta forma incontida com uma reflexão
exagerada pelo retorno constante à mesma
Mas já na introdução, o amor foi expandido, tese, explorada por ângulos diferentes.
deve-se amar criaturas. Como não se pode
evitar o amor, o eu lírico se coloca na missão Esse é um dos poemas mais bonitos do livro.
impossível de amar o que não pode ser amado. As metáforas são muitas, pois o poeta, na
tentativa de dar uma ideia do que significa
Essa procura, do ponto de vista da lucidez, é amar, vai apelando para uma série de imagens.
loucura, o amor é “doação ilimitada a uma
completa ingratidão”. Amar o impossível:

O poeta reverte o senso comum sobre o amor, - o que o mar traz a praia
se é para amar, então vejamos qual o desafio - amar as palmas do deserto
que o amor impõe. Diante da exigência do eu - amar um vaso sem flor
lírico, o amor do cotidiano ou romântico
parece ser um grande simulacro, uma auto -amar uma ave de rapina
ilusão. Vale-se também da anáfora, repetição de uma
mesma palavra no começo de vários versos.

Tema: questionamento sobre o amor;


Entre o ser e as coisas
idealização x realidade
(perspectiva reflexiva)

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 32


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

O título se refere ao amor que não muda (ser), Trata-se de um soneto e percebem-se ecos de
idealizado, e aquilo que encontramos no Camões, seja em relação ao uso de alguns
mundo real, das coisas. termos (fogo), seja em relação à discussão
Isso pode ser percebido logo na primeira entre o amor idealizado e o real.
estrofe do soneto. O poeta indaga sobre o Há uma metáfora forte e obscura, “N’água e na
amor, se arremessando a ele como uma onda pedra amor deixa gravados/seus hieróglifos e
se arremessa num rochedo. mensagens...”, mas que remete aos quatro
As almas (seres perfeitos e idealizados) elementos. Aliás, você pode perceber que ele
esquecem-se de que o amor é corrosivo e cita o ar, o fogo, a água e a terra.
transformam o amor (a desilusão amorosa) em
humor e em algo vago e brando. O primeiro verso é primoroso, “Onda e amor,
onde amor, ando indagando”. Primeiro, há
Mas esse amor que deixa marcas não se deixa uma paranomásia (trocadilho) entre “onda”,
saber nem aos elementos encantados (“E nem “onde” e “ando”. Segue-se uma aliteração do
os elementos encantados/ sabem do amor que som nasal e, por conta disso, há uma imagem
os punge...”). No final, o eu lírico retoma a metafórica, desenvolvida depois pelo poeta.
metáfora de Camões, esse amor é fogueira no Assim como as ondas assaltam o rochedo em
final do dia; mas também retoma, na filosofia, vagas, o poeta se arremessa contra esse
Heráclito, que elegia o fogo como elemento mistério rochoso do que é o amor.
supremo da mudança e da destruição criativa.

Tema: a crueldade do amor; (perspectiva


tarde de maio
subjetiva)

Esse poema é mais sentimental, quase Esse poema é composto por 4 estrofes de 9
choroso. O poeta começa comparando a tarde versos, sendo composto por versos livres
de maio com as relíquias que os primitivos O próprio título já se refere a uma metáfora e
levam para dar sorte. Ele carrega a tarde de uma metonímia.
maio, mas torcendo para que ela fique “no Maio é identificado como um dos meses que
tempo e fora dele”. compõem a primavera (no hemisfério norte), a
Resta saber o que é tarde de maio? No próprio primavera por sua vez é associada, na
poema, maio é associado à primavera e à literatura, a prazeres e amores.
possiblidade de amar , pois a tarde de maio
pode “converter-se em sinal de beleza no rosto Há ainda metáforas fúnebres.
de alguém/que, precisamente, volve o rosto, e A comparação inicial já anuncia isso, pois ele
passa…” compara sua ação de levar em si a tarde de
Mas vale observar, que se trata da tarde, maio ao fato de que os primitivos levam “o
portanto, quando o dia está acabando. Além maxilar inferior de seus mortos” como relíquia.
disso, na terceira estrofe, o eu lírico contamina
esse amor de imagens de morte e compara o
amor com algo que se esconde como a resina
fúnebre que corrói por debaixo da casca.
A última estrofe explica essas imagens: “Se
morro de amor, todos o ignoram/e negam. O
próprio amor se desconhece e maltrata.”

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 33


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

fraga e sombra Temas: esfacelamento subjetivo; o enigma do


mundo;

Já analisado (perspectiva reflexiva)

Contudo, convém se questionar o que esse


poema está fazendo em uma parte relacionada
ao amor. Vale a pena lembra que o eu lírico
usa a imagem do rochedo e sua sombra como
motivo para calcar dentro de si a mais pura
“vontade de anular a criatura”.
Pelo que parece, a sensação paradoxal entre o
instinto de existir e a anulação de si deve ser
atribuída também ao amor.

Canção para álbum de moça Temas: desencontro amoroso; frustração;


O poema mais tradicional do poeta. Segue a despeito
tópica comum em literatura do amor não (perspectiva subjetiva)
correspondido.
A partir do mote do “bom dia”, o eu lírico vai Longo poema de uma estrofe só, em
confessando toda a emoção que existe nesse redondilha maior, ou seja, 7 sílabas poéticas.
cumprimento por parte dele. Toda a
importância que ele dá para essa etiqueta O recurso utilizado é valer-se de uma cena
cotidiana. Ele dá bom dia diversas vezes para cotidiana para expressar algo mais profundo.
uma moça que nem lhe dá atenção, apenas Técnica muito usada por Drummond em
sorri, não levando em consideração toda a Alguma poesia, por exemplo.
expectativa que cabe nesse “bom dia”.
Observe a conclusão do poema marcada por
O final, com certeza, lembra o estilo uma antítese entre noite e dia.
camoniano:
O título permite uma outra interpretação. A
“Ah, se um dia respondesses moça colhe os olhares e o bom dia como um
ao meu bom-dia: bom dia! prêmio a ser guardado em seu álbum . Ele é
Como a noite se mudara somente mais um na sua coleção de
no mais cristalino dia!” admiradores.

rapto Temas: homossexualidade;


incomensurabilidade do amor; amor sexual;

O título do poema remete à mitologia grega, Trata-se de um poema em um único bloco,


ao rapto de Ganímedes. A beleza do jovem com versos decassílabos. O uso desse tipo de
agrada tanto a Zeus que ele leva o rapaz para o verso reforça a referência à mitologia, pois
Olimpo. juntos esses dois traços deixam perceber o
classicismo presente no poema.
É um poema muito bonito, mas obscuro a não
ser que se tenha em mente o contexto. Ele
escreve em homenagem a seu amigo

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 34


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

homossexual Pedro Nava. Apesar de não Uso da analogia greco-latina. O amor por uma
compreender essa outra forma de amor, ave que é o próprio Zeus deve significar o amor
Drummond percebe nesse desejo algo de por alguém do próprio sexo.
dramático e recobre tal relação com a imagem
dos deuses do Olimpo.
A águia que menciona o poema é o próprio
Zeus que se transforma na ave para raptar o
rapaz. O amigo aparece no poema como
“forma pura que é suspiro/ de terrenas delícias
combinadas”. Drummond, apesar de
manifestar um certo preconceito, tenta
entender esse amor incompreensível.
Para o eu lírico, essa outra orientação significa
a “recusa/o pasto natural “, ou seja, a recusa
do “sexo natural”. O comportamento descrito
é o de alguém que implora o alimento (o sexo)
até o extremo. Mas, apesar dessa descrição
que mistura o sublime dos deuses e o
cotidiano desse amor sexualizado, o eu lírico
faz uma avaliação resignada que ultrapassa a
reflexão que ele faz sobre um tipo de amor, o
que ele diz pode servir para qualquer ímpeto
sexual:
“baixemos nossos olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.”
Tema: maturidade; amor confuso; amor de
campo de flores reconciliação com a vida
(perspectiva subjetiva)
Outro poema que não apresenta dificuldades
interpretativas, uma vez, que está mais
próximo da imagem que temos do amor. O Poema simples com 8 estrofes irregulares.
mote aparece no primeiro verso, “Deus me
deu um amor no tempo de madureza”. A partir
dessa confissão, o eu lírico vai falando das O título já é uma metáfora, “campo de flores”,
manifestações desse amor na época tardia. que se refere a esse momento em que o poeta,
Não descreve esse sentimento pela já maduro, ama novamente.
perspectiva da amargura, mas da descoberta Há uma outra estrofe metafórica muito
de uma renovação que ele achava não ser interessante e que retoma o título
possível. Há aqui uma reconciliação com o
“E o tempo que levou uma rosa indecisa
sentimento amoroso. A conclusão é
a tirar sua cor dessas chamas extintas
significativa:
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 35


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

“Para fora do tempo arrasto meus despojos e secreto investimento em formas


estou vivo na luz que baixa e me confunde.” improváveis.”A “rosa” tanto pode significar
O amor o faz vivo, é uma espécie de luz, mas o “amor” quanto a poesia. Na aridez da vida
confunde, tornando-se também um enigma. cultivada pelo poeta (“não há jardim”), os
amores nascem de forma improvável.

4.3 O MENINO E OS HOMENS


Esse título é menos metafórico e mais descritivo. O poeta reuniu sob esse tópico um poema
sobre um menino que iria nascer e 3 outros sobre poetas a quem ele faz uma homenagem. Um já
falecido, Mário de Andrade; outro seu amigo, Manuel Bandeira; e Mário Quintana, a quem ele
admirava.
É possível fazer um paralelo entre um menino (que será chamado biblicamente de varão)
entre homens e Jesus rodeado pelos reis magos. Assim como os magos trazem presentes, os poetas
têm algo para o varão: um traz a alegria de Macunaíma, outro traz uma certa magia e Manuel
Bandeira, um ambiente sombrio.
O tom negativo e pessimista fica por conta do eu lírico mesmo.

Temas: nascimento e morte; dissolução;


um varão, que acaba de nascer negatividade; passagem do tempo
(perspectiva subjetiva)
Trata-se de um poema dedicado a Pedro
(identificado no final e que, para alguns, trata-
se de seu neto). É uma espécie de carta- Trata-se de um longo poema em versos
testamento para dizer para esse varão que brancos com seis sílabas, sem divisão estrófica.
acaba de nascer o que lhe espera. A linguagem é simples e prosaica.

Dirigindo-se para um outro que nada sabe da A relação entre o título e o poema é
vida, e muitas vezes usando o nós, para dar a contraditória e até irônica. A palavra “varão” é
ideia de um saber coletivo, o eu lírico faz usada na Bíblia para dar ênfase no nascimento
considerações sobre a vida, o tempo, o amor e de algum profeta ou rei. Nesse caso, esse
a morte. A perspectiva do enunciador é tratamento solene destoa da vida comum e
pessimista (“A terra anda morrendo sempre”). miserável que aguarda a criança. Destoa
Interessante como perto dos versos finais, ele também pelo fato de que o tratamento tão
resume a vida a partir de um tema sempre respeitoso não encontra paralelo na linguagem
presente: a dissolução do ser: simples do poema.

“(...)E morte Aponto duas imagens típicas de Carlos


e evasão e vigília Drummond
e negação do ser - “Crepita uma fogueira/ que não aquece”
com dissolver-se em outro -“se tentas arrancar
transmutam-se em moeda o espinho de teu flanco,
e resgate do eterno.” a dor em ti rebate

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 36


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

a do espinho arrancado.”
Tema: morte; amigos queridos; a poesia
o chamado
(perspectiva subjetiva)
Esse é um poema em homenagem a Manuel
Bandeira, por quem Carlos Drummond tinha O poema está dividido em 5 estrofes de 4
admiração e de quem foi amigo. versos. A métrica utilizada é a de 8 sílabas.
O eu lírico começa com uma cena hostil. O
poeta, já velho e exposto aos ventos, encontra- O poema é narrativo-descritivo. Constrói-se
se na rua escura de uma caótica noite urbana. uma cena sombria. O recurso mais significativo
O eu lírico pergunta para onde ele se é a letra maiúscula para “o Chamado”.
encaminha, ao que ele responde: “Ao meu
destino”. O final é ambíguo. O lugar para onde
ele vai é identificado no poema como “onde a
intuição,/ o amor, o risco desejado o
chamavam”, que pode ser a poesia ou a
própria morte. No final, há a identificação
desse lugar em letra maiúscula “o Chamado”.

