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"Por que as pessoas aceitam a condição de vítimas de

suas sociedades enquanto, em outras ocasiões, elas se


tornam tão iradas e buscam, com energia e paixão,
fazer alguma coisa para mudar suas condições?"
Esta questão inicia e percorre todo o trabalho de
Barrington Moore Jr. Em uma primeira parte, Moore
Jr. define as várias concepções de Injustiça presentes
nas mais diversas sociedades. Mas apenas uma
investigação conceitual não sustentaria o complexo
projeto que o autor pretendia desenvolver. Era
necessária a investigação histórica da classe
trabalhadora, algo que permitisse comparações
pertinentes entre os períodos de submissão e aqueles'
de insurreição. Escolheu a Alemanha, entre a
Revolução de 1848 e a tomada do poder por Hitler em
1933, porque, além de apresentar uma poderosa
classe trabalhadora, C0111 uma evolução quase que
prototípica, o país oferecia um farto e inusitado
material de pesquisa, o que possibilitava, entre
outras, uma visão geral do cotidiano de suas
populações. Por fim, na terceira parte, retoma aos
temas levantados no início e os analisa à luz de
consideracões históricas. Um estudo exaustivo,
co~pleto: definitivo. Uma forma original de se
conhecer, nos h0111ens, a perversa sedução ela
opressão ou o magnetismo do gesto revolucionário.

Áreas de interesse: Antropologia, História e Política.

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B1airll.°ii1'1lgton rVJ!OOJr~, J]i'.

liBrava Gente - Os italianos em São Paulo (1870-1920) -


I
Zu/eika A/vim
• Cafeicultura - Homens, mulheres e capital 11850-1980)

G
Verena Sto/cke
Colônia Cecília - Afonso Schmidt
Injustiça
e Contos Anarquistas - Antonio A. Prado/Francisco F.
Hardman . As bases sociais da obediência
• O Movimento Anarquista em São Paulo - Silvia L. Magnani
• Nem Pátria Nem Patrão - Vida operária e·cultura anarquista e da revolta
no Brasil - Francisco F. Har..dman

Coleção Primeiros Passos


Tradução:
e O que é Anarquismo - Caio Túlio Costa
o O que é Autonomia Operária - Lúcia Bruno João Roberto Martins Filho
ti O que é Desobediência Civil - Evaldo Vieira
.. O que é Liberdade - Caio Prado Jr.
e O que é Participação Política - Dalmo de Ab(eu Dallari

j
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editora brasiliense
DIVIDINDO OPlNIOES MULTiPliCANDO' GULTIlRA

1 987
I I
Copyright © 1978, Barrington Mome, J r.
Título original: lnjustice - lhe social bases :i
i
of obedience and revolt
Copyright©da tradução: Editora Brasiliense S. A.

Capa:
Uno H.

Revisão:
Mário R. Q. Moraes
Sandra C. Fernandez .,
,

.,,
1
j índice

1.[ Prefácio ...................................... 9


Primeira parte
.j O sentido de injustiça: Algumas constantes e variáveis
1 CajJítulo 1. Elementos recorrentes em códigos mo-
j rais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Pontosdepartida ................... 19
I Autoridade e o desafio à autoridade .... 36
~
:!
A divisão do trabalho ................ 57
A distribuição de bens e serviços: as' per-
mutações de igualdade. . . . . . . . . . . . . .. 64
Observações finais .................. 76
Capítulo 2. A autoridade moral do sofrimento e da
injustiça. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Considerações preliminares. . . . . . . . . .. 81
1
,:l-
O ascetismo ....................... 83
Os intocáveis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 89
Campos de concentração . . . . . . . . . . . .. 100
Sufocando o sentido de injustiça '" . . .. 118
editora brasiliense s.a.
j., Capítulo 3. A recusa do sofrimento e da ppressão ... 123
rua general jardim, 160
"';
01223 . são paulo . sp Os temas ........ '.' . . . . . . . . . . . . . . .. 123
~i Aspectos culturais e sociais . . . . . . . . . .. 126
fone (011) 231·1422 ':1
brasiliem;" I telex: 11 33271 OBLM BR ~1

J'
.,"
'.
ÍNDICE
.4 INJUSTIÇA 5

Autonomia moral e personalidade hu-


mana ............................. 134 As conseqüências de experiências histó-
Interpretações freudianas ............ 160 ricas diferentes .................... . 373
Capítulo 8. Arevoluçãoreformista1918-1920 ..... . 381
Segunda parte
'Antecedentes gerais ................ . 381
U ma perspectiva histórica:
A disputa entre o SPD e os radicais .... . 393
os trabalhadores alemães (1848-1920)
Nota sobre Conselhos e conselhos (1918-
Capítulo 4. Prólogo ........................... 173 1920) ............................ . 432
Capítulo 5. Os trabalhadores alemães na Revolução Capítulo 9. O impulso radical . ................. . 435
de1848 ........................... 182
O conflito de principios na modernização 182 Aspectos gerais .................... . 435
O Ruhr da guerra à revolta ........... . 451
Pressões sobre as corporações de ofício .. 186
O proletariado ..................... 192 Terceira parte
Diagnósticos articulados ............. 207 Perspectivas gerais
O comportamento dostrabalhad01'es no Capítulo 10. As revoluções alemã e russa: algumas
período revolucionário . . . . . . . . . . . . . .. 222 comparações ...................... . 489
O nacionalismo e os trabalhadores ..... 239 ;il Capítulo 11. A supressão de alternativas históricas:
Capítulo 6. Tendências sociais e culturais anteriores., ~I Alemanha, 1918-1920 .............. . 515
a1914 ........................... : 246 ;-~~
.~ Algumas considerações gerais. . . . . . . .. 515
Introdução ........................ 246 Um!!- não-decisão crucial: O SPD e o
!)I
Dimensão e composição da força de tra- Exército. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 522
balho industrial .................... 248 Era possível uma política diferente? .... 527
Os salários e as concepções operárias da Por que essa política não foi tentada? ... 535
relação salarial ... . . . . . . . . . . . . . . . ... 261
Capítülo 12. Aspectos repressivos da indignação mo-

I
Elite e massas entre os trabalhadores ... 270
ral: o exemplo nazista. . . .. . . . . . . . . . .. 543
A vulnerabilidade corrium ao infortúnio. 277
As relações com os superiores e com ou- O tema ............................ 543
tros operários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 284 Quem eram os nazistas? . . . . . . . . . . . . .. 545

I
Algumas fontes para a cultura da classe Formas e fontes da indignação moral
operária ..........•............... 289 nazista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 559
Imagens do futuro .................. 292 "Direita" e "Esquerda": similaridades e
Ação política e econômica ............ 303 diferenças entre doisradicalismos . . . . .. 571
Identificação com o império. . . . . . . . . .. 308 Capítulo 13. Relativismo moral ................. . 590
'~;I

Capítulo 7. Militância e apatia no Ruhr antes de Aspectos descritivos e avaliativos ...... . 590
1914 .............................. 316 Autoridade racional e predatória ..... . 597
Ímportância,e características do Ruhr . 316 Principios de distribuição ........... . 610
Os mineiros do carvão ............... 324 ";:'"
Exploração .... " .................. . 617
Os trabalhadores do ferro e do aço. . . . .. 357 Capítulo 14. Inevitabilidade e sentido de injustiça ... 621
6 íNDICE

Observações introdutórias ........... . 621


1
Personalidade individual ............ . 627
Aspectos sociais ................... . 633
O problema da identidade nacional ... . 654 1
,~
Definições culturais do inevitável ..... . 662 I
Tempo e sentido de injustiça ......... . 670 .1

A expropriação da indignação moral .. . 676 1,I


Capítulo 15. Epílogo: reciprocidade como fato, ideo- '.,1
'I
logia e ideal ....................... . 682 :H
I
Bibliografia .................................... 689 !
'I
Índice remissivo ................................ 703 '1
,"I
ln~:Uce de quadros
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ij
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Capítulo 5.
:~
',',',1
1. Crescimento do número de trabalhadores: 1816-
~.j
1846 ..... _ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... 197
'J
::"I Capítulo 6.
'1 2. Trabalhadores industriais em 1913, segundo os
'j relatórios do Serviço de Inspeção Fabril . . . . . . . .. 252
~\1 3. Associados de sindicatos: 1907, 1912e 1913 ...... 258
)~
,:J 4. Indices de salários reais: 1871-1913 ............. 262
:a 5. Esperanças e fantasias dos trabalhadores, de acor-
.',~ do com o Arbeiterfrage de Levenstein ' . . . . . . . . .. 299
":1
~ Capítulo 7.
,;{ 6. Distribuição dos indivíduos que recebiam rendi-
,'-\1!,l mentos nos três principais distritos administra-
:'i~ tivos do Ruhr, em 1907 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 319
~f 7. Votação do Partido do Centro e do SPD nos três
:<t principais distritos administrativos do Ruhr:1898-

,i
1912 ....... ' ................ , .............. 320
8. Principais profissões e número de trabalhadores
industriais no Ruhr, em 1907 . . . . . . . . . . . . . . . . .. 323
9. Produção de carvão e número de trabalhadores nas
"{;~
. -.-J~?,:J minas: 1800-1913 ........................... 328
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ii:~'r~ -

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~~-~-----~~~~~============~
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8 ÍNDICE DE QUADROS

Capítulo 8.
10. Trabalhadores industriais segundo os relatórios
do Serviço de Inspeção Fabril. . . . . . . . . . . . . . .. 384
10 A. Modificações no número de trabalhadores indus-
triais a partir de 1913(vs. 1918e1920) •....... 385
Capítulo 9.
11. Distribuição das pessoas empregadas na região
do Ruhr: 1907 e 1925 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 453
12. Principais profissões dos trabalhadores indus-
triais da região no Ruhr: 1907 e 1925 . . . . . . . . .. 454
Capítulo 12. Prefácio
13. Classificação de grupós profissionais de acordo
com a proporção de membros do NSDAP, com
base nas cifras do partido e do censo oficial. . . .. 550
14. Composição social do NSDAP em 1935 . . . . . . .. 557 Este é um livro que interroga por que as pessoas acei-
tam amiúde a condição de vítimas de suas sociedades en-
qvanto, em outras ocasiões, elas se tornam tão iradas e bus-
cam, com energia e paixão, fazer alguma coisa pára mudar
suas condições. Em sua maior parte, ele enfoca as pessoas
que vivem na camada inferior da sociedade, ou perto dela:
aqueles- indivíduos quase ou totalmente privados de pro-
priedade, renda, educação, poder, autoridade e prestígio.
Procura revelar como essas pessoas consideram e explicam
as circunstâncias de suas vidas. Ao mesmo tempo, investiga
as razões complementares de seu comportamento. Quais as
suas noções de injustiça e, portanto, de justiça e de onde
provêm essas idéias? Há um núcleo comum de caracterís-
ticas gerais ou amplamente compartilhadas em tais concep-
ções e, se isso ocorre, por que é assim? Como e por que
essas noções têm variado entre grupos diferentes de tI'aba-
lhadores e quais foram as tendências históricas mais rele-
vantes que afetaram e influenciaram essas variações?
Pensei, por algum tempo, em denominá-lo um estudo
da indignação moral, fazendo dele uma análise sobre as
condições sociais e históricas sob as quais a indignação
moral vem à tona. Muitos elementos dessa preocupação ori-
ginal permanecem neste trabalho. Não obstante, a aborda-
:.~ gem das evidências relativas à forma como as pessoas des-
';~I
1
10 PREFACIO I INJUSTIÇA 11

providas de propriedade e de outras vantagens sociais efeti- tos trabalhistas que envolvem uma pequena minoria desses
vamente se sentiam e se comportavam conduziu à compre-
ensão de que o termo "indignação moral" n1í.o traduzia
I operários) se apresente como viável e proveitosa, ela não me
parecia possível à época em que iniciei seriamente o traba-
apropriadamente o que era em geral descoberto. "Indig- lho para este livro, há mais de dez anos. * A maior parte das
nação moral" sugere, de forma demasiado intensa, as agru- I fontes secundárias consistia de obras que tratavam daquilo
ras de intelectuais procurando interpretar, julgar e trans- que os teóricos pensavam que as massas de trabalhadores
formar o mundo. A fórmula cheira muito a sermão. As pes- comuns sentiam, ou então eram relatos minuciosos da his-
soas de pouca cultura e educação certamente são capazes tória dos movimentos operários nacionais. Havia ocasional-
de se sentir iradas, Inas a palavra "moral" carrega conota- mente brilhantes exceções como The Making of the English
ções de condescendência e introspecção que não captam" o Working Class ("A formação da classe trabalhadora na In-
tom e a particularidade de muitas expressões da ira popu- glaterra") de E.P. Thompson e German Social Democracy
lar. Ao mesmo tempo, há um claro componente moral nes- 1905-1917 ("A social-democracia alemã, 1905-1917") de
o
sa c61era. Dessa maneira, "injustiça", ou sentido de "in- "Carl Schorske, que lançavam uma luz valiosa sobre aspec-
justiça, parece apreender de modo mais acurado o tom e tos particulares do tema. Mas estudos como esses não exis-
o conteúdo de tais manifestações. tiam em númerO suficiente. Logo se tornou evidente que, no
A primeira parte é uma tentativa inicial de decifrar estágio atual, havia a perspectiva de aprender mais com a
quais são os elementos centrais e" recorrentes que possam prospecção das fontes disponíveis sobre um único país,
estar presentes nas concepções de injustiça, e dar conta das num esforço para apreender as situações de vida de diferen-
variações extremas de tai"s concepções. O capítulo 1 exa- tes tipos de trabalhadores comuns e para descobrir como
mina a gama mais ampla possível de sociedades humanas, respondiam a elas. De tal modo, seriam possíveis as com-
em busca de situações recorrentes em geral consideradas parações entre os diferentes tipos de trabalhadores no inte-
iníquas e injustas. Os dois capitulos seguintes investigam rior de um mesmo país.
em duas direções opostas, da forma mais extensa possível,
Uma vez tomada a decisão de se ater à literatura de um
os desvios de qualquer desses significados potencialmente
universais de justiça e injustiça. Através do exame de exem- país específico, foi fácil escolher a Alemanha, por uma
plos extremos de situações injustas ou degradantes, o capi- combinação de razões irresistíveis. Mesmo sem atribuir à
tulo 2 procura descobrir os mecanismos psicológicos e so- história da classe trabalhadora alemã um caráter prototí-
ciológicos que sufocam o sentido de injustiça. O terceiro e' o pico, pode-se notar que algumas das coisas mais significa-
último capitulos da primeira parte invertem, por assim di- tivas que aconteceram aos trabalhadores de outros países
zer, a problemática: são uma tentativa de localizar e identi- também tiveram lugar na Alemanha, porém de uma forma
ficar os mecanismos psicológicos e sociológicos através dos mais intensa. As corporações de ofício foram muito mais
quais os seres humanos vêm a resistir à injustiça ou a defi- importantes na Alemanha que em qualquer outra parte da
nir a sua situação como injusta, fazendo alguma coisa fren- Europa ocidental: a sua decadência, com a criação de novas
te a isso. Embora a primeira parte contenha uma soma con- formas industriais de organização, trouxe à luz problemas
siderável de materiais históricos, não é inocentemente a" especialmente severos e reveladores. Em segundo lugar, a
histórica, mas o é explicitamente.
A segunda parte introduz dimensões e considel"ações
históricas. Embora possa estar rapidamente se aproximan- (*) Um especialista pubJicou um estudo desse tipo quando eu estava pró-
do o tempo em que uma história comparada dos trabalha- ximo de terminar este livro - Peter N. Stearnes, Lives Df Labor (Nova Iorque,
dores industriais do Ocidente (e não apenas dos movimen-
).J 1975). Devido à data da publicação, pude fazer uso bastante limitado da obra .
INJUSTIÇA 13
12 PREFÃCIO

Alemanha antes de 1914 tinha construído um poderoso sis-


II fatos históricos alemães através de um crivo conceitual, a
fim de "testar" hipóteses. Os fatos históricos têm uma de-
,']
tema industrial para sua época, procurando integrar seus terminada relação padronizada entre si, que seria obscure-
trabalhadores à ordem capitalista, numa e:x;tensão que dei- 1 cida e destruída por tal procedimento. É tarefa do pesqui-
xava atônitos os marxistas radicais. Todavia, existiam ob- 1 sador explicitar esse padrão por meio de uma atenção crí-
viamente forças que também atuavam contra a integração
capitalista. A Alemanha tinha passado, além disso, por II tica e cuidadosa com as evidências. É necessário proceder
delicada e pacientemente, auscultando as pistas e os indí-
duas experiências revolucionárias, a de 1848 e a de 1918-
1920. Talvez porque ambas foram mal-sucedidas, as pers- I cios contraditórios, da mesma maneira que um experiente
especialista faz para entender o estado dos órgãos e tecidos
pectivas de tirar delas algo de novo pareciam especialmente num paciente humano com vida, ao mesmo tempo em que
sedutoras. busca padrões que irão revelar um estado saudável ou uma
Ao lado desses fatores, as fontes primárias sobre a Ale- moléstia específica. A análise e as hipóteses são necessárias
manha, embora longe de serem completamente satisfató- em ambas as formas de pesquisa em certos pontos. Mas
rias, são invulgarmente ricas no tipo de dados necessários elas em nenhuma parte estão suficientemente próximas. .
aos problemas em questão. Havia mais autobiografias de Além disso, é uma noção provinciana e filistina de "re-
trabalhadores que as aparentemente existentes para à In- levância" a que requer todo o conhecimento digno de mé-
glaterra, os Estados Unidos, a França e a Rússia, os outros rito para ser relevante, seja à ação política, seja à teoria
países cujos idiomas eu poderia ler. Havia diversas pesqui- científica, ou a ambas. A pesquisa histórica pode ter ou-
sas sobre a·vida nas fábricas antes de 1914 e até mesmo tTOS propósitos, sem por isso cair no mero gosto pelas
uma pesquisa rudimentar, mas em muitos aspectos revela- antigüidades ou na fabricação e distribuição de ancestrais
dora, sobre atitudes operárias. Utilizadas com senso críti· admiráveis para um passado conveniente. Um deles é des-
co, tais fontes podem nos ensinar bastante sobre como uma cobrir e avaliar os principais vínculos causais numa cadeia
variedade de trabalhadores realmente pensava e sentia ,.\ única de acontecimentos que tenham tido conseqüências
frente às questões contemporâneas, sobre as categorias e poderosas sobre todo o mundo. Aquilo que os trabalhado-
conceitos através dos quais eles diagnosticavam sua situa- res alemães tentaram fazer durante os séculos XIX e XX e
ção, sobre as formas de cooperação· e de antagonismo no não conseguiram efetuar, ou sequer estavam interessados
trabalho e fora dele, e outros temas similares. A fim de si- em realizar, constitui um conjunto de acontecimentos rela-
tuar tais informações em seu contexto mais geral e como cionados com conseqüências dessa ordem de magnitude.
forma de testar o .seu caráter representativo, considerei fun- Trata-se de fatos importantes por si sós, com seus próprios
damentais os relatórios censitários alemães, complementa- padrões de conexões causais, que trazem implicações vitais
dos pelos relatórios do serviço de inspeção fabril - até onde para os temas discutidos neste livro. Finalmente, a investi-
sei, nenhuma dessas fontes foi até agora objeto de investi- gação histórica habilita - na verdade, quase impele - a
gação e interpr.etação críticas. percepção e colocação de questões que se perdem numa
A análise da primeira parte sobre os elementos centrais análise estática.
nas concepções de injustiça, a sua relação com aspectos re- A história alemã do período que consideramos, da Re-
correntes da divisão de trabalho e a gama de variações no 'l volução de 1848 à tomada do poder por Adolf Hitler em
comportamento humano de aceitação das relações sociais i 1933, constituiu uma disputa entre as forças do conservado-
opressivas sugeriam muitas questões que poderiam ser colo- rismo - incluindo finalmente a reação na sua forma de
cadas aos dados sobre a Alemanha, e algumas respostas massa do nacional-socialismo - do liberalismo e do radi-
possíveis. Mas eu não tinha qualquer intenção de forçar os J
l
14 PREFÁCIO INJUSTIÇA IS

calismo revolucionário. Da melhor maneira que me foi pos- mem como quanto à utopia, e ainda mais cético com rela-
sível, procurei compreender e retratar as existências em ção à catástrofe como prelúdio necessário à utopia.
transformação dos trabalhadores comuns que viviam lJo in- Ao escrever este livro evitei a prática comum de solici-
terior desse conflito, a extensão na qual eles possuíam ou tar a colegas estudiosos a leitura e a crítica dos manuscri-
não consciência dele e a natureza de suas contribuições a tal tos, muito provavelmente em prejuízo meu e do leitor. Mas
confronto. tive a impressão de que tal prática estava se tornando incô-
A terceira parte constitui um retorno aos temas gerais moda. Isso não significa que eu deseje reivindicar todo o
levantados na primeira, ao lado de uma tentativa de enfren- crédito por quaisquer que sejam os méritos deste livro, res-
tar não só as questões metodológicas bem como os temas ponsável como sou por seus defeitos. Há alguns estudiosos
'substanciais que viriam à luz com a introdução de uma de quem tomei emprestadas conscientemente certas idéias,
perspectiva histórica. A mudança para um nível mais ele- os quais senti que estavam olhando sobre os meus ombros
vado de generalidade é deliberadamente gradual. O capí- nos embates para dar sentido aos materiais da pesquisa.
tulo 10 investiga aspectos particulares das revoluções russas (Meu colega John Rawls aceitou, com sua natural finura e
de 1917, a fim de explicar as diferenças significativas e as boa índole, minha recusa a ler o seu Theory 01 Justice en-
similaridades no comportamento dos trabalhadores ale- quanto não completasse meu trabalho sobre a injustiça, te-
mães e russos na crise que eclodiu no final da Primeira mendo que suas rigorosas categorias filosóficas involunta-
Guerra Mundial. Neste ponto, a análise levanta a questão riamente influenciassem minha tentativa de perceber com
geral das alternativas históricas suprimidas, procurando precisão as formas das reações populares destreinadas fren-
discernir que outras possibilidades estavam disponíveis no te às experiências de vida.) Em p'arte porque tais débitos
contexto alemão de derrota ede turbulência revolucionária não são sempre visíveis a partir das citações, gostaria de
entre 1918' e 1920. O capítulo 12 recorre ao nacional-socia- agradecer aqui, sem implicá-los com minhas insuficiências
lismo como um exemplo extremo das tendências repressivas ou, como deve parecer óbvio para aqueles que conhecem
e agressivas nas concepções populares e de massas sobre a seus trabalhos, sem sugerir o seu respaldo a pontos de vista
injustiça, num esforço para analisar e compreender as cau- expressos neste livro, a Herbert Marcuse, E.P. Thompson,
sas mais gerais dessas inclinações. Finalmente, os últimos George C. Romans, Robert Paul Wolff, Gabriel e Joyce
três capítulos, inclusive o epílogo, procuram chegar a um Kolko. Sem o seu estímulo e apoio eu jamais teria tentado
acordo sobre OS temas gêmeos do relativismo moral, ou da escrever este livro. Sem o de Elizabeth Carol Moore eu ja-
rejeição de qualquer concepção geralmente válida de injus- mais poderia terminá-lo. Essa é apenas uma parte do que
tiça, e de como as pessoas vêm a perceber a injustiça e a ela significou na vida deste autor. O restante, se eu pudesse
lutar contra ela. Essa parte do trabalho se fundamenta em exprimi-lo adequadamente, não seria para publicação.
evidências e em considerações teóricas suscitadas através do Meu bom amigo Adam VIam, ex-diretor do Centro de
livro e também em todos os recursos intelectuais comple- Pesquisas Russas de Harvard, concedeu-me generosamente
mentares que pud,e empregar. valioso apoio moral na elaboração deste livro - e de outros
Sem ocultar as minhas próprias preferências morais que pouco ou nada tiveram a ver com a Rússia. Por lnais de
procurei, do princípio ao fim, construir raciocínios que es- duas décadas, Rose Di Benedetto datilografou e recopiou
tariam abertos à refutação através do apelo às evidências ou cuidadosamente os nleus manuscritos. Em meio a muitas
à lógica. Com respeito à posição intelectual que governa o outras exigências sobre seu tempo, ela tem sido uma fonte
trabalho como um todo, é suficiente dizer aqui que sou tão de constante estímulo e variado auxílio para minha mulher,
cético quanto à catástrofe como destino inevitável do ho- para mim e meus alunos.
16 PREFÃCIO
}
I
Como autor, procurei tenazmente não seguir o exem-
plo de Hçrác1ito, o famoso filósofo grego que serviu de ins- .-j
,
piração inicial a Marx. De acordo com um eminente espe- I
I
cialista moderno, Heráclito era um aristocrata na política,
que escrevia num estilo difícil e compreensível a poucos.
I
;\
Quando atingiu a velhice, retirou-se para os bosques, depo-
sitando seu livro de filosofia no templo de Artêmis. Pelo
menos para mim, parece que algumas das mais importan-
tes diferenças entre meus procedimentos e os dele devem-se PRIMEIRA PARTE
aos esforços de Elizabeth Moore e Arnold C. Tovell, diretor
editorial de M. E. Sharpe, Editor. Quero expressar meus
agradecimentos a Joyce P. Tovell, por seu cuidado especial
o sentido de Injustiça
na revisão de texto deste livro e a meu editor, por sua dis- Algumas constantes e variáveis
posição para publicar este trabalho sem a garantia de mer-
cado que caracteriza os livros-textos e num formato atrativo
tanto ao leitor comum como ao especialista.

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.{ CAPÍTULO 1
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J ]EI~meJrll.tos :reC01'f:rentes
I' .....] o
enll. moraiS
(li

:1 COulgOS
I
H

Pontos de partida

I;1
Era uma vez aqueles dias felízes em que os estudantes
dos assuntos humanos estavam seguros de seu terreno,
quando era possível traçar uma nítida separação entre um
sistema político e social baseado na força e na fraude, e um
sistema que se baseasse na autoridade racional e na justiça.
Ainda que fosse bastante difícil encontrar um exemplo em-
Jd pírico convincente de uma sociedade justa, tal distinção
parecia ser elementar e óbvia, o fundamento da análise po-
~ lítica inteligente. Por volta do final do século XIX. essa
1 agradável certeza tinha-se em grande medida esfacelado
I diante da investida de idéias que, por aquela época, pas-

~
l saram a fazer parte da bagagem intelectual transmitida em
porções de cinqüenta minutos em muitas ele nossas univer-
sidades. Os antropólogos abalaram a nossa segurança ao
expor vividamente uma tal variedade de costumes e crenças
~
fi
~I
humanas que fizeram com que a noção de um padrão único
4 de julgamento político e moral parecesse nada mais que
uma racionalização válida para uma breve fase da história
J européia. Singularmente, foi o filósofo Herbert Spencer, o
l
epítome do provincianismo vitoriano filistino, quem selecio-
•;;.1
nou os textos de antropólogos e historiadores para apresen-
tá-los nas páginas introdutórias deA Estática Social (18S0),
.~
J
INJUSTIÇA 21
20 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
haver algum resquício de raiva como parte da resposta a
um dos ataques mais vigorosos a fRvor do relativismo moral.
Embora Spencer'seja atualmente uma espécie de curiosida- .
.t punições que são sentidas como inteiramente merecidas .
Agora mudemos ligeiramente o exemplo, tornando-o mais
de intelectual, o leitor moderno pode aprender de fontes 1, concreto, para observar uma espécie diferente de sen-
mais aceitáveis que os conflitos sobre valores, ou sobre timento.
pressupostos básicos relativos ao bem e ao mal no ordena- 1 O homem que desfere o golpe é um policial branco
mento dos assuntos humanos, são temas que a ciência não ; numa cidade norte-americana. A vítima é um homem negro
pode colocar porque ela se refere ao modo como as coisas I educado que nada mais fazia que cuidar de seus próprios
I
são, nao à maneira como deveriam ser. Temendo que esse , assuntos de um forma perfeitamente pacífica. É quase se-
ponto de vista tenha um efeito demasiado corrosivo sobre as 1 guro, nessa situação, que o homem negro sentirá indigna-
convicções morais tradicionais, pode-se acrescentar alguma
ressalva no sentido de que na delnocracia as pessoas têm o
I ção moral porque, até onde ele pode ver, o golpe e o feri-
mento foram totalmente injustificados e imerecidos. Em
dever, como cidadãos, de tomar posição frente às questões
éticas e políticas, mas não devem fazê-lo enquanto profes-
1 que sentido o golpe foi hijusto? O que essa palavra real-
mente significa? Colocando de forma simples, ela significa
sores ou cientistas.
A 1'ecuperação das velhas certezas está, portanto, fora
1
l
que o policial branco não tinha o direito de fazer o que fez.
:j
Se o episódio ocorresse numa comunidade ideal racialmen-
de questão, pelo menos na forma em que existirRm anteri- te integrada, todas as outras pessoas concordariam com o
ormente. Não obstante, há razões para suspeitar que a con-
fusão de códigos morais possa esconder uma certa unidade'
de forma original, bem como uma tendência histórica dis-
I
~
homem negro. Mas há bastantes razões para temer que ne-
nhuma comunidade seja assim, embora possam se aproxi-
mar disso. Na maioria das cidades norte-americanas o ho-
cernível numa direção única, e que as variações desse mo- ,
1
mem negro sentir-se-ia irado porque o policial violou uma
delo de uma forma básica única, sofrendo prolongada mo- I norma que o primeiro considerava, de todo o coração, que
dificação histórica, sejam explicáveis em termos gerais. É, J deveria serpredorninante nas relações sociais decentes.
ao menos escassamente, possível que os assuntos humanos
tenham afinal algum sentido. I Evidentemente, as normas sociais e sua violação são
componentes cruciais na ira moral e no sentido de injustiça.
Podemos iniciar nossa busca de sentido recorrendo a Em essência, é a ira diante da ofensa o que uma pessoa
um exemplo do tipo de situação que será analisada em todo sente quando outra viola uma norma social. Há aqui duas
este livro. Será ao mesmo tempo um exemplo simplificado e possibilidades distintas. Um indivíduo pode estar irado
hipotético. Vamos supor que um homem golpeie outro com porque sente que a norma vigente é ela própria errada, e
força suficiente para feri-lo. Como se sentirá a vítima? Ha- que é preciso implantar outra. Na vida real tais situaçõeS
verá alguma dor física. Por outro lado, sabemos que a capa- I assumem, com freqüência, a forma de desacordos sobre o
cidade para suportar a dor varia significativamente por to-
da a sorte de razões, que mereceriam um exame. 1 Este livro
!I que a norma é realmente. Mas, em benefício da simplici-
dade, podemos deixar essa situação de lado, por ora. Sem
não fará isso de forma detalhada, mas isso permanece como ,I normas a governar a conduta social não haveria um fato
um ponto importante a ser lembrado. Se a vítima tem al- como a indignação moral 'ou um sentido de injustiça. Da
gum motivo para crer que o golpe deveu-se a algo que ela 1j mesma maneira, a consciência da injustiça social seria im-
fez de mal, é bastante provável que sinta uma certa sensa' possível 'se os seres humanos pudessem ser convencidos a
ção,de alivio por ter-se livrado tão levemente. Pode ou não
,~ aceitar, toda e qualquer norma; Obviamente, há alguns
constrangimentos na elaboração das normas morais e, por-
(1) Cf. Ronald Melzack, The Puzz/e of Pain-. J,'j
li
'1.1
22 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 23
tanto, na formas possíveis de indignação moral. Há tam- t8.0 óbvio como tudo o que se disse _. a existência de uma
bém um grande grau de variedade. Como ambos podem ser natureza humana inata - parece afinal um curioso conse-
expJicados'!
lho de perfeccionismo científico. Uma maneira de conse-
Na medida em que não há quaisquer traços recorrentes guir algumas pistas é registrar as necessidades e os desejos
ou constantes na indignação moral, eles teriam que derivar humanos comuns à maioria das sociedades conhecidas, in-
da interação entre aspectos mais ou menos constantes da ferindo que eles têm sua origem na natureza humana inata.
natureza humana e imperativos igualmente recorrentes que Assim, formulemos inicialmente uma indagação muito sim-
se originam do fato de os seres humanos precisarem viver ., ples: O que é em geral nocivo para os seres humanos? Uma
uns com os oeliros, ou seja, em sociedade. Há dificuldades vez que nosso problema é dar conta de situações nas quais a
formidáveis na maneira de descobrir características gerais ira aparece e não aparece (ou está presente em um grau
da natureza e da sociedade humanas de um modo que seja, 'I
muito baixo) como resposta às injúrias, será valioso dispor
ao mesmo tempo, cientificamente sustentável e não trivial. inicialmente de uma noção operacional sobre que coisas são
Corre-se um grande risco de ser banal ou de estar equivo- realmente injuriosas aos seres humanos.
cado, quando não de ambas as coisas. Não obstante, vale a A incapacidade para satisfazer certas exigências físicas
pena assumir tal risco porque a posição tomada sobre estas é obviamente prejudicial. Na ordem aproximada de sua
questões, consciente ou inconscientemente, terá uma pode- importância, tais exigências S3.0 o ar, a água, o alim,mto, o
rosa influência quanto à forma em que outras indagações sono, o abrigo -" no sentido de proteção contra os extremos
serão colocadas e, através destas, sobre os resultados en- de calor e de frio - e a satisfação sexual. A incapacidade
contrados.
para atender a essas necessidades causará sofrimento a qual-
A primeira dificuldade deriva do fato de que é impos- quer ser humano. Excetuando-se a satisfação sexual, a au-
sível observar algo que possa ser chamado a natureza hu- sência delas produz a morte. E sem a reprodução - até ou
mana pura ou inata, ou biologicamente determinada, não a menos que um substituto satisfatório esteja assegurado _
contaminada pelas influências sociais, ou pelo menos qual_O a sociedade humana perecerá. Doença e maus tratos físi-
quer forma de comportamento deste tipo que fosse muito 'cos, tais como a tortura, S8.0 claramente prejudiciais, em-
relevante para a compreensão da indignação moral e do bora, como aparecerá em breve, os seres humanos inflijam
sentido de injustiça social?" No entanto, é obvio que os seres sob certas condições a tortura a si próprios.
hun>anos possuem alguma coisa que pode ser chamada ne- Deixando de lado as necessidades físicas, que sempl'e
cessidades inatas. Eles não são simplesmente fichas em' são satisfeitas em formas culturalmente elaboradas, os psi-
branco sobre as quais é possível imprimir qualquer tipo de cólogos e antropólogos provavelmente concordariam que a
personalidade, como muitos pais poderão testemunhar com ausência de amor e de respeito de .outros seres humanos é
veemência, mesmo com relação a crianças de tenra idade .. também prejudicial ao indivíduo. Na verdade, há uma am-
Negar qualquer conhecimento possível do que parece pla gama de respostas favoráveis cuja falta pode ser de
alguma forma danosa. Mencionarei aqui somente uma: a
(2) o comportamento de crianças pequenas, ainda prematuramente ex- distinção. Suspeito que o desejo de distinção é universal
postas às influências sociais, não seda muito proveitoso, mesmo se pudéssemos ter porque muitas culturas inventam ou aperfeiçoam formas de
certeza de que as influências sociais não tivessem sido impostas através de fatores, invejar outros seres humanos, enquanto certas culturas
tais como o tipo de alimentação disponível fi. mãe durante a gravidez. Tampouco
seriam úteis os raros exemplos de indivíduos que conseguiram de alguma forma condenam ou procuram suprimir a cobiça. Outra situação
sobreviver sem cuidado humano, porque eles não tiveram obviamente a oportuni- nociva que não tem recebido a merecida atenção é o simples
dade de adquirir as capacidades nec'essárias para a vida em sociedade. enfado.
,
~,

;f

1-t
INJUSTIÇA 25
24 o SENTIDO DE INJÚSTIÇA....
·1 lhantes, e oportunidades para a descarga da agressão, lima
Finalmente, a inibição da agressão contra alvos peri- ;

:~
capacidade humana que, se não é instintiva, é despertada
gosos (naturais ou humanos) é certamente prejudicial, uma .,;, por uma tal variedade de frustrações que está destinada a
vez que a pessoa inibida torna-se desse modo vulnerável, encontrar expressão, seja como for. Até este ponto foi pos-
uma vítima fácil. E pouco proveitoso tentar colocar a ques-
"
~ sível evitar o uso do termo "sadio", noção escorregadia e
tão de saber se a agressão em si é alguma forma de instinto t
~ carregada. Mas é evidente que a agressão bem-sucedida
humano. Tudo o que temos de ressaltar por ora é que não
há sociedade conhecida na qual a agressão não apareça de
algum modo; por outro lado, o âmbito de sua expressão e
1
i
contra perigos reais merece ser chamada de sadia e a re-
pressão ou inibição de tal comportamento, uma forma de
patologia. Afinal, o animal humano efetivamente possui
1
os danos a outros seres humanos são extraordinariamente I notável capacidade para o pensamento lógico e pode usá-la
amplos, indo de um olhar hostil à eliminação de populações i~! na busca de qualquer meta.
inteiras. Devido a essa gama de efeitos possíveis, não me j O valor básico de qualquer concepção de moral natu-
parece útil discutir a agressão em termos de um instinto. 1I ral repousa na dedução de que os códigos morais, a ira mo-
Em vez disso, parece mais proveitoso pensá-la como algum ral e, em conseqüência, um sentido de injustiça social têm
tipo de capacidade humana que é posta em ação numa :1
] raízes muito importantes na biologia humana. Ela não ape-
grande variedade de formas, com conseqüências igualmen- ] • nas estabelece limites às formas que podem assumir os có-
te muito diferentes, que dependem de circunstâncias espe- '. digos morais, como também lhes oferece uma certa direção
cHicas. De tal modo, as caus.as sociais têm um poder expli-
cativo muito maior que a elástica capacidade biológica.
Mais uma vez, este não é um tema que deva ser abordado
1
1
.~
e impulso. O otimista político acredita que seja possível
criar uma ordem social baseada quase inteiramente na mo-
. ral natural. Um pessimista, do qual Freud é o exemplo mais
aqui. conhecido, sem ser necessariamente o mais convincente,
Como hipótese de trabalho, proponho uma concepção J acredita que til esperança é ilusória. Não é este o lugar
de natureza humana inata, no sentido de ser anterior a
quaisquer influências sociais mas não necessariamente
imune a elas, para a qual não somente as privações físicas-
I
{
para esclarecer essa questão; espero que o livro como um
todo clarifique algumas das considerações mais relevantes.
No entanto, é útil chamar a atenção para o tema, a fim de
são nocivas, como também as psíquicas: especificamente, a
ausência de respostas humanas favoráveis, o enfado e a ini- 11
conservar diante de nós a perspectiva da impossibilidade
absoluta de termos indivíduos completamente sadios e ain-
bição de agressões. Na medida em que tal concepção seja da haver sociedade. Corno resultado, alguns aspectos da so-
válida, ela sugere a existência de uma "moral natural", no
sentido de que algumas preferências moráis, particular- j ciedade teriam por fim prejudicar alguns indivíduos.
Se a sociedade humana é nociva a alguém, por que ela

IJ
mente as negativas, não sejam meramente a conseqüência existe? A resposta óbvia e banal é que através da divisão do
do treinamento e do condicionamento sociais. De maneira trabalho, possível apenas na e por meio da sociedade, os
geral, os seres humanos 'tentarão evitar tais situações de seres humanos elevam enormemente a sua capacidade de
qualquer modo. E num exame mais detido pode-se notar adaptar-se ao meio ambiente e de controlá-lo. Embora ób-
que não faz muita diferença saber se se descreve o compor- via e banal, essa resposta é também verdadeira. Sem a in-
tamento em termos de uma evitação negativa ou uma busca 1J venção da sociedade humana, o Homo sapiens bem pode-
de metas positivas. Ao lado da satisfação de necessidades ~ ria ter sido extinto há muito tempo. As capacidades indi-
físicas, poderíamos dizer que os seres humanos buscam al- ~ viduais do homem enquanto espécime biológico, para lidar
guin grau de variedade e desafio em suas vidas, respostas
J com o meio ambiente, são pouco impressionantes, ao passo
favoráveis (inclusive a distinção) em relação a seus seme-

.- .. --.. ,~.---_.
1
26 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... iNJUSTiÇA 27

que as capacidades coletivas da sociedade humana atingi- decomposta de diversas maneiras. Há o problema da auto-
ram atualmente o ponto em que podem destruir todas as ridade. Nas sociedades muito pequenas ou simples, ele
formas de vida. Qualquer que seja o critério de avaliação, equivale basicamente a saber quem fará as sugestões e
essa é uma realizac§.o notável. Não obstante, houve altos
", quem as seguirá. Há o problema da divisão do trabalho:
custos desde o princípio, de forma alguma distribuídos quem fará qual trabalho, quando e como. Então, há o pro·
igualmente. A existência e o trabalho com outros seres hu- :1 blema da alocação dos recursos disponfveis à sociedade e da
manos geraram as suas próprias exigências ao comporÜt- distribuição entre seus membros dos bens e serviços que
mento e aos sentimentos do homem. Uma coisa é ser um I~
t
eles coletivamente produzem. Pace* Marx, ou pelo menos
caçador solitário, completamente dependente, para sobre- ,( algumas leituras de Marx, as relações sociais de produção e
viver do que se pode matar com as própl"ias nlãos· e alguns de troca não determinarão sempre o sistema de autoridade
instrumentos simples. Outra coisa é ser membro de uma ~ prevalecente. As linhas de causalidade correm em ambas as
tribo de caçadores primitivos, com seu conjunto de regras
sobre quem bate o mato para dirigir a caça, quem assume o
l
'..;
direções.
Em certo sentido, essas três divlsões do problema da
risco de matar os animais ferozes, como deve ser dividida a / coordenação social (autoridade, divisão do trabalho e alo-
presa, e assim por diante. A necessidade de cooperar com 'f cação dos bens e serviços) trazem um ar de arbitrariedade
outros indivíduos produz um novo e diverso sistema de cau- cartesiana. Em muitas sociedades não letradas, os três as-
salidade para o comportamento humano. A causalidade pectos atuam juntos, de tal forma que é fácil equivocar-se
social não terá efeito sem algumas das qualidades e capa- sobre a operação da sociedade sendo demasiado precisos
cidades que a natureza humana inata proporciona. Mas ela sobre tal distinção. Não obstante, sustentaria que os pro-
precisa ser compreendida nos seus próprios termos. Ao lado if:
'.~"! blemas existem em qualquer sociedade determinada e que
dos fatores biológicos e inatos, a causalidade social - for- ~! para seus membros é um imperativo encontrar alguma so-
ma ta.quigráfica e inadequada de expressar o fato de que C,!
lução. De outra maneira, a sociedade deixaria de existir.
existem numerosos seres humanos no nlundo com os quais J-,1
Neste sentido, é legítimo falar de imperativos sociais que
é necessário chegar a um acordo - cria a natureza humana ·C
conduzem a imperativos morais e, através destes, à ira mo-
real que podemos observar e estudar. É nesse sentido que o ~~i r;;tl e a um sentido de injustiça social. Recorrendo às expres-
"1
fato de viver em sociedade gera os códigos morais. Afirmar sões "necessidades sociais" ou "imperativos sociais" não-se
que a "sociedade" gera códigos morais pode ser enganador, i~ está obrigatoriamente escondendo um interesse egoísta de
porque na realidade são os indivíduos concretos que criam .,, classe ou de grupo sob o disfarce de uma linguagem espu-
,t,

os códigos morais. Em grande parte do tempo, alguns indi- c!,


riamente objetiva. A incapacidade para encontrar uma ne-
víduos criam códigos morais para seus próprios· interesses ] cessidade ou um imperativo sociais genuínos tem a conse-
particulares, em detrinlento de outros membros da socie- ) qüência de que todos os membros da sociedade sofram se-
\j
dade. No entanto, há um sentido em C.Jue todas as pessoas, ,1 veramente, ainda que o sofrimento não seja distribuído por
elll qualquer sociedade, têm de proteger-se mutuamente ou 'I igual.
então cada uma confiará em si própria. ::i Contudo, as expressões "necessidade social" e sua ver-
,-;.
Aprofundando um pouco mais, certos problemas sem- são mais forte "imperativo social" são simultaneamente tão
pre vêm a luz onde e como quer que um grupo de seres hu- ~
manos tente viver conjuntamente e reproduzir sua espécie. ,\
}
,~
Tais questões podem ser englobadas na noção geral do pro-
blema da coordenação social. Por sua vez, esta pode ser (*) Em latim no original: "com o devido respeito a". (N. T.)

1
.g(
28 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
INJUSTIÇA 29
escorregadiças e tão essenciais no discurso racional sobre as
questões humanas, mesmo quando outras palavras são uti- que usam a expressão "necessidade social", ou uma fór-
lizadas para expressar as mesmas idéias gerais, que é preciso mula similar, têm em mente tais considerações todo o tem-
fazer uma pequena pausa para comentar o que elas suge- po. Mas é úti1lembraT que eles existem e que toda sorte de
rem. Até onde sou capaz de discernir, "necessidade social" pressuposições empíricas e filosóficas esconde-se por trás de
contém três elementos essenciais. O primeiro elemento é a todo uso possível. A melhor forma de nos guardarmos é
noção de causalidade com a ordem temporal comum inver- deixar claro que sabemos tão nítido quanto possível exata-
tida: alguma coisa muito desagradável está destinada a mente que tipo de ser humano está em consideração, quan-
ocorrer no futuro se a necessidade não for atendida. Há do quer que a idéia venha à luz.
igual e secundariamente um elemento de escolha inevitável. Tendo em mente essa advertência, é possível retornar,
A sociedade pode atender à necessidade ou pode fracassar ampliando-a ligeiramente, à afirmação de que as pessoas
em fazê-lo. Se efetivamente atende, deve haver maneiras que vivem em qualquer sociedade devem resolver os proble-
em que isso ocorre. Uma maneira de atender à necessidade mas da autoridade, da divisão do trabalho e da distribuição
pode satisfazer a um grupo na sociedade, e outra maneira de bens e serviços. Em parte, elas o fazem formulando tos-
satisfará a outro. Ambos provavelmente reivindicarão que a cos princípios de desigualdade social e ensinando umas às
sua forma atende à necessidade "real" da sociedade em seu outras, com graus amplamente variáveis de sucesso, a acei-
conjunto. É esta, de modo um pouco simplificado, a fonte tar e obedecer tais princípios. Ao concordarem, elas criam
mais comum de distorção ideológica. Finalmente, se um um contrato social implícito e, às vezes, explícito. O medo,
pesquisador continuar a insistir na questão sobre o "porquê' a força e a fraude não são as únicas bases de toda sociedade
dessa necessidade ou imperativo particular existir para tal humana, ainda que seu papel tenha sido decisivo através da
grupo ou sociedade específicos, a pergunta deverá em algum história conhecida da espécie. Nem, quanto a isso, são as
ponto comportar um julgamento ético. sociedades humanas simplesmente sistemas mais ou menos
Tome-se, por exemplo, a proposição de que em todas elaborados de trocas. Elas são combinações tanto de coer-
as sociedades industriais, incluindo as socialistas, é essen- ção quanto de troca. As proporções dos dois 'ingredientes
cial reservar uma alta proporção dos bens e serviços produ-' variam tremendamente de caso para caso. Elas não coin-
zidos pela sociedade como recompensa para a função ge- cidem nas ilhas Trobriand e na sociedade industrial mo-
rencial.- Com o intuito de mostrar a estrutura do raciocínio, derna. As formas de extração do excedente da população
vamos assumir que a proposição é correta e que é possível subjacente e de conversão deste em cultura, com o consen-
demenstrar empiricamente o que a palavra '~alta" significa timento, quando não necessariamente da recomendação
- naturalmente, uma suposição bastante duvidosa. Não das ordens inferiores, são muito diferentes em ambos os
obstante, se os adversários de altas recompensas ao geren- casos. 3 Apenas para tornar as questões ainda mais compli-
ciamento fossem forçados a retornar até esse ponto, ainda cadas, os homens têm urna maneira de alterar o valor que
. seria possível afirmar nma preferência por uma sociedade atribuem aos itens com que contribuem para o sistema de
sem indústria, Este é um julgamento ético. É possível dis- trocas. Podem convencer-se de que o valor de urna contri-
cuti-lo racionalmente, visto que é pertinente indagar se, por
qualquer critério ético, os custos OQ estabelecimento de se-
melhante sociedade atualmente não poderiam ser dema-
(3) Para a extração de um excedente em sociedades não letradas, mesmo
siado elevados em termos de sofrimento humano. naquelas que não dispõem de sistemas hereditários de estratificação social, ver
É uma recomendação de perfeição afirmar que àqueles Paul Radin. Primitive Religion, capo IIl, bem como as observações criticas de
Raymond Firth em Primitive PolYllesian Economy, pp. 171-172 ..

-'--~-------------_."--~
~.?: -
;~.

-I:

30 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... -.~

31
,\ INJUSTIÇA

buição humana tem. algo a ver COJU a cor de sua pele. En- 1
comuns que sejam, ao mesmo tempo, intoleráveis (ou qua-
tão, .podelll convencer-se de que não é esse o caso. Enl am-
bos às casos de convencimento há uma generosa dose de se) e inevitáveis.
coerção. Exis i cn.1 Emites dentro dos quais esse processo de
o termo "sociedade" já surgiu várias vezes, e seria útil
dizer também alguma coisa sobre as armadilhas analíticas
convencimento mútuo pode ocorrer. i\1as não é fácil definir
que podem estar ocultas em sua utilização. Raramente ha-
quais são eles.
verá alguma dificuldade para que se concorde que a antiga
Até mesmo as sociedades simples mais conhecidas exi- Atenas era uma sociedade, da mesma forma que a antiga
bem, ao menos de forma rudimentar, alguns princípios de Esparta. Os habitantes de cada uma dessas cidades-Esta-
desigualdade social, que aparecem, por exemplo, na divi- dos viviam sob um conjunto de instituições facilmente iden-
são do trabalho por sexo. Seria perfeitamente possível de- tificáveis, bastante. distinto um do outro. De qualquer mo-
sautorizar tal proposição encontrando uma sociedade na do, nem todos os habitantes conheciam-se pessoalmente.
qual o trabalho dos homens e das mulheres, embora diver- !VIas eles mantinham relações uns com os outros em base
so, fosse classificado de forma igual em todas as suas for- contínua, relações estas que com freqüência estavam carre-
mas possíveis, desde a coleta de combustível e alimento à gadas de conflito, apenas ocasionalmente irrompiam em
preparação da comida. Mas é altamente improvável que tal violência aberta. Ê com esse sentido que a expressão "socie-
sociedade exista. 4 dade" tem sido usada até aqui e é dessç modo que se pros-
Não é este o momento apropriado para introduzir uma seguirá na análise subseqüente, até onde for possível. As-
discussão geral sobre o que possam ser esses princípios ou sim, o termo sociedade diz respeito ao corpo mais amplo de
sobre as suas possíveis variações no tempo e no espaço. Di- habitantes num território especifico que tem um sentido de
versos princípios podem muito bem ser discernidos no fun- identidade comum, vive sob um conjunto de arranjos so-
cionamento de qualquer sociedade, mesmo que ela seja ciais distintos e ci faz, na maior parte do tempo, em um
muito simples, com tecnologia rudimentar. Numa socie- nível de conflito que exclui a guerra civil.
dade maior e mais complexa seria natural esperar que se- Nesse sentido, a Grécia clássica não era uma socie-
tores díspares da população devessem obediência a princí- dade, ainda que seja útil pensá-la como um sistema social
pios diferentes, e que houvesse imensas diferenças na exten- - o que é bastante diferente de uma sociedade - composto
são em que pessoas diversas estivessem cônscias desses prin- de cidades-Estados rivais com suas próprias dinâmicas in-
cípios ou pudessem explicitá-los. Neste capítulo, a análise ternas.l"lesmoassim, é necessário ser cauteloso e pensar
centrar-se-á na questão de saber se há algum tema recor- nas "necessidades" de grupos bastante concretos de setores
rente discernível nas queixas relativas à existência de tais politicamente ativos em Atenas, Esparta e outras cidades.
princípios ou à maneint como funcionam na prática. Não Da mesnla forma, há razões suficientemente fortes para
é possível qualquer pressuposição sobre se tais reclamações sustentar que o sistema das cidades-Estados gregas impu-
recorrentes existem ou se elas são em algum sentido justifi- nha restrições políticas, e aqui é possível dizer amorais, aos
cadas. As sociedades humanas podem ou não possuir traços atores políticos dessas localidades.
A questão daí resultante é que, em qualquer socie-
dade, exceto talvez umas poucas sociedades isoladas, as re-
gras morais em funcionamento não derivam apenas dela em
(4) Uma investigação instru1iva, embora de caráter geral, sobre os dados separado, mas· de um contexto mais amplo que inclui ou-
antropo16gicos, pode ser encontrada em Gunnar Landtmann, The Origin of the tras. Tal fato pode, por vezes, levar a pressões e ambigüi-
Inequality oflhe Social Class, caps. I-III.
dades conflitantes que exigem consideraçãu. William Gra-
INJUSTIÇA 33
32 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...

sideram iníquas e injustas. Em sua maior parte, a investi-


ham Sumner é justamente celebrado por sua distinção entre gação toma a forma de urna série de sondagens em socie-
in group e out group. Ê uma distinção útil mas um tanto dades "exóticas", tanto letradas como iletradas, escolhidas
rudimentar. Em um 'grande número de situações, diferentes com o fim de encontrar um número o mais amplo possível
indivíduos na mesma sociedade podem traçar a fronteira de de situações e reações morais. Se aparecem similaridades a
diferentes maneiras. Como um cidadão americano, que é partir de um arremesso de rede tão largo, há razões para
um poderoso executivo numa corporação multinacional, crer que elas representem processos sociais bastante exten-
traça esse limite, e em conexão com que decisões? Confesso sos e possivelmente universais. Simultaneamente, procura-
minha ignorância sobre a resposta. Em certos agrupamen- rei indicar o que esses processos sociais possam ser, apre-
tos não letrados, afligidos com numerosas querelas internas sentando-os de urna maneira sistemática sem, no entanto,
pode ser ainda mais difícil decidir como e onde essas pes- objetivar urna elaboração teórica indevida. Para expor a
soas traçam a distinção entre" eles" e "nós" e com base em questão brevemente, trata-se de urna busca de soluções im-
que fundamentos. s populares a problemas sociais universais.
Voltando ao tema central, tais observações são sufi- A pesquisa não cobre todas as áreas da vida humana.
cientes, espero, para demonstrar que tanto as normas so- Ela exclui inteiramente aquelas que os modernos viam, pelo
ciais como a ira que elas despertam têm uma origem dual. menos até recentemente, corno áreas da vida privada: te-
Ê impossível entendê-las, sejá exclusivamente em termos de mas sexuais, sistemas de parentesco, hábitos e costumes de
natureza humana inata, seja em termos de.dinâmica social. amizade. A exclusão não tem como base a idéia de que tais
Do ponto de.vista ideal, precisa,íamos de um conhecimento temas não tenham importância, o que seria manifestamente
perfeito de ambas, algo que nunca teremos. Ao mesmo absurdo. Em vez disso, é urna tentativa de limitar o âmbito
tempo, há certamente espaço para melhorar a compreensão das evidências a algo mais próximo de uma proporção ma-
da única natureza humana que podemos observar: àquela nuseável. Do mesmo modo, ela reflete meu próprio inte-
que é modificada e moldada pelos imperativos da vida em resse nas instituições econômicas e políticas de sociedades
diferentes tipos de sociedades. Nessa forma, a natureza hu- supostamente civilizadas e a relação entre tais aspectos. Em
mana é, na verdade, altamente plástica. Ê impressionante a muitas sociedades não letradas tais instituições não são di-
capacidade humana para suportar o sofrimento e o abuso, ferenciáveis das outras. Os antropólogos repisam a questão
por mais trágico que isso seja. Na realidade, esse fato situa- de que as trocas econômicas estão interligadas com o paren-
se no âmago dos temas a serem investigados em todo. este tesco e a religião. O mesmo é válido para a política. Não
livro. Colocando de uma forma um pouco diversa, é essa obstante, os amplos problemas da autoridade ou da coorde-
capacidade que cria os temas, uma vez que a resposta ao nação social, da divisão do trabalho e da distribuição de
abuso é algo imensamente maior que o simples reflexo. Se a bens e serviços existem tanto para a sociedade da Idade da
capacidade para suportar o mau-trato é tamanha, sob que Pedra corno para a sociedade industrial moderna. Em de-
condições e por qU€ os seres humanos cessam de acomo- corrência, essas categorias rudimentares podem fornecer
dar-se a ele? Tal problema se apresentará no devido tempo. uma base para a comparação através do tempo e do espaço,
O corpo deste capítulo expõe urna pesquisa de situa- tornando a investigação mais metódica.6
ções que os homens, numa ampla gama de sociedades, con-
(6) Como acontece com toda pesquisa histórica e sociológica,.o risco· prin-
cipal é que é muito mais fácil encontrar aquilo que se está buscando e construir
(5) Para uma competente discussão teór~ca, ver Marshal Sahlins, Stone explicações plausíveis. Não me parece que regras meto~ológicas mecânicas pos·
Age Economics, capo V.
,.,
'.;;
34 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... ,t INJUSTIÇA 35
,i":

Sem depositar confiança excessiva em procedimentos r~


., falhamos em encontrá-la (um exemplo possível seria urna
mecânicos para atingir a objetividade, será, no entanto, .~

'; variação cruel de escravidão), devamos também encontrar


proveitoso enumerar expliCitamente alguns critérios para a 'i mecanismos sociais e psicológicos que tirem vantagem da
distinção entre aquelas situações humanas que são, pelo plasticidade da natureza humana a fim de inibir a ira e a
menos potencialm.ente, universais e aquelas que são especí- indignação.
ficas a uma dada cultura ou época histórica. Proponho o Uma investigação com alguma pretensão científica de-
seguinte conjunto de critérios, como forma de identificar verá especificar o tipo de evidência factual que desaprovaria
situações universais em potenCial que geram a resposta da as afirmações do autor. De tal modo, as evidências imperio-
ira moral e de um sentido de injustiça soCial. A fim de ser sas contra perspectivas aqui apresentadas deveriam tomar a
mesmo potencialmente universal, a situação deve exibir to- forma de exemplos específicos de comportamentos huma-
das as características que se seguem: nos com relação aos quais: (.l) nós, enquanto ocidentais
1) que a situação geralmente crie indignação na cul- educados, esperaríamos "naturalmente" urna reação de ira
tura oCidental moderna. Não é necessário elaborar este moral ou julgamento de injustiça social, mas (2) onde a evi-
ponto, já que a reação será reconhecível pelos leitores oci- dência não mostre nenhum sinal de tal resposta - na ver-
dentais. Se a situação parecer-nos bizarra ou incompreen- dade, que as pessoas em geral encarem essas situações corno
sível, ela obviamente não pode ser candidata à universali- normais e naturais - e (3) não haja indicações da existên-
dade; cia de qualquer mecanismo social ou psicológico que pu-
2) que a situação também produza uma resposta- de desse inibir ou sufocar urna resposta daquele tipo.
indignação moral em algumas sociedades não-ocidentais, Nesta altura e nos próximos dois capítulos, a pesquisa
tanto as sociedades iletradas descritas pelos antropólogos será deliberadamente a-histórica e mesmo trans-histórica.
quanto as altamente civilizadas, como a China e a Jndia. Antes de prosseguir, e em parte corno forma de indicar um
Explicando melhor, parece viável sustentar que se um dado método complementar de refutação das proposições aqui
tipo de relação social ou comportamento humano susCita avançadas, esboçarei inicialmente, em poucos traços, u.m
indignação moral em civilizações muito diversas da Euro;:>a modo diverso e mais histórico de abordagem do problema.
e da Ãsia e em uma variedade de sociedades não letradas, No decorrer das duas partes subseqüentes do livro, tentarei
estamos provavelmente na trilha de uma característica pan- reunir esses dois pontos de vista.
humana ou universal; E no mínimo plausível. defender que a ira moral e um
3) que, em uma situação na qual poderíamos esperar, sentido de injustiça social devam ser descobertos e que o
por outras razões, uma resposta de inc!ignação moral nlas processo de descobrimento é fundamentalmente histórico.
A partir desta perspectiva, pode-se, por exemplo, apresen-
tar a alegação factual de que jamais ocorreria a um grego
sam oferecer uma garantia adequada contra essa tcndéncia normal à obstinação. do século V a.C. indignar-se com a escravidão e defini-la
Em vez disso. a confiança em regras mecânicas pode intensificar tal tendência. como injusta. O processo de transformação histórica não ti-
pois o investigador presta tanta atenção nas norma:s, que os temas e explicações
substanciais, baseados em modos de pensar diferentes, acabam por desaparecer. nha ainda atingido esse ponto. Como duvido amplamente
A melhor garantia é tentar permanecer tfto vigilantemente cético quanto possível, que os próprios escravos gregos sentissem o mesmo sobre a
a fim de preservar a m..ente &berta à possibilidade de interpretações alternativas, sua condição - na verdade, até mesmo Aristóteles mostra
especialmente aquelas que se opõem à natureza ou, devo dizer, inclinações polí-
ticas,da pessoa. Com esse pl'opósito, é útil abastecer-se de leitura geral e profis- indícios de constrangimento moral- não parti de talpressu-
sional tão variada quanto possível. Ê esta a prçcaução fundamental que tomei. Os posto. Mas penso efetivamente que há muito mérito na con-
°
críticos devem fazer restante. cepção de algum processo histórico de descoberta moral.
36 o SENTIDO DE INJUSTIÇA... 37
INJUSTIÇA

Autoridade e o desafio à autoridade


qualquer tentativa de descobrir e explicar idéias e compor-
Os seres humanos recorrem à autoridade para coorde- tamentos recorrentes sobre o que vem a ser o abuso de auto-
nar as atividades de um grande número de pessoas. Ela se ridade. Os abusos de autoridade e todo traço comum que
estende a todas as esferas da vida social e existe em algum possam exibir são a fonte que exploraremos nesta seção.
grau em todas as sociedades conhecidas, mesmo nas socie- Antes de prosseguir, no entanto, seria prudente examinar
dades primitivas onde não há a figura do chefe. Não obs- brevemente algumas formas de ordem social onde a autori-
tante, a autoridade não constitui o único meio pelo qual os dade é quase inexistente,7 não apenas para ver como elas
homens procuram conjugar as atividades cotidianas de uma funcionam, mas, o que é mais importante para os propó-
amplo número de pessoas, de· forma a produzir a sociedade. sitos presentes, para observar como os seus fracassos podem
Como o principal problema aqui é o da coordenação, é pre- gerar a ira moral. Os tipos de ira que aparecem na ausência
ciso começar com um breve exame daquelas formas que da autoridade, ou antes dela, permeiam as sociedades com
não envolvem a autoridade. Estas podem nos dizer alguma sistemas de autoridade mais desenvolvidos.
coisa sobre ela e as reações morais que suscita. Os homens podem conseguir viver em sociedades des-
Rá evidentemente a mera coerção, distinta da autori- providas de qualquer coisa que póssalJ1.os reconhecer como
dade, pela falta de qualquer dever moral de obediência. autoridade política. Mesmo naquelas que possuem autgri-
Numa forma pura ela é rara, tal como a autoridade que dade política, é impossível recorrer a ela a não ser em uma
depende unicamente de um senso de dever. Talvez nenhu- parcela dos atritos e disputas que são parte da vida coti-
ma delas exista numa fonua absolutamenté pura. Então, diana, onde quer que· existam seres humanos vivendo em
há a "instituição do mercado. Especialmente nos tempos mo- comum. Embora os arranjos econômicos sejam certamente
dernos, este tem a imensa vantagem de ser capaz de coor- um dos principais fatores a influenciar a intensidade e a
denar a produção e a distribuição de bens e serviços entre incidência das disputas, nenhuma: sociedade conhecida está
número ilirriitado de pessoas que sequer conhecem umas livre delas. Mesmo as sociedades sem escassez têm querelas
às outras. Mas os resultados· dessa coordenação são, com freqüentes e amargas disputas. Até um certo ponto, é pos-
freqüência, moralmente ofensivos, principalmente para os sível mantê-las dentro de limites, por meio de uma varie-
grupos recém-introduzidos nas relações de mercado, ainda dade de artifícios sociais, como a repreensão, o opróbrio ou
que grupos de culturas diversos entrem nessa situação com o isolamento temporário das pessoas que ameacem tornar-
pressupostos éticos muito diferentes. Finalmente, há o cos- se destrutivas. Por outro lado, numa grande maioria dessas
tume. Sob este, grupos relativamente limitados de pessoas sociedades, se existem paz e ordem, essas são altamente
formulam normas para si próprios e vivem mais ou menos precárias. Um grupo ou um indivíduo pode tornar-se tão
de acordo com elas. A regularidade ea ordem porventura irado a ponto de matar outras pessoas. É provável que o
existentes em tal comportamento provêm da sanção e da resultado seja uma forte exigência de vingança. A sua forma
vigilância mútuas, sem que nenhuma pessoa ou grupo con- institucional é a inimizade tradicional e sangrenta entre fa-
quiste suficiente vantagem, a ponto de ser capaz de domi-
nar ou controlar os outros. .
Existe um elemento de barganha e de vigilância mú- (7) Para uma análise gerallnstigante, embora de certo modo abstrata, ver
Michael Barkun, Law witlwut Sanctiolls: Order in Primitive Societies and tire
tuas também nas relações de autoridade, como em breve World Community; Robert Knox Dentam, The Semai: A NOllviolent People of
ficará claro em relaçãó com aquilo que resolvi chamar o Malaya, especialmente os capítulos VI~ VII, fornecem um relato instrutivo de uma
contrato social implícito. Este constitui um traço crucial em sociedade isolada com um minimo de sanções. Há muitas outras na produção teó~
rica existente, não citadas diretament~ aqui.

____________ - __ OU" . _ . _ _ _ _ _ _ _ _ • •
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INJUSTIÇA 39
38 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
mÍlias que pode ser encontrada em muitas partes do mun- zes cientistas SOCIaIS, elas cont?m efetivamente uma pers-
do. pectiva relevante, sustentada por abundantes evidências,
O clamor de vingança - reprimido aqui, estimulado e que atrai cada vez maior atenção.' Em qualquer sociedade
elaborado ali - ecoou em uma imensa porção da experiên·· estratificada - o tipo de sociedade que abordaremos daqui
cia humana. A vingança significa retaliação. Também sig- em diante - , existe um conjunto de limites sobre aquilo
nifica uma reafirmação da dignidade e do valor humanos, que tanto os governantes como os súditos, os grupos domi-
após a injúria ou o dano. Ambos são sentimentos básicos nantes e os subordinados, podem fazer. Há também um
subjacentes à ira moral e ao sentimento de injustiça. A vin- conjunto de obrigações mútuas que mantém unidos os dois
i grupos. Tais limites e obrigações não estão assentados em
gança é uma forma de igualar as coisas e, com certeza, uma ;~

forma que nunca funciona completamente. Não existe a '~ constituições ou contratos formalmente redigidos, embora
ri
restauração completa por injúrias já infligidas. A vingança em sociedades que têm tal parafernália alguns desses dispo-
.,'o, sitivos - não necessariamente os mais importantes - pos-
é possivelmente a forma mais primitiva de ira moral. No ,
,-'.'

entanto, embora primitiva, é também altamente contempo- sam ser assentados dessa maneira.
rânea. Pode ser encontrada em sociedades de todos os tipos: Afirmar que existe um contrato social mais implícito
;i
desde aquelas onde existe a autoridade politica, influen- que explícito, um conjunto não verbalizado de entendimen-
:'l- tos mútuos, não traduz a situação d~ forma acurada. Esse
ciando o que a autoridade faz (ou a despeito da autoridade), ;1
até as culturas praticamente desprovidas de autoridade. modo de tratar a questã.o soa como se existisse em algum
Até aqui, evitei a tentativa de definir autoridade, com :-,~
lugar uma espécie de carta platônica com a qual todos os
base no que estávamos falalido em situações onde ela não .~'.t ·membros da sociedade, exceto os socialmente obtusos e
existia. Em geral, a autoridade é uma destas coisas que politicamente insensíveis, deveriam concordar; qualquer
:~
notamos mais facilmente depois de observar situações onde .~í antropólogo ou sociólogo competente seria capaz de trazer
ela não e)<iste ou, mais precisamente, onde ela dificilmente :j
à luz límpidas cópias dessa carta, a partir de uma variedade
existe. A rixa tradicional e sanguinária entre famílias, com ·:l de informantes. No entanto, o que ocorre é uma contínua
·sua sucessão perpétua de vinganças, é um bom exemplo. As sondagem entre governantes e súditos, a fim de descobrir o
inimizades tradicionais continuam porque não há autori- que eles podem efetuar impunemente, a fim de testar e
dade para eliminá-las e para fornecer outras soluções ao descobrir os limites da obediência e da desobediência. Ne-
problema da ordem social. nhum deles sabe exatamente onde se situam os limites, até
:'j descobrir, pela própria experiência, ainda que ambas as
A autoridade é um reflexo do fato, já mencionado ante-
riormente, de que a sociedade humana é, em parte, um partes possam ter de antemão previsões razoavelmente pre-
conjunto de arranjos através dos quais alguns homens pro- cisas. Quanto mais estável a sociedade, mais estreito o âm-
,'i
curam extrair Uln excedente econômico de outros, transfor- bito onde têm lugar tais testes e descobertas. Quanto menos
mando-o em cultura. A autoridade é também um reflexo do estável a sociedade, mais amplos e extensos os limites. To-
fato de que a extração de Um excedente não é tudo o que davia, algum limite sempre existe; caso contrário, não ha-
'_'t

acontece nas sociedades humanas e não é a única fonte de ':1: veria sociedade.
i
cultura. A autoridade implica a obediência com base em Nesse sentido, os termos do contrato social estão sem-
algo mais que o temor e a coerção. É necessário examinar a ):

que equivale o "mais" na prática. f


Embora as teorias tradicionais sobre o contrato social (8) Como exemplo. ver E. P. Thompson, The Moral Ecollomy of the En-
/ gll:'ih Crowd in lhe Eighteellth Century.
pareçam hoje bastante desacreditadas por parte dos saga-
i(:~
'I'
40 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
INJUSTIÇA .41
pre sendo renegociados. Os governantes sabem que há cer-
tos limites a seu poder, a partir dos quais eles não podem recem, por sua vez, demasiado complexos para denotar
esperar concordância. (Isso era válido até mesmo nos cam- uma diferenciação entre aqueles que comandam e aqueles
pos de concentração nazistas.) E para continuarem como que obedecem, uma distinção que não existe em nenhuma
governantes eles precisam de súditos. Enquanto isso, exis- forma permanente. Eu não tenho nenhuma pretensão de
tem entre os súditos padrões de aprovação e condenação estender a língua inglesa além de um contorno reconhecí-
que formam a fonte de tais limites. No devido tempo, che- vel, no interesse de criar uniformidades pseudo-sociais.
garemos à questão de como e por que os padrões populares Tais diferenças realmente existem, e em alguns lugares as
de condenação nascem e se transformam. Para o presente, sociedades não letradas efetivamente deslocam-se para fora
é suficiente notar que esses deveres e limites mútuos efeti- dos limites dos fenômenos a serem discutidos aqui. Como
vamente existem, e que sua existência tanto se manifesta foi indicado no início, o seu tipo de contrato social pode
em como é descoberta pela prova intermitente das reações funcionar com quase nenhuma autoridade. Não obstante, é
de cada um.' evidente que um contrato social sob a forma acima descrita
Os termos governantes e súditos são aqui basicamente existe em numerosos níveis de autoridade no seio do Estado
noções gerais simples e abertamente abstratas que desig- moderno. Ele é visível nas relações entre patrões e empre-
nam indivíduos e, com mais freqüência, grupos de indiví- gados e em muitas outras. Também existe em muitas socie-
duos. Num dos extremos do espectro - digamos, um Es- dades onde não há Estado formal, mas alguma atividade
tado industrial moderno - eles são imensamente mais dife- que requer organização e coordenação regularmente sus-
renciados e complexos do que os termos em geral denotam. tentadas, como em certos tipos de grupos de caçadores e,
No outro extremo do espectro - digamos, uma sociedade ainda mais nitidamente, na prática dos chefes guerreiros
não letrada sem a instituição dos chefes - os termos pa- temporários.
Existem dispositivos comuns compartilhados por um
grande número de sociedades e sub sociedades como as que
acabamos de mencionar nesta forma de contrato social. Os
(9) Concepções explícitas de contrato social ocorrem no mito e na tradiçllO sistemas de autoridade geralmente esp.ecificam (1) por que
em pontos grandemente separados no espaço e no tempo. Para escolher aleato- as pessoas que detêm a autoridade têm tal status e (2) como
riamente um exemplo africano, Max Gluckman, The Ideus in Barotse Jurispru-
dence, pp. 29-30, relata que, de acordo com .o mito da criação dos barotses, o elas o obtêm ou ingressam nele. Mnito freqüentemente, há
governo do rei foi estabelecido pelo povo, que as-sumiu por vontade própria o algum tipo de cerimônia - no caso dos governantes políti-
dever de render tributo. Conforme Gluckman, há uma "idéia de um" contrato cos, em geral bastante elaborada - , para significar que
entre rei e povo" neste mito. Numa interpretação das antigas teorias políticas e
instituições sociais do sub continente hindu. Charles D,rekmeier, Kingship and uma pessoa ingressa nesse status. Ê certo que os modos de
Commlluit)' in Ear/yIlldia, p. 245. afirma que: "O contrato de governo hi_ndu, tal escolha variam enormemente em todo o percurso, da mo-
como o budista, era em essência uma troca de taxas de proteção, e a autoridade narquia hereditária à escolha pela sorte. Nesse sentido, o
do rei estava limitada pelas leis sagradas". Um texto chega a descrever o rei como
servidçr assalariado do povo. Ocasionalmente, outros textos indicam o direito do contrato social assemelha-se a um impresso em branco, tal
súdito de destronar u.m rei injusto 'ou irresponsável, embora tais afirmativas sejam como um requeriinento de emprego, ou um formulário de
raras. Tais cOllcepçües explícitas c organizadas não são, entretanto, universais. imposto de renda, onde é possível·inserir uma gama limi-
Eu não arriscaria reivindicar algo do gênero com relação aos gregos. Em Homero,
especialmente na Odisséia, encontramos uma séria de acordos astuciosos entre tada de valores ou de dados.
determinados homens e determinados deuses, com freqüência dirigidos contra Em qualquer sociedade, uma violação dos procedi-
outros deuses, com propósitos bastante limitados e específicos. Pode haver um mentos vigentes para a escolha das autoridades despertará
contrato social implicito, no sentido de um conjunto de leis sob as quais as pessoas
vivem. sem que essas leis encontrem expressão em um mito documentado. provaveJinente a ira. Tentativas de apresentar um novo
princípio em lugar dos existentes geram profunda indigna-

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INJUSTIÇA 43
~2 o SENTIDO DE INJUSTiÇA ...

çao moral e agitação política. Por sua vez, os novos princí- lU ente nítido de obrigações mútuas, urn sentido que emerge
pios podem ser introduzidos com o recurso a tentativas de de forma mais vívida numa época de questionamento, quan-
corrigir violações ou supostas violações às práticas vigentes. do as paixões morais são levantadas dos dois lados. 11
Há em geral certas obrigações mútuas que vinculam Em linhas gerais, tais obrigações se decompõem em
governantes e governados, os detentores da autoridade e os três partes diferenciáveis mas correlacionadas. A primeira e
que estão sujeitos a ela. Elas constituem obrigações no sen- talvez a mais essencial obrigação do governante é a prote-
tido de que: 1) cada uma das partes está sujeita a um dever çito - especialmente a proteção face aos inimigos estran-
moral de efetivar certas tarefas como sua parte no contrato geiros. Essa obrigação se aplica não apenas ao chefe do Es-
social implícito; 2) o fracasso de qualquer uma das partes tado mas aos níveis mais inferiores de autoridade. A este
no desempenho de tais deveres constitui fundamento para respeito, é útil chamar a atenção para o sentimento gene-
que a outra se recuse a executar a sua tarefa. Cada parte ralizado de que o governante deve ser, de algum modo, um
encontra, na alegada incapacidade da outra para desempe- membro do mesmo gl'upo:tal pessoa deve ter suficientes
nhar adequadamente a sua função, a justificação e o su- traços culturais enl comum com seus súditos, a fim ele per-
porte morais para seu próprio senso de indignação e ira. mitir que eles se identifiquem com o governante. Não há
Carlos I, rei da Inglaterra, acusava os seus opositores no razão para atribuir esse sentimento a algo que se assemelhe
Parlamento de violarem as leis do país e procurou definir a a um instinto das massas ou a uma aversão inata conl rela-
si próprio como o protetor das liberdades dos súditos; os ção ao que é estrangeiro. Os estrangeiros são geralmente
líderes parlamentares o aeusavam de fracassar no desem- conquistadores que oprimiram a "nós", ou pessoas que
penho de suas obrigações monárquicas e de abusar injusta- "nós" procuramos oprimir e explorar - escravos, imigran-
mente de seus súditos. Enquanto isso, alguns levantaram a tes ou vítimas de ."nossa" conquista. Se os estrangeiros não
questão de se a Inglaterra efetivamente necessitava ter reis. passam de iguais, como no caso de refugiados com capaci-
Na época imperial, os rebeldes chineses acusavam o impe- dades socialmente úteis, tais indivíduos são concorrentes
rador de fracasso no desempenho de suas tarefas, devendo, em potencial. Embora existam exemplos de busca de um
por isso, perder o seu Mandato Celeste. Se eles vencessem, protetor externo, para os súditos esse fato é um sinal de
o mandato passaria a eles; quando eram derrotados, entra- fraqueza e uma situação inerentemente desagradável.
yam para os livros de história como bandidos que tentaram Do ponto de vista da presente investigação, a mais
induzir a população a afastar-se de seus deveres para com o interessante das obrigações do governante diz respeito à
imperador. Embora pelo menos um líder rebelde tenha che-
gado ao ponto de tratar o Mandato Celeste com surpreen-
(11) Nas sociedades não letradas, as obrigações dos que detêm a au"tori-
dente cinismo, conlO um ardil para ludibriar as massas,lO c1ade são amiúde muito fortes. Max Gluckman observa que, em geral, nas socie-
antes da intromissão das idéias ocidentais nenhum rebelde dades tribais o chefe deve soconer diretamenle a todos os necessitados, de uma
chinês deu o passo radical de questionar se o imperador era maneira muito diversa do auxílio impessoal fornecido através das modernas agên-
cias de bem-estar_ Entre os barotses, na África, tema de seu estudo, a mais pesada
ou não necessário. Ainda que os habitantes da China pré- obdgação do rei é fornecer pelo menos um local para residência e alguma terra
industrial não tenham levado o seu desafio tão longe quanto arável, para todos os seus súditos. Ver Barotse Jurisprudence, pp. 6 e 80. Sobre o
os ingleses da fase pré-industrial, em ambas as sociedades, que ocorre quando uma autoridade mostra-se incapaz de cumprir as obrigações
ou expectativas, não consegui encontrar muit;t coisa nos relatos antropológicos;
e em muitas outras, podemos encontrar um senso razoavel- entretanto, Leopold Pospisil, Kapauku Papuans mui theirLaw; pp. 244-45, relata
um caso notável, a ser discutido mais detidamente num contexto posterior, onde
existe evidentemente uma obrigação de matar um chefe que "não atenda às expec-
tativas sociais.
(lO) Vincent Y. C. Shih, Some Chillese Rebel ldeologies. pp. 214-215.
INJUSTIÇA 4S
44 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...

manutenção da paz e da ordem. O núcleo dessa função é Assim, a contribuição que se espera do governante
estabelecer as disputas que surgem entre os súditos, e entre desce à segurança: segurança contra a depredação, contra
estes e o governante, de uma maneira que todas as partes as ameaças naturais, sobrenaturais e humanas ao supri-
encarem como basicamentejustaP O ponto crucial de inte- mento de alimentos e a outros suportes materiais da vida
resse é saber se existem ou não concepções transculturais e cotidiana costumeira. Em troca, as obrigações do súdito são
trans-históricas de eqüidade ou saber se tais c.oncepções são a obediência às ordens que sirvam a tais fins, as contribui-
de tal modo historicamente específicas e culturalmente li- ções à defesa comum (exceto naquelas poucas sociedades
mitadas, a ponto de tornar impossível ou infrutífera a gene- onde a guerra é desconhecida) e a colaboração material
ralização. Apresentarei brevemente algumas razões para para o apoio aos governantes que, de um modo geral, não
sustentar que há algumas concepções gerais de comporta- se engajam diretamente na produção econômica. Por úl-
mento iníguo e injusto, e por implicação, portanto, de com- timo, espera-se comumente dos súditos que façam alguma
portamento adequado dos governantes. Ê provável, no en- contribuição através de seus próprios arranjos sociais para
tanto, que elas façam melhor sentido se observarmos as si- a manutenção da paz.
tuações relevantes no contexto da ampla gama de obriga- Êdesnecessário dizer que existem numerosas variações
ções mútuas entre governante e governado, e das formas e sobre estes temas e é grande a extensão em que são elabo-
conseqüências que podem assumir as violações a essas obri- rados. Há também fortes fundamentos para o ceticismo
gações. quanto a qualquer visão sobre o efeito de que essas obriga-
A terceira obrigação dos governantes é comportar-se ções mútuas se harmonizem num sistema global, com uma
de forma a contribuir com a segurança material - falar em igualdade de encargos sobre os detentores da autoridade e
prosperidade material poderia sugerir uma ênfase dema- os que estão sujeitos a ela, e num relacionamento harmo-
siado forte na acumulação de riqueza - dos súditos. As nioso entre as partes e funções da ordem social. Não obs-
formas que podem tomar essa obrigação variam desde a tante, é útil observar que, para muitos indivíduos, especial-
mágica da rainha da chuva dos lovedus, uma governanta mente aqueles situados na base da pirâmide das sociedades
secreta e misteriosa de uma das tribos bantos, aos esforços estratificadas, a ordem social é uma coisa boa em si mesma,
dos presidentes norte-americanos para evitar a Depressão. e por esta eles sacrificariam freqüentemente outros valores.
A concepção típica do século XIX de que a sociedade não Eles detestam a interferência violenta e caprichosa em suas
tinha nenhuma responsabilidade pelo bem-estar da popu- vidas cotidianas, venha esta de bandidos, fanáticos políti-
lação; que seria, ao mesmo tempo, especialmente fútil e cos ou religiosos e agentes do poder. As pessoas em geral
totalmente imoral esperar que o chefe do Estado tomasse apoiarão, ainda que parcialmente atemorizadas, um líder
atitudes efetivas para se contrapor a ameaças ao bem-estar que prometa paz.e ordem, especialmente quando ele possa
popular, parece hoje uma aberração histórica sem impor- fazê-lo com algum colorido de legitimidade, conforme defi-
tância. nida naquele tempo e lugar."

(13) Um famoso relato de uma antiga utopia chinesa, encontrado no Livro


(12) Em resposta aos esforços centralizadores de ShiMHuang-Ti (dinastia dos RUos e citado por Jean Chesneaux, Les Traditions Êgalitaires et Utopiques eu
Tsin), constmtor da Grande Muralha da China, um rebelde, no ano 206 a.C;, Orient, p. 90, afirma que houve uma época em que os ladrões e bandidos não
apresentou como parte de seu programa o que pode ser visto como uma definição existiam, que as portas externas das casas eram deixadas sem trancas. Historia~
mínima de legalidade e justiça: "Éxistirão apenas três itens de lei: aquele que dores europeus enfatizam o sofrimento das populações francesas, alemãs e espa~
matar morrerá. e aquele que ferir outra pessoa, ou roubar alguém, deve ser obri- nholas, além de outras, durante os pedodos de anarquia e guerra religiosa, e seu
gado à retribuição. Tudo o que resta da lei Tsin deve ser abolido". Ver Shih, desejo de apoiar um poder forte, a fim. de pôr termo a tal sofrimento. Como
Rebel Ideologies, p. 159.
o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 47
~6

Embora o contrato social inerente às relações de auto- provavelmente a da figura paterna ríspida e severa, cujos
ridade esteja sempre passando por provas e renegociações e l'aros acessos de fúria revelan1 seu poder de nos proteger e
possa entrar em colapso completo em caso de revolução,'4 intimidar "nossos" inimigos, mas cujas fraquezas também
procurarei argumentar aqui, por via de hipótese, que há acenam com alguma perspectiva de remissão para "nossas"
certas formas de violação desse contrato que comumente transgressões.
despertani a ira moral e um sentido de injustiça entre os que A raiz dessa concepção paternalista de autoridade e a
estão sujeitos à autoridade. Onde não encontramos tal ira, fonte de sua freqüente recorrência repousam provavelmente
iremos amiúde encontrar certos mecanismos repressivos em na experiência de infância. Uma vez que as crianças ini-
operação, um tipo de sihlação a ser examinada no próximo ciam a vida sendo totalmente dependentes dos pais, a auto-
capíh!lo. Nas relações de autoridade, as situações arquetí- ridade destes, no princípio a fonte de todas as gratificações,
picas são aquelas nas quais o governante não realiza seu provavelmente terá um componente lnuito benigno. A auto-
trabalho (e mais raramente o trabalho dela) de forma ade- ridade paterna deverá também abranger o conjunto das ati-
quada, isto é, não provê a segurança, ou busca apenas a vidades diárias de uma criança: as formas e horários de
vantagem pessoal em detrimento da ordem social. alimentação, a excreção, a diversão e o sono. A autoridade
Antes de avançar para uma análise um pouco mais de- funcionalmente específica, isto é, a autoridade limitada a
talhada, alguns comentários adicionais se fazem necessá- uma esfera específica da vida, é algo que a criança encontra
rios, à guisa de qualificação e esclarecimento. Os sentimen- mais tarde, quando encontra. Na verdade, é somente em
tos populares não são inclinados a sustentar governantes alguns aspectos da vida industrial moderna que esta forma
com estrita responsabilidade. Quando. mais não seja, há de autoridade foi desenvolvida em um alto grau." Hoje em
uma tendência perceptível a ver com maus olhos e a descon- dia, a autoridade do patrão sobre o empregado é cada vez
fiar da autoridade que governa excessivamente de acordo mais confinada estritamente às horas de trabalho e ao com-
com as regras. 15 A imagem positiva da autoridade é mais portamento relacionado ao trabalho; em muitos casos, tal
autoridade produz a indignação moral quando se estende
ao corte de cabelo, ao modo de vestir (que pode refletir uma
mostra Eric J. Hobsbawm em Rebeldes Primitivos, o bandido que conquista .al-
gum apoio local o·faz contra uma autoridade caprichosa e frágil. Na medida em intromissão da sexualidade na esfera formalmente desse-
que um líder político, atuando numa situação caótica, organiza seus próprios xualizada das relações de trabalho) e, obviamente, à cor da
bandos armados, ele com certeza atemoriza parcialmente a população para dar M

pele e. às crenças religiosas. Todavia, esta tendência racio-


lhe apoio. Grande parcela do apoio revolucionário por parte do "povo" é, em sín-
tese, o resultado de.mera intimidação. Mas o programa revolucionário pode fazer nalista e individualista em direção à autonomia pessoal se
uma enorme diferença, ao conquistar o apoio popular, quando os seus competi- defronta com poderosos impulsos derivados da experiência
dores são muito mais tirânicos. da infância, a demanda de autoridade completamente en-
(14) As redes.de autoridade locais, seja do ancien régime, -seja da revolu-
ção, entretanto, geralmente conseguiram manter-se precariamente até que a nova volvente e da segurança que esta autoridade supostamente
ordem se estabelecesse.
(15) Parece haver fundamento na tese de que o I-lomo sapiens é essencial-
mente um anarquista ou, no mínimo, um liberal da velha escola. Até mesmo onde
a autoridade parece ser completamente legítima e aceita, é provável que haja al- (16) Para urna boa análise de um exemplo de autoridade paternalista di-
gum sinal de desconfiança e hostilidade. Os barotses, de acordo com Gluckman, fundida ver J. J. Maquet, The Premise of IlIequality in Ruanda, pp. 161-162, 168-
BarotseJurisprudence, p. 38, dizem que todo mundo adora um príncipe até que 169. A aceitação da desigualdade assegurou a paz interna por muitos anos. Em
ele é feito rei; então, todo mundo o odeia. A autoridade sempre implica algum tempos recentes, entretanto, o sistema sucumbiu a maciças chacinas efetuadas
grau de restrição e, portanto, de-frustração. Por outro lado, como notamos ante- pelos estratos dominantes, provavelmente devido aos efeitos provocados pelos
riormente, é também uma fonte de segurança. Assim, os homens sempre desejam usurpadores europeus e pela crescente ·competição por recursos. Os relatos apa-
a autoridade ao mes~o tempo que a rejeitam e desconfiam dela. recemem The.New York Times, 31 de maioe 6 de junho de 1973.
-~_f~~'
.•,1'"

.48 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...


INJUSTIÇA 49
provê. Se tal demanda de uma autoridade difusa e paterna-
lista origina-se da experiência da infância, isso ajudaria a ~
Podemos tratar agora de violações específicas do con-
explicar por que é amiúde tãó terrivelmente difícil para os 1 trato social. As negligências no dever de proteção por parte
seres humanos acreditar que a autoridade vigente é Intrin- U
~
das autoridades constituem um caso óbvio e não devem de-
secamente cruel e maligna, como no exemplo de Jó ou do •1 ter-nos por mais tempo. A traição por parte dos súditos é
comportamento de muitas vítimas do tenor stalinista. Há uma outra violação, e pode ocorrer sob qualquer forma de
com certeza considerável variação nesses fatos, que não i conflito, dos atos diretamente militares à "sedição" dos lí-
pode ser explicada em sua totalidade pelas diferentes expe- ~ deres sindicais - suposta ou real - nos conflitos econômi-
riência.s infantis. Para o momento, devemos apenas ter.em
devida conta uma tendência humana generalizada para in-
terpretar as cláusulas do contrato social implícito, em bene-
ficio dos governantes, bem como algumas das razões dessa
I
~
cos modernos. Quando severa, e há certamente todo tipo de
gradações, a penalidade para o governante é a privação do
direito de governar e, para o súdito, dos direitos de parti-
cipação na sociedade - se não for pior. Não existem razões
tendência..
I~ para invectivar o sentido de injustiça que isso provoca. Os
Se essas observações bastante genéricas nos ajudam a rebeldes chineses sob os Sung.recorriam ao pagamento de
avançar um pouco no percurso da compreensão das tendên- tributos aos bárbaros num esforço para desacreditar a di-
cias plebéias e populares conservadoras, que dizer da res-
posta contrária - a que imfoca o comportamento dos supe-
riores como injusto e passível de oposição? A obediência
implica o controle dos impulsos, e é uma hipótese de traba-
lho razoável que o controle dos impulsos sempre .envolva al-
gum grau de desagrado e, em casos mais severos, uma dor
I
~
I
4
nastia, de uma forma que seria perfeitamente inteligível na
sociedade ocidental. De modo mais geral, os governantes
que não podem proteger a sua prÓpria sociedade, cujos in-
sncessos na guerra os desacreditam, são passíveis de priva-
ção do direito de goYernar. Em várias ocasiões os reveses
militares ou a simp.les incompetência militar· constituíram o
real. É uma previsão segura que formas menos importantes
de subversão podem ser encontradas nas formas mais plá-
.1!1 prelúdio de irrupções revolucionárias.
As conseqüências são mais variadas e complexas nos
cidas de autoridade humana. A situação geral se refere *~ casos de fracasso ou incapacidade dos governantes para
àquela em que existem limites à autoridade, além dos quais i,·
~{
controlar seus próprios instrumentos de poder, bem como
os atos da autoridade parecenl caprichosos, opressivos e in- de mau-uso de!l.berado destes. Pode-se afirmar, com razoá-
justos. As atitudes populares face à ·autoridadesão com:· ) vel certeza, que nenhuma população deixa de externar res-
preensivelmente carregadas de ambivalência e em muitas i sentimento e indignação face a atos de pilhagem praticados
culturas (não em todasl, há evidências no sentido de uma
poderosa tendência oculta de igualitarismo, resistência e ~··. ·I por suas próprias tropas, outro tema recorrente nas rebe-
liões chinesas. Isso não quer dizer, contudo, que tais pilha-
suspeita diante de todas as formas de subordinação de um 1.• gens produzam sempre uma forte reação. Ela foi surpreen-
homem a outro. 17 1 dentemente limitada diante de todo o abuso e brutalidade
~L.I·
1
da Guerra dos Trinta Anos na Europa. Da mesma forma, o
sentimento de que aqueles que detêm a autoridade não de-
(17) o manifesto de outro rebelde chinês sintetiza com precisão as deman- I vem punir seus súditos, exceto em casos de crime definido,
parece bastante difundido. Ele também ocorre na China,
das de muitas populações Rré-industriais: "Li Tzu-cheng não mata, não gosta da
riqueza; não insulta as mulheres. não saqueia; ele comprarâ e venderá de fürma
justa e libertará o povo dos impostos; distribuirá o dinheiro dos ricos entre o
povo". Como salienta Shih, que cita esta passagcJ.ll em Rebel Ideo.logies, p. 208,
I4 bem como no Ocidente. Por outro lado, como todos sabem,
a punição arbitrária ocorreu em extensa esc~la, não apenas
ê fácil imaginar por que o governo Ming achou tão difícil enfrentá-lo.
1 nas ditaduras modernas e em seus campos de concentração.
Embora o medo e o desamparo possam explicar a ausência
~al
·1'.·
~
.~.
INJUSTIÇA 51
50 o SE~lTIDO DE INJUSTIÇA ...

de resistência aberta, precisamos compreender mais clara- altura de nossa investigação, o tema principal é saber se há
mente que fatores produzem tais sentimentos. O terror padrões comuns reconhecíveis, subjacentes a essa oposição.
aberto e esmagador em mãos das autoridades não parece De imediato, parece improvável que uma pessoa deva ter
ser uma explicaç1i.o suficiente do porquê de os seres huma- crescido na tradição greco-judaica ou sofrido a influência
nos em situações como essas empreenderem, de tempos em do direito romano para se sentir vítima de tratamento in-
tempos, atos de resistência objetivamente desesperados. justo. O tema comum nas concepções de tratamento in-
Para o momento, entretanto, esses temas não nos dizem justo, eu sugiro, é a violação da reciprocidade. A autori-
respeito. O ponto a ser destacado é que, apesar de uma dade obtém uma vantagem, causa dano ao individuo, sem
ampla gama no grau de sensibilidade, toda cultura parece qualquer justificativa real em termos de ganhOS· para a so-
dispor de alguma definição de crueldade arbitrária por par- ciedade em seu conjunto. Quando David, a fim de tomar
Betsabá como esposa, mandou o esposo dela para a morte
te dos detentores da autoridade.
O emprego indevido dos instrumentos de violência dos certa, ele se tornou o paradigma dessa situação, decorrendo
governantes contra os seus próprios súditos é uma violação dai, possivelmente, uma das razões de sua fama. Mesmo se
extrema da obrigação de manter a paz. Uma parte essencial a forma parecer mais abstrata e menos dramática, é fácil·
dessa obrigação, como vimos, consiste na composição das reconhecer os mesmos elementos essenciais nas denúncias
disputas entre os súditos. Tal obrigação, que inclui a admi- dos rebeldes chineses de que altos ministros usavam seus
nistração da justiça, mas é mais ampla, na medida em que postos para perSeguir inimigos e favorecer seus parentes,
se estende muito além dos arranjos formais comumente as- enquanto o crime continuava impune devido a relações
sociados ao termo, constitui pade da autoridade legitima pessoais. 19
onde quer que exista. Uma tarefa normal de um chefe de Uma violação similar ocorre quando os governantes
seção na indústria, um oficial não-comissionado nos servi- impõem severas privações materiais à população, com pro-
ços militares ou um administrador em qualquer hierarquia pósitos que esta não aceita, geralmente porque tais propó-
burocrática é pôr em ordem os desacordos e atritos entre os sitos estão distantes de sua própria maneira de viver e de
subordinados. De modo mais geraI, o direito de intervir em seus interesses. Uma rebelião chinesa, sob o governo Sung,
disputas é uma das prerrogativas da autoridade mais avida- mencionada atrás em outra relação, enconirou sua justifi-
mente ansiadas e mais zelosamente mantidas, seja no que cação dada a intolerável miséria imposta pelos esforços dos
governantes para obter, a qualquer custo, certas ervas e pe-
tange à burocracia, seja de outra maneira.
Há uma tendência constante naqueles que detêm a au- dras raras. 20 Um relato chinês hostil sobre a rebelião regis-
toridade no sentido de distorcer tal processo em benefício tra um episódio que tem a marca da universalidade:
próprio, e uma propensão correspondente por parte dos sú-
ditos a resistir, evadir-se qu se opor à autoridade.18 Nesta
recuSOU a indenização e tentou matar o culpado. Nesta altura, o rei ordenou a
execução do pai da vítima que, entretanto, conseguiu fugir. Pace Durkheim. não
é de modo algum verdadeiro que a reação de indignação moral sirva para restau~
(18) Uma fonte dessa oposição, especialmente nas sociedades estratifica- rar a ordem social. Deve~se ter em conta que tipo de ordem está em jogo. Em
das, é ~l tendência dos grupos sujeitos a uma autoridade mais elevada no sentido geral, parece que os esforços de grupos subordinados, para elaborar suas próprias
de perpetuar modos tradicionais de tratar as suas próprias disputas, bem como de leis. a fim de solucionar as disputas internas. representam tentativas de manter
desenvolver novos tuodas. Glucktnan, Barotse Jurisprudence, p. '21.2, apresenta algum grau de independência em relaçf\O à autoridade superior.
um exemplo claro que mostra co"mo tal interferência pode produzir indignação. (19) Shih, Rebel ldeologies. p. 197.
Num caso de assassinato, o rei barotse interveio, ordenando à família do mortu (20) Shih, Rebel ldeologies, p. 179.
que aceitasse indenizaçflO, pois o assassinato tinha sido acidental. O pai do mmto

------"- --.---
;I";~r'"·' '

52
;F,~ INJUSTIÇA 53
o SENTIDO DE INJUSTIÇA, .. }~!:;
\.~f~;:'

(Fang-La, líder da rebelião) tirando vantagem dos


(sentimentos) das pessoas que sofriam o intolerável, reuniu
:~~~: jeto inamovível da recusa de "Y" a tal vontade. Na fórmula
apresentada, o "X" e o "Y" podem valer, seja para os' go-

i~
então secretamente os desvalidos, os empobrecidos e os de- vernantes, seja para os governados. Na China anterior ao
socupados e deu-lhes esmola para conquistá-los. Quando século XX as denúncias de corrupção e suborno consti-
estava seguro de seu apoio, fez abater bois e coar vinho e tuíam temas recorrentes nas rebeliões. Nas cidades norte-
~f
convocou mais de uma centena dos mais perversos deles americanas do século XIX, sob a lei do patrão, o suborno
para uma festa. Após algumas rodadas de vinho, La levan- era um recurso por meio do qual as classes baixas e os imi-
tou-se e disse: "Basicamente, há um princípio fundamen-
taI, único, com relação ao Estado e à família. Suponham '~i: grantes mitigavam os rigores da lei. Era uma arma em sua
que os jovens devessem arar e tecer, rnourejando durante o ..~ mão, em vez de um instrumento frente ao qual eles deves-
ano todo e, quando tivessem algum cereal e tecido acumu- sem indignar-se. O suborno foi denominado o substituto

I
lados, os mais velhos tomassem tudo o que havia e o dissi- americano da luta de classes.22 No mundo em geral, os go-
passem, além de açoitá-los pelO" mínimo crime, não mos- vernos razoavelmente honestos constituem inovação histó-
trando nenhuma clemência em torturá-los, mesmo até à rica relativamente recente. Al?sim, embora as atitudes mo-
morte. Vocês gostariam disso?" rais quanto ao suborno e aos que participam dele variem
,~,
uÉ certo que não", responderam todos. 21 amplamente no tempo e no espaço (tanto do ponto de vista
~~
-\.:~
,{~
social como geográfico) parece haver um núcleo comum de
atitudes negativas diante dele.
A marca da universalidade vem do fato de que é prová-
vel que qualquer parcela de súditos tenha certas idéias sobre '~ Para concluir esta parte da análise, levantarei mais
as tarefas e obrigações próprias 'dos governantes, bem como '. m'~! lima questão geral. Os seres humanos têm comumente o
os propósitos adequados da autoridade, cuja flagrante vio- sentimento de que certas formas de punição são injustas?
~~í
lação produziria um sentimento de indignação moral e in- .'~f. Podemos definir uma punição injusta como sendo aquela
justiça. r~ que suscita reação imediata, seja porque ela é imerecida,
Um comentário complementar sobre as atitudes popu- ',':~~, seja porque é excessivamente severa ou cruel, ou por al-
lares face a uma forma especial de malversação de recursos: ·.JR guma combinação das duas razões. A luz da variedade, da
o suborno. O dicionário define suborno como um presente ';~
o.
ingenuidade e da crueldade que os homens demonstraram
ao punir e torturar uns aos outros, pode parecer, à primeira

~!'li
ou promessa de recompensa, a fim de corromper o julga-
mento ou a conduta. Como tal, ele provavelmente existe em vista, estranho que possa existir algo remotamente seme-
todas as sociedades humanas, incluindo as não letradas, lhante a uma concepção universal de punição injusta. Mas
que não dispõem de instituições políticas, uma vez que to- há motivo para defender que essa variedade possa ser redu-
'í{
das aquelas têm normas morais cuja existência implica al- zida a alguns princípios simples, embora relacionados.
"
gum ponto na administração de julgamento contra a von- '~i' Desta vez, será melhor iniciar com um exemplo con-

li
tade de um nlembro da sociedade. Aqui, mais uma vez, a creto e, a partir dele, generalizar. Entre os papuas de Ka-
investigação e a reflexão apresentam ambivalências revela-
doras. O suborno é uma forma moralmente desaprovada de
reconciliar a força irresistível da vontade de "X" com o ob- (22) Talvez este aspecto tenha sido tratado de forma romântica. Na essên·

I da do exemplo, o suborno deve ter assumido a forma da extração de pequenas


!1,

somas dos pobres para pequenos favores, tais como a garantia de licenças para

"~,n.i ambulantes ou a tolerância frente a violações menores na lei.- Essa espécie de


suborno assemelha-se à extorsão dos extremamente pobres por parte dos razoa~

.11~
(21) Shih, Rebel Ideplogies, p. 183. velmente pobres, um arranjo que poupava a plutocracia do problema de governar .

.•

;<lIi
-,~-
54 o SENTIDO DE INJUS'I1ÇA ...
INJUSTIÇA 55
pauku, a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa, se-
gundo pen.saXll, é colocarem-na num cárcere do hOmClTI Tais sentimentos são muito generalizados. As punições
branco. Interrogado por um astuto antropólogo sobre o que descartadas variam de acordo com as distintas concepções
havia de errado com a cadeia, um nativo respondeu que de humanidade. Em muitas sociedades com sistemas de
numa prisão a substância vital do homem se deteriora e ele classe e de casta, existem sistemas codificados de punição
morre. apropriados a cada casta ou classe, porque cada nível é visto
como representando um grau ou forma diferente de huma-
"Nós costunlávamos matar apenas as pessoas más e
nidade. Em geral, quanto menos "humana" a vítima, mais
agora Ulll indivíduo pode ir para a prisão simplesmente por-
cruel e dolorosa a punição justificável. As classes superiores
que rouba ou luta na guerra. Se alguém é ferido por uma representam a "verdadeira" humanidade, enquanto as infe-
seta, pode morrer, mas na prisão tem-se de sofrer antes da riores, como os escravos, são as mais afastadas. Esses có-
morte. Deve-se ficar num único lugar e trabalhar quando digos também regulamentam e punem o comportamento
não se quer. A prisão é realmente o que há de pior. Os seres agressivo entre indivíduos de estratos diferentes, infligindo
humanos não deviam agir assim. É muito imoral" .23 pesados c.astigos aos membros dos estratos mais baixos e
penalidades leves'para o contrário. A crueldade dirigida às
camadas inferiores encontra sua justificação no argumento
A partir de outras abundantes evidências apresentadas de que não são, em certo sentido, seres realmente humanos.
por esse antropólogo, que aprendeu a linguagem deles e Princípios similares são válidos também para a guerra.
tornou-se um membro aceito de sua comunidade, fica claro Onde o inimigo é definido como de alguma forma inumano
que a essência da humanidade, para os papuas de Kapau- ou inferior, as crueldades mais severas podem parecer mo-
ku, é a autonomia, a independência, a liberdade e a opor- ralmente justificadas e não despertar reação. Os códigos
tunidade de adquirir riqueza e influência. Qualquer restri- aristocráticos, por sua vez, podem definir, ao menos, os lí-
ção severa a essa independência, como a prisão do h01nem deres de seus inimigos como companheiros aristocratas que
branco, parece-lhes uma violação de tal humanidade. devem, até onde for possível, ser poupados. Homero des-
Na gama das concepções conhecidas de humanidade, creve o comportamento de Aquiles ao arrastar o corpo de
. os papuas de Kapauku, tal como os capitalistas norte- Heitor através da poeira, diante dos muros de Tróia, como
americanos do século XIX, são provavelmente algo extrec um ato repulsivo que é conseqüência de sua cólera pela
mo, com sua ênfase nas qualidades individuais em detri- morte de Pãtroclo, seu mais próximo camarada. Em nossa
mento das coletivas. Para o tema em questão isso é irrele- própria época, indivíduos moralmente sensíveis indignam-
vante. O aspecto instrutivo e revelador desse exemplo é a se e reagem diante das crueldades infligidas pelas tropas
estreita relação entre uma concepção específica de humani- norte-americanas ou pelos tribunais e prisões deste país às
dade e a condenação à injustiça de certas formas de puni- populações pobres ou negras, pois tornou-se generalizada a
ção, condenação que, se violada, produz a indignação mo- concepção de que todos os seres humanos compartilham
ral. Nessa sociedade há certas punições que não se deve algumas qualidades essenciais.
infligir a outro ser humano por serem demasiado dolorosas As razões para a variação das definições sociais do que
e degradantes. é e não é humano, e para as numerosas gradações entre
uma e outra, são demasiado complexas e sofrivelmente
compreendidas para que se tente revelá-las. É suficiente su-
(23) Pospisil, Kapauku Papuans, p. 77. gerir que a maioria -. talvez, todas as sociedades humanas
- possui alguma definição que reflete a sua ordem social
;::u·
~~.
INJUSTIÇA 57
o SENTIDO DE INJUSTIÇA".
'11'
';l~
,56

:W; prio grupo subordinado, como no caso do trabalhador, que


particular e que o caráter dessa definição estabelece limites é um "derrubador de ritmos" e excede as normas formais
às formas e especialmente à severidade da punição que os ·~1 de proqução.)
membros de tal sociedade sustentam ser moralmente ade- '~~ Na Inglaterra, durante o século XVI, oS, camponeses,
ift~
quadas. Mais uma vez, é necessário salientar que os limites 0~' amiúde, iravam-se porque os seUS senhores quebravam os
são passíveis de superação, e que, numa sociedade ampla, . i}·
costumes do domínio e desafiavam antigos direitos. Entre
mais de uma definição pode existir. Não obstante, a trans-
gressão desses limites provavelmente produzirá uma reação
de indignação moral e um sentido de injustiça.'
Saber se uma punição particular é merecida ou ime-
I
-~~
os moradores das cidades, durante os séculos XVIII e XIX,
havia muita agitação à medida que os artífices percebiam
no avanço da indústria capitalista um ataque aos seus direi-

~~
tos e privilégios tradicionais. Uma vez que toda sociedade
recida não é a mesma coisa que saber se ela é ou não cruel, que não seja absohitamente estática deverá, por definição,
desumana ou excessiva, embora os ocidentais modernos ,*\;
exibir leis em constante transformação, não há nesta altura
provavelmente aplicassem o termo injusto em ambas as ins- ~ muito a ganhar com o acréscimo de exemplos mais recôn-
tâncias. As pessoas sujeitas à autoridade podem aceitar
uma determinada lei e acreditar que a puniçã,o por sua vio-
;1:, ditos de outras épocas e culturas. Para o momento, é sufi-
ciente sugerir que, na ausência de mecanismos contrários,
lação é merecida enquanto, ao mesmo tempo, encaram completamente poderosos, ocorrerá uma reação que pode-
uma forma específica de punição como algo que um ser
humano não deveria infligir a outro. Ou então, podem re- /1,,,
"*i~
mos reconhecer como sendo um julgamento de injustiça so-
cial sempre que uma punição (1) viole a concepção predo-
jeitar a própria lei. ' '
~"
',-' minante do que é ou deve ser um ser humano; (2) viole uma
E possível distinguir duas formas básicas da última si-
,~

\;~

11 lei ou norma aceita pelos súditos da autoridade que inflige a


tuação. Ou a autoridade impõe punição à violação de uma
~! punição; ou, ao contrário, (3) tenha lugar de acordo com
lei ou norma que é aceita pelos que estão sujeitos à autori-' uma lei ou norma que os súditos da autoridade passaram a
dade, ou ela impõe punição de acordo com uma lei que não
é mais totalmente aceita pelos súditos. Basicamente, ambas
as situações fazem parte do pôr-à-prova contínuo do con-
a
.;~
ver como não mais válida ou efetiva. Se o raciocínio que
acabamos de esboçar estiver córreto, podemos concluir que
'~
toda: sociedade humana dispõe realmente de uma concep-
trato social implícito ou explicito, que tem lugar onde quer ção de punição injusta e de um modo específico de decidir
"1

i~l
que exista autoridade. Como esse processo' opera todo o por que' a punição é injusta.
tempo e, é familiar ao mais ocasional dos observadores ou u.
'~~
participantes das relações humanas; não há necessidade de II
maior discussão. Uma vez que os detentores da autoridade ~I A divisão do trabalho
raramente podem controlar todos os aspectos da maneira
como uma tarefa é cumprida, OS subordinados elaboram ·'1:'
.i" Toda sociedade humana conhecida apresenta uma di-
suas próprias práticas que, com o passar do tempo, adqui- '.'.-
'j visão do trabalho. Em algumas sociedades não letradas a
rem a autoridade moral do precedente. Um desafio à auto- .~,
divisão é basicamente entre os sexos, com muito pouca es-

I
ridade moral do precedente, às formas costumeiras de com-
portamento que os subordinados criaram para proteger ~""
,.," pecialização ao longo das linhas ocupacionais. Até aqui é
possível aprender de' muitos livros didáticos de antropologia
seus próprios interesses vis-à-vis dos superiores, bem como ,~ e .sociologia. Embora seja improvável que estes acrescentem
a integridade de seu próprio grupo social, produziram ge- que em nenhuma sociedade humana a divisão dó trabalho é
ralmente uma reação de indignação moral. (Isso é válido
também quando o desafio provém de um membro do pró- '~I'
,'~

.~
completamente, satisfatória para todos os seus membros,

,~I "
~
INJUSTIÇA 59
58 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
denote a aceitação de obrigações recíprocas por agentes hu-
parece seguro, acredito, tomar essa proposição como mais manoS livres e racionais. Segundo tal avaliação, a escravi-
um ponto de partida para a análise. lvIesmo numa socie- . dão, em suas formas mais severas, nas minas e nos carnpos,
dade não letrada, com uma economia muito simples e re- pertenceria ao grau inferior da escala. A pura compulsão é
cursos abundantes, nem todas as tarefas são igualmente o aspecto esmagador dessa relação. Não há um grau 1111.lÍto
atrativas durante todo o tempo. Em economias mais com- menor de compulsão onde uma pessoa se defronta com a
plexas, é certo, as diferenças tornam-se mais notáveis. As- opção entre morrer de fonle ou empregar-se por salários
sim, na divisão do trabalho, tal como nos sistemas de auto- muito baixos em jornadas exaustivas, a situação clássica,
ridade, defrontamo-nos outra vez com um contrato social pelo menos em algumas fábricas do início do século XIX na
implícito, sujeito à prova e à renegociação perpétuas. Inglaterra, ou nas fazendas de algodão norte-americanas,
Tal contrato social serve para regulamentar um con- após o fim da escravidão. Na maior parte do setor economi-
flito inerente e inevitável, cüja intensidade, entretanto, va- camente mais atrasado do mundo, atualmente, a situação é
ria amplamente no tempo e no espaço. Trata-se de um con- semelhante, mas há na verdade uma diferença importante:
flito entre (1) as exigências e demandas do trabalhador in- existe alguma possibilidade de escapar, através ~o mercado
dividual ou da unidade familiar com relação à alimentação, de trabalho e da migração. Voltando no tempo, até a Gré.
à vestimenta, ao abrigo e à participação nas amenidades e cia antiga, poderíamos situar na parte superior da escala, a
prazeres da vida; (2) as necessidades da sociedade em seu situação de um homem como Eumaios, o guardador de por-
conjunto;2. (3) as demandas e exigências dos grupos ou cos que dá as boas-vindas a Ulisses, em seu retorno de Ítaca
indivíduos dominantes. sÇlb o disfarce de um mendigo. Homero descreve Eumaios
Não existe" apenas um conflito de interesses entre o como executor de uma função responsável, orgulhoso de seu
indivíduo e as exigências da ordem social adicionadas às da senhor e totalmente identificado com o interesse de seu amo.
classe dominante. Há também um certo grau de harmonia, No mundo de" hoje, a situação do trabalhador altamente
sem o que é improvável que o contrato social funcione. Com especializado é similar, exceto pelo fato de que a identifica-
efeito, alguns dos instrumentos sociais mais eficazes são ção e o orgulho derivam primordialmente da função em si.
aqueles através dos quais a sociedade mais ampla procura Por trás de tais variações e permutações, é possível de-"
fazer com que os indivíduos moldem "e definam seus pró- tectar certas caracteristicas recorrentes. Há um padrão no
prios interesses de tal maneira que se tornem congruentes modo pelo qual sociedades amplamente separadas no tem-
com a ordem social; que aceitem com prazer sua parte na po e no espaço avaliam diferentes tipos de trabalho.
barganha do contrato social, quando as compensações dire- Os altos funcionários políticos, religiosos e militares
tamente materiais são muito frágeis. alinham-se próximo ao topo em todas as sociedades estrati-
Ê possível dispor as principais formas conhecidas de ficadas da Europa e da Ãsia, e também em diversas socie-
contrato social para a regulamentação da divisão de traba- dades estratificadas não letradas do Novo Mundo e da Ãfri-
lho numa escala.aproximanda, de acordo com o grau de ca, tais como os incas e os daomeanos. O poder econômico
compulsão e persuasão inerente ao .arranjo. Presumivel- também traz em geral alto status, embora com mais relu-
mente, quanto maior o grau de compulsão, menor o suces- tância em alguns casos, como a China imperial. Nas socie-
so do acordo, menor o teor de um contrato genuíno, que dades pré-industriais, em geral, a riqueza é principalmente
um subproduto da alta posição derivada de outras ativida-
des políticas, religiosas e, algumas vezes, militares. Embora
(24) Para as dificuldades quanto ao emprego deste termo, ver acima, pp. as revoluções· comercial e industrial tenham feito muito no
9-14.
60 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...

sentido de reverter a relação, durante o século XX existiu


'~' INJUSTIÇA 61

f;/;
uma forte tendência para que a antiga relação se reafirmas- 'ik" numa extensa série de sociedades e não houve o mínimo
se outra vez. O que há de comum em todas essas funções ,··,f}.i grau de concordância "voluntária". No capítulo seguinte,

~f
positivamente valorizadas é, em primeiro lugar, o controle analisaremos uma forma extrema de concorditncia "volun-
- primordial, mas não exclusivamente, das atividades de tária", a dos chamados intocáveis, no sistema de castas
outros seres humanos - e, em menor extensão, as capaci- hindu, num esforço para apreender mais claramente que
dades·, sobretudo as mentais.
As tarefas e funções sociais negativamente avaliadas
diferem dessas no sentido em que envolvem (1) ausência de
I
-tí;i;
fatores produzem tal aquiescência. Corno já apontamos, a
descoberta de um único exemplo no qual a concordância
fosse verdadeiramente voluntária invalidaria a hipótese. Se-
controle sobre outros seres humanos e, no' lugar dele, su- :.~~Y ria possível' pressupor a concordância voluntária genuína
bordinação; (2) ausência de habilidades, exceto as capaci- \~~. somente onde não existisse nenhuma indicação de resistên-
,~'~"',

I
dades manuais mais rudimentares e fáceis de adquirir; cia à execução dessas tarefas, e onde não houvesse indícios
(3) trabalho árduo, ou seja, repetitivo e, portanto, desinte- de que a socialização de pessoas que quisessem assumi-las
ressante, além de fisicamente penoso; (4) em vários casos, implicasse dor para esses indivíduos.
trabalho que exige contato com excremento, podridão, su- Dois outros aspectos da divisão do trabalho são capa-
jeira e morte. Para uma pessoa de condição social elevada, zes de despertar a indignação moral e um sentido de injus-
o desempenho de tais funções constitui geralmente uma ta-
refa degradante ou um violento insulto. Unicamente quan-
do a punição é considerada justa - em outras palavras,
quando essa pessoa já sofreu degradação e aceita a respon-
sabilidade pelo ato que a provocou - não ocorrerá a pro-
i tiça social. Eles parecem ser universais, ou quase isso: tra-
ta-se das concepções de propriedade e das sanções aos in-
dolentes. Em toda sociedade, é necessário que haja algum
tipo de relação entre os seres humanos, com o fim de regu-
lar o seu acesso e uso dos meios de produção, isto é, a terra

I
vável manifestação de alguma "forma de indignação moral, e outros recursos naturais, além dos instrumentos ou outros
de ofendida arete (ou sentido inato da excelência própria); meios físicos de trabalho." Parece certo que nenhuma das
Este tipo de circunstância parece relativamente sem pro- relações até hoje criadas foi completamente satisfatória pa-
blemas. E com relação às pessoas das posições inIeriores, ra todas as pessoas envolvidas, e que algum grau de conflito
.':~
qual nossa principal preocupação neste estudo? Têm elas a sempre esteve pl"eSente em todas elas. Por sua vez, a viola-
sua própria versão de arete ? íi
:S~~
Considero que a ira, ou ao menos o descontentamento, ;)~ (25) Os modernos antropólogos estão inclinados a desconsiderar o signi-
está aí latente, quando não francamente manifesta, po- ~-j1
ficado dos direitos de propriedad,e entre os P.o~os não letrados, com o argumento
dendo assim ser apresentada tal hipótese. Nas avaliações ·.:t~ de que, nas sociedades simples, a terra, os alimentos, a água, as ferramentas, os
ornamentos, quase tudo, na verdade, é, como salie:nta Morton Fried, "imedia-
negativas (e positivas) das diferentes tarefas é possível su-.
por um reflexo da natureza humana inata: que ninguém I tamente acessível a todos, seja de tal forma móvel a ponto de prevenir problemas

i.' I~
de posse. Igualmente clara é a prevenção do furto .... Na realidade, numa socie-
realmente deseje executar tais tarefas, que essas funções dade igualitária simples, tomar alguma coisa antes que ela seja oferecida é um ato
constituam uma violação de algum sentido inato que os se- mais aparentado à rudeza que ao furto". Ver Fried, The Evolution of Political
/": Society, pp_ 74-75. Tal afirmativa, embora apoiada por alguma evidência, parece
res humanos possuem com relação ao que pretendem ser. O 'i!< ser exagerada. Cf. Gluckman, Barotse Jurísprudellce, pp. 151, 162, 163, sobre os
motivo central de tal suspeita é que os seres humanos geral- ~ direitos de propriedade e as relações de status na sociedade dos barotses. Numa

:I~
mente evitam. essas funções, quando podem, e apenas as ampla coleção de exemplos variados apresentada por Edward Westermarck, um
dos remanes.centes da escola evolucionista de antropólogos, há divers·os casos reti-
desempenham sob alguma forma de compulsão. Ao mesmo rados de sociedades simples onde é nítido que s.anções bastante severas, incluindo
tempo, tais funções têm sido "socialmente necessárias", '...•;";.' ,
em certos casos a morte, são atribuídas ao furto. contra membros da tribo. Ver.
. :~
Westermarck, The Origin and Developmellt ofthe Moral Ideais, 11, pp. 4-12.

