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Bruno Tolentino - Os Sapos de Ontem Prólogo 19pp.
Bruno Tolentino - Os Sapos de Ontem Prólogo 19pp.
OS SAPOS DE ONTEM
A POLÊMICA TOLENTINO-CAMPOS
É pau puro!
TOLENTINO TRAZ DE VOLTA A PESTE CLÁSSICA
C om mais de 40 anos de
atividade poética, e mais
Dear Mr. Tontolino:
I trust you’ll let it be
if I’ve mispelled, latinos
W e are not impressed. Se
nos ativermos ao ver-
de 40 livros publicados, dois náculo de tantos fascículos,
terços dos quais dedicados à have always confused me,
a nudez do sapo-rei é apenas
tradução de poesia, tenho cômica. Se nos estendermos
bagagem literária abismal- What’s all the fuss about?
à leitura competente das
Who’s been tampering with an
mente superior à do despre- línguas que anuncia conhe-
ash
zível e obscuro articulista, cer, a coisa é mais séria, é
I’d so pointedly left out?
meu desafeto, um salta- uma indigente intrujice que
Who is this pompous ass?
pocinhas internacional, - tolo não passaria no exame vesti-
doente e cretino, ou numa só bular de Oxford.
palavra-valise: Tolentino!
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decidir por si só o que fosse esse pro-
cesso cultural, a cuja margem relegava
nossos dois maiores poetas junto com a
espetacular reinvenção jorgeana da
secular forma toscana. Ignorava tam-
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bém, entre bem mais que até hoje não dá Manuel Bandeira não fugira a esse
sinais de haver descoberto, que a me- problema crucial que comprometeu a
lhor poesia inglesa, de Auden a Hill, realização poética marioandradina; com a
nutria-se, como sempre o fizera e faria aguda clareza do poeta-crítico, diagnos -
(‘scorn not the sonnet’!), daquela mús i- ticara-o lapidarmente como uma deslo-
ca conceitual que nunca deixou de revi- cação do imaginário, uma fatal falta de
ficá-la. Deixava igualmente de notar que chão sob todo o seu projeto lírico: “lin-
até mesmo Montale acabava de reins - guagem artificial, porque é uma síntese
taurar os famigerados 14 versos em La e sistematização literária pessoal de
Bufera e altro , culminação de sua obra modismos dos quatro cantos do Brasil ”
poética, ela sim, revolucionária, por tão (à página 134 de Apresentação da Poe-
instauradora e moderna quanto clássica sia Brasileira, Casa do Estudante do
no mais amplo sentido do termo. Brasil, 1953).
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nidade perdida... Curioso, pois que morto no Brasil dos anos 50? De
mais haviam feito aqueles mestres?! quem senão de Drummond saía A
Quem precisava de lições de gra- luta corporal de Ferreira Gullar em
vitas, de limpidez, de elegância for- 1954? Onde senão à sombra do
mal? Certamente não os autores de Orfeu de Jorge espoucava no ano
Belo Belo (1947), Livro de Sonetos seguinte O Homem e sua Hora, o
(1948) ou Retrato Natural (1949). melhor que faria jamais o mesmo
Menos ainda o criador de José Faustino, em transe ideogrâmico a
(1942), da Bruxa (1945), de Luisa partir de 56? A que fontes senão às
Porto (1947). Não, aqueles rapazes mais castiças bebera Otávio Mora, o
não haviam lido com muita atenção adolescente que nos dava em 1956
senão os “sinais dos tempos” a che- Ausência viva, talvez a mais bela
gar-lhes do hospício poundiano com estréia poética desde A cinza das
a data vencida havia décadas, mas horas? Quem melhor que Cecília
em socorro de seus “festões de informava a bela Explicação de
penubis e oromãs”... Narciso que Marly de Oliveira pu-
blicava dois anos depois? E não só,
a lista é tão longa quanto irrespondí-
Do Titanic de papel vel. Edmir Domingues mesmo, 45 ou
não, certamente não necessitava de
à oportuna um urgente boca-a-boca para que
reinvenção da roda seu verso vivesse, livre que nascia
de “lusbéis alíseos, morigerantes
glaromas & cansadas rosas mur-
Não é de espantar que, uma vez chas”. Ele e incontáveis outros, not
evidenciado o mofo na prosódia de least a inclassificável Maria da
seus primeiros livrecos sem graça e Saüdade Cortezão, cujo O dançado
sem eco, nossos Marx Brothers se destino de 1956, exemplar quase
propusessem como vingança a in- eliotano de clássica limpidez, nem
ventar a roda. Porque assim foi toda uma banda dodecafona faria
como, encurralado no naufrágio dançar com menos elegância ante
geral do Titanic de papel de seus os educados príncipes de “Agedor”,
companheiros de primeira viagem - wherever that was to be found...
