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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Faculdade de Comunicação Social

Tamiris de Assis Coutinho

Cai de boca no meu bucetão: uma análise do funk como potência do


empoderamento feminino

Rio de Janeiro
2020
Tamiris de Assis Coutinho

Cai de boca no meu bucetão: uma análise do funk como potência do empoderamento
feminino

Trabalho de conclusão de curso apresentado


como requisito para a conclusão da
Graduação em Comunicação Social com
habilitação em Relações Públicas, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientadora: Profª. Luiza Silva

Rio de Janeiro
2020
Ficha elaborada pelo autor através do
Sistema para Geração Automática de Ficha Catalográfica da Rede Sirius - UERJ

C871 Coutinho, Tamiris de Assis


Cai de boca no meu bucetão : uma análise do funk
com potência do empoderamento feminino / Tamiris de
Assis Coutinho. - 2020.
64 f.

Orientador: Luiza Silva


Monografia apresentada à Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Faculdade de Comunicação Social, para
obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social
(Relações Públicas).

1. Empoderamento feminino - Monografias. 2.


Feminismo - Monografias. 3. Funk - Monografias. 4.
Funk Feminino - Monografias. 5. MCs mulheres -
Monografias. I. Silva, Luiza. II. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Comunicação
Social. III. Título.

CDU 659.4
Tamiris de Assis Coutinho

Cai de boca no meu bucetão: uma análise do funk como potência do empoderamento
feminino

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como requisito para a
conclusão da Graduação em
Comunicação Social com habilitação em
Relações Públicas, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em: 09 de dezembro de 2020.


Banca examinadora:

______________________________________
Profª. Luiza Silva (Orientadora)
Faculdade de Comunicação Social da UERJ

____________________________________
Prof. Dr. Eduardo Guerra Murad Ferreira
Faculdade de Comunicação Social da UERJ

______________________________________
Profª. Drª. Cecília Maria Bacellar Sardenberg
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA

Rio de Janeiro
2020
AGRADECIMENTOS

Tantas pessoas que preciso agradecer que essa parte teria mais palavras do que a
própria dissertação, por isso, vou me ater a agradecer a Deus.
Agradecer a Ele por me dar o presente de, além ter sido gerada, ser criada e amada
pela minha mãe, a mulher mais maravilhosa, perfeita e parceira. Diomar, tudo pela gente,
sempre uma pela outra. Te amo mais que tudo.
Agradecer a Ele por me dar a minha família. Pai, avós, tias, tios, primas e primos, os
mais próximos e até os mais distantes, que são essenciais para meu alicerce como ser humano
e que são apoio independente de qualquer coisa.
Agradecer a Ele por colocar amigos tão especiais no meu caminho. Amigos de
infância, do colégio, da faculdade, do trabalho, da vida, que com suas vivências, crenças e
desafios me ensinaram e me ensinam diariamente a ser uma pessoa melhor. São tantos amigos
que ficaria difícil escrever o nome de todos aqui, mas eles sabem o quanto são especiais e
sabem que escrevo aqui pensando em cada um deles - muito emocionada por sinal.
Agradecer a Ele por colocar no meu caminho professores e colegas de trabalho que
foram fundamentais para a minha formação acadêmica e profissional na área da comunicação.
Em especial, por ter colocado a minha orientadora, Luiza Silva, na minha trajetória. Ela que
acreditou na proposta do trabalho e aceitou defendê-lo comigo. Quantos sentimentos (bons,
claro) ela provocava em uma só reunião: nervosismo, euforia, emoção e orgulho. Professora,
obrigada pelas análises críticas, pelo incentivo e pela parceria. Agradecer também aos
professores presentes na banca avaliadora. Cecília Sardenberg e Eduardo Murad, muito
obrigada por terem aceitado o convite e por terem prestigiado o meu trabalho.
Agradecer a Ele por ter tido a oportunidade de fazer o pré-vestibular social na UFF e
cursar a graduação na UERJ, dois locais que simplesmente mudaram a minha forma de ver e
viver o mundo, as coisas e as pessoas.
Por fim, agradecer a Ele por me dar saúde, força e disposição para correr atrás dos meus
objetivos e para lidar com as dificuldades da vida com dedicação, determinação, leveza,
alegria, muitas dúvidas, mas a certeza de que Ele está sempre me guiando e iluminando.
Agradecer a Ele por me permitir tirar aprendizado de tudo, por me proporcionar amadurecer,
viver intensamente e por me dar condições de me tornar a mulher que sou, a mulher que todo
dia luto para ser: dona de mim!
RESUMO

COUTINHO, Tamiris de Assis. Cai de boca no meu bucetão: uma análise do funk como
potência do empoderamento feminino. 65f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Comunicação Social) - Faculdade de Comunicação Social, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

O intuito deste trabalho é analisar o funk como potência do empoderamento feminino.


Em uma sociedade em que o machismo é expressado constantemente, cada mulher em
posição de destaque deve ser enaltecida e evidenciada como personagem fundamental para
fomentar a representatividade feminina nos diversos âmbitos. No funk, o destaque das MCs,
além de ser extremamente relevante para a representatividade feminina, rompe com a cultura
patriarcal e suas manifestações machistas, e é fator de resistência contra os preconceitos
socioculturais sofridos pelo gênero musical. O estudo, a partir de pesquisas bibliográficas e
documentais, exemplifica as origens e a trajetória do funk nos aspectos sociais, culturais e
mercadológicos, destaca a importância das lutas feministas para a emancipação das mulheres
e demonstra os conceitos de empoderamento pertinentes para o estudo. A fim de demonstrar a
importância do funk para o processo de empoderamento sob a perspectiva feminina,
evidenciam-se trechos de canções interpretadas por MCs mulheres, das diversas gerações e
vertentes do gênero musical, categorizados de acordo com uma matriz interpretativa que
combina as dimensões do empoderamento, de Stromquist, os objetivos do empoderamento, de
Sardenberg, e as esferas do empoderamento, desenvolvidas neste estudo.

Palavras-chaves: Empoderamento feminino. Feminismo. Funk. Funk feminino. MCs


mulheres.
ABSTRACT

The objective of this work is analyze the musical genre Funk as a power of female
empowerment. In a society where the male chauvinist exists, every woman in prominent
position needs to be exalted and standed out as a fundamental character to foster female
representation in different areas. In funk, the highlight of MCs, besides being extremely
relevant to female representation, breaks patriarchal culture, male chauvinist manifestations
and it is a resistance factor against the socio-cultural prejudices suffered by the musical genre.
In this context, the study, based on documentaries and researches, exemplifies the origins and
the trajectory of the funk in social, cultural and market aspects, highlights the importance of
the emancipation of women and demonstrates the concepts of empowerment pertinent for the
study. In order to demonstrate the importance of funk for the empowerment process from a
female perspective, songs from different aspects of the musical genre performed by female
are demonstrated and categorized according to an interpretive matrix that combines the
dimensions of empowerment, Stromquist's study, the objectives of empowerment by
Sardenberg and the spheres of empowerment developed in this study.

Keywords: Female Empowerment. Feminism. Funk. Female Funk. Women‟s MCs.


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Empoderamento sob a perspectiva cognitiva...........................................................42


Tabela 2 - Empoderamento sob a perspectiva psicológica.......................................................50
Tabela 3 - Empoderamento sob a perspectiva política............................................................. 54
Tabela 4 - Empoderamento sob a perspectiva econômica ...................................................... 57
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
1 É SOM DE PRETO, DE FAVELADO, MAS QUANDO TOCA, NINGUÉM
FICA PARADO.......................................................................................................................13
1.1 A origem do funk: breve contexto
histórico...................................................................................................................................13
1.2 A trajetória do funk no Brasil: do soul ao
150bpm.....................................................................................................................................16
2 A MULHER NO FUNK: DAS MINAS DISPOSIÇÃO AO BONDE DAS FAIXA
ROSA.......................................................................................................................................30
3 O FUNK COMO POTÊNCIA DO EMPODERAMENTO
FEMININO.............................................................................................................................37
3.1 Empoderamento sob a perspectiva
cognitiva...................................................................................................................................41
3.2 Empoderamento sob a perspectiva
psicológica................................................................................................................................48
3.3 Empoderamento sob a perspectiva
política......................................................................................................................................53
3.4 Empoderamento sob a perspectiva
econômica.................................................................................................................................56
4 CONCLUSÃO.............................................................................................................61
REFERÊNCIAS..........................................................................................................63
10

Introdução

“Ai tá bom hein? Vem com essa boquinha, abaixar minha sainha, bota pra fora essa
linguinha, me deixa com tesão”. Interpretado por MC Rebecca, o trecho faz parte de “Cai de
boca”, música que foi fonte de motivação para a proposta deste trabalho: analisar o funk como
potência do empoderamento da mulher. A observação da recepção, aderência e manifestação
do público feminino perante a música foi o que provocou o desenvolvimento deste estudo.
Em festas e redes sociais, por exemplo, as mulheres entoavam “cai de boca no meu bucetão”
com tanto fervor que parecia que a música era um hino: um hino de representatividade da
libertação sexual da mulher. Engana-se quem acredita que a música fomenta somente a
“putaria1”, na verdade, os versos desconstroem a lógica patriarcal que sufoca e diminui as
vontades e necessidades das mulheres.
Para que hoje, MC Rebecca possa cantar versos como o explicitado, e para que
diversas MCs possam externar suas vivências e necessidades livremente, outras mulheres
também estiveram na linha de frente lutando pela equidade de gênero na sociedade em geral,
na cultura, na música e no funk. Em uma sociedade em que o machismo é expressado
constantemente, cada mulher em posição de destaque é extremamente importante. No funk, a
mulher em evidência, além de romper com a cultura patriarcal e o machismo estrutural,
precisa se emancipar dos estigmas e preconceitos sofridos pelo gênero musical.
O funk percorreu um longo caminho de desenvolvimento até ser uma das principais
manifestações de cultura popular do Brasil. Por isso, é necessário explorar sua trajetória. No
primeiro capítulo intitulado “É som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguém fica
parado”, há a análise histórica do funk a fim de demonstrar toda sua relevância. Para tal, o
capítulo está dividido em duas partes. Na primeira parte intitulada “A origem do funk: um
breve contexto histórico”, verifica-se a origem do funk e as influências proporcionadas pela
cultura negra norte-americana. Gêneros como spiritual, blues, jazz, rhythm & blues, soul,
funky e hip hop são apresentados, evidenciando seus estilos e principais particularidades, a
fim de demonstrar a importância de cada um deles para disseminar a resistência,
autenticidade, representatividade e valorização da cultura negra, aspectos que fomentaram a
chegada e desenvolvimento do funk no Brasil. Na segunda parte intitulada “A Trajetória do
funk no Brasil: do soul ao 150bpm”, analisa-se o contexto da chegada da música negra norte-
americana ao Brasil, mais especificamente ao Rio de Janeiro, através do soul, e o processo de

1
O termo “putaria”, neste estudo, refere-se a vertente do funk que usa a temática sexual como foco central das produções
conforme explicitado na página 25 deste trabalho.
11

nacionalização do funk, com ênfase a partir do ano de 1990, até o desenvolvimento de suas
vertentes mais atuais. Ainda nessa parte, verifica-se o debate acerca da criminalização do
gênero musical e a importância do funk nos aspectos social, cultural e mercadológico. As
considerações de Muggiati (1995), Essinger (2005), Facina (2009), Vianna (1988, 1990),
Lopes (2011) e Herschmann (2005) são utilizadas a fim de contribuir para o embasamento
teórico do estudo.
Para defender o funk como potência do empoderamento feminino, além de analisar a
história do gênero musical, é necessário observar a evolução das manifestações
emancipatórias das mulheres.
No segundo capítulo intitulado “A mulher no funk: das minas disposição ao bonde das
faixa rosa”, evidencia-se a inserção e manutenção da mulher no gênero musical. Para a
análise, o trabalho propõe a categorização de quatro gerações do funk feminino 2. Além da
trajetória da mulher no gênero musical, a pesquisa também explicita a relevância do
movimento feminista. Ainda nessa parte, é evidenciada a importância do empoderamento sob
a perspectiva de gênero para a emancipação da mulher da cultura patriarcal e suas expressões
machistas. São utilizadas as contribuições teóricas de Telles (1993), Kilomba (2012),
Batliwala (2007), Léon (1997, 2001), Costa (2000), Lyra (2006) e Garcia (2015).
No terceiro capítulo intitulado “O funk como potência do empoderamento feminino”,
além da exposição dos conceitos de empoderamento, verifica-se a linguagem utilizada no
universo funk e os preconceitos sofridos pelo gênero nos aspectos técnico e comportamental.
Os processos educacionais e comunicacionais também são evidenciados a fim de demonstrar
a relevância da autenticidade do funk para o processo de identificação. Para o exame do funk
como potência do empoderamento da mulher, utilizam-se referências que abordam o tema
com o propósito de construir um modelo analítico. Seria possível, a partir da bibliografia
especializada, elaborar uma matriz que pudesse ser projetada sobre o objeto deste trabalho no
intuito de examinar a consistência do que se defende? Para atingir o que se propõe, a análise
contempla as dimensões do empoderamento (STROMQUIST, 2002) e os objetivos do
empoderamento (SARDENBERG, 2006). A partir das considerações das estudiosas, o
trabalho propõe esferas 3 do empoderamento. Por meio de um arcabouço combinando as
dimensões, os objetivos e as esferas, há a demonstração, categorização e análise de trechos de
funks interpretados e cantados por MCs mulheres a fim de evidenciar de que modo o funk

2
Neste estudo, entende-se por funk feminino canções interpretadas e cantadas por mulheres.
3
As esferas referem-se às categorias propostas por este estudo a fim de facilitar a análise do objeto em questão, conforme
explicitado na página 39 deste trabalho.
12

pode ser entendido como potencializador do empoderamento feminino. Além das referências
mencionadas, as reflexões de Paiva (2009), Berth (2019), Beauvoir (1967), Araújo (2014) e
Adichie (2014), contribuem para esta dissertação.
13

1 - É som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguém fica parado

Para que hoje possa ser estudado na qualidade de manifestação de cultura popular, o
funk percorreu um caminho repleto de desafios, superações e sucessos. As origens na diáspora
4
africana e as influências proporcionadas pela cultura negra norte-americana foram
fundamentais para o desenvolvimento do gênero. Por conta de sua autenticidade e relevância,
o funk é mecanismo de resistência e representatividade e se manifesta nos âmbitos sociais,
culturais e mercadológicos.

1.1- A origem do funk: breve contexto histórico

Para entender como se deu a evolução e consolidação do funk como movimento social,
cultural e mercadológico no Brasil, é preciso analisar todo o contexto da sua história, ou seja,
é necessário primeiramente observar as principais manifestações da cultura negra norte-
americana que influenciaram em seu desenvolvimento.
O pontapé inicial desta análise é o blues. O gênero musical tem suas origens no século
XVII com os negros que foram retirados à força da África para trabalhar no sistema
escravocrata nas fazendas do Sul dos Estados Unidos.
Enquanto enfrentavam exaustivas jornadas de trabalho, os negros entoavam dizeres
ritmados que tinham como único instrumento a voz, as chamadas worksongs. Os donos de
terra e capatazes entendiam as canções como uma forma de manter a cadência do trabalho,
contudo, os negros as usavam, principalmente, para resistir às péssimas condições em que
viviam.
Com o projeto de evangelização cristã dos negros, que ocorreu a partir do século XIX,
as expressões religiosas foram unidas aos ritmos provenientes da diáspora africana e à
essência das worksongs. Esse processo desencadeou o que ficou conhecido como spiritual5 e
foi fundamental para a criação efetiva do blues. 6 Entre final do século XIX e meados do
século XX fatores como o fim da Guerra Civil,7 a abolição da escravidão,8 a ampliação dos

4
Fenômeno caracterizado pela imigração forçada de africanos durante o tráfico negreiro. Junto dos seres humanos,
embarcaram modos de vida, culturas, práticas religiosas, línguas e formas de organização política que influenciaram na
construção das sociedades nas quais os africanos foram escravizados.
5
Canções que mesclam a mítica religiosa, o sentimento de melancolia e questões sociais.
6
Especula-se em alguns estudos, como de Muggiati (MUGGIATI, 1995), que a nomenclatura do estilo musical faz referência
à expressão “to look blue” que remete aos sentimentos de medo, ansiedade, tristeza e depressão.
7
Também conhecida como Guerra da Secessão, foi um conflito entre os estados do Norte e os estados do Sul dos Estados
Unidos. Iniciou-se em 1861 devido à iniciativa dos estados do Sul de se separarem da União motivados pela divergência
acerca da abolição da escravatura e da ocupação de territórios no Oeste. A derrota sulista, que buscava manter o sistema
escravocrata, desencadeou o fim dos conflitos em 1865.
14

meios de transporte e o desenvolvimento industrial proporcionaram à comunidade negra mais


oportunidades, ainda que muito pequenas, afinal, a segregação racial era institucionalizada e
os negros eram perseguidos por grupos como o Ku Klux Klan.9
Ainda que com pouquíssima liberdade, a comunidade negra começou a migrar do Sul
para o Norte dos Estados Unidos, principalmente para as regiões de Chicago e Nova York.
Essa dinâmica ampliou as fronteiras do blues, aumentou sua popularidade e levou às
primeiras gravações oficiais do ritmo. A primeira delas foi a música Crazy Blues,10 de Mamie
Smith,11 em 1920. Junto de Mamie, as classic blues singer12 foram as pioneiras no mercado
fonográfico da black records.13
Ainda no século XX, outro gênero surgiu para dar ênfase a black music norte-
americana, o jazz. O gênero musical, que teve seu auge entre os anos de 1930 e 1940, uniu a
essência do blues à improvisação, 14 à dança e ao swing 15 que eram representados pelas
performances grandiosas das Big Bands.16
Com o desenvolvimento do jazz, no final de 1940, surge o termo Rhythm & Blues17 que
foi pensado a partir de um viés comercial para designar as produções afro-americanas. O
ritmo, que tinha batidas mais eletrônicas, popularizou-se sob a ótica mercadológica,
ampliando a produção e consumo da música para além da comunidade negra. Esse processo
acabou sendo acusado de “embranquecer”18 os gêneros musicais da black music.
Foi nesse contexto, que a partir de 1960, desenvolveu-se o soul que, muito além de um
gênero musical, foi um movimento que agia como uma força que buscava unir a comunidade
negra. No ápice dos protestos a favor dos direitos civis 19 dos negros norte-americanos, os
artistas do soul, como resposta à forte política institucional de segregação racial, fomentavam