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INJUSTIÇA 63
62 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...

ção de tais relações será provavelmente considerada injusta, parasita confirmados, o indivíduo que se recusa a fazer sua
despertando a ira e a indignação por parte dos grupos atin- parte nas tarefas comuns e que vive à custa do trabalho dos
gidos. Um ataque a esta relaç1í.o entre os seres humanos e os outros, constitui um modelo social negativo, se essa pessoa
meios ele p1"odução constitui um ataque à pessoa, seja ela é pobre. Isso é válido mesmo em sociedades como a dos
um indivíduo ou uma entidade coletiva, como a corporação lovedus, na África, que apresenta uma atitude nem tão
capitalista e o Estado socialista. O Estado socialista é, na compulsória frente ao trabalho quanto é possível imagi-
realidade, um ardente e primitivo defensor da propriedade nar. 26 A pessoa que é privada de sua propriedade por for-
- vale dizer, a propriedade socialista. ças sociais impessoais é amiúde a mais ávida por aplicar
Se limitarmos nossa atenção às classes inferiores, que severas sanções sociais contra os indolentes, ainda que tan-
obviamente possuem menores ·direitos de propriedade que to um como outro possam estar sofrendo o ataque do mes-
as elites (mesmo nas sociedades socialistas, na prática), en- mo conjunto de forças sociais impessoais. 27 Esse fato é ab- .
contraremos com bastante freqüência a noção de que todo solutamente compreensível: o pequeno proprietário, ou
indivíduo deve ter direitos de propriedade "suficientes" mesmo o empregado que trabalha furiosamente para ape-
para que desempenhe um papel "decente" na sociedade. gar-se a seu ofício (e a posse de um ofício é popularmente
Tanto "suficientes" como "decente" são definidos em ter- encarada como um direito de propriedade) temem e res-
mos tradicionais. Um camponês deve possuir terra sufi- sentem-se, ambos, da perspectivas de cair nas fileiras dos
ciente para sustentar uma família e possibilitar a seu chefe desenlpregados e, eventualmente, dos não empregáveis. As-
que desempenhe um papel respeitável na comunidade al- sociada à riqueza, ao contrário, a indolência pode ser um
deã; um artífice deve ter os direitos de propriedade sobre os objeto de inveja ou de moderada derrisão, quando não é
instrumentos de seu ofício e suficiente freguesia (ou fregue- simplesmente .ignorada.
ses, comQ se diz atualmente) para desempenhar o papel que Entre os papuas de Kapauku o caráter negativo está
lhe é designado na comunidade. Sempre que uma expansão bastante próximo de sua contraparte numa pequena comu-
nas relações comerciais ameaçou esse tipo de independên- nidade norte-americana do século XIX. Ele é o homem que
cia, isso resultou num irado senso de injustiça, em geral não trabalha, não cumpre suas obrigações econômicas e,
voltado contra os responsáveis. Os protestos de Hesíodo so- ainda por cima, viola os costumes sexuais. Um homem as-
bre os "julgamentos desonestos" têm ecoado através dos sim imprestável, na sociedade dos papuas, pode suscitar a
tempos. Tais protestos podem ser encontrados entre pe- violenta indignação moral da comunidade, a ponto de os
quenos negociantes e cultivudores empurrados contra a pa- "líderes" exigirem a pena de morte quando ele transgride
rede sob o peso da expansão capitalista, podendo assumir repetidamente. a mesma norma. 28 Á primeira vista, os es-
uma coloração de "direita" ou de "esquerda", conforme as quimós do norte do Alasca parecem muito diferentes. Ein
circunstâncias imediatas. É importante compreender que períodos de escassez de alimento, o caçador bem-sucedido e
essa ira tem implicações maiores do que o interesse direta- sua família podem passar fome pois, em sua generosidade,
mente material. Essas pessoas estão moralmente indigna-
das porque sentem que todo o seu modo de vida enfrenta
um ataque desleal. É desnecessário acrescentar que tal for- (26) Eileen J. Krige e J. O. Krige. 11le Realm of a Rain Queen: A Study of
ma de indignação moral nem sempre é politicamente efi- lhe Pattern of Lovedu Society, pp. 53-54, 284.
(27) Sobre essa situação e a sua recorrência sob formas diferentes em vá-
caz. Com bastante freqüência ela se esgota em fútil deses- rios pontos da história européia, ver Svend ltanulf, Moral Indignatioll and Middle
pero, conl ou sem elenlentos de ira. . Class Psychology.
(28) Ver o vívido relato em Pospisil. Kapauku Papuans, pp. 223-224.
Em todas as culturas, provavelmente, o preguiçoso e o
64 o SENTIDO DE INJUSTiÇA.,.
INJUSTIÇA 65
eles distribuem tudo o que têm em mão. Enquanto isso, os
preguiçosos e indolentes podem passar a vida à base de es- guma certo que os últimos determinem os primeiros, ainda
molas; Mas, para fazê-lo, devem desafiar abertamente a que os métodos de produção disponíveis possam estabelecer
opinião pública. Também aí, "o maior pecado era a indo- limites às possíveis formas de distribuição. No feudalismo
lência", e a dependência contínua dos outros era dolorosa e ocidental, por exemplo, a produção era organizada em tor-
degradante." Embora a gama de sanções co,ntra o' pregui- no de formas de assegurar um suprimento de bens e servi-
çoso seja bastante considerável, no meu liri'Htado conheci- ços para os guerreiros. Essa consideração governava a posse
mento, esses indivíduos jamais são modelos sociais positi- da terra e o seu cultivo e, através destes, muitos outros as-
'vos. Em lugares como a Índia, onde os mendigos consti- pectos da ordem social.
tuíam modelos socialmente aprovados, esperava-se que eles Com relação aos sistemas de distribuição, pode-se ge-
desempenhassem funções religiosas. Até mesmo as teorias e ralmente apresentar evidências 'que corroborem à existência
práticas igualitárias incluem alguma noção no sentido de dos dois princípios contraditórios que examinamos em co-
que todo indivíduo deve remar a sua parte no barco do Es- nexão com a divisão do trabalho. Um deles é a noção geral
tado ou, pelo menos, simulá-lo. de igualdade baseada no que a unidade de consumo neces-
Essa hostilidade geral aO indolente não refuta 'a: tese de sita: uma idéia de que toda pessoa ou família deve receber o
que comumente os homens não gostam do trabalho. Em vez "suficiente". O outro, é um princípio de desigualdade ba-
disso, ela reflete a necessidade universal de trabalhar, que seado em algum escalonamento do valor das diferentes ta-
caracterizou até agora a sociedade humana, e as maneiras refas e funções sociais. As tentativas de reconciliá-los assu-
pelas quais essa necessidade tem sido interiorizada até tor- 'mem a forma de noções de justiça distributiva nas quais a
nar-se parte da personalidade moral na maioria dos indi- , recompensa extraordinária provém do investimento extra
víduos. Uma das fontes mais poderosas de indignação mo- de esforço, habilidade ou alguma outra qualidade que o
ral é ver alguém escapar, impunemente, ao desrespeitar desempenho da tarefa requeira. Assim, ao final, alguma
uma regra moral que as pessoas fizeram dolorosos esforços concepção de igualdade, de equalização das coisas, acaba
para torná-la uma parte de seu próprio caráter. . por prevalecer. Mas antes de chegar a essa conclusão seria
:j -
útil destinar um exame mais acurado às formas de igual-
:c.,i. li::'
dade e desigualdade e suas justificações, bem como ao grau
.1;\, ,t.'y>' de aceitação popular de que dispõem. As violações de qual-
A distribuição 'de bens e serviços: quer uma delas podem ser uma fonte de ira moral, uma
as permutações de igualdade ruptura do contrato social.
As idéias e práticas igualitárias são passíveis de flores-
cer em situações onde o suprimento é precário, e qualquer
Em todas as socieda.des, os métodos yigentes,,',para a indivíduo está sujeito a enfrentar a escassez imprevisível..
aloca.ção de recursos, bem e serviços entre os seus'membros Os sistemas de racionamento das sociedades modernas são'
estão intimamente relacionados à divisão do trabalho e aos um exemplo. No outro extremo da escala tecnológica, as
métodos de produção predominantes. Não é de forma al- tribos que vivem da caça dispõem, com freqüência, de uma
regra segundo a qual a presa deve ser partilhada igualita-
riamente no seio de um grupo determinado. Por exemplo,
,entre os semais, uma tribo aborígine na Península Malaia,
(29)- Robert F. Spencer, The North Alaskan Eskimo, pp. 164-165 e 130-
131.142.155. ' o caçador bem-sucedido não recebe qualqner porção adi-
cional da presa, nem ao menos agradecimentos. O animal
,66 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 67

caçado é dividido em porções tão iguais quanto possível. 30 tuindo uma violação dos mais elevados direitos da comuni-
Embora a igualdade pareça ocorrer de forma tranqüila nes- dade. Entre outras coisas, essa crença ou sentimento subjaz
ta e noutras sociedades, este não é, de modo algum, sempre na hostilidade generalizada ao açambarcador ou especula-
o caso. Entre os sirionos, uma tribo da parte oriental da Bo- dor. Ela existe, de algum modo, em numerosas socieda-
lívia, com uma tecnologia de caça bastante pobre, a distri- des não letradas. 33 Ê provável que qualquer norte-ameri-
buição da carne é costumeiramente limitada à família am- cano que tenha andado desesperadamente pelas ruas à
pliada, po.is o suprimento. quase nunca é abundante. Ê co- busca de moradia e descobre uma casa ou um apartamento
mum que alguém se sinta lesado. Especialmente os homens vago, mantido fora do mercado, possa reconhecer tal senti-
acusam as mulheres de açambarcarem carne, de comê-la mento.
quando eles não estão por perto, ou de consumirem mais Tanto o tabu do cão na manjedoura como a regra me-
'que a sua porção. As discussões são. freqüentes, e quanto nos difundida da igualdade como forma de um seguro so-
maior é a presa, mais taciturno o caçador que retorna." cial geral contra o infortúnio dependem, para serem efica-
A igualdade faz bastante sentido como forma de segu- zes, da possibilidade de identificação com a pessoa que está
ro para o grupo. Todo caçador sabe que a caça é aleatória, em necessidade. Onde as circunstâncias sociais tornam tal
que um retorno de mãos vazias é bastante provável e, nesse identificação difícil ou improvável, como em certos aspectos
caso, é bom saber que é necessária outra fonte de supri- da relação senhor-escravo, o sentimerito é passível de fragi-
mento. Mas, como já vimos, esses arranjos são, amiúde, lidade ou inexistência. Neste sentido, Edmond Cahn parece
sujeitos ao rompimento.. Entre os maoris, onde ert;i costume correto quando salienta o significado da empatia para com
dividir o resultado da pesca, quando os pescadores arras- o 'senso de injustiça indignada. 34 O qtie faz do tabu do cão
tavam a rede na praia, durante a excitação geral o membros na manjedoura um fato tão aceito é que alguma forma de
po.bres da tribo inclinavam-se a deslizar algum peixe extra escassez é muito provável, de tempos em tempos, em quase
para as dobras das ro.upas. Os membros melhor situados todas as sociedades. Até mesmo indivíduos muito protegi-
da comunidade viam tal comportamento como vulgar e imo- dos, pertencentes às classes dominantes, podem, em algum
ral. Ê difícil imaginar uma ilustração mais vívida da perpé- momento de suas vidas, sofrer essa experiência."
tua renegociação do contrato social. 32
A igualdade como forma de seguro social exibe seme-
lhanças com um conjunto. bastante difundido de crenças e (33) Para alguns exemplos ver Raymond Firth, Primitive Economics of the
NelV Zealand Maori, p. 148; Firth, Polynesian Ecotlomy, p. 149; Krige e Krige,
práticas que podemos convenientemente agrupar sob o ró-
Rain Queen, p. 68. Pospisil, Kapauku Papuans, pp. 181-182, descreve um caso
tulo de "o tabu do cão na manjedoura". * A essência desse concreto, especialmente interessante, no qual os direitos de parentesco davam ao
tabu é a crença de que a retenção pessoal ou privada, sem detentor o direito de recusar a permissão de corte de uma árvore para a fabricação
utilização; de recursos cujo suprimento é escasso e dos de canoas. Mas o exercício real desse direito era considerado contrário à ética.
(34) Ver o seu artigo "Justice", Intematiollaj Encyclopedia of the Social
quais outros necessitam é de algum modo imoral, consti- Sciences, 1968, vaI. 8, pp. 346-347.
(35) O autor iniciou as reflexões que levaram a esle livro após presenciar
num porto da costa do Maine uma amarga altercação entre dois proprietáriOS de
(30) Dentam, The Semai. pp. 48A9. barcos de cruzeiro. Um capitão 'navegava em direçflo ao porto para reclamar seu
(31) Allan R. Holmberg, Nomads o/the Long Bow: The S/riono of Eastern .atracadouro - uma mercadoria em falta nesse porto - depois de tê-lo deixado
Bo/ú'ia, pp. 154 155.
4 sem 'uso e vago por um longo período, durante o qllal o outro iatista se apossara
(32) Ver Firth. Polynesiall Economy, pp. 285. dele. Somente após expressar vividamente o seu senso de injustiça o "posseiro"
(*) A expressão se refere a uma fábula de Esopo, na qual o cão impede um renunciou ao atracadouro. O sentimento local, até onde pude julgar, não favo-
boi de comer o feno que ele próprio não quer; aplica-se àquele que impede a ou- recia a propriedade privada no que de outro modo seria uma cidadela dessa
trem de utilizar o que para ele mesmo não tem uso. (N. T.) crença.
INJUST[ÇA 69
.68 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
lugar sem objeção aberta. Ela é simplesmente tomada como
Seria um erro manifesto sustentar que todas as formas garantida. Mas a ausência de objeção aberta não significa
de desperdício social despertem indignação moral. Em sua que a aceitação de desigualdades na distribuição seja entu-
obra mais famosa, A Teoria da Classe Ociosa, Veblen cha- siástica, ou mesmo voluntária. Há indícios de uma corrente
mou a atenção para uma variedade de formas de desperdí- subterrânea de resistência nas atitudes populares, até mes-
cio social por parte das classes superiores que aparente- mo frente aos brâmanes, beneficiários do que é talvez o mais
mente recebem aprovação geral. Na conhecida instituição antigo, menos coercitivo e melhor entrincheirado entre os
do potlatch, * há uma destruição deliberada da proprie- sistemas de desigualdade organizada no' mundo. Um pro-
dade valiosa, com o fim de validar o elevado status. O exem- vérbio hindu diz que há três tipos de sanguessugas na terra:

,
plo fundamental de Veblen era, evidentemente, os Estados
apulga, o percevejo e o bl·âmane. 31
Unidos, que dispunham de uma profusãode recursos para As desigualdades de riqueza são bastante comuns em
o desperdício. Também o potlatch ocorre numa área de sociedades não letradas e, onde elas ocorrem, são parte da
abundância. O tabu do cão na manjedoura aplica-se a re- ordem das coisas aceitas. Dapessoa detentora de riqueza
cursos escassos. Tal escassez é, em parte, matéria de defi- espera-se geralmente que desempenhe alguma função so-
nição social e, em parte, um fato objetivo totalmente inde- :~~;
cial útil e que seja o que podemos chamar de magnânima.
pendente da percepção social, é escusado dizer.
As justificações para a desigualdade geralmente re-
~~ Em vez de apresentar uma série de exemplos, será mais útil
sintetÍzar as evidências, a partir de uma que é especial-

I
pousam em alguma capacidade ou função especial que o mente reveladora. Entre os papuas de Kapauku, a aquisi-
grupo privilegiado possui e que é, supostamente, tanto es- ção de riqueza é um foco fundamental da atividade huma-
cassa como valiosa para a sociedade em seu conjunto. Tais na. Neste aspecto, eles constituem nm caso bastante inco-
capacidades e funções podem incluir a fabricação da chuva, mum, em se tratando de sociedades não letradas dotadas de
o trato com os deuses e os aspectos imprevisíveis e ameaça- iS~
f;~ uma tecnologia muito simples. Como já foi mencionado,
;~
dores do meio ambiente, ou podem assumir as formas mais eles são também tão individualistas quanto o melhor mo-
difundidas da Superioridade moral ·e mental presumivel- delo de homem econômico. A cooperação é mínima. "Duas
mente adequada à classe governante. Por essas razôes, o pessoas não podem trabalhar em conjunto porque têm ca-
estrato dominante reivindica o direito a uma parcela mais ,~i beças diferentes" é a sua justificativa para a propriedade
ampla, com freqüência a parte do leão, do que a sociedade ~~ privada. Mas uma vez que o capital foi acumulado (princi-
proditz. 36 Na maior parte do tempo, no que diz respeito à
experiência humana, essa extração de um excedente teve
~. palmente na forma de porcos), a obrigação social passa a
ser preponderante. "A única justificação para tornar-se ri-
,t'fk co é o fato de estar-se apto a redistribuir a propriedade acu-
-~; mulada entre os camaradas menos afortunados .... " A ge-
..';~~(,
'\l111.
(*) Festa dos índios norte-americanos, na costa noroeste, marcada pela nerosidade é o valor cultural mais elevado. Um homem que
pródiga distribuição de presentes que exigem reciprocidade. (N. T.) "'''.
·;>.:,t·
fracassa em viver de acordo com o ideal da generosidade
(36) Seria proveitoso dispor de estimativas mais precisas sobre a distribui-
ção do produto social num certo número de sociedades pré-industriais, se fosse ofende a comunidade e está sujeito ao ostracismo e ao boi-
possível elaborá-las. Suspeito que os resultados mostrarian uma proporção muito cote - e até mesmo à morte. Em casos especialmente fla-
mais ampla do produto social pré-industrial, fluindo para as mãos das classes
dominantes do que comumente pensamos, porque a maioria de nós assimilou as
modernas noçOes igualitárias. Ao estudar hist6ria agrária comparadâ, logo notei
que, praticamente, todos os especialistas em um país particular acreditavam que (37) L. s. s. O'Malley, Popular Hinduism: The Religiofl Df the Masses,
a propriedade ou controle efetivo da terra concentrava-se de forma incomum e p. 191. .
elevada no país sobre o qual eles escreveram.
';!llVi

iil~;~~~. "
70 o SÉNTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 71

grantes, a obrigação de matar o infrator recai, de preferên- tação apreciam, servem a um propósito que elas aprovam.
cia, sobre sell filho; irmão ou prilno paterno. 38 Se o propósito é aprovado, posso sugerir, então o fausto
J'.! O antropólogo Leopold Pospisil relata um exemplo de também o é. De outra forma, ocorre o contrário. Embora o
execução, onde os aldeãos persuadiram vários parentes a aparato possa até certo ponto criar aprovação, seu poder é
'j
matar um homem que não fora capaz de distribuir sua pro- limitado. Assim, à medida queo poderio inglês começou a
priedade em proporção. à sua fortuila. Ao filho, prome- perder autoridade na Índia, passou a ser necessário - ou
teram L\m porco e alguma caça pela sua participação no pelo menos parecia aconselhável - restringir a pompa das
. ato, 'efoi ele o pTimeiro a desferir as setas de ponta de bam- visitas reais inglesas. Tampouco pode um governo, mesmo
bu' contra o corpo do pai. Após a execuçli.o, os parentes er- um governo moderno, esconder os efeitos de derrotas mili-
gueram :um tablado para o corpo e esfregaram cinza e fuli- tares sérias com desfiles de vitória e arcos de triunfo. 40 A
gem em suas faces para expressar luto por seu gesto neces- outra condição parece ser alguma forma de identificação
sário. Para prevenir a vingança da sombra do morto, toma- vicária com a elite; as pessoas percebem o aparato como
ram a precaução de dormir durante duas noites na mata. uma manifestação de gl'andeza e realização de sua socieda-
Depois disso, mataram um dos porcos do morto e distri- de. 41 Aqui é necessária cautela, pois não há muita infor-
buíram a carne entre os presentes. Enfim, dividiram a pro- mação confiável (e bastante nonsense romântico) com rela-
priedade do morto entre si. 39 ção ao que as pessoas comuns realmente sentem diante da
Este exemplo particular mostra como um elevado grau ostentação em épocas anteriores à nossa. No entanto, há
de desigualdade pode não somente ser aceitável mas até vis- alguns indícios. Desde a época de Péricles - e antes dele,
to como muito desejável, até onde seu resultado contribua; sem dúvida - os grupos dominantes e os governantes têm
de alguma forma, para o bem social, conforme percebido e usado a arte e o fausto, com o propósito explícito de criar
definido' naquela sociedade. A mesma correlaç1io aparece talforma de identIficação vicária, e não aparece absoluta-
numa grande variedade de respostas plebéias e populares à mente crível que tivessem devotado tamanha energia a esse
magnificência e ostentação entre as classes dominantes, em esforço sem alguma indicação de que fosse politicamente
sociedades mais nitidamente estratificadas. Quase todos os válido. Existem também alguns fragmentos do precioso tes-
governos, e praticamente toda. classe governante, incluindo temunho da própria "gentinha" que, efetivamente, indi-
as recém-introduzidas classes revolucionária.s, fizeram .uso cam um orgulho coletivo frente às realizações arquitetôni-
do fausto e da ostentação. Ê um fato curiosQ. Tal aparato cas de sua comunidade. 42
implica, na maior parte do tempo, uma afirmação rituali- Àí onde os governantes fracassaram em suas tarefas,
zada de desigualdade, de .pompa, circunstância, dignidade principalmente na de proporcionar segurança e proteção, e
e até, muitas vezes, de beleza: esses elementos que separam onde a possibilidade de identificação com a ordem social
alguns homens dos outros. ' .
Dois fatores parecem significativos para tornar esse
aparato não somente aceitável como desejável. Em primeiro
(40) Uma pesquisa antiga, mas ainda muito valiosa, sobre.o papel social
lugar, as massas têm de acreditaI' que as elites, cuja osten- dos espetáculos no Império Romano encontra-se em Ludwig Friedlander, Roman
Life alld MaTl1lers lmder the Early Empire, lI, capo I.
(41) OmUo aqui qualquer observação sobre a ostentação como tentativa
de intimidar, uma vez que o problema considerado não é de temor mas de apro-
(38) Pospisil, Kapauku Political Ecullomy, pp. 152-153, sobre o indivi- {;' " vação moral contra ira e julgamento negativos.
dualismo; sobre a generosidade, ver Pospisil, Kapauku Papuans, pp. 19-80. (42) Ver, por exemplo, Alain Lottin, Vie et Mentalité d'u1l Litlois SOllS
(39) Kapemlw Papua1Js, pp. 78. 80, 244-245. LouisXIV, PP: 209-211.

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72 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 73

através dos governantes se evapora - uma situação que desdém) diante da habilidade manual incomum. O ato de
pode acontecer por muitas razões diferentes, incluindo, ·governar parece compreender trabalho "verdadeiro", do
mas sem se limitar a elas, as mudanças nas relações sociais ponto de vista do súdito ou, senão trabalho verdadeiro, uma
de produção - a ostentação parece despertar o máximo de forma aceitável de atividade, na medida em que produz os
ira. A imagem que tinham os sans cu/oUe dos aristocratas resultados da segurança e da proteção.
durante a maré montante do radicalismo revolucionário É importante lembrar que os estratos superiores sem-
francês constitui o melhor exemplo. Com um certo grau de pre gozam de imensas vantagens ao reivi1:!dicar o desempe-
segurança, é possivel perceber durante o cu~so da revolução nho de funções socialmente necessárias. Em grande medi-
tanto o descrédito da monarquia (e de SeuS moderados su- da, são eles que definem o que é .socialmente necessário.
cessores l'evolucionários) como a evolução de uma parcela Essas alegações podem ser verdadeiras em uma época e fal-
substancial da nobreza francesa em direção a uma imagem sas numa época posterior, quando, por exemplo, uma for-
que provavelmente pareceria, seja como parasitária, seja ma de habilidade militar pode tornar-se obsoleta. Inclêpen-
como exploradora, quando não as duas coisas, para os dentemente de sua veracidade ou não, elas podem gozar de
membros das classes inferiores. É útil também recordar que aceitação ou encontrar rejeição entre os segmentos influen-
os sans cu/oUe dirigiram muito de seu rancor aos especula- tes de outros estratos. Uma vez que os homens. aprenderam
dores e açambarcadores, a versão perfeita da classe alta pa- a considerar certos arranjos sociais como certos, como par-
rasitária na imaginação popular, que não goza de nenhum tes do modo de funcionamento do mundo, é-lhes evidente-
dos traços compensatórios de um sistema paternalista. 43 mente bastante dificil mudar. A satisfação emocional que
Neste contexto, seria válido explorar o grau de variabi- a crença em uma função social específica provoca pode, por
lidade e de mudança histórica nas concepções populares do longos periodos, superar o valor verdadeiro, que, de todo
trabalho "verdadeiro", enquanto opostas ao divertimento, modo, é sempre dificil de determinar. Como é possível estar
ao trabalho improdutivo, à ostentação cerimonial e coisas seguro de que burocratas, capitalistas, funcionários de par-
semelhantes. Com toda probabilidade, os elementos cons- tido e oficiais militares não estão desempenhando um tra-
tantes devem compreender o trabalho manual produtivo balho socialmente necessário? É apenas quando o caráter
feito para outros. As atitudes com relação à habilidade ma- obsoleto de um grupo dominante torna-se ruidosamente
nual variam consideravelmente, entretanto, como o de- óbvio, pelo fracasso na competição com outra sociedade e
monstram as diferenças no status do ferreiro: um individuo cultura, que ele se torna passivel de perder o seu direito
que perdeu a casta, em algumas sociedades africanas, e um legitimo de apropriação do excedente extraido da pqpula-
deus, embora imperfeito, entre os gregos. Como denota o ção subjacente. Foi o que ocorreu com a burocracia czaris-
termo medieval europeu "mistério", si.gnificando "astú- ta, a pequena nobreza erudita da China e os cavaleiros ar-
cia"* -- e, na verdade, os dois significados da própria pa- mados da Europa medieval.
lavra craft* - há uma corrente subterrânea de medo asso- As noções populares de justiça distributiva constituem
ciado ao respeito (e elltre as classes superiores é o oposto: uma tentativa de resolver o conflito inerente às demandas
de igualdade e desigualdade. Ao examinar as reações llU-
manas diante· da distribuição de recompensas, numa ex-
(43) Albert Soboul, Les Sarls Cu/otte Purisiens ell l'An Il, pp. 412-413, tensa variedade de situações contemporâneas, George Ho-
421-423; com relação aos açambarcadores, ver Albert Mathiez, La Vie Chere. mans formulou o que ele sustenta ser as regras funcionais
esp. pp. 520-522.
(*) era/t. Os dois significados que o autor menciona H seguir são: "ofí- do homem comum quanto à justiça distributiva. Na lingua-
cio", "habilidade", c também "astúcia", "manha", "malícia". (N. T.) gem que empreguei, essas regras constituiriam os termos
74 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 75

básicos do contrato social implícito. O elemento central é prazo, qualquer desvio'significativo da justiça distributiva
basicamente o que exige' ser aqui analisado. Ele é, confor- também poderia chocá-los, sugerindo, de alguma forma,
me Homans, "uma mistura curiosa de igualdade no interior exploração. Mas eu duvido absolutamente disso. A atitude
da desigualdade". Os homens, defende, buscam um rela- que prevalece amplamente em sociedades estratificadas le-
cionamento proporcional entre o que eles investem numa tradas e não letradas é um padrão bastante vago e consue-
tarefa e as recompensas que recebem por executá-la. A di- tudinário de magnanimidade vinculado a uma relação de
ferença entre o que eles investem e o que eles recebem deno- status específico. A estreita barganha sobre essas matérias
mina-se "lucro", ou recompensa líquida por urna ação par- em ampla escala é um processo moderno, embora seja cer-
ticular. Na medida em que as recompensas e as taxas de lu- tamente possível encontrar exemplos disso em formas ante-
cro são, grosso modo, iguais no seio de um grupo, as pessoas riores de sociedade. O desenvolvimento do artesanato e do
sentirão que estão recebendo tratamento justo. A pessoa comércio em certa escala pode ser um pré-requisito para o
que faz um grande investimento deve receber uma grande aparecimento dessa ênfase moral como tema dominante.
recompensa, enquanto a pessoa cujo investimento é pe- Mesmo na sociedade ocidental moderna, a noção de
queno não tem direito de esperar mais que uma recompensa justiça distributiva pode nem sempre aparecer espontanea-
pequena. A ira tem lugar quando as leis da justiça distri- mente. Encontrei um exemplo revelador onde ocorre exata-
butiva são violadas. O ressentimento surge facilmente mente o contrário, Ele está presente numa pesquisa sobre
quando pessoas que executam praticamente o mesmo tipo uma instituição correcional norueguesa, cujos achados,
de trabalho vêem que seus colegas estão recebendo recom- nem todos de interesse aqui, têm implicações que transcen-
pensas mais elevadas. 44 dem essa situação muito limitada. Os internos desta insti-
A tese de que os homens têm uma forte inclinação para tuição recebem um tratamento bastante ameno com objeti-
desenvolver uma tosca concepção da relação justa e propor- vos terapêuticos esclarecidos. Não obstante, e compreensi-
cional entre aquilo que investem em uma tarefa e o lucro ou velmente, eles não gostam de sua situação. Dão vazão a
benefício que devem tirar de sua execução é altamente seu ressentimento na forma de queixas contínuas quanto a
plausível. O esforço frustrado pode ser urna poderosa fonte seu tratamento em mãos da equipe de custódia. Todo mo-
de ira moral, como já foi apontado, e outras ocasiões ocor- delo de crítica que possam extrair de sua experiência prévia
rerão neste livro, para que voltemos ao tema. Todavia, em servirá como base para reclamações, com a expectativa co-
sociedades que vivem da caça de animais selvagens, es'sa mumentejustificada de que as reclamações encontrarão eco
espécie de ira não faz muito sentido. O comportamento da na equipe, sendo de alguma forma contundentes, pois a
caça é demasiado errático. Como vimos, em tais sociedades equipe partilha com os internos o mesmo conjunto de nor-
há uma tendência no sentido de desenvolver, em vez disso, mas e.valores gerais.
princípios diretamente igualitários como forma de ·seguro. Se alguns dos internos conseguem vantagem por rea-
Em algumas outras sociedades, como a dos lovedus, a pró- lizar progressos rumo à reabilitação, surgirão críticas com
pria noção de estabelecer um vínculo entre esforço e recom- base num modelo de igualdade absolutamente mecânico,
pensa chocaria os seus membros por ser bastante mesqui- que compara a instituição correcional, de forma desfavorá-
nha. Por si só, essa evidência não é decisiva, pois, a longo vel, à vida em uma prisão regular. A vida era mais justa
numa prisão normal, dirá um interno, porque todos eram
absolutamente iguais. Ao mesmo tempo, há queixas de que
(44) Ver George Caspar Homans, Social Behm'iur: [rs Elementar)' Forms, a instituição correcional não proporciona nenhuma recom-
esp. pp. 30-31. 247·250, 252-253. pensa pelas realizações, que sinais de bom comportamento
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i, 76 o SENTIDO DE INJUSTIÇA, .. INJUSTIÇA 77

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não são levados em conta. 45 Nesta situação, um ressenti- mas humanos, poderia parecer prudente abandonar toda
1! 11,.",.,.";,, mento generalizado impede a adoção de qualquer critério essa linha de pensamento porque, airlda que as uniformi-
~:\i \1;1"'"",
jL/, [:':il,~ ; que poderia tornar o comportamento dos encarregados pe- dades existissem, elas aparentemente não poderiam servir
,; 1~ ' ::: !: :,,;: I"
t:l di,,!,!,,:,' las recompensas e punições aparentemente justo e equâni- para a apresentação de questões sérias. Quaisquer que fos-
r~ \iir:':;':['
me. Seria difícil sustentar que tais aspectos estão confina- .~f~~~
sem as uniformidades descobertas, seriam intelectualmen·

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dos às prisões norueguesas. te triviais. Esse movimento, entretanto, seria prematuro.
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Conforme salienta Romans, as noções de justiça dis- Quais são, afinal, algumas das razões para a variação e de-
1\'
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1
tributiva, mesmo quando amplamente sustentadas, não sacOl'do que Homans trouxe à luz de forma tão efetiva e
lil, 111""1 ,,' fornecem por si sós uma base para a resolução pacifica e vigorosa? Por que, por exemplo, os negros e as mulheres
i;;\ \i;i:'?_:'j1i::':_i racional de disputas relativas à distribuição do produto so- aceitaram colocar um valor inferior no esforço que investi-
",,1 111""'11;'': cial. Em sua colocação: :'Mesmo se (as pessoas) concedem ram na tarefa? Quanta vontade puseram nisso? Não é pre-

I
1
l.l\i
~"II 1l;1'ill,'!,'",,;
,',;.+ '." : que a recompensa deva ser proporcional ao investimento e à ciso ser um radical da moda, para reconhecer a importân-
" ,11,'1'
,".-
',' '.'1' 1".' ."','1,'
,,','-'1"'_' contribuição, elas podem ainda diferir em suas perspectivas cia dos mecanismos repressivos e especialmente auto-re-
~LI !"""!.'I".,, sobre o que constitui legitimamente investimento, contri- pressivos do tipo dos que serão examinados no capitulo se-
~l~:I\~,li:!W buição e recompensa, e como as pessoas e grupos devem ser guinte. Não hã razão para questionar o fato da vadação.

1
,~i'\II",ii:,:i, classificados nessas dimensões". Por exemplo, ,como ele Mas os seus motivos têm um sentido significativo quanto à
:~I!i,! (i::':'1:!;':
destaca, de início, o fato de ser um negro ou uma mulher
em comparação com um homem branco pode em alguns
validade de qualquer concepção de universalidade.
Antes de discutir tais razões com mais atenção, lance-
"i.""."\
'11 ~;:' 1"".:."',1
i"'"",,\ 'I:'"
1~~ t!l' 'l!i:';;{i'Í\ Ir;;::
grupos rebaixar o valor do investimento dos primeiros. So- 'mos um breve olhar retrospectivo aos tipos de ira moral e
'I:""' " ! ;:II,',i",
;,"!"'1\ ·I';i,,""
["1","1:.'
mente quando as pessoas concordam quanto ao vaior do :i~:
.. 1 julgamentos sociais revelados por nossas sondagens, em uma

.~~
~~ r~!,\ I,! :'il:,~}l ::'.': i que investem em unla tarefa, em comparação com outras, ampla variedade' de épocas e locais, a fim de observar se a
~,q !:l~ ~,I ',',il:l ; elas podem concordar quanto à escala de recompensas. 46 evidência conf9rma-se a algum tipo de padrão inteligivel.
Iil!!'il 1';;'\1.":",,.
.f~:;;% ~';:'i:,ji!j ;: : i Em outras palavras, os principios bãsicos da desigualdade Existem alguns temas subjacentes, a partir dos quais seria
social estão em jogo, eles próprios, em uma parcela consi-
<f~!
1 legítimo inferir uma tendência num sentido de injustiça
,\\1~'\ li!'I' :\\:11\ li.
~ii 1.!illt,:';~~1 derãvel do tempo. As disputas relativas a tais principios são
;',,:, pan-humano?
uma fonte fundamental de ira moral e de senso de injustiça Naqueles aspectos da vida social aqui selecionados pa-
,li;, \1,\\ li,'!/!!,!',;
'lt,jli :~ li/!;')! ,",
social. ra pesquisa, é possível defender a recorrência de certos pro-
"'i\I;"\'1 H',"" .
;.'I~il- 1(, \:i~j\'.'~'i ~ ;: '
'·!rI,·I:1 ",:"",1:.,
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Observações finais
Se existe tanta discordância com relação aos principios
de distribui\;ão, o que ocorre com algum conceito de uni-
. versais morais? Num esforço para dar sentido aos proble-
Ilt
,."'m"'l'
blemas e temas que se originam do fato bãsico de que os
seres humanos, com certas propensões inatas, têm de viver
em conjunto, de alguma forma. Ainda que os problemas da
autoridade, da divisão do trabalho e da distribuição de bens
e serviços difiram enormemente de uma época para outra,
hã suficiente similaridade reconhecível para permitir-nos
; I\I~!-li ~ 1'34':1;/ ,"i:; falar de um padrão comum de temas. Mas, e quanto à sua
t!~ll\'\\li
'1'1 , '
lilii!i: resolução? Existe realmente uma gama de resoluções passí-
vel de tornar os seres humanos irados?
f
"\.:I . . .I"\'II]',.";1'
.•,!.I'•. , ,.'. !•.
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r
,~II'II\1,,\ \"',"'. 1,' '",I,'1I, (45) Thomas Mathiesen, The Defences Df lhe Weak: A Sociological SlIIdy Rã indicações de que os fracassos da autoridade em
~;~\~ti 1\1\ Ir:; iW cumprir suas obrigações, expressas ou implícitas, prover se-

ü.I ~\.I!.\ !.Ili''Ii.!l!i !',!


of a Norwegian Correctiollallnstitutioll , pp. 154-157.
(46) Ver Homuns, Social Belwvior, pp. 250-251. gurança e avançar propósitos coletivos despertam algo que
f1tll\I,\ t',:",ili.I!I!
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~_1~\t1:\ lII lW!iil i\
78 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 79

pode ser reconhecido como ira moral frente ao tratamento mesmo ocorre com a violação do que denominamos de tabu
injusto. A vingança aparece corno motivo antes da autori- do cão na manjedoura. Talvez h,ua aqui mais regularidade
dade organizada, servindo a um propósito coletivo similar. que o que transparece à primeira vista, numa pesquisa pre-
A vingança é um fato que ocorre sob a autoridade política or- liminar, à medida que diferentes princípios podem ser apli-
ganizada. Ela influencia a forma que a autoridade possa ter, cados a circunstâncias diferentes, ou revelar alguma corre-
como na demanda de punição "apropriada". Alguns dos lação regular com as transformações históricas. 47
principais fracassos da autoridade são falhas no controle O sumário dos tipos de situação que conduzem à indig-
dos instrumentos de poder, na manutenção da paz, exigên- nação moral e a um senso de injustiça que não exibe grande
cia e extorsões que se opõem ou excedem a definição vi- beleza arquitetônica, o que não é surpreendente. Os ho-
gente dos propósitos coletivos e punições que violam a no- mens comuns não são filósofos capacitados para extrair as
ção do que são ou deveriam ser os homens. Na divisão do implicações de princípios básicos, e esboçar conclusões
trabalho, encontramos indícios de que existe uma área con- consistentes. No curso da investigação sobre as formas re-
siderável de concordância, através do tempo e do espaço, correntes de ira moral e sobre o que as pessoas comuns con-
quanto ao que constitui as formas de trabalho desejáveis e sideram socialmente injusto, as evidências trouxeram à luz,
indesejáveis. Ainda que fosse excessivo reivindicar que há repetidas vezes, a existência de requisitos contraditórios a
sempre ira moral na obrigação de realizar formas desagra- serem atendidos pelos códigos morais, juntamente com si-
dáveis de trabalho, a base para esse tipo de reação parece nais de fundamental ambivalência diante das regras e re-
estar presente onde quer que tal tipo de trabalho exista. Em gulamentos sociais. Há razões perfeitamente boas para o
situações !:!omo essa, parece existir uma. forma latente de ira fato dos seres humanos não poderem ter o seu quinhão e sa-
.moral que os mecanismos sociais e psicológicos podem re- boreá-lo. Mas não existem razões para que eles não quei-
primir ou despertar. Há, então, a indignação moral bastan- ram fazê-lo. Dessa maneira, é provável que haja uma cor-
te difundida, com relação ao indolente, embora essa indig- rente subterrânea de desagrado e oposição a quase todos os
nação também varie em considerável grau em sua intensi- códigos morais, um descontentamento que é, pelo menos,
dade. Finalmente, no ponto em que a divisão de trabalho uma fonte pontencial de variação e mudança.
está em intersecção com a distribuição do produto social, Podemos provisoriamente atribuir às fontes de simila-
há indicações de um sentido generalizado de que as pes- ridade e recorrência as semelhanças nos tipos de situações
soas, mesmo os membros mais humildes da sociedade, de- que os homens enfrentam em seus esforços raramente satis-
vamter recursos ou bens suficientes para executar seu tra- fatórios para viver em conjunto. Nossas pesquisas revela-
balho na ordem social, e que há algo moralmente equivo- ram uma tendência das negociações sobre o contrato social
cado, ou mesmo indigno, quando tais recursos não estão a oscilar em torno de arranjos onde são intercambiados va-
disponíveis. (Com relação àqueles que não são definidos lores aproximadamente equivalentes. Por exemplo, os su-
como membros efetivos da sociedade e que meramente de- bordinados querem segurança e proteção, em troca da ga-
sempenham uma função em benefício desta, como é o caso rantia de autoridade legítima para seus superiores. As fon-
dos escravos, são aplicadas noções diferentes, embora as tes fundamentais de variação originam-se da forma pela
concepções funcionais dessa condição sejam notoriamente qual as pessoas definem e percebem o valor daquilo com
variadas e nebulosas.) Na distribuição dos recursos, produ-
tos materiais e serviços de uma sociedade, existem princí-
pios tanto de partilha igual corno desigual. A violação de (47) Sobre este aspecto, ver as sugestões em Ephraim Yuchtman. Reward
qualquer deles pode constituir uma fonte de ira moral. O Distributiofl and Work·Role Attractiveness ÚI Kibbutz. pp. 592-594.
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80 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... ';C;;é,


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que contribuem para uma relação social, e daquilo que ex- f~~
traein dela. Através de certos mecanismos sociais e psicoló- . l;J!;
gicos, nem todos derivados do fato da dominação, os ho-
,'' c
-\j'jf

mens podem ensinar-se entre si e, de forma mais significa-


tiva, ensinar-se a si próprios a atribuir um valor inferior a
seu trabalho, a aceitar a dor e a degradação como moral-
I "i!c

;1
mente justificadas e até mesmo, em certos casos, a optar CAPÍTULO 2
pela dor e pelo sofrimento. Sociedades inteiras podem, em
certas épocas, transmitir uma ética de submissão. Os sem ais
ff;~
A autoridade moral
fizeram da timidez uma virtude. Esta funcionou para eles
do sofrimento e da injustiça
porque se revelou uma forma efetiva de lidar com vizinhos
usurpadores e mais fortes. Com o recurso à análise de uma
variedade de exemplos extremos, tentarei especificar, no
lli
t~!t

capítulo seguinte, algumas das principais causas e formas


dessa autodesvalorização, dessa adesão à autoridade moral
ii~
;~t
Considerações preliminares

;\1:'· ~·'~I;;.·
do sofrimento. Invertendo o foco de interesse procurarei,
então, explicitar os processos através dos quais os homens
tentam superar a autodepreciação, a fim de redefinir, para ~] ~ O capítulo anterior investigou os traços constantes nas
cima, o valor de sua contribuição real e potencial à ordem respostas humanas à injustiça e sugeriu algumas razões
social, bem como o valor do que eles merecem dessa socie- ·.··lfuf para a gama de variação observada. Neste capítulo e no
dade. Neste ponto, após termos introduzido uma concepção ':Mt próximo, procuraremos compreender alguns dos fatos que
::;~~: 'ocorrem em cada extremo da gama de variação: a indig-'
geral de um contrato social recorrente, e as principais for- ""}/r
nação moral e a submissão moral. Durante a turbulência
mas e razões para os desvios desse contrato - inclusive os
esforços para anulá-lo e elaborar um novo - , poderemos ;~l dos anos 1960 e dQ início dos anos 1970, apareceram nos
burcar, na Segunda Parte, alguns dos componentes históri- Estados Unidos inúmeros livros com variações em torno do
cos da maneira pela qual os homens definem e redefinem o título "por que os homens se revoltam?" A ênfase deste
tratamento aceitável e inaceitável por parte de seus supe-
riores sociais.
r.;.~.t.".i.'
:~::~I
capítulo recairá exatamente no oposto: no porquê de os
homens e mulheres não se revoltarem. Colocada claramen-
te·, a questão central será: o que precisa ocorrer aos seres
humanos, a fim de fazê-los submissos à opressão e à de-
gradação?
\~I Apresentar tal questão pode parecer o máximo da
!~~r
irresponsabilidade moral. Com exceção dos torturadores e

"~I!
dos agentes da polícia secreta, quem mais quer ter esse co-
~.:~; nhecimento, hoje? Existe, acredito, uma boa resposta. Até
::\t.i ; que e a não ser que compreendamos por que as pessoas
o

'il_ aquiescem em tais situações, é impossível entender como


'.}1~ elas podem resistir ou como ajudá-las a resitir. Por trás des-
"i sa preocupação imediata e.prática, encontra-se uma outra

'•.l\f'iL:~','c,;~i'
····
INJUSTIÇA 83
82 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...

mais geral. Partindo da idéia de que os homens em geral


o aSCeírlEHUO
rer:onhecem a dor e a evitam até onde possível, o compor- Ao analisar as práticas ascéticas, é importante notar,
tarr!ento que van10S examinar é no mínimo bizarro e eston- antes de tudo, que o sofrimento é basicamente físico. Não
te'nl ice. A evidência que parece desafiar esse pressuposto se trata definitivamente de um sofrimento psíquico, na for-
básico é algo que não deve ser ignorado. ma da degradação ou dano à auto-estima do indivíduo, co-
Como o tema deste capítulo é diferente, o método de mo pode acontecer entre os intocáveis hindus. Os pratican-
investigação também o será bastante. Ao invés de efetuar tes do ascetismo são objeto de veneração e curiosidade,
sondagens em diversas sociedades à busca de situações re- para não dizer de notoriedade. Além disso, ao contrário do
correntes, essa tarefa requer a análise de uma espécie parti- papel dos intocáveis, o do asceta é de opção própria. Em
cular de comportamento humano. Isso podemos fazer me- geral, os seres humanos tornam-se ascetas "voluntaria-
lhor se investigarmos várias manifestações particulares des- mente", embora no caso do monasticismo cristão, em snas
se comportamento em detalhe, examinando o contexto e as formas mais antigas e pnras, as pressões sociais cercassem e
próprias respostas de vários pontos de vista até que surjam apoiassem o indivídno de forma a sustentar seu papel.
explicações que iluminem o tema geral. Cada um dos três Para um ocidental moderno, as autoflagelações dos
exemplos escolhidos apresenta um desafio prima facie a ascetas hindus parecem deveras extraordinárias. Evidente-
nossa pressuposição. Os ascetas escolhem deliberadamente mente, a prática do ascetismo na Índia é bastante antiga,
uma vida de dor e sofrimento. Muitos dos intocáveis hindus uma vez que as leis de Manu contêm uma citação extensa e
parecem demonstrar orgulho de· sua condição servil e de seu vívida sobre as práticas ascéticas, que, entretanto, pode ser
trabalho degradante, em vez de ressentir-se de sua situa- recomendações em vez de uma descrição de comportamen-
ção. Algumas vítimas dos campos de concentração identi- to efetivo. 2 Entre ·as formas .mais familiares e recentemente
ficam-se com seus torturadores. Um grande número de pri- observadas encontram-se atos como deitar ou sentar-se em
sioneiros, nessa e em situações similares, mostra ressenti- cravos, vestir sandálias alinhadas com pregos, manter um
mento e pune os outros prisioneiros que tentam resistir à braço rigidamente suspenso até que ele se torne atrofiado,
autoridade dos guardas. Uma linha comum relaciona esses manter uma mão cerrada até que as unhas dos dedos cres-
exemplos: o sofrimento e a submissão aparecem a essas pes- çam através dela, balançar-se de cabeça para baixo sobre a
soas com uma aura tão poderosa de autoridade moral que fumaça· de uma fogueira e sentar entre "cinco fogos". Na
eles sentem orgulho e prazer em sua dor. Enquanto tal, a última forma, o asceta senta-se entre quatro fogneiras, uma
dinâmica psicológica não será, no entanto, a nossa preocu- em cada um dos lados do compasso, com o sol ardente
pação centraL' Ao contrário, Pl·ocuraremos compreender como quinta chama. 3 Aquela que deve ser uma das formas
os fatores sociais e culturais que criam tais sentimentos. mais extremas é a performance de 11m devoto fálico de Siva
relatada por um observador inglês no início do século XIX.
Esse devoto prometeu "fixar todo· ano um anel de ferro na
parte mais tenra de seu corpo" e suspender uma corrente

(2) James Hastings, org., Encyclopaedia of Religioll anel EtJzic5, Ü, pp.


89-90.
(1) Em parte, porque aquilo que se sabe ou se suspeita com relação a este (3) L. S. S. O'Malley, Popular Hinduism: The Religioll of tlle Masses,
aspecto tornou-se familiar através da obra merecidamente famosa de Anna Freud. p.208.
})(l.~·lch und die Abwhermechallismen~
84 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 85

amarrada aí, arrastando-a por muitas jardas através do pá·· vida terrena. ú Em contraste com a cristandade, a noção de
tio. Quando ocorreu a observação, o devoto acabara de co- expiação do pecado, por sua vez, parece ter desempenhado
locar o sétimo anel. Como o ferimento era recente e dolo- pouca ou nenhuma influência no ascetismo hindu. 7 No
roso, ele carregava a corrente sobre os ombros. 4 O autor contexto do sistema de casta, a noção de escapar das exi-
citado também relata ter visto efetivamente um asceta que gências rotineiras da ordem social tinha conseqüências
vivia numa cama de pregos. De tempos em tempos, ele era igualitárias. Assim, havia uma seita asceta importante em
pendurado de cabeça para baixo sobre uma fogueira e ba- que todos os hindus, inclusive os sudras e os fora-de-casta,
lançado gentilmente de um lado para outro, como um pên- podiam ingressar. Durante as saturnais da primavera, indi-
dulo, por seu ajudante, na ocasião observada pelo autor víduos das castas inferiores tornavam-se temporariamente
num total de vinte e sete minutos. Outros ascetas hindus membros dessa seita durante as cerimônias. Nesse período,
apenas levam vidas muito austeras, renunciam à proprie- eles podiam "infligir-se torturas tais como passar grossos
dade, escolhendo uma dieta absolutamente mínima e per-
correndo o país em busca de esmolas. Outros ainda resol- '.~ .• espetos de metal pela língua. Todos os membros da seita
podiam comer em conjunto, aceitanto comida de qualquer

I•
vem viver em um único local. Vistos como sábios, tornam- hindu. Eles descartavam os símbolos exteriores do hiduís-
se o foco de peregrinações. As mulheres ascetas são tam- mo, como·o fio sagrado e o tufo de cabelo:' Conforme as
bém bastante comuns, embora as fontes tenham muito me- leis de Manu, por outro lado, os privilégios dos ascetas
nos a dizer sobre elas. Os exemplos de extrema autoflage- eram limitados aos nascidos duas vezes. 9 Essa peça de evi-
lação parecem ser restritos aos homens. Como o leitor pode dência indica que o ascetismo não era uma forma de re-

I,I
ter suspeitado, há alguns indícios que sugerem uma tendên- nuncia imposta às classes inferiores pelas dominantes. Era
cia oculta de fraudes. Assim, Oman descreve, a partir de comum ao ascetismo cristão e ao hindu a evitação das im-
uma fonte hostil, a história de um asceta que sentava em plicações sociais desagradáveis inerentes ao casamento e à
um leito de pregos e tinha astutamente· adaptado placas de propriedade.
ferro em suas nádegas. Por outro lado, Oman relata ter vis- Um outro tema, especialmente crucial no ascetismo

,
to os sapatos de madeira de um asceta "eriçados por dentro hindu, é a auto-?gressão em favor da vingança e do controie
com uma fileira estreita de pregos". 5 sobre o mundo exterior. De acordo com um estudioso oci-
Embora os exemplos acima citados sejam especialmen- dental, o ascetismo constitui para os indivíduos "o modo de
••.'. f·
..•'
te surpreendentes, eles exemplificam, de modo intenso, te- conquistar os poderes do universo, o macrocosmo, através
mas que ocorrem em todas as formas de ascetismo, incluin-
.
i, ~
da sujeição completa de sua reflexão no microcosmo, o seu
do o cristão. Um desses temas é a fuga dos imperativos ro- próprio organismo. ( ... ) Este representa uma expressão de
tineiros da vida, através da repressão dos desejos e instin- ,l·J ' uma extrema vontade de poder, um desejo de conjurar as
tos. No ascetismo cristão, tal aspecto é demasiado familiar .,
I·~·1 energias ocultas ilimitadas, que se armazenam na parte
-
·

~.
para exigir comentário. Na Índia, ele assumiu a forma de ;~l ..•. vital inconsciente da natureza humana". 10 Na lenda e na
um esforço para escapar do ciclo infindável do nascimento e tradição hindus, há muitos indícios de que os ascetas eram
~
~~. 'I
renascimento. O ascetismo indiano era uma tentativa para
liberar-se das esperanças, temores, aflições e desejos da
(6) Oman, Mystics, p.170.
~
l~ (7) Oman, Mystics, pp. 21, 100.
(4) John Campbell Oma"n, Mystics, Ascetics, alld Saill!"" of J"dia, pp.

•L
(8) Ornan, Mystics, pp. 153-154.
99·100. ·•.·'~
. •4. (9) Hastings, Encyclopaedia Df Religion and Etllics. lI, p. 89.
(5) Oman, Mystics. pp. 4SA6. (10) Heinrich Zimmer, Phi/osophiel' Df hulia, p. 400, nota 102.
~
~
INJUSTIÇA 87
86 o SENTIDO DE INJUSTIÇA".
vistos como perigosos. Quando um asceta encontrava a da castração em benefício da salvação, para ocasionar a
morte, "toda a natureza estava extremamente liberta e re- volta de Deus. 13
Há certamente alguns contrastes notáveis entre o asce-
jubilada". Conforme outra: histól'ia do Mahabharata, um
asceta adquiriu intenso desejo de vingança devido a mal .. tismo cristão e o hindu. No exemplo de São Francisco de
dades sofridas por seus ancestrais. Ele se dispôs a suportar Assis, é difícil falar de qualquer agressão aberta ou busca
a mais terrível penitência por sua resolução de destruir sozi- do controle do universo. Igualmente, no ascetismo cristão,
nho tóda criatura no mundo. Somente a intercessão das al- o esforço para aliviar a miséria de outrem, através da cari-
mas de seus antepassados o persuadiu a desistir. Em boa dade, desempenha uma parte proeminente, que parece não
parte das lendas hindus, a rígida' austeridade, a autonega- existir no ascetismo hindu. Por outro lado, a caridade era
uma virtude central na principal corrente da tradição reli-
ção e o sofrimento constituem a forma mais efetiva de obter
aquilo que se ambiciona. Dessa maneira, é possível compe- giosa hindu. 14 Não obstante, tanto o ascetismo cristão co-
lir mesmo a vontade do Ser Supremo. Esse aspecto do asce- mo o hindu enfatizam a rejeição da roUna comum da socie-
tismo assemelha-se às práticas mágicas primitivas, encon- dade humana, em favor de Uma aiiva busca do tipo mais
tradas em todo o mundo, e pode ser originário delas. Num desagradável e doloroso de exp!"riências humanas. Até mes-
tosco paralelo com a história da crucificação, o próprio Ser mo São Francisco forçou-se a suportar o contato íntimo
Supremo hindu auto-infligiu-se penitências por milhares de com os leprosos,contra os quais desenvolvera, em outra
anos, a fim de obter o domínio sobre todas as criaturas. Os época da vida, um ódio especial.
demônios ascetas eram supostamente capazes de aterrori- . Três temas relacionados emergem da pesquisa sobre as
zar o universo, através de sua prática da mortificação auto- práticas ascetas. Um é a renúncia ou a fuga das obrigações
infligida. 11 sociais rotineiras. O segundo é a agressão contra o eu, in-
cluindo a repressão da sexualidade, em benefício de algum
Ao menos um dos elementos dessa corrente agressiva objetivo mais elevado, como a salvação pessoal ou o con-
era o temor da sexualidade. A tentação sexual interferia trole pessoal sobré os poderes do universo. O terceiro tema,
com o ascetismo e constituía uma importante ameaça para especialmente, 'relevante na cristandade e do qual deriva
o asceta. Sempre que lndra, o ciumento rei dos deuses, sen- o termo ascetismo '(do grego askesis: exercício, prática,
tia uma ameaça à sua soberania cósmica, por parte do cres- treinamento); é a preparação para experiências dolorosas
cimento de algum poder espiritual asceta, ele enviava uma que o indivíduo possa esperar encontrar em algum ponto
donzela magnífica e de inacreditável beleza, para obliterar posterior de sua vida. (Aqui, o ascetismo beira os ritos de
os'sentidos do atleta espiritual. Se a donzela fosse bem-suce~ iniciação; aiguns dos quais, especialmente nas primitivas
dida, o santo se extravasava numa noite sublime ou era da sociedades guerreiras, são particularmente dolorosos e mu-
paixão toda a reserva de força física que lutara a vida intei- tilantes.) Entretanto, os rituais de iniciação quase nunca
ra para acumular. 12 Também na cristandade, ocorre a cena são voluntários nas sociedades onde todos os jovens normais
devem submeter-se a eles em uma certa idade. O eleinento

(11) Om.aÍl, Mystics, pp. 21-23, 25-26.:É importante notar que tais formas
extremas de ascetismo agressivo despertaram críticas no seiQ das principais cor-
(13) Ver a análise em Peter NageJ. Die Motivierullg der Askese in der
rentes.da tradição hindu; ver Zimmer, Philosoplzies of Judia, pp. 399-400.
A/teu Kirche und der Urspr/Jug des MOllchtums. pp. 48-50.
(12) Zimmer, Philosophies of Judia.. pp. 536-537. Aí, Zimmcr salienta
(14) Sobre a renúncia à propriedade por-amor ao próximo na cristandade,
também qu~ os épicos e romances indianos e~tavam repletos de relatos sobre ho-
mens santos que explodiam de il'l'itação face às mínim~s contrariedades. ver os comentários de NagcI, Die Motivienmg der Askese, pp. 75-76.
88 o SENTIDO DEINJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 89

comum em todos os três temas é um esforço para lidar com mentos revolucionários modernos. O mesmo é válido para
o sofrimento em geral inevitável ou aparentemente inelutá- as noções de treinamento rigoroso, para as crises futuras, c
vel, pela imposição deliberada de dor sobre si próprio. de autonegação, como uma fonte de controle sobre o mun-
É óbvio que o ascetismo pressupõe um clima social e do. Ao mesmo tempo, o ascetismo é um substituto funcio-
intelectual distinto. Numa era secular, com tecnologia po- nal para a revolução, uma vez que ele aceita o sofrimento
derosa, é improvável que os seres humanos se voltem para como inevitável nessa vida e traz a hostilidade produzida
práticas ascéticas, a menos que pareça que a tecnologia é pelo sofrimento para o interior, contra o eu, em vez de
incapaz de satisfazer as necessidades humanas. '5 O sofri- lançá-la para fora, contra as causas sociais.
mento auto-in·fligido é uma resposta possível a um alto nível
de frustração produzido pela incertez.a frente ao meio ambi-
ente natural e social e à incapacidade de controlá-lo. O Os intocáveis
ascetismo, provavelmente, também se espalhará primeiro
no seio das classes que não estão na parte exatamente infe- Os ascetas impunham a si os seus sofrimentos. A sua
rior da ordem social. O desespero com relação à possibili- miséria con titula opção própria na perseguição de metas
dade de ser feliz nesta terra e um ambiente religioso geral elevadas. Exatamente o oposto ocorreu com as castas india-
que encoraje tal desesperança também apareceriam como nas conhecidas como os intocáveis. 16 Não há elemento de
pré-requisitos adicionais básicos. Ainda uma outra parte do escolha. Um indivíduo nasce no seio da casta intocável e a
ambiente intelectual poderia ser uma distinção entre a alma associação a ela é hereditária. Não obstante, existe em todo
e o corpo, que, entretanto, é bastante difundida nas crenças ·0 arranjo um elemento revelador de auto-opção. As castas
populares em todos os níveis de civilização. dominantes tenta,am fazer com que a condição de intocável
Com sua ênfase no retorno a formas mais simples e parecesse o resultado de atos individuais. Mas o individuo é
mais antigas de vida, o seu ânimo anticomercial e anti- um dos ancestrais do intocável, que roi incapaz de tratar
urbano, o ascetismo pode seI' visto como uma reação carac- uma pessoa de alta casta com suficiente respeito e cuja
terística, embora não inevitável, da tensão e da mudança alma, desde enHio, sofre a punição na forma de reencarna-
sociais nas épocas pré-industriais. Ele se constitui numa ção em um intocável. Para ser aceitável, a injustiça eviden-
Iorma negativa de utopia, uma fuga da vida, através da temente tem de parecer justiça.
supressão do desejo, ao invés de sua satisfação. Existe tam- Em termos apropriados, embora coloquiais, a tarefa
bém como parte da utopia, mesmo em suas formas moder- que então se nos apresenta é a de descrever o que oS into-
nas, talvez a partir da consciência de que os desejos jamais cáveis têm de aceitar, bem como a tarefa mais árdua de
podem ser totalmente satisfeitos. Forma uma corrente im- avalia!' a extensão em que eles realmente aceitam." Em
portante no anarquismo do século XIX, particularmente essência, os intocáveis desempenham as funções mais re-
em sua variante espanhola e, como já foi notado, mesmo na
moderna rebelião da juventude, onde adotou o aspecto de (16) Aparentemente, não exisle um nome que nrlO carregue conotações ou
repressão sexual. Em sua rejeição das obrigações rotineiras in~plicações ofensivas. "Harijans" é benevolamente ofensivo. "Castas ordenadas"
talvez o seja menos, embora também urna jóia de burocratismo paternalista. Em-
da vida social, o ascetismo mostra afinidades com os movi- pregarei daquimn diante o termo "intocável", que tem a virtude de descrever uma
situação que infelizmente ainda existe_
(17) Um indivíduo fora de casta sofre limitações baslante silnilm"os às im-
(15) Essa pode ser llma razão para a incongruente combinação de hedo- postas a um intocável. Em alguns relatos modernos, bem como naS descriçõe!->
nismo c ascetismo em alguns círculos de esquerda como, por exemplo, em certos mais antigas como a de Crooke em" Hastings; Encyclopuedia oi J?eiigioll "QI/ll
modismos de alimentação. Ethir:s, as duas condições são às vezes reunidas_ Mas, no sentido estrito. uma
90 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 91

pugnantes na sociedade indiana, além de grande parte do como o demonstra, por exemplo, o tratamento diverso dos
üDb2.Jho estafatlte. Eles limpam as latrinas e· transportam trabalhadores com couro nas civilizações ocidental e hindu,
03 excrementos, üm ofício qne significa, com freqüência, existe também um núcleo comum de concordância. Haverá,
~:;;'.
dr~sê(:)f rtté onde estão o::; excrementos e carregá-los para fora, brevemente, ocasião para mostrar com mais clareza o que
fi.
cm fardos sobre a cabeça. São também os varredores das significam as concepções hindus de repugnância e poluição,
2Idei".s, cabendo-lhes limpar as ruas. Removem as carcaças em termos concretos e humanos.
L}' Com o intuito de explicar porque os intocáveis acomo-
de gnirriais mortos. Por extensão, aparentenlente são alniú-
. de trabalhadores do couro. Numa época anterior na histó- dam-se a sua situação, podemos excluir a força militar e
ria, essas funções de limpeza devem ter sido suas terefas '·i<'
.\j~::.
policial ou a aplicação do terror aberto. As fontes consul-
básicas. Por longo tempo, entretanto, os intocáveis também tadas não contêm referência a tais sanções. Então, que ou-
·efetuaram pesada contribuição no fornecimento ·de traba- tros mecanismos sociais e psicológicos produzem seu com-
lhadores rurais. Embora exista razoável variação em seu portamento completamente complacente? Uma explicação
tratamento, dependendo tanto das práticas locais como da parcial emerge de algumas evidências de que os intocáveis
ocupação exata que uma casta particular de intocáveis per- aceitaram e absorveram as crenças hindus dominantes (kar-
segue, o seguinte relato, publicado em 1920, não é especial- ma) sobre o destino e a transmigração das almas. Há ainda
mente exagerado. provas mais fortes de que eles aceitaram as crenças hindus
Os chamares, intocáveis que se concentram no centro- sobre a poluição, uma base· essencial do sistema de castas.
norte da Jndia, mas também estão presentes. em outras Para os objetivos do momento, as concepções básicas,
partes do pais, ocupam posições absolutamente degradan: no famoso conjunto de crenças hindus sobre o destino hu-
tes na vida das aldeias. Os bairros dos chamares exibem em mano e a transmigração das almas podem ser descritas em
profusão a mais abominável imundície. O seu modo de vida termos da mobilidade social para cima, em recompensa do
hediondo é proverbial. Exceto quando absolutamente ne- bom comportamellto, com tal mobilidade postergada parli
cessário, um hindu de vidaÜmpa não visitará a parte da al- a próxima vida. Inversamente, a sanção pelo comporta-
deia habitada pelos chamares. O seu próprio nome os vin- mento maléfico, definido em geral como a incapacidade de
cula às carcaças de gado. Os chamares não apenas remo .. externar o respeito adequado às classes superiores, é a mo-
vem a pele dos animais mortos mas comem a sua carne. A bilidade para baixo .na próxima vida. Assim, o infortúnio e
desonra e a degradação resultantes de tais atos são insupe- o mal nesta vida se devem a transgressões, particullirmente
ráveis. 18 contra os brâmanes, na vida precedente. Por outro lado, se
A este respeito, é útil observar que, embora existam o indivíduo aceita com paciência a sua sina e cumpre os
diferenças culturais nas definições de limpeza e poluição, deveres da casta, de acordo com essas crenças a recompensa
será o nascimento numa casta mais alta na próxima reen-
carnação. Há razões para o ceticismo quanto à extensão em
pessoa torna-se um fora de casta ao violar os tabus de sua ca~ta, sendo por isso que os intocáveis realmente acreditavam em tais noções,
punida, geralmente por um conselho de casta, com a expulsão d,a casta na qual especialmente porque eles são em grande parte excluídos da
nascera. Na ordem social hindu, tanto os intocáveis como os fora de casta são
quase não-pessoas. Os intocáveis nascem para esta condiç[io, os fora de casta "alta" cultura hindu. Por sua vez, existem evidências da
C~lem llela. Fora da Il1dia existem grupos similares como os ela, um estrato fora de aceitação dessas crenças. 19
casta 0<1 sociedade japonesa pré*moderna. Como a literatura referente aos into-
cáveis é de certa forma superior, limitarei a análise a eles.
(18) Parafraseado e ligeiramente resumido· de George W. Briggs, The (19) Briggs, Chamar.'!, pp_ 200-201, afirma categoricamente que os cha*
Chamar.'!, p. 20. mare~ aceitam aS doutrinas de transmigração e de karma. Hazari, Ulltollclzable:
92 o SENTIDO DE INJUSTIÇA", INJUSTIÇA 93

Os indicios mais evidentes sobre a interl1alização dos luição somente pelo toque. 22 Embora tais práticas demons-
padrões morais da sociedade da qual são vítimas vêm das trem a aceitação, por parte dos intocáveis, de pelo menos
práticas relacionadas à poluição entre os intocáveis. A cren· alguns padrões morais mais importantes da sociedade do-
ça na poluição é um dos pilares mais importantes de todo o minante que os cerca, o esforço de ascender na escala
sistema de casta, reforçando as distinções econômicas e de castas mostra que a aceitação desses padrões não é a
políticas, embora sem coincidir exatamente com elas. O sis- mesma coisa que o contentamento com sua aplicação na
tema de castas hindu organiza-se idealmente e, em grande prática.
medida na prática, como uma série de gradações de status Por si só, esse conjunto de crenças é insuficiente para
entre as concepções polares de pnreza e santidadé, por um explicar por que os intocáveis aceitam sua posição. Seria
lado, e degradação e in;lPureza, por outro. Na sociedade mais esclarecedor saber como tais idéias se originaram, e
hindu, como em toda parte, a poluição é uma categoria ao mais ainda, como os intocáveis foram levados a aceitá-las.
mesmo tempo política e religiosa: refere-se à "matéria fora Para essas questões é quase certo que jamais teremos res-
de lugar" ou algo a ser evitado. Assim, a poluição serve postas, perdidas hoje nas profundezas da história." Por on-
para ocultar aspectos desagradáveis da ordem social para tro lado, um corpo substancial de evidência revela as san-
as castas dominantes e reforçar tais aspectos em benefício ções concretas, através das quais essas concepções - ou, ao
delas. 20 menos, o comportamento adequado - são inculcadas e
Entre os próprios intocáveis, há nítidas divisões que mantidas entre os intocáveis. Um propósito fundamental
estabelecem várias subcastas. Essas divisões distinguem vá- dessas sanções é o de impedir os indivíduos intocáveis de
rios graus de impureza ou potencialidade para a poluição. adquirir qualquer sentido de auto-estima que pudesse de-
Os membros de castas separadas dos intocáveis não come- safiar a autoridade das castas superiores. Do mesmo modo
rão em conjunto, nem tomarão a água uns dos outros, ao que as antig'as normas militares, a etiqueta das relações
mesmo tempo em que o casamento entre estas é proibido. entre as castas serve para traçar a linha entre o permissível
Ainda em 1960, o ,governo indiano achou necessário não e O proibido, a um ponto bastante aquém do que é realis-
apenas construir poços separados para os intocáveis, nas ticamente perigoso para os grupos dominantes. A dimensão
aldeias, como também construir poços diferentes no seio dessa margem de segurança nas relações com os intocáveis
das castas intocáveis. 21 Da mesma forma, algumas castas é em si uma indicação da natureza potencialmente explo-
intocáveis buscam melhorar sua condição, através da imi- siva da situação.
tação dos costumes e tabus das castas superiores. Em certas Em épocas passadas, os intocáveis não podiam entrar
partes da Índia, essa forma coletiva de automelhoria con- em ruas e caminhos utilizados pelos hindus de casta, em
duziu a uma situação onde, adma dos intocáveis impuros, muitas regiões da Jndia. Se o fizessem, eram obrigados a
estão os intocáveis puros, que abandonaram a carne e ou- carregar vassouras para varreras pegadas que deixavam na
tras dietas poluidoras. Aos intocáveis puros atribui-se a po-

(22) G. S. Ghurye, Caste, Class and Occupation, p. 228.


The AlIlobiography Df ali Indian Ouicaste, pp. 4, 16, 18, 33-34, 36, 65, fornece (23) Sabe-se que o sistema de 'castas, incluindo a intocabilidade, existia
ulna variedade de referências concretas à aceitação de tais crenças. Os yogis eram em forma não muito diferente da dos tempos modernos numa época tilO remota
uma das fontes da transmissão de tais doutrinas aos intocáveis (ver pp. 18, 36). como as leis de Manu. Pal'a algumas citações textuais dns leis de Mallu que vêm
(20) Mary Douglas, Purity afld Dallger: An Ana~wds 01 the COl/cepts oi em apoio a essa vis:lO, ver Hastings, Encyclopaedia vi Religion (mc! Ethics, lI.
l'ollutioll alld Taboo. p. 95; ·III .. p. 234. A tese da antigüidade dos intocáveis tem sido calorosamente
(21) Harold R. Isaacs, 111 dia 's Ex-Ulltouclwbles, pp. 29, 52. questionada por muitos intocáveis hoje em dia; a meu ver, incorretamente.

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94 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 9S

terra atrás de si. Em outros locais, os intocáveis não podiam a escravidão no hemisfério ocidental, arriscaria a sugestão
contarninar a terra com. o seu cuspe, mas tinham de carre- de que a etiqueta não marcava, de forma tão dolorosa, a
gar uma caixa em torno do pescoço para manter puro o consciência de inferioridade entre os intocáveis como o fa-
chão reservado ao cuspe dos hindus de casta. Em outras zia entre os escravos.
regiões da India, um intocável deveria gritar em advertên- Por menos invejável que fosse sua condição, os intocá-
O;, cia, antes de entrar numa rua, de modo que as pessoas pu-
~:
veis não eram escravos, ou, pelo menos, não o eram, via de
:;; ras pudessem afastar-se do caminho de sua sombra conta- regra, na maior parte das regiões da Índia. Na área rural,
minadora. Ainda em outros locais, havia rígidas leis sun- vale dizer, na esmagadora maioria da população da Índia
tuárias limitando o tipo de moradia na qual os intocáveis na época pré-moderna, os intocáveis eram servidores here-
podiam viver, bem como os estilos de roupas ou uniformes ditários. Hazari, que, como membro de uma casta de lim-
que poderiam usar. Eram também bastante difundidas as peza, varreu ruas, limpou latrinas e recuperou animais
proibições contra o ingresso deles em qualquer templo in- mortos, fornece um bom relato concreto das relações com
diano ou em residências de hindus de casta. 24 aqueles para os quais sua casta trabalhava. A família de seu
É necessário cautela ao interpretar o significado dessas pai serviu a um número limitado de casas de senhores, de
sanções para a vida cotidiana. A sua simples enumeração, geração para geração, aparentemente durante séculos. De
especialmente as mais pitorescas, das mais variadas regiões acordo com a lei não escrita, se sua família quisesse nm-
da 1udia, poderia oferecer uma impressão exagerada. Ha- dar-se da cidade, deveria, em primeiro lugar, encontrar
zari, um intocável, expressa, em sua autobiografia, a acei- outra família intocável para tomar seu lugar. As castas su-
tação de sua "posição na vida", sem sinais de ressenti- periores não podiam escolher quem iria trabalhar para elas.
mento, ao menos na infância. 25 Somente a meio caminho Se a família de Hazari assim o desejasse, ela teria vendido o
andado em sua história de vida, ele relata o primeiro epi- seu direito de trabalhar em suas ruas a outra família da
sódio que considerou humilhante. mesma casta. Mas essas vendas eram raras, porque signi-
ficavam a perda do direito de nascença e da reputação fa-
Certa manhã, enquanto eu avançava por essa rua miliar. 27 Tal era, e em muitos aspectos ainda continua a
muito estreita, vi algumas crianças hindus de casta superior ser, o sistema econômico no qual a etiqueta se inseria e que
que vinham enl nlinha direção; mas, tão logo me viratn, ela servia para manter. Cada aldeia constituía um sistema
encostarmn-se contra o muro, e uma delas gritou para .aS altamente independente de intercâm1;>io de bens e serviços
outras que tomassenl cuidado com o intocável. Aquilo me regulamentado pelo sistema de cq,:;;ta. Embora se tenha tra-
afligiu profundamente, talvez pOl'que eu estivesse fraco de-
vido à moléstia, e, pela primeira vez, dei-me conta de Urt1
vado alguma discussão sobre o tema entre os especialistas,
ódio real dentro de mim. 26: em minha perspectiva é apropriado designar tal sistema
como uma forma de reciprocidade exploradora. Ele era ex-
Embora atualmente exista muito menos informação so- plorador porque o ônus principal das obrigações recaía so-
bre a etiqueta de casta dos intocáveis que a disponível para bre as castas inferiores, especialmente os intocáveis, e os
benefícios mais importantes fluíam para a casta dominante ..
Não obstante, era um sistema de direitos e deveres consi-
(24) Isaacs, In dia 's Ulltouchables, pp. 27-28. derado legítimo por suas vítimas. Havia conselhos da casta
(25) Ver Untouclzable, pp. 41, 51, 66, 69 . .
(26) Hazari, Untouclzable, p. 91. Ê impossível delerminar.a época exutn
em que ocorreu este episódio. A partir do contexto, parece que Hazari cra então
um adolescentc~ (27) Hazari, Untouchable, pp. 5, 8-9.
96 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 97

dos intocáveis que puniam os indivíduos da casta que dei- sentaria um grave equívoco. O orgulho na resignação é algo
xassem de cumprir com suas obrigações para com oS seus que existe. Que mais poderia tornar a situação deles tole-
próprios sistemas. 7.8 rável? Conforme relata Harold Isaacs, com detalhes revela-
Embora sejam fragmentárias as evidências relativas ao dores, atitudes similares permaneceram bastante difundi-
impacto dessas sanções sobre a personalidade de cada into- das, mesmo em áreas urbanas, embora modificadas e ques-
cável, existe prova suficiente para se sustentar duas genera- tionadas pelas novas condições. Ele observa que grandes
lizações exploratórias. O impacto do sistema era profundo, massas de ex-intocáveis, do ponto de vista jurídico, conti-
no sentido em que os intocáveis efetivamente aceitavam a nuam a ser intocáveis, não apenas de fato, como em suas
legitimidade de seu próprio status inferior e das obrigações próprias mentes, vivendo, nas palavras de um alto político
que deveriam desempenhar. Todavia, parece altamente ex-intocável, "em prisões psicológicas". Um amigo brâ-
provável que eles jamais o faziam de forma total ou com- mane contou a Isaacs o seu retorno da escola num ano da
pleta. Há muitos indicios de ambivalência e agressões a se- jilventude, todo inflamado de entusiasmo pela emancipação
rem discutidos em seguida. Para ser exato, esses dados es- da Índia de seu passado morto. Ele encontrou um velho
tão em certo sentido contaminados. Com a modernização, intocável, em pé diante dos portões de sua casa. "Entre",
as regras tradicionais entraram em decadêneia. As influên- exortou o jovem, dirigindo-se ao velho: "Venha para dentro
cias estrangeiras e as crescentes pressões econômicas evi- da casa". O homem continuou no lugar e olhou para ele
dentemente geraram entre os intocáveis uma série de pres- ru;;peramente: "Você pode ter abandonado sua religião, pa-
sões psicológicas insuportáveis. Ainda assim, descontando- trãozinho" - disse o velho - , "mas nós não renunciamos
se os óbvios traços modernos e combinando o que perma- a, nossa
' ".
nece com os fatos conhecidos sobre os tempos passados, é Tampouco é difícil discernir a fonte dessas atitudes
possível vislumbrar o significado social e pessoal de se ser mesmo entre os jovens. Em outra passagem, Isaacs men-
um intocável. ciona uma entrevista com um jovem de 23 anos, bastante
Ao aconselhar seu filho, em certa ocasião, o pai de Ha- vivaz, que deixara sua aldeia para viver na cidade. Em Sl,la
zari sintetizou a ética tradicional do "bom servidor": "Ja- adolescência, ele pudera andar livremente com outros estu-
mais roube, jamais jogue, nunca conte mentiras que pos- dantes, mas ainda não tinha permissão para entrar em suas
sam ferir a outra pessoa, nunca despreze nenhum trabalho casas. Os intocáveis, relatava o rapaz, podiam subir às va-
por mais sujo que seja, jamais tome a mulher de outro ho- randas dos hindus de çasta superior, mas não podiam in-
mem, beba somente com moderação e sempre agradeça a gressar no interior das casas ou beber água. Sua família o
Deus, ainda que você tenha apenas um pedaço de pão seco instruíra: "Não toque. Não vá. Não faça isso. Não faça
e um copo de água por alimento" . 29 Desconsiderar esse tipo aquilo. Eles podem ficar com raiva. Você pode apanhar. É
de afirmativa como mera camuflagem ou retórica repre- . melhor ficar quieto". Em todas as suas viagens, Isaacs en-
controu apenas uma pessoa que fora impelida, pelas cir-
cunstâncias humilhantes e ofensivas que ainda cercavam a
(28) Para uma revisão sistemática da literatura, ver Pauline Mahar Ko- vida dos intocáveis, a uma condição de ódio viólento e aber-
lenda, Toward a Model of lhe Hindu Jajmafli System, pp. 11-31. Edward B. Har- tO.Não deixa de ter algum interesse picante saber que este
per, "Social Consequcnces of an 'Unsllccesfull' Low Caste Movement" ill Silver-
berg (org.), Social Mobility in the Gaste System in lndia, pp. 37-65, oferece uma
episódio aconteceu quando Isaacs comparecia a um encon-
análise histórica instrutiva das relações entre a casta intocável e seus empregado- tro com um grupo de estudantes. Nessa ocasião, um joverri
res no sudeste da I ndia, desde o início do século XIX até f)S dias atuais. exclamou: "O Partido do Congresso faz de tolas as Castas
(29) Ha.zari, UlItollchable, pp. 153-154. Ordenadas! Precisamos nos revoltar contra todo o sistema
98 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 99

de casta! Metade dos hindus de casta deve ser assasúnadR, enquanto tal. Elas representam uma forma da demanda
imediatamente! Não posso mais tolerar isso!". 30 usual de tratamento, que forneça uma medida de auto-res-
Numa investigação ra'wavelmente diligente da litera- peito, no seio dessa ordem.'" Uma vez que a ordem vigente
tura sobre o tenla, não fui capaz ele encontrar qualquer tra~ é a única que eles jaluais conheceram, seria inconseqüente
ço de revolta aberta entre os intocáveis. Na ausência de al- esperar um sentimento diverso. Num inspirado trecho lite-
gum aparelho repressivo severo - não havia certamente rário, Isaacs menciona o exemplo de um jovem. intocável
nada que se assemelhasse à infame lcripteia, a polícia se- que, na década de 1920, comprou uma briga na escola
creta espartana, utilizada para subjugar os hilotas - pa- quando foi chamado por seu nome de casta. Em épocas
rece bastante seguro que na sociedade hindu deve ter ocor- recentes, surgiu entre outros grupos de intocáveis, basica-
rido o que os psicólogos denominam interiorização das nor- mente urbanos, uma resposta que é indubitavelmente nova:
mas. Neste caso, de qualquer modo, seria mais preciso falar a insistência em seus próprios direitos, pequenos ou am-
de uma. aceitação da autoridade moral dos opressores. Se plos, e, às vezes, ressentimento aberto frente ao desprezo e
havia um traço definido de ambigüidade nessa aceitação, aos insultos. Os hindus de casta descrevem um indivíduo
isso é válido para toda a moral. que se comporta assim como "orgulhoso de pertencer a
Diversas pistas levam à existência de :;entimentos hos- uma Casta Ordenada". 34
tis. Textos hindus mencionados em um guia oficial deixam As circunstâncias e as tendências históricas podem ob-
transparecer o temor do que aconteceria se os intocáveis se viamente alterar o equilíbrio entre a aceitação da autori-
tornassem demasiado poderosos. 31 No centro-norte d::.lndia da de moral do opressor e várias formas de ofensa. As úl:
atribuía-se aos .intocáveis o envenenamento do gado. De timas não culminam necessariamente numa rejeição dessa
modo geral, eles gozavam de uma má reputação para o autoridade moral, embora constituam provavelmente um
crime, que um autor considerou exagerada. No entanto, tal ingrediente essencial dessa rejeição.
reputação para a criminalidade era uma das bases princi- Encerrando o esboço sobre'os intocáveis, é conveniente
pais do desprezo votado aos intocáveis. 32 Ê possível vislum- relembrar alguns aspectos institucionais mais gerais da si-
brar aqui o trágico círculo vicioso no qual as circunstâncias tuação por eles enfrentada, que podem auxiliar-nos a en-
geram suficiente hostilidade entre os grupos oprimidos, a tender sua atitude. Enquanto minoria, embora numerosa e
ponto de tornar pior sua situação. Em outras regiões, esta- espalhada por todas as partes da Jndia, eles dispunham de
vam presentes reações padronizadas aos intocáveis, consi- escassa perspectiva realista de derrubar a ordem social,
derados como relapsos e ineficientes no trabalho, ignoran- ou de substituir OS sacerdotes e proprietários de terra pelos
tes, incompetentes e dissimulados. M lis uma vez, esse com- limpadores de latrina. ainda que a idéia lhes tivesse ocor-
portamento reforçava o estereótipo ;;ustentado pela casta rido. Na literatura que conheço, não há sinal de que uma
dominante quanto ao caráter das pes30as de casta ·inferior. tal idéia apareça espontaneamente. Quando ela efetiva-
Um sinal do advento dos tempos modernos foi a recusa mente ocorre, como talvez fosse o caso do jovem estu-
dos intocáveis em compelir um membro da casta a cumprir dante irado que Isaacs menciona, as chances são quase ab-
suas obrigações. Tais reações são, é certo, perfeitamente solutas de que sejam conseqüência de contato externo. No
compatíveis com a aceitação persistente da ordem vigente seio dessas castas inferiores, eram extremamente limitados

(30) Isaacs, 11ldia's Ex-UntoucJwbles. pp. 33,60,161. (33) Harpel', "Social Consequences of an 'Unsuccesful1' Low Caste Move-
(31) A.L.Basham, The Wonderthat Was In dia , p. 145. ment", pp. 48-49, 60-61.
(32) Briggs, Chamars, p. 235. (34) Isaacs, bzdia 's Ex-Untouchables, pp. 43, 133.
INJUSTIÇA 101
100 o SENTIDO DE INJUSTIÇA".
. ximode violência e coerção. Sob tais circunstâncias, poder-
os recursos à negociação política mais pacífica. Como ou- se-ia esperar que o sofrimento parecesse mais injusto e não
tras pessoas em posições similares, os únicos recursos que dispusesse de nenhuma autoridade moral. Não foi esse o
eles dominavam eram os serviços desempenhados. Eles po- caso. Parafraseando Shakespeare, alguns homens buscam
diam cumpri-los relutante e ineficientemente e, em épocas o sofrimento; outros, nascem para sofrer; outros, ainda, são
mais modernas, podiam, em determinadas ocasiões, enga- forçados ao sofrimento. Em cada um dos casos, um número
jar-se em ações coletivas para recusá-los. Mas os obstáculos considerável de vítimas sente que '0 sofrimento se apresenta
à ação combinada eram enormes e as perspectivas de vitória com autoridade moral. Aquilo que é ou parece ser inevitá-
incertas. vel para os seres humanos deve também de alguma forma
fi impossível saber em que medida uma percepção des- ser justo.
ses fatores institucionais mais amplos poderia filtrar-se até Sob o regime nazista, alguns prisioneiros dos campos
a consciência de cada intocável. Ainda assim,mesmo que de concentração vieram a aceitar a· autoridade moral de
pudéssemos sabê-lo, tal conhecimento não seria decisivo. A 'W" ..... seus opressores através de processos bastante complexos
falta de uma perspectiva realista de sucesso, uma forma de .,'.'-"" que procurarei agora explicar. JS Em certos campos, essa
realismo que somente pode ser bastante aproximada, não a'ceitação chegou, às vezes, ao ponto de alguns presos pro-
impedia de modo algum que grupos oprimidos se revoltas- curarem alcançar a identificação com os SS, copiando seu
sem. (A revolta no gueto de Varsóvia contra os nazistas ofe- estilo de vestir (na limitada medida do possível), de uma
rece um exemplo bastante claro e recente.) Assim, somos maneira que seria ridiculamente cômica, se as circunstân-
levados de volta à explicação de que por alguma razão o cias não tivessem sido tão trágicas. Embora a maioria dos
espírito de revolta não podia surgir nessas circunstâncias prisioneiros não chegasse a isso, o grau de aceitação é sur-
históricas e sociais específicas. Ou ele não podia ocorrer aos preendente. Como e por que as respostas diferentes se de-
intocáveis espontaneamente, ou era retirat:lo deles, quando senvolveram?
não uma combinação das duas coisas. Tal explicação pode O foco nos aspectos sociais produz uma resposta du-
ser ofensiva às vítimas do infortúnio histórico e especial- pIa, quase dialética. Em sua operação dos campos, os SS
mente .ofensiva àqueles que estão hoje engajados na ação procuravam deliberadamente romper todos os vínculos so-
militante para desfazer esse infortúnio. Entretanto, se a ex- ciais entre os presos e reduzi-los a uma massa afomizada,
plicação é válida, a base para a ofensa desaparece, porque homogênea e desamparadamente degradada. Em grande
sentir-se .ofendido implica a existência de oportunidades medida, eles o conseguiram. No entanto, oS SS não podiam
morais que simplesmente não estavam presentes aÍ. levar essa política de atomização da população prisioneira à
sua conclusão lógica. Era necessária uma cooperação mí-
nima dos presos, afim de efetuar a rotina diária de con-
Campos de concentração duzi-los aos dormitórios,alimentá-Ios e obrigá-los a traba-
lhar. Além disso, havia aspectos da vida na prisão, face aos
No caso do ascetismo, o sofrimento aparece como uma quais os guardas não queriam se preocupar. Em decorrên-
opção auto-imposta devido à incapacidade de enfrentar um
meio ambiente perigoso e imprevisível. Entre oS intocáveis, (35) Embora minha análise e minha utilização dos dados difiram da co-
nhecida comparação entre a escravidão das p/anta/ions e os campos de concen-
o sofrimento não foi uma questão de escolha, mas de des- tração em Stanley M. Elkins, Slavery: A Prob/em in American Instilutiolla! alld
tino. Em contraste com a situação tanto dos ascetas como lmellectual Life, pp. 104-115, seu trabalho fez-me consciente da relevância teó-
dos intocáveis, os prisioneiros de campos de concentração rica potencial dessa experiência humana.
viram-se forçados à crueldade e ao sofrimento, com um má-
102 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
Y'~-,;' INJUSTIÇA 103
na, existiam formas em que podiam surgir, e realmente
surgiam, redes informais de cooperação entre os prisionei- campos destinavam os prisioneiros ao trabalho exaustivo.
ros, com o intuito de mitigai' ao menos alguns dos rigores de Eles controlavam praticamente todos os momentos da vida
uma guerra hobbesiana de todos contra todos. A síntese desperta dos prisioneiros, a ponto de lhes concederem ape-
dessas duas tendências opostas para a atomização e a coo- nas períodos escolhidos para urinarem e defecarem. Evi-
peração era, como veremos, o seu aspecto mais hOl'1'ível. Os dentemente, uma das conseqüências era tornar os ptisionei-
5S eram capazes de perverter, para seus próprios objetivos ros quase completamente dependentes dos guardas dos
cruéis, as l'edes de cooperação social que se originavam es- campos. A partir de experiências realizadas pelos psicólo-
pontaneamente, as quais, de outra maneira, teriam cons- goS com animais, parece seguro concluir que esse regime de
tituído Iocos de oposição ou de desintegração da sociedade privação extrema, mas não absoluta, também intensificava
dos campos. Finalmente, indivíduos diversos, marcados por a fome, e talvez outros impulsos, de modo a acelerar os
experiências históricas e sociais diferentes, mostravam suas processos de aprendizado adaptador. 3'
próprias variações em sua capacidade para sobreviver, as- Assim, desde o momento do ingresso, o prisioneiro es-
sim como em sua escolha ou rejeição das estratégias de so- tavasujeito a um regime de privação agudamente doloroso
brevivência que a sociedade dos campos criava. e de temor por sua sobrevivência. Ao lado dos espancamen-
Ao ingressar nos campos, os prisioneü'os defrontavam- tos selvagens por parte dos SS, se a pessoa por acaso cha-
se com "cerimônias de boas-vindas" ele natureza absoluta- masse sua atenção, o prisioneiro podia ser assassinado em
mente brutalizante, uma série de experiências que iria con- virtude de infrações a uma disciplina arbitrária e incerta.
tinuar durante o resto de sua permanência. 36 Como vere- De tal modo, é suficiente explicar o comportamento dos
mos, pOl'ém, grande parte da bestialidade vinha do com- presos pelo temor aos guardas, e a aceitação da moralidade
portamento de outros prisioneiros na mesma situação. Es- dos SS - quando ocorria - não passava de simulação?
ses ritos de passagem traumáticos produziam dois efeitos Acredito que a resposta é negativa. Como mostrarão os
relacionados. O primeiro era a degradação direta, a des- detalhes a serem revelados no devido momento, o compor-
truição do auto-respeito do preso, o desaparecimento de tamento de pelo menos uma boa parte dos prisioneiros ul-
qualquer individualidade ou status que ele pudesse ter des- trapassava a simulação acreditável. O condicionamento,
frutado no mundo exteriOT. 37 O segundo, os funcionários como sabemos, pode transformar as atitudes. Há duas con-
dos campos "trabalhavam" os prisioneiros, a fim de torná- siderações adicionais. Em primeÍl'o lugar, os prisioneiros
los tão parecidos quanto possível, conferindo-lhes unifor- acostumavam-se ao medo. A brutalização entorpecia os
mes e números, após confiscar-lhes os bens pessoais. seus sentidos. Mais ainda, mesmo que o poder e a influên-
Essas ações eram o início de um regime que privava os cia do SS fossem penetrantes, estes quase sempre apare-
presos de tudo, exceto de um mínimo de comida e um mí- ciam como um furacão para logo em seguida desaparece-
nimo de sono. Tão logo quanto possível,. os guarda.s dos rem. Até onde o medo era um componente relevante, na
, l'
maior parte do tempo não se tratava de medo dos SS. Era
(36)' Para uma viva descrição de tais cerimônias, ver Eugene Kogon, Der
SS-Staat: Das Syslem der Deutschen KOllzentratiollslttger, pp. 72-79. Uma intet"-
(38) Cohen, lIwnall Belwvlor, p. 135, menciona o caso dos oficiais aliados
pretação mais psicol6gica pode ser encontmda em Elíe AroIl Col:ten, Ilumafl Be-
feitos prisioneiros pelos japoneses, que, às vezes, achavam impossível manter sua
havior Úl lhe Concentratioll Camp, capo In. recusa a trabalhar para o inimigo, quando este lhes prometia uma ração extra de
(37) Sobre processos semelhantes et'n contextos diversos, ver a conhecida
arroz. Trata-se de condicionamento ou cooptação em sua forma mais pura. Nos
descrição dos procedimentos de admissão nas "instituições totais", por Erving
campos de conc~ntração, entretanto, a questão não parece ter sido tão simples,
Goffman, AsyluJ1ls, pp. 14-35. cmbora uma pequena quantidade de comida adicional fosse uma recompensa
crucial.
INJUSTIÇA lOS
104 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
Ao lado das pressões geradas internamente, a hetero-
medo dos outros prisioneiros. De acordo com um dito co· geneidade da comunidade prisioneira tornava a cooperação
mum nos campos, os prisioneiros eram, eies mesmos, os e a solidariedade, bem como a conseqüente resistência,
seus piores initnigos. 39 quase impossíveis. 4J Os campos continham prisioneiros de
U ma das formas mais amenaS dos prisioneiros prejudi- ambos os sexos, de todas as idades e condições sociais, de
carem-se entre si era o furto. Devido apenas em parte à membros da alta nobreza aos mais inferiores criminosos co-
competição por recursos escassos, havia uma ruptura gene- muns. Havia também prisioneiros de diferentes origens ét-
ralizada dos vínculos sociais. Cohen cita a declaração de nicas entre os quais, amiúde, ocorria hostilidade violenta,
uma prisioneira: "Você sobreviverá ou sobreviverei eu? Tão mesmo entre os judeus de diferentes nacionalidades. Em
pronto isso estivesse em jogo, todo mundo se tornava egoís- Theresienstadt, os judeus tchecos com freqüência odiavam
ta".4{) Uma vez que a própria sobrevivência em geral exi- os judeus alemães. Num certo momento, os judeus tchecos
gia algum grau de cooperação entre os prisioneiros, a de- diziam: "Agora os alemães verão o que significa o 'trans-
sintegração social não era de modo nenhum completa. porte'!" . (Transporte era o eufemismo empregado para de-
Para um grande número de prisioneiros, entretanto, a falta signar o embarque de prisioneiros para um campo· de ex-
absoluta de privacidade, a impossibilidade total de ficar só, termínio.) Os judeus tchecos também lutavam cóntra os
tornava a situação menos suportável. A intimidade forçada sionistas. 44 Nem a repressão, nem a miséria eram suficien-
pode ser um inimigo da solidariedade e da cooperação. 4l tes para unificar aqueles que chegavam à situação com he-
Desse modo, o temor e a hostilidade dos prisioneiros ranças e expectativas muito diversas.
uns frente aos outros não eram, de forma algnma, apenas . Tais variações no background social e cultural tinham
uma conseqüência de qualquer intervenção direta ou polí- conseqüências muito importantes na determinação da res-
tica deliberada por parte dosSS. Um outro fator era que os posta individual à vida do campo de concentração e na de-
criminosos comuns constituíam uma razoável parcela da corrente capacidade para sobreviver, a despeito de todos os
população dos campos. Nas populações carcerárias norte- esforços dos guardas para pulverizar os prisioneiros numa
americanas o mesmo temor e a mesma suspeita estão pre- massa atomizada. Os indivíduos apolíticos com passado de
sentes. A existência de apeuas um pequeno número de "fo- classe média, incluindo os judeus assimi1acionistas, eram os
ras-da-Iei entre os foras-da-Iei", com efeito, rufiões que mais passíveis de se desintegrarem e sucumbirem. Embora
procuram tirar vantagem dos outros prisioneiros e lhes rou- injustamente aprisionados, eles não se atreviam a se opor a
bar, é certamente o bastante para criar tal atmosfera. 42 seus opressores, mesmo em pensamento, como observa Bet-
- ~
telheim, embora isso lhes pudesse conferir um auto-respeito
de que desesperadamente precisavam. 45 Muitos deles esta-
(39) Kogon, SS-Staat, p. 372; Bruno Bettelheim, The ll1formed Heart, vam inclinados a pensar que tudo aquilo era um horrível
p.186. equívoco, uma reação talvez característica de indivíduos
. (40) Cahen. Hwnall Behapior, pp. 123-i24. Ver também p. 136. Existem
aqui coincidências surpreendentes com o comportamento dos africanos que per-
deram seus campos de caça tradicionais, conforme o rela to de Colin M. 1ilrnlmll.
The MOl/ntain People, pp. 135-154. menos à competição por recursos escassos, como o alimento, que a uma relutância
(41) O mesmo efeito ocorre às vezes em comunidades juvenis, segundo me gerieralizada dos prisioneiros a se identificarem entre si" porque lodos eles são
contaram, podendo ser mais forte entre pessoas de classe média. rotulados como passíveis de. auxílio psiquiátrico. Ninguém quer identificar-se com
(42) Grcsham M. Sykes, The Society of Captil'cs: A Stlldy of a Ma~imum lima pessoa que carrega tal estigma.
Security PrisOIl, pp. 76-78, 90-91. Uma atomização semelhante, com a perda da (43) Cohcn, Human Behavior, pp. 208-209.
solidariedade entre os prisioneiros, tem lugar no regime muito mais ameno de (44) Hans Günther Adlcr, Theresiensladl1941·1945, pp. 123,203.
uma prisão norueguesa analisada em Thomas Mathiesen, The Defences of lhe (45) Bettelheim,lnlormed Hearl, p. 120.
Weak, especialmente, pp. 124, 132, 141. Aí, a situação parece ser devida bem
"'-"".--,.
106 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 107

privilegiados. ,16 Para lDuitas pessoas alemãs de classe mé- sim tomado posse deles, de tal forma, que não podiam par-
dia, o desaparecimento de todos os "espartilhos sociais'!, a tir; ao invés de utilizá-los, eram dirigidos por eles". 50
reconfortante etiqueta e títulos de respeito e status repre- A mesma tendência podia se desenvolver mesmo no in-
sentavan1 um. traumático choque que não podiam supor- terior de um campo. Em Theresienstadt, houve uma vez um
tar. 47 Para alguns, o sentinlento de ser inocente e ainda ter curto período de "normalização", que chegou a incluir
de sofrer despertou a. autopiedade e privou-os da energia a abertura de um café. Logo depois, seguiu-se uma breve
necessária à sobrevivência. ·\8 interrupção dos transportes para os campos de extermínio.
Os judeus alemães que foram para Theresienstadt, no A conseqüência foi úma onda de auto-ilusão otimista entre
verão de 1942, exibiam uma forma extrema dessa reação. os prisioneiros, que Adler acuradamente atribui à "die ge-
Eles eram de idade madura, educados na fé cega na lei e na fahrliche Macht der Gewohnung", a perigosa capacidade
ordem. Agora, não podiam enxergar que essa lei e essa or- de acostumar-se às coisas. 51 É difícil encontrar uma ilustra-
dem tinham-se desintegrado por completo. Incapazes de ção mais espantosa das possibilidades letais desse traço tão
compreender por que estavam no campo de concentração, necessário e altamente desenvolvido do Homo sapiens.
eles colocavam a culpa pelas condições do campo menos Talvez fosse mais exato caracterizar as respostas de
nos SS que em "mal-entendidos" ou em falhas da adminis- classe média que acabamos de descrever mais como uma
tração interna, que neste caso estava nas mãos de outros forma de capitulação à autoridade moral do opressor do
judeus. Suas maneiras eram amiúde formais, pedantes e de que como uma aceitação desta. A forma mais extrema de
uma correção tragicômica. 49 capitulação foi a dos "muçulmanos", mortos-vivos que ha-
Entre os prisioneiros de classe média, um outro ele-· viam abandonado qualquer esforço de afirmação contra um
menta que fatalmente debilitava a sua capacidade de resis- meio ambiente esmagador. Em primeiro lugar, eles renun-
tência e adaptação, tanto dentro como fora dos campos, era ciaram a toda ação como completamente inútil; em se-
a tendência a se apegarem à segurança das rotinas conhe- guida, resignaram-se a não sentir, pois o sentimento era
cidas. Bettelheim faz algumas considerações críticas pene- basicamente doloroso ou perigoso, quando não as duas coi-
trantes sobre o outrora muito popular Diário de Uma Jo- sas. Nos últimos estágios, eles ainda obedeciam a ordens,
vem, de Anne Frank, mostrando como o esforço da família no sentido de que moviam seus corpos quando eram insta-
Frank para manter sua vida privada usual levou··a à des- dos a fazê-lo, mas tinham deixado de praticar qualquer ato
truiç.ão. Em Buchenwald, Bettelheim perguntou a muitos por si sós. Quando os outros prisioneiros reconheciam o que
prisioneiros judeus alemães por que eles não tinham dei- estava acontecendo, eles se separavam desses homens mar-
xado a Alemanha antes, em virtude das condições absoluta- cados porque mais ligação com eles somente poderia con-
mente degradantes às quais já tinham sido submetidos an- duzir à sua própria destruição. Por fim, esses homens dei-
tes de 1938. Suas respostas iam no sentido de que eles não xavam completamente de agir e morriam. Essa tentativa de
podiam partir, porque isso significaria abandonar os seus refugiar-se de modo absoluto no interior do eu e de cerrar-
lares e locais de trabalho. "Seus bens materiais tinham as- se a qualquer estímulo externo, juntamente como o declínio
dos impulsos instintivos (no último estágio eles deixavam de
(46) Alexander Weissberg, um reconhecido físico soviético, teve a mesma comer), exibem similaridades sugestivas com algumas for-
reação face à sua prisão na União Soviética. Ver Weissberg. C01l.spiracy of Si-
lence, pp. 84, 103, 217.
(47) Kogon, SS-Staat. p.367.
(48) Cohen, Human Behavior, p. 144. (50) Bettclheim, /njúTmcd lfeart, pp. 253, 258.
(49) Adler, Theresiellstadt, pp. 107,304. (51) Adler, TheresienSlOdt, pp. 128.129. .
108 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 109

rnas de ascetismo. 52 No caso dos "muçuhnanos" , o processo apenas a elas. Eles constituíam um grupo coeso e procura-
autodestrutivo ia mais longe. O ascetismo constituía uma vam, em alguns campos, obter o controle da maior parte de
tentativa de controlar. um meio não manejável. Entre os sua administração, incluindo duas funções-chave: a distri-
"muçulmanos", a tentativa era abandonada como impos- buição de turmas de trabalho e a designação de prisioneiros
sível. para outros campos de extermínio.
No pólo oposto da escala, todos os relatos concordam Tudo isso era possível porque, como ocorre nessas si-
em qne as mais passíveis de sobreviver eram as pessoas com tuações, os funcionários não podiam controlar, através do
fortes convicções religiosas ou políticas. As Testemunhas de medo e de outras sanções, absolutamente todos os detalhes
Jeová, que eram presas como opositoras de consciência, ti- da vida dos prisioneiros. Algumas áreas de autonomia,. ou
nham possibilidades excelentes. Mais numerosos e com ao menos de pseudo-autonomia, tinham de ser deixadas
mais importância que as Testemunhas de Jeová eram os para os presos, a fim de conseguir que efetuassem coisas tão
prisioneiros políticos com fortes convicções de esquerda. O simples como marchar para os locais de refeição e os dormi-
campo de concentração, em vez de minar suas convicções, tórios, no' momento apropriado. Essa garantia de autono-
como acontecia com os prisioneiros apolíticos, com sua fir- mia parcial fornecia uma brecha que os comunistas tudo
me crença na lei e na ordem, confirmava as idéias e as ex- fizeram para conquistar e expandir como uma cabeça-de-
pectativas dos prisioneiros esquerdistas, ao "provar" que ponte de seu próprio poder. Ao fazê-lo, eles tinham de com-
tais pessoas eram realmente perigosas para os nazistas e petir com outros grupos informais de prisioneiros, particu-
que estes as levavam a sério. Na verdade, eles se orgnlha- l~rmente os existentes entre os presos C0muns. Desse modo,
vam de sua prisão. S3 OS criminosos estavam numa posição surgiam agudas lutas de facção entre os prisioneiros. Os
intermediária. Da mesma forma que a esquerda política, comunistas usavam sua posição para punir seus inimigos, e
eles tinham rejeitado a sociedade burguesa e não viam ra- recompensar os seus amigos e aliados com trabalhos mais
zão em fazer patéticos esforços para se aferrar aos seus sím- seguros, melhor comida e a exclusão da lista dos que deve-
bolos externos. Na visão dos criminosos, a selva do campo riam ser enviados aos campos de extermínio. Os inimigos,
d.e concentração não era totalmente diferente daquela que por sua vez, eram colocados nessas listas. Os comunistas e
eles conheceram anteriormente. O campo de concentração os que atuavam com eles assumiam de bom grado a culpa
tinha o sabor adicional de colocá-los em pé de igualdade inerente às decisões de condenar muitos à morte, na espe-
com banqueiros, advogados e aristocratas. rança de salvar alguns, para pretensamente melhorar as
Entre os prisioneiros políticos, os comunistas desempe- condições no conjunto do campo.54 Como salientava Bettel-
nhavam, sem sombra de dúvida, o papel dominante. Em- heim, eles geravam, desse modo, as típicas justificações e
bora suas convicções fossem essenciais à sua sobrevivência, cegueira sociais de uma classe dominante. 55 Não obstante, .
os comunistas de modo algum deviam sua sobrevivência eles criaram o centro do que havia e podia haver de resis-
tência no interior dos campos, organizando a propaganda
(52) Há também fortes semelhanças com o fenômeno da morte vodu, no clandestina, a distribuição de notícias e fazendo o que po-
qual uma vítima aterrorizada pela magia simplesmente renuncia--às esperanças e diam para minar a confiança e o moral dos 55. Conforme
morre. Para uma explicação dos aspectos psicológicos, ver Barbara W. Lex, Voo- confessa Kogo, um membro não comunista dessa elite de
doo Death: N~~IV Thougths 011 Qll Old Explanatian, pp. 820~821.
(53) Bettelheirn, biformed Heart, pp. 188·189. Sob outras circunstâncias, prisioneiros, eles não podiam mudar as medidas reais: não
esse senso de orgulho dificilmente pode ser mantido. Goffman, A.\ylwlIs, p. 57,
cita uma passagem reveladora, de um opositor de consciência que,
expressa "a curiosa dificuldade que eu sentia em m~ ver como inocente (54) Kogon, SS'Staat, 'pp. 308-310·315.
(55) Bettelheim, lllformed Heart, pp. 184-186.
no o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 111.

podiam impedir os tnmsportes para a morte. Comoadmi· eliminação completa de certas formas de polidez no rela-
nistradores informais dos campos, suas atividades reque- cionamento na vida cotidiana, como o "por favor" e o
daíl1 pelo menos -um míniulo grau de colaboração Conl os "obrigado"; Quando um recém-chegado usava uma dessas
SS. Dessa maneira, eles se tornaram o núcleo da elite dos expressões recebia em geral uma saraivada de obsceni-
campos (Prominenten) em Buchenwald e em outras partes. dades."
Em pouco tempo, um segmento da elite elos campos, Todas as manhãs, por exemplo, os prisioneiros tinham
incluindo os políticos, tornava-se completamente corrupto. de "fazer" suas calnas corretamente, isto é, l'eesiofar os col-
Caixas de alimentos das provisões do campo eram contra- chões de palha de forma que ficassem planos como uma
bandeadas e remetidas às famílias da elite dos prisioneiros. mesa, e alinhar as cobertas de modo que o padrão dos con-
Nas últimas fases da guerra, alguns membros de tal elite troles marcados nas cobertas estivesse perfeitamente ali-
desfilavam pelo campo em roupas sob medida, trazendo pe- nhado. Em algumas ocasiões, os 55 lançavam mão de ré-
quenos cães pela coleira; isso numa época em que os 55 já guas e níveis, a fim de se certificar de que as camas estavam
não portavam botas de cano longo, mas somente sapatos corretamente arrumadas; outros disparavam suas armas
militares comuns. Essas cenas tinham lugar em meio ao por entre as camas para conferir se estavam absolutamente
caos de miséria, imundície, fome e morte. 56 Assim, os cam- lisas. Os prisioneiros tinham de fazer tudo isso, bem como.
pos de concentração forçaram os ativistas revolucionários a ir ao banheiro e lavar-se, .num período extremamente limi-
um papel "reformista" altamente ambíguo. Ainda que tais tado. O resultado geral era um caos frenético, tensão, an-
indivíduos nunca tenham aceito a autoridade moral de seus siedade' brigas e espancamentos entre os presos. Conforme
opressores, ao hüarem contra ela sofreram a sua contami- o' relato de Bettelheim, "a cooperação entre uns poucos
nação. amigos, que existia em algumas unidades, era ineficaz con-
A resistência era basicamente um assunto da elite dos tra a desordem selvagem que reinava entre a maioria. Os
prisioneiros. A massa dos internos formava ou era incluída que dormiam nas fileiras de cima desarrumavam os col-
em outras redes sociais. Essas redes surgiam em torno da chões daqueles que ficavam embaixo e os que ficavam lado
coabitação no mesmo dormitório ou da designação para o a lado freqüentemente faziam o mesmo". 58
mesmo destacamento de trabalho. Em ambas as situações, A hostilidade era especialmente intensa contra os re-
os S5 estabeleciam tarefas cuja realização estava acima das· cém-chegados. Os prisioneiros antigos tinham um orgulho
forças da maioria dos seres humanos, particularmente de de sua própria resistência em ter sobrevivido, tornando-se
pessoas semimortas de fome. Uma falha de qualquer prisiQ- um "tarimbado", que passava a ter alguma parte em tal
neiro resultava na punição de toda a unidade. Tal situação hostilidade. Mas a principal razão era que o recém-chegado
gerava enorme hostilidade diante de todo prisioneiro que, colocava o grupo em perigo porque não "entendia do ris-
por fracasso ou debilidade, atraísse a atenção dos 55 para cado". Um novato era passível de comportar-se de forma
sua unidade, uma atitude talvez intensificada pelo fato de desajeitada, atraindo assim a cólera dos 55 sobre o grupo.
que era impossível aos prisioneiros dirigir sua hostilidade A mesma hostilidade estava presente contra os doentes, os .
direta à fonte real, contra 05 próprios 55. Um sintoma desse quais, pensava-se, poderiam tornar-se informantes. 59
alto grau de hostilidade era a contínua rudeza verbal e a
(57) Bettelheim, Informed. Heart, pp, 136, 168, 212; Kogon, SS-Staat, ;
p.372. .
(56) Quanto à elite dos campos, ver Bcttelheim, lnformed Heart, pp. 183-
186; Kogon, SS-Stllat, pp. 315. 317, 322, 347, 374-376; Adler, Theresienstadl, (58) Bettelheim, lnformed Hear/, pp. 213-216.
pp. 309·312. (59) Dettelheim, Jnformed Heart, pp. 170-171; Kogon. SS-Staat, p. 375.
INJUSTiÇA 113
112 o SENTIDO DE INJUSTiÇA ...
'prio como a todos os seuS companheiros do mesmo grupo de
Do ponto de vista desta investigação, o aspecto mais trabalho. Todos os membros temiam não somente a vin-
signifiCativo da organização social dos campos de prisionei- gança dos SS mas também que o seu comando de trabalho,
ros era a forma como esta atuava no sentido de inibir qual- que era relativamente ameno, fosse dissolvido, um desastre
quer ação com sabor de resistência heróica. (O seu efeito so- para todos os envolvidos. Tendo perdido seu irm1ío nesse
bre os comunistas, sempre inclinados a desdenhar os gestos dia, o homem tinha de temer por sua própria vida, por seu
heróicos que não fossem os seus, jã foi mencionado.) Os SS, comando de trabalho e pela reprovação de seus colegas.
observa Bettelheim, eram em geral bem-sucedidos em im- Mas era tarde demais para retratar-se e modificar seu tes-
pedir a criação de mãitires ou heróis. "Se um prisioneiro temunho. V ãrios dias depois, seu corpo ingressou na mor-
tentava proteger a outrem e isso chegava ao conhecimento gue em estranhas circunstâncias. Mais alguns dias e outros
dos guardas, o prisioneiro era comumente executado. To- membros da coluna morreram,assassinados por injeções.
davia, se seu ato chamava a atenção da administração do Em cerca de três meses todo o comando e qualquer teste-
campo, o grupo todo era punido severamente. Dessa ma- munha possível tinham sido eliminados. 60
neira, o grupo passava a indignar-se com seu protetor por- Pressões semelhantes no sentido da rejeição da resis-
que este lhe trazia sofrimento." t~ncia heróica existem nas prisões' americanas e, na verda-
Bettelheim fornece um exemplo concreto. Dois irmãos de, podem fazer parte da resposta "natural" do ser humano
marchavam de volta ao campo como parte de uma· coluna à opressão. Numa prisão de segurança mãxima, por exem-
que estivera num destacamento externo. Eles encontraram plo, qualquer homem que se engajasse num desafio sem
um oficial SS que ordenou aos membros da coluna que, por esperanças aos guardas e afirmasse S)la dignidade face ao
diversas vezes, se atirassem à estrada enlameada, um "es- insulto era conhecido como um "cara estourado". Apenas
porte" relativamente inofensivo para os padrões dos SS. em um grau muito. limitado os outros prisioneiro.s o enca-
Um dos irmãos perdeu seus óculos num fosso repleto de ravam como um símbolo bem-vindo de oposição corajosa.
ãgua ao lado da estrada. Ele solicitou e recebeu permissão Com mais freqüência, eles o tratavam como um tolo, um
para procurã-Ios, mergulhando no canal. Voltou à tona indivíduo que perturbava o delicado sistema de compro-
sem eles e mergulhou 'outra vez, mas logo estava prestes a misso e corrupção que era a base da sociedade do cãrcere.
desistir. No entanto, o SS forçou-o a mergulhar mais e mais Frente aos outros presos, ele aparecia como um tipo que
vezes até que ele morresse, por afogamento ou falha car- sacrificava o bem-estar da população carcerãria. em seu
díaca. Essa peça de sadismo parece ter escapado do usual, conjunto, em benefício de explosões emocionais infantis. 61
talvez porque um civil alemão tenha presenciado a cena e a Da mesma maneira, os judeus, tanto dentro corno fora
tenha relatado com desagrado a algum oficial. Houve uma dos campos de concentração, temiam que o comportamen-
investigação sobre a morte. A coluna inteira foi conduzida to que pudesse ser identificado como juC)aico colaborasse
até o comandante do campo e instada a descrever o que para intensificar o anti-semitismo. 62 Bettelheim descreve
sabia sobre o episódio. Todos disseram que nada tinham um caso patético, extraído da vida civil akmã, que pode ser
visto e que não poderiam dar nenhuma informação. Apénas considerado típico de muitos outros. U nela jovem de família
o irmão da vítima sentiu-se obügado a fazer o que fosse não judia tinha um pai antinazista convicto. Do' pai que
possível para desagravar a morte do irmão, e contou a ver-
dade. Mais tarde, naquela mesma noite, ele foi convocado a
(60) Bettelheim, Illformed HeMt, pp. 141~145.
comparecer diante de um oficial SS subordinado. Nessa al- (61) Sykcs, Societ)' ofCaptives, p. 100.
tura, encontrava-se em completo desespero. Estava claro (62) Cohen, Human Behavior. pp. 188~190.
que seu testemunho não apenas pusera em risco a ele pró-
114 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA l1S

adorava, ela extraiu inicialnlentc a Íorça moral para resistir sobrevivência do grupo ao qual ele pertencia. Entre a massa
,h ao regime nazista. Então, sob a pressão de suas colegas da dos prisioneiros, parece claro que as tendências para a re-
nlesma idade, ela começou a ceder errl questões pequenas e sistência eram efetivamente esmagadas. A organização dos
presumivelmente inofensivas. Na escola, tinha de jurar leal- cornunistas não podia e não conseguiu contrapor-se a essas
dcr.le ao Filhrer e fazer a saudação a Hitler, repetidas vezes. pressões. Qualquei' ato de resistência atnúa, não a aprova-
Sob tais pressões, ela começou a ressentir-se com seu pai ção moral, mas a condenação moral por parte do grupo. O
como uma fonte de desagradável conflito moral. Algum pensamento" a conversa sub I'Osa* eram outra questão. Fi-
tempo depois, como parte de suas tarefas de escola, ela teve nalmente, o conjunto da situação enfatizava a rudeza como
de fazer um recenseamento das famílias da cidade, à pri- um modelo de comportamento não muito diferente da bru-
meira vista um trabalho inocente. Mas logo encontrou al- talidade da própria S5.
gumas famílias judaicas e, com um choque, percebeu o que Portanto, não é surpreendente que alguns dos prisio-
realmente estava fazendo. Ela percebeu que aqueles judeus neiros mais antigos e mais completamente condicionados
viam-na como um símbolo do regime e a odiavam. O res- imitassem os guardas. Os velhos prisioneiros serviam às
sentimento que experimentou em· relação a eles, não tardou vezes de instrumento para se livrarem dos chamados inap-
a perceber, era exatamente o que o regime queria que sen- tos, oS presos recentes, um ato talvez necessário para a sua
tisse. Ela também se odiou por ajudar a mandar judeus própria sobrevivência, e não obstante moldados nos SS. Do
para a morte. Que solução pôde haver para esse dilema, o mesmo modo, embora a autoproteção exigisse a eliminação
relato não nos conta. 63 dos traidores, a maneira como estes eram torturados duran-
Neste ponto da análise, podemos principiar a compre- ,te vários dias e assassinados lentamente era copiada da SS e
ender como tinha lu·gar a identificação com os SS. A acei- da Gestapo. Quando os prisioneiros ficavam encarregados
tação aparentemente estranha e paradoxal da autoridade de outros prisioneiros nos destacamentos de trabalho, os
moral do opressor é explicável em termos de três conjuntos internos antigos, e não apenas os ex-criminosos, amiúde se
de causas. Em primeiro lugar, um número substancial de comportavam de forma mais cruel que os próprios SS. Os
. prisioneiros, como alemães "patriotas", já compartilhava presos antigos, como já foi mencionado, tendiam a identi-
certos valores com os SS. Quando Bettelheim, em 1938, ficar-se com os SS mesmo na aparência, embora isso fosse
perguntou a mais de uma centena de antigos prisioneiros proibido. Eles procuravam obter para si velhas peças de
políticos se eles achavam que a história do campo deveria. uniformes da SS, ou remendar e costurar suas vestimentas
ser relatada em jornais estrangeiros, muitos hesitavam em de prisão até que estas parecessem uniformes. Além disso,
concordar que isso era desejável. Praticamente, todos os certos prisioneiros mais antigos sentiam grande satisfação
prisioneiros não judeus, ele sustenta, acreditavam na supe- se, durante a contagem diária dos presos, conseguiâm man-
rioridade da raça germânica e exibiam orgulho pelas assim ter-se corretamente na posiçiLO de sentido ou efetuar uma
chamadas realizações do Estado nacional-socialista, espe- saudação animada. Muitas vezes os guardas podiam im-
cialmente sua política expansionista, através das anexa- plantar, por certo tempo, alguma regra absurda, originária
ções. 64 Em segundo lugar, como acabamos de observar, de um capricho momentâneo. Em geral, a regra era rapi-
existiam poderosas pressões sociais sobre o indivíduo, con- damente esquecida. Alguns velhos prisioneiros, entretanto,
trárias à resistência heróica, porque tais atos ameaçavam a continuavam a observá-la e procuravam impô-la aos outros

(63) Bcttelhcim, Informed lIeurt, pp. 291-293.


