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Capítulo 33: Perspectivas Psicanalítica e Existencial

BRUSCIA, Kenneth E. Improvisational Models of Music Therapy.Charles C. Thomas –


Publisher, Illinois(USA), 1987.

Tradução em espanhol - Modelos de Improsisación em Musicoterapia, Vitória-Gasteiz,


Agruparte, 1999.

Tradução: Inglês-Português de Márcia Cirigliano, M. M. T.

* No rodapé da tradução em português, terá uma paginação correspondente à tradução do


livro em espanhol.

1Perspectivas
Psicanalítica e Existencial

Quando se toma uma perspectiva psicanalítica, um pressuposto principal é


o de que a música do indivíduo é uma projeção simbólica de aspectos
inconscientes do self. Em outras palavras, os elementos musicais, e os processos
através dos quais eles se revelam e interagem dentro da improvisação (i.e.,
integração, variabilidade, etc.), são representações simbólicas de elementos
inconscientes do self e dos processos através dos quais esses elementos se
revelam e interagem na personalidade. Portanto, cada elemento musical
representa simbolicamente um aspecto particular da personalidade, e cada
processo musical corresponde a um processo psicológico.
Nos parágrafos seguintes, as derivações simbólicas de cada elemento
musical são descritas com referência aos processos mais relevantes. O valor
dessas derivações é aparente, quando aplicado a cada um dos perfis, e como os
perfis interagem. Infelizmente, o espaço não permite uma elaboração completa
desses símbolos em termos de todo perfil e interação.

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A Significação Simbólica dos Componentes Rítmicos

Os componentes do ritmo são usualmente considerados como


manifestações da energia instintual . Portanto, pulso, métrica, subdivisões,
padrões rítmicos e acentuações são interpretados como derivações simbólicas de
quantidade, direção e fluxo de energia instintual ou impulso.

Pulso. Um pulso é uma divisão de tempo em segmentos recorrentes iguais,


que são marcados por eventos igualmente significantes. Como tal, representa
homeostase, ou um estado de equilíbrio controlado, prazeroso, similar à
experiência intra-uterina do batimento cardíaco materno. Uma vez que a energia
está em estado de equilíbrio, o pulso não é dirigido a um objeto ou propósito fora
de si próprio e, por isso, não aumenta nem inibe necessidades. Como com o feto,
a gratificação instintual é imediata e não se atrasa, e a experiência é de um
embutir-se eufórico do self em suas origens, com respeito tanto a tempo quanto
matéria.
O pulso dá segurança, estabilidade, previsibilidade e um reasseguramento
de que as forças instintuais, ou energia, não vão se tornar assoberbantes, ou
desaparecer. O pulso fornece um chão, um fundo que segura, apóia, controla e
equaliza energia e impulsos. Fazendo isso, o pulso serve para desviar a
ansiedade primal e medos de super estimulação.

Subdivisão do Pulso. Subdivisões são divisões iguais do pulso, dentro de


unidades temporais menores. O que geralmente efetua é um aumento de
velocidade ou carga do pulso. Como tais, as subdivisões criam, aumentam e


Do original: instinctual energy. Cabe lembrar, por se tratar aqui de um enfoque
psicanalítico que na literatura psicanalítica instinct é traduzido como pulsão. Então,
toda vez que este termo aparecer no texto, pode-se pensar no conceito de pulsão
e energia pulsional.

Do original: drive, que também pode ser traduzido como motivação, e em certos
casos, energia, dependendo do contexto.
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acumulam energia. Mudam o estado de equilíbrio pela introdução da possibilidade


de a energia ser dobrada ou triplicada em quantidade, e de todos os eventos não
serem iguais ao pulso. Fornecem ondas de energia, embora mantenham uma
força de base.

Andamento(Tempo) 2. Como as subdivisões, o andamento move o estado


de equilíbrio para diferentes níveis de energia. Assim como com as mudanças de
batimento cardíaco, pulsos mais rápidos implicam atividade aumentada, impulso
ou urgência. Andamentos rápidos também criam a necessidade de mais espaço
ou organização em um nível mais elevado (i.e., métrica). Pulsos mais vagarosos
implicam em decréscimo de atividade e menor impulso ou urgência, e criam a
necessidade de preencher ou subdividir os espaços. Andamento é um ajuste de
energia, sinalizando a necessidade de ser “segurado” pela base, ou levado pelas
forças do impulso.