8
Em 1° de janeiro de 1863, entrou em vigor, assinado pelo presidente Abraham Lincoln, o Ato de Emancipação, libertando
aproximadamente 4 milhões de escravos negros.
9
Grupo reacionário e extremista que defende a supremacia branca. Perseguia os negros libertos e seus apoiadores a fim de
"purificar” a sociedade norte-americana. Na década de 1920, a organização possuía aproximadamente quatro milhões de
participantes.
10
MAMIE Smith - Crazy Blues (1920). The Land of Marcos. 13 de ago. de 2009. 1 vídeo Youtube (3min34s). Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=qaz4Ziw_CfQ>. Acesso em 15 de jul.de 2020.
11
Mamie Smith (1883-1946) obteve tanto sucesso que se tornou a artista negra mais bem paga da época.
12
Vocalistas negras que abriram o mercado fonográfico do gênero. Uniam em suas performances vocais sofisticados e
orquestras.
13
Nomenclatura utilizada para designar os repertórios musicais destinados ao público negro norte-americano.
14
Técnica em que os cantores, baseados em um tema e seguindo os acordes das músicas, criavam as letras na hora da
apresentação.
15
Técnica utilizada para tornar o ritmo soul mais dançante, porém mantendo suas peculiaridades.
16
Grandes orquestras que privilegiavam o uso de instrumentos como trompetes, saxofones, contrabaixo e a bateria. Foram
fundamentais para popularizar o jazz e elevar o nível das produções.
17
Também chamado de R&B, termo comercial introduzido nos Estados Unidos, na década de 40, pela revista Billboard.
18
O ritmo, que era originalmente produzido e consumido pela comunidade negra, passou a ser dominado por pessoas
brancas.
19
Conhecido como Movimento dos Direitos Civis, aconteceu entre 1955 e 1968, nos Estados Unidos. Diversas manifestações
foram realizadas com o objetivo de abolir a discriminação e segregação racial no país.
15

lemas como I’m black and I’m proud 20 e Black is beautiful 21 expandindo ainda mais a
visibilidade do movimento Black Power. 22 Nina Simone, 23 por exemplo, foi uma mulher
atuante, não somente como artista, mas como militante e ativista. Usou suas músicas para
expressar e defender seu posicionamento acerca das desigualdades sociais e preconceitos,
principalmente raciais.
E foi nesse período de efervescência social e musical, que a partir de 1970, batidas mais
intensas, repetitivas e sensuais foram implementadas ao soul desenvolvendo o funky.
A palavra funky era empregada para indicar a batida forte e dançante do ritmo musical,
mas também era associada à conotação sexual sendo considerada uma palavra inadequada. O
termo também era utilizado como uma manifestação racista. Segundo Silvio Essinger, a
palavra era usada de forma pejorativa como gíria para “malcheiroso” a fim de atacar os
negros (ESSINGER, 2005, 11).
Independente da sua etimologia, a palavra foi ressignificada pela comunidade negra e
passou a ser usada para expressar o estilo de vida marcado pela autenticidade do movimento
negro norte-americano.
A constante movimentação da black music levou ao desenvolvimento de outra
manifestação musical de extrema importância para o estudo, o hip hop, que ganhou destaque a
partir de 1980. O hip hop uniu as influências jamaicanas à black music e através da dança,
arte, música e discurso, passou a abordar, principalmente, o contexto social das periferias dos
Estados Unidos. Novas técnicas surgiram como o sound systems,24 as mixagens,25 o scratch26
e o sampler. 27 Os DJs28 e os Masters of Ceremony (MCs) 29 ganharam destaque e o Rap 30
passou a ser a principal manifestação musical do movimento.
Os gêneros da black music norte-americana foram fundamentais para o
amadurecimento do processo de resistência da comunidade negra, afinal, em um país

20
“Say it loud: I’m black and I’m proud” (Diga alto: eu sou negro e tenho orgulho). Música lançada em 1968, interpretada
por James Brown, principal cantor do funk norte-americano e representante do movimento Black Power.
21
O lema “Black is beautiful” (Negro é Lindo) baseava-se na luta pela percepção positiva e igualitária da estética negra a fim
de romper com a supremacia dos padrões estéticos brancos.
22
O movimento Black Power teve maior repercussão entre final dos anos 60 e início dos anos 70 e buscava enfatizar o
orgulho negro através de manifestações culturais, sociais e políticas.
23
Nome artístico de Eunice Kathleen Waymon (1933-2003). Artista da black-music e militante dos direitos civis dos negros
norte-americanos.
24
Aparelhos de reprodução de áudio caracterizados pela alta potência das caixas de som.
25
Atividade na qual diversos sons são combinados para criar um novo arranjo musical.
26
Movimento de arrastar os discos em sentido anti-horário para produzir um som arranhado.
27
Técnica que utiliza partes de uma música na produção de outra música.
28
Sigla para Disc Jockey. Artista profissional que seleciona, reproduz e apresenta as mais diferentes composições musicais.
29
O Mestre de Cerimônia, comumente chamado de MC, é responsável por interagir com o público, além de compor, cantar e
improvisar.
30
Abreviação para Rhythm and Poetry. Um dos pilares mais evidentes do movimento Hip Hop, consiste em realizar um
discurso rítmico de rimas e poesias.
16

extremamente racista, ter negros em posição de destaque e ditando tendências ia muito além
do fazer sucesso, era um ato de representatividade e valorização de suas raízes.
Por conta disso, a cultura negra norte-americana promoveu uma revolução musical,
mercadológica e social. Suas manifestações ultrapassaram as fronteiras do solo norte-
americano e impactaram diversos lugares como o Brasil.

1.2 A trajetória do funk no Brasil: do soul ao 150bpm

Conforme analisado na primeira parte deste capítulo, a cultura negra norte-americana,


por promover uma revolução musical, mercadológica e social, acabou impactando diversos
lugares, como o Brasil. Ao chegar em solo brasileiro, inicialmente no Rio de Janeiro, a black
music norte-americana, ao se fundir à realidade e manifestações locais, fomentou o processo
que levou ao desenvolvimento do que se tornaria uma das principais manifestações culturais
do país. Como destaca Adriana Facina:

A história do funk carioca tem origem na junção de tradições musicais afro descendentes
brasileiras e estadunidenses. Não se trata, portanto, de uma importação de um ritmo
estrangeiro, mas sim de uma releitura de um tipo de música ligado à diáspora africana”
(FACINA, 2009, p.2).

Nesta parte do estudo, portanto, observa-se como se deu a trajetória do gênero musical
funk, com enfoque para o seu desenvolvimento no Rio de Janeiro, afinal, foi na cidade
maravilhosa que a partir de 1970 o embrião do funk carioca, o soul, ganhou destaque com os
chamados Bailes da Pesada. Fomentados por Ademir Lemos 31 e Big Boy,32 os bailes, que
eram ecléticos, passaram a inserir o soul em sua programação. Apelidado de “balanço”, o
ritmo conquistou os jovens cariocas que organizados em grupos, lotavam os salões para
dançar em passos marcados.
Os primeiros Bailes da Pesada aconteceram no Canecão. 33 Como destaca Hermano
Vianna, “Os Bailes da Pesada, como eram chamadas essas festas domingueiras no Canecão,
atraíam cerca de 5 mil dançarinos de todos os bairros cariocas, tanto da Zona Sul quanto da
Zona Norte” (VIANNA, 1988, p.24).

31
Cantor, compositor, DJ e produtor. Um dos principais participantes na organização e produção dos primeiros Bailes da
Pesada.
32
DJ e locutor radialista da década de 70. Considerado um dos radialistas mais inovadores da época, foi um dos idealizadores
do Baile da Pesada.
33
Casa de shows que se localizava no bairro de Botafogo, zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
17

No entanto, mesmo no auge da popularidade dos bailes, o Canecão encerrou a produção


das festas. Segundo declaração de Ademir Lemos:

As coisas estavam indo muito bem por lá. Os resultados financeiros estavam correspondendo
à expectativa. Porém, começou a haver falta de liberdade do pessoal que frequentava. Os
diretores começaram a pichar tudo, a pôr restrição em tudo. Mas nós íamos levando até que
pintou a ideia da direção do Canecão de fazer um show com Roberto Carlos. Era a
oportunidade deles para intelectualizar a casa, e eles não iam perdê-la, por isso fomos
convidados pela direção a acabar com o baile (Jornal de Música, n.30, fev 1977:5, apud
VIANNA, 1988, p.24).

A declaração acima leva ao questionamento acerca do real motivo para o encerramento


dos bailes, visto que os mesmos estavam proporcionando resultados financeiros positivos. Em
uma sociedade capitalista que sempre privilegia os lucros, a atitude de “intelectualizar” o
ambiente, de certa forma, excluiu o ritmo musical e seus frequentadores da zona sul do Rio de
Janeiro.
Contudo, o fim dos bailes no Canecão teve seu lado positivo, pois as festas soul, que já
aconteciam em menor escala nas periferias, passaram a ocorrer com mais ênfase. Esse
processo popularizou o ritmo e fez com que a black music encontrasse de fato o seu lar: os
clubes dos subúrbios cariocas.
Segundo Hermano Vianna, “Informantes que frequentavam esses bailes contam que
uma legião fiel de dançarinos ia a todos os lugares, do Ginásio do América ao Cascadura
Tênis Clube” (VIANNA, 1988, p. 25).
A legião fiel de dançarinos era movida, principalmente, pela qualidade das
aparelhagens de sons que proporcionavam melhor experiência sonora da black music. Quanto
mais qualidade tinham as aparelhagens de som, mais conhecido o baile se tornava e mais fiel
o público era. O DJ era importante, mas as equipes de som que eram a atração principal. Por
conta disso, diversas equipes foram criadas como Soul Grand Prix, Black Power e Furacão
2000.
Além da qualidade técnica, para realizar bons bailes, as equipes precisavam estar
atualizadas e ter os discos com as novidades da black music norte-americana. No entanto,
consegui-los não era fácil. Para obtê-los, os intermediadores, geralmente comissários de vôo,
viajavam aos Estados Unidos, compravam os discos e levavam os lançamentos ao Brasil.
Devido à dificuldade desse processo, muitas equipes parceiras passaram a vender e
compartilhar os LPs, processo definido por Hermano como “transação de discos” (VIANNA,
1988, p.26).
18

Com a ampliação do soul e a dificuldade em conseguir os discos, as equipes investiram


na black music brasileira e criaram seus próprios LPs, sendo o Soul Grand Prix o primeiro,
lançado em 1976. Essa dinâmica influenciou no desenvolvimento do mercado independente
do gênero, pois as equipes passaram, além de organizar e promover as festas, a produzir e
distribuir as músicas. Essa movimentação fortaleceu as equipes que começaram a entrar no
circuito das grandes gravadoras daquele período, fomentando empregos e impulsionando a
economia local.
Mesmo já movimentando o cenário musical e mercadológico, as manifestações do soul
ainda não eram tão evidenciadas nos meios de comunicação de massa. Isso começou a mudar
quando o movimento Black Power eclodiu no Rio de Janeiro, e os bailes soul passaram a ser
um dos principais canais de propagação e enaltecimento da estética e orgulho da comunidade
negra carioca.
No contexto social da época, em plena Ditadura Militar,34 o processo de identificação
da juventude negra despertou a atenção dos militares acerca de sua potência política e
ideológica. Por conta disso, aproximadamente a partir de 1975, a black music começou a ser
efetivamente debatida na mídia após uma reportagem definir a união dos jovens negros
cariocas como movimento Black Rio. Alguns proprietários de equipes e artistas acabaram
sendo perseguidos e até mesmo detidos durante esse período.
Por mais que alguns grupos fomentassem a discussão política-ideológica, essa não era a
essência dos bailes defendida pela maioria dos participantes. Percebe-se através da declaração
de Nirto, na época um dos donos da equipe Soul Grand Prix:

Esse negócio é muito melindroso, sabe? Poxa, não existe nada de político na transação. É o
pessoal que não vive dentro do soul e por acaso passou e viu, vamos dizer assim, muitas
pessoas negras juntas, então assusta. Se assustam e ficam sem entender o porquê. Então
entram numa de movimento político. Mas não é nada disso. É curtição, gente querendo se
divertir (Jornal do Brasil, 17 jul 1976:4, apud HERMANO, 1988, p.28).

“Muitas pessoas negras juntas, então assusta”. A frase retirada da declaração acima,
destaca como o preconceito, principalmente racial, sempre permeou o gênero musical. Nesse
período em específico, evidenciado ainda mais pela ação de repressão dos militares.
Em razão da visibilidade proporcionada pela mídia ao Black Rio, que passou a ser
usado como sinônimo para denominar as manifestações da black music, o soul ultrapassou as
fronteiras do Rio de Janeiro e se popularizou em outros estados.

34
Regime autoritário instaurado através de um golpe militar que durou de abril de 1964 até março de 1985. Sob comando das
militares, estabeleceu a censura à imprensa, restrição de direitos políticos e perseguição policial a quem fosse opositor.
19

O movimento Black Rio foi extremamente importante para fomentar a conscientização


e valorização da cultura negra entre os jovens dos subúrbios cariocas. Contudo, a partir da
década de 80, o movimento começou a perder relevância principalmente devido à ampliação
da Era Disco.35
Vale destacar que o trabalho propõe uma cronologia a fim de facilitar o entendimento
do desenvolvimento e fortalecimento do funk. Diversos gêneros, variantes da black music
norte-americana, assim como ritmos da manifestação da própria cultura negra brasileira
seguiam ativos, coexistindo e dialogando entre si. Por conta dessa variedade, a partir da
década de 1980, a expressão “funk” começou a ser comumente usada genericamente para se
referir aos gêneros musicais provenientes da black music norte-americana como o latin
freestyle, miami bass, electro funk e hip-hop (FACINA, NOVAES, 2020).
Devido ao dinamismo proporcionado pelas variações musicais, a partir de 1985, outro
estilo musical ganha visibilidade no Rio de Janeiro, o Miami Bass. O subgênero do hip hop,
que ganhou popularidade nos EUA e na América Latina entre os anos 80 e 90, tinha batidas
mais rápidas, aceleradas e graves, variando entre 127 e 132 bpm (batimentos por minutos). Os
discursos exploravam a temática sexual e não focavam muito em questões sociais profundas,
como a criminalidade e a discriminação racial, por exemplo. O Miami Bass foi base para a
revolução musical que desencadeou efetivamente na criação do funk carioca. Um dos
principais fomentadores desse processo foi o DJ Marlboro 36 ao trabalhar nas batidas da
vertente do hip hop e produzir o primeiro álbum de funk brasileiro. Lançado em 1989, o CD
Funk Brasil tinha faixas em português, chamadas de melôs, 37 e chegou a superar cem mil
cópias vendidas. A iniciativa virou uma coletânea, impulsionou a carreira de inúmeros MCs e
ampliou a visibilidade do ritmo musical.
A partir da década de 1990, portanto, o funk nacional, com enfoque para o Rio de
Janeiro, inicia sua própria história de evolução e se consolida musicalmente. MCs e DJs
brasileiros passaram a ganhar maior relevância e as músicas começaram a focar em assuntos
do cotidiano carioca. O funk começou também a se popularizar entre as emissoras de rádio e
televisão. Em 1990, por exemplo, a música Feira de Acari, interpretada por MC Batata, foi a