(64) Bettelheim, InformedHeart, pp. 169-170. (*) Em latim no original: "confidenciar'. (N. T.)
116 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
INJUSTIÇA ·117
muito tempo depois de os SS perderem o interesse por ela.
Por exemplo, uma vez os SS ordenavam aos presos que la- Não fica claro, a partir dos dados disponíveis, se essa
vassem seus sapatos por fora e por dentro com água e sa- identificação com o agressor nazista chegou ao ponto de
bão. Como resultado, os sapatos tornavam-se mais duros impedir todo sentimento hostil diante dos SS, mas isso pa-
que pedra. Embora a ordem jamais fosse repetida e inúme- rece bastante improvável. Em um contexto diverso, Bette-
ros prisioneiros não a tivessem executado desde o início, lheim observa que, em geral, "a fraqueza e a submissão
alguns dos velhos não apenas continuavam a lavar o interior carregam amiúde maior hostilidade que a contra-agressão
de seus sapatos todos os dias, como também amaldiçoavam aberta".68 A maior parte dos prisioneiros, é claro, odiava
a todos que não o faziam como negligentes e sujos. Tais os SS embora não exatamente da forma que se poderia es-
prisioneiros, relata Bette1heim, sempre acreditavam que perar. Eles com freqüência sentiam um ódio mais profundo
todas as normas estabelecidas pela SS constituíam padrões e violento contra os guardas SS responsáveis por atos me-
desejáveis de comportamento, pelo menos no campo. 65 nores de crueldade que contra aqueles cujos atos eram mui-
Conforme enfatizado acima, tal comportamento não to mais perversos. 69
era universal. Alguns prisioneiros sustentavam a atitude Outro relato menciona uma ausência generalizada de
exatamente oposta e encaravam todos os regulamentos dos ódio profundo; para a maioria dos internos os SS pareciam
SS comó ridículos. 66 Embora essa aceitação e a identifica- . mais ridículos que odiosos. 70 Compreensivelmente, o desejo
ção .com os SS pareçam ter ocorrido em apenas uma mino- de vingança· era poderoso. Mas na maior parte das vezes
ria dos casos, elas são extremamente reveladoras para nos- esse desejo assume a forma de fantasias. Muitas vítimas dos
sos propósitos, pois, ao contrário do que acontecia nos cen- ·campos entregaramcse a planos vagos e irrealistas de uma
tros de doutrinação e nos campos de "lavagem cerebral" revolução que não deixaria nenhuma das coisas do mundo
para prisioneiros de guerra civis norte-americanos na Co- intocada, uma vez que pudessem sair. 71 Suas reações lem-
réia, surgiram de forma quase completamente não inten- bram aquelas que comumente ocorreram nos estágios ini-
cional. 67 ciais de vários movimentos revolucionários.
Em sua totalidade, portanto, o campo de concentração
(65) Bettelheim, InformedHeart, pp.170-172. aparece como uma caricatura horrível mas facilmente reco-
(66) Cohen, Human Be/iavior, pp. 137-138. nhecivel de muitas sociedades "civilizadas". Há a mesma
(f:J7) As semelhanças e as diferenças entre os campos de concentração e os
centros de doutrinação para prisioneiros de guerra são bastante instrutivas. Nos
hierarquia de classes, a mesma competição por migalhas
campos de doutrinação havia a mesma privação d~ alimento, sono e privacidade, entre os indivíduos nos estratos mais baixos, .o mesmo sur-
embora não no mesmo grau. Eles serviam ao mesmo propósito de elevar o nível gimento de uma elite reformista e arrogante entre aqueles
dos "impulsos" para produzir um aprendizado mais rápido. A brutalidade, em-
bora existisse, era muitó menor. A primeira fase da tentativa de fazer o prisioneiro
que, em princípio, eram opositores do regime, e de uma
mudar as suas idéias compreendia o interrogatório e o questionamento intensivos
sobre a sua vida passada, a fim de desafiar os seus conceitos prévios sobre si pró·
prio e, se possível, comunicar um 'sentido de culpa quanto a seu comportamento mente· certo do que eles desejavam. um artificio que, de acordo com alguma evi·
presente e passado como um "inimigo do povo". As autoridades da prisão procu· dência experimental, é notavelmente eficaz no estabelecimento de novas formas
ravam manipular os grupos informais aos quais pertenciam os prisioneiros, basi· de comportamento. Havia também as recompensas sociais e materiais costumei-
camente da mesma forma que ocorria nos campos de concentração, fazendo com ras aos que se conformavam à nova doutrina. Por outro lado, o tratamento parece
que exerce!:isem pressão sobre o indivíduo, para que este adotasse um novo con- ter sido em geral ineficiente, a menos que o indivíduo retornasse a um meio social
junto de concepções políticas. O novo prisioneiro era cerc~tdo por outros presos que confirmasse ou apoiasse a nova perspectiva. Ver Edgard H. Schein et a!ii,
que já tinham realizado considerável "progresso" na adoção do novo ponto de Coercive Persuasion.
vista. Nos estágios posteriores, o prisioneiro era forçado a procurar à sua volta por (68) Bettelhcim, lnformed Heart, p. 249.
respostas "genuínas'" que seus interrogadores buscavam, sem estar completa· (69) BeÚelheim, lnformed Heart, p. 129.
(70) Cohen, l1wnan 8ehavior, pp. 197-199.
(71) Kogon, SS·StCUlt, pp. 379·380, 384.

______ . ______ ..l~N-"..$Ii°).': '


INJUSTIÇA 119
118 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
po dominante, a tarefa fundamental é inibir qualquer for-
variedade de mecanismos que produzem nas camadas su- ma potencialmente perigosa de auto-estima e desviar todas
bordinadas uma aceitação dos valores dos governantes. Co- as tendências inatas de tal tipo, para sentimentos como o
mo virá à luz no devido momento, todos esses processos orgulho em realizar trabalhos humildes,73 que irão servir
sociais serão encontrados na história das classes trabalha- de sustentáculo à ordem vigente. Na etiqueta de casta, tal
doras alemãs e de forma alguma se confinam àquele país. como ela é aplicada aos intocáveis, é possível observar com
bastante clareza como esses sentimentos podem ser criados.
Uma variedade de coerção difusa e informal que se inicia
Sl!lIfocando o sentido de iID(jl.1stiça precocemente na infância pode ser o instrumento mais efe-
tivo para tal propósito.
Seria um grave erro elevar o campo de concentração ao A etiqueta é uma forma de inibição, por meio do
nível de um modelo geral de repressão. Isso é especialmente aprendizado do verdadeiro lugar de cada pessoa. A menos
verdadeiro para o problema que está agora no centro de que os indivíduos desejem aprender, nenhuma soma ou
nossa atenção: as formas e os "mecanismos de auto-repressão. modo de aprendizado pode ser efetivo. Aqui entra em jogo
Como o campo de concentração usa a máxima força, há a privação material, originalmente sob a forma de fome. Os
forte razão para encará-lo como a menos eficaz das três modernos prisioneiros de guerra, que não' podem resistir à
formas acima esboçadas. tentação de servir a seus capturadores em favor de rações
O capítulo precedente apresentou evidência a favor da maiores, revelam a essência dessa relação. A fome inten-
visão de que existe algo como um senso de injustiça recor- sifica a prontidão para as sugestões advindas do meio social
rente e possivelmente pan-humano, que se origina das exi- quanto às formas de se comportar que poderão reduzir as
gências combinadas da natureza humana inata e dos impe- agonias. Embora ocorra considerável variação de um indi-
rativos da vida social. Ao estipular de início que era possível víduo para outro, o efeito é tornar as pessoas ávidas por
sufocar a reivindicação por justiça e pelo fim do sofrimento aprender como agradar aqueles que controlam o meio am-
humano, a análise buscou neste capítulo descobrir as for- biente. Quando os impulsos foram despertados, a simples
mas sob as quais esse sufocamento pode ocorrer. Cada um retirada da situação torna-se muito mais difícil. Uma rejei-
dos três casos extremos revela certos aspectos desse proces- ção crítica da fonte de gratificação parece quase impossível.
so geral de auto-repressão. 72 Procuremos agora examinar" O resultado é um aceitação dos códigos e padrões sociais
quais são os mais importantes. sustentados por aqueles que controlam a situação. E a for-
Para iniciar com o indivíduo em sua concretude, seria ma elementar da cooptação.
um equívoco, acredito, enfocar o processo como basica- Essas considerações mostram que é necessário levar
mente vinculado à destruição da auto-estima. A auto-esti- em conta as definições culturais, os indicadores acabados
ma é algo que deve ser criado, ainda que o anseio por ela de perigo e as fórmulas para enfrentá-lo que os indivíduos
possa ser inato. Em nossa própria sociedade, com sua ên- adquirem a partir do conhecimento e da prática sociais que
fase na realização, a auto-estima exige a constante renova-
ção no curso do ciclo de vida. Do ponto de vista de um gru-
(73) Nem todo o orgulho desse tipo pode eventualmente ser rotulado como
repressão injusta, a menos e até que se esteja preparado para defender seriamente
(72) Espero ter deixado claro que esta análise é bastante diferente das todas as formas hierárquicas da divisão do trabalho como historicamente obsole-
interpretações criticas contemporâneas sobre a sociedade de consumidores sob o tas. Quanto a este tema, ver a análise da autoridade racional nos capítulos 1 e
capitalismo adiantado, onde dificilmente existe o sofrimento físico direto, do tipo 13.
aceito e endossado nestes três exemplos.
120 o SENTIDO DE INJUSTiÇA ...
INJUSTIÇA 121
os circundam. Se cada homem tivesse de resolver cada si-
tuação outra vez, a sociedade humana seria uma impossibi- Para este sociólogo, o conjunto mais surpreendente de
lidade. Essas fórmulas culturais definem as necessidades fatos a serem desvendados nesses exemplos é a maneira
socialmente aceitáveis e inaceitáveis, o significado e as cau- como a solidariedade entre os grupos oprimidos configura-
sas do sofrimento humano, e o que, de algum modo, o indi- se prontamente contra um indivíduo que protesta ou tenta
víduo pode ou deve fazer com relação ao sofrimento. No proteger outros. Tal mecanismo social aparece não apenas
ascetismo, nas castas hindus e, em menor extensão, nos nos campos de concentração mas também nas prisões co-
campos de concentração, é possível discernir um padrão muns. Na configuração menos ameaçadora do sistema de
geral de expli<;ação cultural que sufoca o impulso de fazer casta hindu, ele ocorre na forma totalmente institucionali-
alguma coisa face ao sofrimento. A explicação produz tal zada dos conselhos das castas inferiores, que punem os seus
efeito, ao fazer com que o sofrimento apareça como parte próprios membros pela infração às normas. As razões dessa
de uma ordem cósmica, portanto, inevitável, e em certo solidariedade são bastante claras: qualquer atoparticular de
sentido justificada. De forma ainda mais significativa, o desafio corre o risco de retaliação que ameaça todo o grupo.
modo de explicação ajuda a lançar os impulsos agressivos Assim, os esforços espontâneos para se defender podem fá-
produzidos pelos sofrimentos e a frustração contra o pró- cil e quase inevitavelmente servir para perpetuar e mesmo
prio eu. Esse deslocamento da agressão para dentro é mais intensificar sua submissão.
notável no caso do ascetismo. Mas é válido também para as Os outros três processos sociais pertencem de tal modo
crenças hindus sobre as castas, de modo geral: o fracasso ao conhecimento comum que são necessários poucos co'
em mostrar respeito aos superiores nesta vida conduzirá a mentárlos aqui. Um deles refere-se à destruição dos hábitos
punições na próxima. Nos campos de concentração, esses , e vínculos sociais anteriores existentes entre os sofredores,
mesmos mecanismos apareciam entre os presos anterior- ao ponto de os indivíduos serem deixados sem apoio social e
mente condicionados a aceitar a lei e a ordem alemães sem de outros. Isso pode ocorrer como resultado da política deli-
questionamento crítico, os quais explicavam seus apuros berada de um opressor, como nos campos de concentração,
presentes como devidos a mal-entendidos ou a equívocos na ou em conseqüência de processos sociais mais difusos, que
ma.neira como essa lei e essa ordem foram aplicadas aos provocam o desaparecimento. das maneiras tradicionais de
seus casos particulares. ganhar o próprio sustento. Uma vez que o papel crucial de
Assim, as definições culturais' disponíveis para a reali- um mínimo de apoio social para qualquer ato de crítica ou
. dade social limitam o âmbito das possíveis respostas a essa resistência virá à luz com nitidez no próximo capítulo, não
mesma realidade. Com base nesses três exemplos, é tam- será necessário aprofundar essa análise neste ponto. 74 Tam'
bém possível distinguir quatro tipos de processos sociais que pouco será preciso considerar mais detidamente a questão
servem para inibir os esforços coletivos visando identificar, da cooptação, já que os seus componentes psicológicos es-
reduzir, ou resistir às causas humanas da dor e do sofri- senciais foram acima analisados em relação com o aprendi-
mento. É desnecessário acrescentar que a ação eficaz -con- zado social. O último processo social, que talvez possamos
tra as causas sociais do sofrimento precisa ser coletiva. Os rotular melhor como fragmentação, merece, por outro lado,
esforços individuais não devem ser desconsiderados e são alguns breves comentários.
certamente melhores que nada, a menos que ocorram à A fragmentação diz respeito à situação de uma popu-
custa de outras vitimas, como é amiúde o caso, infeliz- lação oprimida ou subordinada, cuja experiência histórica
mente. Mas as soluções individuais que servem apenas a
uma minoria não mudam, por definiçãD, as situações. (74) Entretanto, vale notar que o ascetismo pode ocorrer tanto como rea~
ção individual quanto coletiva à tensão.
122 o SENTIDO DE INJUSTIÇA",
anterior fez com que se dividisse em dois ou mais grupos
concorrentes, com seus próprios e distintos modos de vida.
Tais divisões ao longo de linhas étnicas, religiosas, ocupa-'
donais e de classe freqüentemente se opunham mesmo à
mínima cooperação entre os prisioneiros nos campos de
concentração. Formas similares de fragmentação constituí-
ram também um obstáculo a modos mais amplos de coope- CAPÍTULO 3
ração em outros contextos, como as divisões étnicas entre os
" ",-
,i
trabalhadores industriais dos Estados Unidos, ou os pro- A JreC1l..1l.sa d.o :5ofil.'bfIíieltlrt@
blemas das minorias no Império Austro-Húngaro. Essa es-
pécie de fragmentação representa o oposto do processo já e da opressão
mencionado de atomização. A fragmentação geralmente
implica a intensificação dos vínculos sociais anteriores, e
não a sua destruição. Uma rede de obrigações e hostilidades
herdadas envolve a vítima de infortúnio e opressão até o
ponto em que é impossível rompê-las para formar laços com Os temas
outros indivíduos que vivem a mesma vicissitude. O excesso
de apoio social, ou o apoio social inadequado às circuns- Nos termos da argumentação apresentada no primeiro
tâncias, pode tornar uma pessoa tão ineficaz - causando capítulo, superar a autoridade moral do sofrimento e da
talvez tanta dor - como a inexistência de apoio. opressão significa persuadir a si próprio e aos outros de que
Todos os processos psicológicos, cultuTliis e socIaIs é tempo de mudar o contrato social. ]'vIais especificamente,
acima examinados atuam conjunta ou separadamente, para as pessoas passam a acreditar que um novo e diferente con-
criar o sentido de que a dor e o sofrimento são acompa- junto de critérios deve entrar em vigor, para a escolha dos
nhados de autoridade moral, sendo, na verdade, em um detentores da autoridade, a maneira como eles a exercem, a
certo grau, moralmente desejáveis. As próprias 'experiên- divisão do trabalho e a alocação de bens e serviços. Esta é
cia.s também aparecem como inelutáveis ou mesmo inevitá- uma maneira empolada' e difícil de colocar a questão. Fe-
veis. Assim, talvez a conquista da inevitabilidade constitua " lizmente, aqueles que buscam n'a prática as transforma-
o âmago dos temas que aqui cOl~sideramos. Nesse caso, ções, em gerâl, expressam os problemas de uma forma mais
deve haver uma conquista no mundo real tanto quanto nas simples. Eles dizem alguma coisa como: "Proletários de to-
emoções, percepções e raciocínios humanos. Embora o in- dos os países, uni-vos", "Salário justo por jornada de tra-
dício pareça promissor, haverá limites óbvios a qualquer balho justa!", "Terra para quem cultiva!", "Liberdade,
exploração neste sentido, até que examinemos a dimensão Igualdade, Fraternidade!". Se assim não fosse, é provável
histórica. Enquanto isso, podemos inverter o foco de aten- que nada tivesse acontecido. Todavia, tão logo se procure
ção deste capítulo, a fim de considerar os mecanismos so- discernir o que realmente ocorreu, bem como o que os lí-
ciais e psicológicos aos quais recorreram ou tentaram recor- . deres políticos tentavam conseguir, e as diferenças entre as
rer os indivíduos para superar a desesperança em face da duas coisas, torna-se necessário utilizar termos mais com-
adversidade. plexos. Isso deve servir como advertência inicial sobre o que
significa realmente superar e transformar um sistema social
opressivo.
INJUSTIÇA 125
124 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
do a espeCle humana tenha atingido um nível mais com-
Para colocar o tema principal de maneira um pouco plexo de civilização. Por outro lado, ele também não vem à
menos técnica, buscamos neste capítulo os processos gerais tona em todos os lugares que chegaram a esse nível. Até o
que acontecem no nível da cultura, da estrutura social e da século XX, tratava-se basicamente de uma característica do
personalidade individual, à medida que grupos de pessoas que se denomina imprecisamente a civilização ocidental.
cessam de considerar o seu ambiente social como garantido Localizá-lo mais cuidadosamente no tempo e no espaço é
e passam a rejeitá-lo ou a opoi'-se ativamente a ele. O pro- urna exigência maior do cque aquela que se coloca agora à
cesso fundamental de transformação cultural consiste num
solapamento do sistema de crenças vigente, que confere le-
argumentação. Situamo-nos num estágio similar ao do na-
turalista que procura descobrir se as girafas existem. O pro-
gitimidade, ou pelo menos naturalidade a algum grau de blema de seu exato habitat pode ser deixado de lado.
correspondência com as expectativas comuns, à ordem so- Antes de prosseguir, é preciso indicar uma limitação
cial existente. Na área da estrutura social, corresponde à adicional no âmbito da análise. Eu nada terei a dizer sobre
criação de uma presença política efetiva, alguma forma de o processo real de tomada elo poder, tanto nas situações
organização para se contrapor à au toridade organizada, tal revolucionárias corno nas não revolucionárias, em parte
como o Terceiro Estado, o Povo Negro, etc. Como parte ela porque a análise histórica da Terceira Parte examinará
nova identidade política, vêm à luz novos diagnósticos para duas situações rev:olucionários concretamente e em deta-
as misérias humanas e novos critérios para sua condenação. lhes. Não obstante, é indispensável fazer aqui. uma breve
Em alguns casos, essa inovação pode resultar na descoberta consideração geral. Existe urna tendência, acredito, a su-
e no reconhecimento da infelicidade, algo muito diferente, perenfatizar aS tendências sociais de longo termo subjacen-
porém, que a sua invenção. Psicologicamente, ocorre a in- tes às irrupções revolucionárias e às mudanças dramatica-
fusão de energia na alma humana que lhe dá o poder de mente pacíficas, bem' c'omo a s.ubestimar a importância do
julgar e agir. O processo culmina n a tomada do poder, ou, controle sobre os .àparelhos de violência - o exército e a
mais precisamente, numa partilha decisiva do poder, com o polícia - e o significado 'das cdecisões tomadas pelos líderes
conseqüente estabelecimento de um novo tipo de sociedade. políticos. As tendências de"longo termo apenas fornecem as
O processo pode ser mais ou menos pacífico e gradual, atrações e oportunidades aos líderes políticos e colocam Ii-
ou relativamente violento e abrupto, embora nunca tenha .mites externos ao que é possível em termos de pensamento e
sido completamente uma coisa ou outra. Tampouco ocorre ação. Aqueles que fizeram a históda revolucionária em nome
em todas as épocas e em todos os lugares. Raramente con- de Marx, aparentemente reconhecem com mais clareza este
segui descobrir algum traço dele em sociedades não letra- fato do que muitos marxistas que teorizam sobre a história,
das. I A quase inexistência de ação e pensamento críticos de Neste ponto da exposição, o procedimento mais ade-
tal espécie é notável mesmo naquelas monografias antropo- quado será discutir como são superados os obstáçulos cul-
lógicas que conseguem abordar de forma adequada as nor- turais e sociais de urna maneira razoavelmente sistemática.
mas culturais em torno das quais os nativos contam aos es- Nesta parte, o objetivo será manter a análise num nível
trangeiros o que realmente acontece. Assim, é mais prová- ainda elevado de generalização, mas de forma que as con-
vel que esse tipo de processo social não apareça senão quan- siderações mais importantes venham à luz e encontrem ·seu
lugar, sem recair em abstrações inexpressivas. A Terceira
Parte voltará a muitos desses mesmos ternas, após conside-
(1) Para um exemplo, no qual um informante mostrava um ponto de vista. rar como tais processos foram elaborados numa fatia deci-
bastante distanciado c ':rítico sobre os mecanismo.> de su_a própria sociedade, ver siva da história ocidental moderna. Assim, o tratamento
NapolconA. Chagllon, Yanomamo: TheFierc~ }-J('()ple, pp. 17,93-96, 137.
126 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 127

desses tópicos será deliberadamente exploratório, ,No caso de sociedades estratificadas e civilizadas, é
pleto e generalizante. Quando chegamos aos aspectos .' ",possível distingui.r certos tipos de dom~nação que guard~m
cológicos e ao que realmente significa infundir energia W;~;i:ielação com ~s tIpo.s de estratos dommantes nessas socle-
alma humana, entramos num terreno novo e difícil, ao méc . <cládes. Não ha, obvIamente, uma forma pura de qualquer
nos para este autor. O discutido tema da autonomia moral ':yariedade específica de estrato dominante. Não obstante,
vem à baila com nitidez. Da mesma forma, a questão as variações na ênfase são razoavelmente nítidas e as cate-
saber que processos psicológicos encontram-se atrás -;gàrias de elite militar, teocrática, plutocrática e burocrática
aquisição do juízo moral independente. Aqueles que , bem-estar (welfare) não apenas cprrespondem a realidac
daram esses assuntos empiricamente o fizeram a partir observáveis, como também parecem encobrir, com a
pontos de vista bastante diferentes e nem sempre chegaram: . . devlda ressalva dos casos combinados e superpostos, a gama
às mesmas conclusões'. Eu escolhi a estratégia de examinar'"' de variação que a experiência humana até hoje propor,
e reinterpretar essa evidência, como a mais apta a . >;donou . Seguindo essa linha de raciocínio;' podemos obser,
resultados dignos de mérito. Portanto, a exposição e . que cada tipo específico de grupo dominante provavel,
terpretação dos processos psicológicos serão muito •.. __He expressará sua forma específica de vulnerabilidade
detalhadas e extensas. "ao' ataque crítico. Pode-se esperar de cada espécie de estrato
" dominante uma forma própria de contrato social baseada
em seus próprios princípios específicos de desigualdade so-
Aspectos culturais e sociais ,daI. Estes, por sua vez, enfatizam a importância de quais-'
quer que sejam as funções sociais particulares que o estrato
Ê muito difícil asseverar como e onde começa exata- dominante desempenha ou alega desempenhar.
mente o processo de superação da autoridade moral do so- Portanto, uma tarefa cultural básica que se coloca para
frimento e da opressão, em parte porque é bastante impro- qualquer grupo oprimido é a de solapar ou destruir a justi,
vável que o princípio esteja visível. Da mesma maneira, é ficação do estrato dominante. Tais críticas podem assumir
difícil ver qualquer razão lógica ou empírica que confira , a forma de tentativas de demonstrar que o estrato domi,
uma aura de hegemonia causal às transformações que ocor- nante não cumpre as funções que alega cumprir, violando,
rem em uma das três áreas designadas, convencional e con- desse modo, o contrato social específico. Com muito mais
venientemente (mas com pouca clareza), como cultura, es- freqüência, elas tomam a forma de indivíduos do estrato
trutura social e personalidade. O que parece claro é que o dominante que fracassam no cumprimento do acordo so-
grau de inudança em uma área é limitado pelo grau de mu- cial. Tal crítica deixa ilesas its funções substanciais do es-
dança nas outras. Revoluções industriais não acontecem trato dominante. Apenas as formas mais radicais de,critica
sem mudanças na natureza humana, e as revoluções inte- questionaram se os reis, capitalistas, padres,generais,bu'
lectuais não ultrapassam a condição de caprichos ou brin- rocratas, etc., serviam a qualquer propósito útil. 3 •
cadeiras num contexto social desfavorável. Portanto, não
importa muito saber onde a investigação se inicia. Uma vez·
(i) 'Derivada evidentemente de Gaetano Mosca, A C/ásse Governante. Nós
que começamos pela obserVação de que em algum ponto termos desse autor, estou propondo que cada tipo de fórmula política tem suas
próximo ao início do processo algum indivíduo concreto debilidades especificas.
deve t"r dúvidas sobre a legitimidade do sofrimento predo- (3) Vale lembrar que o marxismo situa as principais -formas de_estratos
dominantes em uma seqüência évolucionista, onde cada uma delas ê expelida do
minante, será proveitoso examinar primeiramente a natu- cenário histórico, ap6s ter desempenhado sua tar:efa de conduzir a- humanidade
reza da legitimidade. através de uma fase específica; no caminho para a maior liberdade. Com tal con~
128 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 129

Em sociedades sob forte influência teocrática, uma . Thorstein Veblen, é possível traçar uma tendência de pen,
forma característica de crítica popular foi a de que os sacerc, ;itmento que .distingue o materialismo e o racionalismo
dotes extraiam demasiada riqueza material face aos benefi, fi'. como os inimigos da ética militar e heróica. A .criticasocial
cios que alegavam produzir. Somente num estágio bastante . ··.·contemporânea inverte esse raciocínio. Ela traça uma.cone-
mais avançado surge a possibilidade de comentários céticos xão entre o materialismo, o racionalismo e o impulso de
quanto ao efeito ineficaz de seus rituais para o crescimento dominar e explorar. Com a decadência das elites pré-indus-
das safras, a abundância dos peixes e da caça, a cura d~. .,triais,e a intensificação da violência e da opresSão no século
doenças e o afugentamento dos inimigos. Numa situação ' •• XX, os princípios básicos da própria sociedade industrial
apuro, as pessoas relutam em renunciar a qualquer coisa: moderna, como. é do conhecimento de qualquercpessoa. le-
que possa ter resultado. Geralmente, como Sumner e Mali,. trada, passaram a sofrer ataques cada vez mais. intensos.
nowski salientaram de diferentes modos, os sacerdotes cuic . Ao contrário das aristocracias .militares, e por· razões
dam daqueles aspectos da existência humana que transceri, 'ainda obscuras, asplutocracias encontram grandes dificul-
dem o controle dos homens. Eles podem efetivamente esc· , dades para se justificarem por seus próprios méritos. Não é
tar além do controle ou apenas ser socialmente" ... tornar a acumulação de riqueza: um· tim. em.si. Tal-
como incontroláveis. Na medida em que qualquer porque pode servir a quase todos osproP9sitos, a ri-
situações ocorra, a função sacerdotal provavelmente conti- .queza, diferentemente da santidade. ou da sabedoria, tem
nuará a existir de alguma forma. . 'de ser um valor instrumental. Os ataques cOl1tra os ricoS e
U ma elite ou aristocracia militar constitui o alvo mais "'a exigência de que sejam submetidos aos usos socialmente
fácil de juízos e condenações, quando seus membros falham a
"aprovados são um fato tão antigo como memódahuma:na;
em garantir a vitória ou a proteção; a violação do contrato Não quer isso dizer que as plutocracias são inelutavelmente
social torna-se nítida para todos. Por outro lado, se o reC vulneráveis: veja-se o exemplo de Veneza, umaplutocracia
gime consegue garantir o controle das formas de violência, tão estável como nenhuma outra. Mas persiste a idéia de
ele pode ser o mais difícil de ser modificado. A extensão em . que elas são as menos passíveis de existir em l.lma forma
que os obstáculos dependem da tecnologia moderna é pro-" pura, e de que numa plutocracia sólida a extração do exce-
blemática. Com base em sua análise sobre o déspota zuh.:Í dente econômico deve ser indireta -,- e não, como no caso
Shaka, que estabeleceu um dos mais eficazes regimes da tumultuada Florença, dependente da populaçãó s.ubor-
terror jamais conhecido, sem recorrer a câmaras de gás; dinada. De outra forma, a plutocracia pode ser o tipo de
a armas automáticas, ou à guilhotina, o sociólogo E. V;' ordem social cuja legitimidade é mais constantemente desac
Walter defende que não são os instrumentos de violência fiada. Ao mesmo tempo, por ser a riqueza um solvente de
enquanto tais, e sim as técnicas de controle social, o fator' outros valores, ao tornar possível adquirir as boas coisas_da
decisivo. 4 vida, um grande número de sociedades nitidamente basea-
Os ataques radicais a' uma sociedade militarista assu;'· das em outros principios exibe uma tendência acentuada
mem a forma de investidas à ética militar e heróica. A para se transformar em p l u t o c r a c i a s . · !
tir de Adam Smith, e passando por Herbert Spencer As burocracias do bem-estar são um produto histórico
recente e inédito. Elas são, com efeito, variantes dà pluto"
cracia, uma vez que aceitam as mesmas metas materialis-
cepção de obsolescência histórica, o marxismo procura se contrapor às acusações ;, tas, mas alegam que podem atingi-Iascom·mais·rapidez e
de irrealismo e generosidade idealistas, levantadas contra as noções utópicas l)1a~s ." ,
estáticas, com sua alegação de que é possível prescindir das desigualdades sociais.' mais eqüidade. E os conceitos de eqüidade,s1ío os que mais
(4) Eugene Victor Walter, Terror and Resistallce. pp. 110-111. faciimente podem colidir de forma aguda com· uma'ética
130 o SENTIDO DE INJUSTIÇA •. , INJUSTIÇA 131

plutocrática, mesmo se ela está disfarçada em paterna- . Nndustrial adiantado é <;ssencialmente impraticável porque,
lismo. No contexto histórico presente, há duas variantes da o país não pode custeá-la: o sistema destrói a ini-.
burocracia do bem-estar. Uma é a elite modernizanteem fornece recompensas insuficientes para a qualifica.-
um país atrasado economicamente levantado por uma ir- é inflexível e acabará por destruir ou debilitar.a pro-
rupção revolucionária, e até aqui constituída principal" '",'!.auç.
r.. __."', ,
aO até o ponto em que o país perderá seus me. rcados
mente de comunistas e socialistas com forte sabor de patrio- ;'i"':(internos e externos) e, em conseqüência, o alto padrão de
tismo nacionalista. As respostas críticas a tal elite podem que é a precondição para todo o sistema. Esses argil-,
defender que a liderança modernizadora não está promo- :~;}Crliimtos não devem ser vistos como meramente retóricos.
vendo o bem-estar da população e sim guardando-o para si .... significam que uma combinação de pressões institucio'
própria, o que a torna uma nova camada dominante. Pode, n,"nals força qualquer sociedade moderna a acumular riqueza
também ocorrer uma crítica de 'certa forma mais esquer- ~t'ea conservar a ética do trabalho, e que as penali4ades pelo
dista, com a visão de que a elite não está modernizando' :iW'fracàsso nessas tarefas são a miséria generalizada muitosu-
com a devida rapidez, ou eficiência. Tanto num caso como' . ao que acontece quando umas poucas pessoasdes-
no outro, a acusação é de que o regime está traindo os ideais "'perdiçam bens de luxo moralmente·suspeitos;,QualquerJi,.
da revolução. ""'. ""~- político e intelectual que seja capaz de solucionar esses
A outra variante ocorre nos Estados industriais desen- mereceria a gratidão da espécie humana mo".
volvidos. Aí, o impulso básico é no sentido da distribuição .derna, e poderia mesmo chegar a alcançá-la.
eqüitativa da renda social. Não existe exemplo ac;:tbado; Tais observações sobre os tipos diferentes de legitimi-,
embora a Suécia se aproxime disso, enquanto o New Deal e .. e suas bases sociais indicam a gama de oportunidades
os governos trabalhistas constituíram tentativas de cami- .' . . disponível aos grupos de oposição e as fontes estruturais de
nhar nessa direção. Uma vez que a modernização enquanto tal oposição. Para qualquer grupo oprimido, a tarefa prin.-
tal não é mais uma questão relevante nesses casos, as prin- cipal é superar a autoridade moral das fontes de s.eu sofri-o
cipais criticas populares podem apenas assumir a forma de mento e criar uma identidade politicamente efetiva. Para
uma denúncia do caráter insuficientemente eqüitativo da fins analíticos, é útil distinguir três aspectos sociais e. cUl-
distribuição. Em ambas as formas da burocracia do bem- turais desse processo. Um deles é a inversão das espécies de
estar, a única crítica racionalista possível é a instrumenta- solidariedade entre os oprimidos que auxiliam o opressor.
lista: .no sentido de que o regime não está realizando a sua Exemplos dessa espécie de solidariedade são a hostilidade
tarefa de modo apropriado. Nessas circunstâncias, uma cri, ao "cara estourado" das prisõ'ilS norte-americanas. e o com-
tica mais fundamental deve rejeitar a ética da acumulação e portamento semelhante nos campos de concentração, onde
a ética do trabalho. os prisioneiros disciplinam -se mutuamente para cumprir' a,
Há motivos para crer que todas as formas, possíveis vontade dos guardas ou da SS. Inverter esse tipo de solida.-
dessa rejeição enfrentam o grave risco de desembocar num riedade e dirigir o antagonismo externamente. em ,jireção
beco sem saída. A forma esquerdista de critica converte-se ao inimigo comum não são uma tarefa fácil, pois'mesmoa
facilmente em uma religião apolítica de fraternidade e solidariedade que auxilia0 opressor constitui I\lguma prote,
amor. Outras críticas fundamentais aparecem como varian- ção para as vítimas. Tampouco todos OS obstá.cuIos à ação
tes geralmente inaceitáveis do conservadorismo. Uma delas c'oletiva contra os grupos dominantes provêm dos atos epo:
é o esforço por reviver uma ética heróica e militar. O fas- líticas das autoridades. Nas sociedades modernas,como:ve -
cismo mostra parà onde esta conduz. Uma versão mais mo- remos na Terceira Parte, a fragmentaçãoresultan.tedjlüma
derada sustenta que a burocracia do bem-estar num país complexa divisão do trabalho é espedalmeriteimportarite.
132 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 133

o segundo aspecto do processo é mais cultural que fortemente para a definição e a redefiniçãOdO
cia!: a criação de padrões de condenação para explicar :'inimigo comum. 5
julgar os sofrimentos vigentes. Corno mostrou o capítUlo, ·. Ao invés de aprofundar eSSes três processOs"sócio'cúí-
precedente, os homens podem aprender não apenas a ,:btürais neste ponto da análise, Será tnelhorretê'los etnmente
tar mas a escolher a dor e o sofrimento. Embora '};:para a investigação histórica a Ser introduzida na parte se-
permaneça algum substrato lógico de resistência às expc', ~}íiuinte. São questões frente às quais devemos estar alertáiio
riêf\cias dolorosas, corno suspeito que ocorra, é, não {joexaniinar as fontes e as pistas concretas parápossíve;s sig-
talhe, totalmente possível suplantar tais tendências oo';Ííiftcados de fatosque, de mitra maneira, pa.ssáriam desper'
tivas através de várias formas de condicionamento. Comoj ~;'cebidos. 'Depois de trabalhar com os materiais:histórícOs,
foi salientado anteriormente, essa capacidade do homen o.detnos atacaI' outrOs processOs obvia.metlté'iniportáhtes e
para ignorar e 'aceitar o sofrimento é essencial para . :éstaremos em melhor posição para explicar á4ueles'ac1fua
sobrevivência. Nesse sentido, qualquer movimento polítkô!
contra a opressão deve desenvolver um novo diagnóstico·•.~ m aspecto geral de todo o proces~o exige; com' efeitO',
uma nova cura para as formas existentes de sofrimento,' ... ,algum comehtárió; dútesde tenÚtrrnósanalis1trÓ °queaêôri-
diagnóstico e uma cura através dos quais esse sofrimentó', . com os indivíduos.Colocadacruatnerite,a questão'é'a
fique moralmente condenado. Os novos padrões de conde:;' .... seguinte: é verdadeiro que ôs estratoS'infetiorespolÍcósé
nação moral constituem a identidade central de qualquer: >: impOrtam com os princípios de legitimidade' 'teinante!hi'tn
movimento oposicionista. . - sua.sociedade? Em que medidas eles efetivamente"conhe'
Como parte dessa nova identidade, baseada em ese preocupam cótn tais assuntos? A resposta,éóbvi6\
nova percepção de maldade, desenvolve-se uma outra variar consideravelmente, de caso para caso. Quanto às
nição de amigo e adversário. Em toda sociedade, exceto' estratifiCadas pré-industriais, com um estrato
mais isoladas, nas quais a mudança social abrangente é·.• dominante cujo modo de vida é marcadamente distint6.·clll
qualquer modo altamente improvável, a redefinição camponeses, a vida no campo, nas aldeias e povoados
amigo e adver:;ário deve aplicar-se igualmente às sociedadeS, · acontece basicamente conforme os seus próprios ritmos so-
vizinhas e concorrentes.. Esse processo de redefinição do . dais e mentais. Ê, na verdade, muito difícil afirmar cdiriô
migo externo é suficientemente difícil e importante, ,. essas pessoas pensavam e sentiam, embora haja mais iriforl
garantir a atenção como um aspecto separado da criação ( , 'mação relativa ao modo como eles realmente se comportáC
uma identidade política efetiva; por parte dos movimento~' ., .. vamo Sobre os estratos urbanos inferiores, de épocascom~
oposicionistas. O surto jacobino de patriotismo à época .. . parativamente mais recentes,; não existe uma soma de co-
Revolução Francesa e a falência da solidariedade interna;.'; ... nhecimentos muito maior. Todavia; a partir do que' os afi'
cional da classe operária face à irrupção da Primeira GUéÍ'r~',' "'''tropólogos nos contam de sociedádes hãO'letradas e'do""Ítie
-~ ".." ~~
Mundial vêm à nossa mente como exemplos famosos de
tentativas de redefinir o inimigo estrangeiro. O tema de (5) b útil deixar aqui uma palavra de advedênciâ contra a te~dên~ià~'m6'­
ma alguma se confina aos tempos modernos. Na derna de descobrir formas econômicas de protesto social por)rás.:de Jo4~!re~ses
movimentos. É quase _sempre possível encontrar um aspecto eeoDô,m,ico em' to_do
das cidades-Estados da Grécia, o conflito doméstico "_movimento social. Mas essa descoberta não_pode :j~stiffcar_ oi idéi<i--de qi.re~'()~· pro~-
ricos e pobres, oligarquia e democracia, estava inextricave.Hi ,'-"testo com motivações econômkas constitUi a parte ma'is ililportarlte"da ~xpli,ci'Çãd:
mente entrelaçado com o conflito entre os diferentes Para discernir o que é importante. é necessário determinar todas':asfilrças'ew
e
de cidades-Estados. Em outras épocas locais, as granoes,
jogo, a,fim deestabelccer. com base nas evi~ências específic~s, 3:.S1.la imp?rtância
· e relação·interna. Na ausêricía de procédime~tos 'experimentais; essi 't'aréfa está
religiões mundiais e os movimentos sectários no seio longe de ser fácil. .;;;:' . ~; ,:, r~l

'.
134 o SENTlDODE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 135

pode ser compilado dos estudos históricos, não cabem realmente energia na alma e como ela é conseguida:?
vidas de que o comportamento dos camponeses e artesã<)$;:; (1}Neste ponto, pretendo discutir que respostas a psicologia
do período pré-industrial adaptava-se a certos princípios dê' (!,,'iiiodernapode ou não oferecer' para esta questão.· Primei~
organização social que podem ser enunciados de forma . . ". . entretanto, é necessário tentar ser um pouco mais
zoavelmente satisfatória. Para colocar de outra forma: '::::oreciso sobre o que a pergunta em si pode significar.
alguns princípios de legitimidade. Ê também razoavelment'?i : Autonomia moral e coragem moral podem ser as res e
claro que estes têm de entrelaçar-se de alguma maneira coril,,: i"postas prontas. Nenhum destes conceitos é realmente satis-
os princípios vigentes entre os estratos dominantes,e :Ja:tório. Por si só, de forma alguma, otermo coragem.moraI
natureza de tal entrelaçamento terá conseqüências signifj: ,descreverá as qualidades que buscamos. Os homens podem
cativas para as formas e o caráter do descontentamento, coragem nas suas convicções e estar dispostos a resistir a
ciaI. Além disso, uma rígida distinção entre os estratos .;'pressões sociais esmagadoras, enquanto, ao mesmo 'tempo;
minantes e a massa da população não é de modoalgum;~ se comportam de maneira cruel e opressiva. Uma vei
situação universal nas sociedades pré-industriais. . . este tema voltará à tona múil 'contexto ''rnais amplo,'
pecto, a Rússia e o Japão do século XVIII eram muito iquando examinarmos ocompói-tamellto das fileir'as·I1aZisC
rentes. Assim, para encerrar' essa breve que enfrentavam a hostiliclade pública é mesmo,às 've-
uma tentativa de aferir o significado dos princípios de os golpes da polícia sob a Repúblicade'Weiinar, não
timidade conduz, às vezes, a temas que dizem respeito. necessidade de discuti-lo aqui cle forma mais detida::
redes e relacionamentos sociais que ligam, ou deixam .•. Mesmo diante clamais breve teflexão;: o <:onceito de
ligar, os grupos dominantes e dominados da população. i)iutônomia moral apresenta problemas ainda mais compli-
"cados. Pode a autonomia moral existir ein um universo'su"
;'postamente governado pela causalidade universal? O con'
Autonomia moral e personalidade humana rigorosamente associado de autonomia moral não pas-
de uma ilusão?" Esse tema também retornará num
Em todos os sentidos, nesses processos complexos, . f5âmbito mais geral, .no curso de um esforço para testar a
. indivíduos concretos têm de agir e agem de certas nianeirav "concepção de alternativas históricas suprimidas, nocontex-
O que, 'então, lhes dá a coragem para romper completa,aJ', c, concreto de um momento crucial da história alemã,se-'
parcialmente com a ordem .social e cultural na qual da história da sociedade ocidental moderna: o fracasso
inseridos? Ê este o tema que agora enfrentamos. estabelecer um regime liberai viável na Alemanha, após
A resposta fornecida pelo senso comuin diz que a derrota e a revolução de 1918. Neste ponto, procurarei
do sofrimento mais cedo ou mais tarde leva a um ato Vdelinear uma posição suficienteinente sustentável pàrajus'
desespero. Uma resposta bastante insatisfatória. Por si ['tificar a pesquisa. Para a tarefa: J.'>resente,' serA o bastante
a dor e o sofrimento não proporcionam uma explicação tSllgerir certas coisas que a autonomia moral não signifiê'a.
quada. Como foi salientado no capítulo anterior, a dor ," A fim de colocar os pontos principais de fotmacIarli, a
ser anestesiada, e há situações que conduzem os seres :.'liutonomia moral não pode sigttificar nem a auto'indúlgêll.
manos a infligi-Ia a si próprios. Em outras situações, a , nem um reconhecimento indolor' de alguinanecessi c'
pode ser ou parecer fútil, ou mesmo ameaçar um sofriment abrangente. A recusá a aprender as 'regras da aritfué'
ainda maior. , "
• _;~ • -_0

Uma certa "energia na alma", conforme sugerido (6) Cf. Rohert Paul Wolff. The Autoiz~my oj.R~·~io"n/Á Codz~e;;t~ry o;i"
. ma, parece ser um ingrediente necessário. Mas o que Grouní:1work ofthe Metaphysic D/ MoraIs. éspec. pp~ 194~222.
136 o SENTIDO DE INJUSTIÇA", INJUSTIÇA 137

tica nã.o é um at.o de aut.on.omia m.oral, pel.o men.os n.o mun-, ',·,i. p.oder.osas e ameaçad.oras pressões s.ociais para a .obediência
do moderno. O discurso sobre "autenticidade", "encon~­ .ou .ordens .opressivas .ou destrutivas. A segunda
trar-se a si própri.o" e "desenv.olver suas p.otencialidades f, :',:' 'qualidade é a capacidade intelectual para rec.onhecerque
que c.omeç.ou a c.onquistar p.opularidade em mead.os as regras e as pressões sã.o de fat.o .opressivas. Tal rec.onhe-
an.os 60, dificilmente guarda alguma relaçã.o c.om aut.on.o-, ' ciment.o p.ode t.omar a f.orma da percepçã.o m.oral em term.os
mia m.oral (.ou transf.ormação s.ocial e p.olítica), p.ois ' d.os padrões de c.omp.ortament.o existentes mas em grande
c.orrente de pensament.o nã.o c.onsegue enfrentar séria e ida suprimid.os. A terceira capacidade, a inventividade
retamente a questã.o de que as c.oações sã.o necessárias 'i' :Ym.oral, é mais rara, e nã.o terei muit.o a dizer s.obre ela. Ê a
indivídu.os em benefício da vida em s.ociedade, .ou à margem capacidade de criar, a partir das tradições culturais vigen-
desta. A própria palavra "aut.on.omia" é suspeita, à medida tes, padrões hist.oricamente n.ov.os de c.ondenaçã.o 'a.oqué
que tende a .obliterar essas c.oações rec.onhecidamente va-'" 'existe. De maneiras diversas, Jesus Crist.o e Martinh.o Lu-
riáveis, e t.odavia inevitáveis. N.o extrem.o .op.ost.o, há uma: ter.o f.oram in.ovad.ores m.orais.Presumivelmente, essa habi-
tradiçã.o intelectual distinta, que rec.onhece as c.oações C.omo " !idade p.ode existir em alguns seres c.omuns, em grau men.or.
inevitáveis, mas define a liberdade humana c.om.o .o rec.o- , , A.o v.oltarm.o-n.os para a literatura psic.ológica em busca
nheciment.o da necessidade. De cert.o m.od.o, parece inade , de ap.oi.o para a explicaçã.o desse c.onjunt.o de qualidades,
quad.o den.ominar submissã.o a qualquer c.oaçã.o, nã.o .um p.ont.o que se s.obressai talvez devesse ser óbvi.o de ante-
p.orta quã.o necessária .ou benéfica, aut.on.omia .ou liberd ", mã.o. Qualquer que seja .o significad.o de aut.on.omia m.oral,
Tem-se .o direit.o - na verdade, a .obrigaçã.o m.oral é inte-" , ,; , ela é alg.o que existe em graus variad.os e s.ob c.ondições mais
lectual - de ser ainda mais desc.onfiad.o sempre que pare-,; .ou men.os especificáveis. Utilizand.o diferentesprocedimen'
cer que .o rec.onheciment.o da necessidade se apresenta c.omQ t.os e partind.o de pressup.ost.os gerais bastante divers.os, .os
a imp.osiçã.o de pesad.os sacrifíci.os a alguém e uma p.osição' psicól.og.os realizaram desc.obertas que n.os transmitem mui-
privilegiada para aqueles de alguma f.orma suficientemente , t.o s.obre a .origem dessa qualidade, as circunstâncias que
espert.os para rec.onhecer a necessidade. f.omentam seu desenv.olviment.o na pers.onalidade humana
Nã.o .obstante, parece imp.ossível eliminar as n.oções de e, talvez, mais ainda, s.obre as circunstâncias que p.odem
aut.on.omia e c.oragem m.orais de n.oss.o pensament.o e V.oca- impedir .o seu apareciment.o, .ou mesm.o a sua ulteri.or des-
bulári.o. A experiência c.otidiana dem.onstra-n.os que alguns truiçã.o. Em seguida, pr.ocurarei c.omentar e interpretar al-
indivídu.os têm essas qualidades e .outr.os estã.o privad.os de-' gumas dessas desc.obertas.
las. P.ortant.o, .o melh.or a fazer, neste c.ontext.o, é tentar des- U ma pesquisa leiga da literatura, para mai.or esclareci-
crevê-las de f.orma breve. Mesm.o c.om uma idéia apenas ment.o, l.og.o revela que alguns psicól.og.os enfatizam .o signi-
primária d.o que se deve buscar, é mais p.ossível realizar ,', ficad.o das circunstâncias c.oncretas e das situações especí-
pr.ogress.os d.o que a partir de uma pr.ol.ongada discussã.o ficas c.om.o principais determinantes do c.omp.ortament.ohu-
'S.obre c.om.o se fará .o enf.oque. man.o. Em sua expectativa, a mai.or parte das pessoas se
Para c.omeçar realisticamente, p.ostularei, assim, três c.omp.orta da mesma maneira em situações similares. Mui-
qualidades .ou capacidades humanas distintas mas relaci.o. t.os desses investigad.ores lançam mã.o de técnicas de labora,
nadas que p.odem adici.onar alguma "energia na alma". In-. tóri.o para elucidar suas desc.obertas. Outr.os salientam .o
vestigarem.os também t.odas as hipóteses s.obre a sua exis- que .os leig.os den.ominariam caráter e pers.onalidade, a.o dis-
tência .oferecida p.or psicól.og.os de variad.os p.oderes de per- tinguir entre as maneiras pelas quais diferentes 'seres' hu-
suasã.o. A primeira qualidade p.ode se,' ainda chamada de ' man.os percebem e resp.ondem a circunstânciaiextérnas se'
c.oragem m.oral, n.o sentid.o de uma capacidade de resistir a, melhantes. Para .o últim.o grup.o de psicól.og.os,as clrcuns-
o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA .139
138

tâncias inserem-se na cadeia de causalidade enquanto rando as mesmas linhas e identificando-as em voz alta.
fluências sobre a formação do caráter e da personalidade: , Aparentemente objetos' também da mesma experiência, as
Uma vez que as hipóteses do primeiro grupo são, "outras pessoas" eram na realidade parceiros do experi-
tempo, relativamente simples e bastante surpreendentes;' mentador. A pesquisa era realizada diversas vezes com co-
será melhor iniciar por elas. baias diferentes. 8 Em meio a essa tarefa bastante monótona
Dois conjuntos de experiências tornaram-sejustamente:lJ, de comparar linhas, a pessoa via o seu julgamento súbita e'
famosos fora dos círculos profissionais, porque apresentam"tt , unanimemente contraditado pelos outros membros do gru'
ameaçadoras demonstrações de quão facilmente se . po, os parceiros do experimentador. Em média, 32 por
criar e manipular pressões de grupo sobre o indivíduo, cento, ou quase um terço, das estimativas das cobaias tor-
forma a suprimir não somente as inclinações humanas navam-se incorretos devido à pressão da maioria.
até mesmo a prova inequívoca dos sentidos. A essência Nesses casos, os indivíduos negavam a nítida evidência
ambos os conjuntos de experiências constituía-se em de seus sentidos, a fim de conformar-se às opiniões de seus
car um adulto americano comum numa situação colegas. Seria esclarecedor saber se as pessoas renunciavam
mental planificada, onde as pressões sociais forçavam o às suas opiniões porque consideravam o tematrivial,e se
divíduo a tomar uma decisão contrária'às suas inclinaçõe's elas se comportariam de forma totalmente diversa numa
"normais" ou previsivelmente racionais e humanas. A idéia, ,;; situação onde lhes parecesse que uma opção fosse mais, de-
central das descobertas ia no sentido de que a maioria cisiva. Todavia, é impossível desvendar, tudo de uma só vez,
pessoas efetivamente cede a tais pressões. Ambos os experL E os resultados são suficientemente esclarecedores, espe-
mentos, entretanto, oferecem informação sobre alguns cialmente quando o experimentador realizava algumas alte,
divíduos que não se renderam às pressões planejadas rações nas condições da experiência. Em uma variante,
situação experimental. As experiências também descrevem' quando dois indivíduos inocentes eram colocados no grupo,
as condições em que essa minoria não se rendeu, e a proporção dos erros pró-maioria nos julgamentos caía
quais os resultados gerais do experimento foram revertidos. para 10,4 por cento. Em outro exemplo, quando a cobaia
Este é o aspecto de especial significado para nossos propó-o" real escutava um parceiro do experimentador anunciar a
sitos porque ele fornece importantes indícios sobre aquelas;o) resposta correta antes que ele pudesse falar, enquanto os
condições em que a autonomia moral pode superar severos " parceiros remanescentes davam respostas erradas, a pro,
obstáculos. Para tornar este aspecto compreensível, no en-' porção de equívocos pró-maioria caía para 5,5 por cento:
tanto, é necessário dizer alguma coisa sobre cada experi- Se o experimento revela o poder bastante considerável
mento em seu conjunto. da pressão de grupo, ele também revela o que dissolve tal
Na experiência de S. E. Asch, que foi planejada pressão. Um único aliado pode fornecer suficiente,apoio
descobrir alguns efeitos da pressão de grupo sobre o poder para capacitar uma pessoa a elaborar um julgamento ,cor~
de julgamento dos indivíduos,7 algumas pessoas foram soli- reto, ao menos nessa situação simplificada. Quando o im-
citadas a comparar o comprimento de linha determinada" perador está nu, devemos inferir, é preciso estar apto a con-
com o de três linhas desiguais. A cobaia sentava-se numa'
sala juntamente com um grupo de pessoas, todos compa- ' (8) Obviamente, para levar adiante um experimento desse tipo, é neces~
sário esconder o seu propósito verdadeiro da cobaia. É_hábito também explicar o
objetivo real imediatamente depois ou tão logo quanto viável, e discutir o experi·
(7) Ver Asch, "Effects of Group Pressure upon the Modification and Djs~ mento abertamente e em todos seus aspectos com a pessoa ou as pessoas. Algumas
tortion of Judgements", em Harold Guetzkow, org., Groups, Leadership and experiências, como a que se segue, levantam sérias questões éticas. A realizada
Men, pp. 177~190> espec. pp. 185-186. por Asch, até onde posso ver, foi bastante benigna.
140 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 141

tar com a imaginação unânime dos súditos a fim de supri- sempenhar El papel da figura da autoridade legí:tima .. O
lo com um guarda-roupa adequado. Naturalmente, seria. equipamento principal no.1ahoratório era um paineldeco-.
temerário extrair uma conclusão demasiado otimista, a par- . mutadores elétricos, 'consíruído com muito. realismo.'. Evi-
til" de uma base tão limitada. Embora eu não conheça ne- dentemente, o painel era uma sirp.ulação . .Ha.viatrinta:co,:
nhum dado experimental, há boas razões para supor que a mutadores que iam de 15 a 450 volts, Ao 10ngodopaine1,:a
relação funcionará igualmente bem no caso inverso: um · intervalos, havia indicações da severidade do choque, J:<;m
indivíduo já predisposto ajulgamentos equivocados, e espe-: oitp fases, eles subiam de "Choque Leve", em 15volts,para
cialmente juízos equivocados em assuntos importantes para · ,':'Perigo:Choque Violento" no sétimo degrau"com 375·
ele, necessitaria provavelmente não mais que um aliado volts; depois desse. ponto" no restante. 'dopainel.até450 .volts
para confirmar essa opinião incorreta. · estav.a assinalado simplesmente·.·XXX" ,:: O ',cortjuntd· das:
O propósito da segunda série de experimentos, "reali- instalações efetivamente comunicava uní.aaura de sededádé
zada por Stanley Milgram, era descobrir em que ponto e "ientífica. . .
sob que condições os indivíduos cessariam de obec\ecer à " '. Logo após ~eu ingresso, a cobaia,. atr.avés d~umsorteio
'autoridade legítima quando suas ordens se tornavam obvia" . preparado de papéis; via,se sentada diante·desse, aparelho;'
mente cruéis. Na experiência básica, eram recrutados vo- Ele ganhara o papel ,de "professor"; aopasso.queoâtor
luntários através de anúncios nos jornais locais e convites recebera o papel de "aluno".. Nestep.onto; 'o"éxperimen~
por mala-direta, sendo provenientes de uma variedade de t~dor" instruía o "professor"" ou .sej3.:., a" cobaia: dç,-:expetb
ocupações e formações educacionais. Compreendiam' ho" mento real; a administratchoques créscentemertte'seVt;rós.
mens e, depois, mulheres. 9 Inicialmente, as cobaias rece- '110 "aluno", à medida que o último cometesse /'erroS'? ,rto
biam esclarecimentos de que ,como voluntários, deveriam aprendizado de pares de palavras. Os "erros':. do,:','estiF
administrar ou receber choques elétricos, a fim de adquirir dante" eram deliberados e constituíam parte importante,d;t
informaçã.o científica sobre a relação entre punição e apren- experiência real. Enquanto isso, o "experimentador"; em
dizado. Sobre a natureza de tal relação, eles recebiam uma seu avental branco, instruía de maneira neutra o, ','profes e'
informação simples e clara. Essa informação era parte da sor". no sentido de que continuasse o experimento,aumért-,
encenação necessária ao experimento. Então, cada cobaia tando a severidade dos choques após cada erro .• O.'ator,;
entrava num laboratório construído de forma bastante rea- "aluno" obviamente desempenhava a su.a parte extrémá-.
lista, na companhia de outro "voluntário", que era na ver- mente bem. Ã medida que a violência dos choques aumen"
dade um hábil ator. Seu papel seria o de fazer a função do tava, demonstrava crescente? sinais de dor, culminando por
"aluno" em que a cobaia real, no papel de "professor", girar e por contorcer-se em' seu assento, sup!ícandó para
administraria ·choques elétricos cada vez mais severos. A que a "experiência" terminasse, e coisas do gênerq:tÍ:J:ayja
cobaia era também apresentada a um "experimentador", algumas variações do experimento.) O!'experimerttãdór~':
convenientemente vestido com um avental branco. O "ex- aparentementé também representava seupãpêllié' forma
perimentador", outro parceiro do psicólogo, deveria de- cbmpetente, e ambos os pap~is forám padroni;';âdp~,:pâfi.
evitar que.influenciassem os resultados. Quando o"!alúilo"~
ator começava a mo. strarsinais
"", :
crescentes âe"dôl?'ô'i:i'des'':
. ' ,',-, '--_' "', ';';\"'",,; -(":'--'",-. ; J':-"-:'
~"

(9) Em minha opinião, ê convincente a alegação do autor de que a amostra confortó, e o sujeito inocente,.conio '.'prof~~~()r;;, \ge!Il.!:ín~:,
era suficientemente representativa para os propósitos da pesquisa e de que aque- trava relutância em continuar aumentando'."os'choques,"o'
les que não se apresentaram provavelmente não se comportariam de forma tão
"experhn,entador" dizia-Ih!!' que' a, experiê'fíc::iâ'ji#giÍz';giÍe:'
diversa, a ponto de afetar os resultados gerais. Ver Milgram, Obedience to Ali-
thority, pp.170-171. os
coÍ:i:t1nuasse aâêiministrir clÍoqiú,s, âciesceritçt;';do::~,'E$~:
142 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 143

bora dolorosos, os choques não causam nenhum dan.o per- é bastante c.onvincente. Embora importante em si, esse fat.o
manente aos tecidos. Por favor, prossiga" . não é .o que pr.ocuram.os no momento. Ao contrário, esta-
As cobaias, no desempenho da função de "professor", ritos tentando encontrar elementos sobre a desobediência, e
acreditavam totalmente que estavam infligind.o dor real a especialmente a desobediência baseada em principios. As
um individuo completamente estranh.o, em beneficio de um variações, de fato, criaram situações nas quais a aquiescên-
experimento cientifico. O objetivo de Milgram era observar cia c.om as instruções d.o "experimentador" declinava consi-
em que ponto o individuo interromperia a pseudo-experiên- , deravelmente ou desaparecia por completo. É este .o aspecto
cia, recusando-se a obedecer as ordens do "experimenta-' ' ,"é' ,li.' , do experimento mais importante para. nosso propósit.o.
dor", para que administrasse choques cada vez mais inten,: Antes de analisar tais variações, vale salientar que
sos. Com base não apenas em ·dados gerais como também ocorreu pelo menos um caso de recusa à continuação do
em entrevistas prévias com uma variedade de pessoas,in- experimento básico, que parece ter-se baseado em objeções'
c1uindo um painel de psiquiatras, quando se perguntara até , do principi.o à inflição de sofrimento. Ocorre que o indiví-
onde eles esperavam que outras pessoas chegariam nesta si- , duo era uma mulher, uma técnica médica que surgira 'na.
tuaçã.o, e até que pont.o eles próprios iriam, Milgram con- 'Alemanha nazista e emigrara recentemente. Nã.o épossivei
fiava em que a maioria dos sujeitos interromperia o expe- extrair muito desses fatos, por interessantes que sejam. O
rimento e desobedeceria numa fase bastante inicial da ad- , comp.ortamento das c.obaias femininas nã.o diferia significa"
ministração dos choques. Em vez disso, para sua genuina tivamente do comp.ortamento dos homens. 12 Há uma gran'
surpresa e horror evidente, a maior parte das pessoas em de quantidade de alemães que nã.o adquiriu aversão à cruel:
quase todas as variações do experimento percorrera todo o dade devido às suas experiências sob o regime nazista. Mes-
caminho, ou quase todo, até a potência máxima dos ch.o- mo essa mulher não parou até a metade do experiment.o, no
ques ("XXX").JO pont.o do "Choque Muito Intenso". Não obstante, sua re-
A fim de descobrir se a obediência à autoridade do cusa em prosseguir, a despeito de uma ordem explicita do
"experimentador" era a causa real para esse colaps.o da au- experimentador, foi uma negativa calma e firme a infligir
tonomia," Milgram c.onduziu inúmeras variações na f.orma dan.os, não importand.o o que o experimentador exigia. P.or
básica do experiment.o, tal como f.oi descrito. A sua evidên- mais raro que seja, o comportamento moralmente autõ'
cia de que a situação de autoridade produzia tal.obediência nom.o é evidentemente possível.
Na forma padrão da experiência, o individuo encon-
trava-se abs.olutamente s.ozinho no c.onfronto c.om a autori'
(10) Mais tarde, a equipe da pesquisa desfez a fraude e, no curso de ex- dade. Na cultura norte-americana, essa autoridade, a da
tensa discussão, informou à cobaia sobre o propósito verdadeiro do experimento.
Essas discussões e ou tras formas de acompanhar as visões das pessoas sobre o seu ciência, especialmente uma forma próxima da medicina, é
próprio comportamento renderam algumas das informações mais valiosas. amplamente definida c.omo benéfica. (Os experimentos ti-
(11) Ver Obedjence to Authority, p. 133, para o emprego do termo "auto- veram lugar em 1960-1963. Se c.onduzidos em uma popu'
nomia". A menos que eu esteja enganado, ele não utiliza o termo "autonomia
moral" _ Em vez disso, em outras passagens, ele escreve "julgamento moral". laçã.o de estudantes universitários, no inici.o d.os'an.os 70, os
Essas questões não têm importância: a experiência constitui uma investigação resultados poderiam ter sido bastante diferentes.) Presumi-
altamente criativa da capacidade humana para o juízo e a ação moral indepen- velmente, as cobaias de Milgram sentiam que a ciência era
dente, o tema que aqui analisamos. Como o próprio Milgram salienta (p. 175), os'
experimentos não estudavam a obediência do oprimido sob coação. Seus sujeitos ,benéfica em geral ou nã.o se apresentariam com.o v.oluntá-
eram voluntários pagos. Mas a distinção não é tão grande como a sua rejeição
afirma. Havia' elementos coercivos para a cobaia individual, na situação de expe-
riêl1l:ia, e na vida real os grupos oprimidos geralmente aceitam em algum grau a (12) Milgram, Obediellce to Authority, p. 63; para o caso individual, ver
legitimidade de seus opressores. ' pp.84·85.
144 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 145

rios para o empreendimento. Por fim, eles obtinham a g,a, ,portanc1a do apoio sodal para o raciocinio moral correto. 14
rantia de que os choques "não causavam danos permanen- '·Mesmo com apoio social, por outro lado, o indivíduo tem
tes aos tecidos". Resistir sozinho à autoridade, e mais ainda," reconhecer a natureza correta do raciocínio e agir de'
a uma autoridade que se define como benéfica, é uma ta" ,,(,acordo com ela. ' '
refa extraordinariamente difícil para qualquer ser humano. Outro conjunto de engenhosas variações no éxperi-
Com apoio social, por outro lado, ela se torna muito :mento básico variava a extensão em que o indivíduó'admi-
fácil. .nistrador dos choques tornava-se consCiente das queixas ·e
Milgram demonstrou este ponto de forma atraente etIl., sofriniento das "vítimas". Num dos extremos, 'a <"'yítiffi-éi"
uma variante do experimento básico. Ele proporcionou à ' :estava fora de visão, em uma sala adjacente. Suas respostas
cobaia inocente dois "professores" extras que eram, na chegavam silenCiosamente ao "professor", através de'um
!idade, parceiros na experiência. Em pontos selecionados," aparelho de sinais. Mas, ao atingir 300 volts,as paredes do
primeiro um dos colegas e depois o outro recusaram-se làboratório ressoavam à medida que o "aluno" esmurrava':
continuar obedecendo às ordens do "experimentador" y ' as. em protesto., No outro extremo, era necessário queo'
administrarem choques cada vez mais intensos., Com CL:/'.professor" pressionasse' 'à: mão "-dó·- u al:Urio" ':sobré>unl"a:
exemplo diante deles, ou, para usar os próprios termos placa de choques falsa: Havia duas etapasinterinédiárias
Milgram, com o apoio de seus pares, a maior parte .que não merecerão maior detalhe. O consentimento 'facéàs
cobaias rebelava-se de bom grado contra a autoridade do . 'ordens do "experimentador" caía agudamente conforme'
"experimentador". Entre todas as variantes do experimento ,aumentava a proximidade física do "aluno-vítima"; Coin a
básico, a oferta de apoio social foi de longe a mais eficaz rio ,',~vítima" fora de visão,65 por cento dos sujeitoi obedeCiam'.
solapamento da autoridade do "experimentador"," , Quando era necessário pressionar a mão da "vítima" sóbre
Com o apoio de seus pares, a suspeita da cobaia ino, aplaca de choques, somente 30 por cento obedeCiam. Da
cente de que poderia estar fazendo algo errado pôde vir à 'mesma forma, a intensidade do choque que as cobaias es-
superfície e constituir a base para a ação. Também em aI" tavam dispostas a administrar declinava marcadamente." '
guns casos, como as entrevistas subseqüentes demonstra: Interpretados em termos de situações da- vida real, es-
ram, a própria idéia de desobedecer surgiu ao indivíduo, sesdados mostram que uma disposição para obedecer'cir-
inocente, a partir da observação de que outra pessoa não dens legitimadas mas opressivas é passível de declinarrapi-
obedecia. É conveniente, portanto, interrogar se tal com- damente, se a situação permite ou exige uma percepção dos
portamento realmente representa autonomia moral. Sofrimento das "vítimas". Então, a possibilidade de identi-
Os fatos, até onde são l'evelados pela experiência, po, ficação com a "vítima" aparece. Este fato em si não é sur-
dem ser interpretados como se segue: a autonomia mora~ preendente. Os encarregados de manter a ordem em ·uma
pura, na forma de resistência solitária a uma autoridade população hostil, geralmente zelam para queséussubdrdi-
aparentemente benéfica, é muito rara. Com o apoio dos nados tenham um mínimo de contato com aqueles'quê'su'-
pares, por outro lado, o mesmo tipo de resistência cresce postamente devem controlar. O aspecto instigante desse
enormemente. Esses fatos correspondem ao que é possível .', ~
observar no mundo real e lançam bastante luz sobre o por, --: - : _'o,:. 1'-" ._'

__ (14) Correto na medida.em qu'e se aceitem as pre~issa~'9â', r~ci~~~i,id.~,d~;.


quê desse acontecimento. O que os dados revelam é a im- E com certeza perfeitamente possível réjeitá-l~'ls em báses lógiéa~:' afirma~ que 'op
homens são necéssarhimente estúpidos, devendo cansar dano l.úis aos ótÚros.,Ob-
vi<;lmente, eles o fazem com suficiente, freqüência. Saber,se isso 'é bom p~ra eles
não é unia questão lógica, mas empírica. . " : .. ' ,'". ", .
(13) Milgram, ObediellcetoAuthority, pp. 116-121, espec. p. 118. (15) Milgram, Óbedience lo A'ulllOrity', pp. 32-'36,.espéc: q~'ad~ci' il.'

".,,-;,".
146 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 147

material encontra-se principalmente na forma como ele de- não é, em nenhuma parte, suficiente para manter unida
monstra o imenso poder que essa empatia pode ter sob cir- qualquer sociedade humana mais ampla ou para fazê-Ia
cunstâncias apropriadas. É necessário lembrar que a deso- funcionar. Sob certas condições, pode ser muito poderosa.
bediência em tais variações do experimento constituía ainda Mas não conseguirá trazer água e alimentos para as cida-
um ato solitário, assumido em oposição a uma figura de des, nem tirar o lixo das ruas.
autoridade definida como benéfica, com a qual a cobaia As outras variações no experimento de Milgram dizem
assumiu uma obrigação de tomar parte voluntariamente na respeito a limitações na qualidade e no grau da autoridade.
"experiência", e que lhe assegurou que a "vitima" não es- Uma vez que elas pesam apenas indiretamente no problema
tava sofrendo nenhum dano real. Quanto mais pensamos da superação da autoridade mOl'al da opressão, será possí-
na situação, com a vantagem bastante desfavorável da per- vel comentá-las brevemente. A variante mais significativa
cepção tardia, mais surpreendente se torna que a desobe.- tem importantes aplicações quanto à noção de que os ho-
diência tenha afinal acontecido, e mais ainda que tenha mens são, por natureza, cruéis e agressivos. Num certo
ocorrido em tal escala. Evidentemente, a empatia sob con- ·";'\j[;f;f/:' ponto, no curso das experiências, veio à luz a sugestão de
dições apropriadas pode transpor os mais poderosos obstá- que as cobaias bem poderiam gostar de infligir choques em
culos. Combinar os resultados aqui discutidos com o mate-' vítimas indefesas. Duas variações testaram tal concepção.
rial sobre as conseqüências da revolta de seres semelhantes, Em uma delas, o "expcrimentador" que trajava o avental
no solapamento da autoridade, permite-nos uma interpre- branco deixava a sala para dar suas instruções por telefone.
tação da experiência em seu conjunto bastante diferente da Quando o "experimentador" estava ausente, a obediência
ênfase de Milgram nos riscos inerentes à tendência humana 'caía agudamente. Nas outras variações, o "experimenta-
de obedecer. dor" dava instruções que possibilitavam aos indivíduos es-
Este é um tema, entretanto, que transcende esse expe- colher que nível·de choque eles desejavam. Nessa situação,
rimento limitado, embora relevante. Trata-se aqui de co- a maior parte das cobaias escolhe o nível mais baixo pos-
mentar apenas alguns aspectos. Na situação artificial do la. sível no aparelho." Obviamente, essas pessoas não estavam
boratório, a empatia que se mostrava eficaz exigia ·estreito inclinadas - com algumas exceções individuais - a infligir
contato físico e, quase certamente, muitos outros fatores dano a alguém indefeso. Um representante da autoridade
difíceis de especificar de forma acurada. A experiência co- legitima tinha de estar fisicamente presente e emitir ordens
tidiana é. suficiente para demonstrar que a íntima associa- explicitas para que eles o fizessem. Deixados ao seu próprio
ção com outra pessoa - para não mencionar o contato fí- alvitre, se isso pudesse acontecer, os indivíduos podiam
sico - dificilmente é eficaz em si, para a criação da identi- muito bem se comportar de uma maneira mais ou menos
ficação simpática. Além disso, é alarmantemente fácil des- humana e racional uns frente aos outros. 17 As outras varia-
truir a percepção de que outro ser humano sofre com uma ··.·i'.···}
experiência do mesmo modo que nós sofreríamos. A prática
generalizada da tortura é suficiente para evidenciá-lo. Fi- (16) Milgram, Obediellce to Authority, pp. 59-62, 70-72.
(17) A representatividade da amostra faz sentido aqui. Milgram, Obe-
nalmente, mesmo se dispuséssemos de conhecimento sobre dience to Authority, pp. 170-171, relata que as experiências foram repetidas em
a variedade de condições que poderia criar ou destruir a' Princeton, Munique, Roma, Ãfrica do Sul e Austrália, resultando, em geral,em ní-
identificação simpática com outros seres humanos, isso não veis mais elevados de obediência. Não está claro se as variações acima descritas
faziam parte do procedimento experimental, realizado no curso das repetições.
nos ajudaria muito. Por si sós, o amor, a identificação sim' Mas há suficiente evidência de outras fontes sobre o comportamento humano e
pática, a empatia, ou seja qual for a nossa escolha pará racional, como prática geral em suciedades sólidas e relativamente isoladas, para
denominar essa emoção ou série de emoções fugidias, ela que se possa assegurar a gcneraliz<lção.
148 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 149

ções apontam no sentido de uma conclusão semelhante. De acordo com uma tradição critica familiar, a
consentimento caía em graus variados, algumas vezes m'oderna tecnologia e os meios de. comunicaç1ío de massa
forma bastante acentuada, quando os ornamentos institu>.:·' possível a maniplJlação das atitudes humanas
cionais da autoridade eram aÍterados, quando duas ,,"t...rC .... numa escala até agora inimaginável. Desse modo,' elessu;
dades davam ordens diversas e contraditórias, e a postamenteajudaram a destruir a própria possibilidade de
dade era transferida para uma "pessoa comum", em julgamento moral e político independente, nas sociedades
de um "experimentador" em avental branco. Na variação. industriais adiantadas. Procuremos examinar brevemente o
recém-mencionada, diversas pessoas mostraram-se corajo-, que as pesquisas dos psicólogos sociais contemporâneos po-
samente à altura da situação e, ou lançaram mão de amea-.· dem ter a dizere nos sobre essa questão; 19 .
ças, ou usaram a violência física para defender o "aluno' A principal impressão que tais estudostrallsrniteln: é
vítima" .18 Embora instigantes em muitos de seus pormeno- qlle a população norte-americarianãoe nemdoíninada,'
res, tais descobertas não se contl'apõem às expectativas 01'-" nem sofre lavagem cerebral, por parte dos meios 'de éóm:u,
dinárias quanto ao comportamento humano, no mesm(y;.:·; nicação de massa; Em geral, a;maior parte das pessoásnão
grau em que ocorre com outras. prestaatellção. ao' que os .media têm adi:ier " seelâs'riãÓ
Relatei e reinterpretei aqui o trabalho de Milgram, de. 'estão interessadas no assunto já de início, comobcorre bás'
fOI'ma mais ou menos extensa, porque este era o mais signi' tante freqüentemente. Os resultados de pesquisas'sobre,a;
ficativo para os temas sob consideração. Em termos da má interpretação popular das mensagens dos meios' de'co-
capacidade para definir as questões e para delinear um pro- municação e sobre a falta de atenção para essas mensagens
cedimento passível de render evidência pertinente, o traba- 'feforçam a impressão de que as pessoasc6muns' fornlilín
lho era também, em minha opinião, importante. Num seus ideais a partir de suas experiências imediatas, 'enaêVá'
exame cuidadoso, essa série de experimentos em psicologia partir dos meios" de comunicação de massa, ou não" em'
social, juntamente com a de Asch, indica que há quase grande medida a partir deles. Dados semelhantes sobreit
tantas maneiras de dissolver uma atmosfera social opressiva ausência de atitudes "politicas" também indicam que as
que sufoca a autonomia moral, quanto há de criar uma tal pessoas não têm idéias, ou as têm ao acaso, em áreasdis"
atmosfera. As capacidades humanas puras e suá manipu- .. tantes de suas preocupações imediatas do dia-a-dia. Êêer.i:ó
lação técnica parecem ser quase neutras. Os obstáculos à que eventos dramáticos, como o assassinato do presidente
autonomia moral provêm basicamente do fato de que as Kennedy, capturam efetivamente a sua atenção. Más, por
oportunidades de controlar essa atmosfera são desigual- outro lado, elas interpretal(l esses acontecimentos eÍli.tet~:
mente distribuídas em sociedades hierarquicamente organi- mos bastante pessoais. Repetidas vezes, os investigad!)rés'
zadas. Por outras razões, as oportunidades são também es- do efeito dos meios de comunicação de massa enfatizam 'a'
cassas nas poucas sociedades remanescentes que não con- importância das predisposições' emocio'nais çintçlectjiiils'
tam com uma hierarquia ou estratificação social. prévias da audiência, de sé\.i equipamento inteleCtual,",'pQ;
Para um número razoável de críticos da sociedade in- sentido de armazenamento de conhecimentos, quadrO;de
dustrial moderna, a afirmativa de que as oportunidades de referência conceitual e estado de espírito. io · . ",,'
controla!' a atmosfera social são "desigualmente distribuí- '-i;',
das" poderia parecer uma asserção parcial e grotescamente
(19) Para um questionamento a'partir"de outro ponto de vista, -ver·-Terror
orld Resistallce, de Walter. :''-: .: ,__ .' "'-;'):1;t':;
(20). Para uma revisão-geral da literatura sobre o tema;·_ver"_,Wal,ter:Welss,
(18) Milgram, Obedience to Authority, pp. 93-99, 66-70, 10S-107. "Effects of the Mass Media ou Communications". em Lindzey e' Ar9.~s~n, Haií-d-'
INJUSTIÇA 151
150 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ...
Em outras palavras, é impossível inferir o efeito dos nomia moral, podemos concluir, derivam de causas mais
media apenas a partir de seu conteúdo. Informações dis- materiais, como a distribuição desigual de riqueza e de
poníveis sobre o nível de atenção dado às campilnhas polí- . poder.
ticas nos Estados Unidos não sustentam nenhuma concep- Quando deixamos essas preocupaçÕescotn as presSões
ção forte sobre a exposição seletiva às mensagens políticas. grupais e institucionais sobre os indivíduos maduros,paia.
As pessoas, se é que se interessam pela política, concentram nos voltarmos aos estudos relativos a corno o indivíduo
de fato considerável atenção em· mensagens opostas às suas . tornà-se maduro e adquire um caráter. ou personalidade/á
opiniões anteriores. Essa constatação sugere que pontos de primeira impressão que fica é a de urna insustentável diS-
vista radicais e não respeitáveis podem se filtrar, atraindo cordância entre diferentes escolas de· psicologia .. Ê ,neste
c
de início a atenção nos limites da respeitabilidade. A capa- ponto que a ênfase rias circunstânciasextema.s coma o d,e
cidade para aceitar (ou talvez ignorar) idéias contraditórias terminante do comportamento moral em qualquerépôca.
vem à tona de maneira ·vívida em um estudo sobre uma revela-se mais aparente - assim corno as limitações de urna
amostra de membros de sindicatos, formada principal" ,'abordagem atemporal, restrita às técnicas de laboratório.
mente por católicos. Os líderes sindicais eram, por sua vez, EIJl um pólo, o leitor .siIJlpaticamentecuHosó ericôn'trará
comunistas. O jornal local dava apoio à visão da Igreja so- .extremo .ceticismo sobre a possibilidade' de existêriciaâé
bre as relações EUA-URSS, ao passo que o semanário do qualquer coisa semelhante à autonomia moral. A razão pri'
sindicato local e os líderes do mesmo sustentavam a linha IJlordial que há por trás· desse. ceticismo é· uma' crença. ria
comunista. As fileiras sindicais que não mostravam preocu- Í1,lsuperável importância desítuações específicas e' concre-
pação. com política nem mesmo estavam conscientes de tais 'tas, com suas recompensas·· e punições, corrioas determi-
contradições. 21 Ê possível supor que elas reagiriam de modo nantes básicas de todo o comportamentohumàno, inclum~
bastante diferente face a temas locais "quentes". .do aquele que possa ser rotulado como moral. 22 . Esta é uma
Assim, esses dados lançam uma dúvida considerável questão importante. Se não existisse nenhuma continui-
sobre a imagem orwelliana da sociedade industrial moderna dade e nenhum padrão discemível para o comportamento
corno cultural e intelectualmente teleguiada, a partir de al- ,da maioria dos indivíduos, realmente não poderia .haver
guns pontos ou de um ponto central. Os obstáculos à auto- qualquer coisa que· pudesse se .assemelhar à autonomia
moral.
Há algo de suspeito quanto a essa forte ênfase nas·cir-
book Df Social Psychology, V, pp. 77 195. Para evidências contrárias às noções de
M

cunstâncias distintas, por mais poderosas que elas certa'-


exposição seletivas aos meios de comunicação de massa (isto é, evitação generali-
zada de visões contrárias ou ameaçadoras) e a ausência de provas a favor de qual- mente possam ser. A observação comum das vidas depes-
quer efeito persuasivo por parte dos meios de comunicação, ver WilHam J. Me ·soas que conheCemos há muito tempo revela urripa.drjío
Guire, "The Nature of Attitudes and Attitude Charige", in ibid., 111, pp. 218-
219.227. Para indícios de que um grande número de pessoas não tem nenhuma
, 'câi:acterÍstico p ara a forma corno elas reagem· às circurís~
preocupação ou opiniões políticas coerentes, e alguns dados sobre a manifesta târieias. Algumas pessoas levantam"se para questioil.á~lase
tendência dos media para reforçar disposições gerais prévias, ver David O. Sears, pilratentar superá-Ias. Outras as evitam. Algumas pessoas
"Political Behavior", in ibid., V. pp. 330-331, 349-351. 365. O registro da ausên- .estão inclinadas a dizer a verdade mesmo quando embaià:
cia de preocupações poHticas, em minha opinião. pode ser um reflexo da definição
que o entrevistador dá a "político", com ênfase nos temas nacionais e internacio-
nais. Provavelmente, as pessoas dispõem ao menos de uma avaliação e remédios
elementares para as pressões dolorosas que sentem diretamente. Há dados exce-
lentes sobre este ponto em RobertE. Lane, Politicalldeology.
:~~(.:. N(J~r!;"s; So~io/~~i~~i, T~eo~"di
(22) lohn Finley Seott, Inte;naÚzation of A
(21) Walter Weiss, "Effeets.ofthe Mass Media", pp. 87-89, 114-116. 159, ,Moral Commitment, espec. pp. 35-38; exceto a nota. 116, onde·~ au.tor. trata"a
161. coragem moral como real e explicável, em termos da teoria dó ~p're.ndiza4o.

__·..;_c·,;_·
152 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 153

çosa, Outras tentam mentir ao enfrentar situações minima- servar processos de crescimento que duram vários anos. É
mente difíceis_ . igualmente impossível utilizar técnicas laboratoriais plira
Esse conhecimento de domínio comum está profunda, · controlar e variar as condições que influenciam tais proce~­
mente incrustado na linguagem, nos termos utilizados para sos. Desse modo, os requisitos do laboratório podem:01;>li-
descrever o caráter e a personalidade humanos_ Certa- 'terar continuidades e semelhanças que existem apenas em
mente, o conhecimento comnm pode ser nma das referên- · longos períodos. A realidade humana e outras similares não
cias mais perigosas para a reflexão séria sobre os homens. . são necessariamente dispostas de forma a ser mais faci!-
Ele está repleto de preconceitos, falsas inferências, estereó- · mente acessíveis às formas mais precisas de verificação.
tipos, mistificações e ontras coisas mais_ Não obstante, os Unia definição da verdade científica que superdimensioneo.
esfórços de precisão científica, com o propósito de superar método de verificação pode ser tão enganosa como qualquer
esses defeito~, podem impor seus próprios antolhos e limi- concepção mística da verdade, isto é, comoalgb a que se"
tar a acuidade de nossa visão. Eu suspeito que: 1) a resis-' êhega tão-só engolindo porções do infinito durante mcimét:t.·
tência a conceitos como a internalização das normas .. tos de inefável beatitude. . . .
acréscimo bem pouco elegante ao idioma inglês); 2) a . No pólo oposto em relação a esse ceticismo sobre. apr~,
fase nas circunstâncias com o determinante do comporta- pria possibilidade de antonomia moral, há psicólogos que
mento humano podem advir de uma super-imersão na ate i. · defendem a concepção de uma tendência inata em direção.~
mosfera do laboratório ou de uma fé sem garantias no autonomia moral, exibida em graus yariadospor todos os
der deste para descrever o comportamento humano, : seres humanos. Duas tradições distintas. convergiram. nessa
No laboratório é possível criar situações artificiais que reivindicação. Uma delas deriva da obra de Sigmund Freud
limitam efetivamente, de forma bastante severa, as manei- · e aplica as suas categorias, embora com variações e 1110difi-
ras possíveis pelas quais o indivíduo pode reagir. É neces- · cações consideráveis. A outra tradição aparece na.obra de
sário fazer exatamente isso, a fim de testar a teoria. O psi- , JeanPiaget e daqueles que se empenharam em ampliar e
cólogo de inclinação experimental deseja limitar a gama de',,] refinar as suas teorias. Os pesquisadores que trabalham em
formas possíveis de comportamento, a fim de estar apto a ':C . cada uma dessas tradições desenvolveram já um corpo con~
descobrir que causa o que: se a crueldade vem da _ .. siderável de resultados empíricos. 24 Antes de discuti-los,
cia ou de algum outro fator, como as tendências agressivas será conveniente situá-los em seu contexto teórico, mos-
inatas, conforme os experimentos de Stanley Milgram ana- trando os pontos principais onde essas duas teorias con-
lisados acima. Mas não se pode confundir as simplificações vergem. .
artificiais e necessárias do laboratório com muitas Em ambas as teorias, o foco de interesse e de investi,
ções Importantes na vida real. 23 Além disso, nesse gação recai sobre certos processos de crescimento hurnano'e
investigador pode apenas observar um segmento diminutô · maturação psicológica. Ainda que Piaget e Lawrence Kohl,
do comportamento de um indivíduo e somente num b r ;;;;,,'"
"
espaço de tempo. Em nm laboratório não há forma de
(24) A convergência é mais surpreendente em RobertF. Peck"et Ti~~
"alij';"
Psychology of Character Deve/opmellt, um estudo basicameJite -fréu'di~río (co~
algumas referências a Piaget) sobre o desenvolvimento do carátel' na adolescência
(23) Mesmo na pesquisa de laboratório, os resultados são em geral estatís~ '~; . ,entre estudantes secundários de uma pequena cidade norte-americana, e Law-
ticos. Há quase sempre exceções às relações descobertas. Se os resultados estatís-':' . - "reilce. Kohlberg, "Stage and $cquence: The Cognit~ve-Oevelopm~_n.tal,J~,ppr~açh
ticas são ambíguos, as conclusões são geralmente menosprezadas. Seria mais ,to Socialization" .. em David A. Goslin, org., Halldbook,of Socialization ,-,,!1u!oiy
vClliente averiguar um pouco mais o motivo de sua ambigüidade, em vez de ~;and'~esearch, pp. 347-480, uma tentativl,l de aplicaras teo~·i~·s_.de J:'iagetern, 'ci:?'li.~
plesmente descartá-los. "": textos de várias culturas.
154 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTIÇA 155

berg tenham pouco a dizer sobre a infância, sua poslçaq Wívestigadores diversos e com as considerações que eles. de-
geral é coerente com a imagem freudiana do bebê humano' tJ~Jam enfatizar'>- O traço comum na concepção dos está-
como uma porção de protoplasma autocentrado. É o pontO' ,... a tese de que .cada uma das fases de crescimento é
de chegada que é notavehnente similar. Ambas as escolas· êônstruída sobre as realizações da etapa precedente oué
vêem o desenvolvimento humano como. se dirigindo 'f'etardada por fracassos erilcompletar as etapas anteriores.
uma estrutura de caráter e uma personalidade moralmente ~DeJorma alguma todos os seres humanos completam to4as
autônomas, embora de modo algum sempre as atingindo ;Wlfases. Recuos e regressões limitadOs podem. ocorrer, •.e· o
Quando e se os seres humanos' atingem a sua potencialidade' 'fp:;o~peSSOein seu conjunto pode ser interrompido. o cresci-
plena, eles são capazes de dar e receber afeto. Eles também': :ffibnto,paralisadoou deformado é4e fato muito mais co-
percebem e aceitam as regras morais não como algo " , . .,co..·. passagemhem,sucedidapara a maturidade.
dido pela autoridade superior, seja divina ou humana 'l'ã() .obstante, os que trabalham . no interior dessa tradição
bora na visão freudiana essa forma de obediência jamais ..... os processos de .. amadurecimentopsicosse-
desapareça completamente), mas como um corpo de .. xílal e moral exibem. efetivamente características universais .
mas livres e racionalmente aceitas, bem como passíveis .. .. , . Lergem.da interação entre as neceSsidades humanas
crítica racional e de transformação, em beneficio da lanueSlas e as capacidades e experiências uniiersais âéri-
em comum na sociedade. 25 Ambas as tradições acentuam i~as~dli vida n'.! sociedade. . .' ..
capacidade de opção racional e crítica como a base Pássando a temas e estudos. mais específicos,podêmos
obediência e a desobediência fundadas em principios, lidar com uma teseestabeledda sobre airifância, que ofe-
quanto estágio final de desenvolvimento, além de situarem e'éií Ji'mexemplo negativo; especialmente' esclarecedor. Pa-
as formas mais emocionais de desobediência e de obediêlÜ ~c€'evidente que' um ambiente .infantil,' onde ci' afeto'· está
da em estágios especificos da trajetória da maturidade~ JiséPtie as punições são brutais, freqüentes é erráticas
tradição freudiana devota mais atenção e dedica mais p'~.décausar danos à psique humana, num nível quê tende a
dagens à aceitação e recusa emocionais da autoridade. ~iil'.'írt'eparável. Para a pessoa que cresce num ambiente as-
get e aqueles que aplicam suas concepções enfatizam os' ,autonomia moral é uma perspectiva altamerite im-
pectos mais estritamente cognitivos. õróváveLEm Children Who Hate(Crianças que Odêiam),
Embora o estágio final de autonomia moral soe, e David Wineman apresentam um relato vívido'e
vezes, nesses textos, mais como um ideal que como . iS\iêies patético de uma tentativa de reabilitar um grupp 'de
realidade, os teóricos de ambas as tradições citam ocask (iscriimças, provenientesde,um passado miSerável. Esses
nalmente razoável evidência para sugerir uma aproximaç1t; ~oleicentes exibiam irrupções constantes e incontroláveis
aceitável à realidade. Em todo caso, para os propósitos'd, ~hOstilidade uns frente aos outros eem relação aos ádul-
nossa investigação, o percurso é mais importante que o .. ' .... pessoas muito amáveis e cômpreeIisivasqút,
tino. Para todos os pesquisadores, o percurso é constituii:fi de .' si para cuidài' dos 'jovens", núm: àrt(-
de uma série de estágios. O número e a descrição dos .,. " - ", -
que eratão ameno quanto fora severo o
~.-. '~,:'I

gios variam grandemente de acordo com os interesses

ci

(25) Ver o conceito de "moralidade racional~altruísta" em Peck . '_'1',~-, : ·;~'i';f~·\~./~(

P.wch%gy ofCharacter Development. espec. pp. 166, 171~174. e o Estágio ;;,~,~~~(26) .Kohlberg, Stage and Sequence, p. 377, fornece uma lista" tabular' dps
desenvolvimento moral de Kohlberg, o da "consdência". ou orientação 19ios propostQs por dez estudos, efetuados a partir. de diferentes pontos de,v!sta
'. - .- - ' .
'- , . -' ~-' ." .- '-
cípios, in Stage alld Sequence, p. 376. <1:_ ••,~,.
156 o SENTIDO DE INJUSTIÇA ... INJUSTiÇA 157

Tais explosões de hostilidade originavam-se da circun:~' famílias que o eram, as crianças em geral não consé-
tância de que esses adolescentes tinham perdido quase ;.•. gmam desenvolver uma moralidade além' do simples .ütilic
completo a capacidade de adquirir qualquer coisa .. (i:tiirísino.) As punições aconteciam: No entanto, eram rêlati,
assemelhasse a um mínimo de controle sobre seus impulso's :,Ná!nente indulgentes ejamais cónstituíamlifuaeipressâo'dP
e desejos. Sempre que um impulso fosse frustrado, a criarié 'tefaOu disfarçada da hostilidade doS; pais. Onde talhosti-
ça perdia a cabeça. Até mesmo a mais leve frustração l'Üdade era mais freqüente e livrementéexpressa,' umaconc
tipo inevítável na vida ordinária, tal como a necessidade ilse4iiência provável era a retenção do desenVolvimento tnôC
parar diante de um sinal de tráfego no vermelho, podetiá "iãItnúm estágioànterior, próximo ao tipoautoritárioâe
desencadear uma série de ataques de·fúria. Ao mesmo ;p~rsôiialidade. A principalcaractetl:;tica desse tipOé>liiná
po, as crianças conseguiram adquirir um vocabulário ''âi;enfuada depen dênciil""' defon tes'extêirias :dé'''au toridiidé"
obscenidades suficientemente rico para dar inveja a ~orih!ncional, associada coriÍàtittides p'Ünitivás com'rês'
adulto com ampla experiência de mundo. Elas tambémdé:': . ... . à "fraqueza" eà imoralidàde:28 .
monstravam uma notável inventividade, de tempos em
pos; no atormentar os mais velhos que lhes dispensavam
cuidados. 27 Ê desnecessário salientar que o
oposto de completa indulgência diante de todos os lmpuls()s
e caprichos não era nem exeqüível nem passível de conduzif
a conseqüências desejáveis.
Outros estudos confirmam e ampliam esses resultado,s i'dê'âisdp1iha diretamente
fornecendo evidências sobre o tipo de educação que "--'~ "{" "":-' - -,
' -, , - '., -'
,:'l1íhitdidÍsicos
. ,.,' lP :,'."'--' -
ou verbais;
.
I
rece a autonomia moral e o tipo que tende a produzir aquif(j ~
biriaçãOda retirada
que se tornou amplamente conhecido como personalida& ,., .... . como forma de induzir um controle autônomo
autoritária. O caráter racional-altruísta descrito por Rob~r't comportamento das crianças. A explicação'ofere'
F. Peck era o produto da educação coerente, ... >
iiâ'para essa descoberta enfatiza o papel' da áng'l1stia.
confiante e carinhosa. (Logo examinaremos algumas razQe,s ul~tstiâ produzida pelúetirúda de afeto pÓi '. . .
para acreditar que esse estudo parece ter supervalorizado'~ .", ' ., me'nos da' presença paterna contínua ou
coerência.) Os pais se reservavam firme e inequivocamenti
o direito de tomar decisões finais quando achavam necess~;J ...- .... - física, sendo portanto miis passível
l1-êsêhça ',"-
'dê se tornar --,

rio. Por outro lado, à medida que a criança crescia


tornava mais competente em seus juízos, os pais a encOI;~j
javam a tomar um número cada vez maior de decisões r_~~t.?$>. ::peck et ai., Psychology 01 Character Deve/óplJle.nt, 'PI>. J 7171?8';:..:.~er ,
sua própria conta, esperando que o fizesse. Em outras ,}R~~~:p.:}70 ~obre a p~rs~nalida~,~ ,ç,?~f?rmis~a e su~ s~~eJh~p:ç~ ,~<?,~}~,per~.
~l\alidade, autoritári.a, tal como de~crita e interpretada em T. W. ,Adorril)':_eral._;'
lavras, essas famílias não eram "centradas nas crianças::: j~')fu'thõ'~I~ta~iàH Personality. Um bom estUdo recente que apresen'fà:resu(tados
°
:'íni~àte_s'-a 'esses é de'David ,Mark Mantell, .True Americanism: J;rJ!I!~ 1/Jerets
(wár,-Rdisters, espec. pp. 48-49, 60, 71 73, para semelhanças qQ a~biente
w

11llàr en'tre os oponentes à guerra e a personalidade racional-altruísta., Uma vez


(27) Redl e Wineman. Children Who Haú. espec. capo IV. Colin' ;,'âs"f9ntes históricas e sociais-dás atif:iIdes punitivas autoritárias virãb:à'íllz, em
Turnbull, The Mountain People. relata uma incapacidade semelhante para I i_çãq:-êom' o apoio pópu'iar-do' 'radicalismo nazista e direi'tista-;-- nô-'cápifiito, ~2,
duzir autocontenção e respeito pelos outros, inclusive pelas próprias 'crianças:_; l:ná:',necessidade de maior análiseàqui. - ' , , ' _ , ' '_ :\.,?~ _ ,_
deixadas no vão das portas a morrer de fome - entre os Iks, tribo africana" CU]: ". ,-- ) ;'Justin Aronf~ed; Conduct ànd COliscie1lCe.;'-Thé'Soçializaiion: 01 In_-
organização social se desintegrou com a perda de suas áreas de caça. ' , Contrai over BeiúJvior, pp; '60-67, 295·296," ,- -" -',-, "

l,,;":.,.
158 o SENTIDODEINJuSTIÇA ... !' • INJl.)~TIÇA . .',' 159

. part~daperson~lidade, que a angústia criada p!"lapuniçãô"\ i.direção de uiripadrão mais elevado de desenvolvitneritónl.o'
Iísicae.9ir;itfi:pelos pais. 30._. . ' ; : ' " ••.... . • • • • • • ••; ~i-àiPl\ràaclasse'média. Emcqdqdasse, as .crianças.• mais
' É de certa for.nta maissurpreendentedescobdr eVHli'p \;elhas:emais inteligentes foram nl.~is longel1as lirih"sge'
ciasrió~entid';cle que a estrita (!perênci~n~apHcaçã';clá, c • . . , . . . • ÚsenvolvimentomOral."Se'o'retardamento',d as

puniçÕes e recompensas pode não ser ~forma J 'j'cjjanças de classe inferior deVesse. ser .explicadopelaexis-
ensina,; um .tnüdelo particular .deéomp9ftilmel1to.. li .I).li!.i, ,cLiêriciade um sistema devalores.subcultnral adultôédifec
provÍlvelque uma resposta se tornefirmernente estabelecida' . . .... . cri<tnças mais velhas e brilhantesdac1asseb.ili"a
passando a: sero que poderíamos denominár . ' .. '. ... ... '.
_ -_. - ~ - c' - _ - - - " ' '_ ,_"_ _' - - '. - _ ,,,,' ., c ',' 'jteriarodeser mais 'atrasadas'.queas crianças mais,jpv~p.sé
,itlftticasdameslUa classe;;urna yezqueteriamal?r~ndidi)
r;~;'w.~ll}ór.o sistema de valores dessli classe:'. 35. Não.é isso:O;.que .
~ik.'~{t>ésquisas demonstram.'
'·-~i~~1t~fjJ~.it~eu_çóp.junto; _,q.'procedim~Ílt9J _ _ ._': :- ,_':
;;'itórias. de' Piágetem testes· enl.vátiasc\llt,liras,J'Q\ ·1'l"c.en~ei
ó s~';hbÓPE INiÍJsTH;À.,:, ,'i", ",NJ,US}JÇA,:' ',',
o SENTIDO DE ÍNJUSTIÇA." INJUSTIÇA' 16,3,

renderá 'provavelmente -um tipo, efetivo' deaúió,


'controle:' A ' aquisição. de' cont'rólesobreos. impulsosconti,
anal: O processo'Cillll1inacomainco!:pO-
~;'~;-'';~t;'da criança, eirisúaprópriá personalidade;'
de ,SeUS pais Oll outros modeíos

:J
OSEN11DOPE.iNJUSTIÇA ...
, Ch~jús1'IçA' " " ,16'5>

" ~C~';','''''iC''!~,
166 o SENTIDO DE Í1>ijJ~STIÇA ... "'Ú'Ú~STIÇA ' 167

apoio e'unia compreehsão cati11.hosos qrtandofoi


·i.JÍeCessáriode fato enfrenHii: tais si~uações; .
;0\'(;';Eulbóra Os 'demel1tosdeprepatação cultural 'e apóio
1t';~ócial átravés dafàniíliasejarnC!araménte importantes, é-
'visiveltainbérnque eles nãóe~gotani a questão .• Os
/.4isputil1iinidé uma idéial'eal s()bréagué aconte~eria.
sabia' coni' certeza. A incerteza-

., i i '; ,~. ~'1'_,,:c·- :·.;"1-)'_~.,;:;


,:~,:,_-:,}: ;"\;<~'L·;.-·:'.,' -,<-i::.
~,(',. i ;
J)r'; 174-187;;·e~pec:'i»178.,-~~':··I"",
• _ '. _- • , .-: _ :' __ ._ - - - _ • ,:.,-.:-: _ ,',', .C-e • - .-,." ':.