Tema: poesia; elogio ao poeta admirado;


quintana´s bar
passagem do tempo (perspectiva subjetiva)

Trata-se de um poema em prosa, ou melhor O texto não se organiza em verso.


uma prosa poética, na qual o Carlos Drummond, nesse texto, vale-se de uma
Drummond homenageia o poeta Mário linguagem típica de contos de fadas. Começa
Quintana (1906-1994). Ele era conhecido com o típico, “há muitos anos” e vai
como “poeta das coisas simples.” misturando elementos fantásticos nesse
Num ambiente de conto de fadas, ele encontra encontro imaginado: nevoeiro, bruxa, aranha,
o poeta que nunca vira, num bar. semente de avelã etc.
Ele ouve fascinado o poeta, que lhe parece ter O poeta parece alterar seu estilo para
poderes mágicos de com o olhar devassar o expressar o tipo de encanto que ele sente ao
nevoeiro. O bar dissolve-se. ler o poeta admirado.
Voam sobre tetos e o poeta vai apontando as
casas de outros poetas: “a de Rimbaud, a de Um trecho parece dar a dimensão da ideia de
Blake, e a gruta camoniana.” Drummond nesse poema:
O eu lirico se refere às amadas de Quintada e “Uma teia se tecendo, e sem trabalho de
depois mencionando o bar abolido, chega o aranha. Falo de amigos que envelheceram ou
texto de forma abrupta: “debruçado sobre o que sumiram na semente de avelã.”
mármore, silenciosamente viaja o poeta Mário
Quintana.

aniversário Temas: morte, poesia, amigos queridos


(perspectiva subjetiva)

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 37


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Mais um poema de homenagem, agora a Trata-se de um poema composto por estrofes


Mário de Andrade. No primeiro verso, ele já de 4 versos e 8 sílabas poéticas.
deixa clara a sua intenção, “os cinco anos de Talvez o que mais chame a atenção nesse
tua morte/esculpiram já uma criança”. A partir poema seja a oposição entre aniversário e
daí, ele se refere a Macunaíma, o personagem morte. O título faz crer que se fala de alguém
criado por Mário de Andrade para representar que nasceu, de uma criança, mas ao lermos o
o brasileiro. Atribui parte das características de poema, percebemos que se fala de alguém que
Macunaíma ao próprio poeta paulistano. morreu, embora o eu lírico use a figura de um
personagem quase infantil, Macunaíma, para
evocar o amigo morto.

4.4 SELO DE MINAS


Essa quarta parte pode tanto significa “selo” como estampa, como as que se coloca numa
carta, quanto o sinal que se apõe nas coisas para marcar uma propriedade. No caso, observaremos
lembranças do poeta, como imagens afetivas e lembranças de coisas que deixaram profunda marca
no seu jeito de ver o mundo.
Em “evocação mariana” e “estampas de vila rica”, ressalta-se a religiosidade com todo seu
apelo. Uma visão infantil do acolhimento do sagrado junto com a lucidez cética convivem. No
poema seguinte, percebe-se a decadência de Ouro Preto a partir do que há de imaterial. A outra
marca deixada no poeta vem da sua perspectiva algo culpada em relação ao negro. Por fim, o poeta
chega à marca deixada pelos seus antepassados.
Há uma interessante passagem da paisagem material para a herança imaterial. Os dois
primeiros poemas adotam uma perspectiva das cidades. No terceiro poema, a materialidade das
cidades se desfaz pela chuva, restando o homem e suas lembranças. Em “canto negro” o poeta se
chega aos homens de Minas, naquilo que têm mais marcante, a relação conflituosa com o negro que
sempre esteve presente no imaginário coletivo, até porque os antepassados do próprio Drummond
foram escravocratas. No último poema, o eu lírico chega às suas gentes, expressa-se sobre os seus
antepassados.
Duas perspectivas ajudam a entender a dimensão dessa parte. Do ponto de vista da
psicanálise, somos a história dos desejos desejados. No último poema, essa relação de quem somos
e do que nossos familiares exigiram de nós fica surpreendentemente clara. Os antepassados nos
cobram, mesmo 100 anos depois.
A outra referência é de Walter Benjamin, para quem o anjo da história vê o passado como
catástrofe única, onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos. Acumula-se a ruína sobre nós. Os
sacrificados do passado esperam de nós, no presente, a remissão dessas catástrofes. Observe como
Carlos Drummond encara as cidades de Minas e suas casas, observe, também, como seu poema
sobre o canto negro parece ser uma espécie de remissão, ou pelo menos de conscientização, dos
crime passados, seus ou de seus antepassados.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 38


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Temas: religiosidade; leveza; momento de


evocação mariana elevação
(perspectiva subjetiva)
Poema curto. Nas primeiras estrofes, o eu lírico
configura a “grande Igreja pobre”. Os fieis não
tinham muito a oferecer: flores de horta. O título é ambíguo: trata-se de uma evocação
A grandeza arquitetônica é referida na segunda de Mariana ou de evocação humilde (mariana
estrofe. Quando um padre cansado murmura a seria nesse caso adjetivo, aquilo que é relativo
reza, os sons sobem até o forro e o incenso se à virgem Maria)?
perde no espaço.
O poeta menciona o coro quase celestial, e as Como recurso estilístico vale perceber a
meninas que cantavam. Essa menção (das capacidade de o poeta conseguir passar uma
meninas? Do canto?) faz o eu lírico descrever certa ambiência com poucas palavras ou
essa evocação com leveza: a nave central da fazendo referência a poucos elementos. Ele
Igreja parece libertada do seu peso (assim descreve uns poucos traços e o leitor é capaz
como a alma se liberta do peso do tempo). de sentir esse espaço grande, vazio e pobre da
Trata-se de um poema em que o ambiente igreja.
religioso traz leveza para um alma
atormentada. Uma hipótese é de que se
associe com a infância do poeta, quando os
ritos religiosos e o “canto das meninas”
ofereciam ao poeta um momento mágico.
De qualquer forma, pode se referir a esse
poder da religião de dar leveza às almas.
Contudo, é importante perceber que, mesmo
nesse momento, o eu lírico mantém-se lúcido.
O padre está cansado, a igreja é pobre e vazia.
Tema: religiosidade; morte; história;
estampas de vila rica
(perspectiva subjetiva)
Estampas são ilustrações ou, nesse caso,
espécie de fotos de lugares: A igreja do Carmo,
de São Francisco, a de Nossa Senhora das Nesse poema, Drummond se vale de uma
Mercês, a do Hotel Toffolo e do Museu da técnica bastante usada em Alguma Poesia:
Inconfidência. Pode-se também pensar em fragmentação e oposição. Observe o poema
imagens gravadas na memória do poeta, que cujo título é “Hotel Toffoli”; ele expressa uma
agora ele revisita, misturando impressões do religiosidade profunda que se contrapõe às
passado com o olhar do presente. desculpas dadas pelo eu lírico por não
Carmo acreditar em Deus, ideia expressa em “São
Francisco de Assis”. Os “mortos” sacros da
O poeta menciona as regras para visitação da Carmo se opõem aos mortos da Inconfidência.
Igreja. Todos os objetos são “prendas dos Além disso, observe as figuras de linguagem.
mortos do carmo”. A conclusão é bem No poema da Inconfidência, veja que belas
impactante: “olha: o que está vivo/ são mortos imagens:
do Carmo”. “Macia flor de olvido,

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 39


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

São Francisco de Assis sem aroma governas


Esse poema é uma oração. Eu lírico diante da o tempo ingovernável.
igreja, rende-se à beleza dela, mas não se deixa Muros pranteiam. Só.”
seduzir. Pede desculpas por não ter fé. Há uma metáfora, a da flor do esquecimento
(olvido), e uma personificação “os muros
Mercês de cima pranteiam”.
Nesse poema, o eu lírico mistura sagrado e
profano. Começa fazendo referência à
pequena prostituta (“dádiva de corpo na tarde
cristã”). Depois se refere aos anjos caídos,
alusão aos fiéis que se valem da prostituta.
Hotel Toffoli
Conta um episódio em que os funcionários do
hotel falam aos hóspedes religiosos que não
havia refeição. A resposta reflete a crença dos
fiéis: “Não, hoteleiro, nosso repasto é interior”.
Isso reflete uma comunhão idealizada e
tranquilizadora.
Museu da Inconfidência
O eu lírico observa os poucos objetos que
relembram a história. Chega à conclusão de
que “toda história é remorso”.

Tema: decadência, amor, morte


morte das casas de ouro preto
(perspectiva subjetiva)
A partir da dissolução das casas pelo tempo, o O poema é constituído de 12 estrofes com 7
eu lírico vai expressando a decadência da versos de 7 sílabas poética.
cidade e a sensação da passagem inexorável do A linguagem é simples, e o poema é de fácil
tempo. compreensão.
Depois ele se concentra na chuva, como outro
elemento a fustigar a cidade. Estrutura-se a partir da personificação das
Termina por fazer uma declaração de amor à casas.
cidade: “me conta por que mistério/ o amor se Vale-se também da anáfora e do paralelismo
banha na morte.” sintático para conseguir o efeito desse lamento
O lamentar a morte revela seu profundo tocante em relação à dissolução de Ouro Preto.
amor.
canto negro Temas: condição do negro, memória
individual e coletiva

O eu lírico começa esse poema lembrando seus (perspectiva subjetiva)


olhos de criança que, ao olhar para o poço,

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 40


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

lembra-se do negro. Ele passa em revista o Além das várias figuras de linguagem, a forma
lugar do negro na sociedade mineira. escolhida pelo poeta, a de dialogar como um
Relaciona a água a todas as possibilidades de negro, confere um caráter dramático e de
percepção do negro e sensações que foi confissão.
registrando nesse trato culpado e ao mesmo
tempo de reconhecimento dessas relações
assimétricas.
Ele considera a marginalização, os maus-tratos,
o desejo erótico, o rancor a ternura etc.

os bens e o sangue Temas: condição do negro, memória


individual e coletiva

O poema começa com a escritura de posse de (perspectiva subjetiva)


terras, configurando os bens familiares datada O recurso expressivo mais interessante nesse
de 1847. longo poema é o uso dessas vozes ancestrais,
Na próxima parte, um eu lírico se dirige ao ora condenando aquele que virá a ser o poeta,
poeta como se fossem seus ancetrais que se ora profetizando o que ele será.
dirigem o menino que ainda não nasceu, Interessante também esse uso do gênero
condenando-o pela sua fragilidade textual “escritura” no começo do poema.
Na terceira parte, essa voz ancestral reconhece
no futuro poeta seu caráter de negação.
Profeticamente, diz que ele era negá-los, mas
depois os buscará, nesse movimento de
lembrança do passado.
Na quarta parte, a voz começa a descrever as
características do poeta.
Na quinta parte, há um misto de vozes.
Algumas desejando algo para o menino, outras
prevendo todas as doenças e perigos pelos
quais ele deve passar.
A sexta parte chama-se “urubus no telhado”.
Nela, o eu lírico narra de forma fragmentada a
perda dos bens. Finaliza essa parte da seguinte
forma: “e o menino crescerá sombrio, e os
antepassados no cemitério se rirão/ se rirão
porque os mortos não choram.”
Na sétima parte, o poeta reconhece como
monstros aqueles que no seu berço marcaram
o destino de quem segue outro caminho que o
desejado: “Meu sangue é dos que não
negociaram, minha alma é dos pretos, /minha
carne, dos palhaços, minha fome das nuvens/,

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 41


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

e não tenho outro amor a não ser o dos


doidos”.
Na oitava parte, percebe-se o balanço final,
100 anos depois, o rebento inapto a não ser
para a poesia representa na perspectiva
familiar um dilema (“És nosso fim natural e
somos teu adubo”).