35
Fenômeno que ganhou destaque mundial na década de 70. No Brasil, seu auge foi nos anos de 1978 com a exibição da
novela Dancin‟ Days, da rede Globo de televisão. O ritmo musical mistura pop, salsa, funk, soul e rock com arranjos
elaborados e batidas fortes. A partir de 1980, começou a perder evidência e influenciou o desenvolvimento da música dance e
eletrônica.
36
Nome artístico de Fernando Luís Mattos da Matta. DJ tido como o criador do funk carioca devido à introdução da bateria
eletrônica que desenvolveu o gênero.
37
Faixas vocais em português que se assemelham sonoramente às letras em inglês. Por exemplo, as músicas You talk too
much, do Run DMC, que foi nomeada como “Taca tomate”, e Whoop there is it, do Tag Team, que se transformou em “Uh!
Tererê!”.
20

primeira música funk a ser reconhecida em rede nacional ao entrar na trilha sonora da novela
Barriga de Aluguel, da Rede Globo. O Programa da Xuxa, também na Rede Globo, abriu
espaço ao funk quando convidou DJ Marlboro para ser o discotecário residente do programa.
O funk também ganhou programas destinados a ele, como o da Furacão 2000, na emissora de
televisão CNT. A programação, similar ao programa Soul Train,38 apresentava, enaltecia e
divulgava o movimento funk através das músicas, festas e ações.
Durante toda década de 1990, o gênero musical começou a abarcar diferentes vertentes
e estilos de manifestação. A principal fonte de propagação musical continuou sendo os bailes.
Música alta, aparelhagens de som e criatividade nas danças e vestimentas, herança dos bailes
black e soul se mantiveram (FACINA, NOVAES, 2020).
Durante a década de 90, diferentes estilos de bailes funk ocorriam no Rio de Janeiro,
sendo eles os Bailes de Comunidade e os Bailes de clubes, divididos em Bailes de Corredor e
Bailes Comuns (BRAÇANÇA, 2017, p.50).
Os bailes que ocorriam dentro das comunidades, como o do Chapéu Mangueira, no
bairro do Leme, recebiam pessoas de diversos lugares, não somente moradores da localidade,
e atraiam milhares de pessoas.
Havia também os Bailes de Galera. As “galeras” eram formadas por jovens unidos
geralmente pela região onde moravam. Algumas eram tão grandes que iam aos bailes em
ônibus fretados. Durante esse tipo de baile, além da música, havia gincanas e disputas, como a
musa do baile e o melhor grito de guerra e rap das galeras.
Outro tipo de baile que ganhou bastante destaque no período, foram os Bailes de Briga,
popularmente conhecidos como Bailes de Corredor. Nesse tipo de baile, os confrontos
corporais eram a atração principal. Os versos das montagens 39 entoavam enquanto os
frequentadores se dividiam em Lado A e Lado B para se enfrentarem no meio da pista de
dança, brigando no ritmo da música. Esses bailes possuíam algumas regras como respeitar os
seguranças e só brigar no momento determinado, conhecido como “os cinco minutinhos de
alegria.” A prática, que era vista pelos adeptos como forma de lazer, foi utilizada pela mídia
de massa para associar o funk e o funkeiro a diversos movimentos violentos na cidade, como
os “arrastões”. Segundo Adriana Lopes:

38
Programa de televisão criado por Don Cornelius que passava durante a década de 70 nos Estados Unidos. A programação
contava com performances de cantores, grupos e dançarinos da black music norte-americana.
39
De acordo com Silvio Essinger (ESSINGER, 2005), as montagens são músicas que mesclam o ritmo do Miami Bass com
frases ditas por MCs ou retiradas de outros discos. O padrão consiste em usar essas frases de forma repetitiva em consonância
com as batidas da música.
21

Um acontecimento foi crucial para que tal imagem dos funkeiros ganhasse força: os chamados
“arrastões”. Vale destacar que esse termo foi o nome dado pela mídia para uma suposta
“invasão” de uma das praias mais famosas do Rio de Janeiro por centenas de jovens
funkeiros, habitantes de favelas, que, segundo os jornais, só estavam lá para saquear os
banhistas de classe média. Como já destaquei, o funk não teve início com o “arrastão”, mas
esse evento acelerou o seu processo de popularização, arremessando os jovens das favelas
para o centro do cenário midiático (LOPES, 2011, p.34).

Durante esse período, o funk passa a ocupar a linha editorial dos principais veículos de
comunicação de massa. O gênero musical era evidenciado sob o viés da sua suposta potência
criminosa com a chamada “O funk é perigoso?” na maioria das produções. Já o funkeiro era
identificado como um jovem perigoso, vadio, infrator da lei e da ordem social,
consequentemente, participante de quadrilhas criminosas, como assaltantes ou traficantes. A
construção dessa imagem foi inserida no imaginário social e, infelizmente, perdura até os dias
atuais.
Nesse contexto, o funk virou pauta de segurança pública e passou a ser discutido pela
Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. Com receio da imposição de deliberações
restritivas, como a proibição das festas, as equipes de som que promoviam os Bailes de
Corredor se uniram e adotaram algumas medidas, como parar de tocar os gritos de guerra que
fomentavam os confrontos.
Os confrontos dentro dos bailes eram só uma parcela diante de uma grande
manifestação sociocultural. Os bailes funks não eram constituídos somente de brigas e nem
deveriam ser resumidos somente a isso. Prova disso, é que durante esse mesmo período,
aconteciam os Festivais que eram uma espécie de concurso onde os MCs expunham suas
canções. Um dos clássicos do funk, o Rap do Festival,40 evidencia esse período:

Funkeiro que eu sei vocês são sangue bom


Vem pro baile sentir disposição.
Use suas forças pra dançar um pancadão
Não pra arrumar tumulto no salão.
Vamos todos fazer do mundo um lugar
Onde a paz e o amor possam reinar.
Brigar pra que, se é sem querer
Quem é que vai nos proteger.
Pare e pense um pouco mais
De violência que nunca mais.
Massa funkeira, não me leve a mal
Vem com paz e amor curtir o festival.
O festival daqui é muito bom
O festival é um jogo de emoção.
(...)
Seja um funkeiro puro e um ser humano bom.
O mundo precisa de compreensão
Diga sim à paz e à violência não.

40
DANDA E TAFAREL - Rap do Festival. Funkneurotico. 2 de mar. de 2007. 1 vídeo Youtube (4min13s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=wmU_NukSeD0>. Acesso em: 15 de jul. de 2020.
22

(...)
Uma tristeza dominou meu coração
Vendo a massa funkeira numa confusão.
O amor é importante no seu coração
E a alegria dentro e fora do salão.
Seja sincero, honesto e muito fiel
Esse é o recado do Danda e do Taffarel
(DANDA E TAFAREL, Rap do Festival, 1994).

Fomentados pelos Festivais, os MCs passaram a abordar diversas temáticas que


falavam sobre o dia a dia das favelas. Como exemplo, o Rap da felicidade:41

Eu só quero é ser feliz


Andar tranquilamente na favela onde eu nasci,
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem o seu lugar
Fé em Deus... DJ
(...)
Minha cara autoridade, já não sei o que fazer
Com tanta violência eu sinto medo de viver
Pois moro na favela e sou muito desrespeitado
A tristeza e a alegria aqui caminham lado a lado
Eu faço uma oração para uma santa protetora
Mas sou interrompido a tiros de metralhadora
Enquanto os ricos moram numa casa grande e bela
O pobre é humilhado, esculachado na favela
Já não aguento mais essa onda de violência
Só peço autoridade um pouco mais de competência
(...)
Diversão hoje em dia não podemos nem pensar
Pois até lá no baile eles vêm nos humilhar
Ficar lá na praça, que era tudo tão normal
Agora virou moda a violência no local
Pessoas inocentes, que não têm nada a ver
Estão perdendo hoje o seu direito de viver
Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela
Só vejo paisagem muito linda e muito bela
Quem vai pro exterior da favela sente saudade
O gringo vem aqui e não conhece a realidade
Vai pra Zona Sul pra conhecer água de coco
E o pobre na favela, vive passando sufoco
Trocaram a presidência, uma nova esperança
Sofri na tempestade, agora eu quero a bonança
O povo tem a força, só precisa descobrir
Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui.
(CIDINHO E DOCA, Rap da felicidade 1995).

Ao abordar suas realidades, os MCs passam a agir como formadores de opinião acerca
do contexto no qual estão inseridos, afinal, através de seus discursos eles podem influenciar e
até modificar a opinião de outras pessoas. Segundo Herschmann, “Esses
cantores/compositores prestam também homenagem a seus locais de origem, transformando-
os em tema central (ou secundário) do rap” (HERSCHMANN, 2005, p.166).

41
CIDINHO E DOCA - Rap da Felicidade (Furacão 2000 - CNT). Tempo bom. 28 de nov. de 2015. 1 vídeo Youtube
(5min38s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2yhuWW3IGE0>. Acesso em: 15 de jul. de 2020.
23

Através do chamado Funk Consciente, os MCs evidenciam a realidade das favelas e


denunciam as discriminações raciais, sociais e econômicas. Rap do Silva,42 por exemplo, fala
sobre os desafios de ser morador de favela:

Todo mundo devia nessa história se ligar


Porque tem muito amigo que vai pro baile dançar
Esquecer os atritos
Deixar a briga pra lá
E entender o sentido quando o DJ detonar
Era só mais um Silva que a estrela não brilha
Ele era funkeiro
Mas era pai de família
(...)
Era um domingo de Sol
Ele saiu de manhã
Pra jogar seu futebol
Levou uma rosa pra irmã
Deu um beijo nas crianças
Prometeu não demorar
Falou pra sua esposa que ia vir pra almoçar
(...)
Era trabalhador, pegava o trem lotado
E a boa vizinhança era considerado
E todo mundo dizia que era um cara maneiro
Outros o criticavam porque ele era funkeiro
O funk não é modismo
É uma necessidade
É pra calar os gemidos que existem nessa cidade
(...)
E anoitecia ele se preparava
É pra curtir o seu baile
Que em suas veias rolava
Foi com a melhor camisa
Tênis que comprou suado
E bem antes da hora ele já estava arrumado
Se reuniu com a galera
Pegou o bonde lotado
Os seus olhos brilhavam
Ele estava animado
Sua alegria era tanta
Ao ver que tinha chegado
Foi o primeiro a descer
E por alguns foi saudado
Mas naquela triste esquina
Um sujeito apareceu
Com a cara amarrada
Sua alma estava um breu
Carregava um ferro
Em uma de suas mãos
Apertou o gatilho
Sem dar qualquer explicação
E o pobre do nosso amigo
Que foi pro baile curtir
Hoje com sua família
Ele não irá dormir
(BOB RUM, Rap do Silva, 1996).

42
BOB RUM - Rap do Silva. Felipe Mj. 1 de mar. de 2007. 1 vídeo Youtube (3min44s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=XkH6PT9HMmc>. Acesso em: 20 de jul. de 2020.
24

Mesmo com o Funk Consciente, o ritmo já havia sido demonizado (HERSCHMANN,


2005). Para investigar a suposta potência violenta do ritmo musical e dos bailes funks, foram
criadas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), como a de 199943, e projetos de leis a
fim de frear o movimento funk e suas manifestações.
Ao evidenciar a realidade do dia a dia das favelas cariocas, alguns MCs passaram a
abordar o chamado “poder paralelo”. 44 Assim surge a vertente do Funk Proibidão, bem
parecido com o Gangsta Rap45 dos Estados Unidos. Nessa vertente, as músicas falam sobre o
estilo de vida dos traficantes, as facções criminosas e os conflitos envolvendo as facções
rivais, a polícia e as milícias.
O Funk Proibidão passou a ser debatido acerca do dilema entre fazer “apologia ao
crime” versus retratar a realidade e é acusado de ser uma espécie de “marketing dos
traficantes”. Decorrente disso surgem as versões lights que modificam as letras originais no
intuito de facilitar que as músicas sejam tocadas em circuitos para além dos bailes nas favelas.
Conforme salienta Lopes:

Essas são músicas que não podem ser divulgadas em CD, tampouco em espaços públicos,
pois são consideradas apologia ao crime e ao criminoso, mais especificamente, apologia ao
tráfico de drogas e ao traficante. Por causa disso, nesse período, iniciou-se uma prática que é
muito usual entre todos os funkeiros até os dias atuais: a produção de duas versões para a
mesma música. Assim, é composto e produzido um funk para ser tocado nos bailes de
comunidade (considerado “proibidão”) e outro na qual determinados atos de fala são retirados
ou substituídos por outros para ser tocado em outros espaços públicos, como os programas de
rádio, por exemplo (LOPES, 2011, p. 122).

O preconceito sofrido pelo funk, funkeiros e moradores de favela já era visível, mas
tornou-se mais evidente, principalmente, após o episódio que desencadeou na morte do
jornalista Tim Lopes.46 O triste fato colocou o baile funk, principalmente os que aconteciam
dentro das comunidades, novamente no centro da discussão midiática ao ser acusado de
associação aos traficantes e ao tráfico de drogas.

43
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Resolução nº 182, de 3 de novembro de 1999.
Disponível em:
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/df2f8dda4ee814e1032564ff00613a69/f193581d216a43f20325681f00659cc8?O
penDocument>. Acesso em: 22 de ago. de 2020.
44
Expressão utilizada para designar o poder de mercado proporcionado pelo tráfico de drogas ilícitas.
45
Vertente do Hip Hop que relata a vivência das gangues dos Estados Unidos. Temas como violências, conflitos policiais e
consumo de entorpecentes são comumente abordados.
46
Em 4 de junho de 2002, o Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão noticiou o desaparecimento do jornalista Tim
Lopes. De acordo com informações do próprio Jornal, o repórter teria ido à comunidade da Vila Cruzeiro, na Penha, para
atender às denúncias feitas pelos moradores sobre a realização de bailes funk com shows de sexo e consumo de drogas sob o
patrocínio dos traficantes. O repórter teria ido à favela três vezes para retratar os ocorridos, no entanto, ao retornar ao local,
no dia 2 de junho de 2002, para documentar o baile com uma microcâmera, ele não foi mais visto. Sua morte somente foi
confirmada em 5 de julho de 2002. As investigações do caso creditaram aos traficantes da região a realização do crime. O
episódio dividiu as opiniões e foi debatido por diversas instâncias da sociedade.
25

Mesmo sendo criminaizado, o funk seguia resistindo falando também de amor através
da vertente Melody/Romântica. O desenvolvimento desse estilo ajudou o funk a romper as
fronteiras das favelas e se popularizar entre os jovens das camadas média e alta da zona sul do
Rio de Janeiro.
Conforme se consolidava como ritmo musical, o funk se reinventava. Assim, surge o
tamborzão, também chamado de batidão ou pancadão, que une as batidas provenientes do
Miami Bass aos sons do atabaque e da percussão. A vertente ganhou evidência após a
primeira gravação oficial ser registrada, em 1998, pelos DJs Luciano e Cabide.
A passagem da década de 1990 para os anos 2000 foi transformadora para o funk e
muitas mudanças ocorreram. A principal delas foi a inserção do tamborzão nas produções. O
ritmo foi base para os principais sucessos dos anos 2000, a Era de Ouro do funk carioca.
No decorrer da Era de Ouro, diversas outras novidades surgiram no universo funk. O
destaque das mulheres foi uma delas. De forma mais evidente, elas começaram a fazer parte
do cenário, como dançarinas e MCs. A criação dos “bondes” 47 também foi outro diferencial.
Compostos por mulheres ou homens, eles uniam o ritmo do tamborzão a muita dança. As
equipes de som foram aos poucos perdendo evidência para os DJs, mas algumas, como a
Furacão 2000, mantiveram-se como referência. As festas destinadas ao ritmo se
popularizaram e passaram a acontecer com mais frequência fora das favelas. O teor sexual
também ganhou mais evidência, manifestando-se através do Funk Putaria, que também tinha
suas versões lights. Com essa vertente, o funk passou a ser discutido na grande mídia ao ser
associado a pautas de saúde pública, como transmissão do vírus HIV, sexo e gravidez na
adolescência.
As movimentações proporcionadas pelo funk consolidaram o gênero musical sob a
ótica do entretenimento. Em 2004, por exemplo, MIA, cantora britânica, sampleou o Funk da
Injeção48 em Bucky Done Gun.49 A música, produzida por Diplo,50 influenciou na visibilidade
do funk para além do solo brasileiro, fazendo com que o ritmo ganhasse mais força dentro do
mercado musical nacional e internacional. Mesmo sendo um ritmo que carrega a produção
independente como uma de suas principais essências, conforme foi se modificando, o funk
começou a seguir a dinâmica do mercado fonográfico. Essa dinâmica ampliou a fonte de

47
Gíria para definir um grupo de amigos ou pessoas que estão sempre juntas.
48
Música lançada originalmente no ano de 2002, produzida por DJ Marlboro e interpretada por Deize Tigrona.
49
M.I.A. - „Bucky Done Gun‟. XL Recording. 23 de out. de 2008. 1 vídeo Youtube (3min40s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=2LFdPVf1diw&lc=z12esrbomv3hyrbqp04cjtnbjtr5fvwogyw0k.1491242968155980>.
Acesso em: 20 de ago. de 2020.
50
DJ norte-americano que pesquisou sobre o funk no Rio de Janeiro e pediu licença autoral ao DJ Marlboro para utilizar
trechos da música "Injeção" em sua produção.
26

trabalho e renda para jovens, mas também acarretou no processo de monopólio da indústria
funkeira, como evidencia-se em relato do MC Leonardo:

Existe uma "monocultura do funk", você só escuta um tipo de funk e não pode existir só isso.
O problema é que há um monopólio no funk. Os mesmos caras são donos de tudo: do selo, da
gravadora, da rádio, da TV, de tudo. E o funk é da favela. Ele é produzido, composto,
cantado, divulgado, tudo dentro da favela. Todos os funks que você ouvir em qualquer lugar
tiveram que tocar primeiro na favela para depois sair no mercado. E a favela não fica com
nada (Jornal Vozes da Comunidade, 2009, apud. LOPES, 2010, p.111).

Mesmo ganhando evidência sob os aspectos do entretenimento e do mercado


fonográfico, o ritmo continuou sendo analisado sob o viés do preconceito. A mesma mídia
que valorizava também punia. Enquanto o funk que passava em programas dominicais para a
“tradicional família brasileira” era “glamourizado”, o funk que era tocado no seio do seu
desenvolvimento, ou seja, nos subúrbios e favelas, era considerado inculto. Percebe-se que a
discriminação do funk vai muito além dele como um gênero musical. Segundo Adriana
Facina:

Quanto maior a desigualdade social, mais perigo para a ordem essa humanidade supérflua
representa. A criminalização da pobreza e o Estado Penal são respostas a isso. Mas,
criminalizar a pobreza requer que se convença a sociedade como um todo que o pobre é
ameaça, revivendo o mito das classes perigosas que caracterizou os primórdios do
capitalismo. E isso envolve não somente legitimar o envio de caveirões para deixar corpos no
chão nas favelas, mas também criminalizar seus modos de vida, seus valores, sua cultura. O
funk está no centro desse processo (FACINA, 2009, p. 5).

