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GRUPO DE PESQUISA EM ETNOMUSICOLOGIA DA UFPR

Curitiba - Paraná

A relação entre a música sertaneja e o country na música Cowboy do asfalto


de Chitãozinho e Xororó

MODALIDADE: COMUNICAÇÃO

Dayane de Oliveira Pacheco


DeArtes UFPR - dayane.oliveira@live.com

Resumo: A música que dá nome ao álbum Cowboy do asfalto, da dupla Chitãozinho & Xororó, é
um sertanejo que encontra no country o elemento principal da sua produção musical. Apesar dos
gêneros serem de países distantes, apresentam semelhanças na origem rural de seus compositores.
A indústria cultural e a globalização possibilitaram o hibridismo que será analisado neste trabalho
a partir das semelhanças musicais e extra-musicais encontradas no objeto de estudo.

Palavras-chave: Cowboy do asfalto, Sertanejo, Country, Hibridismo musical.

1. Hibridismo musical e globalização

Hibridismo musical é a mistura de dois ou mais gêneros ou elementos musicais de


diferentes culturas, gerando uma mistura entre elas e possibilitando até a criação de novos
gêneros e linguagens musicais. A globalização é a intensificadora desses encontros, na
medida em que os meios de comunicação se propagam em escala global, conectando diversos
povos e culturas.
Os estudos sobre globalização na cultura e sobre mídia defendem, por um lado, a
existência de um imperialismo homogeneizante dos produtos culturais, e, por outro, a
capacidade dos consumidores desses produtos de mesclar práticas culturais “locais” às mídias
globais produzidas em massa.

2. A indústria cultural brasileira e seu papel na globalização

O campo da música na indústria cultural brasileira é comandado pelas gravadoras


multinacionais Sony, Universal, Warner, BMG e EMI desde a década de 60, ou seja, está
instaurada há décadas no país. Essas gravadoras são responsáveis por importar tendências
globais da música para as produções nacionais, como fórmulas comerciais que garantem o
lucro dessas empresas.
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Os anos 90 no Brasil foi marcado pela grande diversidade cultural na música, com a
popularidade do axé, pagode e sertanejo. Os artistas representados por esses gêneros logo
eram cooptados pela indústria fonográfica, essa que investia na prensagem e distribuição dos
discos. Com o objetivo de tornar essas músicas produtos comerciais de grande sucesso, a
indústria fonográfica usava de sua influência e do conhecido mas nunca assumido “jabá” para
emplacar suas músicas nos grandes meios de comunicação do país. Não é difícil lembrar de
duplas sertanejas em programas da TV aberta ou mesmo com seus próprios programas na
década de 90. O gênero também tocava exaustivamente na rádio e os discos das duplas
sertanejas vendiam milhões de cópias e a indústria fonográfica vivia seu auge.

3. Cowboy do asfalto e o imperialismo cultural entre o sertanejo e o country

O disco Cowboy do asfalto, da dupla Chitãozinho e


Xororó, foi o álbum mais vendido no país entre 1990 e
1991. Ao ser lançado, o disco já saiu da fábrica com um
milhão de cópias encomendadas e chegou a marca 1,5
milhões de cópias vendidas. Entre os sucessos estão
Evidências e Nuvem de lágrimas, músicas consagradas
da dupla e reconhecidas como algumas das maiores do
gênero. A faixa-título Cowboy do asfalto já sinaliza no
nome sua hibridação, usando o estrangeirismo cowboy
para denominar os sertanejos migrados para a cidade grande. Na obra encontramos diversos
elementos do gênero estadunidense country e a própria capa do álbum reforça nas
vestimentas, no cenário e nas letras com o nome dos cantores referências dessa estética.
Logo na entrada da música é possível identificar uma virada de banjo, seguido de um
solo de guitarra com slides e cromatismos na primeira metade da introdução, sendo a segunda
metade caracterizada com um solo de gaita. Ambos os solos acompanhados de um violão
tocando o ritmo de batida do country e a percussão que imita o galope de um cavalo. Só na
introdução já podemos perceber que a instrumentação e o ritmo da música são os tradicionais
do country.
A letra começa falando da rotina de um caminhoneiro que se levanta no meio da
madrugada para pegar a estrada. Segue falando sobre comportamentos comuns entre a
profissão, como o medo de dirigir na chuva, curvas perigosas, a saudade de casa ou a oração
antes de viajar. O refrão utiliza de analogias entre o caminhão na estrada e o cavalo na arena
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de rodeio, comparando o volante do automóvel com as rédeas do cavalo e a buzina,