4.5 OS LÁBIOS CERRADOS


Nessa parte, o poeta retoma “os bens e o sangue” e amplia sua reflexão em relação à sua
linhagem e quem ele é. Mas não se trata só de reflexão, o amor parece guiar afetivamente esse
encontro do eu lírico com seus fantasmas familiares. “Os lábios cerrados” podem se referir tanto
ao que não foi dito (tema que aparece no último poema em que o eu lírico se reconcilia com seu
pai) quanto ao esforço que fazemos para não chorar diante dos nossos mortos.
Nos dois primeiros poemas (“convívio” e “permanência”), o eu lírico discute filosoficamente
a memória: o primeiro discute o que permanece dos mortos em nós; o segundo, cujo título irônico
é “permanência”, tematiza justamente o esquecimento, única coisa que é eterna e que permanece
de fato. Apesar desse aparente pessimismo radical, o poema abre a possibilidade de uma outra
permanência. O terceiro poema, “perguntas”, abre o leque da memória, pois termina com o verso
“Amar, depois de perder.” Esse será o mote dos outros três poemas. O amor por aqueles que já se
foram: a mãe, o pai e o convívio familiar.
Há uma certa unidade na organização desses poemas. Partem da reflexão para chegar ao
afetivo.

Temas: os mortos, a relação com os que já


convívio morreram; permanência x efemeridade
(perspectiva subjetiva)
Já analisado
O poema começa com uma reflexão filosófica e
depois vai exemplificando a ideia a partir de
figuras de linguagem. Há um trabalho
interessante de organização de estrofe. Na
terceira estrofe, em que o eu lírico se cala no
final, os versos são decrescentes.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 42


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Tema: lembrança x esquecimento;


permanência
permanência x efemeridade; mortos

Se no outro poema, o eu lírico discutia a (perspectiva subjetiva)


lembrança dos mortos e quem vive em quem, O poema é construído tendo como eixo
nesse ele discute o esquecimento. central antíteses memória x esquecimento;
Parte do fato de que ele se esqueceu de um e eternidade x efemeridade.
de outro para destacar que em algum
momento nenhum será lembrado.
Assim como o esquecimento, o fim é eterno, e
nesse sentido, somos eternos, pois o
esquecimento ainda é memória.

Tema: memória, ligação com o passado, os


perguntas
mortos, restos.
O título nos leva a imaginar que o eu lírico fará (perspectiva subjetiva)
perguntas logo no começo. Não é o caso.
Primeiro, ele identifica seu interlocutor: um
fantasma que se prende a ele e vice-versa. O poema é construído num diálogo com um
Ele pergunta qual o segredo do convívio, sem fantasma.
contato. Na terceira estrofe, o poeta constrói uma
Depois pergunta, numa série de metáforas, por metáfora bastante complexa. O fantasma
que ele insistia em dar profundidade a quem insiste em, nos mares rasos (o interior do
era raso, por que dar memórias de vaqueiros a poeta), distribuir navios (intenções) desse
quem só tinha fragmentos do tempos calado (a parte que fica dentro da água) irreal.
passados. O fantasma povoa o imaginário do eu lírico
Numa última pergunta, ele interpela o com demandas irreais.
fantasma para que diga por que ele se inclina
sobre restos dos restos.
A resposta é dada “Amar, depois de perder.”
O amor que vem depois da perda e cujo
registro se percebe nesses poemas é o que faz
o poeta se ligar a esses fantasmas (memórias)
que serão lembrados nos próximos poemas.

carta Temas: memória, ligação com o passado, os


mortos

Trata-se de um poema em forma de carta para (perspectiva subjetiva)


a mãe morta. O uso do gênero carta para expressar seu amor
Incialmente, o eu lírico manifesta seu amor por aqueles que já morreram e como o eu
pelo destinatário e que espera uma resposta. A

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 43


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

carta diria do tempo que faz por aqui, das lírico percebe a passagem do tempo é o traço
crianças que estudam e, por último, menciona estilístico mais marcante desse poema.
que espera rever o destinatário logo, depois
corrige essa informação “muito depressa,
não”. Fala de como o tempo corre rápido e das
notícias amorosas, necessárias quando só há
lembrança.

encontro Temas: memória, ligação com o passado,


relação paterna

Nesso poema, o eu lírico faz uma homenagem (perspectiva subjetiva)


ao pai. Como um fantasma, ele o visita `a Trata-se de um soneto
noite. Ele vê o mesmo rosto antigo. A chave interpretativa reside na metáfora final
No começo da terceira estrofe, ele conclama o que contrapõe as casas de silencio, as roças
pai numa apóstrofe “Ó meu pai arquiteto e orvalhadas e o rio do pai, às roças murchas e às
fazendeiro!” Isso permite que se faça uma aguas represadas do filho.
comparação entre o pai e o filho. O primeiro
“fazia casas de silêncio” e suas roças eram
orvalhadas, enquanto as roças do eu lírico são
murchas, pois as águas são represadas.
A última estrofe é a chave do poema. O pai é
visto como alguém fecundo, já que seu rio
corre além do tempo, enquanto o poeta
represa suas águas tornando-se infrutifero.

Temas: memória, ligação com o passado,


a mesa relação paterna
(perspectiva subjetiva)

Nesse poema, cujo titulo é ambiguo, pois pode


significar todo mundo sentado em volta de Esse é o mais longo poema do livro. Bastante
uma mesa, ou simplesmente o móvel, o eu emotivo, ele imagina uma festa com o pai num
lírico faz uma grande homenagem ao pai e à ambiente de cordialidade familiar.
sua familia. Trata-se de um poema de fácil O mais interessante em relação a esse poema
interpretação e bastante afetivo. talvez seja o fato de ele imaginar essa mesa
Ele imagiena como seria a festa de aniversário como uma comunhão com o passado e com
do pai, que faria 90 anos se estivesse vivo. seus familiares. Ele imagina uma festa sem
Primeiro descreve o pai, como estoico, severo conflitos, na qual os conflitos passados são
e comedido, mas condescendente, afinal como suavizados por esse presente atemporal no
o próprio eu lírico comenta “perdoar é rito de qual as desavenças perderam a importância.
pais”.
Depois, ele passa a descrever seus irmãos que
imagina sentados a sua volta. E começa a falar

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 44


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

de si mesmo, comparando o que o pai exigia


dele e o que ele tinha se tornado. Fala dos seus
defeitos, reconhece-se como negativo do pai.
“Tão ralo prazer te dei” é uma frase que
expressa uma espécie de ajuste de contas
amoroso e humilde diante de seu velho pai.
Depois, ele tenta contar quantos são em volta
da mesa. Ao incluir todos filhos netos e
bisnetos começa a imaginar uma mesa cheia,
para além da própria casa. Nesse ponto, ele
faz sua útlima homenagem:
“Estais acima de nós,
acima deste jantar
para o qual vos convocamos
por muito — enfim — vos querermos
e, amando, nos iludirmos
junto da mesa
vazia.”

4.6 A MÁQUINA DO MUNDO


Para entender essa parte, vale a pena considerar o resumo de análise crítica feito por Eduardo
Francisco Junior em sua dissertação de Mestrado, “O livro vertebrado: a articulação de poemas em
Claro Enigma de Carlos Drummond de Andrade. 2
Nessa seção, encontramos apenas dois poemas que parecem servir como epílogo para as
questões levantadas ao longo do livro. Eles tem uma relação umbilical, “já que um poema é o
negativo do outro: ‘A Máquina do Mundo’ se passa durante o pôr-do-sol, quando irrompe o clarão,
‘Relógio do Rosário’ em pleno dia baixam as trevas; um está no meio do caminho, outro no meio da
praça; em um a verdade vem de fora do sujeito; no outro, de dentro; um é recusa, outro aceitação;
um seria alegórico, o outro simbólico”.
Assim sendo, melhor encarar esses poemas como um grand finale seja daquilo que
externamente não entendemos, seja daquilo que internamente nos dói, sem sabermos também
explicar: um grande enigma.

Francismo Junior, Eduardo. “O livro vertebrado: a articulação de poemas em Claro Enigma de


2

Carlos Drummond de Andrade”. (Dissertação de Mestrado). São Paulo: Universidade de São Paulo,
2014.
Disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8151/tde-07112014-125945/pt-
br.php , acessado em 18.11.2019.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 45


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

A máquina do mundo Temas: enigma da existência, resignação


(perspectiva subjetiva)
Já analisado
Poema em estrofes de 3 versos decassílabos
Trata-se de uma alegoria de resignação.
O poeta retoma o episódio da máquina do
mundo de Camões (intertextualidade).

Temas: enigma da existência, dor, amor


Relógio do rosário (perspectiva subjetiva)
Poema em estrofes de dois versos
O poeta, estando em frente à Igreja do decassílabos
Rosário, na praça, ouve o badalar do sino. Uma
escuridão baixa junto com o som. O cenário que o poeta apresenta de início é
bastante instigante: o eu lírico é levado para
A partir dessa rápida contextualização, o eu uma reflexão profunda a partir da som do
lírico discorre primeiro sobre a dor e depois relógio do Rosário.
sobre o amor.
Observe a divisão do poema quanto aos dois
A dor que surge desses versos é hiperbólica e temas dor e amor.
lembra a dor do próprio universo como
propunha o filósofo pessimista Schopenhauer. O poeta vale-se da anáfora e do paralelismo.

Ao falar do amor, o poeta não o coloca como


contraponto da dor, mas como uma espécie de
extensão que dá sentido ao mesmo tempo que
não nos explica.
“O amor não nos explica. E nada basta,
nada é de natureza assim tão casta”
E, novamente, o poeta percebe um enigma:
“Nem existir é mais que um exercício
de pesquisar de vida um vago indício,

a provar a nós mesmos que, vivendo,


estamos para doer, estamos doendo.’
Após essa constatação, o som vai-se embora, a
sombra também. A cor cinza se concentra
sobre o depósito de urnas funéreas, o céu
volta a ficar azul.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 46


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

5. QUESTÕES
1. Q (FUVEST/2018)
Os bens e o sangue
VIII
(…)
Ó filho pobre, e descorçoado*, e finito
ó inapto para as cavalhadas e os trabalhos brutais
com a faca, o formão, o couro… Ó tal como quiséramos
para tristeza nossa e consumação das eras,
para o fim de tudo que foi grande!
Ó desejado,
ó poeta de uma poesia que se furta e se expande
à maneira de um lago de pez** e resíduos letais…
És nosso fim natural e somos teu adubo,
tua explicação e tua mais singela virtude…
Pois carecia que um de nós nos recusasse
para melhor servir-nos. Face a face
te contemplamos, e é teu esse primeiro
e úmido beijo em nossa boca de barro e de sarro.
Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma.
* “descorçoado”: assim como “desacorçoado”, é uma variante de uso popular da palavra
“desacoroçoado”, que significa “desanimado”.
** “pez”: piche.
Considere as seguintes afirmações:
I.Os familiares, que falam no poema, ironizam a condição frágil do poeta.
II.O passado é uma maldição da qual o poeta, como revela o título do poema, não consegue
se desvencilhar.
III.O trecho “o fim de tudo que foi grande” remete à ruína das oligarquias, das quais
Drummond é tributário.
IV.A imagem de uma “poesia que se furta e se expande/à maneira de um lago de pez e
resíduos letais…” sintetiza o pessimismo dos poemas de Claro enigma.
Estão corretas:
a) I e II, apenas.
b) I, II e III, apenas.
c) II e IV, apenas.
d) I, III e IV, apenas.
e) I, II, III e IV.

2. Q(Autoral/2019)
Observe a estrofe abaixo.
Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 47


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Pois que aprouve ao dia findar,


aceito a noite.