As pessoas que criminalizam o gênero estão, na verdade, diminuindo a importância das


manifestações culturais provenientes das favelas. Ainda segundo Facina:

Ao criminalizarem o funk, e o estilo de vida daqueles que se identificam como funkeiros, os


que hoje defendem sua proibição são os herdeiros históricos daqueles que perseguiam os
batuques nas senzalas, nos fazendo ver, de modo contraditório, as potencialidades rebeldes do
ritmo que vem das favelas (FACINA, 2009, p.1).

A fim de defender e reivindicar o funk como processo de identificação, diversos grupos


se uniram, como a APAFunk,51 e eventos foram criados, como as Rodas de Funk. Decorrente
do processo de busca pela valorização do ritmo musical, após diversas manifestações que
carregavam o lema “Funk é cultura”, foi aprovada a Lei 5.544/09 52 que fortalece o ritmo
como manifestação cultural.

51
Associação dos Amigos e dos Profissionais do Funk. Organização criada em 2008 a partir da iniciativa de produtores e
estudiosos do movimento funk.
52
Lei que reconhece oficialmente o funk como cultura do Estado do Rio de Janeiro. Após diversos debates, em 2009, o funk
foi personagem principal da audiência pública que aconteceu na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Produtores, MCs,
estudiosos da área e políticos entoaram “funk é cultura” no intuito de mostrar a importância do ritmo nos processos de
comunicação e identificação.
27

A partir de 2008, a Era de Ouro do funk carioca começou a entrar em decadência,


principalmente, quando o Governo do Estado do Rio de Janeiro iniciou o projeto de Unidades
de Polícia Pacificadora (UPP).53 Os comandantes das UPPs tinham o direito de aprovar ou
não qualquer evento cultural dentro das favelas, por conta disso, muitos bailes funk foram
proibidos. As festas que tinham permissão para acontecer, eram acusadas pelos moradores de
alterar a originalidade das favelas e cobrar ingressos caros.
Enquanto em São Paulo o Funk Ostentação54 estava em alta, no Rio de Janeiro, por
conta do contexto social explicitado, as produções diminuíram bastante e muitas famílias
perderam seu sustento e os frequentadores perderam o lazer.
No entanto, o funk carioca continuou se desenvolvendo e se modificando e a vertente
do Funk Pop acabou ganhando mais destaque. A vertente aborda temas mais leves e
descontraídos e tem apresentações mais elaboradas com ballet de dançarinos.
O funk “raiz” carioca, aquele produzido independentemente, criado na favela e para a
favela, voltou com força a partir de 2015 com o Funk 150bpm. A vertente que tem o DJ
Polyvox, da comunidade da Nova Holanda, como um dos principais percussores,
proporcionou a revolução que trouxe a autenticidade do funk carioca para o centro das
produções novamente. Apelidado de “ritmo louco e acelerado”, “putaria acelerada” e
“atabacada”, o estilo mudou totalmente as batidas das produções, virou base para diversos
sucessos e passou a ser atração principal dos bailes de favela no Rio de Janeiro.
A popularidade do 150bpm foi impulsionada pela movimentação dos DJs através de
seus perfis nas redes sociais, canais próprios no Youtube e contas no Soundcloud.
Devido ao contexto atual, as plataformas digitais e os serviços de streaming são
ferramentas primordiais no processo de difusão do ritmo. Em pesquisa realizada pelo Spotify,
publicada em 2018, constatou-se que desde 2016 o consumo de playlists do gênero do funk
brasileiro aumentou cerca de 3.421% fora do país. Do ponto de vista global, incluindo o
Brasil, o aumento foi de 4.694%. Ainda nessa pesquisa, identificou-se que os Estados Unidos
é o país estrangeiro que mais escuta o funk brasileiro, seguido de Portugal e Argentina.
Os vídeos também são instrumentos poderosíssimos para propagar o funk. A
Kondzilla 55 e a GR6 Explode 56 atualmente possuem os canais de funk mais vistos do

53
Ação pública do Governo do Estado do Rio de Janeiro que busca combater e controlar o tráfico de drogas ilícitas em
comunidades cariocas. Para tal, realizam ações onde a polícia militar intervém “ocupando” a comunidade e instaurando um
posto de operação vinculado ao batalhão mais próximo da comunidade.
54
Vertente que marcou efetivamente a popularidade do funk paulista. O estilo, que tem como berço a periferia e o litoral de
São Paulo, surgiu em 2008 e ganhou maior notoriedade a partir de 2011. As produção focavam, principalmente, na exibição e
valorização de bens materiais de luxo como carros, roupas, bebidas e acessórios.
55
Produtora de conteúdo voltada para a juventude das favelas, criada por Konrad Dantas.
28

Youtube. A Kondzilla, por exemplo, em 2019, alcançou a marca de 50 milhões de inscritos,


sendo o 1º canal da América Latina a atingir essa marca, tornando-se o maior canal de música
de todo o mundo no Youtube.
As estratégias de parcerias musicais, conhecidas como featuring, também são
fundamentais no processo de popularização do funk visto que ampliam a visibilidade do ritmo
entre adeptos de outros gêneros musicais e também de outros países. Funknejo, brega funk,
trap funk e o funketon são alguns exemplos.
A relevância do funk é tão expressiva que, de acordo com pesquisa realizada pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV), só entre 2007 e 2008, o funk no Estado do Rio de Janeiro
movimentou em média R$ 10 milhões por mês, contabilizando um total de aproximadamente
R$ 127,285 milhões por ano.
Mesmo com toda essa expressividade, o movimento funk continua sendo perseguido.
Em 2019, o DJ Rennan da Penha 57 foi acusado de associação ao tráfico de drogas por
supostamente ser olheiro58 do Complexo da Penha e fazer apologia ao uso de entorpecentes. O
DJ, que foi detido e solto após sua prisão ser revogada, também foi acusado de aceitar o
financiamento de traficantes para realizar o Baile da Gaiola59 com o objetivo de atrair cada
vez mais frequentadores a fim de aumentar o comércio de narcóticos pela comunidade do
Alemão.
Os meios de comunicação de massa e as mídias comunitárias se posicionaram sobre o
ocorrido. Alguns usaram o episódio para fomentar a “caçada” ao gênero musical, outros para
defendê-lo. Campanhas movimentadas pelas redes sociais como #djnaoébandido apoiaram
não só o DJ, mas o funk e os funkeiros em geral.
Devido às transformações tecnológicas, como a ampliação das plataformas digitais e
suas ferramentas, o funk tem se reinventado cada vez mais rápido, sempre em conformidade
com as mudanças que ocorrem no cenário musical brasileiro e internacional. Por conta disso,
outras vertentes desenvolveram-se em pouco intervalo de tempo e estão se popularizando nos
bailes, como o 160bpm e o 170bpm, que vêm ganhando evidência desde 2019. Enquanto você
está lendo este trabalho, provavelmente alguma novidade está surgindo no universo funk.

56
Produtora localizada em São Paulo e criada por Rodrigo Inácio. Em 2020, ocupa dentro do Youtube, a posição de sexto
maior canal do Brasil e segundo maior canal de funk do mundo.
57
Um dos principais difusores do Funk 150 bpm e um dos DJs mais influentes da atualidade. Além disso, é o idealizador do
Baile da Gaiola, um dos bailes mais famosos do Rio de Janeiro, realizado no Complexo da Penha.
58
Pessoa responsável por observar a movimentação perto dos pontos de venda de drogas e avisar caso veja algo suspeito,
como aproximação de policiais.
59
O Baile da Gaiola é um dos bailes mais importantes do cenário funk atual. Acontece na Penha, Zona Norte do Rio de
Janeiro e é o principal símbolo do “renascimento” do funk carioca.
29

Os anos passaram, o funk desenvolveu-se em diversos aspectos, mas infelizmente


continua sendo diminuído perante sua relevância seja mercadológica, cultural, mas,
principalmente, social. Ao enaltecer as favelas, suas manifestações e pautas, o funk incomoda.
Incomoda quem acredita que o que vem das comunidades e periferias deve continuar
esquecido, reprimido e sufocado. Os funkeiros precisaram, e ainda precisam, se defender, se
posicionar e resistir.
O poder de difusão do funk não deve ser negligenciado. O gênero é extremamente
potente para dar visibilidade aos diversos temas que emite, sejam eles estilos de vida,
realidade das favelas ou o empoderamento feminino como será analisado a seguir.
30

2 - A mulher no funk: das minas disposição ao bonde das faixa rosa

O machismo enraizado na sociedade reflete em diversos movimentos sociais, culturais,


mercadológicos e musicais. Com o funk não é diferente. A maioria das produções enaltece a
perspectiva masculina através do trabalho de profissionais, MCs e DJs homens. No entanto,
mesmo com as dificuldades, as mulheres começaram a assumir o protagonismo na sociedade
e, consequentemente, no universo funk. Elas estão rompendo paradigmas, manifestando seus
ideais, necessidades e vontades e construindo carreiras consolidadas. Elas estão cada vez mais
“brabas” e não vão (e nem devem) parar.
Neste capítulo, o processo de inserção e manutenção das mulheres no funk será
analisado, destacando-se como elas tomaram para si o poder de reivindicação das diversas
pautas que envolvem suas realidades.
Por mais que o enfoque do trabalho não seja analisar o ritmo sob o viés do feminismo, é
importante entender que a evolução do movimento foi fundamental para fomentar a inserção
das mulheres na esfera pública.
Na obra Breve História do Feminismo no Brasil:

O feminismo é uma filosofia universal que considera a existência de uma opressão específica
a todas as mulheres. Essa opressão se manifesta tanto a nível das estruturas como das
superestruturas (ideologia, cultura e política). Assume formas diversas conforme as classes e
camadas sociais, nos diferentes grupos étnicos e culturas (TELES, 1993, p. 10).

O feminismo tem o objetivo de garantir que as mulheres sejam autônomas em relação


às decisões pessoais e coletivas que envolvem e impactam os diversos grupos compostos por
elas a fim de eliminar as opressões que lhes são impostas. Ainda na obra Breve História do
Feminismo no Brasil:

Em seu significado mais amplo, o feminismo é um movimento político. Questiona as relações


de poder, a opressão e a exploração de grupos de pessoas sobre outras. Contrapõe-se
radicalmente ao poder patriarcal. Propõe uma transformação social, econômica, política e
ideológica na sociedade (TELES, 1993, p. 10).

Na perspectiva de gênero e do movimento feminista, o patriarcado é a estrutura social


onde o homem é o detentor do poder. Refere-se à relação de dominação dos homens sobre as
mulheres, que são oprimidas e subordinadas nas diversas esferas da sociedade. A fim de
romper com essa lógica, ocorreram diversas manifestações em prol dos direitos das mulheres.
31

As primeiras manifestações feministas expressivas aconteceram entre final do século


XIX e início do século XX, com ênfase nos Estados Unidos e Inglaterra. As sufragistas, como
eram chamadas, se organizaram para reivindicar acerca da pouquíssima participação feminina
na esfera pública principalmente em relação ao direito ao voto, na época, a manifestação mais
popular. Já na década de 1960, a luta feminista passou a focar na liberdade sexual da mulher.
Nesse período, as reivindicações evidenciavam a autonomia sobre seus próprios corpos, como
o direito ao aborto e uso de métodos contraceptivos, debates acerca das violências física e
psicológica e a equidade de gênero.
No Brasil, a luta feminista popularizou-se a partir dos anos 70 devido à articulação do
movimento de mulheres com as camadas populares e organizações de bairro em consequência
das manifestações contra a ditadura militar. Esse processo democratizou mais o movimento
que até então abarcava, em sua maioria, as necessidades das mulheres brancas, de classe
média e alta. É nesse contexto, que a black music norte-americana chega ao Brasil através do
soul. As mulheres frequentavam os bailes em busca de entretenimento, mas também como um
lugar de identificação, principalmente para as mulheres negras, proporcionado pelo
movimento Black Rio.
Nesse período, dentre a maioria masculina predominantemente em posição de destaque,
evidenciou-se Sandra de Sá, primeira cantora negra do ritmo, conhecida como a Rainha do
Soul Brasileiro. Com letras que fomentavam a conscientização social, Sandra foi uma das
primeiras mulheres a enfatizar a representatividade da estética negra da mulher carioca.
A representatividade estética e social da mulher negra por muito tempo foi deixada em
segundo plano. Com o intuito de reverter essa situação, aproximadamente a partir de 1980,
evidenciou-se a vertente do Feminismo Negro que, além de dedicar sua luta contra o
machismo enraizado, busca romper com a hegemonia do padrão branco privilegiado e o
racismo estrutural.
No livro Lugar de fala, Djamila Ribeiro destaca Grada Kilomba acerca da posição da
mulher negra:

As mulheres negras foram assim postas em vários discursos que deturpam nossa própria
realidade: um debate sobre o racismo onde o sujeito é homem negro; um discurso de gênero
onde o sujeito é a mulher branca; e um discurso sobre a classe onde “raça” não tem lugar. Nós
ocupamos um lugar muito crítico, em teoria. É por causa dessa falta ideológica, argumenta
Heidi Safia Mirza (1997) que as mulheres negras habitam um espaço vazio, um espaço que se
sobrepõe às margens da “raça” e do gênero, o chamado “terceiro espaço”. Nós habitamos um
tipo de vácuo de apagamento e contradição “sustentado pela polarização do mundo em um
lado negro e de outro lado, de mulheres.” (MIRZA, 1997: 4). Nós no meio. Este é, é claro, um
dilema teórico sério, em que os conceitos de “raça” e gênero se fundem estreitamente em um
só. Tais narrativas separativas mantém a invisibilidade das mulheres negras nos debates
acadêmicos e políticos. (KILOMBA, 2012, p. 56, apud RIBEIRO, 2019, p.22).
32

Com o intuito de ampliar a visibilidade feminina nos debates sociais, as mulheres


seguiram lutando pela ampliação dos espaços de fala, com ênfase nas discussões sobre a
divisão sexual do trabalho 60 , a violência sexista 61 , o feminicídio 62 e o empoderamento
feminino.
De acordo com Berth, o termo empowerment, cunhado pelo sociólogo Julian Rapport
em 1977, é definido como “o processo de ganhar liberdade e poder para fazer o que você quer
ou controlar o que acontece com você” (CAMBRIDGE DICTIONARY apud BERTH, 2019).
Ainda segundo Berth, a palavra empoderamento significa dar poder ou capacitar (BERTH,
2019, p.29).
O termo empoderamento, sua complexidade e teorias são estudadas por diversos
autores sob variados ponto de vista a fim de compreender, investigar e buscar maneiras de
erradicar as desigualdades. Focado na perspectiva feminina, pode-se evidenciar a reflexão de
Srilatha Batliwala:

O conceito de empoderamento feminino surgiu de críticas e debates gerados pelo movimento


de mulheres durante a década de 1980, quando as feministas, especialmente no que era então
conhecido mais amplamente como “terceiro mundo” (antes do termo “sul global” ter ganhado
notoriedade), se viram cada vez mais descontentes com os modelos em grande media
apolíticos e econômicos na maioria das intervenções de desenvolvimento (BATLIWALA,
2007 apud BERTH, 2019, p. 44).

Na década de 1990, com o desenvolvimento do funk nacional, as mulheres começaram


a se inserir no universo funk. Uma mulher foi fundamental nesse processo, Verônica Costa, a
Mãe Loira. Ela foi uma das pioneiras no funk carioca e comandava, junto de seu marido na
época, a Furacão 2000 e os Bailes de Galera promovidos pela equipe. Conhecida por ser a voz
e apoio da massa funkeira, ela enaltecia as funkeiras chamando-as de glamurosas,
purpurinadas e poderosas.
Essas denominações confrontavam dizeres como preparada, cachorra, tchutchuca e
gatinha que eram usadas sob a perspectiva dos homens e refletiam a visão machista da
sociedade. Essa visão machista categoriza a mulher com o objetivo do matrimônio a partir de
características determinadas como intrinsecamente femininas: doçura, romantismo, pureza,
delicadeza e discrição. A mulher que sobressai em seu comportamento atitudes que não se

60
Na ótica patriarcal, às mulheres é destinada a responsabilidade de cuidar da casa, enquanto aos homens o espaço do
provimento econômico da família. Com a inserção da mulher no mercado de trabalho, há a problemática da chamada
“jornada dupla”, ou seja, carga de trabalho na esfera pública unida a carga do trabalho doméstico.
61
Esse tipo de violência sustenta-se na construção social das mulheres como seres inferiores que devem estar sempre
disponíveis aos desejos e expectativas dos homens. Dessa forma, ela se baseia na cultura patriarcal que desqualifica as
mulheres e faz com que sejam consideradas coisas e objetos de posse dos homens.
62
Homicídio de mulheres motivados pela discriminação de gênero manifestando-se, principalmente, através violência
doméstica.
33

enquadram nessa categoria, é posta no grupo “das que não prestam”. Dentro dessa lógica, a
preparada e a cachorra é a mulher “disponível e vulgar”, enquanto a tchutchuca e a gatinha, é
a mulher “tranquila e meiga”. Essa perspectiva não surge no funk e é propagada ao longo da
trajetória da humanidade através de diversas narrativas, seja histórica, mítica ou religiosa.
Essas atribuições evidenciam a dominação masculina sobre as mulheres, que não são
definidas por si mesmas, mas partindo das necessidades dos homens. Logo, para que possam
se posicionar a partir de suas próprias concepções, as mulheres precisam se empoderar e lutar
por sua própria autonomia. Segundo Ana Alice Costa:

O empoderamento das mulheres representa um desafio às relações patriarcais, em especial


dentro da família, ao poder dominante do homem e a manutenção dos seus privilégios de
gênero. Significa uma mudança na dominação tradicional dos homens sobre as mulheres,
garantindo-lhes a autonomia no que se refere ao controle dos seus corpos, da sua sexualidade,
do seu direito de ir e vir, bem como um rechaço ao abuso físico e a violação sem castigo, o
abandono e as decisões unilaterais masculinas que afetam a toda a família (COSTA, 2000, p.
44).

