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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

AUTO-APRENDIZAGEM MUSICAL:
ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS

Daniel Marcondes Gohn

Dissertação apresentada ao Departamento


de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Ciências
da Comunicação.

Orientador: Prof. Dr. Fredric M. Litto

SÃO PAULO
2002
SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................................... 03

ABSTRACT...................................................................................................................... 04

AGRADECIMENTOS..................................................................................................... 05

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 06

1 CONCEITOS E CATEGORIAS

1.1 Auto-aprendizagem.................................................................................................... 14

1.2 Aprendizagem Centrada no Aluno.............................................................................. 20

1.3 Quantitativo e Qualitativo........................................................................................... 22

1.4 Inteligência Musical.................................................................................................... 28

2 TECNOLOGIA E MÚSICA

2.1 Um Pouco de História................................................................................................. 36

2.2 O Registro do Som...................................................................................................... 39

2.3 Meios de Comunicação............................................................................................... 45

2.4 Complexidade x Simplicidade..................................................................................... 50

1
3 TECNOLOGIA E AUTO-APRENDIZAGEM

3.1 Democratização e Banalização............................................................................... 58

3.2 O Controle do Som................................................................................................. 69

4 O VÍDEO

4.1 A Imagem............................................................................................................... 78

4.2 A TV e a MTV........................................................................................................ 80

4.3 A Vídeo-aula........................................................................................................... 85

4.4 Análise das Vídeo-aulas......................................................................................... 93

5 O COMPUTADOR

5.1 Individualização da Aprendizagem........................................................................ 108

5.2 Internet.................................................................................................................... 116

5.3 Ferramentas On-line............................................................................................... 126

5.4 Análise de Sites....................................................................................................... 132

CONCLUSÃO.............................................................................................................. 146

APÊNDICE I................................................................................................................ 153

APÊNDICE II.............................................................................................................. 161

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 171

2
RESUMO

O objetivo principal desta pesquisa foi a realização de um estudo sobre processos de auto-
aprendizagem musical através de meios tecnológicos. Observando as inovações nas formas
de transmitir música e informações sobre música, consolidadas desde o início do século
XX, o estudo assinala algumas possibilidades de aprendizado com o auxílio de diferentes
formas de registro do som e da imagem, meios de comunicação, sistemas de digitalização
sonora, computadores e redes eletrônicas como a Internet. Após um breve histórico sobre o
desenvolvimento tecnológico relacionado à música, o foco do estudo é centrado em dois
pontos principais: o vídeo e o computador, em uma tentativa de revelar quais podem ser
suas contribuições. Sobre o vídeo, o estudo destaca como a visualização dos gestos
envolvidos na música facilitou o aprendizado, primeiramente com programas musicais na
televisão, e em seguida com o uso do videocassete para fins educacionais. Sobre o
computador, o estudo mostra a importância da individualização da aprendizagem que se
tornou possível com os novos recursos interativos disponibilizados, e algumas das
possibilidades de transmissão de informações musicais através da Internet. Estes pontos são
exemplificados através de análises de vídeo-aulas e de sites da Internet, mantendo como
referência a auto-aprendizagem da bateria e outros instrumentos de percussão. No decorrer
desta pesquisa, transformações foram observadas em várias práticas de indivíduos ligados à
atividades musicais, formando novos caminhos para o aprendizado. O estudo oferece um
mapeamento do atual cenário tecnológico, dinâmico em seus progressos e propício aos
processos de auto-aprendizagem da música.

3
ABSTRACT

The main goal of this research was to develop a study on the processes of self-learning of
music through technological means. Observing the innovations in the ways of transmitting
music and information about music, consolidated since the beginning of the twentieth
century, the study points out some of the possibilities for learning with the assistance of
different ways of recording sound and image, the communication media, the systems for
digitalizing sound, computers and electronic networks like the Internet. Following a brief
account of the development of technologies related to music, the study’s focus was centered
on two main approaches: video and the computer, in an attempt to reveal what their
contributions can be. Concerning video, the study indicates how the visualization of the
gestures involved in music facilitated learning, firstly with musical programs on television,
and then with the use of VCRs for educational ends. With regard to the computer, the study
shows the importance of the individualization of learning that became possible with the
newly available interactivity, and some of the possibilities for the transmission of musical
information through the Internet. These points are exemplified through analysis of
instructional music videos and websites from the Internet, maintaining the self-learning of
drums and other percussion instruments as a reference. Throughout this research,
modifications were observed in the activities of individuals dealing with music, building
new paths for apprenticeship. The study offers an overview of the current technological
scenario, dynamic in its progresses and supportive of the processes of self learning of
music.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho representa o início da minha trajetória como pesquisador, durante a


qual tive a oportunidade de conviver e estreitar laços com várias pessoas que foram
exemplos de criatividade, iniciativa, perseverança e inteligência. Apresento aqui os meus
sinceros e profundos agradecimentos a todos que serviram como modelos e tiveram
participações vitais para a concretização desta pesquisa.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Fredric Michael Litto, pela supervisão nos estudos e
compartilhamento de idéias e momentos musicais, me incentivando para avançar na
carreira acadêmica, sem deixar de lado a vida artística.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela
bolsa e pelo apoio institucional que viabilizou a realização desta dissertação.
Ao Prof. Dr. José Roberto Zan e ao Prof. Dr. José Manuel Morán, pelas críticas e
comentários na banca examinadora, que direcionaram o foco das investigações e me
aperfeiçoaram como pesquisador.
Aos meus colegas da Escola do Futuro, pelos encontros instrutivos no Clube do
Chicote, e especialmente à Mary, pela grande paciência e completa eficiência.
Aos funcionários da Secretaria de Pós-Graduação da ECA, pela atenção cuidadosa e
serviços prestativos durante o período de estudos.
Aos meus pais, Renato e Maria da Glória, e meu irmão, André, pelo estímulo
constante ao estudo musical, pela presença em todos os momentos importantes da minha
vida, e pelo enorme auxílio em todas as etapas de produção deste trabalho.
À Carla, pelo sentimento profundo e companheirismo irrestrito que me deram a
estabilidade necessária para completar a pesquisa.

5
INTRODUÇÃO

O objetivo principal desta pesquisa é a realização de um estudo sobre a utilização de


tecnologias nos processos de auto-aprendizagem da música. A partir de um mapeamento
dos recursos e possibilidades existentes, iremos destacar o aprendizado direcionado à
performance de instrumentos musicais, em especial de instrumentos de percussão. Aspectos
teóricos e elementos relacionados à percepção e à apreciação musical serão também
analisados, considerando sua ligação com o desenvolvimento das tecnologias utilizadas
pelos indivíduos que aspiram aprender sobre música ou dominar um instrumento musical.
Permeando todo o trabalho, teremos considerações sobre o papel da tecnologia neste
universo musical, assinalando algumas transformações em suas práticas e realizações.
O sujeito central da investigação será o estudante autodidata, aquele que se aventura
a decifrar os códigos da música “sozinho”, baseado em materiais freqüentemente
preparados para esta finalidade específica. Este sujeito recebe os conteúdos através de uma
mediação, como o vídeo ou a Internet, e utiliza um método sem a orientação direta de um
professor ou tutor, processando as informações e procurando transformá-las em
conhecimento ou em um produto musical técnico. A figura do professor / educador está
envolvida neste processo como o produtor / organizador do material que servirá de
mediação para o aprendiz, seja este um livro, um vídeo, um website ou qualquer outro
meio. As metodologias utilizadas na produção deste material também serão consideradas
nesta pesquisa, tendo em vista sua importância para a eficácia da transmissão dos
conteúdos.
No processo ensino / aprendizagem ocorre uma interação entre quem ensina e quem
aprende, sendo um processo ativo e não passivo. Entretanto, podemos recortar um ângulo
para observação e análise: no nosso caso, a partir da visão do aprendiz, de captação de
conteúdos formulados por agentes produtores / educadores. A aquisição de novos
conhecimentos musicais faz parte de um processo que envolve, na maior parte dos casos,
aspectos de reflexão mental e de habilidades técnicas, principalmente quando se trata do
aprendizado prático de instrumentos musicais. Os processos de auto-aprendizagem podem
ter resultados diversos, em que nem sempre o aprendiz desenvolve a capacidade de
produzir novos conceitos e idéias. Pretendemos demonstrar como, em muitas situações em

6
que as habilidades técnicas são abordadas, ele apenas reproduz a experiência do outro,
através de exercícios mecânicos de repetição contínua. Há então um treinamento técnico,
um adestramento de agilidades, instruindo o aluno a realizar tarefas que culminam em
algum tipo de produção musical. No entanto, quando os aspectos de reflexão mental são
trabalhados, o educador – mesmo que ausente – influencia o aprendiz mais profundamente,
contribuindo para sua formação e desenvolvendo a capacidade de analisar, criticar,
recombinar dados e gerar novos conhecimentos.
Para compreender os processos de auto-aprendizagem colocados acima, iremos lidar
com a realidade tecnológica em que vivemos atualmente, observando as transformações
que a cada dia chegam mais velozmente e trazem inovações que tornam-se quase
obrigatórias para qualquer indivíduo participante do cenário artístico moderno. Dentro
deste contexto nosso objeto de estudo adquire um caráter fluido, dificultando o trabalho de
pesquisa por se modificar constantemente.
Tais mudanças decorrem do mundo em que vivemos hoje: amplamente regido pela
tecnologia na grande maioria de seus setores. Sistemas computacionais conquistam espaços
anteriormente intocáveis, modificando a percepção humana e substituindo modelos
tradicionais por uma nova visão funcional do universo, onde qualquer relação estrutural
pode ser pensada em termos tecnológicos. A precisão milimétrica das máquinas impôs
expectativas nos padrões qualitativos de trabalho e raciocínio do homem, criando uma
crescente demanda por mais conforto, facilidade e exatidão. As conseqüências das recentes
descobertas científicas, principalmente na área da computação, podem ser constatadas nas
mais diferentes áreas do conhecimento, inclusive aquelas que muitos consideravam
território intrinsecamente humano, sem espaço para a presença de máquinas que, como
sabemos, não são dotadas de sentimento. Um exemplo deste caso é o campo da produção
artística.
A idéia genérica que temos da arte, evocando um fator emocional que não é
traduzido em dados concisos, usualmente traz consigo a noção de resistência à intrusão
tecnológica, firmando bases que supostamente não podiam ser modificadas por conceitos
não relacionados a sentimentos. Entretanto, na atualidade, não somente a tecnologia integra
a produção artística de modo ativo, como também gera novas formas de arte que se utilizam
de seus recursos para criar e desenvolver meios de expressão. A transmissão de conteúdos

7
foi facilitada através de novos canais de mídia, conectando universos distantes, difundindo
vários movimentos artísticos e estimulando o surgimento de outros. As barreiras
geográficas não mais representam limites para a comunicação, permitindo o contato entre
artistas do mundo todo a custos progressivamente mais baixos. Dentro deste quadro as
atividades relacionadas à música passaram por grandes reformulações, engendrando novas
formas de produzir, transmitir, ensinar e aprender.
As transformações tecnológicas que nos conduziram ao mundo atual têm sido
observadas atentamente pelos compositores da música popular brasileira. Um breve exame
temático das canções deste século revela como a tecnologia e os meios de comunicação são
enfocados. O primeiro samba a ser gravado, colocando aquele ritmo em posição de
destaque, já nos serve de exemplo: “Pelo Telefone”, registrado por Donga em 1917. A
mesma idéia seria atualizada por Gilberto Gil 80 anos depois, com “Pela Internet”, numa
referência direta à primeira obra. Noel Rosa, em “Três Apitos”, oferece seus versos à sua
amada, que o despreza em favor ao chamado do trabalho na fábrica de tecidos. A evolução
dos meios de transporte urbano, modificando a vida cotidiana dos músicos, foi tema
constante. O bonde, por exemplo, serviu de inspiração para marchas carnavalescas durante
35 anos.1
Muitas mudanças causadas por avanços tecnológicos na área musical devem-se às
recentes possibilidades de digitalização da informação, ou seja, transformar som em bits, ou
dígitos binários, para lhe dar novos formatos. Observamos que a maneira mais comum de
se comercializar música atualmente é através do CD (compact disc). Há uma expectativa
constante sobre qual será a próxima forma a se delinear para o som digitalizado. A
crescente quantidade de música transmitida pela Internet, possível com a utilização de
padrões como o MP32, indica que o futuro da música está diretamente vinculado aos
computadores, tanto nos seus meios de produção, como também no funcionamento de seus
sistemas de venda comercial.
O universo constituído pelos aparelhos tecnológicos, sejam instrumentos musicais
eletrônicos, gravadores, computadores, estúdios digitais, sistemas de amplificação, ou

1
O historiador José Ramos Tinhorão, em seu livro “Música Popular – Um Tema em Debate”(págs. 161-183),
realizou uma detalhada pesquisa sobre a utilização dos bondes como tema de marchas de carnaval.
2
O MP3 ou MPEG 1 Layer III é um tipo de arquivo que compacta o som, mantendo a qualidade próxima do
CD, em até doze vezes em relação ao tamanho original.

8
quaisquer outros; oferece ao músico certas formas de criação e interpretação, e assim torna-
se parte integrante do processo musical. A música do século XX, na grande maioria de suas
formas de manifestação popular, é fruto de lapidações exercidas pelo desenvolvimento
tecnológico. Encontraremos exemplos deste fato na sonoridade dos instrumentos, nos
processos de registro e reprodução da música, nos meios pelos quais a informação trafega
entre professores e alunos, na vida produtiva dos músicos. Dentro desta visão da música,
em que o domínio tecnológico é extremamente valioso, novas formas de ensinar e aprender
se desenvolvem, e nosso trabalho irá mapear neste território as formas acessíveis para a
auto-aprendizagem.
Objetivamos, através do nosso estudo, estruturar um olhar sobre a presença das
tecnologias na atualidade e analisar algumas das conseqüências implicadas na auto-
aprendizagem da música. Pretendemos demostrar, através deste olhar, como nos modernos
meios e recursos disponíveis há uma submissão das atividades musicais à tecnologia, uma
rendição às suas direções, verdades e limites. A música e seus processos (de criação,
produção, transmissão), embora não sejam determinados pela tecnologia, desenvolvem-se
sob as condições delineadas por ela. Iremos assinalar alguns aspectos resultantes deste
condicionamento. Esperamos assim contribuir para a construção de novos caminhos para a
área em análise, prevendo que muitas das tecnologias que hoje estão sendo aprimoradas
irão tornar-se realidades concretas e ampliarão as possibilidades aqui mapeadas.
Percebemos enormes possibilidades nos processos de auto-aprendizagem da música.
As novas mediações tecnológicas podem atuar como “professores” incansáveis para os
aprendizes, dando oportunidade de progresso àqueles que não tem um tutor para corrigir
seus erros. Os processos de aprendizagem musical freqüentemente dependem da repetição
contínua de exercícios (“a prática leva à perfeição...”) e a tecnologia pode servir como o
“espelho” necessário para que correções sejam feitas. A observação de vídeos revela
detalhes, os programas de computador assinalam falhas, o metrônomo exige o tempo
perfeito. Em intensidade gradualmente maior, os meios tecnológicos tornam-se a
representação de um mestre que facilita a transmissão de informações.
Iremos trabalhar com a questão da tecnologia na auto-aprendizagem musical em
dois diferentes momentos. O primeiro, mais genérico, carrega a definição de tecnologia
como toda inovação tecnológica que influenciou a música, como o surgimento de novos

9
instrumentos musicais, dos meios de produção modernos, do rádio e da televisão. O
segundo, mais específico, estabelece um recorte e seleciona duas formas básicas para a
análise do problema: o vídeo e o computador. Nosso estudo sobre o vídeo abordará a
televisão, a MTV e as vídeo-aulas. A análise do computador estará concentrada
primordialmente sobre a Internet.
O uso de vídeo-aulas para o aprendizado da música popularizou-se em meados da
década de 80, quando empresas norte-americanas (dentre as quais analisaremos a DCI
Music Video) disponibilizaram produções em que instrutores lecionavam defronte à
câmera. Atualmente, existem vídeos especializados na transmissão de diversos conteúdos
musicais, constituindo um produto comercial de alta aceitação entre os autodidatas. As
vídeo-aulas reforçaram as possibilidades de um sistema não-formal de aprendizagem, que
muitas vezes se desenvolve não acompanhado de orientação alguma, mas que persiste em
parte mesmo quando a figura do professor está fisicamente presente. Entendemos por
educação não-formal os processos de ensino / aprendizagem que têm sua origem a partir da
experiência prática e que usualmente não são codificados em sistemas curriculares
oficializados.
Embora o termo educação não-formal envolva muitas polêmicas, sua utilização se
deve por objetivar uma referência aos processos de aprendizagem que ocorrem fora do
ambiente escolar regular, baseado em sistemas formalmente estruturados ou
institucionalizados. Optamos por este termo pelo fato de diferenciar-se não apenas da
educação formal mas também da educação informal – aquela em que se aprende
espontaneamente através da socialização cotidiana na família, no clube, nas igrejas, na
própria convivência nas escolas. Na educação não-formal destaca-se uma intencionalidade
na ação: os indivíduos querem e decidem aprender sobre um assunto (no nosso caso, a
música).
Um dos objetivos centrais dos processos de educação musical não-formal voltados
para a auto-aprendizagem é desenvolver instrumentistas, habilitando os aprendizes
tecnicamente para a performance musical e criando um domínio da prática e da teoria (a
prática sempre sendo enfatizada) de instrumentos musicais. Nas vídeo-aulas esta
valorização do instrumento é evidente, colocando em um segundo plano a preocupação de
oferecer aos espectadores um embasamento geral ou uma formação aprofundada. Na maior

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parte das vídeo-aulas não há um direcionamento de teor filosófico ou discussões que levem
à compreensão das motivações determinantes das escolhas na música. Estes assuntos,
quando há uma relação de troca direta entre professores e alunos, usualmente são de grande
importância para ampliar a visão do aluno e não apenas treiná-lo tecnicamente.
Não obstante este caráter de superficialidade da vídeo-aula, ela representa um
importante meio para os processos não-formais, pois permite a aprendizagem pela
observação da prática, seguindo o instinto autodidata característico dos alunos. Sua
colocação na educação musical serve como complemento para outras fontes de informação,
sempre exemplificando visualmente o material trabalhado. Sua inserção estabelece uma
conexão dos estudos com a realidade prática, com a produção musical vigente em sua
época. O vídeo assim tornou-se uma importante referência, substituindo parcialmente a
necessidade da presença física no local da realização musical. Sua utilização trouxe
contribuições imediatas, tais como a imortalização da obra de mestres do passado, a
acessibilidade à música produzida em localidades distantes, a realização de documentários
detalhando o desenvolvimento de estilos musicais, e a organização de um material
anteriormente disperso e de difícil alcance.
A supremacia tecnológica do vídeo no estudo da música imperou durante a década
de 80, e só terminou com o avanço dos computadores pessoais, que no decorrer da década
de 90 trouxeram uma vasta gama de novas possibilidades. A Internet disponibilizou um
conteúdo gigantesco de informação, abrangendo todas as áreas da música, em todos os seus
estilos. O CD-ROM facilitou exercícios de repetição contínua como aqueles usualmente
encontrados no treinamento da percepção auditiva. Softwares tornam possível a impressão
de partituras, realizam gravações, corrigem erros cometidos em performances. A música
pode ser armazenada e manipulada digitalmente nas máquinas. Um elemento importante
presente no aprendizado da música através do computador é a interatividade, ampliando as
chances para uma maior participação do aluno e para uma individualização do estudo em
acordo com suas particularidades.
O uso da tecnologia para individualizar o ensino é defendido pelo professor Howard
Gardner, da Universidade de Harvard, que afirma ser preciso encontrar diferentes formas de
ensinar para pessoas diferentes. Na sua teoria das múltiplas inteligências, Gardner (1994)

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constatou a existência de pelo menos sete tipos de inteligência nas capacidades humanas,
das quais destacaremos a inteligência musical.
Segundo a teoria das múltiplas inteligências, cada ser humano tem uma maior
facilidade de aprendizagem através de uma área, seja a música, a matemática, a linguagem,
ou os meios visuais, e esta individualidade requer uma educação específica, tendo como
principal enfoque as qualidades de cada aluno. Com a identificação das inteligências
proeminentes em cada indivíduo e uma orientação correta, é possível desenvolver todas as
áreas a partir daquela em que há a facilidade. Teremos a teoria das múltiplas inteligências
como base, na tentativa de identificar as diferentes trilhas demarcadas nos processos de
aprendizagem, tornando-os mais específicos e eficientes.
O material analisado nesta pesquisa inclui textos, livros e artigos em revistas
abordando música, tecnologia, aprendizagem, vídeos, Internet, entre outros temas. A
diversidade de assuntos demonstra a complexidade da questão. A intenção deste trabalho é,
através de um mapeamento inicial da área, contribuir para uma investigação mais detalhada
no futuro. Destacamos que os indivíduos que recebem e utilizam os materiais aqui
analisados em processos de auto-aprendizagem são agentes interventores, ou seja, procuram
assimilar os ensinamentos através de sua cultura, suas experiências de vida,
comportamentos e características físicas. Portanto, para uma maior compreensão do tema
devemos ter em consideração quem está se colocando na posição de aprendiz.
A partir das considerações acima, esta dissertação se estrutura da seguinte forma:
No Capítulo 1, Conceitos e Categorias, são introduzidos alguns conceitos que serão
utilizados ao longo do trabalho. Colocamos as idéias básicas que iremos retomar nas
análises referentes à auto-aprendizagem, formando um quadro teórico geral, sem contudo
ter uma preocupação de nos aprofundarmos na definição dos termos.
No Capítulo 2, Tecnologia e Música, examinamos a relação entre música e
tecnologia do ponto de vista histórico, demonstrando a proximidade dos avanços
tecnológicos com as práticas e percepções de produtores e ouvintes da música.
Constatamos que cada inovação teve forte influência nos estilos de música em sua época,
trazendo novas sonoridades, criando meios de obter e divulgar a música, transformando-a
em produto comercial e culminando em uma indústria que visa primordialmente o lucro
financeiro.

12
O Capítulo 3, Tecnologia e Auto-aprendizagem, tem como meta realizar uma
discussão sobre os recursos tecnológicos disponíveis para a auto-aprendizagem musical.
Primeiramente colocamos a visão de alguns autores sobre o surgimento dos meios de
gravação e transmissão do som, e depois propomos outras questões, relacionadas à
tecnologias mais recentes.
No Capítulo 4, temos um estudo sobre a presença da imagem nos processos de auto-
aprendizagem musical, em que procuramos evidenciar o surgimento de linguagens próprias
do vídeo na transmissão de informações musicais. Neste ponto destacamos a MTV (Music
Television), comprovando a sua importância na valorização do visual em relação ao sonoro,
e demonstrando como o cenário musical foi alterado pela crescente importância dos
videoclipes. Em seguida passamos nosso foco para as vídeo-aulas, apresentando um breve
histórico da DCI Music Video e discutindo como o material produzido por esta empresa
pode contribuir na aprendizagem musical. Ao final, propomos um sistema de classificação
das vídeo-aulas em relação a forma e conteúdo e selecionamos quatro títulos produzidos
pela DCI Music Video para análise. Em todas as análises teremos materiais direcionados ao
estudo da bateria e da percussão.
No capítulo 5, investigamos as possibilidades para a auto-aprendizagem de
instrumentos musicais surgidas a partir da popularização do computador pessoal. Algumas
questões relacionadas às mudanças nas práticas musicais são colocadas, destacando os
vários formatos que a informação digital pode assumir, e em seguida nos concentramos na
Internet, observando a presença das páginas de música existentes na rede. Finalizando este
capítulo temos a análise de quatro websites direcionados ao ensino da bateria e da
percussão.
Encerrando o trabalho, após nossa conclusão final, apresentamos dois apêndices. O
primeiro tem uma listagem descritiva de vídeo-aulas, expandindo os exemplos analisados
no capítulo 4. O segundo apêndice consiste em uma breve amostragem de sites da Internet
relacionados ao nosso instrumento base de análise – a bateria – , na tentativa de ilustrar
como as páginas na rede, mesmo que tenham outras finalidades, podem ter uma utilidade
educacional.

13
CAPÍTULO 1 – CONCEITOS E CATEGORIAS

1.1 Auto-aprendizagem

Esta primeira parte da pesquisa objetiva explicitar os principais conceitos que serão
utilizados, tais como: auto-aprendizagem, educação formal, não-formal e informal,
inteligência musical e novas tecnologias. Não pretendemos chegar a definições
aprofundadas destes termos, mas delimitar as áreas em que estaremos trabalhando. Os
referenciais teóricos obtidos serão importantes para uma melhor compreensão das análises
que estarão presentes nos capítulos seguintes, possivelmente contribuindo para uma visão
mais clara das possibilidades atuais do estudo da música através de meios tecnológicos.
Dado nossos objetivos, auto-aprendizagem é um conceito chave para o
entendimento da utilização de meios tecnológicos para a aprendizagem e o domínio de um
instrumento ou de um conhecimento musical. Para não corrermos o risco de reduzir este
conceito a processos advindos do senso comum ou da experimentação casual, iniciamos
nossas considerações localizando-o no universo dos sistemas de estudo e aprendizagem
propriamente dito.
A maioria das formas de auto-aprendizagem listadas nesta pesquisa usualmente
participam de sistemas não-formais ou informais de estudo da música, existentes fora dos
estudos formais que ocorrem em escolas e instituições. No sistema não-formal, central para
esta pesquisa, há uma intencionalidade na ação do aprender, os indivíduos se colocam
premeditadamente na posição de aprendizes e escolhem os meios pelos quais irão receber
os conteúdos que desejam estudar. Organizam seus próprios “currículos” e usualmente
preenchem suas necessidades – ou seja, adquirem seus materiais – baseados na observação
e na recomendação de outros, nas propagandas e em pesquisas nas lojas especializadas.
Simultaneamente, estes mesmos indivíduos, ao longo de suas vidas, participam de
um outro sistema educativo: o informal, aquele que ocorre na socialização cotidiana, nas
famílias, nas igrejas, nos clubes, academias e outros espaços de convivência. 3 De maneira
espontânea, a educação informal também cumpre um papel formativo. Para o nosso objeto

3
Sobre a educação não-formal e a informal vide Gohn (1999).

14
de análise, a educação informal resulta na difusão de informações, já que a música está
presente na maioria destas situações da vida cotidiana. Assim, aprendemos sobre as
músicas que nosso círculo de amizades ouve, conhecemos os estilos regularmente
executados nas rádios que escutamos nos restaurantes e memorizamos – muitas vezes de
forma até inconsciente – as letras das músicas veiculadas pelas emissoras de televisão.
Umberto Eco (1970: 316-9) analisou os meios áudio-visuais como instrumentos de
informação musical, aos quais as relações sociais se juntam para fazer funcionar o sistema
informal de educação. Neste sentido, assumindo a idéia de McLuhan (1964) de que as
mídias são extensões do homem, nossos ouvidos são reforçados não somente pelos meios
de comunicação como pelas nossas relações com os outros.
Observamos que a admiração e a idolatria pelos artistas consagrados que são
destacados nos veículos de massa conduzem seus seguidores a tentativas de imitação, não
só no aspecto musical mas também em um contexto mais amplo, no que diz respeito a
pensamentos e percepções do universo. Os processos de mitificação foram objeto de análise
para Eco (1970), enquanto Tinhorão (1981) demonstrou como a construção de mitos no
rádio e na televisão do Brasil ditava exemplos e estabelecia referências para os ouvintes /
espectadores (voltaremos a este tema mais tarde). A imagem do ídolo é claramente uma
motivação constante para o envolvimento com a música, estimulando o desejo de
aprendizado e, em alguns casos, o estudo aprofundado da arte musical. Percebemos a
influência de artistas famosos principalmente entre crianças e os jovens.
No Brasil, a ausência de uma cultura de educação musical regular nas escolas é um
fato, uma realidade que força os pais interessados em que seus filhos aprendam música a
procurar vias alternativas. Surge a partir daí uma tradição não-formal de estudo, que se
torna possível, na maioria dos casos, somente para aqueles com condições financeiras
favoráveis. O início deste distanciamento entre música e escola formal data da década de
70, quando o ensino de música nas escolas públicas deixou de ser obrigatório. Apesar desta
obrigatoriedade ter sido instituída ainda no século XIX, foi somente na década de 30, com a
criação do SEMA (Superintendência de Educação Musical e Artística), que a educação
musical ganhou destaque no Brasil (Hentschke e Oliveira, 2000). Nessa época, o diretor
dessa instituição, Villa-Lobos, freqüentemente regia pessoalmente apresentações com
milhares de alunos das escolas brasileiras. Porém, após o declínio do canto orfeônico,

15
prática que fora estimulada por Villa-Lobos, a antiga LDB (Lei 5692) modificou a situação
da educação musical nas escolas públicas:

“A partir de 1971, com a implantação da disciplina Educação Artística, o ensino de música


passou a ser vinculado ao ensino das demais artes, com carga horária de uma hora semanal. Esta
tem sido ministrada por um professor – o educador artístico – o qual recebeu uma formação
básica em música, artes cênicas e artes visuais” (Hentschke e Oliveira, 2000 : 49).

Como resultado, tivemos que cada professor trabalhou na área em que tinha
melhores conhecimentos. Maior ênfase foi concedida às artes visuais, e a música acabou
por ficar distante da realidade das escolas.

“Na maioria dos casos, os processos educacionais em música não passam da sensibilização
inicial com a voz e com instrumentos de percussão, perdendo a oportunidade de permitir ao aluno
familiaridade com um campo de conhecimento que envolve atividades de composição, execução
e apreciação” (Hentschke e Oliveira, 2000: 51).

Litto (1983) observou a distinção entre Ensino de Artes e Educação Artística. No


primeiro caso, há uma formação artística dos indivíduos, preparando-os para ser
“produtores de obras com qualidades estética, e dirigidas aos sentidos, às emoções; ou
intérpretes dessas obras, sempre com o foco na criação ou recriação de experiências
estéticas” (Litto, 1983: 96). Esse tipo de formação dá chances aos alunos com facilidades
musicais de desenvolverem suas habilidades em um amplo contexto de atividades, não se
restringindo à sensibilizações básicas que não envolvam exercícios práticos diversificados.
O Ensino das Artes, portanto, pode revelar vocações para a música e ter continuidade,
posteriormente, com a realização de uma carreira artística.

“A Educação Artística, por outro lado, parte do pressuposto de que os interessados nesta área não
têm como finalidade produzir objetos artísticos propriamente ditos, nem interpretá-los em
apresentações públicas, mas, sim, colocar fenômeno e experiência artística ao serviço da
Educação e das experiências terapêuticas” (Litto, 1983: 96).

16
As aulas de educação artística não têm como objetivo a formação de artistas, mas a
formação de cidadãos. O foco principal é social, pois o processo de transformação interior
dos indivíduos é mais importante do que os produtos artísticos resultantes.
Na nova lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, o ensino
artístico foi novamente inserido como “componente curricular obrigatório, nos diversos
níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”
(Lei 9394, Art. 26, § 2). Ou seja, as artes ainda são parte obrigatória do currículo, com uma
disciplina única sendo utilizada para todas as suas modalidades.
Sem uma organização sólida para a educação musical nas escolas, o estudo da
música ainda ocorre principalmente em meios não-formais, em conservatórios ou com
professores particulares, ou através dos processos de auto-aprendizagem. Com exceção dos
sujeitos que pertencem a grupos religiosos ou a quaisquer outros que estimulem o
envolvimento com a cultura, estes aprendizes não-formais têm nos veículos de massa sua
principal referência para obter informações. A grande quantidade de material sobre música
disponível na atualidade, nas mais diferentes mídias – revistas, livros, vídeos, Internet –
acaba por complementar o aprendizado independentemente se há um programa
determinado por um professor. Enquanto isso, os conteúdos musicais ainda trabalhados nas
escolas se afastaram do cotidiano prático dos alunos. Não se utilizam as possibilidades de
associação com as informações transmitidas através dos meios de comunicação, não se
reconhece a diversidade das situações educativas presentes nas mídias e na vivência
cultural comunitária. A educação informal fornece uma base que os aprendizes aplicam em
sistemas não-formais. Por exemplo, a música presente na vida diária dos jovens raramente é
trabalhada nas salas de aula das escolas de ensino formal, mas invariavelmente faz parte do
aprendizado musical existente em conservatórios e do aprendizado de línguas estrangeiras,
além de ser usada para práticas nos processo de auto-aprendizagem.
Outras formas de aprendizado musical ocorrem nas manifestações culturais
populares, nas quais é comum que crianças sejam inseridas no mundo das práticas adultas,
imitando e recriando os movimentos e gestos, seguindo a estrutura grupal e o
comportamento dos indivíduos. Conde e Neves (1994) examinaram esta questão através de
grupos de Folia de Reis e de Blocos Carnavalescos na cidade do Rio de Janeiro, quando

17
enfatizaram o incentivo à imitação que serve como uma preparação para que crianças
tornem-se participantes ativos no futuro.

“Na cultura popular não há separação entre o fazer artístico e a própria vida. Não há o tempo e o
espaço da arte, como não há o tempo e o espaço do aprendizado. O fazer artístico é visto como
um meio de expressão e de comunicação, tendo sempre função e significado para a sua
comunidade” (Conde e Neves, 1994: 46).

O aprendizado através da imitação também ocorre com os aprendizes distantes de


círculos comunitários tão ricos culturalmente. Nesta situação, em geral, a música que se
coloca como objeto de estudo é aquela difundida nos meios de comunicação.

“Nos domínios da música popular urbana, a aprendizagem se dá de modo algo mais complexo,
aliando a observação-imitação a trabalho de caráter mais racional, ainda que baseado na idéia da
imitação. É quando, em algum momento do processo de aprendizagem, o aspirante a músico
passa a utilizar um dos muitíssimos métodos de aprendizagem ‘sem mestre’ ou livros de estudo
simplificados. O estudo do violão, em particular, exemplifica isto” (Conde e Neves, 1994: 46).

Os processos de auto-aprendizagem do violão foram pesquisados com adolescentes


de Porto Alegre por Corrêa (2000), que identificou em seu trabalho o uso de uma série de
elementos tecnológicos. Shows apresentados na televisão são colocados como modelos de
referência para os aprendizes, enquanto que tocar junto com a gravação de CDs serve de
auxílio para a sedimentação das músicas estudadas. Foi constatado que o acesso a estas
músicas também ocorre com a transferência de arquivos de MP3 obtidos via Internet, que
“era utilizada como recurso de aprendizagem, como uma espécie de biblioteca, que
dispunha de um vasto acervo de cifras4 e tablaturas5” (Corrêa, 2000: 109). As músicas
cifradas são mais usualmente compradas na forma de revistas especializadas, possibilitando

4
Cifras: sistema usado para dar nome às tríades. A cifra não indica a distribuição interna do acorde no braço
do violão, nem explica que notas são. A cifra indica se um acorde é maior ou menor e a nota do baixo
(Corrêa, 2000).
5
Tablatura: representa o desenho do braço do violão ou da guitarra com suas cordas e casas. Tem por
objetivo possibilitar a visualização de onde colocar os dedos. Geralmente são seis linhas, cada uma
representando uma corda do violão. Sobre as linhas, escreve-se os números que representam as casas. Um
zero sobre uma linha, por exemplo, indica que a corda correspondente é tocada solta, sem utilizar a mão
esquerda para tangê-la (Corrêa, 2000).

18
o aprendizado das músicas difundidas pelo rádio e pelos videoclipes. Através de seu estudo
Corrêa confirmou que “a prática da reprodução e da imitação vai levando às descobertas,
sedimentando conhecimentos e através da dedução estabelecendo relações” (p.108).
As pesquisas de Corrêa (2000) e Conde e Neves (1994) são exemplos do
distanciamento existente entre a realidade prática do aprendizado musical e o ensino escolar
formal. Os processos de auto-aprendizagem ocorrem neste contexto, originado a partir de
uma tradição em que música não se aprende na escola e que força os interessados a
procurar meios alternativos. As crianças que gostam de música muitas vezes freqüentam
conservatórios ou aulas de professores particulares, o que se torna mais difícil na vida
adulta, geralmente atribulada e sem tempo para a educação continuada. A possibilidade de
aprender de acordo com a própria agenda traz ao auto-aprendizado uma vantagem sobre o
ensino dos professores. Mesmo os indivíduos que estudam em conservatórios podem optar
por uma aprendizagem paralela, visando assuntos de seu interesse que não são trabalhados
com o professor.
Também os indivíduos que procuram avançar para outras etapas educacionais,
prosseguindo em carreiras dedicadas às artes, mantém processos de auto-aprendizagem.
Nos estudos musicais formais em níveis mais avançados, quando há o objetivo de
aperfeiçoamentos através de cursos de pós-graduação nas universidades, especialmente nas
áreas práticas da realização musical, a auto-aprendizagem é um elemento importante. O
estudo acadêmico dá direcionamento à auto-crítica dos alunos, promovendo um ambiente
de trocas e observações mútuas.

“O ensino da prática artística se realiza melhor quanto menos ‘dirigido’ for o curso; a
universidade deve fornecer ao aluno as condições do seu auto-aperfeiçoamento: espaço, materiais
de trabalho, professores e colegas com quem debater técnicas e resultados” (Litto, 1982: 28).

Outras áreas encontradas no ensino superior, relacionadas aos aspectos de reflexão


sobre as artes e o ensino das artes como enriquecimento cultural, são mais próximas de
disciplinas tradicionalmente presentes nos meios acadêmicos, e podem ser “mais facilmente
encaixadas nos currículos universitários” (Litto, 1982: 28). Portanto, aprendizes da prática
musical, preparando-se para ser artistas profissionais, têm uma maior responsabilidade

19
sobre a própria formação do que os estudantes de campos teóricos das artes, como
historiadores e críticos, que estão mais restritos aos currículos oficiais.

1.2 Aprendizagem Centrada no Aluno

Carl Rogers enumerou princípios de aprendizagem que justificam a importância e a


pertinência dos processos de auto-aprendizagem. Para uma melhor compreensão de nosso
objeto de estudo, podemos citar alguns destes princípios:

“Os seres humanos têm natural potencialidade de aprender.”


“A aprendizagem significativa verifica-se quando o estudante percebe que a matéria a estudar se
relaciona com os seus próprios objetivos.”
“A aprendizagem auto-iniciada que envolve toda a pessoa do aprendiz – seus sentimentos tanto
quanto sua inteligência – é a mais durável e impregnante.”
“A independência, a criatividade e a autoconfiança são facilitadas quando a autocrítica e a auto-
apreciação são básicas e a avaliação feita por outros tem importância secundária.”
(Rogers, 1978, Liberdade para Aprender, citado em Gadotti, 1993: 183).

Segundo estes preceitos, a auto-aprendizagem é possível devido a características


inatas e inerentes ao aprendiz. O indivíduo que decide aprender música sozinho tem total
interesse na matéria e relaciona o estudo com as informações presentes em seu cotidiano.
Procura elementos na sua vida diária que acrescentem e contribuam ao processo. Estabelece
para si as condições para desenvolver seu potencial – objetivando independência,
criatividade e autoconfiança – e combina sentimentos e inteligência para obter resultados.
Os princípios de Rogers defendem a aprendizagem centrada no aluno, enquanto que,
na quase totalidade dos casos, a centralização está no professor (Rogers, 1974). Segundo o
autor, além do potencial para aprender, os seres humanos têm uma tendência básica:
atualizar-se, manter-se e desenvolver-se. Esta tendência à atualização precisa ser
alimentada, para que o dinamismo próprio dos indivíduos possa realizar escolhas e cultivar
suas possibilidades.

20
Walter Howard, em seu estudo sobre a relação entre a música e a criança, afirma
que a educação existe para trazer à tona faculdades adormecidas dentro de nós, que já nos
pertencem, logo “não se pode ensinar nada a ninguém.(...) Tudo o que podemos fazer é
manter os procedimentos autodidáticos da criança no bom caminho ou recolocá-los em caso
de necessidade” (Howard, 1984: 61). A hipótese central de Carl Rogers é quase idêntica:
“não se pode ensinar diretamente a outra pessoa, pode-se, tão somente, facilitar-lhe a
aprendizagem” (Rogers, 1974). A proposição está de acordo com a visão do professor
como um mediador entre a informação e o aluno, e não um detentor do saber que apenas
repassa a informação. O educador / produtor que organiza materiais para uso em processos
de auto-aprendizagem atua nesta situação. Embora a ausência de um contato direto com o
aprendiz seja um impedimento para eventuais correções e ajustes na aprendizagem, a
produção de materiais antecipa problemas e procura disponibilizar elementos que irão
contribuir para chegar às soluções. Este procedimento, fornecendo ao aprendiz as peças que
ele irá juntar mais tarde, centra a aprendizagem no aluno, forçando-o a desenvolver sua
auto-crítica e a valorizar suas conquistas.
Neste contexto, o papel científico do educador / produtor assume novo significado:

“...ser científico, nesse sentido, quer dizer: livrar os processos autodidáticos de todas as
eventualidades, de todas as tendências unilaterais, de todas as falhas que possam encerrar até que
se tornem um verdadeiro sistema de trabalho exato e completo” (Howard, 1984: 101).

A auto-aprendizagem é uma das formas de aprendizagem mais centradas no aluno


que pode existir. Através do desenvolvimento de sua auto-crítica e de sua auto-apreciação,
o estudante de música recolhe as informações presentes no seu cotidiano – a educação
informal – e nos materiais organizados pelos educadores / produtores, e avalia as opções
disponíveis. A função dos educadores neste processo é selecionar o que se considera
importante e colocar este material diante do “aprendiz que é, em última análise, o principal
responsável para sua própria educação” (Litto, 1997).
Na relação entre o professor e o aluno, a existência do primeiro ocorre como o
“orientador oculto” que produz o material didático ou os meios que viabilizam a
aprendizagem. Usualmente esta relação não existe diretamente, face-a-face, ou acontece de
forma indireta e em espaços não institucionalizados, através de meios tecnológicos: uma

21
vídeo-aula, por exemplo. O aprendiz que opta por um programa de auto-aprendizagem tem
que enfrentar vários desafios: adquirir um material, organizá-lo e traçar um plano de
estudos, isto é, terá que desenvolver uma pedagogia para sua aprendizagem. Certamente
que, dependendo do assunto em questão, já existem “cursos” prontos que podem ser
adquiridos, mas estes estarão sujeitos a reinvenções e adaptações.
Segundo Demo (2001), “a idéia de uma educação calcada na autonomia do sujeito,
de dentro para fora” se opõe à “propensão da pedagogia atual, fixada no treinamento de
fora para dentro e marcada pela idéia de ensino” (Demo, 2001: 9).

“Ao contrário do ensino, que se esforça por repassar certezas e que são reconfirmadas na prova, a
aprendizagem busca a necessária flexibilidade diante de uma realidade apenas relativamente
formalizável, valorizando o contexto do erro e da dúvida. Pois quem não erra, nem duvida, não
pode aprender” (Demo, 2001: 9).

Esta separação dos conceitos de ensino e aprendizagem é equivalente à separação


das aprendizagens centradas no aluno e no professor. Se a aprendizagem valoriza um
ambiente de tentativa e erro, por sua vez a auto-aprendizagem diminui as cobranças sobre o
aluno, pois ele não é testado pelo professor. A verificação do que foi apreendido pode ser
embutida no programa de auto-aprendizagem, ou pode ocorrer na aplicação real dos
conteúdos: no nosso caso, a realização musical. Os comentários de colegas e outros
músicos podem direcionar a atenção do aprendiz, mas a auto-análise ainda é a sua avaliação
mais concreta e eficiente.