(Andrade, Carlos Drummond. Claro Enigma)


Nos dois últimos versos, a última oração (“aceito a noite”) estabelece com a anterior (“pois
que aprouve ao dia findar”) uma relação de
a) Causa
b) Consequência
c) Finalidade
d) Condição
e) Tempo

3. Q(FMABC/2017)
Sobre o livro Claro Enigma, de Carlos Drummond de Andrade, pode-se afirmar que
a) é uma continuidade natural, tanto estilística quanto temática, das obras que o antecederam.
b) desenvolve temas sociais e se mostra como denúncia da condição humana no período de
opressão e de guerra.
c) aborda temas de sondagem filosófica e adentramento do mundo psíquico e existencial marcado
por profundo nihilismo.
d) apresenta uma visão otimista do mundo em que as formas de liberdade também se revelam no
uso de uma poesia sem o rigor de métrica e de rima.

4. Q(Pucsp/2017)
Entre o Ser e as Coisas

Onda e amor, onde amor, ando indagando


ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.

Às almas, não, as almas vão pairando,


e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.

N’água e na pedra amor deixa gravados


seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

E nem os elementos encantados


sabem do amor que os punge e que é, pungindo,

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 48


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

uma fogueira a arder no dia findo.

O poema acima é de Carlos Drummond de Andrade e integra a obra Claro Enigma. Da leitura
dele não se pode concluir que
a) é um poema de extração filosófica, pois se apoia em indagação sobre a existência e as
complicações do amor.
b) constrói-se com citações/referências tanto de obras da poesia brasileira quanto do que há de
melhor na poesia portuguesa.
c) afirma que o amor se manifesta em linguagem clara e objetiva e deixa suas marcas apenas sobre
os corpos líquidos de forma indelével e definitiva.
d) é um texto que se estrutura em forma fixa, com rimas e métrica convencionais, nos moldes da
poesia clássica.

5.Q(UFPR/2017)
“E não gostavas de festa… / Ó velho, que festa grande / hoje te faria a gente”. Esses são os versos
de abertura do poema “A Mesa”, parte integrante do livro Claro Enigma, de Carlos Drummond de
Andrade. Neles podem ser identificados alguns elementos do poema, entre os quais o destinatário,
um patriarca, a quem o eu lírico se dirige ao longo de centenas de versos. A respeito de “A Mesa” e
de sua integração com outros poemas do mesmo livro, assinale a alternativa correta.
a) Numa festa de aniversário, o eu lírico reapresenta ao velho pai as pessoas da família. Tristes e
nostálgicas, elas vão se dando conta de que o pai não as reconhece. É o que se observa nos versos:
“Aqui sentou-se o mais velho” e “Mais adiante vês aquele / que de ti herdou a dura / vontade, o
duro estoicismo”.
b) Na festa preparada para o pai, o eu lírico observa a conversa barulhenta em torno da comida e,
inutilmente, tenta calar seus parentes, que trazem à mesa assuntos triviais, perturbando a
solenidade do reencontro. É o que se observa na repetição do verso “(não convém lembrar
agora)”.
c) Por meio dos versos “Como pode nossa festa / ser de um só que não de dois? / Os dois ora
estais reunidos / numa aliança bem maior / que o simples elo da terra”, o eu lírico se dirige à mãe,
convidando-a para se sentar à cabeceira da mesa, provocando uma discussão entre o pai
autoritário e a mãe submissa.
d) Na memória do eu lírico, o pai se refere aos filhos cinquentões como se eles fossem meninos.
Embora sugira discordar do pai, o eu-lírico reconhece as contradições da condição de filho adulto
nos versos “e o desejo muito simples / de pedir à mãe que cosa, / mais do que nossa camisa, nossa
alma frouxa, rasgada”.
e) O soneto “Encontro” faz referência a um pai, mas, como o pai está morto (“Está morto, que
importa? / Inda madruga / e seu rosto, nem triste nem risonho, / é o rosto antigo, o mesmo. E não
enxuga / suor algum, na calma de meu sonho”), o filho só o encontra em sonho e na imaginação,
diferentemente de “A mesa”.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 49


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Para responder às questões 6, 7, 8, 9 e 10, leia o poema abaixo.

remissão

Tua memória, pasto de poesia,


tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,


se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves


e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves


ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo de teu ser?

6. Q(Autoral/2019)
Em relação ao poema de Carlos Drummond de Andrade, são feitas as seguintes afirmações.
I. O tema metalinguístico é utilizado de forma existencial, pois, além de se debruçar sobre
a própria escrita, o eu lírico também tematiza sua angústia de viver.
II. Há desprezo pelos leitores e uma valorização do eu, algo que se observa no trecho “tua
poesia, pasto dos vulgares”.
III. A influência clássica, - observada no uso do soneto, na metrificação poética e a referência
à elegia -, é reforçada pelo tom descritivo que retoma o pressuposto de “arte pela arte”.
IV. O poeta, de forma bastante humilde, diminui sua própria escrita na metáfora expressa em
“pasto da poesia”.

Assinale a alternativa correta.


a) As afirmações I e II são verdadeiras.
b) Todas as afirmações são falsas.
c) Somente a afirmação I é verdadeira.
d) As afirmações I e III são verdadeiras.
e) Somente a afirmação IV é verdadeira.

7.Q(Autoral/2019)

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 50


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

As palavras sublinhadas, “engastando”, “travo” e “exílio”, poderiam ser substituídas, sem prejuízo
de sentido por
a) transformando, obstáculo, retiro
b) intercalando, amargor, isolamento
c) embutindo, acidez, deportação
d) enfeitando, entrave, expatriação
e) encaixando, dilema, solidão

8.Q(Autoral/2019)
No embate entre perspectivas poéticas entre Mário de Andrade e Carlos Drummond, o poeta
mineiro escreveu uma carta na qual expressava sua concepção da poesia. Qual dos trechos dessa
carta expressa melhor o sentido do poema?

a) “Não sou ainda suficientemente brasileiro.”


b) “Detesto o Brasil como a um ambiente nocivo à expansão do meu espírito.”
c) “É um sacrifício a fio, desaprovado pela razão (como todo sacrifício).”
d) “Só o coração me absolve.”
e) “O meio em que vivo me é estranho.”

9.Q(Autoral/2019)
Qual outro personagem das obras literárias apresenta uma sensação semelhante a do eu lírico?
a) João Romão (O Cortiço), pelo repúdio ao Brasil.
b) Bertoleza (O Cortiço) pela sensação de humilhação sofrida.
c) A protagonista de Minha vida de menina pela sensação de inferioridade diante dos outros.
d) Luís da Silva (Angústia) pela sua inadequação de quem não adapta ao espaço urbano.
e) Augusto Matraga (“A hora e a vez de Augusto Matraga) pela sua humildade após viver entre o
casal de negros que o acolhe.
10.Q(Autoral/2019)
Assinale a alternativa que comenta apropriadamente um recurso expressivo e seu efeito.
a) Uso da segunda pessoa como forma de chamar a atenção do leitor.
b) Uso de paralelismo linguístico nos dois primeiros versos como forma de chamar atenção
para os elementos necessários para “a vida, e seus pesares”.
c) Uso da interrogação no primeiro verso da segunda estrofe como forma de ressaltar as
hesitações do poeta em relação à vida.
d) Uso da hipérbole “em nada resta, mesmo, do que escreves” para exprimir o niilismo radical
do poeta.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 51


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

e) Uso de ambiguidade no trecho “te forçou ao exílio das palavras” para expressar sua
indecisão diante do ofício da escrita.

11.Q(UFJF/2002)
Leia, com atenção, os fragmentos a seguir:
“Porém se os justos Céus, por fins ocultos,
Em tão tirano mal me não socorrem;
Verás então, que os sábios,
Bem como vivem, morrem.
Eu tenho um coração maior que o mundo!
Tu, formosa Marília, bem o sabes:
Um coração…, e basta,
Onde tu mesma cabes.”
(Tomás Antônio Gonzaga – “Lira II – 2ª parte”)

“Não deixarei de mim nenhum canto radioso,


Uma voz matinal palpitando na bruma
E que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia no meio do caminho. .”
(Carlos Drummond de Andrade – “Legado”)
Assinale a alternativa INCORRETA:
a) Em ambos os poemas, há a autovalorização dos poetas e confiança em seu vasto saber.
b) No poema de Tomás Antônio Gonzaga, o tema do amor reforça a idealização poética.
c) No poema de Drummond, existe a consciência de que a poesia não serve para consolar a dor.
d) Em Tomás Antônio Gonzaga, a razão é a causa da serenidade do poeta diante da morte.
e) Em Drummond, há diálogo com sua própria poesia e com a tradição lírica do Ocidente.

12.Q(Pucsp/2017)
Leia o poema para responder à(s) questão(ões).
A Ingaia Ciência

A madureza, essa terrível prenda


que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estela,

a madureza vê, posto que a venda

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 52


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

interrompa a surpresa da janela,


o círculo vazio, onde se estenda,
e que o mundo converte numa cela.

A madureza sabe o preço exato


dos amores, dos ócios, dos quebrantos,
e nada pode contra sua ciência

e nem contra si mesma. O agudo olfato,


o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
se destroem no sonho da existência.

O poema, de Carlos Drummond de Andrade, está em Claro Enigma. Dele pode-se afirmar que
a) é um texto clássico cujo título remete ao sentido de um conhecimento vivaz, de uma arte alegre
retomada dos provençais e, por isso se estrutura em linguagem coloquial e de fácil entendimento.
b) é um soneto que não pode ser enquadrado no Modernismo porque retoma temas poéticos e
procedimentos estéticos próprios do Classicismo, em linguagem de elaboração sofisticada e
extremamente formal.
c) revela o vazio existencial do indivíduo, exacerbado pela maior clareza que a vida traz, e se
desenvolve em versos decassílabos, organizados em rima cruzada tanto nos quartetos quanto nos
tercetos e faz bom uso do enjambement como elemento de continuidade semântica e rítmica do
poema.
d) refere o tema da maturidade, enfocando-o como a experiência que anula os sentidos na
percepção do mundo, mas capaz de tornar o homem feliz ao entender racionalmente a realidade.

Texto para as questões 13 e 14.


Museu da Inconfidência*
São palavras no chão
e memória nos autos.
as casas inda restam,
os amores, mais não.
E restam poucas roupas,
sobrepeliz de pároco,
a vara de um juiz,
anjos, púrpuras, ecos.
Macia flor de olvido,
sem aroma governas
o tempo ingovernável.
Muros pranteiam. Só.
Toda história é remorso.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 53


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma.


*Museu instalado em Ouro Preto, MG, antiga Vila Rica.

13.Q(FGV/2017)
Considerando-se o poema no contexto estético e ideológico de Claro enigma, ao qual pertence,
verifica-se que a posição do eu lírico, em relação à Inconfidência Mineira, é a de
a) encará-la como modelo de rebeldia, a ser oferecido às novas gerações de militantes políticos.
b) considerá-la exemplo privilegiado da violência com que as elites reprimem as insurreições no
Brasil.
c) tomá-la, distanciadamente, como ponto de partida para reflexões de caráter generalizante e
teor filosófico.
d) lamentar a precariedade da reconstituição histórica que lhe é oferecida pela posterioridade.
e) enfatizar o sentimento de culpa das elites brasileiras, contemporâneas do poeta, em face do
martírio de Tiradentes.

14.Q(FGV/2017)
É compatível com a síntese a que chega o poema sobretudo o pensamento (adaptado) que se
encontra em:
a) A história das sociedades, até os dias atuais, é a história da luta de classes. (K. Marx)
b) As épocas felizes são páginas em branco no livro da história. (G. W. F. Hegel)
c) A vida (…) é uma história cheia de som e de fúria, contada por um idiota, significando nada. (W.
Shakespeare)
d) O tempo é um tecido invisível, em que se pode bordar tudo (…). Também se pode bordar nada.
Nada em cima do tecido invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso do outro. (Machado de
Assis)
e) O sujeito do conhecimento histórico é a própria classe combatente e oprimida. (W. Benjamin)

15.Q(Autoral/2019)
sonho de um sonho

Sonhei que estava sonhando


e que no meu sonho havia
um outro sonho esculpido.
Os três sonhos superpostos
dir-se-iam apenas elos
de uma infindável cadeia
de mitos organizados

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 54


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

em derredor de um pobre eu.