Cada mulher dentro da sua realidade, de acordo com suas experiências pessoais e
profissionais, pode fomentar o empoderamento dela e de suas companheiras. Nos Bailes de
Corredor, por exemplo, por mais que fosse uma prática majoritariamente masculina, mesmo
que com pouca visibilidade, também havia as galeras femininas. As chamadas “minas
disposição” buscavam se auto afirmar dentro da lógica daquela prática, mostrando que aquele
lugar também podia ser ocupado por elas. Assim também aconteceu nos Festivais, quando
MC Dandara conquistou o primeiro lugar com o Rap da Benedita e também nos palcos, com
MC Cacau, considerada a primeira MC mulher de funk.
Considera-se neste trabalho, que Verônica Costa, MC Dandara e MC Cacau fazem
parte da primeira geração de mulheres no universo funk, que se inicia nos anos 1990. Afinal,
elas foram pioneiras e movimentaram o cenário da época.
A partir dos anos 2000, a inserção das mulheres no funk ganhou muito mais evidência.
Esse período marca a segunda geração que tem representantes como Tati Quebra Barraco,
Deize Tigrona e Valesca Popozuda. Elas ganharam visibilidade por pegar no microfone e
abordar os diversos temas que envolvem o ser mulher. As MCs tornaram-se elemento de
resistência e representatividade no cenário funk e na sociedade em geral. Tati Quebra Barraco,
por exemplo, foi a primeira a conseguir destaque no cenário nacional através dos veículos de
comunicação de massa e é vista como a MC que levou o funk feminino para o mundo. Em
2004, ela subiu na passarela do São Paulo Fashion Week e se apresentou no Palácio da
República de Berlim representando, principalmente, a mulher negra, pobre, gorda e favelada
34

(características consideradas fora do chamado “padrão estético”) em locais majoritariamente


ocupados pela elite branca.
Com a vertente do Funk Putaria, as MCs da segunda geração falavam sobre sexo,
explicitamente ou através do duplo sentido. Por mais que diversos ritmos musicais, como o
axé e o forró, e MCs homens e grupos masculinos também performassem através da
sensualidade e não sofressem represálias, as funkeiras foram julgadas e sofreram duras
críticas. A rejeição ao Funk Putaria também acontece por algumas feministas. Lyra (LYRA,
2006 apud LOPES, 2011) destaca que as funkeiras dos anos 2000 estariam na terceira geração
do feminismo. Essa geração fala abertamente das pautas que envolvem o tema sexo, da
mesma forma que as MCs fazem. A discordância estaria entre a segunda geração do
feminismo, que focou seus esforços para romper com a objetificação sexual da mulher, e as
jovens feministas da terceira geração que reivindicam a igualdade de gênero através de suas
convicções sexuais.
As funkeiras dos anos 2000 abordavam em suas músicas os temas pautados sob a ótica
de suas necessidades e realidades, não porque eram necessariamente militantes feministas.
Muitas delas, inclusive, até recusavam o termo, como Tati Quebra Barraco que não se
considerava feminista, mas defendia que seu comportamento era de uma mulher de atitude
que se manifestava e revidava sobre o que podia humilhá-la. Tati, assim como outras MCs, ao
entender melhor o movimento, se assumiram feministas e começaram a se posicionar mais
assertivamente sobre o tema.
Devido à falta de informação proporcionada pelas limitações sociais, culturais e
financeiras, os discursos feministas acabam não chegando nas favelas e subúrbios ou
chegando de forma equivocada, proporcionando um pré-conceito em relação aos seus
propósitos. Conforme explicita Garcia:

Praticamente ninguém nega que é necessário o enfoque de “gênero” no desenvolvimento de


políticas públicas. Entretanto muitas dessas mesmas pessoas torcem o nariz quando a palavra
feminismo é mencionada. Por que isso acontece? Por que a palavra “gênero” parece menos
perigosa do que feminismo? A resposta mais óbvia é porque desconhecem o que é o
feminismo e todas suas realizações, mas talvez a mais realista seja a de que essas pessoas
foram “desinformadas”, pois o feminismo ao longo de sua história foi alvo de campanhas que
fizeram com que a população de modo geral acreditasse que o feminismo era um inimigo a
combater e não que segundo a época e a realidade de cada país existiram e coexistiram muitos
tipos de feminismos com um nexo em comum: lutar pelo reconhecimento de direitos e
oportunidades para as mulheres e, com isso, pela igualdade de todos os seres humanos
(GARCIA, 2015, p.11).

Assim como qualquer movimento de pauta social, o feminismo deve ser respeitado,
discutido e analisado a fim de evoluir em seus debates para fomentar cada vez mais a
35

libertação das mulheres contra as opressões sofridas. Ampliar o entendimento do


empoderamento para a equidade de gênero é fundamental para disseminar a importância do
conceito para a independência das mulheres, enfatizando que o exercício do empoderamento
não pode e nem deve estar ligado somente à emancipação individual. Segundo Madalena
Léon:

Umas das contradições fundamentais do uso do termo “empoderamento” se expressa no


debate entre o empoderamento individual e o coletivo. Para quem usa o conceito nos
processos cognitivos, o empoderamento se circunscreve ao sentido que os indivíduos se
autoconferem. Toma um sentido de domínio e controle individual, de controle pessoal. E
“fazer as coisas por si mesmo”, “ter êxito sem a ajuda dos outros”. Esta é uma visão
individualista, que chega a assinalar como prioridade que os sujeitos sejam independentes e
autônomos no sentido de domínio de si mesmos, e descarta as relações entre as estruturas de
poder e as práticas da vida cotidiana de indivíduos e grupos, além de desconectar as pessoas
do amplo contexto sócio-político, histórico, de solidariedade e do que representa a cooperação
e a importância de preocupar-se com o outro (LÉON, 2001 apud BERTH, 2019, p52).

É preciso que as manifestações emancipatórias estejam vinculadas ao coletivo. Afinal,


indivíduos empoderados formam grupos empoderados que, consequentemente, serão
formados cada vez mais por pessoas com consciência crítica acerca da sua importância como
ser social. Conforme destaca Joice Berth:

É o empoderamento um fator resultante da junção de indivíduos que se constroem e


desconstroem em um processo contínuo que culmina em empoderamento prático da
coletividade, tendo como resposta às transformações sociais que serão desfrutados por todos e
todas (BERTH, 2019, p.54).

O empoderamento feminino, portanto, baseia-se no fato de que a mulher deve assumir a


posição de poder sobre sua vida nos diversos âmbitos a fim de promover o fortalecimento do
grupo social no qual está inserida. Quando uma mulher se empodera, outras mulheres, ao usá-
la como referencial, têm condições de se empoderar também. A partir da declaração de
Valesca Popozuda, é possível entender como esse processo pode ser realizado através do funk
feminino:

Comecei a cantar para elas e comecei a trazer esse público feminino junto pra mim, e mostrar
que a gente tinha como crescer, (...) muitas passavam por problemas. Quando eu chegava em
uma comunidade, elas começaram a se identificar com as coisas e falavam assim “toma essa
carta aqui. Porque eu passei por um abuso, eu levava porrada do meu marido”. Recebi várias
cartas. E foi assim. Quando eu fui vendo aquilo eu falei “nossa, eu sofria com aquilo, mas não
sou só eu que sofria. As pessoas também sofrem.” E eu falei chega. Vamos lutar e vamos lutar
juntas. E foi quando eu consegui trazer todas. É claro que a gente não vai conseguir agradar
todo mundo, mas eu digo que hoje, graças a Deus, eu tenho 99% delas ali comigo no palco
gritando por igualdade, por liberdade, por ser respeitada” (O Brasil Que Deu Certo Entrevista:
Valesca Popozuda, 2017 apud MONTEIRO, 2017, p.52).
36

Percebe-se como o funk feminino é capaz de promover o entendimento e exercício do


empoderamento ao fazer circular entre as vielas das favelas debates que talvez não chegariam
lá tão facilmente se não fosse através da voz, incentivo e apoio das MCs.
As mulheres continuaram ingressando no universo funk, dando início a terceira geração
que começou aproximadamente a partir de 2012. Nessa geração, além de MCs e dançarinas,
as mulheres também começaram a ganhar destaque como produtoras, empresárias e DJs.
Nomes como MC Carol, Ludmilla, MC Rebecca e Anitta ganharam destaque por, além de
manifestar o direito à própria sexualidade, disseminar discursos acerca do respeito aos seus
corpos e a liderança feminina.
Atualmente, devido à internet e seu poder de difusão, as MCs conseguem muito mais
visibilidade. Anitta, por exemplo, entre os anos de 2017 e 2018 foi a artista de funk mais
popular fora do Brasil, de acordo com o Spotify. O clipe da sua música Vai, malandra,
lançado em 2017, ocupou a posição de clipe brasileiro mais visto durante as primeiras 24
horas, 10 horas após ser lançado, o vídeo clipe já atingia 8.7 milhões de visualizações no
Youtube. No ano de 2019, MC Rebecca foi a primeira mulher negra a ocupar o primeiro lugar
na lista de músicas mais ouvidas do Spotify no Brasil e a primeira mulher negra brasileira a
entrar no Top 100 mundial da mesma plataforma. Já em 2020, Ludmilla atingiu a marca de
um bilhão de streams também no Spotify, carregando o título de primeira mulher negra e
latina a atingir esse resultado.
Com a movimentação constante do ritmo musical, uma nova geração vem se
consolidando no mundo funk: as faixa rosa. As mulheres dessa geração, que pode ser datada a
partir de 2019, estão cada vez mais maduras e conscientes acerca da importância de suas
manifestações. Resolvidas sexualmente, elas são independentes, tem atitude, trabalham,
estudam, se divertem, se cuidam, tem seu próprio dinheiro e ostentam seus bens materiais.
MC Bianca, MC Dricka e MC Ingryd são algumas representantes dessa nova geração.
É extremamente importante escutar o que as funkeiras têm a dizer, considerando suas
experiências, sem banalizar ou diminuir suas atitudes, discursos, estilos de vida e
performances.
Através da visibilidade proporcionada pelo funk, as MCs rompem com os rótulos que
lhes são impostos e fomentam a conscientização acerca do poder da mulher. Através do
empoderamento, portanto, elas passam a ser agente ativo dentro da sua realidade, provocam
mudanças e contribuem para que ocorram transformações e novas reflexões dentro do
contexto que estão inseridas.
37

3- O funk como potência do empoderamento feminino

Após explicitar as questões relevantes para esta dissertação, como o desenvolvimento do


funk, a trajetória da mulher no ritmo musical e a importância do empoderamento na
perspectiva de gênero, neste capítulo, o estudo dedica-se a analisar, através das dimensões,
objetivos e esferas do empoderamento e da exemplificação de trechos de funks interpretados
por MCS mulheres, como o ritmo musical efetivamente funciona para potencializar o
empoderamento feminino.
Antes de demonstrar os conceitos pertinentes e analisar os trechos escolhidos, é
necessário primeiro contextualizar brevemente os estigmas relacionados à construção dos
discursos no ritmo musical. Esses estigmas ocorrem tanto do ponto de vista técnico quanto
comportamental.
Na perspectiva técnica, em grande maioria, as narrativas elaboradas no universo funk
estão pautadas na informalidade, reproduzindo a linguagem falada do dia a dia e fazendo uso
de gírias. Por conta disso, as músicas utilizam expressões e construções consideradas
inadequadas por pessoas que julgam que todo processo comunicacional deve estar pautado na
forma culta oficial da língua portuguesa. Essas mesmas pessoas caracterizam o funk como
“coisa de gente sem educação”, “coisa de gente que não tem estudo”.
Além do preconceito linguístico, o funk também é rejeitado sob a perspectiva
comportamental. Ao ser analisado sob o viés da moralidade, o ritmo é reprovado por parcela
da sociedade que o avalia como “coisa de gente vulgar e sem limites”.
As categorizações do “sem educação” e do “vulgar” são utilizadas na tentativa de
diminuir a importância do funk e desqualificar as manifestações provenientes das favelas, que
mesmo carecendo de oportunidades, contribuem (e muito) para o desenvolvimento da
sociedade. Quando focado na mulher, a desqualificação do funk só se torna mais evidente e as
repressões são ainda maiores. Anitta, uma das grandes responsáveis por dar visibilidade ao
funk atualmente, tem formação técnica em administração, fala e canta fluentemente em inglês
e espanhol, é empresária, palestrante, caso de sucesso de marketing e está com a carreira
internacional em ascensão. Mesmo movimentando a economia, gerando empregos e
entretenimento e provocando debates nos mais variados âmbitos, muitas pessoas apontam que
as práticas e sucesso da cantora limitam-se somente a “rebolar e mostrar a bunda” - um
julgamento de cunho preconceituoso que busca desvalorizar a artista. Será que mesmo com
toda sua relevância, ela ainda assim não é “educada” o suficiente? Ou ela não é “educada” o
38

suficiente por que é do universo funk? Ou o problema é ela “rebolar e mostrar a bunda” só por
que é no ritmo do funk?
O processo educacional não está ligado somente aos métodos tradicionais de leitura e
escrita, mas também ao informal, que se manifesta nas experiências diárias e nas atividades
culturais, como a música. Assim como acontece no processo educacional, a comunicação
também é multidimensional, vai além das regras gramaticais e envolve símbolos e códigos
que funcionam como elementos de representação e identificação entre as pessoas envolvidas.
A linguagem deve ser entendida e investigada observando sua influência, conexão e
relação a partir de questões sociais, culturais e econômicas de acordo com os contextos e usos.
Segundo análise proposta por Paiva:

As variantes linguísticas estigmatizadas pela comunidade de fala possuem, muitas vezes, uma
função de garantir a identidade do indivíduo com um determinado grupo social, um sistema
de valores definido. Isso é, são formas partilhadas no interior de um grupo e assinaladoras de
sua individualidade com relação a outros grupos sociais. Se um indivíduo deseja integrar o
grupo, deve partilhar, além das suas atitudes e valores, a linguagem característica desse grupo.
Nesse caso, determinadas formas de linguagem se investem de um status particular, embora
sejam desprovidas de prestígio na comunidade linguística em geral (PAIVA, 2003, p. 40).

A identificação, através do compartilhamento de valores e comportamentos, é o que faz


com que o funk se conecte fortemente com as favelas, e sofra preconceito das pessoas que
simplesmente o enxergam “de fora”. O uso de mecanismos linguísticos, como o duplo sentido
e a ironia, marcam a originalidade do discurso no funk, fortalecem suas raízes e disseminam o
“dialeto da favela”. Além da identificação, o discurso usado no funk deve ser analisado sob o
viés funcional. Ao evidenciar nas músicas como se sentem e se posicionam, as MCs
incentivam as ouvintes a se manifestarem. Essa “chamada para ação” também faz parte do
processo de empoderamento. Conforme analisa Sardenberg, “Com o apoio do grupo e de uma
facilitadora, as mulheres podem desenvolver uma consciência crítica e se mobilizar para a
ação. A ação também conduz ao empoderamento (SARDENBERG, 2006, p.8). Ainda de
acordo com Sardenberg, “O processo de empoderamento, portanto, tem que ser desencadeado
por fatores ou forças induzidas externamente. As mulheres tem que ser convencidas, ou se
convencer do seu direito à igualdade, dignidade e justiça” (SARDENBERG, 2006, p.8).
O empoderamento é um processo que nasce do questionamento acerca das relações de
poder com o objetivo de atingir a igualdade e autonomia das mulheres, podendo ser
manifestado de diversas maneiras. De acordo com Batliwala:

O termo empoderamento se refere a uma gama de atividades, da assertividade individual até à


resistência, protesto e mobilização coletivas, que questionam as bases das relações de poder.
No caso de indivíduos e grupos cujo acesso aos recursos e poder são determinados por classe,
casta, etnicidade e gênero, o empoderamento começa quando eles não apenas reconhecem as
39

forças sistêmicas que os oprimem, como também atuam no sentido de mudar as relações de
poder existentes. Portanto, o empoderamento é um processo dirigido para a transformação da
natureza e direção das forças sistêmicas que marginalizam as mulheres e outros setores
excluídos em determinados contextos” (BATLIWALA, 1994, p. 130 apud SARDENBERG,
2006, p.6).

Sob essa perspectiva, o empoderamento pode se manifestar em diversos âmbitos.


Segundo Stromquist:

O empoderamento consiste de quatro dimensões, cada uma igualmente importante, mas não
suficiente por si própria, para levar as mulheres a atuarem em seu próprio benefício. São elas
a dimensão cognitiva (versão crítica da realidade), psicológica (sentimento de autoestima),
política (consciência das desigualdades de poder e a capacidade de se organizar e de se
mobilizar) e a econômica (capacidade de gerar renda independente) (STROMQUIST, 2002,
1995, p.232 apud SARDENBERG, 2006, p.6).