Bases Rítmicas. Pulso, subdivisão e andamento funcionam como “panos de


fundo”. Como estados contínuos de equilíbrio, eles fornecem meios continentes
que podem variar de acordo com a quantidade de energia que sustentam. O que
está notavelmente ausente em todos eles é um impulso para um objeto ou
propósito. Devido aos eventos de um pulso serem igualmente significantes,
mudanças em energia, produzidas através de subdivisões ou andamento, não
sugerem ou produzem um clímax ou final. Vão a lugar nenhum. Para que um
evento mais significativo, ou clímax, tenha lugar, os eventos marcados, mas não
realizados do pulso devem ser direcionados para um propósito, ou ponto de
destino, e se tornarem diferenciados, em significado e valor relativos. Quando tal
diferenciação de significado (acentuação) e valor (duração) tem lugar, e quando
esses eventos tomam direção (frase), o padrão rítmico aparece. Quando os
estados de energia se tornam direcionados, ocorrem os impulsos.

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Figuras Rítmicas ou Padrões. Padrões rítmicos são formados quando o


som não coincide com o pulso. São “o que não é pulso” ou, o que é comumente
chamado “impulso”. Os sons não são mais iguais uns aos outros, em significado e
valor, e são, agora, inclinados a mover-se na direção de um objeto ou propósito,
com graus variados de motivação ou urgência. Os padrões perturbam o estado de
equilíbrio3 ou homeostase e, portanto, estimulam a tensão e a necessidade de
resolução. A gratificação não é só de questão de embutimento original do self em
tempo e matéria – deve ser negociada através da interação direta entre self e
objeto. A segurança tampouco é uma questão de embutir-se, e, portanto, deve ser
mantida movendo-se em direção, ou para longe dos objetos. Portanto, padrões
rítmicos são impulsos, catexias objetais e caminhos de movimento das energias
em direção a, ou para longe dos objetos. Em termos de desenvolvimento, ocorrem
depois que a criança desenvolveu conceitos de permanência de objeto.
A formação de um padrão rítmico é um processo de tornar-se separado do
pulso. É a origem intencional de uma entidade organizada de energia, e
separação de uma vida instintual. É o direcionamento de alguém para longe de
origens instintuais, em direção a uma ordem mais alta de intencionalidade. É a
saída do meio continente, que nutre. O quanto o padrão é separado do pulso, é
função de onde as necessidades para gratificação ou segurança serão atingidas, e
o quão urgentes elas são. Quando um padrão se torna re-embutido no pulso, há
uma retirada simbólica para a segurança de um “chão” (base), acompanhado de
uma redução de impulso e intenção; quando um padrão se torna separado do
pulso, há um aumento no impulso, e uma luta intencional para a individuação,
acompanhada do, sempre presente, perigo de isolamento e perda da própria base.
Um padrão rítmico existe como uma entidade, à parte de seu pulso
subjacente, como uma criança está separada, ainda que perto, de sua mãe. É
interessante que as crianças começam a repetir ritmos para elas próprias quando
entram no período de desenvolvimento caracterizado pela ansiedade de
separação. Os ritmos repetidos formam uma sutil configuração de figura-fundo,
onde o ritmo e o pulso são intimamente ligados juntos, ainda que diferentes – não

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muito diferente do quanto a criança lembra as feições de seus pais. À medida que
a criança repete o modelo, o ritmo serve como um lembrete da existência
separada do self, enquanto a repetição serve como um lembrete da presença
introjetada dos pais. Como tal, o ritmo serve para desviar a ansiedade de
separação, sendo seu objeto permanente, e substituição para o pulso.

Metro4. O metro é o componente que serve para organizar as ondas de


energia criadas pelas subdivisões e andamento. Também controla as forças
impulsoras do ritmo, à medida que se tornam separadas.
O metro é a organização de pulsos em unidades numéricas. Fornece uma
estrutura hierárquica para manter níveis de energia em diferentes níveis de
consciência e para sublimar os impulsos de ritmo em objetivos de nível mais alto.
Como um nível super-ordinário de organização e controle, o metro exerce
autoridade e poder sobre os outros componentes do ritmo e, portanto, fornece um
contexto moral para a descarga de energias instintuais.
Quando os ritmos se enquadram no compasso, o metro reassegura que os
estados de energia, motivações e impulsos estão ocorrendo no lugar e tempo
certos e que seu significado é contido em um sistema global de valores.
Quando os ritmos se estendem para além do compasso, o metro fornece
fronteiras para desvios rítmicos, ou aponta a necessidade de controles temporais.
Quando os metros são estáveis, eles servem para assimilar energia e impulsos
em enquadres de tempo aceitáveis; quando os metros mudam constantemente,
eles servem para acomodar impulsos e energias do momento.
Em suas muitas funções, o metro provê uma base para desviar a ansiedade
moral. Em termos de desenvolvimento, ele aparece em crianças
concomitantemente com as funções do superego.

