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Nordestes Musicados

“Nordeste é uma ficção! Nordeste nunca houve! Não! Eu não sou do lugar dos esquecidos. Não sou da nação dos
condenados. Não sou do sertão dos ofendidos. Você sabe bem: conheço o meu lugar”

Repente e Embolada

geografianordeste / 7 de junho de 20178 de junho de 2017 / Sem categoria

Escrito por Andressa Cunha, Claudionor Lima e Pedro Caetano Camargo

O Repente é um gênero poético cujo valor mais estimado é o improviso. No nordeste encontram-se
muitas manifestações artísticas de improviso musicalizados, sendo os mais conhecidos a embolada e
o repente de viola.

O repente de viola tem sua origem na África árabe, de onde vieram os instrumentos de corda e a
poética do improviso, calcados na tradição cultural da oralidade. Ambos foram levados pelos árabes
para a Europa medieval, mais precisamente para países da Península Ibérica, onde nasce a trova,
gênero poético de improviso em que os versos são acompanhados de instrumentos musicais e que
daria no século XII início ao trovadorismo, não mais como arte do improviso, mas como gênero da
poética literária (escrita).

É, portanto, no período colonial que a trova chega ao Brasil onde se difundiu por comunidades rurais
sertanejas ligadas também a cultura oral, já que estas, eram compostas em sua maioria por indivíduos
analfabetos.

Seus versos são, portanto, frutos de uma contradição, já que são feitos com métrica rigorosa e por
sujeitos não literários. Contradição esta que se evidencia quando conhecemos os sujeitos que
integram o cenário repentista, assim como a importância da sua habilidade no improviso e na poética
para expressar sua realidade social.
O repente nordestino se concentra em algumas cidades do Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte e Ceará, com destaque para cidades dos vales dos rios Pajeú (PE) e Jaguaribe (CE), berço de
muitos cantadores famosos, além das cidades de grandes feiras, que serviam de ponto de encontro de
todo o sertão, como: Caruaru (PE), Campina Grande (PB) e Mossoró (RN).

As cantorias acontecem na forma de duelo entre dois poetas que usam da métrica e dos seus
conhecimentos em diferentes assuntos para se sobressair ao adversário. Tais apresentações em dupla
ocorrem em diferentes formatos, sendo um dos principais conhecido como cantoria de ‘pé de parede’,
estas se realizam em casas particulares e pequenos eventos, onde cantadores disputam lado a lado a
atenção da plateia, que faz o pagamento colocando seu dinheiro nas bandejas. Um formato que se
popularizou foi o dos festivais, que hoje dão mais segurança a alguns cantadores, já que o valor a ser
recebido é estipulado por contrato. Além destas apresentações, alguns cantadores cantam nas praias e
nas ruas das grandes cidades, estes costumam ter menores condições financeiras e são de certa forma
depreciados por alguns cantadores profissionais e de melhores condições econômicas.

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Se o repente era composto 90% por sujeitos rurais ainda no século XIX, hoje esse número se inverteu,
vivendo sua maioria nas áreas urbanas. Como consequência, houve uma maior profissionalização dos
cantadores e uma maior disputa por espaços em rádios e festivais.

Existe uma hierarquia dentro do repente, composta por uma minoria de repentistas ‘profissionais’,
alguns deles com formação técnica/superior e domínio da norma culta, que cantam em festivais por
valores fixos e têm maiores espaços nas rádios, viajando constantemente para apresentações fora de
seus estados. Enquanto grande parte dos repentistas, estes em pior situação econômica, cantam nas
feiras, nas praças e nas praias, e possuem pequena ou nenhuma rede de contatos. Entre estes
extremos encontram-se os poetas regionais que transitam entre as duas categorias anteriores.

Quanto a embolada constitui-se como um ritmo musical que se assemelha com o repente na arte do
improviso. Diferentemente dos repentistas, que acompanham o canto com a viola de sete cordas, as
duplas de emboladores são acompanhadas pelo som dos pandeiros ou ganzás – instrumento de
flandre, cheio de caroços de chumbo. Com mais liberdade de improvisação do que os repentistas, não
há entre os emboladores uma rigidez tão grande no ponto de vista da métrica e da igualdade silábica
das rimas, o que permite até com que o seu ritmo seja mais acelerado. Na embolada, a ideia é um
embolador elogiar ou satirizar o outro, fazendo-se do uso de palavras de baixo calão ou de duplo
sentido a fim de promover uma composição bem humorada e atrair o público. Vale destacar que a
embolada, no entanto, é diferente do coco de embolada, na medida em que o mesmo, apesar de
dividir o mesmo ritmo, apresenta a dança no lugar de destaque e o canto de forma mais simples, com
trava-línguas e uso de fonemas repetidos.
Muito presente nos estados do Alagoas, Ceará, Paraíba e Pernambuco, desde a década de 1920 e 1930
esse gênero musical despertou interesse de estudiosos, como, por exemplo, é o caso das pesquisas
realizadas por Mário de Andrade no estado da Paraíba e que resultou no livro Os cocos (Andrade,
2002). Hoje, dentre seus expoentes mais famosos midiáticos estão a dupla Cajú e Castanha que
realizam diversas apresentações em programas de televisão e até mesmo no Rock in Rio, misturando
o tradicional improviso com composições próprias não improvisadas, incluindo demais instrumentos
como o teclado, a bateria violão, guitarra, cavaquinho e baixo.