Eu que, mal de mim! sonhava.
(Claro Enigma, Carlos Drummond de Andrade)

Essa é a primeira estrofe de um longo poema de Carlos Drummond de Andrade.


Considerando seu conhecimento sobre o autor e a interpretação do texto, são feitas as seguintes
afirmações.

I. O poema reflete o próprio título da obra, Claro Enigma, pois o sonho aparece como
mistério que necessita de algum tipo de compreensão, mas que permanece obtuso para
o eu lírico, dado o jogo de sonho dentro do sonho.
II. A referência a “mitos organizados” permite entender que, apesar de sonhar, o eu lírico
sabia da falsidade de suas impressões, pois não eram espontâneas.
III. Esse poema, no conjunto da obra, representa um momento de evasão, no qual o poeta
se permite um pouco de idealização à moda romântica.

Assinale a alternativa correta.


a) As afirmações I e II são corretas.
b) As afirmações II e III são corretas.
c) Todas as afirmações são falsas.
d) Todas as afirmações são verdadeiras.
e) Somente a afirmação I é verdadeira.

16.Q(FACULDADE DE MEDICINA ALBERT EINSTEIN/2017)


Oficina Irritada
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 55


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

O texto acima é de Claro Enigma, obra de Carlos Drummond de Andrade. De sua leitura se
pode depreender que
a) é um poema que segue rigorosamente os procedimentos de construção do soneto clássico e
tradicional, particularmente quanto à disposição e ao valor das rimas e ao uso da chave de ouro
como fecho conclusivo do texto.
b) é um metapoema e revela que o soneto que o autor deseja fazer é o mesmo que o leitor está
lendo, como a evidenciar na prática a junção do querer e do fazer.
c) utiliza-se de expressões como “tiro no muro” e “cão mijando no caos”, que, além de provocar
mau gosto e o estranhamento do leitor, rigorosamente, nada têm a ver com a proposta de
elaboração do poema.
d) faz da repetição anafórica e do paralelismo dos versos, um recurso de composição do poema
que o torna enfadonho e antiestético e revela um poeta de produção duvidosa e menor.

17.Q(UFPR/2016)
Leia, atentamente, o seguinte poema:
Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero, um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 56


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

O poema “Amar” integra a segunda parte, “Notícias Amorosas”, do livro Claro Enigma, de
Carlos Drummond de Andrade. Sobre esse poema, assinale a alternativa correta.
a) As indagações repetitivas, nas duas primeiras estrofes, reiteram a inviabilidade do amor diante
de um mundo em que tudo é perecível.
b) O poeta estabelece uma intensidade da manifestação do amor com relação ao belo diferente da
intensidade do amor dispensado ao grotesco.
c) Para acentuar a condição inexorável de amar, o poema enumera coisas que, por sua concretude
e delicadeza naturais, justificam o amor que já recebem.
d) O poema postula uma condição universal, na qual se fundem o sujeito, a ação praticada e os
objetos a que essa ação se dirige.
e) A última estrofe é a chave explicativa desse soneto e reitera a ineficácia do amor diante de um
mundo caótico e insensível.

18.Q(ITA/2005)
O livro “Claro Enigma“, uma das obras mais importantes de Carlos Drummond de Andrade, foi
editado em 1951. Desse livro consta o poema a seguir.
Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. “Claro Enigma”, Rio de Janeiro: Record, 1991.)
Sobre esse texto, é correto dizer que
a) a passagem do tempo acaba por apagar da memória praticamente todas as lembranças
humanas; quase nada permanece.
b) a memória de cada pessoa é marcada exclusivamente por aqueles fatos de grande impacto
emocional; tudo o mais se perde.
c) a passagem do tempo apaga muitas coisas, mas a memória afetiva registra as coisas que
emocionalmente têm importância; essas permanecem.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 57


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

d) a passagem do tempo atinge as lembranças humanas da mesma forma que envelhece e destrói
o mundo material; nada permanece.
e) o homem não tem alternativa contra a passagem do tempo, pois o tempo apaga tudo; a
memória nada pode; tudo se perde.
19.Q(UEL/ 2001)
“Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
Amar e esquecer,
Amar e malamar,
Amar, desamar, amar?
Sempre e até de olhos vidrados, amar?”
A palavra ATÉ, no texto de Carlos Drummond de Andrade, tem o mesmo valor semântico que
em:
a) O marinheiro chegou ATÉ o porto ao amanhecer.
b) A polícia, ATÉ agora, não conseguiu capturar os fugitivos.
c) As apurações estaduais foram suspensas ATÉ segunda ordem.
d) Saveiro Geração III. Resiste a tudo, ATÉ a você.
e) 12 ATÉ 18 dias sem juros no cheque especial. Tarifas que podem chegar a zero.

Para responder as questões 20 e 21, observe a imagem abaixo.

https://www.shutterstock.com/image-photo/identity-absence-surreal-concept-man-front-767658412
20.Q(Autoral/2019)

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 58


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Essa foto pode ser considerada uma releitura de quadros de René Magritte (1898-1967), artista
plástico surrealista. Os versos de Carlos Drummond de Andrade que mais adequadamente traduzem
a mensagem da figura acima são:
a)
“Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.”

b)
“A madureza, essa terrível prenda
que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estela,”

c)
“Que metro serve
para medir-nos?
Que forma é nossa
e que conteúdo?”
d)
“O mundo não vale o mundo,
meu bem.
Eu plantei um pé-de-sono,
brotaram vinte roseiras.
Se me cortei nelas todas
e se todas se tingiram
de um vago sangue jorrado
ao capricho dos espinhos,
não foi culpa de ninguém.”

e)
“Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.”

21.Q(Autoral/2019)
Considerando que a temática expressa na imagem e na estrofe do poema que você assinalou na
questão anterior está presente em Claro Enigma, assinale a alternativa que contenha a crítica mais
apropriada a essa temática em questão.

a) “[Em Carlos Drummond há]...um divórcio do poeta com o mundo, a sociedade, para confiná-lo a
uma certa passividade ou a um certo enrolamento sobre ele próprio (Antonio Candido).

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 59


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

b) “[Percebe-se um] hiato entre o parecer e o ser dos homens e dos fatos que acaba virando matéria
privilegiada de humor...” (Alfredo Bosi)
c)”A consciência social, e dela uma espécie de militância através da poesia, surgem para o poeta
como possibilidade de resgatar a consciência do estado de emparedamento e a existência da
situação de pavor”. (Antonio Candido)
d) “Comparado com o passado, no presente em que vive o poeta, “o espaço é pequeno” e o passado
se mostra “espaço reaberto”, por onde transcorrerá um fluxo de imagens representativas de sua
vida.” (Affonso Romano Sant’Anna).
e)“o Eu se reintegra depois de ter se apartado, na procura de si mesmo através do tempo” (Affonso
Romano Sant’Anna).
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. O comentário de Drummond se refere a relação de Drummond com
o mundo e não dele consigo mesmo.
Alternativa "B" está incorreta. Esse comentário seria perfeito se Alfredo Bosi não considerasse o
humor, traço dos primeiros livros de Drummond. Em Claro Enigma predomina uma análise grave e
não condescendente dele consigo mesmo.
Alternativa "C" está incorreta. O poema em questão não expressa preocupação social.
Alternativa "D" está incorreta. O tema do passado é uma constante em Claro Enigma, mas não na
estrofe citada.
Alternativa "E" está incorreta. O crítico versa sobre o eu que discute seu desencontro, ideia que
pode ser observada no quadro em que o homem vê no espelho suas costas e não a si mesmo.
Gabarito: E

5.1 GABARITO

1.E
2.B
3.C
4.C
5.D
6.C
7.B
8.E
9.D
10.B
11.A
12.C
13.C
14.B
15.E
16.B
17.D

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 60


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

18.C
19.D
20.C
21.E

5.2. QUESTÕES COMENTADAS


1. Q (FUVEST/2018)
Os bens e o sangue
VIII
(…)
Ó filho pobre, e descorçoado*, e finito
ó inapto para as cavalhadas e os trabalhos brutais
com a faca, o formão, o couro… Ó tal como quiséramos
para tristeza nossa e consumação das eras,
para o fim de tudo que foi grande!
Ó desejado,
ó poeta de uma poesia que se furta e se expande
à maneira de um lago de pez** e resíduos letais…
És nosso fim natural e somos teu adubo,
tua explicação e tua mais singela virtude…
Pois carecia que um de nós nos recusasse
para melhor servir-nos. Face a face
te contemplamos, e é teu esse primeiro
e úmido beijo em nossa boca de barro e de sarro.
Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma.
* “descorçoado”: assim como “desacorçoado”, é uma variante de uso popular da palavra
“desacoroçoado”, que significa “desanimado”.
** “pez”: piche.
Considere as seguintes afirmações:
V.Os familiares, que falam no poema, ironizam a condição frágil do poeta.
VI.O passado é uma maldição da qual o poeta, como revela o título do poema, não consegue
se desvencilhar.
VII.O trecho “o fim de tudo que foi grande” remete à ruína das oligarquias, das quais
Drummond é tributário.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 61


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

VIII.A imagem de uma “poesia que se furta e se expande/à maneira de um lago de pez e
resíduos letais…” sintetiza o pessimismo dos poemas de Claro enigma.
Estão corretas:
a) I e II, apenas.
b) I, II e III, apenas.
c) II e IV, apenas.
d) I, III e IV, apenas.
e) I, II, III e IV.
Comentário.
A afirmação I está correta. Nesse poema, a voz dos ancestrais parece dialogar com o eu lírico; no
início do poema percebe-se a menção à fragilidade do poeta, “Ó filho pobre, e descorçoado”.
A afirmação II está correta. Talvez a palavra “maldição” seja um pouco forte, mas dado que as
vozes do passado parecem condená-lo, pode até encarar o texto dessa forma; realmente fica claro
que o poeta está ligado a esse passado.
A afirmação III está correta. Há no poema uma estrofe que revela essa ruína material da família,
fato retomado pela expressão nessa estrofe que fecha o poema como um todo.
A afirmação IV está correta. As expressões “pez (piche)” e “resíduos letais” deixam claro o
pessimismo.
Gabarito: E
2. Q(Autoral/2019)
Observe a estrofe abaixo.
Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.

(Andrade, Carlos Drummond. Claro Enigma)


Nos dois últimos versos, a última oração (“aceito a noite”) estabelece com a anterior (“pois
que aprouve ao dia findar”) uma relação de
a) Causa
b) Consequência
c) Finalidade
d) Condição
e) Tempo
Comentário.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 62


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

O conectivo “pois” introduz uma relação de causa. O trecho “aprouve findar o dia” significa que o
dia se satisfaz em acabar. Ora, diante desse fenômeno natural, diante do qual o poeta nada pode
fazer, resta a ele simplesmente aceitar a situação. A última oração é uma consequência da primeira
(alternativa “b”).
A alternativa "A" está incorreta. A oração anterior é a causa, já que começa com “pois”.
Alternativa "C" está incorreta. Não há conectivo ou preposição que indique finalidade.
Alternativa "D" está incorreta. Não há conectivo ou mesmo verbo que indique condição,
circunstância ou hipótese.
Alternativa "E" está incorreta. Não há advérbio nem conector que indique relação temporal.
Gabarito: B

3. Q(FMABC/2017)
Sobre o livro Claro Enigma, de Carlos Drummond de Andrade, pode-se afirmar que
a) é uma continuidade natural, tanto estilística quanto temática, das obras que o
antecederam.
b) desenvolve temas sociais e se mostra como denúncia da condição humana no período de
opressão e de guerra.
c) aborda temas de sondagem filosófica e adentramento do mundo psíquico e existencial
marcado por profundo nihilismo.
d) apresenta uma visão otimista do mundo em que as formas de liberdade também se
revelam no uso de uma poesia sem o rigor de métrica e de rima.
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. Até percebe-se uma continuidade, mas, nessa obra, Drummond
rompe com o otimismo possível em relação à comunhão social e faz experimentações com o verso
clássico, metrificado.
Alternativa "B" está incorreta. Esse foi o tema desenvolvido nos dois livros anteriores, A rosa do
povo e Sentimento do mundo.
Alternativa "C" está correta. Nesse livro, Drummond, tendo abandonado a esperança de uma saída
coletiva, entrega-se ao pessimismo (nihilismo) voltando-se para temas da subjetividade.
Alternativa "D" está incorreta. Drummond não é o poeta do otimismo, na verdade, ele é o melhor
antídoto para uma autoajuda enganadora, ilusória.
Gabarito: C
4. Q(Pucsp/2017)
Entre o Ser e as Coisas

Onda e amor, onde amor, ando indagando


ao largo vento e à rocha imperativa,

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 63


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

e a tudo me arremesso, nesse quando


amanhece frescor de coisa viva.

