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Isaías 9,1-6: a criança que é luz

v. 1-4: A atenção se dirige ao “povo”. No versículo anterior em Is 8,23, algumas


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regiões que Teglat-Falassar transformou em províncias assírias durante suas
campanhas militares em 734-732 a.C., foram mencionadas:
 O “caminho do mar”, território entre o Carmelo e Jafo;
 O “além-do-Jordão”, que é a Transjordânia;
 O território das nações, que é o sul da Galileia;
Além disso, o profeta mencionou Zabulon e Neftali, as duas tribos israelitas mais
setentrionais.
Enfim, o “povo andava na escuridão”, sendo que a imagem se refere a todas as formas
de escassez e à proximidade à morte.
Agora, no entanto, “o povo”, de forma surpreendente, “viu uma grande luz”
(experiência), sendo que “uma luz raiou” (acontecimento). Não é dito de onde vem tal
luz (cf. Is 2,5; 4,5; 5,30), mas a grandeza da luz aponta para Deus e o dia do Senhor
(Is 30,7; Os 2,2; Jl 2,11; 3,4; Sf 1,14-15; Ml 3,23).

v. 2: Ocorre uma mudança retórica: quem discursa se dirige agora a um “tu”. Somente
no v. 6 fica claro que este “tu” é o Senhor. Com isso, a descrição do sofrimento se
transforma em canto de agradecimento.
A “multiplicação do povo” se torna motivo de agradecimento. É a realização da
promessa feita a Abraão (Gn 12,2; 18,18; 22,17; 26,4; 35,11; 47,27), a qual acompanha
toda a história da relação entre Deus e o povo dele (Ex 1,7) e a restauração de Israel
(Is 26,15; 51,2; 54,1; 1Rs 4,20).
Quando a escuridão cede à luz, o Senhor reúne seu povo numeroso, sendo que este o
festeja (Is 25,9; 29,19; 30,29; 35,10; 51,3; 55,12; 66,5). Existe uma conexão entre a
“alegria” e as expressões de alegria no culto (Lv 23,40; Nm 10,10; Dt 12,7).
São apresentadas duas comparações: há uma alegria como no tempo da colheita (Is
16,9-10; Sl 4,8; 65,14) ou no momento de distribuir despojos de uma guerra (Sl
119,162; Pr 16,19). Israel celebra suas festas de colheita e o Senhor como quem
oferece a terra e a fertilidade dela (Ex 23,16; Dt 16,16-17). Quando se distribuíam
despojos, uma parte pertencia a Deus, o qual tinha oferecido a vitória (Nm 31,25-54;
Dt 20,13-14; Jz 5,30).
O verbo “jubilar” indica a libertação por Deus e, portanto, a desmilitarização (Is 25,9;
29,19; 35,1-2; 41,16; 49,13; 61,10; 65,18; 66,10).
v. 3-4: Conforme o que é dito nos v. 1-2, imagina-se que o inimigo já foi vencido. Nesse
sentido, descreve-se agora a destruição dos utensílios pertencentes ao inimigo, o qual
é descrito como “capataz” (Ex 3,7; 5,6; Is 3,12; 14,2.4; 58,3; 60,17):
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 O “jugo” (cf. Gn 27,40; Dt 28,48; Is 10,27; 47,6);
 O “peso” (cf. Is 10,27; 14,25; Sl 81,7);
 O “cajado”;
 O “bastão”.
Os últimos dois são instrumentos para executar atos violentos, mas também símbolos
de autoridade e poder (Is 10,5.15.24; 14,5). Contudo, ao “destrocá-los” (Is 8,9), o
Senhor coloca um fim a esse tipo de poder.
Assim se repete “o dia de Madiã”, e, que Gideão, com uma tropa pequena, venceu o
inimigo que estava invadindo a Transjordânia (Jz 7–8). Também agora, segundo as
palavras de Isaías, um inimigo aparentemente poderoso é vencido pela intervenção do
Senhor, que também não precisa de um exército numeroso (Is 10,26; Hab 3,7; Sl
83,10).
No mais, de forma simbólica, é descrita a destruição do uniforme do soldado inimigo: a
“bota” e o “manto”.

v. 5: Em retrospectiva, o poema olha para o nascimento e a entronização do sucessor


do rei, pertencente à dinastia davídica. Quem discursa não se dirige mais diretamente
a Deus. Contudo, os verbos na voz passiva indicam Deus como quem age:

9,5a Realmente, uma criança foi dada à luz para nós,


9,5b um filho foi dado a nós.