1.3 Quantitativo e Qualitativo

Ao analisar os processos de auto-aprendizagem, percebemos dois casos principais


que, utilizando conceitos de Rubem Alves, podemos chamar de quantitativos e qualitativos.
Alves (1999) utiliza a imagem do piano para exemplificar a diferença entre estas duas
idéias. A fabricação dos pianos é uma ciência quantitativa: os tamanhos, pesos, medidas e
tensões devem ser precisos e exatos. Estas características podem ser descritas na linguagem

22
científica dos números, pois “a realidade do piano se encontra em suas qualidades físicas”
(Alves, 1999: 124). Este fato torna possível fabricar dois pianos iguais, porque a exatidão
numérica possibilita a repetição. Os critérios utilizados são baseados na observação dos
números: até a afinação do instrumento é feita a partir da quantidade de vibrações das
cordas. Entretanto, quando os pianos são tocados, outra realidade é estabelecida. Embora a
música tenha suas realidades físicas, independentes se há ouvintes ou não, “a realidade da
música se encontra no prazer de quem a ouve” (Alves, 1999: 125). Aqui os pianos são
meios para chegar ao prazer, uma experiência qualitativa que não pode ser medida ou
repetida. Uma interpretação musical jamais será idêntica à outra e cada indivíduo terá uma
sensação / reação diferente.
Alves faz suas colocações para construir uma crítica à ciência, afirmando que tanto
a fabricação de pianos quanto os métodos científicos são estabelecidos com o quantitativo,
usando embasamentos numéricos e considerando apenas o que pode ser medido. Em um
paralelo à culinária, diz que a ciência serve para tratar das receitas: quando os mesmos
ingredientes, nas mesmas quantidades, são colocados nas mesmas condições, o resultado
deverá se repetir. Podemos analisar as receitas baseados em números. No entanto, a ciência
não considera o prazer daqueles que apreciam os alimentos resultantes das receitas porque
este prazer não pode ser medido. Logo muitos outros elementos não relacionados aos
números não poderiam ser considerados pois estão baseados em fatores qualitativos. Apesar
desta crítica à ciência ser a intenção de Alves quando utilizou os termos, iremos transportá-
los para outro sentido.
Proponho uma transposição dos conceitos de quantitativo e qualitativo para a
questão ensino / aprendizagem. Estas idéias são refletidas em dois momentos da
aprendizagem musical: no primeiro há um treinamento puramente técnico, no segundo
existe um desenvolvimento mais amplo. A prática técnica de habilidades instrumentais
possibilita que o aprendiz execute uma tarefa que resulta em som. Este treinamento, no
entanto, prepara o aluno apenas para repetir aquela mesma atividade indefinidamente,
sempre com as operações propostas. É um adestramento mecânico que habilita o indivíduo
a realizar movimentos em uma determinada seqüência ou combinação que têm
conseqüências em um instrumento musical. Como a fabricação de pianos, esta tarefa não

23
está baseada no prazer da música, mesmo que o aprendiz tenha enorme satisfação em
cumpri-la. O aprendiz desenvolve este aprendizado de forma quantitativa.
Quando há um aprendizado mais amplo, em que o aprendiz não se preocupa apenas
na reprodução da experiência, mas é capacitado a gerar suas próprias experiências, o
aprendizado é qualitativo. Seus dedos, mãos, braços e pernas não somente respondem à
condicionamentos mecânicos mas exteriorizam emoções e sentimentos. O foco é deslocado
para o prazer do ouvinte e de quem toca. Sinais evidentes de desenvolvimento qualitativo
são as capacidades de improvisar, de composição de trabalhos originais e de comentar
criticamente as próprias obras e as de outros.
É importante ressaltar que não colocamos uma divisão da aprendizagem em duas
formas distintas e opostas, pois os momentos observados acima convivem dentro de um
mesmo processo. O qualitativo não existe sem o quantitativo – a música não existe sem o
piano – logo os músicos invariavelmente participam de alguma forma de treinamento
técnico. Para que o instrumentista aprendiz conquiste uma liberdade nas suas interpretações
musicais, tem de passar por estágios iniciais de práticas técnicas, em que suas respostas
físicas aprenderão à obedecer aos seus comandos mentais. Os processos de aprendizado
podem progressivamente ampliar as capacidades do aluno ou fechar o estudo apenas neste
aspecto, diferenciando o estudo que proporciona um treinamento daquele que oferece
formação. A formação musical, além de habilidades motoras, desenvolve a capacidade de
analisar, criticar, recombinar, improvisar e compreender o universo musical mais
amplamente. A formação também dedica diferentes graus de importância ao treinamento
técnico, mas há uma preocupação em situar estas habilidades em um contexto. Quando nos
referimos ao “treinamento simples”, pelo contrário, não existe nenhuma outra intenção
além de capacitar tecnicamente o aprendiz. No mapeamento e nas análises dos capítulos
seguintes desta pesquisa tentaremos diferenciar situações em que estão presentes aspectos
quantitativos e qualitativos.
A mesma questão abordada nos parágrafos acima foi colocada por Cavalieri França
(2000) nos seguintes termos:

“Podemos delinear tanto o fazer musical quanto o desenvolvimento musical, como ocorrendo em
duas dimensões complementares: a compreensão musical e a técnica. Consideramos a
compreensão como o entendimento do significado expressivo e estrutural do discurso musical,

24
uma dimensão conceitual ampla que permeia e é revelada através do fazer musical. As
modalidades centrais de comportamento musical – composição, apreciação e performance – são,
portanto, indicadores relevantes da compreensão musical, as ‘janelas’ através das quais esta pode
ser investigada. A técnica, por sua vez, refere-se à competência funcional para se realizar
atividades musicais específicas, como desenvolver um motivo melódico na composição, produzir
um crescendo na performance, ou identificar um contraponto de vozes na apreciação.
Independentemente do grau de complexidade, à técnica chamamos toda uma gama de habilidades
e procedimentos práticos através dos quais a concepção musical pode ser realizada, demonstrada
e avaliada” (Cavalieri França, 2000:52).

Tais observações ressaltam a importância de realizar atividades diversificadas na


aprendizagem musical, para que haja um equilíbrio nas competências do indivíduo e isto
possa ser refletido tanto no seu trabalho de composição quanto na apreciação e na
performance. A organização de qualquer estudo musical deve considerar os objetivos
pretendidos neste sentido, e portanto “é imprescindível desvencilharmos o nível técnico
envolvido em uma atividade e o nível de compreensão musical que é promovido através da
mesma. Uma atividade tecnicamente complexa pode não envolver (e desenvolver) um nível
mais elevado de compreensão musical, e vice-versa” (Cavalieri França, 2000:60).
A performance, ou seja, a prática com os instrumentos musicais, provavelmente é a
modalidade do fazer musical em que existem mais cobranças sobre a técnica.

“A performance instrumental carrega uma pesada tradição: o concertista virtuose aparenta ser o
paradigma do músico e do fazer musical. Isto pode contribuir para perpetuar uma concepção de
ensino tradicional que tende a enfatizar o desenvolvimento técnico instrumental e a tradição
musical escrita em detrimento de um fazer musical mais expressivo, consistente e musicalmente
significativo. As demandas do repertório instrumental freqüentemente pressionam os alunos além
do limite técnico que eles dominam. Nessas circunstâncias, o ensino pode resultar em um mero
treinamento, que não oferece oportunidade para decisão criativa e exploração musical expressiva.
Todo o prazer e a realização estética da experiência musical podem ser facilmente substituídos
por uma performance mecânica, comprometendo o desenvolvimento musical dos alunos. Não
raro, sua performance resulta sem um sentido musical, sem caracterização estilística, sem
refinamento expressivo e/ou coerência” (Cavalieri França, 2000:59).

Embora muitos aprendizes não sejam condicionados pelo concertista virtuose, uma
figura mais ativa nos universos da música erudita, a valorização da técnica como sinônimo

25
de saber tocar um instrumento existe em diversos campos musicais. Mesmo sabendo que os
conhecimentos sobre a técnica devem estar presentes nos objetivos dos estudos diários, a
formação dos indivíduos não pode limitar-se a ela, pois uma série de outros elementos
relacionados à compreensão musical também são vitais. Estes elementos são
essencialmente qualitativos e estão tão relacionados com saber ouvir quanto com o saber
tocar música.
Para atingir este nível de compreensão musical, é necessário um envolvimento
profundo não somente do aluno, mas também do professor, como indica Gainza (1988):

“...é preciso reconhecer que o domínio da matéria musical não basta se não está unido ao
interesse, ao entusiasmo e à convicção da utilidade daquilo que se está transmitindo. Isso é o que
conforma o espírito pedagógico. Apenas no contexto de uma atitude positiva e benéfica é que a
técnica pedagógica poderá atuar, integrando e instrumentalizando de maneira precisa os
diferentes aspectos da experiência musical” (Gainza, 1988: 94).

A técnica pedagógica se fundamenta nos mecanismos que regem o desenvolvimento


das etapas necessárias para atingir metas educacionais. Podemos considerar os treinamentos
quantitativos como parte destas etapas. Já o espírito pedagógico faz o aprendiz apreciar
tanto as metas a alcançar como os caminhos que conduzem a elas. Esta maneira de pensar é
favorável ao desenvolvimento da compreensão musical pois valoriza algo mais do que um
simples resultado musical técnico.
Devemos observar que a música é ambivalente: provoca tanto a paixão como o
ódio6. Este antagonismo ocorre na apreciação de uma obra musical, no ato de compor e
interpretar esta obra, e nos processos de aprendizagem. Principalmente nessa última área,
experiências inadequadas podem criar uma aversão ao estudo musical e não proporcionar
ao aprendiz a chance de aproximar-se dos sentimentos positivos da música. Por isso o
espírito pedagógico é tão importante: ele assegura que o aprendizado das notas estará
acompanhado de prazer e paixão.
Acreditamos que um espírito pedagógico possa existir nos processo de auto-
aprendizagem e, neste caso, há uma contribuição para a formação dos aprendizes. Se tanto

6
A ambivalência de sentimentos provocados pela música foi discutida por Violeta Hemsy de Gainza na
abertura do Seminário Internacional de Educação Musical, no Instituto Cultural Itaú de São Paulo, em 27 de
novembro de 2001.

26
a preparação do meio transmissor, realizada pelo educador / produtor, quanto a dedicação
do aluno que utiliza este material estiverem direcionadas neste sentido, pode-se chegar ao
ambiente necessário. Quando a educação está calcada na autonomia do sujeito, o processo é
positivo, entusiasta, curioso, criativo, progressista, flexível, comunicativo, inquieto – todos
atributos utilizados por Gainza para descrever o espírito pedagógico. Os aspectos
relacionados ao prazer, participação e motivação são igualmente colocados como essenciais
para um aprendizado eficiente. “Educar-se na música é crescer plenamente e com alegria.
Desenvolver sem dar alegria não é suficiente. Dar alegria sem desenvolver tampouco é
educar” (Gainza, 1988: 95).
Vários autores defendem a alegria no estudo como um dos elementos primordiais
para uma educação eficaz. Além do já citado Rubem Alves, George Snyders é outro
exemplo. Snyders (1997) sugere que devemos estimular os alunos a descobrir as “alegrias
culturais”, e que neste processo a música tem enorme importância:

“É na música que os jovens vivem mais intensamente a emoção estética; é por isso que sonho que
a alegria musical possa ser a porta de entrada para a alegria cultural escolar, mesmo e sobretudo
para aqueles que não conseguiram abrir as outras portas” (Snyders, 1997: 160).

Um dos pontos importantes da contribuição de Snyders para as teorias da educação


é defender a “liberação do ser natural” que é a criança, deixando-a realizar sua “natureza
humana” livremente (Gadotti, 1993: 305). Estas idéias vão ao encontro das colocações de
Carl Rogers, ou seja, que o desenvolvimento é inerente ao ser humano e que pode apenas
ser facilitado. Algumas características na “natureza humana” das crianças podem nos
ensinar muito sobre os processos de auto-aprendizagem, como a curiosidade e a
perspicácia. Quando adultos, nós perdemos parcialmente estas qualidades desbravadoras,
destemidas, arrojadas, que conduzem a grandes descobertas. Na aprendizagem musical, a
sagacidade se torna evidente quando observamos a reação das crianças à cada novo timbre
conseguido em um instrumento, sem hesitações ou receios de produzir música ruim. Há
uma entrega completa à experiência, fazendo dela uma diversão, uma brincadeira
prazerosa. Espontaneamente, o espírito pedagógico é estabelecido.
Segundo Snyders, criar situações para que o aluno se desenvolva significa fazer com
que ele descubra a “alegria musical”, que “atinge seu grau mais intenso e mais irrefutável

27
na escuta elaborada de obras-primas” (Snyders, 1997: 20). O autor destaca a “mutação
tecnológica no ensino da música” como um avanço importante, já que no passado era
impossível admirar obras que chegavam deformadas por condições de recepção medíocres.
As inovações tecnológicas possibilitaram, além da reprodução do som em alta-fidelidade, a
visualização dos gestos de maestros e instrumentistas. Tornou possível também isolar ou
repetir determinadas passagens de uma obra, facilitando sua análise e estudo. Todas as
colocações de Snyders sobre a alegria escolar proporcionadas pelas obras-primas estão
baseadas no progresso técnico moderno, logo podemos identificar aqui elementos valiosos
para compreendermos o papel da tecnologia como estímulo à auto-aprendizagem musical.
As tecnologias que iremos investigar nesta pesquisa são, portanto, novos meios de
chegar às “alegrias musicais”. Representam uma continuidade das mutações nos processos
de ensino / aprendizagem a que Snyders se referiu. Independente de uma discussão sobre
quais seriam as verdadeiras obras-primas, colocando em oposição “a grande música”, ou
seja, a música erudita, que usualmente é identificada com o primor musical; e estilos
populares como o rock, massificado intensamente entre os jovens, Snyders indica que,
qualquer seja o estilo, a experiência estética e a apreciação musical podem ser
desenvolvidas a partir da escuta atenta e crítica. As informações disponibilizadas através do
rádio, da televisão, da Internet e demais tecnologias modernas, por apresentar alta
qualidade de transmissão, constituem um avanço significativo no encontro da alegria.

1.4 Inteligência Musical

Podemos identificar três grupos principais de alunos nos processos de aprendizagem


musical: o primeiro deles é das crianças, que possivelmente estarão em seus primeiros
contatos com a música – fato que carrega uma enorme importância pois há a possibilidade
de se criar sentimentos duradouros de prazer ou de aversão. O segundo grupo é dos
estudiosos da música propriamente ditos, instrumentistas, intérpretes, compositores e
teóricos acadêmicos que praticam, desenvolvem e refletem sobre atividades no universo
musical. O terceiro grupo é da população em geral, não envolvida diretamente com a

28
produção da música, mas que a aprecia e gostaria de aprender mais a respeito. Os diletantes
podem ou não dominar um instrumento musical, mas não exercem nenhuma atividade
profissional ou de pesquisa aprofundada relacionada à música. A organização proposta é
simples e não pretende abranger todos os casos possíveis, mas será válida para nossas
análises futuras.
Estes três grupos podem manter ligações diversas com os sistemas de educação
formal, não-formal e informal. O posicionamento sócio-econômico dos indivíduos afeta o
acesso às informações presentes nestes sistemas e consequentemente às possibilidades de
engajamento em estudos musicais. Logo os mecanismos utilizados na educação podem
variar proporcionalmente à situação de vida dos aprendizes. No entanto, podemos assinalar
alguns momentos normalmente encontráveis na aprendizagem de cada um dos três grupos.
Os processos de musicalização nas crianças têm o objetivo de, através de jogos e
brincadeiras, desenvolver a sensibilidade e criar as primeiras noções de ritmo. Esse
momento é marcado pela total ausência de preconceitos que possam interferir nos
trabalhos. A experimentação com diferentes fontes sonoras é importante, usando a
curiosidade característica da idade para descobertas nos modos de expressão e no
reconhecimento auditivo das sonoridades. Após este trabalho inicial com os conceitos
básicos existem novas metas para os estudos, usualmente voltadas ao desenvolvimento
técnico em um instrumento musical e para um maior refinamento na apreciação artística.
Nessa fase posterior vários campos compõem a aprendizagem, juntando a prática de
performance com a teoria musical, assim como estudos de composição, arranjo, história e
outros assuntos, em um processo que poderá culminar em uma vida acadêmica dedicada à
música.
Temos então o primeiro grupo de aprendizes musicais – formado por crianças – se
subdividindo nos outros dois: estudiosos e diletantes. Estes últimos, que não se dedicam
seriamente ao estudo da música, mas que procuram uma formação cultural mais
aprofundada, podem desenvolver a arte musical em diferentes situações: como músicos
semi-profissionais, ocasionalmente tocando para públicos abertos; como músicos caseiros,
tocando restritamente para os círculos familiares e amigos; ou simplesmente como
ouvintes, investigando a produção e a história musical. Em muitos casos os diletantes
podem ser considerados iniciantes musicais como as crianças, mas conforme a diferença

29
nas idades, o processo de musicalização poderá ser outro. Os objetivos dos estudos
musicais de cada indivíduo deste grupo podem variar bastante, mas todos têm em comum
um interesse não-profissional pela música, mantendo outras atividades para assegurar sua
remuneração financeira.
Grupos tão distintos e com necessidades tão diversificadas ainda apresentam uma
outra variável a ser considerada – a facilidade musical de cada aluno. Howard Gardner
identificou esta facilidade, em sua teoria das inteligências múltiplas, com o nome de
inteligência musical. Nesta teoria, Gardner (1994) indica evidências de que existem
diversas competências intelectuais humanas relativamente autônomas. Na vida cotidiana,
estas diferentes formas de inteligência trabalham em harmonia, então sua autonomia pode
se tornar invisível. A teoria das inteligências múltiplas visa, na medida do possível, isolar
estas inteligências para demonstrar sua existência.
Na introdução de seu livro Estruturas da Mente, Gardner (1994:9) admite que,
apesar da idéia das inteligências múltiplas ser antiga, ela dificilmente é um fato científico
comprovado e portanto pode apresentar falhas. É apenas uma idéia que o autor considera
merecedora de discussão e análise profunda. No entanto, a noção de inteligência musical
vem de encontro ao nosso objeto de pesquisa e acreditamos que pode contribuir para nossa
investigação.
Além da inteligência musical, os estudos iniciais de Gardner indicam a existência de
outras seis formas de inteligência: lingüística, lógico-matemática, espacial, corporal-
cinestésica, interpessoal e intrapessoal. A inteligência lingüística é o tipo de capacidade
melhor demonstrada pelos poetas. A lógico-matemática é exemplificada pelos cientistas,
assim também, como o nome indica, pelas capacidades lógicas e matemáticas. A espacial se
refere aos indivíduos que têm grande habilidade em formar modelos mentais de um mundo
espacial, como marinheiros, engenheiros, cirurgiões, escultores e pintores. A inteligência
corporal-cinestésica está relacionada à capacidade de resolver problemas ou elaborar
produtos com o próprio corpo, como fazem dançarinos, atletas e artistas performáticos. As
duas últimas inteligências citadas são as pessoais: a interpessoal é a capacidade de
compreender os outros, assim como fazem bons vendedores, políticos, professores e líderes
religiosos; a intrapessoal tem o mesmo conceito voltado para dentro do próprio indivíduo,
ou seja, a capacidade de compreender suas próprias motivações, sentimentos e emoções.

30
Outras possíveis inteligências posteriormente foram discutidas, a mais proeminente sendo a
emocional7, permanecendo o campo aberto à polêmicas e especulações.
A tentativa de Gardner em demonstrar a inteligência musical envolve uma discussão
no sentido de contextualizar o problema. Uma série de variáveis devem ser consideradas na
análise de habilidades musicais, a começar pelo ambiente cultural em questão, já que “a
extensão na qual o talento é expresso publicamente dependerá do meio no qual se vive”
(Gardner, 1994: 79). Em várias regiões do planeta o desenvolvimento musical é
extremamente valorizado, estimulando a sensibilidade das crianças desde muito cedo, em
alguns lugares desde a primeira semana de vida. Exemplos deste caso podem ser
encontrados na África, enquanto que em países como China, Japão e Hungria espera-se que
todos as crianças sejam proficientes em canto e, se possível, em instrumentos musicais
(Gardner, 1994: 86). Há uma consideração também em relação aos diversos papéis que os
indivíduos podem assumir frente à música, em uma referência aos grupos colocados
anteriormente – crianças, estudiosos e diletantes. É sugerida uma “hierarquia de
dificuldades” nestes papéis, onde os trabalhos de interpretação musical exigiriam mais do
que a audição, e os trabalhos de composição musical exigiriam mais do que os de
interpretação. Ou seja, os estudiosos envolvidos com a composição possivelmente
enfrentariam mais dificuldades do que aqueles que interpretam, e os diletantes que
executam algum instrumento musical teriam mais problemas do que os meros ouvintes. É
colocado, por último, que certos tipos de música, como as chamadas “formas eruditas”,
seriam menos acessíveis do que outros, como as formas folclóricas e populares.
A relação entre a música, o sujeito e o meio no qual ele vive é vital para se
compreender as habilidades ou facilidades musicais demonstradas. Na observação de uma
situação educacional propícia, em que um grande número de crianças desenvolve alto grau
de musicalidade, surge a idéia de que “a aquisição musical não é estritamente um reflexo de
habilidade inata, mas é suscetível a estímulo e treinamento cultural” (Gardner, 1994: 88).
No entanto, Gardner afirma que “se houvesse qualquer área de conquista humana na qual
valesse a pena ter um background genético profuso ou adequado, a música seria um
competidor formidável” (p.88). O autor assinala que em certas famílias há uma

7
Goleman, Daniel. (1996). Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser
inteligente. São Paulo: Editora Objetiva.

31
continuidade artística – Bach, Mozart e Haydn são exemplos – e coloca que
“provavelmente uma linha de evidência mais persuasiva venha de crianças que, na ausência
de um ambiente familiar hospitaleiro apresentam-se inicialmente como capazes de cantar
muito bem, reconhecer e lembrar de inúmeras melodias, tirar de ouvido num piano ou em
outro instrumento” (p.88).
A despeito da discussão sobre a natureza genética das habilidades musicais, indícios
de ordem neurológica apontam para aptidões musicais independentes. Embora Gardner
considere a tentação de estabelecer analogias entre a música e a linguagem humana, seus
estudos sobre atividades cerebrais indicam que as tarefas envolvidas nestas áreas (e em
outras) utilizam diferentes partes do cérebro. Enquanto as capacidades lingüísticas são
usualmente localizadas no hemisfério esquerdo, as musicais situam-se no lado direito.
Diversas análises de indivíduos que tiveram danos cerebrais também são reveladores: há
exemplos de pessoas que se tornaram afásicas, tendo problemas para compreender o que
outros dizem e para expressar seus próprios pensamentos, mas mantém sua capacidade
musical intacta, conseguindo identificar peças musicais e se expressar através de um
instrumento musical. Em outros casos sujeitos perdem a capacidade de ler palavras mas
ainda podem decifrar notação musical, sugerindo que símbolos de representação verbais e
musicais são processados pelo sistema nervoso de diferentes formas (Gardner, 1999a: 276-
8). Todos estes fatos são fortes argumentos para sustentar a afirmação de que existe uma
inteligência musical autônoma em relação aos outros tipos de inteligência.
Além de danos cerebrais, talentos musicais incomuns também foram pesquisados.
Wolfgang Amadeus Mozart foi o centro de uma série de estudos sobre prodígios musicais
realizados por Gardner (1999a: 301-8; 1999b: 167-76), discutindo a natureza de suas
capacidades. Porém, ao invés de opor fatores genéticos e neurológicos aos fatores de
ambientação cultural envolvidos, o autor coloca a combinação de todos estes como uma
possível explicação para as grandes facilidades de aprendizagem.
As implicações educacionais da teoria das inteligências múltiplas, sob a visão de
Gardner, estariam na possibilidade de identificar o perfil intelectual de um indivíduo e
direcionar seu aprendizado no sentido de aumentar suas oportunidades. As capacidades
relacionadas à cada uma das inteligências poderiam ser usadas como meios para adquirir
informações, mesmo que estas informações sejam destinadas à outras capacidades. Por

32
exemplo, se aprendemos a calcular, mesmo que o meio de transmissão seja de natureza
lingüística, o conhecimento a ser adquirido é matemático. Assim, é possível afirmar que
“nossas várias competências intelectuais podem tanto servir como meios quanto como
mensagens, como forma e como conteúdo” (Gardner, 1994: 255).
Diversas pesquisas, muitas das quais desenvolvidas pelo Projeto Zero – organização
dirigida por Gardner na Universidade de Havard – vêm investigando o uso da música nas
escolas regulares para estimular outras inteligências, dando origem ao termo “Mozart
effect”8. Esta idéia supõe que, após escutar uma sonata de Mozart, os alunos melhoram suas
capacidades espaciais, comprovadas em testes como a realização mental da rotação e da
comparação de objetos no espaço. Outros testes concluem que meses ou anos de lições de
piano também contribuem para um melhor desempenho em raciocínios espaciais e para o
aprendizado de línguas. Os pesquisadores ainda debatem se o tipo de música é um fator
diferencial, já que resultados mostram que com a escuta de Mozart, Schubert e
Mendelssohn os alunos obtém um desempenho melhor do que com outros estilos, como o
rock ou a música minimalista. Porém, o importante é a constatação de que o
desenvolvimento de uma capacidade gera conseqüências em outras capacidades.
Para a aprendizagem musical, e em especial para determinar planos de auto-
aprendizagem, os indivíduos devem considerar todas as suas habilidades intelectuais para
reconhecer quais meios serão mais efetivos. Para transmitir informações sobre música,
além da inteligência musical, outras inteligências podem ser utilizadas. Por exemplo,
podemos ler livros ou ouvir uma palestra (lingüística), estudar gráficos que representam
sons (espacial) ou relações matemáticas nas escalas musicais (lógico-matemática). E, em
especial, pode-se destacar a importância das inteligências pessoais. A intrapessoal é exigida
quando o aprendiz procura conectar suas emoções e estados de espírito à música que ele
estuda, seja para apreciar a interpretação de outros ou para enriquecer a sua própria. A
sensibilidade interpessoal pode ser tão importante quanto as habilidades técnicas
trabalhadas no aprendizado de instrumentos musicais. De nada adianta a destreza se o
aprendiz não consegue interagir com o mundo. A prática musical usualmente requer algum
tipo de interação, seja entre músicos, entre o músico e uma platéia ou entre o músico e

8
“Debating the Mozart Theory”, artigo de Roberta Hershenson. New York Times (www.nyt.com), 6/8/2000.

33
aparatos tecnológicos. O sujeito que não possui as habilidades interpessoais necessárias terá
dificuldades em negociar estas interações.
Devemos reconhecer a importância da música na formação da personalidade dos
indivíduos, principalmente entre os jovens. Perceber e valorizar as músicas que são
usualmente encontradas entre os adolescentes é uma vantagem, pois assim podemos
compreender melhor as relações entre grupos de diferentes faixas etárias e as razões para o
privilégio de certos estilos musicais em detrimento de outros.

“A música, de acordo com os sociologistas, é um aspecto da organização em grupos. É em seus


grupos que os adolescentes aprendem as regras do jogo social (‘obtém competência no domínio
interpessoal’) e desenvolvem identidade sexual e posicionamentos sociais; é nos grupos que eles
aprendem como tratar publicamente de seus sentimentos privados. Em termos sociológicos, todos
os adolescentes têm estes problemas, todos os adolescentes passam por grupos, todos os
adolescentes usam a música como um distintivo e um ambiente, uma forma de identificar e
articular emoção. (...) Quaisquer sejam as diferenças materiais entre os jovens, eles ainda têm
mais problemas em comum entre si do que com os adultos de sua mesma classe e sexo – daí a
ressonância da música rock, um som de interesse para todos os jovens, como os números de
vendagens [de discos] demonstram” (Frith, 1981: 217).

Chegamos então a um ponto de interação entre a categoria da auto-aprendizagem e a


da inteligência musical quando detectamos alguns problemas na auto-aprendizagem
musical: o aluno que aprender sozinho e continuar sozinho terá problemas em expressar sua
musicalidade, o que pode eventualmente levar a um “congelamento” de suas capacidades.
O receio de interagir em apresentações públicas ou de fazer uma apreciação crítica sobre a
própria performance podem ser conseqüências de um possível isolamento causado por
questões de ordem interpessoal. Quando o aprendiz decifra os códigos da música sem
nenhuma orientação externa direta, ele mesmo assume a tarefa de reconhecer as situações
em que pode desenvolver suas interações com o mundo. Nos processos educacionais em
que há um professor fisicamente presente, a contribuição desta figura para desenvolver os
aspectos interpessoais é evidente. Se não há um professor para interagir, o aprendiz
usualmente elege modelos que irão servir como referência, seja em comportamentos ou
direcionamentos musicais.

34
Neste sentido, podemos afirmar que a auto-aprendizagem envolve de algum modo a
presença de “mestres”. São os modelos observados pelos aprendizes, que podem ser, por
exemplo, os educadores / produtores que organizam materiais educativos, os artistas que o
aprendiz admira ou uma obra-prima – como pretende Snyders – que serve de alvo para
imitações. A definição deste “mestre” acontece na escolha dos meios e conteúdos utilizados
no auto-aprendizado. O processo ocorre então como uma reconstrução das informações
procuradas nestes modelos.

“normalmente reconstruímos conhecimento, porque partimos do que já conhecemos,


aprendemos do que já está disponível na cultura; a construção do conhecimento também pode
ocorrer, mas é um passo de originalidade acentuada, dificilmente aplicável ao dia-a-dia” (Demo,
2001: 8).

A reconstrução do conhecimento pode se dar de diversas maneiras, envolvendo


diferentes capacidades intelectuais. Em nossa pesquisa, destacaremos as várias alternativas
de acesso à informação oferecidas na auto-aprendizagem e iremos demonstrar que uma
maior individualização nos processos de aprendizado, possibilitada ou ampliada pela
tecnologia, contribui imensamente para que um direcionamento educacional guiado pelas
inteligências múltiplas possa ocorrer.

35
CAPÍTULO 2 – TECNOLOGIA E MÚSICA

2.1 Um pouco de história

“Sem a tecnologia, a música popular não existiria em sua presente forma” (Jones, 1992 : 1).

Podemos estender a afirmação acima à praticamente todas as formas de


manifestação musical encontradas no mundo moderno. O desenvolvimento tecnológico
sempre teve ampla influência na música, seja nos seus mecanismos de produção,
distribuição, ou mesmo em seus estilos e tendências. Qualquer indivíduo relacionado à
música é invariavelmente requisitado a um envolvimento com a tecnologia, travando
contato com um linguajar que se estende desde o mero manuseio de um aparelho de som
(com termos como equalizador, rádio FM e AM, e palavras em inglês como play, dubbing e
loudness) até ao funcionamento de complexos processadores digitais de som (utilizando
palavras como decibel, bias, compressor e noise gate). Chegamos a este estágio através de
uma história tecnológica que se confunde com o percurso traçado pela própria música,
culminando com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e com a criação
do complexo sistema da indústria fonográfica.
Costuma-se dizer que a história da música é tão antiga quanto a humanidade, mas o
fato é que os primeiros fenômenos musicais se evaporaram sem um registro documentado.
Logo, apesar de não podermos precisar o momento exato de seu surgimento, não é difícil
imaginar o homem Neandertal brincando com a descoberta de novas sonoridades ao acaso.
Segundo Dearling (1996), os primórdios do que podemos chamar de música estão nas
vocalizações – gritos – em que o homem primitivo chegou a diferentes notas, após o
reconhecimento de sons característicos de cada mensagem que tencionava comunicar. Nas
festividades comemorativas, somam-se aos cantos e gritos o estampido do bater de palmas,
assim como a sonoridade extraída de várias partes corporais. É possível que o ritmo
advindo do corpo tenha sido imitado pelo primeiro “instrumentista”, percutindo um tronco
com pedaços de madeira, criando dessa forma o primeiro instrumento musical.

36
A partir daquele instante começava a saga de aprimoramento dos instrumentos, e
percebemos o primeiro efeito real de uma tecnologia mais refinada no aperfeiçoamento dos
mesmos, através da melhoria técnica dos luthiers9 – nome dado aos fabricantes artesanais
de instrumentos – que desenvolviam trabalhos na madeira para chegar a resultados sonoros
mais satisfatórios. Antonio Stradivari (1644-1737) é considerado o expoente máximo desta
arte. Sua produção resultou em mais de mil instrumentos, dos quais atualmente se
conhecem aproximadamente 400 violinos, 16 violas e 39 violoncelos. A importância de
Stradivari está não somente na sua enorme habilidade manual e na sua acertada escolha de
madeiras, mas também nas modificações feitas por ele no desenho dos instrumentos
(UNICEF, 1976).
A tecnologia obteve grande significado na música quando a eletricidade foi adotada
pelos inventores musicais, a quem podemos chamar de luthiers do nosso tempo. Embora
seu trabalho fosse de uma natureza completamente distinta, o objetivo dos pesquisadores do
século XX também era o de aperfeiçoar instrumentos musicais com a aplicação do
conhecimento. Suas ferramentas conceituais, além de considerar os aspectos acústicos dos
instrumentos, incluem as inovações tecnológicas da época. Muitas vezes deste esforço
resultam criações com características totalmente novas. Dessa forma, como foi colocado
por Iazzetta (1997), o papel dos luthiers, que tradicionalmente pouco tinha a ver com o
processo de composição ou interpretação, passou a se mesclar com essas atividades.
Podemos citar exemplos que datam do início do século XX. A notícia de um dos
primeiros instrumentos baseados no uso da eletricidade, o Dynamophone ou
Telharmonium, construído por Thaddeus Cahill, chegou à imprensa em 1906. Segundo
Dearling (1996), a invenção não foi então valorizada por estar a frente de seu tempo, mas
anos mais tarde outros pesquisadores retomaram muitas idéias introduzidas por este
aparelho. O primeiro instrumento eletrônico a ser fabricado em série, o Theremin, seria
apresentado pelo russo Leon Theremin em 1920 e comercializado pela RCA a partir de
1929. O Theremin seria posteriormente resgatado por bandas de rock. Ele pode ser
observado no filme “The Song Remains the Same”, do grupo Led Zeppelin, na década de
70; e no Brasil, com o grupo Pato Fu, que o utilizou em 2001 para a gravação da faixa

9
O termo “lutherie” inicialmente era utilizado para designar somente a construção de instrumentos de arco,
como o violino e o violoncelo. Atualmente seu uso popularizou-se para todas as famílias de instrumentos.

37
“Eu”. O vídeo promocional desta música mostra a performance do instrumento e representa
um episódio verídico: o seqüestro de Leon Theremin pela KGB para que desenvolvesse
equipamentos para a inteligência russa.10
Porém, todas as tentativas de lucrar financeiramente com aqueles aparelhos
musicais na época em que surgiram foram em vão. O primeiro instrumento eletrônico a
alcançar sucesso comercial foi o órgão Hammond, desenvolvido por Laurens Hammond e
introduzido no mercado em 1935. “Por muitos anos, as pessoas falavam ‘Hammond’
quando queriam dizer ‘órgão eletrônico” (Chadabe, 1997: 13).
Posteriormente, outros experimentos surgiram e diversos instrumentos
tradicionalmente acústicos seriam eletrificados, como o piano, o órgão, a guitarra e o
violino. Um dos novos recursos a destacar-se era o da amplificação, que permitia a
produção de uma maior intensidade sonora e em conseqüência um alcance para audiências
mais numerosas. Dessa forma, a música passou dos pequenos ambientes aos grandes bailes
e chegou aos megaconcertos da atualidade. Também surgia a possibilidade de distorções
controladas e alterações dos timbres, que criavam opções para novas sonoridades. Shuker
(1998) assinalou que, embora a amplificação tenha sido responsável por novos
instrumentos musicais, como a guitarra elétrica, e por novos estilos, como o blues elétrico,
a não-amplificação é muitas vezes associada à uma ideologia de autenticidade. A discussão
relacionada ao que é autêntico iria, mais tarde, colocar em oposição os conceitos de
comercialismo e criatividade, em que muitas vezes a amplificação seria ligada ao valor
unicamente comercial da música.
Dearling (1996) considera que a inovação tecnológica de maior destaque para a
evolução da eletrônica na música foi o telefone, criado por Alexander Graham Bell, em
1876. Ela comprovou que o som poderia ser transformado em sinais elétricos e vice-versa,
estreitando a relação entre tecnologia e arte e abrindo caminhos para a gravação do som e
para os meios de comunicação de massa.

10
“Clipe do Pato Fu traz som do Theremin”, Folha de São Paulo, cad. Folhateen, 14 de maio de 2001, p. 8.

38
2.2 O Registro do Som

A história da gravação sonora começa em Julho de 1877, quando Thomas Edison


patenteou o fonógrafo, o primeiro aparelho que registrava e tocava o som gravado, usando
folhas de estanho sobre um cilindro como o meio no qual sulcos eram cortados por uma
agulha. Chamado inicialmente de talking machine (ou máquina falante), o uso imediato
previsto para aquele aparato era gravar a voz humana, e não música. Apesar do sucesso que
o fonógrafo rapidamente conquistou, alguns problemas limitavam a sua popularidade: a
falta de fidelidade, seu limite de freqüência e a pequena quantidade de gravações
disponíveis. No Brasil, a primeira demonstração do fonógrafo ocorreu em 1879, em Porto
Alegre, apenas dois anos após a sua invenção (Tinhorão, 1981).
O próximo degrau evolutivo foi galgado por um rival de Edison: Alexander Graham
Bell. Com o auxílio de seu irmão Chichester e do professor Charles Sumner Tainter, Bell
patenteou, em 1886, o grafofone. A principal diferença em relação ao fonógrafo estava no
sistema de registro, que utilizava papelão recoberto com cera ao invés das folhas de
estanho. Também havia um sistema que amplificava a reprodução através de um jato de ar
comprimido, assim como um mecanismo que permitia que o cilindro fosse acionado em
rotações diversas. O grafofone estimulou Edison a aperfeiçoar o fonógrafo, e em 1889 um
novo modelo era apresentado na Exposição Universal de Paris. Esta outra versão do
aparelho foi utilizada pela primeira vez no Brasil naquele mesmo ano de 1889, em uma
sessão demonstrativa que contou, entre outros, com a presença do Imperador Dom Pedro II
e de sua filha Princesa Isabel (Tinhorão, 1981).
Em 1888 o alemão Émile Berliner criou o gramofone, registrando o som em discos
metálicos. A principal inovação do novo sistema era a possibilidade de duplicar os discos a
partir de uma “master”, ou seja, determinado material precisava apenas de uma gravação –
as cópias seguintes seriam tiradas daquele primeiro molde.

“O processo de duplicação de Berliner abriu o caminho para a música gravada como nós a
conhecemos agora, em que permitiu que a mesma performance fosse transferida economicamente
e com pouca ou nenhuma perda de fidelidade para centenas e milhares de discos” (Jones, 1992:
25).

39
Ao gramofone é atribuído o primeiro contato dos indígenas brasileiros com os
ritmos urbanos da era do disco.11 Mais tarde, surgiriam as gravações magnéticas,
conseguidas por Graham Bell entre 1879 e 1885 mas viabilizadas de fato pelo inventor
dinamarquês Valdemar Poulsen em 1898. O uso da fita magnética, aperfeiçoado em vários
aspectos, foi o principal sistema de gravação sonora utilizado até recentemente, quando a
gravação digital difundiu-se (Jones, 1992).
Os sistemas de gravação e reprodução sonora mantiveram uma evolução constante
durante o século XX, criando novas vias de acesso à produção musical. Durante a década
de 20, o fonógrafo acústico se tornou elétrico, e no final dos anos 40, com o processo de
microssulcos desenvolvido pela Columbia Records e pela RCA, surgia o disco moderno
(LP). Até aquele momento, os discos de 78 rpm (rotações por minuto) eram o padrão, com
um tempo máximo de gravação de 3 minutos em cada lado. Com o LP de 33 ½ rpm, esta
duração aumentou para 23 minutos. Também existiam discos de 45 rpm, com a duração de
4 minutos em cada lado.
Em 1963 a Philips Company introduziu a fita cassete, e em 1977 o CD (Compact
Disc) chegava ao mercado, anunciando o início da era digital. O CD possibilitava a
gravação de 74 minutos em uma única superfície, permitindo a execução de obras longas
sem interrupções. Outros formatos utilizando sistemas digitais foram posteriormente
criados, como o DAT (Digital Audio Tape) em 1987, o DCC (Digital Compact Cassette) e
o MD (Mini Disc) em 1991, mas nenhum destes obteve sucesso suficiente de modo a
competir com o CD.12
Anteriormente ao surgimento dos meios de gravação, a única forma de registro e
transmissão de composições musicais era a escrita, através de cópias de partituras feitas à
mão, individualmente. Este processo exigia um longo tempo de aprendizagem e execução.
A interpretação das notas colocadas sobre o papel poderia tomar corpo em diferentes
formas, construídas pelo músico interpretando a música tanto quanto pelo compositor que a
escreveu. Zampronha (2000) diz que “a notação não é música. Ela é considerada um mero
recurso através do qual a música é registrada e comunicada, mas é fundamentalmente

11
“A Música na Literartura, segundo Tinhorão”, O Estado de São Paulo, caderno 2, 30 de setembro de 2000,
p. D-11.
12
Steve Jones, no livro Rock Formation - Music, Technology, and Mass Communication (1992), apresenta um
excelente tratado sobre a história dos meios de gravação do som. Não é nosso intuito aprofundar-se neste
campo aqui, mas sim contextualizar o surgimento das fontes de informação musical.

40
distinta e separada dela” e que neste processo “a música como objeto real é codificada por
um outro sistema, que é a escrita” (p.21).
Esta distinção entre notação musical e música não significa que não houveram
influências mútuas entre ambas. Muito pelo contrário, o surgimento da notação foi de
extrema importância para a história da música, como foi pesquisado e demonstrado por
Weber.

“Caso se pergunte pelas condições específicas do desenvolvimento da música ocidental, então


trata-se, antes de mais nada, da invenção da nossa moderna notação musical. Uma notação desta
espécie é, para a existência de uma música tal como a que possuímos, de importância muito mais
fundamental do que, digamos, a espécie de escrita fonética para a existência das formas artísticas
lingüísticas. (...) uma obra de arte musical moderna, por menos complicada que seja, não poderia
ser produzida, nem transmitida, nem reproduzida sem os meios de nossa notação: sem ela uma
obra musical moderna não pode em geral existir em lugar algum e de nenhuma maneira, nem
mesmo como uma propriedade interna de seu criador” (Weber, 1995: 119).