De acordo com essas dimensões, as mulheres podem ter metas, projetos e objetivos.
Conforme as considerações de Sardenberg:

Nesse sentido, empoderamento é, simultaneamente, processo e o resultado desse processo,


sendo que, no caso das mulheres, esse processo tem como objetivos: (1) questionar a
ideologia patriarcal; (2) transformar as estruturas e instituições que reforçam e perpetuam a
discriminação de gênero e as desigualdades sociais; e (3) criar as condições para que as
mulheres pobres possam ter acesso – e controle sobre – recursos materiais e informacionais
(SARDENBERG, 2006, p.6).

As dimensões propostas por Stromquist e os objetivos descritos por Sardenberg são


extremamente importantes para facilitar o entendimento acerca de quais áreas e de quais
formas o empoderamento pode ser manifestado e estimulado.
A partir das considerações das autoras e da observação dos temas mais recorrentes no
funk feminino, o estudo em questão propõe a definição de esferas. As esferas relacionam-se
com as dimensões e fazem a interface entre elas e os objetivos, dando sentido às várias
combinações possíveis, a partir de uma ótica estritamente feminina – mais especificamente,
do empoderamento da mulher. As esferas do empoderamento são: esferas cultural e social
(dimensão cognitiva), esferas da sexualidade e estética (dimensão psicológica), esferas de
liderança feminina e sororidade (dimensão política) e esferas de independência financeira e
mercado de trabalho (dimensão econômica).
Para analisar os trechos de funks interpretados por MCs mulheres, o trabalho propõe
uma matriz interpretativa. A matriz interpretativa funciona como uma estrutura teórico-
metodológica que se manifesta através de uma tabela. A elaboração da tabela conta com cinco
colunas, organizadas na seguinte ordem: (1) dimensão, (2) esfera, (3) objetivo, (4) trecho da
música e (5) análise do trecho da música.
40

Todas as colunas da tabela teórico-metodológica são relevantes, se conectam, se


potencializam e têm como intuito facilitar a demonstração e categorização dos trechos
escolhidos. Na primeira coluna, seguindo o proposto por Stromquist, evidenciam-se as
dimensões (cognitiva, psicológica, política e econômica). As dimensões são abstratas, gerais e
comuns à existência humana, mas neste trabalho são abordadas sob a perspectiva feminina.
Na segunda coluna, seguindo o proposto pelo estudo, evidenciam-se as esferas (cultural,
social, sexualidade, estética, liderança feminina, sororidade, independência financeira e
mercado de trabalho). As esferas conectam as dimensões e objetivos a fim de convergi-los
com o trecho da música escolhido. Na terceira coluna, seguindo o proposto por Sardenberg,
evidenciam-se os objetivos (questionar a ideologia patriarcal, transformar as estruturas e
instituições que reforçam e perpetuam a discriminação de gênero e as desigualdades sociais e
criar as condições para que as mulheres pobres possam ter acesso – e controle sobre –
recursos materiais e informacionais). Os objetivos podem ser expressos através de metas,
projetos e ações que podem variar de acordo com a vivência e experiência da mulher, como
classe social, idade e profissão. Na terceira coluna, evidenciam-se os trechos de canções
interpretadas por MCs mulheres de todas as gerações e vertentes do funk, como funk putaria,
pop funk, trap funk, funk consciente, entre outros. Na quarta coluna, há efetivamente a análise
do trecho musical, em consonância com as colunas anteriores, a fim de demonstrar a
importância do discurso presente naquela música para o empoderamento da mulher.
As colunas funcionam com a intenção de nortear a análise, sem limitar os fragmentos
das músicas. Afinal, um trecho pode abordar e conectar, ao mesmo tempo, mais de uma esfera
ou objetivo.
A fim de facilitar a pesquisa e o entendimento, a análise do funk com potência do
empoderamento da mulher e as tabelas teórico-metodológica estão divididas em quatro partes,
de acordo com as dimensões: (1) Empoderamento sob a perspectiva cognitiva, (2)
Empoderamento sob a perspectiva psicológica, (3) Empoderamento sob a perspectiva política
e (4) Empoderamento sob a perspectiva econômica.
Em cada uma das partes, há, além da exposição da dimensão, a apresentação das esferas
relacionadas, os temas que podem ser encontrados dentro de cada esfera e a tabela teórico-
metodológica com a exibição, categorização e análise dos trechos escolhidos.

3.1 Empoderamento sob a perspectiva cognitiva


41

Na dimensão cognitiva, há o enfoque da versão crítica da sociedade, ou seja, a


capacidade da mulher de analisar o contexto no qual está inserida, buscar maneiras de se
emancipar das opressões e conquistar o poder que lhe cabe por direito. Dentro dessa
dimensão, destacam-se as esferas cultural e social.
O funk é vítima de preconceitos por parte da sociedade que busca diminuí-lo a fim de
tentar invalidar sua relevância. As favelas por serem o berço do gênero musical também
sofrem com as discriminações. Por conta disso, o empoderamento na esfera cultural e a
manifestação das MCs sobre os temas que envolvem essa esfera são fundamentais para
fomentar entre as mulheres a importância da favela e da cultura funk através da demonstração
e valorização do gênero musical. Denunciar os problemas encontrados nas favelas, garantir os
direitos e deveres de seus habitantes e evidenciar a importância da participação deles no
exercício da cidadania também é uma forma que as mulheres podem encontrar para se
empoderar e agir em prol da defesa e fortalecimento do funk e das favelas. Segundo Berth:

Empoderamento significa que esses grupos oprimidos poderão ter acesso às decisões da vida
pública, para além do voto a cada quatro anos, em conselhos de bairros, plebiscitos, consultas
prévias, entre outros diversos mecanismos de participação que abrem a via para tantos
diálogos e demandas sufocadas (BERTH, 2019, p.82).

Ainda de acordo com Berh:

Isso significa dizer que falar em empoderamento de um grupo social é necessariamente falar
sobre democracia e expansão da sua atual restrita aplicação. Empoderamento, na vida política
pública, também é efetivado pelo exercício dos direitos públicos, entre os quais a participação
como cidadão e cidadã na discussão pública é a principal ferramenta (BERTH, 2019, p.83).

Na esfera social, o empoderamento busca romper com a ideia disseminada na sociedade


acerca da superioridade masculina, do homem “viril, caçador e chefe de família” em
contraponto a mulher “frágil, submissa e procriadora”. Para romper com o patriarcado e suas
manifestações machistas, o empoderamento busca exterminar a marginalidade e subordinação
das mulheres perante os homens. Conforme explicita Sardenberg:

Já do outro lado, tem-se a perspectiva do “empoderamento para a libertação”, na qual as


relações de poder são vistas como questão central, tomando o empoderamento de mulheres
tanto como “processo pelo qual as mulheres conquistam autonomia, quanto como um
instrumento para o desmonte das estruturas patriarcais” (SARDENBERG, 2015, p.183 apud
SARDENBERG, 2018, p.18).

Ainda segundo Sardenberg:


42

No plano pessoal, o empoderamento de mulheres se refere aqui ao processo da conquista da


autonomia, da autodeterminação, enquanto no plano político diz respeito ao desenvolvimento
da força política e social das mulheres como um grupo ou minoria. Mas um depende do outro,
ambos trabalhando no sentido da libertação das mulheres das amarras da opressão de gênero
patriarcal (SARDENBERG, 2018, p.18).

As letras interpretadas pelas MCs dentro dessa esfera enfatizam a discussão acerca da
violência de gênero, física e psicológica, e as relações de poder dos homens sobre as
mulheres. Nesse sentindo, fomentam o empoderamento das mulheres acerca da igualdade de
direitos nos diversos âmbitos a fim de que elas vivam livremente e assumam seus papeis
sociais, partindo de suas próprias necessidades.

Tabela 1 - Empoderamento sob a perspectiva cognitiva

Dimensão Esfera Objetivo Trecho Análise

Cognitiva Cultural Transformar as Luís Inácio é do Interpretada por Valesca


estruturas que povo, escuta o que ele Popozuda, a música é
reforçam e diz. A favela tem inspirada no dia que ela
perpetuam a muita gente que só conheceu Luís Inácio, na
discriminação quer é ser feliz. O época, Presidente do
de gênero e as funk não é problema, Brasil, em uma ação no
desigualdades para alguns jovens é a Complexo do Alemão
sociais. solução. Quem sabe (RJ). Os versos
algum dia viro demonstram a valorização
ministra da da favela e do funk ao
63
Educação. enaltecer a localidade e
seus moradores. Também
defende a importância do
ritmo musical como
mecanismo emancipatório
da juventude das
periferias. Além disso,
critica, através da parte
“Quem sabe algum dia
viro ministra da Educação”
a ausência de
representantes das favelas
nas estruturas de poder.

Cognitiva Cultural Transformar as Quando solta essa Interpretada por Ludmilla


estruturas que daqui, ninguém fica e Anitta, a letra fomenta o
reforçam e parado, desceu da poder de adesão do funk e
perpetuam a favela pro asfalto. sua capacidade de
discriminação Quando o DJ solta o promoção. O trecho

63
GAIOLA DAS POPOZUDAS - Funk do Lula. GaiolaDasPopozudasBR. 1 de abr. de 2009. 1 Vídeo Youtube (2min46s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7S9wDJZSpz8>. Acesso em: 30 de jul. de 2020.
43

de gênero e as beat, o baile pega fogo enfatiza a visibilidade do


desigualdades e sai dominando o ritmo e da favela, que
sociais. mundo todo. Ôôô, o unidos, levam suas
funk chegou. Ôôô, culturas para o mundo,
favela chegou.64 indo contra as estruturas
que tentam diminuir a
importância do ritmo
musical.

Cognitiva Cultural Transformar as Funkeira sim, mas tem Interpretada por MC Rita,
estruturas que quem gosta. Favela a música é um “bater no
reforçam e sim, e quem não gosta, peito” para defender as
perpetuam a não quer admitir que a funkeiras e as favelas. O
discriminação MC Rita incomoda.65 trecho destaca o fato do
de gênero e as empoderamento de
desigualdades mulheres funkeiras e
sociais. faveladas incomodar quem
tenta desvalorizar e
diminuir suas
manifestações.

Cognitiva Social Questionar a Vou mandar um papo Interpretado por Deize


ideologia reto você tem que Tigrona, o trecho
patriarcal. saber. Se esculacha as questiona a tentativa do
amantes, eu te homem de diminuir a
pergunto o porquê? mulher e a autonomia dela
Pelo que eu te para se posicionar. Para
conheço, você não é sua defesa, a MC utiliza a
grande coisa, seu própria lógica machista
"lulu" é tão pequeno. para “atacar” o homem no
Uh, uh, uh, miniatura ponto em que sua
de lulu.66 masculinidade tóxica pode
ser mais enfraquecida:
“diminuindo” seu órgão
sexual. Esse “ataque”
busca romper com a ideia
do falocentrismo onde o
pênis representa o valor
significativo de
superioridade masculina.

Cognitiva Social Questionar a Tu tá achando que é Interpretada por MC


lógica amor? É? Coitado! Tá Rebecca, a letra fomenta a
patriarcal. pensando que eu não mudança da percepção da

64
LUDMILLA E ANITTA- Favela Chegou - DVD Hello Mundo (Ao Vivo). Ludmilla. 27 fev. de 2019. 1 Vídeo Youtube
(3min2s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3nmIJ-Mohtk>. Acesso em: 30 jul. de 2020.
65
MC RITA - Tem quem gosta (Kondzilla.com). Canal KondZilla. 29 de set. 2018. 1 Vídeo Youtube (3min29s). Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=8-ANi3Cd1gg>. Acesso em: 30 jul. de 2020.
66
DEIZE TIGRONA - Miniatura de Lulu. Discoteca do Kikão. 25 de nov. de 2016. 1 Vídeo Youtube (3min20s). Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=nsJScxZ_Kg8> Acesso em: 30 de jul. de 2020.
44

sei que você é safado. mulher e do seu papel


Eu sou daquelas que social acerca das relações
senta e abandona. amorosas. A MC defende
Admire o meu talento que não é ingênua e que,
porque sou fodona.67 assim como o homem,
também só quer transar
sem compromisso,
promovendo a
emancipação da mulher
dos estigmas baseados na
visão machista que
colocam a mulher na
posição de estar sempre
focada em se apaixonar,
ter um relacionamento e
casar.

Cognitiva Social Questionar a Meu namorado é MC Carol interpreta a


lógica maior otário, ele lava música que é uma crítica a
patriarcal. minhas calcinhas. Se sociedade patriarcal que
ele fica cheio de marra dissemina que às mulheres
eu mando ele pra cabe o papel de donas de
cozinha. Se tu não tá casa, que devem aceitar a
gostando, então dorme liberdade do marido sem
no portão. Porque eu reclamar. No trecho, ela
vou pro baile, vou pra subverte a ótica machista
minha curtição.68 ao colocar a mulher no que
seria o “papel” do homem,
promovendo a autonomia
feminina.

Cognitiva Social Questionar a Cheguei no baile, MC Carol é responsável


ideologia percebi logo a por interpretar a letra forte
patriarcal. maldade. Nem e necessária. Infelizmente,
conheço esse maluco, a cultura do estupro se faz
pagou uísque com presente na nossa
Sprite. Me ofereceu sociedade e as mulheres
loló na intenção de me sofrem diariamente com
comer. Vou te dar um essa problemática. A
papo, mas guarda pra música aborda
você. Eu não gosto de explicitamente a tentativa
cerveja, eu não gosto do homem de drogar a
de maconha. Tu tá mulher para um “bacanal”,
pensando que vai me termo que designa um
deixar doidona? estupro coletivo. A letra é
Queria me levar de fundamental para

67
MC REBECCA - Tu tá achando que é amor (Clipe Oficial). Rebecca Oficial. 14 de ago. de 2020. 1 Vídeo Youtube
(3min7s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=u8D52VtltoM>. Acesso em: 30 de jul. de 2020.
68
MC CAROL - Meu namorado é maior otario Clip. DJJUNIOR NITEROI. 13 de nov. de 2012. 1 Vídeo Youtube
(2min49s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vPh-GPz2rWs> Acesso em: 30 de jul. de 2020.
45

ralo, me deixando denunciar a violência de


mal. Tudo planejado gênero sofrida pelas
pra fazer bacanal. Eu mulheres, alertando-as. Ao
sou Carol Bandida, usar o trecho “Você tá
sou sagaz, sou doidão, seus amigos vão te
tranquilona. Não comer”, a MC fala de
aceito mancada, se forma clara e chocante o
liga na tua responsa. que de fato aconteceria
Agora, você se fodeu, com a mulher porém
sou mais esperta que invertendo os papéis. Ao
você. Você tá doidão, inverter os papéis, a MC
seus amigos vão te coloca o homem na
comer.69 posição de vulnerabilidade
e inferioridade,
denunciando como
acontece na lógica da
violência de gênero contra
a mulher.

Cognitiva Social Questionar a Hoje vou me libertar. Interpretado por Pocah, o


ideologia Ele pode implorar. trecho rompe com a visão
patriarcal. Que vai ser muito machista que enfatiza que
pior. Vai aprender a o papel social da mulher é
viver só. Desculpa, cuidar do homem e
mas não sou babá. promove a emancipação
Pode chorar, chora, das mulheres dessa lógica.
bebê.70 A mulher, no patriarcado,
deve criar o homem para
ser sempre cuidado por
outra mulher. Assim,
mesmo ao casar, o homem
sai da casa dos pais
esperando que a
companheira o trate
conforme sua mãe o
tratava. A crítica se dá
com maior ênfase ao dizer
que o homem deve
“aprender a viver só” não
sob a pretensão de que a
mulher estará à disposição
para servi-lo.

Cognitiva Social Questionar a Só me dava porrada e Interpretado pela Gaiola


ideologia partia pra farra. Eu das Popozudas,
patriarcal. ficava sozinha, representada por Valesca

69
MC CAROL - A vingança (Prod. Leo Justi). Mc Carol Oficial. 31 de out. de 2016. 1 Vídeo Youtube (2min41s). Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=nsV1A-m04Gs> Acesso em: 30 de jul. de 2020.
70
POCAH - Pode Chorar (Clipe Oficia). Pocah. 23 de ago. de 2019. 1 Vídeo Youtube (2min45s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=6XRJXGes0Bc>. Acesso em: 30 de jul. de 2020.
46

esperando você. Eu Popozuda, o trecho fala


gritava e chorava que explicitamente sobre um
nem uma maluca. relacionamento abusivo
Valeu, muito que foi superado. A
obrigado, mas agora violência doméstica é
virei puta! Se um realidade na sociedade
tapinha não dói, eu brasileira e faz muitas
falo pra você, segura mulheres reféns de seus
esse chifre quero ver maridos. Através do
tu se fuder.71 trecho, há a promoção da
capacidade e poder das
mulheres de se libertarem.
Além da denúncia acerca
da violência de gênero, o
trecho critica a dicotomia
comportamental imposta
pela cultura patriarcal à
mulher. Essa dicotomia, ao
usar o matrimônio como
parâmetro, categoriza a
mulher casada somente
como a que merece valor.
Essa categorização é
exemplificada pelo termo
“puta”, que
é ressignificado. Se ser
uma mulher solteira,
independente, que se ama,
se respeita, sabe do seu
valor, não aceita violência,
é ser puta, ela quer mais
que o homem sofra, “se
foda”, vendo-a livre e
feliz.