Çoles. Çhildren o,ICris;s,


f::~~:;~:sl~~J~~

INJUSTIÇA t6~ê~~J~~~;
'iiHffenhâ'àlgôifVe{ como' fomptomissóefuódonal,' .êmbOJ:âi;;~
'itidrth;cdos jovêns/ emcómpatação Cóm'odê pessóa~ mais i:',;
;;'\>elhaS, Tal1tonoscitmpos de concehtraçãoéóinonessetip() .'. ' f '
'.. . ... ". '.. lado; os' m'aisidé61ógic6s i demonsfrà>
;,vamlílriá.tendêndá para se manterem lÓilgê'dósprobIt;inas,
;persüadindó'otitrosàfázefemós 'necessátios' sacrifícios' fi"
. ~ l' . -.;

\:
o SENTIDO DE INJUSTIÇA.. ,

. 'dOengaú<i,parapenJ"litir que venha


. tica.AlélTIdiSso,deacorçio.com essa.evidência;.asodeditiié.'
indu~tri1.\i;p:,.od.ern:a nãoJemoefeit~ ..... . ..... . .. . ....••
que algüi!s críticos lhe átribuÍram. . ..
Ngplano das tendên.cias er",spostas indiyiçl;ti;tis
derih:s.fundamen·tos para·acredita.r ",muma,·teridên
. . para autonomia ~~~nl a .. . ..

SEGUNDA PARTE

perspectiva histórica.
Os trabalhadores alemães
(1848~192Ô)

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UMA PI!RSPECTIV A HlSTÔRICAo .. ll'IJÚSTIÇA 175
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tfatameíltodo tema irá concentrar.cse, BioakerpririCipióu a vida éom;' cam ~


Qsd,i'do.s disponívei~,nas vidas e nos •sentiIIlenios recruta forçado nos
o~alhadores. comuns,negligenciando numa usitiadé
. ment()s políticos e econômicos orgamzaooSi
estes revelemo que ác;'ntecia com aquelas pessoas.
trata também de uma história completa. Em vez . disso; .á:.·';
interpretação iráenfocâr três importatites períodos .
É umáopçãojustificável, pois .navida das' sociedades, bem
como. na dos indivíduos, °as .crises iluminam -:os eíemento~
essenciais do assim chamado comportamento o
cialméntequandose buscam não s6
as conséquên.ciá!l'&las. . . .
Aprimeira dessas crises
revela oconfron.t . Co
(e capital
176 UMA PERSPECTIVA HISTORICA ...
INJUSTIÇA 177
Ainda no. princípio da história de sua vida, Bra1.<:er
ma com grande orgulho que entre seus ancestrais e paren'.e'" c': significar a ruína. A única resposta que prometia uma saída
tes, a despeito dá severa pobreza, não.havia ladrões era trabalhar ainda mais duro e apertar um pouco mais·o
nosos, blasfemadores, . libertino~,. caluniádores e ' .. cinto.
dores -ou OlItros modelos de mau comportamento, O menino Ulrich Brãker de alguma forma aprendeu
os quais seu repertório de epítetos é na verdade extenso;" êssa lição bastante cedo. A certa altura,persuadiu sim pai a
Briiker não era-po.rtador deuma contracuii:úra' . deixar que tivesse uma pequena parcela de terra, a fim. de
moral.. Há escassos, sinais dopicaresco em sua história de . ver o que pode.ria' fazer por si próprio. Bondosamente, seu
vida, .embora" durante seu serviço forçado no exércitod~\' pai deixou~o tentar. Embora a experiência.fracassasse, rec
Frederico,o Grande, ele deva ter tido contato compefsd:;>: presentouuriI indíCio do espírito independente. do jovem;
nagens do gênero. Talveússe contato seja uma dasrazÕe~ lhe acarretaria severas provaçõestia'vida·adulta. Seu
para sua veemente rejeição daquilo que sentia ser a geíÚà:: Câsariiêritofoi a expreSsão de uina estratégiaeco,nômica cui c
lha irrioraI.abaixodele'. (Otermoproleüiriad, .......' ..... ., 'dado'sàniente planejada e reveloucse bem-sucedido nesses
einvoga senão .ffiuitoteinpO .dépois,) C:9 mt6.cÍàéerteza, . . . do 'companheirismohumano, um
temia' (e comhoa razão)cairnarálé, os· .. calculo de' custcis'e benefícios que ele anteviu com c1arezae
dade .de .meadosctoséculo XVIII. ,Ele via .' éonseqüênCiasaceitóu com suficieritenaturalidade, .'.
como um desastremoml tanto quanto medida que ·Braker amadurecia;' os:aspectos eas
Embora graÍidementeen .. ~. ~ " "Cilusas socüiis de boa" má forturias tornaram-se muito mais
natureza, o principalfator que,determinava se um as causas naturais 'e físicas 'de forma
como esse .poderIa acontecer erào. funcionamento alguma desaparecessem. Não há nada a gánharéoma reca,
cado atravésdadívida. Essa situaÇão predónünav, . . tó'dós os altos e baixos' di sua carreira econô c
naquela remota aldeia . .. mIca, -Apenas alguns 'poucós póntosgerais merecem a nossa
méÍlto assumiu . deles '6 a atitude' geral diante. da dívida que
qüenté e dalabtita 'iJredomínáva riessâ" comunidad~. Braker ofefeéealgunsni-
. . dàfonnacom~ os' vizinhos mantinham~sein~
débitos uns'dos outro-s,enquantofingiain hi-
,niêllloresamígos êritresLBriiker senO:
verdade 'quando tentoú cobra:r. as dívidas que
pr"rn;;i-l"v"irl~ii"'; desccihriu que seus devedorestiriham
valiósas' posses. Os moradores de Watt-
f"i'W1I'estavarii' evidentemente' atados uns aoso4tros,atJ'avés
'dê 'débitos 'sobre 'ã quálera' riééessárioriIanterc
".), ,_._~ ... -:.:,,.""~~.~, :·,;\,L ;--,~-
~1ii.fÔfjlfado :'ti àí 6s rili!J<'éfic6. córistarites sobre :a'êÔridição
., :'''i -' .. ,,; '';'::,'~~::; '; ç'9riômiC'a'dos hàbitántes~.1 ::O"; 'i- ,-"~ir· :i ·r'.~r;f'~;.~·1:rn;':iM~f-j~,~:; i~j~~!f~{.1j<;''ff~t:!,·
,.:",-" ,;;J

. ,. '.', , .. -,~ ~- ,';;~~:~n'~


Ci- Co~o·'ficàrá clár~ no próximo ~apítul~~ esse temOl era' bast~nfê'-~
11"(2)
míúu,-entre oS!,m'êiribioi{ dàs corilorâç 5es de~-ofic1o nà Alemanha :dq"':séêuí~)~l~
&ias :fio'~càso db -Br,ãkér".éle"rião 'se 'oriitiút'-'ê:íá" ex~énênciâ"ern ti ma~ éôíí:;o~âção~"p,.?
não 'havia· neiinumâ:enl '.WattWíl.~: o 'médo~:dê ~ei·ãtirã..-l~ :.: __ .:~ i... :,, ___ ,,:_. ,,".'" '.
gen'eralizado, de' qualquer"~inodo: !Tinhh 'um' fcihe-"matiz
algumas 'origens religiosas.' ., <'-h'" " .,'--', .,'-'-.',." " " . ,
.,"-
178 UMA PERSPECTIVA HISTÔRICA ... INJUSTIÇA 179

yêriciae, finalmente, a maneira bastartteirtdireta pela faceàautoridade,adquiridaatr:tvés de Seu rel:tcion:t-


os estranhósêxtraíamum litnitado excedente econômico "mentocom os pais, especialmente com seugetlitOf,pá~êcê
comtinidade -um temaqu~distul.ire1l10Sá . " , sid() de .cordialidade econsi4erá,velçonfiança,matizad",
pouco cllrioso qÍle não haJaxastro ele' revolta .oudesubverj;<i com.umtoque de emulaÇão re!>elde,çomo 9. demonstroup
sãona tagarelice e nas filosofias de UlricllBrãker"Se' .,' 'épisódio,do lote de terra. TambétIln1ío tinha nenhuma .ex~
tivesse nascido càmponês numapartedQmundo,rica ·periência.dos.modos !le ser do mundo mais ,aroplo. ,'. •• .
lavoura,do arroz, sujeita a vorazes arrecadadores deinip.<is'~~~ de ..casa· quando joveIno.c()rreu
tos ou', senhor~sde terra;êsseitidiv~dtio,empr~erideclot \~'" Jarite.relutânci",.Isso.sedeu porque sua: família esta,v.a,
-ritadiço poderia ter çompartilhaclo umavisãô,il~:; túríveisapuros econômicos.
·r _.' ,- <- , . - '. _",
Alguns
o '. ,'," ,,' /,_
-' - '- __
moradores
'. _ .' .,,'.' ,__ ; .' .-,'''. ., _, ;daal(
- :', -o', ._
diferente:


UMA PERSPECi'iVA'ÍlISTÓRIÇÁ", Il:'IJUST(ÇA
'" "INJUSTiçA", 11\3

susti:nto dos primeiros (Wehrs~


1fiihr,#alld), .os ,estudiosos alemãesrefe:
"" "," ,'" dactãosplenos,a()
, !ecenteinenté,:,ao,
'J .

-,.'

'-,
o conflitodeprincípioslÍR
i_,
modernização
, .~;

<f' "'F">

", '",. 'l\:constníção' da moderna sociedàde'éàpjtalista Jnous::


trialria Eur9pa'ocidental,'pr6duziu mudahçasno,corttraf&\"
sócial implícito' qUe foramo resultado de .umdlOqÜe.eriti"e7~i
os nlertsageirosep.orta-v(}zes dós arttii:;ose dos novós princÍ· '
pi6s dedesigualdâdesóéÍaL Tal'coüfiitódáva-se ,Jeriffé'ôWêi;J
priücípios declassificição 'social' basea'd()süó,nascimeIi toíe~:;)
pósiçãoéospririéÍpi()s baseados em cértás formas de niéiitó'}!;
-e-_réaliz~ção" ',. _;.:!,:: . ,~,::_,::-;)<.:v :;_-:,_~:,;-i/~:":\{~l i>i}~.)_;o i:, ;:; ~'_,;'_~::_:;:i~_ ;:::~/.:::>;-;/'~~<i_;:::i{~~·
, "NaEur~paocident~le~entral, o tr;ç(jmaisi~pórtáiif~':~'
do antigo regime eraosistema de ordénsouestados (étà'tf~\
na França" Stande ,na 'Alemanha). ,Como, na maior
dos sistemas de desigualdade social; as suas marcas cara!:'"
,terísticases,tavammais claras no ápiceda pirâmidesodal,
composta dedoisposprillcÍpais Estados:() clero ,ea nObr~~;
za.O terceiro Estado dos homens ,comuns (comm,
uma categorinesidual que~e estendia de formaindefirtidà
em direção a um vago delinçamento que separava ",", desérií~·'
',',-- ..
, brosrespeitáv:eisda,soci~dlldédos que não,oeram:, "
giões erópéiasdeidioma alemão, porém, a órganizaçãoaB
, socied,adeeni.orcÍens distintas parece ter id~mais' long(ii~~
~~~(fr{~:~,~_~~;nsão em :qU_~-,-)(iiiera~q~ia -social :"ei-;' ~c~i~a; -ria_ pratic~:/ê~he. a
escalisÍlífériores:Além da distinção convencional trtniü Íaçãt{cotÍst1t1.ii tiro problema .difíci) ~obr~ ti 'quál.-nio,-é ·neé:essã~io".Iios :alon"";
. tidaentry'as:or~ens dos,queguerréavam, dos.que ,--,'--,.,,,-,', ••" " _(,"5_,' ._:,j ;- - '. ,. '-',,-,
- -" .',-'. ,_" ,._,':. -, .. '~\ ,~,
pL "':;~:.~ "~~~~.;(.~Ú_::-;:,:,

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iS4 UMAPERSPECTIV Â HISTÓRICA", INJUSTiçA-, ' 'ISS

de Weimar. Embora o absolutismo monárquico tenha reali"


zado uma importante contribuição para a vitória dos ricivos
,prinCípios, co,impqlsoptinCipal otigiriÓ)H;éctas dassesmêTc
cantis él,llanufa.tureiras;mais, esPéCifblmehte dé seus por-'
Úl'VÓiesiritelectuais;3"N()sséculosXVIIIeXIX, a indigna-
çãomoraL"burgnesa'?era originária:l)doorgulhonoexei'
cíciodefuIlções socials relati"âlÀeriten()vÍ\~; 2 )do, desprezo
pelasatÍtigasfunções sôciais;como a guerra. a políticâ' di'
nástiCa e todoo. mododévidã"Para~itáfio.'" dos aristocrác
tas; urncotijUhto deatitudi!sqi'Ie.· ~pàf~<:e; íiitidâ'menteew
AdamSlllith;3) 'da ira diante' dos obstáculos'lwdesempe'_:
nlw. das llOvas iuriçbeseda áleg!idahicapaéiâade '.de'rec()ril)
pensá-Ia~àdj,qtiadamente,.ulliââ'titüd~hiaisi)~édciminâiite'
rlâf'tihçá'dd·âfttig~:irêgiri1é'.b'iridivjcIiiõ}iiive~Údo. êÔhi~s'
direito5;dô:hbin'ém e liberto de )o<;lósosgtilhõcs"artffic'
ciais".dep6siçll()'·ii~rd.àdos'dcÓ'Pllsslldd; i dé'vedá'co'iniJéHi
com'ói.itros iríâiVídtiosé.. buscâr:a so'fte',·quêmetecess''i'.A'
p6Si(;;i:osôcHil.j:iêrmiinéCia"éssêiícialmeí}teíiilià quesfão de'
éômpêtiçãoma:~culinii', i'as 11iU~lÍê'f~s detiyiiÍ1(I6sua'condição'
doshomeris;"àtnivés·.do:éasament6e'dlr~éséeridênCià:-Em .
u'rira' 'palaYra/óihérito'e nãciôhifseillien to déveriã deterriri' r
nara CÓtÍdiçã()sodât.·.·•. '.'", ::""',"':,j':~i:"C';'i"'."'· ,,",~
' ...,Embbrativesse,iintecedéni~s;'t!ssanova'moraI;}base
Paraii'ordéhi'sociÍiI'l'eceri'fe;erá'eill'siiiescaia'e método de :
apliClíçaó' iiin a';gehuíhâ'nbvidiáié'hi~tó&'à:'Rép ;esen ta"a á,.
c6ii~éqiiên:diiiae\úRáhÓVadpaci1iidé'dtnnehdünento:das.
necessidades'e'próbiemas. da vida ' hlfsociedadê h uniàna'. ê
iria 'geiar;'pbrslla~êi; ,riovos. 'e,' a.ngÍJ~tia'n te~i ,imperativos'
própri.os;Ctãó preseritesémnôs~ôs'diàS;;' '" 'i '

>r:." "'-'-,'- ,. >." ple"no -Vig.OT,-.:serfa -ahácrônico referir~se _.a .. esseampútso .conio ·btirguês,c.Q,Jenuo-
'i' '_":: :'{~Y(2)' c·.Fi~ra urh eshiiiü ésci~·r_~cé"dói_-sol)r_~·i-:~·a:t_íânt~'-piú~~iâii~ '_e~ s~u·, ;dsfprr;cs r~fêrl~::se ?r1 g1nalménte'à eIÚe,'das '~íd~des -có'ri1;;rciai~ ~a '·Id;;(ie"Média'.~ ~n'ibo~~;,'
.pari{re4oricfHár~os' prirÍdípioS'" de 'm'Úito_c de ;pósição';'-~-er;Hans:Roseinberg;' Ii.ü'~' possa ser útil. dispor'_ de uma 'nova 'éxpressão"parã- seus~"'~'Js~é'nd\~ntês~histói-l~os:-J
~ . .-.-,.,' .0.... ' _i.;
_não's~.rei ~ll~a 'i,nv<::nÚ-la:> ::U't _i:d{K} t.l':;.;ji-'~';; ~ v', trrf~r~!:lh'- ;~~_f:1T':~~\-:'i ::::. ({{.r.
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UMA PERSPECTlV A HISTÔRICA ... INJUSTIÇA 187


186

Pressões solneas corporações d.e ofício nhum membro de corporação podia ultrapassar o território, .
as funções ou prerrogativas econômicas de outro membro.
Por volta de 1848, em resposta a esses desafios e trans-: Nenhuma pessoa que não pertencesse a elas poderia exercer
formações~ um segmento considerável das ordens inferiores qualquer função econômica vinculada a uma corporação,
nas 'cidades alemãs tornou-se pela primeira vez politica-' dentro dos limites de uma cidade. Ações desse tipo desper-
mente articulado. A fim de compreenderas formas pelas. ,1";'0i';'JR;:"F tavam a mais veemente indignação moral entre os membros
quais eles tomavam consciência de si próprios e da sociÇ!~. de tais assoCiações. Aqueles que as perpetravám eram' coe
dade que os circundava, e o modo pelo qual diagnosticavam · nhecidos por uma variedade de epítetos pitorescos: Bo,,'hti-
suas desventuras, énecessárro entender. o que estava ácori-, · sen (literalrri<o:nte"furão, intruso), Pfuscher (trapalhão),
cendo aos dispositivos sociaissob os quais viviam. Naquela Storer (intrometido). A razão de tal veemência estava em
época, os mais importantes para avi da cotidiana dos habi- que os intrusos degradavam a qualidade do trabalho arte"
tante~daseidades edas populações das vilas eram as corpo,:'.. sanal, ameaçando assim a honra (Ehre) dos membros apro-
rações, priados das corporações. A veemência subjacente a tal opo-
As cmporações eram parte da antiga ordem de"",,,, .... · sição aos intrusos não era de forma álguma puramente eco-
dos. Embora sob atáquedos burocratas monárquicos avan- nômica. A honra dá corporação' implicava .um sentido de
çados' e, . certamente, dos porta-vozes bem-pensantes das. decência e pureza rriorais, ao passo que o intruso portava
classes mercantis e manufatureiras - então um setor aindá' um odor de poluição e, portanto, de maldade, que preCi,
frigil e fragmentado, mas em franca expansão, da soCie-';i:;.,t sava ser eliminado. Haviatambêm outras formas em qúea
da de ale~ã-:-:-:, as corporações permaneciam muito honra de um membro de corporação poderia ser ofendida,
em Ú,48. Naverdade, uma conseqüênCia irônica .da. Revo,,: till como á imputação demaucorriportamellto a mulheres
luçãode 1848. foi o prolongamento não m.uito temporário · de sua família, ou commétoclos mais diret()s; como ode
talvez não completamente "artifiCial" de sua existência. . arremessar um gata morto na tina de trabalho de outro ho,
As corporações compreendiam nma série de monopó~ mem. Nerri todas essas formas são'compreellsÍveispanlum
lios locais. Em cada vila ou Cidade todososmemb.ros de leitor moderno.4 Não obstante, é fora de dúvida que as con~
mesmo ofíCio, tais como os açougueiros,' padeiros, alfaiaws., cepções de poluiçãó desempenhavam umpáp.el importante
e sapateiróspertenCiamà mesma corporação. Cada mestre, na vida dos membrosdas corporações., . .•.•. .....
deveria t~r um número limitado mas sufiCiente defregue::,' ; Com efeito, o trabálho maÍlUalnão.era apenas '-,- .e
ses. Na realidade,as coisas raramente funCionavam assim,,>'. talvezllêrri
. mesmo basicamente
" - -
- ,-.um modo
- -
de
- -
ganhai: , a
--,'

uma vez que um número de fregueses sufiCiente,do ponto.:.' vida. O trabalho era coberto· de toda sorte de regras e proi-
de vista do mestre,poderia não significar o número bições éticas.:Assim, o trabalho pesádoea conduta moral
teria condições de receber bens e serviços adequados de "que eXigisst;m estrito controle sobre os impulsos .humanos
ponto de vista, enquanto consumidores. Havia, porta . :erani;porconsenso, embora não necessariamentepelaprá-
desdeoinício,urn graúConsiderávd de conflito ·tica universal, os pré-requisitos essenCiais para o sucessoe:á
no ,inteí-iordo sistema de corporaçÕes. 'Por s~a vez, ·estirriasocial. Tal como ocorre em muitas sociedadesprlmi,
proporçãosubstanciaÍ dos fregueses de qualquer mestre -tivas> asigÍlificação dessasqualidádes recebia forteêrifase
ria também membro de corporações, uma situação que pro<:f.'.' .. : . ' :; , ; .:,., ''o ' . ' i .' ",'". ':': ;::,;-~':' ~
• ' . ,,'l,'>;"'_

movia regras de viver e deixar viver ou de solidariedade n~r;' E·'"


o beriefício·ddados. . . . . , . . .,.' ~ische~" _ita~~;~~~,~;~Ch! ~nd-·!Í~~~~!f~~.~·~;;s~~~i/,,_u~
Wolfrain
So:zial-und Wà,tschaftsverfassung yor. der'/ndustriellen Revo-
l,'_PP.~':'.t:~,:,.j.· no' .' "';j-'~'-" . , - , _.' --"' .. - ,_o' •
. puas regras tinham vigênCia com forçá: particUlar.
,'UMAPÉRSPECTIVAHlSTORICA ..•
'. ~ " ~::: -' c '"., --; ,~ ..: - -
!i:1J0STIÇ,\' ' '" 1Íí~'

.':.--;_ '"':Fi-
190 UMA PERSPECfIVA HlSTORICA ... INJUSTIÇA 191

trito. S Neste sentido, é importante lembrar que havia al- dor), recebendo dele a matéria-prima e entregando-lhe em
guma opção profissional sob o sistema das corporaçõe~: troca os bens acabados. 6 Assim, uma fábrica poderia ser
uma vez que um jovem podia cumprir seu il-pl'endizado com qualquer cOIsa, desde aquilo que uma pessoa modernare-
qualquer mestre de corporação que o ~ceitasse e com qu conheceria como tal, passando por uma pequena oficin.a
seus pais pudessem entrar em acordo quanto às condições.e com meia dúzia de empregados, até um exemplo do. que os
aos pagamentos. Feitas as contas,é provável que a PrinCi-<';Hj!i'~.~·,'i: historiadores econômicos, de forma lúcida mas pouco ele-
pai conseqüência da legislàç.ão favorecendo o Gewerbefrei-,ciit~~i{t IM gante, descreveriám c~mo o putting-out system (sist.em·a· de
heit fosse fornecer uma explicação e um alvo fáceis a sereln",-f;c":t'J;,i,. produção doméstica). O que distinguia as .fábricas das cpr-
responsabilizados por.tudo Ó., que parecesse __ o porações era o ·.recurso ao trabalho .contratado, uma' dife-

com li ,eco'nomiasob pressão de . rença que, por suá vez,começa~aapercler seus contornos
. forças . , n.ovás eamiúdein c
. - '-' _.... - - . '. . " .' ,
'-" -' ' "

por volta de 1848, à medida que a relação eI\tre mestres e


compreen~íYeis.. .... .. . .' .. . . ... .
·Já antes de 1848, importantes diferenciações entre as auxiliares modificava-se quantitativa e qualitativamente.'
antigas e as novas formações noseio'dós .frabalhaMres ti Ao lado da introdução. do capitalisino, o. crescimento
banos começavanl~~trairaatençãodosÓb~e:i' .. da população teve importantes conseqüêricias sobres ás cor-
época. Teoricamente, as divisões no interior porações. O número de jornàleiros crescia e. O faziaemrit~
ções (aprendizes, jornaleirps e mestres) repr~sentayamfás~~'t"\ mo mais rápido nas regiões mais modernas; como a cidáde
etárias, ou estágios no ciclo. de,vida,e não algo que Plldé~r'; de Berlim. No reino da Prússia, em. seu conjunto, entre
. semos chamar de classes sociais. Em extensão bastante.siii1 1816.e 1843, a proporção de mestres para jornáleirose .
nificatiya, issoaiiJ.dá aconteciá énll848. . apr~ndizescaiudé"100:56 pllora 100; 76. Por volta de 1846, a
zões .às .quaischegareinos .a seguir; 11. sitl,lação estaY!I; '..' ...... . proporção em Berlimatingira 100:205. 8 . A inudança signi'
transformarÍdona direção. das distinçõés dê c1asse,espedill', ficava uma redução" na oportunidade dos' jornaleiros. é
mente para osjórnaleiros. Assim, germinavam novas fC;t~,; aprendizes totnarein'sem'estres' em cBerlim eénl. outros
mas de reláções de trabalht:i,áóIÍldo da expansão .. ' ..• graridescentros industriais. o topo da escada &progressão.
gas; tanto fora .com() e~ncompçtição com, as ~orporáçÕes; "staVa começando a desaparecer e,com ele; a finalidade de
Uma delas era a Jábrica, Fàbrik,conlo e ôàpatted() trabalhoárdrio;";'~ c,':"".
Em 1848,F. W.C, Diêterici,.êl1êfedosséfviços .. . .. Eiribora' seja' rie~éssáriocuidaí-:se 'contra aSimageris
rdtilânticas do passado; há ig\Hllmenté '.motivos para aCre~.
,.. ", :" ,:':i;
" " ' - " -,:" ""~', " " c "",,,,., . ". " , ' '," , . . ', ...... '
tica prussianos, definia as fábricas como osestabeledmeq-,;
tos nos quais eram elaborados bel1s em grandes .instaláçõe$ "OC· - 'á antiga rélaçãopátriarcal entreo cínéstni, suá
'.

e também aquel~s nosqua'is ostrabálhadores mulher eosjorrÍaleiros e aprendizes sofreu bastante. Ali.te~
nidosenlamplasUnidadei .. ' '. . ...... . 'fiorininife, os jomaléiros faziam parte da famíIia do mestre
,
fê~etÍtes sob a direção de um Fabi'iktz1Í{(feitô'r, aç!mimstl'
,",'" '. lO .• ,
':e'esté',juntainentéc()m suá mulher,erá o responsável não
,- "-' '. -, ,- , • -. :: _----., ," c_ .'.: _ , -: ,'.' - .-.: -'.! ~~: ;: ,
',',>
:'~ ',,<f ..
~~'-' 'li':,,': ,.,";
,"-
..
:~ ~(S) P~ra um b:reve Í'esumo:'ve~ 'R~dol.f Stad~lmanri, ·~,',Wo_~ ____ ~._ -~~",;.-,it ,:(-o/.i~l,t!/A6) ,Diet,erici. org.; ,Mittheilungen, des,:Statistischen Bur~alls' im iJe~lin, I
Die Bildungswelt :des,Deutschen Handwerkers Wn 1800: ,Sludien, zur,Soziolo#i~ 150. ' .' ' . . . . . ..' . . ...
des Kleinbürbersim Zeitalter Goeth,es. pp., 107-108.' éóbrindo ~:;értodo'mai(i um Karl Abraham, Der StrUkturwandel,.Im Handwerk in der Er~tim
e pqrtànto, muito valioso é o estudo' de Heinrich August:',Wirik Tahrlzullderts und sei~e Bedeutung jür. die Berofserziehung, caps.
Demok~atie. und Nationalsozialismus, 'espeÇialmente pp.': 40:~.3:
iniciais entre as corporações e ° Estado. ,... ' .,ocif~aideI84;:,;erAbr~ham, Strukt;,:;"andel, p. S6~;~rals46,
wa~ngzurGecwerb!!!~r.iheit:: "i~:';" ::p..tet~reci.-,Mit.theilunge", I (1848), p~ 70. " : .. ,~':""'"'-:''' ~,:,,:,:;, .".,;:
cc'~,~I'c c'c

UMA PERSPECTIVA HISTORICA ... INJUSTIÇA 193


192

apenas pela Íormação moral, como pela educação deles nas provavelmente o núcleo central dos usos e percepções do-
questões de técnica, O crescimento no número de pessoas :i~gi x,j;D minantes por volta de 1848. Em primeiro lugar, os prole-
sob supervisão do mestre, a perda de motivação devido à tários poderiam residir tanto no campo como nas .cidades e
dificuldade cada vez maior em atingir grau de mestre e,",,' '(,;!i>;!~f,
o vilas. É quase certo que a camada inferior da população
finalmente, a precária posição do próprió mestre em muitas rural era muito mais ampla que a das cidades. Em segundo
corporações solaparam o senso de declicaçãoe a disposiçã,o ,r;rj;g{t!.: lugar, os proletários eram desarraigados e careciam de
para refrear o desejo de prazeres imediatos. O' ai.l1nento da qualquer situação reconhecida, ou pelo menos plenamente
· reconhecida, no sistema de. status predominante. Final-
população e o capitalismo estavam desmoralizando as cor,c
porações, A própria vida corporativa passava a assemelhar, mente, receberam a denominação de Quarto Estado; É pro-
se à vida fabril .c~ calguns conflitos de interesse similaré~·· vável que essa seja uma das razões pelas .quais um agudo
principiavam a brotar. 9 c observador berlinense da época incluiucem sua definição do
c'''proletariado puro'c' aquelas que ·tinham desistidodaes-
cola, da arte ou .da educação, num esforço para crealizar
,algtimasexpectativas modestas. Os demais incluídos foram
O pr()leÚlri~do ·os operários, jornaleiros, 'artesãos independentes e margi-
nais e pequenos negociantes. 10 Aí,a marginalidade comi-
tituía outro traço importante. Eles eram marginais porque
. Como cconseqüência c tanto do crescimento natural -~. .. pareciam de alguma forma excluídos da ordem sócialtra-
população como da introdução do capitalismo, aDM";'''u' cJ:'o'cc.L · dicional, além de serem muito pobres. Em oútra acepção
C
uma massa de população na cidade e no campo cda pálavra, porque uma estreita cmargem os separava do
C
positivos sociais tradicionais não podiam absorver c severo desastre econômico. Mas não eram marginais no
antigo, Essa situação nâo era de forma alguma histor.ica\ sentido de quénão cunipriam nenhtim:papel significativo
mente inédita .. Problemas semelhantes tinham assoladocâ'c na eéonomia. As classes superioresdependiani deles para o
IllglaterraeÚsabetana, e a sociedade medieval em c .cC desempenho de toda uma variedade de tarefas essenciais
meiros tempos, não apenas na Inglaterra cop.1o. nocop.ti;c; pará Ô funcionamento da eciniomia. 'Tarefas não somente
nente, tinhasem dúvida um resíduodepopulaçõespobh,seJ \ . nial-rémaineràdas, mas qiIe;'equeri~iripouca ou nenhuma
clesafortunadas ..·.Ain~a assim, há poucas razões -~-~ ".~;,; c "'hàbilidáde.Finalmente;os proletários eram sem dúvida pó-
dar que o p~obléma era mais agudo nos .. ,_. possuíam pouca ou nenhuma propriedade .--,-. nas ci-
1848, estiúidôpresélltéi iiovos elem.~ntos históricos .c· dades, na maior parte dos casos, virtualmente nenhuma.
sivaimportância.Nadécada de 1840,otermo "nr;'l';t~~ .. Precisavam viver do trabalho mal pago. Com toda a proba-
riado':eritravajustamenteem
. . , • , , •. - _'-: - - , ._ uso,comoparte
: .• ;-' ." ,. - ',- _," 1- " de
__ , - - ,,--':-, ",':';.-; :"_ :,bilí<)at1,e, Qempregoeraamplámente . irregular' e depen-
fusa percepção dessas mudanças, O seu uso era suficiente'
mente vago e elástico, para servir a uma variedade ... ·c
· . c S' 'altos e bâixósdeum. ciclo 'econômico bastante
,imprevisíveL
pó sito polêmicos.
Não obstante,. as seguintes características formâvan ..
,::~' ':' I>' ;'ô',

__ ',';",. _" .'_ "-':~:;i.i;:}5:::'i,:


. ",",-;;,-"'. Fri~~~i~i: Sass, Berlin,i~' 'S~;;~~r--Neue$ten z~;~
,und E;ni_wickiu;,g,".p .
'._. _ ' também pp.,259-260. Ã p. 284 ele_estima_os próletários,em,_150 m~,_ ou
,'_ -,_(9) _Abraham, S/rok;'l~~,i~~;:
pp. 76, 90~94:-'~ieter~~i: M~Úh~.iiJ':;;í~;/~i. ;,~-~i~'auase-metàde" da população total da cidade.-A; estimativa, e a proporção pare~
(1849), pp. 6-7, comenta a forma como as corporações e as fábricas toriiãyánÍ:s~ elevádas. Ver Dieterici, Mittheilungen, 11, p.- 4, ónde a população total de
ca4à,yez mais paI:ecid~s. ' . , . - '.. , . : " ,_,;-,-.--~h.~:':;--~1,<;:~,:: é calculada em cerca de 408 mil, em 1846. - - ';., ,

li
194 UMA PERSPECTIVA HISTORICA ... INJUSTiÇA 195

. .' As variações principais. nas definições e concepções lIlção, sem a ocorrência de tensões sociais graves. Não .obs, •
bi'e o proletariàdo estavam relaCionadas com a ameaça tante,em 1848,a niaiorparte da população excedenteérâ
tenéialqueeste repl:esentava, .na forina de. uma plebe ,. · conseqüência', do crescimento vegetativo. normal., Em ·.tal
bana revoluCionária, e'com a questão de saber 'se e""., contexto,.nãoexistem muitos indícios do tipo detensões.e
ameaça era a conseqüêriciadaexpansão das fábricas. ..' transformações institucionais semelhantes aos cercamentos
debates cultos sobre a "questão social", muitaspessoassa::;;:,,!: ingleses dos séculos XVIII e XIX, que expulsaram amplas
lientavam o crescimento de um proletariado rural e aau':;/" , populações .de seus .locais habituais na ordem sociàL Em
sêricia de qualquer ,elação direta entre a expansã() induS c.,; vez disso; ·na °Alemanha da época, configuráva-seumá si-
trial e o surgimento de um novo estrato sociaL" Por outroi, tuaçãobásica,ortde havia cada.. vez menos lugar, nos níveis
lado, havia. aqueles, como Dieterici,quecom brevesargti/. inferiores da sociedade, para umnúinero de pessoasem rápi-
mentosnegllvam que estivesse preserite uma ameaça prole::!!' do érescirnento.Em parte alguma tinham surgidO novos
tária. reál na Alemanha,·Uni.verdadeiro proletariadosot. );. espaços suficientes para absorver os desocupados.·Isso .soc·
mente poderia surgir, em suaopinião,onde . existisse ........ .. mente' aconteceria quando a industrialização adquirisse o
grande númerO de operários reunidosnumafábrica~ ~".","" seu pleno impulso, após afundação do Império, em, 1&71.
se,. engajassem num '. movimento de .. paàtlisação Dessa maneira, 'Seria possível dizer que a industrialização .
balho. 12 A ênfase de Dieterici na. correlação entrefábricà\~ resolveu () problema do proletariado, ao invés de criá-lo.
proletariado. ésignificatiya par.a mostrar que .tal· c;"ncepç~;"< Como veremos;'por ocasião da análise sobre os levantes po,
não se limitava de modo algum a Marx, sendo çorrente liticos e sociais de 1918,1920, a questão não se esgota aí.
círculos mais respeitáveis.. .'. . .... .' .•... ' .., . . . • · Entreta'nto,. é correto afirmar que a' industrializaçãocons- .
·Aspolêmicas.daépoca sobre o proletarüido,"soore . tituiuuma forma desoluçãopara oproblenÍa do incipiente
. destituídos, e outros ternas rellicionados refletiam o proletllriadópré'industriaL 1 3 . ' . ." '.

que durante a primeiratnetàde dd século )CIXúinápopu" No território que viria a ser,emiS!l, o Império Ale-
lação "excedent~"fizerasuaapárição na sociedade alemã;' "C.· · mão,apopulaçã,oelevou-se. de aproximaclâmente~25mi­
'. '.'Excederite"einrehição.á essa ordem . socialpartiéular, lhõ~s,:.el1liJ816; paraunl/poucO máisd~34milhões,' em
miindadonível· de desenvolvÍlnentôtécnÍCo;. nessafasees") 1845, o qUe significa dizer, ~nÍ mais ,de um terço: Nocursp
pecialdo processohistóriço.Mais tarde, ainda . . ... '.' . de OI,Itroperíodo de29 .• anos;1881·1910,apopulaçãó.cres-
XIX, houve um crescimêntomuito mais ceuoutravez emA2 por cento, de mais ou menos 45 milhões
,.l. - pará cerca :de' 65milh5es, desta vez 'senÍ ·polêmicás.sóbre
O

· superPopulação e, certamente, serit uma crise revoluciortiÍ-


· rill;Por volta do segundo período, a Alemanha se tomara
. :All) - Cari Jantke ç pr~~ri~lÍ. Hilger orgs. ,_-Di~_Bige;'tu.nisl(/sen.·_.Dé! .J!l':_t!,~h'·';~;~:
f,,'
um modemopaisindustriaU'. . .. '. '" . ." •
che tau])erismus ,lf_l~~ dle .ErJ.ian~ipaiio_~skr~se,_in -ParsJellungen '_ u~,_d__pe_ú~~~g~l~: "<,:
der-Zeiiiie;,õs~úchê" Lit€~_atut; r_apr_~sen~ám_um:a ampla ",s~i~ão. _:d,e-;debat~'~ "cQ_n;_ '.~~ ·.Noperiodo anterior,()acerituadocrescimentonosnúc '
teniporâneo.s.,. . _, . - . " _. , - ' '<: - ' merosproduziu severos sofrinÍentos;.éujóimpaéto va.Houde.
(12) nieterici, Mitt"ei/urige,-i~ II (1849), pp. 10-11. Segundo. ele,' as a.cordOc6mageografia e,a estruturâsocial.No súd;"esi:~"da

. . . .•.•;··,.~:.l:······ .," . . •'•. ,:;,~~:. . . .•. :•. •~:" .. " . .•. . .,.•. •. . •. i·.· :•..•. . . .•. ,. ;,.,;:;.,.,';:Oo;··;;;:~~Di·.·
elevadas e outras mediqas, de estimulo:às_manufat:Uras i1~e iall1: contra,! .
natural de capital produziriam um proletariado. As empresas que se desenvohes:_
sem "Iültti.rahnente",jamai~.o fariám;.A sua posição global ,é'éuriosam{mt_e eclé":.
,tica;" de"fé_ndendo' __ que as co.rporações 'funcionavam satisfato.riamente ,e .co.ntiri:U'a-
riam_a-'faz.ê-lo i se __o go.verno :não. 'às auxiliasse o.U não' c_riasse-obstác~los, a::el~s, tudo (13) Ver yv:errier. Cotize, Vom 'Pobel' ZUÚl, 'Pról~tariài'{._esp.;~p: '123.~128.
isso'pàra'a_'pai,-'e á'satisfaç'ão.' gerais dá"Alemaílha., ISso:em. 18491..0 ráCiocín}~'-·., , -(14)- Dádos extr-àidós- ,'de"Siatist;scíJes Jaí,;buch -für 'dds 'DeutsCh~',~R~I'c"', -
'equiva1e'áusar Adarn Smith' para defender a economia tradiciona1."':'-,);-:~;,,, ..': ". ',',~;.; ,o; vo1. 35 (1914),!? 2. . '. . '), ........... ' . ' , ; ' . :·;'Y.:Y·<;: •
. -, - -, , - -- - "
196 UMA PERSPECTIVA HISTÔRICA", INJUSTIÇA 197

. Alemanha, onde ele foi mais seno, um camponês . componentes das classes trabalhadoras e de suas taxas de
dar,se conta subitamente de que sua terra bastava para cresCim.ento,para os trinta e tantos anos que antecederam à
necer:alimentospara cinco pessoas, mas havia sete .. . ~closãoda reVoluçãO. " .
,
mília,Nesse caso, ele iria provavelmente córtatoumesrridi
eliminar os gastos com bens e serviçOs oferecidos ' QUADRO 1
tesãos urbanos. Então, senão antes. os sapateiroslocal~' ' .. ,Cresciment~ do número de trabalhadores,
. -, , (em milh~res)
descobririam que havia demasiados sapateiros para0 m~r
cado. que podiam atingir e sJistent~r. Enquanto isso,' 1816 - 1846· %'-d~
nufaturas têxteis estariam em apuros, devido à conéorrêÍic,.f.' crescimen!o
cia das mercadorias inglesas ou. da Prússia., cujos interessê~;t !-;Tr~ti~ihá'd6res"fatri~-­
.agrícolastinhaní.estimulado um crescimento' da de,to~os\)S tipos' '187 554· -"i96":
transpórtesea consólidação deumaregiãeicíe baixas ;Mestres 'de crirporaç~i"o
fas,. oZollverein.Para aqueles que.estavam ,e indiyIduos a~tônomÓ's: - 284 (1822) , 419.449- 44.58
degraurilais baixo da 'sóciedade,.á' ':' Jorrlá1ei~os e a~i~i~(t'iz~~ 179 . 346i379 93â lí2
migração estava fora de aJeance.· MackW,alker,c'~~c cT~ib~lh~dCi~~~'cci~ths' '
problema geral de forma simples: em um certó sentidO, -sem qualificação -880 1.470 67'
via poucas fábricas; em outro, havia excessO delas:'::! .
. Sehaviapóucas fábricas;. que dimensão tinha
FO~l"te_:_ í<':\\r . ·C,:'pi~~ê~~d~~;~) ~~ Mit~h'~Ú~~gen ':de;~_ St~t};Úsc~~~~ B~~~a~ ,~"i~- B~r~ .
li~: voC'--t_ (1849),' -_p: '83; na' p~_' 70,_;' Diéterici ::óferece' 'à cifra In_ai~ '~levada 'p~ra.
proletariado urbano?l~ Não é uma questão de fácil respo~"! ,".mestrés~ ,de: çOrporação'e_ indivíduos 'auto-empregados" no ario de 1846,~: sem'
ta, . embora tenhamos, algumas: indicações.' razoavelmente' _11l:~i?r~:: ~~pF:.a5:õ~s: C::~_. ~?l:_? S.~~4:?)!' I?~~:~', .!,~!_ ~~. . .
boas:Parase conseguir um sentido de propo~ção,énie140fi ,-':, ,.:-- .. ~::-,
, '

dar atenção primeiro: aos' dados 'estatístiCos sobre .aclassé, ',' OsÚ~~Úfu~isIiOtáveis;'dd Quadrolsãdabaixa tàxa
trabalhadoi'a como'um todo~" . ..... '. . . . dê. cresdrtielltddos mestre!,', de córporação êarápida taxa
PelO menos para a Prússia, de .: longe, o .mai~.' extellsir Ms trabalhadóres fabris,O' número'dejornaieiros eaprené
. Estado àlemão, comumap6pulaçãcl. de, ma.is c:lé),6mil!J.~~~: dize'~;;\iiíe·nãprá~icae~Íim·~onífre<i.liêriéiá ô,ificilmente' di-.·
etn 1816, para um total de 34,4lriilhões eriil846; . fet-énCiáveis dos 'frabàlhadores' rió" que ·'então ?se .chama'vá
aos territóriOs que, formariam ó império,!' é possível a.L uma fábrica;':est~Vatal'iibéméfu: rãpidaelévaçãô; numa ta"
cançaruma concepção aproximada da dimensão dos. Jiadtiiisvéies superior à'dós mestres decÓrpOrâçãOe autô"
nomos,màss~m atingirOritn}O donúmero'total de trabá.:
lhadores. fabns.- Essas mudanças .'. tn0stram _com bastante
c1~reza ell1,qu~'direção:seestâbeleéiam .as tendências da .
transf()tniaçãosocià1. 'c; ..,· ' . , , ' . : ',:
e~p: ;~(lffi_~~,~Ck iN ~lk~r':c:,~nti~i'r ,~;;,iil;~ A~ilfr~ti~~:, islií-i !i85,~o: 47-54;, . 'Noentanto, elas não nos· fornecem informações muito'
<C16f-Se definimos o proletariado bamo todos os trabalhadore;, r--- """,-~- --- satisfatórias sobre a extensão real do proletariado ou do se-
acreScenta~' àqueles que viviam"umà' existência -mai"giriàl 'conl uma prop~i~dade:i
minima,- inadequada para sustentar uma vida biirger/ich ou campoOf 'torlllarginal e empobrecido. Dieterici (Mittheilungen, I
resultádo incluiria pelo menos SO -ou 60 por cento da população, de (1848),' p.77)ctefine. ósetor. aq,uidehoipiriildo detrabalh<l-
. V~'J1 'Pôbel' zum "Proletaria~', p: 122." Por'razões que cxplkarêi "êi11 dorescomunsnãoqUàlificádOs (Jidnd~rjÚite~) ,;;à~10 . pés:- :
) r~e;llsci ser possível inCluir todos os frabillhadore_s., '. _. - ,0-'- ,':- <,:_'.-;:-:' . ,.-r,":"-"';:' ,-,'-'-,'-.' _'-o ,.-,
-,';-_~""-_';':::');'ci', ,'~'.'- "'_'_:';'~'-_, __ ' -','_'~'-':_-'."_""

Die{erici, -Míttheilullgen. I (1848), "(i ..:}O; St;ti:ttiS~hes-iáJ~rb~~h ;-v'ol soas 'que vIVIam .' mdependentemente aparttr:do,trabalho
comum,comotriibalhadÓ~e~ diaristas, lenhadores;traba':
, -' -".;','- '. " -, -" -".,
198 UMA PERSPECTIVA HISTORICA ... INJUSTIÇA 199

lhadores em estradas e ferrovias, costureiras, lavadeiras e daquela época existia algo equivalente a um imposto pro-
similares. Eles formam o grupo mais amplo do quadro ea gressivo sobre a renda. Esse tributo estava dividido em doze
maioria deles se qualificaria provavelmente como proletá- escalas. Até mesmo os trabalhadores diaristas, para os
rios, no sentido de não estarem plenamente absorvidos pela qiIais Dieterici estima um rendimento de ordem de 100
economia tradicional. Thaler* por ano, pagavam evidentemente tal imposto, 20 A
Os trabalhadores nas fábricas apresentam um proble- classe inferior, ou da décima segunda escala, era composta
ma mais difícil. Conforme Dieterici (Mittheilungen,' I inteiramente de pessoas que não tinham propriedade. Em
(1848), p. 84), seus salários, pelo menos em Berlim, eram seu caso, o imposto era coletado dos indivíduos e não das
superiores aos dos trabalhadores diaristas e eles gozavam unidades familiares. Em 1848, registraram-se cerca de 3,4
de relativa segurança no emprego. Em outras partes, os que milhões dessas pessoas. 21 Certamente eram proletários, por
trabalhavam em estabelecimentos onde se fabricavam qualquer definição, Para uma população total de aproxi-
quinas, na realidade uma espécie de artesanato centraliz"· madamente 16 milhões, eles representariam pouco mais de
do, constituíam, em termos de pagamento e prestígio um quinto. Mas é bastante improvável que mesmo a buro-
cial, uma elite no seio dos trabalhadores. Mas entre .os tra- cracia prussiana fosse capaz de localizar e cobrar todo o
balhadores fabris havia agudas distinções, tanto por regiões proletariado. É de se supor, assim, que o número fosse con-
como por tipo de indústria. Nas tecelagens, onde o número sideravelmente mais amplo. Com facilidade, poderia atin-
de mulheres e crianças era especialmente elevado, os traba: gir os 5 milhões, embora isso não passe de uma suposição.
lhadores originavam-se de áreas rurais, onde estiveram Voltando ao Quadro 1, não é difícil encontrar 1,5 milhão e
pregados primordialmente na indústria doméstica. Na bastante provavelmente 2 milhões, como o número correto
ner~ção e nas fundições de aço, o recrutamento era tambélIl~ ,'):,&.'t.; para o proletariado que trabalhava nas cidades e vilas.
basicamente rural, neste caso, de ex-servos e ex-trabalha-' ::'J>i,·k: Na verdade, trata-se de aproximações muito impreci-
dores rurais diaristas. 18 Karl Abraham menciona sas. Por seu lado, elas são suficientes para estabelecer que
lativas a salários e horas de trabalho para Berlim em uma proporção muito substancial da população alemã era
1847, um período de extrema miséria, que mostram c()m(),:;;,?J,:itl não apenas muito pobre, pelos padrões da época, mas so-
dentre todos os trabalhadores homens, os empregados em "}'::':">l.:' cialmente desarraigada, Werner Conze afirmou que mais
fábricas constituíam o grupo pior remunerado. 19 A avalia;: ".1!TX,: :,.:' de metade estava nessa categoria. Meus cálculos sugerem
ção mais acurada seria que os trabalhadores fabris __ L_·"','·,···'···j·
que menos de um terço pertencia a talgrupó, e que . a par-
vam, em seu conjunto, sendo assimilados à nova ordem cela urbana podia situ'arcse em algum ponto entre um oi-
cial, mas bem próximos de seu degrau mais inferior. tavo e um décimo da população total. Em 'decorrência, o
Uma fonte de informação conveniente sobre quem proletariado urbano era, por qualquer definição, uma pe-
ram o;, p.roletários são os dados oficiais sobre os imp?st~S)';i~,í:ii;.;;.;J'..:. .• quena minoria na população alemã total. Por outro lado, a
da PrUSS1a. E bastante surpreendente saber que na Pruss!a·,::,·:~:(./t ;::;: grande maioria dos trabalhadores manuais nas vilas e ci-
::~:,:::f:~á~#: i~Y::" dades não somente sofria agruras materiais; eles eram as

(18) _WoIfram Fischer, SozÊale Un/erschitchen im Zeilalter der


dustrialisierullg"pp.427-428. (*) Uma das numerosas moedas de prata lançadas pelos Estados alemães
(19) Abraham, Strukturwllndel, pp. 136-137. Costureiras, tricoteira~ dos séculos XV a XIX. (N. '1'.)
chapeleiras recebiam cerc:a de metade dos salários pagos nos operários (20) Mittheilullgerl, I (1848), p. lOS.
sexo masculino. (21) MittJzeilungell, I (lS48), p.ll1.
200 UMA PERSPECTIVA HlSTÔRICA ... INJUSTIÇA 201

vítimas das várias formas de deslocamento social descritas leta de dadas estatísticas, no início do sécula XIX, seria in-
acima. genuidade tomar tais cifras de farma muito literal. Não .o-
,Há algumas pistas para a transformação. da bstante, é possível extrair algumas inferências gerais. Os
material.da populaçãa muit.o. pabre .. Dieterici oferece preças dos, alimentos subiram. acentuadamente. Se acon-
lista do consumo anual per capita de diversas itens impore·' suma médio anual cantinuava canstante, é no entanto'alta-
tantes de alimentaçãoevestuário, apresentando o total conc,·'." ,o'/"/':.1l':':. mente impravável que o consumo dos muita pobres tam-
sumido e o preço para os anos de 1822 e.1846.Em 1822,.à~ bém se elevasse. O poder aquisitiva real declinou, eos mui-
despeSas totais com esses itens de consumohabitualchêi/(::i:ii; to pabres tinham a menar pader aquisitiva para enfrentar o
garam a mais de 18 Tlzaler; por volta .de 1846, elas tinhain:Ni;;~;' déclínio. . . . . .' , , ' ",. .... ",.
se' elevado cerca de 44 por' cento, alcançando mais de, Infelizmente, não existem dadOs biográfic()s .o,u, outras
Tlzaler." AcancJusãode Dieterici. de que o estado geral' fantesprimárias semelhantes, da·tipo bastante abundante
bem-estar cresceu nessa mesma: porcentagem' épatenteY':;;;:·;~.;-, para a etapa pasteriardo século XIX ,no que diz respeita aa
mente absurda. Para cada item consumido; 'o total permac'Uit';$,,'; proletariada alemãa, por valta de, 1848. Desse mada, nãa.
neceuquasecanstante, de acOrdo. com seus próprios dadó1;!'r;';:!iX~( dispamos de qualquer visão direta. sabre suasituaçãa de
Somente os preços se elevaram. O .consumo per capitâ: ",,' ,:""",' vida .ou seus sentimentaSface a ela. Tudo o que' temos para
cereais era o mesmo. em 1822 e 1846, mas seu preço praíi~?;,; prosseguir são análises gerais da situação ecanômica e, sa-
camentedabrou. O cansumo per capitti de. carne aumentou>: cial, por autaridades secundárias e um número muita res-
apen:Í.s ligeiramente de33 para 35 libras, mas opreça,subh,{:, tritode .abservações efetuadas por pessaas. dasclassessa'
de 2,5 grosclzen* de prata para 3,2SaJibra. SingularmérIte;.l ciais superiores. Embara tenha. havida cansiderável discus-,
a consuma de.cervejatambémcaill , e,mbora () preçata.W~.i\" sãonas círculas intelectuais sobre a Uquestãa sacial'~ e.asic
bém tenhabmxado.O.consuma de açúcar,e caféelevou'se'{ tuaçãa da praletariada, a maioria dela parece tersidaalta-
visivelmenÚ'cPl11ligeira,q1.iéôano preço~ mente teórica e genérica, sem.base na,observaçãa, direta."·
eram itens meno;es d~a'rçamento·OÓÍ1icojteinimportaritéj O única esbaço contemparâneo da existência praletá-,
cuja cónsurrioúesceu .de farma bastante ace, ria urbana .ou semipraletária"éom otóm de experiência re,
algumaque<la nopreço,farafu ásme;'êãd01'ià~ aI,. vem dos..~eJatas deuIl).repr(':sentante dan()brezafundiá:
Para 1822, a consumo anualêra de 7varas, '.,'.' :ri~ da Alemanha .oriental, Herrmann Graf.zu Dahna. 2~ ,Em-
a
prata vara. Em, i846, ocoriímmo :Í.nual era de 14, a sua narrativa sobre a situaçãa. entreqs jovens apren, ,
o preço caíra para6 gro~clzen de prata a vara: Outro .... dizes urbanos estej a satllrada de um viés êa~.servadar ,elit é
oscilaram dentra de limites relativamente estreitas; . :,{':também so"ialogicamente, aguda na forma como ,salienta a
laçãaàquantidade cónsumida e aa prêça.· , .. ' 'a situação sacial e a personalidade .ou caráter
, . ___
Tenrloem
.._ ,'. vista
'." os
'_, inétodosrelativamente
_. _ .", . __ , , _ '." . tascos
, naca~i:
'. _'F_'~,-,_,
individuais. Apesardêsse viés;rtãaé ·difícil discernir o que
é especialmente valiosa pela luzque)an"
"
..
(22)' /l1ittheilungen. II (1849), p. 12. Rudolph Strauss, Die L-unge Imu'
BewegúlIg der Chemnitzer Arbeiter in der Ersten Halfte des 19. Jahrhunder -O,-'teit~' de',,_Wolfra~" Fische~, -"Soziale Unte'rschiCh'tén",' apresenta
252. menciona 2 Thaler por semana, como o p'agamento característico dos- i síntese interpT'etatfva das infor~ações disponíveis sobre sua situação '.
be;ler (escavadores de valas.--etc.). Assim, a estin1àtiva:de Dieterici de 100 de-vida.--Ver-Janf:ke e Hilger; Die Eigentums/osen; para dec1al'ações--da-
como salário antia.1 de um trabalhador diarista parece_uma aproximação ra , mostram- as -diferentes' percepções dominantes entre 'as c1ãsses -edu- ..
com base na qual pode-se dizer que pouco mais' de um qúarto dos rendimeniõs' ,,- . '"J:,~,' '.1<:' 'f'."-,: - - . ,- -- "' ••, -- ,. ",,,",-:( ,
urnH pessoa iria para as necessidades de aIime~tação ~ v~stuário. .'_. _, (24) Ver seii;.i.;Übe~' de-s ,Los der FreierÍ 'Àrbeii~r", em Jantke ~ i-Ii1g~~; Dié'
(*) Subdivisão centesimal do Tha/er, (N . .T.f "". ·E~geniumslosen"pp'. 244-245'. ", ;;,',;
202 UMA PERSPECTIVA HlSTÓHlCA ... INJUSTIÇA 203

ça sobre o modo como o mundo do artesão estava se uans,' Para o jornaleiro, é muito difícil planejar as despesas
formando no do proletário. Será valioso, assim, apresentar com previdência sensata, pois ele jamais sabe qual será seu
um resumo e uma paráfrase extensa de suas observações .. rendimento. Isso vale .mesmo para quando o pagamento é
O conde zu Dohna centrou suas observações em torno suficiente para durar todo o ano. Aparentemente, o conde
de preocupações caracteristicamente conservadoras: o apa~ zu Dohna tem em mente aqui nã.o apenas a incerteza do
rente declínio doapego ao trabalho árduo e á perda do tes'· emprego presente mas as perspectivas futuras. Neste aspec-
peito pelas autoridades no seio das classes inferiores.Mas'··> 'c': .':.:J to, continua, o jornaleiro apresenta uma forte' tendência
ele não se limitou a lamentar a situação; procurou explk para gozar o momento. Como conseqüência, muitos deles se
cá-la. Hoje em dia, .observava ele, é muito menos comum arruínam; não vivem mais uma situação de liberdade. '·.0
que o mestre de corporação conserve consigo o aprendiz, pagamento de uma semana é na maior parte das vezes con-
em sua casa. Em vezdisso, ele com freqüência dá ao apreri" sumido no domingo. No resto da semana, ele tem de se ar-
diz o dinheiro para alojamento e refeições, preocupando-sei. ranjar com o mínimo. Devido à alimentação escassa, falta-
somente com o trabalho deste, não com seu bem-estar lhe a força necessária. Jogado de um canto para outro, sem
soa!. Sob titis circunstâncias, é naturalmente raro mestre algum que o vigie, sem o amor de ninguém, ,o jorna-
prendiz .sedesenvolva até tornar-se um jornaleiro discipli- leiro chega amiúde ao furto. Se nesta altura ele se casa, é
nado e capaz (tüchi:ig). Nem há muito 'que o mestre possa possíve1 que considere as obrfgações familiares não somente
fazer quanto a isso. Se a sualuta é contra a con~or~·ênciai():/F}i;;}:.j.;: dispendiosas mas terrivelmente exigentes. O conhaquepo-
mestre tem de recorrer a toda sua·força no prop1'1o traba-. .... de ser o seu refúgio. Uma vez mais, é possível que sejale-
lho, não poderido permitir'se muita atenção ao aprendiz. vado ao crime, sendo suas crianças nele educadas. Um tra-
forma como o aprendiz utiliza suas noites e domingos não v balhador desse tipo não está acostumado a buscarnielhoria .
assunto que o mestre possa Conhecer. .-(,"S'iX'" real e permanente· em suaposição. Sua única perspectiva é .
. . Mesmo se o aprendiz recebeu uma boa formação continuar trabalhador, até a velhice. por que,er.tão,: não
casa do mestre, é possívelque se defronte com o usaria seu pagamento para gozar os prazeres imediatos?
numa idade na qual ainda não sabe usar sua liberdaCle. Acostumado a viver ao deUS-dará, ele deixa a Deus o~ pro-
aprendiz precisa dé companhia; sua posição isolada o . .blemas do futuro. ·Todas . essas observações, 'vale notar,
areunir'se aos outros. Ele não dispõe de dinheiro súficiente também p()dem ser aplicadas aos negros do século XX, nas
para viver' por sua própria conta. Desse modo, é necessário cidades norte-americanas . .Talvez o conservador conde ..zu
descobrir um local para dormir, juntamente com vários . Dohna tenha estado ehtre os primeiros a discernir os efeitos
tros jornaleiros. Entre aqueles que se amontoam dessa ma' da pobreza moderna sobre a personalidade humana.
neira, sem dúvida haverá os de má índole. Os de frágil Alguns trabalhadores r~tornamà terra natal durante o
ráter seguirão o exemplo destes últimos. Orestritogrupó inverno, observa Dohna. Entretanto, se podem ganhar ·a.l-
de jornaleir.os capazes e bem-comportados torna-se cada}i;ijl:';~;:W gum dinheiro cortando lenha ou fazendo algo semelhante, a
vez menor, Isola-se dos outros e, dessa forma, perde a Ç!lHl """";_);("''''.1:..:,,- paga é tão reduzidá, em comparáção com o que conseguem
influência sobre eles. 25 no verão, que eles preferem deixar por completo .ôtraba-
lho, entregandoCseaoexcessos que o verão lhes' ensinou.
Nos primeiros dias da primavera, eles voltam para·empre-
(25) Essas observações são depois confirmadas em diversas' autobiografia<:' gar-se em vários tipos de trabalho na construção. Mas na
de líderes socialistas que iniciaram suas vidas como artesãos. Ela~ contêm . .
primavera não lhes restaram nem força, nem. mora!. São
retratos da corrupção moral, das bebedeiras e da conversa obscena nos bairros
jornaleiros. e
estes os que passam' a beber;'a jogar a dedicar~se a outros
204 UMA PERSPECTIVA HISTÔRICA ... INJUSTIÇA 205

excessos. Ao perder ,seus empregos, aumentam o nas cidades sofria severas dificuldades. Do mesmo modo,
dos vagabundos, pedintes e criminosos. Por isso, as elas passavam por ,um processo de desenraizamento social
públicas que o Estado fomenta com todas as suas forças, ." .·,:o.';"i'.·. em larga escala. Todavia, com. ocasionais exceções, elas
fim de dar trabalho aos que não têm pão,na realidade mUI, .:<" •.. ",.; eram' politicamente desarticuladas. Os que mais sofriam
til?licam o número ?e. pobres e criminosos. Elas são semen';"·/iiH";:.Y'IP eram aqueles que menos tinham a. dizer sobre e contra ()s
telras para esta espeCIe de gente. 2 6 . s , .M."'''.dv seus sofrimentos; Dizer que eram desarticulados não signi-
As observações do conde zu Dohna colocam em agu fica que riada faziam. De tempos em temp()s, eles devem ter
relevo algumas das razões pelas quais um considerável guarnecido algumas da barricadas (raras, na variante ale,
da população relutava em disciplinar-se para o trabalho rriã dO.vendaval de.1848). Mas eles pouco criaram, seé que
duonaqUelasitu'ação histórica. A causa mais importante)" alguma coisa fizeram, nosentidó de um diagnóstico inde-
parece ter sido a falta de recompensas,. ou.mesmo depers:\:\ pelldente de suaprópl"ia situação. Tampouco conseguiram"
pectivas de recomp,msa,em'trocado autocoritrole, na nesta·,altura,. desenvolver. quaisquer':-organizações ·perma,
situação. Numa conjUntUra como àquela; a experiência, nentes,comfôlego'próprio pará combater .ou ,transfórmar a
derrotá pessoal no esforço para serberii,súçedid(), attávé,; "oi; .situação: Neste aspecto, o seucomportaniento é sem dúvida
do trabalho i árduo,.podia ser comPletamente peculiar .'N a história das classes trabalhadoras em outros
As frustrações de uma tal existência podiam facilmente países, aqueles 'que estão na pior,situação são, em geral; os
a fugas à fantasia,aoáJcooleaosexo,oü às fanfarronada.~ ú1timos ase organizarem e afazerem ouvir suas vozes; Os
alternando-se com o comportamento' serviL:As' sanções que ficam na base da pirâmide social são geralmente os úl-
gn.lporetorçam· e'sse comportamento. Aqueles que se' côn1'3'· timos a saber das notícias de que hoUve uma transformação
portassem de outra maneira correriam o dsco 'da rêjeiçã6'.!~· na capacidade social para lidar com as misérias da existên:
por parte de seus únicos camaradas possíveis. Tais sançõés'};~ ciahumana.
assemêlham-se àquelas córitra o herói desafiador, nos cam?F' . Merecem nossa atenção algumas razões suplementares
pos de concentração.e nas prisões. ,o seu propósito é para a ausência de qualquer percepção espontânea.e cla-
camente selllelhante: preserVar e ,validar para :0 grupo ramerite artiCulada de sua posição no seio' de tais setores, na
mínimas satisfações (como o :álcool) realistivamente' dispô:) épócaestudadá. Enqüanto' pessôas nãôeducadas, os pro-
níveis; O papel dadepertdêntia 'é igualmente significativo: letários e serlliproletários d!l.. primeira metade do século
Não chá nenhuma necessidade visível de autodisciplina,' . XIX 'tinham pouca experiência comáplillly.ra,escrita ou fa-
os outros são nominalmente responsáveis pelo'que láda;como arma política, Em í1léióàebulição de palavras
Ainda que a responsabilidade do superior tenha-se tornado que faz parte de toda revolu'ção, eles pro~avelmentese sen-
mínima,' e bastanterestrita,.asatisfaçãó . ..tiriamdeséonfortáveis, e .titlvez um'poucôd.esdenhosos,
pendênCia'próduz parã:õ'çlepéndente é,rio, emam cóí1loófizeram seus descen'dentes'históricos em certas oca,
~e,ál.._Jf:~rÚ;:_/~~:t·~-;r3:t !.i~:c ~_~;>\~\ ;-Lt_,-&i(.~~;i".- _ _ .- ;1',:~;'; .<~:._ .-" -} _:i",._. '_ . .- • ~ ',~ siões. Emsuapropria vida cotidiana, os golpes e asaméà~
,:.:::Tais cónsideraçõesàjudam a explicar,'ümconjunto çaserairi bastante comuns, mas não as simples palavra's enfie
fatQsque ii prlmeirayisi.apódem parecertotllÚnente par . "leiradasem conjuntos complexos e redigidas emlóngosd.is-
do~ais. A.~aiorpar~dada~daises tra]jáií.aciÓ:ràs' ,..
. - . - - -. - - .- ."" ,.- < -", .- \ ~ - , a
':cursos; menos que estas pudessem tomar a formade,borll
";. !-•• , >~':" : .:'; ..; .!j-~;. ,"~ ~f ;' , ·h teatro,'comoocasionalniente ocorria>Ascanções 'são-''Oútra
, questão;' e, méreceriam umáinvestigáçãosépatàcià:)'Aítêli~ ....
iniagen~', quê~ -f?:fffifi.v âm'\;: 'seU"- r~triÚo :;do ."inti'nclo.~ ._lí·hl~~;ài'â?'2:­
y.< ; (.';óstico e u6a.solúção p;'ra sÚaic::ondiçãq-;';pÓ.(íiiiW'gbem
"'.','
. .
206, . UMA.l'ERSl'ECfIV A HISTÓRicA ... . INJUSTIÇA' . 20,7 .

agrup.ar,se,em umtodocoerente,eservircomoaneptese/J//':: Diagnósticos articulados


t~ções C().lt:'tivasdurkheimianas.peloiuenosparal .
toJempórãd() de unidade social.: '. . ' . .. . ' "Se ~sproletários era~politicamentedesa;ti~lÚ~d~s:o :
<:iAfaniosa cançã6dos tecelÕes'durantea sua revolta mesmorião ocorria com OS trabalhadores qtieainda:posc.· :
Silésia.em 1844; vem à mente'com()ul1i,exemplo significa0• suíiimum status reconhecido naordempré-indu~trial .. S6]j
tlvo. Ela expressáum ódio sangüinário .aos capitalistas;".à as pressões crescentes dO'capitalisnidinvasor, osmemb.rc)s
sua exploração. que .neste caso.t()maaforma· dó sistema: de:, di'c()rporações.' nã()' apenas os.' mestres. nias tanibéti1;'ág()~
produção doméstica.' .0 titulo era Das'Blutgáicht ra;()s jÓrnaieiros.fizerani-se ouvir. A propotçãodosqué.
mente; sentença de.sangue).e e.ta cantada COm pârticipavamna fonnulação. dasqueixas;prograínas/reio .
de Es liegtein.Schloss in.Ôsterreich; Asestrófesnnalsat~", vindicações epetições:::...:· átosrevolticionáridsnâ Álemanlla '.
camo Fabrikant;poradotar os ares de aristocrata. Eviderú daépoca~ era ainda muito a':estrita, Os .registros doCôri,:,"
teniénfe •.':a nova -fornia . ' .... .'. gresso.dos Artesãos Alemães,que teve lugar em Frahkfurt •
.nienta1idadé:populai entre 14 dejulhoe18de .agóstodd848.forneceinimpor:
.m!'Ínfos sociáisderiva tanteS informações sobre.() núniet6 daqueles ·que.fotnavàrn ·f:
se ativos e sobre a sua percepção da :situação vigenté., Tal
congressoréuniu ·sé siriml taneanien te àAs~einbléiaConsti-;·· '.
· tuinte.de FrankfurLConformé revelam'asmatériasdiscuti;'
· das;:o .evento constituiu Um esforç()mal-sllce.diclo ,ide préSê•.•
siónara Assembléia:de Frankfurt; em benefíció ciÓsmestres :... '
de corPoraç1lo.'l iLL:< i <i; ' . 1 : , . • , . . . ",1. d.,.,.).
:' .. ,iHaviaem·1846;·como oleitortalvezselembtéa padi~ •.
· do Quadro .1 ,algóen:freA lO.e 449 mil ritêstresd~ç()rpot:açã,9 ...
.·e .trabalhadores.. autôn()lllossolllente ria.• J;>rússiâ.daépocà>
'. ~l~s .tinham .·atrás Aesimuitas geraçõe$;deexpedênciaor'
· ga~izadonai ria.r~sit~ncia.àspressões,·gOvefnanl"n:tai§.e}ri9. •.
· é:xercíçi(),por~seu lado; de suas .próprias ·•. formas. de··contraé ' ..•
pressão: .RepI'esen:favani.o setor .niaise<Illcadoe articlllad~.
das classes trabalhadorásalemã,s naqüoela fase. Sé etapÓssÍ"
ve1 espetar umapaiticipação ····democr·ática·"generalíiadai
na. expressã.o déseüs agravos .dê:<iualqu~r:gtupodetrá.ba"
lh:adores.: .·éssegrupo ,ed"ô<ieles;;O corigré~so.dé.irie~ãô~
·proSllrOtl'apre~éntar"se.'córn.ó .portáéYÓz·.autotizadódif;;pWi.··. . . . .
· menostód()s 'o~.tIiestres.;Ehtretanto.,haviâap~na~t16,D:ô.·;· .•·
· mes opostos ao esboço das proposições sobreasquais'6cop:~<;
gressóconcordara 'após muita discussãp,}"-',J)essas;'·pdo·.
'.- - . .- '- .. " -;.-::' __,:::•..i·.;~_.;...\._~:~.;.;,-.;~,:.i;·;,,/~;_·,::}-_;·

'. .' ·,'.',:·'?t ;"':"> . . '. •. ,. . . ···:'{·;:.:';.~;.n:·~)(;~~~i,ê~~i~,',}


r,.(28)';'En.twurfejn~,.,AlIgem,eineil Ha,-,dw.erker~ú~~_:Ç~wkrll!i,~(j;4'it'fifii/lif-r·_~:·,:--',~':
;.-;
De"tschlaná.·~er~!.ehn;u,~d~éschlossen· 'von dem . DéutJCr~;r.!~1~~:~;~~~~.(.i1\.• i '.' .
20S UMA PERSPECTIVARlSTÔRICA ... . INJUSTIÇA ..,;.' 209

menos 6 ássinaturas são reconhecíveis como nãdpertertcen- .'. tidadepolítica e frente à questão de quem óu'o quedes de
doá mestres ou não associadas a corporaçõesidentificávéis. fato representavam; Embóraosnegociantes;' e especial-
Sobralll'então .110 pessoas politicam:ente ativas, elllullla mente o Fabrikant ,acabassem afinal.poremergir conio .Os
cónjuntú,ra históriCa crucial; extrai das da lllelhorparte dos principais vilõeS no drama e~onômico' alemão,· houve. a]:
5QO mil que viviam: em apertas uma região da Alemanha. gumadisçussão séria sobre .se taispessoaspodiam.razoa-
CertamE;nte,essetongresso nãoJoi o único organizado pe- v"lmimte ser excluídas deumcortgreSso .convocado para,en;
los, m~stresde c{)rporação,. ainda ,que. fosse. p m.ais il,llpot', contrár respostas para a "questão social"; (Cqmovimos,
tarite. Havia.também numerosas petições individuais enViae.·· alguns mestres de corporação tinham passado .a parecer ço'
d~sp{)rméstres aO,cqngresso, que zelosartHmtE;apresentou- mo proprietários de fábricascAIguns dentre estes tambérri
asà Ass,ernbléiaNaciona1,29l'v{esmo com tais ressalvas, fica'. '-'Iam ativosnaprofissao.) DprobleiUa da .inClusâo ounãô
visívelqueqsporta~v6zésativos' dos interesses das.corpoé.· çlos jornáleh'os produziu debates, aiudá . mais acirrados e
raçõesforrriavam uma frágil minoria.: ..; . . . prolóngados;Confórme.obsen'ou:mordazmente um dele e
.' • . ,Os. debâtesdáaberturado congresso gado: o.que fazemos jornaleiros,' anãoseuxigir mais di-
consciênda.dessepr()blema eÚnçam' algunla luz sobre nheiro;emenós :horasde .trabalho?Outros.se référiraln·,aos
seu caráter. Os,pre:Sentes estavam •bastàrlÍepí-~ocupadqs aprendiies como.·pessoas·gue;na realidade,trabalhavam
com sua,próprialegitimidade~ identidadepólítica, ,Ao mes, para ,os :capitqlistase; portanto;' colaboraval,ll para a ruítÍa
· mo tempo,: ao menos ·algunsclentreelespensavarnqÍle. tais· das corporações.' Outrosaindàdefenderamaposiçãode.·
· questões deveriam ser deixâclas paraseguncloplano,antés' q,ú" .era injusto:e jmpróprioexduiro~aprendizes, póis eles
,que a oporttínidádepara a' ação .deCisivapássasse;um dile' tambémerám' pârte'·.iritegrántedo·si5Íema. corporativo .•• A
ma revolucionáiiocaractérístico. Um dospriméirosorado',' soiução'adotàda" seguiu a 'proposta de!urndelegaclô; ,que,
·rescomentou.com preocupação opequeilo número .dedelec , . disse: ·'~Devemos dizerâósdeputadosdos' jornaleiros' que
gados no plenário,: Diarite dessa'\)bseryaçã6, ,veio·' a réplica vôltemparll casa pacificáineriteeesperemnótíCias .escritas;
de que era. imporümtepassar .ao que interessava:. niais~irídá, . quedeverri,. ~guardat coma' certeZa de queos
número dospreséntes masp espíritó(Geist) dosdeb,ltes e:, mestres' cuidarãodé' seus.iriteresses'!.';Soiriente13,dos 49
das coilclusõe"!; qÍle "ontavlL .Outrôs .• lim:ites··àrepresentati-.··. delegados: pteserités'á' esÚ:deêisãbêfudialvotáram a favor
,- :1,::" ',,:'. ''''; ,,-, .', ; '" ,', ··~'30·,"·:"': __ :"":',;-~' (-
vidade aparec"iUila .proposiçãó 'de ,que a moção,de.apenás da ;admlssao,dos Jornalelro~ .. ,. ,':';. ;,'ii'.:>',)'.:" '.'.... '. :',
-_o

seis' delegaclos' seriA. suficiente para )excluir,qualquer,pro,,' '.;"" •• Espéd~lmente .emtempqsçle,criSe'·política;·llma ,par,
posta do debaté.' Houve redamaçõesdequea ,Aiemanha cela muito importante daforma.cómo: as pessoas deCidem.'
meridional estavii,sub"n,presentiida,poiS'asnotíciassobreo quemelassãoencóntra-seh'adeéisãosóbré;.<íuemsâo os'
corigresso.vii1dQurototl1aram-SepÚblicasapenasem9 de se]Isinimigos. Isso cetfamentey.aliap'lra.os'Illestresdecor-
· julho,'. poucoS .'diás.aÍltesde seüinicio ~A. Alemanha <pfpn_' poração. Sealgué,nsé der aoúabitlhóde]eríoda,sas vinte e
trion.al.estavapt~síÚniveimerite sobre:r~p~esent.ada: .•. tantãs páginásinicià:isÔe suasdis'cüsiões em Frankfurt e,âe .'
De' formaain da;mais signific'ativa, oS delegados está-, elaboraóim a lista dequém edo 'iJ.lie"elbs cOnsideravarli'seus
vam,pelomenos inicialmente, pouco seguros. inimigos;irá.encontrar ,uni .resultado. que; inclui •. ctodosos ....
,:,: ~'~ l';- ~ . setores da sociedade alemã, com .a úilici"e.iniportàntéei<:'·
. . ';. ',. 1".. -':" ,~:~: ";'<"·;;:jL,,' ,
. -.. ".- "]'.
.
Ó~if;Ú'b~~éo~gr~ssz'~:-F-"~'~kiúr;--am--Main' i!J. tlen i,ifonat~;, J;"Ú:~nd August:lIHts .. ;~ ""., ".,.",
.PP;,23·24.', . . .," '., .. '.. ' '.' . .....•. . , .." .
: ;'~," ,,:-E;(':iA29) .Para'mais, de,talhes;"vér P. H. ·Noyes~"Organiz.ation:and Revoiution:
'- ··vrq~king~,ÇI(Jss_1s.s~~.iCftions·,:ill ,th"e ,German ,'~evolution of,1~48~1849. 'capo
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:,::',.' ..... -.;', •• '",0"',,,,',,',


210 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ... INJUSTIÇA, . 211

ceç1iô. doscamponeses:comerciahtes, capital' oFahrikmit,. dU,ção.e .q1)eguaIldo,a ):!1aioria dosci~adãosctornava-se po.- .


'. jorp.aleiros:buroçratase este abstrátobichocpapão,.a . . qre,bc9p.sumo:cessaya; ,e tOcl9s, sofriam .. E bastante. eyi'
· minação dodinheiroi Toda. pessoagué parecesse capaz dep.tegl,le ()smestrésdec9!,poração, o.u pelomel1ós,nwitos
fazerdinheir6, sem desempênhartrabalhofísiCo árôuo, to,.,.".",., deles,seritiamqÚê üm toq Zeitgei~t co.):!1Óogovefnó.foIllep.c . i

nava-se .automaticamente suspeita; uma idéia muito antiga. tavam seus inimigos l"cingiam a sua ruína, e gue os lícleies i
.ti
Como observamOs no capítulo "inicial,oéspeculador, ele classe. média'. gué pP<:lerJam substituí-los
quanto pessoa que detinhaapos'sederecllrsosvaliosos mas". velmertteainda piores. . . .
.não os consumia ouutilizava,desped:ouinôignaçãomoral . '. De sêuponto.ç1e . I
em uma amjJlavariedadé de culturas .. : . .' >',' .
. Oesboço deprográtÍla;(E'ntwui:f)élaborado anartifP;
talite realista. No' tocanté
portantq,···eta."pocle.r.tri.ui
i
dessas discussões e apresentado. à Âssembléiade .
··'I
":-

situa tal nüsCêlânel' ' .


· na formádeú!1i.diagnóstico I
.tamenteàfligiama ~sociedácle,alemã(iia.práticá;"M;;,,,;· "..\I
mente, ós 'mestres)propóndo algunsn;médios.' . ,
cipais males. e. iriimigosparecem.. ser três. Oprixneiro,
surpreendentemente, ema. concorrêricia (Concurrenz).
mestres acordâvamgue e,xistia uma c'on.corrêriciaquepodià;;'i
ser. legítima.. Evidentemente, 'atel'ldê'lCia I
derna era dé):!1asiadointensa paragueOusassem um, I
'. frontal.;Entretantó, .havia.também'a.concorrênciâ
m!~ta,quecad~vei:m.ais·~onqúistava . .... .
variante honesta; (Concêbiv'élmenteiesta'é umacrença9l;le;
todos os. empresários cOnípllrtilhamafravés. dos. tempoS n:iü+
derrios. Essa. exata idéia bro'toüden!:iv() nosvelhc:.isteÍnpÓr
· dó Nel1'
c.
Deal'
_"O, - , _ ' __
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n~rte'arrieriéano.)Nã6,
:,-:-- , : _" '_,
obstante,i,erá:
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urihf
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_;_, ' "_,,,. c." .;_. __ •. , __

guestãoface à qual os mestres decorporação'sentiam eSPe~,


cialarriârgura.O éàpitalista guecometiá a usura com a força
de trabalho. do povo era o rêspçnísávelpela criação
. . Sllperpop\llação. ,. Enguanto' isso,"

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JNJUS'(IÇA .
. . UMA PÉRSPECj'iVAI-llsTORICA.,.

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214 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ... INJUSTIÇA 215

lei dominante era" Àquele que tem será dado e daquele vez tenham sido essas esperanças que habilitaram os jorna-
não teln será retirado. mesmo o pouço-que tenl". Por . leiros a proclamar que a 110va organização geral dos traba-
jornaleiros recusavam-se a se identificar coin um Liberii: lhadores por eles almej ada seria aberta a qualquer pessoa
lismus, que procurava impor uma servidão ainda pior com mais de dezoito anos que desejasse assumir a tarefa de
da época do monopólio das corporações. 'Ao mesmo tempo elevar a posição da classe trabalhadora e restaurar a situa-
que recusavam o liberalismo, eles rejeitavam com ção social do Mittelstand. 36. Aqui Mittelstand não se refe!'e,
veemência as noções·igualitárias que começavam a obviamente, à próspera burguesia capitalista. Em vez dis-
a partir do socialismo e do comunismo franceses e alem,ães;::' ;Xi so, tanto arbeintede Klasse como Mitielstand parecem ser
Os argumentos que empregavam eram reveladores. Sob categorias gerais bastante vagas que incluem todas.as pes-
sistema igualitário, os' indolentes receberiam a mesma,r soas engajadas em trabalho honesto. Como categoria sepa'
compensa qUe o trabalhador tenaz. OeSforçónão recO'hi rada, os indivíduos .de qualquer estado, .simpáticos ao tra~
pensado parece ser uma preocupação tão central para o balho e. a seus .objetivos, . deveriam ser aceitos, e mesmo
naléito como o era para outrOSgrtipoS.·. . .' ' c>. encdrajadosase as~o~iarem, fossem artist~s, estudiosos,
.. Tal preoéupaçãovemaluz ainda commaior clareia comerciantes, artesãos (Handwerker;) :emesmoFabrikan-
imagem do futuro desejável,que segue seu diagnóstico tel'l.Talveztenha sid()igu!llm.ente esse respeito pel() traba,
breum l'assado e um presente funestos. Sua característica)-:; lho e o desejo de reconciliação social que possibilitaram aos
principalseÍ-ia que não o Kapital (usado aí com K), jornaleiros, tal como aos mestres,. advogar certas formas
diligência e a habilidade deveriam : determinar os sucessôi. "modernas'.~.de bem-estar. social: obras públicas, .elimina-
de toda a população produtiva (Schciffenden).Parec! ção: da pobreza involuntária; .rendimentos. mínimos apro-
aqui uI\' eco da dis'tinçãoentrettab~lho produtivo e traba' 'priadose educaçãoli'yrf,l. 37.
lho improdutivo, . que se tornara tão difundida em' Como atingir esses objetivoS umíantoutópicos? Os
pÍlrtes da Europa, como arma polêmicacbntra os especula~;.:! Be,schlüsse alongam-se em detalhes quase c,omsativos quan-
dores ';., os" aristocratàsparasitários. 34 . Feitas to ·à estrutura proposta.da organizaçãq geral de trabalha'
que eles desejavam éra óineJhbrdos doisinUnçlOs:
.. . dores, det;llhes.qu(':podemos dei.xarçle]ado, poisa organi-
ciedadenaqual. osuGeSSO dependesse >;açãq permaneceu no .papel,embora..StepPan ,Born .t",nha
"e_;,:ao :meSffio" .'
:'_íéi~ -- conSeguido fundar; umáoutr.aque existill ·efetivam",ntepor'
'movi men to ( Ji'':');i'7' dois anos. A, sua associação, entr~tanto, tinha objetivos
mais limitados erestritos à classe trabalhadora. As outras
proposições dos jornaleiroslain no s~ntÍ<lo de lima forma
ll'lo'anarquista defederalisino( bem como .darepresentação
dojràbalho na organização do Estado; ;Nãperam, .porém,
totalmente irrealistas.'Sali.enfavam adjficuldadedaJar.'lf;l·
àfrente e.a consciência <leque praticamf,lnte todo inundQ.se ..
~~a*~~ .' .....
',-."
" .•. ;.- . ,,', ,'".'- ·,·,·,'c,'_,
á~;c;-i:' . : ';,,- ";"-\~~'-~';-, j .•:. .; . ',L

-'\~~.'·.{g~~<.!:~~~;~~~~::~~~:~tt. ~'~-~ ,;~)-.,· __ !'.. ::_,::i;,,~: ';:_: '~. ·--\.~~·:_;~. '~·t:'_·~ : :": :':. ': " :',;:~;".::_<
: ,', (38)\Besch/!isse, pp. 452-453.',0. papel.de ~orn é :analisado"em' s,eguida .

- .,.,'
-r'-i__ ,"-

, . INJUSTiçA·
218 UMA PERSPÉCTIVÁ HISTORICA ... .~:' ". INJUSTIÇA 219

subsistia nos~ociaÜstasutópicos, que floresceram na fran- cialmen tea política projetada dosrevoluciónáriosQa classe
ç~.pouco tenÚjo antes de 18.48. Os artífi~es. ~leIllãesprocu­ média); Assini, .·.também osmestres constituíam um grupo'
ravam. mare:ir.· s"urorp.pim<;lnto.co.ni. a: imiviíàJJWdade·. d<;l' . marginalizado 'e,com certeza, .descontente.Qualquer de-o
fç.tIria.m uito divena, çOll).um dÚlgnÓsticQquase .ilJ.teira~. daração públicaCJue contra.ditasse esses. fatosdaexperiênc
merite secular.eu1Úa solução do mesmo teor,Nenhum deles. ciadodia~a- dia dificilmente' seria- eficaz; Alémdissp;'os
teri~ sido possívelsen;i.o tivessem Qs .. seus.inimigos.forjado . au.tores.de dedm:açõese programas eramrepresentativo.s,
paraelesasféfrámentás:.;\·,;.; . . ..•. . ....• no sentidoemqueeraÍn eleitos pelo menos poralgtlInpr()'
Ao enfatizara importânéiàda anâlisesecular cedimentoimproyisadoe tinhanlseguidoresPolitic3;Illente
demOS perclerde vistlt0 seu componente. moral. Os.artesãos efetivos .. Elesprópiíos,quandonãôvinham. diretamente
S~ritiam -s~ inorall11eri te iridignadç.s diante do ataqtiea.seÜ; das.fileiras·;do··povo,dedicavàmcitidadosaatençãOao&.sen,
. .. . . ;'humanos: . .... .
•timentos •populares/> Nessa .fluida '. situação;' ·eles;nãç.jriarfi
stitUíá.oriú '01.1' nM poderiàm;~coI9car seusnomessobdedaraçõesiqu,é•.
não .fizesserp.·s'entidôépára..seu~·s~gúidores';·,,·~e·ofi~ess~m,.
..riãô máis' seri~m líd",r",s;'DeQ~trltforIlla,seseuspont<)s.gç .•...
.vÍ!,tafossema~",itiiveispara·algl.lnsseguidores, é'. rião.,i>~rª .,...
. outros, .cómo.ocorriac()mbaSütn.tefreqüênCiá; Ilwviméti to o
,que Udéravim.sf)'diVidiriiU!',;;, L.;':;'; .,f ". . :. ..: ;'j>,,;.g' '.
. i ' ......•• CorirbasenesSeSar!lu"m~ritos; é'colJ.venientdomaxtais
dedarações.·com<fárti.cu"jç6es' das.Y4rias{!0~réIÍ.tes.deÍ>eÍlc
iHtmen tÓ'e' de'.sélJ.tíJ;rlept().çla:.c1asse;trabalhadorahrb~~a:
Elas'cl))lstituíatllyat:ticulaçõesnó, sen tido em •. queagrUpa"·
·vamem uma' forni.ac.()érehteos .seritilllentoS." e ,·;expliCações·.
,vagamente. expréssos;eiis;vezes .. intensarn:érite .vivid()s,Ms···
'·.massas·. c()múns.·.·q.byiamente.: . erain ·reunipas •. eÍn;,umá,for-'·
... ma quese:'consideravaeficaz pârá dei;pértàr 'aspessoaspara
w, ';:. . ' __' _'_' _, • - "0,-',,', ,- _,_-o : '".
: '_::' __ .-,
•.... ,..,.,.,
'_, ___ , _, " '.; '._','_'.: ,.,.'_ '-:,_,
• ' ___" . ' " t - _ - I', '; :;,

;aaçã() ;fázeíidô~às:dizefdéfato: . •'t1sso .teâlmeute acerta., ria '.'. ,.•


mosca:' Esse 'camaradaréaliÍlénte sabédo"que.eitá.faiand& •• :.··
·Éle,enxergao .qúe nQsfere e •. pàre';e. uma, péssoaque~al;á
alguma· cóisa·dhmte;disso'!,.)A.cteditarnO 'contrárió';sétia .
crer. que Os . homeÍls;cÍljo··objétivo era . tornarem-se . lideres.
, 'pópulares/ignoravam: deliber·~dainehteo.que o '.Povo;q,ue-
·rià•• Êcerbqúe,àsvezes;:elesfaziaÍlJ :ávaliaçõesequiy()éá"'it.-·.
',,, •. ,,.,; iii";";'(;/" .•. g" . . . ...;,:·.q"r,j.:~;,~ !j'ç'.~fi;~1::,,:','.:'
-',- -,.'_,,' '(~(» c'A,"'e~t~\~~sp~{t~;;~'é: ~;'ii_'~~fi~':~~~ i1j~s~~-'-rt~~:âpi-se_"4á'~'~:~Hici;~~~~_:j~,*~) ,~ ':''',~F ,,-.
·pul,ar em'Par~.s" dura,nte,_ a Revolução Francesa', '0 comparecirnentd:,às" assetp1jléiàs ,_'_ :_: ~__ 'o .- "
.elas Sectiims era muito 'baixo,~Aibért:~àb~ui; Les_
Sa~s:p~io)~e'Pãriiie'j,s en~I :Â'A :Ii,i,,' .<_:: _,,;' '
pi>:.-S8S~S~6, relâtá~4uç '_nã' m:álo'ú)~rtlf: do _*E?_m_~o'este '~Icán,çavà, éerc~\le-'~' ii_? 'p;ôr_ t, :.
cetitp do-.t?t.~l, de. t:né~br'os.,_-€?~e_vàn~_o:~~~ ,soôl,~n.te'-p,ar.~~_. (9. po~ 'c~ntp;_.:iP:-'~~~.o~;,C;1~, '
um ,mem.bi'o, etn, c,ada f.-i,n~o" e~ ,p~d~do,~·dé-8:i~n._~_e,.coÍl::t(?~il:Q~:)~::U,:':j,~;:~!:ri~?·8!a~-~i::,;f. ,'. _'»'~:?

"'C:·:D,;;·;~:";~,{;~::~}~~!Y;~;;;<~X;~:'ci/c:i)~·.;:;,7~dt·;;i);u~
UMA PERSPECTIVAHlSTÔRICA ... :,".'··,JNIUSTiÇA, '22i

'?.'

'~'i'

."
.222 UMA PERSPECI'IVA HISTORICA ....
Il'IJUST1CA .'. 223
fie"smas . razões~faâlf~. e desproporcional
)s éstudahtessealistarem em''círculos radicais.) Efubôrâê'i'
osjornaieirôsconsiitllíssemuma latgapaiCeladaqüelesQ.'#ê:g
se énvólviam'émptpblemas . ........ .. . , . . .. .
'i .'INW~:rIÇAj, 22,5
226 UMA PERSPEÇiIvÀHÍSTÔRICA", "iNJUSTIÇA' , 227

de ativistas'. Amaisbein'suce" greves:: Confórme as concepções liberais, a ação colétiva


termosdénúmerQ de associadci~i,foi C'on<tÍt';,~ nniil violação da Iibérdacle 'decontratodojraba;
teriÍimel1tê, assoCiar-se êinfratetriid"de)i edeseudireitO,debuscar e., detenri.in"pa
Stephanlíorn'dê' Tàlirgümento propordomivasançãomc>ral'
nizaçÍlónaéiollal "
•• ,_o • '.' •
'ura,Qreves.'Eni,gêral.,ópoderdo,Estadó'refOrçaVà'es"'
assóciações<?rain i1êgais. embora;l1á'
, "jin.p~didas.
. -. .. . o . seuestatutó'
- -., .
PrlRSfEC'fI" AJIlST(JRlcA ... ,.. ÍNJÚSTÚ;:A .'229" .

~~~-~-.-~-

--~-.-~---~~-
.'INJUSTIÇA'
23<) ÍJ!I1~ PERSP~';;V ÁliIST6~kA ... :i3i

pottad6ra de tonalidades patriarcais: 61 Nas cidad(!sal..,mãs,


ração OUpeqUellospa:trÕê~ ..AlgUrnasc!éSsi quase I)ão ocorreram in.dícios da' agitaçâ6popular.bastat ...
les.ariti-se l11 itas., Na.quele "oritexto hl~tón"o,
g,e,rje!~li,~a·g~ na:Fr-~nC"~

'"
·<.fi,.". INJUSTIÇA" 233

--------~---------
-------_._-----
------------------------_.
234 .liMA PElÚ'WECTIVÀHISTÔRICA... J:_-',~ :' ·INJUSTIÇA., . 235

.. '. -quanto
(esPf'.ciahrtente ,-
àü.desemprego)tmnam,
- -, . - -.'
. C_'. ,- . ;iNiL\S'j'iÇA.. ',.,> 237
23.6 UMAPERSPr:CTI'vÀflISfôRICA.c.
.-'>t."
';:"'J' .
~~F/
ti~ •. ·..
t,1i!'
iíli1 238 UMA PERSPECTIV À HISTOnrCA", INJUSTIÇA 239
~~
P'~Pl'
.I.; muito menos saliente, Tanto entre os artesãoscômo entre baixa na Alemanha, até onde a crise foi efetivamente uma
os operários organizados,o objetivo era a aceitação da
~1'j
revolução·, o seu propósito foi a respeitabilidade.
ordem social. Esta significava consideração suficiente por
~~ : parte de outrem e uma base econômica suficientemente se-
(~ J gura para permitir o auto-respeito com honestidade, Tor- o nadolialismo e os trabalhadores
'~'
1:) !
nar-se membro do proletariado era o que todos temiam·. As
~i1 idéias sobre como atingir essas metas variavam amplamen" Já chamei a atenção para os vínculos entre uma per-
~i te, de acordo 'com a condição social c' ecohômica~' Para os'
mestres de corporação, os grandes temas eram os preços e a
cepção mutante da capacidade humana pára abolir as mi-
sérias socialmente produzidas e as mudanças corresponden,
concorrência;' a solução correta, o auxílio do Estado. A pro- tesna definição de amigo e inimigo, nos planos interno e
t-~f.i...~1';. teção do Estado significava que a 'sociedade proporcionaria externo. Uma redefinição dos significados de alemão e não-
W;', novos serviços; Para alguns trabalhadores, o temacE'ntral alemão estava evidentemente em curso, entre os trabalha-
li' eram os saláÍ'ios,umiegítimo sinaldoadvent()détempos
i~ ,: dores urbanos, por ocasião da Revolução de 1848, Num es-
ili modernos. Haviaummundo amploeimprecisoeIltre estes tüdo instigante, dois notáveis.historiadores defenderam que
~'ij. '~
dois pólos, o dos jornaleiros e aIJrendize~,os quais;'ünda em. 1848 uma intensa corrente de nacionalismo jálançara
~~-f·· não constituíámoperáriosfabris, no sentido moderno e ~m raízes ent. r.e os trabalhado. res al.~m. ães. 81 É difí.cil discerni.r,
i~k sua própria esfera tinham poucà perspectiva realista de se entretanto,o que exatamente se passava por trás .c10 nível
1':: .
;!lli'
tornarem mestres de ofício.· Suas preocuIJaçõés 'eram varia~ da retórica ocasional de líderesarticulados. .: ..,' ...... ,..
das e, pororà;tinhamescassa cons'ciência' das 'contradiC'
'r~"i
. o.stumultos de setembro. de 1848, em oposição àAs-
ções.
:~ii
~. '.:'. !,';

'. 'As 'diversasfei~indicações .dos mÚtresdeéorporaçã6,


sembléiaNacionalde Frankfurt, por seu fracassoem.de-
. fender'. as reivindicações alemãs 'contra o Schleswig-lIols,
,1' ri
jornaleiros, aprendizes e operários apenas podIam sercha- tein, , oferecem a, ri:\elhor porta .de acesso para um esforço
i~,!; . madas de revolucionárias à medida queera impossível
atendê:ias noqúadro dos
dispositivos sodaisdominantes;80 .
de compreensão dosvínculós entre o nacionalismo alemãoe
os alinhamentos sociais durante. a revolução. Na verdade, .
!. I' -
Antes da eClosão dos fatos, era bastante difícil diiel"qúe· osdistúrbios'desetembro.n.ão marcaram apenas uma gui-
&,:i1. ..
~ j! força seria necessária para a: renegocihção' do.contrat6so: . na:dacrudal. nh revolução;. ehis constituíram uma. versão ern
~! 'i
(O':!:' ciaI. Por si sós, as camadas inferiores üi-banasmostravam a
nüniaturade toda revolução,ulllpóntoo de a rédefinição
ll
;1; il pouca incÍinação ao ernpregoda violênciapárathlpto' de eu, deàmiiw e inimigotev~lugár cOlll . brutal Íütldez.
!l.i~ Q~ando.c1e sua eclosão, as forçasreationáriás ,nos territó-
m:~ <tj pósito.Iss~ não quer dizer que elas fosserrt incapilzesde
"; li ódio ou violência. Onde aviolência OCOrreu em escala ra- .rios de língua alemã já haviam. iniciado uma intensa r'ecu-
~ Ir: peraçãodq. process() de confusão e d~sordem que .• as. tinha
zO'lVe1mente ampla:,. tratava-seda violência daqueles cujas
'HI
~ :11' esperanças .tinhamsidodespertadas .. e depois· . frustrlldas, dóiúinhdono .início da 1'evolução~ As organizações demo-
l,j,
como nas insurreiçõescte.1849.. Para a camalià' urbana mais criÍticás e detrábalhadores no, sul da Alemanhafôràmen-
'''I!'' quacír~dasém proibições policiaís. Em Viena, ná b,átâllla

,~;Ir
'"~ ,~! .
. '., .. ,
(80) :." A p;iricipillinha i:Úvi"~ór~~ era a q~e 'sep~r~va o~'_~o';~s~í';eres c~~~~j :
do piátú (23 de agosto de 1848), trabalhadores que p1'otes-

'.:·.~.!f ..,. •. ciais e industrIais ::-:- ,a, nova burguesia capitalist~ e todas' as' form'ás 'de _trabalh~, . .', r,; ,,~;'

p!~lii;!i:/;.~
manual, dos mestres 'de" corPoração que buscavam proteção para '.o 'trabalhador ':"(81)· \V~tner Conze e Dieter Groh.-Di~ Arbeiterbew~gú~g-ii; de>N.~!i~'I~~
ocasionill. empregado por salários muito baixos.' , : . ' - le,,"Bewegu1Jg. pp~ 32~40. :,_:_,:_.

Uill:::-j;:
1;1:irt;:~:,
,;:.;;:();, úúüsfiçk>P", 241'
242 UMA PERSPECTIVA HISTORICA ... '. '. INJUSTIÇA 243
''f>
poIltica do sudoeste da Alemanha, onde as correntes radicais terverl'in efetivamente comunicasse ao plenário, a 16 'dese-
eram especialrrien-te'. poderos8S~- Quase todo orador·_ de_ es'w, teul,bro, que a_ ala_direita: _da-o Assembléia- era cu~pada de
querda passava em. algUma ocasiãq. por Frankfurt,9nde tqüção ao povo alemão, 88 praticamente não ,haviamenções
podia contar com ÍImaruidosa e.simpática audiêl1 cia.A aoarmisticio, nos discursos daqudesque incitaram as ma-
principal base de r",crlltamentCl par~talalldiência era. a sas em: Frankfurt, ou em suascercanias,até o momento da
descontente população trabalhadora de condiçãosoCial inc insurreição, 89. Na Alemanha de1848,o fanático naci.onalis-
fedor. No seio deia,aqui eali,espocava uma voz quefala,,~' mo popular escondia.-se ainda bem.além do horizonte his,
a linguagem do futuro,cClnvocando o proletariado a levan'. t6rico.,' '. .
tar-se e esmagar. seus opre~sores.Asassociaçõesdegil1iÍs~ .. ):::Ofll. e~sa obenação; nãopret~;do sugerir que os tra-
tica (Turnvereine) eram as Jontesespeciaisdesu"i:rversãô: balhadores não mostravam. interesse pelo caráter do Esta,
a partir das quais asuniõ.(l: do; comcértezao faziam:Jáassinalamos' anteriormente a
originaram' em,.março .de.184õ .. .tsem .• antes .<;lqArmistíciqde patétiéarejeição dos jornaleiros a todas. as <:orrentespolí-
Malmô,a cidade de.Frankfurt.proPOrcionaragra,ndes.aJÍdi:> ticas .vigentes,embenefíció .de alguma. fôrma'de: federalis-
!~~~~:sa:;o~~i~~[~i:~rtiParla~e~tar~,srad~cais,.de .• vári,a:t····,;;( )l{jl;ifl'~'i mo.'Elesâ simbolizaram por'umarecusa'a tôdas as ban"
deiraspoIíticase à tentativa" de 'promulgar umestandarte<
.. Essa correnteantib,urguesa .ea,ntil,iberal el1 tre. as.cla,~_. '."""'~ '" próprio.' Também no programa dê doze pontos dos traba-
ses baixas das vilas e cidades fez asua prinleira apar . . IhadoresdeChémnitz,dé22'de abril de 1848; e no pro"
escala européia, na Rev()luçãod(l1848.N ' .. grama de quinze :pontos dos trabalhadores de :Leipiig;· de
tana e mesmo na Reyolução Franc(lsa;a cargaprincipalgas 27.,de.março de .1848, há várias reivindicações qUe diziam.
demandas populares. expre~sou" ,se nà.s e' atÍ'avés dasásse " respeito ao caráter eà,poIíticado Estádo.Mas apenasÓ
IIl
bléias .parIamentaJ;'es.· . ,Emborap()Í'·.. algtifJ1·.tempo ..• tal;.co~" primeiro ponto do programadeChemnitz, .a reivindIcação
rente popular fluísse ·lado.a.1adocom a da democraciara_. de eliminação das .barreiras tarifáriásno interior daAlema-
. .... semisturássé'cóm ela; os . .' ..... . nh.a.eeulapoio de .taisbaq(liras .em ,:redor;: do país; '.' tem:
--,- . ,_ ... ,,-" -".' - - ". - .
puseram
. .
'~,.' .. algumllcoisa a vel'ci>m,as,relações germânicas.com,outros
pa,ís~s,E\ll.énaciollag~tllrio;senti9oeIll, que. coloca. osjllt~_·.
ress"s a,lemães à Jrel1te .deqllaisqueroiltros.·C0!l1 baSt),em
tais,prognnnas, aquimenciol1adosporquep~recemserex~
pressões dos. interesses dos trabalhadores mais espontâneas·'
que oütras, soore .as quaisc<!nsegui encontrar informação
incluindo os operários e ,artesilos, 90 parece também bastah-
UMA.PJ?RSPEÓI'lYAHisTÕRICA ... II'!!lJSTIÇA 245

1 (e foielar.ealm~llÍetãopuP111ar?), queinicialmenteconçen-
i'
trou-se na dêfes.a .da revolução e .depóis· esprai()ui"liber,
I hlção~.;portÕd&oê9ntinén:teeur6prW D~sde.ocristianis11lo.
ri até.oSóçialisl11() ,o,s' grap,dés. movime~ibs libertado,esda ci-
L> vi1izaçã()o~iiientalprincipiar;nn~otno,ideais•. ,~ari_Jiun)a~os
étornaraIncseCórrõmpidos como .a~entesdé nova repressão
no.processpde.sua,adesão ·ii· governos .. específiCos.·,Átr'ans-

~~!í"~~~l~~~:~;~~!~~ ,.-~,-.,..-- --.-~., . 'l.~.' ') -,~

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INJUSTiÇA: 247,
;;

, .:'.' ,',AdespÍ'lito de Suas difere:nça~,ospioderados e os "


lucio:nárioSi:ntelige:ntes c.o:ntlim essencialmente a,mesma
1·J
história:É~ahistória da ,d,Qmesticaçãó ,dopr()ietarlado. ~t;
'. ','Atrás de ambas asversões,sittiacse asup()sição imPlícitã',da
existênCia de um amplo proletariado industrial,e de,qu~.' ,. ' ,
alguma medida esse proletarilido representasse, pelo, menos
CAPÍTULQ6 poténcialmente. uma sériaameaça re,,:ólucion " '. " '
l"I
Tendênciàs,"soêiais
i
, Introduçãó
Tal corn?os seu~domplinheitos
1J
na Inglaterra;n:o momento
Mundial,ostrabalhadon';s
giade " " '
' ],
I
havia
·1
'!

cioriárias. Sob
, e1esestavam
, negociação
democrátas.
que esse l'rocesso de intêgraçãodemoc~áticanão
cornpletádo a t~mpo;iFfirnde irnpêdirum" ~".o"n
dia/ainda
dos
O"; c. '-'-'~- ~o·"'""_-:~Oo"_'·

, nütiSTlçA 24Q
248 , UMA PERsPEcrivAHISTÔRICA...

cessâfió' <i.tl.e:a.ptendallio;cÓmo elek


outras fô;ú.tes;:tornárn. p9ssiveí ~sboçar os cont()rnós estaÍi
-" 0_ '.'. _ -, ,_,__ • -.-' - '-- ' .

"",.",,
.: ." ,;

"
,- •• " - ,-
s"_
,

dás."o, qUéviàlll e sehtiámcc çÍé62.riliihõesde;pe~­


,itljústiç'à';'éejri'queJe ~egllinte {erri.nik
si m~smós.· N~ busca:; -',7'- .i·-

i,'_.
.

'INJUSTIÇA

poderia fornecer um dos critérios, A est~ respeito, é possível


.250 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ...