Um exemplo nítido das “condições específicas” a que Weber se refere é a formação


da música polivocal como a conhecemos hoje. Se, por um lado, “a recepção da
polivocalidade no canto dos mosteiros, e com isso também sua elevação a objeto de teoria,
sem dúvida aumentou o estímulo à criação de signos sonoros mais claros e mais fáceis de
compreender” (Weber,1995: 121); por outro, “somente a elevação da música polivocal à
condição de uma arte escrita produziu então os verdadeiros ‘compositores’, e assegurou às
criações polifônicas do Ocidente, em oposição àquela de outros povos, duração,
repercussão e desenvolvimento continuado” (Weber, 1995: 123).
Somente estas afirmações seriam suficientes para justificar críticas à uma proposta
de separação entre notação musical e música. No entanto, devemos reconhecer os limites da
notação na transmissão precisa de informações musicais, e esta inexatidão é um fator
importante nos processos de aprendizagem musical. A música criada por um determinado
compositor, quando colocada em partitura para ser executada por outros músicos, sempre
passará por transformações decorrentes da interpretação. Stravinsky (1996) destaca a
importância do talento do intérprete:

41
“Costuma-se achar que o que é colocado diante do músico é a música escrita onde a vontade do
compositor está explícita e facilmente discernível a partir de um texto corretamente estabelecido.
Porém, por mais que seja escrupulosa a notação de uma peça musical, por mais cuidado que se
tome contra qualquer ambigüidade possível, utilizando as indicações de andamento, nuances,
fraseado, acentuação e assim por diante, ela sempre contém elementos ocultos que escapam a
uma definição precisa, pois a dialética verbal é impotente para definir a dialética musical em sua
totalidade. A realização desses elementos é, assim, uma questão de experiência e intuição; em
suma, do talento daquele a quem cabe apresentar uma obra” (Stravinsky, 1996: 112).

Copland (1939) confirma as limitações da música escrita e, expandindo a idéia


de talento interpretativo, assinala a existência de uma inteligência musical:

“Notação musical, assim como existe hoje, não é uma transcrição exata dos pensamentos do
compositor. Não pode ser, pois é muito vaga; ela permite uma liberdade muito grande em
questões individuais de gostos e escolhas. Por causa disto, o intérprete é sempre confrontado com
o problema de como é esperado dele colocar-se frente a página escrita. Compositores são apenas
humanos – são conhecidos por escrever notas de forma inexata, por relevar omissões
importantes. Também são conhecidos por mudar suas opiniões em relação à suas próprias
indicações de tempo e dinâmica. Intérpretes, portanto, devem usar sua inteligência musical diante
da página escrita. Existe, é claro, a possibilidade de exageros em ambas as direções – manter-se
muito fiel às notas ou desviar-se para muito longe delas. O problema seria resolvido, até um certo
ponto, se existisse uma forma mais exata de escrever uma composição. Mas, mesmo assim, a
música ainda estaria aberta à um número de diferentes interpretações” (Copland, 1939: 160).

Aaron Copland utilizou a expressão “inteligência musical” mais de quarenta anos


antes de Howard Gardner definir a sua teoria das múltiplas inteligências. Podemos deduzir,
a partir da citação acima, que esta inteligência serve como um complemento na
interpretação da página escrita e, para que os resultados sejam satisfatórios, que o intérprete
deve possuir tal competência como condição pré-existente. A capacidade interpretativa do
instrumentista será parte atuante do processo de reconstrução da música colocada sobre o
papel.
Neste ponto, chegamos a um possível obstáculo se pensamos na auto-aprendizagem
musical. Para o aprendiz que procura sua formação musical, uma partitura fora de um
contexto oferece apenas notas escritas, que não necessariamente servirão de auxílio para

42
desenvolver e instigar sua inteligência musical. A escrita não proporciona informações
suficientes para que seja trabalhada a dinâmica, a expressividade de cada nota ou a ênfase
que confere diferentes texturas à música. Mesmo que existissem formas mais exatas de
escrever música, a interpretação ainda não estaria totalmente confinada na notação e o
aprendiz ainda teria que evoluir em sua musicalidade e sua capacidade de interpretar.
Com o surgimento da gravação sonora, há a possibilidade de transmitir não somente
as notas musicais, mas também modos de interpretação. A partir do instante em que o
compositor pode, além de escrever a partitura, também determinar a sonoridade e as
nuanças da interpretação, seu controle sobre sua obra intensificou-se. Aqui destacamos a
distinção entre som e música, pois “notação musical, partituras, nos permitem capturar
[apenas] música. A gravação nos permite capturar som” (Jones,1992:52). Ou seja, a
notação musical é um conjunto de informações sobre como criar sons, enquanto que a
gravação registra o próprio som. A música pode ser transposta à partitura através de uma
escrita convencionada, mas que não define exatamente todos os elementos que compõe o
que chamamos de som. Esta distinção entre som e música, principalmente dentro do âmbito
popular, é exemplificada pela maneira como muitos músicos aprendem a arte, copiando a
sonoridade e tentando emular as performances contidas em gravações. Diversos músicos
não sabem ler partituras e não sentem falta de tal habilidade, pois conseguem aprender a
partir do som, sem necessariamente dominar os códigos técnicos da música.
Além da gravação sonora, o surgimento de outros aparatos tecnológicos baseados na
digitalização da informação também teve grande importância nas formas de lidar com a
música. Pierre Lévy, ao destacar as mudanças que estas tecnologias causaram nas técnicas
de criação do som, da imagem, dos programas e dos textos, colocou que “a prática musical
foi profundamente transformada pelo trio: seqüenciador, sampler, sintetizador” (Lévy,
1993: 104). Estes equipamentos permitem ao músico atuar sozinho na reprodução de uma
orquestra inteira, formando os chamados estúdios digitais, que combinam as funções de
composição, execução e processamento em estúdio multicanal.
Embora recursos de tal natureza representassem um grande avanço, especialmente
para os compositores, que poderiam ouvir o resultado de seus trabalhos sem depender dos
intérpretes, a assimilação dos estúdios digitais foi difícil para muitos músicos, pois havia
uma ameaça ao posto dos instrumentistas acústicos tradicionais. Tornou-se um clichê dizer

43
que as máquinas não reclamam dos salários ou das horas de trabalho. O teclado eletrônico,
peça central do estúdio digital, solidificou-se como um grande símbolo da música moderna,
pois “sua presença ubíqua prontamente demonstra a aplicação da tecnologia do século vinte
para propósitos musicais” (Hunt e Kirk, 1997: 152).
O seqüenciador, apesar de não ser propriamente um método de gravação do som,
permite o armazenamento de informações musicais. Nele são registrados sinais que
controlam sintetizadores (ou qualquer outro aparelho que responda àqueles sinais),
fazendo-os cumprir uma determinada tarefa, como executar uma nota, utilizando um timbre
escolhido, com um certo volume, ataque e duração. Os sintetizadores, como o nome sugere,
têm a capacidade de sintetizar sons, e assim oferecem um controle enorme sobre timbres. É
possível interpretar a mesma partitura com sons tão variados como o de um violino, uma
flauta ou um tambor africano. Já o sampler permite gravar um timbre e reproduzi-lo em
qualquer altura, ampliando as possibilidades do sintetizador ao infinito. Por exemplo,
podemos registrar um determinado som, como o choro de uma criança ou a freada brusca
de um automóvel, depois inseri-lo em um sintetizador, e mesclar o resultado com um
timbre de piano. Todas essas inovações representam, para a maior parte dos observadores,
“uma ruptura comparável à da invenção da notação ou ao surgimento do disco” (Lévy,
1993: 106).
O uso de seqüenciadores tornou-se comum a partir do estabelecimento da
linguagem MIDI (Musical Instrument Digital Interface) em 1982. O MIDI é uma
padronização mundial que permite que instrumentos eletrônicos, seqüenciadores e
computadores comuniquem-se entre si, compreendendo as informações musicais traduzidas
em valores numéricos.13 Até aquele momento, a utilização do seqüenciador ocorria através
do envio de comandos de sinais de voltagem, sem um padrão unificado, dificultando a
comunicação entre aparelhos produzidos por empresas diferentes. Além de facilitar o
emprego de seqüenciadores, com o MIDI temos as primeiras situações de colocação prática
de computadores na música. Atualmente existem softwares que possibilitam realizar
gravações diretamente no disco rígido dos computadores, registrando tanto a linguagem

13
As principais informações controladas pelo MIDI são: intensidade e altura da nota, volume, estéreo,
mudança de timbre, mudança de canais, pressão do toque, efeitos de variação de nota, entre outros. O termo
MIDI também se refere a um formato de arquivo digital (geralmente com a extensão .MID), amplamente
utilizado na Internet para distribuir música instrumental. Não é possível usar o MIDI para transmitir vocais ou
áudio não musical.

44
MIDI quanto o som real, entre várias outras tarefas, como por exemplo programas de
notação que transformam em escrita musical as peças executadas em um instrumento
eletrônico conectado ao computador.
O surgimento de novos meios de gravação e a subseqüente queda dos preços dos
mesmos possibilitaram a aparição de estúdios caseiros, onde os músicos podiam realizar
experiências e compor sem a pressão dos altos custos dos grandes estúdios. Segundo Jones,

“as gravações caseiras mudaram a economia das gravações. (...)As oportunidades para trabalhos
de gravação profissional são maiores do que jamais foram, em grande parte graças à proliferação
de tecnologias de gravação em preços módicos. Antes do final dos anos 60 apenas as gravadoras
possuíam estúdios de gravação, porque eram os únicos que conseguiam recuperar o investimento
necessário em equipamentos” (Jones, 1992:142).

Muitos professores de música utilizam os estúdios caseiros para criar metodologias


de ensino, produzindo gravações que servem de acompanhamento para os alunos, ou
compondo exemplos práticos de tarefas que eles devem realizar. À medida que os
equipamentos eletrônicos se tornam economicamente viáveis eles também se integram na
realidade prática dos aprendizes, e sua aplicação em processos de auto-aprendizagem se
torna progressivamente mais acessível e simples. A partir de meados da década de 90 já era
comum que muitas empresas fabricantes de teclados incluíssem seqüenciadores em seus
sintetizadores, oferecendo avançadas workstations, ou estações de trabalho digitais, que são
capazes de realizar produções completas como pequenos estúdios. Dessa forma, é possível
que um aprendiz iniciante tenha ao seu alcance, sob um baixo custo, equipamentos tão
sofisticados como aqueles anteriormente utilizados somente por músicos profissionais.

2.3 Meios de Comunicação

A propagação dos veículos de comunicação de massa teve grande importância na


divulgação da música e de conhecimentos sobre a estética musical. O rádio e a televisão
promoveram a música, ultrapassando seu papel em ações no campo político ou social, e

45
atuaram como transmissores de ritmos e estilos para o grande público. Tiveram assim um
aspecto educativo (apesar de despertar discussões sobre a qualidade do ensino) e através do
espírito de consumo, pregado pela ondas e captado pelas antenas, instigaram a audiência a
comprar seus discos e artistas.
A radiofonia, inaugurada oficialmente nos EUA em 1920 e no Brasil dois anos mais
tarde, foi o primeiro veículo a mobilizar grandes massas através da música. Tinhorão
(1981) escreveu um detalhado relato da história do rádio no Brasil, observando os
programas de calouros e o fenômeno dos auditórios, quando o povo esteve presente tanto
nos palcos como na platéia. Como resultado desta história tivemos o surgimento de grandes
nomes da música popular, que foram promovidos a celebridades e cultuados por
verdadeiras legiões de seguidores.
A imagem do artista produtor da música ganhou uma nova dimensão a partir da
figura do ídolo, central em diversos estilos musicais da segunda metade do século XX. A
valorização e a conceituação do músico não mais se daria somente pela sua produção
artística, mas também pela sua conduta fora do campo musical, pela sua imagem física,
pelo seu posicionamento político ou através de criações de marketing. A aparição da
tecnologia das comunicações marcou uma acentuação do envolvimento da música com
assuntos anteriormente distantes, inserindo estes novos valores na apreciação dos músicos,
e estimulando o aumento de amadores com esperanças de serem “descobertos” como novos
talentos.
A televisão, inaugurada no Brasil em Setembro de 1950, estabeleceu aqui os
padrões culturais americanos, formatou os gostos populares para o consumo e aguçou os
sonhos de riqueza da audiência. Assim, “a única música admitida na televisão passou a ser,
logicamente, a mais capaz de expressar esse ideal de ascensão econômico-social da nova
classe média urbano-industrial, ou seja, a música estrangeira em moda no momento”
(Tinhorão, 1981: 174). Invariavelmente, a música em moda era a americana, em especial o
rock.
O rock’n’roll surgiu nos Estados Unidos, em meados da década de 50, se firmando
como um estilo musical voltado ao consumo e à exploração da imagem, e utilizando os
meios tecnológicos como principal via de expansão. Coincidentemente, a televisão surgiu

46
na mesma época, e “foi rápida em agarrar as oportunidades comerciais oferecidas pelo
emergente mercado da cultura jovem dos anos 50” (Shuker, 1998: 299).

“A televisão trouxe e ainda traz o rock para adolescentes em suas casas - Elvis Presley e os
Beatles no ‘Ed Sullivan Show’, o ‘American Bandstand’ de Dick Clark, e, atualmente, a MTV. O
rádio transistorizado portátil, e depois o toca-fitas portátil, deram aos adolescentes a oportunidade
de ouvir suas canções favoritas na privacidade de seus quartos, na escola, ou nas ruas. O disco 45
rpm permitiu que os jovens comprassem os últimos sucessos e dominou as vendas de rock até os
anos 60, quando a geração ‘baby-boom’ cresceu e podia comprar um LP” (Szatmary, 1996: xii).

Percebemos, a partir da observação do surgimento do rádio e a televisão, como os


meios de acesso à informação condicionam os modos de apreciação da música.
Determinam quando e onde podemos ouvi-la, em que situações e que uso fazemos dela. O
fonógrafo e o gramofone, pesados e de difícil locomoção, restringiam seu uso a ambientes
pequenos por sua baixa intensidade sonora. Com a miniaturização dos dispositivos que
formam um aparelho de reprodução musical, temos uma portabilidade irrestrita e um
crescente aumento da potência sonora. O rádio possibilitou que tivéssemos música dentro
dos carros; com a fita cassete, podemos determinar o que iremos ouvir; e com o walkman,
podemos transportar a música para qualquer lugar. Com estes novos meios é possível
acrescentar música à atividades em que antes permanecíamos no silêncio. A enorme
intensidade sonora produzida pelos aparelhos modernos permite a presença da música em
grandes ambientes, alcançando um número maior de ouvintes. A tecnologia desenvolveu-se
a tal ponto que, além de participar na produção e disseminação da música, passou a fazer
parte integrante do cotidiano musical dos indivíduos.
Zan (1997) observou como os músicos de rock aproveitaram a tecnologia que
surgia:

“...o músico de rock soube como nenhum outro incorporar os equipamentos eletrônicos às suas
performances. A ampliação excessiva tanto das vozes como dos instrumentos, combinada com as
técnicas de equalização de freqüências, permitem que microfones, amplificadores e alto-falantes
sejam utilizados não apenas como meios de potencialização dos sons das diversas fontes mas
como verdadeiros instrumentos” (Zan, 1997: 183).

47
Garofalo (1997) acrescenta que, incorporando a tecnologia em seus processos
criativos de produção, o rock valorizava o produto final e não mais a pureza da
performance. A tecnologia era utilizada para distorcer a realidade da performance, trazendo
novas possibilidades sonoras e organizacionais da música.

“O surgimento do rock’n’roll, então, foi caracterizado por uma relação progressivamente mais
íntima com as tecnologias usadas na sua produção e disseminação. Essa relação continuou
quando o rock aventurou-se em direção à arte nos anos 60. Depois do lançamento de Sgt. Pepper,
um álbum tão dependente na tecnologia do estúdio que não podia ser interpretado ao vivo, grupos
de rock passavam inúmeras horas no estúdio experimentando com truques tecnológicos,
adicionando overdubbings14e efeitos especiais, e mixando cada faixa até a perfeição. A disco15 foi
ainda mais imersa na mágica tecnológica, tornando-se quase completamente um produto do
estúdio. Nas performances ao vivo, o uso do feedback e da distorção utilizado por Jimi Hendrix
se institucionalizaram no heavy metal através da utilização de reguladores de voltagem, pedais de
efeitos especiais e aparelhos de distorção vocal. O rap expandiu ainda mais esses limites,
primeiramente utilizando toca-discos como instrumentos musicais, depois usando samplers,
seqüenciadores e baterias eletrônicas programáveis como ferramentas comuns. Na medida em
que estes usos criativos da tecnologia foram sendo aceitos como artisticamente válidos, eles
ampliaram a definição de música popular além da concepção européia de música como série de
notas para uma definição de música como som organizado” (Garofalo, 1997: p. 6).

A maioria absoluta dos estilos de música popular posteriores ao rock foram


condicionados pelos recursos tecnológicos disponíveis no momento de sua aparição. Sem
os efeitos criados em estúdio, o rock não existiria em suas atuais formas, nem existiriam
seus desdobramentos, como o heavy metal, por exemplo. Não haveria um estilo disco, e
sem toca-discos, samplers e baterias eletrônicas, o rap jamais teria surgido. As maravilhas
do estúdio digital foram responsáveis diretamente pela evolução destes estilos de música ao
proporcionarem o ambiente tecnológico necessário para que músicos os desenvolvessem. O
papel emblemático da guitarra elétrica para o rock representa a essência dessa importância
que a tecnologia conquistou na história da música popular.
Concluímos daí que as decisões da indústria fabricante de aparelhos musicais
eletrônicos têm influência direta nas opções disponíveis para compositores e

14
O overdub é uma técnica de superposição de sons, possível em gravadores multicanais.
15
“Disco” aqui refere-se ao estilo de música chamado “discotéque”.

48
instrumentistas. Incluindo ou excluindo determinadas funções em seus equipamentos, ou
mantendo ou retirando certos produtos do mercado, podem parcialmente controlar qual será
o direcionamento da produção de seus consumidores. Vicente (1996) confirma esta idéia ao
colocar que “os músicos, com as novas técnicas, deixam de ser produtores de sons para se
tornarem apenas seus usuários” (p. 59). Ou seja: os músicos se transformaram em
operadores de equipamentos, e ao escolher os sons que vão utilizar estão tomando decisões
de consumo entre as várias opções colocadas à sua disposição. Estas opções são
determinadas pelas indústrias fabricantes dos aparelhos.

“...o operador, apesar de seu aparente controle sobre o processo de produção, não se torna
exatamente o ‘dono’ do seu trabalho, pois a manutenção da sua produção torna-se (...) refém de
sua capacidade de obter, manter e renovar o seu set de equipamentos” (Vicente, 1996: 64).

Por outro lado, Julien (1999) alerta:

“seria errado, entretanto, assumir que a música popular é simplesmente o resultado de seus
seguidores ‘sendo escravos’ da tecnologia. O trabalho de vários músicos de rock deve tanto à
tecnologia que usam para realizar suas idéias quanto às idéias que usam para ‘desviar’ a
tecnologia e, freqüentemente, as técnicas de produção e gravação com que experimentam em
certas épocas influenciam na concepção das máquinas que subseqüentemente estarão
disponíveis” (Julien, 1999: 357).

Como exemplo Julien cita o trabalho de George Martin com os Beatles nos estúdios
de gravação – o uso de recursos para dobras vocais eventualmente contribuiu para que
gravadores multicanais fossem desenvolvidos16, e posteriormente resultou na criação de
aparelhos para a reprodução digital de efeitos conseguidos nas experimentações. As
manipulações sonoras ocorriam na mente dos músicos, e depois de concretizadas
experimentalmente eram fabricadas em série pelas indústrias. Também podemos mencionar
os diversos músicos citados por Chadabe (1997) que, após construírem seus próprios
instrumentos eletrônicos, tiveram suas idéias aproveitadas por grandes empresas. O mesmo

16
Julien (1999) afirma não estar certo se a inovação de realizar dobras nos vocais (double-tracking) foi
primeiramente obra de George Martin com os Beatles em “A Taste of Honey”, ou de Brian Wilson com os
Beach Boys, em “Surfin’ USA”. Ambas as faixas foram gravadas em 1963.

49
foi relatado ainda por Conde e Neves (1994) ao analisar meios não-formais de aprendizado
da luteria em comunidades do Rio de Janeiro. As várias substituições de materiais
realizadas apresentam soluções para problemas com peças de difícil acesso ou de manuseio
complicado, mas nem sempre a utilização das idéias é acompanhada dos devidos créditos:

“São contados casos, às vezes, de soluções encontradas por artesões populares lançadas, sem
autorização dos inventores, pela indústria de instrumentos. Foi o que aconteceu, segundo o
relatado por um deles, com a idéia de adaptar uma corneta amplificadora em reco-reco de metal
ou em cuíca, tornada habitual em instrumentos industrializados” (Conde e Neves, 1994: 46).

Muitos aperfeiçoamentos de instrumentos musicais foram conquistados durante


buscas por custos mais baixos ou novas sonoridades. Freqüentemente, este tipo de
experimentação é realizado por músicos que somam qualidades de inventores. No caso dos
equipamentos eletrônicos, grande parte das inovações foi inicialmente desenvolvida por
indivíduos que criaram pequenas empresas, a exemplo da história da Microsoft contada por
Bill Gates (1995), e depois deram origem a corporações que difundiram o produto
comercialmente.
Como vemos, as influências acontecem em duas vias: do equipamento ao músico e
do músico ao equipamento, em uma relação simbiótica, sem dominação. Entretanto, através
do poder de persuasão do marketing moderno, as grandes empresas conquistam um espécie
de controle sobre os músicos, sejam iniciantes ou experientes, quando apresentam um novo
modelo de um aparelho como o melhor. Possivelmente a versão antiga será considerada
ultrapassada e cairá em desuso. Se as inovações na nova versão forem substanciais, um
padrão estará estabelecido e será perseguido por todos os músicos.

2.4 Complexidade x Simplicidade

No final dos anos 40 uma série de experiências promovendo a aplicação da


eletrônica na produção da música deu origem à música concreta. Pierre Schaeffer foi um
dos pioneiros nesta área, apresentando seu Concert of Noises através do rádio francês em

50
1948. Utilizando gravações pré-existentes, Schaeffer desenvolveu sistemas para excluir
parte dos sons, tocá-los de forma reversa e montar colagens superpondo-os, entre outras
formas de manipulação. A concepção original da música concreta definia que as
sonoridades que integram as composições não eram produzidas eletronicamente. A
denominação “concreta” significava que os sons eram provenientes de fontes naturais e que
as peças eram compostas ‘concretamente’ sobre fitas magnéticas, e não ‘abstratamente’ na
mente dos compositores. Assim, panelas percutidas, ruídos de barcos e trens, vozes
humanas, entre outros sons comuns, eram registrados e manipulados por meio de diversos
equipamentos, como filtros, moduladores e reverberadores.
Posteriormente, os sons gerados eletronicamente também seriam utilizados, dando
origem à música eletrônica17. Na década de 50 surge um termo para englobar os dois
estilos, baseados em sinais acústicos naturais ou gerados eletronicamente: música
eletroacústica. Muitos compositores dedicaram suas obras a investigar este campo, como
Edgard Varèse, Karlheinz Stockhausen, Milton Babbit e John Cage; e estúdios foram
construídos e equipados para realizar pesquisas sobre o assunto, como o IRCAM (Institut
de Recherche et Coordination Acoustique/ Musique), em Paris; o Columbia-Princeton
Eletronic Music Center, em Nova York; o Studio für Elektronische Musik, em Colônia; e o
Studio di Fonologia, em Milão. Moore (1997) destaca que estes centros cumpriram duas
funções primordiais: juntar pessoas e fornecer equipamentos caros, suprindo os recursos
tecnológicos necessários. E, na atualidade, “na medida em que equipamentos
tecnologicamente relevantes tornam-se mais baratos, a missão destes centros começa a
gravitar, de modo sempre crescente, em direção à educação e ao networking” (Moore,
1997: 62). Nestes estúdios os computadores têm se desenvolvido no meio musical até o
presente.
Em certo aspecto a música eletroacústica representa um caminho tecnológico
divergente daquele trilhado pelo rock e demais estilos populares derivados, pois nela a
utilização da eletrônica e dos computadores usualmente resulta em extrema complexidade,
produzindo uma música de difícil assimilação. No rock, a tecnologia condiciona a
construção padrões sonoros; na música eletroacústica, a inovação é altamente valorizada,

17
Atualmente o termo “música eletrônica” pode ser aplicado a qualquer tipo de música que tenha alguma
relação com a eletrônica. Na época de seu surgimento, no entanto, seu significado era mais restrito, conotando
o uso da eletrônica em detrimento de fontes sonoras “concretas” (Schwartz, 1989).

51
procuram-se sonoridades inusitadas, distantes dos padrões convencionais. Esta
diferenciação demonstra dois extremos a que a eletrônica pode conduzir a música.
Diferentemente do rock, a música eletroacústica desenvolveu-se distante das
grandes massas de consumo e jamais foi objeto de realizações comerciais significativas.
Fishman (1994) nos indica três razões para este fato: a falta de uma comunicação simples
(os compositores estariam alienados de suas audiências); o domínio da indústria da música
que visa apenas lucros financeiros; e as falhas dos sistemas de educação que resultam na
falta de um senso estético para servir como referência à população. Os compositores da
música eletroacústica não têm acesso aos meios de comunicação e, portanto, permanecem
em sua grande maioria desconhecidos do grande público, associando-se em grupos,
geralmente nas universidades, onde criam e discutem sua música. Estes grupos
desenvolvem um pensamento musical dirigido ao uso dos computadores, ou seja, uma
“computer music culture”, sobre a qual Chadabe (2000) faz a seguinte análise:

“...a maioria do público da computer-music consiste de praticantes, o que significa que a relação
entre compositor e público é mais entre colegas do que comercial; que as motivações dos
compositores são orientadas não para o comércio mas em direção a uma combinação de auto
expressão, realização artística e reconhecimento dos colegas; e que os métodos dos compositores
para alcançar o sucesso refletem um desdenho aristocrático pelos esforços comercias” (Chadabe,
2000: 10).

Nesta justaposição do rock com a música eletroacústica, observamos duas situações


distintas em que meios tecnológicos são utilizados para atingir objetivos: o rock em
processos de padronização e massificação, a música eletroacústica na busca de novas
sonoridades. Como Chadabe (2000) nos adverte, nem toda música gerada por computador é
inovadora e nem toda música popular é totalmente comum. Porém, o autor também assinala
que o público da música popular espera uma previsibilidade, ligada à expectativa de uma
participação física na forma da dança. O público da música eletroacústica escuta quieto e
atentamente, apreciando intelectualmente, valorizando o inesperado.
Qualquer seja a relação estabelecida com a tecnologia, percebemos na absoluta
maioria dos gêneros musicais populares modernos algum tipo de intermediação tecnológica
para alcançar os ouvintes. Para a música do estilo rock, além de instrumentos musicais

52
eletrônicos, como guitarras e sintetizadores, e toda uma variedade de recursos de
processamentos sonoros, existe também uma estreita conexão com o sistema da indústria
fonográfica. Como coloca Frith (1981), “o rock é uma música feita comercialmente para as
massas e isto deve ser o ponto de partida para sua celebração assim como para sua rejeição”
(Frith, 1981: 54). Frith investigou de que maneira e por que a música rock tem um apelo tão
intenso junto aos jovens, e suas conclusões nos levam a valorizar o poder de envolvimento
deste tipo de música como um elemento importante na musicalização da juventude.
Segundo os resultados de sua pesquisa, a música é usada “para distinguir o jovem do velho,
para identificar um lugar ou tempo ou ocasião como propriedade dos jovens”
(Frith,1981:216).

“A música – tocada nos rádios, toca-discos, toca-fitas – é a forma mais fácil para os jovens
demonstrarem o controle de seus quartos, clubes e das esquinas da sua rua. (...) a música é o
contexto mais do que o foco da diversão. Isto se torna óbvio na principal instituição da cultura
adolescente, a dança” (Frith, 1981: 216).

A música eletroacústica, por outro lado, exemplifica como os aparatos eletrônicos –


que também incluem sintetizadores, processadores de som, entre outros aparelhos – podem
gerar um estilo musical distante da indústria fonográfica e sem intenções de atingir um
mercado de consumo específico. Neste sentido, o uso da tecnologia na produção musical
visa primordialmente ampliar as possibilidades de criação, e seu produto final, a gravação,
é um meio para executar a composição, e não um meio de vender a música. Aparentemente,
uma música com estas características representa um oposto ao rock e não desperta interesse
por parte dos jovens.
Emmerson (2001), no entanto, assinala que a música eletroacústica pode contribuir
para o ouvinte de estilos musicais populares pois tem “uma relação especial com as músicas
comerciais pela similaridade das ferramentas de sua produção (tecnologias digitais) e
performance (o alto-falante)” (Emmerson, 2001: 19). A principal destas contribuições seria
quanto à audição, já que “um material musical mais complexo demanda uma audição mais
detalhada para extrair suas características mais importantes. No melhor dos casos, encoraja
audições repetidas como ferramenta necessária para uma apreciação mais rica” (Emmerson,
2001: 19). A ação do ouvinte pode ser aprimorada por uma melhor discriminação sonora e

53
um esforço de concentração mais profundo. Também uma revitalização dos espaços e
práticas envolvidas nas performances poderia ocorrer, já que as peças eletroacústicas
muitas vezes utilizam idéias diferentes dos padrões convencionais para apresentar sua
música.
Cabe ao aprendiz musical, jovem ou não, extrair de todos os gêneros musicais ao
seu alcance as informações que servirão como base para o seu aprendizado. Qualquer
prática que desenvolva sua audição deve ser bem vista, e a idéia de trabalhar com músicas
mais complexas do que as que lidamos usualmente certamente tem efeitos na audição de
todos os tipos de música. A comprovação de que muitas das práticas da música
eletroacústica podem ser aceitas até mesmo pelos grupos jovens é o seu emprego nos vários
estilos de música “dance” da atualidade. Fragmentada em nomes diversos – música techno,
house, acid, drum&bass – a música eletrônica dançante é amplamente executada nos clubes
jovens, utilizando recursos e concepções que surgiram nas experimentações realizadas
décadas atrás pelos compositores pioneiros da música eletroacústica, como por exemplo, as
alterações nos andamentos (executar gravações mais lentamente ou mais rapidamente) e a
inversão sonora (executar gravações de trás para frente).
Se colocamos a complexidade da música eletroacústica em oposição à simplicidade
do rock (novamente assumindo estereótipos genéricos e distantes de uma definição fiel de
cada estilo, pois pode existir a música eletroacústica simples e o rock complexo),
percebemos um elemento comum aos dois casos: a valorização da gravação. Na música
eletroacústica, segundo Henrique (1988),

“as relações tradicionais entre compositor, executante e público são postas em causa, criando-se
novas estéticas do fenômeno musical: numa obra para fita magnética o compositor pode
prescindir da escrita numa pauta musical, fazendo a montagem da sua obra diretamente em fita
magnética, que depois será apresentada em público, desaparecendo assim o papel do intérprete
como intermediário entre compositor e público (o que cria uma analogia com certas artes, como a
pintura e a escultura, em que o intérprete também não existe). Deste modo a obra fica fixada de
uma vez por todas nos seus mais ínfimos pormenores, não podendo nunca ser ‘interpretada’ ”
(Henrique, 1988: 386).

Embora no rock existam os intérpretes, usualmente a referência para uma obra


também é a sua gravação, e não uma partitura correspondente. Os detalhes dos arranjos, ou

54
seja, as orquestrações elaboradas para os instrumentos, tornam-se peças essenciais da
composição. A valorização da gravação no rock tornou-se mais evidente em 1966, quando
os Beatles anunciaram que seriam uma “banda de estúdio” e não mais se apresentariam
frente às audiências. A comunicação com seu público ocorreria apenas através de seus
discos, que tornaram-se a única representação legítima da música do conjunto. Assim no
rock como na música eletroacústica o registro da arte é uma forma própria de arte.
Segundo Schwartz (1989), há uma separação da performance ao vivo da
performance gravada, que, “independente de seu conteúdo, existe como um ‘objeto’ de arte
único, uma entidade fixa; ou seja, a gravação pode ser considerada como um trabalho em si
mesmo, análoga à uma pintura ou peça de escultura” (p.157). A performance gravada não
oferece estímulo visual (com exceção da capa do disco ou de um encarte que o
acompanhe), enquanto a “ao vivo” é essencialmente teatral, lidando com aspectos visuais
tanto quanto sonoros. A apreciação de ambas é resultante de processos diferentes. Em uma
execução em tempo real, há a necessidade de uma total absorção, de uma concentração não
dividida no sentido de captar a música. Na apreciação de uma gravação, sabendo que
podemos repetir a execução diversas vezes, não é preciso uma atenção específica: a música
pode ser colocada em diversos estados frente a nossa consciência.
Costa (1995) fala de uma outra bi-partição da música, causada pelo surgimento do
rádio e da televisão:

“Em seguida, enquanto persiste a obra tradicionalmente constituída e ainda distante de toda
intencionalidade comunicacional, percebe-se que o caráter ativo da transmissão dá lugar a um
tipo de experiência imaginária substancialmente diferente daquela gerada pela performance; a
obra é, portanto, oferecida através do tipo específico do meio que a transmite, transmutando,
assim, a sua essência espetacular.
Compreende-se, em suma, a diferença radical existente entre a performance e o seu deslocamento
mass-midial e, conseqüentemente, a fundamental diferença fenomenológica e psicológica entre a
situação do público da performance e aquela do público da transmissão; e pode-se pensar aqui
nas complexas e diversas operações de mixagem e na definição da noção de ‘direção’ radiofônica
e televisiva” (Costa, 1995: 30).

Todas as diferenciações colocadas entre a performance pura e suas formas


derivadas, surgidas por meio de gravações ou de transmissões via meios de comunicação,

55
indicam o aumento da importância do campo tecnológico na música. Assim como Vicente
(1996) afirma, este fato resultou em uma padronização sonora das produções, a partir da
“adoção de rotinas de trabalho e parâmetros estreitos para a gravação, equalização,
compressão, utilização de efeitos e mixagem...” (Vicente, 1996: 28). Todo este processo faz
com que o que chamamos de “música” difira na execução de gravações em relação ao que é
apresentado ao vivo. Além do tratamento que é dado ao som em estúdios, modificando
muitas das características originais, outro aspecto torna-se relevante. A música gravada
(exceto as gravações realizadas em concertos “ao vivo”) raramente representa a captação de
um momento espontâneo: ela é a montagem artificial de um produto.

“A responsabilidade por este produto é colaborativa, pois um grande número de indivíduos (os
músicos com seus instrumentos, engenheiros de som manipulando microfones e mixers, editores
de fitas) participaram na formação da apresentação final (...)” (Schwartz, 1989: 156).

A manipulação influencia também a concepção dos músicos em seus arranjos. Com


os avanços das tecnologias de produção, Jones (1992) ressalta que a

“capacidade de edição significava que a versão ‘perfeita’ de uma música poderia ser montada a
partir de várias imperfeitas. As melhores partes de cada uma podiam ser escolhidas e
cuidadosamente coladas em uma peça sem costuras aparentes. A clássica canção dos Beatles ‘A
Day in the Life’, por exemplo, foi editada a partir de duas gravações. ‘Strawberry Fields Forever’
junta duas gravações, uma acelerada e outra desacelerada até que estivessem na mesma
tonalidade. A separação estética da performance ao vivo e da gravação estava assim completa”
(Jones, 1992: 129).

Como conseqüência, os trabalhos realizados nos estúdios freqüentemente resultam


em produtos de difícil reprodutibilidade ao vivo, e de certa maneira os instrumentistas
“competem” com a versão gravada das peças que interpretam nos concertos. Em muitos
casos não é possível apresentar obras como estão nos discos. A expectativa das platéias, no
entanto, é sempre de que o artista consiga reproduzir nos palcos o mesmo que foi registrado
nas gravações. Assim, como Iazzetta (1997) observou, o significado do termo “fidelidade
sonora” foi modificado, pois ao invés de representar a qualidade da gravação sendo
comparada à uma apresentação ao vivo, o contrário passou a ocorrer. Logo, como “o que a

56
maioria dos ouvintes entende hoje por audição musical refere-se à escuta através de
sistemas reprodutores,(...) a fidelidade de uma reprodução não é estabelecida pela
comparação com seu original, mas em relação ao padrão imposto pela própria tecnologia de
gravação” (Iazzetta, 1997: 30).
Dessa forma, nossa percepção da música foi alterada pela tecnologia, trazendo
novos conceitos para as diferentes formas de realização musical. Com os avanços da
microeletrônica, conquistamos novos espaços, carregando a música em pequenos aparelhos
e encontrando outros significados para a sua presença. Novos estilos musicais foram
moldados em montagens tecnológicas, de forma totalmente aparente – como na música
concreta –, ou um pouco mais diluída – como no rock.

“O advento da gravação ajudou a criar tudo isso, não apenas através de sua utilidade como meio
para a preservação e transmissão da música ‘tocada’ tradicionalmente (isso também foi
importante, nos introduzindo à uma maior variedade de música do que podíamos conhecer antes)
mas como um meio de performance nele próprio. Estamos começando a perceber que a execução
de uma gravação proporciona um tipo único de experiência para audiências e músicos – uma
experiência com implicações espaciais, acústicas, teatrais e tecnológicas, que ainda estão sendo
decifradas” (Schwartz, 1989: 167).

Para atingir nossos objetivos, a compreensão das relações estabelecidas e


modificadas pela tecnologia e a música torna-se de extrema importância. Decifrar esta nova
realidade, em que a gravação e os meios de comunicação têm um papel tão influente, é uma
tarefa vital para qualquer indivíduo envolvido em processos de aprendizagem musical: hoje
não basta que os aspectos funcionais da música sejam compreendidos, temos que
compreender a tecnologia envolvida na produção e na transmissão da música que ouvimos.
Temos que nos educar tecnologicamente, ou seja, aprender um convívio frutífero com as
inovações do nosso tempo.

57
CAPÍTULO 3 – TECNOLOGIA E AUTO-APRENDIZAGEM

3.1 Democratização e Banalização

Este capítulo tem como principal objetivo mapear as possibilidades de auto-


aprendizagem da música através dos recursos tecnológicos existentes na atualidade. Com a
constatação de diversas oportunidades para o aprendiz autodidata teremos discussões acerca
das possíveis diferenças que o uso da tecnologia traz para os processos em questão. Nossas
observações irão considerar as informações existentes em materiais organizados
especificamente para a aprendizagem musical, como sites da Internet, vídeos e livros, assim
como em situações não específicas, mas que propiciam uma educação informal, como o
rádio e a televisão. Todos estes canais contribuem para que os processos de auto-
aprendizagem musical sejam possíveis.
O histórico apresentado no capítulo anterior demonstrou que o desenvolvimento da
tecnologia afetou tanto a distribuição da música quanto os modos de sua percepção e
apreciação. A seguinte colocação de Schwartz (1989) sintetiza as modificações percebidas:

“A maioria das músicas que ouvimos hoje foi produzida, refinada, preservada e transmitida com
a ajuda de equipamentos eletrônicos. Como conseqüência, fizemos alterações sutis, muitas vezes
sem perceber, em nosso equipamento de escuta, auditivo e psicológico, de uma maneira em que
nossos hábitos e gostos modificaram-se profundamente, deixando pouca semelhança, por
exemplo, com aqueles das gerações precedentes” (Schwartz, 1989: 154).

Se a partir desta consideração temos que nossos mecanismos de escuta foram


influenciados, conclui-se que os processos de aprendizagem da música também passaram
por adaptações, por duas razões principais. Primeiramente, com a evolução tecnológica o
aprendiz pode receber informações musicais por diferentes meios, e deve integrar e
dominar os equipamentos necessários para que isto ocorra. Segundo, as sonoridades da
música sofrem mudanças às quais o aprendiz deve se familiarizar para compreender a
produção de seu tempo.

58
O que inicialmente possibilitou a um aluno ter acesso a exemplos musicais diversos
foi a conquista do registro sonoro, representada pelo surgimento do fonógrafo. O registro
do som deu uma nova condição à música, em que os estudiosos e aprendizes puderam
entrar em contato com obras que jamais poderiam ouvir presencialmente, no momento real
da produção musical. Neste sentido, a contribuição para a aprendizagem musical é inegável
e marca o início de uma reformulação que ampliou os processos de auto-aprendizagem.
Porém, a experiência proporcionada pela audição de uma gravação é considerada
por muitos como sendo aquém da gerada na presença da música “ao vivo”. McLuhan já se
referia a uma colocação comum entre os músicos de jazz que dizia que “o jazz gravado é
tão caduco quanto o jornal de ontem” (McLuhan, 1964: 245). De fato, quando o fonógrafo
surgiu, muitos afirmaram que o interesse da população pelo aprendizado musical iria
diminuir, pois não haveria a necessidade de produzir sua própria música já que a máquina
se encarregaria desta tarefa. Havia uma certa repulsa ao fato de um intermediário não
humano estar envolvido:

“E agora, no século vinte, chegam estas máquinas que falam e tocam, e se oferecem para reduzir
a expressão da música a um sistema matemático de megafones, rodas, engrenagens, discos,
cilindros e todo tipo de objetos rotativos, que são arte real tão quanto a estátua de mármore de
Eva é como suas filhas: lindas, vivas...
Quando uma mãe puder ligar o fonógrafo com a mesma facilidade que aplica para a luz elétrica,
irá ela cantarolar para seu bebê doces cantigas de ninar, ou a criança será colocada para dormir
por máquinas?” (John Philip Souza, citado em CHADABE, 1997: vii).

O artigo citado, The Menace of Mechanical Music, foi escrito por John Philip Souza
em 1906. No mesmo ano, as portas do Telharmonium Hall, uma sala de concerto que serviu
de casa para o precursor dos sintetizadores, eram abertas em Nova Iorque, anunciando a
importância que a eletrônica iria conquistar na música. Contrariando esta tendência, Souza,
líder de uma banda e compositor, expressou seu descontentamento com os então novos
meios de se transmitir música – em especial o fonógrafo – afirmando que a música
mecânica iria acabar com o amadorismo, ou seja, as pessoas não mais iriam adquirir
instrumentos musicais e se esforçar em aprender música se havia a possibilidade de
comprar um fonógrafo. Com isso todos os professores que sobreviviam deste mercado de

59
aprendizes amadores estariam desempregados e as profissões musicais seriam
profundamente afetadas. McLuhan, comentando a previsão feita por Souza de que as
pessoas iriam cantar menos, diz:

“Um fato Souza tinha compreendido: o fonógrafo é uma extensão e uma amplificação da voz que
pode bem ter diminuído a atividade vocal individual, tanto quanto o carro reduziu a atividade
pedestre” (McLuhan, 1964: 241).

Por outro lado, o mesmo McLuhan assinala a importância do registro do som na


difusão do conhecimento musical. Essa difusão tornou-se possível quando muitos dos
problemas relativos à fidelidade da gravação foram solucionados pelos adventos que
marcaram a evolução do fonógrafo, que seriam os principais formatos utilizados nas
décadas seguintes: a gravação magnética e o disco LP.

“Assim como a fita significou o novo estudo de linguagens faladas ao invés de escritas, também
trouxe a cultura musical inteira de muitos séculos e países. Onde antes havia uma pequena
seleção de períodos e compositores, a gravação em fita, combinada com o LP, deu origem a um
espectro musical completo que fez o século dezesseis tão disponível como o dezenove, e a
música folclórica chinesa tão acessível quanto a húngara” (McLuhan, 1964: 248).