os demais invertebrados de 45 - três A ela devo muito, muitíssimo, como
dentre os mesmos, quando o fra- a todos os acima reverenciados,
casso lhes subiu à cabeça, julga- jovens ainda quando eu começava a
ram achar no eureka poundiano um ser jovem. Velhos mesmo, velhos de
salva-vidas: metamorfosearam-se matusalêmicas e parnasianas can-
em fênix de jornal para “salvar a seiras, só nossos empoeirados sapos
poesia”, proclamando a morte do de ontem, desde então reafinando
verso com a mesma cara de jaca- em vão seus surrados realejos em
randá com que Nietzsche anunciara uníssono para, na zoeira, probir a
a de Deus. tudo e a todos de existir. Mas aludi a
Mas, defuntíssimo Senhor, que uma História que se teria repetido
verso senão o deles poderia estar aqui como farsa. Qual foi? Ora, qual
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que seja. Talvez por isso o Anhan- quem à proa e quem à popa - e ao
gabaú continue seco... leme, aos cordames, aos remos. A
invisibilidade da tripulação nunca é
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mais que aparente, sua presença
miuda é condição indispensável ao
bom destino da empresa, da aventu-
ra.
E não obstante o estrago foi con- Pois como imaginar Bandeira sem
siderável. É que toda agitação artifi- Ribeiro Couto, Dante Milano, Joa-
cial e estéril confunde, dispersa ou quim Cardozo, Ronald de Carvalho e
paralisa um elemento indispensável muitos mais, na verdade os outros
a qualquer sedimentação cultural: o todos! Ou Graciliano sem Lins do
bom escritor de segundo escalão, de Rego e Marques Rebelo, ou Clarice
porte mediano, fruto da excelência sem Lúcio Cardoso e Cornélio
do esforço, da dedicação ao estudo, Pena? Nem Drummond é pensável
do suor do talento e não do gênio. É sem Mário e Oswald, sem Abgar e
ele que, paradoxalmente, sustém as Henriqueta! Nem Jorge de Lima
altitudes do gênio de uma raça, em- sem Ascenço ou Bopp... Mas os
basa-as à maneira da cordilheira exemplos são passíveis de confusão.
erguendo, sustentando seus cumes. Não se trata de mútua influência,
A solidão destes últimos não pode trata-se daquela participação quase
ser, não tem porque ser total, ela é anônima no que em Weimar se
tática apenas. Sem a variedade de chamava Stimmung. E onde se
seus pares, o lobo solitário é pouco perceberia melhor essa atmosfera,
mais que um desgarrado, por grande do que no mundo germânico? Que
e pungente que seja seu uivo, seu foi o Sturm und Dräng senão um
protesto precisamente contra esse estado de espírito entre pares, um
isolamento, sempre anti-natural e, stato d’animo antes de tudo? Tais
enquanto dure, uma perda para to- como Goethe e Schiller, nossos dois
dos. Com efeito, os momentos deci- gigantes românticos erguem-se
sivos nas grandes culturas do Oci- muito bem nos ombros de mais qua-
dente foram aqueles em que toda tro, seis, dez companheiros de jorna-
uma miríade de talentos menores da; sem contar, é claro, os hoje es-
superou a platitude da mediocridade, quecidos e então indispensáveis
que é toda outra coisa, e circundou semi-anônimos que sabiam o que
com naturalidade suas figuras de eles sabiam, que o serviam cada um
proa. A sólida nave de uma cultura à altura do próprio porte, mas sem
é feita do lenho tosco, mas confiá- ruptura ou descontinuidade. Em tal
vel, do que um povo tem de mais contexto, a exumação de Sousân-
próximo, mais familiar, mais saudá- drade, a mulher barbada do Roman-
vel. Os altos mastros não se erguem tismo brasileiro, é um inesperado
do nada, mas de um amplo convés aporte da saparia a esta tese, justa-
do mesmo lenho. Navegar é preciso, mente uma sua irônica ilustração: o
mas é toda uma raça que o faz, excêntrico nunca passa disso.
quem à gávea, quem à bússola,
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Não teria havido nem mesmo sentido mais puro à língua que um
nossa sorridente trindade parnasiana só homem, ou dois, ou mesmo três,
sem a sociedade de versejadores a falam sozinhos?
que sorria, sólida até mesmo quando
emoldurava os rebeldes. A essa luz,
Cruz e Sousa, Alphonsus e até o
paraibano de gênio não eram alheios
a um caldo de cultura que altera-
vam, é certo, mas sem o qual são
inimagináveis. E assim por diante.