Vemos, portanto, que o número total dos operários e auxi- : efetuar grossomodo algutnas distinçõçs el1tre tipos de in-
dústria característicos de urn.a ecotiorniá tUoderri'li adifln~
tada e aqueles mais típicos de umest~gio!l~terior de desen.-: .
. Iiares é de 8593000, o.u cerçade 27 por cento. da população
· ativa "stimadaJ Sehdo osoperáriosna indústriâeúa mine-
ração apenas poUco mais quéuni quarto da população "co- "'volvimentohistórico; Outrocritériobastan!esemelhantt; se< c
nomicamente ativa, fica claro que o proletariado industrial, ' da o de <iefiti~r como caracteristicamente proletáriosaq'Íle
independentemente de corno o definamos, era. ainda, em les trabalhadOres que vivem em grandescidacies e estão eín'
1907,'.urna minoria bastant" irrisória da população alemã. pregados em grandes inciústrias.Procuremos desven.4at iaso'
· . '., A sua dimensão real depe~de da concepção deliya que que significayam"grandes cidades" e "grandes indtístr "
se tem sobre o proletariado.puascaracterísticas'podern ser .em 191.4,be'mcomo investigarl'rofundatnent" cada .um
desses critérios. . . .' .', ." . '.' •.. . · c , .•.• •.•• ., ... '., ." '" .•...•..•••.••.••..
. .·.Parao número det~abalhacl9r,es em diferent~stip~scit; .
eÍlfatizadas em qualquer aná.liseg'miL' Q tipôde,iridústria
.' .,

'_' - .". '_, _ _ ' , _ .. ". _ ,, ___ : , ___ " " , : . '_': ' __ "'_, ____c _: ,- _ .-<'" _,-__ _-i_,-" " indústria~,s~rámelhor recorr:eràs cifras coletada:! pelo sei-J
< :__ ,('2) Statisiflç 'dei iJíú~tscheii Reichs{cÍta'da ·.d~qui tfm di~_nte :c'om,o- SPR), viçoMJn.s,peção Ea\?ril,parao;1lUo. dê 1913. Elas.cOni
,:Neue Fo)ge •. Band,211;.'Ber:ufss'tàÜ~tik,.- Abteilung X, 175. 176,- I:'ara::u,m'a série preeú<ieniapenáSetnpresascorn,.çlêzoufll.aiSempréiadQS.
:- marcadaJnetl.te çliferynfe,~dy iesu)tad~;s 'poucç)' a,ntes pa Prim,eirà_-9uejp(~unqIal,
ver Waldemar Zimro(!rmann, "Die _. VérãrÍderung -der EinkomtUens~_ ..und Le~ Por essa razão; omitetn. cerca deUm rhilhão .dos Oitoml1
bensverhâltilis_s,e der deutsé,hen' Arbeitcr- durch den- Krieg" elll_-Rú~olf_ ~I!eiwarth lhõesde. trabalhadores ..porsua vei, ó.stráblÜhadoresdes;
'et 'q,l({,' D'ié:Eitúvirkung des Krieges. p. '28S~ Para 19'13~ 1914, Ziíniner'~_ánIúlpon~
ta -9' númer.o. total -q.a ~,'c.4tsse _ope.rária·~. (L.?hr.z~_ und Gehaltsar.~e(tertç9_Inº,: e:rn,
. sasp~qllenas oficinas não são reléva,ntes neste.poIlto;Seria
t()r,ilq,4y,23, milhões. Sé ~otitar'P:os_'os,membros_ dafamiliá., chegav<ilp a44 .inilb.õ_es útil iiruPàr:taisPrOfissões.emtrêssetoreshidustriàiS .•. q
· 4e·_'p~.s_~~~s.' 'ou 66 ,por cento'_ da popuÍa'ção' to_tal, que t~nlià à época. 67' Fiilhões. ,primeirocor~espondeao qü" sé tornou a indústria béli~a;
Adassé.óperária, dé Zimmermann, entretanto; além dos trabalhadores ha,indús~ Se se in"luia' mineraçãO~C\lmopt;ns()ser>corret«lis~~sêtor·.
, é nitidarní<nte·. O. mais .caracterí,sticQ, ci~' a , socieç\flde)n.~
irià,_é-:h:a:.,uineração; incluia:,os~trabalhadore-s-rurai~"e os ,enipregàdos no çom~r<-:io
_e_rios_.tra_Ilsportes. Mais, de u111_ qu~rtodes.tes '_últimos eram consti~ído:s ,de ,allge~~ \irn:
ou
'iel/ie~ 'tràb~ihador'es 'dê 'çolarirlhp Qranêo; com .os quais _nij.o"nos preoc~panÍos dustriálnaquelemomerito. (?ségundoc()llsiste nUm ~Qip6
nO:moi-hento"? _·-,'i':::" ,/.>'> __ , ~ -·.'i-:" _<,',l,'';'.::;;_!_.·'
;_ . .(3) --Éj")Qssív~l 'pesq\iisár t~da~ as)·ef~rêndas ao termoprolétà'riádo':n-os h:ês ~
intermediário, eô tercéíi-o,é constituídobasicâménte' c:ie~um
volum~_~.d,~_L?às Kdpital seln (,!hegai' a.u~a ctefiniçã',-3 concisa . .o_nlais,pr6~imó que __:-. conjuntoM indústrias civis .• b.úItimosetoriôll o mais êivil;
Mkrx_ c'onseg_ue: ché*ar. de tàl:defi~iç'ão e~stá _nà','n>70,'_,I,_ p·.-j~45f:··.'.Untef-: '~role~',; atendia prinCipalmente . aos .inteiêss~s'decorisUtllo:' Antes'
bii-ier~_ ist ôkoriotnis'ch'riicht~ zn ,verstehen"'-ils dei- ·tohnârbeife~;-_ der ,~Kapitã-";_pró!': da .• Prih>eira.'GuerraMúndi.al,.·eleégn;.iíreenâiaetU'gefaLo. e
.'duziér~ únci.venvert~t "und ,aids P'flas'ter"g-~v.:àrfen,·wird sob'ald er, fü.r _die Ye.rwer~:/
tungsbedürfnisse pes ,_~~onsic;m~ Kap~tá1' ; Viie, p'ecquellr diese _~ers~nn\'lnl.lk.über~, -:
flüssig' ist'~. '("Do. poi1td de ;vista'écon,ômiCo~ ,só ,se pode' éhami~: "pÍ"oletár~o" âó'~
trabalhádor assâlãriadõ' q'rle produz':e' vat~riza" !capital:; -sendo lançildo' â: _nlã -tão
setoririeIlos avan.çadotecIiifartieui:ê. O Quadr6 2apres Iita
baij{ô~sse~'iciâcios·.·.··'·' :.-";"' ....•......•. ':,L,:' ·• •
a
.0 Qnadro2mostra cercade:44porcen.todos oper~rios
·.·r·.· c,;,:
logojà não sirva__ aQs pn>pósltos de'_lY1qnsiettr,Çapital', que'é o_n9me~qu~'Peç91,Jel!r
.__ d~_ a e~te p_er~onagi:nll·'.) De á._~.or,d?, c~:lIli _~s-:reh~.~antes' ~rtigos da Bolsh~ia_ ~o,fi~ts.~,: indUstl'iàiScOmQPérte~céh,tes!âÓs~tor tnodern'i;çni "On-0
':kala' kntsikJopediia" (2~ 'ed':\ ~o·termô-.r}rofe_~~·rio· designa todo trabáfhaao"r "àssâla'~' traposiC;ão 55 por cento nos dOissetores·queàgropei
. ' - -'-. " ':,' a--, :-- '- '. <-, ",,'" '- '.'-, " . ,','-:
c0111
';',:".' :,;: --- ,>'.. -:, -o:. -..--'_ .. , .... ".'_,..,;,'
·:riado:<Íue. por mei~_d:e'suaforça~d,e,tr~b~ll:Io.-:,~rjà.mais~valia p;tra"o capita1i~t~ ou
bun~uês.' Ver s. 'v. :,Proltúariat. V:ol.'-~5;_· P;~-~_~_;_',Rabotclíl.i I(las~; (clásse '()p~iária)! :", i ',".' "

~~J~';.~~~{ei~h';;~ã~'~;;~il~~i~~~ri~';á~,seg~i~o~~l;e~i~v~;;;'~~{i~Jji;iil,
.- .'Abl~.:;'.p.,:,436; e fribavotcliJlaia Stôitnofot:,<:m,~i~:_Yaliá).. -.vol. )4;_ p._4S9:~ ~'n,j~~t~nto,
,:,:é_tn suá: ánálise mais extensiv',i_',dà_: .._Ctáss,e:~óper~ria:' sob 'ó _capifaliSfiÚY' ': Y,QJ~ :35,
··p._:437. :~uma referência ao ~~6r;n'{cre~éin:a:e,Íl~ip>dÓ' p~ciietaliàdô,,_d~r~nte: ~?século :
na cortei óhÓg6rdld ~(jn~tr;;indo ~s ininl1aii Íír6priàs'~6hC;;i>çi;eEó"teo '4ue'o'lêi1iib .
. poderia.'ignili~~r:; {, .• ;','::l."'.";; :"':"".'" ",;,,:, .. ,.»,<", >,e/foi",'r!:';.';'
. :XIf{;':ein vários paises, apena~_-o_~JrabaJhadox:~s indústria e n6s,tr,ãp~por_ tes ,são
-' incluf4os': Se as ,~efiniçõ_es ~·nC}uan,to-,~á!s ,nã9,_~ã9.muito 'úteis, é_1iffcil_'~sp~f'~r:que _ .
in peimanYl$~l'I945;;~in
vl>rios ~spectos;maSinC\üoá'inioêi~çã9n~piiineii<>séíói: PiTin;alói~'d~tiilhes.',
. ,~iriéluani 0, -que-deveria'_ aCOtltecú;: cám_"o':âínâdüre~imúllo da- c~tpitl\lis~q:_'~Para ' • ,Baseio.me á,júLem,GerhÍtrd
.' (4) BÍ')'.·YVógeS
'isso," é Ílecessár:io cbnsiderár a_ teoria 'm_àrxis'ta',em seu conjunto,. Poi ó~tn:na(lo;:~é
'precisaluente ,so~,re,Aste po'ntd q~~_ 9_~'~~rç~ '~~ ;ll_.aiqr ,~o~ltrovéJ",s,i.'!,~_i'yi~to A~e- 'não
.edtaçõ.sriiais .,Xttiri~as!vêr,minliaanlilise do'é~~i~!~~çãp('i; , '",';' ". ,.';.':
estou elaborando uma história intelectual e_ que -nóssa tatefa pre:;:.p.ntp. é. -p.f1C"ni1tr~i· ';1'
,~_-,':,." '. ',' -' : '---c',, ,'''-'-<~,\_"',-:,,,: ;'~;--:' .. "'~',í-'".,;,-': ':' -, ~;".

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.UMA
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... ,<,;;,: !í'IJUSÚçÁ'l' .n \'; 2!i3
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254 ." ?'INjUSTIÇA


UMAPERSPECTIVA JUSTORICA ... 255

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258 UMA PERSPpÇ:rÍv AHISTOiúCA:,. 1~!.USTIçÁ 25~

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2~O .\ . UMAPERSPEtTIVA í-ilSTORICA ... ·'S,:.: . >' .INJ[.T.~TIÇ~: .:' '\-" . - 261
262 UMA PERSPIl<:nVAIIISTÚRICA ...
~-.~", INJUSTiÇA .• 263
•..•.• ; "QÜi\,l)R04 .. ,.,.,
.~. 'J~diê~s-de salário~ reais:- 1871-'1913
'. <'. - -, -' , • , -'- -':-' - <

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P;.p .'-~_~__ 1;Jef.(l.--'~-_:\ ' . _. .·~KÍj~_;;tis'ci·:
191.1",,100. . f895.·= 100,' ,"0'-' 18'15 =- - ,100
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1871 ..
1880', . 70
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,79.
"-.;')"" .. 82, ";7 2•
. ·77
79
1895 89','; .<ÍÓO' 100 doo .. · ·
1900 '98' ·Üt,'i·· • UO· 10B .• , .
1905 99 . 'U4':' <lOS' 104
1910. ,99 .119 110 . ,106
1913 100. . 125 'in 109
Fonte:. Dieter" G~oli._ 'N~g"Ú~e·"j;,'t~gratio:V~~.ctR·e_~dl;,Údn>a~~':·~Aúe'iíii~~ld· )ji~
Dé'u.tsche. Sbzialdemokràtié: am _.Y?ra.blf~'4.·f~
,'-.. - - .
lEr~_~e~.-~:~·We~~kp·~gf!§;~;:PP._~40;':_.~."
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266 UMA PE«SPEC:TIVA HISTÓRICA. .. 'li'uijs'riç'A


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.eles tiveram de aprerid':l'Il:ãofoiásentir dof,massitnc0tn0
parilr de ·séti.tir.qu~;â'aQrha .simplesmente·.\ím·áspl'ictoinej
vitável despàe]{istêúda,r.",\ ..' .,'f'. i , ; , > ..••.... : .. '
As. 'coIlcepçÕes \)petáiia.ssobré;jlÍstiçaé."itiJustí~anô
total deseusréndirn:ento~hiemÍ!iualmentegràíide seritid()
enqUánto r~nex.~sde atllPigüicladese càntradiçí?es ,éaracté-
rístÍÍ::as'dessepeHàdo'hislôrIÇoparti2ulat;
. -:_'-_':. --',-- - ',' '<.,:.-í:i''--'-.:'.:".,.:-:';' ..
Se sé púg(ínt'asse
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a umtrabalha\19r.alemaü •. des.semotnentoda.l;11~tona; o. qlle
. cüris ti tliíaumsa\iiriü sufi2iénte;' êlepr()vávélrriéÍlte'apiésen7'
taria.osseguir{t~s·áigU,l'nêiiios:.shfident~~4~f()f#íilaperh1ic,
tirqué .ele,cqtn9 priridp3'fiiTfimÓ' d:J.··farriÜhi;piil1essez~lllr

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ou sUJas, s.~mse'retn'tátnb.~itÍvórnehm,'oli depiasiadd'ele>
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,i)· gantes;a:propriada.s ·a!?ess()a~ . de"lta:C9nd.içãó,:(ESse~'tôpi'


li\ cos . apaÍ'ecejÍl,'córri. ·freq\i.êricià 'ein' hàrhtivis"'iu,{obiõgra#~'
cas:)'Ess~·.·eiâ'ílili~.ep?~íi.'cÓplo.vérétltÔs·âepoi.s~érii·fuáis'
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. detàllle;cí~Qe tiIlllarri'ap'atéCicíd'apenas 'os' .iji~i~;tê~uéssi.
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...•.. rtiarêàda.IiÓt'àgu.dÍts'·aisfiíl4~J~'so~iáis,·n~!i\;tRÇiá~~Mâ{'o]:l~
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. guma.ç01sanutnéürPode~Yldenqat"o amplo=e'a 'apsen-
.. dà.idJi:tüàisquet~indiciosai!entuailóscíeteiílór'f~ét!' ~o' oé-
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n~ssá.direi;ãoSã?a'fimiaÇõe~'bastante gériêricaS' po(pá.rJe'
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todaiisV,essoas e Ílão' sómente Ítos ricos .capitalistas. Em
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'.' ·.,"Aindaqueeidstisse .uma, forte,cr!-'nçá-ó)Í,·tàlveicóm
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268 UMA, J,'~RSPEq?yA, HISTÓRICA ...


.\ ,FYh'Yc-"'iNi0SiIÇÁ ;.','L"" ;'-,-õ'
269

L
270 UMAPERSPF.C'TiVAHISTORICA.:.
.. ,-." -- -- " .' • Il''ÍJUS'I:IÇA;: '171
· Elite eIDllssasentreostrabalhlldoreil
0'-;"--- '- , . - --- . ,.
"c_", -, ~. ":>." eÍe enc.ontrbu
\, ,.:'<":-,.,.~',::,-:;-_:._, ',5:', __ ; _.'~_:-:"" __ ', ______ ""," .. ,:, ',-'. -,-'-- __~ • ;", '-'~_
. Após um:aiÍnersã.orelativam~nt~.breve n~s,aut.obi.o­
grafi,ts. e nás. investigações.soci.o16gicas. sobre~e)(istêncl!l. dá
claSSe .operál'i~:alêmã;opésquisad(H; .n:otiir'á 'a, p~esenç~d{;
uinaelite. ii1téléctlia J ênh'e ()s trah:allÍadores.· c*m~in:apos.:
tura de certa formá c()ndescen4~Ilte facetLoéjlieé()ti~iderav';
a massa" dos .,trabalhad<'res. ,N.ostempos.Ii1.odêi-úós;. Iss;;
ocorr~ ~miúdê·entreo{·!Ú;uí5(,s·~ubordinitdo~·~':'pi;itnid()s\.
cuj.os·lide~es .• inostram,se.co.infreqÜência·itíiégtir9s.·quantó
a.seas.n1a$sases(arãóaptas •. a'can:egar,ôja.~(jo~~u'e.o.deS-,
tino liistóHcosupostament<,col.ocôus.obre sEiu$omt)j,·os. 'Na
·AI~niapha '.~.aqlle!aAp(,ç~;:§4.i~ji~~ã;;.·,~~~:,#f~P:ç~p~im~Í}té'
entreú.ma orga'lliia4acllm3.,:fã,superi()rdo~trabalJJ,aaóres.ê
·umli camacla muit.omllisamplá·,cle. ópeiJrró~'~e~ártiGulâ4q~
.ou. talvez. d~iibeí:adatÍl~):lte~itêÍldosos ;A"iliàiói l?ai.t~.:qüan- .
d.onã6 atotalidade. dajnf'dfmaçãocl{~potiiveJ .sobrêo~ de::
sarticuladQsprovéipdos61'~llnizâdÓs:2:Afiln ·. ~e~.apre~iídé;:
ti qU~ p;Jclerm6ss.obrea;mep,tali4ade.do~ trabalh~cl6resnãô
aitié\ilaMs,étÍ,ecêssâ~ió . p()fhirumaVisão,tãóçlâJ'ílquân,t.o
p()ssiveÍsobre.osvies~s e prêdileçÕes dos ppei~riôs'.oríialli:
·zadoi~··.l)~'oütra'fbrkii.,·.a . .illYestiga.Çã.o~"Gori·é·,ô'ris~Ó;',bas~
tal1te·c()ll.hêddó.peIóspes9.úisadorés.de • éariíp.oda~ntfõpo:
JQgiae4~~.9~iR.1Qii~.§e, e~~~lir.f':s;~J:\!óiki.ªsõ~únfi?mpl~t~~ .
d.e .\'b.ons·,':mf.orm.antesJ' ansl()S.oS, p.or. ln,troduzlr .o.clenhsta,
',C ' __ " " " , - - " ' - : ' .'.-. --,-- _'_'-':-,'-'" "--';-','",."_,_' \>-';J'<>I<"~\:_-'''--:'<_''_-_'

social n.os, s\,gr~dóselds esc.oJ.1(;li4il.s que g.overh~nisuapár,


· cela. da; ord""nls.oCial.. NãóolÍstallte.·.• asr~laçõês'q~e.· e~tes
:~t&~;Ug::êkª~ai~td~ret~~ijt~ftiJ~~~~t~~i~i~;~t~·
· unmb..oà s.oma deinf.ofmaÇÕeS ~.obreo carater,clá classe.op~7
rária in~ustriil~l'll:s""l1. COm~llt9:~;.,;' . ::::,;
AúgustSpri~ger oferece uma b.oa apresentação'aestfi
'e;', '";t;:" ;;.;; .. ,\
~lite.eltlslÍa~ .rêtÍ:iiniscênciásd.oPt~meirocdritato .ciüé'te~e
cómoss.odallstas.quarÍdojovem trabàJhad.or de urna fá'
bricad~ s~pat(,s,'ernumapequenàcidade
. ... :daSaviera.
.'." .. . Ar' _.- - - -' - -

. ,
. ~iÓ4~' "Até "o11:d~_ s~i~ .-não:_há ,es~_~do,s'_'diret~s_ ~9~par_iv~i,~-:'~?~_ 'd_e_ ~_ili~t, Lie'.__ ~
bow, 1'olly's" Çor,ier; êlé W,iÜiám.'Foote Whyte;'
'RiiÍlwátú;Jj~hin'd'Gh1ú('õ'WaUs;'
Street
-_o, ",·_,0'__ ,',:_,-," '~:-'>~'
.Cor:1ier_:Socirity;'-oU;"de' LCé
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lPERSPE6ivAílISTÓRICA", ." ,:,U'IJUSTIÇA,'''' 173


272
274 UMA PERSI'ECTIVA HISTÕRICA ... 'I~UÚSTIÇÂ 275

cento ou 'aproximádamentedoisterços. de süaamostri, na


categoriaMas$enschiéht .. .' ......... ' '. '.' ". .... .... ..........
Isoladamente, isso ap<mas prova qUe um grande . nú'
mero de trabalhadores não q~êria preericherqnestionários,
mesmoquand()apr~sentadÇls por um coleg~ (queobvia-
mente tinha conseguido' ir mais 'longe que el{:s). A descon-
fiança normálda:c1ass~ opefária col11.~elaçãóà indiscrição
inaproprittÔapodia também atuarnessé sentidó: 29'Mas.há
. bOaS ra:zõespar!\-~crer q~ehavia'a~ algulllá.coisa nutisque.a
mera desconfiança. Qualquerindivíduo que \~plla manJid6
omíriini.oc6rit~tÔ corno pessoas iI1clllias.sabéq~emuita~ cie-
las,eféHvátriente·denronsframcorisiderável. dific'uldade en\.
.i . expressal"séusSêlltirb.eAtós.êin·pàíavrà~(éinb()l'a'~eÍl;lpl:eJ:iaja
mriall1inori~tàpaz; de exibirumasurIlreep'deIjte'elqqUênHa .
natilrál)'.Tódô Cit:Í1tist~'stJHa:l que faz poi:. merecer'6ai que
· réspihic011hece peloinen?s' alguma& raiõe~:'fàlt?:aebIl?f­
tunídadês.oll,iriaisaindá;um·córi.juritode'córidições .·de
vida basicamente esniltificarites:'Alfred Weoeri um 'dós eu-
cam~gadosdas.~tiCJ.uêtes ' cio'., y.ereinfürSÓzi~lpo li iiksobre
·as .condições ~ devida'da's.·class~s·· ó'Il~tâ.rlits;afirina~a '., em
· ·.1912Cltie &hómetn'l'lresô;àfuáqüina era. aqüele, CJ,üê.tinha
pe'rdidô?pódêr'derecÍ~iriú;30Noe'ntaiÚ?;·mesrtlO,apes' .
sQá'qüe'perdeü'gp9derdeprotéstfir -c:". rrapresêrÍç~' de 'es-
, tranhQs. oÚIÍQpap~l; i vale lerribntr' -- dificilll1eriteperdell'a
éapaciciàde','de seritiJ';sàirid~ ·.ql.le provav.elm~ht~exis{~\lm
grall c()rÍsiderávehlêresignaçãó; ..umcertosufocailiêhto~dos
.' senH'ciosque de.outra foitÍÍaies,ÚtariatnelTldºr,f:isso.e~cii-
tamente' b 'qUe sllg'áe6 pa<Íiãode respostas norêlâi:ório de
Levenstein,.Opriembrosde seUtipo de massárespondelTl
à.sCJ,uestões.simpies sobre as Jormas.. dejJagà:rnenlo(por ,ta:.
· . rda ou pói:h~rà)éó~Flizoá"elfr~cíü~nei~;'~ilêpdãnlqllÍl.~e .
complétaí'nente<iUàridOilé :l'l'OÇ'ill'aextrâir:a~ei;p'etiinças'e .
· aspiraçõ~scia. dàsse.'apetári!t, Desse modo, ,icheí#inosao
· próbleinadesábét se éounão'possívelutilizara infórinaçã'o
,:'.;'_~'-:: ,~;.;,,'-':':.-' ,":' '-; ':'-"'. :~-">-<::",i/','~.. ,-,,\.,;;.'.; ::,,', : ;,;',·::~:';:_l,--·-j_:?\~.,>;~{;:;>':~'-:'~'::):"-.,
, '~- '~".:

(29) Ümà._das'-_qlJe~iõ~s-;S~ :_~efei_ia--ao uso'_do álc()o):'-b;ándo;-;~lgu'ús't~'aba~-'


lhàdorcs 'a virar'rl', batel'ãi(os punhos: nà -'ll1esa.. exclainaÍld():_,,-"Àgora:',até-:me~-':
',o, t110 abebida quereni.. tirar-nQs!"'. ~vtihstéin,Arb~itérfrage~ p,,?, , . .. .... . .
(30) À1fred
. ".'"
yYeb,er,, Das-Bl!-ru!sSchicksaider
", -. :,'-- .. , .
[údustrietarbeÜ êr ,lC394 . ' ' '." '
276 000 UMA PER.SPEqIVAHIST.ORICA ...
...\) ' i ; .' ? INJUSTiÇÂ" 277
278' UMA PERSPECTIV Á 1lISTOku::A ... , 1~IJUSTÚ;A '279,

ju~tificativaparllsdalar de umac1asse operária industrial tlifícil eneoIitra~. algllma explicação.' Os> .fatos' sãdmera-
diferente de',outrásclasses,arazãopar~issó~l'lcontra~se ai. mente relatacÍosi ao lado dascaus~s imediatas. 37 •.
, Compa~âdosà situáÇão de, por" vüÚa' ",', ' .. ' ' , ". ", .No fundo 4a cen3:,'porénÚvem à: íuz umaínstituição
em rápida i:1'ânsforín3:çãodo' pré~1914ocorréi.l uma acen-, públiCa que ameniiaV:á.Óchbque;Já rióreJatodeKÍiI
tuadaexpartsã()na"e~py~ializaçãodam~s#~a, ,. chet,' nascido em 1842 .
dente grossO modo à crescente divisão qllálifiCàdo ou de baixá' qualificàçãopas'sou
novos operári6sindustriais",ncontrt\m'se;algUnS .ru-i+";:: ~"-.;,+~ ~:':;'~-I-'c>" na:--tnv~~Si_çã:ú
reclamações qual1to aoesmagameritÓ .... ..', .,
que aindaconstitliía um temacmcial
jornaleiros de 1848. Por vo1tàdel91'
seria possível fazer'á1!i;u~a ' ,
túnio infiltrara-se de fotn
fazê-IoáÚ·avés··dàêooperação·entreasêlâs·~esde.forinaal"
grimase extinguira: Os sindicatospatrióÜcbs'ereÍigiosbS,
(! bem comóboa parte dlls.práticasreais doSPD'e dos ;si~;'i
"
lI!
'i\
catos filiados a ele;f6rn,ecem ?astante evidência a este
li! peito. No entantoy havia uma nova intránsigêricia frente
,l(1)\l propüetários\, aos patrões ' . . ... . . ..
\\,,- .-_' I "" • -, .'-" '-,'

!\li cOlsaspor Slmesmose


~d(
. ... - ciesceriteespecia'liiàção
'I'"
"1
~i \i~' e.soluçõesparáamiseiia,·,cOrresPolldep.doá\illlacadá,Vez·
!:lj![-'
"·,, maior divisão do:, .. .trabalho, as ínanifés'taçõdB:lnrrànas airida-
I\il;; ,-,'_'-' '<"::. _'._c,_,":- '~ .---,.,- . _ '_',_:-;';
nãoparecemmúlto dlferentes.Ostemoi;esquantoaperda
--_:",'
"_i""; --'j"-':,-_',~ < -',.
',- -,-,_' ..

~ll\\: dopddera<jriisitivo;coril' sllas ineyitá-íiei~cons.",q~~p:2iasna


'lHi, fome'ênaerósão do a' . .. '. . . . ..' , .'..... . ..... .
! :~\\\
!~ii\
"'1'
i!\ii<l
vú;muitc;'diférénü;s
.genlções:'- .••.. ,.
'~ltl\r .
:i:~m
. Dopónto de.vista dos trabalhàôores
'glitll duas formas principais de miséria:<as deSgraçaS
menta. maiSoú menos ·~'norrnal",..'A :fotmaeéntràldé'
l~illi'\:j '.
qji gnlça erilil .'perdã '. por parte dóúi'riimbj1afarnílÚ14C!
b:!fl!l
tWdl capacidadep4raganhar a,vida .. Conforíi)epáteçi~
f":!:l! .
{,·[JI'li"',', ção 'ao trabalhadór , a desgraça nóc1i" "dórr"r n,,;. tr~<'ra
f~\m;:-: . zões:acideÍitê; doença: Óu~de
1 f-:lil\1 lismograve. Quando qualqúer
jõ't;l~id:
t~!;í\:I'~ I, 6s "outros membros. da faÍniliaL.,,.. .._,, .
[:'1,(1.11 • fim de suplementaras rendimentosdarnanelralrllePUUt:S~
PT1"\-
sem .. Tanto ~qoença colllo os acidentes aparecem émgeraJ
rt~r11\li:t:::
[""ld,
"o::
cofuofàtos'quê.simplesm~Ílte.··acónt';;;em:NOi:'milinente' é •.
.... , .. ,.'":" . . . <'.'",-,.,.-.:--.-- ',' ,'-' --.;_. -_·,.,.'- ..... _·".'.,,, ....
,,-;'--,,.H···--.,.-,'~,;;";.::A~c-':

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UMA PIlRSPECTivAHISTÓRICA . -.' . ...
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.-~'. -.~ " ":iNjusTiÇA.':' :'iS ;\-:. 2M
:-=-<,...<r;~,~,""""" __ -~.

282 . uMAPi:ü~sPEcTIVAHlSTORICA, .. .• Ir-lJUSTIÇA, i83

já eram demasiadoyelho.sparà. àgüéntaLo' ritmo, que ice:' alieriaçãodaôrdem SOciiíl vigente.:Tal pessimismo estava
queria não tanto.~ forçàbruta l~as á~a,pà.d:dade:pàrapi:esc seUl dúvida presente e dá. Cor a, praticamente todas.úqe:
tar atenção sob condições monótonaseinfindavêlinente.~xi; "!!;.,;:!;;;.'> •... > dárÍt.çÕe~ operárias nas·entievistasde.,Levenstein.. Tratava-
I ••

gentes; Comosalientou Alfred W eber,atraktóri~ da, car, . '. e,ntretatltô, de um pe~simismoquanto a sua pr6pr~a.sina
l'eira do operário fabril contriístava.agu4iúnenteccim'ª,dé péssqal, parcialmente compensado por uma cO!Ilbinação de
outras profissões.Urn proprietádô O,U um. gereíÚede indtis- . . um mundo melhor no futuro. Estas tanto
referira uma novaorctél1isocialcom.o c
tria géralmente'ÍlperiiíscÓrrieçava a athigií- o c1írnaxqe. sua . . . nte."·àprorno .......
carreira aos 40, Nesta idade, .um burocl'ata es{avall1gres"
sando nospo~tÓs mais él~yados quipodiáalça\1~ar:h1eSJll6
, um. artesão podiaesperarainct.a. rnuit9S)'n9~d(a.t~vída.4é
prodútivaeconsideração.·~o.tia,1 .•·.QuiíIlto·.i1citra.ba~há4cíi:.in,
\ dustrial, porsua.lvez;jus~a.rrit(ntetú)pilntoelti.,que.S\la,~~n,;: ..
I
cessidades·deviamatitlgir.Orná.x.\rnoêt(mQl1t('{e,.tl<:flO\ttà.va·
\-, com· urisvinte ,iínosdé ;tr<l,balhOárdÚ6;êl~seà:'éôstumâvàâ.· '.
1'\ estarprontopara 'dfmtio. émbrevt(sei:jôia:cid' Í1oir;(;J{t~'dÓ~ .
Li
refugos. "Desde .0 dia em 9..{é começava no,~i:nprt(gó;ô ,tra"
I
,iI
1\ balhâdortinha·corisciênéia.'dissO,·~iiíbôrií.·. ~uitos ·.'arçpd-
1\) .m,issemsóbhm módode ·ser.de~prt()c{ípadó.i'Ir. paxaa
:H·
:\\ '. frénte"significava,'pará o.trs,b.alliador,unÍ<I,pr'év~.~,~º~#
li\I.1 • . .• m'toxicaçãq'dê juveritüde •. No lW!io,di;tctav1da;,chegavam
i:\\\,l- ' as. ra<; ões1'éduzidiíS;' para ter.rriil;Wr tályi;i llo.coiâp~o.,4; ,i i.,<
j;\'h .' ·•.. Emb'orà()S coritrastesfossém.In:ais à:centuados para o
"1. \\'
\\i\\\,'
' operário nlócteiadamimte Qualificado;eles'estavampresê~é
tesp ara .todos, ; nãoséndocêrtªrnent~WeÍl,o,sir1tensos;rias ..
:bl l
i"I'1
'~:1\t\ . pr01issõdsujeitas a gravesrisço~de,~<I,ú,df,.:ç()Íno;.amiri,e,
)l,~\! ração.,Alfred .Weber énfocaatrajdói-ia:dotrabalhádoi'
iJ.ill'li.'I. corno a' principal razão para .um .pr6~»d();pês,~ií:n.isrnoe·,
..c'" '
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Eif,m!\\lt:·-
. . uMKpEMi>~c'riVÂHIsT6iüCA .. , .)T:)i'I{lJ~;rIçA: ,: ;!aS.
28~ INJUSTIÇA

........ '. . tavll'setornando vellioparaafunção-perd"u finalmente


:<';', 'apllciêncill e fez com quesecalàssem aos gritos. 51 ' ,
, ., , . . ,r-se conta<de
288· .;;..
INjUSTI<;:k 1 -;'\'>i iM
. ~'.'

"
1~

290. UMA PERSPECTIV


. .
AHISTORICA ... :INJUSTIÇA· 291

de trilbalhadoie~articujadosqu~de fato ,se sentiam ,escia- pouco ou. nenhu111 contato .. c()m outr:as. ar:eas, ~_wp~~s_ ~,
. vizadose·exauridos por elá~. Todavia,tamlJén;éxisi:ia . faiscomo' a turma de .vendas; osengenb.eiros e os:p roie-
parcela rninori1 . ".Ústas, •os .operáriosmáp.uais .cl)nsi4eravamqtieeleS~<lue
·rnado .de: sua.smáquinas.Alguns Jaziam o "traballlO:.real"; . , . . , . . . ' ,.' ,. , .' .
i o~ libertavadáÚlbuta peti~sa;d~fqrmâa. permitir-lh,es construíam, os vérdadeirosrepresentantes dá·filbriCà'·7'A
. . . . . . ... ta.mbém
linha de montagem não.efaornodelopre.doini~a.riténav~da
... industri~ldaAlemanha. do pré-guerra. Asii:ltaçió.:vi~en'te
. . recriava atitudes associadas: com a época .' . ..... .. , .
seUs setores.; mais.. avançados .de:' produçã
~çtefa.tos metal:úrglcos;' . : ' . .' . .
..... ' . AlgUmas da~iÍiforrha.çÕes. mais reveládotas'VêlIl
corno resp.1tado,.do.iridisfarçável esforçode.J..éve,ri~t~~llIJ,,,.a ..:
distinguirentré.· o senti dó :operádó' de privaçãd::Jüãt~fíár; '.'
r
" . . ':.:..:' .' .·. ,·.•.devidoa.osbaixos:.salários,'e.iirn:a.·illfeíiCida'tidtdét2a. ã'té'r'
':." :'i';;>' .·,tiiais geta.l,:' devid~:àSupóst~,p~;'da.de.;t~J~rt9m.lliI:~~~~~.f­
d:ade sobosistemadé· trapa1ho. fabriL;'Ylv,ç9:ste,in)eY~Ilt0J.l··.·
a.complicada· ". . . , . . , ...
baixo ou fato de
.' .' .... pçrspecti
··UMAPERSPEcrIvA,HISTÓRICA:.· ;', .I.' " ,INJUSTIÇA .,-,
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(! '294 UMA PERSPECTivA ihsTOmcA ... .';
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296
UM1PÍÚ~SPECtIVÂ lIISr9RiCA .. ~ -, 'l':' r·"iNWSTIÇ,L- •• >-"
299.
298 c UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ...
c INJ1JSTIÇA

tariif,e dá~detn~ndasqlle o alimentariam. Aqui e ali; os


triba.lhadoresexpressàmo desejoporum.relógi(), \.mabici'
cJeta,por rOllJ?á~' deéente~, e ll1esmô;Ror,ilmbárÍ,4eiro ..• Pelo Met.àllÍrgic,?'s
.menos alguns' délisunhaíhpa!lsádo 'a 'éncarar esses bens'
comO·pa.rte doequipatnent()· necessiÍrio ,à exisfênciá4u: 416
108
tnana:decente;72' . "L .......... 177
489'
. . i11-
,'292 .

Met(J.lI~rg;cos
300
UMA PERSPECTIVA l.USTORlCA ...
'n;'ÚUSTIÇA 301
terrogaçõessobreas esperanças, os temores e .as fantasias ;W(\(~'<><;:~-;:-::::-~-;·_;..--" _':,_ .'! .. _ ", .

dos trabalhadoresindustriais.... .. . . . .,'. . t',;~>;,;futifiit~~iãmaésperança de ganhar melhoi.Apartir do tex-


Na interprétáÇãó do Quadro 5 . é . conveniente limitar ~i;l;'g ",.';'{o,id1tspergún tas;'. fica. claro· que muitos tra. ba.lhadorestra-
um
nossaatençãoe sua rr.iàiorpartéa temas que suscitaráin
n~mero muito amplo e múito pequeno de re~pos1;a~.Nesses !i~J~Jli~~i~i~i%~~~~à~~a~~tI~r;e:onthie~~~et~çt:dtc~e~t~~~t~~
casos é provável,que o questionário reflita 'os processos' so-; ii,;~};.çiiâi:itô'a(js des~dos eàs fantasias, tudo erapóssível.Assim,
ciais reais. O número muito amplo depreocupaçÕespes_. X;2<jé',rirldá;hiai~jnteressanteqUe ganhar mais 'ea .vitória da
soais eevidente à primeira observação. Uma boá'parte de" :i;~;;êSb'~iáF:Ó~úi:iocra.cia.i;ejama:s úniéas esperanças ou desejos
.. las podeserconsideradacomo "adequada;', isto é; tiata-s~
_'--:';-">;~'';'.:-;~'-'''.'--' •.;-~~, "'-<,- .:'-';:':-,,-,'.':, ; - -' - "' .. ,,' ,: ',"- '-: '-,-- .--' : -:-. - , " :- ;: '-'~ -'_. - - ~ :--' - - '- :; ,"', -
";ii;"'lu~~riier!(emesJ.iÓntane~mente em numeros~sTespôstas=
dd .que úm li1etiJ.bro da elite intelectual da êiass~operâTia ·,)·i:rtessâÓrdéili,7c.'··· '. ' . ' .'
. deveria responder a um estranho; DepoiS de ter.rrtõs .pre~-'
tadoatenção a essátendência várias vezes; nãó.hánecéssi.'
;;~m~~~ ':~ ~:;~ :PiiJ-:tfjlt~~~·t~~ ~H~-·-~:t:~~~
da<ie de voitar. aO,temá.Poroutro I~do"Ós "trabàlhadores'
eséolheraméssas
,~-:,
questõe:; livremente. ÁS púgtihtasera:ili' ~---
'completamente abertas. Nãó se perguntava ao trabalhad~ri'
: - - - .. ' : _: :-", - - -' ,-: - - :"'" -' -- -- " . -' "-' ,"""'----:' '-, _:'-' -,' - -. --, '-.' - '-' - j

se, ele preteria educar-se ou participar da.agifaçãô política.' '


Tr~tava.séde seu próprio Ul9do de c1assificarsuas expe-; .
riêndas. A grande Qual1tidádéde resposta'i;' divetsa~,présll~'
i Ulivelmentéia:<Íll~lasque pareceraUl singulares a LevensteiU
". ou que pelo menos nãocaírãinprOntaméntenos pá<irões de
pensámeritoe"tra.ídos daleiturâ dasoutras,testemunhail '.
variedade e 'ariatureza difúsadas~sperânça.se c1esejôsi:tó'
ii:tteriofaté'me~mo .désse:shor restrito da class'e operária, i '.
.... ',0' priméiro pontoa'sêrsaIienÍfido~ .pórtántó"éqUfos'"
trabalhádóres.·iíi:enCioIÍárú' .eSpoiúáneamentê. as·.preocuPa';
•ções' iJái-tiéiJlares com muitomais f r eqüêntia'qüéãsP4bli_
"ca's f,' pÓIíticás. E nãO apenas ? fazemcommáisfn;qüênci~'
.... comô em in1mero muit(j maior: MaispreCii;ariienté,I'écor_:
rém a mu·ifoUlais.categorias, ao relatar os assuntospriva_:
'. c!QS queosPúblicos,Ávidaprivadá, com tod~ ci,are~li, ér~o
'. qúe . reaIUlente.preocuP!lva.:essaspéssoas. QUantcL a"issô;'
.'. dúvidoq'ue fugissem à regra ger_at73
N a áréa<1<'i~~s~untos.l?ú blicos, in úmeros, ~ntrevi~tadgs'
, ; , . ,;{,.;. ' .. ,. ';" ; "" .,'

.',.; >
'. .expressamesperançana vitória da .Social-Democracia. Más
,emduas das três proi;ssÕeséa.iíl(í~maior o liúní6rocl.osqlié'
'.;,,1.,./,...,;,\" ê:,' ·L'~:·' ,:~::,
'iZ; ri.' .• . ..... .:,r,:,,:;: ;,;'; .
-"':":"(73) _Porém Jum:~i~ :s;ab;d·e.6io.s·c~:úh':_~efteza:: 0_ que _~eri~ ~evdadq'llm_,~st1,ldO
' .. "semelhante' e rriàis)tÍcislv((dos,àteniens_es, (lo '_séCUlo V ,'. quaTito_~ài> 'preoc'tip'ações
.públicas
;-,;- .'
múito mais arrogantes
-:-,.".
'--'- -' ;-'
dos-éidàctàos_'gregos
" - - : ., comuns?' '.
"-',
..• INJUSTIÇA , .. - .. 303
302 UMA PERSPE<:TIVA HISTOm<:A .••

A,çíi.opolítica
,:,. ".
e econÔmica
,- '.'-
'...
:-,-'.' ,"-
,- "

-_ . - '. - --. ,_,'_' ,';. ~".'-':'1 ,-/- -','- __ '-' '._


UMA PERSPllÇ'fIVA HISTQRICA .... '>(i ,INJlJS:r:IÇA';,' .' " '~Q5.
306 , uMA PERSPECTIVA HIS'tORlc'À.., ' 'INJUSTiÇA .' 307,

cento daeiTIpresa<,stavamorgaIiizados; 'Empoucú'tempo, .


a greve ,entrQu emcolal'so devido. à' retirada de apoio por '
parte dos trabalhaclÔfes desorganizados prÓximos' do pâ"'
nico: Estes últimos esta~am certos de que tinham.· o sufi-'
ciente para Se arranjaté podiàmagtientàt-se: Emseuün:'
petuosoentu;siasmri"ós·trabàlhadores.'Órganizadostinham:
acreditado' nosicompromissos. 'Todoêsseo1:in'(is 0; .a.o,Wer
tn
posto àpfovà;. evápóiotr-se. 18 Essasexperiên:cias'devemiér
ensinado li relevância ~rÍlcial daorgàiiização 'para muitos'
'jovens' in:teligentes,c()m,~ Severing, •.·.qile"est~vaÍnc0tnProc.
metidosêólll···. osopeíârios.Nã6·restam'd~vidas.; 'de '" que
áprendeü·alição;.Qüaíidoo.~orreuapróximâ'}gtéve~le . já
em um delegàdo~íridicaL' Seuielàt? cletàlha'dosopl"eb 'fató, "
constituium'ylvo·;,egistrddecómoêpoj.que~leconsideroll·
neêessário'iriterro!nper ágrevecontrii ãSéxigênciásdeira-
dos membros clo sindicatq, Avalia.;qes 'r<::afistas .dàforça
relativado·sinclicatoedos'patrõ~s;edasconseêlüências·'.,da
conÍinuaçãÓ" dagreveparaosindicato,'to~navam 'ne~essá-,
rio, .se gundoácreclitava;sacrifi~atalgÜns 'meÍllbros;' em-
bora á siJáeausafossepedeitamente jl.lskE~ benefíCio' de
objetivosde'pfllZO màislOngo;'estava;pronto á 'questionar
uIÍla ITlllltidão hbsÜl; a enfrentar umpi(ríodocte impopülac
ridádé.·· 79 i.)S",' 'i"", ,;·ii/.,.<::,;,'.;""i'i,.: <.;C( +2,;';;, '
:Expé'riêtici~scOinô éssa~ i :bastanteproyáveise~ qual"
qúeriliovimeÍ1t()op~rãrio;:.prôduiiram.em,.ihuitos, dôidiri-'
geí1te~ aíemã~surna~esc'onfiáriçáqü~~é instin:hv~dÚinte do'
éntusiasmode •. nÚlssa,utnadispo'siçãóa '.enfrentàra. impo- '
pUlári<Íádeetii:p desprezo pelO~cíemigogos.álid(jsós>Lasst"
schwàtzim (deixe-ostagàrelarein)pa~souá ~et titiiamáxima
usúàleritré d~ quadros sindiJais:80N~ós(hnent~.êntre.os.1i~,
clér~~CÔtno·entrê'uriNelórfu.nªamêiitafdoSctr~ballià'd&es '
tais~2on i:edhlerit6s#riibém. illimentàiiúitifé e.oôi!iulho
da·.dlséipWílÓiss·osignifiêavá a' capáddád!l: cle'sustentar
urrià:.grêvédep()is·de.iniciàdá,dlJ••. levár;rié~sóâS.éín'riúmer,o
impres"iiorÍitnteá umamál:iifestação.púbÍicae;'finâhíiéntê,
'\~',·,•.:L i~~:\;:~;,\ :,;" ,<'-,.,) ':;.'-' ?--:,:. '.,. " ,',,' í-', ',' : :' '. 'i':)-:<,~ -. ,.' '. -;:,.'1. ::, -
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I 308 . UMA PERSPECT~yA HISTORICA ...

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310 UMÁPERSPECTIVA HiSTORlCA ... . INJU STI<;A 311

questã()'mai(reJ~vante de salJereln . Fl;l.'s,{it.'CAsá;alugado para pensioIiistas, havia. na parede retr(l.-


. dade dosdírigel1te~ operários diante ;,i!'!;!{ós\Í(ijmperador Gúilherll1e" do general v6n: Ivio1tke (herói'
o seio da'própl'laclasse trabauiadora. /l\\fttit.'ólierra. Fnmcó, Prussiana) e; éclaro, de Bismarck: MáS'
o· qual não exist~ uma réspoStafá~Ú.,vlas, ;;;;::'ta:;hbêméshtyainp~eselltes
L,~' __::""_'_'-""""'"""'-_;""-__ ;" '. , - '_
rêtrátós
---_;'' ___ ,:
de Bebel, LÍêbknecht,
_ '_ ' ___ ,- _ . - :-"<,'_::
se afirmar dois pontos comconsiderável~éguiaJ:J.ça; Entre ":. '.<.~' 1'';,;·;'' Id«A 11';. Ele narra coinoficou a terrórizado POf.:oca"
os trabálhadoies: comovimos,haviaconsiderávelalltago_ , têIner que 'a: 'Polícia
hismo para c01)1a~classes dominantes,porém tra1:ava~se' de blasfêmia
antagonismoftellte às:ma~ ...•. ,c,',·. . . . . . . ' . ' ...... . dari~:
em ,que' estasafeta.varn .as vidas cotldIanas
.materiais·~· , .' ' . '. . .. '

,',';

-;'-:;"
'ÍNJlJSTIÇA' 313
--;'; ..,'

314 lJMAPERSPECTIVA HlSTORICA ... INJUSTIÇA 315

Ábfévidadedess~ passo e as suas decisivasconseqÜên~ talllbélll entrealllplos setoreS da população, in,cluindoinú-


.ciasnãci.estavám ,visíveis para ninguém. na época. Êcerto eros trabalhadores. 'Depois qhe a fração social-derho..:rata
que nãp o estavam para os operárioscomlúl~,.n~lTI]Jara os ". ,iuérllápoio do ,governo, . a ténsão~e estilhaçou.lJrnàpnda
líderes·socialisfas.quç.o efetUaram.Ta,mpoUcôesta.vam·.cla, '. :de.tremendo alívio atingiu a maior parte da nação, afetando
ras para aqueles quecorajosa eincans~velmeiíte seopuse, 'llluitostrabalhadores comuns. A aguda dor das lealdades
ram a ele. Est~ssubestimavamo poder' dademaúda,por divididas tinha chegado aum desfecho. Num mesnio movi-
tratamentoliu.mano decente esotriam. d~ ÚUSão.dequ~ti~ ... ,.. ~ ainda que por ulh installte - os trabalhadorés
nham as massas.à sua retaguarda.Posterió:rmente,qúando . pareciam ter alcançado o sonho daplenà ac.
á destrutividade eossofrirnentos.daguerra Iizera.msel1th. :<: .~""";!~::,,.- ~'.: ;ip.~. '~~rl:11': A l1~l~t Snri~pp."" .regtsinl.á.
.
súbi1:a·..mudfi1.,.~.a·::
,'., . ' . . ' .'-

seu imp<lctonasociedade alemã,torriar,se~iiúo~sívei mo,


bilizar uma. dose substancial de apoio' da chtsse' operã.ria à
favor dotérminci,daguerra.· Nãoeraes~aa. situaçiÍoem
1914 .. Não obstante; êinjustol'ecorrer à sabedoria mais qrie·
duvidosadaIJer~épção histórica. .tard~a;â.fim. dé/invecÜyú .
'os atoresdodràmade)CU4,porseuf.racas$o ~mconípréen- .
derque'.()s anseiósctos oprimidossomenté poderiámsef a.1-
cançadó~noqua.drode unlE;süi.dorl.a'ciot;taLconcretoeque
um múndóde EstadosÍ1<lcicinaisindeperid~iítesprovavel.
mente séria~i:n mlllldodeiuerras edepreparaçõesbélicas. '
Depois de tudo; nem os rey()lucionários nem oslibei'ais:mo,
'...' dernos. fizer.arri ffiitis que llletaménte reconhecer o .• dilema
':':"semtocar.errisua,resohiçãO.",'· .. • . q . , ' •
.' A partirdàsàbedoria daperc~pçã9jjostedor;iSeri<l .
fambémüm. e"qúívoc(), segundo iJe/lso,su#éntar qu~opa­
.triotismódaclásse operlÍ.l'ia . 'alemãem',.i 914repre'sentou
. umadecisãop~evifunentetolnadá,.a simples culminância
de tendências socia.issubjacerítes. Até o últirrioirÍstalltehá-
via, contr.aGorre/lte~:demonstrações(je massa em Stúttgarí,
um VolWarts extraem2Sdejulhode 191;tcQrrÍaprQcIama-
ção: "Ab'aixo.àguetrálVi,vaa solidariedacleinfériÍa~ión:al -. ,:;

dos povósl", 9sA tellsão eiá ele~áda,ÍlãQap.eíia~ hci.ser~cu-.·


Jos.deJÚlérªÍlçá.cl~, Spp; .~ob~iamerit~,nQgciverllo;\.rhás. .. '.. .' '. :·1.: c." .. ::,'.< > .,:,;" ~)~;/}:kt}·
• .. " I i ' ~
. .••.. , ..• ' ..•.•••• ..•• . ,~;. . . .. . . . Springer'.: LJ,!rA1Ide~e"d.as bist l)u., ·pp,~".239.~2.4L Pará: ol.úr,asj~pÍ'es .. ·::·
sões .da,.épo~a aos. olhos dê. pers~ná.gêps. da lid.ér:ariçá, dó "SPn=::,ye.~' vv~~hênlie{it(
às realizaçõe~ :cu~Iutaii;alel!l.ãs e um,rcgi~~~ desp6tic,o"Q4e eSmagaria o.:mqvitneúto- (!~Héltúbewegll;ll:,· PP.: 593;~~5. p·confJito Çle Çoilsciênciadiánte·:da\~~c.~.s'sidad.e.
socialisÜ\~, Neste .aspecto,., as. ~ua~..1déia's...cspontâneas:·. não· ~ram necessiiria.Ínente ~\.~~,:;:~. <;;,<? ~".'::~de,trai.r, ~eja os I>rincípiós.:e·'9s.·:cam·ara~as. ~seja~;o p·r9prió .pa~,~;": ~a .j?F,W,a::éç.~o·.:-~ '.
discrepàiltc·s 'com<~,: traQição lná'r.:íÍista,:;'qúe rec.Çnhece vci-dade apla.~d,~ ;05 .e<na '.
~;:<. '\+:..-,:,:C.'i {~xpre;sso: pelo ex~r.a.dic.al Konra<i Hae,ilisch, iJem'como o jubilos9; 'al,ívio :p·or l?oder'"

t~~ímijf(~~~~1:l~:c}lEr2tjÊ;~fr~~!#I:~~~~}Jà:~;:~:f.i;Ê~~~i~f~~~~~ff(f~~}~··',. '
esforço:; de,u.m grupo sodalmenie~.àvançado ·para defen:dêr-se contra ó·~itaque das·
fóiçasreacionárias~:', .. ,...... ,'..... :. ,."._
(95) ;Scl~uli~' Àr~~itérbe~~;e~ú,;g i/J48:j 919:, PP>373.-.374,
e(Ú~~ri~l.: ;:.:~: >i.~-:; ~~, . . ."" .....:.-;_. >.~~., .;~.-:·.~_'->")··;~~~::~;'.;l':~;:~>.\;-- :-<.'
.,.:,
.. :.;::;;~.;,
_! -
. ,-;;;
- !,."
" . . :INiPS!'içÁ . . ".,l
3Ú'
. '.';
INJUsi'jÇA " 3·19
318 . UMA PERSPECnVAHISTORICA ...

tt'aqállíàélores,>já qÚê nenhum' delessecompôrtàva Entretanto, as esta-


!ó'col"ijcj fl:slé"órüis comuns ou mesmoo.·éorihecimento ías .num cápÍtú!b
'.;, .••. .""t·':.; .-, F'j~-' ~.;-t~ .
tilmel1te .
I 32á;: UMA PERSPECTIVA .HISTÓRICA ...
.. ~:

.-'" '<,"íNJUSTiçA-' J2i


322 UMA PERSP~C'[lV A HisTÔRICA, .. INJUSTIÇA ,<;' 323

indllstriaJayatiçadonaAl<:,manhacleal't<:,scle,1914 er,a, bas" _, '}i-l';.;..,. ;", .... .<-..... ,.-i' QU ADRO 8, . • ,.. " " . , ",', "
,:", : :',pririCipais-profissões e. número ,de trabalhadorés industriais no Ruhr. eII1_1~,
tân tefrági1.Com O, sop,cÍageinwelijÚinàÍ';, po ~elIlós ob~rv ar; ;"';~;'--':r,i,-j~:-' " .' (éin milhares)" . .
o QuadrO,,~,;lllas, corn,'a,advei:tênciadÇ'que, #eÍnçluisomo
trabalhadores metalúrgicos muitos'; operário, 'quenãótra-:
balhavam.n.as gtandes usinas do ferro
, ,Tddos os ()peráriosriá.)riinàs,~~
(acategoria,3 na, classifiéação
" " ;)N~r.lS1IÇ{\.,,:;: 325
:0.-,
,324 UMA PERSPECrivA'HisTOkiêA.. :
326 UMAPERSPECTIVAHISTÔRicA", INJUSTIÇA" 327

cotiservadorascornó as socialistas,; sóbre às quais sé ba.', mineração. deveria permanecer uma forma dê
seiamas descriçÕes' mOdernas,têm Q mes,mo iriteresseeni rnal}ual, com importante); conseqüências sociais.
,louvar ()paternali~m'ocOrporâtivo 'dOsbôrisvelhosJempos.e a).lmento llll pl'odução e"igiu uma va.sta expatisÍÍ:Q
'em amaldiç()araIqadedas mãquinasqueveio 'asegu1f.Os, , .,' •. " •. , de trabalho, ()Qúadro9 mostià'ó
mineiros provavelmfmte não estavam tão contentéscomQ Se i'01{:i;biescirtiel)tonoperiodo sob consideração. '.,,' ," .';
alega.Nãóobstanté; hã fortes,evidênciasil~sentid()de que ~;;\,Si:i5;~'Á'PÍ'()duçãopercapita. não era rnaiorem Hl60'
·estavÍill1 entre osperttÍrbad6res dàonleni,ParaQs" l:HN;,fSOO.Eiítre 1860 e 18S0 ela quase dupÚcou,' mas depOis'
prop6sitos qúe ternos no momeí\Jo;este traçoêo'quémàis ' ,.. ,.' , flutuar .. O número de inlI1eir~sem ""
intei'éssi(Y':' l,,'.~ .' " , , ' " '. , . ' , crintavezes 'rtiaIpr' queem",~:"~,,

',' ,'"

,-.-
.,', ~,:, , dNJl.lSTIÇA -329

tbdos~, illes :tinhám

_ .. ;,,<'j~.~>5-~- _,. "',> ..


Ôi~j;:;\:;l,p!l1;tai~antll:gônis!l1()siriútnos,(tJ especiáhrientéconi
'~,~i;:aHttides '.de'suspêita.·e.··.desprezodos··nativos·frerite
.~!:'r~bêftÍ"çhegad~s.+:que·.:apatentemente
.'.C-"', __ ' __ ".:.'.'. - ' __ . ,--.'... '.,'
'e, '.;' ," .. ' ,
_
330 UMA PERSPECTIVA HISTORlCA ... . INJUSTIÇA 331

capaz dedesveheiar;niIlguérri até. hoje investigou a história inovimentode racionalização da década' de 19:2,O,àSrelâ-
relativamente bem:súcedidadaillligração para oRuhi,que sociais nas minasperniânecerani' gr;t.údementejmpreg-
poderia l<triçarril1.lita luz sobre problemas similares em ou- ,nauas com formas e tradiçõesherdadasdaeraM:â:rlesa,
tras regiões:Ainda qUe o (jestino econômico comum a lodos ." . Taltraçoeradevidoà natúrezaélatarefa;ongeOpe,
os mineiros possa ter em géhi.lsuperado as causas da hosti. inerente desempenhava um pàpel nãodesprezivel!·A
lidademútua,isso éomcerteza não ocorreu de fôrmaauto- ;~;;·;tramasocialnas minas; queexibeumainteressantecombi-
mática ef6.cil:; . ...." ' ..... ' . . . . . . .. "',
." .' lo de coOperação eantagonismô,ao lado de fortes tra-
. O fato Mas operações na rriineraÇã(' terem seexpan. patriarcais}.sefái de mais fácil apreensão se iniciarrnos •
. dido principalrnente através denm aumento. nadimensã '.i801.i.C" .•........ Ua base, cornos própriósllliu~iros,pár1l-depôis alcançar a
ü
da força detrabâ1ho téve;suas'coriseqüênCiasmai~relevan~ b':~ké:;';;; iVhÍerarquiadeautôridÍlélee responsaJjiJidade: .... ........... .
tes naformaeo.mo 'issoafetoU às relações soCiais no.1ocal de . afasedo~ééuloXIX '.;;. apósâpassagemà'ffii-
. trabalho. Aj:lim(i,nsiÍ,ô da força detrabalhoemé<tdamin~' os.geralmentetrabâ.
elevoU-se!.de 'cem, um l1úmero .• suficientemente·. limitado
' p ara qtie<:)s.fuineiros'eos supervisores Plld~sselllseconhe;'
ter. um; 'aos'oútfo~' pessoalniente;;permitltldo .as.'.reláçÕes
patriarc~is e paternalistas, para m~isde mii, Com 'asrióvas
exigências colocadasaosmineirôseéom~ste' aumento'ma
dimensão' o patérnalisnwdeix ..m. de"ser:eficaz,A'fimde
preencherasexigêricias 'do'·mercadô,. Ósproprietários-dai
minasproc~Faram" imppr •controles. buroêi-á ticosinai~rígi"
'. dos,. alternando, turrios'éXtiáscoiri.penodos· nã9remunera:
... dos de ina iividade. Tudo' issciêFiouh'essentiméntos.:iDé
'modo mai.sgeral,osproptietáriosdaslliinas's"brepuséraín
alguns .d6S nov.os traços. deúina,·moderná.' iris t!:tlação 'indus, .•
. trIa! às relàçÕes sociais pté-ip.dustriais; 'sem' demodoalgu'rÍl.
terem destrUído 'às Ííltimas; Pata9smineiros, acónseqüên•.
dafoi.airáriascidadii.inêerte~à;()séntimentôde,quea
disdplinaera amiúde áspera e capriehosá e aindignação
face à perda: decoub:olesobréseu meio físico e sodaI:' Ao
con tráriodosoperários.'n.as elllPre~ltsde ferro e' deiço,oÍlde
.úma .n?vaü\énologiaenôyas:'relações·· sôciitisbrotar<tm."
.cofuo,eryasdiininhas;:osmineiroscarregamm' éonsig'o'o
passitdoatr;lVés(fa:n6v~êpoca;Ess~pât~ée ser a difer~nça'
crucial entre
. - -' '" -",-'. '-o
os dóis tipos de ftabalhâdores:os mineirosdis'
""'_': __ ,:, '--"/"l"-_<--<:,_~ _'_""_ ,.<_-_~.)."'~?"o:_.,-_::_,;<-~____ -"_,."::',' ,;:..__.. _",,._~.:
,
·punham·dóspai:lrõesde..vidá do passadôcomos' qúais 'po,.
diam co':;denúop;';sente:'Para'eíüéhci(i,ro que iss~siglii~'
ficou COtlCretamente é riecessário:Observar como eles
'''-->1'-'1'- .'- .:~,'.'--- . ,-i;:- ~,.\::,,-: >~- '., -,,~~"J ,,; "<":-"";"-")'i' <:., : :.'-', .
em>
':i:'~!.:.~;;' ~'.i)
preendlam suastarefas. cotIdlanas.• .-.:,. : . ' '. . '. " '.'
. "No flnai d6s{,culoXIX' e nosêt';lo:XX~' até ogfa.nde
_,'_:'"_;" e, :' ~ -." .:.. ~;.
"

'332 UMAPIORSPlOcnvA HISTÔfUCA ...


'-"
" " "'iNJusTiÇA" 333'·
•foi'ani in~âpâzesdefaiê~lOÍ1asgrarides' empreSas, siderúrgi-
·'éas;. Nessas , ,como já m(mcjoneian teriormen te, 6, emprega-
. dor simplesmente IO)stabeleéia' porcontaptópria, os salários
a,serem Pligosem'Ciida furição,bastandopara,issocom fre- ,
qüênciaumsimplesavlso àfixadono quadro;
Q Gedingeerá uma forma d e paganientoporresultádo,
ouportarefli.Como, porém,o cai'átel' dos veios de carvão
podiáVliriar
características; ,
. INJUSTIÇA, 335
3340 UMA PERSPECnVA IIlSTORICA,.,

" Se ~v~rda.d€)ql.le osmil)eiroseram prolét~iios, tratava, salários maiorés eram. um meio indispensáv€)l
Se deumaexist~nci.a proletária em alguns pontos abnu.1- umáexistênciâhumaná,decente (de acordo
dada e em outros endunécidape1a sobm'ivênciade praticas :,\'''' -'com a definição domInante naquelegrupo,naquela fase,
de uma épbtaanteri<:>r. Talsbbrevivêndanãosignificava '\/'iiisióricá) ; . .. .. . . ' . ' ...... ..
alguma forma de inércia cultural.ou algum niisterioso im~. E ;Possivel destacaroutrostem.as na história dos esfor-,
pulso históric.o.Aspráticas e atitudes pté-indusfriáis e <:,or~' ;los mineiros pata compreendere .enfrentar suasitlla-
porativa~~ohr€)viVeram porque . não era . . aindapossivel re- .rloperjodo doprêcguerra.Um deles ea persistência da
duzir a mineração 'a unia série de operaçõescoinpletíuneríte á benevolência da autorida<;le po*ica, .• umájé com-.
. ....... . "Lderações
inec~_nit~-~_~?f.·-·,_ ": . . _ "".o .•,--,' o,' _; ,'-'o '_ - ,:.:_",'" :,; ,; ' __ . . ._ '.

Já sugerjemoutra parte que asobreviv~nciá de tais


prática~ e~radiçõés pré,industrials,táisc9lnü o hábito de
traba~hóetÚ,€)qúi~ee,ao mera.riegociaç1í,ocoo1étiYll, 'deve'ter
aju,d~do()os,':ll,ineJro,soà ,se, adaptar à, súà:i\ó~~~ e~i~tê#~l~groú
letana
~ "
77 ,e·o·aJutar. contra ela. Eles herdaram. do passado
'_:""'-'-;"':c',_-"",:,':-_"-,,-_,: ""-.! >,:,._:-,-},
o,:' _ : ' ,,', .:- ','
_ ' . - - . , . " " ' - , • •, - :',. '- :, __

certos instrumentos úteis ao esforço de reçup{!nir ao meíio~


algllmcont~qfe;sobre:oséumeio soc~al e ofísíéo,' pémodo~
geral,. quilUtO. aos trabalhadores . industriais .• no111undomo~
derno,cônquistai'saiârios' mais . altos fõi~om .·certezao o' °

priricipal~étod(),~6q~al'reco~reflim • . a.till1,;d~obt';r, .ta1


control~:E;Num imundo' em que os, .be;;;s,é·servjços', são
compradós evendidos, áumentar.(), poder pl"ópr,iO}l.Omerc'
cádo é/itfinal" a estratêgia~~iss~nsiveLeriatllra( aad~-'
tar .. Este era úrrialyo proeminerÜt3 entreos~ineiros.Mas.
nãdera()ull.i66.Na 'verdádé,rió 'seuêaso,"nãoserla:. fáe
dI'·. sustelltaf'atêsede .' qüe 'os , salários .• eram·t!. ;'Pi-é6cupa:
çãÓ mais'ieiêvímte.Urri2óú'troíemaior. sobie"sn.a sitüação .
no trabalh6e' btratà.meht6hÚrriall.'ó,decerife por parte dos
suP.· eri01:es e~~tÍJ. igüaí~éhte' de grande' i~portânCia.Nestê
"_ - - , • - - - - ,,_" - _,'.' - , ,_ - ." 0,0 _,_. • ._ ,

':;")"1:" •. . . .. . },,',','::',; .,., . . . .., Ji::;;'uc •. '.....


(16) Està interpretação sobre·ávida_,no trabalho e"a.si~uàção dos,mineiros;"
baseÜi~se primordialmente em_ Cat:1 J_àritke (or8_;)';_ Berg~naí,';,' -<~~_d Z~clze::Die :So~_
zialellArbeÚsverhd.lr;-iiSs~>~inePS~hac//.ianjage des Ni5rdl{che;~ RuhrgebÍ"éis_in" dê,.'
S{clzt der Be(gleute, espec'-pp. 33-36. 44-45. 81-82,-97~99.Trátà-se de;um estudo
sociol6gico de canipo, de primeira linha, sobre a mineração no Ruhr, com seu
p~Ulo-defundohift6rIco. ,',: ,,- " '_---__ : , : _--'_-_':'" ___ ,., __ :' .
(7) _Com i;'decH~io:dó:merçàdo CO~l() principal m~cániS:hlo p~rà á aloca~
ção de '\)en,s e servAçQs_ e à asc~~sã(),·,dàs. autoridades polítiC!ls, a ~st~atégi~ _~orre
nltcáwões:_~~~b--~,s: regiin'é!{soéia~istas, ~is, oper4r~Qs'_p,~ssall1 um' temp-o~ d~fíSil ,~êsis.
tindo aos_iac~ifício~"iilii~~~~ic~me~~c,·.nec,~~s4riós·· ~qué lhes·s~o-ejdgid.o_s·:· .:'.... - ,
• -. -, , , - .,-. ,_, ' -_ • . -y,' ' " - _.1 ,- '" .' '- - ," • ;- ~ / ,,':.::; _,:, ,1 _ ,.'1. (~i;;: 1 ,:in', c __ , : " ,'"

", ;-:< -'-''':'''-__._oi·~,~'·-


.. , ....' ., !mUSTlçA, .337
· UMA PIlRSPEcriYÁtIlsTÓjÜCA'...
338 'UMA PERSPECfIVA HISTORICA ... INJiJ~TIÇA )39
Aiémdisso;os empregadores do baixo funcionou
como' expediente,pá.ta, disCiplinar eci:mtrolaroStrabalha- na
dores através di ameaça de retirar os!Jenefíci()sdaqueles
que triudilssetn 'de 'emprego, oUilderi~setii às. Qr~ves21
lelldo-sede seusdlieito§ de representaçãO
reine e protestando 'contra tais
, '()de trabalhadores a
pa~rões·trádiCiôiiãis
UMA PERSPECnV
,. _o, .' 'A HISTÓRICA ...
3iÚ'
-
'Ií'ÜUSTI<;ik'1:
_~_

,.',_.': .H

. o;;.

'i:'-"-
.'INiUiTiçA' '':i,b
342 UMAPE~SPEÇrI\l",' I-IIST6RIC~ ...
tíriliam ·predominio
térmi~oaoperíodo.dernáxillla autonomia tuaçãO'Setnelhatl1:epie~àlec .
na.g~stãodas .. miriª,s;OIlstado foiforçaclO cátóliéos e todos
ment~ a seu papel de supervisão .' . proc~râvarn; no
tava-se de .
devida basicamente
UMA.;~~SI'Eq!yAHlSTÓRICA ...
;'êINIÍ.JsiiçÁ.'·'· ' ;145
3.47.
. .i ~ INJUSTIÇA·
Uf\,IAPERSPE;Çr;VAHISÇORICA. ...
~P,l}Sil';;<?l1.'-. '1 u,:, a maré da imigrilção atingiu sua mâximao~l,
346

s
tttli'li;'!SUIl~ry~Sore§e)(llsperll.dos e. sob.grll.nde . pres 1l,o .ten~
:ii";'jifuâ"ser.dpecialmente.· <lilros com .9strabalh.adoresjmi~ .
• • • • •••• dose indisciplinacloS .• Aescass'e~,d~
• 0.
0
•• " ·

déçisão da Corporação doCaryão no


c;;:;;;t,doôefeçhliriÍ!únieras minas ameaçava cerca de 10 mil
. . . .. .. .. --' situação,
. aqueles
' -",:
' que i:inhams m1s
., '-." - - ',' ,'-
:,1 "

: .terra. 42,

os.• mineirpslêsti,.
<lll eçl()sã(). d\l
le.t~,Q;>,,!'AiAdll.ql,le.ps .golp<,;s'llti,ngis~.lêJn~ll~sdUl;áê.·
e
ô.sétórdosjmigrantes,. todos oS mineiroseralIÍaf ,·.
gtmr}~~~:~~\it;~~1~~Gtl!V~:Ji;~0:~sc~~:~~si~:io~:~0;'
'PIP/exi!eção'<layermiriose,tqdas. essascon,dições,.como.v k
·V.·."·~'~· .. ', ...... ,." . . ' \. '. . .... . . . .' . '..
)~;'J!ti\1;ii:í) p,u:ale1os .próximos entre, OS trabalhadores das
«"",-," >'.::.._~_' ~ ':. __ ' . ,- --, -.-. - -' -'.' -
~_~XJl,rglç~s" _____ ~...:I ................
'1' - 'I - -.- ' .
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&!.-''f':t\lt;·fJ:'-,:--·'''.~ ~ .. :'

,."
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••. ': INJUST.IÇA 349
348' UMA PERSPECTI'v A HISTÓRICA ...
as reivindicações pelas ql.\ais os mineiros lu"
Acômparaçãocom ()S opeiáriosdas indústrias u,:,'errC estavamaindá entrelaçadas C()ffi,a tradição~'
ede aço torna-se áinda maisinstiganté quand()notam()s;ú' ~i!ri1;'; 'fl()periododemaior liberdade,dos proprietários. de
caus'l imediata da greve dos mineit()s: . .... ..... interferência estatal, o Berggesetz llão
uma da.s minas Stinnes bruscamr'nteahúridou;através ~:J'idleJormáalgumacómpletamente latente. Os minei-
avisos afixados . nos' quadros,' uma 'elevaçã() havia.uma autorid.-tde legitima à qual po-
tempo que ()S mineiros deviam dispenderyiajarictono díâi"ii,·.e.::.tievi~:rn·, reétanütr,':_~~ :-0: Berggeseti' conferia legitinii~
solo; ,afim de atingltosIocaisdetrabalho~ Com .. [Íãd~i'àstd,ê111áridas ,dosminéiros-ê- .um sentido de que ti-
salientado no capítulo precedente;era'essa·.exlttamente\á "lf;i';;;;};'H~eit6de agir, e portanto podiam .e deviam efetuar
maneira pela qual.os ·administradores· dasgrandes·.instaia. 2õlétivá .'+C'.' que estava totalmente ,ausente nessa
ções' siderúrgicasdÜ Ri.IhrnlOdificava'm as normas ... ' • j,(;'c'à,'6'tÍtre. ostrabalha:dorés dasÍn dústrias do ferro ed,o .
balhode tempos' emtempós ;c()m ahsohÚa im purlldade. ~õ;t7(rodaYia,nã().setratava de. uma pura bênção. Acten-
" ...•. _. -T"';' ,': -, ,_,-, . -, -.- ' , -, . - - - -- - - --
trabalhadorésdas indústrias defetrb' e Ôeaç() . . ..... ...... ~ri;l.é.:qiie.estavamcert()s dava aos mineiros a 'coragem para
. bons()lh()stalprática,masevideriteiriéntea,encaraVllí . . . cá' eà aut()ti4áde;Embóraoümham
comôparte .déuntsistemamaléfic(): Aos olhos . ' . . tambény se tornaram prisiol).eiros da
rós;'a situação apa.receú sob lÍlzbastantediversa; . urna autoridade: Em 1889,üma dasconse-
cisãoassimarbitrária.daadministraçãov101ava. uni dos pai lüenclas~ÓrespeitávelapoióíÍa ..imprensa·· foi .impelir .•• os
graf;sda LegislaçãodasMirias (Bergge:;f!tz) ,segundo' i1m~rrÇ's):nosentid(),das negÓciaçõespacíficas;i.das quais
quaisquerm?difi<;açõe s ?-asnormas de trabalho não pOdiam {~~~\lü.crarain .-em.·.• ter os.· dé;coúquj.stas/matei'iais., Em
ser' lmplementadas~éiúpréviacon~ulfaiaosmiheirosnia.i; 111
9Ó,sj"riO;ái>icedésua greve;órcula:ram.·notícias de que o
antigos:'Naquela ocasiãO';osÍ!'abalhadóiésseiécÍlsatliÍ11 ~Yêhló,estâva:.éohsiderandó,outtá •. ,mo.dificação;favoráveI
trabalhar .eumagreve terrível ala .......' .,' ti}~Bçtggésétz. Cciino,resultado,a·grêve; começo.urapida,
Emoutras·palavtas; . os . mil1eiros fizeram 'grévep()rqJi li~~tKa'se,desintegra:r.Éha:stantepossíYeIque •.. nã()hou"
viram que 'o; patrão.linha violaÔoseüslegítimosdireitôs Ü;êlillcÍa)nàlsque.os.minéirospudessein.fazer.so.bas·cir-
Dessa vei, eles ·não.'defendiam ,·diréitostraâidoriáis'hetd.~ -. . ...' . , .. Mas í:J.ão'éeste-õ;ponto"Áo. contrário,
doscte seus .-tncestrais: A()colltrário; Í>rocu?avain'Ôefen'd~ lslimitâ",õesirtételítes aumafornia de
um direito recentemelltê c'ónquistaÔonoctÍrst . ' . . . ., derivá 'srtalcigitifn:idadedos padrões do.minan-
amarga: . . o Berggéseiz' tinha 'sido. proniulgado da.órdeméstábekcida.' .".c;r'.··.·
seubenefícib cÓmó~()nseqüênciadirétfl tma aindà'rnai~ aé.entuadá'q~ééin1889;.airrui>~·
1889.':. Se em'certo sentido se' tratava ,.... '.', .' ............ '. ". dáira:e dapn,ssão das bases. Os
;·à.fo.sÚiúe nesse.íhteriu\. tin ha.m crescido consideravel,

~Njr~~~):~~ii}i4~~~,~,~'~~,-:~.~,e~~.~~~~.~.~~l~~s~~.gi\ ~: ~_9!, .~à~.a,:~~á·-~~,~li.s.e ~er~l


);i:6.t;",81tpara;ex,~mplos _ especlbcos de'rec1amaçí:les,_; -també,m 'Wolfr~~_'~ls~_her
e
~làr~~~aj(ü_'J_,t.(:;~s,~~ls:ciJa!tt; pp.~ 158-169~ _c~,:C':'; :_ ':-_.~,; 1_ :;·:n~,., -~ ~ \:':~):,' ':,>~.;':,_~.>:,~-;,~~,: :;~
~~~.((47-X'~:-ir.nport~ncia 'dI:! Berggesetz· e ~o Geditlge ,como ..fontes" Õl:!"l~gitirna
~~;.~.~~_~~_fç;~iliiação nas n:tinas da_Saxç,nia _vem à luz_ com n_~tidez n~ a'utobio8,ràfi:
~.:)1'r~ri~J~oúis:F:ischer (não confundir. com Karl
-
Fischer), )irb'idterschicksàle; pp
-. - . ,-o ~ .: .•. , :.:, "_:':"";""

Y'
C'-:':'-;-',;,~, ;/.: ,'__'/;:;':>_ . . _"';,~}~
.--~-::~.-

UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA: 351


350 00
. INJUSTIÇA

mente;' dés-sa 'vez atenuaram- :suás' 'diferenças e ~adve.,..ti';;.:.~ f'k%S.5(sal.ário mínimo . para todas as categorias detrábalha-
em tom urgenté os trabalhadores contra a· greve. 48 ~:J~}~l;:tlor~~i.·;. '.' '. . . ,.'.' '. '., . .... ,
estratégia era tirar proveito da excitaçãoexistenfe , "i.h':"'IíYráiaçãodeumacomlssão de trabalhadores para apre"
trabalhadores, a fim de recrutar novos associados, ao . . é resolver as discordâncias com a administração
mo tempo que teritavam evitar um confronto. direto .as diferenças salariais e outras reclámações
ii,":W~·.fdiiantoa abusos;
"0 •

patrões, para0 que' julgavam o momento ,impróprio:" .


comportamento dos líderes sindicaisíraz' à, merite. de um sistema de supervisores de minas
grandésgenerais mercenários da Guerra dos. ..' trabalhadores; .
que amiúde buscavam grandes exércitos como basede no: do sistema: de benefícios; ."
der e prestigio, mas procuravam evitar;' as b à.talhas,; uso doméstico, a; ser liberado á preço de
estas eram muito dispetÍdiosas, além depÍlrememrisco uítidadessuficientes p~raios mineiros e
própria base. Simultarieamente, os Iíderéssiítdicais vialll~s& i~~'::;:~:i-~:",:',r_~.sUC:1i) .l_~.u.l_.lU"~,
_: _' __ -;:.;'~" ',",:;'/ ,-,: .":' -,.,.-; ;<- :-
presos a um dilema: Senão tirassem vantagem dó clilllade: j~:1'iJX;'~ÍiriÚllàçãod~spm*õ~s sev~ras.e freqüentes; .... . ..•..
agitação,a'movimentaçãoentre os trabalhadores .~ éairÍi- o
.ji!YJj2,à:\,iso~e u.mmês; 'em yezde catorzediás, . para desócti,
nhariapara ó'atoleil'O";'comcol1seqüências ;aineIa:' . '?;~EJ~"!,Pifçã9demoradiasg~ridáspelas minas;"";',' " ,C'" .
sérias~ 49 <': ', . . ..
:.:i;;~~'~i2)tfa.tapientohulUanoaos trabalhadores. Puniçõesem e dis-
; Assim; oS líderes sehtaram-se à mesaedaborari ;.~;-;;rperisáde. todososfnncionários quemãltratass ou
apressáClamentélim' conjunto. de demandas a .serem W;Wriss~m verbaÜnenteostrabiuhaclores; c,;,' '. .
sentada:sa:os patrões.N alista de catorze poritosque apr.,:' !~5\1l~rÍhtiináP'il1íiçã<ipelaparticipação nagh\ve; .' .....
sentaram é possível ver; como observa Koch;todos os. teni~Í5 l4)':rééonhedment<'{dos'sindica
~-
tos pelos trabalhadores
",~'
.50. ,
que perturbaram os trabalhadores nos vinte anospreced~i\,~;,~
• • - - ",;".' - '- • -, • ' - . .. - ' . - ."- -: • O'; - _"

. tes eqlÍántoaos quais: riãotinham 'obtido' nenhuma,,,,,tk ;i,""',;'. ó'{~açorri.aissuip!.éhJ.dente dess.as· reivindicações·é. que
fação. Como eles efetivamenterévelam os ternas' . '. . ... , '" mente .relacionàdas aoslni-
tante cláreza, yale a peria enumerá-los abaixo, . "\"!ll""U', ..... __ Te.c. .' '. . ..c01Íload~nÍanda detrata-
numa síntesésumária: . i..., o . '" *!,'mêhib:hutnaÍlo.·d~cente;fossem···aÍnplamel1te.compartilha,
-: :., ,!. _ : :-,,; '0',' , ' .
lWaâs'peió~trabáihàdorésindustriaisna Alemanha . daquele
1) turno cié oitohoras;iricluindoo tempo gasto para ~!'i:}~rriP6,' i'efletindo úín desejo cteaceitação como s~r humano,
gai e voltar dos veios;. tunio' de seis horas émáreas l;;f;~6ffi'.cílgnidacié'edireitos,ri.b·. ·seio··daordem'··social.domi-
pechiliriente umidas ou quentes; .. - .... - .. , . . ... "'elas representamumesforçopara
2) abolição dos turnos extras oueIe domingo;>eicl'ito eJitr.au;no quaOro ael'" ordem, um pouco Ínàis de espaço
~:>.l.\_",.,.. _',' ""~' __ ~";; -' •._,'"
c_;, " ' . ".::,,' -, ' -:-' ' - ,-~ -: - - - '-",' ' • . , -, -,: - .
caso de emergêllcias, cOmotrabalhos eIe resgaté;' de':a.;ão;"a;ftm·deconfetir'aos mineiros um controle,maior .
•. "_"v",,~,~,,·.,,,-,·:·-,..,-,·· ~'-,"/·;~.;_""':11..._' -. <·-,·:,-'_·:·/·t~.';.:~'· " ;<;,".:i'i',-:-/,--:::·:·
3) fim do sistemadtl não-pagamento por vagonetes imp;"~"
priamentecarregados -'-' conhecido como sistema q ueeles" seritiall1.éofubjn c
','y'agõés,iero-',,';,:, _:<_:,. :__'._-:,-:::_.: " _,':_ .___ ' , ._'__ ,_:.__;'-' .. ,.: ...._'._~: cOJ:rinitidéi: 'jorriadas extensaseirregula:'
4) .elt~içÕes'secreta.s par<to ofíciodeinspetor de carga;, nenh umeoíttrole; 'plúíiç'õe~
1· ',: . " de pagamentos devldos ao
...' 'I' ".~ . ';"'.1:.:.' ..;- ~ ': -_.;
. ._,,'.,'
. (48r:Ko"ch;'-Ber'garb,dte~be\Vegung, p.B9,.;.': n ' _ ,._ . ' .. :,:,-' ':: ~ ,: .'. \ r~ ,- _I"
,( 49)'- Para' alguns detalhes iluminadore~ sobre como tàis consideraçõ,es'-(l!r~l_::;
cionavam em nívellócal, verAdelmann, ·'Betrjcbsverfassung'-~. p'.:'134.-:-.. :·'-'~/_';·:·~f~'f~</ '.oK;;hl-i . i3~~ira~bift~~b~,w~gung. pp. 90-91 ..~·
" ,o, ': f, :_~.;.;-
INJUSTiçA' 353
352. UMA PER!;pÉCfIVA HISTÓRICA ...

;. ,

",_,i,.,' . < :.: í

',,_~.~ i
354 UMA PERSPECrIVA HISTÔRICA ... INJUSTiÇA. 355

apelo ao patriotismo, salientando qUe a.' ameaça.


grevellalriglaterfa naquele momento podiadar à:
lenumhauma boa' oportunidade de se apossár do . mer-
,.produçãopudesse, .;:oqtinuaLNeste.exemplo;
. tros, opatriotisino coincidia com .0 interesse
em seus empregos. ,É esta a·matéria . da,
Depois de apenas oito dias, os lideres eu"
~tGérrâ:rlml.agreve;Tal.comPbrtamento '.d.ésacreditouoSlide'!
'rebindicais, levand.o a uma perda signific8,tiva de aS5oci8,-.
,. ..•...' ...' . época,.noeqtanto(os sindicatos enfrent8,~,
,áir{probletrüis erii toda a', Alerrtanha:,. O. que;agreve.d~-
. . .. :ce~so dosrninei~.

';C " ' ) \ . ' " q~ ,,- ;., ..


.':.'!i."".'.ÀO
-li-o, __
rememora.r. os' registros históricossobré
. ",
,_,o '_ ' _ ' '''-' ~'--
- -
:às. esforç()s.
- , '- ' - '- -" • - "

fdQsi.mineiros',pam .estabelecerumaidentidâde ;coletiva.ce


... ' . . . . â politiéa real, 'vêm à: luz qllatro .,Iato!,eiintei-"
\;:ie!aCioriadoscomQ motivações .decisivas. Emprimeiro,Ju~

",::- "-",/
356 UMA PERSPECTIVA HISTÓHlCA ... 357
INJUSTIÇA,

gesfitz forneciauinpadrão ao qual era possível apelar eque.


:.õstJ;abalhadorçs do ferro e do aço.
tornavaoprbtestocontraagravos específicos algo diferente
dai;ubversãódaboa ordem. Ele facilitava o .protest() cole";
tivo.aomesmo tempo que ajudava a limitar os objetivos . déd~svendar" aexistêrtci"reái
ta.Ípfotesto. .' . 0., .. • " / •• ' ·"massastrá.balhadoras" nas fundições, llOS aitó,;~fotAos
o 'quarto e último fatodoi o fluxo de imigrantes para lS uslnasdélarilinação do Ruhr, antes .
mine:raçãà, eJil si rima conseCJ.üêncíadaexpansão daprod\.\" !,~:5~';~íÍp'~"#J~r de· alguma "fbr~â i{ão" 'ilOfúi"as o"nevôêltô Ui! .l~~U~
. ção atravês do crescimento do número detrabaihadores.
maioria dos relatos, a imigração aparecec()moalgo
cOlltribuiuparaasdivisõesculturais ereligiosaseritre
mineiros e,'portanfo,.com() UrIl "fator que inibia'aidentidade'
. coletiva '",a ação comum, Setn . dúvida,essa.é. umapúl"
importante da verdade.Nã() obstante,hãmotivbs para
vidarqúeconstituisseapartem:áis. re1evantedela;.Opapel;'
.dos descomprometidosedm;'h;(o. organizados; •.
de iradodesc()ntentamentó que forçava os líderes a assumiri;~
a ação militante, ·aparececomotemafllndamentá.l ereeor'";;
rente na hist6rla.'das lutai dos mine1i:Ôs.AoCJ.uepareêe,
nã?' organizados (talvézmesnlOÓs hão organizaveis) .
COllSti tuí do's" p redominà:ó.temen te;"em bora
ménte/deuov()srecrutas da'rhineraçãü:Naausêilciadesse,
fermento . de.insatisfação militante;'é'impro\
fIitos j arnais' tivessemôêorrido/. Os;dispositivóssodai~'
trá.dições·hetdadb~ .
·ciasde.· .
lÓgiaru
359,
INJUSTIÇA
'358 UMA PERSPECTIVA HISTORICA",
fábrica 'incandescente; quando os negoclOsandam
segundo as fóntes mais variadas , parece ter sido quase exa: x, , a produção o permite, um turno de vinte e quatro
, tamente .0 opostodps mineiros de carvão. Como acabllmos. .;i>hórisno final da semana; ,em certas ocasiões (como' agora),.
de ver, os trabalhadores nas minas erambastantere\,eptivos
à orgariizaçãosinôicllle, cÍé fuoôo mais'significativo, força-",'
';Q~'1,:~quándo o merc,a,do cai após um esforço extraVagante de pro-
6A,',~ução;haverádequando em quando um oudois,turnos
ram seus líderes aos maiores distúrbios operáriOs que aba
iaramasociedade aietllã antes de19i4. Os traballuldóreil
i_~:1i:;\_;:ê'a:~nceÚldos,por sema!u\, sem nenhum pagamerito.. A- Jlfópria
'.,," ' qUy '\lmaregulamentação no interesse de todos
do fyrroe ôoaçonaregiãoci~Ruhrnãofizeram nadado efettuida jamaiseritra na mente da, vasta tllassadó
gênero. Eles c()nstituíam o desespero de'Ul
. ' aritplosep'ôderosos da Alem~nha dotlré-.ruerr'a
~t;}.,;.f,rbletariadoqtleVemos. aqui, arrastando-se penosamente
.' . . mosfrn\í ' .' :~•• ; ••t,ipehls ruas depois determinado oturno".;Huecontinuacom
li-Af~~~]'1I1guns.comentários sobre as,miseráveis condiçõesdy otá: tri
{~:?";Sôianas.quais essa, massa '\vegetaei:n. silenciosa· resignação
~{WE;,~;!%rJht:f~J~nb'eh~,~~:~~~it~s~f~e:~~:~~::t1:~~to~~;~
uecimerito 'nas formas mais deploráveis .dea1coolismo.
IlotíciasencorajadoraS sobre. oPoderd,asolidâriedade
:'O'bi>eráriae da"organizaç~osindicalparaelevaro .IlÍveLde
, iVelmentenecessáriasparaessasdezlmase
.-pessoa~'~:-S_9: ', '
,;·:S;~-_;,_~ . ,:,<::: - -" :>;, ...~.~:j:
tingldos por um'senso.de,supe-:
:;:rio,idademoraLllmtânto sinceróemesmopuritano,bas-
.' ....... - soCIal-démocratas daquela época: É
essaatitud~ de Rue possâtê-Io impedido de
r;-+ef,'jJmv\~Orpr~tico, .llmacápacidade deapegat:~se aos pra:
' .. ' ....... mento .de ummodoqudorhavaa,yidasupor~
~el.;Romens r()bustos, énvolvidosemesfÓrç~ fisico. árdúb
;aigosoexibem, .amiú.de, .essas ··qualidadys;·Mas· além'da
. alcoolismo nãoôisponho'deéviclên"
. uitedopuriÚmisrnode
. . poderia levar~
"violentOs que
,.,.," :,\.,;' ".<:,·1";',
_,~r,,:J
e. seLentre,~l,

vido a seu
palavr~s: "E I): massa,
gudessa é a fornúlpelaqual
assim que sempre "r,

-
" j j , ,J,I'IJlJSTIÇA j ••
· .,UMA P,ER5r'EçrIYA HlSTÔRIÇA."
363
INJUSTIÇA
362 UMA PERSPECTIVA HISTORICA ...

Certamente, seria equivocado retratar o aspectO polí' ~~I : : . presente u~a massa de trabalhadores não organizados e
ticodetodos os trabalhadores do ferro e do aço com i~.".· geralmente mertes.
: .' . Seria difícil prever tal situação na ponta de lança da
poucos matizes de cinza insípido e sem brilho. Havia mais.'
cores que essaS. Apenas alguns entre eles, com toda a pro- . "0 .'trânsformação tecnológica no coração industrial do que era
então o país economicamente mais avançado da Europa.
babilidade, eram os modelos de patriotismo, de convicção
'>:/' -.:-Álém ',disso, a- situação.é inexplicável em termos .de qual-
religiosa e de lealdade á empresa que os patrões gostarhún-'- concepçã.o que tome os sindicatos como '0 mecanismo
dever como o tipo predominante. No outro extremo da .. que vinculava os nOVOS trabalhadores indus-
cala, os trabalhadores nas indústrias métalúrgicasde ao statusquo, tornando as classes trabalhadores in-
seldorf gozavam aparentemente da reputação de sólido sus-
,.""ydustriais 'essencialmente conservadoras .. Os" operários.' do
tentáculo' das Jutas· de classe: 65 Entretanto,no final das . . edClâço no Ruhre~tavam ligadosaostatus quo e eram
contas, é o comportamento real queinteressa;E,.nesse IllUlLoconservadores;pelo merios em' seu colllPortamerito,
pecto, os testemunhos são unânimesedeeisivos.Antes, . qualquer educação .ou adestramento do espírito por
guerra não houve Pl'oblemàs operários dignos de.mençaO
..... . ..partedos' sindicatos. Obviamente,esteset;amdemasiado
nas fundições,·' nas usinassiderúrgicase nas ,indústrias
~~:;'.' )"1;',frã.géis e estavam por demais ocupados em rivalizar-se mu-
maquinário;" Isso basta para distingüir marcadamente os
trabalhadores do ferro e do aço dos mineiros do carvão;,
~tüamente para que pudessem prover tal serviço ao capita-
Mas o . conservadorismo desses trabalhadores .era
Antes ,de investigar as razõeS dessa distinção será cone
}',w ..,.. diferente do tipoqüe emerge no selo '" através da
venÍénte fazer Uma pausa para avaliar certos pontos signifi-. organizá:çãos\ndical sob osregimescapitalistas liberais. Os
cativosqne emergem das evidências que acabamos de ana- 'pertericemá .duas épClcashistóricas .distintas, O
lisar. Os trabalhadores do ferro e do aço tinham; no mo'
;'conservad.orismo dostrabalhad'ores do ferro pré-sindicatos
••. ,.assemelha:se a uma combinaçã~de resquícios patriarcais,
mento dá eclosão da guerra, uma elite de .operários que se
apreseritava completamente fraturada ao longo de várias Il-"
::Hi.lllesclados ao temor e à apatia. Há pouco nele-· pelo me-
nhasde fissura 'pOtencial: religiosa, nacional,eConômicáe'
••..;';nosnasituaçãó geral-- no tcicanteâ um interesse no status
política. Ocultando:se gradualmente' sob essá' elite :estava sustentádo:püratividadé's fabris e pela esperança de
_ melhor ;>e e quaridoos negócÍosmelhorassemO-Olllarca
essendàl do 'conservadorismo' tradeunionista. Essas duas
metalú~gicos estã~'~:presu~iveimerit~ 'n~sJundições e nas fábrica~ d~;~a'qúi~·âtio.:
Segundo .o 11.- Sonderheft zum Reich$~_Arbeitsblatte: Die. Verbcúlde'.;'.; ".'1.913. 2!1 forrnasde .conser.vadorismo·· iriam' reagíi:-" de ' modototál-
parte, p. 49, .o Werk-vereine contava com cerca de 20 mil membros dispersos entre .mentediferente sób a presSão dÁ guerra e da derrota. Em
as cidades mais lmportatúes do Rilhr. Foi esta a: estimativa' que adotei:no texto. 'A getál;o tipo pré-sindicalista de submissão leal parece ter-se
mesma publicação (l!l,p.a~te'-p. 36) .fohiece'üm,:.CJ.uadro quetn,ostra o riúm~r.o de
associados desses-sindicatos em v~rias cidàdes, do Ruhr, "cdmparando~o com- o dissôlvi!ionllm,~l
. ..' ... variedadede correrites radicais enquanto ..o
quadro de filiados'dos sindicatos socialistas, o que dáum total bem mais elevado (;':.i< 'tipo' mâis novo; . baseado nos opeiários'~simsíve1s'i" com
para os sindIcatos _de empresas: 39 mil. Não fui capaz- de localizar as razões da .àniPlaexperiênciasindical adquirida durante a guerra(tor-
discrepância e: empreguei a cifra 'menor~ ,Embora a comparação 'se refira 'a tod.as
as indústrias,'e não apenas àsdo ferrO. e do aço; ela guarda certo interesse:'Mostra: ·'riOii'se muito mais conservador. ," . . ••..• ,'
os sindicatos ~e~empresa disputàndo ca,beça a cabeça com os sindicatos' s()cialIstas y.olta do àsituação do pré:guerra, já revelamos a es-
(quandO não- ossuperándo) em Essen; Gelsenkii:chen," Bochum-_e Oberhausen. l1
Mas em Düsseldoi-f, ElberfeidABarme~ e Dortmund, os sindicatos socialistas'sü'A
;;.:ir.·;:sencia, do que exige explicação na observação de que á esse
plantavam' nitidamente' os de empresa, coru um total de me'mbrcis superior a '84 . . ::setOfdópro l<';üiti dO' -,'c-um terrriO'c1áramentemais Plicâ-
mil, ou mais do dobro ,dos sindicatos de empresa. ", _ ' ",' ,...... .,." ~ ~~fl ri,.ineiros docarvão':':-.supoi-t~va,pelos
(65) Reulecke,-','Der Et:"s-te Weltkrieg",.p. 209" '" ,i; uma espantosa sOma de' abusos. E .a su:
(66) Matthei~r, !'~erkvereine", p.-l77. " i,Y",

..
365'
,;;:'" ,INJUSTIÇA',:
UMA'PER.SPJ?CTlYA,H/STÔR.ICA",
de explicação
pm'távamitl1passivelmente,comose essa. fosse.a ordem, il.~
niverso; Por razões que serão expost' .
Ú" •• i>stfàb~Ihádo~es,l11etalúrgicos.evidjÕlh.tel1l(
,·,.apem .articula.r.padrõe.s de.·.cond(in1iç.ão.J~á:
.~ ..'. •. aar.queJaiS ipadrões'.simp
jda';-.esses i:r:'ahalp~~_Qre~~-pã.c
l:.-hases',.efetiv~c.;: 'h~r~ .- ...._:.~r.~..:...
366 UMA PERSPECTIVA HISTOruCA ... INJUSTIÇA 367

os quadros sindicais também sabiam' que relaciona 125 acidentes :fatais e 943 'casoS de iuva-'
criavam muitas queixas porque pareciam inillstos /"lidezpér anente,por ano, no período de quase uln quarto
trários aos ,olhos >dostrabalhádores.Talaspec;to Il1
g~0;·:õéséclllo,.entre1886-1909. '4 Pelo menos no,que se refere a
se'iapensar, talvez oferecesse "uma ,. oportunidadé' efetiva' ~,7S;?riiurierososoficiosnasmetalúríúcas,e siderúrgicas, ·as 'exi-
para as iniciativas de orgàriização. 7Q - f;;;jc.:'·gêhcias fisicàshabituais eram certamente severas, possivel;
havia unia varitagertlj~lobai rio' p;:tga.mento líquido :-::'~~;/~'~}~':_'" ~":':4.":':"--",~ ...... r1",--m.oj-;(:'· ' do 'S
::";;';i~,'~"',;::ln_~llL_-ç;,._a.J..:'"~~"'.'" ............... '-"- :-:--........... _
r111P ri!l
...... i_O
___nas- iI
~s ...fY'Il - __ -_
_e-carvao. Os
.opera re
isso beneficiava. Uma vez qtlCJahtoosmineiros 'i;\:W?<josaltos-fornostrabalhavam em turnos de vinte e quatro
quanto os tiabalhadm-es dó ferro e do açôconsideraviünOsc," :'ji!i,~:Xll.oráseXpóstos ao' clima; outrosaindabanhavam,se cons-
seus salários inadequados . . . ," , i:t{;,:é(:t~riteménteemsuor conforme atendiam aos foi'nos e às usic
pUdesseinchega i~;{':;i):;p:asde laminação;"
QuaisquÚque fóssernsuasflúições; 'o~tra:baíhadofeS'
enfrentavarn:eingeral cóndições átduase'
, aÓ,êalo!"e ao frio; à velltilação,à
, ", .', '". , .insta.lações deveStiát'ioebànho,aosrdei:
'i;\;!tAr!os'é sanitários.' «(Jsbarihêiros' dêuma'da.s pdncipais'sec '
iaeinin'ésâ Krupp'assemelhavain:sea instnifueritós
rio invérno havia o petigo'aõi-'
profissão, '?7t1é;;,dibUltl·cíêêdngelamen tonos' askêritós" de ferro .)76 Uma vêi
uma' taxa.. de 'acidentes ,fatais ?':'iiú1tIue'â~,'inforihlii;õês, sobretódds esses'ponfbsprovêm 'das
""i. __ " "ccfuricÍiçõese usinas .oe)ammaçao. Yd;~.~pfóPfias,',.r~datTiâções •• dóS·.trabalhadorês',',cOnforme"sé"êx:
, ",~ertoque lIÍuitostrabillhadoresç f?,~~},~;;,p~d;sà~am'nosqúestionádosdi~l:ribuídosóeJó siridícato' dos'
muns não prestavam itençãoàsestatísticas, .
do ferro edo , . ". " , .... , ~:~,!\:~'i',mé~âlúrgiêós,'é'im:l?i6Vável' qu
do sindicato ,dos, metalúrlúêos;selnlnenéi()nar', á
catvã(); .'qualificaessaindústda,. coÍnoa,rnaisarris,c,àdáe,a;
que 'e~igiamaiôresforçofísico:"'Eírinerihumã "., ,"
aniorté ealnutilação'amt.áçarri:ds
gÍ'imeleextensãocomo na indústria'
..;';:~,,-: .L.> ',.
,~ " j . ' ',-;'C '->n
:,; rio),,_ Dksc,h..yf!-r,éisefít~4ú#rfe,. ·PP.; j31~_33.3~_-::-;,
'-::~-;J,:,:·(71) :o'~'s_alarios,'_Dlédiõs~nos' :àltos~_foni~s' ôó Rtihr alc'Íinç-ava'th:;
cos ~a'iiuai~ em>J91b~, ~onfor~e· Die:Scl,we;fJiseribidustrie ,-~p) .'326;' 'De ~c'ordó; chiO
Koch, Beigarbeiterbe,wegung, p. 150; o salário médio nas' minas (
de 1.494 a 1.586 marcos entre 19.08 e 1912, caindo piÍ.ra, 1.382;
cifras,_bastam para indicar ,que muitos ,minelà:is e trabalhac,Iores·sidéfúrgiC.õs
viam ,ter tido:o:i mesmos salários, _ain?a',~ue devessem ,existir.muitl
ferro e_do a'ço, no grau inferior da _escala salárial; :que ganhavam
mineiros. "> _ _ _.. , _ ' , _ ::_ :";_ ':' _:;:" _: _,<,;:":::-<-':",_"., ,:,., '(7.<1)' Schwereisenindustrie. pp. 54i; 553:
nip
:;~'.;' '-.(72) .Ver K,och ../~erga,.beiteibewég~ng;, p.',.79, '.epie Sch,wereiseniridustri Schwereisenilldustrte, XlI.: _: :-, .- --:'- '. -- '
p:.326.' _ _ _ i' _. '_'Ui -~, _ i",; '_ _- _ __-., _ __ Die Schwereisenilldustrie, _'pp/SOS;523;-'-i\.- des_~_dçãÓ'aa;s,"iluit~iações da
. .' ' ,. (73) Kóc~, Be~ga,:béit?~be~egun~. p.",14S',;( [~~,Í?l,".~sa_~r:uppapar_ece-,àp.,523.·' ' - '. ""\;-~'-:"/',';_'i ;.~ ..,,;-,:; .. " .
368 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ...
INJUSTIÇA 369
diferente nos dois setores. Assim, será necessário buscar a
explicação em outra parte, o que não quer dizer que tais Outras podiam ser desempenhadas por operários diaristas
temas não fossem importantes para os trabalhadores. Eles comuns. 79
o eram, como testemunha abundantemente toda a história Assim, por razões puramente tecnológicas, a organi-
dos movimentos operários. Os dados disponíveis apenas in- zação do trabalho na indústria metalúrgica pesada sepa-
dicam que aquilo que os modernos encaram corretamente rava os trabalhadores uns dos outros, de forma muito mais
como más condições materiais não era suficiente por si só acentuada do que ocorria nas minas de carvão. Era essa a
para desencadear uma reação coletiva voltada para a modi- razão para a gama mais ampla de escalas de pagamento.
ficação da situação. Deviam existir outros fatores que faci- Presumivelmente, muitos grupos de trabalhadores qualifi-
litavam tal resposta entre os mtneiros do carvão e a inibiam cados e não qualificados tinham que estar em cooperação, a
entre os trabalhadores das indústrias do ferro. fim de realizar operações específicas. Dessa maneira, senti-
Indícios mais promissores vêm à luz tão logo examina- mentos de lealdade mútua e pequenos núcleos de solidarie-
mos as relações dos trabalhadores entre si e com seus supe- dade podem bem ter-se desenvolvido. Eu, entretanto, não
:dores na empresa. Comparados aos mineiros, os trabalha- encontrei nenhuma descrição que indicasse que isso defini-
dores do ferro e do aço constituíam um grupo diferenciado e tivamente acontecia. Em cada acontecimento, eles teriam
dividido, de tal modo que o desenvolvimento de qualquer que aparecer em partes separadas de empresas separadas,
forma de cooperação e perspectiva comuns enfrentava for- o que tornava a aglutinação erll torno da experiência co-
tes obstáculos. Os operários das fundições, relatava o sindi- mum um fato muito difícil. Não descobri nenhum traço de
cato dos metalúrgicos, geralmente nada sabiam sobre os qualquer dispositivo que se assemelhasse ao Gedinge dos
processos de trabalho em outras partes da empresa. Devido mineiros, a turma de trabalhadores cujo chefe efetuava re-
ao sistema de compartimentos e supervisão, eles jamais dei- gularmente negociações com o supervisor, con1 relação às
xavam seus próprios postos de trabalho. 77 A luz da tecnolo- taxas de pagamento coletivas.
gia complexa e em rápida transformação da metalurgia pe- As relações entre os trabalhadores e seus superiores
sada, é difícil ver como eles poderiam ter-se deslocado de imediatos eram notoriamente ruins em ambas as profissões.
um ponto a outro. Para os mineiros, a situação era com- Segundo as reclamações dos mineiros que vieram à tona nas
pletamente diferente. Apesar das variações no caráter de greves, havia uma pletora de abusos pessoais por parte dos
um veio carbonífero, um mineiro competente podia, presu- superiores. Nas indústrias do ferro e do aço, a situação difi-
mivelmente, ser mandado a qualquer ponto. Uma descri- cilmimte podia ter sido muito melhor. O sindicato dos me-
ção da época sobre a forma como os trabalhadores prepa- talúrgicos elaborou questões sobre abusos verbais em sua
ravam os materiais continuamente consumidos por um alto- enquete, cobrindo cerca de 760 empresas, e compilou os
forno inclui nove funções diversas, terminando com un1 resultados com meticuloso cuidado. Duas páginas em ótima
"etc.". Uma lista semelhante das categorias de trabalhado- impressão enumeram os epítetos proferidos contra os ope-
res numa indústria de tubos de ferro contém catorze fun- rários nas várias empresas do Ruhr, constituindo um suple-
ções, terminando igualmente com um "etc.". 78 Algumas ta- mento interessante ao vocabulário alemão de qualquer es-
refas exigiam evidentemente enorme força e resistência. trangeiro. Uma boa parte dos termos indica que os exaspe-
rados capatazes enxergavam amiúde os trabalhadores como

(77) Die Schwereisenindustrie, XIII.


(78) DieSchwereisenindustrie, pp.l1, 22.
(79) Ver as descrições gerais em Pounds, The Ruhr, pp. 105-120; Die
Schwereisenindustrie, pp. 6-23.
370 UMA PERSPECTIVA HISTORICA ... INJUSTIÇA 371

aninlais estúpidos e preguiçosos. No mesmo questionário, lhadores, e àquela época não havia, de acordo com o sin-
os operários são solicitados a classificar o tratamento em dicato, nenhuma restrição legal a esse recurso. Um operá-
quatro categorias: bom, satisfatório, insatisfatório e ruim. rio podia ser demitido por praticamente qualquer razão que
Os resultados merecem ser mencionados, ainda que exijam acorresse ao capataz. Muitos deles, aparentemente, usa-
uma atitude cética para sua interpretação adequada: vam sua autoridade para dar vazão, contra os trabalhado-
res, a toda espécie de ódio, inveja e antipatias pessoais. 81
Tratamento bom e satisfat6rio 600
Tratamento insatisfatório e ruim
E natural perguntar: por que os trabalhadores supor-
717 tavam tal tratamento? O sindicato dos metalúrgicos dá uma
resposta simples à questão. Eles não tinham outra coisa a
Assim, mais da metade dos trabalhadores estava disposta a fazer. Qualquer um que conhecesse a situação diretamente,
relatar seu tratamento como insatisfatório ou pior, mesmo lembrava a publicação sindical, sabia que a consideração
para os 'padrões da época. Algumas indicações sobre a na- fundamental, o medo de perder o emprego e o pão, man-
tureza desses padrões aparecem nas respostas a outra per- tinha os operários de bocas caladas. Toda tentativa de de-
gunta que solicitava que relatassem a presença ou a ausên- fender-se seria tomada, sem dúvida, como insubordinação
cia de abusos físicos diretos. As respostas são: e como violação dos regulamentos decretados pela adminis-
tração. Com efeito, comunicava-se ao trabalhador que se
Inexistência de maus-tratos físicos 907
Abusos físicos não gostava da forma como era tratado ele podia sair, e
256 80 rapidamente; havia inúmeros outros dispostos a ocupar seu
posto. 82 Indubitavelmente, tratava-se de um elemento cru-
Mesmo descontados a crueza do questionário e o fato de
cial na situação,. talvez o mais importante de todos. Não
que o sindicato dos metalúrgicos tinha óbvio interesse em obstante, ele não podia ser aplicado com força igual a todos
exagerar o mau tratamento dos trabalhadores, parece se-
os tipos de trabalhadores. E bastante improvável que um
guro concluir, mais uma vez, que esses trabalhadores en-
trabalhador robusto e qualificado, no desempenho de uma
frentavam abusos consideráveis, pelos padrões atua.is.
tarefa-chave em um processo técnico complicado, pudesse
Nas grandes ernpresas do ferro e do aço, os capatazes e ser dispensado tão facilmente como um diarista comum.
supervisores menos graduados eram geralmente antigos
trabalhadores, que usavam o Du no trato com seus operá- Do ponto de vista do operário individual, a perspectiva
rios. A segunda pessoa do singular ten~, entretanto, no ale- de perder o emprego certamente constituía a arma mais
mão e no francês, uma conotação ambígua: ela tanto pode importante no arsenal de técnicas de que dispunha o patrão
implicar o tratamento familiar de intimidade ou igualdade para assegurar uma força de trabalho dócil e dependente.
como o de Superioridade próximo ao desdém. (O leitor deve Mas também havia outras. Uma delas eram os sindicatos
recordar-se que uma das reivindicações dos trabalhadores
em 1848 era o de serem chamados na forma polida habitual
entre não íntimos, a segunda pessoa do plural, Sie.) O ele- (81) Die Schwereisellindustrie, pp. 500-501. Esta fonte parece pouco con-
sistente ao defender que não havia restrições legais às dispensas, uma vez que
mento de superioridade evidentemente predominava. Os também menciona o uso de palavrões como nâo constituindo insubordinação do
capatazes possuíam o direito imediato de despedir traba- ponto de vista técnico, nem base legal para a demissão. Aparentemente deviam
existir GewerbegericJzte ou tribunais profissionais perante os quais tais matérias
podiam ser levadas, mas tal fonte revela que os operários raramente recorriam a
eles.
(80) Die Schwereisenindustrie, pp. 488-490. (82) Die ScJzwereisenindustrie, p. 492.
372 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ... INJUSTIÇA 373

amarelos ou de empresas, já mencionados em outro con- As conseqü.ências de experiências históricas diferentes


texto. Vale notar aqui que os patrões não se sentiram sufi-
cientemente ameaçados pela disputa da fidelidade de seus Fazendo uma pausa para retomar a situação em seu
trabalhadores até 1908, quando recorreram a esse artifí- conjunto, podemos observar que, para todo abuso denun-
cio. 83 Outro dispositivo eram as pensões. Seu principal pro- ciado pelo sindicato dos metalúrgicos, nos anos que prece-
pósito, ao lado da.s providências de moradia e de alimenta- deram à eclosão da guerra, existia um paralelo nas minas
ção mais barata, era vincular os trabalhadores a urna em- de carvão. As reivindicações fundamentais de ambos os
presa específica. Assim, elas constituem uma indicação de conjuntos de trabalhadores resumiam-se às seguintes: 1)
que a mobilidade da força de trabalho efetivamente preo- ausência de tratamento e respeito humanos decentes; 2)
cupava os empregadores, e de que a liberdade de deixar o amargo ressentimento contra as multas e deduções em seus
emprego não era urna arma completamente negligenciável salários, que eles consideravam injustas e arbitrárias - afi-
nqs mãos dos trabalhadores. nai, tinham despendido enorme esforço; 3) escalas de paga-
Os planos de pensão eram especialmente característi- mento sobre as quais não tinham nenhum controle e que
cos das grandes instalações industriais do ferro e do aço no eram arbitrárias e injustas na forma como recompensavam
Ruhr. Na Alemanha do pré-guerra, os planos mais impor- ou deixavam de recompensar a habilidade e o esforço, ten-
tantes existiam aí. Na amostra de cerca de 122 mil traba- dendo a lançar os trabalhadores uns contra os outros, em
lhadores estudada pelo sindicato dos metalúrgicos, pouco incansável competição; 4) falta de segurança no trabalho e
mais de 65 por cento pertenciam a um sistema de pensão. perspectiva de serem demitidos por um' supervisor mal-hu-
Na maior parte dos casos, a associação era obrigatória. O rhorado, por puro rancor ou maldade. Nestes pontos essen-
trabalhador pagava uma taxa de matrícula ao entrar no ciais, sua situação era similar. Todavia, os mineiros procu-
emprego e mensalidades enquanto I) retivesse. No entanto, raram fazer muita coisa frente a essa situação, embora com
ao deixar a empresa, o operário perdia seus direitos de pen- resultados limitados, e os metalúrgicos quase nada.
são. Segundo o sindicato dos metalúrgicos, era prática co- A principal diferença entre os trabalhadores do ferro e
mum despedir trabalhadores depois de longos anos de ser- do aço e os mineiros era essa: os mineiros tinham seu Ge-
viço, pouco tempo antes de poderem retirar suas pensões. A dinge, seu Knappschaften e seu Berggesetz, dispositivos
empresa Krupp é citada como uma das que recorriam a sociais que os distinguiam de outros agrupamentos de tra-
essa prática. O sindicato apresenta também estimativas so- balhadores e desempenhavam papel fundamental na facili-
bre uma das fábricas Krupp que mostram visivelmente que tação do protesto coletivo. Embora uma boa parte do im-
a contribuição da companhia era bastante limitada, en- pulso por trás desse protesto possa ter vindo dos operários
quanto a dos trabalhadores, na forma de taxas de matrí- desorganizados, o Gedinge e o Knappschaften serviam como
cula, mensalidades e multas, era muito maior. 84 modelos e núcleos para sua expressão, enquanto o Bergge-
setz contribuía para legitimá-los. Todos os três constituíam
o resultado de experiência histórica passada, perpetuados
(83) Para as circunstâncias gerais. ver Mattheier, "Werkvereine", p. 180.
porque a mineração expandiu-se através de um crescimento
Como aponta esse autor à p. 188, os sindicatos de empresas tinham conseguido da força de trabalho. Evidentemente, os trabalhadores do
atrair por volta de 1914, nas minas de carvão, quase 10 ,por cento da força de ferro e do aço defrontaram-se com uma situação em geral
trabalho. Entretanto, eles tinham aí sérios concorrentes, q"ue já haviam organi-
zado o grosso dos trabalhadores. Não era esse o caso nas indústrias do ferro e do
semelhante em 1914, mas chegaram a ela através de um
aço. conjunto basicamente diverso de experiências históricas.
(84) Die Sc./twereisenindustrie, pp. 524-529. Essa distinção vem à luz como a solução mais provável para
INJUSTiÇA 375
374 UMA PERSPECTIVA HlSTORICA ...

o enigma de suas reações diferentes. Por razões anterior- mentos clrurgicos e coisas do gênero. 86 Os novos avanços
mente apontadas, há infelizmente muito menos informação técnicos mudaram a situação. O ferro continuou a ser usado
histórica sobre os operários das grandes instalações meta- e sua produção manteve-se em expansão até a eclosão da
lúrgicas que sobre os mineiros do carvão. Mas há o sufi- guerra. Enquanto isso, a partir de bases bastante mais limi-
ciente para esboçar o caráter e o impacto provável desse tadas, a produção de aço expandia-se com muito maior ra-
conjunto de experiências. pidez, à medida que este passava a ser amplamente utili-
Em contraste com a mineração carbonífera, as indús- zado nas ferrovias, nos encouraçados e eUl muitos outros
trias do ferro e do aço expandiram sua produção através de fins. Reproduzimos abaixo as cifras relativas à produção de
uma série de avanços tecnológicos fundamentais, que mere- ferro gusa e de aço (em milhares de toneladas métricas), na
cem o desgastado rótulo de revolucionários. O rerro foi o Alemanha como um todo, em algunsanos, selecionados no
primeiro a expandir-se. A substituição do carvão vegetal período anterior à Primeira Guerra Mundial. No curso de
pelo coque metalúrgico na fundição não teve início no Ruhr cada intervalo de tempo, a produção de ferro praticamente
até 1849. Depois disso, foram introduzidos os fornos gigan- duplicou, enquanto a de aço quase triplicava.
tescos. Em 1850, a fundição prussiana média produzia 720
toneladas. Por volta de 1871, tal produção chegava a mais Ferro gusa Aço
de 5 mil. Entretanto, na indústria do ferro, a refinação con- . 2729 624
1880 1614
tinuou a ser uma área obstruída. Os fornos de pudlar re- 1890 4658
queriam homens de enorme força e resistência, capazes de 8521 6646
1900 18 935 87
suportar o calor durante horas, enquanto revolviam o denso 1913 19309
caldo do metal semilíquido e extraíam as bolhas daquilo
que se tornaria o ferro batido. As tentativas de mecanizar A fabricação do aço parece ter sido um processo mais
essa parte do processo fracassaram. A solução final veio complicado do que a do ferro, exigindo um maquinário
com as descobertas sobre como fabricar o aço barato e com ainda mais potente. Chega ao nosso conhecimento a exis-
sua utilização no lugar do ferro forjado na maioria dos tência de velozes fornos com capacidade para 100 a 300
usos. Tais descobertas, associadas aos nomes de Bessemer e toneladas, fornalhas de refinação, usinas de laminação das
Siemens-Martin, não foram aplicadas na Alemanha em quais o metal acabado precipitava-se a quarenta ou ses-
larga escala senão bem depois de 1870. 85 se;'ta milhas por hora, guilhotinas aéreas, e coisas do tipo.
O aço apresentava importantes vantagens técnicas em Por volta do final do século XIX, a indústria alemã do aço
relação ao ferro, que na fonna de ferro gusa é rígido mas tinha o mais avançado equipamento de toda a Europa. 88
quebradiço, e na forma de ferro batido é maleável e fácil de Esses poderosos avanços tecnológicos tiveram inúme-
trabalhar mas muito suscetível à corrosão e ao rompimento. ras conseqüências, que produziram agudas diferenças entre
O aço, por outro lado, por sua resistência e elasticidade, a situação geral dos mineiros do carvão e a dos trabalha-
combina as vantagens de ambos. Originalmente, devido à
quantidade de trabalho e combustível requerido, ele cons- (86) Landes. Unbound Prometheus, pp. 251-252.
tituía uma mercadoria muito custosa, vendida e utilizada (87) Handwõrterbuch der Staatswissenschaften, vaI. 3, s. v .. "Eisen- ·und
por libra, para objetos como. lâminas de barbear, instru- Stahindustrie". pp. 548, 556. Para as diferenças entre o ferro batido e o aço, ver
os comentários em Landes, Unbound Prometheus, p. 260. onde ele traça um
paralelo entre a continuação do uso do ferro batido após o advento do aço e o
desenvolvimento dos veleiros depois da introdução do navio a vapor.
(85) Landes, UlIhol/nd PrometJzeus, pp. 218·219, 264, (88) Landes, Unbozmd Prometheus, pp. 263-269.
376 UMA PERSPECTIVA HISTÕRICA ... INJUSTIÇA ]77

dores metalúrgicos. A razão é simples: a produtividade do dores das fundições estavam sujeitos à jurisdição dos depar-
trabalho aumentou de forma bastante considerável na me- tamentos governamentais de mineração (Bergbehi:ú:den).
talurgia pesada, enquanto na mineração carbonifera, como Naquela data, como parte das reformas liberais na minera-
foi salientado antes, ela permaneceu em grande parte está- ção e, portanto, antes do período de rápido crescimento,
tica, depois que as novas formas de trabalho em maiores tanto na metalurgia pesada como na mineração, os traba-
profundidades entraram em vigor. Ainda que eu não tenha lhadores das fundições perderam toda a proteção que seu
sido capaz de encontrar estatísticas utilizáveis para de- status especial pudesse dar-lhes, à medida que a nova legis-
monstrar essa elevação na produtividade, trata-se de um lação os transferia da jurisdição dos departamentos de mi-
tema sobre o qual as fontes em geral concordam,89 e que neração para a das autoridades civis comuns. 90
parece próximo ao óbvio, a partir da história tecnológica Se a descida à escuridão da mina tinha seus aspectos
acima resumida. Além disso, com apenas algo em torno da misteriosos e aterrorizadores, contra os quais, entretanto,
metade dos trabalhadores nas minas de carvão, por volta de tradições e costumes há muito estabelecidos proporciona-
1913, nas gigantescas siderúrgicas o contingente acima do vam alguma segurança, o primeiro contato com os novos
solo constituía um grupo muito mais diversificado. Um fun- molochs do subsolo deve ter representado uma experiência
didor de tnetais e um indivíduo que operava as guilhotinas terrificante para simples camponeses e artesãos. Ao con-
aéreas dificilmente teriam tanto elll comum. como os vários trário dos mineiros do carvão, a maioria dos trabalhadores
tipos de mineiros do carvão, o que tornava a atuação cole- metalúrgicos era proveniente de uma situação artesã e ope-
tiva muito mais difícil. Finalmente, e embora tal distinção rária alemã-ocidental. Havia também um contingente de
não seja, até onde possei ver, diretamente atribuível a dife- imigrantes da Europa oriental, como o demonstra a exis-
renças na tecnologia, na indústria do ferro e do aço os ope- tência de um sindicato polaco. 91 A partir de suas origens
rários não dispunham de nenhuma tradição ainda vigente artesãs e camponçsas, os operários do ferro e do aço dificil-
de benevolência de uma autoridade estatal à qual poderiam mente teriam podido trazer com eles um núcleo comum de
recorrer, o que conferia alguma tonalidade de legitimação experiências e padrões com o qual pudessem enfrentar a
às suas reivindicações. É possível que originalmente alguns nova situação. Particularmente para aqueles que tinham
deles tivessem essa idéia, uma vez que até 1861 os trabalha- uma origem artesã, a transição para os altos-fornos ou as
usinas de laminação, com sua tecnologia esmagadora, deve
ter representado uma experiência imensamente mais trau-
mática que aquela pela qual C<J.rl Severing passou como jo-
(89) Landes, UnboundPrometheus, p. 268, cita algumas estatísticas refe-
rentes ao aço, mas salienta suas contradições. Wolfram Fischer, Wirtschaft und
Gesellschaft, p. 181, observa que a indústria siderúrgica do século XIX apresen-
tou uma das taxas mais elevadas de aumento da produtividade do trabalho. Hel-
mut Croon, "Vom Werd~:h des Ruhrgebiets", em Fõrst (org.), Rlzeinisch-West- (90) AteIes estavam sujeitos ao Gewerkeordllung (regulamentos das pro-
falische Rückblende, p. 212, oferece algumas estatísticas dispersas para demons- fissões), que provavelmente forneciam aos trabalhadores industriais alemães, em
trar que a força de trabalho cresceu de forma muito menos lenta nas empresas do geral, proteção maior que no caso da Inglaterra liberal. A transição é mencionada
ferro e do aço que na mineração do carvão. Entretanto, sua afirmação de que as em Wolfram Fischer, Wirtschaft und Gesellschaft, pp. 152, 173-174.
condições de trabalho eram melhores nas indústrias do ferro e do aço que nas (91) Mattheier, "Werkvereine", p. 176. O 11. Sonderheft zum Reichs-
minas de carv::io parece-me, com base nas informações citadas acima, bastante Arbeitsblatte ". 1913, 1~ parte, p. 49, menciona um sindicato polonês de traba~
duvidosa. Por outro lado, sua observação de que havia menor rotatividade de lhadores nas fundições com mais de 11 mil membros. Segundo Wilhelm Brepohl,
trabalho nas empreSas do ferro e do aço faz sentido. A mineração do carvão era lndustrievolk: Im Wandel vou der A....~rarcn zur lndustriallen Daseinsform Dar-
claramente voraz em sua demanda de trabalho. É provável que muitos trabalha- gestellt am Ruhrgebiet. p. 202, as peslluisas locais demonstraram que a maior
dores abandonassem as minas após uma curla tentativa, seja por vontade própria parte dos imigrantes para o Ruhr era originária das l'egiões rurais seja da Ale-
ou alheia. manha ocidental, seja da Alemanha orielli:d.
378 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ... INJUSTIÇA 379

venl Schlosser. ETn inúmeras pequenf!.s fábricas, ·por volta tiva. Na forma de hipótese exploratória, essa surge como a
de 1900, a linha divisória entre a vida do artesão e a do razão mais convincente para o fato de os trabalhadores si-
trabalhador fabril era ainda imprecisa. Um indivíduo podia derúrgicos se mostrarem tão menos receptivos à organiza-
cruzá-la em urn ou em outro sentido, sem dar-se conta da ção sindical que os mineiros de carvão e do fato de eles
diferença. Também a situação das lninas carboníferas, serem tão pouco ativos na defesa dos próprios interesses.
como tivemos várias oportunidades para observar, perpe- Ainda que os mineiros de carvão tenham sido mais
tuava certas características e tradições da vida artesã. Aque- atuantes e tenham sustentado as mais amplas greves da his-
les que ingressavam nas minas defrontavam-se com uma tória da classe operária alemã no período anterior a 1914,
vigorosa cultura comum sobre a qual podiam lnover-se. não existe o mais leve indício de que eles fossem os porta-
Para os operários do ferro e cf.., aço não havia nada seme- dores de sentilllentos revolucionários. O desenvolvimento
lhante. da grande indústria no Ruhr deu origem a uma classe ope-
Em sunla, os trabalhadores do ferro e do aço não dis- rária substancial, que se pode chanlar, com boas razões, de
punham de urna tradição de negociação coletiva informal proletariado. Mas a elite politicamente consciente desse se-
como o Gedinge, não contavam a não ser com a tênue me- tor mostrava-se cindida ao longo de diversas linhas de fra-
mória de um Estado paternalista formalmente incorporado tura, ao passo que a massa dos trabalhadores, nas ocasiões
na autoridade do Berggesetz, não tinham qualquer sistema em que se mobilizava, impelia os líderes à perseguição de
rudimentar de segurança social como o Knappschaften, objetivos limitados. Rotular esses temas de prosaicos seria
com sua tradição de gestão pelos próprios mineiros. Os tra- menosprezá-los. Havia uma poderosa carga emocional por
balhadores metalúrgicos e siderúrgicos constituíam, por trás deles. O seu impulso central ia no sentido da aceitação
assim dizer, uma criação a partir do nada - sem hábitos, dos trabalhadores como seres decentes numa ordem social
experiência coletiva ou melllória. Ou, mais precisamente, mais humana.
os costumes que porventura tivessem eraln provavelmente Saber se tal meta era atingível por meios pacíficos ou
diferentes entre si, obliterados no processo de criação das violentos, ou por alguma combinação dos dois, é uma ques-
novas fábricas que germinaram na .década de 1880. Essa tão completamente diversa.Enl todo caso, entre os traba-
ausência os colocou em tremenda desvantagem em qual- lhadores em seu conjunto, os impulsos em direção a essa
quer esforço de iniciativa pessoal, seja por vontade própria meta variavam grandemente de indústria para indústria,
ou por sugestão de estranhos. Mas também outros obstá- como este capitulo procurou demonstrar. Mesmo onde fos-
culos estavam presentes. Uma vez que as grandes indústrias sem intensos, eles refletiam a situação em úma indústria
do nletal eram tecnologicalnente mais avançadas que a mi- específica. Os mineiros do carvão tinham reivindicações· de
neração de carvão, elas geravam e exigiam uma força de tnineiros do carvão e procuravam fazer alguma coisa sobre
trabalho mais diversificada, com uma gama lnaior de esca- elas. Os trabalhadores do ferro e do aço tinham igualmente
las de pagamento e habilidades mais variadas. Os trabalha- suas reivindicações mas eram incapazes de fazer muita coi-
dores, inseridos em processos diferentes, dos quais havia sa face a elas. Poderia o trauma compartilhado da guerra e
um grande número, desempenhavam suas tarefas cotidia- da derrota fornecer um conjunto comum de experiências
nas física e socialmente isolados uns dos outros, em partes capaz de superar tais distinçõe:< e de fundir os operários
separadas da fábrica. Atuando conjuntamente, a ausência industriais numa única força revolucionária que conduziria
de tradições partilhadas e a fragmentação social no local de a uma nova era? Havia na Ale.manha aqueles que temiam
trabalho devem ter tornado muito difícil qualquer idéia de essa possibilidade e trabalhavam febrilmente para impedi-
um destino conlum que servisse de base para a ação cole- la, do mesmo modo que havia os que comprometiam todas
380 UMA PERSPECTIVA HISTORICA ...

as suas consideráveis energias e inteligência no sentido de


trazê-la à luz. Todos, como se revelou, fracassaram. Nos
capítulos seguintes tentaremos compreender por que isso
ocorreu.

CAPÍTULO 8

A revolu.ção reformista
1918-1920

Antecedentes gerais

As tensões da Primeira Guerra Mundial, o impacto de


uma derrota que destruiu a monarquia e desacreditou tem-
porariamente as camadas e as instituições dominantes da
sociedade alemã -'- os Junkers, os chefes militares, a buro-
cracia civil, as grandes elnpresas - fizeram surgir as con-
dições que possibilitaram a irrupção de um amplo movi-
mento revolucionário, em 1918. A ala reformista do movi-
mento operário tomou o poder pacificamente a 9 de novem-
bro de 1918, em parte porque tanto os reformistas como os
líderes do antigo regime estavam ansiosos por evitar uma
rebelião radical. Nesta altura, aqueles que tinham compro-
misso com uma transformação revolucionária da ordem vi-
gente constituiam ainda uma limitada minoria. A principal
dirigente de tal movimento era Rosa Luxemburg, que pos-
teriormente alcançaria reputação mundial, embora seja di-
ficil provar que ela fosse na época a figura dominante. Um
grupo muito mais significativo entre os que tradicional-
mente são chainados de radicais mostrava-se incerto quan-
to ao que realmente queria, concordando basicamente so-
bre o que não queria: um retorno ao status quo de 1914.
Tratava-se dos socialistas independentes, ou USPD, das
iniciais alemãs do Partido Socialista Independente da Ale-
382 UMA PERSPECTIVA I-IISTORICA ... INJUSTIÇA 383

manha, que rompera com o SPD em 1917. Sem embargo, o dais costunleiras, que tinham servido para vincular os in-
radicalismo revolucionário, que antes da guerra pusera em divíduos aos status quo, sofreram severas pressões, sendo
efervescência sobretudo os intelectuais de esquerda, come- necessário recriá-las - ou então simplesmente ruíram.
çara a adquirir, por volta de 1918, urna base de massas. As estatísticas profissionais fornecem alguns indícios
Essa base cresceu rapidamente, em parte devido às políti- das dimensões fundamentais das mudanças. Os Quadros
cas adotadas pelo SPD e em parte por outras e mais impor- iO elO. J). aS apresentaul de forma sumária. 1
tantes razões. Sa.ber se o SPD podia ter conduzido a situa- Ã prÍlneira vista, poderia parecer que a guerra ace-
ção de maneira diferente, com resultados rnenos desastro- lerou grandell1ente a tendência à formação de um proleta-
sos, é urna questão difícil, a ser analisada após termos riado industrial moderno, criando, dessa maneira, as bases
observado o que realmente ocorreu. Os elementos modera- sociais para as insurreições "proletárias" do pós-guerra. As
dos e reformistas no seio dos trabalhadores industriais efe- indústrias de guerra - da mineração aos produtos quí-
tivamente tentaram conter e derrotar o impulso radical - micos·- são as mais características de uma economia in-
ou melhor, as diversas investidas radicais que vieram à luz dustrial moderna. O número total de trabalhadores neste
em momentos diferentes e a partir de fontes diversas. Mas setor cresceu em 26 por cento entre 1913 e 1918. Enquanto
eles conseguiram sucesso ao preço de uma aliança com as isso, a categoria das indústrias intermediárias perdeu 37
forças conservadoras e antidemocráticas da sociedade ale- por cento de seus trabalhadores, e a categoria das civis, 40
mã. A restrita vitória de Pino dos moderados produziu por cento. Entretanto, uma observação mais cuidadosa faz
uma herança de amargura entre a classe operária industrial com que essa hipótese perca a maior parte de sua força.
e um regime liberal capitalista que quase não dispunha dé ~.1esmo nas indústrias de guerra, o número de homens de-
liberais. No prazo de uma década e meia tal regime su- clinou, à medida que a composição da força de trabalho
cumbiu a Hitler. modificava-se agudamente. A proporção de mulheres e jo-
Em forma sintética, esta é a narrativa cronológica que vens subiu de 13 por cento, em 1913, para 34 por cento, em
configura o quadro geral da parte histórica remanescente 1918. Conforme 112 mil homens deixavam as indústrias de
deste livro. O capítulo presente e o próximo procurarão
analisar certos aspectos do papel desempenhado pelos tra- (1) As tabelas ba.seiam-se nos relatórios do Gewerbeaufsicht, ou Serviço de
Inspeção Fabril (que abrangia empresas com dez ou mais trabalhadores), con-
balhadores nessa tragédia crucial da civilização moderna. forme aparecem citados em Statistisches Jahrbuch für das Deutsche Reich, vaI.
A guerra e suas conseqüências dilaceraram completa- 42 (1921-1922), pp. 96-97. Para o ano de 1913 o relatório incluía cerca de 7 mi-
mente os hábitos cotidianos comuns de praticamente todos lhões e 400 mil trabalhadores. Visto que havia B,5 milhões em 1907. data do
último censo ocupacional, em 1913 devia haver mais de um milhão de operários
os operários industriais na Alemanha, como sem dúvida o fi- não abrangidos pelo Serviço de Inspeção Fabril. Aparentemente, não há outra
zeram no restante da Europa. Por si só, esse fato explica em maneira de preencher tal lacuna nos dados. Um novo censo profissional não seria
grande parte a tempestade política do período do imediato efetuado antes de 1925. Durante a guerra e, na verdade, até 1922 o Stntistisclzes
Jahrbllch continuou candidamente a reproduzir os dados profissionais do censo
pós-guerra. Uma vasta parcela dos trabalhadores mudou de de 1907. Uma vez que o Serviço de Inspeção Fabril estava sobrecarregado com
emprego. Outros ingressaram nas forças armadas, transfor- outras funções c carente de funcionários, e de forma alguma podin contar com a
mando-se muitos deles em vítimas fatais. As mulheres e as plena colaboração dos empregadores no acesso aos registros das empresas, é ill1 H

crianças efetuaram o trabalho dos homens lnas deixaram a provável que esses dados fossem muito precisos. Embora tais defeitos devam ser
considerados, eles nào destroem em absoluto o valor das informações. Nosso in-
força de trabalho no final da guerra. Para os homens que teresse está nos operários das grandes fábricas, em geral abrangidas pelo Serviço
permaneceram no mesmo oficio, as condições de trabalho de Inspeção Fabril, e parece altamente impro·vável que as estatístic~lS deste fossem
mndaram-se acentuadamente. Tomadas' em seu conjunto, tão imprecisas a ponto de não apreender a direção geral das mudanças. Mesmo
como aproximações pouco eX<itas as cifras ainda permanecem bastante revela-
tais modificações significaram que as relações e sanções 50- donls.
384 PERSPECTIV AS GERAIS INJUSTiÇA 385

QUADROI0A
Modificações no número de trabalhadores industriais a partir de 1913
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XV. Limpeza - 12 21 - 14 -25
~ XVII. Impressão - 62 31 - 19 -10
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Totais gerais
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Fontes: Para 1913, 1919 (onde aparece) e 1920, Statistisches Jalzrbuch für das
;:;: o Deutsche Reich. vaI. 42 (1921-1922), pp. 96-97; para 1918, ver Waldemar Zim-
mermann, "Die Vedinderung der Einkommens- und LebensverhãItnisse der
I Deutschen Arbeiter durch den Krieg", em Rudolf Meerwarth ef a/., Die Einwir-
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'"
..,. ..... 0 0 - . 0 0
g:;:§;?; ......
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- kUllgen dr:s Krieges auf die Bevõ/kerungsbewegungen und Lebensha/tung in


Dr:utschhmd, p. 351. No Quadro 10, as cifras da coluna 2 representam a diferença
entre as colunas 3 e 1.
"
,;:! .ll Nota: O Serviço de Inspeção Fabril pesquisava somente os estabelecimentos com
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,g ;],,~ 3'~
~ ~ '15 '§ .5
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... ... ~
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<>" '" 1f,g rn ~ dez ou mais empreg<'ldos.
.!fi::] .!:: g"3 g ,;
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'~l'tv~:g~E'~ 'i:l5Ê&~·~
(~ª~.§~-g (*) Cifras de 1919 utilizadas no lugar das de 1918, uma vez que o total de Zimmer~
~~~8~8i5 ~
õ)
o~
::2::E::2O'vü {- mann para os trabalhadores homens em indíistrias de madeira meramente repete