Acentuação: Os acentos são outro importante componente do ritmo.


Distinguem batidas ou notas, umas das outras, dando a umas, mais força (i.e.,
intensidade) ou significado (i.e., prolongamento ou demora). Na diferenciação do

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significado relativo de batidas ou notas, os acentos ajudam a organizar pulsos em


estruturas hierárquicas que transmitem os valores do metro. Ou, eles fornecem os
meios pelos quais os ritmos podem ir ao clímax e, aí, revelar a direção dos
impulsos. Paradoxalmente, então, os acentos servem como uma força de
policiamento para o metro, enquanto também fornecem motivação e recompensa
para perturbações rítmicas.
Quando os acentos ocorrem dentro das fronteiras do metro, há uma
afirmação de lei e ordem, e uma expressão de deferência a uma autoridade mais
alta. Quando as acentuações rítmicas se atravessam às fronteiras do metro,
irrompem subdivisões ou desestabilizam andamentos, servem de sinais de
mudança revolucionária ou rebelião contra a autoridade. Quando tais acentos são
organizados em relação a eles mesmos, há ordenadamente, uma subversão de
normas temporais existentes; quando os acentos são desorganizados e
estruturados, há uma anarquia e deterioração de valores.
Todos os componentes do ritmo contribuem para o fluxo de energia. Eles
transmitem a quantidade de energia ligada a sentimentos, mas não o que os
sentimentos são. Para expressar sentimentos e emoções mais específicos, são
necessários os elementos tonais.

O Significado Simbólico dos Componentes Tonais 5

Melodia: A melodia é a expressão de um sentimento específico. É o desejo


ou vontade ligado ao impulso rítmico que ela cobre. A melodia acrescenta
dimensão espacial ao ritmo e revela onde estão os sentimentos em relação ao
self. A melodia revela atitudes em direção aos impulsos do indivíduo.

Modalidade: Uma melodia é criada dos tons de uma escala. Como o ritmo e
o pulso, a melodia e a escala têm uma relação de figura-fundo. A escala (ou
modalidade) apresenta uma seleção de tons e possibilidades intervalares que

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podem ser incluídas na melodia. Assim, a escala limita ou contém os sentimentos


que podem ser expressos na melodia. Quanto mais proximamente relacionada a
melodia está à escala, mais está embutida na base.
Quando a melodia é embutida na escala, os sentimentos não foram
diferenciados do contexto emocional ou humor do qual eles se originam. Quando a
melodia está separada da escala, foi diferenciada de seu contexto e tem clara
definição e direção. Quando a melodia permanece nos confinamentos da escala,
ela6 é embasada dentro de um contexto emocional particular. Quando a melodia
começa a usar tons fora da escala, os sentimentos da melodia são transportados
para contextos emocionais diferentes.
Quando as melodias nunca mudam, há uma obsessão com um sentimento
ou uma compulsão para repetir o passado do indivíduo. Quando mudam
continuamente, os sentimentos são volúveis e instáveis, ou amorfos.

Harmonia: Outro componente tonal que é afetado pela escala e melodia é a


harmonia. A harmonia serve a várias funções importantes. Como
acompanhamento à melodia, a harmonia transmite como o sentimento fica na
melodia. A harmonia revela atitudes ou valores concernentes ao que está sendo
expresso na melodia. Quando acordes e melodia usam os mesmos tons, há
consonância; quando usam diferentes tons, há dissonância. A harmonia pode
integrar o sentimento da melodia em um contexto emocional, ou apontar seus
desvios dele. A harmonia pode ser base à melodia, ou servir para estimular seu
movimento em outras áreas emocionais. Quando a harmonia se move
rapidamente, dá urgência à melodia e inspira a ação; quando se move
vagarosamente, acalma a melodia e extrai a reflexão. Quando a harmonia se
desvia da escala, desestabiliza a melodia e a desconecta do centro do self. Sem
apoio harmônico, as melodias são fantasias rápidas, sem base na realidade e sem
verdadeiro comprometimento do self.