A vida do espírito
como reverência
audácia e fé
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mas o fiat se fez e, se não desfez ingênuo herói sem nenhuma culpa, o
tudo o que quiz, embaralhou o que serve de base a toda uma cultu-
quanto se expunha ao canto das ra e foi amordaçado no primeiro
sereias que J. Alfred Prufrock sabi- andar e atirado aos porões de uma
amente não quiz ouvir: “Drls? poesia que podia ter sido e que se
amor em vidrotil, coitos de mo- foi.
dernfold, que a lança interflex Coitado, o editor que me pediu
nos separe em clavilux, vipax este livrinho, este semi-panfleto, não
ondalit camabel camabel o vale esperava mais que um j’accuse
ecoa... E pronto - plkx! jocoso, mas a hora é grave. Penso
E o canibal instala seu banquete naqueles meus irmãos poetas que se
de ossos, o sapo engorda, o charco deixaram abortar por falta de quem
se faz charcuteria e o verso morre os defendesse, contra si mesmos, se
de não nascer, de não poder ou não necessário. Nunca fora tão necessá-
querer mais saber se poderia ou não rio aos mais velhos, aos veneráveis
ter nascido, querer nascer. Essa vencedores, insugir-se, instruir, afir-
conta, paga ao longo de quatro dé- mar, e ninguém abriu a boca. Ma-
cadas pelos desvalidos de uma raça nuel mesmo, o grande Manuel, con-
sob agressão num país ocupado, os tentou-se em mostrar que também
sapos do DOI-CODI vanguardista podia fazer o novo, caso lhe
devem-na a uma nação hoje ampu-
tada.
A amputação
dos alicerces vitais
de uma cultura
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limitou-se a suspirar ante seu ci- de ser o primus inter paris, o poeta
preste do Cosme Velho: “que te maior, o modelo, como afinal ficou
julgue o tempo sábio: / entre os sendo. Mas João Cabral de Melo
espinhos a rosa, / entre as pala- Neto aceitou a coroa surrupiada
vras teu lábio.” Murilo fizera pru- pelos sapos, Simplício gostou da
dentemente as malas assim que piada... Leonizado pelos papas do
Jorge juntou-se a Ismael Nery na pântano, deu-lhes seu aval de tercei-
glória do Senhor, e fora rezar em ro napoleão... Vestindo a carapuça
San Pietro pelo que já não lhe im- sem necessidade - e sem efeito
portava mais, ou nem tanto. Resta- algum aliás - o usurpador do barrote
vam Vinícius e João Cabral, o que republicano invertia tudo, até mesmo
não teria sido pouco, se o primeiro o sentido da imagem de Dante, e
não tivesse emigrado para dentro de fazia per viltà il gran rifiuto. Sem
um violão e um copo de scotch, e o efeito algum, entenda-se bem, para
outro não se tivesse deixado subor- nós, para “aqueles poucos que
nar pela bajulação batráquia. fazem a cultura de uma época ”,
como na lisonja que me fez Bonne-
foy. Para estes não houve nunca
dúvida alguma de quem fosse de
Um 18 Brumário fato il maestro di collor che san-
como estratégia da no. Mas para a vítima confusa do
assalto ao verso e à realidade o
subversão dos valores embuste foi fatal. Este, o patinho
feio de sempre, entrou no espeto
made in Perdizes segundo a receita
Porque, ao contrário do que pro-
do hospício de Saint Elizabeth, para
clamaram os atrevidos sapos - e até
virar ora o porrete dos sapos, ora o
hoje o repetem seus acólitos apari-
cetro usurpado do poeta-diplomata.
sionados na ideologia - João Cabral
E foi o que se viu.
de Melo Neto não era nosso maior
Felizmente o que hoje se vê são
poeta vivo, menos ainda o guia-
as inglórias ruinas de papelão de um
mapa da poesia do porvir. Um título
show que acabou em menos que
e outro evidentemente cabiam por
nada. Com efeito, o “novo” parto da
longevidade de triunfo e nitidez de
montanha em revolução intestina
estilo a Manuel Bandeira, nosso
resulta apenas no roedor elegíaco
poeta exemplar ; ou então, por tudo
das próprias entranhas. Já há mais
isso e muito mais, a Carlos Drum-
de vinte anos, quando do aniversário
mond de Andrade, nosso poeta mai-
do cinquentão, à página 215 d'O
or quase que por antonomásia. O
Modernismo (Perspectiva, 1972)
qual, é verdade, já então esmaecia,
Affonso Ávila, em nome de tantos
dedicava-se já então à crônica, ao
mutilés of the esthetic war
faits divers do quotidiano ou ao
(A.A.Alvares), chorava o tramontar
memorialismo de almanaque, como
do projeto vanguardista tous azi-
o fustigava Mário Faustino. Sim, o
muts: "O Modernismo não conse-
fazendeiro do ar mudava-se para o
guiu evitar que estruturas ana-
sub-solo, mas não deixava por isso
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Bruno Tolentino, Os Deuses De Hoje,
Poesia 1964-94 (Record, 1995)
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