-1~6»s:a,.
V.S b<:>.....l-. I-<
Ê:>><.....:.....:.....:
~ ~- ><><~ ~?:S~~~~ o total de 1913. dado que atribuo a um erro desafortunado bastante fácil de
ocorrer.
386 UMA PERSPECTIV.A HISTORICA INJUSTiÇA 387

guerra, presulnivelrnente para marcharenl às trincheiras, Aquelas que cresceram durante todo o período de 1913
982 mil mulheres e jovens afluíam para possibilitar o au- a 1920, excluindo mais urna vez o item "diversos", foram:
mento dos trabalhadores neste setor da economia. Categoria Aumento no Crescirnento
Entre 1918 e 1920, a maioria deles desligou-se da força industrial nâmerode proporcional
de trabalho e dificilmente podem ser considerados urna trabalhadores
fonte de radicaiização. Na verdade, vaie notar que por volta UI. Mineraçao 130000 11
de 1920 a proporção dos trabalhadores jovens e mulheres V. Metalurgia 19000 3
voltou a um padrão muito semelhante ao de 1913 em todos VI., Maquinário 247000 21
os três setores. Em 1913, era de 13 por cento nas indústrias VII. Químicos 78000 43
de guerra, 18 por cento no setor intermediário e 52 por VIII. Combustíveis,
cento no setor civil. Em 1920, as pr5porções eram, respec- etc. 16000 20
tivamente, 17 por cento, 23 por cento e 56 por cento.
Exceto pela categoria "diversos", onde tudo cabia, o
Após a guerra, seguramente, o setor bélico ainda apre-
crescimento deu-se sempre no setor industrial avançado. 2 E
sentava um crescimento líquido de 15 por cento na taxa de
emprego (em 1920), com o setor de maquinários (grupo VI) foi também neste setor, particularmente na mineração, que
haveriam de ocorrer as agitações e os levantes mais graves
exibindo o maior aumento absoluto de urna categoria pro-
entre 1918 e 1920. Em larga medida, o impulso radical to-
fissional isolada, com o acréscimo de 247 mil trabalha-
mou a forma ele uma rejeição da liderança dos sindicatos do
dores. Por conseguinte, urna explicação do radicalismo em SPD, nos ramos metalúrgico e ele maquinário, bem como na
termos de um crescimento do setor mais característico do luineração.
conjunto dos setores industriais nlodernos não pode ser des- As categorias profissionais que sofreram as maiores
cartada de imediato. Contudo, como mostra o restante do perdas, por outro lado, estiveram relativamente tranqüilas,
quadro e como já sugeri anteriormente, o fato básico da pelo menos no sentido de que, independentemente do que
vida industrial não era de forma alguma o mero cresci- ocorresse, não houve repercussões políticas no cenário na-
mento. Em vez disso, era a selvagem flutuação no tipo e nas cional e tampouco ficaram registrados traços relevantes nas
condições de emprego. Será mais frutífero, assim, observar histórias detalhadas sobre o período. As indústrias se-
quais eram as principais modificações que ocorriam em in- guintes perderam mais de cem mil trabalhadores entre 1913
dústrias específicas, especialmente porque os totais gerais
e 1918:
para os operários nas indústrias e nlesmo os subtotais do
setor bélico, do intermediário e do civil mascaram tais Categoria Número Modificação
transformações. industrial das perdas percentual
As indústrias que ganharam trabalhadores entre 1913 IV. Pedra e argila 384000 -59
e 1918 situavam-se no setor de guerra (com exceção do XVI. Construção 158000 . -57
grupo insignificante do "diversos"): XIII. Alimentação 170000 -24
.XIV. Vestuário 137000 -32
c,"'ategoria AU"i?zentono Crescimento IX. Têxteis 553000 -58
industrial nlÍ.nlero de proporcional
trabalhadores
(2) Os trabalhadores classificados como "Diversos" cresceram em 17 por
V. Metalurgia 54000 8 cento por volta de 1920, mas uma vez que o número original desse grupo cra
VI. Maquinário 578000 49 muito limitado em 1913, mal chegando a 18 mil, e suas várias tarefas nflO eram
VII. Químicos 307000 170 essenciais à economia, eu os olnito neste ponto.
388 UMA PERSPE=IVA ]-]]STÔRICA ... INJUSTIÇA 389

No final da guerra, em 1918, com mais de metade dos têxtil experimentaram perdas maiores no curso da guerra,
trabalhadores tendo saído das indústrias de utensílios de apenas parcialmente compensadas nos dois primeiros anos
cozinha e de louça, da construção civil e das fábricas têx- após o conflito. De tal modo, as estimativas profissionais
teis, e com cortes severos nos ramos da alimentação e do revelalll duas fontes de aguda pressão sobre as organizações
vestuário, o suprimento de mercadorias civis deve ter sido sindicais. Nas ocupações como a mineração, que aumen-
extrelnall1cnte escasso. Isso por sua vez significava severa-s taranl entre 1913 e 1920, os sindicatos foram inundados por
agruras físicas para muitos e urna ruptura generalizada das novos membros não f·amiliarizados com os hábitos e a dis-
rotinas diárias - a melhor receita possível para o levante ciplina sindicais. Nas profissões como as da construção e
social. Por volta de 1920, os graves danos a este setor ainda das fábricas de tecidos, onde o número total de empregos
continuavam, como o mostram as indústrias que ainda re- declinou, ocorreu a situação exatamente oposta: a base tra-
gistravam uma perda de mais de cem mil trabalhadores:
dicional de filiação sindical sofreu nítida erosão.
Categoria Número lvlodificação Um último aspecto dos Quadros 10 e 10A merece
industrial das perdas percentual atenção: a acentuada tendência de retorno à "normali-
IV. Pedra e argila 213000 -33 dade" entre 1918 e 1920. Como já se notou, por volta de
XIII. Alimentação 141000 -20 1920, a distribuição entre homens adultos e auxiliares re-
IX. Têxteis 322000 -34 trocedeu, após um surto no período de guerra, a um nú-
mero próximo ao de 1913. Em termos de emprego total, as
E importante chamar a atenção para as implic"ções indústrias bélicas tinham crescido 26 por cento em 1918 e
das alterações profissionais entre 1913 e 1920 quanto aos os setores intermediários e civis tinham sofrido perdas de 37
sindicatos do SPD, uma vez que tais sindicatos represen- e 40 por cento. Mas em 1920 as mudanças respectivas vol-
tavam afinal um mecanismo significativo de integração. e taram a um acréscimo de 15 por cento, no caso das indús-
estabilidade social. Antes da guerra, o SPD contava com trias de guerra e perdas de 20 e 24 por cento para as outras
organizações sindicais massivas, isto é, com mais de cem duas. Na realidade, este período de retorno à "normali-
mil membros, entres os metalúrgicos, os mineiros, os mar- dade" foi marcado por repetidas crises políticas e insur-
ceneiros, e os operários da construção. 3 Não houve· ne- reições· sociais de grande gravidade. Ao mesmo tempo, tal
nhuma mudança dramática no número de trabalhadores tendência à reversão aos relacionamentos estruturais ante-
metalúrgicos e marceneiros por volta de 1920, embora te- riores provav~lmente ajudou os moderados a conquistar
nhanl ocorrido alterações nas condições de trabalho, a se- vantagem no final.
rem analisadas a seguir. Na mineração, entretanto, tiveram A guerra gerou tensões não somente no padrão de op-
lugar profundas flutuações, com a perda de 62 mil traba- ções profissionais disponíveis aos trabalhadores mas tam-
lhadores durante a guerra. Mas eln 1920 os mineiros eralll bém no contrato social que governava a recompensa justa
130 mil a mais que em 1913. A construção e a indústria para o trabalho. E bastante revelador o que aconteceu com
a noção de uma reconlpensa extra para a qualificação. Esse
pressuposto moral entrou em conflito com outros pressu-
(3) Havia também um amplo sindicato de trabalhadores fabris com 211
mil membros em 1913. Presumivelmente, seus filiados estavam dispersos por vá- postos morais, bem como com os imperativos de uma eco-
rias categorias profissionais. São, portanto, de localizaçao impossivel a partir des- nomia de guerra. Se em sua base tais imperativos eram os
tes dados. O sindicato dos trabalhadores no transporte, com 213 mil membros em das. classes dOlninantes, não deixavam de ser, em certo
1913, também escapa ao alcance do Serviço de Inspeção Fabril. Durante os le-
vantes do pós-guerra os trabalhadores em ferrovias desempenharam importante grau, compartilhados pelos trabalhadores, até o ponto em
papel, às vezes de um. lado, às vezes de outro. que os sacrifícios realizados pelos operários passaram a lhes
390 UMA PERSPECTIVA HlSTQRICA. INJUSTIÇA 391

parecer injustos. Em diversos setores da economia - nota- 1919, ocorreu unla recuperação surpreendente que levou
damente as ferrovias, a construção civil em certas cidades e alguns salários reais a níveis mais elevados· que em 1913,
diversas indústrias da Baviera - há evidências que sus- embora com severas flutuações entre 1919 e 1923. Durante
tentam a idéia comum de que as diferenças salariais entre esse período, registraram-se quedas de até 50 por cento. Os
trabalhadores qualificados e não qualificados declinaram. núnleros sugerem um mundo de esperanças bastante instá-
Agudos aumentos no custo de vida criaram_ a "necessidade" veis - se faz sentido, na verdade, falar de ·qualquer espe-
de proteger os trabalhadores de menor salário enl tais se- rança - e fortunas que rapidamente se .alteravam, por ra-
tores. Tal "necessidade" reflete não apenas a preocupação zões completalnente externas ao controle do trabalhador
da classe dominante com a desordem mas tanlbénl as con- individual. Por outro lado, nas séries mencionadas, os ní-
cepções populares no sentido de que deveria existir algum veis de salário real para os não qualificados sustentaram-se
tipo de salário mínimo ou realista, ao lado de remuneração melhor durante as fases de queda e elevaram-se mais du-
diferenciada conforme a qualificação e o esforço. rante as recuperações, que os níveis para os operários qua-
O nivelamento dos salários também se devia ao influxo lificados. Neste sentido, portanto, havia algumas compen-
de trabalhadores novos e nlenos qualificados, especial- sações diante das guinadas estonteantes da roda da fortuna.
mente nlulheres e jovens, como se mostrou. no Quadro 10. Existem também informações 5 sobre a média dos ren-
Por sua vez, nas indústrias de guerra, onde foi maior a ele- dimentos diários reais para os trabalhadores homens e mu-
vação proporcional do trabalho feminino e juvenil, os níveis lheres nas principais categorias industriais. Considerando o
salariais dos trabalhadores não qualificados cresceram me- mês de março de 1914 como 100, as taxas de setembro de
nos que os dos outros operários. Neste setor da economia, a 1918, pouco antes dos motins e das insurreições operárias
escassez de pessoas qualificadas para o exercício de funções que se seguiram à derrota, eram as seguintes:
tais como os ofícios de precisão na metalurgia e nas indús-
trias de maquinário serviu, juntamente com as exigências Homens Mulheres
da guerra, para manter os salários altos. 4 Há algo de intri- Indús.trias de guerra 77,4 87,9
gante no fato ele que a onda de radicalismo "proletário" In dústrias intermediárias 64,2 71,1
tenha principiado precisamente entre esses trabalhadores Indústrias civis 55,5 61,9
altamente privilegiados. Mais à frente examinaremos tal si-
tuação com mais cuidado. Um aspecto surpreendente de tal evidência é o fato de
Feitas essas observações, é tempo de levantar algumas que os salários reais para as mulheres caíram substancial-
questões sobre a importância das agruras materiais diretas mente lnenos que os dos homens. O fato é importante por
no conjunto elo levante. Não há razão para duvidar que es- várias razões. Para a maior parte dos trabalhadores, o que
tavam presentes dificuldades materiais bastante severas realmente importava eram os rendimentos familiares, não
entre muitos trabalhadores por volta do término da guerra e apenas os salários do arrimo da família. Uma das formas de
no curso dos anos caóticos que se lhe seguiram. Em al- enfrentar os salários menores e os preços mais elevados era
gumas regiões, houve fome pura e simples. Os níveis dos que outro membro da família - mulher, filho ou filha -
salários reais para profissões determinadas mostram declí- arranjasse um emprego. Se o pai tivesse que ingressar nas
nios de 25 a 50 por cento entre 1913 e 1917. Em 1918 e

(5) Todos os dados sobre níveis salariais foram extraídos de Bry, Wages in
(4) Gcrhard Bry, Wages in Germany 1871-1945, pp. 202-203, 283~284. Germany, pp. 210-212.
392 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ...
INJUSTIÇA 393

forças armadas, a única maneira de salvar a situação era


nomia e da população civis em tal escala. Os trabalhadores
que outra pessoa da família procurasse um trabalho. Infe-
ressentiam-se grandemente do fato de terem que suple-
lizmente, não existem formas de obter uma medida quanti-
tativa da contribuição feminina à renda familiar, pois não mentar sua dieta no mercado negro, onde, ao que parecia,
há infonnação que demonstre quantas mulheres na força os ricos podiam o que quisessem e quando quisessem. 8
de trabalho eram esposas ou filhas em lares de trabalha- Para sintetizar o que significaram as dificuldades ma-
dores. 6 Por outro lado, os acréscimos na força de trabalho teriais - e o que elas não significaram - três pontos se
auxiliar registrados no Quadro 10 mostram com muita cla- projetam nitidamente e merecem maior ênfase. Os dados
reza que as famílias operárias buscaram (ou foram forçadas sobre as modificações nos salários reais demonstram que
a buscar) essa solução em ampla escala durante a guerra, períodos de crescente dificuldade material não coincidem
mas a abandonaram tão logo possível, apesar de conti- estritamente com períodos de insurreição política. Os salá-
nuarem presentes as dificuldades agudas. 7 rios reais eram menores em 1917 que em 1918. As agruras
Apesar das jornadas extraordinariamente longas e dos materiais constituem uma causa muito necessária mas
salários que não conseguiam acompanhar os preços, sem- totalmente insuficiente para os levantes sociais. Em se-
pre com a exceção de alguns operários altamente favore- gundo lugar, aqueles que se achavam na base da pirâmide
cidos das indústrias de n1unição, as agruras materiais eram econômica, os não qualificados, não eram em geral os que
mais sofriam. Finalmente, a ameaça radical das "massas",
algo que Se sentia mais como consumidor que como traba-
um termo questionável mas ocasionalmente útil, originou-se
lhador. Ou, para colocar a questão con1 mais clareza, eram
de seu setor mais privilegiado, os trabalhadores metalúr-
algo que causava maiores danos depois do trabalho que no
gicos de Berlim.
próprio trabalho, embora este também os provocasse. Mais
uma vez, é difícil fixar este ponto em termos quantitativos.
Mas já observamos as evidências de que as indústrias que
produziam bens de consumo registravam escassez de mão- A disputa entre 11) SPD e lOS radicais
de-obra. Careciam também de matérias-primas, inclusive,
obviamente, alimentos. A julgar pelas informações de fon- O que venho chamando até aqui de Revolução Refor-
tes dispersas, incluindo os relatórios do Serviço de Inspeção mista de ·1918-1920 constituiu, na realidade, uma aguda
Fabril sobre a atmosfera política reinante entre os traba- disputa pela lealdade das classes trabalhadoras industriais
lhadores, o sistema de racionamento funcionava de uma e por seu controle. O confronto principal deu-se entre os
forma surpreendentemente errática para uma criação da líderes moderados e reformistas do SPD e um conjunto
burocracia alemã. Ê importante lembrar, entretanto, que heterogêneo de oponentes que apenas tinham em comum
tratava-se da primeira guerra a exigir a mobilização da eco- sua desilusão com a política do SPD durante e imediata-
mente após a guerra. Um terceiro personagem fundamental
desse drama trágico foi o Exército e seus oficiais mais im-
(6) Waldcmar Zimmermnnn, "Die Veranderung der Einkommens- und portantes. Ê sempre arriscado para o historiador definir os
Lebensverhãltnisse der deutschen Al'beiter durch den Krieg". em Rudolf Meer-
warth et a/ii, Die Einwirkung odes Krieges, p. 468.
temas antes de descrever o conflito, pois muitos dos parti-
(7) De outra forma, seria necessário crer que esse imenso influxo de mu-
lheres e jovens era proveniente de fora da classe-trabalhadora industrial. Posto
que as mulheres canlponesas e~h.lYam, luuitas, ocupadas·em lavrar suas terras e as (8) Bry, Wages in Germany, p. 213; Jürgen Reulecke, "Der Erste Welt-
mulheres burguesas alemãs não o fariam em qunlquer escala significativa, essa krieg und die Arbeiterbewegung im rheinisch-westHilischen Industriegebiet", em
possibilidade parece a m.ais improvável. Rculecke, Arbeiterbewegullg an Rheilltmd Ruhr, pp. 221-222.
394 UMA PERSPECTIVA J-llSTORICA ... 395
INJUSTIÇA

cipantes apenas se torn<'UTI conscientes do que está em jogO inerente aos próprios fatos. Apenas recentemente, uma
conforme a situaçào se desenrola e as opções têm que ser nova geração de historiadores alemàes começou a investigar
feitas ao espocar .dos fuzis, ao roncar dos canhões ou ao com mais cuidado essa máscara de inevitabilidade. Quando
rugir das massas inquietas. Por essa razão, igualmente, é chegarmos aos 'dados voltaremos a esse tema.
necessário apresentar um relato cronológico conveniente- Embora S01uente UIU relato descritivo possa esperar
mente detalhado dos pdncipais acontecimentos. l'Hl...o há reconstruir o modo pelo qual os temas realmente vieram à
outra lnaneira de fazer justiça a esse exemplo fascinante e luz e apareceram aos olhos dos participantes diretos, um
trágico de escalada e polarização, à medida que os lados em relato completo é tarefa impossível. Mesmo o cronista mais
conflito buscavam encontrar instrumentos mais poderosos e inocente é guiado por princípios de escolha. Por sua vez,
eficazes contra seus opositores. 9 tais princípios se relacionam COIU os problemas para os
Mesmo assim, ainda que o leitor mantenha esse risco quais se buscam as respostas. Nesse sentido, será ao nIesmo
em mente, faz-se necessário compreender o que os próprios tempo conveniente e útil indicar muito brevemente quais
envolvidos nem sempre podiam enxergar: que a disputa se são essas questões e esses temas que orientam a narrativa.
dava em torno da possibilidade (e da necessidade) de trans- Em primeiro lugar, como pôde ocorrer que a liderança so-
formar a Alemanha numa sociedade muito mais humana, cialista concluísse UIua aliança dos trabalhadores com se-
por métodos que permanecessem dentro dos limites das tores-chave dos desacreditados estratos dominantes? Em
tradições liberais. De modo geral, os radicais tornaram-se que pressupostos e análises sobre a situação existente re-
convictos de que os métodos e as instituições liberais e par- pousava a estratégia reformista? Em segundo lugar, em que
lamentares eram totalITlente incompatíveis com esse obje- constituía a ameaça radical à estratégia reformista e como
tivo. O liberalismo passou a ser algo que os radicais rejei- ela se inseriu no contexto mais amplo da política alemã e
tavanI tanto como meio quanto como fim, em parte devido internacional? Finalmente, que tipo de apoio podiam os
ao que eles consideravaln que estava ocorrendo à medida contestadores reunir? Como e por que tal sustentação va-
que os socialistas moderados procuravam se comportar riou à medida que a luta prosseguia?
conlO os liberais e se parecer eom eles. Outros radicais cer- A eclosão da guerra sanou apenas temporária e super-
tamente sentiam que o liberalismo fazia parte do sistema ficialmente as divisões no interior do SPD. A maior parte
capitalista de forma inevitável e inerente. El,es partiram de dos lideres socialistas efetivamente proporcionou seu apoio
uma atitude de súspeita misturada ao desdém. Muito , à guerra. Como também o fez, por algum tempo, uma
tempo depois dos acontecimentos, tanto os moderados esmagadora maioria das classes trabalhadoras industriais,
COlno os revolucionários inclinaram-se a argumentar, de pelo menos no sentido de fornecer seus serviços esponta-
pontos de vista bastante diversos, que o seu lado seguiu neamente e não causar problemas para as autoridades. De
uma política basicamente correta, a única possível sob as início, as disputas se limitavam à liderança e à questão de
circunstâncias da época. Dessa maneira, eles partilhavam saber se os socialistas podiam em sã consciência sustentar o
um ar de inevitabilidade que na realidade podia não ser esforço de guerra alemão, ou se tal esforço era fundamen-
talmente uma defesa da pátria (que podia permitir ao me-
nos algumas retificações de fronteiras e mesmo uma pe-
(9) Este é um Rcocesso que ocorreu mais de lll11<l vez. Tucídides descreve quena Inargem de anexações em benefício da segurança) ou
seu sungrcnto desenrolar na eidade de Careira nos estúgios iniciais da Guerra do
Peloponeso e reflete sobre ele em uma passagem famosa (Lv. IH. LXXXV, cspec. alguma coisa bastante diferente .. Os líderes que se opu-
LXXXII-LXXXV), que permanece até hoje como um dos melhores argumentos seram à guerra procuraram, com efeito, estabelecer orga-
em defesa da moderação política.
nizações políticas e identidades distintas. Os espartaquistas
396 UMA PERSPECTIVA HlSTÔRlCA ... INJUSTIÇA 397

o fizeram como pequeno grupo revolucionário sob a lide- trabalhadores mais qualificados. Em seguida ganharam o
rança de Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht já a i? de controle de quase toda a indústria de armamentos em Ber-
janeiro de 1916. 10 Eles se mantiveram enquanto um núcleo lim. Tratava-se evidentemente do setor mais privilegiado da
de oposição no quadro mais amplo de um grupo maior e economia alemã. Richard Müller, como principal líder dos
mais moderado, o Partido Social Democrata Independente Delegados de Fábrica Revolucionários, enfatiza que a aris-
(USPD), fundado a 6 de abril de 1917, num momento em tocracia operária de trabalhadores altamente qualificados
que a situação da Alemanha começara visivelmente a se de- configurava a força inotriz do movimento radical daquele
bilitar. A linha divisória entre os que estavam dispostos a período. Praticamente não havia radicalismo no seio dos
trabalhar pela mudança dentro dos limites da ordem vi- estratos mais baixos do operariado. Na verdade, as últimas
gente e aqueles que buscavam derrubá-la passava pelo inte- eleições para o Reichstag em 1918 demonstraram, de acor-
rior do USPD e não exatamente entre o USPD e os esparta- do com Müller, que a massa dos operários não havia rom-
quistas. Na realidade, ela passava entre os chefes do USPD, pido com as ilusões reformistas e democráticas. Isso valia
que mostravam grande dificuldade em recompor suas idéias mesmo para os trabalhadores de Berlim, como mostram as
no torvelinho daquela época. Embora o USPD tenha procu- eleições aí realizadas aiS de outubro de 1918, menos de um
rado tornar-se um partido político de massas após o final da mês antes da eclosão daquilo que denominei a Revolução
guerra, fracassou em estabelecer qualquer identidade polí- Reformista." Por seu lado, tais trabalhadores altamente
tica mais clara ou efetiva, em grande medida porque seus qualificados estavam dispostos a entrar em combate não
líderes, e muito provavelmente uma ampla proporção de somente em benefício de seus próprios interesses mas tam-
seus seguidores, podiam encontrar poucos pontos de con- bém com o intuito de auxiliar aquelas categorias de ope-
cordância, além da oposição às políticas dos socialistas rários cuja posição era mais frágil. 12 Se isso é verdade,
majoritários. Até o último ano da guerra, todos esses líderes aponta para a possibilidade de um sentimento de culpa
da oposição permanecerem generais sem exércitos. Quando entre os privilegiados trabalhadores da indústria de arma-
enfim um exército fez sua apa.rição, na forma de uma opo- mentos. Mas havia outros fatores por trás de seu radica-
sição aberta à guerra por parte de setores operários signifi- lismo. Se eles eram altamente qualificados e altamente re-
cativos, os generais se mostraram incapazes de comandá-lo. munerados, não deixavam de ser também, em outros.aspec-
Em escala considerável, os trabalhadores desenvol- tos, definitivamente proletários. Trabalhavam em grandes
veram a sua própria liderança, seus próprios métodos de empresas como AEG, Borsig e Siemens. Eram também
ação e de organização. Já no primeiro ano da guerra, um completamente urbanos. Em seu caso, os vínculos com uma
grupo de dirigentes locais do sindicato dos metalúrgicos de existência rural, pequeno-burguesa e artesã já tinham sido
Berlim, depois denominado Delegados de Fábrica Revolu- dissolvidos. I3
cionários, deu início às suas pritneiras tentativas de organi- A partir de 1916-1917, os Delegados de Fábrica Revo-
zação. Eles se constituíam em dirigentes sindicais locais lucionários procuraram estender sua influência e suas cone-
que se opunham à política oficial de conceder uma trégua
econômica e política durante as hostilidades, uma política
(11) Richard MüIls;:r, Vom KaiserreicJz zur Republik. voI. 1, pp. 131·132.
seguida por todos os sindicatos. A princípio eles dirigiram (12) Müller, Kaiserreiclz, voI. 1, pp. 131-132.
seus esforços ao setor sindical dos torneiros, composto dos (13) Fritz Opel, Der Deutsehe Metallarbeiter- Verbatid wãh.rend des Ers-
len l-Veltkrieges und der Revolution, pp. 54-55. Neste aspecto seu modo de vida
presumivelmente diferia marcadamente do dos trabalhadores industriais mencio-
nados acima, que procuraram através do trabalho árduo arranjar suas vidas em
(10) A. 1. Rydcr. German Rel'olU1ioll of 1918, pp. 70, 94. lima maneira gut biirgerlich.
, 1:
,I·
li
! 398 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ... INJUSTIÇA 399

xões de forma bastante difusa por toda a Alemanha.. Ti- nhUlua idéia sobre o que seria feito após a tomada do
nham apenas relações muito tênues com os espartaquistas poder. 15 Sua tática central consistia em pressionar o go-
porque não confiavam nas inclinações deste grupo para um verno através de greves. Nisso eles se tornaram cada vez
Putsch revolucionário prematuro. Também desconfiavam mais bem-sucedidos, embora fossem capazes de articular
do USPD pela razão oposta: sua excessiva confiança nos uma greve apenas quando algum acontecimento específico
métodos parlamentares. Os Delegados de Fábrica Revolu- acendia o descontentamento latente entre os trabalhadores.
cionários não constituíam um agrupamento mnito extenso. A primeira greve importante ocorreu a 28 de junho de
Seu núcleo não chegava a mais que cinqüenta ou oitenta 1916, quando Karl Liebknecht foi julgado por traição. Na-
I, indivíduos que compartilhavam pontos de vista políticos quela ocasião os torneiros paralisaram suas máquinas. Em
I cQmuns, confiança mútua e posições estratégicas numa fá- Berlim, segundo se alega, SS mil operários entraram em
,I brica específica. Os membros de seu grupo central, por sua greve para expressar sua solidariedade. Em abril de 1917,
I vez, cultivavam relações com trabalhadores com as mesmas uma greve muito mais ampla teve lugar, qnando o governo
opiniões situados em outras fábricas. Dessa maneira infor- ordenou um corte de um quarto na ração de pão. A greve
mal, eles eram capazes de exercer uma influência bastante mais relevante do período da guerra foi, de longe, a de ja-
poderosa à medida que as condições em d.eterioração pro- neiro de 1918, iniciada pela mesma razão. Teve início na
duziam a desilusão frente à guerra em setores cada vez mais Áustria com um corte na magra ração de farinha de trigo.
amplos do operariado. 14 Daí ela se espalhou lentamente para a Alemanha. Em Ber-
Embora como tendência minoritária no seio da classe lim, talvez tenham entrado em greve 200 mil operários por
trabalhadora, o movimento dos Delegados de Fábrica Re- volta de 28 de janeiro de 1918. A têmpera política do movi_o
volucionários representa efetivamente uma expressão au- mento aparece no comitê de ação eleito pelos grevistas. Ha-
têntica de radicalismo inato da classe operária. Uma vez via onze membros dos Delegados de Fábrica Revolucio-
que ela brotou entre a aristocracia operária, podemos dei- nários, três representantes do USPD e, sintomaticamente,
xar a outros a discussão sobre se merece ou não ser caracte- três membros do SPD, que permanecia oficialmente em
rizado como radicalismo proletário. Ele veio à luz e con- grande parte favorável à continuação da guerra. A escolha
quistou apoio de massas somente como conseqüência da de três membros do SPD sugere que mesmo os militantes
guerra. Mas não é possível defender que fosse um acidente operários ainda se mostravam relutantes em cortar os laços
ou um resultado externo ao desenvolvimento da sociedade com seus líderes tradicionais, uma atitude que persistiu
industrial moderna, a menos que se queira defender que a após o término da guerra. Caracteristicamente, a greve co-
própria guerra foi um acidente. (Mais precisamente, seria meçou com reivindicações de consumo, refletindo expe-
necessário acreditar que. dadas as configurações políticas e riências muito mais amplamente partilhadas que aquelas
econômicas do início do século XX, as perspectivas de paz do local de trabalho, que podiam variar de função para
eram pelo menos tão boas como as de um conflito global _ função ou de uma para outra fábrica, levantando a seguir
uma proposição, a meu ver, difícil de engolir.) Sem dúvida, reivindicações políticas bastante específicas à situação ime-
tratava-se de um radicalismo rudimentar e incerto: os De- diata. A greve se alastrou rapidamente a várias outras ci-
legados de Fábrica Revolucionários tinham pouca ou ne- dades alemãs. Suas exigências mais importantes eram a rá-
pida conclusão da paz, sem anexações e indenizações, nas
(14) Petcr von Oertzen, Betriehsriite in der Novemberrevolution, pp. 72-
75; Eberhard Kolb, Die Arbeiterrate in der deutschen Innenpo/itik 1918-1919.
pp. 38-41.
(15) Kolb. Arbeiterrã"le. pp. 41-42.
400 UMA PERSPECTIVA HISTOmCA ... INJUSTIÇA 401

bases estabelecidas pelas propOSlçoes russas em Brest- frágil. Perto do final de outubro de 1918, os sinais de disso-
Litovsk. Apenas em Berlim e Munique a greve perdurou lução começavam a se tornar ameaçadores e incluíam a
por uma semana. Ela encontrou seu fim quando o governo perspectiva de que o SPD perdesse o controle sobre os seus
colocou as fábricas de armamento de Berlim sob lei in ar- próprios seguidores. '8 Seriam necessárias concessões rápi-
cial. O movimento constituiu também a única ação de mas- das e complementares se os empresários e o movimento
sas em escala nacional até a eclosão da Revolução de No~ operário organizado quisessem conter a ularé rnüntante. A
vembro, ainda em 1918. '6 2 de novembro de 1918, ambas as partes conseguiram con-
. Enquanto isso, à medida que a inquietação aumentava cordar quanto à necessidade de um gabinete de desmobili-
e as perspectivas de derrota substituíam as esperanças de zação com amplos poderes executivos. Em si próprio, tal
vitória, os elementos dominantes começavam a fazer con- acordo revelou-se mais importante como sintoma que como
cessões e mesmo a buscar um anteparo contra a desordem, qualquer outra coisa. No dia seguinte, já estava a caminho
por meio de negociações com os líderes "responsáveis" da um motim em Kiel. Este serviu de estopim a um movimento
classe trabalhadora. Já a 7 de abril de 1917, um dia depois revolucionário espontâneo que se espalhou pela maior parte
da formação oficial da USPD, o imperador Guilherme ti- da Alemanha, assumindo diferentes formas e exibindo graus
nha promulgado um decreto de Páscoa prometendo refor- diferentes de ardor revolucionário nas mais diversas regiões
mas para após a guerra. Seu anúncio de que "não havia do país. A 12 de novembro de 1918, em meio a esta suble-
mais lngar" para o sistema de sufrágio em três classes sig- vação, Hugo Stinnes, o industrial, e Carl Legien, líder dos
nificava uma promessa de atendimento de uma das princi- sindicatos operários, concluíram uma grande negociação
pais reivindicações dos socialistas moderados no pré-guer- fbrmal. Os industriais concordaram em interromper o apoio
ra. 17 Até outubro de 1918, por sua vez, os grandes empre- financeiro aos sindicatos amarelos; aceitaram também a
sários tinham depositado suas expectativas numa vitória jornada de oito horas para todas as fábricas (mas com a
militar que fortaleceria o regime autoritário e, portanto, a permissão do trabalho extra), bem como a introdução geral
sua própria posição frente à classe trabalhadora organi- dos acordos salariais coletivos. Nos acordos Stinnes- Legien,
zada. Em outubro a perspectiva de derrota era clara. Dessa o movimento operário organizado viu atendidas as reivindi-
maneira, os líderes empresariais abandonaram, pelo menos ca'lões fundamentais buscadas pelos movimentos de traba-
por algum tempo, suas relações tradicionais com os Junkers lhadores em todos os países. Isso não deixa de ser verdà-
e com o Estado autoritário a fim de procurar um acordo deiro, mesmo se considerarmos que os patrões procuraram
com os trabalhadores. Nessa altura, eles ainda não estavam proteger-se com uma linguagem alnbígua e protocolos se-
dispostos a acabar com o apoio que forneciam aos sindica- cretos, e conseguiram evitar qualquer interferência do sin-
tos (de empresa) amarelos, embora concordassem em reco- dicalismo na operação de suas empresas ou na conduta dos
nhecer os sindicatos nominalmente socialistas como repre- assuntos empresariais. '9
sentantes dos operários, bem como a noção geral de pari- O padrão dos acontecimentos, da proclamação do im-
dade entre o trabalho e o capital. Já havia precedentes deste perador até o acordo Stinnes-Legien, não era novo na Ale-
tipo sob pressão governamental durante a guerra, ainda que manha. Nas reformas Stein-Hardenberg, no constituciona-
então o poder dos representantes dos trabalhadores fosse lismo limitado de 1848, na democratização parcial de 1918
e em sua extensão em 1945, a Alemanha experimentou
(16) F. L. Carsten. Re~'olution i" Central Europe 1918-1919, pp. 12-15.
(17) Gerald D. Feldman, Anny, Industry, Qnd Labor in Germany 1914- (18) Conforme von Ocrtzen, Betriebsrate, p. 64.
1918, p. 336. (19) Feldman, Army, IlldJistry. andLabor, p. 525-528.
402 UMA PERSPECTIVA HISTÔRICA ... INJUSTIÇA 403

transformações institucionais que em outros países do Oci~ asselubléia provisória de operários, soldados e carnponeses
dente foram produto de agudas lutas internas, às vezes re- proclamou a Baviera uma república, com Eisner como seu
volucionárias. Na Alemanha, por outro lado, elas constituí- presidente. Simultaneamente, a revolução conduziu a uma
ram a conseqüência de reformas burocráticas decretadas do mudança de governo em "Yürttemberg, desencadeada por
topo, num cenário de derrota ou de revolução abortada, uma greve operária nas fábricas de Daimler e de outras em-
quando não de ambas. É esta uma das principais razões presas. A 8 de novembro, a l'evolução principiou na Saxô"
pelas quais foi difícil fazer com que as reformas pegassem, nia, o que levou ao prematuro manifesto dos conselhos de
ou que se transformassem numa parte aceita da vida insti- trabalhadores e de soldados de Dresden, Leipzig e Chemnitz
tucional alemã. O pacto Stinnes-Legien não significou um (14 de novembro) que proclamou o colapso do capitalismo
sinal de maturidade e poderio dos sindicatos, mas de sua e a tomada do poder pelo proletariado revolucionário. Atin-
debilidade num período tumultuado e de crise. Não confi- , gindo Berlim depois das outras cidades, a onda da revolu-
gurou a aceitação pelo trabalho e pelo capital de métodos ção chegou àquela metrópole somente a 9 de novembro de
para a resolução das disputas dentro de um quadro mais' 1918. Nesse dia foi anunciada a abdicação do imperador e
amplo de concordância sobre as instituições fundamentais. proclamada a república por Philipp Sheidemann, importan-
Ele foi uma guinada nas alianças, mais um minueto diplo- te líder do SPD que durante a guerra trabalhara em estreito
mático em meio ao fragor da batalha que uma .efetiva alian- contato com os círculos governamentais. 21
ça, mais um flerte que um casamento. Embora a proclamação da república tivesse enfurecido
A Revolução de 1918 teve início com o motim dos mari- Friedrich Ebert, o dirigente do SPD a quem o último chan-
nheiros em Kiel. A 28 de outubro, os marinheiros se recu- celer imperial tinha entregado formal e pacificamente o go··
saram a obedecer às ordens do almirantado para que saís- verno, há boas razões para crer que a medida impediu ações
sem ao mar a fim de combater os britânicos. A 3 de novem- mais radicais. Em Berlim, por volta do final de outubro ou
bro, o motim se tornara uma revolta e começara a alastrar- inicio de novembro de 1918, os Delegados de Fábrica, Revo-
se para as instalações da costa e outras cidades. Ã medida lucionários tinham à sua disposição cerca de 120 mil operá-
que se espalhava, os revoltosos formaram conselhos de ope- rios dotados de experiência militar, dos quais acreditavam
rários e de soldados. Embora o nome e a idéia básica tives- que 75 mil estavam prontos a entrar em greve a seu co-
sem surgido primeiramente na Rússia, esses corpos consti- mando. A 2 de novembro de 1918, o seu comitê executivo
tuíram sobretudo uma resposta alemã às condições germâ- elaborou um plano detalhado para a tomad·a da cidade. 22
nicas. 2o Em sua maior parte, eram bastante moderados, Conquanto Karl Liebknecht tivesse declarado a Alemanha
dispostos principalmente a cooperar com os militares e os uma "república socialista livre", logo após a proc1ama-
funcionários civis na manutenção da ordem durante o pe-
ríodo de transição cujo desfecho era altamente incerto. Mas (21) Para esses acontecimentos completei a seqüência descrita em William
nem todos eles tinham essas características. A 7 de novem~ L. Langer (org.), ATJ Encycloplledia Df World History, com Ryder, Germall Revo-
bro, em Munique, Kurt Eisner marchou à frente de mani- lutioll, pp. 140, 145, 147; Carsten, Revolutioll, pp. 35-38; Schulthess' Europais-
festantes do USPD, que tinham tomado armas, sobre os cher Geschichtskalendar. N. F., voI. 34 (1918), parte 1. pp. 406 e segs., e a"Chro-
nick", 'pp. 515 e segs., do Illustriert Geschichte der Dcutschen Revolutioll.
quartéis. Os ocupantes destes hastearam a bandeira verme- (22) Heinz Oeckel, Die Revo/utiolliire Volkswehr 1918/19. Segundo Mül~
lha e marcharam sobre a cidade. A 9 de novembro, uma ler, Kaiserreich. vol. 1, p. 139, a data da tomada deveria ser 11 de novembro. Mas
também havia, como ele lnostra claramente, uma gt"ande dose de confusfío e in~
certeza sobre a conveniência de qualquer tentativa, especialmente pOl"que a dis~
posição reformista dos trabalhadores das províncias não se comparava à militân~
(20) A esse respeito ver especialmente Kolb, Arbeiterrãtc, pp. 56-60. cia dos operários urbanos"
404
UMA PERSPEC'fIVA IIlSTÓRICA INJUSTIÇA 405

ção de SCheidemann, a transferência do poder para Ebert sibilidade de uma recusa a conceder legitimidade popular
e seus colegas antecipou-se a qualquer movimento nesse
sentido. ao novo governo ele Ebert.
Em vez disso, o que ocorreu foi um arranjo de com-
A velha ordem se desfazia rapidamente ante os olhos promisso que deu ao SPD uma vantagem substancial. A
de todos. Com a visão enganosa que nos fornece a percep- assembléia do Circus Busch confirmou o Conselho dos Re-
ção histórica tardia, é possível defender vigorosamente a presentantes do Povo com as mesmas proporções acertadas
tese de que as forças revolucionárias eram ainda essencial_ pelos dois partidos. Foi uma vitória fundamentai para Ebert
mente moderadas nesta fase do desenrolar dos aconteci_ e os moderados. A esquerda apenas conseguiu, além do
mentos. Mas a situação era fluida e certamente nem todas gesto simbólko de enviar saudações fraternais ao governo
as forças revolucionárias eram moderadas. Para os que dela soviético com uma expressão de "admiração pelos operários
participavam, fossem moderados com agudas ansiedades ou e soldados russos que abriram o caminho para a revolução,
radicais com altas esperanças, a revolução dificilmente po- e de seu orgulho de que os trabalhadores e soldados ale-
deria ter parecido tão moderada. A situação lembra a velha mães tenham seguido o seu exemplo (. .. )", a fOl'mação de
história do homem que observava um leão num zoológico um Conselho Executivo (Vollzugsrat) para os conselhos de
onde as jaulas eram bastante frágeis. Num esforço para trabalhadores e operários, Este iria reivindicar uma autori-
tranqüilizá-lo, o guarda disse-lhe que o leão não era real- dade de controle e supervisão sobre as ações do Conselho
mente perigoso. "Você sabe que ele não é perigoso" _ re- dos Representantes do Povo. Essa reivindicação, porém, ele
trucou o visitante - "e eu também sei disso. Mas você tem nunca foi capaz de sustentar. 23
certeza de que o leão o sabe?".
A importante vitória de Ebert no Circus Busch foi con-
Em hipótese alguma Ebert iria arriscar-se. Ao se colo- seqüência do apoio popular entre os operários de Berlim,
carem à testa da revolução, os dirigentes do SPD tinham
embora houvesse elementos de manipulação, como em geral
interceptado a possibilidade de que a onda de radicalismo
pudesse varrer o capital. Ãmedida que os acontecimentos acontece, por trás desse plebiscito local. Müller, líder dos
Se desenrolatam, esse movimento mostrou-se crucial para Delegados de Fábricas Revolucionários e ativo participante
quebrar a força de impacto da onda na forma como ela se dos acontecimentos, oferece um relato de primeira mão que
apresentava. Não obstante, a situação a partir do dia da revela bastante sobre o estado de espírito dos operários e
proclamação da república ainda era volátil. As forças da dos soldados naquele momento. Segundo ele conta, os tra-
moderação e da mudança ordeira estavam longe de se sen- balhadores nas fábricas mostravam impetuoso entusiasmo
tirem com o controle dos fatos. Em complexas negociações frente ao aparente término elo fratricídio socialista e à uni-
sobre o caráter do novo governo, o SPD tinha concordado dade entre o SPD e o USPD. Nas assembléias de fábrica
em partilhar o poder de forma igualitária com o USPD. rapidamente convocadas para eleger delegados para a as-
sembléia do Circus Busch, os Delegados de Fábrica Revo-
Três assentos no apressadamente formado governo provisó-
rio, o Conselho dos Repj'esentantes do Povo (Rat der Vo/ks- lucionários não tiveram sucesso em seus esforços de lem-
beauftragten), foram conferidos ao SPD, três ao USPD. En-
brar os trabalhadores sobre a traição dos interesses econô-
quanto isso, a esquerda procurara ganhar um ponto. Con-
selhos de trabalhadOl'es e soldados seriam eleitos nas fábri- (23) Carsten. Revolutio1i, pp. 39-40, 47-49. 75; Kolb. Arb.eiterrate, pp.
cas e nos quartéis de Berlim na manhã seguinte, para se 114-137, trata em detalhe o conflito entre o Rat der Volksbeauftragten e o Voll-
reunirem no Circus Busch na tarde do dia 10 com o fim de zugsrat originário da assembléia do Circus Busch. Para uma breve descrição de
todos os Conselhos e conselhos que vieram à luz duruule o período analisado. o
eleger o governo provisório. Havia assim pelo menos a pos- leitor pode consultar a nota acrescentada a este capítulo.
406 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ... 407
··'l INJUSTIÇA

micos operanos por parte do SPD e sobre a colaboração governo. Ao mesmo tempo, procurou conseguir seu apoio,
deste partido com o governo do imperador. Em algumas inclusive o dos membros do USPD e até mesmo de Emil
fábricas, os delegados do SPD que teriam sido derrotados Barth, o único representante dos Delegados de Fábdca Re-
um dia antes por não a.derirem à greve geral foram eleitos volucionários, para o atendimento das reivindicações do
membros do conselho dos trabalhadores. Tornou-se evi- general Groener, em sua essência. 26 A decisão de Ebert
dente p8,l'a os líderes dos Delegados de Fábrica Revolucio- equivaiia a uma continuação da política do SPD e dos Sil1di~
nários que a assembléia do Circus Busch daria apoio quase catos no tempo da guerra. Ao aceitar o oferecimento e os
certo a um governo no qual os socialistas de direita teriam termos do exército sob as novas condições, Ebert associara
predomínio, que esse governo quebraria o poder dos conse- suas forças às dos reacionários, e assim o fizera quase ime-
lhos de trabalhadores e se encaminharia para uma Assem- diatamente depois da confirmação de seu poder pela assem-
bléia Nacional e para uma república democrático-burguesa. bléia popular no Circus Busch. Até onde possa haver al-
(Nessa avaliação eles estavam, sem dúvida, absolutamente guma razão para levar a sério a noção de uma "punhalada
corretos.) Assim, esses líderes decidiram recorrer a um es- pelas costas" (a frase depois cunhada por Hindenburg para
tratagema: levar a assembléia a eleger um esquerdista "co- expressar a tese reacionária de que a Revolução Alemã
mitê de ação", com podel'es mal definidos que poderiam atr"aiçoara um exército supostamente indefeso e tomara o
servir de contrapeso ao governo e fornecer algum tipo de poder de honestos patriotas alemães por meios escusos), ela
sustentação revolucionária. Os soldadÇls presentes na as- pode ser aplicada aqui em sentido inverso. O acordo secreto
sembléia, entre os quais o SPD vinha realizando uma dose de Ebert com o Estado-Maior foi uma punhalada nas costas
razoável de agitação, de acordo com Müller -- embora isso ·não somente de uma revolução socialista, que, por razões
dificilmente parecesse necessário .- perceberam o artifício que exporei a seguir, não estava realmente na ordem do
e provocaram um tumulto que quase interrompeu a reu- dia, mas mesmo ·de uma revolução liberal.
nião. Enquanto isso, os trabalhadores permaneceram sim- Ãs onze horas da manhã do dia seguinte à conversação
plesmente calados. Ironicamente, foi o próprio Müller quem telefônica de Ebert com o general Groener, 11 de novembro
propôs a eleição de Ebert e de seus colegas. 2' de 1918, cessaram formalmente as hostilidades na frente
Após seu retorno da assembléia do Circus Busch, Ebert ocidental e no outro dia foi assinado o pacto Stinnes- Le-
recebeu uma chamada telefônica do general Groener, o su- gien. Ainda que, por mais curioso que possa parecer, ne-
cessor de LudendorH e braço direito de Hindenburg, que nhum desses acontecimentos tenha merecido qualquer aten-
durante· a guerra fora o oficial do exército que mantive- ção mesmo nos relatos mais detalhados sobre o período,
ra as lnais extensas negociações com o movimento dos tra- ambos seriam muito valiosos aos líderes moderados e tra-
balhadores. O general Groener inforinou a Ebert que o dicionais da classe trabalhadora em sua disputa com os que
Alto Comando punha-se à disposição do novo governo. estavam à sua esquerda. A paz era aquilo que a massa da
Em troca disso, esperava que o governo combatesse o bol- população, inclusive os operários, mais profundamente an-
chevismo e desse apoio ao corpo de oficiais em sua tare- siava. E, comojá foi assinalado, o pacto Stinnes-Legien sig-
fa de manutenção da ordem e da disciplina no exército. 2s nificou a realização de objetivos universais há muito susten-
Ebert escondeu sua resposta de seus colegas socialistas de tados pelos sindicatos, embora essa conquista fosse cercada
de garantias e possíveis válvulas de escape para os patrões.

(24) Müller, Kai.'iI:'Treicb, vaI. 2, capo 4. espec. pp. 34, 36, 40.
(25) Carsten, Revolulioll, p. 55.
(26) Ryder, German Revolution, pp. 160-163.
408 UMA PERSPECTIVA HISTORJCA ... INJUSTIÇA 409

Quase à mesma época, por outro lado, ocorreu um SUT~ próprios. Seu fracasso em resolver o problema do exército e
to de novas filiações aos sindicatos que se provaria Uma da polícia (mais elo que isso, sua espantosa desatenção com
bênção bastante complexa para os moderados. Imediata_ esses temas) constituiu um rator decisivo da derrocada ge-
mente antes do início da revolução, o número de associados raL Assim, não é de espantar que logo após terem sido acei-
dos sindicatos vinculados ao SPD estava em 1453000 tra- tos no poder (não houve uma tomada do poder), a maré ra-
balhadores. 1'10 final de 1918, tal llúmerü praticanlente do~ dical que refletia a insatisfação popular reunisse forças para
brara para 2 866 000. Durante os três meses seguintes houve atingir intermitentemente o governo de Ebert e de seus su-
quase 2 milhões de novas filiações. O surto continuou em cessores. Com o fracasso das tentativas radicais, a maré da
1919 até atingir no total a enorme cifra de 7338000, por revolta iria amainar sob a forma de uma taciturna corrente
volta do fim daquele ano. A maioria desses operários era de de rejeição organizada ao status quo: o Partido Comunista
recém-chegados sem prática sindical 2 ? e particularmente Alemão:
) desacostumados da estratégia de fazer greves no momento Os líderes reformistas do SPD defendiam efetivamente
adequado, quando os lucros pareciam promissores e o mer- uma política, no sentido de uma percepção mais ou menos
cado de trabalho estava apertado para um setor específico comum da situação com que se defrontavam e de uma es-
da indústria. Por volta de meados de novembro de 1918, tratégia para enfrentá-la. A menos que se tomem a sério as
a atmosfera entre os trabalhadores era uma combinação de perspectivas de uma revolução de dimensões mundiais que
euforia diante da perspectiva de transformações de grande afastasse de um só golpe Clemenceau, Lloyd George e Wil-
alcance (não acabara de subir ao poder um governo "socia- son, o resultado das vontades desses homens iria inevitavel-
lista"?) e de desesperança devido aos deslocamentos, às cri- mente situar os limites externos da situação política alemã.
I ses de abastecimento e à fadiga provocada pela guerra. Tais limites provavelmente deixavam pouco espaço para ex-
Tal confluência de fatores não trazia bons augúrios aos perimentos com o socialismo. Tudo isso era compreendido
esforços ·da liderança moderada do SPD. Eles tinham o claramente pelos quadros do SPD e dos sindicatos. O mes-
compromisso de fazer a produção ser retomada tão rápido mo não ocorria com seus opositores da extrema-esquerda.
quanto possível e de restaurar a ordem social. Ambas essas Sob tais condições, não chega a surpreender que a
políticas implicavam apertar ainda mais os cintos e a conti- principal motivação da política do SPD e ela liderança sin-
nuação dos sacrifícios por parte dos trabalhadores. Ebert e dical fosse restaurar a ordem e retomar a produção tão ra-
i:-;' seus companheiros tentavam pôr em prática o programa ,pidamel).te quanto possível, sob os auspícios de um regime
característico de uma ditadura pós-revolucionária "realis- parlamentar ou liberal capitalista. 28 Na sua opinião, era
ta", a fim de consolidar as conquistas de uma revolução impossível socializar a falência, situação básica da econo-
i"
que pouco tinha de revolucionária. Ao mesmo tempo eles
li
procuravam fazê-lo Selll que tivessem elTI nlãos os instru-
(28) Uma expressão "Sucinta e pungente dessas políticas pode ser encon~
mentos usuais de uma ditadura revolucionária: poderosa trada em Gustav Noske. Vou Kiel bis Kaap, pp. 130, 186. Há uma exposição mais
. força policial, executantes ativos e monopólio sobre a difu- detalhada no discurso de Max Cohen ao primeiro Congresso dos Conselhos de
I são das idéias. Em vez disso, apoiaram· se inicialmente no Trabalhadores e Soldados em Allgemeiner }(ongress dei' Arbeiter- und Soldatc7I-
riite Deutsch/ands ... Stcnographische Berichte, cals. 209-224. O Congresso teve
que tinha sido preservado dos instrumentos ele repressão do
iU, antigo l'egin1e para depois procurarenl improvisar os seus
lugar entre 16 e 21 de dezembro de 1918 e foi dOluinado pelo SPD por razões que
!I) discutiremos mais à frente. As propostas de Hilferding a e:~ta reunião (cols. 312-
321) constituem a abordagem mais próxima então feita ao socialismo. Elas equi-
li;::: valiam à retenção pelo governo do controle de setores-c;hi\vf: rIa economia - uma
(27) Hcinz Ju:-ef Varain, Freie Gewerkschafté'll, Sozialdemokratie, ulId espécie de Nova Politica Econômica três anos mais nova que a adotada por Unin
'1['-h. 1. ': Sinal, pp. 132-133. na RÍlssia. As proposições nunca saíram do papel.
11"1"
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li! !
I!:!,:
4lO UMA PERSPECnVA I-IlSTORICA ... INJUSTIÇA 411

mia lllemã do pós-guena como eles a viam. Além disso, um tentativa de chegar ao socialismo sem demora por uma des-
outro motivo importante para que esses líderes aceitassem a sas vias -- a espontânea ou a que lançasse mão de uma "I
dernocracia parlanlelltar era a Sua expectativa de que o SPD ditadura minoritária - a conseqüência seria provavelmente
receberia unI potente lnandato das urnas, o que o Capaci- uma guerra civil na Alemanha. A maior parte elos soldados ",:1
taria a colocai' em prática suas políticas mais importantes. estaria do outro lado, apesar do entusiasmo com que eles
Conl o desenrolar dos acontecinlcntos, essa avaliação 11105- haviam saudado o término da guerra. Além disso os Aliados
tr'ou-se equivocada. Havia também considerações mais pro- simplesmente entrariam no país. Qualquer idéia de solida-
fundas que derivavam de uma mistura da teoria marxista riedade operária internacional como força capaz de impedir
COJll as COl. vicçÕes hUlnanis ta s. os Aliados de efetuar tal passo seria, na perspectiva daque-
Essas considerações fundamentaram a re]eIçao por les líderes, confundir desejos com realidade.31 As conside-
parte dos didgentes do SPD e dos sindicatos de duas possí- rações em proveito próprio apontavam na mesma direção,
veis estratégias revolucionárias. Os líderes descartaram tanto quanto as mais humanitárias. Como burocratas e, em
qualquer solução na linha do controle operário ou da cria- muitos sentidos, canio bons patriotas alemães, os dirigentes
ção de condições para que os trabalhadores tomassem as fá- do SPD e dos sindicatos não queriam a fome, a desordem e
bricas e as operassem. Além da confusão e dos danos à pro- o desemprego em massa, pois quanto mais generalizadas
dução em geral, eles argumentavam que tal política simples- fossem essas condições, mais eles perderiam teueno para
mente reproduziria sob o socialismo a anarquia da produ- seus concorrentes radicais no que diz respeito à lealdade da
ção que existia sob o capitalismo e que tantos danos cau- classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, os trabalhadores
sava aos trabalhadores, especialmente os que estavam em- .. '. '.-V'".',:! também seriam aqueles que mais sofreriam o impacto de
pregados nas indústrias lnenos favorecidas. 2Q Eles também qualquer sofrimento, que numa economia industrial inte-
não consideraram uma política de ditadura de minoria se- grada como a da Alemanha podia ser muito mais intenso
melhante à que era seguida por Lênin. E provável que con- que numa sociedade camponesa como a russa. Como polí-
vicções humanitárias e éticas tenham desempenhado papel ticos sagazes, esses líderes deviam também ter consciência
importante nessa opção, embora seja difícil aJirrnar com da presença de uma poderosa contracOlTente de aspiração
certeza. Tais convicções não inibiram o apoio ao esforço de pelo retorno à estabilidade e às amenidades da existência
guelT,1 alemão. Tampouco impediram o recurso a medidas .cotidiana comum, um ponto final às exigências da "polí-
violentas e ilegais para a repressão dos inimigos à esquerda. tica" e da esfera pública que tinham dominado suas vidas
l'!lesmo assim, parece legítimo perguntar qual era exatamen, durante a guerra. Há uma profusão de indícios dessa con-
te a margem ele manobra existente no interior elo quadro . tracorrente, mesmo se considerarmos que os registros histó-
desse cOlllprolnisso ético e das circunstâncias reais,' unl ricos em geral focalizam sobretudo as manifestações de in-
ponto ao qual retornaremos num capítulo posterior. Em quietação política. 3Z
todo caso, havia lTIllitO ma.is que mera hipocrisia eln seu
senso de desilusão e em Seu choque moral por ocasião da
(31) Cf. as observações feitas por Carl Severing a uma delegação de radi-
dissolução, pela força, da Assembléia Constituinte russa, cais de seu Sindicato dos Metalúrgicos em Mein Lebensweg, vaI. 1. pp. 232-234, e
por ordern de Lênin.:m as de Max Cohcn, KOllgress, col. 220.
Havia também razões bastante imediatas e práticas (32) Os proteslos vivos e apaixonados sobre a ausência de entusiasmo re-
volucionário. com os quais Ernst Dtlumig, líder dos Delegados de Fábrica Revo-
para se evitai" UD1 curso derrrasiado radical. Se vigorasse a lucionários, iniciou seu discurso ao Congresso dos Conselhos de Trabalhadores e
Soldados nos fornecem um ótimo indício, entre tllntos outros. Quando estava para
(29) Hilfe,.ding em 1úmgress, colo 313. concluir sua oraçào, ele retornou ao mesmo tema, ma~ com maior ênfase 110 enig-
(30) Peter Ui$che, Der Bo!schewúnws im Urteil der Delltschen Sozia/de- mático costume alemão da obediência, que ele· considerava um efeito da expe-
nwkrarie J903-1920, pp. 129-137, analisa a reação a esse acontecimellto crucial. riência histórica e de UIll longo treinamento. O espírito de submissão, ele salien-
412 UMA PERSPECl'IVA HISTÓRICA ... INJUSTIÇA 413
I:
C
,. Do ponto ele vista dos dirigentes do SPD e dos sindi- das' fileiras tenha permanecido leal ao governo. J3 Dois dias
catos, tudo aquilo que interferisse com a restauração da antes, a 15 de novembro de 1918, os espartaquistas tinham
oreJem e com a retomada da economia cheirava a sedição e iniciado a organização da Liga dos Soldados Vermelhos
"fi a bolchevismo. Isso também ocorria, podemos assegurar (Der Rote Soldatenbund), que, segundo os relatos, alcan-
, com razoável certeza, com amplos segmentos da população, çou um número máximo de 12000 homens, espalhados
F
incluindo grande número de operários industriais que ti- por div\,:rsas cidades. Conquantb a maior parte das unida-
nhalll pouca propensão para a agitação política contínua. des deva ter sido frágil, a Liga parece ter sido especialmente
Era esse o ambiente no qual tinham que se movimentar as forte e.m Berlim. 34 . A 6 de dezembro de 1918, a Força de
tendências para a transformação radical na ordem social. Defesa Republicana de OUo Wels reprimiu uma manifes-
35
Tal atmosfera também contribuía agudamente para o acir- tação espartaquista ao custo de dezesseis vidas. No campo
ramento das posições politicas e para sua polarização. O da esquerda, passou-se a suspeitar que uma conspiração
desprezo e a desconfiança dos burocratas operários mode- contra-revolucionária estava sendo tramada; no campo re-
rados frente ao que viam como apelos e ações demagógicos formista, persistiram os temores de um golpe radical. Am-
e arriscados faziam com que segurassem o passo quando bos os lados tinham razão, e cada um deles encarava seus
em face de propostas radicais. Aos olhos dos que buscavam próprios atos como defesa contra o outro. A essa altura o
transformar a ordem social, segurar o passo aparecia como governo resolveu pedir auxílio ao exército. A alta oficiali-
hipocrisia e má-fé, e em certos casos seguramente o era. A dade decidiu aproveitar a ocasião para fazer de Ebert dita-
conseqüência disso era um desespero ainda maior em seto- dor temporário e para se livrar dos conselhos de trabalha-
res da extrema-esquerda e, em certos momentos, um acen- dores e de soldados de uma vez por todas. Fontes históricas
tuado aumento de sua atração e de suas bases de apoio. Por remanescentes do próprio exército indicam que Ebert tinha
sua vez, esse processo fazia os lideres do SPD e seus aliados conhecimento do plano e lhe garantiu consentimento tácito.
fincarem pé ainda mais obstinadamente. Isso parece altamente provável, mas não há provas defini-
Não tardaria muito a chegar o momento da prova para tivas.36 Em todo caso, a ação do exército redundou em com-
a confiança que Ebert decidira depositar no exército. Uma pleto fracasso. As tropas sob o comando do general Lequis
semana depois de uma de suas conversações telefônicas se- entraram em Berlim a 10 de dezembro de 1918, sob o dis-
cretas com o general Groener, a 17 de novembro de 1918, farce de heróis voltando da guerra. Ebert as saudou di-
o governo criou uma Força de Defesa Republicana (Repu- zendo-lhes que tinham "retornado invictas". 37 Mas assim
blikanische Soldatenwehr) sob o comando de Otto Wels. que as tropas entraram em contato com a população sim-
Sua finalidade essencial era a manutenção da ordem in- plesmente se dissolveram. 38
terna, e seu contingente atingia 12 mil homens. Através dos O 'episódio é significativo, pois demonstra que a deci-
conselhos de soldados, os grupos radicais mostraram-se ca- são de Ebert de confiar no exército constituiu uma falácia.
pazes de se infiltrar nessa força e de neutralizar sua eficácia
como arma à disposição do SPD, ainda que a maior parte
(33) Oeckel, Volkswehr, pp. 47-48.
(34) Oeckel, Volkswehr, p. 46.
(35) Ryder, German Revolutioll, pp. 184-185.
tou, ainda continua incrustado na mente do alemão comum, mesmo nesses dias (36) Ver Eric Matthías (org.), Die Regienmg der Volksbeauftragten 1918/
de revolução: "O povo anseia por uma autoridade suprema" (Man wiU eine 19. Ersle Reihe, voI. "6/1, pp. 316-318 (documento 51), e voI. 6/11, pp. 27-29
Obrigkeit /Ul[oen). E isso ele achavo. estranho quando ocorria entre aqueles que (documento 69).
tinham desempenhado atos de incrível bravura durante a guerra. Não obstante, (37) Ver Ryder, GermaTl Revolutioll, foto 7aep. 162.
concluiu enfaticamente: "Essa Revolução Alemã tem uma maldita falta de auto- (38) Para maiores detalhes sobre este complicado episódio, ver F. L. Cars-
confiança!" (Diese deutsche Revo/ulioll sich selbSl verjlucht wellig zutraut!). Ver tcn, Tlze Reichswehr and Po/itics: 1918-1933, pp. 12-16. Segundo um especialista
Kongress, cols. 227, 234. mais antigo, Gordoll A. Craig, The Po/itics Df the Prussian Army 1640-1945,
414 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ...
INJUSTJÇA 415
Dessa forma foi rebatida a tese principal do SPD, segun-
do a qual estavam presentes apenas duas opções na situa- de votos conÍeridos ao USPD. Em Chemnitz, onde todos os
ção: revoh.içãÓ radical ou confiança nas forças do antigo regi- habitantes acima de 18 anos eram habilitados a votar, o SPD
me. A consequênciaimediata do caso foi fazer os reformistas obteve 12 vezes mais votos que o USPD.39 E até aí os traba-
claramente consciente da própria impotência e intensificar lhadores constituíam o único setor ativo da população. Mo-
grandemente as suspeitas daqueles que se colocavam à es- mentaneamente, os outros segmentos estavam ainda atôni-
querda de Ebert, inclusive da ala moderada do USPD cujos tos e tendiam à prostração. Os reformistas precisavam terri-
representantes ainda faziam parte de seu governo. velmente fortalecer sua base de legitimidade popular se qui-
A 12 de dezembro de 1918, dois dias após o ingresso do sessem se manter enquanto governo. Procuraram fazê-lo
general Lequis em Berlim, Ebert e seus colegas promulga- num Congresso dos Conselhos de Trabalhadores e de Sol-
ram um decreto convocando a formação de um Exército do dados de toda a Alemanha, o primeiro a se reunir depois da
Povo (Volkswehr). Este deveria ser um exército totalmente apressada assembléia do Circus Busch, cujos delegados ti-
novo, baseado em voluntários. O governo nunca implemen- nham sido eleitos apenas em Berlim. O novo congresso pan-
tou essa proposta, que permaneceu letra morta. Seu único alemão reuniu-se de 16 a 21 de dezembro de 1918, na capi-
efeito foi criar graves problemas nas relações entre o gover- tal do país. O encontro representou ao mesmo tempo o
no e o Alto Comando. Visto que a discordância foi entre- ·ponto alto do movimento dos conselhos e a sua abdicação
. meada com outros acontecimentos e conflitos que cobrem enquanto força revolucionária ou liberalizante. Tanto a
toda a gama dos temas que então atingiam a Alemanha, composição do congresso quanto as suas decisões indicaram
é necessário em primeiro lugar examiná-los. que a disposição das classes trabalhadoras era ainda mo-
Em meados de dezembro de 1918, o governo de Ebert, derada naquela fase. Dos 490 delegados, apenas 84 repre-
o primeiro regime operário num país capitalista adiantado, seritavam os conselhos de soldados, um reflexo de quão
via-se numa posição curiosa. Dispunha de alguma tintura longe havia avançado a desmobilização. Dos mais de 400
de legitimidade revolucionária adquirida da assembléia no conselhos de trabalhadores presentes, menos de 100 perten-
Circus Busch. Através do exército, contava também com ciam ao USPD. Os espartaquistas ainda estavam entre eles
um verniz de legitimidade proveniente da velha ordem. As nesse momento. Cerca de dez outros estavam ligados a or-
duas fontes de sua autoridade eram incompatíveis e ne- ganizações de extrema-esquerda de Bremen e Hamburgo.
nhuma delas era suficiente para fornecer ao governo muita Por volta de 60 por cento dos delegados eram membros do
eficácia. Mesmo assim, o SPD ainda gozava de uma consi- SPD, que se mostrou capaz de controlar os· trabalhos em
derável reserva de boa vontade entre os trabalhadores por quase todos os· aspectos, do início ao fim. Ainda no princí-
toda a Alemanha. Nas eleições realizadas em Dresden, a 24 pio do congresso, um claro indício de suas disposições re-
de novembro de 1918, o SPD obtivera quinze vezes o total velou-se na derrota por esmagadora maioria de uma moção
que defendia a presença de Rosa Luxemburg e Karl Lieb-
knecht com direito a voz. 40
p. 351, a 8 de dezembro o general Lequis tinh,lt dez divisões sob seu comando, das
:E, sem dúvida, impossível mostrar que o tom geral-
quais somente restaram mil homens no prazo de uma semana. O breve relato de mente conservador do congresso refletia precisamente a
Craig sobre eS:iCS anos (embOTa ahtalmente superado e muito simpático a Ebert) opin:cão pública, mesmo no seio da classe trabalhadora (a
constitui uma lúcida e valiosa introdução ao Pl'oblema das relações dos líderes do qn,,:n sua composição basicamente se ligava), da maneira
SPD com os militares. No trabalho de Craig, (J general Lequis aparece às portas
de Berlim sem nenhuma razão aparente. Mas as razões vieram à tona muito de- que <) faria uma pesquisa bem realizada através de amos-
pois da publicação do livro de Craig. Consultei também Harold J. Gordon Jf.,
The Reichswehr and lhe Germmz Republic 1919-1926, mas verifiquei que se equi-
voca em alguns detalhes importantes para esta pesquisa. (39) Carstcn, Revolutioll, pp. 162-163.
(40) Carsten, Revo/utioTl, p. 133.
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,.;-. 416 UMA PERSPECTIVA HISTÔRICA ... INJUSTIÇA 417
';
:i tragem cuidadosamente escolhida. PÁS eleições foram efe~
,._i )leiro daquele ano, somente quatro semanas depois do final
tuadas apressadamente, restritas apenas à "amostra" de seus trabalhos. Outra moção que propunha criar um
presentada nos conselhos de trabalhadores e de soldados.):;.,;.'L.,> Conselho Central dos conselhos de trabalhadores e solda-
Por outro lado, parece seguro que tais conselhos reuniam o~)M~;ff/i dos, com direito a vetar os decretos parlamentares, também
setores mais ativos das classes trabalhadoras, e que tanto o""".""""" se deparou com derrota avassaladora. Na realidade, a idéia
restante delas quanto os outros setores da população geral de que os conselhos pudessem constituir a base do novo
seriam J;>rovavelmente mais conservadores. Embora 63 dele,··}:·;C:;::Y:... . governo estava morta. O diagnóstico do legista-historiador
gados não tenham sido aceitos pela comissão de credenciac. não podia ser outro: suicídio. Após. ser derrotado nessas
mento, esta era composta por pessoas dos três agrupamen- "::•••1.',: decisões de importância vital, o USPD declarou que não
tos políticos e chegava a suas decisões seja por unanimi- V···i:"r::..·.· tomaria parte na eleição pelo congresso de um Conselho
dade, seja após trabalhosa discussão e votação, que nunca' Central (Zentralrat), o comitê que se constituiria no governo
seguiu as divisões partidárias." alemão até que a Assembléia Nacional tivesse redigido a
Conforme foi apresentada ao congresso, a constituição e estabelecido a República de Weimar. Em vir-
questão que se colocava à Alemanha era saber se avançaria. tude desse gesto, o congresso sufragou a lista do SPD. Um
gradualmente em direção ao socialismo sob uma forma )lOVO governo, exclusivamente dominado pelo SPD, assu-
capitalismo liberal, o que significava apoio à eleição de miu o poder e a responsabilidade pelo destino da Ale-
Assembléia Nacional que redigiria uma nova constituição, manha. 43
ou se lhe seria possível aplieSSa! o.passo com base nos O outro tema crucial que se apresentou ao congresso
selhos de ·trabalhadores e de soldados. 42 Não havia dúvidas:>i"·E,' foi o da reforma do exército. Devido à luz que os aconte-
efetivas quanto ao resultado. O SPD queria as eleições cimentos no decorrer e logo após o congresso lançam sobre
rapidámente quanto possível. Embora eles sentissem as atitudes dominantes, eles merecem uma análise mais de-
estavam perdendo terreno para os concorrentes mais talhada. Naquela conjuntura havia provavelmente um pode-
tantes, seu argumento explícito foi que as eleições ar'W_"'d, roso apoio popular para uma reforma democrática abran-
pada~ forneceriam as melhores chances de uma maioria CM1'0!\';" gente do exército alemão, que fizesse dele um servidor da
social-democrática e, portanto, de um governo forte e com' ·,.I;i..·f;i república e não um instrumento fundamental em mãos dos
prometido com um programa de vigorosas reformas. grupos reacionários e antidemocráticos. Nas últimas etapas
sabemos agora, tal avaliação estava equivocada. O USPD, da guerra, depois da revolta de Kiel, os militares e especial-
mais uma espécie de guarda-chuva sob o qual se abrigavam ik::.f!··· mente o corpo de oficiais apareciam aos olhos de amplos
várias formas e graus de insatisfação face ao SPD, que um setores da população como a causa de todos os males: eles
partido político efetivo e organizado, procurou apenas pos- eram a fonte, ao mesmo tempo, da severa disciplina im-
tergar as eleições a fim de garantir mais tempo para se or- "i'in'·::.• - posta aos que tinham servido na guerra e da dilaceração na
. ganizar e convencer o eleitorado. O congresso rejeitou por !~jf,J:: vida cotidiana dos membros da popnlação civil. A fase ini-
larga maioria as datas de 16 de março e, em seguida, de 16 cial e reformista da revolução alemã foi muito mais urna
de fevereiro de 1919, acabando por aceitar o dia 19 de ja- sublevação antimilitarista que anticapitalista. Obviamente,
não teria sido fácil tirar proveito dessa oportunidade, pois
boa parte do sentimento antimilitarista constituía urna rea-
(41) Kongri:ss, cals. 193 e Si';g!>. cp. 216, "Abgelegte Mandate".
(42) O principal discurs{) efetuado por Max Cohen intitqlou-se "A!>sem-
bléia Nacional ou Sistema de COilselhos". Ver Kongress. cols. 209-224. (43) Carstcn, Revollltion, pp. 134-135.
418 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA...
, ,".k".
':;-;?~vth;::
INJUSTIÇA 419

ção visceral contra qualquer forma de hierarquia e de disci- \;,'Ji.' ficaram conhecidas, foram suficientes para enfurecer o co-
plina. Ainda assim, uma liderança hábil podia ter sido ca-"c!lf mando do exército. As objeções dessa arma não foram de
paz de recorrer a esse sentimento para fins realistas. Eberdi."(!,~::t forma alguma meras fulminações em proveito próprio de
não efetuou nenhuma tentativa nesse sentido. Em vez disso.:~:ii:h;-: reacionários. Corno salientou o general Groener em um vi-
simplesmente ficou paralisado frente às objeções levantada~',:-i'~:; goroso discurso proferido perante urna sessão conjunta do
às refOr111aS pelos representantes do J:•.lto Conlando. :' 2:\:l);·::. Conselho de Rcpresentantes do Povo e do recém-criado
>~:j,,;',r"-o;:
Quatro dias antes da abertura do Congresso, como 0';';:"')';"', Conselho Central, a 20 de dezembro de 1918, as propostas
leitor talvez se recorde, o governo tinha promulgado um ?$'t.'j.: incorporavam princípios, como o da eleição dos oficiais
decreto, destinado a permanecer letra morta, que convo-';$}l:t pelas fileiras, que mesmo os bolcheviques tinham abando-
cava à formação de um Exército do Povo de caráter demo,/;:'i.i't,; nado e que, segundo afirmou, eram incompatíveis com a
crático. Enquanto isso, uma série de grupos radicais vinha:":'.'·!I}. disciplina requerida em qualquer exército. Wilhelm Ditt-
tentando estabelecer várias formações de guardas vermec+;t'lt'· mann, um membro moderado do USPD que ainda fazia
lhos, como a Liga dos Soldados Vermelhos espartaquista,i,~l)?f;:ê parte do gabinete de Ebert, replicou de imediato que o
com o fim de defender e fazer avançar a revolução. Havial~;;;}i.:'; atendimento das objeções do general Groener significaria o
também movime~tos b~stante espontâneos e sem definição\i1;~R3; suicídio do Conselho Central. (Com efeito, isso representa-
clara em pl~na aç~o. DIzer ';lue o p:'o,?lema e:ta."a na mente;!;:::
do povo sena o cumulo da lmpreClsao academlca. A 17 de ..::,',i.(.
I"- ria renunciar ao mandato do Congresso, fonte da legitimi-
dade popular extremamente necessitada pelo governo, em-
dezembro de 1918, um grupo de soldados que reivindicava:i'i'/t!;'. bora as propostas tenham sido aprovadas sob óbvias amea-
representar 17 regimentos berlinenses irrompeu em uma/li;,'::' ças.) Mas a sessão se encerrou, como amiúde acontece
sessão do congresso e apresentou suas reivindicações, amea-:)~::~!':'j. quando há uma voz dissidente em um pequeno grupo, com
çando recorrer à violência se 118.0 fossem tomadas providên-/:iS'.r( algo que se assemelhava a um acordo tácito em atender aos
cias imediatas. O congresso quase suspendeu suas ativida" :Xfi:'t;D argumentos do general Groener, por meio de um recuo na
des em meio à confusão do momento. 44 Entrementes, Wal-.fi*r implementação efetiva das proposições de Hamburgo."
ter Lamp'l, um delegado de Hamburgo, elaborou e obteve,;,~:\l.,· Mesmo assim, a situação permaneceu suficientemente am-
considerável apoio para um conjunto de reformas um pouco?,\,;!:, bígua para permitir a decepção dos moderados, que depo-
mais brandas. Algum tempo depois Lamp'l revelaria que··:';iice;,', sitavam esperanças no progresso. Em uma outra sessão
suas propostas n~o ~inham o. intuHo de prop~rc~onar ~s::;:!'i"í( conjunta de'sses dois corpos governativos, a 28 de dezembro
bases para um exercIto soclallsta. O nosso obJet1vo mms 'cr>!" de 1918, Hugo Haase, igualmente um líder' moderado do
importante", dizia, "era nos livrarmos da oposição não to-'sA"t;· USPD que ainda permanecia no gabinete de Ebert, em res-
talmente injustificada dos radicais dt; esquerda." <S~l;;:;lt< posta a.agudas interpelações, assegurou aos presentes que o
"'""fi" ',!'!,~';.

O Congresso apI'?VOU essas reformas mais bran~as; ;'(:~~U{


Gabinete (isto é, o Conselho dos Representantes do Povo
ap~·es.sadamente arr~nJad,as, 3.0 que parec~, com. o J?ri~clpal:~!;6'J;;
dominado por Ebert) iria inquestionavelmente aprovar tan-
to os pontos de Hamburgo como as medidas para a sociali-
objetIvo ele ~e antec:par a,; demandas mats racl!cals vmdasP:!,e':h'
zação!"7 Nada disso ocorreu. A política reformista equivalia
das ruas. Amda aSSIm, as ;)l'opostas de Hamburgo, como .';~:!·h;
a governar por protelaçào. Ao evitar o tema nesse momento,
,,;~i~:Ef' .
(44) KOllgress, cols. 121-126. ';,~~~,~::f\: (46) Para esse episódio. ver MaUhias, Regierung der Volksbeauftragten,
(45) Ebedlard Kolb e Reinlwfd Rürup (orgs.), Der Zenfralrat der DetU.s~A::~;~i:/,~h:.:' Erste Reihe. vaI. 6/11, pp. 11-13 (documento 62).
c/icn Sozialisti,schen Republik 19.12.1918 - 8.4.1919, p. 124. -":5~i::2'::"1;[;:"~:. (47) Ver Kolh e Rürup, Zentralrat. pp. 70-83 (documento 11), espec. 83 .