Às almas, não, as almas vão pairando,


e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.

N’água e na pedra amor deixa gravados


seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

E nem os elementos encantados


sabem do amor que os punge e que é, pungindo,
uma fogueira a arder no dia findo.

O poema acima é de Carlos Drummond de Andrade e integra a obra Claro Enigma. Da leitura
dele não se pode concluir que
a) é um poema de extração filosófica, pois se apoia em indagação sobre a existência e as
complicações do amor.
b) constrói-se com citações/referências tanto de obras da poesia brasileira quanto do que há de
melhor na poesia portuguesa.
c) afirma que o amor se manifesta em linguagem clara e objetiva e deixa suas marcas apenas sobre
os corpos líquidos de forma indelével e definitiva.
d) é um texto que se estrutura em forma fixa, com rimas e métrica convencionais, nos moldes da
poesia clássica.
Comentário.
Observe que você dever assinalar a incorreta.
Alternativa "A" está correta. O próprio título já dá ideia de indagação filosófica, pois o ser das coisas
é o que anima a reflexão filosófica desde seu nascimento. O poema fala de amor, como fica claro
logo no primeiro verso.
Alternativa "B" está correta. Ao falar em indagar à rocha imperativa sobre seu amor, o poeta nos faz
lembrar a poesia de Claudio Manuel da Costa (1725-1789), poeta mineiro, árcade; já a referência
às almas com certeza manifesta influência da poesia camoniana.
Alternativa "C" está incorreta. A linguagem desse poema não é clara, e o amor deixa marcas
também nas almas e nos seres encantados.
Alternativa "D" está correta. O poema é um soneto, forma fixa reconhecida como clássica.
Gabarito: C
5.Q(UFPR/2017)

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 64


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

“E não gostavas de festa… / Ó velho, que festa grande / hoje te faria a gente”. Esses são os
versos de abertura do poema “A Mesa”, parte integrante do livro Claro Enigma, de Carlos
Drummond de Andrade. Neles podem ser identificados alguns elementos do poema, entre
os quais o destinatário, um patriarca, a quem o eu lírico se dirige ao longo de centenas de
versos. A respeito de “A Mesa” e de sua integração com outros poemas do mesmo livro,
assinale a alternativa correta.
a) Numa festa de aniversário, o eu lírico reapresenta ao velho pai as pessoas da família.
Tristes e nostálgicas, elas vão se dando conta de que o pai não as reconhece. É o que se
observa nos versos: “Aqui sentou-se o mais velho” e “Mais adiante vês aquele / que de ti
herdou a dura / vontade, o duro estoicismo”.
b) Na festa preparada para o pai, o eu lírico observa a conversa barulhenta em torno da
comida e, inutilmente, tenta calar seus parentes, que trazem à mesa assuntos triviais,
perturbando a solenidade do reencontro. É o que se observa na repetição do verso “(não
convém lembrar agora)”.
c) Por meio dos versos “Como pode nossa festa / ser de um só que não de dois? / Os dois
ora estais reunidos / numa aliança bem maior / que o simples elo da terra”, o eu lírico se
dirige à mãe, convidando-a para se sentar à cabeceira da mesa, provocando uma discussão
entre o pai autoritário e a mãe submissa.
d) Na memória do eu lírico, o pai se refere aos filhos cinquentões como se eles fossem
meninos. Embora sugira discordar do pai, o eu-lírico reconhece as contradições da condição
de filho adulto nos versos “e o desejo muito simples / de pedir à mãe que cosa, / mais do
que nossa camisa, nossa alma frouxa, rasgada”.
e) O soneto “Encontro” faz referência a um pai, mas, como o pai está morto (“Está morto,
que importa? / Inda madruga / e seu rosto, nem triste nem risonho, / é o rosto antigo, o
mesmo. E não enxuga / suor algum, na calma de meu sonho”), o filho só o encontra em
sonho e na imaginação, diferentemente de “A mesa”.
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. Nesse momento, o eu lírico descreve para o leitor a cena e não para
o pai.
Alternativa "B" está incorreta. Não se trata de um momento solene. Predomina um momento de
descontração em que os filhos se dispõem inclusive a falar de coisas que normalmente irritariam o
pai, mas que são desculpáveis naquela circunstância.
Alternativa "C" está incorreta. Não há discussão nesse jantar imaginado por um eu lírico que tenta
a reconciliação com seu passado através de sua memória e sua fantasia.
Alternativa "D" está correta. Trata-se de uma festa imaginária. O pai estaria com 90 anos e os
filhos entre 60 e 50. Apesar disso, a referência a “meninos” e a lembrança do eu lírico de que pedia
à mãe que costurasse uma roupa rasgada mostra a permanência de algo da infância nesse
encontro de pessoas maduras.
Alternativa "E" está incorreta. O poema “a mesa” retrata também um encontro imaginado, ou
seja, ele só encontra o pai na fantasia.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 65


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Gabarito: D

Para responder às questões 6, 7, 8, 9 e 10, leia o poema abaixo.

remissão

Tua memória, pasto de poesia,


tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,


se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves


e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves


ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo de teu ser?

6. Q(Autoral/2019)
Em relação ao poema de Carlos Drummond de Andrade, são feitas as seguintes afirmações.
V. O tema metalinguístico é utilizado de forma existencial, pois, além de se debruçar sobre
a própria escrita, o eu lírico também tematiza sua angústia de viver.
VI. Há desprezo pelos leitores e uma valorização do eu, algo que se observa no trecho “tua
poesia, pasto dos vulgares”.
VII. A influência clássica, - observada no uso do soneto, na metrificação poética e a referência
à elegia -, é reforçada pelo tom descritivo que retoma o pressuposto de “arte pela arte”.
VIII. O poeta, de forma bastante humilde, diminui sua própria escrita na metáfora expressa em
“pasto da poesia”.

Assinale a alternativa correta.


a) As afirmações I e II são verdadeiras.
b) Todas as afirmações são falsas.
c) Somente a afirmação I é verdadeira.
d) As afirmações I e III são verdadeiras.
e) Somente a afirmação IV é verdadeira.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 66


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Comentário.
A afirmação I está correta. Logo no início, o poeta revela que sua vida de pesares é assunto de sua
poesia, portanto, discute a questão existencial e a própria poesia.
A afirmação II está incorreta. O trecho mencionado não está direcionado para o leitor, mas para o
próprio eu-lírico, trata-se de um poema em que o eu conversa consigo mesmo.
A afirmação III está incorreta. Apesar de ser um soneto, o poema não é descritivo, e, nele, o poeta
expressa suas angústias existenciais.
A afirmação IV está incorreta. Usar a expressão “pasto de poesia” é, obviamente, uma metáfora que
aponta para o mundo animal, mas isso não diminui o próprio texto, ele usa uma figura interessante,
assim como boi pasta no campo, a poesia do poeta se alimenta da memória.
Gabarito:C
7.Q(Autoral/2019)
As palavras sublinhadas, “engastando”, “travo” e “exílio”, poderiam ser substituídas, sem prejuízo
de sentido por
a) transformando, obstáculo, retiro
b) intercalando, amargor, isolamento
c) embutindo, acidez, deportação
d) enfeitando, entrave, expatriação
e) encaixando, dilema, solidão
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. A palavra “transformando” até faz sentido, mas a segunda
combinação não preserva a ideia, não se pode dizer “obstáculo de angústia”.
Alternativa "B" está correta. A palavra “exílio” pode ser traduzida pelo isolamento, já que o poeta é
levado para esse mundo que é só dele.
Alternativa "C" está incorreta. Até há algum sentido nas duas primeiras substituições, mas no caso
da última, vale lembrar que o poeta “não foi obrigado” por uma força externa a escolher a poesia
como opção existencial.
Alternativa "D" está incorreta. A palavra “enfeitando” não pode se relacionar com “numa coisa fria”.
Alternativa "E" está incorreta. A palavra “travo” acentua a “angústia”, já a palavra “dilema”
caracteriza “angústia”, ou seja, haveria mudança de sentido.
Gabarito: B
8.Q(Autoral/2019)
No embate entre perspectivas poéticas entre Mário de Andrade e Carlos Drummond, o poeta
mineiro escreveu uma carta na qual expressava sua concepção da poesia. Qual dos trechos dessa
carta expressa melhor o sentido do poema?

a) “Não sou ainda suficientemente brasileiro.”


b) “Detesto o Brasil como a um ambiente nocivo à expansão do meu espírito.”

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 67


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

c) “É um sacrifício a fio, desaprovado pela razão (como todo sacrifício).”


d) “Só o coração me absolve.”
e) “O meio em que vivo me é estranho.”
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. O texto não discute a questão de ser brasileiro.
Alternativa "B" está incorreta. Novamente, o poema não discute a questão nacional.
Alternativa "C" está incorreta. Não há referência a sacrifício no poema.
Alternativa "D" está incorreta. Nesse poema, o eu lírico não discute seu coração, seu amor ou seus
sentimentos.
Alternativa "E" está correta. O fato de o poeta ter que se exilar na poesia demonstra que ele não se
sente à vontade com suas memórias e com sua situação.
Gabarito: E

9.Q(Autoral/2019)
Qual outro personagem das obras literárias apresenta uma sensação semelhante a do eu lírico?
a) João Romão (O Cortiço), pelo repúdio ao Brasil.
b) Bertoleza (O Cortiço) pela sensação de humilhação sofrida.
c) A protagonista de Minha vida de menina pela sensação de inferioridade diante dos outros.
d) Luís da Silva (Angústia) pela sua inadequação de quem não adapta ao espaço urbano.
e) Augusto Matraga (“A hora e a vez de Augusto Matraga) pela sua humildade após viver entre o
casal de negros que o acolhe.
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. João Romão não repudia o Brasil, e esse não é o tema do poema
citado.
Alternativa "B" está incorreta. Bertoleza realmente foi humilhada, mas no poema não aparece
qualquer traço semântico de humilhação.
Alternativa "C" está incorreta. E Minha Vida da Menina, há eventuais momentos em que a
narradora se sente inferior, mas isso não é algo tão relevante; no poema essa não é a causa de o eu
lírico se exilar nas palavras.
Alternativa "D" está correta. Luís da Silva, filho de proprietários falidos, nunca se acostumou ao
espaço urbano, sempre se achou inadequado tal qual o eu lírico de Drummond.
Alternativa "E" está incorreta. A humildade não é o tema central do poema.
Gabarito: D
10.Q(Autoral/2019)
Assinale a alternativa que comenta apropriadamente um recurso expressivo e seu efeito.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 68


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

a) Uso da segunda pessoa como forma de chamar a atenção do leitor.


