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Violência e estilos de masculinidade. Violência, ou seja, como se dá a teoria do processo civilizador que
RESENHAS REVIEWS

Cultura e Poder. Fátima Regina Cecchetto. Edito- focaliza o controle e o descontrole das emoções nessas
ra FGV, Rio de Janeiro, 2004, 245p. configurações. A autora articulou com a perspectiva
da abordagem antropológica das emoções como uma
Elaine Ferreira do Nascimento “prática social discursiva”.
IFF/Fiocruz Os capítulos 4 e 5 apresentam o cotidiano do
universo dos bailes funk e as academias de jiu-jítsu
Fátima Regina Cecchetto é mestre em ciências sociais como lazer, esporte e estilo de vida, no qual há um
pela Uerj e doutora em saúde coletiva pelo IMS. Seu processo de sociabilidade e práticas que são produzi-
livro, originalmente uma tese de doutorado pela das, reproduzidas e reiteradas nesses espaços de lazer
Uerj, busca compreender, no contexto das masculini- e da busca voluntária pelo risco. Ambos apresentam
dades juvenis e de jovens adultos vigentes, a questão um contexto de violência. O uso de drogas para fins
da produção das violências como forma de sociabili- específicos nos dois grupos: em relação aos freqüen-
dade em espaços de lazer de um determinado seg- tadores de bailes funk para estimular e potencializar
mento da população carioca. o etos da disposição guerreira, do forte, do poderoso,
O universo da pesquisa é constituído por galeras do que pode tudo; em relação aos lutadores de jiu-
funk, gangues de lutadores de jiu-jítsu e freqüentado- jítsu o uso de drogas associado ao exercício físico pe-
res de bailes charme. O estudo se debruça sobre a sado para modelar o corpo, criar músculos e também
violência nos espaços de lazer de jovens e jovens para torná-los fortes, poderosos, invencíveis, ou seja,
adultos moradores de favelas, subúrbios e bairros da igualmente para estimular e potencializar o etos da
Zona Sul. Este se constitui em uma comparação en- disposição guerreira. Aqui também há um diálogo
tre as práticas no lazer dos bailes funk e charme e no com as teorias antropológicas e sociológicas contem-
contexto esportivo do jiu-jítsu. porâneas.
A autora recusa estereótipos que associam dire- O capítulo 6 se constitui em uma apresentação
tamente violência, masculinidade e pobreza ou o pa- metodológica de aproximação com o campo, aqui
radigma da sociobiologia, que não dá conta de expli- das academias de lutadores de jiu-jítsu, revelando o
car as múltiplas questões e manifestações da violên- conflituoso e árduo processo sofrido pela autora em
cia e das masculinidades. Para tal, a organização do se apropriar deste campo para coletar os dados, as di-
livro se divide em sete capítulos, que buscam dar ficuldades/obstáculos, os preconceitos de gênero, a
contorno aos diversos significados e pluralidades dos necessidade das aulas quase que obrigatórias para se
estilos sobre masculinidades contemporâneas aproximar de uma condição de “nativa”. Além de
No capítulo 1 a autora apresenta uma revisão da problematizar este espaço como produtor de símbo-
literatura acerca dos estudos sobre a masculinidade los e significados de pertencimento, códigos de hon-
numa perspectiva norte-americana a partir de men’s ra e estilos sobre masculinidades.
studies, ancorada, no entanto, nos estudos de gênero O capítulo 7 revela o cotidiano dos bailes char-
do Brasil como campo disciplinar e eixo estrutura- me, que, como a autora intitula “elegância, criativi-
dor. Este capítulo faz um balanço da produção sobre dade e suavidade”, valoriza um estilo de moda; o ves-
masculinidades que inicia na década de 1970, tendo tuário é de elegância e lembra um pouco uma parte
uma considerável ampliação nos anos 80; aborda a do passado brasileiro, pois existe uma tradição de se
questão do papel masculino socialmente construído, vestir quase que na modalidade esporte fino, ou seja,
a crise da masculinidade como reflexo das transfor- negro, bonito e cheiroso, que dança devagarzinho,
mações socioeconômicas e geopolíticas globais, pas- utiliza o salão para dançar e conquistar mulheres,
sando pelo novo modelo de masculinidades, aqui sem qualquer relação com a violência explícita. Aqui
com forte influência da psicanálise, sociologia e an- o comportamento pacífico revela outras possibilida-
tropologia; a discussão das masculinidades hegemô- des de construção da identidade masculina.
nicas e subordinadas com recorte étnico/raça e de Este livro, como a própria Cecchetto salienta, é
classe. E por fim a necessidade de produção de outras uma contribuição valiosa à discussão sobre o fenô-
palavras sobre gênero/masculinidades. meno da violência carioca, além da pluralidade das
No capítulo 2 a autora trata da questão do corpo, identidades masculinas, ao mesmo tempo em que vai
vinculado à temática da identidade, da sociabilidade, problematizando e expondo singularidades, diferenças
da violência e das relações entre os sexos (p. 73), ou se- e especificidades que a violência, ou o seu discurso,
ja, do processo de construção social das masculinida- apresenta nas experiências de três grupos sociais: das
des. Para tal argumento, Fátima Cecchetto discutirá galeras de jovens negros dos bailes funk em várias par-
as formas de competição masculina, músculo como tes da cidade; das gangues de brancos e não brancos de
atributo de culto pelo masculino, violência associada lutadores de jiu-jítsu da zona sul; e dos grupos char-
à virilidade e o culto ao corpo, a hipervalorização meiros de jovens negros dos subúrbios. Seus signos, sím-
deste como veículo de status e de poder, mas que bolos e práticas constituem e diversificam os territórios
também revela símbolos e significados de pertenci- da cidade pelos quais circulam e tentam ou conseguem
mento, estilos e de afirmação. controlar. E ao pesquisar estes três segmentos, algu-
No capítulo 3, a autora problematiza a emoção, o mas questões podem ser pensadas; não há correlação
esporte e o lazer, articulando-os com a violência. Co- direta entre violência, masculinidade, etnia/raça e
mo os sujeitos de sua pesquisa se aproximam ou in- pobreza.
teragem ou mesmo se distanciam desse fenômeno,

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