.i~l'~~~liz
420 UMA PERSPECTIVA HISTÔRICA ... INJUSTIÇA 421

os líderes do SPD viram-se em poucas semanas diante de tampouco podiam chegar a um acordo sobre como perse-
uma situação muito mais arriscada - a revolta esparta- guir o objetivo da revolução proletária. Eles compreendiam
quista. Eles então recorreram a um remédio ainda mais pe- a necessidade de sustentação das massas, mas não se sen-
rigoso, a criação dos aventureiros armados dos corpos fran- tiam à vontade para organizá-las através de um partido po-
cos (Freikorps). 48 lítico próprio ou para efetuar alianças táticas com oS movi-
No restante de dezembro de i9i8 continuaram a esta- mentos políticos organizados que partilhavam ao menos al-
lar revoltas em Berlim. A 23 de dezembro de 1918, um gumas de suas perspectivas, como era o caso da aia esquer-
grupo amotinado de marinheiros conseguiu manter o go- da do USPD. Externavam admiração pela determinação
verno em suas mãos por breve tempo, no que foi essencial- revolucionária de Unin, e mesmo por sua disposição de
mente um esforço para receber salários em atraso. Mais quebrar as ilusões parlamentares por meio da dissolução da
uma vez, as tropas regulares mostraram-se inúteis para a Assembléia Constituinte russa. Mas havia igualmente uma
manutenção da ordem. Suspeitas mútuas, agravadas no· ·tendência de profunda desconfiança quanto à concepção
',i
curso desse complicado episódio, puseram termo ao que . leninista de um partido rigidamente disciplinado como
ainda sobrava da colaboração entre o SPD e o USPD.49 Por única vanguarda possível da revolução. Também havia fé
algum tempo os espartaquistas tinham se convencido de na espontaneidade das massas - uma idéia de que as revo-
que Ebert e Scheidemann eram tão contra-revolucionários luções realmente não podiam ser produzidas artificialmente,
como Ludendorff e Guilherme n. A julgar pelo que o go- mas ocorrerianl somente quando as massas estivessem, ao
verno executara no plano da economia, da burocracia civil e mesmo tempo, suficientemente educadas pelos aconteci-
""i do exército, suas suspeitas eram sensatas. Na visão dos es- mentos e enfurecidas o bastante por estes: só então elas po-
partaquistas, a única resposta à contra-revolução era a pró- deriam derrubar uma ordem social que havia se tornado·
priarevolução. E foi isso o que tentaram fazer, contra os avi- historicamente obsoleta.
sos de seus melhores líderes, Luxemburg e Liebknecht, com Os dirigentes tradicionais do movimento operário sen-
conseqüências fatais para eles próprios e para a Alemanha. tiam pelos espartaquistas basicamente o mesmo que tinham
Além da assertiva banal de que os espartaquistas cons- sentido pelos ativistas críticos em suas próprias fileiras an-
tituíam um pequeno grupo atraído por Rosa Luxemburg e tes da guerra. Tais indivíduos podiam instigar as massas a
Karl Liebknecht e comprometido com a idéia geral de uma ações irrefletidas que apenas levariam à derrota nas mãos
revolução proletária como única via possível para o genuíno dos patrões, quando então as massas refluiriam e o movi-
socialismo, é quase inviável descrevê-los de forma breve, mento dos trabalhadores sofreria um recuo de muitos anos.
precisa e adequada. Entre eles mesmos era difícil uma con- Mas agora a parada era mais alta e o inimigo real dos tra-
cordância sobre se a revolução proletária ocorreria no fu- balhadores era a Entente, que com o bloqueio podia (como
turo imediato ou em um momento mais remoto, após uma efetivamente fez) cortar o abastecimento alimentício da
luta prolongada. Luxemburg e Liebknecht eram muito me- Alemanha, ou marchar com suas tropas face a alguma
nos otimistas quanto ao futuro imediato que os seus segui- aventura revolucionária quixotesca. Além disso, os esparta-
dores, mas foram atropelados por eles. Os espartaquistas quistas forneciam aos líderes moderados uma explicação
conveniente para o fracasso de suas políticas. Se os operá-
rios se recusavam a apertar os cintos e a retornar ao traba-
(48) Para um bom esLudo, ver Robert G. L. Waite,- Vanguard Df Nazis",: lho, era mais fácil culpar os espartaquistas que as condições
The Free Corps Movement in Postwar Germany 1918~1923, espec. O capo 3, que
trata da organização e do c:arúter desses corpos. da época. Desse· modo, o SPD ajudou a inflar a reputação
(49) Ryder, Gerl1Wfl R(~volutiOll, pp. 188-191. dos espartaquistas ao mesmo tempo que procurava obscu-
;i
422 UMA PERSPECTIVA HISTORICA ...
INJUSTIÇA 423
recê-la - COnl algulYl sucesso entre os próprios trabalhado~ ;-.;:,:,,'_:P;;'/
res, segundo pensava Rosa Luxemburg. 50 A combinação de demitir Eichhorn. Mas para muitos na extrema esquerda
circunstâncias levou à percepção dos espartaquistas como ,}âd,~',S\' tal decisão configurava mais um passo, um passo decisivo,
uma terrível ameaça, algo com tonalidades de conspurca_ no sentido da contra-revolução. Os delegados de fábrica re-
ção que tinha de S0!" extirpado. Houve uma perversa cam- volucionários e o USPD decidiram dar apoio a Eichhorn e
panha da imprensa contra os espartaquistas, que de c-erto foram acompanhados pelos espartaquistas. (Na realidade,
modo prenunciou alguns dos temas depois explorados pelos a essa aitura podemos chulná-los de comunistas, uma vez
nazistas. Não é fácil estabelecer até onde iaa responsabi_ ".i\l'i,"" que tinham fundado o Partido Comunista Alemão apenas
!idade do SPD nessa campanha. Por outro lado, não exis- alguns dias· antes, numa conferência na qual procuraram
tem dúvidas de que os dirigentes reformistas teriam apre- ampliar suas bases e decidir sua identidade e estratégia po-
ciado se o movimento espartaquista desaparecesse do cená,. líticas.) Parecia haver claras razões pará' acreditar então
rio político. Eles podiam mesmo tornar algumas medidas:'d':',1x' que uma ampla parcela da,população de Berlim mostrava-
para colaborar com tal fato. 51 se bastante indignada com a liderança. do SPD e pronta a
Também é difícil determinar se o curso dos aconteci- seguir dirigentes resolutos. Esse ponto merece ser enfati-
mentos entre dezembro de 1918 e o início de janeiro de 1919\~:,"'.E< zado, pois tem havido urna tendência a menosprezar os es-
tinha realmente criado um estado de espírito revolucionário" .~~ ~ partaquistas como indivíduos levados por sua própria retó-
em parcelas substanciais do operariado de Berlim. Há, no rica, contra os conselhos de Rosa Luxemburg e mesmo de
entanto, dois pontos que parecem claros. Muitos esparta- Karl Liebknecht.
quistas cavalgavam uma onda de euforia revolucionária e A presença de ao menos alguma aparência de estado
acreditavam que tal estado de espírito existia. Até mesmo .::.,_ j-':\ de espírito revolucionário constituiu um fator crucial no le-
diversos dos Delegados de Fábrica Revolucionários, que ti- vante. Outro ingrediente foi que os líderes viram-se captu-
"
nham contatos mais estreitos com os trabalhadores e domi- rados em uma situação na qual parecia não haver possibi-
navam as grandes fábricas de máquinas, compartilhavam "'lo lidade de recuo compatível com o compromisso revolucio-
i!' dessa crença. Em segundo lugar, ocorreu um acontecimento nário. No mesmo dia da manifestação na Porta de Bran-
de grande importância que podia facilmente tornar essa denburgo, destacamentos armados radicais de dimensões
idéia muito pouco absurda. A 5 de janeiro de 1919, reu- reduzidas toma.ram de assalto prédios pertencentes a jor-
niu-se nas proximidades da Porta de Brandenburgo a mais nais, inclusive o do periódico Vorwiirts, do SPD, que na
vasta manifestação de massas jamais presenciada em Ber- opinião dos revolucionários lhes tinha sido roubado na
lim. O imenso comício constituiu uma resposta à demissão época da guerra. Ê possível que a iniciativa dessa ação tenha
do chefe de polícia da cidade, Emil Eichhorn, um membro pertencido a agents provocateurs. Em todo caso, ela pegou
do USPD com reputação de simpatizante da extrema-es- de surpresa o recém-formado Comitê Revolucionário, crian-
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querda. Após ouvir inflamados discursos, a multidão mar- do urna situação da qual parecia impossível recuar. A rebe-
chou sobre o quartel-general da polícia e aí se manifestou lião teve início a 6 de janeiro de 1919.
durante horas, antes ele se dispersar. O SPD, é bom lem- Nesse dia preciso ocorreram dois episódios que lançam
brar, acabara de conquistar o controle total do governo (isto uma luz especial sobre os hábitos alemães de ob·"diência à
é, do Conselho Central) e estava dentro de seu direito legal autoridade. Os revolucionários enviaram um dirigente
acompanhado de trezentos homens armados para ocupar o
(50) Gilbcrt Badia, Le Spurlalcúme, pp. 243. Ministério da Guerra. Berlim estava em um estado de con-
(51) Badia, Le Spartak/sme, pp. 238-245. 247-248. vulsão e embora posteriormente devessem oconer outras
sublevações que arrastaram apoio muito maior, pode-se de-
425
INJUSTIÇA

424 UMA PERSPECTIVA HISTÔRICA ...


ativos (e numa fase de autoridade esfacelada e euforia revo-
fender que esse dia, e mesmo esse episódiu, marcou um lucionária) marcar uma ruptura nítida com o respeito pela
ápice significativo do fervor revol.ucionário espontâneo na autoridade constituída. 53
Se há algo de opéra bouffe em tais episódios, o restante
moderna história alemã. Um dos civis do grupo revolucio-
da sublevação e suas conseqüências pautaram-se por uma
nário mostrou ao tenente que os recebeu à porta do minis- extrema gravidade. Nada deu' certo para os rebeldes. A
tério uma proclamação datilografada que anunciava em lin-
ajuda prometida de Spandau e Frankfurt não chegou. Os
guagem veemente a tomada provisória do poder pelo Co-
111arinheiros amotinados declararam-se neutros. As massas,
mitê R.evolucionário. O tenente opôs-se a entregar o edifício·
por seu lado, não se levantaram; somente algumas centenas
com base no argumento de que o papel estava apenas dati- doS manifestantes aderiram à luta efetiva. Parecia que as
lografado e não assinado. O revolucionário civil concordou massas estavam dispostas a entrar em greve mas não a pe-
em levar de volta o documento ao seu quartel-general a fim gar em armas. 54 De outro lado, o conselho de soldados e
de obter as assinaturas requeridas, depois do que O prédio trabalhadores de Bremen, inspirado nos eventos de Berlim,
seria passado às mãos das novas autoridades da revolução. proclamou a 10 de janeiro de 1919 uma república socialista
(Num inquérito posterior que investigou os acontecimentos, de vida curta. 55 No dia seguinte, o conselho dos trabalha-
esse mesmo tenente negou que seu ato tenha sido um estra-
dores e soldados de Essen, composto pelos três partidos so-
tagema e afirmou que falava absolutamente a sério quanto cialistas (SPD, USPD, KPD), num esforço para apaziguar
à transferência do prédio se o governo tivesse sido derru-
a situação no Ruiu, onde mais de 80 mil mineiros tinham
bado.) No quartel-general revolucionário somente dois dos
ac;ierido à greve, anunciou que as minas seriam sociali-
dirigentes necessários estavam disponíveis para as assinatu-
ras. Karl Liebknecht assinou em seu nome e no nome do zadas. 56
Por diferentes que fossem, esses acontecimentos con-
membro ausente. juntos dificilmente teriam podido reafirmar a confiança dos
Um episódio similar ocorreu num posto de treinamento
moderados a cargo do governo central. No dia em que se
da Guarda Militar Republicana. Dessa vez, um chefe da
iniciou o levante, Noske acabara de aceitar o posto de co-
repartição observou que a proclamação estava assinada mas
mandante-em-chefe em Berlim. Os membros do primeiro
não timbrada. Ele comunicou a seus homens que ,como o grupo das tropas dos Frei1corps teriam agora o seu batismo
documento não tinha timbre provavelmente não era autên-
tico. Isso evidentemente os convenceu, pois eles protesta-
vam vigorosamente contra os revolucionários. Após uma (53) Em minha perspectiva, uma investigação cuidadosa poderia revelar
rude altercação, os últimos tiveram que efetuar uma brusca variações nas atitudes revolucionárias frente à autoridade vigente que seriam atri-
buíveis fi culturas nacionais historicamente determinadas. É difícil imaginar U-
retirada. 52 Como nota Carsten secamente, os bons e antigos niu ou Trotski assinando um tal documento, ou seus seguidores se intimidando
procedimentos da burocracia derrotaram revolucionários com selos ou assinaturas. Também é difícil imaginar esse comportamento no caso
que tinham esquecido a. impol tâ,ncia de timbres e assinatu- de Robespierre e seus sucessores na história revolucionâria francesa. Nem na
França, nem na Rússia tzarista (e provavelmente nem na Rússia soviética) a buro-
ras. Deixando de lado a ironia da situação, os episódios cracia conseguiu alcançar o grau de admiração reverente e respeito que parece ter
revelam como pode ser difícil mesmo :para revolucionários conquistado na Alemanha guilhermina.
(54) Ryder, German Revolutioll. p. 201, que cita Müller, Kaiserreich, voI.
2, pp. 35, 49, 58. Badia. LeSpartakisme. dedica (I capo 17 aos acontecimentos da
"semana sangrenta". mas não fornece indicações sobre o apoio das massas ao
(52) Todos os acontecimentos específicos mencionados nesta análise sobre
os espartaquistas estão expostos em Carsten, Revolution, pp. 210-218. ou em Ry- levante.
(55) Carsten. Revolutioll, p. 149.
der, German Revolutioll, pp. 193-207. O frontispício do último livro é uma reÍ:no- (56) Von Oertzen, Betriebsriite, p. 113.
dução do documento apresentado ao ministro da Guerra. evidentemente após a
assinatura de Licbknecht.
426 _ UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ... INJUSTIÇA 427

de fogo - e provariam o gosto das atrocidades contra os vasta parcela dos operários industriais, tratava-se de uma
revoltosos - sob os auspícios oficiais socialistas. Na reto· conjuntura de crescente desapontamento e frustração.
mada do prédio do Vorwarts (10-11 de janeiro) eles fuzila- A 19 dcjaneiro de 1919, qnatro dias após o assassínio de
ram inúmeros prisioneiros e maltrataram selvagemente a Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, tiveram lugar as elei-
outros. Alguns dias depois, capturaram Karl Liebknecht e Ções à Assembléia Nacional que iria esboçar a Constituição
Rosa Luxemburg para assassiná-los brutalmente. Os mili- de Weimar. Os resultados significaram um rude golpe para
tares foram pegos em óbvias mentiras quanto às circunstân- aqueles líderes do SPD que tinham contado com a possibi-
cias do crime, e um inquérito oficial posterior resultou· lidade de o partido conquistar o poder através dos meios
numa lavagem de mãos igualmente óbvia. Uma onda de eleitorais, continuando a trilhar o lento percurso rumo ao
indignação varreu amplos setores do operariado. Muitas socialismo sob um regime capitalista liberalizado. E prová-
pessoas que tinham pouca simpatia pelos propósitos dos vel que tenha representado também uma brusca tomada de
espartaquistas sentiram-se chocadas com o assassinato de consciência para aqueles na extrema esquerda que acredi-
seus dirigentes. 57 Se existira alguma chance de reconcilia- tavam que tinham atrás de si a massa da população. O SPD
ção entre a direita e a esquerda socialistas esta era imen- alcançou 42 assentos contra 15 do USPD. Mas 40 cadeiras
samente menor agora que os dois líderes tinham sido mor- caíram em mãos dos partidos burgueses. 58 Até esta altura a
tos e o SPD via-se abertamente dependente dos generais os política nacional fora basicamente um assunto do conflito
mais diversos com seus recrutas heterogêneos para restau- mutuamente destrutivo entre as organizações e os grupos
rar a ordem em nome da república d.emocrática. que reivindicavam falar em nome da classe operária indus-
Essa transformação na atmosfera política aparece, ao trial, com os militares à espreita como a principal presença
menos numa visão retrospectiva, como a conseqüência mais da velha ordem e das antigas classes dominantes. As velhas
importante da sublevação, ainda mais importante que o es- elites, entretanto, ·estavam mais atordoadas que batidas
magamento e a decapitação temporária do movimento re- pela sublevação do movimento popular_ Até mesmo OS con-
volucionário. Levantes mais amplos estavam por ocorrer, selhos de soldados e trabalhadores, em parte porque qluitos
para serem igualmente reprimidos pelos Freikorps de deles eram controlados pelo SPD, raramente tinham apre-
Noske. Ao contrário da revolta espartaquista, estes mere- sentado inclinações a desmantelar o quadro institucional
cem claramente a designação de sublevações operárias de herdado do passado. As antigas elites permaneceram silen-
massa. A revolta espartaquista marcou o início da insurrei- ciosas mas intactas durante a confusão e o fratricídio que to-
ção radical, não o seu fim. Procuraremos examinar esses maram conta da esquerda. Nas eleições elas vieram à tona
levantes mais detalhadamente no capítulo seguinte, pela luz outra vez. O novo eleitorado de 35 milhões de pessoas, in-
que lançam sobre o.modo como os trabalhadores comuns cluindo pela primeira vez as mulheres, não conferiu man-
percebüul1 e reagiam às suas próprias circunstâncias ime- dato de governo a ninguém. Cinco milhões de ilHlivíduos
diatas, bem como sobre o seu sentido de justiça e injustiça. permaneceram à margem das eleições. Na verdade, a men-
Antes de chegar a isso, porém, é necessário delinear os prin- sagem popular a cada partido político Ioi que não poderia
cipais processos políticos da primavera de 1920, a fim de governar, pelo menos não por seus próprios méritos. Ou os
situar as reivindicações e as atividades dos trabalhadores partidos e grupos políticos aprendiam a entender-se uns
em seu contexto político e social mais amplo. Para uma· com os outros e a conseguir unI consenso mínimo sobre as

(57) Ryder, German RevollJtion, pp. 203·204. (58) Carsten, Revolutioll, p. 163.
429
UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ... INJUSTIÇA
~j, 428
)
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políticas e os procedimentos (algo somente possível quando, central, bem como no Ruhr e na Baviera. 60 Com a conquista
os interesses em jogo não constituem uma questão de sobre- de Munique pelas tropas governamentais, em maio de 1919,
vivência política) ou então eles deviam sucumbir à tentação o movimento dos conselhos iniciou seu declínio até se trans-
de abrir caminho através de meios ilegais, violentos e extra- formar meramente numa questão de distribuição interna
parlamentares. do poder nas fábricas. Nfto obstante, por algum tempo, o
tema continuou a despertar uma atenção apaixonada.Ain-
Nessa tensa situação ocorreu uma série de investidas. da a 13 de janeiro de 1920, ocorreu uma violenta manifes-
radicais no sentido de uma nova e diferente distribuição do tação ern Berlim contra a projetada legislação nacional so-
poder e de um novo conjunto de instituições bre os conselhos de fábricas, no curso da qual 42 pessoas
baseado nos trabalhadores industriais. Embora foram mortas. Um frágil resíduo do movimento pelos con-
semelhanças significativas de um para outro caso, as revol",·'.;S"··I·"~' selhos de fábrica conseguiu sobreviver na Constituição de
tas constituíram, em ampla medida, respostas locais a con· .·u,;,:)\-' Weimar. Da mesma forma que as proposições para asocia-
dições locais ou, talvez mais precisamente, .a condições ge-, . lização de parte das indústrias, ele estava destinado a per-
rais tornadas agudas em partes diferentes da Alemanha,:,.~~:..i;f\;;: manecer letra morta.· ' Ã altura do verão de 1919, os social-
que .exibiampeculiaridades locais específicas. Não . houve:' ,.. ".. L- democratas tinham reprimido pela força militar todos os
uma coordenação central em qualquer das revoltas. Se movimentos ativos que cheirassem a socialismo. Mas de
esta uma das razões de seu fracasso, não é fácil ver como .;'.;J
poderia ter existido alguma coordenação além de um certo' ,:J;,!, modo algum eles os tinham destruído.
Com a ameaça radical aparentemente sob controle,
grau de inspiração mútua que efetivamente ocorreu. aquele setor da população respeitável que se preocupava
Um papel importante foi desempenhado pelas diverSasn;i{;I~:i com a situação política voltou suas atenções para a forma
variações sobre o tema do controle operário, como os con c';,8::?:hS';,' da constituição e, mais ainda, para a candente questão do
selhos de fábrica (Betriebsrate). Também estava em debate'::M:.'F:· tratado de paz. A Alemanha foi varrida por uma tempes-
o papel dos conselhos operários (Arbeiterrate) , essencial~·: ... tade de indignação frente à alegada severidade do tratado,
mente os herdeiros dos conselhos de trabalhadores e solda-'AAi;,,.!iU uma revolta partilhada tanto pelos membros dirigentes do
dos após a desmobilização do exército, que haviam brotad<i~&{1:·I·:;; SPD como por muitos oficiais do exército. As autoridades
espontaneamente após o levante de Kiel. Em muitas re': ""''';::','.; responsáveis chegaran~ a pensar seriamente na alternativa
giões, a sentença do suicídio revolucionário decretada pelo' de se recusar à assinatura daquilo que ficou conhecido
Congresso dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados, que' como o Diktat de Versalhes. A situação forneceu aos gru-
se reuniu em Berlim em meados de dezembro de 1918, dei- . ".'';::.'" pos direitistas uma excelente oportunidade para abando·
xou de produzir efeitos. Após a supressão do levante espar-': narem completamente os abrigos contra as intempéries, nos
taquista em Berlim, a 19 de janeiro de 1919, Noske e seus', quais estavam escondidos desde os dias da derrota e da re-
Freikmps' intervieram em várias partes da Alemanha on- ".,<".,~.:,;. volução, para soarem de novo as suas trombetas. Enquanto
de os conselhos de trabalhadores ainda tomavam parte ,li·H;;');'· isso, os que tinham a responsabilidade de tomar uma de-
nos governos ou procuraram ampliar ou tomar o poder. cisão chegaram à conclusão de que a recusa a assinar o tra-
Violentos conflitos tiveram lugar nas cidades portuárias de
Hamburgo e de Bremen, 59 regiões industriais da Alemanha
(60) Ver Allan Mitchell. Revolutioll ,in Bm·aria 1918~1919, pp. 207~211,
223,230.
(61) Helmut Heiber, "Die Republik von Weimar", em Deutsche Ges-
(59) Ver Richard A. Comfort, RevoJutiollary Hamburg, pp. 68-72. chiclzte seU dem Ersten Weltkrieg, vo1. 1, pp. 40, 42, 58.

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430 UMA PERSPECTIVA HiSTÓRICA ... INJUSTIÇA 431

tado representaria uma alternativa ainda pior: podia signi- ele próprio. Em sua seqüência imediata, Carl Legien, líder
ficar a ocupaçfl0 e:tn larga escala do solo alemão, encargos·: da Confederação da Classe Trabalhadma alemã, dirigente
econômicos ainda maiores e até mesmo o desmembramento." nacionalista e gradualista par excellence do movimento
do país e a destruição de sua unidade recentemente conse- operário (Ludendorff e Hindenburg elogiaram-no com fre-
guida a duras penas. A 22 de junho de 1919, a Assembléia. qüência durante a guerra, e fora ele quem exigira a expul-
Nacional aceitou as condições da paz. Desde seus primeiros. são de Liebknechi do SPD por quebra da disciplina par-
dias, a República de vYeimar via-se marcada pela culpa de tidária), parece ter compreendido onde a aliança dos mode-
ter capitulaào ao Diktat. Os sacrifícios econômicos exigidos rados com os militares os tinha levado, e defendeu uma
pelas reparações, pelas indenizações e pela inflação tam-. brusca mudança de rota. Num confronto dramático com o
bém podiam ser atribuídos à democracia. gabinete de Ebert, exigiu a eliminação de Noske e de outros
Os esfOl"ços iniciais dos círculos nacionalistas e milita- ministros comprometidos, a punição de todos os colabora-
res para desacreditar a República culminaram, por ora, no dores do golpe e, o que era mais importante, um expurgo
Putsch de Kapp (13 a 17 de março de 1920), urna tentativa· dos elementos anti-republicanos e dúbios de todas as tropas
abortada de derrubar o governo através de um golpe mili- policiais do Reich e dos Liinder. 63 Se tal política tivesse sido
tar. Tanto os Freikorps como unidades do exército regular. executada bem antes, e também estendida ao exército e à
(Reichswehr) estavam envolvidos no golpe, e o exército en- burocracia, a República talvez tivesse sobrevivido. Com
quanto instituição recusou-se a defender o governo. O go- sens inimigos à direita sob controle, haveria uma probabi-
verno chefiado por Ebert, nessa época presidente da Repú- lidade muito menor de criar uma hostilidade tão amarga à
blica, teve que se evadir, primeiramente para Dresden e esquerda. Não obstante, é expressivo que um homem como
depois para Stuttgart. Os relatos sobre o golpe salientam o Legien tenha chegado sob condições de crise ao menos a
papel dos trabalhadores na derrota do levante, graças à sua urna consciência parcial da constelação de forças vigente.
resposta à convocação governamental de uma greve em todo !'vIas se uma tal política podia ter alcançado sucesso em
o país. NãQ há dúvida de que esse aspecto foi muito impor- 1918, em 1920 já era tarde. Tudo o que Legien obteve foi o
tante. Mas vale notar que os funcionários civis em Berlim sacrifício de Noske e não uma mudança real de política. O
também aderiram à greve, fato único na história alemã, e exército continuava a caminhar no sentido de se converter
que o Reichsbank recusou-se a acatar ordens de pagamento num Estado dentro do Estado. O velho corpo de oficiais
sem uma assinatura constitucionalmente autorizada. (De mostrou-se quando muito aliviado por ver os suspeitíssimos
novo os timbres, as assinaturas e a legalidade! No devido Freikorps desacreditados.
tempo, estes haveriam de facilitar o acesso de Hitler ao pa- Ã esquerda, o USPD e os comnnistas não tinham feito
pel de chanceler.) lYfesmo no exército, a obediência aos gol- greve apenas para facilita" a volta dos moderados ao poder.
pistas não seria completa. Deixados a ver navios sem um Isso valia especialmente para a Renânia e o Ruhr, onde
aparato político que os obedecesse, eles rapidamente se dis- muitos trabalhadores, com base em suas experiências re-
persaram. 62 centes, tinham bons motivos para temer a força combinada
Para os propósitos desta pesquisa há dois aconteci- do exército regular e dos FreikOlps. Em 1919, estes últimos
mentos resultantes do Putsch que são mais relevantes que tinham feito prisioneiros entre os trabalhadores e os tinham
arrastado pela cidade, espancado e fuzilado enquanto mar-

(62) Este esboço dos acontecimentos desde o tmtado de paz ao Putsch


de Kapp baseia~se em Heiber, "Die Republik von Weimar", pp. 47-48, 53-61. (63) Ruth Fischer, Stalin and Germall Communism, pp. 124-125.
j:j!
432 UMA PERSPEcnv A HISTÓRICA ... INJUSTIÇA 433
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chavam. Nessa região a convocação da greve geral de defesa locar em xeque Ebert e seus colegas no Conselho dos Repre-
't~: contraoPutsch de Kapp levantou os próprios trabalhadores sentantes do Povo (Rat der Volksbeauftragten) , mais con-
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1
em armas. Eles formaram batalhões operários e se autode- servador. A 16 de dezembro de 1918, delegados de todas as
nominaram Exército Vermelho do Ru:hr. 64 Antes que o mo- partes da Alemanha reuniram-se em Berlim para a forma-
vimento fosse afinal esmagado (30 de março de 1920), o ção de um parlamento que se auto-apresentou como repre-
Exército Vermelho tinha atingido a dimensão de diversas. sentante dos conselhos de trabalhadores e soldados, o AlI-
divisões e conquistara o controle de inúmeras grandes ci- gemeiner Kongress der Arbeiter- und Soldatenrate Deutsch-
dades. lands (referido no texto como Congresso), cujas sessões per-
A derrota do Exército Vermelho marcou o término das duraram até 21 de dezembro de 1918. Este criou a 16 de
revoltas e das agitações operárias essencialmente nativas dezembro daquele ano: 3) um Conselho Central (Zentral-
não apenas em suas causas como também em seu programa rat), que a 21 de dezembro de 1918 absorveu os poderes do
e liderança. Os levantes subseqüentes, "a ação de Março" Conselho Executivo (Vollzugsrat), cuja criação datava ela
de 1921 e a revolta natimorta de 1923 foram basicamente assembléia do Circus Busch. O Conselho Central era uma
tentativas comunistas e russas de pescar em águas turvas. instituição que ficava a meio caminho entre um parlamento
Com o final das sublevações espontâneas podemos inter- perante o qual o Conselho dos Representantes do Povo (Rat
romper a narrativa para examinar mais detidamente algu- der Volksbeauftragten) era vagamente responsável e um
mas das próprias revoltas. corpo executivo por seus próprios méritos. A essa altura,
porém, a maioria dos socialistas do SPD estava em pleno
. vigor. A paridade formal não mais prevalecia entre o SPD e
Nota !ilobre Conselhos e conselhos (1918-1920) o USPD, e o SPD detinha todos os assentos no Conselho
Central (Zentralrat). A revolução radical oficialmente ter-
Uma vez que proliferaram os Conselhos acima dos minou quando o Congresso votou por esmagadora maioria
conselhos ao nível local e nacional durante a Revolução Ale- a convocação de eleições para a Assembléia Nacional a 19
mã, e visto que todos os nomes próprios em alemão são gra- de janeiro de 1919. Na realidade, as principais investidas
fados em maiúsculas, o leitor não familiarizado pode achar radicais ocorreram depois de o Congresso ter sido fechado,
valioso um breve esboço de um glossário: 1) o Conselho dos a 21 de dezembro de 1918, e em parte como reação às suas
Representantes do Povo (Rat der Volksbeauftragten), do decisões. Houve uma segunda e menos importante reunião
qual Ebert era o principal dirigente, tendo tomado a. fun- nacional de conselhos de trabalhadores e soldados (ou Rii-
ção da Chancelaria do príncipe Max von Baden, último tekongress) a 8 de abril de 1919. O Conselho Centrai (Zen-
a ocupar o posto de chanceler imperial. Veio à luz a 9 de tralrat) permaneceu teoricamente como a principal autori-
novembro de 1918 e recebeu legitimidade revolucionária da dade governamental na Alemanha até entregar seus pode-
assembléia do Circus Busch no dia seguinte. Tratava-se de res à Assembléia Nacional, a 4 de fevereiro de 1919. Entre-
uma reunião de conselhos de trabalhadores e soldados cu- mentes, porém, a autoridade executiva mais importante
jos limites não ultrapassavam a cidade de Berlim. Sua ala continuou em mãos de Ebert e seus associados no Conselho
esquerda procurou estabelecer: 2) um Conselho Executivo dos Representantes do Povo (Rat der Volksbeauftragten) ,
(Vollzugsrat) como parte de um esforço malsucedido de co- que também renunciou a seus poderes em benefício da As-
sembléia Nacional. Uma fonte conveniente para a maior
parte dessas informações é a introdução à obra de Kolb e
(64) Ruth Fischer, Stalin and Germall Communism, pp. 126-127. Rürup (orgs.), Der Zentralrat der Deutschen Sozialistis-

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,.i:
434 UMA PERSPECTlVA HISTÕRICA ...

chen Republik 19.12.1918-8.4.1919, espec. pp. XI-XIII,


XXIX, L, LV, que procurei complementar com o auxílio do
índice em Ryder, The Germall Revolutioll of 1918 e Cars-
ten, Revolution in Central Europe 1918-1919.
Além dessas, havia ainda duas formas de conselhos po-
~, pulares ou locais. A primeira era constituída pelos conse-
i lhos de trabalhadores e soldados (Arbeiter- und Soldaten-
rate) que brotaram e se espalharam na maior parte da Ale-
manha no final de 1918. Nem todos eles eram compostos de CAPÍTULO 9
trabalhadores e soldados. Dependendo das circunstâncias e
do ritmo locais (os conselhos de soldados se evaporaram
com o avanço da desmobilização) muitos aparecem corno
O impulso l'adical
"
simples conselhos de operários ou de soldados. Em algumas
regiões da Alemanha ocorreu mesmo um breve e abortado
esforço para trazer os camponeses à participação. A se-
gunda forma era constituída pelos conselhos de empresa Aspectos gerais
(Betriebsriite). Estes se confinaram aos trabalhadores in-
dustriais e tornaram-se mais importantes principalmente o fracasso da revolta espartaquista introduziu um novo
na primavera de 1919, como parte da segunda e maisradi- elemento na situação dos trabalhadores: a repressão san-
cal fase da revolução. Essencialmente, eles foram a expres- grenta e maciça· à esquerda. Foi somente depois de janeiro
são de um movimento a favor do controle operário e de um de 1919, quando a revolta foi esmagada, e após Noske e os
socialismo descentralizado. Freikorps terem entrado em ação, que as grandes massas
operárias se levantaram em todas as principais áreas indus-
triais da Alemanha. A primeira vaga revolucionária ini-
ciada em Kiel em novembro de 1918, com a revolta dos
marinheiros, fora predominantemente uma revolução "do
povo", com objetivos liberais limitados. Tratou-se de um
. levante popular geral dirigido quase inteiramente contra os
militares, a monarquia e qualquer coisa que cheirasse à
continuação da disciplina dos tempos de guerra, com todo
seu sofrimento e sacrifícios. Embora os trabalhadores te-
nham desempenhado um papel fundamental, aqueles que
procuraram transformar a revolução popular num fato ra-
dical ou revolucionário representavam uma· minoria limi-
tada e dispersa. Se Ebert e seus colegas não tivessem se
antecipado a eles, tomando o poder em Berlim, é possível
que tivessem montado um golpe, mas dificilmente uma re-
volução. Os conselhos locais de trabalhadores e soldados
que brotaram espontaneamente após o levante de Kiel po-
436 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ...
INJUSTIÇA 437
diam ter-se tornado os órgãos de uma democracia popular,
ou pelo menos agentes da ruptura do domínio institucional semelhantes no comércio e nos transportes. Isso, no entan-
das classes dominantes - os Junkers, os grandes empresá- to, não chega a ser importante. Em meio à euforia e à có-
rios, os altos escalões do Judiciário e da burocracia. Mas tal lera daqueles tempos, nem os revolucionários nem seus
não aconteceu. Uma razão óbvia foi que a liderança refor- oponentes iriam se deter no exame de estatísticas.
mista do SPD teve medo de deixar que isso ocorresse, te- Em termos estritamente cronológicos, a vaga radical
mendo que o movimento lhe escapasse das mãos para se realmente teve suas origens nas greves industriais da época
transformar numa revolução socialista, que, eles acredita- da guerra examinadas no capítulo precedente. Ela conti-
vam, teria conseqüências desastrosas para toda a Alema- nuou paralelamente à (mas em grande parte submersa pela)
nha, incluindo os trabalhadores industriais. Outro motivo onda popular mais ampla que teve início com a revolta dos
pelo qual nada semelhante a uma ditadura democrática marinheiros em Kiel e derrubou o imperador. Algumas ve-
surgiu a partir do movimento dos conselhos foi o fato de que, zes as duas ondas correram paralelas. Mas pelo menos al-
de modo geral, os camponeses nada tiveram a ver com tais guns líderes continuaram conscientes, por todo o tempo, de
organismos. que havia objetivos conflitantes. A revolução reformista,
Assim, a revolução popular não conseguiu realizar ne- popular ou democrática chegou a termo quando o primeiro
nhuma das transformações sociais que formavam parte do Congresso dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados de-
sistema das democracias liberais na Inglaterra, na França e cidiu, entre 16 e 21 de dezembro de 1918, convocar as elei-
nos EUA. A segunda onda revolucionária, que reuniu for- ções para uma Assembléia Nacional tão cedo quanto possí-
ças após o fracasso da I'evolta espartaquista, foi muito mais vel, colocando, através desse ato, um finis a tal forma de
uma reação às insuficiências da primeira - mesmo do movimento conselhista. Ã época em que Noske esmagou a
ponto de vista liberal. I Esta segunda revolução teve um rebelião espartaquista, o movimento popular tinha perdido
caráter proletário, no sentido de ter-se baseado nos traba- algumas semana's antes o seu ímpeto revolucionário .. Por
lhadores industriais. Mesmo no plano retórico quase não se haver provocado a repressão em vez da revolução, o impulso
procurou apresentá-la como um movimento de todo o povo, radical passou a ter, a partir daí e através dos anos de 1919
Para usar uma expressão difer.ente, os elementos articula- e 1920, um forte componente defensivo. Este traço defen-
dos viam ou definiam os trabalhadores industriais como a sivo existiu apesar da ampliação significativa de sua base de
massa do povo. Trata-se de um absurdo estatístico. O censo massas. Na verdade, o fato de que era uma defesa contra
de 1925 mostra que os trabalhadores chegavam a apenas 29 um ressurgimento da força militar a serviço das grandes
por cento da população alemã. 2 Mesmo no Ruhr, os operá- empresas aparece, em minha interpretação, como a razão
rios industriais não alcançavam a maioria (48 por cento), principal do apoio de massas ao que se denomina impreci-
embora pudessem fazê-lo se se considerassem os elementos samente de movimentos radicais na Alemanha dessa fase.
Em sí.ntese, as causas fundamentais do surto radical
foram estas: a transformação a longo termo na estrutura da
economia, já evidente antes da guerra, tinha começado a
(1) o capítulo seguinte lfa examinar mais detidamente as razões de tal aumentar a pressão sobre as principais instituições voltadas
fracasso. e particulannente o argumento reformista de que cabe aos radicais a
responsabilidade pela falência do liberalismo, num esforço para desvendar se os para a integração dos trabalhadores industriais à ordem
líderes do SPD podiam ter efetuado algo melhor. capitalista. A importância das profissões artesanais e das
(2) Stalisú\'cllf:s Jahrbuch fii.r das Deulsche Reich, 'lOl, 46 (1927), pp. 20- pequenas unidades produtivas nas cidades .das províncias,
21, para um resumo do censo de 1925; quanto aos dados sobre o Ruhr, ver o
capítulo 7, Quadro 6, deste livro. onde o SPD e os sindicatos tinham suas raízes mais sólidas,
principiara afinal a declinar, ao passo que a das grandes

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438 UMA PERSPECnVA HISTÔRICA ... INJUSTIÇA 439

fábricas e da vida metropolitana crescia. A guerra apagou guerra e tenham desenvolvido posteriormente urna pode-
temporariamente essas tendências. Cm.lsou outras dificul- rosa lTIinoria comunista ern suas fileiras. Visto que um estu-
dades e uma ruptura geral dos vínculos sociais tradicionais dioso atento e simpático do movimento de conselhos de fá-
e das rotinas familiares. A guerra constituiu também a ra- brica registra que este não conseguiu atrair a maioria dos
zão do aparecimento bastante rápido de imensas concen- trabalhadores alemães, é seguro afirmar que muitíssimos
trações de trabalhadores em certas empresas e regiões. Em operários mesmo nas grandes indústrias urbanas e nas mi-
luuitas partes da Alemanha, a escassez de moradia, com~ nas resistiram-igualmente aos apelos radicais. 3
bustível, vestuário e especialmente de alimentos (que ocor- Onde, então, o radicalismo conquistou apoio? Tipos
reu de forma a desacreditar as autoridades e a enfatizar o diferentes de radicalismo atraiam tipos diversos de traba-
abismo entre ricos e pobres) tornou os trabalhadores indus- lhadores. Para começar pela base, os refugos da ordem so-
triais Írritados e coléricos. O desapontamento e os golpes cial - chamados alternativamente das Lumpenproletariat,
abortados, dos quais a revolta espartaquista foi apenas a die Unterschicht, die Augestossenen - forneceram nume-
mais dramática e mais importante, levaram ao emprego de rosos recrutas para várias formas de ativismo utópico e ter-
tropas para sufocar as rebeliões. Após o fracasso do levante rorismo. Esse estrato compreendia os desempregados e os
espartaquista inúmeros trabalhadores perderam as espe- praticamente não empregáveis, ao lado dos trabalhadores'
ranças em qualquer tipo de atividade política. Tenderam a ocasionais. Os trabalhadores portuários de Hamburgo, que
recuar para seus próprios instrumentos, particularmente o de vez em quando irrompiam na arena política numa vio-
movimento dos conselhos de empresa (Betriebsrate), urna lenta demonstração, apenas para desaparecer logo depois
combinação de democracia operária e de supervisão dos , numa aparente apatia, parecem constituir um bom exem-
trabalhadores sobre as operações da empresa que analisa- plo. Tais indivíduos foram apenas superficialmente atraí-
remos mais detalhadamente a seguir. Quando esses instru- dos pelo movimento conselhista. 4
mentos fracassaram, ou foram levados ao fracasso graças às Em nítido contraste com eles, os novos trabalhadores,
suspeitas e às protelações vindas de cima, ou quando foram que ingressaram em novas indústrias durante e após a guer-
usados corno justificativa para a intervenção militar e go- ra (especialmente, por exemplo, as empresas químicas) e
vernamental direta, os protestos se transformaram em re- que careciam de tradições e vínculos anteriores, marcharam
volta aberta. prontamente ao movimento pelos conselhos de empresas. O
Se foram essas as condições causais, que tipo de traba- mesmo valia para diversos outros setores que não tinham
lhadores era atraído pelos movimentos radicais? Obvia- estado sob o controle dos sindicatos antes da guerra e para
OS quais afluíram novos trabalhadores durante o conflito -
mente, neln todos o eram, e será lllais conveniente_ iniciar
com alguns comentários sobre estes. Com a importante ex- trabalhadores em ferrovias e empregados públicos em ge-
ceção dos metalúrgicos, que será analisada na ocasiãoade- ral, ao lado de empregados no comércio. 5 O radicalismo
quada, os movimentos radicais não conquistaram simpatia
nas áreas onde os sindicatos tinham estabelecido raízes pro-
(3) Peter von Oertzen, Hetriebsrãte in der Novemberrevolution, pp. 277-
fundas. Tampouco iriam ocorrer aí onde as tradições do 278,323.
artesão ainda eram fortes, um contraste notável com a si- (4) Vou Oertzen, Betriebsrãte, pp. 276, 292.
tuação de 1848. Finalmente, os setores das fábricas têxteis, (5) Von Oertzen, Betriebsrate. p. 277. A penetração das idéias conselhis-
tas nas fileiras dos empregados e trabalhadores do comércio é particularmente
com seu amplo número de trabalha.dores não qualificados e importante, uma VC'1. que esse setor forneceria depois massas de seguidores do na-
mulheres, permaneceram à parte, embora fossem contrá- zismo. O que pesava para eles era a ameaça de caírem num status proletário e não
o pertencimento real ao proletariado. Evidentemente, a idéia dos conselhos podia
rios às políticas colaboracionistas dos sindicatos durante a
INJUSTIÇA 441
UMA PERSPECTIVA HISTORICA ...
440

dos conselhos de empresas também conquistou uma base Dessa maneira, esses homens eram expostos diariamente a
bastante poderosa entre os mineiros e os operários nas fun- experiências que podiam voltá-los numa direção radical. 7
dições. Além das condições de trabalho em geral severas, Assim, alguns fatores gerais de predisposição, que va-
o elemento imediatamente motivador parece ter sido a rea- riam grandemente de caso para caso, são visíveis entre as
ção dos trabalhadores ao que eles encaravam como as for- classes trabalhadoras, desde o nivel mais baixo dos refugos
mas altamente autoritárias e irracionais de autoridade ge- sociais até o proletariado moderno de operários não quali-
ficados. nas grandes cidades e nas grandes fábricas, alcan-
renciai. çando mesmo os trabalhadores altamente qualiÍicados e
Os metalúrgicos, cujos Delegados de Fábrica Revolu-
cionários desempenharam papel tão importante, constituem bem remunerados. A ú.nica área em que o radicalismo não
o último e talvez mais instrutivo exemplo. Os metalúrgicos parece ter exercido atração digna de ser mencionada foi a
tinham uma longa e bem-sucedida tradição de sindicalismo do pequeno artesanato. É bastante provável que isso tenha-
(exceto nas indústrias pesadas e do aço no Ruhr). Eles eram se devido à situação em que o patrão não era nitidamente
também altamente especializados e especialmente bem pa- diferenciado, seja na posição social, seja na função econô-
gos durante a guerra. Por que, então, as demandas por mica, dos trabalhadores na bancada. Nessas condições, o
transformação social radical - com objetivos admitida- patrão desempenhava tarefas que pareciam aos trabalha-
mente vagos e flutuantes - encontraram sustentação tão dores inevitáveis e necessárias, tal como aconteceria, diga-
poderosa em suas fileiras? Uma razão possivel é que o ad- mos, numa oficina de produção de prumos ou aparelhos
véntp da grande fábrica tenha significado que a posse de mecânicos nos Estados Unidos de hoje. B
uma qualificação constituia uma garantia de segurança Duas observações gerais sobre as causas subjacentes
muito menor do que antes. 6 Mas outros fatores foram pro- ou favoráveis ao. radicalismo da classe operária devem ser
vavelmente mais importantes. No sindicato dos metalúrgi- colocadas aqui. Ambas indicam a necessidade de cautela ao
cos, os delegados de fábrica eram experientes quadros sin- avaliar tais exemplos. As diferentes formas de radicalismo
dicaiscuja função os mantinha no interior das fábricas em parecem ter sido uma tendência minoritária entre os traba-
contato com oS trabalhadores da produção. Parece ter ha- .lhadores alemães na maior parte do tempo. Por outro lado,
vido aqui uma diferença crucial, uma vez que nos outros é difí.ciljulgar a verdadeira extensão da filiação espontânea
sindicatos os dirigentes menos importantes eram geral- aos movimentos radicais. Ai onde sua expressão aberta é
mente desviados para a burocracia sindical, ficando sujeitos arriscada e perigosa devido à repressão dos patrões ou do
assim a uma rede social muito mais conservadora que favo- Estado, é possível que haja uma dose considerável de apoio
recia uma abordagem cautelosa de todos os problemas. Por latente ao radicalismo. O reverso da moeda é que em tem-
.seu lado, no recinto da fábrica, sob as tensas condições do pos de inquietação e de autoridade politica instável deva
tempo da guerra e do imediato pÓs-guerra, o conflito entre prevalecer o tipo de situação oposta. Então, é possivel que
patrões e empregados vinha à luz em sua forma mais aguda. haja uma grande pressão por parte dos militantes no sen-
tido de forçar os que fazem corpo mole a entrar na linha a
fim de sustentar a aparência de solidariedade. Embora al-
atrair em graus variados tanto àqueles ameaçados por tal sina como aos que real~
mente estavam sujeitos fi ela. Ê possível que o mesmo fosse válido para outras
categorias, como a dos trabalhadores químicos acima mencionados,' visto que sua (7) Vrtr von Oertzen, Betriebsriite, pp. 281-290.
condição de novo Üpo de trabalhadores era provavelmente incerta. (8) Este ponto merece uma investigação mais aprofundada no contexto
(6) SObl"C a mudança geral nas implicaçõc5 da posse de uma qualificação, alemão específico. Até aqui, a atenção dos estudiosos foi mais atraída pelas si-
ver von Oertzen, Betriebsrãte, pp'. 316-318. tuações em que o radicalismo conseguiu apoio que pela situação contrária.

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442 UMI\ PERSPECTIV A HISTÔRICA ... INJUSTIÇA 443

guns operanos comuns possalll assuluir espontaneanlente inábil cometido por alguma autoridade, ou ainda alguma
riscos heróicos, não parece provável que a massa dos traba- exigência "desarrazoada" - como a orde1ll de sair ao mar
lhadores comuns se incline nessa direção mais que qualquer que provocou a sublevação dos marinheiros em Kiel - são
outro setor da população. Os soldados de um exército sob exemplos dessa espécie de incidente. Então, como ocorre
ataque exigem o éspartilho social da disciplina militar mes- em um vale escarpado dos Alpes em que a neve do inverno
mo quando crêem em sua causa. A intimidação revolucio- foi se amontoando de forma a gerar toneladas de pressão
nária desempenha um papel de certo modo similar. Ainda explosiva, o arremesso de uma bola de gelo pode às vezes
que os reacionários e conservadores super dimensionem tal liberar uma força incontrolável e turbilhonante que esmaga
aspecto das rebeliões populares, não há razão para duvidar qualquer obstáculo à sua descida. Essas situações, entre-
de sua importância em dei:f:rminadas circunstâncias. Essa tanto, são tão raras quanto dramáticas, e uma situação ex-
dificuldade para avaliar a extensão do apoio espontâneo a plosiva num contexto histórico e cultural pode deixar de
programas militantes e radicais, sob condições ao mesmo sê-lo em outro tempo ou local onde sejam diferentes as ex-
tempo de repressão e de autoridade instável, pode criar a periências, as memórias, os juízos e as esperanças.
ilusão de uma súbita eclosão de sentimento radical onde Após manifestar nossa desconfiança quanto às causas
efetivamente teve lugar muito pouca transformação. dos descontentamentos radicais, podemos agora nos voltar
E preciso igualmente ser cauteloso para não colocar para suas formas principais de expressão no comporta-
demasiada ênfase explicativa nos fatores sociais e econômi- mento concreto. A partir de janeiro de 1919, os radicais
cos gerais. Como mostram o repentino influxo aos movi- descontentes entre os trabalhadores industriais expressa-
mentos militantes e radicais e o êxodo também repentino ram-se de quatro formas diversas: 1) um aumento intermi-
desses movimentos, as circunstâncias bastante imediatas tente mas às vezes acentuado do apoio eleitoral ao USPD; 10
podem significar toda a diferença - especialmente se o cri- 2) poderosos movimentos de base em oposição aos dirigen-
tério de relevância for a eficácia .política. 9 A essa altura, o tes entrincheirados nos sindicatos; 3) apoio mínimo aos gol-
leitor dificilmente precisaria ser lembrado de que a miséria pes e muito maior a ações defensivas (mas sem esperanç~)
é absolutamente insuficiente para criar uma irrupção de contra os Freikorps de Noske; 4) movimento em defesa
massa. ]'vIas o desenvolvimento de padrões de condenação da democracia operária e do controle operário através dos
- uma explicação social para a miséria e a rejeição moral conselhos de empresa (Betriebsrdte). Esses conselhos pra-
dela - também não são em si necessariamente suficientes. ticamente nada tinham em comum com os conselhos de
Para que tenham lugar as irrupções populares ou a ação trabalhadores e soldados (Arbeiter- und So!datenrate) que
política é indispensável que ocorra algum incidente precipi- continuaram a existir durante o ano de 1919 com importân-
tador sob a forma de uma nova, súbita e intolerável indig- cia cada vez menor. Eles tinham em comum apenas a deno-
nação. (A definição do que é intolerável também variará minação de conselho em seu título e alguns líderes que
segundo a época histórica.) Um corte no abastecimento ali- atuavam em ambos os movimentos. Como vimos, os conse-
mentar, ou um ato de injustiça particularmente ofensivo ou . ";x;,,,,; lhos de trabalhadores e' soldados foram, ou procuraram ser,
órgãos populares democráticos que representavam o "povo"
em geral em uma determinada região. Os conselhos de em-
r.
(9) A fim de evitar mal~entendidos. é neceSl;ário salientar que a aceitação
desse critério não implica escrever a história dos vencedores. Pode·se procurar
descobrir por que os perdedores falharam e, certamente, simpatizar com eles ou
(10) Gerald D. Feldman et alii. "Die Massenbewegung der Arbeiterschaft li,
não. A meu ver, a eficácia política constitui um critério de importância que a
in Deutschland am Ende des Ersten We1tkrieges (1917~1920)", pp. 99·100,104. ~ ,
própria estrutura dos fatos impõe ao estudioso dos assuntos humanos.
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li:
INJUSTIÇA 445

444 UMA PERSPECnVA HISTÔRICA",


seu movimento antes da guerra. Aparentemente, a idéia de
presa ou de fábrica constituíram explicitamente organismos tratar essas reivindicações através do mecanismo dos conse-
operários em uma dada empresa ou fábrica. O seu caráter lhos de empresa veio de fora. Também se baseou nos acor-
de classe foi, portanto, muito mais acentuado, Uma vez que dos dos tempos da guerra. Um membro do sindicato dos
foi nesse movimento que as preocupações dos trabalhadores metalúrgicos, Heinrich Schliestedt, realizou uma visita
comuns encontraram sua expressão mais claI'a, a análise oficial ao Ruhr e em seguida apresentou uma breve mas
remanescente irá se concentrar neles. vigorosa defesa do comportamento militante dos mineiros
A luta pelos conselhos de fábrica não constituiu um perante o Congresso de Conselhos de Trabalhadores e Sol~
movimento puramente de classe operária no sentido de que dados, que teve lugar em Berlim, em dezembro de 1918.
todas suas idéias tenham-se originado dos próprios operá- Ele alertou os delegados ali reunidos para encararem seria-
rios e nunca de intelectuais ou outras fontes externas. Nesse mente a introdução do socialismo pelo menos nas minas,
aspecto; é improvável que jamais tenha existido um movi- não o adiando até o Dia de São Nunca (SanktNimmerlein-
mento completamente puro, uma vez que os trabalhadores stag), como realmente estava acontecendo. Mas para ele o
nunca estiveram absolutamente isolados das correntes inte- socialismo não significava Uma abstração geral. "Uma úl-
lectuais que fluíam no restante da sociedade. A estratégia tima coisa", disse quase ao fim de sua intervenção, "o im-
veio de fora. Suas elaborações teóricas não devem nos preo- portante é que temos de atuar nas empresas de uma forma
cupar aqui. Do ponto de vista da presente Investigação, eis completamente diferente de antes, e isso a Assembléia Na-
aspectos significativos são estes: quando os dirigentes de fora cional não pode realizar. O importante é a gestão das em·
de suas fileiras imediatas disseram aos irados operários que presas. Ela não pode continuar a ser tarefa exclusiva dos
eles deveriam assumir por si sós o controle da produção se proprietários e de seus funcionários; ao contrário, temos de
quisessem conquistar qualquer melhoria real em sua pró- conseguir a participação dos trabalhadores na gestão. ( ... )
pria situação, a resposta de amplas parcelas do operariado A administração do trabalho deve, portanto, sercolocada
foi entusiástica. Eu arriscaria dizer que é isso o que o socia- nas mãos de conselhos e comitês operários". 11
lismo em geral significava para os trabalhadores no interior A mensagem efetiva passada aos trabalhadores era,
das fábricas. De forma um pouco mais concreta, represen- em termos gerais: se você pretende fazer alguma coisa
tavam maior controle sobre seu próprio destino e maior res- quanto às suas reivindicações, será preciso conquistar o
peito pela dignidade humana. Ele estava mais próximo do controle do governo sobre as minas e a presença de seus
anarquismo que do socialismo marxista ou centralizado. próprios companheiros na administração a fim de çolocar
Embora os processos ocorridos no Ruhr sejamteina de um ponto final aos atos arbitrários. Esse passou a ser o im-
análise mais detalhada à frente, é conveniente discutir os pulso principal por trás das demandas dos trabalhadores.
conselhos de empresa'neste ponto, pois as minas de carvão Tratava,se de uma nova versão da antiga reivindicação de
do Ruhr tornaram-se a área em que o movimento granjeou, "tratamento humano decente", um tema explicitamente
mesmo brevemente, a sua base mais poderosa. Nessa re- salientado no movimento dos conselhos. Naquela ocasião as
gião, eclodiu uma série de movimentos espontâneos de tra- demandas dos trabalhadores ultrapassaram as exigências
balhadores em novembro de 1918 simultaneamente aos correntes de melhoria em suas condições materiais e so-
conselhos de trabalhadores e soldados, mas, ao que parece,
de forma bastante independente destes. Em sua maioria, (11) Von Oertzen, Betriebsrãte, pp. 111~113; Al/gemeiner Kongress der
eles apresentaram as reivindicações comuns dos ,mineiros, Arbeiter. und Soldatenrate Deutschlallds ( .. ,) Stenographische BericJ~te, col. 333
todas as quais - incluindo as objeções à autoridade arbi- (os grifos são do original).
trária da administração - tinham aparecido no curso de

-_._-- --------_. ~-~.--~-


446 UMA PERSPECTIVA HlSTORICA ... INJUSTIÇA 447

ciais. S" o tratamento humano decente ainda aparece como Na Alemanha central °
movimento dos conselhos se-
reivindicação central, os trabalhadores mais poIi.tizados e guiu um padr;lo em geral semelhante. Em meio à generali-
ativos passaram a acreditar que apenas com a participação zada inquietação política e à proliferação de conselhos de
na gestão eles poderiam atingir esse objetivo de longo prazo. trabalhadores e soldados em 1918, os conselhos de empresa
A socialização e o sistema de conselhos formaram uma uni- também fizeram sua aparição, mais uma vez com reivindi-
dade indivisível no diagnóstico e na solução que apresen- cações bastante concretas. Nas grandes instalações quími-
taram para seus apurosY cas da Leuna, nIna colossal indústria de guerra que literal-
Durante a primavera de 1919, essas reivindicações des- mente brotara do chão, o conselho de trabalhadores apre-
pertaram uma poderosa resposta entre os mineiros. Os de- sentou cinco exigências à administração a 9 de novembro de
talhes do movimento, que terminou em golpes do punho 1918 -- o dia da revolução: 1) jornada de trabalho de oito
armado dos Freikorps, não precisam ser sumariados aqui. 13 horas; 2) fim das horas extras e do trabalho aos domingos;
Mas certos pontos merecem ser trazidos à luz. O putschis- 3) a mesma alimentação para todos na empresa; 4) trata-
mo radical à maneira dos espartaquistas (permanece impre- mento humano decente (anstiindige Behandlung) por parte
ciso o peso que efetivamente tiveram) não foi capaz de ga- dos supervisores; 5) fim da produção militar. 15
nhar apoio entre os trabalhadores enquanto parecia existir O exemplo da Leuna constitui um caso clássico de ra-
uma perspectiva de conquistar aquelas reivindicações por dicalização parcial das massas de novos trabalhadores ca-
meio dos conselhos de empresa. Com efeito, as greves para- nalizados para uma situação desconhecida e desagradável.
ram de imediato quando as negociações com o governo pa- Embora mais intenso aí que em qualquer outra parte, trata-
receram tender para esse resultado. Por sua vez, a violência se de um processo que deve ter ocorrido em algum grau por
e a participação das massas aumentaram à medida que o toda a Alemanha. Também no exemplo das instalações da
governo mostrou-se vacilante, até atingir um ponto em que Leuna é possível captar um breve relance da competição
aproximadamente três quartos dos mineiros (mais de 300 que se estabelecia no seio dos trabalhadores entre um con-
mil) entraram em greve em apoio dessas demandas. No cur- junto .de diagnósticos e soluções reformista e outro radical
so de algumas das greves tiveram lugar conflitos sangren- para seus problemas reais. Um dos primeiros líderes do
tos. Por volta do final de abril de 1919 as greves se desvane- movimento pelos conselhos de empresa relata em suas me-
ceram sob o impacto das ameaças militares e da interven- mórias como a situação se figurava aos olhos dos lideres
ção de Carl Severing. Tanto a socialização como o sistema radicais no local. Do ponto de vista deles, a principal tarefa
de conselhos de empresa foram derrotados. A única con- era impedir que os novos trabalhadores se "diluíssem" no
quista dos mineiros foi uma redução da jornada de trabalho conjunto dos operários anteriormente organizados. Uma
para sete (e não seis) horas diárias. 14 das formas de alcançar tal resultado era passar pelos aloja-
mentos, indo de cama em cama, à busca de assinantes para
(12) Von Oertzen, Betricbsriite, 'pp. 127~128. o jornal de oposição esquerdista. Em poucos meses, eles
(13) Para uma descriçào pormenorizada ver Peter VOil Oertzen, "Die contavam com mais de mil assinantes nos alojamentos. O
Grossen Streiks der Ruhrbergarbeiterschaft im Fruhjahr 1919", em Eberhard
Kolb, Vom Kaiserreich zur Weimarer Repub/ik. pp. 185-217. dia do pagamento possibilitava outra oportunidade para a
(14) A greve teve início no começo de abril de 1919, com reivindicações por agitação política. Essa era a ocasião em que os agitadores
jornada de seis horas, reconhecimento do sistema de conselhos, desarmamento
dos Freikorps. armas para o" trabalhadores e restauração das relações"da Ale-
percorriam os locais a fim. de conseguir a renovação das
manha com a Rússia soviética. (A última exigência foi provavelmente Rcres-
centada; as outras correspondem à situação imediata.) Ver von Oertzen, Betrit~bs­
rãte, p. 111. Para um breve relato ver F. L. Carsten. Revolutio/l in Central Europe (15) VOll Oertzen, Betriebsriite, pp. 134-135.
1918-1919, pp.lS3-1SS.
INJUSTIÇA 449
UMA PERSPECTIV A HISTORlCA ...
448
março, as tropas s.ob o comando do general Maercker mar-
assinaturas, e em geral havia bastante temp.o e c.ondições
charam sobre aquela parte do pais e desarmaram .os traba-
para uma boa discussã.o p.olítica c.om .o assinante. 16
Na mineraçã.o, também imp.ortante na Alemanha cen- Ihad.ores em meio a c.onflit.os sangrentos e inc.ontáveis exces-
tral, a situaçã.o assemelhava-se à d.o Ruhr. O principal sos de ambos os lados. 19
Conf.orme se examinam retrospectivamente .os regis-
p.ont.o de insatisfaçã.o entre .os trabalhadores era ai a açã.o
arbitrária e injusta p.or parte da administraçã.o. Nessa parte tros sobre o m.ovimento pel.os conselhos de fábrica e de em-
da ,A.lemanha, houve alguns casos de socialização espontâ~ d~l:~tt~K,
presa, certos p.ontos se destacam, com imp.ortantes aplica-
nea.ou selvagem efetuada pelos conselhos de empresa. V.on .•. .' ções gerais. A lonte "da ira dos trabalhadores ta·a eSSencial-
Oertzen sintetiza quatrc> reivindicações básicas a partir mente uma combinação de d.ois fatores: certas privações
variedade de ações e col.ocações efetuadas pel.os trabalha- materiais e a ausência do que eles mesmos denominavam
d.ores' em fevereiro de 1919, isto é, após .o levante esparta- tratamento human.o decente. Tal ausência ofendia o seu
quista. F.oram elas: 1) alguma forma de "democratização" sentido de justiça. Em seus termos, ela aparentemente sig-
da estrutura interna da empresa; 2) direito de .opinar s.obre nificava a incapacidade de trata1' .os trabalhadores c.omo se-
as condições sociais imediatas que afetavam o trabalh.o (p.or· res humanos no curso dos contatos rotineiros do dia-a-dia,
exempl.o, medidas de segurança), s.obre o estabelecirr tal como a rispidez excessiva, a falta do emprego das for-
de graus salariais e a efetivaçã.o de dispensas; 3) acess.o mas polidas de tratament.o e coisas d.o gênero. Ainda mais
t.odos .os dad.os importantes relativos às operações da imp.ortante, parece ter significado a punição por atos que o
presa; 4) uma parcela justa (não especificada) dos lucros trabalhador não considerava falta sua e pelos quais nã.o po-
firma, a.o lado de uma reduçã.o nas amplas diferenças dia ser responsabilizad.o. Muitos operários eram evidente-
pr.opriedade e n.os rendimentos dos proprietári.os e d.os mente portad.ores de um senso de dever quanto à realização
balhad.ores. Em troca, .os conselhos de empresa rec.onl d.o trabalho de m·aneira adequada e de acordo c.om certos
riam que tinham certos deveres, particularmente quant.o padrões costumeiros, como.evidencia a declaração explicita
cuidar d.os interesses gerais da empresa." Emb.ora alguns de que tinham obrigações para com a empresa. O abus.o da
arautos politicos do movimento possam ter esperado aut.oridade arbitrária por parte da administração configu-
sublevação revolucionária e uma ditadura d.o pr.oletar rava a base para as reivindicações operárias de democracia
nem os dirigentes d.om.ovimento c.onselhista nem os na empresa, acesso à informação sobre suas operações, di-
prios trabalhad.ores mostraram qualquer inclinação nesse:·" reito de opinar sobre as dispensas, etc. Em outras palavras,
P o socialismo e os conselhos de empresa foram um instru-
sentido." Não obstante, .os aconteciment.os seguiram esseti-
cialmente o mesmo curso que na regiãó do Ruhr. O anuprnn mento para c.onseguir tratamento humano decente. Em ge-
e os proprietários foram um pouco mais dur.os em .ral, o modo de alcançá-lo foi sugerid.o aos trabalhad.ores a
cus a das reivindicações d.os trabalhadores, mas oco:rreram partir de cima. Por seu lado, estes aceitaram a sugestão
negociações em que f.oram feitas concessões menores. cal.orosamente e se m.ostraram dispost.os a lutar por isso
trabalhadores radicalizaram-se. Uma greve geral edodiu obstinada e bravamente. Sem a combinação de privações
22 de fevereiro de 1919, com amplo alcance e eficácia. materiais e agravos morais parece mais improvável que esse
m.oviment.o politico de massas tivesse ganho forças. Mesmo
com tais agravos, os trabalhadores eram essencialmente
(16) Wilhclm Koene, "Wir kampften die Rãtemacht und den Sozialis-·~;
mus", em Vorwêirts lInd.nicht VergeSSI:!!.l, pp. 378-380.
(17) Von Oertzen, Betriebsrate, pp. 139-140. (19) Von Oertzen, Betriebsrate, pp. 140·144.
(18) Vou Oertzen, Betriebsriúe, p. 147.
i'

450 UM'" PERSPECT1VA H1STOmCA ...


INJUSTIÇA 451

não··revolucionários e davam pouca ou nenhuma atenção ção, um bom número dos trabalhadores alemães politica-
oi aos agitadores putschistas. Isso valia até para UllUI. época lnente nlais ativos lnostrava uma consciência instintiva dos
i em que a euforia geral alternava-se com a ira e o desespero.
i' i limites impostos pelos imperativos gerais de coordenação
I Foram necessários o desapontamento e a ameaça do em-
prego da força paTa conduzir esses trabalhadores às barri-
. social numa sociedade industrializada. Não será suficiente,
portan to, desconsiderar o movimento pelos conselhos de
':,
cadas. Z!!;~·Jf?· empresa como utópico. Em vez disso, ele constituiu mais
Na j~... ]enlanha de 1919, ao contrário da Rússia do final uma das alternativas potencialmente libertadoras da histó-
ele 1917, não houve oportunidade de descobrir através da ria humana a serem eliminadas por forças mais poderosas.
experiência as limitações inerentes ao controle operário so-
bre a produção. O experimento foi esmagado praticamente
antes de se iniciar. De qualquer modo, o controle pleno do o Ruhr da guena! à revolta
processo de produção não pode existir ao nível de uma em-
presa específica. Em uma sociedade industrial moderna, . A essa altura da análise, será útil recorrer ao artifício
"- ,:'
com seu complexo intercâmbio .çle bens e sen-iços entre mi- das antigas histórias policiais que contam o desfecho a fim
::i ríades de unidades de produção e consumo, está fora de de mostrar o que exige ser explicado. A revolta no Ruhr, em
questão, tanto para a administração como para os traba- resposta ao Putsch de Kapp, o golpe direitista abortado de
lhadores de uma firma particular, a possibilidade de tomar 13 a 17 de março de 1920, foi a mais importante insurrei-
decisões autônomas sobre o que a empresa produzirá e ção realizada por trabalhadores industriais até então ocor-
como as máquinas, as matérias-primas e a força de traba- ridá em qualquer país industrial moderno. Em poucos dias,
lho serão combinadas para levar a cabo a produção. As de- os traba.lhadores do Ruhr conseguiram improvisar um Exér-
cisões das empresas individuais têm de ser coordenadas cito Vermelho. Com ele, conseguiram tomar Dortmund e
umas com as outras, como rapidamente notaram os russos Essen, as maiores cidades do coração industrial da Alema-
quando os operários de diversas indústrias decidiram pro- nha, além de outras menores. No ápice de slla força, o Exér-
duzir segundo seus próprios caprichos e não o que era exi- cito Vermelho talvez tenha contado com algo entre 80 e 120
gido por outros produtores e pelos consumidores. Há so- mil homens em armas. 20 Ainda que as cifras não possam ser
mente dois mecanismos ]Jásicos para a produção dessa coor- tomadas literalmente, elas bastam para indicar que se tra-
denação: o livre-mercado ou uma burocracia centraiizada. tou de um verdadeiro levante de massas e não de um golpe
Ainda assim, esses imperativos gerais de coordenação e in- isolado de um pequeno gnlpo de enragés. Há também inú-
tercâmbio deixam uma gama considerável de opções na to- meros indícios de que o levante foi espontâneo, no sentido
mada de decisões concretas ao nível de uma empresa ou negativo de que não resultou de um planejamento anteci-
fábrica individual. Tal gama de opções inclui a quantidade pado ou de uma organização cuidadosa. Aqui pelo menos
de eficênda técnica da qual uma sociedade como um todo uma vasta massa de trabalhadores industriais modernos
se dispõe a se privar em benefício de outros. objetivos so- tornou-se absolutamente irada a ponto de atacar com vio-
ciais, tal como algum padrão culturalmente definido de
vida e de tratamento humano decentes para os trabalhado-
res industriais. Em suas ocasionais declarações sobre a ne- (20) Conforme o relato de uma fonte qu;:tse ridiculamente hostil aos lraba-
cessidade de ser responsável perante a empresa e, mais - lhadores, mas que mesmo assim reproduz alguns dados importantes extraídos de
documentos contemporâileos. Ver Hans Spethmann, Zwo/f .fa!tre l?1~hrbergbau,
ainda, em sua disposição de manter-se a distância das ações vol. 2. p. 143. Há uma estimativa de cinqüenta ti sessenta mil homens no Exército
militantes enquanto os temas gerais estavam sob negocia- Vermelho em seu apogeu em Erhard Lucas, Miirzrevo!ution 1920, vai. 2, p. 86.
453
INJU5TLÇA
452 UMA PERSPECTIVA H15TORICA ....
QUADRO.ll
lência O regime existente. Como e por que eles atmgirl).uí Distribuição das pessoas empregadas na região do Ruhr
esse estado? Por que se comportaram dessa forma? (em milhares)
o significado de suas próprias ações para os trabalhador~'; Mudanças na
1925 proporção
comuns que tomaram parte na rebelião? Principais categorias I 1907 1907-1925
São estas algumas das questões que procuraremos profissionais %
o
tl. % %
\ n_o
pondero É muito fácil estabelecer uma conexão entre a
201 6 -8
tência da revolta e o fato de que o Ruhr era o coração 373 14
16 + 4
Agricultura 309 12 556
dustrial do continente. Mas os vínculos nessa cadeia de comércio, transportes
nexões causais têm o dom de se dissolver ou de se fazer Serviço público, profissões 4 150 4 I 00
109
pedaços tão logo os submetamos a um exame mais cautp," liberais - 67 2
Saúde, serviços sociais -
loso. Na busca de uma explicação, a primeira hipótese' Outros (servidores,
295 11 407 12 I + 1
um sociólogo pode ser rio sentido de que a combinação sem profissãO)
Indústria, mineração 171 - 1
guerra e de industrialização avançada tivesse transforma.d; e construção civil
161 6
+ 3
99 4 233
a estrutura ocupacional da região de modo a aumentar
nificativamente a proporção do proletariado. Embora
a. proprietários, gerentes
b. administração
1258 48 1672 41\ -ºº-
problemas quanto à sua interpretação, as estatísticas c. trabalhadores

fissionais disponíveis não conseguem sustentar esse Total para,a indústria,


58 \ 2 076 60 + 2
mineração e construção 1518 =
explicação. Ao contrário, elas sugerem uma estabilidade.:: =2604 100 3457 100
. Total geral
continuidade de estrutura social bastante surpreendentd und
Antes de tentar uma interpretação dos . Fordes: Statistik des DeutSchen Reichs, N. F. Bd. 204, Berufs- Betriebs-
zãhlung vom 12. Juni 1907, Abt. IH, 507 (Regierungsbezírk Düsseldorf); 442
mos o que são e de onde vieram. O último censo profissió';' (Regierungsbezírk Arnsberg); 411 (Regierungsbezirk Münster). Statistik des
nal do pré-guerra teve lugar em 1907; o censo seguinte Deutschen Reichs, N. F-.. Bd. 404, Volks-, Beru!s-,Betriebsziihlu1lg 1925, Heft
se efetivou senão em 1925. O Quadro 11 mostra a distri' 16, 86 (Regierungsbezirk Düsseldorf); Heft 15, 90 (Regierungsbezírk Arnsbcrg);
Heft 15, 72 (Regierungsbezírk Münster). Ligeiras discrepâncias S2~O devidas à ro-
buição da população trabalhadora entre as principais ~~t~~·;,.
tatividade.
gorias econômicas para esses dois anos'.
Empora tenha havido um significativo .crescimento
população trabalhadora da região, de cerca de 2,6 milhõ\ls:·· das categorias para o censo), uma vez que a categoria dire-
para aproximadamente 3,5 milhões, a distribuiçã.o profisLi tamente denominada "preparação de ferro e aço" mostra
sional permaneceu bastante estável. A maior uma pequena queda, difícil de acreditar à luz das informa-
como era de se esperar, ocorreu na agricultura. Mas ções mais gerais sobre a importância das indústrias de ferro
caiu em apenas oito por cento. e aço. O acréscimo do setor automobilístico no censo de
Mais importante para nossos fins é o fato de que 1925 não se fez acompanhat: de nenhum crescimento im-
houve alteração nenhuma na proporção de portante na proporção dos operários empregados na produ-
industriais. As mudanças no interior desse conjunto ção de máquinas e equipamentos. Mais uma vez, a impres-
mostradas no Quadro 12. são deixada pelo censo é a de uma estabilidade social fun-
Também aqui não ocorreram grandes modificações. damental. Quase chega a parecer que as estatísticas esti-
maior delas, um aumento na mineração de ferro, vessem registrando um aumento de algum imenso orga-
provavelmente uma elevação mais geral na extração e nismo onde a dimensão das várias partes e as relações estru-
paração de ferro e aço (bem como um atraso na formulaçaí

-----~- -------------
455
INJUSTIÇA
454 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ...
a guerra. Com base em fontes já analisadas, sabemoS que
QUADRO 12 na Alemanha em seu conjunto ocorriam movimentações em
Principais profissões dos trabalhadores industriais da região do Ruhr larga escala tanto para dentro como para fora de diferentes
(e1l1 milhares)
tipos de trabalho, bem como uma ruptura geral nas existên-
J Mudança na
% % cias dos trabalhadores comuns, com importantes conse-
1907 1925
I
!
Categorias iizdustriais

f Mineração
-
g% n."
28 I
proporção

+ 5
qüências políticas. Logo examinaremos o que acontecia no
Ruhr.
de carvão, etc. 293 23 461 Não obstante, essa objeção não liquida o problema.
S 1 253 15 +14
Mineração de ferro, etc.
11 166 10 1 Mesmo que as cifras não possam registrar algumas convul-
Preparação de ferro e açO 134
l\.1áquinus e equipamentos 73 6 126* 8 + 2 sões evidentes, resta ainda a questão de dar conta daquilo
144 11 147 9 -2 que neste caso podemos denominar convenientemente de
Têxteis 00
59 5 82 5
Vestuário
166 10 3 "um retorno à normalidade". A forte semelhança entre a
Construção civil 163 13
220 17 271 16 - 1 divisão de trabalho em 1907 e em 1925 dificilmente poderia
Outros
1094 87
ser resultado de um mero acidente. Mas que "normali-
Subtotal1907
dade" era essa e como a situação chegou a ficar e a perma-
Outros metalúrgicos I':'
qualificados, etc. 1907 164 13 necer "normal"? A mais leve familiaridade com a história
Totàl para os grupos
= = do período é suficiente para mostrar que havia um elemen- ,:1.

acima 1258 100 1672 100 to muito poderoso de coerção por trás dessa "nonnalida-
de". A distribuiç1l.o profissional de 1925 reflete o fracas-
Fontes: Statistik des Deutschell Reichs, N. F. Bd. 204, Berllfs~ tmd Betriebsziih .. ',.;i;i'IíA' so das tentativas de redistribuir o poder político e econô- '.i
lung vom 12. JUTli 1907, Abt. lU, S07M512 (Regierungsbezirk Dü::;seldorf); 44'). ,'.'
447 (Regierungsbezirk Arnsberg); 411-416 (Regierungsbezirk Münster). mico na Alemanha depois da guerra. Ê esta a segunda e I';
des Deutschen Reichs, N. F. Bd. 404, Volks-, Berufs-, Betriebsziihlu··ó - - - - " . ·:;'C'",'d'"c',. mais importante razão para suspeitar da existência de me-
Heft 16, 86-90 (Regierungsbezirk Düsseldorf);- Heft 15, 90-94 (Regierungsbezirk
Arnsberg); Hcft 15, 72-76 (Regierungsbezirk Münster). Ligeiras discrepâncias são
canismos sociais não revelados que controlam a divisão de
'i
devidas à rotatividade. trabalho.
(*) O setor automobilístico foi incluído nesta categoria no relatório de 1925. Essas reflexões conduzem à constatação de que a estru- i
tura profissional é parte de algo que exige pelo menos, na
mesma medida, uma explicação, como um fator causal por
turais entre elas fossem governadas por um principio mis-' seus próprios méritos. A estrutura de incentivos e desincen-
terioso ou ainda não decifrado de organização social. tivos que leva os indivíduos aos empregos que eles arranjam
e conservam ou são incapazes de conservar é parte da or- ~:
Seria essa impressão ilusória - na verdade um engano " dem política global, e as cartas distribuídas no jogo da vida "1
I
perigosamente decepcionante - porque reforça o mito nunca foram embaralhadas de modo a dar a cada jogador
1'1
I'
auto-afirmativo de que os seres humanos possivelmente não' 3i~',"i,i~,;< uma m'lo completamente determinada pela sorte. O má- i:
podem controlar o seu próprio destino? Trata-se aqui da ximo que se pode falar sobre as causas, com base na evi- I
versão moderna da ilusão da inevitabilidade discutida em' dência disponível para eSse exemplo particular - e que não I'
vários outros pontos neste livro? deixa de ser um ponto significativo - é que a estatística i
Há dUlts razões para suspeitar que era esse o caso. A ;\):t';::;~'j demonstra a ausência de qualquer tendência inerente .na
primeira é muito simples. Coletados em datas amplamente economia do Ruhr capaz de sobl'epujar a constelação de
separadas, os números não podem refletir quaisquer forças vigente e de gerar um curso mais amplo e mais pode-
danças que tenham ocorrido durante e imediatamente apóS
,~1

INJUSTIÇA 457
456 UMA PERSPECTIV A HlSTORICA ...

roso de transformações SOCIalS fundamentais. parecem ter sido especialmen te intensos na região do Ruhr. 21
mudança tecnológica ou de outro tipo veio à tona nesse A esse respeito, é importante lembrar que a Primeira Gran-
ríodo para aumentar a proporção do proletariado. A mar.'e·· de Guerra foi também o primeiro conflito na experiência
cha automática da história impulsionada pelo avanço humana no qual a capacidade para mobilizar recursos in- ':.
dustrial, com a qual tantos marxistas tinham contado dustriais teve peso decisivo. As autoridades militares ale-
da guerra, parece ter chegado a urna interrupção pelo me",',!?!\"í:' mãs esperaram de início uma vitória rápida e decisiva. Ape-
nos teluporária, bem antes que as armas de agosto de nas quando verificaralu que ela não estava à mão elas im-
tivessem começado a disparar. As engrenagens contínua·:: provisaram controles gerais. Assim, houve uma enorme gui-
ram a girar e as modificações mantiveram-se em ação, nada na força de trabalho industrial à medida que os fabri-
tas delas traumáticas para amplos grupos de trabalhadores cantes de armamentos procuraram expandir suas operações
Mas o mecanismo econômico não dispunha de e outras fábricas se voltaram para tarefas bélicas.
característica intrínseca que o faria explodir ou Se transfor":': As instalações da Krupp em Essen cresceram de 34 mil
mar num tipo de máquina diferente. A mão invisível nUTI"",' operários em 1913 para mais de 100 mil em 1918. Somente
constituiu um de seus mecanismos mais importantes uma indústria pesada de aço (Grosseisen) perdeu 41 por
movimento, especialmente no Ruhr, e o punho de fM~n ..• cento de seus trabalhadores para as forças armadas nos
pôde desempenhar o mesmo papel com igual efic meses iniciais da guerra. Outro estabelecimento importante
essa, em minha leitura, a mensagem principal das estatísti' ganhou 28 mil operários durante o conflito mas perdeu 21
cas profissionais. mil. Nesse caso, a reviravolta foi tão grande que o número
Se não ocorreram transformações estruturais de tra:balhadores perdidos representou cerca de dez vezes o
gentes na economia da região durante o período, número mínimo de operários empregados em qualquer ou-
necessário um exame mais atento das experiências operá- tra época (2100) e cerca de duas vezes o número máximo
rias durante a guerra.e principalmente no imediato pós"' até então empregado (10 mil). Em outras palavras, os tra-
guerra a fim de descobrir o que fez com que ,se voltassem':' balhadores simplesmente passaram pela empresa. O Ser-
para a rebelião armada. Embora as greves dos mineiros de' viço de Inspeção Fabril relata que, em média, cada traba-
carvão tenham representado os mais amplos distúrbios tra- lhador livre ficava não mais que um ano em cada emprego.
balhistas na história da Alemanha do pré-guerra, elas fo- .
ram, como vimos, lutas para a superação de reivindicações
(21) A única estatística geral sobre este movimento que consegui localizar
bastante específicas da mineração carbonífera. No curso encontra-se em um relatório referente fi Düsseldorf do Gewerbe-Aufsichtsbeam-
dos mesmos anos de antes da guerra, os b"abalhadores nas teu (funcionários da inspeção fabril) para os anos de 1913-1918. Durante o perio-
grandes indústrias de ferro e aço raramente se inquietaram. do da guerra, o número de trabalhadol"eS homens em todas as categorias profis-
sionais caiu de 423 para 379 mil, ao passo que o número total de mulheres adultas
Por volta de 1914 o Ruhr era tudo menos um celeiro de' elevou-se de 85 para 181 mil. Na mineração e nas fundições (uma categoria com-
agitação revolucionária. O ql.le aconteceu, portanto, para' binada, sem distinção nesse relatório), o número total de trabalhadores, homens e
que a situação se transformasse e, ainda mais significativa- . mulheres, subiu de 73 para 98 mil; fi alteração no número de mulheres foi de zero
para 14 mil nesta categoria. por outro lado, no ramo têxtil, que era em 1913, de
mente, qual a profundidade dessa.s transformações? A mas- longe, o grupo profissional mais amplo no distrito de Düsseldorf, e em que havia
sa dos trabalhadores em algum momento chegou a ser revo- . cinco mulheres para cada seis homens, registrou-se em 1918 uma queda no nú-
lucionária? mero total de empregos de 124 para 43 mil, com mais ou menos duas mulheres
para cada trabalhador homem. Ver Jahresherichte der Gewerbe-Aufsichtsbeam-
O caos, a confusão, a.s constantes mudanças, a ascen- ten und Bergbehorden tilr die Jahre 1914-1918, vaI. 1, pp. 950-951. Esses dados
são e a queda na sorte de cada um, que caracterizavam em· confirmam a impressão geral de que os exemplos,citados no corpo do 'trabalho,
geral o destino da classe operária alemã durante a guerra, .' embora talvez extremos, dificilmente foram {micos.

II
458 UMA PERSPECTIVA HISTORICA ... INJUSTH':A 459

Para enfrentar a escassez de trabalhadores, pecialmente nos primeiros dias da guerra, e a seguir sub-
de operários qualificados e superViS01"eS, as empresas recor_~;­ mersoS pelos recém,chegados. Isso ocorria em uma época
reram a uma variante de recursos: empregaram trabalhii-'}í!;'lc~)4~j't em que os trabalhadores estavam sob intensa pressão. A
dores civis russos, poloneses e belgas oriundos dos territó:"B:(fi;jf'X despeito da redução geral no número de operários por volta
rios ocupados, prisioneiros de guerra, soldados alem~~~'·J-;;:,,::-j\". L .~~ de 1918, a questão da moradia deve ter constítuído um pro-
cumprindo punição militar e especialmente os serviços blema grave à medida que as indústrias de uma localidade
contratadores que fizeram considerável fortuna arrcba-.''i'',;ê.JJ'", se expandiam e outras declinavam. Os salários cresceram
nhando indivIduos de reputação duvidosa (que tinham esca:-,~:}~dt.:;4:'~\~ em termos lIlonetários mas caíram acentuadamente em seu
pado ao serviço militar ou procuravam fugi;:, ao longo braçü,'",';:i;i;':fNic poder de compra. A escassez de alimentos tornou-se aguda
da lei por outros motivos) a fim de oferece-los a . . . durante o inverno de 1917 quando a perspectiva de vitória
empregadores em troca de uma taxa. Para completar a - .. ,,- •.: .... » •.•.1. também passou a parecer bastante duvidosa. Inúmeras gre-
rença, os patrões amiúde pagavam a tais trabalhadores <~;"iíi;'l;;i!.;: ves tiveram lugar no Ruhr e em outras partes da Alemanha
lários mais altos por trabalho exatamente igual, uma durante aquele inverno devido à falta de gêneros alimentí-
tica que dificilmente contribuiu para elevar o moral da cios, o que constituía um sinal sombrio: as insurreições re-
ça de trabalho na indústria. Mulheres e adolescentes volucionárias geralmente se iniciam com racionamentos de
bém foram introduzidos em grande número nas fábricas alimentos e de outros bens, ainda que nem toda escassez
armamento, como ocorreu em toda parte, ao passo que gere revoluções ou mesmo levantes populares. 23 As jornadas
fábricas que não estavam envolvidas no esforço de
notadamente as têxteis, faziam o melhor que podiam,
notável ingenuidade, para se transformar em indústrias (23) Para as greves e a situação alimentar no inverno de 1917, ver Gerald
guerra. 22 D. Feldman, Army, 1lldustry, and Labor ire Germany 1914·1918, p, 326. Existe
alguma evidência no sentido de que os mineiros de carvão possivelmente não esti~
Nem todas as conseqüências desse alvoroço foram des- .' vessem em situação tão ruim. Uma comparação entre os rondimentos anuais nas
favoráveis aos trabalhadores. Como notou o Serviço de Ins- " minas de carvâo de Dortmund e o custo de vida mínimo nessa região nos anos de
peção Fabril, no mercado de trabalho extremamente aper-, 1909~1922 registra uma constante elevação nos salários reais enlre 1919 e 1921.
tado que se desenvolveu por yolta de 1916, um trabalhador Ver Bruno Heymann e Karl Freudtmberg, Morbiditiit Ulzd Mortalicat der Ber~
gleute ;m Ruhrgebiet, pp. 32~33. Encaro com ceticismo a precisão das informa~
que se indispusesse com seu superviSor podia se permitir rD'W;{;ií\! ções disponíveis sobre os preços que os mineiros realmente tinham de pagar em
deixar o emprego para arranjar um outro melhor (ou sim- seus próprios bairros. Não obstante, é incorreto descartar esses dados de antemão.
plesmente mudar de trabalho em busca de salários mais' Aléril disso, os mineiros recebiam rações especiais durante a guerra. Ê possível
conceber que. essas greves representem mais uma indicação da maior capacidade
elevados) apesar dos regulamentos formais que deviam im, dos mineiros para a açflo coletiva em face da adversidade. Pode ser que eles não
pedir tal comportamento. Por outro lado, as fontes defen; )\';;(:1J";L tenham significado uma resposta a uma situação em deterioração "objetiva".
Em outra passagem Feldman (Army, IndllstlJ'. nnd Labor, pp. 492-493,
dem que os operários mais experientes, com os quais em> 506) apresenta alguma informação sobre a situação alemã em seu conjunto no ano
geral era possível contar como força estabilizadora, foram de 1918, que moslr" de forma bastante agradável como li memória do passado e
ao mesmo tempo retirados das fábricas pelos militares, es- as antecipações d(1 foturo são capazes de mudar o comportamento que se podia
esperar como resposta a tais condições "objetivas", Em maio e junho de 1918,
inúmerascondiçõeF favoreciam greves de peso. Os esforços de alcançar a tão dese-
jada reforma eleito] aI na Prússia tinham fracassado. Os salários nas fábricas n1.ili~
(22) Jahresbedchte der Gewerbe-Aufsichtsbearnten 1914-1918, vaI. 1, pp. tares tinham sido cortados em março e novamente em maio. No entanto, os sin-
952·961. Não consegui reunir evidências do '.lesma grau de transformações entre ,;:1(.:,",;\.,,,, dJcatos opunham-se às greves e os trabalhadores obedeciam. Uma das razões po-
os mineiros de carvão durantt' a.própria elll'::!"ril, ernbonl os prisioneiros de guerra ,:;'('i!':',,,,',,;: dia ser a forma violenta com que o governo tinha suprimido as greves em janeiro
tenham trabalhado no subsolo e as mulheres lo;;!nhall1 substituído os homens sem- """'.:;>",' daquele ano. Outro mOlivo era a perspectiva de vitória da última ofensiva de Lu-
pre que possível no trabalho de superfície. dendorff. Por volta do fim de junho essa razão deixara de existir. Em julho, oco 1'-
460 UMA PERSPECTIVA HISTÔRICA ...
INJUSTIÇA 461

de trabalho eram espantosamente longas. Nos primeiros distribuição foi motivo de muita queixa e reclamação. 27 Es-
anos da guerra, havia ocasiões excepcionais' em que os tra- sas experiências provavelmente contribuíram para uma
balhadores cumpriam turnos dominicais e permaneciam no poderosa corrente de suspeita frente a qualquer coisa que
trabalho por 24 e até 36 horas seguidas. Tais feitos torna- cheirasse a colaboração operária na administração, descon-
ram-se impossíveis à medida que o suprimento de gêneros fiança bastante visível no período do imediato pós-guerra.
diminuía. Ainda assim, em verão de 1918, quando devido a Enquanto isso, nas minas de carvão, os sindicatos fize-
uma escassez de alimentos desenvolveu-se um movimento ram um jogo duplo, agindo como braço oficial do governo
de larga escala entre os operários das fábricas de munição, ao passo que procuravam aumentar sua influência e seus
os comitês de arbitramento apenas reduziram as jornadas quadros de filiados entre os mineiros. Fizeram isso tirando
de 59 horas semanais para 53 horas e meia ou 54 horas e proveito e mesmo, às vezes, fomentando o descontenta-
meia. Urna tentativa de reduzir a semana de 60 horas nas mento dos trabalhadores. Os dirigentes sindicais tinham
grandes empresas siderúrgicas para 54 horas encontrou a consciência de que se não o fizessem perderiam terreno para
oposição combinada de patrões e militares, e ·fracassou.'4 os elementos oposicionistas e de esquerda em suas fÜeiras. 28
Os industriais tanto de carvão como de ferro e aço eram Simultaneamente, sob a pressão dos acontecimentos que
bastante obstinados, mesmo pelos padrões da .época. Na acabei de descrever, mais e mais trabalhadores passavam a
mineração carbonífera, eles se recusaram a assinar acordos sentir que os sindicatos e os comitês de gestão operária
salariais com os sindicatos dos mineiros. 25 Em geral, os in- eram, ambos, para colocar de forma amena, menos vigo-
dustriais contavam com o apoio das autoridades militares à rosos que o necessário para defender suas reivindicações
sua postura conservadora. Mas esse apoio nem sempre era
possível, pois os militares temiam distúrbios trabalhistas justificadas.
Nas minas de carvão tais sentimentos prenunciaram a
que interfeririam na produção terrivelmente necessária de rebelião das fileiras ·trabalhadoras contra os líderes sindi-
equipamentos bélicos.'6 Nos últimos estágios da guerra, os cais, tão generalizada nos anos imediatamente posteriores à
f;
empresários do Ruhr aceitaram com relutância a criaçàode guerra. Durante esta, por outro lado, os trabalhadores do ~~
comitês operários (Arbeiterasussclzüsse) com poderes bas- Ruhr não tomaram a frente nos movimentos grevistas que \!

tante limitados para apresentarem os reclamos dos traba- ~i


abalaram a Alemanha nas fases anteriores. As grandes gre- li
lhadores. Tais comitês também tinham em suas mãos a ta- ves por alimentos, de abril de 1917, que rapidamente ad-
refa ingrata de distribuir as rações alimentares entre as vá- l~"
quiriram tonalidades políticas, foram precedidas por greves li
I!
rias categorias de trabalhadores. Nas fileiras operárias essa menores no Ruhr. Mas no mês de abril os centros grevistas I,
foram Berlim e Leipzig. 29 No curso das paralisações ainda 11:
,11
mais importantes e mais explicitamente políticas de janeiro i:~
reu uni desastre militar com conseqüências prontamente depressoras sobre o mo- de 1918, houve no Ruhr apenas pequenas greves de minei- lr
rai da frente interna, ainda que por essa época a situação alimentar tivesse-real-
mente melhorado.
ros de carvão, voltadas principalmente para a elevação dos
salários. 30 Como deveria ocorrer depois e já ocorrera antes, I-I:
~

p.963.
(24) Jahresberichte der Gcwerhe-Aufsichtsbeamten 1914-1918, vaI. 1,

(25) O primeiro acordo sahrial na indústria carbonífera do Ruhr foi assi-


nado em 25 de outubro de 1919, segundo Erhard Lucas, Mdrzrevolution im Ruhr-
t
gebiet. vaI. 1. p. 52. (27) Jahresberichte der Gewerbe-Aufsichtsbeamten 1914-1918, val. 1,
(26) Feldman. Army. lndllstry, and Labor,- apresenta uma análise deta- pp. 965-966.
lhada e excelente dessa complexa e cambiante relação; ver, por exemplo, pp. 379, (28) Feldman. Army, Industry, lllldLabor, pp. 131-135.
396,418-419. (29) Feldman, Army, lndustry, alldLabor, p. 337.
(30) Feldman, Army, Industty, andLabor, p. 451.
1I

L ~
I,·.·.:

I
462 UMA PERSPECTIVA HlSTORICA ... INJUSTIÇA 463

trabalhadores com tradições de certa forma diferentes e que faltava? Antes que um grande número de trabalhadores se
respondiam a variações locais da mesma situação geral rebelasse, eu arriscaria sugerir, era necessário que ocorresse
atingiram seus pontos de ebulição política em ocasiões di- algum acontecimento que aparecesse como uma ameaça a
versas. Assim, as autoridades podiam enfrentar um caso de todos os trabalhadores, uma experiência capaz de criar um
cada vez, lançando mão de qualquer combinação de re- ponto de ebulição simultâneo na cólera generalizada de in-
pressão e concessões que prometesse resultados. d.ivíduos e grupos cujas experiências fossem ainda, em mui-
Fazendo Uína pequena pausa para estabelecer a situa- tos aspectos, bastante diferentes. Então, massas mais am-
ção dos trabalhadores no final da guerra, podemos observar plas poderiam seguir a liderança daqueles que estivessem
que em 1918 o proletariado do Ruhr configurava, em ter- melhor equipados por sua experiência de ação coletiva,
mos de suas experiências coletivas e de suas relações com as neste caso os mineiros de carvão. Essa combinação de cir-
autoridades, um conjunto muito diferente daquele que in- cunstâncias não iria ocorrer .senão nos dias que se seguiram
gressara no período de guerra. Perdera um número conside- ao Putsch de Kapp na primavera. de 1920.
rável de indivíduos-chave - os "trabalhadores maduros e Para os anos entre o fim da guerra e a eclosão do le-
sensíveis", para usar a linguagem das autoridades - com vante, praticamente a única evidência que fui capaz de lo-
os quais era possível contar para o favorecimento da esta- calizar refere-se aos mineiros. Uma vez que eram um grupo
bilidade social. Os mecanismos de integração política e de fundamental na região e o que acontecesse com eles teria
estabelecimento pacífico das disputas mal tinham come- repercussão generalizada, essa limitação, embora lamentá-
çado a vir à luz antes da guerra. Esta acelerara o seu desen- vel, não chega a ser crucial. A luta mais amarga dos mi-
volvimento, embora sua improvisação os tenha submetido a neiros pela socialização das minas e em defesa dos conse-
enormes tensões. A escassez de alimentos passou a ser difí- lhos de empresa já foi discutida em outro contexto. Ela ter-
cil de suportar, enquanto o modo de distribuição dos gêne- minou em fracasso, em abril de 1919, embora eles tenham
ros parecia aos olhos dos trabalhadores arbitrário e errá- conquistado uma vitória: a jornada de sete horas. Não se
tico. Por outro lado, os especuladores podiam comprar o tratava de um ganho sem importância, como atesta o regis-
que quisessem no mercado negro. As injustiças da ordem tro de que cerca de 100 mil pessoas imigraram para o Ruhr
dominante passavam a aparecer sob nova forma, como as- logo depois. O aumento líquido deve ter significado mais de
pectos vívidos da experiência cotidiana. O ritmo de traba- um quarto do número original de mineiros no último ano
lho era exaustivo, as jornadas extraordinariamente longas. da paz (395 mil). 31 Embora pareça improvável que tal in-
Vieram então a revolta de Kiel de novembro de 1918, os fluxo para a mineração tivesse lugar se as condições mate-
conselhos de trabalhadores e soldados, a paz e a derrota, riais fossem tão ruins como em geral se afirma, os recém-
um novo governo socialista, a súbita possibilidade da nego- chegados dificilmente podiam ser uma fonte de paz e ordem.
ciação coletiva ... Não é difícil perceber que a paciência dos Após a derrota das grandes greves de abril de 1919,
trabalhadores devia estar no limite, que esperanças tinham seguiu-se uma série de paralisações menores. Em janeiro de
sido alimentadas e que se elas não fossem satisfeitas era 1920, o movimento em defesa de uma redução adicional da
bem provável que Se seguisse uma explosão radical. jornada reapareceu, aparentemente estimulado por con-
Na verdade, é demasiado fácil encontrar uma explica- quistas que os trabalhadores das ferrovias tinham 'l'::abado
;.,r ção. E preciso recordar as muitas ocasiões em que os traba-
·i lhadores não se levantaram, mesmo quando tanto as condi-
! ções materiais como as expectativas coletivas podiam ter (31) Heymann e Freudenberg, Morbiditat ulId Mortalital, p. 213; cf. Max
Jürgen Koch, Die Bergarbeiterbewegung im Ruhrgebiet zur Zeit F/ilhelms 11
';i produzido tal resultado. Qual era então o ingrediente que (1889·1914), p. 139.
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464 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ...
INJUSTIÇA 465

de conseguir. Os lnineiros reivindicaram mais unIa vez a miséria material dos mineiros. Eles não estavam irados so-
jornada de seis horas. No mesmo mês ocorreu em Berlim mente porque eram pobres e tinham fome, mas porque
um grave levante em protesto contra a versão atenuada da sentiam que seus direitos não estavam sendo respeitados.
legislação nacional sobre os conselhos de empresa. Qua- Aldeões como Ulrich Braker, de Wattwi!, amiúde viam-se
:~:
;, renta e duas pessoas foram mortas. Em resposta ao levante, na miséria e com fome, mas não se encolerizavam da forma
o governo central decretou o estado de emergência em vá- como os mineiros o fizeram. A situação enfrentada por um
i: rias partes do país. Na região do Ruhr, as autoridades mili- canlponês suíço do século XVIII não era do tipo a levá_o
tares empenharam-se em utilizar o estado de emergência lo a colocar a culpa de seus infortúnios em alvos huma-
para submeter o movimento pela jornada de seis horas." nos. Em vez disso, ele culpava o clima, Deus (de modo in-
( Como ficará claro no devido momento, esse tipo de inter- direto e relutante, é certo), sua sorte, a si próprio e a seus
venção constituiu um fator decisivo no desencadeamento da credores.
revolta.
I.' Para os mineiros de carvão a situação era completa-
Com um pouco de esforço seria possível acrescentar
i'O
detalhes adicionais e pintar um retrato de crescente repres- mente diferente. Havia agentes humanos visíveis qUe eles
podiam responsabilizar por seus infortúnios. O ambiente
I' são com cores ainda mais sombrias até culminar na tragé-
cultural e a sua própria' experiência forneciam pelo menos
I'!'. dia do levante sangrento e derrotado. Mas não é esse o ca-
minho que a história necessariamente segue. Há sempre algumas formas prontas para enfrentarem a situação. As
r~ tendências contrárias e possibilidades suprimidas que a sa- experiências do tempo da guerra fizera:m com que redefinis-
sem tais direitos para cima, em resposta às pressões exter-
bedoria da visão retrospectiva pode facilmente perder. Nes-
:?' te Gaso, havia indícios suficientes de melhoria e consolida- nas que os tinham deprimido. Os mineiros também perce-
(',
ção da posição dos mineiros para sugerir que se o Putsch de beram novas formas para tentar conquistar esses direitos,
como no movimento pelos conselhos de empresas, e o fra-
I':'~ Kapp não tivesse ocorrido, com toda a probabilidade podia
casso em conquistá-los dificilmente tê-los-ia feito encarar
ter-se desenvolvido uma alternativa gradual no sentido de
I".,'·'
';
uma paz entre as classes e de uma resolução das diferenças
com bons olhos a ordem social dominante. Com efeito, os
,
It·:"'.',"· através da negociação coletiva. temas econômicos eram vistos como questões morais em
ambos os lados, o que fazia a situação tão explosiva. Mes-
Os primeiros acordos salariais com os sindicatos na
i:,';;. históda da indústria da mineração tinham sido firmados a mo os socialistas no governo viam o carvão como a força
2S de outubro de .1919. A greve geral planejada para 2 de vital da economia alemã, tinham consciência de que a agu-
fevereiro de 1920 não se realizou conforme o previsto. As- da queda na produção anunciava a catástrofe para todos os
sinou-se um acordo em Essen relativo ao pagamento maior habitantes do país, e encaravam a reivindicação da jornada
no mesmo mês das horas extras trabalhadas - um ganho de seis horas como totalmente desarrazoada. O seu sentido
limitado para os mineiros, uma vez que à época eles que- de perigo para o conjunto da Alemanha fazia-os relativa-
riam acima de tudo reduzir seu tempo nas minas, mas mes- mente cegos ao esgotamento tanto das minas como dos pró-
mo assim um ganho restrito. 3J prios mineiros em virtude da guerra.
Seria equivocado pretender resolver as ambigüidades Se a situação era tensa na Alemanha em seu conjunto,
das fontes através de uma medição mais precisa do grau de ela o era ainda mais na região do Ruhr. Sob o estado de
sítio, ligeiramente relaxado em abril de 1919, havia prisões
e repressão intermitente sobre os líderes políticos, especial-
(32) Lucas, Miirzrevo/ution, vol. 1, pp. 50-53.
(33) Lucas, Miirzrevolution, vol. 1. pp. SI-52, 56.
mente após a sublevação de Berlim. Von Lützow, eminente
conspirador dos bastidores do Putsch de Kapp, desembar-

'-'::t"~me""'~'<--'
466 UMA PERSPECTIVA HlSTÔRICA, .. INJUSTiÇA 467

cou no Ruhr em fevereiro de 1920. 34 Os Freikorps não caso, não restanl dúvidas de que querian1 destruir a repú-
eram, porém, a força principal, tampouco a mais ampla, blica em benefício da lei, dE ol'dem e da honra alemãs.
na manutenção da "ordem" na região do Ruhr. De longe, a Em todo caso, o curso elos acontecimentos ficou longe
maior era a Einwohnerwehr (literalmente, força de defesa ele ser pacifico e o Putsch efetivamente ocorreu. Não tenta-
elos habitantes), resultado de uma tentativa de criação de rei oferecer um relato detalhado; procurarei me concentrar
forças de segurança locais constituídas por voluntários de no que pode ser aprendido sobre os sentimentos e as atitu-
todas as classes. aos quais seriam Íornecidas armas. (Havia des dos trabalhadores comuns. 37 A esta altura vale salientar
também uma terceira força de segurança, a Sicherheitspo- o aspecto mais enigmático e significativo ele tais atitudes, A
iizei ou Sipo, uma organização de escala nacional estabe- 17 de março de 1920, o Putsch ele Kapp estava findo, e o
lecida sobre princípios similares.) Talvez a melhor pista governo de Ebert tinha recuperado SeuS poderes. No en-
para o clima político do Ruhr venha da oposição de Carl tanto, foi somente depois dessa data que as lutas mais sé-
Severing ao estabelecimento da Einwohnerwehr. Em mui- rias e a insurreição real ocorreram. Por que os trabalhado-
tas partes do Ruhr, ele argumentava, os antagonismos de .S~\1;:.,1;fW res do Ruhr passaram das ações em defesa da República a
classe tinham-se tornado tão intensos que seria impossível uma ofensiva contra a República? Foi esta realmente urna
estabelecer forças de segurança extraídas de todos os seto- ofensiva revolucionária, e é possível distinguir claramente
res da população. Em vez disso, viriam a existir forças de entre os aspectos defensivos e ofensivos neste exemplo parti-
defesa puramente burguesas ou puramente operárias, o cular?
que intensificaria as hostilidades em grau ainda maior. 3' ,As razões da manut.enção da luta podem ser encon-
Sua predição não era absolutamente correta. Em algumas tradas em parte no modo corno o movimento dos trabalha-
cidades os trabalhadores efetivamente ingressaram nas for- dores se desenvolveu e nas formas que tomou em sua res-
ças de segurança em número substancial e lutaram vigoro- posta original às notícias sobre o Putsch, em parte naS rei-
samente contra outros trabalhadores na insurreição que se vindicações não atendidas à época em que o golpe fracassou
seguiu. 36 e acima de tudo nas graves provocações locais por pat'te dos
Ainda que seja impossível descartar completamente a corpos francos estacionados no Ruhr. Acompanharemos ,,];,
alte:mativa de um processo pacífico, é óbvio que rancores essas e outras questões logo à frente. Entretanto, será con-
intensos repousavam logo abaixo da superfície. Para os tra- veniente estabelecer a conclusão que em meu juízo deve ser
balhadores, os objetos de tal ódio eram a polícia e os mili- extraída das evidências disponíveis. A massa dos trabalha-
tares, os visíveis executores das leis e dos regulamentos que dores não esteve em nenhum momento num quadro mental
eles viam como injustos e opressivos. Desnecessário dizer revolucionário. Eles estavam profundamente irados, mas ti-
que o ódio era reciproco por parte dos Freilcorps. Em seu nham alvos limitados e específicos. Não pretendiam cons-
truir uma nova ordem social. Circunstâncias além de seu
controle os impeliram às ações revolucionárias. Eles viram
(34) Lucas, Marzrevolutioll, vai. 1, pp. 65, 75.
(35) Lucas, Marzrevollltioll, vaI. 1, p. 67. Para uma descrição das forças
a revolução (até onde conseguiram vê-la de alguma forma)
militares e policiais no Ruhr antes da eclosão da revolta, ver pp. 64-68. como o único movimento de que dispunham em uma situa-
(36) Foi esse o caso em Dortmund c em Essen, segundo Spethmanu, ção bastante ameaçadora.
ZwolfJahre Ruhrbergbau, vol. 2, pp. 121, 130. É visível que tais trabalhadores,
como era de esperar, eram originários do que representava 110 cenário local a ala
direita dos trabalhadores. os sindicatos do SPD e cristãos. Lucas, A1iirzre)'olu- ,
tion, voI. 1, p. 60, tlana o dedíllio do SPD no Ruhr e a ascensão do USPD. Em (37) Para um estudo geral, ver Jolúmnes Ergcr, Der Kapp-Lilttwitz.-
1919, o USPD tinha se tornado o partido mais forte na região.
Putsch: Eill Beitrag zur delltschen 1111lenpolitik 1919/20.
468 UMA PERSPECTIVA HISTQRICA ... INJUSTIÇA 469

Examinemos agora com mais atenção os detalhes. O loa frontalmente contra a greve geral proposta, principal
golpe de Kapp, de curta existência, teve lugar em Berli1n, arma do governo legal contra Kapp e seus seguidores. Por
a 13 de março. Um anúncio oficial do governo de Kapp essa razão, não foi possível chegar a um acordo, e o encon-
confirmou em seu posto o general comandante no Ruhr, tro terminou sem resultados. 39 Os dirigentes dos quatro sin-
von Watter. O general von Watter iria permanecer em seu dicatos de mineiros conseguiram reunir-se na tarde do dia
posto como o general comandante que restaurou a ordem e do golpe. Mas não alcançaram concordar em nada além de
suprimiu a insurreição por ordem do governo de Ebert. uma inócua proclamação que repetia a antiga oposição a
quando este reconquistou o poder, trabalhando em estreito uma ditadura da esquerda, anunciando sua firme oposição
contato, embora não sem alguns atritos, com Carl Severing, a uma ditadura de direita. Com base nisso, eles apelaram
o líder social-democrata que recebeu poderes plenipoten- aos trabalhadores para que permanecessem calmos, manti- .
ciários da República. O general era um astuto oportunista, vessem a confiança em suas organizações e esperassem ins-
e de imediato lançou uma proclamação ambígua que evi- truções complementares tão logo a situação ficasse mais
tava qualquer declaração de lealdade seja aos golpistas seja clara. 40
ao governo legal, mas apelava à manutenção da lei e da No espaço de poucas e inquietas horas os trabalhado-
ordem, convocava todos os oficiais a permanecerem em seus res souberam do golpe, viram as forças de segurança locais
postos e afirmava que defenderia todos os direitos garanti- saírem em defesa de um golpe militar cujas conseqüências
dos aos cidadãos alemães. 38 Embora de certo modo ambí- para suas próprias vidas eles conheciam suficientemente
gua,estava claro que a posição do general von Watter pen- bem, com base em suas próprias e amargas experiências, e , '::
,i: i~
dia acentuadamente para o lado dos golpistas. Não houve presenciaram os seus próprios líderes sindicais dizerem toli-
nenhum traço de ambigüidade na atitude dos oficiais na ces ou se manterem em silêncio diante da crise. A organi-
':i
chefia de várias unidades dos corpos francos sob o comando zação social dominante tinha se voltado contra eles; uma
do general. Em desfiles pelas cidades e em declarações ofi- parte importante de sua própria organização social os tinha
ciais eles saíram nitidamente em apoio do golpe. A Sicher- abandonado. Para sua própria defesa eles teriam de criar
heitspolizei e a Einwohnerwehr indicaram seu apoio de novas formas sociais a partir da estaca zero e arranjar-se
forma menos explícita. com seja o que fosse que ainda funcionasse nas suas orga- 0,,
'i:
A Arbeitsgemeinschaft, uma organização que acolhia nizações, voltando-as para seus propósitos. Foi essa a ma-
industriais e líderes sindicais da região, não se reuniu até o neira pela qual os trabalhadores mais militantes evidente-
dia seguinte, 14 de março, a fim de deliberar a postura ade- mente perceberam a situação e passaram a agir dentro dela,
quada a tomar. HugoStinnes apresentou aos líderes sindi- quase de imediato.
cais um esboço de declaração repudiando o golpe e convo-
cando a um retorno ao governo constitucional porqne o
Putsch poderia levar a movimentos separatistas e à desinte- (39) Lucas, Marzrevolution, vaI. 1, pp. 104-108, 114-115. Erger, Der
gração da Alemanha. Até aí os líderes sindicais podiam Kapp-Lüttwitz-Putsch, p. 197, salienta que, de fato, nenhum dos partidos socia- .,

concordar. Mas não viam condições de fazê-lo quanto à listas justificou a greve em termos de uma defesa da constituição e do governo le- , 'i•
convocação para que os trabalhadores permanecessem em
gal. O comitê central do SPD (Vorstalld) pt-etendia deixar o governo existente
caido na beira da estrada; sua proclamação estava calcada não na linguagem da il
seus postos detrabalho e mantivessem a ordem. Tal passo lealdade à constituição, mas em termos mais esquerdistas de lealdade à Revolução
de 1918 e de "impedir o retorno de Guilherme 11". Erger podia ter acrescentado
que as próprias políticas do SPD tinham contl-ibuído significativamente para a
,1
perspectiva de perda do que fora conquistado em 1918. !
(38) Lucas, Marzrevolution, vol. 1, p. 99. (40) Lucas, Marzrel'o/útion, voI. 1, p. 120. ,i
.,!
d

, ",.1
470 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA, ..
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INJUSTIÇA 471

Conforme as notícias chegavam de Berlim no dia 13, dominantes estaca ruidosamente, deixando-os impotentes e
ura sábado, provocavam cOlnentários gerais entre 0$ minei- suspensos no ar. Ivlas esse passo é somente negativo. Por si
ros. Presume-se que discutiam entre si o que deveriam fa- só, ele não é o bastante. Além disso, em uma sociedade
zer. Nessa tarde o trabalho foi paralisado em alguns poços, industrial é bastante custoso para os participantes. Numa
embora de modo geral, segundo Spethmann, as turmas não sociedade como essa é extremamente difícil avançar o passo
í tenham deposto as ferramentas por sua própria iniciativa. posterior da organização de enclaves guerrilheiros onde os
; ! Foram necessárias ameaças para leval' os trab;;.lhadores a rebeldes produzern alinlentos e serviços eln nível suficiente
interromper as operações. Por outro lado, fica claro a partir para sustentar uma economia separada. Assim, se os rebel-
do relato de Spethmann que as ameaças, às vezes bastante des devem transformar a situação (é importante notar que
violentas, foram dirigidas contra o pessoal de supervisão eles podem tornar-se rebeldes contra suas intenções devido
dos escalões inferiores. E provável que os trabalhadores se à força da ofensiva dos detentores do poder) em seu benefí-
mostrassem felizes em largar as ferramentas mas tivessem cio, eles terão que criar mecanismos sociais para a defesa
medo dos supervisores e não se dispusessem a agir até que ativa e, na esperança de derrotar ou colocar em xeque seus
force majeure removesse tal obstáculo. Em algumas partes, opressores, reivindicações políticas que possam configurar
bandos errantes de homens armados, supostamente estra- a base para uma solução do conflito. A criação de tais me-
nhos, forçaram a paralisação. Pelo menos num caso existe canismos obviamente não se dá por um ato isolado, mas por
uma nítida indicação de trabalhadores persuadindo seus um processo contínuo, marcado por urna boa dose de expe-
companheiros a deixar as ferramentas: uma boa parte de rimentação, de retorno às bases para averiguar e reunir
uma turma ingressou no poço para fazer com que a turma apoio, de pressão revolucionária, etc., que se prolonga por
da tarde deixasse o trabalho mais cedo. Da mesma forma, toda a duração do conflito. De tal modo, a intimidação re-
n'o mesmo dia se iniciou uma espontânea e descoordenada volucionária, algo não mais agradável de presenciar que
busca de armas. O fato de que os trabalhadores, nesse caso qualquer outra forma de intimidação, surge como uma res-
sob a liderança de um supervisor não graduado (as atitudes posta humana inevitável à crise. Quando um incêndio es-
e as ações de tais supervisores, como era de esperar por sua tala numa casa super-habitada, os ocupantes que correm
posição entre dois fogos, variou consideravelmente), te- para debelar as chamas dificilmente obedecerão às regras
nham irrompido na casa do diretor à procura de armas 're .. da persuasão polida em sua atitude frente aos indolentes
vela muito sobre a tensa atmosfera na região., 41 que parecem não levar a situação a sério.
Uma vez que ocorreram alguns casos do que se asse- Na região do Ruhr os trabalhadores desenvolveram
melha à intimidação revolucionária para criar solidarie- três espécies de mecanismos sociais para esses propósitos:
dade, é conveniente situar essa forma de comportamento as multidões, os comícios de massas e os comitês de ação.
em seu contexto geral nesse tipo de situação. Fazer parar o Os últimos foram reuniões de dirigentes locais dos partidos
trabalho normal constitui uma importante resposta nega- políticos. As vezes, eles se reuniam a portas fechadas para
tiva a uma crise produzida por um ataque daqueles que elaborar e concordar sobre as políticas e as palavras de 01"
detêm as alavancas do poder. Se um número suficiente de dem -- se fosse possível um consenso. Outras vezes, os en-
pessoas interrompe as rotinas de vida comuns, todo o me- contros dos' comitês de ação eram acontecimentos amplos
canismo qu.e sustenta a autoridade e o poder dos grupos e abertos. As multidões constituíram a forma mais espon-
tânea e difusamente organizada de todas, o exemplo mais
claro de comportamento coletivo, que certos psicólogos so-
(41) Spethmnnn~ ZwôlfJahre Ruhrbergbau, vol. 2, pp. 102, 103, i06-112.
ciais definem como a forma de ação grupal que brota nos
INJUSTIÇA 473
472 UMA PERSPECTIVA HlSTORICA ...

interstícios entre o comportamento institucional organizado negativa dos oradores. Os que tomavam a palavra eram ge-
e contra as instituições existentes. Nesse exemplo, as multi- ralmente porta-vozes locais do SPD, do USPD ou dos co-
dões de trabalhadores procuraram levar a cabo uma ação munistas (KPD), este último um grupo pequeno mas em
imediata de um tipo que fazia bastante sentido naquelas rápido crescimento naquela fase, com disputas internas
circunstâncias. Em geral, buscavam dois objetivos: armas ainda mais graves que as do USPD. Os trabalhadores que
para os trabalhadores e libertaçào de presos políticos. Tra- não atendiam a um comício de massas privavam-se, ria rea-
tava-se de objetivos limitados, concretos e ainda assim mui- lidade, de seus próprios direitos. Ê provável que isso ocor-
to valiosos. A soltura de prisioneiros era buscada não ape- resse com uma maioria. Seria um equívoco considerá-los
nas por simpatia e solidariedade, embora estas estivessem apáticos; é possível que muitos deles sentissem que a situa-
presentes. Os presos políticos eram provavelmente ex-ati' ção exigia atos e não discursos.
vistas e poderiam ser líderes de grande valor nos eventos fu- . Nos locais onde os trabalhadores efetivamente criaram
turos, como realmente alguns o foram. Não é de surpreen- e utilizaram tais oportunidades para a expressão política, a
der que tenham ocorrIdo ameaças de violência e alguma mensagem principal que transmitiram aos líderes foi que
rudeza real. Pode-se dizer que a pequena dose em que elas tinham pouca ou nenhuma paciência ou disposição para
ocorreram neste estágio é que é surpreendente_ Não há indí- compreender os princípios que dividiam os partidos políti-
cios de pilhagens ou de vinganças contra os odiados inimi- cos, e tampouco os variados diagnósticos e soluções que os
gos de classe. Com efeito, algumas dessas multidões recru- líderes políticos ofereciam para a situação vigente. O que
taram não apenas trabalhadores como seguidores dos par- queriam era a unidade na crise em benefício da luta contra
tidos da classe média. 42 Mais tarde, quando ambos os lados areação. Por toda a região do Ruhr, eles responderam mais
tinham provado sangue, a situação se modificou aguda- animadamente ao apelo tripartidário que incluiu (após
mente. muita negociação a portas fechadas com o líder do SPD,
Os comícios de massas eram eventos mais organizados. que posteriormente confessou que cometera um erro) uma
Tais reuniões tinham de ser anunciadas com antecedência e cláusula sobre "a conquista do poder político através da
contavam com o comparecimento das pessoas. Salientar ditadura do proletariado até a vitória do socialismo com
que serviam a propósitos expressivos ao permitir que os par- base no sistema de conselhos". 43 Quando a seção do KPD
ticipantes pusessem para fora seus agravos e compartilhas- em Essen tentou atacar tanto o SPD como essa própria uni-
sem um sentido de solidariedade não é suficiente. Nesse dade bastante incerta, os trabalhadores responderam com
caso elas serviam a objetivos mais estritamente políticos. frieza. Ao lado da unidade dos partidos os trabalhadores,
Proporcionavam aos trabalhadores comuns uma possibili- em geral, concordaram quanto à tática de uma greve geral
,,
1
dade de traçar as linhas gerais da estratégia a seguir e de . marcada para o dia 15 de março. Até aí chegava a concor-
escolher os seus líderes (ou pelo menos de conferir-lhes um dância dos trabalhadores. Uma vez que eles se recusaram a
l!~, mandato). Os presentes a um comício manifestavam-se por condenar o SPD, é improvável que a fraseologia sobre o
meio de aplausos ou apupos - da aclamação pqsitiva ou . socialismo e a ditadura do proletariado tivesse muito sen-
i,.
~\
tido para eles. Em algumas cidades, as principais reivindi-
cações levantadas em tais comícios reduziam-se em sua ex-
" (42) Foi o que ocorreu em Hagen, do.:: acordo com Lucas, kfiirzrevolutioll.. pressão mais simples à libertação dos prisioneiros e à acei-

I
vaI. 1, p. 154. Para exemplos adicionais de comportamentos de multidão,
pp. 156~161. Gerhard Colmo Bdtrag zur G'eschichte und Sozi%gie des Ruhrauf-
standes vom Marz-April 1920, pp. 25-26, <llKlllta, entretanto, um choque entre a
polícia e os trabalhadores em busca de arnw_s que custou dezoito vidas. (43) Lucas, Mdrzrevolution, vaI. 1, p. 127.
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11:
ili_
47,1
UMA PERSPEC11VA HlSTÔRICA ... INJUSTIÇA 475

tação de uma ampla proporção de trabalhadores organiza- riam armas e formariam uma força de segurança. Em vez
dos nas forças de defesa locais. 44 O próprio fato de os ü'aba- disso, um pequeno destacamento dos Freikorps marchou
lhadores lerem pensado em ser aceitos nas forças de segu- sobre a vizinha cidade de Wetter com base numa denúncia,
rança indica que eles não viam a situação como revolucio_ negada pelo Biirgermeister local quando as tropas aparece-
nária. Em urna revolução tOlna-se de assalto o posto poli- ram, de que desordens e um plano de estabelecer uma repú-
cial; não se Ofel"eCe como voluntário para integrar as tropas blica revolucionária (Riiterepublik) teriam lugar ali. A sim-
da polícia. ples notícia de que os corpos francos marchavam sobre
Entre as fileiras dos trabaihadores comuns havia evi- Welter foi suficiente para enviar massas de trabalhadores
dentemente uma divisão de opiniões quanto a tomar as ar- armados ao cenário dos acontecimentos. Quando a unidade
mas pela força ou ingressar na força policial,tal como entre dos corpos francos chegou a vYetter, o comitê de ação e o
os líderes nos comitês de ação havia uma divisão dos que burgomestre locais inquiriram o oficial no comando em
propunham uma sublevação armada e os que pensavam nome de que autoridade ele viera, e qual era a sua posição
que uma ação como essa não tinha possibilidade de sucesso. política em relação ao golpe de Berlim. O oficial, um certo
Numa situação assim as pessoas que se empenham em ações capitão Hasenklever, jOgOU lenha na fogueira com sua res-
concretas, mesmo sendo uma minoria, podem determinar o posta: que viera obedecendo ao general von Watter para
curso subseqüente dos acontecimentos. Em poucos dias os restaurar a ordem e que se situava "no terreno do tenente-
trabalhadores tinham sido capazes de obter um número general von Lüttwitz", um dos principais conspiradores,
considerável de armas das mãos da polícia, de segmentos que fora enviado ao Ruhr em fevereiro. Durante essas par-
da' Einwohnerwehr compostos de operários ou que fo,'am lamentações, os trabalhadores se misturaram às tropas e
persuadidos a ceder os armamentos (como no caso de uma persuadiram vinte ou trinta homens a mudar de partido.
unidade formada principalmente de camponeses), bem Conseguiram também apossar-se de uma metralhadora. A
como de indivíduos pai"ticulares ou de clubes paramilitares. réplica de Hasenklever, que rapidamente se espalhou por
A existência de tantas armas em mãos dos trabalhadores todo o Ruhr, enfureceu oS trabalhadores e confirmou as
preocupou Severing e pode ter fornecido às autoridades mi- suas piores suspeitas. O conflito eclodiu quase instantanea-
litares o pretexto que elas desejavam para agir. De qual- mente. Os trabalhadores evidentemente superaram em nú-
quer modo, a atmosfera tornou-se muito mais tensa e o mero a pequena unidade dos Freikorps e contavam com a
mais leve distúrbio ou rumor podia desenca.gear uma ex- vantagem do terreno elevado que cercava a estação ferro-
plosão. viária. O pequeno grupo de homens procurou defender-se
A segunda-feira, 15 de março, foi o primeiro dia útil mas foi derrotado com sessenta e quatro mortos, inclusive o
completo após o anúncio do golpe. Em resposta à convoca-' capitão Hasenklever, para apenas sete mortes entre os tra-
ção da greve geral todo o trabalho paralisou-se no Ruhr, balhadores. Ao vencer esta batalha e outras similares que se
exceto nos serviços mais essenciais, ·15 como ocorreu por todo. lhe seguiram, estes aumentaram celeremente o seu estoque
o restante da Alemanha. Este foi também o dia em que' de armas. 46 Dessa forma veio à luz o Exército Vermelho.
eclodiu o conflito aberto na região do Ruhr. Em sua estrutura e modo de operação o Exército Ver-
Tinha-se estabelecido o piano de reunir oS trabalbado-. melho se assemelhava às organizações guerrilheiras revolu-
res nesse dia na cidade de Hagen, onde os líderes distribui~ cionárias que surgiram em diversas regiões rurais do mundo

(44) Cohl1. Geschichte des Ruhrau{slalldl.'.\', p. 26. (46) Minha narrativa baseia·se em Colm. Geschichte des Ruhrau/sran.des.
(4S) Cohn, Geschichle des Ruhraulstand(:.\'. p. 25. pp.27-34.
INJUSTIÇA 477
476 UMA PERSPECTIVA HlSTORICA ...