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P. 290 (até harmonia) e 291 (a partir da tonalidade).
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Tonalidade: Melodia e harmonia se movem de acordo com as direções que


são ditadas pela tonalidade. A tonalidade fornece uma hierarquia de funções para
cada tom em uma melodia, e para cada acorde em uma progressão. Determina a
relativa importância de cada tom e acorde, e estipula onde os tons e acordes
devem ir e “descansar”.
Enquanto a modalidade fornece um contexto emocional para sentimentos
melódicos e harmônicos tomarem forma, a tonalidade fornece um centro
emocional para conter e direcionar o que vai revelando. Como a modalidade, a
tonalidade fornece uma base para a melodia e para a harmonia, e sua unificação.
Como o metro, a tonalidade é uma estrutura organizacional de controle.
Determina relações hierárquicas de tons na escala, e especifica pontos de
repouso e destinos das jornadas da melodia e acordes, através do tempo.
A tonalidade fornece uma força gravitacional em direção a um ponto de
descanso no centro do self. Diferentemente do metro, que é uma superestrutura
que controla do alto, a tonalidade é uma infra-estrutura que controla de dentro. E,
como o metro, a tonalidade apresenta valores morais; no entanto, os valores
emanam do self, ou consciência internalizada, em vez de uma fonte externa de
autoridade.

O Significado Simbólico de Outros Elementos Musicais7

Fraseado: O ritmo e a melodia são relacionados um com o outro através do


fraseado. O fraseado aloca o fluxo de energia rítmica junto com a forma dos
sentimentos melódicos e harmônicos. Quando o ritmo e a melodia não se
encaixam juntos na mesma frase, os impulsos não são consistentes com
sentimentos, em intensidade ou direção.
Volume: A intensidade e quantidade do som, ou volume, contribui
grandemente para os sentimentos que emergem através da frase rítmico-
melódica. O volume representa quanta energia é direcionada a um propósito, ou

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quão intenso é um sentimento em relação a um objeto. Pode simbolizar força,


energia, poder, tamanho e comprometimento.
Timbre: Enquanto o volume diz “quanto”, o timbre revela “quem”. O timbre
representa a identidade do executante através de sua seleção do meio, do
instrumento, técnicas de produção e vocabulário sonoro. A voz revela o self
interno, invisível, externalizando-se para ser audível. Um instrumento estende e
engaja o corpo, e simboliza seus sentimentos e desejos internos, tanto auditiva
quanto visualmente. As técnicas de produção e vocabulários sonoros projetam as
questões de self do corpo e o colorido do caráter do indivíduo.
O corpo8 pode estar tenso ou relaxado consigo próprio, indo com o fluxo de
energia ou contra, concordando com o caráter ou revelando a mentira. O som
pode ser ríspido ou agradável, amargo ou doce. Como o timbre, o caráter pode ser
colorido ou pardo, brilhante ou escuro, monocromático ou multicolorido, pálido ou
intenso, feio ou bonito.
Os aspectos simbólicos do timbre podem ser interpretados com referência
aos sons em si, às imagens visuais dos instrumentos e às relações físicas que
existem entre o corpo e os sons e instrumentos. Muitas das derivações simbólicas
são de natureza psicossexual e se referem aos estágios oral, anal, fálico e genital
do desenvolvimento. Outras informações sobre esses aspectos do timbre podem
ser encontradas nas unidades deste livro em “Terapia de Improvisação Livre” e
“Musicoterapia Analítica”.
Textura: Textura revela a locação e o papel de cada caráter ou parte. Uma
textura pode refletir estruturas hierárquicas, relações de parte-todo ou funções dos
papéis no self, entre duas pessoas ou em um grupo.
A textura musical serve para organizar, administrar e executar o plano geral
de ação. Fornece a estratégia ou tática pela qual cada caráter ou parte atinge seu
objetivo, ou encontra o seu lugar. Isso é a sistematização de papéis e funções dos
papéis. Na textura, a tessitura diz onde está o caráter ou parte – alto ou baixo,
acima ou abaixo dos outros. A textura geral e as configurações vocais revelam o
que os caracteres ou partes estão fazendo em relação um com o outro, e o quão

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proximamente estão trabalhando juntos. Especificamente, as duas partes estão no


mesmo espaço ou longe uma da outra? Expressam sentimentos ou idéias iguais,
similares ou diferentes? Possuem energia igual ou desigual e são igualmente
ativos? Possuem controle e autoridade igual ou desigual? Seus papéis estão
competindo, compatíveis ou integrados? As relações são horizontais ou verticais,
independentes ou dependentes? Quão freqüentemente mudam essas relações?
Quanto de tensão é se cria por essas relações? Onde e entre quem são as lutas
de poder?
Programas(temas)9: Acrescentados aos elementos musicais, as imagens,
estórias, letras e programas que servem como base para improvisações são de
grande importância simbólica. Esses componentes podem ser interpretados
usando-se técnicas para a análise dos sonhos.

Tradução de Márcia

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