expressada com uma frase na gaita, simbolizando o cowboy do asfalto que cavalga pelas
estradas com seu caminhão. Aqui fica explícito o hibridismo a partir das comparações de
campo e cidade com a globalização, simbolizando a modernização do sertanejo com um ritmo
globalizado se sobressaindo do local.
A canção segue intercalando solos de guitarra e gaita acompanhados do violão de aço,
banjo e percussão e termina com uma coda típica do country, usando um falsete na melodia e
finalizando com uma frase de gaita e ritmo com anacruse no violão. A melodia também
remete a trejeitos do country com falsetes repentinos e glissandos em inícios de frase. Nessa
parte é essencial dizer que esses mesmos elementos são utilizados também na música
sertaneja, o que torna a melodia um pouco mais equilibrada entre o sertanejo e o country, mas
sempre com certa imposição do gênero global, que faz questão de enfatizar a todo momento a
defesa estética do country para essa produção musical.
Toda a construção da música parte claramente da ideia de imperialismo cultural, um
conjunto de políticas utilizadas para ampliar a esfera geopolítica de um país sobre outro. É
caracterizada pela exclusão da cultura local ou regional quando de encontro com
manifestações culturais globais. No caso da relação entre o sertanejo e o country, os Estados
Unidos são colocados no papel de cultura global enquanto o sertanejo é local. Exemplo disso
na música é o country ser considerado gênero enquanto o sertanejo é um estilo, sendo que
ambos possuem tradições enraizadas na cultura do país de origem, singularidade na estética
musical e subgêneros, que seriam os estilos dentro de um gênero.
Na indústria fonográfica essa relação se dá com as escolhas estéticas do produtor
musical e sua relação com a indústria cultural. No caso de Cowboy do asfalto, o arranjo
obedece um formato country tradicional, apesar da dupla Chitãozinho e Xororó estarem
cantando sobre a rotina de um sertanejo que possivelmente migrou para a cidade e se tornou
caminhoneiro. Um brasileiro comum, que mantém suas tradições cristãs e mesmo pilotando
um caminhão sabe que seu lugar é em cima de um cavalo. Um assunto bucólico característico
do sertanejo mas encaixado num molde country dentro da indústria cultural. Essa relação não
é uma influência mútua entre o country e o sertanejo, mas uma imposição da influência
country sobre a estética sertaneja. Nenhum instrumento típico do sertanejo é usado, não há
preocupação em manter a cultura sertaneja musicalmente nessa obra. Instrumentos como a
viola, acordeon ou mesmo o dueto de vozes é modificado para se moldar a estética
convergente.
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Analisando brevemente o álbum, é perceptível na audição que as músicas possuem


influências diferentes. Na primeira música do disco, o grande sucesso Evidências, o teclado é
o instrumento predominante, assim como em Meus direitos e Longe. A viola, herança da
música caipira para o sertanejo, tem destaque nas músicas Natureza espelho de Deus e Gente
Humilde. O acordeon também está presente de maneira marcante em um dos maiores
sucessos da carreira da dupla, a romântica Nuvem de lágrimas. A guitarra elétrica,
sintetizadores e até o saxofone tem os seus momentos no álbum. Os assuntos como o amor
perdido, a temática cristã e as trajetórias do trabalhador comum brasileiro são o elo entre as
músicas, que acabam tocando o coração dos sertanejos, mesmo que musicalmente a obra seja
muito mais abrangente em termos de quantidade de estéticas diferentes da indústria cultural
globalizada.
Assim como diz o nome, Cowboy do asfalto faz parte da modernização do sertanejo,
que incorpora tendências da música global e o apresenta com o pano da narrativa cotidiana do
homem comum para não perder o elo com o ouvinte do gênero. Não obstante, essas
incorporações, apesar de nada sutis, acabam sendo aceitas pelo público com facilidade, já que
todos os esforços da indústria cultural são para uma reação positiva dos nichos de
consumidores. As influências desse álbum perduram por todo os anos 90 na produção cultural
das duplas sertanejas, seja por consequência ou incoerência. De qualquer forma, a música
sertaneja faz parte de um mercado que se transforma a partir de seus determinados interesses e
nenhum grupo, gênero ou estilo está imune de suas influências.

Referências:

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Tese (Doutorado em Antropologia social) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
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Internacionais) - Universidade de Brasília. Brasília, 2015

TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música brasileira. 7.ed. São Paulo: 34, 2013.

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