Após a conquista do registro sonoro, o acesso à informação musical foi


gradualmente sendo facilitado através de um maior controle sobre a transportabilidade do
som. A amplificação possível com o uso da eletricidade e os equipamentos de reprodução
sonora progressivamente menores e mais leves foram responsáveis pela ampla difusão
musical que gerou uma notável democratização da música no decorrer do século XX.
Devemos observar que, se na atualidade existem diversos materiais educacionais
organizados especificamente para a aprendizagem da música, no passado a única forma de
obter informações era através da audição dos registros sonoros. Como colocam Iazzetta e
Kon (1998), os principais agentes desta democratização foram o rádio e o disco:

“Sem dúvida a união entre o rádio e a indústria fonográfica possibilitou uma expansão jamais
experimentada em relação à difusão dos mais diversos tipos de música. O rádio e o disco
acabaram com a necessidade da presença física do ouvinte durante a performance musical. Com

60
isso foram eliminadas as barreira espaciais e temporais que envolviam a apreciação musical. A
partir daí a música assumiu uma condição omnipresente dentro da sociedade e os limites de
produção de cada cultura se diluiu na densa trama da cultura de massa” (Iazzetta e Kon, 1998:
37).

Tinhorão (2001) faz uma crítica à esta noção de democratização no caso específico
do Brasil, indicando através de dois argumentos a relatividade da idéia e uma desvantagem
para o desenvolvimento das músicas brasileiras. Primeiramente, o autor afirma que muitas
das formas autênticas da música popular brasileira não são democratizadas:

“...é preciso estabelecer que, quando nos referimos a música popular brasileira e meios de
comunicação, estamos nos referindo à música popular das cidades, composta por autores
conhecidos, e destinada ao comércio do lazer predominante urbano (normalmente gravada em
cilindros, discos, CDs, fitas magnéticas, filmes sonoros de cinema ou videotapes, com a
finalidade de ser reproduzida por meios mecânicos, elétricos ou eletrônicos). E isto porque a
música popular, no nível das populações rurais, ainda presas a um modo de transmissão oral,
tradicional, obedece a mecanismos próprios, uma vez que se liga a processos de evolução sócio-
cultural-religiosos particulares de cada região” (Tinhorão, 2001: 165).

Portanto, o repertório disponibilizado ao aprendiz pelos meios de comunicação no


Brasil não oferece a oportunidade de conhecer profundamente muitas das músicas de seu
país, e divulga apenas o que é do interesse dos grupos industriais. Grupos que, depois de
produzida a música, visam “transformar essa criação num produto industrial-comercial,
possibilitando sua divulgação para amplas camadas, e sua colocação no mercado sob a
forma de artigos de consumo” (Tinhorão, 2001: 166). Deduzimos daí que as primeiras
músicas que um aluno iniciante irá aprender em seu instrumento provavelmente serão
aquelas que mais tocam nas rádios e não necessariamente as que mais têm relação com a
sua realidade de vida. Este fato isolado já representa um problema a ser considerado na
aprendizagem musical, ao qual Tinhorão adiciona um outro exemplo referente à imposição
de estilos, formatos e linguagens musicais, realizado por meios tecnológicos.
Antes do surgimento do registro do som, quando a principal forma de aprender
músicas era a partitura, uma série de gêneros musicais europeus eram executados no Brasil
por pianeiros profissionais que famílias de classe média contratavam para animar seus

61
bailes. Como observamos anteriormente, a notação musical permitia uma participação ativa
do intérprete:

“...apesar daquela informação estrangeira transmitida pela escrita da partitura, a forma


culturalmente descomprometida de tocar dos pianeiros, muitos deles mestiços, acabava
modificando a tal ponto as músicas importadas que em poucos anos estavam nacionalizadas. Foi
isso o que aconteceu, principalmente a partir de 1870, quando, passando a ser compostos por
músicos do povo, alguns destes gêneros – como a valsa, a polca e a schottisch – , popularizando-
se entre os grupos de flauta, violão e cavaquinho, que tocavam de ouvido, distanciaram-se ainda
mais dos signos registrados nas partituras. Realmente, seria do estilo chorado de tocar essa
música européia (inicialmente divulgada pelos pianos dos salões) que nasceria o primeiro estilo
de música instrumental reconhecidamente urbano brasileiro: o choro” (Tinhorão, 2001: 167-8).

Entretanto, após a entrada dos fonógrafos no país, estabeleceu-se uma nova


realidade em que a execução da música era determinada em todos os aspectos, sem
deixar margens para alterações que identificassem o estilo de interpretação com o
instrumentista:

“ao contrário do que acontecera com as partituras de piano, não era mais possível ‘reinterpretar’:
a música importada era exatamente aquela que soava pela boca do fonógrafo, ao ser acionada a
manivela que fazia girar o cilindro gravado” (Tinhorão, 2001: 168).

Portanto, dentro de um contexto em que as músicas eram trazidas em formatos


rigidamente estabelecidos, os instrumentistas passaram a aprender mais por tentativas de
cópias fiéis do que por releituras e recombinações, de certa maneira inibindo o
desenvolvimento de outras manifestações através de processos como o que ocorreu com o
choro. Percebemos que, embora na teoria o registro e a transmissão do som via mediações
tecnológicas possibilite uma democratização da música, na prática os critérios de seleção
das músicas que serão difundidas obedecem interesses comerciais de lucro financeiro. O
ouvinte é de fato encarado como um consumidor.
Esta nova condição da música dentro da sociedade, resultado do surgimento de uma
estrutura industrializada, implicou em outras mudanças além da democratização musical.

62
Zan (1997) identifica as adaptações causadas pela industrialização tanto na elaboração da
música como na sua apreciação pelos ouvintes:

“Com os sistemas de gravação e a produção industrial, a música já não pode ser entendida apenas
como pura apropriação por parte das empresas das manifestações musicais pré-existentes de
modo independente. Os novos meios técnicos geram um outro objeto musical a partir do trabalho
de compositores, instrumentistas, cantores, arranjadores, etc. Dessa forma, os aspectos formais
estilísticos que lhes são peculiares como características harmônicas, melódicas, timbrísticas, a
duração, os padrões orquestrais e de arranjos, os aspectos temáticos e performáticos, são, até
certo ponto, condicionados pela técnica, bem como por todo o processo industrial de produção e
de consumo. Com a industrialização, a música também vai se dissociando do ritual tanto do
concerto (música erudita) como das práticas lúdico-religiosas (música popular) e o ouvir
desatento passa a ser uma das características da relação do público com essa manifestação
cultural” (Zan, 1997: 22).

Este ouvir desatento é resultado de uma “banalização” da música, ou seja, a idéia da


música essencialmente como fundo para outras atividades e não como centro das atenções.
Eco (1970) sintetizou estas duas conseqüências do surgimento do rádio, a democratização e
a banalização, da seguinte forma:

“...o rádio pôs à disposição de milhões de ouvintes um repertório musical ao qual, até bem pouco
tempo, só se podia ter acesso em determinadas ocasiões. Daí a expansão da cultura musical nas
classes médias e populares (fenômeno que se pode apreciar melhor recordando como a música
setenticista foi toda dedicada e dirigida à um público de corte, enquanto que a do século passado
se tornou, ao contrário, um divertimento típico da burguesia), o aprofundamento do
conhecimento do repertório (dado que o rádio podia também impor ao público as composições
menos conhecidas e mais esquecidas nos programas dos concertos habituais), e o estímulo para
promover manifestações musicais e compor músicas originais (campo em que o rádio, bem ou
mal, assumiu o papel que, no passado, pertencera a indivíduos isolados ou às instituições com
tendências ao mecenatismo). Por outro lado, o rádio – nisso ajudado pelo disco – pondo à
disposição de todos uma enorme quantidade de música já ‘confeccionada’ e pronta para o
consumo imediato – desencorajou aquelas práticas de execução autônoma que caracterizavam os
aficionados, os diletantes musicalmente sensíveis dos séculos passados; inflacionou a audição
musical, habituando o público a aceitar a música como complemento sonoro das suas atividades
caseiras, com total prejuízo de uma audição atenta e criticamente sensível, levando, enfim, a um

63
hábito da música como coluna sonora da jornada, material de uso, que atua mais sobre os
reflexos, sobre o sistema nervoso, do que sobre a imaginação e a inteligência” (Eco,1970: 316-7).

O uso da música como fundo constante para a vida cotidiana é acentuado com o
direcionamento das rádios modernas, que não organizam suas programações visando uma
contribuição de finalidades educativas.

“...as estações comerciais de rádio nunca realmente estiveram no negócio da educação musical;
elas sempre colocaram suas música fora de contexto, transformaram-nas em produtos
suburbanos, as tornaram uma trilha sonora de shopping centers” (Frith, 1981: 126).

Tanto a expansão do conhecimento de repertório quanto o ouvir desatento influem


diretamente sobre os processos de auto-aprendizagem musical. A ação do rádio na
educação informal contribui para o aprendizado de instrumentos musicais difundindo
ritmos e estilos musicais diversos e alimentando as práticas dos aprendizes com
informação, fornecendo matéria-prima para repetições, observações e desenvolvimento de
uma personalidade musical. No entanto, a “inflação da audição musical” diminuiu a
atenção do ouvinte comum e reduziu sua capacidade de crítica e apreciação, impondo ao
aprendiz musical a necessidade de elevar seu discernimento de escuta para fugir da
banalização. Em um extremo, Stravinsky (1996) colocou, durante uma conferência na
Universidade de Harvard, em 1939, que ao facilitar em demasia o acesso à música, o rádio
atua como um desserviço à aprendizagem musical:

“Já se foi o tempo em que Johann Sebastian Bach fazia uma longa viagem a pé para ouvir
Buxtehude. Hoje, o rádio faz a música invadir os lares a todas as horas do dia ou da noite. Poupa
o ouvinte de qualquer esforço que não seja o de girar um botão. Ora, o sentido musical não pode
ser adquirido ou desenvolvido sem exercício. Em música, como em tudo o mais, a inatividade
leva pouco a pouco à paralisia, à atrofia das faculdades. Entendida dessa maneira, a música se
transforma numa espécie de droga que, longe de estimular a mente, só consegue paralisá-la e
embotá-la. Assim, ocorre que o próprio esforço de fazer as pessoas gostarem de música,
proporcionando-lhes uma oferta cada vez mais vasta, muitas vezes faz senão essas pessoas
perderem o seu apetite pela música para a qual se pretendia despertar o interesse e o gosto”
(Stravinsky, 1996: 121-2).

64
Esta questão foi abordada de maneira similar por Adorno (1980), que considerava
os meios de comunicação responsáveis por uma “regressão da audição”:

“Com isto não nos referimos a um regresso do ouvinte individual a uma fase anterior do próprio
desenvolvimento, nem a um retrocesso do nível coletivo geral, porque é impossível estabelecer
um confronto entre os milhões de pessoas que, em virtude dos meios de comunicações de massas,
são hoje atingidos pelos programas musicais e os ouvintes do passado. O que regrediu e
permaneceu num estado infantil foi a audição moderna. Os ouvintes perdem com a liberdade de
escolha e com a responsabilidade não somente a capacidade para um conhecimento consciente da
música – que sempre constitui prerrogativa de pequenos grupos – mas negam com pertinácia a
própria possibilidade de se chegar a um tal conhecimento” (Adorno, 1980: 180).

Em sua visão sobre a música popular, Adorno se posicionou contrariamente à idéia


de que haja uma democratização musical, pois a transformação da arte em produto obriga
os apreciadores a aceitar o que é imposto pela indústria. Segundo o autor, o fetichismo
musical instituído pelo mercado de consumo valoriza os artistas – e não a música – ,
colocando-os na condição de heróis, e ditando assim o gosto que os ouvintes terão como
seu próprio. Esta consideração, aliada ao suposto princípio não educativo do rádio que
observamos anteriormente, constitui a principal crítica aos meios de comunicação como
agentes ativos nos processos de aprendizagem musical.
Entretanto, independentemente dos processos que moldam os gostos dos ouvintes da
música popular, consideramos o papel dos meios de comunicação um importante estímulo
ao estudo da música e uma conexão ao prazer artístico. Devemos perceber que o “hábito da
música como material de uso”, como diz Eco, também proporciona satisfação ao ouvinte,
mesmo atuando mais sobre seus reflexos e sobre seu sistema nervoso. Há também uma
alegria proveniente das sensações geradas por um fundo musical que deve ser considerada
e, de alguma forma, valorizada. Porém, a alegria que surge em decorrência da plena
integração do ouvinte com a obra musical, atuando sobre a imaginação e a inteligência, é
sem dúvida a que move o aprendiz da música, interessado em estabelecer experiências mais
profundas e duradouras. Como Snyders (1977) assinala, ao hábito da apreciação musical
deve ser dado enorme consideração e atenção, pois somente desta maneira haverá
progressos no descobrimento de outras alegrias além das musicais.

65
Mas, se a principal contribuição do rádio para o aprendizado de instrumentos
musicais é a disponibilização de repertório, ele cumpre dessa forma uma importante função
ao familiarizar o ouvinte com as novas sonoridades tecnológicas.

“...o rádio sempre tem a possibilidade de promover um apuramento do gosto musical: se não no
sentido de uma maturação artística, pelo menos habituando o ouvido a acostumar-se com meios
técnicos sempre mais complexos e articulados” (Eco, 1970: 318).

Assim, o aprendiz pode identificar as possibilidades sonoras de seu instrumento,


conhecendo novos timbres e recursos de manipulação do som, como reverbs, distorções,
etc. Para que se aprenda a partir da obra de outros, é preciso compreender minimamente
como aquele trabalho foi construído e quais foram os elementos tecnológicos envolvidos.
Porém, o ouvinte que escuta o rádio intencionalmente está isolado dos instrumentistas que
executam a música e da grande maioria das outras pessoas que formam a platéia. Estes
elementos são “parte essencial de uma audição musical tradicional, introduzindo na audição
uma cota de ‘teatralidade’ que não nega mas caracteriza o rito musical” (Eco, 1970: 319).
Nestas condições, os ouvintes têm experiências distintas através do rádio, dependendo de
seus conhecimentos musicais anteriores:

“O ouvinte musicalmente preparado aproveitará de uma audição radiofônica para um rigoroso


controle do discurso musical, destituído de comistões psicológicas e fixado nos valores formais,
técnicos e expressivos. Em contraposição o ouvinte musicalmente inculto aproveitará do
isolamento a que o rádio o constrange, para dar asas à sua fantasia, que, estimulada pela música,
e não mais orientada pela presença direta de um aparato ritual, poderá fazer, do fato sonoro,
ocasião para abandonar-se à onda indiscriminada dos sentimentos e imagens; já ao amador
principiante faltará aquele subsídio constituído, na sala de concerto, pelo gesto do solista ou,
melhor ainda, do maestro, que lhe permite seguir o fluir do discurso sonoro, espacializando os
vários níveis melódicos-harmônicos e as seções tímbricas” (Eco, 1970: 320).

Embora esta análise seja direcionada à música de concerto, com maestros e solistas,
podemos transportar o mesmo raciocínio para outras modalidades musicais. Estes três tipos
de ouvintes – o musicalmente preparado, o inculto e o amador principiante – enfrentam os
mesmos desafios com todos os estilos musicais veiculados pelo rádio. Nosso personagem

66
principal de estudo, que se aproxima mais do amador principiante, buscando informações
que auxiliem e complementem o seu aprendizado musical, é o que mais se ressente do
isolamento do rádio, principalmente pela ausência do contato visual com os gestos dos
músicos. Esta questão é solucionada com a televisão.
Por um lado, Eco afirma que “no vídeo, a presença visiva dos executantes e do
público não substitui a presença física” (Eco, 1970: 321). A experiência decorrente da
transmissão de um show ou concerto não é equivalente à presenciar o mesmo evento, e
dificilmente poderemos medir a emotividade que cada uma das situações pode gerar. Mas,
por outro lado, Eco reconhece as possibilidades pedagógicas que as imagens oferecem à
música, e é inegável que a observação contínua de instrumentistas pode servir de auxílio
para os estudiosos.
No entanto, no momento de conclusão desta pesquisa, poucos são os programas de
televisão no Brasil que transmitem integralmente ou parcialmente espetáculos musicais,
com a intenção de criar uma ilusão para o telespectador de estar fisicamente presente no
local da apresentação. A maioria dos casos deste tipo pertence aos canais de televisão a
cabo.18 A transmissão “ao vivo” é ainda mais rara, sendo a experiência mais próxima da
apresentação real, pois sabemos que não houve edições e a imprevisibilidade dos
acontecimentos pode surpreender até mesmo as câmeras e os diretores. Por este motivo,
Machado (2000) classificou o estilo do jazz e a televisão ao vivo como duas artes da
improvisação.

“Talvez não exista um motivo mais adequado à transmissão televisual do que um bom concerto
de jazz, porque a televisão permite associar à espontaneidade e ao aleatório da forma musical a
aventura errática dos cortes e enquadramentos decididos no próprio momento da performance,
com a incorporação inclusive dos acidentes do acaso” (Machado, 2000: 47).

São estas as melhores oportunidades para o aprendiz observar a prática de músicos


mais avançados e obter elementos para aperfeiçoar a sua própria performance. Nas

18
Um exemplo recente foi a transmissão “ao vivo” integral do Free Jazz Festival, em julho de 2001, pelo
canal a cabo Multishow, que também mantém reprises regulares de outros shows em sua programação, como
nos programas Carlsberg Music Live e Programa Música Brasileira. Este último, apresentado por João
Marcelo Bôscoli, apresenta artistas que se revezam e interagem em 3 palcos arranjados formando um círculo.
Na televisão aberta, a Rede Cultura destaca-se na transmissão de concertos eruditos, por exemplo durante o
Festival de Inverno de Campos do Jordão, evento que acontece anualmente no mês de julho.

67
situações em que a música serve de fundo para outras imagens que não as dos intérpretes
musicais, a visão age como fator perturbador da audição, e o aprendiz tem maiores
dificuldades do que ao concentrar-se somente no som. Nos videoclipes, presentes em
programas de diversos canais da televisão aberta e a cabo, podemos ter os dois casos: a
música pode ser apenas um complemento para imagens que contam uma história ou
mostram cenas desconexas, ou os músicos podem ser uma peça central, normalmente
dublando a gravação da música realizada anteriormente. Como discutiremos mais tarde, a
possibilidade de apenas fingir que a execução está ocorrendo no momento da filmagem,
estratégia muito comum na produção de videoclipes, pode enganar ou confundir o
espectador.
Logo percebemos que a função principal exercida pelos videoclipes é divulgar
músicas e não disponibilizar informações dirigidas especialmente para o ensino musical.
Neste sentido o papel da televisão é atuar como agente estimulador, fornecendo um
material que não contribui diretamente para o aprendizado de instrumentos musicais mas
que incita a procura de maiores aprofundamentos. Exemplo disto são os resultados da
pesquisa de Corrêa (2000) sobre os processos de auto-aprendizagem de violão com
adolescentes. Juntamente com o rádio, a MTV foi citada como fonte de motivação para o
estudo das músicas veiculadas, muitas vezes pela apreciação tanto das imagens quanto dos
aspectos sonoros.
Em outras situações, a música é utilizada como elemento pedagógico e usualmente
as letras das canções são meios para trabalhar disciplinas como o português ou a história.19
Seguindo o raciocínio de Gardner (1994), percebemos como a análise detalhada dos versos
que conhecemos através dos meios de comunicação pode ser de grande auxílio na
compreensão de assuntos tão diferentes como concordâncias verbais e a guerra do Vietnã.
Embora este tipo de programa possa trazer informações sobre movimentos musicais
históricos, pouco contribuem para o aprendizado da teoria ou da prática da música. Raros
são os programas que abrem espaço para que os músicos possam demonstrar seu trabalho
instrumentalmente ao mesmo tempo em que comentam e explicam seus raciocínios e
percepções, cenário que seria muito favorável ao estudo musical.20

19
Exemplos deste caso são os programas “Nossa Língua Portuguesa”, veiculado pela Rede Cultura, e
“Afinando a Língua”, do canal a cabo Futura.
20
Exemplo deste caso é o programa “Ensaio”, dirigido por Fernando Faro e apresentado pela Rede Cultura.

68
As mídias surgidas após o rádio ampliaram as possibilidades de aprendizagem à
distância; a televisão adicionou a imagem e o computador disponibilizou a hipermídia.
Iremos analisar estas questões respectivamente nos capítulos 4 e 5. Porém, neste ponto
devemos assinalar como a conquista do controle do som foi fundamental para um melhor
controle do ensino.

3.2 Controle do Som

A tecnologia de registro e transmissão do material sonoro criou novas maneiras de


trabalhar a música que podem ser extremamente positivas para o aprendizado musical.
Exemplos disto são as formas de manipulação sonora presentes nos aparelhos de som
modernos, por mais simples que sejam. Quando o ouvinte altera as freqüências da música,
através dos controles de graves e agudos ou de equalizadores (com os quais cada faixa de
freqüência pode ser modificada separadamente), um poder de influência está sendo
exercido e a música pode adquirir características mais suaves ou agressivas. Esta ação
possibilita que um dos instrumentos participantes da performance seja evidenciado, ou pelo
contrário que sua proeminência no contexto geral seja reduzida.21
Estas formas de controle do som permitem a criação de ambientes mais balanceados
e direcionados aos processos de ensino/aprendizagem. Manipulando a informação, os
pontos de interesse podem ser destacados e os assuntos secundários podem ser colocados
de lado. Exemplos são encontrados nas situações em que meios tecnológicos são utilizados
para valorizar metodologias de ensino, como constatamos nas aulas do professor de
percussão e bateria Jan Uetz, na escola Rhythmstixx, situada na região central de Berna,
Suíça.22 Uetz, diretor e principal professor da escola, enfatiza a importância do trabalho
com a tecnologia da seguinte forma:

21
Um caso típico é dos estudantes de contrabaixo: usualmente diminuem os agudos e reforçam os graves das
gravações para que seu instrumento seja destacado.
22
Entrevista com Jan Uetz realizada durante visita à escola Rhythmstixx em 2/11/2000.

69
“A RHYTHMSTIXX constitui uma combinação completamente nova entre escola de música e
estúdio de gravação. Essa combinação permite a suave transição da instrução para a aplicação
prática. Além da instrução individual normal para bateristas em todos os níveis, a
RHYTHMSTIXX também oferece instrução especial para gravações em estúdios (Studio
Drumming) e uso de equipamentos eletrônicos (Eletronic Drumming/Midi Percussion) –
aplicações que não são ensinadas em nenhuma outra escola na Suíça” 23

As salas de aula na Rhythmstixx dispõem de mixers, ou mesas de som, que


comandam os elementos envolvidos na aula. Da “estação de comando”, o professor
controla os aparelhos sonoros e de vídeo e comunica-se com os alunos através de um
microfone e fones de ouvido. Sem a ajuda tecnológica esta comunicação é dificultada pela
considerável intensidade de som produzida no estudo de determinados instrumentos de
percussão, impedindo que uma orientação ocorra durante a performance. Com o uso dos
equipamentos, não há a necessidade de elevar a voz, competindo com a própria
performance e dividindo a atenção do aluno: o som balanceado das instruções chega pelos
fones, agindo quase como uma “consciência” própria do estudante que dirige a prática que
se realiza. O professor também dispõe de uma câmera digital para filmar o aluno e
demonstrar quaisquer problemas relacionados aos seus movimentos ou à sua postura
corporal. Toda a tecnologia disponível é utilizada para reportar ao aluno quais são seus
erros e acertos, e assim concentrar os esforços nas áreas de interesse.

“Uma especialidade do professor principal (head instructor) Jan Uetz está no campo do “controle
corporal” (“Body Control”). Baseado na observação de que a maioria dos problemas dos
bateristas com ritmos e consistência derivam de má postura, assim como de dificuldades técnicas,
ele desenvolveu um método completamente único. Após anos de pesquisa e discussões com
fisioterapeutas e médicos, suas aulas foram baseadas nas condições individuais do corpo humano
e nas leis naturais da física. O baterista aprende como maximizar sua energia com o instrumento
através de postura correta e técnica, e como resultado consegue desenvolver maiores velocidades
e dominar coordenações complexas facilmente.” 24

As imagens captadas pela câmera são muitas vezes confrontadas com vídeo-aulas
que mostram músicos de estilos diversos realizando exercícios similares àqueles

23
Texto retirado do site www.rhythmstixx.ch.
24
Idem.

70
trabalhados na aula. Esta prática cria um universo de comparações, trazendo uma nova
dimensão auto-crítica para o estudo e sistematizando uma metodologia para o aluno. A
linguagem do vídeo é familiar, permitindo que o aprendiz desenvolva seus próprios
métodos que posteriormente poderão ser colocados em prática sem a supervisão do
professor. Este é, de fato, um dos objetivos da Rhythmstixx:

“O estudante é guiado em direção à auto-suficiência e à capacidade de realizar julgamentos


objetivos de seus próprios movimentos, técnica, controle e proficiência na leitura de partituras.
Ele ou ela aprende a tomar responsabilidade de seu próprio progresso.” 25

Se na Suíça a Rhythmstixx é única escola que investe na preparação do aluno para


lidar com tecnologias relacionadas à percussão, no Brasil percebemos uma grande lacuna
neste sentido. Devido ao alto custo envolvido na compra de equipamentos e no uso de
estúdios de gravação, os alunos brasileiros dificilmente têm acesso à estas experiências
antes de encontrar-se diante de uma situação profissional real. Este distanciamento entre o
aprendiz e a tecnologia pode gerar problemas como este apontado por Costa (1996):

“os músicos formados em nossas escolas, por exemplo, não conhecem nada sobre processos de
gravação sonora: i.e., aquilo que transforma a sua produção artesanal num produto industrial.
Para compensar, os técnicos e engenheiros de som dos nossos estúdios, os que cuidam da
gravação, em geral, não conhecem música. O resultado é uma conversa de surdos entre músicos e
técnicos/engenheiros nos estúdios de gravação e nos palcos dos concertos de música popular –
cada vez maiores e com equipamentos mais sofisticados – e, naturalmente, a pior qualidade do
som produzido” (Costa, 1996: 22).

Costa sugere que cursos específicos deveriam ser criados para a formação superior
de engenheiros de som, estabelecendo uma interface entre engenharia elétrica, física
(acústica) e música; e que através de especializações os arranjadores, compositores e
músicos poderiam “incorporar esta nova tecnologia, cujo acesso hoje só se faz através de
cursos fora do país ou de forma auto-didática”(Costa, 1996: 23).
Contudo, em nossa realidade atual, não temos tal tipo de especialização nos estudos

25
Idem.

71
musicais e nem mesmo uma educação musical oficialmente presente nas escolas. Daí a
relevância de analisar os processos de auto-aprendizagem, que se tornam meios para
aprender não somente música mas também como lidar com os sistemas tecnológicos
modernos. Sem a orientação de um professor, o aprendizado ocorre através de tentativa e
erro, e neste contexto todas as possibilidades de interatividade que são criadas pela
tecnologia são vitais.
A interatividade traz ao aprendiz muitas das respostas que seriam dadas pelo
professor ou estimula novas idéias, construindo uma espécie de “diálogo” entre aluno e
máquina. Um exemplo em que o músico recebe estímulos são os aparelhos que
automaticamente produzem seqüências de notas musicais a partir de uma nota executada
em um instrumento musical, ou os delays e reverbs que transportam o músico para um
ambiente diferente daquele em que ele realmente se encontra. Ouvindo a resposta eletrônica
às notas que são tocadas, o músico poderá ter reações que modifiquem a execução da
música. Muitos dos instrumentos musicais eletrônicos modernos de alguma maneira
possibilitam esta interação. Diz Chadabe:

“...interação significa influência mútua. Em termos ambientais, significa que causamos mudanças
no meio ambiente e reagimos a eventos ambientais. Em termos musicais, significa que
influenciamos o instrumento que tocamos e que somos influenciados pelos sons que ele produz.
Significa que um instrumento tem uma mente própria, por assim dizer, de forma que ele produz
informações musicais que contém surpresas” (Chadabe, 1996: 43).

Esta “mente própria” do instrumento, nos termos de Chadabe, pode ser controlada
por computadores ligados aos instrumentos eletrônicos através da linguagem MIDI. Por
exemplo, alguns modelos de piano eletrônico (como o Yamaha Disklavier e o Bösendorfer
SE) podem ser conectados a computadores e programados para executar peças musicais (ou
registrar e repetir a execução que foi realizada por um músico). Na tela do computador
temos uma visualização imagética das notas percutidas, dispostas em gráficos ou em
notação musical tradicional, a partir da qual podemos realizar operações como as de um
editor de textos, recortando e colando trechos ou alterando a altura de notas e suas durações
rítmicas. Podemos, também, separar as notas da mão direita daquelas executadas pela mão
esquerda, pedindo ao aluno que contracene com a máquina para complementar a música

72
(Tomita e Barber, 1996). Todas estas atividades abrem possibilidades altamente vantajosas
para a auto-aprendizagem, pois oferecem um feedback ao aprendiz sobre seu desempenho,
contribuindo para o seu auto-conhecimento.
A idéia de computadores auxiliando a performance musical, chamada por muitos
autores de computer-aided performance, é um dos recursos que facilitam o aprendizado da
música pois ampliam as oportunidades de interatividade.

“o conceito de computer-aided performance é especialmente apropriado para o emergente


mercado da mídia interativa. De fato, a mídia interativa – incluindo floppy discs, CD-ROMs e
eventualmente a televisão interativa – em um futuro próximo vai fornecer a plataforma de
hardware básico para a computer-aided performance” (Chadabe, 1999: 26).

Uma das possíveis contribuições da associação entre computadores e instrumentos


musicais eletrônicos está em participações mais ativas nas performances musicais, atuando
em tempo real; ou seja, durante a execução da música. Podemos então fazer com que eles
eliminem etapas do processo de interpretação e facilitem o aprendizado, permitindo que
mais pessoas participem de realizações musicais satisfatórias, independente de sua
proficiência técnica e destreza com os instrumentos. Além dos pianos eletrônicos
mencionados poucos parágrafos acima, podemos citar como exemplo os programas Radio
Baton e Conductor, desenvolvidos por Max Mathews (Mathews, 1991).
Mathews desenvolveu o primeiro programa que permitia a performance musical
através de computadores. Ele terminou o programa Music I em 1957, utilizando um IBM
704 para executar “In the Silver Scale”, uma composição de Newman Guttman com 17
segundos de duração. A música era programada com antecedência e somente após um
demorado processo o resultado sonoro final podia ser obtido. Os sistemas inicialmente
utilizados contavam com poucos recursos e as máquinas e processos eram demasiadamente
lentos para responder aos controles em tempo real. Atualmente, a velocidade de
processamento dos computadores permite que os músicos modifiquem o som baseados em
respostas imediatas, assim como reagimos ao som de um piano quando pressionamos uma
tecla e ouvimos o resultado imediato daquela ação.
O Radio Baton é um aparelho que apresenta uma das formas de controlar o som em
tempo real. Trata-se de um sistema de sensores que atuam como a batuta de um maestro e

73
emitem sinais que são enviados ao programa Conductor, que os traduz e envia mensagens
em MIDI para um sintetizador. O Conductor atua como uma espécie de seqüenciador, onde
as alturas e durações das notas de uma determinada composição são armazenadas, e estarão
esperando para serem disparadas pelos comandos do instrumentista. Dessa forma, o músico
controla os sons que já estão programados no computador e atua verdadeiramente como
uma espécie de maestro.
O software utilizado divide a tarefa da performance musical em dois componentes
distintos: o predeterminado e o expressivo. O compositor predetermina sua obra na
partitura, e o instrumentista adiciona a parte expressiva, com a possibilidade de desviar as
intenções originais do compositor com a sua interpretação. A partitura determina as alturas
e as durações relativas das notas da música, enquanto que o intérprete tem influência sobre
o tempo, a dinâmica e as relações entre as notas e o silêncio entre elas. É importante
ressaltar que softwares baseados neste conceito são concebidos para a música escrita e
arranjada, não para estilos que valorizam a improvisação, como o jazz.
O Conductor concentra a prática do instrumentista apenas nos aspectos de expressão
da música, pois o próprio programa encarrega-se de realizar a parte predeterminada. As
notas, com as alturas e durações corretas, já estão definidas no computador, portanto o
músico não necessita da técnica para ler e executá-las afinadamente. Assim, mesmo os
iniciantes, sem um controle técnico adequado em seus instrumentos, têm a capacidade de
interpretar a música e desenvolver a sua expressividade. Diz Mathews que

“Os programa Conductor e o Radio Baton podem criar outra forma de experimentar a música,
onde ao invés de passivamente sentar e ouvir um CD, você poderia comprar a partitura de uma
peça musical em um floppy disk e reger sua própria interpretação da música” (Max Mathews,
citado em Chadabe, 1997: 332).

Outros programas permitem que músicos não instruídos realizem trabalhos mais
avançados no campo da composição. Em muitos teclados eletrônicos, por exemplo, a
execução de uma simples nota pode disparar um acompanhamento rítmico e harmônico,
dando origem a uma música parcialmente pré-programada na máquina.
Na visão de Chadabe (1997), o auxílio tecnológico aos iniciantes na música é
extremamente benéfico:

74
“a interatividade em casa significa que um amador, talvez sem talento ou habilidade, pode
participar de um processo musical de forma recompensadora. Isso é possível? Sim, porque o
aspecto da performance musical que requer habilidade, ou seja, tocar as notas, pode ser eliminado
das tarefas do músico. Isso é bom? Sim, porque permite que pessoas participem de processos
musicais em um nível artístico significativo mesmo se elas nunca estudaram um instrumento
musical anteriormente” (Chadabe, 1997: 332).

Mathews levanta algumas questões sobre as mudanças que novos programas, como
os descritos acima, poderão provocar nos instrumentistas. “Podem os novos instrumentos
tornar a música demasiadamente fácil de ser executada e logo desinteressante?” (Mathews,
1991: 42). Sem um desafio técnico mínimo, a apreciação e a valorização das interpretações
estariam comprometidas, quando qualquer músico, sem distinção de mérito ou treinamento,
tivesse a capacidade de interpretar peças complexas. Todos seriam virtuosos, e os virtuosos
de fato se perderiam em meio ao mar de novos talentos criados via computador. O
significado da habilidade técnica, desenvolvida atualmente através de anos de prática
contínua, perderia então seu valor?
A questão mais relevante para nossos fins está relacionada com o processo de
aprendizagem: “se programas de computador para auxílio dos instrumentistas, como o
Conductor, podem eliminar ou reduzir a demanda técnica e o tempo de estudo, qual será o
efeito nos alunos?” (Mathews, 1991: 41). Esta pergunta nos leva a refletir sobre o que é
desenvolvido com a prática da técnica, além das próprias capacidades técnicas. Mathews
coloca que, durante os anos de aprendizagem em que os alunos estudam os mesmos
exercícios repetidamente, eles aumentam suas sensibilidades e treinam sua percepção
auditiva. Quais seriam as conseqüências de uma considerável redução desta etapa?
Percebemos que, se por um lado os alunos não mais desenvolverem certas
habilidades da mesma maneira porque as máquinas facilitaram o aprendizado ao extremo,
por outro, novas habilidades possivelmente serão colocadas em evidência. Por exemplo, os
programadores de seqüenciadores, embora não possuam necessariamente desenvoltura
técnica em instrumentos musicais, são reconhecidos pelas suas capacidades em criar e lidar
com os elementos da música. Os DJs transformaram o toca-discos em um instrumento
musical e elaboraram a arte de conectar sons. Nestas situações os alunos aprenderam a

75
relacionar-se com a música por intermédio da tecnologia e elaboraram condições para se
expressar artisticamente.
Assim como o controle do som, o controle das imagens também pode auxiliar os
processos de aprendizado musical. O sistema do DVD, uma alternativa mais elaborada do
videocassete para as vídeo-aulas, permite determinar sob qual ângulo uma cena será
assistida, qual língua será utilizada nas falas, qual músico será focalizado, e poderemos
colocar a intensidade de um determinado instrumento em destaque, entre outros recursos.
Em uma situação de controle total, poderemos determinar um único foco de atenção
durante todo um concerto, dentro de uma orquestra com dezenas de integrantes. Se
lidarmos com a aula de um único professor, poderemos observar separadamente os detalhes
de suas explicações e performances, destacando um elemento de cada vez. Este conceito
vem sendo desenvolvido pela empresa norte-americana Hudson Music, antiga DCI Music
Video, a partir do lançamento do DVD “Modern Drummer Festival 2000”. Com a
possibilidade de repetir as mesmas cenas sob diferentes perspectivas, aprendemos a ver as
situações de novas maneiras, com uma nova ótica.

“...a unificação dos sistemas de CD de áudio e de vídeo (DVD) deverá originar a criação de um
multi-aparelho único áudio-vídeo-laser capaz de – ao lado de um sem-número de outras funções
ligadas aos recursos de telefonia e satélites – possibilitar não apenas assistir à transmissão de
musicais programados em laboratório, mas admitir inter-relação entre emissor e receptor em
nível de realidade virtual” (Tinhorão, 2001: 184).

Assim como existe o recurso do hipertexto, destacando certas palavras ou conceitos


e nos conduzindo a informações mais detalhadas, a interatividade no vídeo eventualmente
irá nos proporcionar opções de aprofundamento em determinados assuntos. Poderemos
“clicar” sobre as imagens de um vídeo musical e obter explicações sobre as escolhas dos
instrumentistas ou comentários relevantes relacionados àquela música. Em uma vídeo-aula,
nosso papel passivo de espectador será substituído por um comportamento mais
investigativo, pois com a citação de uma obra ou compositor, por exemplo, teremos acesso
a mais dados a partir daquele nome. Com a junção da televisão com o computador,
anunciada há tempos como um provável desenvolvimento futuro destas tecnologias
(Negroponte, 1995 e Gates, 1995), teremos uma conexão direta do vídeo com as redes de

76
informação como a Internet. Quando um professor se referir a um estilo musical ou a uma
peça específica, teremos um link direcionado a sites aprofundando o tema. Todas estas
idéias já são realidade e provavelmente serão disponibilizadas comercialmente nos
próximos anos.
Concluímos que o principal meio tecnológico de auto-aprendizagem no século XX
foi a gravação sonora, estabelecendo uma base para que posteriormente os meios de
comunicação propagassem a música e desenvolvessem novas formas de transmitir a
informação. O rádio e a televisão tiveram um papel importante como divulgadores de
repertório, mas foi com o vídeo que uma sistematização do aprendizado foi elaborada. Os
computadores ampliaram as oportunidades de acesso interativo à conteúdos musicais e
eventualmente uma fusão de todas as tecnologias será um veículo comum para que os
aprendizes adquiram conhecimento. Neste ponto, devemos nos voltar para as duas
tecnologias mais importantes para os processos de auto-aprendizagem na atualidade, e que
deverão ser os principais elementos da convergência tecnológica no futuro: o vídeo e o
computador.

77
CAPÍTULO 4 – O VÍDEO

4.1 A Imagem

O uso do vídeo nos processos de auto-aprendizagem musical deve ser abordado


através de óticas envolvendo a relação do som e da imagem ao nível da comunicação,
informação e linguagem. Machado (1997) nos alerta que

“hoje o vídeo deixa de ser concebido e praticado apenas como uma forma de registro ou de
documentação, nos sentidos mais inocentes do termo, para ser encarado como um sistema de
expressão pelo qual é possível forjar discursos sobre o real (e sobre o irreal). Em outra palavras, o
caráter textual, o caráter de escritura do vídeo, sobrepõe-se lentamente à sua função mais
elementar como registro” (Machado, 1997: 188).

Em outra passagem Machado destaca que “o vídeo é também um fenômeno de


comunicação, algo se transmite pelo vídeo e este algo só se transmite porque o vídeo deve
operar com certas formas e certos modos de comunicação” (p.193). Neste sentido o autor
concluiu que podemos falar de uma linguagem das formas audiovisuais, não segundo um
caráter universal ou normativo da gramática das mensagens verbais, mas como um sistema
híbrido que opera com códigos significantes distintos, realizando uma síntese de todas as
contribuições que recebe do cinema, do teatro, do rádio, da televisão, da literatura e da
computação gráfica.
Atualmente, pela quantidade e qualidade de cinema e televisão a que as pessoas são
expostas regularmente, imagens e sons cada vez mais substituem o texto escrito na
educação cotidiana informal. Este processo é marcado pela oralidade, onde a nova forma de
conhecer o mundo não mais é através da escrita e da leitura, mas a partir de imagens e sons
reais, com filmes, vídeos, discos e veículos da mídia eletrônica desempenhando o papel de
“livros de nosso tempo”. Assim, como foi observado por Castells (1996), os meios
audiovisuais passam a lidar com diversos aspectos da vivência humana, atuando em áreas
que, anteriormente, eram restritas às artes pois o conhecimento escrito era tido como
“superior”:

78
“Implicitamente ou explicitamente estabelecendo uma hierarquia social entre a cultura letrada e a
expressão audiovisual, o preço pago pela fundamentação da prática humana no discurso escrito
foi relegar o mundo dos sons e imagens para o âmbito das artes, lidando com o domínio privado
das emoções e com o mundo público da liturgia. É claro, a cultura audiovisual teve sua vingança
histórica no século vinte, primeiro com o filme e o rádio, depois com a televisão, dominando a
influência da comunicação escrita nos corações e almas da maioria das pessoas” (Castells, 1996:
327).

Tinhorão (1981), observando um estilo de radialismo aliado a um espírito


jornalístico, iniciado no Brasil por Roquette Pinto em meados da década de 20, chamou o
rádio de “livro falado”. Através desta colocação podemos comprovar a importância do
rádio como reforço desta cultura oral a que nos referimos, a qual foram somadas imagens
com o cinema e posteriormente a televisão, parcialmente substituindo a cultura letrada que
imperava desde o surgimento da prensa de Gutemberg. Através destas novas formas de
apresentação de idéias desenvolvemos uma inteligência verbal, que implicaria em uma
“inteligência reflexa, especular e mecânica, o que se vê e se ouve é o que é, uma verdade,
mesmo que seja substituída por outra em seguida, verdades que se sobrepõem umas às
outras, nunca compondo um todo que dê sentido ao pensamento sobre o mundo” (Almeida,
1994: 45). Assim, a imagem que vale por mil palavras recebe o poder de estabelecer as
verdades, façam parte da realidade ou não.
Quando o vídeo é utilizado para transmitir música, as distorções possíveis através da
sua linguagem podem construir imagens que enganam o ouvinte / telespectador. Podemos
fazer parecer que o som de uma orquestra inteira é produzido por apenas quatro músicos ou
que um instrumento apresenta capacidades diferentes da sua sonoridade real. Em uma aula
gravada em vídeo, um professor pode dirigir a atenção de seus alunos para um ponto e
esconder outros, não revelando o assunto em sua totalidade. O poder da imagem pode
deseducar e confundir, se aproveitando de uma possível falta de critérios críticos que
imbuem o telespectador.
No caso específico da aprendizagem sistematizada da música através do vídeo, a
oralidade assume um contexto diferente, em que a confiança depositada pelo aluno exige
uma cumplicidade do educador / produtor que organizou o material. Não há possibilidade

79
de um diálogo em tempo real para solucionar dúvidas ou obter esclarecimentos (ao menos
enquanto a televisão interativa ou a videoconferência não tornarem-se comuns), logo cabe
ao produtor das imagens antecipar as dúvidas e inseguranças do aprendiz. É preciso
sensibilizar o espectador e lidar com a subjetividade das pessoas, o sentir, a percepção e o
gosto pela música: não haverá resultados positivos se um professor apenas despejar
informações sem estabelecer uma conexão com o aluno. É preciso também compreender o
funcionamento da linguagem do vídeo, que a maioria dos indivíduos domina na atualidade,
ao menos parcialmente, através da convivência com a televisão.
Apesar do cinema ter gerado diversos clássicos musicais desde o surgimento dos
filmes falados26, foi com a televisão que a transmissão da música em conjunto com a
imagem se torna importante para nossa discussão.