b) Uso de paralelismo linguístico nos dois primeiros versos como forma de chamar atenção
para os elementos necessários para “a vida, e seus pesares”.
c) Uso da interrogação no primeiro verso da segunda estrofe como forma de ressaltar as
hesitações do poeta em relação à vida.
d) Uso da hipérbole “em nada resta, mesmo, do que escreves” para exprimir o niilismo radical
do poeta.
e) Uso de ambiguidade no trecho “te forçou ao exílio das palavras” para expressar sua
indecisão diante do ofício da escrita.
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. O uso da segunda pessoa configura diálogo interior, do eu lírico com
ele mesmo.
Alternativa "B" está correta. Os versos “Tua memória, pasto de poesia, /tua poesia, pasto dos
vulgares, “ tem estrutura sintática paralela, há um termo (tua memória) seguido de aposto (pasto
de poesia) e isso ocorre nos três trechos subsequentes. Neles, o poeta discute a poesia, algo
essencial para sua vida psíquica frente aos pesares da vida.
Alternativa "C" está incorreta. A pergunta é retórica, ou seja, trata-se de um artifício para
desenvolver o tema.
Alternativa "D" está incorreta. A hipérbole é sútil e se resta a escrita, então o nihilismo não é radical.
Alternativa "E" está incorreta. Em parte alguma, o peta manifesta indecisão em relação a poesia.
Gabarito: B
11.Q(UFJF/2002)
Leia, com atenção, os fragmentos a seguir:
“Porém se os justos Céus, por fins ocultos,
Em tão tirano mal me não socorrem;
Verás então, que os sábios,
Bem como vivem, morrem.
Eu tenho um coração maior que o mundo!
Tu, formosa Marília, bem o sabes:
Um coração…, e basta,
Onde tu mesma cabes.”
(Tomás Antônio Gonzaga – “Lira II – 2ª parte”)

“Não deixarei de mim nenhum canto radioso,


Uma voz matinal palpitando na bruma
E que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia no meio do caminho. .”
(Carlos Drummond de Andrade – “Legado”)

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 69


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Assinale a alternativa INCORRETA:


a) Em ambos os poemas, há a autovalorização dos poetas e confiança em seu vasto saber.
b) No poema de Tomás Antônio Gonzaga, o tema do amor reforça a idealização poética.
c) No poema de Drummond, existe a consciência de que a poesia não serve para consolar a
dor.
d) Em Tomás Antônio Gonzaga, a razão é a causa da serenidade do poeta diante da morte.
e) Em Drummond, há diálogo com sua própria poesia e com a tradição lírica do Ocidente.
Comentário.
É preciso lembrar que você deve assinalar a incorreta.
Alternativa "A" está incorreta. No poema de Carlos Drummond, o eu lírico se desvaloriza, pois
acredita que, como legado, só será lembrado pelo poema “No meio do caminho”.
Alternativa "B" está correta. Os versos “Um coração…, e basta,/ Onde tu mesma cabes” dão uma
ideia de um amor pleno e suficiente, portanto, idealizado.
Alternativa "C" está correta. No poema de Drummond, o eu lírico reconhece que seu poema não
pode consolar ninguém, o que se observa no seguinte verso “Não deixarei de mim nenhum canto
radioso”.
Alternativa "D" está correta. Tomás Antônio Gonzaga faz referência aos “sábios” capazes de recorrer
ao poeta no momento de dor, ele se refere à razão.
Alternativa "E" está correta. Logo no começo do poema, o eu lírico deixa claro que vai discutir a
própria poesia; a referência a uma pedra no meio do caminho é intertextual, trata-se do começo
de A divina comédia” de Dante Alighieri, portanto, diálogo com a literatura do ocidente.
Gabarito: A
12.Q(Pucsp/2017)
Leia o poema para responder à(s) questão(ões).
A Ingaia Ciência

A madureza, essa terrível prenda


que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estela,

a madureza vê, posto que a venda


interrompa a surpresa da janela,
o círculo vazio, onde se estenda,
e que o mundo converte numa cela.

A madureza sabe o preço exato


dos amores, dos ócios, dos quebrantos,
e nada pode contra sua ciência

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 70


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

e nem contra si mesma. O agudo olfato,


o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
se destroem no sonho da existência.

O poema, de Carlos Drummond de Andrade, está em Claro Enigma. Dele pode-se afirmar que
a) é um texto clássico cujo título remete ao sentido de um conhecimento vivaz, de uma arte alegre
retomada dos provençais e, por isso se estrutura em linguagem coloquial e de fácil entendimento.
b) é um soneto que não pode ser enquadrado no Modernismo porque retoma temas poéticos e
procedimentos estéticos próprios do Classicismo, em linguagem de elaboração sofisticada e
extremamente formal.
c) revela o vazio existencial do indivíduo, exacerbado pela maior clareza que a vida traz, e se
desenvolve em versos decassílabos, organizados em rima cruzada tanto nos quartetos quanto nos
tercetos e faz bom uso do enjambement como elemento de continuidade semântica e rítmica do
poema.
d) refere o tema da maturidade, enfocando-o como a experiência que anula os sentidos na
percepção do mundo, mas capaz de tornar o homem feliz ao entender racionalmente a realidade.
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. “Gaia ciência” refere-se a uma arte vivaz típica dos provençais, mas
o título é “Ingaia”, ou seja, não é alegre.
Alternativa "B" está incorreta. O Modernismo representou a quebra das tradições, mas não
significou a criação de novas regras, tudo seria permitido, até mesmo voltar aos velhos modelos.
Alternativa "C" está correta. No poema, o eu lírico constata que a madureza lhe trouxe maior lucidez
diante do vazio da existência; o poeta se vale do soneto tradicional, ou seja, escrito em decassílabo;
há enjambement, que significa corte da oração em um verso, o complemento continua no verso
seguinte, como nos seguintes versos “A madureza sabe o preço exato /dos amores, em que o
complemento nominal “dos amores” está no outro verso (outra linha).
Alternativa "D" está incorreta. Realmente, trata-se do tema da maturidade, mas essa fase da vida
não torna o homem feliz.
Gabarito: C
Texto para as questões 13 e 14.
Museu da Inconfidência*
São palavras no chão
e memória nos autos.
as casas inda restam,
os amores, mais não.
E restam poucas roupas,
sobrepeliz de pároco,
a vara de um juiz,
anjos, púrpuras, ecos.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 71


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Macia flor de olvido,


sem aroma governas
o tempo ingovernável.
Muros pranteiam. Só.
Toda história é remorso.
Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma.
*Museu instalado em Ouro Preto, MG, antiga Vila Rica.

13.Q(FGV/2017)
Considerando-se o poema no contexto estético e ideológico de Claro enigma, ao qual pertence,
verifica-se que a posição do eu lírico, em relação à Inconfidência Mineira, é a de
a) encará-la como modelo de rebeldia, a ser oferecido às novas gerações de militantes
políticos.
b) considerá-la exemplo privilegiado da violência com que as elites reprimem as
insurreições no Brasil.
c) tomá-la, distanciadamente, como ponto de partida para reflexões de caráter
generalizante e teor filosófico.
d) lamentar a precariedade da reconstituição histórica que lhe é oferecida pela
posterioridade.
e) enfatizar o sentimento de culpa das elites brasileiras, contemporâneas do poeta, em face
do martírio de Tiradentes.
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. Logo no primeiro verso “são palavras no chão”, percebe-se que o
poeta não acredita que os ideais dos inconfidentes possam “ser oferecidos a novas gerações”,
Alternativa "B" está incorreta. Não há referência à repressão das elites.
Alternativa "C" está correta. O poeta vale-se do pouco que restou daquele momento histórico para
chegar a reflexão filosófica e ampla de que “Toda história é remorso.”
Alternativa "D" está incorreta. Ele vê com um certo desencanto a precariedade, mas sua finalidade
não é lamentar isso, mas valer-se dessa situação para ilustrar a conclusão final que tem a ver com
qualquer fenômeno histórico.
Alternativa "E" está incorreta. Não há referência, no poema, às elites contemporâneas ao poeta.
Gabarito: C.

14.Q(FGV/2017)
É compatível com a síntese a que chega o poema sobretudo o pensamento (adaptado) que se
encontra em:
a) A história das sociedades, até os dias atuais, é a história da luta de classes. (K. Marx)

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 72


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

b) As épocas felizes são páginas em branco no livro da história. (G. W. F. Hegel)


c) A vida (…) é uma história cheia de som e de fúria, contada por um idiota, significando
nada. (W. Shakespeare)
d) O tempo é um tecido invisível, em que se pode bordar tudo (…). Também se pode bordar
nada. Nada em cima do tecido invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso do outro.
(Machado de Assis)
e) O sujeito do conhecimento histórico é a própria classe combatente e oprimida. (W.
Benjamin).
Comentário.
Para se fazer uma relação adequada entre o sentido do poema e a frase de algum pensador, é
preciso ter em mente o último verso “Toda história é remorso”.
Alternativa "A" está incorreta. O poema não fala da revolta em si e da luta entre colonos e
portugueses.
Alternativa "B" está correta. Hegel quer dizer que não a história produz sofrimento, não há
momentos felizes nos grandes momentos históricos, o que nos leva à ideia de história como
remorso.
Alternativa "C" está incorreta. Segundo Shakespeare, a história deve ser percebida como um
momento de paixão, de sentimentos fortes. O poema é melancólico.
Alternativa "D" está incorreta. Machado ressalta que podemos dar versões diferentes ao que
aconteceu; o poeta não tenta “bordar” o que passou, ele observa os restos do que aconteceu.
Alternativa "E" está incorreta. O eu lírico não se identifica como sendo alguém da classe oprimida.
Gabarito: B
15.Q(Autoral/2019)
sonho de um sonho

Sonhei que estava sonhando


e que no meu sonho havia
um outro sonho esculpido.
Os três sonhos superpostos
dir-se-iam apenas elos
de uma infindável cadeia
de mitos organizados
em derredor de um pobre eu.
Eu que, mal de mim! sonhava.
(Claro Enigma, Carlos Drummond de Andrade)

Essa é a primeira estrofe de um longo poema de Carlos Drummond de Andrade.


Considerando seu conhecimento sobre o autor e a interpretação do texto, são feitas as seguintes
afirmações.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 73


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

IV. O poema reflete o próprio título da obra, Claro Enigma, pois o sonho aparece como
mistério que necessita de algum tipo de compreensão, mas que permanece obtuso para
o eu lírico, dado o jogo de sonho dentro do sonho.
V. A referência a “mitos organizados” permite entender que, apesar de sonhar, o eu lírico
sabia da falsidade de suas impressões, pois não eram espontâneas.
VI. Esse poema, no conjunto da obra, representa um momento de evasão, no qual o poeta
se permite um pouco de idealização à moda romântica.