Entretanto, vale destacar que diferentemente do repente – que se encontra hoje de uma forma mais
profissionalizada – a embolada tornou-se conhecida pela frequência que aparecia nas feiras, praças, e
festas religiosas, mas que resiste com dificuldade, uma vez que não existe uma garantia de
remuneração dos emboladores para além da tradicional passagem do pandeiro recolhendo dinheiro
do público. Nesse sentido, essas duas manifestações culturais estão caminhando em sentidos opostos:
enquanto o repente de viola apresenta uma nova geração presente nas cantorias, os emboladores
estão desaparecendo devido à dificuldade de sobreviverem com o pouco dinheiro que ganham em
suas apresentações.

Assim, a discussão que envolve a questão da cultura popular não pode ser dissociada do contexto
geral de reprodução do capital. O repentista e embolador estão, portanto, imerso na lógica de
acumulação e sua reprodução espacial. A regionalização é um processo social pautado em aspectos
econômicos e gera um desenvolvimento desigual e combinado entre as regiões, cujas contradições se
evidenciam na forma como estas regiões se relacionam. É neste contexto que se encontra o Nordeste,
que se caracterizou como a área que repele o trabalhador para outras áreas de maior investimento.
Diante deste quadro de mobilidade do trabalho, o sujeito nordestino se espalhou por diversas áreas
do país em diferentes ciclos econômicos, e consigo levou diferentes traços de sua cultura, dentre elas
o repente de viola, forte principalmente nas periferias de São Paulo, Belo Horizonte, Distrito Federal e
na região Norte.

Dentre as discussões sobre o repente encontram-se ainda as questões identitárias. O repente se


configura como arte tradicionalmente masculina sendo muitas de suas letras voltadas a exaltar a
masculinidade. Com a migração e urbanização estes sujeitos adentraram com outros assuntos à vida
dos sertanejos nas áreas urbanas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Diário do Nordeste. Diferenças entre Repente e Embolada. Disponível em:


<http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/diferencas-separam-emboladas-e-
repentes-1.770621 (http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/diferencas-
separam-emboladas-e-repentes-1.770621)>. acessado em 28 de Maio de 2017
(http://tvescola.mec.gov.br/tve/videoteca/serie/poetas-do-repente).

MARINHO, Vanildo Mousinho. Emboladas da Paraíba: buscando uma caracterização dessa


manifestação musical. Disponível em:
<http://antigo.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2005/sessao18/vanildo_marinho.pdf
(http://antigo.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2005/sessao18/vanildo_marinho.pdf)>.
acessado em 28 de Maio de 2017 (http://tvescola.mec.gov.br/tve/videoteca/serie/poetas-do-repente).

MEC (Ministério da Educação). Poetas do Repente – Série de TV vinculado via TV escola. Disponível
em:<http://tvescola.mec.gov.br/tve/videoteca/serie/poetas-do-repente> acessado em 28 de Maio de
2017. (http://tvescola.mec.gov.br/tve/videoteca/serie/poetas-do-repente)
Nordeste e sua música. Estud. av. vol.11 no.29 São Paulo Jan./Apr. 1997.Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141997000100012
(http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141997000100012)>. acessado em 28
de Maio de 2017 (http://tvescola.mec.gov.br/tve/videoteca/serie/poetas-do-repente).

SANTOS, Eurides de S; BARBOSA, Katiusca L. dos S. “Canta quem sabe cantar”: processos
performativos na arte da embolada. Disponível em:
<http://revistas.ufpr.br/musica/article/view/41504/25459
(http://revistas.ufpr.br/musica/article/view/41504/25459)>. acessado em 28 de Maio de 2017
(http://tvescola.mec.gov.br/tve/videoteca/serie/poetas-do-repente).

SAUTCHUK, João Miguel. A poética do improviso: prática e habilidade no repente nordestino. Tese
apresentada ao Departamento de Antropologia da UNB, para obtenção de título de doutor, 2009.
Disponível em:<http://docplayer.com.br/13701792-Emboladas-da-paraiba-buscando-uma-
caracterizacao-dessa-manifestacao-musical.html (http://docplayer.com.br/13701792-Emboladas-da-
paraiba-buscando-uma-caracterizacao-dessa-manifestacao-musical.html)>. acessado em 28 de Maio
de 2017 (http://tvescola.mec.gov.br/tve/videoteca/serie/poetas-do-repente).

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