4.2 A TV e a MTV

O canadense Marshall McLuhan (1964) também sugere que há diferenças de


mensagens da mídia eletrônica em comparação com mensagens escritas. Segundo o autor, o
uso da televisão marca uma nova era na história mundial, criando uma “aldeia global” onde
a mídia é o meio de comunicação entre seus habitantes. Assim como todas as mídias, a
televisão é uma extensão das capacidades do homem, mas com a capacidade de aglutinar
propriedades presentes nos outros meios de comunicação.

“A maioria das tecnologias produz uma amplificação que é muito explícita na separação dos
sentidos. O rádio é uma extensão do auditivo, a fotografia de alta definição do visual. Mas a TV
é, acima de tudo, uma extensão do sentido do tato, que envolve influências entre todos os
sentidos” (McLuhan, 1964: 290).

Certamente a influência da televisão estende-se ao campo das artes, com uma


adaptação aos novos formatos de apresentação possíveis com o desenvolvimento

26
Vale aqui lembrar que o primeiro longa-metragem sonorizado foi um musical: “The Jazz Singer”, em 1927.

80
tecnológico. A relação som / imagem recebe novos sentidos com a inclusão da música no
cinema e na televisão, muitas vezes sugerindo diferentes interpretações para ambos os
aspectos. Um exemplo deste caso, citado por Kleiler e Moses (1997), é a dança dos satélites
no filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, onde o diretor Stanley Kubrick coloca
espaçonaves se revirando em câmara lenta ao som de valsas de Strauss. O contraste
causado pela justaposição de tecnologia do século XXI com a música do século XVIII
demonstra como a música pode se relacionar com movimentos, quando “certos objetos ou
imagens movem-se como a batuta de um maestro e combinam perfeitamente com o tempo
da música” (Kleiler e Moses, 1997: 31).
Um dos fenômenos mais evidentes da influência da televisão na música foi o
surgimento da MTV (Music Television), um canal de televisão à cabo dedicado
exclusivamente à música (ao menos em sua concepção original), inaugurado nos Estados
Unidos no dia 1o de Agosto de 198127. Segundo Shuker (1998), a MTV se tornou quase um
sinônimo de vídeo musical como forma cultural. Para Farber (1992), a fusão de três das
mais poderosas novas mídias do século XX – a televisão, o rádio e a música gravada –
criou um tipo de monstro. No aspecto visual, Machado (2000) destacou a construção de
uma “identidade” pela MTV nas suas propostas gráficas inovadoras, principalmente através
de suas vinhetas e logotipos.
O fato é que ocorreram grandes mudanças na maneira pela qual a música era
produzida e percebida. Inicialmente com 85 por cento de seus telespectadores dentro da
faixa etária de 12 a 34 anos, nas palavras de Marshall Cohen, então vice presidente de
marketing da empresa, a MTV é o “canal mais pesquisado da história” (Garofalo, 1997:
357). Através desta frase, Cohen revelava a preocupação em atingir públicos de mercados
específicos, dando à música um tratamento de produto comercial e mostrando indícios de
parcerias que viriam a acontecer com a indústria de discos. À medida que a popularidade da
MTV aumentava, o videoclipe (vídeo musical) revitalizava a indústria da música popular e
redefinia o perfil de artista destinado ao sucesso comercial. As companhias multinacionais
de gravação passaram a considerar a produção de vídeos uma necessidade para divulgar
seus produtos musicais, e assim surgia uma preocupação especial com a maneira como um

27
A subsidiária brasileira da MTV seria inaugurada dez anos mais tarde, em 1991. Atualmente a rede está
presente em 41% dos domicílios brasileiros (“Maior de Idade, Alma Adolescente”, Revista Veja, edição 1713,
n. 32, 15 de agosto de 2001), e em alguns Estados brasileiros faz parte da televisão aberta.

81
artista aparecia na tela da televisão. Em 1983, segundo a revista americana Bilboard, a
exposição de novas bandas na MTV resultava em um crescimento de vendas de seus discos
de 15 a 20 por cento (Szatmary, 1996).
Diz Szatmary (1996) que a MTV substituiu o rádio como o grande lançador de
modismos na música popular. Mas havia uma diferenciação quando a imagem estava
presente, como coloca Zan (1997):

“o disco e o rádio desenvolveram basicamente a dimensão sonora da canção. Os intérpretes


preocupavam-se com as técnicas de emissão dos sons, com a exploração dos recursos dos
estúdios, com o uso dos microfones, etc. O cinema e a televisão vão, cada um a seu modo,
valorizar o potencial cênico e performático dessa manifestação artística” (Zan, 1997: 159).

O aspecto cênico recebe uma nova dimensão na divulgação de músicas a partir do


instante em que, associando o produto musical à imagem do artista, é possível duplicar a
abrangência dos esforços comerciais da indústria musical. Strasburger (1999), em seu
estudo sobre os adolescentes e a mídia, assinalou que, embora o impacto dos vídeos
dependa da interpretação dos espectadores, as mensagens contidas nas cenas e ações
servem para realimentar a assimilação do aspecto musical.

“Os vídeos de música são mais do que televisão acrescida de música. Eles são auto-reforçadores:
se os espectadores ouvem uma música após terem visto uma versão no vídeo, eles imediatamente
recordam a imagem visual do vídeo” (Strasburger, 1999: 108).

A imagem ganhava tanta (ou mais) importância quanto o som, muitas vezes até
suprindo a inconsistência musical de artistas que concentram todo seu apelo no aspecto
visual. Banks (1998) afirmou que

“artistas com pouca habilidade técnica ou talento musical são capazes de criar uma canção de
sucesso com um vídeo atrativo e a assistência de um produtor experiente. Quaisquer deficiências
na sua performance vocal ou instrumental pode ser remediada através de uma extensa mixagem
de áudio feita por engenheiros no estúdio” (Banks, 1998: 303).

82
A tecnologia cria um problema quando é utilizada para promover artistas com boa
aparência mas sem qualidade técnica, em seguida apresenta a solução com a manipulação
do som posterior à performance.
Muitos chegaram a acreditar que os vídeos musicais iriam parcialmente substituir as
performances presenciais, e a indústria das gravadoras fonográficas passou a destinar
fundos antes dirigidos a subsidiar apresentações de seus artistas para a produção de vídeos
promocionais dos mesmos. Durante a década de 70, as multinacionais freqüentemente
financiavam uma série de concertos com a finalidade de divulgar seus contratados,
enquanto que nos anos 80, após o surgimento da MTV, esta tarefa foi realizada
principalmente pelos videoclipes. Contudo, a MTV não posicionou-se de maneira
competitiva aos shows; muito pelo contrário, tornou-se uma força aliada, divulgando-os e
encorajando a compra de ingressos. Segundo Banks (1996),

“a crescente importância do vídeo musical teve um impacto nas apresentações ao vivo, mas não
na maneira prevista. O vídeo musical não destruiu os concertos, mas ao invés influenciou a forma
e o conteúdo das performances. Artistas populares tentavam recriar a imagem, efeitos especiais, e
coreografias de seus vídeos em shows ao vivo” (Banks, 1996: 142).

O vídeo, em muitas ocasiões, também se tornou parte integrante do espetáculo


apresentado, colocando imagens no palco que interagem com os músicos e ambientam o
cenário. Em concertos de grande porte, a tela toma proporções gigantescas para ampliar a
imagem dos instrumentistas, possibilitando que sejam vistos por espectadores a centenas de
metros de distância. Neste contexto percebemos uma alteração no comportamento das
platéias, que reagem passivamente como se estivessem assistindo televisão, e não
verdadeiramente diante dos artistas.
Vicente (1996) assinala que, a partir do protocolo MIDI, é possível sincronizar
elementos não musicais de um show – como os telões que transmitem os vídeos – com a
performance desenvolvida nos palcos. Esta prática, no entanto, representa

“uma completa subversão do sentido tradicional da performance: a presença cênica dos artistas, o
andamento das músicas e sua própria ordem de apresentação devem ser planejados
antecipadamente e executados em rigoroso acordo com os sons, projeções e luzes sequenciados,
sem praticamente nenhuma margem para a improvisação” (Vicente, 1996: 42)

83
Como já observamos anteriormente, a função principal dos vídeos musicais não é
transmitir elementos para a aprendizagem musical. Strasburger (1999) destacou que se os
adolescentes aprendem algo com a mídia, isto ocorre na difusão de modismos, tanto na
música como no vestuário, já que “a MTV oferece imagens de pessoas atraentes e, de
muitas formas, funciona como um desfile de estilos” (Strasburger, 1999: 109). Aprender a
tocar um instrumento musical exclusivamente pela observação contínua de clipes é uma
tarefa quase impossível, ainda mais com o direcionamento visual das produções mais
recentes. Enquanto que muitos dos videoclipes da década de 80 mostravam os músicos em
ação, possivelmente fornecendo dados que conectassem a música ao ato físico de sua
produção, atualmente muitos vídeos substituem os intérpretes por outras imagens ou os
colocam de forma bastante discreta, “como se fossem figuras furtivas e secundárias, à
maneira das aparições de Hitchcock em seus filmes” (Machado, 2000: 176). Além disso, a
descontinuidade que normalmente caracteriza o videoclipe impede qualquer tentativa de
criar a ilusão de uma performance real. Os planos são utilizados de maneira independente,
sem preocupações de forjar uma linearidade temporal e espacial.

“Tudo muda na passagem de um plano a outro: a indumentária dos intérpretes, o lugar onde se
ambienta a canção, a luz que banha a cena, o suporte material (filme ou vídeo de distintas bitolas)
e assim por diante” (Machado, 2000: 180).

Porém, a contribuição dos vídeos musicais e da MTV ocorre através de um estímulo


nos espectadores, mesmo que impulsionado pela criação de modismos, para o
envolvimento com a música. A emissora despertou o interesse pelo aprendizado de
instrumentos musicais em toda uma nova geração, abrindo caminhos e preparando os
aprendizes para o desenvolvimento das vídeo-aulas de música no meio da década de 80. A
proposta de ligar a televisão para ver e ouvir a música, inicialmente colocada pelos
diferentes formatos de musicais, foi completamente sedimentada. A idéia de aprender
música através do mesmo meio torna-se natural dentro deste contexto.
O ensino da música pelo vídeo surge em um mundo de conforto tecnológico, onde
as pessoas cada vez saem menos de casa e cada vez mais cumprem tarefas através de botões
de controle remoto. Em certo aspecto ela representa um enquadramento da música nesse

84
ambiente de esforços mínimos, uma modelagem do processo de aprendizagem para o
futuro.

4.3 A Vídeo-aula

No decorrer dos anos 80 novas tecnologias transformaram o sistemas das mídias. O


surgimento do walkman permitiu que indivíduos, principalmente os jovens, “construíssem
paredes sonoras contra o mundo exterior” (Castells, 1996: 338); as rádios se especializaram
e a televisão à cabo multiplicou o número de canais disponíveis, ampliando e diversificando
as opções de escolha nas programações. Outra inovação que teria enorme impacto sobre o
universo da música foi o videocassete.

“Aparelhos de videocassete (VCRs) explodiram por todo o mundo e se tornaram em muitos


países em desenvolvimento uma alternativa à maçante transmissão oficial da televisão. Embora a
multiplicidade de potenciais usos dos videocassetes não fossem totalmente explorados, por causa
da falta de habilidades tecnológicas dos consumidores, e por causa da rápida comercialização de
seu uso pelas locadoras, sua difusão proporcionou uma grande flexibilidade ao uso da mídia
visual. Filmes sobreviveram na forma de fitas de vídeo. Vídeos musicais, responsáveis por 25%
do total da produção de vídeos, tornaram-se uma nova forma cultural que moldou uma geração
inteira de jovens, e de fato mudou a indústria musical” (Castells, 1996: 338).

Com a popularização do videocassete, os meios de divulgação da música foram


acrescidos por mais um canal de extrema importância. Todas as expressões musicais
inseridas na televisão poderiam ser apreciadas de maneira assíncrona, entregando ao
espectador o controle sobre quando e onde assistir a opção de sua preferência. E não
somente este espectador poderia registrar programas gravados da televisão para serem
assistidos posteriormente, como produtos comerciais seriam direcionados à públicos
específicos, com um material de concertos, shows, videoclipes, entre outras produções
contendo música. Tratava-se de uma nova formatação, mantendo as mesmas linguagens e
estilos que a televisão desenvolveu quando viu-se obrigada a adaptar o ritmo de suas

85
imagens à música que ela procurava retratar. Dessa maneira, o aprendiz musical ganhou um
controle maior sobre as informações que recebia, não só através da via textual e sonora,
mas também com o acompanhamento da imagem. A sistematização deste recurso para fins
pedagógicos resultou na vídeo-aula.
Colocamos como definição de vídeo-aula um material didático, usualmente
produzido com fins comerciais, que dedica-se a instruir o espectador em algum campo
específico. No caso da música, supomos que a vídeo-aula chegou ao seu modelo atual com
o surgimento da empresa norte-americana DCI Music Video, em 1983. Como o slogan
adotado pela companhia afirma, eles “definiram o padrão”. Sua proposta de comercializar
vídeos teve início a partir de uma escola de música chamada The Collective28, fundada na
cidade de Nova York - EUA em 1977. Rob Wallis e Paul Siegel, antigos alunos,
compraram a escola em 1980, e apesar de não terem nenhum conhecimento anterior na área
de vídeo, decidiram registrar algumas aulas especiais para serem disponibilizadas através
de encomendas postais. Desde o início a motivação era “documentar grandes músicos que
teriam um impacto duradouro na música, provendo os músicos – tanto iniciantes quanto
profissionais – com inspiração e informação”.29
Localizando-se em um centro de concentração de artistas e produtores musicais, a
DCI começou a produzir vídeos com nomes importantes da cena nova-iorquina,
especialmente na área do jazz. Os mais bem sucedidos comercialmente foram os de Steve
Gadd, baterista, lançado em 84; e Jaco Pastorious, contrabaixista, lançado em 85. O pianista
Chick Corea também teve destaque, juntamente com todos os integrantes de sua banda na
época, a Eletrik Band, que mais tarde produziriam cada um uma série de vídeos relativa ao
seus respectivos instrumentos: John Patitucci, contrabaixo; Frank Gambale, guitarra; Dave
Weckl, bateria; e Eric Marienthal, saxofone. Nesta altura a DCI tinha seus produtos
vendidos nas principais lojas de instrumentos musicais nos Estados Unidos, e em 1986 um
acordo foi firmado com a empresa Warner Bros., elevando a distribuição à um âmbito
mundial.

28
Originalmente a escola chamava-se Drummers Collective e era especializada apenas no ensino de
percussão. Quando outros departamentos foram criados o nome The Collective foi adotado, englobando
também a Bass Collective e o SOJ Jazz & Contemporary Music Center. Maiores detalhes sobre a The
Collective no site www.thecoll.com.
29
Entrevista com Rob Wallis e Paul Siegel em 3/9/1998.

86
Quatro anos depois a DCI iniciou uma série de publicações impressas, através da
criação de uma nova divisão da empresa chamada Manhattan Publications, onde alguns
livros continham material inédito e outros representavam transcrições de vídeos,
acompanhados de uma fita cassete – depois substituídas por CDs – com o material sonoro.
O primeiro livro, escrito por Frank Malabe, examinava detalhadamente os ritmos cubanos
em sua história e aspectos técnicos. O segundo foi preparado por Duduka da Fonseca,
músico brasileiro radicado nos Estados Unidos, e dava o mesmo tratamento aos ritmos
brasileiros. Durante os primeiros 10 anos de sua existência, a DCI Music Video e a
Manhattan Publications construíram um catálogo de mais de 200 títulos de vídeo e 35
livros.
Muitas das publicações da Manhattan Publications utilizavam o formato “play-
along”, em que o material sonoro que acompanha os livros contém duas versões de cada
música: uma original, completa com todos os instrumentos, e outra para o estudo, sem um
dos instrumentos. O aluno escuta a versão integral e procura reproduzi-la tocando em
conjunto com a gravação de estudo. O livro traz as partituras relativas aos exercícios e
indicações dos professores para uma interpretação correta. O formato “play-along”
começou a ser explorado mais seriamente nas produções brasileiras somente em 2001, com
a série “Toque Junto”, editada por Almir Chediak.
Os produtores Rob Wallis e Paul Siegel dizem sentir que havia uma espécie de
“vácuo” no mercado de livros didáticos do final dos anos 80, pois ainda eram produzidos os
mesmos tipos de materiais que eram feitos nos anos 60 e 70, com as mesmas capas e
conteúdos. Segundo Wallis, “a tecnologia evoluiu – nós lembrávamos quando garotos
como era tocar junto com discos (para aprender com eles), e percebemos que os tempos
mudaram, era hora de melhorar os livros com produtos de alta qualidade”. Assim como nos
vídeos, não havia nenhuma experiência prévia com a produção de livros, e o aprendizado
ocorreu ao longo do processo. Diz Walllis que “a vantagem de não saber o que se devia
fazer é que criamos um novo campo de livros, com um estilo próprio de informação, de
capas, de qualidade de papel”. Destacamos que freqüentemente os produtores de conteúdo,
assim como muitos dos futuros usuários dos materiais, participam de um processo de auto-
aprendizagem, na medida em que extraem lições de suas próprias experiências. Nesse caso,
a auto-aprendizagem gera criatividade.

87
Este estilo próprio, tanto nas produções gráficas quanto nos vídeos, intensificou o
interesse da Warner Bros. na DCI, e em 1992 os direitos sobre a companhia e seu catálogo
foram adquiridos, sendo que Wallis e Siegel foram mantidos no comando das produções até
1998. Assim que o contrato com a Warner chegou ao seu término, a dupla fundou outra
empresa, a Hudson Music, e deu continuidade ao trabalho com este novo nome.30
Atualmente a Hudson Music começa a explorar mais profundamente as novas tecnologias,
realizando pesquisas com DVDs e na Internet.
A escolha dos nomes que são destacados nas produções de vídeo-aulas seguem
análises mercadológicas, medindo a popularidade dos professores paralelamente à sua
habilidade em transmitir conteúdos. Diz Siegel:

“não podemos nos dar ao luxo de gastar em vídeos com desconhecidos.(...) O que coloca os
músicos na categoria de serem emulados e respeitados por outros músicos muitas vezes está
baseado mais em exibicionismo e aspectos superficiais, do que em aspectos fundamentais. É um
pouco frustrante”.

A vídeo-aula, não obstante suas finalidades educativas, é um produto comercial que


visa o lucro financeiro. Porém, as concessões comerciais não distorcem as finalidades
educativas da DCI. Os produtores – Wallis e Siegel – ressaltam o fato de ambos serem
músicos como o principal fundamento da empresa, pois assegura que os vídeos reflitam a
postura e os interesses reais dos alunos e professores da área.
A maior parte das vídeo-aulas tem como foco os aspectos práticos da educação
musical. O estudo técnico dos instrumentos usualmente mantém a teoria musical em
discussões básicas, suficientes para fazer compreender os pontos analisados. A teoria
avançada, contendo tratados harmônicos complexos, possivelmente não é considerada um
tema de grande aceitação comercial e permanece restrita aos livros. Seu estudo certamente
exige uma maior profundidade e uma formação anterior adequada por parte do aluno.
Existem basicamente dois tipos de vídeo-aula produzidos pela DCI: aquele em que
o músico assume o papel de professor e outro em que um entrevistador participa elaborando
a análise dos temas estudados. Freqüentemente indivíduos que realizam performances de
alta qualidade não possuem a mesma habilidade para articular verbalmente explicações e

30
Maiores informações no site www.hudsonmusic.com.

88
reflexões sobre sua arte. Siegel exemplifica citando Carter Beauford, o músico destacado
em uma vídeo-aula de bateria, intitulada Under the Table and Drumming, que foi produzida
em 1998:

“jamais vi ninguém tão confortável tocando, ou tão fluente tocando bateria em minha vida como
o Carter, mas ele não se sente nada confortável na hora de falar. Foi difícil... Tivemos que mudar
nossa estratégia. Na sessão em que esperávamos que Carter estivesse confortável falando para a
câmera, tivemos que colocar um amigo dele perto da bateria e aquilo se transformou em uma
conversação, o que ajudou bastante.”

Em casos como este é comum que o músico apresente performances, em peças solo
ou acompanhadas por outros músicos, que posteriormente são discutidas a partir de
questões colocadas por um entrevistador. Muitas vezes o músico é requisitado, então, a
repetir certos trechos, executando-os mais lentamente e explicando como a técnica utilizada
foi desenvolvida.

89
As vídeo-aulas são utilizadas como complemento didático em escolas como a
própria The Collective, que deu origem a empresa DCI Music Video. Nas escolas, o vídeo
“aproxima a sala de aula do cotidiano, das linguagens de aprendizagem e comunicação da
sociedade urbana, e também introduz novas questões no processo educacional” (Morán,
1995: 27). Dessa forma, sua presença traz imagens e sons distantes e ilustra as discussões
dentro da sala de aula. Mesmo nos grandes centros urbanos, onde concentram-se grandes
fluxos de informação, existe a necessidade de associar a música aos aspectos visuais de sua
produção. Embora grandes cidades como Nova York – onde está a The Collective – sejam
identificadas como celeiros culturais, caldeirões que misturam diversos ingredientes em um
único recipiente, nestes locais hoje somos expostos apenas à realidade presente, à
conseqüência, ao resultado de misturas. Para observarmos os ingredientes crus, puros, é
preciso retroceder às suas origens, muitas vezes dispersas e distantes espacialmente. A
música cubana, por exemplo, apesar de ser amplamente difundida em Nova York, tendo
exercido uma significativa influência sobre o jazz americano, tem suas raízes em diversos
músicos e tradições que são visualmente acessíveis apenas com o uso do vídeo. As imagens
permitem um resgate de movimentos, técnicas e instrumentações que não podem ser
facilmente reconstruídas, e com a observação de grandes mestres do passado, suas
contribuições são preservadas, estimulando os alunos a perseguirem seus ideais. O
documentário Buena Vista Social Club, dirigido por Wim Wenders no final da década de
90, é um exemplo desse resgate histórico, mostrando entrevistas com músicos cubanos em
seu país de origem.31
A Collective oferece uma disciplina chamada “Análise de Estilo”, dedicada à
discussão de um estilo musical a cada aula. O vídeo é largamente utilizado para identificar
os personagens da história musical, contrapondo passado e presente para chegar a um
entendimento da situação atual de cada estilo. Além das produções da DCI disponíveis nos
arquivos da escola, freqüentemente os professores utilizam suas coleções pessoais para
ilustrar os tópicos discutidos nas aulas. Em alguns casos, o vídeo faz parte do material
distribuído durante o curso, como nos “Beginners Workshops”, dirigidos aos
instrumentistas iniciantes, em que após a conclusão dos trabalhos uma fita de vídeo da
“Ultimate Beginners Series” é entregue aos alunos. Alguns professores preferem não

31
Maiores detalhes no site http://www.bvsocialclub.com.

90
utilizar o tempo da aula em frente à tela e apenas apontam quais vídeos são mais indicados
para o tema em análise.
Considerando o fato de que a grande maioria dos estudantes na The Collective são
de outros países que não os Estados Unidos, há uma preocupação dos professores desta
escola em prover seus alunos com um vasto material para ser digerido depois que voltem
para seus países de origem. A preleção inicial do diretor em cada semestre letivo
invariavelmente aconselha os estudantes a organizar o excesso de conteúdos recebidos e
criar sistemas para decifrar e aprofundar os detalhes mais tarde. Este direcionamento tem o
claro objetivo de centrar a aprendizagem no aluno, entregando a ele a responsabilidade de
compreender como os métodos funcionam para colocá-los em prática com total autonomia.
Neste sentido, como foi observado por Ferrés (1996), o uso do vídeo nas aulas modifica o
papel do professor:

“o vídeo pode liberar o professor das tarefas menos nobres, permitindo-lhe ser, antes de tudo,
pedagogo e educador. As tarefas mais mecânicas, como difusor de conhecimentos ou mero
transmissor de informações, foram confiadas às novas tecnologias (sobretudo ao vídeo e ao
computador), reservando-se ao professor tarefas mais especificamente humanas: motivar
condutas, orientar o trabalho dos alunos, resolver suas dúvidas, atendê-las segundo o nível
individual de aprendizagem. Nessas tarefas o professor é insubstituível. Nas demais, as máquinas
podem fazer muito melhor que ele” (Ferrés, 1996: 34).

Ou seja, podemos relegar as mensagens mecânicas, quantitativas, geralmente


relacionadas aos movimentos necessários para uma performance bem sucedida em
instrumentos musicais, ao vídeo, que possibilita uma série de recursos para a manipulação
das imagens. Podemos congelar um quadro, assistir em slow-motion, acelerar os
movimentos ou reverter a ordem dos acontecimentos. Podemos pular trechos que julgamos
desnecessários e acrescentar ou eliminar partes. Nos apoderamos das imagens e as
utilizamos da maneira que desejamos. Este domínio sobre o espaço e o tempo permite que
se estabeleçam novas formas de visualização das práticas musicais, quebrando em frames
os movimentos de uma performance ou repetindo infinitamente uma seqüência de
curtíssima duração.

91
O trabalho exemplificado pela The Collective qualifica o aluno para interpretar os
vídeos e desenvolver formas de apreender os conteúdos. Por isso, pode ser considerado
uma preparação para um futuro processo de auto-aprendizagem, que poderá ser colocado
em prática após o término do semestre de estudos na escola. E se os aspectos musicais
puramente técnicos são confiados às tecnologias, enquanto o aluno permanece na escola há
a possibilidade da criação de um espírito pedagógico em que aspectos qualitativos sejam
elaborados. Para um educador da música, realizar “tarefas mais humanas”, usando os
termos de Ferrés, significa concentrar-se mais nas mensagens de caráter formativo do que
nos aspectos técnicos. Portanto, as discussões sobre a estética musical nas aulas podem dar
um sentido à exercícios mecânicos que de outra forma seriam desprovidos de um contexto.
A vídeo-aula pode ser facilmente utilizada no estudo dos aspectos musicais técnicos
porque trabalha com a possibilidade de visualização do movimento físico, que como
sabemos integra de forma intrínseca a atividade musical. “O gesto é intermediário entre o
pensamento musical e seu produto” (Zagonel, 1992: 43). O aspecto visual é fundamental no
aprendizado, já que, segundo Stravinsky (1996), ouvir a música não é o bastante, pois ela
pode ser vista. Principalmente para os estudantes avançados, visualizar uma performance
pode florescer mais elementos do que receber apenas a informação sonora, pois “um olho
experiente segue e julga, às vezes de maneira inconsciente, os menores gestos do músico”
(Stravinsky, 1996: 116).

“Se considerarmos que a qualidade ou a eloqüência de certos atributos do som como a dinâmica e
o timbre são conseqüências diretas do modo como o intérprete ataca o seu instrumento e invoca
todo o seu corpo para produzi-los, não é preciso muito esforço para compreender que a imagem
do gesto faz parte do discurso musical tanto quanto qualquer elemento especificamente sonoro”
(Machado, 2000: 162).

Portanto, uma aprendizagem sem imagens é incompleta, pois “todo esse trabalho
gestual se perde no registro fonográfico e não é considerado na escrita formal da música: a
notação” (Machado, 2000: 161). A complementação imagética sistematizada pela vídeo-
aula permite a investigação de assuntos que freqüentemente eram relevados a um segundo
plano pela pesquisa musical:

92
“Uma vez que os estudos de musicologia se baseiam quase sempre em partituras ou em registros
fonográficos, eles normalmente se restringem apenas aos elementos que podem ser anotados na
pauta ou materializados na fita magnética de gravação sonora (contorno melódico, padrões
rítmicos, nível dinâmico, movimento harmônico, timbre, textura, etc.), deixando de lado todos
aqueles aspectos do discurso musical que ocorrem no plano visual (ou motovisual)” (Machado,
2000: 161-2).

Entretanto, as técnicas explicitadas nos gestos não são o único ponto a ser analisado
pelo vídeo. Pode-se também trabalhar com o conhecimento como pensamento musical,
contribuindo para uma formação ampla do aprendiz. Além de retratar gestos, o vídeo
transmite outras informações musicais: idéias, histórias, conceitos, opiniões e comparações.
Por isso, ele pode ser utilizado não somente para as tarefas mais mecânicas, mas também
para as tarefas mais humanas. Logo destacamos e procuramos demonstrar nas análises que
se seguem a importância das vídeo-aulas para os processos de auto-aprendizagem, não
somente como ilustração dos movimentos necessários para a performance musical
instrumental, mas também como um meio contextualizador, seja em aspectos históricos,
estéticos, ou outros.

4.4 Análises das Vídeo-aulas

As vídeo-aulas produzidas pela DCI Music Video são exemplos de meios para a
auto-aprendizagem musical em diferentes níveis de estudo. Para sistematizar o material
produzido por esta empresa, que consideramos exemplar também das outras produtoras,
iremos primeiramente estabelecer uma classificação quanto ao seu conteúdo e seu público
alvo, e depois teremos a análise de alguns exemplos. A sistematização que propomos é
ilustrada pelo seguinte quadro:

93
a) Iniciante
1. Estágio da b) Intermediário
Público Aprendizagem c) Avançado
Alvo a) Crianças
2. Faixa Etária b) Jovens
c) Adultos
a) Estilo ou ritmos musicais
1. Assuntos Temáticos b) Técnicas/áreas da música
c) Músicos/grupos musicais
Conteúdo a) Estilos musicais
2. História da Música b) Músicos/grupos musicais
a) Registro simples
3. Performance b) Registro com análise

Os seguintes critérios estão sendo considerados:

1) Público alvo

1.1) Estágio da aprendizagem – A caixa ou a embalagem das vídeo-aulas usualmente


determina qual o nível de dificuldade para a compreensão das informações que são
trabalhadas nos produtos. Os vídeos para os iniciantes, destinados à alunos leigos
(ou parcialmente leigos), estruturam noções básicas e introdutórias, auxiliando na
escolha do instrumento mais apropriado, ensinando a afinar este instrumento e
colocando alguns princípios da teoria musical. Temos como exemplo a série
Ultimate Beginners, dirigida a vários instrumentos diferentes: Drum Basics, Guitar
Basics, Bass Basics, Keyboard Basics e Harmonica Basics.

1.2) Faixa Etária – A faixa etária do aluno também é considerada, pois um iniciante
adulto recebe um tratamento diferente de uma criança ou um adolescente, tanto na

94
apresentação do material como nos conteúdos trabalhados. A grande maioria das
produções da DCI é dirigida ao público adulto, projetando seriedade no material
gráfico das capas e na linguagem utilizada pelos apresentadores / professores /
educadores / músicos. As fitas direcionadas ao público jovem normalmente
destacam músicos de bandas de pop/rock, usando de uma maior informalidade em
capas coloridas e na linguagem.

2) Conteúdo

2.1) Assuntos Temáticos – A maioria das vídeo-aulas tem como título o assunto tratado
no vídeo. Este assunto pode ser um estilo ou um ritmo musical específico – rock,
jazz, rhythm’n’blues –, que será discutido em relação com o instrumento – como
tocar guitarra no rock, saxofone no jazz ou bateria no rhythm’n’blues. Poderá ser
uma determinada área da música, como a leitura de partituras ou a improvisação, ou
uma técnica própria do instrumento. O nome do músico ou do grupo musical
enfocado no vídeo poderá ser o tema central, demonstrando as técnicas por ele
desenvolvidas. A presença de músicos reconhecidamente talentosos gera uma
associação com alta qualidade de informações, enquanto que músicos que
participam de grupos populares famosos servem de estímulo para que seus
seguidores aprendam um instrumento musical. Um exemplo do primeiro caso é o
vídeo Electric Workshop, em que o pianista Chick Corea demonstra suas técnicas de
arranjo, e dois bateristas de rock são exemplos do segundo caso: Neil Peart, da
banda canadense Rush, e Carter Beauford, do grupo americano Dave Matthews
Band.

2.2) História da Música – Os vídeos que retratam aspectos da história musical


geralmente têm como foco um estilo de música ou de um determinado músico /
grupo de músicos. O catálogo da DCI apresenta muitas produções direcionadas ao
estilo do jazz, principalmente na área da bateria. A série intitulada Jazz Legends tem
filmes sobre Gene Krupa e Buddy Rich, enquanto que as duas fitas de Legends of

95
Jazz Drumming detalham a evolução da bateria no jazz, analisando a história do
estilo musical em relação ao desenvolvimento do instrumento.

2.3) Performance – Muitas vídeo-aulas apresentam registros de apresentações ao vivo,


destacando as imagens relevantes ao aprendizado de algum instrumento musical.
Estes registros podem ser simples, ou seja, apenas as imagens dos músicos atuantes,
ou podem ser entrecortados com análises das técnicas e estilos musicais
demonstrados nas interpretações. Exemplo de registro simples é a série de vídeos
filmados durante os concertos prestando homenagem a Buddy Rich, Buddy Rich
Memorial Scholarship Concert, contendo quatro volumes que dão ênfase aos
diversos bateristas convidados a participar do evento. Exemplo de registro com
análise é Live in New York City, uma produção que destaca quatro músicos (John
Abercrombie, Peter Erskine, Bob Mintzer e John Patitucci) em um
‘concerto/clínica’, em que as execuções das músicas são comentadas pelos próprios
intérpretes.

Iremos exemplificar a classificação das vídeo-aulas proposta acima com a análise de


algumas produções dirigidas aos aprendizes da bateria. Sendo este um instrumento
essencialmente rítmico, os movimentos do músico baterista em sua performance
possibilitam uma visualização fácil e clara. Ao contrário de instrumentos que necessitam de
movimentos curtos e de difícil percepção, como a maioria dos instrumentos de sopro, a
bateria exige uma ampla movimentação do intérprete, revelando de forma aparente a
origem das sonoridades. Embora os vídeos referentes à bateria sejam maioria no catálogo
da DCI Music Video – provavelmente pelo fato de que os produtores Paul Siegel e Rob
Wallis são também músicos habilitados neste instrumento – a organização e a formatação
das vídeo-aulas segue um mesmo padrão básico com vários outros instrumentos modernos,
como o contrabaixo, a guitarra elétrica e o saxofone.
Baseados na diversidade de conteúdos e apresentações, escolhemos como exemplos
as seguintes vídeo-aulas:

96
1) Drum Basics Step One

Duração: 30 minutos
Instrutor: Sandy Gennaro
Produtores: Paul Siegel, Rob Wallis e Dan Thress (DCI Music Video)
Ano de produção: 1994
Nível de aprendizagem: Iniciante
Conteúdo: Ritmos básicos

A vídeo-aula Drum Basics Step One faz parte da série Ultimate Beginners, dirigida
aos iniciantes no estudo de instrumentos musicais. Enquanto a primeira parte – o Step One
aqui comentado – tem como objetivo explicitar noções básicas sobre a bateria, a segunda
parte introduz alguns conceitos simples de teoria rítmica, como os valores de cada uma das
notas musicais e as estruturas que formam uma canção.

97
Na abertura do vídeo, o instrutor Sandy Gennaro se apresenta e encoraja o aluno
assinalando razões para tocar bateria: “porque é divertido”; “porque nas músicas da
atualidade, além dos vocais, é um dos instrumentos mais proeminentes”; e “porque é um
instrumento que exige muito fisicamente”. Tocar o instrumento é comparado à andar de
bicicleta – depois que se aprende nunca se esquece. Estas palavras de incentivo, utilizando
idéias superficiais e desprovidas de aprofundamentos filosóficos, sugerem que o professor
está se dirigindo à crianças e adolescentes, com uma linguagem simplista e imediatista.
Para aproveitar o conteúdo da vídeo-aula, segundo Gennaro, não é necessariamente preciso
dispor de uma bateria, apenas um par de baquetas será suficiente para realizar os exercícios
propostos.
A aula começa com o instrutor controlando uma mesa de som, enquanto uma
música de estilo rock é executada sem a bateria. Os elementos do instrumento são
gradualmente adicionados: primeiro o bumbo (bass drum), depois a caixa (snare drum), o
chimbal (hi-hat) e demais tambores. Cada elemento, depois de integrado à música original,
é explicado em suas funções na bateria e em aspectos técnicos. Para o bumbo (som grave),
tocado com o pé direito através de um pedal, diferentes técnicas de movimentos dos pés são
discutidas, assim como a influência do ajuste da altura do assento em que o músico se
acomoda. Sobre a caixa (som médio) é explicado que a esteira posicionada na sua pele
inferior32 produz uma sonoridade diferente dos outros tambores, e o movimento das mãos
necessário para tocá-la é comparado à lançar uma vara de pescar e ao estalar de um chicote.
Duas técnicas para segurar as baquetas são discutidas: a matched grip, em que as duas mãos
ficam iguais, e a traditional grip, em que a mão esquerda é diferente. Sobre o chimbal (som
agudo), peça que pode ser tocada pelas baquetas ou por um pedal acionado pelo pé
esquerdo, é explicado como os dois pratos que produzem sua sonoridade são encaixados e
manejados.
Com estes três elementos – bumbo, caixa e chimbal – Gennaro ensina como
executar um ritmo simples baseado em uma contagem de 1 até 4, colocando o bumbo no 1
e no 3, a caixa no 2 e no 4 com a mão esquerda, enquanto a mão direita mantém uma
marcação constante no chimbal. A visualização das ações do professor são auto-

32
A pele inferior dos tambores, chamadas de “pele de resposta”, não são tocadas pelas baquetas mas vibram
quando o ar atravessa o tambor.

98
explicativas, facilitando o exercício para o aluno com repetições lentas e claras,
acompanhadas por números na tela que mudam de cor juntamente com a contagem do
ritmo proposto. Depois de mencionar brevemente outras peças que integram a bateria,
como diferentes pratos e tambores, o instrutor volta ao ritmo trabalhado anteriormente e
demonstra variações de tempos – lento, médio e rápido – e de intensidades sonoras – leve,
média e alta. A vídeo-aula é encerrada com um trio tocando o tema utilizado para as
explicações, colocando em prática o ritmo que foi detalhado minutos antes.
O único conteúdo de fato a ser apreendido de Drum Basics é o ritmo ensinado no
final do vídeo. As informações fatuais colocadas ao longo da aula podem ser assimiladas
depois de uma única vez assistidas e não requerem repetições. O ritmo, por sua vez, poderá
ser repetido diversas vezes para que o aprendiz domine sua execução. O aluno que
conseguir chegar a este ponto poderá participar de atividades musicais com elementos que,
apesar de simples, são efetivos e largamente utilizados. A contagem numérica em que o
ritmo proposto é baseado possibilita ao aprendiz estabelecer relações não-musicais que
auxiliam o sentido musical do exercício. A voz do professor, juntamente com a imagem de
seus movimentos e dos números que aparecem na tela do vídeo, simultaneamente
estimulam as inteligências musicais, matemáticas e corporais do aluno, que pode se
concentrar mais no caminho em que sentir maior facilidade: emular o som, o movimento ou
a contagem numérica.
A Ultimate Beginners é uma das poucas séries da DCI Music Video que foi
traduzida para várias línguas – inclusive o português –, dando oportunidade para aqueles
que não dominam a língua inglesa, que é utilizada em todas as demais produções. Embora
alguns poucos vídeos tenham sido legendados, a maioria ainda permanece em sua forma
original.

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2) Legends of Jazz Drumming

Primeira Parte (1920-1950) Segunda Parte (1950-1979)


Duração: 63 minutos Duração: 73 minutos
Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (DCI Music Video)
Ano de produção: 1996
Comentários: Louie Bellson, Jack DeJohnette e Roy Haynes
Nível de aprendizagem: não especificado
Conteúdo: História da Música

Jazz Legend é uma série de vídeo-aulas que têm como objetivo disponibilizar ao
estudante informações sobre músicos importantes no passado do estilo jazz. Além de
Legends of Jazz Drumming, já foram produzidos dois vídeos sobre Buddy Rich e um sobre
Gene Krupa. Legends of Jazz Drumming é dividido em duas partes e analisa a história do
jazz sob a perspectiva da bateria, assinalando os principais músicos bateristas e as
evoluções nas técnicas e equipamentos deste instrumento. As imagens têm um narrador que
explica ao espectador a importância do que é mostrado e o situa historicamente. Este papel
é cumprido por Louie Bellson que, sendo um dos músicos de destaque para a evolução da
bateria, conta histórias pessoais que vivenciou com outras personalidades presentes no
vídeo.
A primeira parte trata dos anos de 1920 até 1950, citando os bateristas Tony Spargo,
o primeiro a realizar gravações com a bateria moderna, datadas de fevereiro de 1917; Baby
Dodds, que desenvolveu sonoridades com rufos (press rolls) na caixa porque os pratos
ainda não podiam ser gravados por dificuldades técnicas; Chick Webb, mostrando o único
registro em filme sonoro que se tem notícia em que aparece; Sonny Greer, baterista da
banda de Duke Ellington de 1919 até 1951; e Sid Catlett, um dos responsáveis pela

100
transição das formas tradicionais de jazz para estilos modernos como os chamados swing e
bebop.
Outros nomes são colocados para demonstrar as inovações e conquistas ocorridas
nestas três décadas. Gene Krupa, sobre o qual um filme inteiro foi produzido na série Jazz
Legends, é apontado como um dos primeiros músicos a fazer da bateria um instrumento
solista. Pela sua contribuição à definição de um estilo do instrumento, Jo Jones é chamado
de “pai da bateria no jazz moderno”. Dave Tough, ao contrário de Krupa, preocupou-se não
em ser um solista mas na melhor forma de fazer a banda de Woody Herman obter o tipo
certo de swing. O narrador Bellson também aparece como um dos inovadores do
instrumento, sendo o primeiro a utilizar dois bumbos, adicionando uma segunda peça a ser
tocada com o pé esquerdo.
Para o estudante da bateria, além dos aspectos históricos, interessam as razões pelas
quais as técnicas eram utilizadas em cada uma das variações do jazz e as diferentes formas
de interpretação possíveis neste estilo de música. Por exemplo, Kenny Clark é indicado
como o primeiro a mudar o centro rítmico da bateria da caixa para o prato de condução, e
ao invés de usar o bumbo (tocado com o pé através de um pedal) para marcar um ritmo
contínuo nos quatro tempos, usava-o para acentuações ocasionais, formando a base do tipo
de jazz que passou a ser chamado de bebop. Segundo Louie Bellson, “Kenny Clark mudou
o modo que todos os bateristas tocaram a partir de então”. As idéias de Clark foram
expandidas por Max Roach, que aprimorou o conceito melódico da bateria, utilizando os
tambores para executar os temas do jazz em seus solos.
A segunda parte de Legends of Jazz Drumming trata dos anos de 1950 a 1970,
partindo do ponto em que as Big Bands estavam desaparecendo e o bebop passou a ser
aceito como uma das vertentes mais importantes do jazz. São citados Shelly Manne, Joe
Morello, Art Blakey, Philly Jo Jones, Buddy Rich, Mel Lewis e Sonny Payne. As principais
inovações assinaladas no período analisado foram introduzidas por Elvin Jones, baterista da
banda de John Coltrane de 1960 a 1965, que com o uso de poliritmos elevou seu
instrumento à condição de elemento ativo de improvisação e assim abriu caminho para o
chamado Free Jazz, uma variação do estilo que permitia total liberdade de criação para os
músicos. Também é comentado o surgimento da variação fusion, unindo o jazz e o rock,
que teve como principal figura o trompetista Miles Davis, músico que esteve à frente de

101
todos os movimentos jazzísticos desde o bebop. O baterista da banda de Miles quando o
fusion evoluiu era Tony Williams, um prodígio que começou a tocar com bandas
importantes a partir de seus onze anos de idade. As análises dos estilos de jazz mais
modernos apresentam entrevistas recentes com músicos que participaram da história, como
Jack DeJohnette e Roy Haynes, ao contrário das discussões sobre os tipos mais antigos, já
que a maioria dos instrumentistas citados já faleceu.
Após um estudo cuidadoso com as duas fitas, o aprendiz possivelmente compreende
as diferenças entre as fases da história do jazz e o papel desempenhado pela bateria em cada
período. Embora o material apresente um conteúdo primordialmente histórico, são
colocadas muitas informações técnicas sobre os bateristas e a maneira como a música era
interpretada por eles. No entanto, somente os estudantes mais avançados poderão tirar
vantagem deste aspecto, que não é discutido em detalhes ou enfocado didaticamente.