Cognitiva Social Criar as Professora, me MC Carol analisa


condições para desculpe, mas agora criticamente o
que as vou falar. Esse ano na “descobrimento” do Brasil
mulheres escola, as coisas vão pelos portugueses. A letra
pobres possam mudar. Nada contra ti, exemplifica o caráter
ter acesso – e não me leve a mal. educacional do funk ao
controle sobre Quem descobriu o abordar um tema histórico
– recursos Brasil, não foi Cabral. sob outro viés. Essa
materiais e Treze Caravelas. abordagem é fundamental
informacionais. Trouxe muita morte. para o acesso à
Um milhão de índio informação. Além disso,
morreu de fomenta a pauta racial ao

71
GAIOLA DAS POPOZUDAS - Larguei meu marido virei puta - putaria. PrimoDoFunk. 14 de ago. de 2008. 1 Vídeo
Youtube (3min22s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=duJe5YCQhoY>. Acesso em: 30 de jul. de 2020.
47

tuberculose. Falando valorizar e promover a


de sofrimento dos participação de Dandara e
tupis e guaranis, Zumbi, guerreiros na luta
lembrei do guerreiro antirracista durante o
Quilombo Zumbi. período colonial brasileiro
Zumbi dos Palmares para os dias atuais.
vítima de uma
emboscada. Se não
fosse a Dandara, eu
levava chicotada.72

Cognitivo Social Questionar a Ah, tá bom, agora Interpretada por Pocah, a


ideologia quer mandar em mim. música enfatiza o poder de
patriarcal. Coitadinho, não passa escolha e decisão da
de um contatinho. mulher de estar ou não em
Abaixa o tom, respeita um relacionamento
a mamãe aqui. Olha amoroso. Se a relação não
ele todo, todo se está do agrado dela, ela é
achando, tá metendo o independente para não se
louco. Daqui a pouco submeter a um
eu vou fazer que nem relacionamento abusivo. O
eu fiz com o outro. Se trecho fomenta que a
quando eu danço te mulher deve se valorizar,
incomoda, amor, eu se posicionar e não ser
acho é pouco. Ai, que obrigada a nada.
ranço! Deixa eu te
lembrar que eu não
sou obrigada a nada.
Ninguém manda nessa
raba. Uma bunda
dessa não nasceu pra
ser mandada.73

Cognitiva Social Questionar a Dá espaço pra eu Interpretado por MC


ideologia passar, pra eu começar Mirella, o trecho enfatiza o
patriarcal. a rebolar, mas tu só poder da mulher sobre seu
pode olhar. Sem próprio corpo e o dever do
querer vim me abusar. homem de respeitá-lo.
Porque, o corpo é Independente da roupa que
meu, quem manda a mulher estiver vestindo,
nele sou eu. Então, do que ela estiver fazendo
pega a receita que e aonde ela estiver
agora eu vou te circulando, o homem deve
ensinar.74 respeitar seu espaço.

72
MC CAROL - Não foi Cabral (Leo Justi Remix). Mc Carol Oficial. 31 de out. de 2016. 1 Vídeo Youtube (3min44s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yYs5U5OjUeU>. Acesso em: 3 de ago. de 2020.
73
POCAH - Não sou obrigada (Clipe Oficial). Pocah. 29 de mar. de 2019. 1 Vídeo Youtube (2min51s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HutLSVbLWHM>. Acesso em: 2 de ago. de 2020.
74
MC MIRELLA - Vou tacar (Videoclipe Oficial). Thalles Produções. Detona Funk. 20 de abr. de 2018. 1 Vídeo Youtube
(2min51s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Kw3YcElmktk>. Acesso em: 2 de ago. de 2020.
48

Cognitiva Social Questionar a Sexy, querem que a Interpretada por MC


ideologia gente seja sexy. Sabrina, a música é uma
patriarcal. Querem que a gente crítica a visão que rotula e
faça pose, que faça enquadra as mulheres em
"caras e bocas". Santa, características
querem que a gente determinadas pela ótica
seja santa, querem que masculina. Na música,
a gente seja virgem. além de criticar esse
Depois reclamam que aspecto, a MC defende a
nós somos loucas. autonomia da mulher para
Tudo, posso ser um ser o que quiser ser e fazer
pouco disso tudo ou o que quiser fazer,
absolutamente nada. partindo das suas próprias
Decido pra quem visto necessidades e
e tiro a roupa.75 convicções.

3.2 - Empoderamento sob a perspectiva psicológica

Na dimensão psicológica, o empoderamento está baseado nos sentimentos de autoestima


e autoconfiança das mulheres, manifestados através da aceitação de seus corpos e da
externalização de desejos. Dentro dessa dimensão, encontram-se as esferas da estética e da
sexualidade.
De acordo com Léon:

O empoderamento como autoconfiança e autoestima deve integrar-se em um sentido de


processo com a comunidade, a cooperação e a solidariedade. Ao ter conta o processo histórico
que cria a carência de poder, torna-se evidente a necessidade de alterar as estruturas sociais
vigentes; quer dizer, se reconhece o imperativo da mudança (LÉON, 2001 apud BERTH,
2019, p.115).

A sociedade brasileira, baseada nos arquétipos eurocêntricos, unidos à visão machista e


ao racismo estrutural, durante muito tempo impôs às mulheres padrões estéticos considerados
belos: magra, alta, branca e de cabelos lisos. Não há nada errado em ter essas características,
mas elas não podem ser utilizadas para enquadrar as mulheres no que deve ser o “padrão
estético aceito pela sociedade”. Na verdade, não deve haver padrão. Na esfera estética, o
empoderamento defende a pluralidade dos corpos femininos, a fim de que as mulheres se
aceitem, se amem e tenham autonomia para mudar seus visuais desde que levem em
consideração suas próprias vontades e não pressões externas da sociedade. Segundo
Sardenberg, “Trata-se de um processo que leva à construção de um “poder de dentro”,

75
MC SABRINA - Sexy. Funkneurotico. 17 de ago. de 2008. 1Vídeo Youtube (3min20s). Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=YOBDktDS1MM>. Acesso em: 2 de ago. de 2020.
49

identificado com o crescimento da autoestima, fator central no empoderamento pessoal”


(SARDENBERG, 2018, p.22).
Ainda na esfera estética, o empoderamento também está ligado ao rompimento do
pudor, no sentido da vergonha e constrangimento que a mulher tem perante seu corpo.
Conforme análise de Simone de Beauvoir:

A sorte da menina é muito diferente. Nem mães nem amas têm reverência e ternura por suas
partes genitais; não chamam a atenção para esse órgão secreto de que só se vê o invólucro e
não se deixa pegar; em certo sentido, a menina não tem sexo. Não sente essa ausência como
uma falha; seu corpo é evidentemente uma plenitude para ela, mas ela se acha situada no
mundo de um modo diferente do menino e um conjunto de fatores pode transformar a seus
olhos a diferença em inferioridade (BEAUVOIR, 1967, p. 14).

No patriarcado, a mulher é ensinada a esconder seu corpo e expor ele somente no intuito
de seduzir e satisfazer o homem. É por conta dessa visão machista, que muitas pessoas
acreditam que a roupa que uma mulher veste é fator justificativo para ela sofrer abusos.
Enquanto o homem é ensinado a externar seu poder através da sua estrutura física, como
acontece com a lógica do falocentrismo, a mulher carrega a culpa de mostrar seu corpo. Ainda
de acordo com Beauvoir:

No rapaz, os impulsos eróticos só confirmam o orgulho que tira de seu corpo: neste ele
descobre o sinal de sua transcendência e de seu poder. A moça pode conseguir assumir seus
desejos, mas eles permanecem o mais das vezes vergonhosos. Seu corpo inteiro é aceito com
embaraço (BEAUVOIR, 1967, p. 70).

O empoderamento na esfera estética fomenta o respeito ao corpo das mulheres, tanto por
elas próprias, mas principalmente pelos homens. Além disso, enfatiza que o corpo da mulher
não deve ser analisado sob a perspectiva masculina, muito menos entendido como mero
objeto de deleite dos homens.
Ainda dentro dessa dimensão, há a observação da esfera da sexualidade. A lógica
patriarcal, com suas expressões machistas, também está presente nessa esfera ao impor
moralismos e tabus relacionados ao sexo da mulher e sua intimidade. Falar livremente sobre a
vagina causa constrangimento, dizer que a mulher se masturba e que ela quer gozar no ato
sexual, nem pensar.
O machismo impregnado na sociedade, infelizmente, se faz presente até mesmo no
âmbito mais íntimo, onde deveria haver a liberdade máxima: “entre quatro paredes”. As
mulheres se sentem pressionadas a demonstrar que estão sentindo prazer, muitas delas
chegam a fingir o orgasmo a fim de não envergonhar o parceiro, como se a satisfação dela não
fosse dela, mas sim um merecimento, um prêmio para o homem. Devido à visão de que a
mulher está ali para servir à sexualidade masculina, muitas delas não se preocupam com o
50

próprio prazer e pensam somente em agradar o companheiro. E é para romper com essa lógica
de submissão, que as MCs falam abertamente sobre preferências e expectativas sexuais,
manifestando o direito ao prazer.
Vale salientar que a sexualidade não está ligada somente à prática do ato sexual, mas
também ao entendimento da mulher sobre seu corpo e sua saúde física, emocional e
psicológica. Falar sobre sexualidade, portanto, é uma maneira de empoderar as mulheres para
que elas se conheçam, tenham prazer e ampliem o diálogo sobre o tema com amigas,
familiares, parceiros e parceiras.
As esferas da estética e da sexualidade fomentam o autorrespeito, o autocuidado e a
valorização das mulheres.

Tabela 2 - Empoderamento sob a perspectiva psicológica

Dimensão Esfera Objetivo Trecho Análise

Psicológica Sexualidade Questionar a Agora vou pagar Interpretada por MC


ideologia pra ver, novinho, se Rebecca, a letra
patriarcal. tu é tudo isso. fomenta a
Vamos pra treta autoconfiança da
comigo que hoje mulher, a liberdade
vou acabar contigo. sexual e também a
Vou te dar coça de valorização da estética
Rebecca. Tu vai se negra. Nesse discurso, a
apaixonar do jeito MC enfatiza que a
que a preta te mulher pode ter a
pega.76 iniciativa de chamar o
parceiro para o ato
sexual, tirando-a do
papel de submissão,
promovendo a
emancipação feminina.
Na versão do Funk
Putaria, a substituição
por “coça de xereca”,
explicita a ideia de que
é a mulher que vai
dominar a relação
sexual.

Psicológica Estética Transformar Eu fiquei 3 meses Interpretado por Tati


as estruturas sem quebrar o Quebra Barraco, o

76
MC REBECCA – Coça de Rebecca (Kondizilla.com). Canal KondZilla. 27 de set. de 2018. 1 Vídeo Youtube (3min38s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_6CxZrx8LqU>. Acesso em: 2 de ago. de 2020.
51

que reforçam barraco. Sou feia, trecho ficou famoso no


e perpetuam a mas tô na moda.77 mundo funk. Tati, na
discriminação época da criação da
de gênero e música, considerou-se
as feia por não estar nos
desigualdades padrões estéticos
sociais. ditados, pois era negra,
gorda e favelada.
Ao enfatizar que,
mesmo “fora do
padrão”, ela estava na
moda, ela empodera as
mulheres com as
mesmas características
a se amar, respeitar e
valorizar. A expressão
“quebrar barraco”
refere-se a prática
sexual.

Psicológica Estética Questionar a Eu sou princesa da Interpretada por Baby


ideologia favela. E minha Perigosa, a música, por
patriarcal. buceta é viciante. mais que aborde a pauta
Vem provar o sexual, é analisada sob
gostinho dela. a esfera da estética,
Novinho, tô visto que valoriza o
instigante. Vem órgão sexual da mulher
chupando no ao compará-lo ao
talento meu diamante: valioso, lindo
grelinho de e que deve ser
78
diamante. manuseado com
cuidado. Nesse sentido,
rompe com o
constrangimento e
vergonha da mulher
sobre sua própria
anatomia, promovendo
a afirmação feminina.

Psicológica Sexualidade Questionar a Mete com força e Interpretada por MC


ideologia com talento. Estou Nick, a música fomenta
patriarcal. ofegante, e você a liberdade sexual da
percebendo. Bate e mulher através da
maltrata essa puta manifestação de suas
safada, quero jatada vontades. Essa
de leite na cara. manifestação, relaciona-

77
TATI QUEBRA BARRACO – Sou feia mas tô na moda. Junior Lopes. 20 de mar. de 2012. 1 Vídeo Youtube (3min05s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tVNjQ8F-CAA>. Acesso em: 2 de ago. de 2020.
78
HEAVY BAILA & BABY PERIGOSA – Grelinho de diamante. Heavy Baile. 14 de jun. de 2019. 1 Vídeo Youtube
(2min21s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_nZ2XmxvvvU>. Acesso em: 2 de ago. de 2020.
52

Mas calma aí, não se com o


goza agora. Quero consentimento, com o
você socando que a mulher permite
minha xota. que seja feito no corpo
Quando eu gozar, dela durante a relação
você goza.79 sexual, promovendo o
poder e autonomia dela
sobre seu próprio corpo.
Além disso, também há
a reivindicação do
direito ao prazer da
mulher quando ela
enfatiza que o homem
não deve pensar
somente no prazer dele,
mas respeitar e cooperar
para que ela também
tenha seu prazer
garantido.

Psicológica Estética Transformar Sou mulher, sou No trecho, MC Carol


as estruturas negra, meu cabelo é valoriza e enfatiza o
que reforçam duro.80 orgulho de ser negra e
e perpetuam a mulher. Ela ressignifica
discriminação o termo “cabelo duro”,
de gênero e usado negativamente
as para falar do cabelo
desigualdades crespo, para promover a
sociais. afirmação e valor da sua
estética natural.

Psicológica Sexualidade Questionar a Tô subindo as Interpretado por MC


lógica paredes, quero Rebecca, o trecho
patriarcal. putaria. Até meu enfatiza o auto prazer
consolo, já ficou da mulher ao falar sobre
sem bateria, quem o uso do “consolo”,
diria hein.81 vibrador para a
masturbação feminina.
O trecho fomenta o
empoderamento do
ponto de vista do
autoconhecimento da
mulher sobre seu

79
MC NICK – Mete com força com talento - Bota que bota (DJ JL). Funk RP. 3 de nov. de 2018. 1 Vídeo Youtube
(2min35s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HEw9n6txxiQ&t=6s>. Acesso em: 2 de ago. de 2020.
80
MC CAROL & KAROL CONKA - 100% Feminista (prod. Leo Justi & Tropkillaz). Mc Carol Oficial. 7 de out. de 2016. 1
Vídeo Youtube (3min19s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=W05v0B59K5s>. Acesso em: 5 de ago. de
2020.
81
MC REBECCA – Tô presa em casa (Clipe Oficial). Rebecca Oficial. 25 de abr. de 2020. 1 Vídeo Youtube (2min15s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=L5eG_7GuKFY>. Acesso em: 5 de ago. de 2020.
53

próprio corpo e seu


próprio prazer.

Psicológica Sexualidade Questionar a Já tá gozando Interpretada por MC


lógica porque tá no Dricka, a música
patriarcal. terceiro dedo explicita a liberdade
Vem sentar na sexual da mulher
minha cara, pede é promovendo a
não para emancipação feminina
Que tomar linguada para além do
porque isso não envolvimento
falha heterossexual,
Esquece esses rompendo com o ideal
caras, as mina na patriarcal do
área relacionamento homem
Dricka e os LGBT e mulher cis.
que se espalha. 82

3.3 - Empoderamento sob a perspectiva política

Na dimensão política, o empoderamento fomenta a capacidade de ação, socialização e


ocupação da mulher nos variados espaços, através das esferas da liderança e da sororidade.
Na esfera da liderança, o empoderamento se faz presente à medida que as mulheres
tomam para si o controle de suas próprias vidas e atuam como formadoras de opinião.
Segundo Araújo, “Apesar da liderança possuir diversas definições, a forma mais clara para
defini-la é: a capacidade de motivar pessoas e o poder de influenciá-las, ou ainda, a habilidade
de influenciar um grupo para alcançar metas” (ARAÚJO, 2014 apud BATISTA, 2018, p. 24).
A partir dessa perspectiva, o empoderamento das mulheres na esfera da liderança, busca
fomentar a atuação feminina em projetos pessoais e profissionais.
Na esfera da sororidade, o empoderamento está ligado à exclusão da competição
feminina e ao enaltecimento da união entre mulheres. A competição é um artifício utilizado
no funk como algo intrínseco ao gênero musical, seja em produções masculinas ou femininas.
A problemática da competição ocorre quando o chamado “afronte 83 ” entre as mulheres,
incentiva a rivalidade usando o homem como ponto central. Essa temática, inclusive, foi
responsável por um dos maiores sucessos do funk feminino dos anos 2000, Duelo: Fiel vs

82
MC DRICKA – Beijo no pescoço (Clipe Oficial) DJ Biel Beats. MC Dricka. 17 de jul. de 2020. 1 Vídeo Youtube
(2min39s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Oj4U_zSVHxA>. Acesso em: 5 de ago. de 2020.
83
O “afronte” é uma gíria que quer dizer encarar, brigar, provocar e desafiar.
54

Amante84 interpretado por MC Kátia, representando as fiéis, e a MC Nem, representando as


amantes. Este trabalho defende o funk como potência do empoderamento feminino, sem
esquecer que o gênero musical, assim como qualquer outro, deve ter liberdade de expressão
acerca de qualquer assunto. A rivalidade presente nas músicas, portanto, deve ser entendida e
analisada sob o viés de que as MCs abordam o que vivenciam.
Ampliar a discussão do empoderamento e do feminismo é extremamente importante
para que as mulheres possam cada vez mais analisar criticamente o contexto social que estão
inseridas, o que pode refletir nas produções culturais. Valesca Popozuda, por exemplo, em
2013, lançou a música Beijinho no Ombro 85 , outro grande sucesso do funk feminino. A
música que conta com versos como “Desejo a todas inimigas vida longa, pra que elas vejam a
cada dia mais nossa vitória. Bateu de frente é só tiro, porrada e bomba. Aqui, dois papos não
se cria e nem faz história” ganhou a versão86 com os versos “Desejo a todas as amigas vida
longa. Unidas, vamos conquistar ainda mais vitórias. E vamo em frente, a parceria é nossa
onda. Sem intriga, sem caô, amiga colabora”.
Nessa dimensão, os discursos propostos pelas MCs incentivam o engajamento, a
mobilização, a identificação e o companheirismo entre mulheres.