Assinale a alternativa correta.


a) As afirmações I e II são corretas.
b) As afirmações II e III são corretas.
c) Todas as afirmações são falsas.
d) Todas as afirmações são verdadeiras.
e) Somente a afirmação I é verdadeira.
Comentário.
A afirmação I está correta. “Claro Enigma” dá a entender que o eu lírico pode perceber que há um
enigma diante dele, embora não consiga desvendá-lo. O mesmo ocorre no sonho pelo menos nessa
primeira estrofe. Ele percebe que sonha, mas o sonho parece misterioso para o eu lírico.
A afirmação II está incorreta. Os “mitos organizados” no poema dão a entender que o poeta se
relacionava com suas crenças e formas de ver o mundo e não com a falsidade em si.
A afirmação III está correta. O sonho revela ao poeta suas ilusões. No final desse poema, ele reverte
a visão otimista dos sonhos, revelando o caráter de evasão e voltando à realidade dura da vida. Isso
significa que, de modo algum, há idealização romântica.
Gabarito: E

16.Q(FACULDADE DE MEDICINA ALBERT EINSTEIN/2017)


Oficina Irritada
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 74


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Esse meu verbo antipático e impuro


há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.
Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
O texto acima é de Claro Enigma, obra de Carlos Drummond de Andrade. De sua leitura se
pode depreender que
a) é um poema que segue rigorosamente os procedimentos de construção do soneto clássico e
tradicional, particularmente quanto à disposição e ao valor das rimas e ao uso da chave de ouro
como fecho conclusivo do texto.
b) é um metapoema e revela que o soneto que o autor deseja fazer é o mesmo que o leitor está
lendo, como a evidenciar na prática a junção do querer e do fazer.
c) utiliza-se de expressões como “tiro no muro” e “cão mijando no caos”, que, além de provocar
mau gosto e o estranhamento do leitor, rigorosamente, nada têm a ver com a proposta de
elaboração do poema.
d) faz da repetição anafórica e do paralelismo dos versos, um recurso de composição do poema
que o torna enfadonho e antiestético e revela um poeta de produção duvidosa e menor.
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. As regras do soneto são: um poema organizado em dois quartetos e
dois tercetos; deve ser decassílabo; a rimas devem ser cruzadas; e o último terceto deve agradar.
Nos último terceto, as rimas não são cruzadas e ele contém imagens grotescas que não agradam.
Alternativa "B" está correta. Metapoema significa que o poeta faz um poema sobre o próprio
poema, que ele diz que vai fazer um poema duro e o leitor o sente como duro. É o que acontece
nesse poema, principalmente no último terceto quando o poeta apresenta imagens obscuras.
Alternativa "C" está incorreta. As imagens realmente provocam estranhamento, mas são exemplos
do que seria um poema duro, ou seja, tem a ver com “a proposta de elaboração do poema”.
Alternativa "D" está incorreta. Há anáfora e paralelismo, mas ao contrário do que diz a alternativa
isso torno o poema estético, belo.
Gabarito: B

17.Q(UFPR/2016)
Leia, atentamente, o seguinte poema:
Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 75


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

amar, desamar, amar?


sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero, um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
O poema “Amar” integra a segunda parte, “Notícias Amorosas”, do livro Claro Enigma, de
Carlos Drummond de Andrade. Sobre esse poema, assinale a alternativa correta.
a) As indagações repetitivas, nas duas primeiras estrofes, reiteram a inviabilidade do amor diante
de um mundo em que tudo é perecível.
b) O poeta estabelece uma intensidade da manifestação do amor com relação ao belo diferente da
intensidade do amor dispensado ao grotesco.
c) Para acentuar a condição inexorável de amar, o poema enumera coisas que, por sua concretude
e delicadeza naturais, justificam o amor que já recebem.
d) O poema postula uma condição universal, na qual se fundem o sujeito, a ação praticada e os
objetos a que essa ação se dirige.
e) A última estrofe é a chave explicativa desse soneto e reitera a ineficácia do amor diante de um
mundo caótico e insensível.
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. Reiteram que o indivíduo não pode “não amar”, não reiteram o
“mundo perecível”.
Alternativa "B" está incorreta. O eu lírico coloca no mesmo patamar amar o belo e o grotesco, pois
menciona a ave de rápida e aquilo que traz o mar (imagens do grotesco ou do inesperado).
Alternativa "C" está incorreta. Justamente nisto está o sacrifício de amar: deve-se amar aquilo que
não deve ser justificado e a justificativa não está no objeto.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 76


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Alternativa "D" está correta. Essa alternativa tem problemas, mas é a “menos pior”. É verdade que
o amor é elevado à condição universal, mas o objeto permanece reticente à ação do sujeito. É o
sujeito que tenta se fundir nos objetos.
Alternativa "E" está incorreta. O último verso não expressa ineficácia do amor, mas a nossa condição
de seres que devem amar, não há outra alternativa.
Gabarito. D
18.Q(ITA/2005)
O livro “Claro Enigma“, uma das obras mais importantes de Carlos Drummond de Andrade, foi
editado em 1951. Desse livro consta o poema a seguir.
Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. “Claro Enigma”, Rio de Janeiro: Record, 1991.)
Sobre esse texto, é correto dizer que
a) a passagem do tempo acaba por apagar da memória praticamente todas as lembranças
humanas; quase nada permanece.
b) a memória de cada pessoa é marcada exclusivamente por aqueles fatos de grande impacto
emocional; tudo o mais se perde.
c) a passagem do tempo apaga muitas coisas, mas a memória afetiva registra as coisas que
emocionalmente têm importância; essas permanecem.
d) a passagem do tempo atinge as lembranças humanas da mesma forma que envelhece e destrói
o mundo material; nada permanece.
e) o homem não tem alternativa contra a passagem do tempo, pois o tempo apaga tudo; a
memória nada pode; tudo se perde.
Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. O poeta não menciona a proporção do que será apagado, ou seja,
ele não afirma que o “tempo acaba por apagar da memória praticamente todas as lembranças” .

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 77


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Alternativa "B" está incorreta. O eu lírico fala do esquecimento, mas não menciona se os eventos
que não são esquecidos são os de grande impacto; ele não define o que será lembrado.
Alternativa "C" está correta. O poema destaca que várias coisas sensíveis não serão lembradas (“a
passagem do tempo apaga muitas coisas), mas algumas que já são findas, já se foram,
provavelmente as mais importantes sob a perspectiva afetiva, ficarão na memória.
Alternativa "D" está incorreta. O tema da velhice não foi tematizado no poema.
Alternativa "E" está incorreta. O poema afirma que algo fica na memória, o tempo não apaga
tudo.
Gabarito: C

19.Q(UEL/ 2001)
“Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
Amar e esquecer,
Amar e malamar,
Amar, desamar, amar?
Sempre e até de olhos vidrados, amar?”
A palavra ATÉ, no texto de Carlos Drummond de Andrade, tem o mesmo valor semântico que
em:
a) O marinheiro chegou ATÉ o porto ao amanhecer.
b) A polícia, ATÉ agora, não conseguiu capturar os fugitivos.
c) As apurações estaduais foram suspensas ATÉ segunda ordem.
d) Saveiro Geração III. Resiste a tudo, ATÉ a você.
e) 12 ATÉ 18 dias sem juros no cheque especial. Tarifas que podem chegar a zero.

Comentário.
No poema o “até” está sendo usado como ênfase, mas ele pode ter o valor de limite.
Alternativa "A" está incorreta. Essa frase dá ideia de limite de espaço, ele foi até o porto, não
além.
Alternativa "B" está incorreta. Essa frase dá a ideia de limite de tempo, até esse momento.
Alternativa "C" está incorreta. Novamente, há ideia de limite, somente com uma segunda ordem
as investigações podem continuar.
Alternativa "D" está correta. Nessa propaganda, há intensificação. O “tudo” já inclui “você”, as
para que haja apelo é necessário enfatizar qual seria o seu comportamento.
Alternativa "E" está incorreta. Essa frase dá a ideia de intervalo de tempo.
Gabarito: D

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 78


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Para responder as questões 20 e 21, observe a imagem abaixo.

https://www.shutterstock.com/image-photo/identity-absence-surreal-concept-man-front-767658412
20.Q(Autoral/2019)
Essa foto pode ser considerada uma releitura de quadros de René Magritte (1898-1967), artista
plástico surrealista. Os versos de Carlos Drummond de Andrade que mais adequadamente traduzem
a mensagem da figura acima são:
a)
“Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.”

b)
“A madureza, essa terrível prenda
que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estela,”

c)
“Que metro serve
para medir-nos?
Que forma é nossa
e que conteúdo?”
d)
“O mundo não vale o mundo,
meu bem.
Eu plantei um pé-de-sono,
brotaram vinte roseiras.
Se me cortei nelas todas

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 79


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

e se todas se tingiram
de um vago sangue jorrado
ao capricho dos espinhos,
não foi culpa de ninguém.”

e)
“Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.”

Comentário.
Alternativa "A" está incorreta. Na imagem, não se percebe elemento que figurativize a memória
tema central da estrofe da alternativa.
Alternativa "B" está incorreta. O tema do poema é a madureza, nada a ver com o espelho que
significa reflexão.
Alternativa "C" está correta. Um espelho serve para reflexão da imagem, para nos percebermos; no
poema é feita um pergunta que lembra o processo reflexivo que um espelho desencadeia: qual é a
nossa forma?
Alternativa "D" está incorreta. O poema é pessimista, condena o mundo, a imagem não passa essa
ideia.
Alternativa "E" está incorreta. Esse poema é metalinguístico, a imagem não.
Gabarito: C

21.Q(Autoral/2019)
Considerando que a temática expressa na imagem e na estrofe do poema que você assinalou na
questão anterior está presente em Claro Enigma, assinale a alternativa que contenha a crítica mais
apropriada a essa temática em questão.

a) “[Em Carlos Drummond há]...um divórcio do poeta com o mundo, a sociedade, para confiná-lo a
uma certa passividade ou a um certo enrolamento sobre ele próprio (Antonio Candido).
b) “[Percebe-se um] hiato entre o parecer e o ser dos homens e dos fatos que acaba virando matéria
privilegiada de humor...” (Alfredo Bosi)
c)”A consciência social, e dela uma espécie de militância através da poesia, surgem para o poeta
como possibilidade de resgatar a consciência do estado de emparedamento e a existência da
situação de pavor”. (Antonio Candido)
d) “Comparado com o passado, no presente em que vive o poeta, “o espaço é pequeno” e o passado
se mostra “espaço reaberto”, por onde transcorrerá um fluxo de imagens representativas de sua
vida.” (Affonso Romano Sant’Anna).
e)“o Eu se reintegra depois de ter se apartado, na procura de si mesmo através do tempo” (Affonso
Romano Sant’Anna).
Comentário.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 80


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Alternativa "A" está incorreta. O comentário de Drummond se refere à relação de Drummond com
o mundo e não dele consigo mesmo.
Alternativa "B" está incorreta. Esse comentário seria perfeito se Alfredo Bosi não considerasse o
humor, traço dos primeiros livros de Drummond. Em Claro Enigma predomina uma análise grave e
não condescendente dele consigo mesmo.
Alternativa "C" está incorreta. O poema em questão não expressa preocupação social.
Alternativa "D" está incorreta. O tema do passado é uma constante em Claro Enigma, mas não na
estrofe citada.
Alternativa "E" está incorreta. O crítico versa sobre o eu que discute seu desencontro, ideia que
pode ser observada no quadro em que o homem vê no espelho suas costas e não a si mesmo.
Gabarito: E

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final de mais uma análise de obra literária.


Espero que tenha curtido, Carlos Drummond de Andrade é um pouco pesado, mas sem
dúvida representa o que há de melhor na literatura brasileira. Creio que alguns poemas devem ser
bastante tocantes para você, outros nem tanto.
Desse livro, sempre guardo os seguintes versos :
“Nem existir é mais que um exercício
de pesquisar de vida um vago indício,
Quais seriam os seus preferidos?
Fiz um material, extenso, didático e voltado para quem não entende muito de poesia.
Espero que tenha gostado, com certeza, vai ajudá-lo a responder as questões no vestibular.
Qualquer dúvida, entre em contato comigo pelo fórum ou pelas redes sociais disponíveis.
Um grande abraço até a próxima aula.

Professor Fernando
Andrade

@filosofia.do.portuga Redaçao e Filosofia

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 81


www.estrategiavestibulares.com.br 82
Fernando Andrade
Aula 09: FUVEST 2021

Versão Data Modificações


1 15/11/2019 Primeira versão do texto.
2 18/11/2019

REFERÊNCIAS
Figura 1: Disponível em https://pixabay.com/pt/photos/flor-estrada-rachadura-amarelo-4346049/ ,
acessado em 09.10.2019.
Figura 2: Disponível em https://pixabay.com/pt/photos/cadela-o-t%C3%A9dio-
respira%C3%A7%C3%A3o-est%C3%A1tua-2674465/ , acessado em 09.10.2019.
Figura 3: Disponível em https://www.shutterstock.com/image-vector/businessman-superhero-shadow-
ambition-business-success-1043728078 , acessado em 13.11.2019.
Figura 4: Disponível em https://pixabay.com/pt/photos/ufo-espa%C3%A7o-estrelas-ci%C3%AAncia-
2144977/ , acessado em 09.10.2019.
Figura 5: Disponível em https://pixabay.com/pt/photos/edif%C3%ADcios-perspectiva-cidade-1149851/ ,
acessado em 13.11.2019.

Aula 09 – Claro Enigma (Carlos Drummond de Andrade) 82


www.estrategiavestibulares.com.br 82

Você também pode gostar