102
3) Live in New York City
The Abercrombie/Erskine/Mintzer/Patitucci Band – A Concert / Clinic

Duração: 100 minutos


Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (Hudson Music)
Ano de produção: 1999
Nível de aprendizagem: não especificado
Conteúdo: Performance

O vídeo Live in New York City foi uma das primeiras produções realizadas pela
Hudson Music, empresa que dá continuidade ao conceito didático estabelecido pela DCI
Music Video. A idéia da aula é disponibilizar uma performance de um quarteto de jazz e dar
espaço a cada um dos músicos para que exponha sua visão sobre a música interpretada, em
uma mistura anunciada como um concerto / clínica. O quarteto escolhido, embora não seja
um conjunto fixo e regular, reúne músicos que trabalharam juntos em diversas ocasiões e
podem demonstrar a natureza criativa de improvisação do estilo musical do jazz. A
apresentação filmada ocorreu na cidade de Nova York, no Manhattan Center Ballroom,
assistida por uma platéia que reagia e interagia com a música como em qualquer outro
show de jazz. O diferencial introduzido foram as interrupções para que os músicos,
individualmente, falassem de seus instrumentos, e um espaço para que indivíduos da platéia
formulassem questões.
Após a interpretação de três composições, o saxofonista Bob Mintzer anunciou que
iria elaborar uma reflexão sobre o papel do seu instrumento em um quarteto como aquele
que se apresentava. Disse Mintzer:

“Meu objetivo é ser o instrumento melódico tocando os temas das canções que vocês ouviram até
o momento, tocando-as de modo convincente, liricamente, com um senso de musicalidade e com
um senso de ar e espaço. Porque esta é uma seção rítmica muito reativa, nós ouvimos uns aos
outros muito atentamente e tentamos interagir em todos os momentos. Como um solista, procuro
expandir aquilo que fiz melodicamente nos temas, e também tocar liricamente, com um senso de

103
fraseado, com um senso de tempo, sem tocar muitas coisas para necessariamente lhe
impressionar e deslumbrar, mas procurando tocar a música, procurando estender aquilo que
aconteceu na parte composta da música e tocar algo que é, em certo sentido, composto, que soe
composto.”

Depois Mintzer colocou sua visão sobre a interação com os outros músicos daquele
quarteto:

“A beleza de tocar com uma seção rítmica como essa é que você não tem que forçar o que toca,
você pode tocar esporadicamente, você pode tocar muitas coisas ou poucas coisas, mas eu
sempre procuro deixar espaços. Eu sempre gosto de usar esta analogia: se você está tendo uma
conversa com alguém e ele nunca pára de falar, esta seria uma conversa muito desinteressante.
Eu procuro seguir esta regra quando eu solo.”

As afirmações acima possivelmente não serão assimiladas facilmente por um


indivíduo que seja estranho ao jazz, mas fazem sentido para um músico que já toque e
compreenda a linguagem própria do estilo. As colocações evocam discussões mais
aprofundadas do que as vídeo-aulas que se mantém restritas aos aspectos técnicos da
música, pretendendo alcançar e envolver um nível de interpretação musical avançado e
esteticamente sutil.
Depois de outra música, o segundo músico a falar sobre o seu instrumento manteve
o mesmo espírito pedagógico. O baterista Peter Erskine anunciou que iria compartilhar com
a platéia a sua filosofia musical, colocando-a como um “processo reducionista”, em que
não há a preocupação de descobrir quantas notas podem ser tocadas, mas sim de encontrar
as melhores notas para colocar nos melhores lugares. Essa afirmação claramente posiciona
a musicalidade acima da técnica, contrariando aqueles que valorizam o virtuoso em
detrimento de outros valores musicais. O próprio Erskine, um excelente instrumentista
técnico, confessou que freqüentemente usa de virtuosismo em suas interpretações. No
entanto, afirmou que sempre procura descobrir os espaços entre as notas, onde a música
respira e encontra as suas verdades. O importante, diz Erskine, é “não apenas aprender as
notas ou truques mas colocar vida na música”.
O discurso do guitarrista John Abercrombie foi similar aos anteriores, segundo ele
próprio, pois “todos fazem parte de um grupo, algo maior do que as suas partes separadas”.

104
Abercrombie ressaltou a importância da audição de toda a banda, dizendo que os outros
instrumentos também auxiliavam naquilo que a guitarra deveria realizar. Portanto, é
exigido do aprendiz uma atenção não somente ao que executar no seu instrumento mas
também ao que ocorre nos outros instrumentos, isto é, que desenvolva sua apreciação
musical conjuntamente às técnicas do seu instrumento. A mesma idéia foi defendida pelo
baixista John Patitucci, que destacou os desafios impostos por diferentes tipos de música e
a necessidade do músico instrumentista pensar como um arranjador e compositor. Desta
forma, pode-se compreender como a sua parte influencia as outras. Para desenvolver a
capacidade de ouvir a música como um todo e não apenas o seu instrumento, Patitucci
recomendou que de alguma forma os aprendizes registrem suas performances e as ouçam
atentamente.
A partir deste ponto a platéia teve a oportunidade de formular perguntas aos
músicos no palco e as discussões ficam mais técnicas e dirigidas aos instrumentos. No
entanto, quando perguntados sobre quais seriam os seus objetivos musicais para o futuro,
Patitucci retomou uma idéia mais abrangente sobre a música, dizendo que pretendia
continuar a desenvolver sua musicalidade e a arte da composição, e que isto o ajudaria a
melhorar suas habilidades com o seu instrumento. Esta afirmação, colocada antes das duas
últimas músicas que encerrariam o concerto, demonstra a intenção da vídeo-aula em
concentrar a atenção do espectador na totalidade da música e na forma como os músicos
interagem. Esta concepção transcende a simples observação da execução técnica dos
movimentos que resultam em música, pois pretende alcançar um sentido de apreciação que
contribua para a formação estética do aprendiz.

4) Dennis Chambers – Serious Moves

Duração: 65 minutos
Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (DCI Music Video)
Entrevistas: Dan Thress
Ano de produção: 1992
Nível de aprendizagem (anunciado): Iniciante – Profissional

105
Conteúdo: Assunto Temático – Músico; Performance

No ano de 1992 a DCI produziu duas vídeo-aulas com o baterista Dennis Chambers:
Serious Moves e In the Pocket. Ambos foram gravados em uma mesma sessão e apresentam
a mesma estrutura e cenário. Estes vídeos, cada um com aproximadamente 65 minutos de
duração, têm um formato organizacional que é representativo da maioria das outras
produções, destacando um músico acompanhado de uma banda, tocando em um estúdio e
fazendo observações sobre suas técnicas e concepções musicais. Chambers, um
instrumentista virtuoso e reconhecido como solista primoroso, executa diversas
composições junto com a banda (John Scofield, guitarra; Gary Grainger, contrabaixo; e Jim
Beard, teclados), e depois seleciona partes específicas que são analisadas e repetidas em
diferentes formas e tempos para facilitar sua compreensão.
Serious Moves começa com uma música intitulada “Trim”, que é parcialmente
repetida em seguida somente por metade do conjunto – bateria e contrabaixo, em um
andamento bem mais lento. Dessa forma, a seção rítmica da composição, antes executada
em um tempo rápido e de difícil compreensão, é demonstrada quase ao ponto de ser
desfigurada e se torna claramente assimilável. A estratégia de diminuir a velocidade de
determinadas partes das músicas é uma constante nas vídeo-aulas, transpondo frases
complexas para outros contextos a fim de simplificá-las.
Apesar de excelente músico, Chambers não demonstra facilidade em falar para a
câmera e provavelmente por esta razão um entrevistador, Dan Thress, formula perguntas. A
primeira questão é sobre métodos para desenvolver uma técnica tão apurada e veloz como
aquela exemplificada na música, ao que Chambers responde que, seguindo um conselho de
Buddy Rich, costumava praticar com suas baquetas em travesseiros, e a ausência de um
“rebote” forçava seus pulsos e mãos a atuar de modo mais eficiente. As perguntas seguintes
são sobre bateristas que foram influências importantes, como Billy Cobham e Tony
Williams, e Chambers demonstra uma série de exercícios que adaptou em suas técnicas a
partir da observação destes músicos. Neste ponto é executado um solo de bateria com a
duração de 9 minutos, durante o qual o espectador tem diversos ângulos de visão e um
pequeno quadro, superposto no canto inferior direito da tela do vídeo, surge em alguns
momentos focalizando a ação dos pés do músico sobre os pedais do instrumento. Thress

106
então coloca uma questão sobre como o instrumentista elabora aquele tipo de solo, ao que
Chambers demonstra outros exercícios com os quais desenvolveu a coordenação e a
independência entre suas mãos e pés.
Este formato permanece durante toda a aula: mais músicas, solos e entrevistas em
que se procura revelar processos que possibilitem utilizar as técnicas e idéias musicais do
músico em destaque. No caso específico de Dennis Chambers, embora seja anunciado que a
vídeo-aula é direcionada à públicos iniciantes até profissionais, percebe-se que somente
estudantes avançados poderão tirar completo proveito das informações disponibilizadas. O
virtuosismo demonstrado cria um enorme salto entre as explicações e entrevistas e a
prática, não há estágios crescentes de complexidade. Neste sentido, mais do que uma
“aula”, o vídeo é o registro de performances do baterista em diferentes situações que são
analisadas e sistematizadas para uma melhor compreensão do aluno. A maioria das vídeo-
aulas atua como meio de acesso às imagens da música sendo interpretada, as quais o
aprendiz deve somar às suas experiências anteriores para absorver conteúdos. Ao contrário
de Drum Basics, não há a intenção de levar o estudante de um ponto a outro ensinando um
determinado ritmo. Diversos ritmos, conceitos e idéias são exibidos e o aluno, através da
observação repetida do vídeo, possivelmente integrará parte destas informações às suas
práticas musicais. Esta proposta vincula o aprendizado diretamente com o fazer musical,
possibilitando uma proximidade com a realidade que muitas vezes está distante.
Muitos músicos foram conhecidos e estudados no Brasil através das vídeo-aulas e
posteriormente passaram a visitar o país periodicamente para realizar concertos e / ou
clínicas educativas. O material produzido pela DCI Music Video serviu como referência até
que se pudesse ter um contato direto com estes instrumentistas, visivelmente influenciando
muitos aprendizes e difundindo o nome de bateristas como Dennis Chambers, Dave Weckl,
Steve Gadd, Omar Hakim e David Garibaldi.

107
CAPÍTULO V – O COMPUTADOR

5.1 Individualização da Aprendizagem

A importância do papel desempenhado pelos sistemas computadorizados no mundo


moderno atinge diversas áreas do conhecimento humano, e atualmente no universo da
música temos vários exemplos desta relação. Quando falamos em “música de computador”
podemos estar nos referindo a diferentes conjunturas, tais como: o uso do computador
como instrumento de performance, como controlador de outros instrumentos, ou mesmo
como o autor de uma obra. Há muita controvérsia quanto a este último caso, colocando-se a
máquina muitas vezes na posição de ameaça à criatividade e emotividade da música.

“A noção de música ‘criada’ por um computador sempre parece gerar um surpreendente grau de
hostilidade, usualmente por parte das pessoas que acham a arte do século vinte ‘desumanizada’ e
‘mecânica’ ” (Schwartz, 1989: 87).

Muitos compositores afirmam, no entanto, que os computadores têm a capacidade


de criar sem a influência das estruturas preconcebidas da música. Conseguem atuar
livremente, longe das convenções que se estabeleceram durante séculos pela composição
musical humana. Esta questão permanece um dos muitos elementos polêmicos relacionados
à discussão sobre Inteligência Artificial, que não devemos abordar aqui.
Outro tema que gera divergências de opinião constantes é a utilização de sistemas
computadorizados em processos de execução musical. Embora seja um fato comum na
atualidade, ao longo das décadas passadas muitos músicos sentiram-se ameaçados por uma
possível substituição do homem pela máquina. Este temor não foi de todo infundado:
podemos constatar algumas destas “substituições”, por exemplo, com o amplo uso de
baterias eletrônicas e teclados eletrônicos em gravações, realizando tarefas que
anteriormente seriam incumbidas à seres humanos. Tinhorão (2001) colocou este problema
da seguinte forma:

108
“Graças aos avanços na tecnologia dos sons digitalizados, a tendência dos estúdios das grandes
gravadoras é transformarem-se em laboratórios de engenharia musical, com os músicos
intérpretes sendo substituídos pelo som computadorizado de sintetizadores polifônicos e
politimbrais, samplers e sequencers da família dos MIDI (Musical Instruments Digital Interface).
Tal engenharia criativa de sons computadorizados, aliás, permitirá ultrapassar as próprias
possibilidades dos sons normalmente produzidos pelos instrumentos acústicos, mediante a
alteração de suas tessituras, através da ampliação, por exemplo, de sua extensão, com a
conseqüente ampliação de seu âmbito. Possibilidades técnicas desse tipo, sobre implicar
necessariamente dispensa de músicos e maestros-arranjadores nos estúdios, permitirá ainda
programar, através de novas combinações rítmicas, o lançamento de modas musicais
caracterizadas por um tipo de acompanhamento sonoro fora do alcance da participação humana”
(Tinhorão, 2001: 184).

Observamos também, além da utilização de computadores por músicos e produtores


de gravações, situações em que há uma participação mais ativa dos indivíduos não
instruídos musicalmente no resultado de trabalhos musicais. Como vimos no capítulo 3,
esta possibilidade pode trazer contribuições aos processos de aprendizagem da música. A
participação ocorre inclusive em cenários onde a música já está registrada e portanto em
teoria finalizada. Por exemplo, o CD-ROM “X Plora 1”, de Peter Gabriel, é citado por
Chadabe (1999) como caso em que um ouvinte-espectador, atuando como um engenheiro
de som, é convidado a operar os controles de um mixer, modificando o balanço entre os
vocais e os instrumentos da gravação. O ouvinte não influencia os fatores predeterminados
da música – a composição, mas contribui para os fatores de expressão, valorizando
determinados elementos mais do que outros. Com a crescente interatividade possibilitada
pelo computador, um enorme controle de decisões é entregue ao consumidor musical, que
neste contexto passa a dividir parcialmente com o produtor a responsabilidade pela obra.
No CD de Peter Gabriel existe a possibilidade, por exemplo, de eliminar um dos
instrumentos musicais presentes na gravação de uma música, modificando completamente
as intenções e concepções iniciais do compositor.
Stravinsky (1996) assinalou que, embora o ouvinte sempre fosse chamado a ser o
parceiro do compositor, para que isto ocorresse, pressupõe-se “que a instrução musical e a
educação do ouvinte sejam suficientemente amplas” (p.120). Portanto, esta participação

109
ativa é rara, pois indivíduos devidamente preparados são a exceção, e assim “a massa
comum dos ouvintes, por mais atenta que se possa imaginar que esteja ao processo musical,
apreciará a música apenas de um modo passivo” (p.121). Com a moderna tecnologia dos
computadores, no entanto, mesmo os ouvintes despreparados poderão participar em
conjunto com o compositor e com o intérprete, como foi exemplificado acima. Se, por um
lado, as modificações possíveis com os recursos da atualidade podem gerar discussões
estéticas acerca dos resultados finais, por outro, as experimentações poderão contribuir para
um aprimoramento da percepção auditiva dos ouvintes.
Somando-se a todas estas questões, nossa discussão neste capítulo, centrada nas
possibilidades de aplicação dos computadores em processos de auto-aprendizagem, tem na
popularização do computador pessoal, ocorrida durante os anos 90, um elemento
fundamental. Novas portas foram abertas para diferentes grupos de interesse, possibilitando
uma variedade de contatos com as práticas musicais através de uma grande flexibilidade de
adaptação aos aprendizes. Esta “maleabilidade” das máquinas permite um direcionamento
que tem como alvo os objetivos específicos de cada indivíduo, que podem variar de acordo
com a idade do estudante, suas preferências musicais, seus conhecimentos ou o nível de
acesso à informação de que ele dispõe.
Alguns dos autores que ousaram fazer previsões baseadas no desenvolvimento
tecnológico que ocorreu durante a década de 90 observaram as possíveis individualizações
na aprendizagem. Bill Gates colocou que os computadores “darão sintonia fina ao produto
– neste caso, material educativo – para permitir que os estudantes sigam caminhos um
pouco divergentes e aprendam de acordo com seu próprio ritmo”(Gates, 1995: 232).
Estes caminhos divergentes poderão privilegiar as capacidades de cada aprendiz,
facilitando a assimilação do material, sendo que neste processo o aprendizado musical pode
ser beneficiado ou beneficiar a aprendizagem de outros assuntos. Nicholas Negroponte
defende que “para algumas pessoas, a música pode ser a maneira de estudar matemática,
aprender física e entender antropologia” (Negroponte, 1995: 211), isto é, em concordância
com a teoria das inteligências múltiplas, defende que diferentes capacidades intelectuais
podem servir como meio de transmissão de conteúdos variados. Portanto, podemos tomar a
frase “aprender de acordo com seu próprio ritmo” em outro sentido, já que o aprendiz pode

110
literalmente escolher o ritmo musical que mais lhe agrada para aprender, por exemplo,
sobre matemática.
Com o uso das tecnologias modernas, pode-se combinar som, imagem em
movimento, esquemas gráficos e diversos outros recursos em estruturas interativas,
oferecendo ao aluno opções para encontrar o caminho mais apropriado ao seu
desenvolvimento. Sobre a combinação de todos estes elementos, denominada hipermídia,
diz Machado (1997):

“um documento hipermidiático jamais exprime um conceito, no sentido de uma verdade dada por
uma linha de raciocínio; ele se abre para a experiência plena do pensamento e da imaginação,
como um processo vivo que se modifica sem cessar, que se adapta em relação ao contexto, que,
enfim, joga com os dados disponíveis” (Machado, 1997: 253).

Este jogo utiliza o entrelaçamento das inteligências do aprendiz na interpretação dos


conteúdos. Ao não propor verdades absolutas mas vários elementos que deverão ser
combinados, o estudo através da hipermídia trabalha qualitativamente, exemplificando
aplicações do material já durante o aprendizado. Por exemplo, aquele que tiver um
raciocínio matemático aguçado ou, nos termos de Gardner (1994), uma inteligência lógico-
matemática proeminente, pode trabalhar suas habilidades rítmicas com a utilização de
sistemas de notação esquematizados, que favoreçam uma visualização das relações
matemáticas entre as notas que compõem um ritmo. A observação de um de meus alunos de
rítmica constatou uma grande dificuldade em perceber os ritmos, que foi superada a partir
do momento em que estabelecemos uma prática de contagem. As complicações na
assimilação e repetição dos sons foi compensada pela sua facilidade matemática, e dessa
forma passamos a utilizar gráficos que representavam matematicamente aqueles mesmos
ritmos.
Por outro lado, um prodígio musical, apresentando extrema facilidade no
aprendizado, pode trabalhar diretamente com o som pois sua capacidade de assimilação
favorece a compreensão do material. Possivelmente, este aluno poderia desenvolver um
caminho inverso ao exemplo anterior, utilizando a música no estudo da matemática e de
outras áreas. Como coloca Litto (1997), o próprio aluno pode identificar os meios
apropriados:

111
“as novas tecnologias de comunicação nos permitem individualizar a aprendizagem, deixando
cada aluno navegar sobre vastos repositórios de informação textual, imagética e sonora, isolando
os assuntos que lhe agradam, aprofundando-se nas categorias de informação que se afinam com o
seu ‘sabor’ individual de aprendizagem” (Litto, 1997).

Porém, não colocamos o reconhecimento das capacidades dos indivíduos como uma
tarefa simples. Com exceção de casos extremos, como o prodígio musical, muitas vezes a
dificuldade em encontrar caminhos se apresenta como um obstáculo nos processos de auto-
aprendizagem. O caso do aluno de rítmica citado mais acima é exemplar, pois sem o auxílio
de um instrutor provavelmente ele não faria experimentações musicais com a matemática.
Gardner (1994) sugere que os computadores podem auxiliar na solução deste problema:

“embora efetuar uma combinação entre o perfil intelectual de um aluno e as metas de instrução
possa ser uma tarefa altamente exigente até mesmo para o instrutor mais talentoso, os tipos
relevantes de informação poderiam ser prontamente manejados por um computador capaz de,
numa fração de segundos, sugerir programas ou vias pedagógicas alternativas” (Gardner, 1994:
298).

Com o uso dos computadores, outras capacidades intelectuais também podem ser
utilizadas na sensibilização musical. Um sistema desenvolvido pelo compositor grego
Iannis Xenakis, o UPIC, serve de exemplo do uso da inteligência espacial, acentuada nos
indivíduos com alta capacidade de visualização do espaço:

“Qualquer um, mesmo eu ou você, ou crianças, pode desenhar linhas ou gráficos com uma caneta
eletromagnética, e eles são transformados pelo computador diretamente em som... Você pode
compor ou realizar qualquer treino pedagógico para o ouvido ou para a escrita, porque a escrita
não é a escrita musical tradicional. É uma muito mais universal, porque ela é com linhas. Por
exemplo, uma nota que é sustentada é apenas uma linha horizontal... O aspecto vertical é para as
alturas (notas), exatamente como quando você escreve para um instrumento: quando você sobe é
mais alto; quando você desce, é um som mais baixo...” (Iannis Xenakis, citado em Chadabe,
1997: 214).

112
As relações entre o som e a imagem provocam a sensibilidade dos indivíduos na
busca de um resultado agradável, desenvolvendo uma outra forma de visualizar a música,
sem basear-se na notação musical tradicional ou em gráficos matemáticos. O processo se
transforma em uma brincadeira, atraente principalmente para as crianças. Xenakis
prossegue:

“Eu notei nas crianças de cinco ou seis anos, elas têm imaginação, mas elas não têm regras fixas
ou estruturas em suas mentes para organizar coisas... No início elas tentam fazer desenhos,
desenhos bonitos... imagens de casas, ou gatos, ou de um sol. Mas então elas têm essa resposta
imediata da máquina e tentam ouvir mais cuidadosamente o que desenham...” (Iannis Xenakis,
citado em Chadabe, 1997: 214).

Estas brincadeiras demonstram que, além de possibilitar uma individualização do


estudo, o uso dos computadores traz grandes benefícios também para os processos de
iniciação musical. A facilidade demonstrada pela grande maioria das crianças em lidar com
as máquinas possibilita diversos meios de engajá-las no aprendizado da música. Há outras
alternativas à programas como o UPIC: existem CD-ROMs especialmente produzidos para
a musicalização infantil que introduzem os primeiros conceitos de timbre, altura e
intensidade, através de brincadeiras e jogos que tornam o processo de aprendizado
prazeroso e atraente. Um exemplo deste caso é o CD “Bloom”, produzido pela Escola Viva
com o patrocínio da Universidade Cidade de São Paulo, que utiliza diversos recursos
gráficos coloridos para trabalhar com a música.
Neste CD, uma série de jogos são utilizados para desenvolver a sensibilidade
musical: em um deles, a figura de uma mosca é transformada em um adversário virtual, que
procura chegar à tecla do piano que corresponde à altura de um som emitido. O aprendiz
deve, movimentando o mouse, encontrar a nota correta no teclado representado na tela
antes de seu adversário. Em outras seções, várias informações sobre a história da música e
seus personagens são colocadas de forma clara e simples.
O tempo em que as crianças eram forçadas ao estudo através de castigos e punições
pertence ao passado. Negroponte assinalou a importância da informática nos processos de
iniciação musical com a seguinte observação:

113
“os jogos musicais, os tipos de dados sonoros e a possibilidade intrínseca de manipulação do
áudio digital são apenas alguns dos muitos mecanismos por intermédio dos quais uma criança
pode experimentar o mundo da música. E a criança com pendores para as artes visuais pode
inclusive querer inventar meios para vê-la” (Negroponte, 1995: 211).

Tanto o programa UPIC quanto o CD “Bloom” têm em comum várias


possibilidades de interatividade, isto é, as respostas do computador aos controles do
aprendiz estimulam novas reações e, através deste ciclo, a aprendizagem ocorre por um
processo de tentativa e erro. Conforme a visão de Demo (2001), esta aprendizagem se
diferencia do ensino que apenas despeja informações sobre um aluno não participativo.
Esta aprendizagem está centrada no aluno, que é forçado a desenvolver sua auto-crítica para
melhor aproveitar a percepção de seus erros. Dessa forma, o computador assume a função
de um “espelho”, revelando ao aluno os erros e acertos de sua própria performance no
exercício.
O uso de computadores na aprendizagem musical também pode ocorrer através de
softwares dedicados à atividades musicais diversas. Embora muitos não tenham finalidades
especificamente educacionais, como Krüger, Gerling e Hentschke (1999) observaram, todo
tipo de software de música – como editores e seqüenciadores – pode complementar a
prática instrumental. Em seu estudo sobre a utilização de softwares no processo de ensino e
aprendizagem de instrumentos de teclado, foram considerados os de “atuação indireta” e os
de “atuação direta”. Os primeiros são os inicialmente concebidos para aspectos teóricos
mas utilizados no estudo da performance de instrumentos musicais; os segundos são
aqueles criados para a aprendizagem instrumental, monitorando práticas técnicas da
execução musical.
Muitos dos softwares de música são comercializados na forma de CD-ROMs (Read-
Only-Memory Compact Disks), em uma opção paralela aos livros didáticos e vídeo-aulas. O
Conselho Nacional para a Tecnologia Educacional (National Council for Educational
Technology) da Inglaterra, percebendo o potencial do CD-ROM no campo da educação
musical, realizou uma pesquisa com 150 produtos relacionados ao assunto que eram
disponíveis comercialmente (Bray, 1997). Os resultados desse estudo, analisando os
materiais quanto ao seu conteúdo, estabeleceram uma classificação em 9 categorias, a
saber:

114
 Enciclopédias: combinando som, texto, gráficos, e vídeo, esse tipo de material permite
buscar eletronicamente por informações sobre instrumentos musicais e escutar trechos
de músicas.
 Compositores: contém dados sobre a vida de um compositor em particular (usualmente
do estilo clássico), incluindo seções sobre suas obras mais importantes.
 Peças musicais: muitos títulos são dedicados à determinadas peças em particular,
incluindo imagens ou diagramas representando a estrutura da música à medida que esta
é executada.
 Tutores instrumentais: dirigidos ao ensino de instrumentos musicais, podem unir texto,
diagramas, exemplos sonoros e trechos de vídeo para demonstrar aspectos técnicos de
performance.
 Estilos de música: similares àqueles dedicados aos compositores e às peças musicais,
estes abrangem uma seleção mais ampla dentro de um certo estilo.
 Instrumentos: contém descrições de instrumentos musicais. O formato e a qualidade de
informação em geral é semelhante ao encontrado nas enciclopédias.
 Bancos de sons: mais especializados, estes títulos podem ser utilizados em
apresentações multimídia, composições, ou para adicionar efeitos sonoros em sistemas
de computador.
 Ferramenta criativa: permitem a gravação de trechos de música, que podem ser editados
na tela, a transposição de seções, recortar e colar trechos, entre outras operações.
 Outros: alguns CDs pesquisados não se encaixam em nenhuma das categorias acima.
Por exemplo, havia um jogo que ensinava aspectos de notação musical e outro que
permitia a exploração da casa onde um famoso compositor viveu.

Todo este material compõe um acervo de informações que pode ser acessado através
da compra de produtos encontrados em meio às enciclopédias, jogos de diversão e demais
produtos de livrarias e casas especializadas. Através do uso de frases promocionais do tipo
“aprenda sozinho”, freqüentemente tornam-se produtos estimulados para a auto-
aprendizagem de instrumentos musicais.

115
Bray (1997) destacou alguns dos pontos da pesquisa feita pelo Conselho Nacional
da Inglaterra, indicando que muitos dos CD-ROMs analisados são dirigidos ao mercado de
diversão adulta, ou seja, não existe uma organização didática do material no sentido de
situar os dados dentro de um contexto. Em determinados CDs, foi constatado que muitas
observações subjetivas são colocadas como fatuais, por exemplo em análises de peças
musicais e de instrumentistas. A pesquisa concluiu que, sem um foco de ação objetivo, a
maioria dos CDs analisados não melhorava o entendimento da música, mas apenas
carregava conhecimento sobre ela. Da mesma forma, Krüger, Gerling e Hentschke (1999)
apontam que “um dos principais problemas encontrados nos softwares disponíveis para uso
no Brasil é sua criação com fins comerciais”.
Não será nossa intenção realizar análises específicas de CD-ROMs ou softwares de
música. A pesquisa de Krüger (2000), objetivando o desenvolvimento, a testagem e a
proposta de um roteiro para avaliação de software educativo-musical serve como referência
para esta área. Daremos uma maior ênfase ao fenômeno da Internet, por apresentar diversas
possibilidades de aprendizagem musical, como veremos a seguir.

5.2 Internet

“Qualquer novo meio ou forma tecnológica muda a maneira pela qual nós experimentamos
música, e isto tem implicações em como nos relacionamos e consumimos música” (Shuker, 1998:
172)

Sabemos que a Internet surgiu a partir de uma iniciativa do Departamento de Defesa


dos Estados Unidos, que tinha a intenção de criar um sistema de comunicações invulnerável
à um possível ataque nuclear. A idéia básica era uma rede independente de comando e
centros de controle, de forma que as mensagens encontrariam seus próprios caminhos e
poderiam ser resgatadas em qualquer ponto conectado ao sistema. A primeira destas redes,
chamada ARPANET, começou a operar em 1969 e depois de certo tempo deixou de ser de
uso exclusivo de pesquisas militares para servir também à comunidade científica. Várias

116
outras redes surgiram até que, no decorrer da década de 80, todas fossem reunidas em uma
única rede chamada ARPA-INTERNET, e em seguida, INTERNET.
Mais tarde a tecnologia digital iria possibilitar a transmissão de todos os tipos de
mensagens, incluindo som, imagens e texto escrito. Porém, dois fatores vitais ainda foram
necessários para a formação de uma rede mundial: a velocidade de transmissão, que foi
ampliada de 56,000 bits-por-segundo nos anos 70 para capacidades de gigabits em meados
dos anos 90; e o protocolo TCP/IP, que possibilitou a comunicação entre computadores e a
codificação / decodificação de informações em altas velocidades.
A invenção do modem, em 1978, simplificou as exigências para participar das
redes, pois não mais seriam precisos equipamentos sofisticados: apenas um computador de
pequeno porte, um modem e uma linha telefônica eram suficientes. Como conseqüência
deste invento e da difusão dos computadores pessoais surgiram grupos de discussão online
chamados Bulletin Board Systems (BBS), formando comunidades virtuais que se
multiplicaram e atualmente cobrem os mais diversificados assuntos. A grande maioria
destes grupos passou a integrar a Internet, mantendo suas regras de conduta aos
participantes e se especializando em temas cada vez mais restritos.33
Todos estes acontecimentos ocorreram em torno de um ambiente principal: a
universidade. O meio acadêmico foi responsável por grande parte dos desenvolvimentos da
Internet e engloba a maioria dos pioneiros na sua utilização. Embora inicialmente a
participação mais notória neste processo tenha sido de professores e pesquisadores seniors,
atualmente o papel dos jovens estudantes é fundamental, principalmente no que se refere à
presença da música na rede. Os criadores de vários softwares têm menos de 20 anos de
idade34 e grande parte da largura de banda das universidades é utilizada por estudantes
trocando arquivos de música via padrão MP3.35
A prática de se obter música através da Internet é um fenômeno recente que ainda
não está completamente sedimentado. A tecnologia digital proporcionou uma enorme
facilidade para a produção de cópias idênticas aos originais, causando disputas em torno do

33
Para este breve histórico da Internet utilizamos Castells, 1996.
34
Por exemplo: o software da Napster, empresa inovadora que disponibilizou um serviço de
compartilhamento de dados na Internet, foi criado por um estudante da Northwestern University, na época
com 19 anos, chamado Shawn Fanning. O tocador de MP3 Winamp foi elaborado por Justin Frankel, então
com 18 anos, estudante da University of Utah.
35
Edupage – Boletim de Notícias On-line, distribuído pela RNP (Rede Nacional de Pesquisa).

117
lucro financeiro – ou a ausência deste – que a comercialização desta informação
reproduzida em abundância pode gerar. Porém, antes desta questão surgir, já havia na
Internet um material sobre a música bastante diversificado.

“Inicialmente, devido a restrições técnicas, não se podia difundir música na rede digital, mas
podia-se falar sobre ela. Teoria, crítica, história, biografias, bibliografias, técnica, crônica, e
discussões relacionadas aos mais diversos aspectos da música podem ser encontrados por meio
de poderosas ferramentas de busca de dados e informações que podem ser localizadas a partir de
uma simples palavra-chave” (Iazzetta e Kon, 1998: 35).

Portanto, percebemos que, extrapolando sua função atual de fonte de músicas que
podem ser “baixadas” pela rede, a Internet sempre cumpriu um papel centralizador de
informações dos mais variados tipos, que compõem um mosaico de dados importantes para
os processos de auto-aprendizagem musical. Na Internet encontramos uma vasta gama de
websites relacionados à música, disponibilizando diversos serviços e informações, enquanto
que a interação de músicos – tanto aprendizes quanto professores – cria novos espaços
relacionais que permitem a troca de experiências, como nas comunidades virtuais citadas
mais acima.
Dentre as peças que formam este mosaico temos: sites de fabricantes de
instrumentos musicais, onde são divulgadas informações e imagens sobre produtos e nomes
dos músicos que os utilizam; sites de escolas de música, divulgando cursos, currículos dos
professores e calendários dos semestres; sites de músicos, onde são disponibilizadas
biografias, discografias, fotos, gravações, exercícios, notícias recentes, entre outras
informações sobre o artista em destaque; e sites sobre estilos musicais, onde são listados os
principais músicos e obras do gênero analisado. Todos estes sites são interligados por meio
de um complexo sistema de links, muitas vezes organizados em seções específicas que
citam as páginas de interesse para os visitantes. Esta vastidão de dados convive no que
muitos autores, como Pierre Lévy, convencionaram chamar de ciberespaço.
Para Lévy (2001), caminhamos para uma conexão planetária que representará a
união, em um plano virtual, das economias e das consciências mundiais, formando uma
única inteligência coletiva e integrando os mais diversos povos e linhagens culturais. Esta
idéia estaria parcialmente concretizada na Internet, que por ser um espaço não-territorial,

118
onde a superfície não é um recurso escasso, oferece lugar para todos. Nessa realidade, a
transmissão de conhecimentos é facilitada pois “todas as formas de comunicação se
enlaçam e se multiplicam hoje no ciberespaço” (Lévy, 2001: 149). Dessa forma,
possivelmente haverá uma contribuição para uma maior autonomia dos aprendizes nas
aprendizagens.

“Facilitando o acesso à informação para um público amplo, assim como os contatos


interpessoais, o ciberespaço e, particularmente, a rede Internet, oferece um ambiente com um
potencial interessante para a aprendizagem por diversas formas. Diante das necessidades
crescentes de diversificação e de personalização da formação, a aprendizagem autônoma,
respondendo às necessidades de cada um, parece um ideal a ser atingido. As tecnologias
poderiam trazer elementos de resposta a essa busca de autonomia na formação” (Loiselle, 2002:
107-8).

Caesar (1998) observou como as possibilidades do ciberespaço podem ser dirigidas


para a pesquisa musical:

“Entre outros ganhos, pode-se colher informações sobre equipamentos, testar programas, saltar
da psico-acústica para a bio-acústica, ouvir e ‘baixar’ textos, sons e software de lugares distantes,
e participar de diversas listas de discussões. Graças ao baixo custo e à velocidade integradora e
multi-disciplinar deste meio, realiza-se pesquisas sem muita demora e publica-se logo seus
resultados, podendo-se também criar sítios informativos e manter listas de discussões” (Caesar,
1998: 33).

Os contatos interpessoais são estimulados através da estruturação de comunidades


virtuais, em que a troca de experiências e questionamentos torna possível que
aprendizagens autônomas ocorram paralelamente. Castells (1996) estabeleceu a seguinte
definição para “comunidades virtuais”:

“...redes eletrônicas de comunicação interativa organizadas em torno de um interesse ou


finalidade comum, embora às vezes a comunicação se torna o objetivo em si mesmo. Tais
comunidades podem ser relativamente formalizadas, como no caso de conferências ou Bulletin
Board Systems, ou ser formadas espontaneamente por grupos sociais que acessam a rede para

119
enviar e receber mensagens em um padrão temporal definido (tanto em tempo real ou
assíncrono)” (Castells, 1996: 362).

Um tipo de comunidade virtual que contribui para o desenvolvimento da pesquisa


musical, como foi colocado por Caesar, é aquele sistematizado como uma lista de
discussão, em que um participante pode colocar questões que são respondidas pelo grupo.
As respostas podem ser formuladas diretamente ou apontar para páginas da Internet que
contenham as informações requeridas. Exemplos destas comunidades podem ser
encontrados no site Yahoo (www.groupsyahoo.com), onde há a possibilidade de juntar-se à
listas de discussão sobre diversos assuntos musicais, em temas tão específicos como um
determinado grupo ou artista, um instrumento ou um gênero musical.36
O acesso facilitado à toda vasta gama de informação presente na Internet causa
impacto sobre os conteúdos e práticas das aprendizagens, pois “como essa informação está
disponível o tempo todo, adquiri-la passa a ser menos pertinente para o estudante, e o
essencial da aprendizagem se desloca para o desenvolvimento de habilidades para buscar a
informação, julgar sua validade ou pertinência e tratá-la” (Loiselle, 2002: 112). Nesse
sentido, para Lévy, o ciberespaço se tornará um “museu universal” (Lévy, 2001: 148-150),
mantendo um acervo onde todas as dimensões do conhecimento, sejam científicas,
históricas ou das belas-artes, poderão ser encontradas virtualmente.
Por outro lado, dentro desse cenário Iazzetta e Kon (1998) destacam a característica
da presentidade, já que “ao contrário de instituições como a Universidade, o Museu e a
Biblioteca, a Internet não se preocupa em preservar, mas simplesmente em mostrar o que
interessa no momento”(p. 35). Podemos alterar um site a qualquer hora e modificar seu
conteúdo; a realidade de todas as páginas é aquela do instante presente e estará sempre
passível de mudanças e reformulações. Simultaneamente, a mesma informação pode ser
encontrada em vários sites, muitas vezes com enfoques distintos e perspectivas que revelam
novos olhares sobre um mesmo tema.

36
Por exemplo: no site da Yahoo, em janeiro de 2002, há 182 grupos na categoria “bateria e percussão”, que
subdivide-se em discussões sobre baterias eletrônicas, determinadas marcas de instrumentos, mulheres
bateristas, artistas específicos, e locais específicos (há grupos em diversas línguas), entre outras modalidades.

120
“A Internet é interessante não apenas por ser uma vasta e onipresente rede global, mas também
como um exemplo de algo que se desenvolveu sem a presença de um projetista de plantão e que
manteve um formato muito parecido com aquele dos patos voando em formação: inexiste um
comando e, até agora, todas as suas peças se ajustam perfeitamente” (Negroponte, 1995: 173).

Como não há um “responsável geral” pelos conteúdos dos websites, o uso da rede
no aprendizado representa a inexistência de um único mestre, sendo que a informação é
disponibilizada por um grande número de mestres. Todos os dados podem ser invertidos
em segundos, e a interpretação desses dados, quando é colocada, pode ser modificada em
vista de acontecimentos recentes. A imagem dos patos em formação ilustra como o
aprendiz escolhe a cada pesquisa um comando temporário, que pode existir em conjunção
com outros comandos e que dessa forma participa do avanço do processo de aprendizado.
Se por um lado as técnicas para tocar um instrumento musical não sofrem
modificações constantes, por outro, a presentidade é vital para que o aprendiz acompanhe o
desenvolvimento da música de seu tempo. O surgimento de novos artistas e novos estilos
musicais cria uma demanda de informações, demonstrada nas palavras-chave utilizadas
para encontrar as páginas desejadas, que atualiza o repertório e o vocabulário tecnológico
que são precisos para compreender as produções modernas. Aliada à possibilidade de
atualização constante dos dados, as páginas da Internet também abrem espaço para a
difusão do conhecimento desenvolvido no passado, construindo um acervo que retrata as
mais variadas obras e personagens da música.
A imensa quantidade de páginas ligadas umas às outras é a maior contribuição da
Internet. O computador que é conectado à rede entra em um universo em que todos os
conteúdos transformam-se em um único gigantesco documento, complementando as
deficiências de um texto com a ajuda de outros e ampliando seus temas através de links
quase ao infinito. O alcance à toda esta informação é, segundo Gardner (1999b), “tanto uma
benção como uma maldição” (p. 44). Os benefícios são imediatamente visíveis: não mais
teremos que pesquisar as respostas para nossas questões em diversas fontes, podemos
encontrá-las quase que instantaneamente. No entanto, como não há um controle de
qualidade, “informação e desinformação misturam-se confortavelmente e, até agora, não há
formas confiáveis para distinguir o que faz sentido de suas distorções e o absurdo absoluto

121
na Net” (Gardner, 1999b: 44). Mesmo que os desafios para diferenciar o falso do
verdadeiro já existissem antes, a Internet coloca um cenário totalmente novo:

“Pode ser dito, em resposta, que no mundo sempre tem existido desinformação. Isto é verdadeiro,
mas no passado autoridades educacionais podiam ao menos escolher seus textos favoritos (e
proscrever outros). A situação de hoje, com todos tendo acesso instantâneo à milhares de fontes,
é sem precedentes” (Gardner, 1999b: 44).

A questão do não supervisionamento dos conteúdos presentes na Internet vem sendo


apresentada como um dos grandes diferenciais da rede mundial em relação aos outros
meios de divulgação da informação. Por apresentar esta característica, ao mesmo tempo, “a
Internet pode ajudar a criar comunidades vigorosas e construtivas; ela pode isolar e
dessensibilizar indivíduos para com seus semelhantes; ela pode até fomentar o ódio”
(Gardner, 1999b: 40). A discussão sobre a existência ou não de um controle sobre a
veiculação de informação é vital para a confiabilidade dos dados.
Os meios de comunicação das décadas anteriores à Internet, como o rádio, a
televisão e o cinema, segundo Morin (1967), estiveram sob controles burocráticos e
técnicos.