À essa criança cabem a "soberania", o "governo" e o "domínio".

9,5c A soberania foi colocado sobre seus ombros.

A palavra hebraica aqui traduzida como "soberania" (‫)מ ְׂש ָרה‬,


ִ somente presente em Is
9,5-6, espelha o vocábulo "príncipe", "soberano" ou "líder" (‫)שַׂ ר‬, sendo que se trata de
um dos títulos dados à criança (cf. v. 5). O título "rei" se encontra reservado ao
SENHOR, Deus de Israel.
A frase em v. 5c remete ao cenário de uma entronização ou investidura. Algum objeto
simbólico do exercício do poder é colocado sobre "os ombros" do novo rei (Is 22,22).
Ou seja, a insígnia de príncipe é carregada aos ombros do menino. Mais ainda, o
governo do novo soberano provocará a eliminação da "vara" que está "sobre o ombro"
do povo (v. 3).
Em seguida, um quádruplo nome é apresentado:
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9,5d e se aclamou o nome dele:
9,5e Planejador de milagre,
9,5f Deus valente,
9,5g Pai eterno,
9,5h Príncipe da Paz.

Os títulos não indicam nomes de pessoas, mas funções. Quer dizer, indica-se a
identidade de quem os carrega, mostrando-se o que Deus se propõe a realizar naquele
que irá governar. Os primeiros três dos nomes funcionais descrevem a atuação do
SENHOR no governo do novo soberano. O quarto título se refere à função que o novo
rei humanamente deve exercer.
Eis os prováveis significados dos quatro títulos:

 "Planejador de milagre": Isaías imagina que existe um "planejamento" ou um


"conselho" da parte do SENHOR em relação à história de Israel (Is 14,24.27;
19,12.17; 23,9; 25,1; 28,29; 29,14), sendo que as obras do SENHOR, comumente,
são vistas como "milagre" ou "maravilha" (Ex 15,11; Sl 77,12.15.21; 78,11-12;
88,13; 89,6; Lm 1,9). Assim, Deus é pensado como "planejador de um milagre"
e/ou como "conselheiro maravilhoso";
 "Deus valente": em Dt 10,17; Is 10,21; Jr 32,18; Ne 9,32, Deus é descrito como
"forte", "valente" ou "herói". A força de Deus se revela tanto na criação como
na história;
 "Pai eterno": o vocábulo "pai" nunca indica a posição do rei de Israel, mas a
posição de Deus em relação ao povo (Dt 32,6; Is 63,16; 64,7; Ml 1,6; Sl 103,13).
E o SENHOR é tido como pai do rei (2Sm 7,14; Sl 2,7; 89,27-28). Quer dizer, a
paternidade do SENHOR se refere à assistência que este oferece a Israel. E tal
paternidade é para sempre.
 "Príncipe de paz": o termo "príncipe", "oficial", "chefe" ou "líder" sempre indica
um funcionário alto do rei. A palavra "paz" resume o que o rei deve realizar sob
a bênção divina (1Rs 2,33; Is 39,8; Mq 5,4; Sl 72,3.7; 1Cr 22,9).

v. 6: É concretizado agora o programa de governo:

v. 6 Para a abundância da soberania e para a paz não terá fim


junto ao trono de Davi e junto à realeza dele,
v. 6b para firmá-la e para fortalecê-la
por meio do direito e por meio da justiça,
desde agora e para sempre.
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v. 6c: O zelo do SENHOR dos Exércitos realizará isto.

Ocorre um anúncio da permanência do trono e da realeza de Davi (2Sm 7,13.16),


algo característico para Israel (Dt 17,18-20; 2Sm 3,10; 5,12; 1Rs 2,12,24.45-46;
9,5; Sl 89,5). Conforme essas tradições é sempre o SENHOR que oferece a
estabilidade.
Novo em relação à tradição davídica é o elemento que é o SENHOR se propõe a
fortificar essa realeza via "direito e justiça", sendo que Deus mesmo construiu seu
trono sobre tais princípios (Sl 89,15; 97,2) e sendo que tais qualidades estão
ausentes em Israel (Is 1,21.27; 5,7.16).

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