Tabela 3 - Empoderamento sob a perspectiva política

Dimensão Esfera Objetivo Trecho Análise

Política Liderança Transformar as Meu papo é outro. No trecho interpretado


estruturas que Sou popozuda e por Valesca Popozuda,
reforçam e represento a voz do há a ênfase da
perpetuam a morro.87 representatividade da
discriminação de MC em ser voz da
gênero e as localidade a qual ela
desigualdades se refere,
sociais. demonstrando seu
papel de formadora de
opinião. O trecho,
promove a capacidade
e autoridade da mulher

84
DVD FURACÄO 2000 TSUNAMI 1. Furacão 2000. 11 de jan. de 2011. 1 Vídeo Youtube (2min39s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=gcOkX_CW1aQ>. Acesso em: 6 de ago. de 2020.
85
VALESCA POPOZUDA – Beijinho no ombro (Official Music Video). Valesca Popozuda. 27 de dez. de 2013. 1 Vídeo
Youtube (7min43s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=73sbW7gjBeo> Acesso em: 6 de ago. de 2020.
86
BEIJINHO NO OMBRO – Nova versão completa (Seda ft. Valesca Popozuda). Seda. 7 de jul. de 2017. 1 Vídeo Youtube
(1min21s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hAal-CRqRWA>. Acesso em: 6 de ago. de 2020. A versão
foi realizada para o projeto #JuntasArrasamos da Seda (empresa de produtos de beleza feminina, para enfatizar a importância
da sororidade e colaboração feminina.
87
GAIOLA DAS POPOZUDAS – Funk do Lula. Gaiola das Popozudas BR. 1 de abr. de 2009. 1 Vídeo Youtube (2min46s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7S9wDJZSpz8>. Acesso em: 30 de jul. de 2020.
55

para ocupar posições


de liderança.

Política Liderança Criar as Represento as MC Carol enfatiza seu


condições para mulheres 100% papel de liderança ao
que as mulheres feminista. demonstrar no verso o
pobres possam Represento grupo social que ela
ter acesso – e Aqualtune, representa: mulheres
controle sobre – represento Carolina. feministas. Ao
recursos Represento Dandara mencionar importantes
materiais e e Xica da Silva.88 nomes de mulheres
informacionais. negras, além de
valorizar, enaltecer
suas origens e atuar
como formadora de
opinião do movimento
negro, a MC
dissemina as
informações acerca da
temática.

Política Sororidade Questionar a Sou Juliana e só No trecho, Juliana,


ideologia fecho com as que representando o bonde
patriarcal. tem disposição. Vem Juliana e as Fogosas,
que vem, nesse pique valoriza a união
rebola até o chão.89 feminina ao “fechar”
com as que têm
disposição, ou seja, as
mulheres
empoderadas. Além
disso, faz uma
chamada para ação ao
convidar mais
mulheres para ocupar
o espaço, promovendo
a participação
feminina.

Política Liderança Criar as Yeah, Pocah que tá Pocah, além de trazer


condições para no baile. É o na música a palavra
que as mulheres empoderamento empoderamento,
pobres possam feminino e esse é o ampliando a
ter acesso – e meu destaque.90 visibilidade do termo
controle sobre – no cenário funk,

88
MC CAROL & KAROL CONKA - 100% feminista (prod. Leo Justi & Tropkillaz). Mc Carol Oficial. 7 de out. de 2016. 1
Vídeo Youtube (3min19s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=W05v0B59K5s>. Acesso em: 5 de ago. de
2020.
89
DVD TSUNAMI 2 JULIANA E AS FOGOSAS - Solteirona na pista. Furacao2000 oficial. 12 de jul. de 2013. 1 Vídeo
Youtube (1min52s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rpoZspR964A>. Acesso em 7 de ago. de 2020.
90
POCAH, MÄOLEE, OIK – Toda sua (CLIPE OFICIAL). Pocah. 23 de out. de 2020. 1 Vídeo Youtube (2min45s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=SjCknkzZ1pI>. Acesso em: 25 de out. de 2020.
56

recursos enfatiza seu papel de


materiais e liderança ao defender
informacionais essa bandeira
abertamente,
promovendo a
importância da
participação feminina
para a ampliação no
debate de gênero.

Política Sororidade Questionar a Agora em Sob a ótica patriarcal


ideologia homenagem. Cadê as as mulheres, por se
patriarcal. minhas purpurinadas basearem na
presentes no baile? competitividade pela
Cadê vocês?91 atenção do homem,
não são capazes de
elogiar sinceramente
umas às outras. Essa
visão é rompida a
partir da interpretação
de Verônica Costa,
que, além de valorizar
as mulheres, chama
elas também para
ocupar aquele espaço.

3.4. Empoderamento sob a perspectiva econômica

Na dimensão econômica, observam-se as esferas da independência financeira e do


mercado de trabalho. A independência financeira é um fator preponderante e muitas vezes
decisivo para o papel social feminino. Muitas mulheres ficam presas em relacionamentos
abusivos, dentre outros fatores, como o abuso físico e psicológico, por não terem condições
financeiras para viverem sozinhas. Relacionado a isso, está a atuação das mulheres no
mercado de trabalho. Essa é mais uma manifestação da cultura patriarcal que dita que às
mulheres cabem os serviços domésticos não remunerados, enquanto aos homens cabe a
atuação em atividades remuneradas.
A igualdade de salários e oportunidades é uma das temáticas dessa dimensão, visto que
os homens, além de receberem remunerações superiores às mulheres, estão em grande maioria
em cargos de liderança e poder. Segundo Chimamanda:

91
QUE PRESSÄO É ESSA – Verônica Costa. Veronica Costa Mãe Loira. 2 de out. de 2020. 1 Vídeo Youtube (4min38s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lpvE8oomzQ0>. Acesso em 25 de out. de 2020.
57

Existem mais mulheres do que homens no mundo – 52% da população mundial é feminina -,
mas os cargos de poder e prestígio são ocupados por homens. [...] quando um homem e uma
mulher têm o mesmo emprego, com as mesmas qualificações, se o homem ganha mais é
porque ele é homem (ADICHIE, 2014, p. 20).

O empoderamento nas esferas da independência financeira e do mercado de trabalho


evidenciam, portanto, a importância da igualdade de salários e oportunidades.
Na esfera da independência financeira, o empoderamento está relacionado a participação
efetiva das mulheres na economia, a capacidade delas de gerar renda, ter controle e acesso a
recursos financeiros e bens materiais.
Na esfera do mercado de trabalho, o foco do empoderamento está baseado na busca por
oportunidades iguais e ao fomento do empreendedorismo92. Além disso, o empoderamento
nessa esfera também está ligado a busca pela igualdade salarial.

Tabela 4 - Empoderamento sob a perspectiva econômica

Dimensão Esfera Objetivo Trecho Análise

Econômica Independência Questionar a Tô podendo pagar No trecho, Tati


financeira ideologia hotel pros Quebra Barraco
patriarcal. homens. Isso é enfatiza a
que é mais independência
93
importante. financeira da mulher.
Além disso, ela
subverte a lógica
machista de que as
mulheres são
inferiores e devem
depender do homem.
Dessa forma, a MC
fomenta através do
termo “pagar hotel
pros homens” que as
mulheres devem ter
independência
financeira para serem
donas de si.

92
Para o estudo em questão, utiliza-se a definição evidenciada no site do SEBRAE/SC: Empreendedorismo é a capacidade
que uma pessoa tem de identificar problemas e oportunidades, desenvolver soluções e investir recursos na criação de algo
positivo para a sociedade. Pode ser um negócio, um projeto ou mesmo um movimento que gere mudanças reais e impacto no
cotidiano das pessoas. Disponível em:< https://atendimento.sebrae-sc.com.br/blog/o-que-e-
empreendedorismo/#:~:text=Empreendedorismo%20%C3%A9%20a%20capacidade%20que,impacto%20no%20cotidiano%2
0das%20pessoas.>. Acesso em: 28 de out. de 2020.
93
TATI QUEBRA BARRACO – Sou feia mas tô na moda. Junior Lopes. 20 de mar. de 2012. 1 Vídeo Youtube (3min05s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=tVNjQ8F-CAA>. Acesso em: 26 de out. de 2020.
58

Econômica Mercado de Transformar Sou porra louca, No trecho, Ludmilla


trabalho as estruturas mas também sou enfatiza que, por mais
que reforçam dedicada. Em casa que ela curta a vida e
e perpetuam a não falta nada, se divirta, ela trabalha
discriminação trabalho pra e estuda,
de gênero e estudar.94 demonstrando,
as transmitindo e
desigualdades promovendo a
sociais. importância da
participação feminina
em ambas ações para
o processo de
autonomia da mulher.

Econômica Independência Questionar a E nós desenrola MC Dricka fomenta a


financeira ideologia nas palavras, não independência
patriarcal. leva desaforo pra financeira ao enfatizar
casa. Eu que que ela mesma pode
posso me bancar. se “bancar”, se
De nave nós tamo sustentar. O termo
a milhão, no baile “nave” faz referência a
chamando carros luxuosos,
atenção.95 questão que durante
muito tempo, devido
ao machismo, foi
associado somente ao
interesse masculino.
Diversas piadas
machistas, inclusive,
repercutem na
sociedade ao dizer que
mulheres não têm
habilidade para dirigir.
Essa ideia baseia-se na
determinação do
patriarcado que impõe
o que é coisa de
mulher e o que é coisa
de homem. Dessa
forma, o trecho
promove a capacidade
e autonomia da mulher
para fazer o que
quiser.

Econômica Mercado de Questionar a Chegou a patroa. Anitta enfatiza nos

94
LUDMILLA - Verdinha (Official Music Video). Ludmilla. 29 de nov. de 2019. 1 Vídeo Youtube (2min41s).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lYFNyj8tjDg>. Acesso em: 26 de ago. de 2020.
95
MC DRICKA - E nós tem um charme que é dahora (Clipe Oficial). MC Dricka. 9 de mai. de 2020. 1 Vídeo Youtube
(2min31s). Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=h53iBmEKupg>. Acesso em: 26 de ago. de 2020.
59

trabalho lógica Poderosa, versos explicitados,


patriarcal. empresária, eu sou além da independência
foda, milionária.96 financeira, o papel
social de liderança da
mulher dentro do
mercado de trabalho,
rompendo com a ideia
de que cabe aos
homens postos de
poder. Além disso, ela
fomenta o
empreendedorismo
feminino a fim de que
as mulheres tenham
seu próprio dinheiro e
“império”.

Econômica Mercado de Questionar a Enquanto eles faz MC Marcelly destaca


trabalho ideologia fofoca, nós tá no trecho a
patriarcal. fazendo dinheiro. independência
Quero financeira e a ambição
tranquilidade, da mulher de
dinheiro no bolso. conquistar seu próprio
Sem bater cabeça dinheiro. Com o verso
porque minha paz “deixar minha família
vale ouro. A meta bem”, a MC destaca e
é melhoria e promove a
deixar a família importância e
bem. Quero ser o participação da mulher
melhor que eu como responsável pelo
posso e não ser sustento da casa. Mais
melhor que uma vez subvertendo a
97
ninguém. ótica patriarcal de que
fomenta que ao
homem cabe exercer o
“domínio” financeiro
da família.

Econômica Independência Questionar a Sabe que eu não Azzy demonstra


financeira ideologia dependo de claramente nos versos
patriarcal. ninguém, tenho que não depende de
meu copão ninguém, promovendo
também a autonomia, a
desencosta ô meu emancipação e a

96
PAPATINHO – Tá com o Papato ft. Anitta, Dfideliz, BIN. Papatunes Records. 28 de ago. de 2020. 1 Vídeo Youtube
(3min34s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rEaheZiIRVU>. Acesso em: 3 de set. de 2020.
97
MC MARCELLY – Fazendo dinheiro. Mc Marcelly. 6 de jan. de 2020. 1 Vídeo Youtube (1min39s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=_NjrZ2L9LaI>. Acesso em: 3 de set. de 2020.
60

bem que eu quero independência


dançar.98 financeira da mulher.
A expressão “copão”
remete a drinks
alcoólicos, geralmente
de vodka com
energético,
comumente
consumidos em bailes
de comunidade. Dessa
forma, ela destaca que
não precisa ser
“bancada” e que é
capaz de proporcionar
seu próprio lazer.

A análise dos trechos escolhidos, sob a ótica das dimensões, esferas e objetivos,
demonstra como o funk feminino é capaz de abordar diversas temáticas relevantes para
disseminar a equidade de gênero.
A observação, pesquisa e exposição detalhada de cada trecho, a partir da metodologia
apresentada, possibilita compreender a importância do ritmo para evidenciar as diversas
pautas pertinentes para as mulheres.
A partir do destaque proporcionado pelas MCs para os temas que envolvem a vivência e
experiência feminina, o funk é um canal potente para fomentar e fortalecer a relevância do
conceito de empoderamento para a emancipação individual e, consequentemente, dos diversos
grupos de mulheres.

98
AZZY – Faixa Rosa (Prod. Boca Dos Beats). Azzy. 10 de ago. de 2020. 1 Vídeo Youtube (3min27s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=_lwXyo8OlqQ>. Acesso em: 3 de set. de 2020.
61

Conclusão

O funk, ao longo da sua trajetória, desde suas origens e influências, até o seu
desenvolvimento, evolução e consolidação como manifestação de cultura popular, tem sido
mecanismo de resistência. O gênero musical tornou-se um canal potente para dar voz às
favelas ao evidenciar e valorizar seus modos de vida e cotidianos. Mesmo com as diversas
tentativas de repressão e criminalização impostas ao gênero, o funk, devido a sua
autenticidade, se consolidou sob os aspectos sociais, culturais e mercadológicos, dando
visibilidade aos seus representantes e aos temas que emitem.
A representatividade proporcionada pelo funk ainda se faz mais evidente quando
impulsionada pelas MCs. Em uma sociedade em que a cultura patriarcal e o machismo ainda
se fazem presentes, ter mulheres em posição de destaque – fomentando em seus discursos,
suas vivências e necessidades - é fundamental para ampliar a discussão da equidade de gênero
dentro do funk e na sociedade em geral.
Conforme observado ao longo do trabalho, através da história de desenvolvimento do
gênero musical, da importância das manifestações feministas e dos conceitos de
empoderamento, o funk feminino é extremamente relevante para iluminar os diversos temas
que envolvem o ser mulher, principalmente, para aquelas que a sociedade preconceituosa e
racista sempre tenta silenciar: a mulher negra, pobre e moradora de favela.
O processo de inserção e manutenção da mulher nessa tipologia musical, mediante
análise das gerações do funk feminino, demonstra como elas tomaram para si seus locais de
fala, a partir do questionamento acerca das relações de poder, demonstração das opressões
sofridas e libertação das amarras patriarcais.
Ao utilizar os discursos propagados por elas, o estudo aplicou as dimensões do
empoderamento (STROMQUIST, 2002), os objetivos do empoderamento (SARDENBERG,
2006) e as esferas do empoderamento para apontar como o funk funciona potencializando o
empoderamento da mulher.
A análise dos trechos escolhidos para o estudo, sob a perspectiva dos aspectos
mencionados, evidencia como, através da capacidade de propagação do funk, as MCs fazem
circular conexões de sentido entre temas como: importância do funk e da favela, violência de
gênero, autoestima, autoconfiança, autocuidado, direito ao prazer, valorização e aceitação de
seus corpos, liberdade sexual, união entre mulheres, desigualdades de poder, controle de suas
próprias vidas e geração de renda.
62

A proposta da matriz interpretativa que funciona como uma estrutura teórico-


metodológica, manifestada através de uma tabela, revelou-se útil para este trabalho,
permitindo uma categorização a um só tempo específica, para os objetivos da monografia, e
significativa o bastante para ser utilizada em outras discussões ou saberes sobre
empoderamento feminino, seja na música ou mesmo em outras manifestações. Pelo exposto,
acredita-se que os objetivos do trabalho foram contemplados, e há motivação para novos
estudos nas interseções entre comunicação e cultura - para as quais pode ser útil a matriz
proposta.
Almeja-se que a concepção deste trabalho seja uma forma de fortalecer o debate da
equidade de gênero a fim de fomentar a importância dos conceitos de empoderamento para o
fortalecimento da representatividade feminina.
Que o estudo possa evidenciar a relevância das manifestações das mulheres funkeiras,
não somente nos cenários social, cultural e mercadológico, mas também nas produções
acadêmicas. Que o funk, sobre tudo o funk feminino, seja cada vez mais valorizado para que
seja possível ampliar e potencializar ainda mais o conceito do empoderamento da mulher.
Que o trabalho possa ser uma forma de agradecer às iniciativas propostas pelas MCs e
motivar todas as mulheres do universo funk a resistir e continuar.
63

Referências

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2014.

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Departamento de Ciências Sociais Aplicadas, Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia da Bahia, como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Administração.
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https://portal.ifba.edu.br/salvador/ensino/cursos/superior/graduacao/administracao/monografia
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64

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65

Conclusão de Curso de Graduação em Produção Cultural da Universidade Federal


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