“No quadro privado, alguns grandes grupos de imprensa, algumas grandes cadeias de rádio e
televisão, algumas sociedades cinematográficas concentram em seu poder o aparelhamento
(rotativas, estúdios) e dominam as comunicações de massas. No quadro público, é o Estado que
assegura a concentração” (Morin, 1967: 27).

O controle técnico existe quando um indivíduo ou uma empresa possui a capacidade


material de difundir as informações. As grandes cadeias de rádio possuem os microfones,
os amplificadores, as antenas transmissoras e os demais equipamentos necessários para que
seu sinal seja propagado. À este tipo de controle corresponde uma concentração
burocrática:

“A organização burocrática filtra a idéia criadora, submete-a a exame antes que ela chegue às
mãos daquele que decide – o produtor, o redator-chefe. Este decide em função de considerações
anônimas: a rentabilidade eventual do assunto proposto (iniciativa privada), sua oportunidade

122
política (Estado), em seguida remete o projeto para as mãos de técnicos que o submetem a suas
próprias manipulações” (Morin, 1967: 28).

O controle burocrático é aquele que realiza a filtragem da informação, que decide o


quê é apropriado para ser divulgado. Como observamos no capítulo 3, as visões de Adorno
(1980) e Tinhorão (2001) são contrárias à idéia de que esteja ocorrendo uma
democratização da música, pois assim como Morin, assinalam a rentabilidade como um dos
critérios principais para esta filtragem.
Na Internet não há controles técnicos ou burocráticos. Primeiramente, as exigências
técnicas para a construção de uma website são mínimas: precisa-se de um computador
conectado à rede e softwares que podem ser obtidos gratuitamente. Em segundo, qualquer
página pode ser publicada e difundir dados simultaneamente para o mundo todo. O controle
burocrático que existe restringe-se às informações que farão parte dos sites dos mesmos
jornais, rádios e televisões de antes, e mais os novos projetos que procuram assumir a
posição de fonte segura de dados, pois estes certamente serão supervisionados por seus
patrocinadores.
Sem estes tipos de controle, não há nenhuma filtragem e não há como assegurar a
confiabilidade dos websites. Em entrevistas, Umberto Eco colocou a sua preocupação em
relação a esta questão:

“...até agora, as igrejas, instituições científicas e outras tinham por função filtrar e reorganizar o
conhecimento e a informação. Esses intermediários restringiam minha liberdade intelectual, mas
garantiam a filtragem essencial à comunidade. Sem filtragem, corremos o risco da anarquia no
saber” (Eco, 2000a: 8).

A grande quantidade de sites é apontada por Eco como um risco potencial para os
inexperientes. O indivíduo que pesquisa um determinado tema pode confundir-se com a
vastidão das opções, encontrar uma página e dar-se por satisfeito, enquanto as verdadeiras
respostas permanecem em outro local.

“...para uma pessoa mais jovem, a Internet pode ser uma floresta: se você decidir virar para a
esquerda em vez de ir para a direita, talvez deixe de achar o tesouro que está buscando. Existem
muitos sites interessantes, mas também há muito lixo” (Eco, 2000b: 14).

123
Um exemplo musical das distorções que esta liberdade de propagação mundial das
informações pode gerar está no site da empresa SABIAN (www.sabian.com), uma fábrica
produtora de pratos para percussão (vide apêndice II no final da pesquisa). Esta empresa
tem excelente reputação quanto aos seus instrumentos e, portanto, teoricamente, sua página
na Internet inspira grande confiança nos visitantes. Na seção intitulada “educador”, vários
ritmos são representados através de partituras com padrões básicos para bateria, sempre
com dois compassos de duração. Uma gravação correspondendo ao exemplo escrito pode
ser ouvida, primeiro somente com a bateria e depois em conjunto com uma banda de
acompanhamento. A seguinte partitura foi utilizada para representar o ritmo do samba:

Para um aprendiz iniciante, o padrão representado pode ser estabelecido como um


referencial para o samba. Mesmo o estudioso avançado que não tenha um contato anterior
com este gênero de música poderá assumir a partitura e a gravação como um exemplo
autêntico do estilo. Entretanto, para o conhecedor dos ritmos brasileiros, o padrão
apresentado é uma simplificação que não caracteriza devidamente o samba, nem mesmo na
forma como foi escrito: usualmente a notação musical para o samba utiliza compassos
binários, pois a pulsação do ritmo é binária, e não o quatro por quatro como na partitura
acima. A gravação apresentada não se aproxima do que um conjunto de samba – em
qualquer formação – deveria soar, e instrumentos que não pertencem ao universo brasileiro
são proeminentemente utilizados, como o guiro e a clave, que são instrumentos da
percussão latina e denunciam a categorização da música brasileira juntamente com estilos
afro-cubanos como o mambo, o merengue e o mozambique. Devido a esta distorção e à
superficialidade dos dados, um aprendiz autoditata poderia praticar insistentemente um
ritmo e chamá-lo erroneamente de samba.
Um outro exemplo que pode ser colocado em contraponto à noção de samba
difundida pela SABIAN está no site da VIC FIRTH, uma empresa americana produtora de

124
baquetas para bateria e percussão. Embora esta última, assim como a primeira, mantenha
sua página na Internet com o objetivo principal de divulgar seus produtos, também há uma
seção dedicada à educação. Ambas colocam informações básicas e introdutórias, sem uma
pretensão de servir como fonte única de dados. Porém, a VIC FIRTH teve a preocupação
de, se não aprofundar os temas abordados, ao menos abrir espaço suficiente para que os
exercícios não ficassem demasiadamente simplificados. Na página intitulada “Fundamentos
do Samba” (www.vicfirth.com/education/drumset/essentialstyles/samba.html), antes de
chegar a um ritmo final, são propostos uma série de exercícios para desenvolver a
coordenação rítmica do aprendiz mantendo uma base característica do samba com os
pedais. Enquanto os pés mantém um padrão constante, as mãos devem realizar dez
diferentes combinações de acentuação, a primeira delas sendo como o exemplo a seguir:

Devemos observar que este ritmo está escrito em dois por dois, e sendo assim é uma
representação binária, mais apropriada às propriedades originais do samba. Há um
acompanhamento sonoro para todas as partituras desta página: basta clicar sobre uma das
linhas para acessar uma versão em MIDI que demonstra o exercício em diversos
andamentos.
Depois desta preparação, uma série de doze exercícios são colocados, apresentando
variações rítmicas do samba, sem a intenção de apontar nenhuma delas como um padrão
definitivo. Estes são os quatro últimos exemplos:

125
Todas estas variações são, finalmente, cruzadas com um outro ritmo executado no
prato pela mão direita do músico, enquanto a mão esquerda toca os exercícios anteriores
nos tambores da bateria. Dessa forma, a mistura de todos os padrões rítmicos desta página
oferece uma idéia básica do samba, estabelecendo de fato alguns “fundamentos” como o
seu título indica. Embora, ao contrário do site da SABIAN, não haja uma gravação de um
grupo executando uma música de samba, é preferível uma lacuna que estimule o aprendiz a
ouvir performances legítimas do que uma versão deturpada do estilo.
Esses dois exemplos demonstram como um assunto musical pode ser abordado de
diferentes maneiras, mantendo um mesmo nível de profundidade e dispondo de recursos
similares. Seguindo o raciocínio de Eco, devemos estabelecer uma filtragem.
Outros exemplos podem ser encontrados nas análises de sites no final deste capítulo.

5.3 Ferramentas On-line

Partindo da idéia de que nosso objeto de estudo é a auto-aprendizagem musical,


concluímos que o próprio aprendiz é responsável pela filtragem dos sites e das informações
que serão utilizadas nos estudos, pois não haverá a supervisão geral de um professor que
selecione o material. Percebemos neste processo de filtragem, em que o estudante realiza
buscas e decide quais páginas são mais adequadas e confiáveis, algumas ferramentas
facilitadoras que sistematizam e organizam as pesquisas na Internet.
Primeiramente temos os “mecanismos de busca”37, que possibilitam o uso de
palavras-chave na procura de sites sobre determinados temas. Muitas das páginas
encontradas poderão apresentar “páginas de links”, ligando outros endereços eletrônicos
àquele que está sendo consultado, e possivelmente ampliando uma busca com centenas de
resultados para milhares de opções.

37
Podemos citar, entre as mais conhecidas: yahoo (www.yahoo.com); google (www.google.com); alta vista
(www.altavista.com); e cadê (www.cade.com.br).

126
Outra possibilidade é a centralização de vários conteúdos em uma mesma página,
como observamos nas chamadas “bibliotecas virtuais”. Tais bibliotecas resultam na
expansão do acervo disponibilizado on-line, muitas vezes aglomerando voluntários que se
propõem a transferir conteúdos impressos para o formato digital. Este é o caso da
Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro (www.bibvirt.futuro.usp.br), parte integrante do
site da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo. No início do ano de 2001,
iniciamos neste site um trabalho direcionado à música, objetivando investigar novas
possibilidades educacionais na Internet. O primeiro projeto, “Percussões do Brazil”
(www.bibvirt.futuro.usp.br/acervo/audiovisual/sons/percussao/percussao.html), contém
exemplos de instrumentos de percussão típicos da música brasileira. Os usuários têm acesso
ao som produzido pelos instrumentos, textos com informações sobre a história e a
fabricação dos mesmos, com versões em português e em inglês, assim como a imagens e
exercícios transcritos em partituras.

Podemos imaginar, seguindo esta mesma linha de trabalho, uma enciclopédia virtual
relacionando todos os instrumentos musicais conhecidos, contendo vídeos retratando

127
performances de mestres da música e biografias detalhadas contextualizando-os na história.
Obras desta natureza estariam interligadas à diversas áreas do conhecimento, promovendo
através de seus links um aprendizado totalmente multidisciplinar. Por exemplo, a página de
um determinado instrumento poderia estar conectada à outra que explicasse sua ação em
termos físicos, à uma contendo fatos históricos relacionados e à uma terceira com
explicações geográficas sobre as regiões em que ele é mais utilizado.
Outro agente facilitador das pesquisas musicais na Internet são as novas formas de
descrição de materiais audiovisuais. Um exemplo é a tecnologia do MPEG-7, que atua
como uma “interface de descrição de conteúdo multimídia” (Lindsay e Kriechbaum, 1999),
isto é, que está sendo desenvolvida para representar informações sobre outras informações,
anexando a um arquivo uma série de dados referentes a sua autoria, sua produção e suas
características. Com o uso desta tecnologia, a colocação de uma “etiqueta” nos arquivos
musicais possibilita que encontremos uma obra na rede a partir da especificação de seu
compositor, a época da composição, os instrumentos utilizados na gravação e a tessitura da
peça, entre outras opções. O arquivo musical poderá existir em diferentes formatos,
comprimido (por exemplo, em MP3) ou não, e o MPEG-7 estará anexado descrevendo seu
conteúdo.38
O uso da Internet na auto-aprendizagem poderia ser ampliado a partir desta
facilidade em administrar informações. Um exemplo de exercício prático a ser realizado é a
comparação entre diferentes versões de uma mesma obra, interpretadas por músicos de
estilos distintos. Um pianista poderia facilmente localizar dezenas de gravações de um
mesmo concerto, especificando detalhes para garantir que obteria variações interessantes;
uma peça popular poderia ser encontrada em ritmos diferentes; os improvisos dos solistas
de uma determinada música poderiam ser comparados com base nas notas que foram
utilizadas; várias performances de um mesmo instrumentista poderiam ser estudadas em
seus detalhes mais específicos.
Alguns dos serviços comerciais disponibilizados pela Internet podem servir também
como ferramentas organizacionais nas pesquisas musicais. Muitas vezes ao custo de sua
privacidade, o usuário / consumidor pode selecionar suas preferências e personalizar seu

38
Atualmente uma padronização mundial está sendo elaborada para o MPEG-7. Maiores informações nos
sites www.meta-labs.com/mpeg-7-aud ; www.darmstadt.gmd.de/mobile/MPEG7/ e www.cselt.it/mpeg/.

128
relacionamento com estes sites, fornecendo dados pessoais e hábitos de compras. Temos
exemplos deste caso nas lojas virtuais de discos, como a CD Now (www.cdnow.com), que
estimula seus clientes a preencherem um cadastro com seus gostos e artistas favoritos. De
posse destes dados, através do correio eletrônico o site envia boletins sobre novos produtos
disponíveis e recomenda outros nomes e estilos baseados naqueles que foram fornecidos.
Neste sentido, assim como Jones (2000), podemos nos referir à Internet como uma
mistura de mídia de massa com mídia pessoal, no que ela proporciona uma individualização
da experiência da música. A filtragem ocorre em dois extremos: na loja que divulga as
informações e com os consumidores que determinam que tipo de música desejam conhecer.
Enquanto que no rádio a única alternativa do ouvinte é mudar a estação, na Internet ele
pode participar das escolhas que direcionam os dados transmitidos. Este mesmo processo
acontece nas rádios on-line, como a Usina do Som (www.usinadosom.com.br), em que o
ouvinte tem como opção a escolha de um dos canais preestabelecidos, divididos por gênero
musical, ou a criação de sua rádio pessoal, determinando quais estilos, artistas ou músicas
deseja incluir na programação. Estas são as chamadas rádios jukebox, diferentes das rádios
tradicionais, que muitas vezes também são disponibilizadas através da Internet. Durante a
execução de uma música, é possível adquirir o CD que a contém, assim como ter acesso à
resenhas de novos lançamentos, trazendo ao usuário um pacote de informações sobre as
opções que lhe agradam.
Outras rádios on-line podem estabelecer padrões mais artísticos, como aquela criada
pelo músico Gilberto Gil no final do ano 2000, intitulada Expresso 2222
(www.expresso2222.com.br), que não tem canais separados por estilos musicais ou uma
preocupação essencialmente comercial em relação à sua programação. O nome do site faz
referência a uma música composta por Gil em 1972, durante seu exílio em Londres, e tem
sua concepção em vagões, cenários e itinerários, trazendo não somente a música mas
também uma visão do autor sobre ela. Caso semelhante é o programa “Empoeirado”, em
que o músico Ed Motta atua como DJ e comentarista. Veiculado pelo seu site oficial
(www.edmotta.com.br) e pela Rádio UOL (www.uol.com.br/radiouol), em cada edição
semanal Motta comenta cinco músicas retiradas de seu próprio acervo particular de discos

129
de vinil. A audiência chega a 2000 pessoas quando o programa está ao vivo, e depois
recebe uma média de 400 visitantes/dia quando é arquivado.39
Ao mesmo tempo em que personalizam a experiência musical, as rádios on-line
também abrem canais para outras culturas e identificam o que é considerado mainstream
em países distantes. Endereços eletrônicos como o www.comfm.com ou o
www.radios.com.br aglomeram milhares de rádios provenientes do mundo inteiro,
transportando o ouvinte de um continente a outro através de poucos toques no computador.
Dessa forma, a Internet se consolida como um importante agente no processo de
globalização musical, divulgando igualmente qualquer tipo de trabalho, seja produto das
grandes indústrias ou de músicos independentes. Este nivelamento resultou na possibilidade
de competição entre grandes e pequenos produtores.
A redução do custo dos computadores pessoais e sua decorrente popularização
permitiu a propagação de pequenos estúdios de gravação, tornando a produção caseira de
alta qualidade viável e libertando os produtores musicais das companhias da indústria
fonográfica. No Brasil, no final do ano 2000, já era possível criar um estúdio com menos de
R$1000.40 A divulgação do material resultante via Internet, gratuita e de alcance mundial,
tornou-se uma prática comum, mesmo entre os artistas que anteriormente já tinham acesso
aos meios de comunicação.41 Apesar das grandes empresas ainda terem o controle dos
mecanismos de massificação, através da mídia impressa, do rádio e da televisão, a Internet
torna possível produzir localmente e distribuir mundialmente. Observamos os efeitos
exercidos do macro para o micro e vice-versa. Este aspecto é relevante porque, usualmente,
os críticos da globalização assinalam apenas os efeitos do macro destruindo o micro, numa
visão que contempla o sistema de relações mundiais como uma corrente fixa de mão única,
do global para o local.
Percebemos que a globalização engendrou duas vertentes distintas de reação no
campo musical. Por um lado Sekeff (1998) assinala que, para alguns, há uma “massificação
das artes e da música, favorecendo uma ideologização passiva na medida em que estimula a
padronização do gosto e da demanda do consumo, com possibilidades de ruptura das

39
“Talentos do Rádio Brasileiro Migram para a Internet”, Folha de São Paulo, cad. Ilustrada, 21 de fevereiro
de 2001, p. E-4.
40
“Crie um Estúdio com Menos de R$1000”, Folha de São Paulo, cad. Informática, 22 de nov. de 2000, p.10.
41
“Artistas Investem em Divulgação On Line”, Folha de São Paulo, cad. Ilustrada, 10 de agosto de 2000, p.4.

130
singularidades nacionais e locais”. Por outro, a mesma autora observa que, vista sob um
ângulo diferente, a globalização “estimula a criação local de qualidade internacional,
permitindo uma revolução dos métodos e processos de transmissão do saber e fazer
artístico, com benefícios para a democratização e universalização do seu produto”. Ou seja,
enquanto as grandes companhias da indústria musical procuram utilizar a Internet para
ampliar o alcance comercial de seus produtos, constatamos um esforço de resistência dos
pequenos grupos, em que é possível encontrar fenômenos culturais e expressões individuais
de músicos que atuam paralelamente às gravadoras.
Os serviços virtuais que divulgam estas produções, como rádios e lojas on-line,
podem ter uma importância significativa na realidade prática da aprendizagem musical.
Tomemos como exemplo um aluno iniciante no gênero popular do jazz, que recebe um
tópico para pesquisa: Miles Davis, um célebre instrumentista do estilo. A partir deste nome,
no site CD Now podemos obter a discografia (incluindo aproximadamente 300 títulos) e a
videografia completa do músico, escutar trechos de algumas de suas músicas, e temos
acesso a sua biografia, assim como às últimas notícias e reportagens escritas a seu respeito.
Também há uma página de “artistas relacionados”, organizada em cinco categorias (artistas
similares, raízes e influências, teve influência sobre..., colaborou com..., executou músicas
de...), indicando 167 outros nomes de alguma forma associados à Miles Davis.
Investigando os links providenciados ampliamos nosso círculo de audição em uma
seqüência lógica e gradual, sem a qual o termo genérico “jazz” poderia se diluir nos
inúmeros subgrupos do estilo, cada qual com características próprias e distintas.
Lembramos que a intenção final do CD Now ainda é vender seus produtos, mas para
cumprir seu objetivo disponibiliza as informações e acaba por atuar de forma educativa. Na
rádio on-line Usina do Som, através de uma busca por “Miles Davis”, chegamos a 16
discos contendo composições interpretadas por este músico, que podem ser apreciados em
sua íntegra.42 Percebemos nos serviços on-line relacionados à música uma conexão
inteligente com o material disperso na Internet, direcionando a atenção do ouvinte para
focos de interesse e agindo como tutores, contribuindo para que a aquisição de
conhecimento seja evolutiva e consciente.

42
Devemos observar que os números relativos à busca “Miles Davis” foram constatados em Janeiro de 2002,
e serão modificados a partir de qualquer atualização nos sites mencionados.

131
5.4 Análise de Sites

Iremos analisar alguns dos sites construídos visando especificamente o ensino de


instrumentos musicais, observando que manteremos o foco na aprendizagem da bateria.
Outros sites relacionados ao assunto serão listados no apêndice II, ao final desta pesquisa.
Devemos diferenciar o uso da Internet em processos de auto-aprendizagem dos
cursos disponíveis on-line que envolvem a presença de um professor à distância. No
primeiro caso, o aluno utiliza recursos nos sites com autonomia e interpretações próprias,
mesmo que tenha a possibilidade de contatar um professor para esclarecimentos. No
segundo, existe um relacionamento constante entre professor e aluno, mediado pelos canais
comunicativos que a Internet oferece. Nesta situação, embora muitas responsabilidades
estejam ao encargo do aprendiz, a supervisão dos trabalhos implica em orientações e
interpretações dirigidas pelo professor, que ao corrigir exercícios e avaliar o
desenvolvimento do aluno assume uma outra parcela das responsabilidades. Muitos cursos
dessa natureza estão presentes na Internet43. Porém, nosso foco estará dirigido aos sites que
propõem a aprendizagem totalmente centrada no aluno, mesmo que um professor possa
participar de uma forma indireta, como é o caso do primeiro exemplo, Bill Powelson’s
School of Drums. Em outra situação, como no segundo exemplo, Drum Lessons Database,
as informações são sistematizadas em “aulas” que o aprendiz deve utilizar sem auxílio
algum. Nosso terceiro exemplo será o site Web Thumper Drum Lessons e o quarto e último
será o drumlesson.com.
Nossa análise parte do princípio de que nenhum livro, vídeo-aula ou site pretende
abordar todos os temas pertinentes à um determinado instrumento musical, visto que tal
objetivo seria impossível dada a vasta quantidade de ritmos, técnicas e outros assuntos que
deveriam ser estudados. Portanto, cada página de um site será considerada como um tratado
educativo sobre um tema, objetivando transmitir informações dentro de um campo
delimitado. Este campo, no entanto, deverá estar apoiado em um contexto apropriado para

43
Podemos citar algumas escolas que organizam cursos musicais on-line: no Brasil, o Conservatório
Brasileiro de Música (http://www.cbm-musica.org.br), no Rio de janeiro; o Conservatório Musical Souza
Lima (http://www.souzalima.com.br) e a Escola de Música e Tecnologia (http://emt.com.br), em São Paulo;
na Argentina, o Instituto Americano de Música (http://www.ivimus.8k.com); e na Espanha, a escola Aula
Actual (http://www.aulaactual.com).

132
que faça sentido e possa ser assimilado pelo aprendiz. Por isso, estabelecemos os seguintes
critérios para analisar as páginas:

 Organização do material: clareza com que foram colocadas as explicações e


sistematizados os exercícios
 Contexto: adequação da informação ao que o site se propõe e ao conjunto das
outras páginas do mesmo site.
 Navegação: facilidade em chegar às informações; diagramação das telas; e
recursos de som e vídeo.

1) Bill Powelson’s School of Drums – http://catalog.com/drummers/bphome01.html

Bill Powelson é um baterista americano que iniciou sua carreira profissional em


meados da década de 50, começando a lecionar aulas de seu instrumento em 1964. Em
1994, seu curso on-line foi estabelecido e continua a ser atualizado até o presente. No site

133
indicado acima há uma combinação de aulas gratuitas e outras que só podem ser acessadas
mediante uma taxa única de 49 dólares americanos. Tornando-se um membro, o aprendiz
recebe os seguintes privilégios: 1) Através de uma senha pode-se acessar todas as 90 aulas,
ou “baixá-las” em zip; 2) Pode-se “baixar” o e-book “Old Drums Into New Money”,
contendo técnicas para a recuperação de baterias usadas; 3) Recebimento de um newsletter
mensal com novas aulas e acesso ao arquivo do material produzido desde janeiro de 1997;
4) Ajuda pessoal de Powelson por e-mail, ilimitada, para esclarecimentos e resolução de
dúvidas. O pagamento da taxa implica em uma associação permanente, dando direito a
todos os updates que vierem a ser acrescentados no site.
O curso é dividido em quatro níveis: iniciante, intermediário, avançado e ultra-
avançado. Os dois primeiros são quase inteiramente gratuitos; os dois últimos fazem parte
da área restrita aos membros. Através dessa sistematização, é anunciado que o material é
dirigido tanto ao aprendiz completamente leigo, antes ainda de comprar seu instrumento,
quanto ao estudante sério, que já domina os fundamentos da bateria e busca
aperfeiçoamentos. Há um menu principal das aulas, que também são ligadas umas às outras
em seqüência, e em quase todas as páginas há links para uma página convidando o visitante
a associar-se para ter acesso ao curso completo. A navegação no site é simples, embora o
excesso de informações na página inicial dificulte a compreensão visual. As aulas, no
entanto, estão claramente marcadas: há 22 enumeradas e descritas, das quais 16 podem ser
acessadas gratuitamente. As demais aulas do curso são comentadas apenas
superficialmente, sem uma descrição acurada de seu conteúdo.
O primeiro nível, dedicado aos iniciantes, começa com uma introdução sobre
técnicas para segurar as baquetas e para atacar corretamente os pedais da bateria. A lição
número 1 é colocada como um “teste de aptidão”, convidando o aprendiz a realizar um
exercício na própria mesa de estudos, a fim de convencê-lo de sua capacidade para tocar o
instrumento. A aula número 2 coloca noções da escrita musical, enquanto a número 3
contém uma série de cinco ritmos básicos e uma lista de músicas, todas amplamente
divulgadas pelos meios de comunicação, como exemplos de cada desses ritmos. Os
exercícios são acompanhados de arquivos MIDI e há músicas completas, utilizando o

134
sistema Real Audio44, que os alunos são encorajados a acompanhar com os ritmos
aprendidos.
O segundo nível, intermediário, compreende as aulas de número 4 a 10, sendo que
apenas a de número 4, tratando de terminologias, símbolos e valores das notas musicais,
não é gratuita. Outros ritmos, mais complexos, são colocados nesta fase, juntamente com os
estudos iniciais dos rudimentos.45 A lista com os 26 principais rudimentos é
disponibilizada.
Em seguida há uma seqüência intitulada “dicas e truques”, anunciada como
apropriada para todos os níveis, englobando as aulas de número 11 a 16. Dessas, apenas as
de números 11 e 13 são gratuitas. Os seguintes temas são abordados: 1) Como montar um
equipamento para a prática da bateria com caixas de papelão (“a bateria mais barata do
mundo”); 2) Afinação da bateria; 3) Compra da bateria (instrumentos novos vs. usados,
marcas conhecidas vs. desconhecidas, medidas adequadas das peças); 4) Como se juntar à
uma primeira banda e realizar seu primeiro show; 5) Como enfrentar a competição de
outros músicos.
O terceiro nível (aulas 18 e 19), avançado, contém exercícios mais aprofundados
envolvendo ritmos e rudimentos. O quarto nível (aulas 20 a 22), ultra-avançado, trata de
assuntos complexos como permutações rítmicas e diferentes fórmulas de compasso. O
restante do material envolve, além de exercícios mais avançados nas áreas anteriormente
trabalhadas, outros ritmos como bossa nova, reggae, calypso, lambada, salsa, mambo,
polka, entre outros. Todas estas aulas só podem ser acessadas por membros associados.
Percebemos em todo o curso que foi descrito acima o uso de uma linguagem
simples e direta, estabelecendo um caráter informal às aulas e estimulando o aprendiz a
enviar questões e sugestões em qualquer momento. O site disponibiliza um sistema de alta
utilidade para os leigos, que não possuem conhecimento algum e se beneficiam das aulas
iniciais; e um material valioso para os estudantes que têm um conhecimento prévio
considerável e estão aptos a interpretar as lições mais avançadas. Há, no entanto, um vácuo

44
A importância do Real Audio se deve ao fato de que o áudio pode ser ouvido em streaming, isto é, não é
preciso “baixar” completamente os arquivos, eles podem ser ouvidos à medida que as informações chegam.
Sua qualidade, no entanto, é bastante inferior a do MP3.
45
Os rudimentos consistem em manipulações das baquetas, praticadas gradualmente do lento ao rápido,
usando diferentes padrões de ataques (http://catalog.com/drummers/rudexpln.html).

135
entre essas duas situações, em que os alunos que já dominaram os fundamentos básicos têm
dificuldades para progredir.
As aulas iniciais servem de auxílio para a aquisição de um instrumento adequado e,
partindo do que é chamado de “air drumming” (tocar um instrumento imaginário,
realizando os movimentos no ar), fornecem elementos básicos que, segundo o texto do site,
“preparam o aluno para tocar 50% das músicas de qualquer estilo”. O primeiro exercício
apresentado é o seguinte:

Contagem (1 2 3 4)

D = Mão Direita D D D D
E = Mão Esquerda E
P = Pé Direito P

Torna-se óbvio que um ritmo dessa natureza pode acompanhar a maioria das
músicas atualmente divulgadas pelos meios de comunicação, pois trata-se de uma marcação
simples em tempo quaternário, mas isso não é o mesmo que “tocar”. Tocar com todas as
variações e nuanças depende do domínio de diversos aspectos, envolvendo a técnica e a
sensibilidade musical do aprendiz. Neste sentido, percebemos uma dificuldade na auto-
aprendizagem: como não há uma avaliação direta dos estudos, já que o professor poderá
apenas ser contatado por e-mail, o aluno não irá dispor de recursos para refinar os
movimentos e a musicalidade que compõem mesmo os ritmos mais simples. Portanto,
apesar de receber instruções sobre a execução e a coordenação motora envolvida nos
exercícios, o aprendiz dificilmente conseguirá progredir sem o uso de elementos externos
ao site.
Os exercícios apresentados aos iniciantes são práticas quantitativas: trabalham com
combinações matemáticas baseadas na contagem numérica, treinando a capacidade do
aluno para executar movimentos combinados entre seus membros de forma a produzir
ritmos. Porém, para que estes ritmos sejam lapidados, vários aspectos de ordem qualitativa
devem ser observados: as técnicas corretas para extrair uma boa sonoridade, o balanço
adequado da intensidade de cada uma das partes envolvidas no exercício, o ajuste temporal

136
das notas, e as variações que mantenham as características do ritmo. Não há contribuições
nesse sentido nas aulas do site analisado.
Muitas dessas questões colocam-se como obstáculos para a auto-aprendizagem da
bateria, pois dependem de avaliações detalhadas que seriam facilitadas através da
participação de um professor. Sozinho, o aluno terá que desenvolver uma percepção
aguçada de sua própria produção musical em relação à músicos mais experientes. Para isso,
seria útil que o site disponibilizasse ou indicasse músicas que demonstrem os ritmos
estudados. As dificuldades também poderiam ser amenizadas com o uso de vídeos que
possibilitassem a visualização da prática dos exercícios propostos. Como já assinalamos no
capítulo dedicado aos vídeos, a observação da imagem possibilita ao aluno realizar uma
auto-crítica mais adequada, comparando seus movimentos ao de músicos mais experientes.
Não há vídeos ou fotos em nenhuma das aulas. O sistema desenvolvido por Bill Powelson
fornece apenas o áudio como referência, sendo que os exercícios são demonstrados com
arquivos MIDI. Apesar da rapidez com que estes arquivos podem ser “baixados”, a
qualidade da informação é muito aquém da obtida com outras tecnologias usualmente
encontradas na Internet, como o MP3, que implica em um maior tempo de transmissão.46
Dessa forma, concluímos que este site contribui para que o aprendiz iniciante evolua até um
certo ponto, a partir do qual seriam necessários outros materiais.
Para o aluno avançado, por outro lado, os problemas relacionados à auto-avaliação
não apresentam a mesma dimensão, visto que suas experiências anteriores facilitam a
rápida integração de novas informações. As aulas avançadas funcionam como uma fonte de
ritmos e exercícios, que são anexadas à práticas já existentes e consolidadas, expandindo o
vocabulário musical deste aluno. Supomos que nessa situação o aprendiz necessitará de
menos referências pois seus conhecimentos permitem que as novas idéias sejam
contextualizadas de maneira apropriada.
Dessa forma, apesar das aulas avançadas do site em questão também trabalharem
essencialmente com aspectos quantitativos, o aluno terá condições de identificar as
questões qualitativas relevantes e desenvolver os seus pontos de interesse.

46
Relembramos que os arquivos MIDI transmitem informações sobre a música a ser executada e não o som
gravado, como ocorre com o padrão MP3.

137
2) Drum Lessons Database – http://www.drumsdatabase.com

O Drum Lessons Database se propõe a atuar como portal para outros sites que
contenham material educativo relacionado à bateria e percussão, estabelecendo links
organizados por assunto para mais de 400 aulas on-line. Cada um dos temas, listados na
página inicial, contém de uma à dez aulas, com curtos textos que descrevem o material e
indicam se há o acompanhamento de um arquivo sonoro. Há 117 assuntos, incluindo ritmos
diversos (samba, tango, rock, salsa), rudimentos, solos, transcrições, teoria musical,
motivação, afinação, história da bateria, limpeza dos instrumentos, postura, eletrônica, entre
outros. A página foi construída pela Drum Bum, uma empresa americana fabricante de uma
série de produtos com motivos ligados à bateria, como camisetas, relógios, adesivos,
chaveiros, canetas, brincos e gravatas. (http://store.drumbum.com).
A navegação na página única é simples e efetiva: um quadro apresenta todos os
assuntos; pode-se selecionar e clicar sobre um deles, levando o visitante diretamente às
aulas listadas, ou “rolar” a página para baixo, de forma a percorrer todos os assuntos e suas

138
respectivas aulas, ordenados alfabeticamente. Como este site não produz seu próprio
material, não há uma consistência metodológica nas aulas apresentadas. Cada link
transporta o visitante a outra página, abrindo uma vasta gama de variáveis quanto à
formatos e conteúdos. Algumas aulas apresentam vídeos ou fotos, enquanto a maioria
contém apenas textos e partituras. Todo o material pode ser acessado gratuitamente. Não há
uma classificação das aulas em níveis de dificuldade, apenas “iniciante” e “ritmos básicos”
são identificáveis como temas dirigidos.
Porém, a importância deste site se deve a seu papel como material de consulta,
indicando rapidamente páginas que tratam de um determinado tema. Através destas
indicações o aprendiz poderá iniciar pesquisas e comparar diferentes abordagens de um
mesmo assunto. Tais comparações representam uma prática comum de pesquisa na
Internet, em que as “ferramentas de busca” são utilizadas para listar páginas sobre um tema
e as primeiras opções são rapidamente investigadas, escolhendo-se as que mais se
aproximam dos objetivos pretendidos. A auto-aprendizagem é assim facilitada através de
uma pré-seleção e uma organização das aulas existentes na rede, contribuindo
especialmente para os aprendizes interessados em realizar pesquisas musicais.
Sendo assim, concluímos que o Drum Lessons Database é mais apropriado aos
alunos de nível intermediário ou avançado, capacitados a selecionar as aulas e utilizá-las de
maneira adequada. Os alunos iniciantes, por outro lado, necessitam de uma estrutura
metodológica de complexidade gradual, baseada em exercícios quantitativos de fácil
compreensão, como existe no site Web Thumper Drum Lessons, que será analisado a
seguir.

3) Web Thumper Drum Lessons – http://216.103.111.115/webthumper/drums/

O Web Thumper foi construído por Scott Dinn, um baterista de San Jose, Califórnia
(EUA), que também trabalha como webdesigner para empresas. Este site disponibiliza
gratuitamente um programa de estudo que se inicia com uma introdução à bateria e passa
por quatro níveis de complexidade: novato, intermediário, avançado e extremo. Todo o
material presente na Internet pode também ser adquirido em livros e CDs, através de

139
encomendas postais, ou ser impressos a partir das páginas especialmente formatadas para
este fim.
A introdução do curso é similar a que foi constatada no site de Bill Powelson: o
aprendiz é convidado a executar o mesmo exercício percutindo a mesa, enquanto um
arquivo MIDI demonstra como o ritmo deveria soar se tocado na bateria. Depois, há
explicações sobre a contagem de ritmos e noções de teoria musical, discutindo fórmulas de
compasso e tempo musical. Esta seção assume que o visitante não possui conhecimento
algum sobre a bateria, preparando-o com elementos básicos e simplificados.
Aos “novatos” são colocados os primeiros ritmos, todos acompanhados de
representação na partitura e acompanhamento sonoro (MIDI). Nessa situação, o uso de
arquivos MIDI é totalmente adequado, pois suas limitações não prejudicam a compreensão
de ritmos básicos e a grande quantidade de exercícios requer um padrão que seja de rápida
transmissão pela rede. O nível intermediário trata dos rudimentos e aprofunda os ritmos
trabalhados, sempre estimulando o aluno a contar em voz alta os tempos rítmicos, além de
introduzir diferentes fórmulas de compasso (3/4, 5/4 e 6/4). O estágio avançado e o
intitulado “extremo” propõem exercícios ainda mais complexos utilizando os mesmos
recursos e sistemas.
Outras idéias de exercícios são propostas através de transcrições de músicas,
colocando partituras representando a parte de bateria de diversas músicas usualmente
difundidas pelos meios de comunicação. O aluno poderá ouvir um arquivo sonoro em MIDI
ou “baixar” a música completa em MP3, possibilitando a prática da leitura juntamente com
a interpretação original. Em outra seção, há a opção de “baixar” gravações de músicas sem
a bateria, para que o aprendiz complete a música com sua própria versão da partitura
apresentada. Esses exercícios são organizados segundo os níveis de dificuldade, colocando
leituras simples para os iniciantes e discussões detalhadas sobre cada uma das partes das
músicas avançadas. A possibilidade de imprimir a partitura e tocar com gravações
envolvendo outros instrumentos além da bateria representa uma aplicação prática dos
exercícios desenvolvidos.
A estruturação das páginas é bastante organizada e funcional, havendo um menu
constante na parte esquerda da tela, através do qual as aulas são selecionadas. Não há fotos
ou vídeos mas, embora a ausência de imagens em movimento, como já foi anteriormente

140
observado, seja um empecilho para o progresso dos aprendizes, o texto de apresentação
prometia a inclusão de vídeos e mais arquivos MP3 para breve. Em comum com os dois
sites analisados acima o Web Thumper apresenta a linguagem direta e informal, procurando
estabelecer uma relação pessoal com o aluno. Pressupõe-se que o aprendiz busca uma
conexão não somente com o material mas também com o estilo em que este material é
apresentado. Esta informalidade passa a sensação não de um “curso” sistematizado para o
ensino musical sério, mas para uma aprendizagem recreativa e dirigida ao lazer.

4) Drumlesson.com – http://www.drumlesson.com

O site drumlesson.com se diferencia dos outros vistos até aqui em dois aspectos
principais. Primeiramente, foi elaborado e construído por uma empresa especializada,
intitulada com o mesmo nome (drumlesson.com), e não por indivíduos (caso de Bill
Powelson’s School of Drums e Web Thumper Drum Lessons) ou por companhias não
relacionadas ao ensino musical (caso do Drum Database). A drumlesson.com, sediada na
cidade de Granada Hills, Califórnia, EUA, foi criada para desenvolver páginas na Internet

141
oferecendo aulas de bateria e percussão. Em segundo, ao contrário dos anteriores, este site
utiliza amplamente diversos recursos de imagens, combinando fotos e vídeos aos textos,
gráficos e arquivos de áudio em MP3 e Real Audio. As aulas são baseadas em vídeo-aulas e
podem ser adquiridas ao custo de 6.95 dólares americanos cada. A associação ao sistema é
gratuita e ocorre mediante uma senha, disponibilizando ao aluno, além da possibilidade de
comprar aulas, acesso à uma enciclopédia de percussão, à entrevistas de bateristas no
formato Real Audio, e ao fórum de discussões. Há também uma loja on-line onde materiais
didáticos diversos podem ser encontrados.
Após a aquisição de uma aula, o aprendiz terá acesso on-line ao material durante 8
semanas, podendo “baixar” para seu computador uma porção limitada de seu conteúdo.
Segundo o site, cada aula possui conteúdos equivalentes ao de uma vídeo-aula completa,
representando a junção deste vídeo com um livro e um CD de áudio. Abaixo observamos a
demonstração de uma das aulas:

142
A visualização de cada detalhe discutido nas aulas representa um cenário altamente
favorável para a auto-aprendizagem. Os recursos hipermídia do computador são finalmente
utilizados para transmitir o conteúdo de uma vídeo-aula, com o diferencial de que a
navegação permitirá ao aprendiz uma leitura da aula em diferentes formatos. Várias janelas
podem ser abertas simultaneamente para facilitar a compreensão das informações, fazendo
com que um exercício ou atividade seja explicada de várias maneiras.
Tais recursos ampliam as possibilidades tanto de aprendizagem quantitativa quanto
da qualitativa. Como foi observado mais acima, os sites anteriormente analisados
apresentavam instruções sobre combinações rítmicas que adestravam a coordenação motora
do aprendiz. Porém, após esta capacidade ser desenvolvida, não haviam outros elementos a
observar nos exercícios. Com a utilização do vídeo e de áudio de boa qualidade,
apresentando o som gravado e não arquivos MIDI, após o domínio da coordenação rítmica
ser atingido, outros aspectos podem ser observado para que os ritmos sejam aprimorados.
Estes aspectos podem ser relacionados aos movimentos, observados através do vídeo, ou à
um refinamento sonoro, perceptível no ouvir atento das gravações. Ou seja, este
aprimoramento depende de uma alta qualidade das informações recebidas.
Na ilustração seguinte, temos um exemplo de um ritmo sendo demonstrado, em que
o mesmo é colocado na forma de partitura, enquanto pode-se repetir o arquivo de áudio
indefinidamente ou assistir à performance de um músico executando o exercício:

143
As entrevistas com bateristas renomados são um outro meio do aprendiz entrar em
contato com informações importantes, seja no âmbito musical técnico ou no relato de
vivências profissionais. Enquanto muitos sites publicam textos referentes à estas
entrevistas, o drumlesson.com mantém um acervo em Real Audio, possibilitando que as
palavras do músico sejam ouvidas de sua própria voz. Em se tratando de personalidades do
universo musical, ressaltamos a importância dos exemplos cantarolados e do próprio ritmo
verbal do músico, que freqüentemente é refletido em sua expressão através do instrumento.
A enciclopédia de percussão, mantendo o mesmo uso da multimídia, apresenta cerca
de 200 instrumentos musicais, com fotos, textos explicativos, arquivos de vídeo e áudio,
sendo que para esses arquivos há três opções na velocidade de transmissão. Conforme o
interesse do visitante, pode-se “baixar” os dados mais rapidamente com menos qualidade,
ou obter mais qualidade através de uma espera mais prolongada.

144
Portanto, o conjunto das possibilidades presentes no site drumlesson.com pode ser
utilizado em processos de auto-aprendizagem de estudantes iniciantes, intermediários ou
avançados, existindo meios para que uma transição entre esses níveis ocorra. No entanto,
não há um programa estabelecido considerando as diferenças dos alunos e nenhuma das
páginas é dirigida à algum grupo específico. Há poucas aulas disponíveis – três para bateria
e nove para percussão em geral – e a maioria lida com informações básicas, dirigidas ao
nível iniciante. Com uma expansão das aulas visando atingir outros grupos de alunos, o
sistema encontrado nesse site serviria de modelo ideal para um curso on-line completo.
A linguagem utilizada é acadêmica e formal, dirigindo-se ao aluno de modo
objetivo e sério. Ao contrário de nossos exemplos anteriores, o drumlesson.com procura
uma relação mais impessoal com o aprendiz, oferecendo materiais educacionais e abrindo
espaço para discussões no fórum. As questões individuais, como não há um serviço de
esclarecimentos de dúvidas via e-mail, devem ser colocadas para todo o grupo, que pode
contribuir com múltiplas respostas e apresentar soluções, ou abster-se e deixar o aluno sem
elucidação alguma.

145
CONCLUSÃO

Apresentamos nesta dissertação um olhar sobre o cenário tecnológico atual na área


da música, destacando o uso educacional de vídeos e da Internet. Esse cenário tem sido
incessantemente modificado e ampliado com novas possibilidades. Observamos na
pesquisa diversas situações em que meios tecnológicos são utilizados para a auto-
aprendizagem da música. A prática cada vez mais comum do contato entre o aprendiz e a
informação musical, sem a intermediação direta de professores, nos leva a concluir que o
uso da tecnologia facilitou esse processo e ampliou a abrangência e a qualidade das suas
possibilidades. Enquanto as inovações nos meios de comunicação, nos computadores, nas
formas de registro do som e da imagem, e na velocidade de transmissão de dados tornam-se
presença constante na vida cotidiana dos indivíduos, constatamos novas formas de
aprender, perceber, produzir, e de se relacionar com a música.
Dentro dessa realidade, em que as novas gerações de potenciais músicos nascem em
ambientes altamente tecnológicos, e o convívio com as tecnologias modernas utilizadas no
auto-aprendizado não causa nenhuma estranheza ou repúdio, os equipamentos eletrônicos
têm participado dos processos musicais com uma importância crescente. Nasce assim a
necessidade de uma “educação tecnológica”, ou seja, uma educação para decodificar e
sistematizar o uso de tecnologias, de forma a preparar os aprendizes musicais a verem a
fusão de diversas tecnologias que permeiam as atividades musicais com naturalidade, como
um fato inerente ao ato de aprender ou apreciar a música; e que desenvolva as capacidades
e habilidades necessárias para lidar com os aparelhos e metodologias atuais.
Citamos no capítulo 3 as reações adversas quando do surgimento do fonógrafo e do
rádio, pois elas exemplificam, em um passado cada vez mais distante, como meios que
oferecem tamanhas possibilidades podem ter sido considerados musicalmente um atraso
educacional, enquanto hoje, para as novas gerações, um mundo sem gravações e rádios
seria inconcebível. Da mesma forma, as novas tecnologias aqui pesquisadas têm ocupado
espaços cada vez mais importantes na produção e na transmissão do conhecimento musical,
e é provável que serão progressivamente assimiladas, de maneira natural, em todos os
processos de aprendizagem da música. Assim como o ato de ouvir CDs e rádios para
aprender novas músicas e novos ritmos tornou-se uma prática comum, podemos deduzir

146
que o uso da Internet e outras redes eletrônicas para a realização de cursos e
aperfeiçoamentos musicais será usual, que as vídeo-aulas irão evoluir para sistemas mais
interativos – o que já ocorre atualmente com o formato DVD – e serão integradas aos
computadores, e que o conjunto dessas alternativas formará a realidade do dia-a-dia dos
indivíduos ensinando e aprendendo música.
Percebemos, com essa multiplicação de canais de difusão da informação, um elo
entre a educação musical não-formal, a informal e a formal. Todas utilizam, de alguma
maneira, o universo de dados que transita nos meios tecnológicos atuais, seja como objeto
de estudo ou matéria-prima para outras finalidades. Embora a educação formal, como
destacamos no capítulo 1, esteja distante das informações veiculadas pelas mídias, seus
alunos convivem diariamente com elas, e encontram pontos de interesse no rádio, na
televisão e na Internet. Dessa mescla de aprendizagens, advindas de fontes diversas, surge
um processo centrado no aluno, fazendo da auto-aprendizagem musical um processo lógico
e totalmente possível, e abrindo chances para o desenvolvimento da auto-percepção e da
auto-crítica.
Esta dissertação, ao focalizar os processos de auto-aprendizagem da música, baseia-
se no suposto de que os aprendizes são capazes de pensar por si próprios, de decidir e optar,
de confrontar opiniões e idéias, assim como de contornar as dificuldades encontradas pela
ausência de um professor. São capazes de decifrar os códigos musicais de modo lógico e
coerente, e de desenvolver sua apreciação musical tanto quanto coordenar as ações e
movimentos necessários para aprender ou aperfeiçoar o manejo de instrumentos musicais.
Portanto, essa visão da auto-aprendizagem supõe que os indivíduos também estão buscando
sua auto-formação, adquirindo saberes musicais via um processo de desenvolvimento de
habilidades. Ou seja, a auto-aprendizagem musical valoriza a auto-educação em uma
perspectiva de produção, e não apenas como um ato mecânico de absorção de informações.
Assim, vimos alunos autodidatas que buscam MP3 e tablaturas em sites
especializados; alunos que freqüentam escolas para praticar a interpretação de materiais
didáticos; professores que utilizam vídeos como referência para seus alunos; e outras
situações em que o aprendiz desenvolve capacidades para selecionar materiais apropriados
para suas metas e criar métodos para trabalhar com estas informações. Em cenários
variados observamos um mesmo tema: a tecnologia atuando como ponto de apoio para

147
processos de aprendizagem musical, em que os aprendizes desenvolvem a educação
tecnológica a que nos referimos antes. Com esse tipo de formação, aumenta-se o
aproveitamento das alternativas tecnológicas presentes nas diversas formas de educação.
Nesse sentido, a tecnologia torna-se um elemento propulsor da autonomia na
aprendizagem, pois qualquer que seja a situação do aluno, mesmo que esteja em uma escola
ou sob a supervisão de um professor, ao perceber que apenas os recursos tecnológicos são
suficientes para lidar com um assunto, esse aluno poderá realizar tentativas autônomas de
aprendizagem. Por exemplo, em uma escola de línguas estrangeiras, o aluno que estuda
apenas com o professor, sem nenhum auxílio tecnológico, tende a sempre depender da
mediação desse professor; mas o aluno que também estuda no laboratório da escola,
utilizando cabines individuais onde pode ouvir exercícios, repeti-los, gravar sua voz e
comparar os resultados, terá maiores condições de estudar sozinho.
A aprendizagem da música é facilitada pela sua onipresença na vida dos aprendizes,
proporcionando chances constantes de contato com seu objeto de estudo. Qualquer estímulo
pode representar o início de um processo para sistematizar essas oportunidades de modo a
causar evoluções nas habilidades musicais do aluno. Concluímos que as tecnologias
relacionadas à música podem gerar tal estímulo e manter o interesse dos aprendizes. Assim
como o exemplo de línguas estrangeiras, muitos dos equipamentos musicais modernos
permitem que a ação de ouvir, repetir, gravar e comparar seja praticada, constituindo
caminhos realmente autônomos de aprendizagem musical. Esses caminhos podem ainda ser
diferenciados para adaptar-se à necessidades individuais.
Várias formas de controle sobre o som e a imagem foram assinaladas nessa
pesquisa, demonstrando como uma única informação pode ser considerada sob diferentes
perspectivas. Com a individualização educacional proporcionada pelos recursos
tecnológicos, encontramos possibilidades de estímulos à várias inteligências humanas –
incluindo a musical e outras – e possíveis novas frentes de investigação em que as
interseções entre capacidades distintas sejam aproveitadas para aprendizagens mais
consistentes. Há um vasto campo a ser explorado na utilização de outras disciplinas para a
aprendizagem da música, usando imagens e sistemas de representação musical inovadores,
assim como a música pode ser utilizada mais ativamente como um elemento no estudo de
outros assuntos. Citamos exemplos em que as inteligências lógico-matemáticas e espaciais

148
podem participar do ensino da música, e vários outros poderiam ser colocados para mostrar
situações em que a música serve como um recurso no estudo de história, geografia e
biologia.
As análises das vídeo-aulas e dos sites demonstraram que a aprendizagem via
mediações tecnológicas é mais efetiva quando resulta de uma combinação de diferentes
linguagens, incluindo explicações faladas e escritas, imagens, animações, vídeos e
exemplos musicais. Também constatamos que as habilidades para o ensino de métodos de
aprendizagem não é proporcional à virtuosidade de um artista, pois excelentes músicos têm
dificuldades para transmitir e discursar sobre suas atividades. Isso implica que, para a
produção de materiais adequados, há uma necessidade de profissionais dotados com
capacidades tanto musicais quanto comunicacionais, que saibam moldar e estruturar as
informações de modo a facilitar sua assimilação. Aumenta a importância das profissões
ligadas aos aspectos técnicos das tecnologias, desde que os webdesigners e produtores de
vídeos participam diretamente da realização de idéias, e freqüentemente os próprios
educadores se incumbem das tarefas de construção de seus materiais. Em certos casos
percebemos um distanciamento entre os interesses didáticos e comerciais, já que os
esforços dirigidos para os lucros financeiros dos materiais produzidos nem sempre têm a
mesma preocupação com a qualidade dos conteúdos educativos.
Simultaneamente, formatos tradicionais de ensino que ocorrem com relações diretas
entre professor e aluno poderão tomar uma nova dimensão, na medida em que a velocidade
de transmissão de dados nas redes de comunicação crescerem e recursos de
videoconferências se tornarem comuns. Podemos prever que a educação a distância, que
hoje já é uma ocorrência normal em outras áreas, será uma alternativa também para a
música, elevando a individualização da aprendizagem à novos patamares. O formato
estabelecido pelas vídeo-aulas poderá ser concretizado de forma síncrona, ao vivo, com um
músico sendo observado por vários aprendizes e respondendo perguntas individuais; ou a
forma assíncrona, gravada, poderá ser usada, mas ainda estabelecendo uma comunicação
em que aprendizes enviem questões. Os sites da Internet poderão manter essas duas formas,
com novas aulas sendo marcadas e um arquivo disponibilizando o material de aulas
passadas.

149
Todas as suposições sobre o futuro podem ser anuladas quando consideramos a
rapidez descontrolada dos avanços tecnológicos. Temos na Internet o melhor exemplo
disso, pois como vimos no capítulo 5, uma tecnologia sem dono tende a expandir-se e a
tomar rumos imprevistos, fugindo de qualquer controle e sendo utilizada de modos
criativamente inesperados. Uma rede que foi inicialmente planejada para realizar
comunicações militares é atualmente utilizada para formar comunidades virtuais, que são
aglutinadas em torno de temas tão diversificados como as artes, as religiões e a intolerância
racial. Porém, desde o surgimento do fonógrafo, quando a música podia ser transportada
sem a presença dos músicos, percebemos que quase a totalidade das inovações foram de
alguma forma aproveitadas para a elaboração e a transmissão de conhecimentos, nos
servindo como garantia de que os processos de aprendizagem terão uma evolução paralela
ao desenvolvimento tecnológico. Dentro desse quadro, a auto-aprendizagem continuamente
dispõe de mais vias para acontecer.
Confirmando as idéias de McLuhan (1964), observamos com o avanço das
tecnologias no decorrer de século XX um aumento proporcional na extensão de nossas
percepções, que são amplificadas e refinadas. Vimos como o desenvolvimento de
gravações de alta fidelidade difundiu músicas anteriormente isoladas pela geografia, como
a manipulação de imagens permitiu que movimentos complexos fossem fragmentados em
partes mais compreensíveis, como a interatividade dos computadores pode dar aos
aprendizes musicais um reflexo de suas próprias performances, como a criação de
instrumentos eletrônicos gera novas sonoridades e influencia a produção musical, e como
as formas de ouvir música podem ser modificadas pela facilidade no acesso e no transporte
dos aparelhos sonoros. Como disse Pierre Lévy:

“Da escrita aos instrumentos científicos, chegando aos computadores e às redes eletrônicas,
passando pela televisão, nossas mídias condicionam a precisão e o alcance dos nossos sentidos, o
leque das conexões que podemos manter, o tipo de comunicação que temos com o resto do
mundo” (Lévy, 2001: 164).

O termo “condicionamento” tem grande significação porque indica uma forma de


controle, em que as tecnologias estabelecem condições para nossas atividades e somos
obrigados a trabalhar com suas limitações. Obviamente é o homem que cria as tecnologias,

150
mas sabemos que teremos que conviver com elas e passamos a depender de seu bom
funcionamento para que nossas atividades diárias ocorram satisfatoriamente. Enquanto não
havia automóveis, a locomoção humana era restrita; hoje compramos carros e utilizamos os
meios de transportes públicos, e assim aumentamos a rapidez dos nossos deslocamentos.
Porém, estamos sujeitos à falhas mecânicas, congestionamentos e outros problemas que
atrasam nossos compromissos. As facilitações nos induzem a desejar mais velocidade e não
podemos mais viver sem os confortos a que nos habituamos.
Da mesma maneira, nossos sentidos estão sendo acostumados a manter conexões
cada vez mais rápidas com o resto do mundo, e a abrangência de nossas possibilidades
torna-se relativa à eficiência das mídias de que dispomos. A velocidade dos processadores
nos computadores é o verdadeiro índice para que a velocidade do mundo moderno seja
medida, e as comunicações e aprendizagens poderão ocorrer tão velozmente quanto os
sistemas computadorizados puderem operar.
Ao resgatar a trajetória das tecnologias relacionadas à música, pudemos observar
que o desenvolvimento tecnológico condicionou não apenas o aperfeiçoamento de seus
instrumentos, modificando a produção, o registro e a transmissão do material sonoro.
Houve também a formação de todo um ambiente ao redor da música, e a integração
daqueles aperfeiçoamentos com um desenvolvimento tecnológico mais geral, não restrito
ao campo musical, que condicionou as formas de pensar e perceber o mundo. As distâncias
foram relativizadas, as expectativas quanto à realizações científicas foram ampliadas, e a
rapidez das comunicações transformou-se em uma necessidade pessoal e comercial.
Para o futuro há a necessidade de novas pesquisas que analisem o desenvolvimento
das tecnologias utilizadas na aprendizagem musical e que proponham novas metodologias.
Podemos observar hoje os avanços que serão os objetos de estudo de amanhã: a vídeo-aula
aumenta seus recursos interativos no formato DVD; a Internet de banda larga se torna mais
acessível; as primeiras experiências com televisão interativa são realizadas; e as
convergências tecnológicas anunciam padrões digitalmente unificados. Consideramos esta
pesquisa uma contribuição para o mapeamento inicial das tecnologias educacionais da
música, e esperamos que o trabalho de observação de futuros avanços e inovações tenha
continuidade.

151
Concluímos acreditando que o processo de auto-aprendizagem musical está em
crescente expansão e poderá constituir uma tendência da área cultural, não apenas porque
as tecnologias para sua viabilização crescem velozmente, mas também porque, no século
que se inicia, a música têm grande relevância na busca de novos caminhos para a educação.
Tanto os objetivos artísticos da educação musical, visando a formação de indivíduos
capacitados para lidar com diversos aspectos do universo musical; quanto os objetivos
sociais, que utilizam a música para a formação de cidadãos, podem contribuir com
elementos importantes para um mundo mais civilizado e harmonioso. A música é uma
linguagem universal que pode ajudar na construção desses novos caminhos, e o Brasil tem
muito a oferecer com a sua música, que dentre todas as suas potencialidades, é uma de suas
maiores riquezas.

152
APÊNDICE I: Vídeo-aulas

No primeiro apêndice teremos uma amostragem de vídeo-aulas direcionadas ao


ensino da bateria. Com a intenção de ampliar os exemplos do capítulo 4, selecionamos uma
variedade de vídeos demonstrando as várias possibilidades educacionais existentes, sempre
mantendo como referência a produção da empresa DCI Music Video47. Através de breves
descrições pretendemos diferenciar as aulas citadas quanto ao seu conteúdo e as formas de
apresentação do material.

1) Steve Gadd – Up Close

Duração: 60 minutos
Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (DCI Music Video)
Entrevistas: Rob Wallis
Ano de produção: 1983
Nível de aprendizagem: Iniciante a Profissional
Conteúdo: Assunto Temático – Músico

Up Close foi a primeira vídeo-aula produzida pela DCI Music Video e estabeleceu o
formato básico que seria repetido em muitas outras: várias peças sendo executadas por um
conjunto musical enquanto o foco principal é sempre o músico / professor destacado (nesse
caso, o baterista), entremeadas por entrevistas visando ressaltar detalhes da interpretação do
artista, que freqüentemente repete mais lentamente os trechos comentados para demonstrá-
los. Gadd, um instrumentista muito requisitado nos estúdios de gravação, já trabalhou com
Paul Simon, Frank Sinatra, Paul McCartney, entre outros, e utiliza sua experiência para
discutir técnicas que foram aplicadas em alguns de seus trabalhos. Dentre os diversos
assuntos tratados, vários estilos musicais são apresentados; sua prática de leitura de

47
“The Drummer’s Guide to Reading Drum Charts” é a única vídeo-aula analisada que foi produzida por uma
outra companhia, a CPP Media Video. Lembramos que os produtores da DCI Music Video deram
continuidade a seu trabalho utilizando outro nome: Hudson Music.

153
partituras é analisada; suas rotinas de estudo são reveladas; e a função que a bateria deve
exercer na música é um dos tópico das entrevistas.

2) Terry Bozzio – Solo Drums

Duração: 55 minutos
Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (DCI Music Video)
Ano de produção: 1988
Nível de aprendizagem: Iniciante a Profissional
Conteúdo: Assunto Temático – Músico; Técnicas (solos)

Solo Drums apresenta o conceito musical desenvolvido por Terry Bozzio, segundo o
qual a bateria é considerada uma orquestra. A aula é iniciada com um solo composto de
diversas partes, que depois são separadas, analisadas e parcialmente repetidas em
andamentos mais lentos. A partir da explicação das técnicas utilizadas no solo, são
colocados vários exercícios, que estão transcritos em um livreto que acompanha o vídeo.
Uma série de ostinatos48 são propostos para servir como base de solos: as práticas têm
como objetivo criar a independência entre os membros do baterista para que, enquanto uma
mesma frase é repetida, ele possa improvisar com as mãos ou pés que estiverem livres.
Bozzio deu continuidade ao seu trabalho educacional com uma série de três vídeo-aulas
produzidas pela companhia de pratos Paiste, utilizando um enorme conjunto de
equipamentos e expandindo sua concepção de solos de bateria.

48
Ostinato: “obstinado”, o termo se refere à curtas frases ou padrões musicais que são repetidos
continuamente.

154
3) Steve Houghton – The Drummer’s Guide to Reading Drum Charts

Duração: 80 minutos
Produtor: Michael McFall (CPP Media Video)
Ano de produção: 1993
Nível de aprendizagem: não especificado
Conteúdo: Assunto Temático – área específica (leitura de partituras)

O objetivo dessa vídeo-aula é preparar o aprendiz para interpretar partituras de


bateria. Usualmente as informações presentes nessas partituras não indicam exatamente o
que deverá ser tocado, apenas algumas acentuações a ser executadas junto com outros
instrumentos, e o músico deverá saber como complementar as lacunas de forma musical e
articulada. Com essa finalidade, o professor Steve Houghton explica uma série de conceitos
e exercícios que são mostrados na tela e também transcritos em um livreto que acompanha
o vídeo. Algumas partituras são analisadas e, juntamente com um trio de jazz, Houghton
interpreta as músicas correspondentes, sempre fazendo referência às idéias anteriormente
trabalhadas.

4) A Salute to Buddy Rich – Featuring Phil Collins, Dennis Chambers & Steve
Smith & The Buddy Rich Band

Duração: 105 minutos


Produtores: Rob Wallis e Paul Siegel (Hudson Music)
Ano de produção: 1999
Nível de aprendizagem: não especificado
Conteúdo: Performance

Nessa vídeo-aula encontramos o registro de uma apresentação da Big Band de


Buddy Rich, realizada no dia 3 de outubro de 1998, quando três bateristas foram
convidados a interpretar músicas com arranjos tradicionais da banda. Os três músicos

155
aparecem em entrevistas fazendo declarações elogiosas sobre Buddy Rich e apresentam
suas versões musicais como um tributo, detalhando as influências que receberam dele e
contribuindo com suas próprias personalidades técnicas. Phil Collins, além de tocar
músicas tradicionais da Big Band, também apresenta arranjos para músicas de sua autoria e
encerra o concerto cantando uma canção intitulada “The Way You Look Tonight”. Há cinco
trechos de vídeos mostrando o próprio Buddy Rich executando solos: um de 1945, outro de
1957, e três gravados durante a década de 80.

5) Anton Fig – In the Groove

Duração: 75 minutos
Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (DCI Music Video)
Ano de produção: 1994
Nível de aprendizagem: Todos
Conteúdo: Assunto Temático – Músico

Anton Fig tem sido o baterista do programa de televisão norte-americano Late Show
with Dave Letterman por mais de quinze anos. Sua vídeo-aula utiliza esse fato em diversos
momentos: um quadro do Late Show é reproduzido com Fig atuando como personagem
principal; o próprio Dave Letterman aparece tocando bateria; e juntamente com mensagens
sérias sobre o papel da bateria na música, várias brincadeiras remetem ao espírito
humorístico do programa. Não há exercícios ou técnicas específicas trabalhadas. A aula é
desenvolvida através de clipes em que Fig executa vários estilos musicais acompanhado por
diferentes bandas, concentrando-se sempre no “feeling”. O principal objetivo do vídeo,
como é colocado no início, é demonstrar que a bateria deve interagir com os outros
instrumentos e fazer a música soar bem; quando isso ocorre o “feeling” adequado foi
atingido.

156
6) Modern Drummer Festival 2000

Duração: 80 minutos (Parte 1 – Sábado); 95 minutos (Parte 2 – Domingo)


Produtores: Rob Wallis e Paul Siegel (Hudson Music)
Ano de produção: 2000
Nível de aprendizagem: não especificado
Conteúdo: Performance

Estes dois vídeos registram o festival anualmente organizado pela revista americana
Modern Drummer em sua edição de 2000, quando diversos bateristas que se destacaram
durante o ano foram convidados a participar, seja em apresentações solo ou acompanhados
de conjuntos. No decorrer de um fim de semana esses artistas revezaram-se no palco da
Montclair State University, no Estado de Nova Jersey, EUA. Nos anos de 1997 e 1998,
diversos vídeos já haviam sido produzidos a partir dos concertos dos festivais, e em 2000
quatro fitas foram lançadas: duas mostrando parcialmente as apresentações de todos os
músicos participantes e duas com as apresentações integrais de Horacio Hernandez e Don
Brewer. Além desses dois, também foram destacados no festival de 2000 Vinnie Colaiuta,
Paul Leim, Dave Lombardo, Akira Jimbo, Billy Ward e Hilary Jones. Os dois vídeos foram
disponibilizados juntos no formato DVD, incluindo a escolha de câmeras em duas
performances e outros recursos.

7) Neil Peart – A Work In Progress

Duração: 3 horas e 40 minutos (duas fitas)


Produtores: Rob Wallis e Paul Siegel (DCI Music Video)
Ano de produção: 1996
Nível de aprendizagem: não especificado
Conteúdo: Assunto Temático – Músico; Performance

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Essa vídeo-aula, composta por duas fitas, registra o processo de gravação do disco
“Test For Echo”, do conjunto canadense Rush. No ano de 1996, o baterista Neil Peart
passava por um período de reformulações em suas concepções e técnicas musicais, e estas
transformações são comentadas e demonstradas durante a interpretação das músicas. Os
assuntos analisados incluem a função do baterista em uma banda, como orquestrar ritmos
na bateria, a criatividade na elaboração de ritmos, e como selecionar figuras rítmicas
adequadas. A caixa contendo as duas fitas também inclui dois livretos com transcrições das
performances musicais e um pôster mostrando Peart durante a gravação do vídeo.

8) Joe Franco – Double Bass Drumming

Duração: 60 minutos
Produtores: Steve Apicella e Kenny Klompus
Ano de produção: originalmente lançado em1984, pela Axis Video; relançado em
1988 pela DCI Music Video
Nível de aprendizagem: Iniciante a Avançado
Conteúdo: Assunto Temático – Músico; Técnicas (Double Bass)

Double Bass Drumming foi uma das primeiras vídeo-aulas a apresentar um método
para o desenvolvimento de uma técnica específica – neste caso, o uso de dois bumbos –,
tendo como foco principal os pedais através dos quais ambos os pés executam os
exercícios. Gravado em um estúdio caseiro na residência do próprio Joe Franco, esse vídeo
propõe uma série de práticas para criar independência e um maior controle dos pés do
baterista, mostrando na tela a representação gráfica dos exercícios e em seguida
demonstrando-os no instrumento. Franco também exemplifica suas idéias em solos e com
um trecho gravado durante um de seus concertos.

158
9) Classic Drum Solos and Drum Battles

Duração: 60 minutos
Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (Hudson Music)
Ano de produção: 2000
Nível de aprendizagem: Iniciante a Profissional
Conteúdo: História da Música; Assunto Temático – Técnicas (solos)

Essa vídeo-aula apresenta quinze bateristas do estilo jazz executando solos, duetos
ou trios percussivos – chamados de “batalhas” –, filmados no decorrer das últimas quatro
décadas. Entre os músicos destacados estão Gene Krupa, Buddy Rich, Sonny Payne, Art
Blakey, Sam Woodyard, Ed Shaughnessy, Joe Morello e Chico Hamilton. Assim como os
cinco primeiros nomes citados, muitos dos outros bateristas do vídeo já faleceram, e o
registro de seus solos são de grande importância para o estudo técnico do instrumento. Nas
“batalhas”, diferentes estilos e concepções musicais são justapostos e misturados,
fornecendo elementos valiosos para a compreensão de variações do estilo jazz. Essa vídeo-
aula também existe no formato DVD, incluindo comentários de Peter Erskine durante todos
os solos que podem ser acessados em qualquer momento.

10) Victor Wooten e Carter Beauford – Making Music

Duração: 95 minutos
Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (Hudson Music)
Ano de produção: 2000
Nível de aprendizagem: Iniciante a Profissional
Conteúdo: Assunto Temático – Músicos; Performance

Making Music apresenta uma outra possibilidade para as vídeo-aulas: dois músicos
e seus respectivos instrumentos são destacados – neste caso, a bateria e o contrabaixo – e as
interações entre eles tornam-se o ponto principal do estudo. O processo de produção de

159
duas músicas do disco “Yin Yang” foi registrado, demonstrando como os arranjos foram
elaborados e gravados no estúdio. Depois de concluído o disco, os músicos analisam o
resultado musical obtido e isolam as partes de seus instrumentos, comentando algumas das
motivações para as escolhas realizadas. A partir dessas questões, discutem assuntos como
estilos de interpretação e musicalidade, colocando suas concepções sobre o papel a ser
desempenhado pela bateria e pelo contrabaixo na música.

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APÊNDICE II: Sites da Internet

Neste apêndice teremos uma amostragem de sites da Internet com informações


sobre música, em especial aqueles relacionados à bateria e percussão. A principal finalidade
de muitos destes sites não é necessariamente auxiliar a aprendizagem de instrumentos
musicais, mas percebemos que o conjunto destas páginas constitui uma base sobre a qual os
aprendizes desenvolvem o seu conhecimento. Selecionamos alguns daqueles que
exemplificam, nesse sentido, as possíveis contribuições, seja fornecendo elementos
didáticos ou um direcionamento relacionado à atitudes, à escolha dos instrumentos e à
visões da música.

A amostragem foi organizada a partir das seguintes categorias principais:

1) Sites de fabricantes de instrumentos musicais


2) Sites de músicos
3) Sites de escolas de música
4) Sites de indexação
5) Sites de lojas virtuais

1) Sites de fabricantes de instrumentos musicais

Pratos

PAISTE – www.paiste.com (inglês)

A Paiste é uma fábrica que tem suas origens na Rússia, no início do século XX,
quando Michail Toomas Paiste inaugurou uma loja de música que posteriormente iria
manufaturar pratos. Atualmente existem unidades da empresa em diversos países, a mais
proeminente sendo na Suíça. O site da Paiste disponibiliza dados detalhados sobre seus

161
produtos, descrevendo cada linha de pratos produzidos, juntamente com os preços (válidos
para os Estados Unidos, Canadá e Alemanha) e os artistas que os utilizam. Há artigos sobre
as etapas de produção dos pratos, sobre como realizar a manutenção dos mesmos, e sobre
como maximizar a sonoridade dos equipamentos através do seu uso adequado.

ZILDJIAN – http://www.zildjian.com (inglês, apenas a seção de novos produtos


disponível em português)

A família Zildjian iniciou sua produção de pratos há 375 anos, 13 gerações atrás. O
site da empresa contém uma vasta quantidade de informações sobre seus produtos e artistas,
incluindo descrições da sonoridade de todos os pratos e calendários das clínicas ministradas
pelos bateristas patrocinados pela companhia. A seção “educação” tem um grande
destaque, sendo dividida nos seguintes itens: agenda de eventos, educação continuada
(onde são listadas escolas de percussão), currículos de educadores, guia de instrumentos
(indicando quais pratos são mais adequados à determinadas situações), lista de
acampamentos e competições de percussão), e “auxílio ao ensino” (onde são
disponibilizados diversos artigos de educadores). Todas estes itens são subdivididos em
páginas relativas à diferentes estilos de percussão, como orquestral, jazz, marching band e
ritmos latinos.

SABIAN – http://www.sabian.com (inglês)

A Sabian é uma fábrica de pratos inaugurada no Canadá em 1981, estando


juntamente com a Paiste e a Zildjian entre as maiores empresas do ramo. O site da Sabian
tem partes dirigidas à músicos em dois estágios: um aos iniciantes e outro aos semi-
profissionais e profissionais. No primeiro, encontramos indicações para selecionar os pratos
adequados e noções de ritmos básicos em diversos gêneros musicais. Clicando sobre as
partituras fornecidas, temos acesso à gravações com aproximadamente 45 segundos de
duração demonstrando os exercícios propostos, primeiro somente com a bateria e depois no

162
contexto de uma banda. Na seção dedicada aos semi-profissionais e profissionais, materiais
mais avançados de leitura e vários links são colocados junto a um quadro de avisos através
do qual pode-se contatar outros músicos.

Baterias

YAMAHA – http://www.yamahadrums.com (inglês)

A Yamaha é uma empresa japonesa que produz, além de instrumentos musicais,


motocicleta, barcos e aparelhos eletrônicos em geral. A divisão da companhia que produz
baterias mantém um site que, além de divulgar informações sobre todos os modelos
disponíveis, também permite que o visitante ouça a sonoridade de cada um deles. As
diferenças dos tipos de madeira utilizadas na fabricação dos instrumentos são enfatizadas,
tanto em descrições técnicas de suas características quanto em declarações opinativas dos
músicos patrocinados pela Yamaha. Todos estes têm páginas exclusivas onde a combinação
de peças que utilizam é detalhada. A seção Net Magazine (Revista da Net) contém um
histórico do setor musical da empresa, marcando a participação dos artistas que
contribuíram para o desenvolvimento de suas baterias.

PEARL – http://www.pearldrum.com (inglês)

A Pearl é um dos fabricantes de bateria que mais investem em eventos educativos.


Seu site contém uma enorme quantidade de dados sobre os produtos da empresa, divididos
em bateria, percussão orquestral, percussão para marching bands e acessórios. A seção
“educação” apresenta uma série de opções, entre as quais uma seqüência introdutória muito
bem ilustrada explicando como montar e afinar uma bateria; uma parte dedicada à história
da Pearl, que começou em 1946, no Japão; uma agenda assinalando as clínicas dos artistas
da empresa; uma “biblioteca de percussão” contendo materiais e exercícios de 10
professores; e links para outras páginas relativas aos programas educativos patrocinados
pela companhia.

163
ODERY – http://www.odery.com.br (português e inglês)

A Odery é uma empresa brasileira que começou a atuar em 1989, na cidade de


Campinas – SP, fabricando baterias artesanalmente, em pequena escala, até que a qualidade
de seus instrumentos fosse reconhecida de forma positiva por bateristas de renome e sua
produção fosse expandida. O site mantido pela companhia na Internet oferece, além de
informações limitadas sobre os produtos disponíveis, uma seção intitulada “workshop”,
visando estabelecer um espaço para divulgar exercícios e artigos sobre a bateria.

2) Sites de músicos

DAVE WECKL – http://www.daveweckl.com (inglês)

O baterista Dave Weckl tornou-se mundialmente conhecido na década de 80,


quando ingressou no conjunto do pianista Chick Corea e fez experimentações mesclando
baterias acústicas e eletrônicas. Desde então Weckl tem participado ativamente do cenário
musical e educacional, tendo produzido diversas vídeo-aulas e livros didáticos no formato
play-along. Seu site disponibiliza curtos trechos sonoros e de vídeos, detalhadas discussões
sobre os equipamentos utilizados, com fotos de diversos ângulos acompanhando as
descrições. Também há uma biografia, uma seção de discografia onde pode-se ouvir
algumas de suas músicas e comprar seus CDs, uma galeria de fotos, e um calendário
anunciando seus concertos e participações em projetos.

PETER ERSKINE – http://www.petererskine.com (inglês)

Peter Erskine começou a tocar bateria aos 4 anos de idade e teve seu primeiro
trabalho profissional aos 17, com a orquestra de Stan Kenton, em 1972. Participou de
vários grupos de jazz, entre os quais o inovador Weather Report, e realizou 12 discos como

164
artista principal. O site de Erskine na Internet apresenta uma página de produtos
desenvolvidos por ele conjuntamente com as empresas que o patrocinam, e uma loja virtual
em que seus CDs são comercializados on-line. Na seção “itinerário”, todas as suas
apresentações e clínicas são listadas, e há um “fórum” para que os visitantes discutam
técnicas e equipamentos. As questões colocadas são pessoalmente respondidas por Peter.

DOM FAMULARO – http://www.domfamularo.com (inglês, algumas seções


disponíveis também em espanhol, francês e alemão)

Dom Famularo é um baterista que se destaca pelos 30 anos de dedicação ao ensino


musical, tendo apresentado clínicas e participado de eventos em dezenas de países. Sua
página na Internet contém sua biografia, uma galeria de imagens, uma agenda com suas
clínicas passadas e futuras, uma seção em que pode-se comprar seus livros educacionais, e
uma mailing list que envia suas novas informações para os participantes. A seção
“educação” disponibiliza entrevistas recentes que Famularo concedeu à revistas
especializadas em percussão, trechos de seus livros, e lições on-line que utilizam o software
Finale (o Finale Viewer, recurso que possibilita o uso dos arquivos, também é oferecido).
Exemplos no padrão MP3 complementam os exercícios propostos. Na página “lições com
Dom”, os equipamentos do estúdio onde Famularo leciona, em Nova York, são
minuciosamente descritos, estimulando os alunos da região a contatá-lo para aulas
particulares. É colocado um link para acessar os vídeos da website da companhia Vic Firth,
analisado anteriormente nesta pesquisa, em que Dom demonstra técnicas variadas e discute
a construção de um espaço apropriado para abrigar a prática da bateria, exemplificando
com uma visita ao seu próprio estúdio.

STEVE SMITH – http://www.vitalinformation.com/steve (inglês)

O site do baterista Steve Smith contém, além de uma biografia e uma discografia
completa, uma seção chamada “drum talk”, em que são discutidos aspectos de sua técnica

165
musical. Há a reprodução de uma entrevista concedida a uma revista especializada em
percussão, um artigo sobre a importância dos mentores que Smith teve no passado, e
análises sobre os equipamentos que ele utilizou anteriormente em comparação com aqueles
que utiliza no presente. Também há uma lista dos livros sobre música que Steve considera
relevantes em sua formação, assim como uma página de links para vários outros sites
relacionados à bateria.

3) Sites de escolas de música

DRUMMERS COLLECTIVE – http://www.thecoll.com/DCHome.html (inglês;


texto de apresentação – com um breve histórico sobre a escola e informações sobre vistos
de entrada nos EUA – traduzido em diversas línguas, inclusive português)

A página da Drummers Collective faz parte do site da The Collective, escola que
mantém cursos dedicados, além da bateria e da percussão, também ao contrabaixo, à
guitarra e ao piano. Cada uma destas unidades têm páginas próprias, com a descrição de
seus cursos, currículos dos professores, calendário dos semestres letivos e preços dos
programas. Há curtos trechos em vídeo mostrando as dependências da escola e aulas com
atividades em grupo, assim como uma seção com fotos das clínicas e workshops
anteriormente organizados. Na página “fórum”, artigos dos professores tratam assuntos
relacionados à ritmos musicais específicos, técnicas de afinação de baterias e posturas
quanto ao estudo da música. São estabelecidos links com vários outros sites, incluindo as
empresas patrocinadoras e páginas individuais de alguns dos professores, e são listados
representantes em vários países para auxiliar os alunos que planejam estudar na escola. A
seção Pro-Shop funciona como uma loja on-line, disponibilizando produtos como vídeos,
livros, CDs e mercadorias com o logotipo da The Collective.

166
BERKLEE COLLEGE OF MUSIC – http://www.berklee.edu/html/ac_perc.html
(inglês)

O site da Berklee, escola de música situada em Boston, EUA, exemplifica a


organização de um programa de estudo musical formal, dirigido à obtenção de diplomas
reconhecidos. A página do departamento de percussão fornece uma lista com os 80 cursos
disponíveis, cada qual com sua página individual, contendo informações sobre o professor
responsável e sobre os objetivos e processos envolvidos. Há também uma lista com os 34
professores de percussão, com currículos e links para os que mantém sites próprios. Uma
seção intitulada Percussion Handbook traz informações diversas sobre o funcionamento da
escola, incluindo os objetivos gerais do departamento de percussão, os exames e sistemas
de avaliação, as opções para classes eletivas, e a possibilidade de manter um professor
como conselheiro durante os estudos.

LOS ANGELES MUSIC ACADEMY (LAMA) –


http://www.lamusicacademy/2000/mainpages/drum.html (inglês)

A página da escola LAMA na Internet contém informações sobre os seus programas


para as seguintes opções: bateria, contrabaixo, guitarra, voz e percussão. Pode-se requisitar
gratuitamente um vídeo promocional e obter on-line o catálogo e os formulários de
inscrição. Também pode-se “baixar” músicas gravadas por bandas formadas por alunos da
escola, assim como contatar algumas “escolas afiliadas”, entre as quais uma no Brasil.
Nestas escolas uma assessoria está disponível aos alunos que pretendem estudar nos
Estados Unidos. Em uma página chamada “careers in music” são colocados alguns dos
caminhos que um instrumentista poderá seguir, como trabalhar em estúdios, participar de
orquestras ou desenvolver uma carreira como solista.

167
DRUMTECH – www.drum-tech.co.uk (inglês)

A Drumtech é uma escola localizada em Londres, Inglaterra, que oferece diferentes


alternativas de estudo musical, variando de aulas individuais a programas de bacharelado
com três anos de duração. Além da descrição e dos preços dos cursos, o site contém uma
seção chamada “teachers tips”, em que artigos dos professores são publicados. Há
informações sobre um curso destinado aos aprendizes menores de 15 anos de idade,
intitulado YODA (younger drummers academy); cursos especiais para o uso de
computadores na música; uma seção de novidades da escola; e uma página de links levando
a diversos sites relacionados à bateria.

4) Sites de indexação49

THE DRUM RING INTERNATIONAL – http://drumring.org (inglês)

A Drum Ring é uma organização on-line que visa prestar serviços à comunidade
formada por bateristas e percussionistas no mundo inteiro. A página inicial funciona como
um ponto de partida para uma série de sites de músicos, todos ligados por meio de links em
uma seqüência circular. Ao lado do símbolo da Drum Ring em cada página pode-se optar
por prosseguir para o “próximo” ou voltar ao “anterior”, dando oportunidade ao usuário de
navegar por um vasto acervo de dados. No site da organização há um fórum intitulado
“Drummer Cafe”, em que mensagens podem ser deixadas, e uma lista de discussão sobre
percussão, em que perguntas e comentários são enviadas para todos os participantes. São
publicados artigos dos membros, que também divulgam seus trabalhos em uma seção
dedicadas às novidades. Uma loja virtual oferece livros, CDs, métodos e vídeos, e um
serviço de busca eletrônica é colocado para que se possa encontrar músicos a partir de
palavras-chave, como uma região ou um estilo de música específico.

49
Denominamos aqui de “sites de indexação” aqueles que funcionam como portais para outros sites,
reunindo, além de seus próprios conteúdos, links para várias outras páginas sobre determinado assunto,
organizados por categorias.

168
DRUMS ON THE WEB – http://www.drumsontheweb.com (inglês)

O site Drums on the Web contém, além de links diversos, algumas aulas on-line,
entrevistas de bateristas realizadas por outros bateristas, um espaço para chats entre
músicos, um newsletter mensal, e uma lista de discussão (parte do sistema do
www.groupsyahoo.com). Os links estão organizados a partir da página principal, mantendo
um menu sempre presente na parte esquerda da tela. Há seções de artistas, páginas
produzidas não-oficialmente por fãs, escolas e universidades, lojas on-line, grupos de
discussão, organizações, musicoterapia, entre outras. As páginas dos artistas disponibilizam
trechos de discos, biografias, e links para lojas onde pode-se adquirir as músicas.

BISHOP’S DRUM SHOP – http://www.effigham.net/bishop/ (inglês)

Este site reúne artigos de conteúdo básico e várias entrevistas com bateristas,
compilados a partir de revistas de música e contribuições pessoais dos visitantes. Ele faz
parte de um circuito – denominado web-ring – do Yahoo.com que o conecta a 14 outras
páginas que abordam temas similares. Há uma seção intitulada “trivia” que propõe, dentro
de uma espírito de entretenimento, uma série de perguntas para testar os conhecimentos dos
indivíduos sobre a história da bateria. Seus links são organizados em duas categorias: sobre
bateria e sobre música em geral. Aqueles relacionadas à bateria subdividem-se em
bateristas, educação, equipamento, literatura, e “outros sites”.

5) Sites de lojas virtuais

FOREVER DRUMMING – http://www.foreverdrumming.com (inglês)

Este site é especializado em materiais didáticos sobre percussão, reunindo uma


vasta quantidade de produtos que podem ser comprados com o uso de cartões de crédito. O

169
catálogo da loja tem as seguintes seções: vídeos, livros com áudio, livros técnicos e de
referência, transcrições, grupos de percussão, e livros para “marching bands”. Todos os
itens selecionados pelo visitante são colocados em um “carrinho de compras”, que ao final
é dirigido até o “caixa”, como em uma loja tradicional.

DRUM NETWORK – http://www.drumnetwork.com (inglês)

Drum Network é uma loja virtual que comercializa produtos relacionados à bateria,
incluindo material didático e equipamentos. Há seções específicas dedicadas à vídeos,
livros, pratos, baquetas, baterias completas, peças avulsas, entre outras. Além do serviço de
vendas on-line, outras informações são divulgadas. Uma página apresenta uma lição
atualizada diariamente, enquanto outra contém instruções básicas sobre a montagem e a
afinação dos instrumentos. Os visitantes podem incluir seus dados em uma lista de músicos
que visa estabelecer contatos profissionais, assim como submeter fitas, vídeos ou sites para
avaliação da equipe do Drum Network, que posteriormente publica os resultados.

DRUMMERS WEB @DS – http://www.drummersweb.com (inglês)

Drummers Web é um site que reúne anúncios relacionados à bateria e percussão.


Embora não seja uma loja e sim um mural eletrônico, este serviço é utilizado
principalmente para a compra e venda de instrumentos musicais. Há seções específicas para
baterias acústicas, baterias eletrônicas, pratos, percussão clássica, livros e vídeos, escolas,
professores, e bandas procurando por novos integrantes.

170
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO, Theodor W. (1980). O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição. In: Os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural, p. 165-191.

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Computer Music Journal (MIT Press)

Contemporary Music Review (Hardwood Academic Publishers)

Journal of New Music Research (Swets & Zeitlinger Publishers)

Leonard Music Journal – Journal of the International Society for the Arts, Sciences and Technology (MIT
Press)

Opus – Revista da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM)

Per Musi – Revista de Performance Musical (Escola de Música/UFMG)

Pesquisa e Música (Conservatório Brasileiro de Música)

Popular Music (Cambridge University Press)

Música Hoje – Revista de Pesquisa Musical (Depto. de Teoria Geral da Música/UMUFMG)

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