. vinte ou trinta anos depois. Mas as diferenças ficavam por difusamente partilhadas não foram por si sós suficientes
conta da inserção de uma classe trabalhadora industrial para criar uma organização militar duravelmente eficaz,
num moderno Estado industrializado, o que contribuiu uma observação que George Washington e Leon Trotsky
para sua rápida derrota. Tipos diversos de unidades locais sem dúvida endossariam, com base em suas próprias expe-
formavam as células básicas do exército . Com freqüência, riências.
estas eram distritos dos partidos políticos. Em uns poucos O que os trabalhadores fizeram ou deixaram de fazer
casos, turmas inteiras de mineiros podiam formar compa- com seu poder uma vez tomada uma vila ou cidade é um
nhias. DOr1nitórios de trabalhadores solteiros tainbérrl con- dado que lança uma luz reveladora sobt'e o caráter da
tribuíam para as unidades. Os comandantes locais amiúde insurreição, ainda que as tomadas tenham sido muito bre-
decidiam quem iria· assumir o comando da unidade no ves. Houve considerável variação de um local para outro.
front. Não foi criado um comando central efetivo. Havia Os regimes mais radicais ocorreram aí onde as organizações
uma "organização central" em Hagen, que parece ter sido sindicais eram mais recentes ou onde os sindicatos amarelos
gerada pela liderança local do KPD, do USPD e, surpreen- tinham sido dominantes. De todo modo, os trabalhadores
dentemente, do SPD. Um quartel-general foi também ins- comuns desempenharam um papel não muito extenso~ Dei-
xaram que os funcionários dos partidos e dos sindicatos
talado, no automóvel do professor Stemmer, que procu-
tomassem o controle das cidades. Em troca, estabeleceram
rava supervisionar as operações militares do dia-a-dia. Stem-
mer e a "organização central" de Hagen trabalharam em comitês executivos (Vollzugsriite). Pelo menos no início, o
conjunto razoavelmente bem. Mas não conseguiram esten- KPD reivindicou, em geral, que fossem eleitos conselhos de
der a autoridade efetiva sobre a região ocidental da revolta, trabalhadores para assumir a administração das cidades.
onde surgiu uma liderança nativa com base política diversa, Tais.eleições não chegaram a ocorrer, em parte porque isso
principalmente ligada ao KPD e aos sindicalistas. Mesmo tomaria tempo excessivo. Evidentemente, a noção habitual
no calor das batalhas a unidade proletária não passou de um alemã de que sempre deve haver alguma espécie de governo
mito; a realidade foi ainda a luta política sectária. Como legal tinha profundas raízes também entre os trabalha-'
ocorre em geral com os exércitos guerrilheiros, o supri- dores. Entretanto, o tipo de razão oposta prevaleceu em al-
mentode armas veio do inimigo, isto é, as unidades milita- gnmas cidades, como Dortmund; aí os radicais temiam que
res e policiais. Entre suas armas, o Exército Vermelho pos- as eleições não produzissem uma liderança política sufi-
suía uns poucos canhões, alguns morteiros e até mesmo dois cientemente radical porque todos os trabalhadores, inclu-
aeroplanos. Em contraste com as armas, o suprimento de sive os membros dos sindicatos cristãos, teriam direito ao
gêneros, como era de 'esperar numa área industrial, apre- voto. Devido a essa combinação de motivos, a maior parte
sentou severos problemas: a linha divisória entre a requisi- dos comitês executivos compôs-se de quadros partidários ou
ção e a pura pilhagem não é fácil de traçar. A incapacidade sindicais, secretários ou editores e similares. Houve, ao que
para solucionar tal problema logo afastou a população que parece, apenas um caso de oposição radical a essa lide-
inicialmente o apoiava e criou, como verenlOS -enl seguida, rança essencialmente tradicional. Mesmo nesse exemplo a
oposição aparentemente se confinou a dois comunistas que
um caos desmoralizante. 47 Em suma, as paixões políticas
consideraram que o comitê executivo não estava susten-

(47) Colm, Geschichte des Ruhraufstandes, pp. 60-66. Desafortunada-


mente, aquela que podia ter representado a parte mais instrutiva desse _valioso
estudo sociológico de um aluno de Max ,"Ycber, o exame das motivações daqueles uma retomada elas especulações de Simmel e Le Bon: Mais infôrmações. às quais
que ingressaram no Exército Vermelho (pp. 50-56), apresenta principalmente tive acesso demasiado tarde. estão em Lucas, Miirzrevolution, voI. 2.
,;

478
UMA PERSPECTIVA HIST6RICA ...
INJUSTIÇA 479
tando O Exército Vermelho com energia e recursos sufi-
cientes. 48 torno ao trabalho. No dia 17, o governo de Berlim sus-
Após a tomada de uma cidade o comitê executivo sem- pendeu a greve após o fracasso do Putsch. Mas a tomada de
pre anunciava que assumia o poder supremo. Na prática, Essen pelos trabalhadores teve lugar a 19 de março.'o A
geralmente se contentava em exercer uma supervisã.o mode- essa altura as forças militares golpistas tinham sido expul-
rada sobre a administração preexistente. Assim a experiên- sas das áreas industriais do Ruhr e o governo de Ebert fora
cia anterior dos conselhos de trabalhadores e soldados re- reempossado. A "organização centrar' do Exército Verme-
petiu-se mais uma vez. Em várias localidades os comitês lho suspendera a greve geral. 1\1as o confronto principal
executivos colocaram "em licença" aqueles oficiais parti- continuou até 23 de março de 1920, quando as negociações,
cularmente antipáticos aos trabalhadores do lugar. Em al- cOIn Severing e o exército, sobre as quais ainda falaremos,
guns casos, o primeiro gesto do comitê foi liberar a polícia tiveram início.
local de seus encargos, apenas para ter que chamá-la de Conforme já perguntamos, por que a insurreição não
volta logo depois, pedindo, no entanto, que os policiais foi interrompida com a restauração do governo de Ebert? O
f,':
atuassem sem uniformes em vista do sentimento hostil vi- fato de ela ter continuado não demonstra o caráter essen-
gente entre os trabalhadores. Em muitos exemplos em que cialmente revolucionál'io de todo o processo?Sl O Putsch de
os comitês executivos efetivamente procuraram assumir a Kapp não serviu para retirar o véu de ilusão que cobria a
administração dos serviços urbanos (segurança, serviços política assassina de colaboração entre o SPD e a reação
sociais, abastecimento, transportes, etc.) eles se viram ato- militar - 'uma política para a qual Noske, profundamente
lados nos detalhes administrativos e perderam de vista os comprometido com o golpe, não passava de um instru-
prob1emas mais amplos. Em geral, porém, os comitês exe- mento cortante - , conduzindo finalmente o coração prole-
cutivos conseguiram um modus vivendi com as autoridades tário da' Alemanha a um desesperado e derradeiro surto
precedentes. Uma das principais razões, segundo Colm, foi revolucionário?
que os comitês executivos ou não acreditavam no possível As informações disponíveis sobre O comportamento
sucesso da "segunda revolução", ou nem chegavam a inter- dos trabalhadores são suficientes para lançar considerável
pretar o movimento como revolucionário. Embora houvesse dúvida sobre tal interpretação. Tão logo o Exército Ver-
excessões,49 o aspecto mais surpreendente em todos esses melho passou a existir e iniciou suas operações, adquiriu
processos é a ausência de qualquer pressão real a partir de um ímpeto e propósito próprios. Era difícil esperar que os
baixo para impelir os comitês numa direção mais radical. trabalhadores em armas obedecessem à ordem de baixá-las
Por si só, este fato diz muitó sobre as atitudes dos trabalha- e· voltar ao trabalho. Em alguns locais, além disso, nota-
dores comuns e o grau de "consciência de classe" no ápice damente em Düsseldorf, ações ríspidas e provocativas por
de uma luta árdua. parte das forças militares e policiais conferiram àqueles que
A 16 de março de 1920, um dia depois da greve geral, defendiam a continuação da greve o domínio da situação.
os proprietários de minas e os sindicatos apelaram a um re- Na empresa Krupp, em Essen, houve uma aguda polêmica
nos conselhos de fábrica sobre a continuidade da greve.

(48) VerColm, Ge,o;chJc}ue des Ruhraufstandes, pp. 84-89.


(49) VerColm, Geschichte des Ruhraufstand'e.~. pp. 96-97. Duisberg mar- (50) Ver Lucas. Miirzrevo/ution. vaI. 1. p. 248; sobre Essen. ver pp. 283~
cou a exceção mais importante. onde o resultado principal foi evidentemente o 289 e Colm, Geschichte des Ruhraufstalldes, p. 40.
intenso uso de requisições e uma téntativa de prender os líderes dos trabalhadores (51) Illustrierte Gescltichte der Deutschen Revo/ution, pp. 499-504. Trata~
moderados. Tais ações Produziram inúmeros conflitos; ver pp. 99-103. se de uma obra comunista de autoria coletiva, bastante empolada em sua forma
de apresentaçflo, mas com muitas referências a documentos originais.
480 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ... INJUSTIÇA 481

Sintomaticamente, todas as razões alegadas pelos oradores distinção entre os trabalhadores que continuaram em ar-
de esquerda (USPD-KPD) para a continuação do movi- mas e aqueles que retornaram ao trabalho ainda há outra
mento diziam respeito a questões nitidamente locais e divisão que se mostraria muito mais grave posteriormente,
cHicas. Não se falava em sociaiismo. A sua lista de objetivos'; quando as forças vermelhas em desintegração acusaram as
não alcançados incluía: reconstituição da Einwohnerwehr, cidades de traição e passaram à pilhagem em larga escala.
ou força de defesa local, com o ingresso de mais A insurreição atingiu o ápice de sua força no dia 20 de
dores (isto é,. engrossar a polícia ao invés de destruí-h) março, ponto que marca o término da primeira fase militar
libertação dos presos políticos; ajuda aos dependentes decisiva. 54 No mesmo dia e daí para a frente, von Watter
trabalhadores assassinados pela Sicherheitspolizei ou foi capaz de trazer reforços militares de Württemberg e ·da
cia de segurança dois dias antes; autorização para o funcio-" Baviera. 55 Veio então à tona a fraqueza intrínseca do le-
namento do jornal do USPD, que fora proibido por vante. Incluíam-se aí a ameaça de uma séria falta de ali-
dias. Com relação ao último ponto, o orador do sindicato.' mentos na parte westfaliana do Ruhr, escassez de gêneros,
anunciou que fora enviado um telegrama a Severing solici" vestuário e munição para as forças vermelhas; e a ausência
tando a suspensão da proibição. De modo ainda mais sinto; de qualquer outra sublevação operária nas outras regiões
mático, o conselho de empresa decidiu pelo retorno ao trá:"· da Alemanha, bem como a falta de apoio dos líderes dos
balho se tal reivindicação fosse alcançada. 52 partidos, em Berlim. 56 Por essa combinação de motivos, as
Em Essen e nas suas proximidades, os trabalhadores negociações entre os insurretos e os representantes do go-
retornaram ao serviço mesmo com as forças do Exército verno central tiveram início em Bielefeld a 23 de março. A
Vermelho nos arredores e as notícias da captura de tática eScolhida por Carl Severing nas negociações foi se-
mundo Em outras cidades, corno Hagen, Horde e Barmen, parar os sindicatos, partidários cio Centro, dos Democratas
onde os trabalhadores tinham expulsado as forças milita~p< ,é;j(f€~ (í~i;' e do SPD, do exército dos trabalhadores. Essa tática mos-
e policiais, os comitês de ação locais apelaram à volta trou-se basicamente correta, numa outra boa indicação das
trabalho com o argumento de que se tratava de urna ques- correntes de opinião na área.
tão de vida ou morte para o proletariado, num indício . Por sua vez, uma das conseqüências do sucesso de
cional das dificuldades enfrentadas por urna oposição mi:·· :;,ii.1,tJ: Severing foi uma maior radicalização, à medida que os mo-
litar duradoura em um ambiente urbano. O único derados abandonavam as forças vermelhas. 57 Outra causa
onde não se observou o apelo foi Elberfeld. Aí os operários::; de radicalização foi a atitude de vou Watter de acrescentar
insistiram em continuar .paralisados até que fossem reali- .. "condições .de armistício" impossíveis de ser realizadas no
zados funerais apropriados para os mortos nas batalhas re, curto espaço de tempo permitido por seu ultimato, o que
centes. Lucas denomina tal episódio um dos raros atos provocou profundo rancor nas forças vermelhas. Foi então
"solidariedade desobediente" na história do que os membros do Exército Vermelho sentiram-se comple-
operário alemão. Nas demais cidades, contudo, os traba- tamente traídos por suas cidades natais. Sem dinheiro e su-
lhadores simplesmente voltaram à produção sem qualquer primentos, ameaçados pelas tropas de von Watter, eles se
ordem nesse sentido por parte dos comitês de ação. S3 Nessa,' ',"
um 'n{l .. lt;ro muito maior que os que estavam organizados em grupos de esquerda,
(52) Lucas, MiÚ'zrevo/ution, voI. 1, pp. 249-250. nâo ohservou ao apelo para interromper a greve.
(53) Lucas, Miirzrel'olution, voI. 1, pp. 250-255. Ã luz dos exemplos con~_'~ (54) Colmo Geschichte des Ruhraufstandes, p. 111.
eretos que ele oferece e que citamos aqui é difícil aceitar a alegação de (55) Lucas. Miirzrevo!u"tioll, voI. 1, p. 272.
(p. 248) de que provavelmente a maioria dos trabalhadores do RuIu, em todo (56) Colm, Geschiclzte des Ruhraufstandes, p. 113.
(57) Severing, Mein Lebellsweg, voI. 1, pp. 262-263. 266.
482 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA ... INJUSTIÇA 483

voltaram em desespero para o simples saque, e chamaram a obstante, estavam profundamente irados. Foram colocados
isso de revolução. Até mesmo os líderes comunistas conde- contra a parede e lutaram para se defender. De forma bas-
naranlO comportamento anárquico que se seguiu. A situa~· tante inesperada, a defesa se transformou numa breve ofen-
ção se deteriorou a tal ponto que um dirigente comunista siva. Mesmo então, parece claro que inúmeros trabalha-
em Dortmund telefonou, segundo se narra, pedindo que as dores que não pegaram em armas não tinham interesse em
tropas da Reichswehr entrassem na cidade, pois ele se via tornar a luta uma revolução. O ingrediente revolucionário,
impotente para controlar os bandos arnlados nas ruas. 5<5 tal como apareceu eill todo o conflito, Íoi algo que apenas
Finalmente, a 3 de abril de 1920, como conta Severiti.g uma minoria dos líderes locais procurou impor ao conjunto
em suas memórias, as tropas da Reichswehr marcharam so- do movimento.
bre a cidade e restauraram a ordem "de forma relativamente Todavia, ainda que se admitam todos estes aspectos,
fácil e sem perdas mais sérias de vidas". A Illustrierte Ges- do ponto de vista das conseqüências políticas eles não têm
chichte narra uma história diferente de brutalidade e vin- importância real. Objetivos revolucionários são geralmente
gança, um terror branco, literalmente. Soldados vingativos impostos pelos líderes a uma massa furiosa que serve para
chamavam aos brados trabalhadores para fora de suas casas dinamitar a antiga ordem quando outras condições o per-
e os fuzilavam, juntamente com mulheres e filhos. Relata-se mitem. Na verdade, eu arriscaria sugerir que em qualquer
o massacre de 65 operários em canais e a existência de uma das grandes revoluções foi isso o que sucedeu, a massa dos
vala comum com mais de 90 vítimas. Grande número de tra- ' participantes não quis conscientem.ente a derrubada da or-
balhadores fugiu para territórios ocupados pelos AUados. dem social. Entendo aqui o sucesso no sentido muito limi-
Persuadidos a voltar por promessas de anistia, eles foram tadO' e inadequado da tomada e do exercício do poder.
arrancados dos trens pelas tropas governamentais e ati- Até onde as iradas pessoas comuns queiram algo de
rados em c,ampos' de prisioneiros. Muitos deles receberam novo, isso em geral significa em sua percepção a antiga or-
longas penas. Os direitistas que tinham provocado o levante dem sem os traços desagradáveis e opressivos que as afe-
ao tentar o Putsch em Berlim escaparam, por seu lado, sem tam. Verificamos essa característica em inúmeras passa-
maiores dificuldades. Dos 540 oficiais que desempenharam gens ao examinar a história alemã e veremos ainda uma
um papel de frente no golpe de Kapp, apenas um recebeu outra versão dela, com uma base social diversa, no caso do
punição, somente por um período de cinco anos de prisão. 59 movimento nazista. E isso não é revolução. Ê de se conce-
Terminou nessa tragédia de sangue a experiência mais pró- ber que em alguns casos a nova ordem possa ser alguma
xima de uma revolução proletária espontânea que teve lu- coisa melhor, embora certamente não tenha' sido no caso
gar num Estado industrial moderno. dos nazistas. Na medida em que os abusos e a opressão
Era possível o sucesso? Houve de fato uma revolução? sejam uma conseqüência estrutural da antiga ordem, tais
Podemos ver as coisas com mais clm'eza respondendo pri- esperanças são também utópicas. Parece desnecessário
meiramente à segunda questão. As evidências disponíveis acrescentar que oS revolucionários profissionais modernos
revelam reiteradamente que os trabalhadores não eram re- não foram muito bem-sucedidos em impor suas visões da
volucionário:>. Eles não pretendiam derrubar a ordem social realidade supostamente melhor fundamentadas aos movi-
vigente para substituí-la por outra, muito menos uma em mentos de massa, por meio de partidos revolucionários, de
que os trabalhadores comuns assumissem o comando. Não forma a transcender os limites do utopismo popular e ainda
criar sociedades menos opressivas.
(58) Colm, Geschichte de.'> Ruhraufstalldes, pp. 125-130.
Se: concordarmos provisoriamente em que uma massa
(59) lllustrierte Geschichte, pp. 50S~508. revolueionária não é em si um ingrediente indispensável
484 UMA PERSPECTIVA HISTORICA ... INJUSTIÇA 485

para uma revolução bem-sucedida, ficamos com a primeira Ebert, por mais desastrosa que tenha se mostrado. A velha
questão: podia esse levante ter-se tm·nado uma revolução ordem foi temporariamente derrotada e desacreditada.
vitoriosa? Numa primeira abordagem fica razoavelmente Mas não estava completamente decomposta - não estava
claro que sem forças militares" disponíveis" o governo po- morsch, para empregar a expressão alemã apropriada - co-
dia ter caído; que tais forças não eram realmente disponí- mo ocorrera na Rússia em 1917. Na Alemanha, os campone-
veis, no sentido de serem leais a esse governo específico, é ses, as classes médias urbanas e mesmo amplos segmentos
uma questão tão óbvia que não exige maiores comentários. dos trabalhadores .industriais tinham-se virado contra seus
De modo mais particular e concreto, os levantes radicais líderes ·porque a guerra fora perdida, e não por razões que
ocorreram separadamente, e os que ocorreram na capital tivessem muito a ver com os assuntos internos. Entre essas
ou foram contidos (como em novembro de 1918) ou tiveram camadas a direita podia encontrar seus recrutas. A extrema
pouco apoio (a tentativa espartaquista de janeiro de 1919). esquerda constituía uma ameaça suficient<:: para engrossar
Assim, o governo viu-se capaz de usar as tropas nominal- tais fileiras. Dentro em breve, a direita deixaria de ser mo-
mente à sua disposição para sufocar, uma a·uma, revoltas narquista e nobre e assumiria para seu uso próprio uma
que eram em parte conseqüência de suas próprias políticas. coloração populista e igualitária. Essa mutação franqueou
Tal aconteceu, como se sabe, principalmente no Ruhr, na aos nazistas a estrada do poder.
Saxônia e na Baviera durante o inverno de 1918 e a prima-
vera de 1919. Embora mais sério e violento, o levante que
acabamos de examinar com certo cuidado foi essencial-
mente o último lampejo desse tipo.
Aqui também, entretanto, colocar a ênfase na oportu-
nidade e na possibilidade de repressão militar é deixar de
lado a questão mais importante. Não basta dizer, com os
social-democratas, que o levante teria de se transformar·
numa guerra çiviÍ e que numa guerra dessa espéCie mesmo
os tralbalhadores armados não são páreo para as tropas re-
gulares. O motivo é simples: as tropas regulares, numa fase
anterior, simplesmente se dissolveram quando foram en-
viadas contra os trabalhadores de Berlim, como ocorrera na
Rússia; O fato de existir um exército regular, por precário
que fosse, é que exige uma explicação.
Malgrado o choque inicial da derrota em 1918, o an-
tigo regime de forma alguma tinha perdido todo seu apelo e
legitimidade. A existência de um exército, constituído de
início por voluntários escolhidos, mostra que havia um nú-
mero substancial de pessoas que queriam sair à luta pela
restauração de algo semelhante à antiga ordem. Nas fases.
iniciais e decisivas Ebert nada fez para neutralizar esse cor-
po e, na verdade, voltou-se de imediato para ele em busca de .
auxílio. No entanto, a situação não se esgota na política de
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CAPÍTULO 10

As revoluções alemã e russa:


algumas comparações

Com o colapso e a supressão da revolta no Ruhr, che-


gamos ao fim de nossa narrativa sobre os trabalhadores ale-
mães, embora nos próximos dois capítulos continuemos a
recorrer à história social alemã a fim de analisar questões
teóricas relevantes. O ascenso em direção à teoria "pura"
será gradual. Permanecendo no contexto da história alemã,
os dois capítulos seguintes procurarão discutir como seria
pos.sível verificar objetivamente a existência de uma alter-
nativa histórica libertadora, bem como estimar a responsa-
bilidade moral por sua eliminação e as distinções e simila-
ridades entre as formas libertadoras e repressivas de ira
moral popular. A partir daí, poderemos chegar aos temas
mais gerais do relativismo moral, das formas racionais e
irracionais de autoridade e da maneira pela qual os males
inevitáveis podem ser culturalmente redefinidos como abu-
sos intoleráveis. Até o presente momento, apenas observa-
mos algumas das razões do fracasso do mais importante·
impulso radical até então ocorrido com base nos trabalha-
dores industriais de um país capitalista adiantado. Mas
qual foi o significado desse fracasso? As revoluções russas
de 1905 e1917 não reivindicam a concepção de revolução
proletária, ainda que num sentido bastante diferente da-
quele imaginado por Marx?
Se por revolução proletária entendemos uma revolução
INJUSTIÇA 491
490 PERSPECTIVAS GERAIS

baseada primordialmente nos trabalhadores industriais, a do que teve lugar na Alemanha. Em vez de aceitar a polê-
resposta a tal questão, segundo minha leitura dos ratos, mica sobre se o conceito de revolução proletária se adapta
continua a ser negativa. Certamente, em todas as três revo- ou não à experiência revolucionária russa, será mais pro-
luçõe·s russas (em 1905 e em fevereiro e outubro de 1917) os veitoso averiguar algumas das razões pelas quais os traba-
operários industriais das grandes cidades de fato desempe- lhadores russos·comportaram-se da forma como o fizeram,
nharam um papel significativo e talvez mesmo indispensá- bem como avaliar um pouco mais detidamente o papel real
vel. IViais ainda, UHi partido que alegava falar eln nOlne que desempenharaln no processo da revolução.
daquilo que representava, em novembro de 1917, uma A classe operária industrial russa cresceu num cenário
maioria completamente radicalizada desses trabalhadores histórico muito diferente do de sua contraparte alemã. A
efetivamente tomou e conservou o poder. Não obstante, burocracia czarista constituía um elemento decisivo, talvez
houve razões rnuito mais importantes para a transformação o elemento decisivo em tal cenário. Suas politicas influen-
revolucionária. Foram estas: 1) rebeliões camponesas e ciaram decisivamente o ritmo e as características do cresci-
apropriações de terras em um país cuja população era ainda mento industrial da Rússia. As politicas czaristas foram
80 por cento camponesa·e hostil às relações de propriedade também, em grande medida, responsáveis pela radicaliza-
existentes; 2) a alienação e o desalento, por volta de 1917,· ção dos operários industriais antes de 1914, embora hou-
de praticamente todos os setores influentes da população vesse outras forças em operação, que no momento propício
face à incompetência e a debilidade do czarismo reveladas poderiam ter conduzido a resultados mais próximos do grau
pelas tensões da guerra; 3) desintegração sob tais pressões de integração existente na Alemanha. As políticas czaristas
dos principais instrumentos de repressão - o exército, a foram outra vez grandemente responsáveis pela desintegra-
polícia e as forças policiais. Tal desintegração foi decisiva. ção das forças militares e policiais russas. Após a revolução
Não foi o poderio da explosão revolucionária que pôs abaixo de fevereiro, o Governo Provisório não se mostrou disposto
o edifício· czarista, mas sim o colapso de seus defensores. ou foi incapaz de reverter o processo de desintegração e en-
Tanto em fevereiro (março, segundo o novo calendário) contrar para si próprio uma nova base social.
como em outubro (novembro) de 1917, os revolucionários Tanto em sua composição social como em suas insti-
meramente passaram por cima de uma porta que já apo- tuições, os trabalhadores industriais russos eram também
drecera em seus gonzos. B esta a razão por que ocorreu tão uma criação histórica muito recente, a conseqüência do rá-
pouco derramamento de sangue nas revoluções propria- pido crescimento industrial da Rússia antes da Primeira
mente ditas. O sangue veio depois, como vingança, à me- Guerra Mundial. Eis algumas cifras sobre o número de ope-
dida que a .. ditadura do proletariado" lutava para se firmar rários industriais em anos específicos do pré-guerra:
COlllO minoria de elite baseada nas cidades, esforçando-se
por governar - e depois transformar - uma sociedade 358000
1863 720000
camponesa. 1 1890
Todo esse processo foi, evidentemente, muito diverso 1124000
1897 2278000
1900 2700000 2

(1) Na análise que se segue uãopude recorrer a dois importantes livros que 1914
apareceram na mesma época em que este começava a ser impresso: 10hn L. H.
Keep, J"he Russian Revolution, e Alexander Rabinowitch. The Bolsheviks Come to
Power. O primeiro, uma abordagem analítica geral, enfatiza o papel tanto dos
(2) Woldemar Koch. Die bo,·sevistisclzen Gewerkschaftcn. pp. 2-3. Asci-
trabalhadores como dos camponeses; o segundo é um relato minucioso dos acon-
tecimentos de 1917 em Petrogrado. iras devem ser tomadas comO aproximações, uma vez. que as definições da cate-
492 PERSPECTlVAS GERAIS
'INJUSTIÇA 493

Em agudo contraste com a Alemanha, uma grande propor_ .S;,lJ{c. <1it; nha, um pavio social prestes a explodir à primeira centelha.
ção desses trabalhadores (quase 50 por cento, em 1902) es- ..
As heranças do passado deixaram suas inibições sob a for-
tava empregada em estabelecimentos gigantescos de mil Ou .
ma de temor aos detentores da autoridade - mais concre-
mais operários. 3 Também ao contrário da Alemanha, as fá_
tamente, do temor aos cossacos a galope sobre a multidão,
bricas brotaram nas maiores cidades. Em menos de três
estalando suas longas chibatas - , de apatia, de padrões
décadas e meia, Riga, Kiev, Odessa e Rostov triplicaram .0':; .•... "".;., . •,.,. .
socialmente reforçados de deferência aos superiores e de fé
quadruplicaram suas populações, enquanto Baku, Tsa,. ''''{P;.,'''''.: na benevolência do Autocrata. Acirrla destas, a industria-
ritsin e outras cresceram cinco ou oito vezes graças às fábri-'
4 lização criou suas próprias inibições, já examinadas em
cas. Finalmente, a concentração de trabalhadores seria es-;
. outra parte: a mera exaustão devida a longas horas de tra-
pecialmente importante na capital, Petrogrado (como era
chamada em 1917), onde havia cerca de 400 mil operários; ..' balho em estabelecimentos ruidosos, onde amiúde era im-
possivel conversar com os outros trabalhadores. Então, ha-
60 por cento deles estavam empregados em indústrias meta-
via também a preferência generalizada por soluções indivi-
lúrgicas, que por essa época dedicavam-se quase exclusiva,'
mente à produção de material bélico. 5 A população de Pe_ duais e pelo apego ao emprego com o mínimo risco, pre-
trogrado em 1914 era de 2119000 pessoas. 6 Na mesma data ponderando sobre o sacrifício em favor de metas coletivas
distantes, isso sem mencionar o sindicalismo do ganha-pão
Moscou contava com· 1700000 almas, com uma população
fabril de 159 mil operários em 1912. 7 Uma vez que menos sobre o qual ainda falaremos. Todos esses obstáculos te-
da metade da população total de cada uma dessas cidades riam que se contrair, ou os trabalhadores teriam de alguma
forma que superá-los antes de poderem se comportar de
era composta de adultos do sexo masculino e a maioria dos
trabalhadores era de homens, essas proporções são conside- marieira revolucionária.
A questão importante é que todas essas coisas efetiva-
ravelmente mais amplas do que pode parecer à primeira
mente aconteceram e, mais importante ainda, era provável
vista. Se os homens fisicamente ativos (do tipo que podia
que acontecessem, dadas as caracteristicas do regime cza-
comparecer às manifestações políticas) chegassem a mais
rista. Entre as fortes probabilidades inerentes à situação
ou menos um terço da população em cada uma das cidades,
geral que teve inicio por volta de 1900, havia a da Rússia se
os trabalhadores constituiriam uma nítida maioria deles em
Petrogrado e mais de um quarto em Moscou. envolver em guerras com países mais adiantados, para as
quais ela estava mal preparada. Se é. verdade que a Rússia
Não obstante, seria temerário concluir que a industria-
constituia uma potência fraca, mais fraca do que achavam
lização por si só criou na Rússia, ao contrário da Alema-
alguns de seus governantes, nem por isso ela' deixava de ser
uma potência, com interesses a defender ou a fomentar na
goria "trabalhador" são variáveis. Assim, a cifra para 1900 inclui, pela primeira Europa, no Oriente Médio e na Ásia. Não obstante, nem
vez, os mineiros (672000) e ramos da indústria sujeitos ao imposto de consumo todos os elementos da situação apontavam para uma revo-
(243000), ao passo que a de 1914 é uma subestimação, limitando-se ao território lução inevitável. Havia forças que atuavam no sentido de
40 Hl~e.viria a ser a URSS.
(3) Koch, Die bol'j':evistischen Gewerksclzaften. p. 4. uma integração capitalista, tanto no campo como na ci-
(4) Teddy J. Uldl"icks, "The 'Crowd' in the Russian Revolution: Towards dade, ao lado de vínculos pré-capitalistas herdados do pas-
Reassesseing the Nature of Revojutionary Leadership", p. 40 L
(5) Paul H. Avrich, "Hussian Fuctory Committees in 1917", p. 163 e nota
sado, ainda que estes sofressem rápida erosão. Paradoxal-
14. mente, os escritos de Lênin fornecem toda a evidência de
(6) Victoria E. Bonnell, "The Politics of Labor in Pre-Revolutionary Rus- que necessitamos para defender tal existência. A sua volu-
sia: Moscow Worker's Organi7.ations 1905-1914", p. 34, nota 3.
(7) Bonnell, "The Politics of Labor", pp. 2, 4.
mosa produção pré-revolucionária corresponde a uma polê-
mica constante e, de várias formas, telllerOSa contra as for-
495
INJUSTIÇA
494 PERSPECTIVAS GERAIS

de descobrir ao que os trabalhadores fabris realmente se


ças de integração e as tendências sociais "espontâneas" que
opunham na vida dentro da fábrica para em seguida dis-
podiam inibir ou perverter a revolução que ele tão avida- tribuir panfletos baseados nessas reivindicações concretas.
l11ente buscava.
Tais panfletos aparentemente ajudaram a agitar os traba-
A análise apropriada de todas essas tendências contra-
lhadores têxteis de São Petersburgo. Entretanto, fOTam os
ditórias exigiria um outro livro. Aqui, procurarei Ine linütar próprios operários que espalharam a greve, lançando mão
a alguns breves comentários sobre as tentativas operárias de de bandos inóveis que recorriam a apelos, gritos e saraiva-
organizar c promover seus próprios interesses. A este res- das ele pedras a fim de persuadir as outras fábricas a parar
peito seria difícil imaginar um contraste mais agudo com a o trabalho. 9 Essa greve parece ter marcado o ponto alto de
Alemanha guilhermina e suas poderosas burocracias dos qualquer laço direto entre os marxistas e as reivindicações
sindicatos e do Partido Social Democrata. Na Alemanha, já
cóncretas dos trabalhadores - um laço tênue, na melhor
em 1848, como o mostram as memórias de Stephan Born, das hipóteses . .o seu próprio sucesso levou .à heresia do
existia um grau considerável de tolerância de facto aos es- "economicismo", à busca de interesses limitadQs e imedia-
forços de organização e negociação salarial dos trabalhado- tos, que Lênin iria anatematizar. 10 Subseqüentemente,ovín-
res, pelo menos por um breve período. 8 A autocracia cza- culo se enfraqueceu graças aos atritos entre a intelligentsia e
rista ainda não tinha atingido, na prática, esse estágio em os trabalhadores, ao mesmo tempo em que os primeiros pas-
1914. savam a desentender-se entre si. .os mencheviques tornaram-
A história do movimento operário russo no pré-guerra se interessados em estabelecer organizações operárias na li-
é basicamente um relato das tentativas dos trabalhadores nha das da Europa ocidental mas praticamente não tiveram
para organizar-se em defesa de objetivos econômicos e so- oportunidade, sob as condições do czarismo, de colocar tais
ciais limitados, de medidas intermitentes do regime czarista idéias em prática . .os boJcheviques mantiveram-se em geral
para controlar ou suprimir tais esforços e de manobras ge-
desconfiados frente a esses esforços, embora nas ocasiões
ralmente ineficazes de combativos intelectuais radicais para em que tiveram boas oportunidades para controlar as orga-
assumir a direção do movimento operário em proveito de nizações dos trabalhadores e colocá-Ias a seu serviço eles
suas posições. Podemos principiar a parte relevante da his- não tenham hesitado em fazer a tentativa. Tais esforços ti-
tória em 1896, quando a primeira grande arrancada indus- veram pouca importância até praticamente a eclosão da
trial da Rússia dava mostras de exaustão. Nesse ano, os guerra, em 1914. Enquanto isso, os trabalhadores volta-
trabalhadores têxteis de São Petersburgo surpreenderam a ram-se para formas mais tradicionais de organização. Uma
opinião culta de grande parte da Rússia e da Europa ao delas foi o "socialismo policial" czarista. 11 Embora esse tipo
realizár uma greve notavelmente disciplinada que durou de socialismo tenha atraído os trabalhadores em escala sufi-
mais de duas semanas. A esta altura, os setores combativos ciente para causar considerável ansiedade entre os marxis-
da intelectualidade ainda esquadrinhavam a sociedade rus- tas, essa tentativa de integração terminou abruptamente
sa à busca de um agente e de um c01!junto de técnicas - quando as tropas do czar atiraram sobre a desarmada pro-
fossem eles o terror, os carnponeses, os operários ou alguma cissão de milhares de operários e alguns seguidores curio-
combinação destes -- capazes de levar a cabo transforma- sos organizados pelo padre Gapon, na qual muitos carre-
ções sociais e institucionais de longo alcance. Entre aqueles
grupos, um celio número de marxistas chegara ao artifício (9) Allan K. Wildman, The Making of a lYorker's Revo[utioll: Russian
Social DCf/lOcracy, 1891-1903. pp. 48-50. 61-68. 73-74.
(10) Wildman, Worker·s Revolutioll. pp. 55-56.
(8) Ver acima o capítulo 5, seção 5, cP. H. Noyes, Organization and (11) "Vildman, Worker's Rel'olutiol1, pp. 90, 251 (nota 58).
Revolution: Working-Class Associations in the GermalJ Revolljtiolls of 1848-1849.
496 PERSPEc:nVAS GERAIS INJUSTIÇA 497

gavam ícones e retratos do czar e entoavam hinos religiosos sos tenham-se mostrado capazes de montar o tigre da revo-
e patrióticos, à medida que seguiam para o Palácio de In- lução uma vez fora da jaula, eles aparentemente tiveram
verno para apresentar uma petição solicitando ao czar que pouca ou nenhuma participação na libertação da fera. A
aliviasse os agravos dos trabalhadores. Era o dia 22 de ja- eclosão das greves mais importantes, em outubro, encon-
neiro de 1905, um domingo, quando várias centenas de pes- trou-os completamente atônitos e confusos quanto a que
soas indefesas foram mortas ou feridas pelas tropas czaris- orientação dar aos trabalhadores. I4 .
tas. O Domingo Sangrento marcou a ruptura final da fé Entre estes últimos, os sindicatos operários tinham-se
popular ingênua nlas talvez graàualmente minguante no espalhado rapidamente durante a Revolução de 1905. Em
czar como seu pai e protetor. 12 março de 1906, como parte das reformas semiconstitucio-
Um número incontável de trabalhadores destruiu de- nais e liberais prometidas pela autocracia, eles receberam
pois disso o retrato do czar que todos tinham em suas casas, sua primeira autorização legal na história russa. Por um
exclamando: "Para nós não há mais czar!". Outros aconte- breve período que durou somente até 1907 parece ter exis-
cimentos iriam colaborar para destruir o nimbo de autori- tido alguma base para se antecipar um desenvolvimento se-
dade patriarcal em segmentos bastante mais amplos da po- gundo o modelo alemão. Os mencheviques e os bolchevi-
pulação. O Domingo Sangrento ocorreu cerca de três sema- ques competiram entre si na organização de sindicatos, com
nas após a queda de Port Arthur na guerra russo-japonesa., o predomínio dos primeiros. As duas correntes conseguiram
Iniciada como uma tentativa deliberada de unificar a Rús- organizar cerca de um décimo da força de trabalho de Mos-
sia: e eliminar os seus descontentamentos latentes através de cou. lS Embora tal proporção seja bastante inferior aos
um surto patriótico, a guerra produziu, com su·as derrotas, quase 50 por cento de trabalhadores alemães organizados
a insurreição da Sibéria à Polônia. em sindicatos por volta de 1914 - com cerca de um operá-
Em 1905, os trabalhadores agiram mais uma vez por rio em cada três filiado a um sindicato nominalmente mar-
sua própria conta. A 20 de outubro, uma greve ferroviária xista - , isso efetivamente significava que milhares de tra-
teve início, em torno de questões de direitos de pensão. Ela balhadores russos estavam pela primeira vez conseguindo 'F
espalhou-se rapidamente pelo país e levou o tráfego ferro- alguma experiência na organização sindical e nas negocia- :i
viário à total imobilização. A greve logo tomou um caráter ções coletivas com os empregádores. Problemas típicos dos I!'
'i,'
político. As reivindicações, vale notar, eram liberais e não movimentos operários ocidentais, como a rivalidade entre
socialistas: eleições livres, assembléia constituinte e anistia os sindicatos de ofício e os industriais, e as empresas que :1,
aos presos políticos. Por volta de 24 de outubro, a greve dos só aceitavam trabalhadores sindicalizados (closed shop), ,i'
ferroviários desembocara em uma greve geral que paralisou vieram à luz. Enquanto os mencheviques ansiavam criar 'I
todo o país. Este foi o ponto alto da Revolução de 1905, uma organizações que capacitariam os trabalhadores a se educa- I
vaga de violência que arrancou reformas constitucionais li- rem e eventualmente a conquistarem sua liberação no curso
mitadas à autocracia. 13 Embora os social-democratas rus-
if
(14) Para mais detalhes a este respeito, baseados parcialmente na expe-
(12) Para as preocupações marxistas, ver SaIomon M. Schwarz, TI/e Rus-
riência pessoal do autor. ver Schwarz, Revoluti01l of 1905, pp. 138·143.
li:'I'
..1 ..' :

sian Revolutioll of 1905, pp. 58-74; para um relato sobre o acontecimento, ver
Valcnlin Gitermann, Geschichte Russlands. voI. ~, pp. 389-391. Ver também
(15) Além de Bonnell. "The Politics oI Labor", que se concentra em Mos- il: .
cou, recorri a A."El'nitskií, Istoria -Rabochego Dvizlzeniia v Rossii. capo 13, que
Daniel Field, R.ebels in lhe Name afihe Tsar, pp. 20-21, para a atitude das pes-
soas comuns face ao czar. nas pp. 288·289 oferece algumas informações interessantes sobre a participação
operária generalizada nas eleições à segunda Duma. Ambos os relatos concordam
(13) WiIliam Henry Chamberlin, The Russiall Revolution: 1917-1921, vo1. quanto ao efeito da repressão czarista de desviar numa direção r<\dical as ten-
1, p. 51. Ver também Gitermann, Gesclziclzte Russlands, voI. 3, pp. 407-410.
dências reformistas .

.. ---_._ ... ~_. __ ._-_._-~_. .. ------------_.-


498 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 499

de um período de tempo extenso e indefinido, os bolchevi- °


preparação para gradualismo, a experiência czarista, C01U
ques estavam mais interessados em resultados revolucioná- sua combinação de legalidade com avanços e recuos e opo-
rios a curto prazo. Ao contrário do que se podia esperar e sição por parte tanto do governo como dos patrões, parecia .i,
i

diversamente do que os historiadores bolcheviques posterior- fornecer uma fórmula razoavelmente boa para a rebelião.
mente alegaram, os sucessos organizacionais bolcheviques Se o governo alemão permitiu contra a sua vontade o desen-
OCOrreram principalmente no setor artesanal da' economia volvimento de organizações mediadores de larga escala,
!Doscovita e não nas grandes fúbúcas C0í11 aluplo número de consideravehnente interessadas na manutenção do status
operários. 16 quo, o regime czarista conseguiu, sob condições diferentes,
Se havia alguma perspectiva de integração reformista impedir que aquelas superassem um aparecimento insigni-
esta praticamente desapareceu com a guinada repressiva da ficante. A diferença era importante, mas estava longe de ser
policia czarista entre 1907 e 1912. Durante esses anos os a causa primordial da revolução.
sindicatos foram postos fora de ação. Após isso, gozaram Corno se pode ver por um estudo da seqüência dos
mais dois anos de existência relativamente livre, comple- acontecimentos, os agravos dos trabalhadores - mais con-
tando um total de quatro anos de tais experiências antes da cretamente, seus ressentimentos enquanto operários fabris
irrupção da guerra. Seria insensato esperar que o refor- _ dificilmente constituiriam a causa primordial do colapso
mismo tivesse vencido sob tais condições e num período tão do czarismo em 1917. No ano de 1905, o governo tinha sido
curto de tempo. Comparado à primeira fase de atividade, capaz de suprimir a rebelião sem grande dificuldade porque
o revivescimento de 1912 foi bastante débil. Se depois de o exército era ainda digno de confiança. No terceiro inverno
1906 muitos trabalhadores se voltaram para o sindicalismo da Primeira Guerra Mundial esse ponto de apoio essencial
a partir de uma decepção com as tentativas revolucionárias, começara a se desintegrar." Por trás dessa desintegração,
após 1912 a desilusão brotou de urna razão oposta: a expe- a chacina de um exército camponês por um inimigo tecno-
riência mostrou que tanto o regime czarista como os patrões logicamente superior. Uma vez rompidos os vínculos de
opunham-se intransigentemente aos interesses dos traba- lealdade e nacionalismo, os camponeses não mais demons-
lhadores. De tal modo, não chega a surpreender que os bol- travam disposição para sustentar um regime dirigido e vol-
cheviques tenham superado os mencheviques na liderança tado para os proprietários fundiários cuja terra muitos deles
dos sindicatos durante essa segunda fase." Mais que uma cobiçavam. Um segundo fator, intimamente relacionado a
este, foi a pressão sobre um sistema inadequado de trans-
(16) Bonnell, "The Politics of Labor", pp. iv, vi, vii, para informações
portes. Isso significava que as armas, quando existiam, não
gerais; sobre as fontes de apoio bolchevique, pp. xiv, xv, 84; para mais detalhes podiam atingir o front e que os suprimentos alimentares e
sobre a atividade dos sindicatos, pp. 85-100. outros bens muito mais necessários à paz social não podiam
(17) Bonnell, uThe Potitics af Labor", caps. 4-6. Para uma tentativa mais alcançar as cidades. O principal aparato de repressão des:
abrangente de descrição dos sentimentos dos trabalhadores comuns, ver Leopold
H. Haimson, "The Problems of Social StabUity in Urban Russia 1905-1917", par-
tes 1 e 2. Haimson salienta que o reduzido e razoavelmente bem ambientado recordar, os imigrantes rurais. OH Polacken, das úreas de mineração eram cultu~
proletariado urbano que se desenvolvia por volta de 191'1 cra c0ntinuamente inun- ralmcnte rudes mas politicamente dóceis, de início. Posteriormente, como massa j

dado por ondas de imigrantes provenientes do campo. Alguns caruponeses tra~ de trabalhadores desorganizados e voláteis eles serviram como um poderoso estí- i :·
úam consigo um espírito de rebeldia elementar, huntarstvo. Por outro lado, penso mulo à militância sindic,ü. Sob as condições russas, desde mais ou menos 1900. '.".
que o hábito de se deslocar para a cidade e voltar ao campo deve ter servido como enl possível esperar oscilações de estado de espírito similares mas muito mais
uma válvula de escape econômica para aqueles que se situavam na parte inferior
pronunciadas.
da pirâmide, em ambos os locais. Dessa"forma seu efeito político é de dificil ava- (18) Sobre a debilidade do exército, ver E. N. Burdzhalov, Vtorajia Russ-
liação. Presumivelmente, tanto a rebeldia elementar como a mobilidade deveriam kaiia Revoliutsiia, vo1. 2, pp. 90-91. A ração de pão tinha sido reduzida e criados
atuar como obstáculos à organização. Na região do Ruhr, como o leitor dejcjum; a disciplina começara <\ decair.

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INJUSTIÇA 501
500 PERSPECTIVAS GERAIS

inoronava ao mesmo tempo em que OS reclamos dos consu- rado cerca de vinte mil trabalhadores, o que dificilmente
midores estavam em asc'ensão, uma combinação sinistra colaborou para açalmar a situação. 22 Nesta altura, boa par-
para qualquer ordem estabelecida. te da polícia montada ainda estava disposta a carregar con-
No princípio de 1917 a crise de abastecimento era geral tra as multidões com sabres e chibatas. Mas já havia oS que
em todo o país. Em janeiro, os suprimentos para Petro- hesitavam e se recusavam a atacar uma multidão chefiada
grado mal chegaram à metade do que estabeleciam as nor- ' por mulheres. Isso deu às massas esperança e coragem.
mas. 19 Não obstante, quando ocorreu o levante que haveria ~/lesmo assim, as forças da ordem foram capazes de repri-
de derrubar o antigo regime ele surpreendeu a todos, inclu- mir os levantes de 10 e 14 de fevereiro. 23 A 26 de fevereiro,
sive aos próprios protagonistas. Uma manifestação marcada as forças do czar abriram fogo outra vez contra os traba-
para o dia 10 de fevereiro tinha sido um fiasco devido aos lhadores, quando estes tentavam atingir a parte central da
apelos confusos de social-democratas discordantes e ao fato cidade. Muitos deles pensaram que a rebelião estava no
de que o dia precedente marcara o início da semana do car- , fim: uma manifestação desarmada não pode se opor a um
naval pré-Quaresma. 2°'Mas, em meio à escassez de pão e ao governo disposto a tomar medidas decisivas. Nesse dia os
frio cortante, a situação era altamente volátil. Nas longas fi- soldados comportaram-se em geral de uma forma discipli-
las de mulheres, crianças e velhos discutia-se em surdina por nada, recusaram-se a confraternizar comas multidões e ati-
que faltava o pão, quem era o culpado pelo sofrimento do raram sobre elas. As autoridades estavam satisfeitas. 24
povo, quem conseguia tirar alguma coisa da guerra (komy O estado de espírito da guarnição de Petrogrado seria
nuzhna voina). A policia de Petrogrado registrou que as um fator decisivo para o conjunto da rebelião. Embora re-
filas do pão produziam todos os efeitos de comícios revolu- forçada com forças confiáveis, a guarnição era composta
cionários com dezenas de milhares de panfletos inflamados. basicamente de tropas da reserva. Havia uma alta propor-
As rotinas comuns da vida diária que em tempos normais ção de trabalhadores locais recentemente convocados e de
mantêm unida a sociedade estavam se decompondo em se- esquadrões evacuados: homens que tinham estado na fren-
veros ressentimentos dos consumidores, e estes viam a auto- te e, feridos, voltaram à tropa. Eles conheciam a vida nas
ridade como culpada de rompimento do contrato social. A trincheiras e não tinham vontade de retornar. 25
rua se transformara numa associação revolucionária. As As notícias de que O exército tinha atirado sobre o povo
mulheres sofriam o impacto maior porque os homens esta- horrorizaram alguns soldados da guarnição. No mesmo dia
vam no front, deixando a elas o trabalho, as crianças e a em que tal ocorreu um pequeno grupo deles passou-se para
falta de alimentos. 21 o lado da revolução. As tropas enviadas contra eles recusa-
A própria revolução eclodiu no Dia, Internacional da ram-se a abrir fogo, no último instante. No dia seguinte,
Mulher, 23 de fevereiro (8 de março) de 1917. O local mais 27 de fevereiro, os trabalhadores, seguindo uma estratégia
importante da insurreição não foram as instalações meta- incentivada pelos bo1cheviques que tentavam desesperada-
lúrgicas de Putilov, mas a região têxtil dó Viborg, onde mente assumir a liderança, postaram-se em torno dos por-
muitas mulheres estavam empregadas. No dia anterior, en- tões dos quartéis procurando falar com os guardas e, de
tretanto, um loc/cout nas instalações de Putilov tinha libe-
(22) Burdzhalov, Vtora/ia Russkaiia Revoliutsiia, voI. 1, pp. 116, 119-120.
Cf. Gitermann, Geschichte Rfl.sslands, valo 3. p. 477. que atribui mais importân-
(19) Burdzhalov, VtoraUa Russkail{l Revoliutsiia, vaI. 1. pp. 81-82. cia aos operários de Putilov.
(23) Burd:z.halov: Vtoraiia Russkaiia Revoliutsiia, valo 1, pp. 107, 129-130.
(20) Bu'rdzhavlov, Vtoraiia Russkaiiu Revoliutsiia. voI. 1, pp. 107-108. (24) Burdzhalov. Ytoraiia RI~sskaiia Revoliutsiia, valo 1, pp. 172-173.
Outra manifestação no dia 14 foi mais ampla, sem ser muito melhor sucedida. (25) Burdzhalov, Vtoraiia Russkaiia Revoliutsiia, vaI. 1, p. 104.
(21) Burdzhalov. Vtomiia Russkaiia Revo/iutsiia, vaI. 1. pp. 116-119.

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INJUSTIÇA S03
502 PERSPECTIVAS GERAIS

modo geral, romper a barreira entre as tropas e o popu- na estação Finlândia. Isso se revelou impossível. Mas com a
lacho. 26 E improvável que tais esforços tenham produzido colocação dos guardas revolucionários nos pontos-chave da
muito efeito. O que estava ocorrendo entre os próprios sol- cidade a revolução estava garantida.
dados, na forma de argumentos e discussões (sobre as quais Estendi-lne sobre esses aspectos ela insurreição de feve-
infelizmente não temos informação), tinha possivelmente reiro porque eles lançam uma luz importante em alguns
muito mais importância. Por outro lado, a situação mesma processos revolucionários gerais. A queda da obediência
parece óbvia: os soldados teriam de atirar maciçamente so- entre os soldados constituiu o aspecto crucial da revolta.
bre seu próprio povo ou, ao contrário, teriam de romper o Antes que a decadência tome o aparelho de repressão, ne-
juramento de disciplina -- algo que seu comportamento nhum movimento revolucionário dispõe de qualquer chan-
posterior demonstrou que estavam temerosos de fazer. ce.28 No caso da guarnição de Petrogrado, os registros dis-
Às seis horas da manhã de 27 de fevereiro, quatrocen- poníveis possibilitam distinguir mais uma vez o papel deci-
tos soldados de um regimento de guardas tinham formado sivo do apoio social na desobediência, bem como alguns
na praça de armas e saudado seus oficiais da forma habi- obstáculos clássicos à ruptura da autoridade legitima. Do
tual. Em seguida, como combinado, eles abafaram com vi- lado dos revolucionários, os agravos dos trabalhadores fa-
vas a voz do oficial que tentava ler a ordem do czar para bris desempenharam também sua parte. Mas os trabalha-
reprimir a sublevação. Dirigiram-se então a outros quartéis dores não conseguiriam alcançar a temperatura exata para
para convocar os demais soldados. Estes, por sua vez, hesi- arevolução e se converterem em uma massa revolucionária
taram mas logo fluíram para fora dos quartéis. As ruas se _ por si só indefesa contra uma força armada resoluta,
encheram de grupos de soldados que vagavam em bandos como mostrou um episódio - até e a menos que as fábricas
desorganizados e inquietos. Se um oficial perdido juntava- fossem fechadas. As condições de trabalho, por piores que
se a eles e assumia o comando ao lado da revolução, eles o fossem (como efetivamente o eram), continuavam a ser in-
seguiam entusiasticamente. As deserções aumentaram como suficientes para produzir esse efeito enquanto os operários
bolas de neve. Na noite do dia 26 eram seiscentos os deser- estivessem no cenário social de uma empresa em funciona-
tores; na manhã seguinte seu número chegava a 10200, mento. No interior de fábricas fechadas, por sua vez, com
para atingir 25 700 naquela tarde e 66700 na noite do mes- os trabalhadores ainda reunidos, os agitadores podiam al-
mo dia. A ação principal dos soldados unidos aos trabalha- cançar bons resultados. E seguro arriscar que os operários
dores foi a libertação dos prisioneiros, cerca de 7600. 27 Esse mais pacíficos e "responsáveis" (e estes deviam existir no
gesto garantiu nova liderança às forças revolucionárias. Fi- cenário russo, embora em número bem menor que na Ale-
nalmente, os soldados acorreram espontaneamente ao palá- manha) foram sobrepujados por seus colegas mais excitá-
cio Taurida, onde a Duma, símbolo da legalidade restante, veis e, em certa medida, arrastados e pressionados a aderir
continuava a se reunir. Para se protegerem pelo rompi- à multidão revolucionária. 29 Mais que os descontentamen-
mento do juramento de lealdade eles buscavam.a bênção da tos específicos dos trabalhadores, o colapso total das roti-
autoridade sobrevivente. Os bolcheviques procuraram se nas diárias comuns devido à escassez de alimentos, que
opor a esse ímpeto para a legalidade, que agora incluía todo pode ser traçada, por sua vez, até a ruptura do sistema de
gênero de pessoas, e estabelecer um centro revolucionário
(28) Sobre este aspecto, ver Katharine Chorley, An7'lies alld lhe Ar! o/
(26) Burdzhalov, Vtoraiia R.lIsskaiia Revoliutsiia. vaI. 1, pp. 177~178. 184. Revo/ution.
(27) Burdzhalov, Vtoraiia Russkaiia Rc~'olilltsia, vaI. 1. pp. 185-187; ver (29) Burdzhalov, Vtoraiia Russkaiia Revoliutsiia, voI. 1, pp. 122-123,
p. 190 sobre a libertação de prisioneiros; p. 193 sobre as deserções. upresenta um vivo relato das discussões no interior das fábricas.
50S
INJUSTiÇA
PERSPECTIV AS GERAIS
504 um arquétipo. tenha sido um mero exercício de mitologia
transportes, configurou o fator criador de uma atmosfera
especificamente revolucionária. Neste aspecto, o papel - As melhores informações sobre o que OS próprios tra-
social?
mulheres tanto ao liderar os primeiros estágios da revolta balhadores queriam provêm das declarações dos comitês
como ao efetivamente desarmar as forças de repressão que brotaram em fábricas específicas imediatamente após aa
sume nitidamente um primeiro plano - e não pela primeira ,." :,.,., "m::", Revolução de Fevereiro. Os operários aparentemente org -
vez em uma sublevação revolucionária. 30 nizaralíl esses comitês de forma em grande parte espontâ-
A partir da Revolução de Fevereiro o restante da histó, nea, embora com a contribuição dos rnencheviques e dos
ria é epílogo, pelo menos do ponto de vista de uma compa- social_revolucionários. De início, havia poucos bolchevi-
ração com a Alemanha. Ao contrário da alemã, a sociedade· ques, quandO eles estavam presentes. Tendo nascido em
russa, por razões já analisadas, fracassara em criar um mo,' i (Fii "flti.i Petl'ogrado imediatamente após a Revolução de Fevereiro,
vimento opel'ário moderado para o qual o poder poderia ser OS comitês de fábrica espalharam-se prontamente
31
a todoS OS
transferido. Os camponeses constituíam uma fonte de cres- centros industriais da Rússia européia. Ainda que fossem
cente agitação revolucionária, ao invés 'de freio ao processo indubitavelmente dominados pelos trabalhadores articula-
de revolução, e a burguesia capitalista russa era muito mais dos e politicamente avançados (as circunstâncias logo con-
débil que sua contraparte alemã. Assim, o processo de radi, duziram ao seu domínio por parte dos bolcheviques), os co-
calização podia continuar a destruição do conjunto de rela- mitês mantinham um contato estreito com OS operários e,
ções sociais existentes até que um partido resoluto se mos- espec;ialm numa primeira fase, refletiam OS desejos e OS
ente
sentimentos espontâneos destes. Afortunadamente, o histo-
trasse capaz e disposto a tomar o poder e a tentar a tre-
menda tarefa de reconstrução revolucionária. Mais fábricas riador francês Marc Ferro fornece um valiosO sumário de
fechariam devido a racionamentos ainda piores. O exército um grande número de suas solicitações e comunicações,
se desintegraria em uma massa praticamente desamparada. que jorravam de toda a Rússia.
Entretanto, dois aspectos ainda merecem nossa aten- Praticamente todas as reivindicações que vieram à tona
ção. Que tipo de demandas os próprios trabalhadores avan- com o final do czarismo diziam respeito a salários e condi-
çaram nesse processo? O fim dos controles czaristas oferece ções de trabalho. A. principal delas, bem à frente das ou-
uma oportunidade única para conseguir uma visão da men- tras, era a da jornada de oito hor.as. A oposição ao paga-
talidade dos trabalhadores comuns, bem como de suas per- mento por peça era generalizada; em vez disso, preferia-se
cepções do que estava ocorrendo ao seu redor. A outra o pagamento por dia com salário semanal e duas semanas
questão de interesse geral pode ser colocada assim: qual foi de remuneração em caso de dispensa. Tal como OS traba-
o papel da organização e do planejamento revolucionários lhadores alemães, eles não eram de modo algum igualitá-
na tomada do poder pelos bolcheviques? A Revolução de rios; tinham idéias definidas sobre as taxas de pagamento
Fevereiro (março) foi um acontecimento espontâneo e não adequadas aos níveis diferentes de qualificação. Também
planejado, como o reconhecem hoje até as autoridades so- como OS trabalhadores alemães. reivindicava-se um piso sa-
viéticas. Em que medida ela foi diferente da revolução se- larial forma de um mínimo estabelecido. As reivindica-
Ções denaaumento tiveram início após o final de março, de-
guinte? Ê possível que tudo aquilo que se escreveu no Leste
e no Ocidente sobre a importância de um partido e de uma vido principalmente à inflação. Em certos aspectos, os ope-
organização revolucionária, recorrendo a esse evento como
(31) Avrich; "Russian Factory Cornrnitte es" . pp. 161-165.
(30) Sobre o papel das mulheres na RevoluçflO Francesa, ver Olwen H.
HUftOI1. "Women in Rcyolution 1789-1796", pp. 90-108.

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506 PERSPECTIVAS GERA1S INJUSTIÇA 507

rários russos estiveranl à frente dos alelllães, ao eXIgir a completamente e sem deUlora. JcJ t-Jas circunstâncias domi-
abolição do trabalho infantil e o fim da discriminação por nantes de caos e destruição, o desapontamento e a radica-
sexo. lização de posições pareciam mais do que prováveis.
Quanto às condições no local de trabalho, houve um Os comitês de fábrica também apresentaram uma rei-
equivalente da demanda alemã por tratamento humano de- vindicação que, nessa fase da história, e especiahnente no
cente: a administração devia tratar polidamente os traba- contexto de uma sublevação revolucionária, transcendia o
lhadores. De diversos locais vieram protestos contra as de- quadro da ordern estabelecida. Ern Petrogrado, logo após o
duções arbitrárias dos saiários na forma de multas. Outras levante, os comitês de fábrica exigiram que a administração
reivindicações eram muito simples e concretas: que a admi- os reconhecesse e lhes conferisse o direito de controlar a
nistração deveria fornecer água fervente para a alimenta- contratação e a demissão de trabalhadores, bem como ou-
ção, instalar cantinas e banheiros eproporcionar ferramen- tros aspectos da disciplina interna da fábrica. A principal
tas, ao inyés de fazer os operários trazerem as suas pró- motivação dos operários, sobretudo de início, parece ter
prias. J2 sido a segurança do trabalho: eles pretendiam manter as
Com relação aos temas políticos, os trabalhadores es- fábricas em operação e controlar as admissões e dispensas
tavam a princípio hesitantes e divididos sobre a continua- com o objetivo de proteger os seus próprios empregos." Nas
ção da guerra. O apoio ao governo provisório era no mínimo fábricas dos Estados Unidos contemporâneo o controle da
relutante. Os trabalhadores percebiam a queda de Nicolau disciplina e da contratação de pessoal é dividido entre a
II como a abertura da questão da forma geral do governo, administração e os sindicatos. Trata-se de um tema sensí-
que deveria ser alguma espécie de república. Embora mui- vel, mas que hoje pode ser resolvido dentro do quadro geral
tos operários quisessem apressar a convocação da Assem- de uma economia capitalista. Na Rússia revolucionária de
bléia Constituinte, eles não viam a tarefa desse corpo como 1917 a situação era bastante diversa. A administr.ação en-
determinando as formas gerais da nova ordem política. Ao carou tais demandas como uma intromissão intolerável em
contrário, ele deveria funcionar. 33 De modo geral, o im- suas prerrogativas. Do lado dos trabalhadores, houve sus-
pulso geral dessas demandas, como observa Marc Ferro, peitas justificáveis de que a administração nutria intuitos
era aprimorar as condições de trabalho, e não transformá- con tra -revolucionários.
las. Mais uma vez, vemos que a idéia que tinham os tI'aba- O temor dos operários face ao fechamento das fábricas
lhadores de uma sociedade adequada (uma idéia que de não era imaginário. Entre a irrupção do levante de fevereiro
forma alguma se limitava aos operários) era a da ordem e o mês de julho, 568 empresas foram fechadas, colocando
presente com seus traços mais desagradáveis atenuados ou 100 mil trabalhadores na rua. À época da Revolução Bol-
banidos. Mas naeufo.ria característica da primeira fase de chevique haveria 800 firmas fechadas." Os comitês de tra-
uma revolução, quando tudo parece subitamente ao al- balhadores e os administradores culpavam uns aos outros
cance da mão e a aura de inevitabilidade parece repenti- por essa situação, que se devia fundamentalmente à conti-
namente se evaporar, os trabalhadores russos dificilmente nuação da guerra. Enquanto isso, ambos os lados procura-
estariam com disposição a esperar. Suas reivindicações vam ganhar as vantagens ele um poder que eslava simples-
eram limitadas e concretas. Mas tinham que ser atendidas,

(34) Ferro, Russiall Rel'olution, p. 121-


(32) Todos esses dados foram extraídos de Marc Ferro, The Russian Re- (35) Feno. RlIssúm Rel'olutioli, pp. 116-117; Avrich, "Russian-Factory
volutionofFebruary1917. pp.113-115. Committces", pp. 162-164.
(33) Ferro, Russiun Rel'olulfol/, pp. 117-119. (36) Avrich. "Russian Factory Committees", p. 170.
508 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 509

mente deixando de existir. Em um certo número de casos, rios. Mais do que isso, eles se orgulhavam de sua disciplina
após uma breve disputa, os comitês de fábrica expulsaram e organização, de sua capacidade de dirigir e orquestrar
os patrões e os dirigentes técnicos, removendo-os das pre- uma revolução quando quer que uma situação favorável pu-
missas num carrinho de mão. Então, procuravam operar a desse ocorrer. A situação era favorável, e sabemos que eles
empresa por si sós, enviando delegados aos comitês-irmãos conseguiram sucesso. Mas até onde foi importante para seu
em outras empresas, à busca de combustíveis, matérias-pri- sucesso a sua alardeada capacidade de organização?
mas e auxílio financeiro. Embora alguns comitês se vanglo- Se se observa com cuidado a seqüência dos aconteci-
riassem de manter, ou até mesmo, em poucos exemplos, mentos, só se pode concluir que essa capacidade desempe~
elevar o nível de produção, o efeito geral foi a intensificação nhou um papel mínimo, se é verdade que teve alguma im-
da anarquia de produção já criada pela guerra e pelo contí- portância. Mesmo a participação pessoal de Lênin limitou-
nuo colapso dos transportes. 37 Mesmo deixando de lado a se a forçar a decisão de tentar uma insurreição face a uma
questão de sua falta de conhecimentos técnicos e adminis- liderança bastante relutante, que se afastava de sua estraté-
trativos adequados, os comitês individuais em cada fábrica gia em pontos cruciais. Durante uma parte importante da
não podiam ter organizado a produção. Não havia forma de insurreição ele esteve completamente sem contatos com
coordenar as atividades das fábricas específicas na ausência aqueles que a lideravam. Em suma, o armamento organi-
de incentivos efetivos do mercado ou de controles burocrá- zacional naquela conjuntura foi basicamente um mito.
ticos centralizados. Essa forma de controle operário estava Até onde pode ser avaliado, o movimento de opinião
fadada a produzir o caos. Mas o caos e o esmagamento do nas grandes cidades favorecia os bolcheviques. Na altura do
que tinha sido deixado do sistema capitalista era exata- verão de 1917, os bolcheviques tinham superado os men-
mente' o que Unin buscava promover após o seu retorno à cheviques, tornando-se o partido mais influente. 39 Em se-
Rússia, em abril de 1917. Ã medida que a situação se dete- tembro, os primeiros conquistaram maioria no soviete de
riorava, o Partido Bolchevique recolhia os louros, não ape. Petrogrado. Pouco depois Trotski foi eleito seu presidente: 40
nas aumentando o seu número de membros como também . Em Moscou, as eleições para os comitês dos distritos mos·
obtendo o controle dos comitês de fábrica. Unin passou a traram uma ascensão sensacional de 11 para 51 por cento,
vê-los como "os órgãos da insurreição" que não deveria entre julho e ou.tubro. em benefício dos bo1cheviques, ao'
ocorrer antes de setembro ou outubro. 38 passo que os mencheviques caíam de. 12 para 4 por cento. 41
Assim, embora o estado de espírito dos trabalhadores Por volta do final de julho, isto é, mesmo antes de o
estivesse em março bastante distante de uma disposição a surto de crescimento dos bolcheviques ter-se tornado apa-
suportar uma segunda revolução, agora socialista, seu com- rente, Unin chegara à conclusão de que o Partido Bolche-
portamento defensivamente orientado tinha contribuído vique devia tomar o poder pela força. Neste ponto, ele des-
para uma atmosfera de insurreição. Tudo isso também cartava os sovietes como órgãos para a consecução do poder
ocorrera na Alemanha, mas no quadro de um equilíbrio proletário, principalmente porque o soviete de Petrogrado
bastante diferente das forças políticas. Enquanto isso, os tinha apoiado represálias contra os bolcheviques recente-
bolcheviques constituíam o único partido abertamente com- mente, face a um levante prematuro e aparentemente es-
prometido com uma revolução socialista. Bem antes de ou-
tubro tinham conquistado ampla influência entre os operá-
(39) Robert V. Daniels. Red October.' The Bolshel'ik Revolution of 1917,
p.34.
(37) Avrich, "Russian Factory Committees". pp. 171-172. (40) Leonard Schapiro, The Origin of the Commullist Autocracy, p. 54.
(38) Avrich, "Russian Factory Committees", pp. 173-174. (41) Chamberlin, Russiall Revolution: 1917-1921, vo1.1, p. 279.

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INJUSTiÇA 511
510 PERSPECTIV AS GERAIS
permaneceram no papel. A reunião que, de acordo com vá-
pontâneo no início daquele mês. 42 A partir de então, pas- rios relatos, decidiu-se finalmente pelo levante teve lugar a
sando pela sublevação vitoriosa de outubro (7 de novem- 10(23) de outubro, após o retorno de Lênin a Petrogrado e
bro), Lênin iria manter uma atitude de impaciência hostil seu ocultamento em outro esconderijo. Do seco registro da
frente aos sovietes, argumentando repetidamente que era reunião fica nítido que Lênin tinha ainda pela frente uma
tarefa dos bolcheviques tomar o poder como vanguarda do luta penosa para persuadir seus companheiros a adotar o
proletariado. Apresentados ao fato de uma tomada do po- princípio da insurreição no futuro imediato. Ele venceu a ba-
der revolucionário e bem-sucedida, insistia :Lênin, os sovie- talha por dez votos contra dois. Para sua fúria, a oposição de
tes endossariam e sustentariam de bom grado a vanguarda. Kamenev e Zinoviev logo vazou, tornando-se assunto de de-
Talvez para a sorte da causa bolchevique, Trotski, que de- bate público na imprensa. Em todo caso, de acordo com
sempenhou um papel mais ativo na tomada de decisões con- Trotski, "nenhum plano prático de insurreição, mesmo hi-
cretas durante o levante, seguiu uma política diferente de potética, foi esboçado na sessão de 10 de outubro". 4'. Estra-
tentar fazer com que a insurreição aparecesse como uma nha conspiração na qual os conspiradores não podiam che-
defesa dos sovietes contra os planos reacionários. 4' Embora gar a um acordo entre si, não eram capazes de guardar seus
essas diferenças entre líderes tão destacados como Lênin e segredos e de fazer planos concretos para aquilo que preten-
Trotski dificilmente confirmem a noção de uma organiza- diam efetuar.
ção revolucionária monolítica e disciplinada, pelo menos Outros encontros inconclusivos da liderança bolchevi-
elas parecem ter auxiliado os bolcheviques a atingir seu ob- que tiveram lugar a 15 (28) e a 16 (29) de outubro, cujos
jetivo. O mesmo não ocorreu com outras disputas no seio da detalhes deixo de lado exceto para mencionar que os relatos
alta liderança. sobre o moral revolucionário e o estado de preparação, vin-
Lênin iniciou sua campanha a favor de uma insurrei- dos de várias partes de Petrogrado, estavam longe de ser
ção ativa a partir de Helsingfors, onde estava escondido, tranqüilizadores. 46 Até 17 (30) de outubro, os bolcheviques
com cartas ao Comitê Central. Estas chegaram a Petro- não tinham realizado nenhum preparativo real para o le-
o grado a 15(28) de setembro; seu efeito foi a surpresa e a cons- vante. Neste sentido, Unin aparentemente não conseguira
ternação. 44 Ainda que Unin tenha conseguido convencer atingir seu propósito. Trotski o visitou no dia 18 (31); de-
em tempo um número suficiente de membros do Comitê pois disso, até onde registram as fontes. ninguém esteve
Central a votar as resoluções em favor da insurreição, elas com ele. Unin permaneceu em seu apartamento, distante
do centro da cidade e sem contatos com os acontecimentos
por toda uma semana. 47 Quando emergiu mais uma vez
(42) Schapiro, Communist Autocracy, pp. 48-49; para o primeiro levante, para assumir o comando, a insurreição estava em seu ponto
verpp.41-42. alto e os bolcheviques já tinham a maior parte da cidade
(43) Schapiro, Commlmist Autocracy, pp. 52-53; Daniels-, Red October.
pp. 101-103. Nem Lênin nem Trotski seguiram essa política com abspluta rigidez.
Posteriormente Lênin iria reviver por breve tempo o lema "todo o poder aos sovie-
tes" como pal;;\Vra de ordem para a insurreição imediata. Ver Schapiro, Commu-
nist Autocracy, pp. ~8-59. A posição de Trotski é de alguma im'ma mais difícil (45) Daniels, Red October. reproduz (PP, 74-79) a maior parte da minuta
de definir. Parece razoavelmente claro que, em oposição ,a Lênin, ele pretendia da reunião e tece considerações sobre o vazamento (pp. 97-99); há um relato mais .,

adiar a insurreição até que o Congresso dos Sovietes pudesse decretar-se no poder. breve sobre este último fato em Schapiro. Communist Autocracy, pp. 59-61. I:'
Mais tarde, no curso de sua luta contra Stalin, ele procurou apresentar-se como (46) Daniels, Red October. pp. 92-96; mais detalhes sobre os relatos em.
um leninista. alegando que seu discurso sobre esperar pelo Congresso dos Sovietes Schapiro, Communist Autocracy, p. 55.
fora meramente um disfarce para iludir os inimigos do partido. Ver Dnniels, Red (47) Daniels, Red October, pp. 98. 106. O autor talvez exagere as evidên-
October, p. 104. cias ao defender que Lêniu caíra em profunda depressão. ,I
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(44) Daniels, Rcd October, pp, 53-54.


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513
INJUSTIÇA
512 PERSPECTIVAS GERAIS

sob controle. 48 Somente então, nas primeiras horas de 25 de. ,.........,. golpe militar direitista liderado pelo generai Kornilov, que
outubro (7 de novembro), a insurreição passou à ofensiva. 49 ;j.'i;i!)t{)\K alienaram o que ainda restava de apoio moderado ao go-'
Com tamanhas relutância e confusão, para não dizér ?)~'ô;'M' verno.
má preparação pura e simples, é razoável se peTgu-·~··;l;9,t) A este respeito é importante reconhecer que a insurrei-
ção não assumiu a f01'ma de multidões de trabalhadores
como a insurreiçã.o efetivamente chegou a se iniciar,
falar em seu sucesso. O relato detalhado dos eventos, acorrendo às ruas (armados ou não) para atacar os pontos
Tecido de forma mais compieta por Daniels, fornece,
de resistência do governo. Ao contrário, ela configurou sim-
minha perspectiva, tais respostas. A insurreição principiou plesmente uma mudança de guardas em frente a uma série
como um movimento defensivo contra um ataque preemp- de edifícios públicos, em geral com alguma discussão ou
tivo por parte de Kerenski e do Governo Provisório, Que pequena e insignificante resistência. 51 Exceto pelo assalto
puderam tomar conhecimento da perspectiva de um ao Palácio de Inverno, parece ter ocorrido apenas um epi-
bolchevique nos jornais, mesmo se não o soubessem por sódio de luta ativa. 52 Por ocasião do ataque ao Palácio de
Inverno, o último refúgio do Governo Provisório, o restante
tras fontes. A sublevação teve sucesso basicamente porque:
não havia qualquer força efetiva do lado do Governo Pro-:!' da cidade estava em mãos dos bo1cheviques e a questão já se
visório. Existiu certamente um grau limitado de prepara- decidira. Mesmo este assalto produziu não mais que algu-
mas baixas e o seu resultado foi realmente conseqüência do
ção. Trotski obtivera armas para os Guardas Vermelhos
(trabalhadores com um nível absolutamente mínimo de trei- abandono por parte de seus defensores de uma causa que se
namento militar) e tratou de assegurar a neutralidade da tornara claramente sem esperanças.
guarnição de Petrogrado através de uma combinação de le-
ci que Unin fez (e isso é muito importante) foi acima
de tudo impor a idéia geral de insurreição. Então, quando
galidade soviética e recurso ao temor das tropas de serem,
enviadas à frente de guerra. 50 Mas isso foi relativamente. alcançou o quartel-general revolucionário no Smolni, no dia
do levante, ele forçou o movimento à ofensiva e velou para
fácil, pelo menos em comparação com o levante de feve- .'
reiro. Os mat:inheiros, que também desempenhariam papel que fosse levado a uma conclusão, que OS guardas fossem
mudados nos pontos de resistência. Tudo isso constituía a
relevante, praticamente não necessitavam de persuasão.
Muito mais importante que o poderio de organização dos mais elementar estratégia e' tática revolucionária, embora
bo1cheviques foi a debilidade do Governo Provisório. Tal dificilmente do tipo retratado por historiadores e estudiosos
debilidade se devia à sua incapacidade ou indisposição para . da revolução, simpáticos ou hostis à causa comunista. Atra-
pôr um fim à guerra, resolver a questão da terra e trazer vés dos anos, Unin pode ter criado OS fundamentos para a
suprimentos às cidades, bem como a acontecimentos mais organização revolucionária. Foi deixado às gerações poste-
imediatos, tais como o recente fiasco de uma tentativa de riores de revolucionários que pusessem a idéia à prova -
mudando- a de forma a criar uma coisa que Unin não po-
deria reconhecer. Se a relevância de um partido revolucio-
nário revela-se tão dúbia na Rússia dessa época, parece
(48) É revelador que Lênin tenha sido obrigado a solicitar permissão para
deixar o apartamento por duas vezes, fi fim de encontrar-se com os líderes no
Instituto Smolni. Após duas recusas, ele simplesmente saiu por iniciativa própria, (51) Daniels. Red October, pp. 162-164, 177. Em suas justamente cele-
acompanhado por um guarda-costa, seguindo de bonde e a pé. Além dos riscos v
bradas anotações e impressões de primeira mão, N. N. Sukhano , Zapiski o Re-
que ele podia correr. os líderes no Smolni talvez temessem sua disposição a frus-
voliutsii, vaI. 7. p. 224. o autor salienta cornO houve pouca ação de rua ou de
trar seus planos de esperar pelo Congresso dos Sovietes. Ver Daniels, Reei Deto- massas. Em seu enfoque, praticamente nada havia que os trabalhadores e solda-
ber. pp. 157·158, 161-162.
(49) Daniels, Red Oetober, pp. 156, 161. dos pudessem fazer.
(52) Chamberlin, Russioll Revolutioll: 1917·1921, vol. 1, pp. 315-316.
(50) :ç.aniêls, RedOetober, pp. 111. 128-131.
SI""'
PERSPECTIVAS GEHAIS

ainda menos provável que a ausência de um partido revo-


lucionário bem organizado na Alemanha de 1918 tenha sido
uma causa importante do fracasso da revolução.
Para concluir, os trabalhadores industriais efetiva-
mente proporcionaram na Eússia a base. urbana mais im-
portante para a vitória das forças revolucionárias. Isso
deixa de ser verdadeiro. ainda que en1 vários locais os tra~ CAPITULO 11
baihadores fabris constituíssem a minoria da população ur-
bana. (EtnMoscou, onde eram minoria cerca de um quar-
;;;~~~~,f~ A supressão
to da população da cidade, ocorreu uma breve e sangrenta
batalha Por ocasião do levante bolchevique.) Se os inimigos de alternativas históricas:
urbanos da revolução tivessem sido capazes de unir e orga-
nizar a si próprios, eles podiam ter derrotado ou esmagado Alemanha, 1918-1920
a sublevação nas cidades. Mas em algum momento eles te, ..
riam de acertar as contas com a revolução camponesa. A
recíproca também é verdadeira. As experiências revolucio-
nárias subseqüentes na China, no Vietnã e em Cuba mos-
tram que uma revolução com sua base principal no campo Algumas considerações gemis
não pode impor uma política revolucionária a toda a socie-
dade até e a menos que possa ganhar o controle das cida- Em vários pontos deste livro veio à luz a sugestão de
des, algo que terá de fazer com um exéFcito em vez de um que eventos históricos específicos não tinham necessaria-
partido revolucionário. Ê o estado do exército, de exércitos mente que se desenrolar da forma como o fizeram; que a
em conflito, e não o da classe trabalhadora o que tem deter- história pode amiúde conter possibilidades e alternativas
minado o destino das revoluções do século XX suprimidas que permanecem ocultas ou indistintas pela vi-
são enganadora da abordagem retrospectiva. Houve tam-
bém observações ocasionais, embora menos freqüentes, so-
bre os limites do determinismo na sociologia e em outros
modos de estudo das questões humanas. Nesta altura, a
análise atingiu um ponto em que está mais do que na hora
de enfrentar estes ternas diretamente. Uma vez que a noção
de possibilidades históricas suprimidas, com suas tonali-
dades de responsabilidade moral por oportunidades per-
didas de criar uma ordem social menos cruel e repressiva,
reúne as questões de uma maneira razoavelmente satisfa-
tória, poderemos ater-nos a ela. Se tal noção ultrapassa o
caráter de mero artifício retórico para desencadear emoções
morais agradáveis (por exemplo, a condenação de todas as
instituições sociais existentes, a glorificação rom&ntica de
qualquer luta violenta contra a autoridade), deve ser pos-
sível mostrar em alguma situação histórica concreta o que I
-~--- -.-.~----- - '~ii!i[:ífjli!\~;Jf' ____ .____ -..----,.__._--.......-.~"."c••_~., t
516
PERSPECTIV AS GERAIS INJUSTIÇA 517

era possível e por quê. Isto quer dizer o ordenamento das Outra reflexão valiosa provém da consideração dos há-
evidências, a criação e a colocação à prova de um argu- bitos e práticas de trabalho dos historiadores. Até onde
mento, da mesma forma que se procede para explicar qual- existam efetivamente as alternativas históricas suprimidas,
quer modo de comportamento humano. elas têm, evidentemente, graus diversos de existência. Em-
Assim, a empresa requer um esforço de análise de um bora isto possa parecer filosoficamente profundo e descon-
segmento da história a fim de explicar por que alguma coisa certante, eu não considero que realmente o seja. Para men-
não ocorreu e de es'tabelecer o significado da causas ou con- cionar o exemplo que estamos para examinar, nem mesmo
junto de causas. É esta a região na qual nos preparamo!> o mais vigoroso oponente da inevitabiiidade histól'ica pode-
para entrar: como diz o ditado, uma área para onde acor- ria alegar que a sociedade alemã de 1918 poderia voltar aos
rem muitas trilhas e de onde há poucos caminhos de saída; tempos da cavalaria e da servidão. Mas a possibilidade de
Para aqueles que se mostram profundamente céticos sobre uma bl'echa para alguma variante de socialismo ou de capi-
o conjunto da empresa, há pouco a oferecer à guisa de jus- talismo liberal, mais estável e humana que a seqüência da
tificação geral. Não faz muito sentido debater o estatuto República de Weimar e do regime nazista, não é tão fácil de
lógico e ontológico de um' camelo com alguém que tem gra- descartar. Parece óbvio que os fatos existentes limitam a
ves dúvidas sobre a própria existência do animal: é melhor gama de alternativas possíveis. Assim, as alternativas su-
mostrar ao cético um camelo real. Neste caso, porém, esta é primidas devem ser alternativas concretas e específicas a
uma tarefa impossível. Não é possível oferecer uma 1?rova situações particulares. Uma boa parte da tarefa de qual-
irrefutável da existência de uma alternativa histórica supri- qner investigação empírica será determinar a medida em
mida. Por outro lado, é igualmente impossível provar que que uma dada situação realmente estava aberta: mais preci-
qualquer situação dada tinha que Se desenvolver da forma samente, que fatos limitavam o,âmbito de opções dispo-
como o fez. Há bastante espaço neste intervalo para um.a níveis àqueles homens e mulheres cujo comportamento in-
análise séria cujo resultado tem conseqüências igualmente fluenciou 'poderosamente o curso dos acontecimentos.
sérias para a vida real. O termo "determinar" insinuou-se inevitavelmente na
discussão. O que ele pode efetivamente significar? A res-
A relutância do historiador em engajar-se num debate posta dificilmente pode ser uma questão de gramática ou de
sobre por que alguma coisa não aconteceu é, sem dúvida, emprego comum da língua inglesa. Ao contrário, ela exige
compreensível. Os historiadores sentem justamente que já explicitar, ainda que brevemente, uma posição sobre os
têm trabalho suficiente na explicação do que aconteceu efe- conhecidos e espinhosos temas do determinismo e da res-
tivamente. Entretanto, qualquer _explicação daquilo que ponsabilidade moral ou política. Para colocar a questão de
realmente teve lugar co nota uma explicação. de por que ou- maneira simples, como pode um ator histórico - amplo ou
tra coisa deixou de ocorrer. Se os revolucionários fracas- pequeno, individual ou conjunto, como os trabalhadores
saram em tomar o poder, deve haver razões para seu fra- alemães - ser politicamente responsável por suas ações se é
casso e evidências que sustentem estas razões. De tal modo, também verdadeiro que elas têm causas definidas? O con-
até onde posso ver, os historiadores têm que empregar al- ceito de causalidade deve ser completo e consistente. As no-
guma concepção de possibilidades históricas suprimidas, ções de determ.inismo e responsabilidade não podem ser
quer queiram ou não. Por si só, esta consideração me pa- trazidas ou levadas de uma discussão simplesmente para
rece suficiente para tornar a empresa intelectualmente res- sustentar uma conclusão predeterminada. Como salientou
peitável, embora eu não tenha a intenção de lançar a carga Max Weber, ao discutir o determinismo marxista, não se
aos ombros de outrem.
j trata de um táxi que se pode pegar ou abandonar sempre

-'.,'l."".W!I'o-"'.·."T(«"..<<I:\'
518
PERSPECTlVAS GERAIS
INJUSTIÇA 519
que se queira. Parece, portanto, que a responsabilidade
moral é incompatível com o determinismo. I causalidade histórica tão longe quanto existam Tegistros. A
Consideremos, em primeiro lugar, o conceito de deter- história da tecnologia e/ou das idéias oferece suficiente tes-
minismo. Até onde posso ver, a tese de que tudo no uni- temunho factual para este ponto de vista familiar. Embora
verso tem causas ou um conjunto de causas parece impro_ nosso entendimento do processo seja muito imperfeito,
vável porque a prova pressupõe a onisciência. Cientistas e existem evidentemente razões pelas quais as idéias particu-
especialistas não precisam realmente desta assunção COIUO lares ingressam na corrente no momento em que o fazem, ou
pressuposto de suas investigações. Tudo que necessitam é deixam de fazê-lo. Mas isso é o que o investigador busca des-
um palpite de que possa existir uma relação entre os mate- cobrir, não o que ele deve tomar como pressuposto. Assim,
riais que se preparam para examinar para então se lança- a idéia' de responsabilidade moral ou política significa mera-
rem.a descobrir se ela realmente está presente e qual po'de mente que a aplicação do esforço e da inteligência humanos
ser. Ê importante ter em mente que pode não existir ne- podem fazer diferença nas questões. humanas. Que tipo de
nhuma relação ou que esta pode ser muito débil. (Podemos. diferença, eis o que é preciso descobrir. Tal responsabili-
recordar aqui as questões muito marcadas do papel da raça dade, para colocar o problema de uma maneira ligeira-
e da inteligência herdada.) Afinal, é possível encontrar mente diferente, pode ter tanto callsas como conseqüên-
"evidência" para quase toda explicação e, por si só, a teoria cias. Em cada caso determinado, trata-se de desvendar
não fornece nenhuma saída desta armadilha. A fértil imagi- quais foram elas.
nação humana permite· inventar teorias com ampla liber- Embora seja difícil tomá-lo como universalmente per-
dade. Assim, no processo real de pesquisa, o conceito geral suasivo, este esforço para combinar a idéia geral de respon-
de determinismo desempenha um papel bastante secun- sab'ilidade de pessoas e grupos com as noções de causali-
dário, se é que tem alguma função. Como tal, ele não pa- dade determinada deverá ser suficiente para propósitos
rece constituir um impedimento ao tipo de investigação operacionais. Além 'disto, se a responsabilidade moral tem
proposta aqui. .
algúm significado, ela deve indicar que os seres humanos
Para conservar a noção de responsabilidade moral e são responsáveis por aquelas conseqüências de atos e de-
política não parece necessário, porém, abandonar o con- cisões que nas circustâncias reais da época estas pessoas
ceito de determinismo ou, como prefiro, de causalidade deviam estar aptas a antever. A responsabilidade moral de-
universal. Aqui também as questões me impressionam co .. ve, portanto, ser tornada historicamente específica e incluir
mo basicamente factuais, embora eu tenha encontrado for- uma afirmação do nível de conhecimento e juízo dispo-
te discordância com este ponto devista. A causalidade uni- níveis a atores históricos específicos. De modo bastante
versal não exclui a idéia de que algumas causas possam ser claro, tal será um importante aspecto da investigação que
mais importantes que outras e que a importância relativa nos preparamos para iniciar.
das causas possa mudar. Parece razoavelmente claro que os Estas considerações nos trazem de volta ao conceito de
resultados da inteligência e dos esforços humanos têm cons- possibilidades históricas suprimidas e à questão central que
tantemente se introduzido e transformado a corrente de irá, evidentemente, exigir uma resposta: quem são as pes-
soas que operam a supressão e por que elas o fazem'! 2
(1) Robert Paul Wolff, The Autonomy of Reasoll: A Commentary Oll
Kalll's GroUlldwork oftlle Metaphysic ofMorals, apresenta nos dois últimos capí- (2) Trata-se de um tema recorrente na obra justamente célebre de E. P.
tulos uma intransigente colocação desse problema e conclui que a famosa reso- Thompson, The Making of lhe English Working Class, até onde sei o único
lução de Kant é insustentá.vel. trabalho importante de autoria de um estudioso moderno, ao mesmo tempo rica
em evidência factllul e que toma seriamente a idéia das alternativas históricas.
Embora explícilo, o tema não é aí sistematicamente desenvolvido. Não se trata de
520
PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 521

No restante deste capítulo, explorarei a tese de que, na grar com o colapso do sistema imperial. Não há motivo
Alemanha do imediato pós-Primeira Guerra, devem ter para manter segredo sobre o fato de que minhas inclinações
existido as condições que tornavam possível algum tipo de políticas caminham no mesmo sentido pelas mesmas razões
brecha liberal que resultasse em um regime mais estável gerais. Mas, se se começa com a alternativa socialista, a
que aquele que, numa década e meia, iria sucumbir a Adolf técnica de investigação permanece a mesma. As questões a
Hit1er. É U!na tese sugerida, mas não siste.maticamente dê- serem levantadas são fundamentalmente semelhantes e in-
senvolvida nas obras históricas da Alemanha recente que se cluem: 1) nessas circunstâncias especificas~ que passos con-
fazem portadoras de uma visão crítica da apologia padrão cretos tal politica iria implicar? 2) quais eram os obstá-
ao SPD; que em 1918. a única escolha Se dava entre uma culos à sua efetivação? Tratava-se de obstáculos reais ou
ditadura revolucionária opressiva do proletariado ou uma imaginários? Como podemos dizê-lo? 3) em que recursos da
aliança com a velha ordem. Embora uma análise crítica de ordem social existente tal política podia se basear? O que
tal tese forneça um valioso conjunto de questões em torno sabemos sobre o funcionamento ou o não-funcionamep.to de
das quais Se pode organizar grande parte do material dis- dispositivos institucionais e a situação e as predisposições
ponível, a demolição dessa tese específica _ ou de qualquer de vários setores da população durante esse periodo que nos
outra - não é o objeto da pesquisa. poderiam habilitar a delinear inferências convincentes so-
Em vez disto, colocam-se dois objetivos positivos. O bre essa politica? 4) se houver evidência suficiente para sus-
primeiro é buscar os tipos de argumentos que possam sus- tentar a visão de que a politica era, na verdade, viável, por
tentar a tese de que a alternativa liberal era viável. Não se que ela não foi adotada? Ninguém no poder pensou nessa
trata de um exercício de lógica abstrata. Buscarei também possibilidade e, se é este o caso, quais são as razões para tal
examinar as evidências relevantes, ainda que tal exame difi- aparente fracasso? Se aqueles que estavam afastados das
cilmente possa Ser exaustivo. Um especialista em história alavancas do poder efetivamente pensarem em tal politica,
alemã pode facilmente notar aspectos importantes que des- por que sua posição era tão fraca?
cuidei ou compreendi de forma equivocada. Um fato bené- Existe certamente o risco de talhar as evidências para
fico, pois significa que as evidências concretas eram rele- adaptá-las a preconcepções, uma possibilidade presente em
vantes para a análise. Através do artifício de explorar estes todas as formas de pesquisa. Neste caso particular, o prin-
argumentos, será possível - e este é o segundo objetivo _ cipal risco talvez seja o de fazer os movimentos radicais e
lançar uma nova luz sobre as capacidades e limitações dos revolucionários parecerem franzinos e "manuseáveis" em
trabalhadores industriais alemães, em seus esforços para certos momentos históricos e bastante formidáveis em ou-
estabelecer uma sociedade mais justa e humana nesta im- tros. Mas, felizmente, as preconcepções e as preferências
portante conjuntura histórica.
dos pesquisadores diferem entre si. As conclusões a que eles
A opção por uma alternativa liberal, em detrimento de chegam podem ser cotejadas com as evidências; o compo-
uma socialista, repousa na visão de que a primeira era, ao nente factual nas respostas às questões acima mencionadas
mesmo tempo, mais próxima das possibilidades reais na- é suficientemente amplo para impor no momento propicio
quele momento e, enquanto conjunto de dispositivos insti- uma larga área de concordância. Os historiadores podem
tucionais, apresentava uma promessa lnaior para uma so- concordar e, com efeito, têm concordado em muito mais
ciedade menos repressiva que aquela que acabara de malo- que meras datas e simples fatos. Afinal, a situação na Ale-
manha, entre 1918 e 1920, foi o que foi independentemente
criticá-lo, lima vez que outras valiosas qualidades do livro teriam desaparecido se daquilo que um historiador liberal, socialista ou reacio-
o autOr tivesse acrescentado essa tarefa aos sCllsjã amplos encargos.
nário deseje hoje em dia que ela tivesse sido.

-------- -- _._-----
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522
PERSPECTIVAS GERAIS
INJUSTIÇA 523
Estas observações preliminares são, espero, suficientes
para estabelecer a legitimidade intelectual da tarefa em que verno não pudesse contar C0111 uma Íorça confiável à sua
nos preparamos para ingressar. Entrar nestes temas de for- disposição, ela seria impossível. Se a questão militar - na
ma mais completa poderia significar o risco da especulação verdade, uma questão policial naquele momento - não
polêmica vazia. De todo modo, alguns deles irão brotar ou- pudesse ser resolvida de alguma forma favorável ao estabe-
tra vez no curso da interpretação dos acontecimentos con- lecimento de um regime liberal, não havia perspectiva de
cretos, onàe então será mais fácil deixar clara sua impor. resolver as outras. Dln governo que não pode ordenar a
tância. A fim de evitar possíveis mal-entendidos, faz-se obediência não é efetivamente um governo e desaparece ra-
necessário afirmar explicitamente uma limitação adicional pidamente da cena. Um governo que não leva em conside-
quanto à natureza da tarefa tentada aqui. Não se trata de ração a forma em que obterá e utilizará a força deixa passar
provar um ponto. Qualquer pessoa que se interesse seria- a oporlunidade de determinar suas próprias políticas.
mente pela história da Alemanha durante este período exi- Como se tem salientado com freqüência, o governo de
giria, com toda a probabilidade, evidências detalhadas que Ebert praticamente nada fez para reformar ou controlar a
ignoro e cuja apresentação seria impossível dentro do qua- burocracia e o sistema judiciário. Em ambas estas instân-
dro deste livro. Ao contrário, trata-se de um esforço para cias, os sentimentos anti-republicanos e reacionários guar-
explorar todo tipo de argumento possível de ser constrúído dariam um poderoso impacto sobre a política governa-
c<;>m base nas informações prontamente disponíveis, a mental. A tática de aquiescência do SPD, em nome da lei e
maior parte das quais foi apresentada nos capítulos prece- da ordem, e da restauração da economia,3 acabou sempre
dentes: verificar onde o argumento parece sustentável e prevalecendo. Neste sentido, a política militar não consti-
onde estão seus pontos frágeis, a fim de aprender, por meio tuía uma exceção. Mas, se uma política mais vigorosa ti-
deste procedimento, alguma coisa mais sobre as limitações vesse que existir, ela teria que começar com os militares
e as possibilidades políticas inerentes a um exemplo histo- para ser bem-sucedida. Do contrário, nada mais poderia
ricamente decisivo de indignação moral popular. Tal es- funcionar. Opor-se à burocracia civil e deixar intacto o cor-
forço requer a construção de um argumento de um modo po de oficiais seria uma fórmula obviamente infalível para o
tal. que a refutação seja possível através do recurso à evi- sucesso de complôs contra-revolucionários. Mas se o exér-
dência. Uma vez que a comprovação rigorosa é de todo mo- cito estivesse sob controle, outros elementos pensariam
do impossível, o objetivo mais modesto pode se revelar, es- duas vezes sobre o retardamento indevido na execução das
pero, viável e valioso. políticas governamentais, especialmente se estivessem pre-
sentes fortes sinais de que o novo governo gozava de amplo
apoio popular, como era o caso no início de novembro de
Uma não-decisão crucüll: o SPD e o Exército 1918. Se os líderes do SPD realmente não podiam ter feito
mais do que de fato fizeram (o que, na prática, significava
A primeira tarefa de qualquer governo é governar, es- nada) quanto ao controle do exército, então não havia nada
pecialmente se ele é novo. Em novembro de 1918, o governo mais a fazer em relação ao resto.
recente de Ebert principiou procUl'ando usar a autoridade Do ponto de vista da liderança reformista, um impe-
moral do SPD para ultrapassar o abismo entre duas fontes raOvo duplo exigia a aliança com o estado-maior. Um as-
de legitimidade incompatíveis: a autoridade desmoronante
-do regime imperial e a irrupção do protesto popular. Sob
(3) Para um bom relato, ver especialmente as partes 3, 4 e 5 (IL-LXXIl) na
quaisquer condições, não seria uma tarefa fácil. Se o go- intl'odllção de Erich Matthias à coletânea de documentos Die Regienmg der
Vulksú.,.-itlftragten 1918/19.
525
INJUSTIÇA
524 PERSPECTIVAS GERAIS

pecto era o perigo proveniente da esquerda. Os historia- Guerra dos Trinta Anos. Por todas essas razões, conti-
dores inclinam-se a minimizar tal perigo. No capítulo VIII, nuavam os argumentos do estado-maior, era fundamental
ao recapitular o embate entre os reformistas e os radicais, manter o controle centralizado sobre o aparelho e a autori-
apresentei evidências em apoio da visão de que o risco de dade militares no conjunto do país. Para efetuar seu tra-
pelo menos um golpe era bastante real, mas que, por outro balho os militares necessitavam manter a disciplina em suas
lado, o velho exército estava quase totalmente sem eficácia próprias fileiras, o que queria dizer nenhuma interferência
como força de manutenção da ordem. Na verdade, as ten- dos conselhos de soldados e nada de absurdos sobre a elei-
tativas de recorrer a ele podiam ter tornado a situação ain- ção de oficiais por soldados.
Tais argumentos 4 devem ter impressionado a Ebert e
da pior. Um imperativo que não consegue funcionar quan-
do é posto em prática dificilmente pode ser considerado um alguns de seus colegas que, no fundo do coração, eram só-
imperativo real. O outro aspecto era a necessidade de uma lidos cidadãos alemães, ansiosos por fazer o melhor por seu
desmobilização ordeira. Esta ponta dos alegados impera- país. Isso era certamente parte do problema. Mas em que
tivos inerentes à situação exige um exame mais cuidadoso. medida eram válidos esses argumentos? Havia uma ma-
Ainda do ponto de vista dos objetivos do SPD, a des- neira de trazer oS soldados de volta de um modo mais ou
mobilização mais desejável seria.a mais ordeira possível. As menos ordeiro, sem o grau de confiança que o SPD depo-
massas de soldados estavam absolutamente fartas da guer- sitou no estado-maior? A experiência austríaca sugere que
ra e apenas queriam retornar para casa. Trazer as tropas de sim. Ali, o conjunto da desmobilização, planejada para du-
volta era uma das reivindicações mais poderosas do mo-
mento. Nenhum governo que alegasse ter apoio popular rar cerca de dois anos, teve lugar em mais ou menos três
podia se permitir adiar o problema. Ao mesmo tempo, os semanas. Foi um processo espontâneo e, de certa forma,
exércitos alemães ainda estavam basicamente em solo es- desorganizado no qual o Alto Comando desempenhou um
trangeiro. (O que estavam realizando aí, inicialmente, era papel muito pequeno, em parte porque os exércitos aus-
uma questão que, até onde pude notar, não entrou nas dis- tríacos estavam, por ocasião do armistício, em um estado
de desmoralização e decomposição muito mais avançado
cussões entre o SPD e o estado-maior.) Nas fronteiras orien·-
tais e além delas, os combates esporádicos ainda continua- que os alemães. NaÃustria também havia o temor das pi-
riam por algum tempo. Os problemas técnicos devem ter lhagens, ao menos em busca de c"mida, mas ele não se
parecido enormes. As conseqüências potenciais do fracasso materializou, a não ser em uma escala muito localizada. A
dedicação dos encarregados das ferrovias e os trabalha-
em resolvê-los, rápida e satisfatoriamente, também devem
ter-se anunciado como a queda na anarquia e o desastre dores mantiveram os trens funcionando. De acordo com
uma testemunha ocular, os soldados simplesmente dei-
xaram a frente e seus oficiais, acorreram aos trens, que~
para a população alemã em seu. conjunto. O estado-maior
tinha argumentos poderosos e aparentemente realistas a
apresentar: milhões de homens deveriam ser trazidos do braram as janelas para entrar, quando não subiram aos
tetoS. Muitos deles foram derrubados e mortos na passa-
front; era preciso encontrár trens para seu transporte; em
seguida, havia que fornecer suprimentos para alimentá-los;
e, finalmente, era necessário desarmá-los de uma maneira (4) Eu os reconstruí de memória depois de acompanhar as questões mili-
tares, com o auxílio do índice, nos seguintes registros publicados: Matthias, Re-
pacifica. Se as coisas não fossem feitas assim, corria-se o gienmg der Voksbeauftragten, e Eberhard Kolb e Reinha,d Rürup (orgs.), Der
risco de se ter massas de soldados famintos pilhando e sa- Zentralrat der Deutschim Sozialistischen Republik 19.12.1918-8.4.1919. Alguns
queando por conta própria - uma Soldateska selvagem e dos pontos de maior interesse que extrai desse exercício aparecem no capitulo 8
com fome, como a que devastara cidades e campos na acima.

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526 PERSPEcnvAS GERAIS INJUSTIÇA 527

gem dos trens pelos túneis. Em muitos locais houve apenas entender como e por que esses líderes sentiam-se da forma
a suficiente organização de tipo local para desarmar os sol- como aparentemente o fizeram e mesmo demonstrar consi-
dados e lhes fornecer alimentos e roupas, o que manteve a derável simpatia humana por eles, bem como por seus opo-
pilhagem num nível controlável e transitório. lvIesmo os nentes. Mas isso não quer dizer uma aceitação da tese de
campos de prisioneiros de guerra não chegaram a constituir que as circunstâncias eram tais que não havia outra coisa a
motivo de nlaiores problemas. Quando os guardas retor- fazer. Se rejeitaluos essa proposiçFI.O, com base na evidência
naram, os campos simplesmente ficaram vazios. 5 que acabamos de esboçar, temos fundamentos para per-
ti verdade que a Áustria não era a Alemanha. A afir- guntar que tipo de política podia ter apresentado alguma
mativa de Carsten de que "não parece haver muitas dú- chance de sucesso. I:"
vidas: os exércitos alemães teriam marchado de volta em
segurança, vindos da França e da Bélgica, mesmo se essa
movimentação não tivesse sido dirigida pelas autoridades Era possível uma política diferente?
militares" está aberta à contestação. Esta, no entanto, de-
verá apontar para os elementos na situação alemã que fa- Para os líderes reformistas, o problema de manter a
ziam a solução austríaca, ou algo similar a ela, estar fora de ordem e conservar-se no poder era crucial no sentido em
questão. 6 No ponto em que se encontram as coisas, a expe- que se falhassem a este respeito nada mais teriam a fazer. ; ,.
riência austríaca constitui forte evidência a favor da tese de i:
Com efeito, eles quase fracassaram até conseguirem reunir
que uma .solução diferente, e não necessariamente revolu- um instrumento de repressão configurado nos Freikorps.
cionária, teria sido possível para a Alemanha. Não obstante, o problema da ordem doméstica e das re- :'.::
_',I;
Sintetizando o argumento até aqui desenvolvido, há lações com o exército não era de. forma alguma a única
suficiente evidência para apresentar uma forte contestação questão que Ebert e Seus companheiros tinham para de-
à idéia de que Ebert·e aqueles que seguiam sua liderança cidir. Ele fazia parte de um conjunto de questões relacio c
não tinham outra opção exceto confiar no antigo corpo de nadas que, reunidas, significavam decidir que espécie de
oficiais, em benefício de uma desmobilização ordeira e do sociedade o SPD pretendia criar em meio às condições com
mínimo necessário de tranqüilidade interna. 7 Não é difícil que se defrontava e como pretendia estabelecê,la. Assim,
)'
uma política mais vigorosa para o corpo de oficiais teria
exigido uma política completamente diferente no campo
(5) F. L. Carsten, Revolutioll in Central Europe 1918-1919, pp._ 23-26. institucional e no econômico. O conjunto da estratégia teria
(6) A nfirmativa de" Carsten aparece na p. 26. Conforme ele reconhece, a
situação nofront oriental era diferente. NQ final de 1918, tal fato proporcionaria que ser diferente da que foi realmente seguida.
uma razão bem-vinda para acelerar a convocação de voluntários. Sobre este Procuremos, portanto, levantar a questão de qual es-
ponto, as minutas do encontro conjunto do Comitê Executivo c do Conselho de tratégia geral podia ter sido apropriada às circunstâncias e
Representantes do Povo são especialmente reveladoras. Ver Kolb e Rürup, Zell-
tra/rat, documento 28, 3 de janeiro de 1919, espec. p. 193, onde Robert Leinert compatível com os objetivos e pressupostos liberais, ao in- I'
salienta: "Nós não nos deixaríamos intilllidar por um povo de baixa categoria vés dos revolucionários. Por liberais, pretendo apenas des-
como os polacos e não permitiríamos a destruição das grandes conquistas que os tacar a importância dos direitos d~ livre expressão e a pro-
trabalhadores tinham efetuado e que atingiram o seu apogeu na grande vitória da
revolução". As forças polonesas estavam então incl'lIstadas nas áreas de minera- teção contra os abusos da autoridade. Há um sentido em
ção da Silésia. Mas a questão da fronteira oriental não era aguda nas primeiras I
etapas. li.
(7) Um aspecto curioso do conjunto da situação é que, aparentemente, ne- frontalmente com as tradições particularistas dos estados alemães, sobretudo a
li'
nhum líder responsável pensou na possibilidade de criar uma força nacional de Baviera. Mas o governo nfLO hesitou em usar a força militar que foi capaz de
polícia, em vez de usar o exército. Tal proposição teria sem dúvida se chocado reunÍr para sufocar movimentos radicais nos vários estados, em 1919 e 1920. ri'
I
I1
11'
528 PERSPECTIVAS GERAIS
1 1I
•, INJUSTIÇA S29

que a distinção entre liberal e revolucionário tende a se eva- ,I nas posições-chave para controlar as políticas. No caso do
porar, porque os revolucionários de quase todas as convic- I exército, isso teria significado a utilização e a influência nos
ções em geral afirmam que o liberalismo na prática tem I conselhos de soldados, bem como o envio de representantes
}
sido uma fraude que atualmente está superada, e que a sua
revolução é dé todo modo a única via para atingir os obje- rI
com amplos poderes ao Alto Comando. 8
A intervenção, por si só, podia ser apenas um expe-
tivos que os liberais dizem procurar. Não h8_ motivo para diente preliminar, embora fosse essencial. Quanto a isso,
ingressar nesse debate aqui, exceto para lembrar o leitor houve a intervenção na buroeracia adnlinistrativa, ainda
que a experiência histórica vivida depois de 1918, que dá o que fraca e ineficiente. 9Há boas razões para sustentar que
tom de boa parte do debate contemporâneo, ainda não es- "ti
, ' .
as forças da ordem, com ênfase maior na polícia que nos
tava visível no horizonte dos que se preocupavam intensa- militares, teriam que ser construídas com base nas formas
mente com essas questões naquela época,. O problema que l~ tradicionais de disciplina, isto é, sem eleição de oficiais,
se nos apresenta é relacionado, mas distinto:' saber se de mas com o recurso a outros meios que assegurassem a leal-
fato uma "terceira via" era possível em algum ponto entre ~t dade ao governo e a seus princípios gerais. Teria sido tam-
uma aliança na prática com a velha ordem e uma ditadura
revolucionária. Uma forma de descobrir um pouco mais
sobre o problema é estabelecer o que tal política teria signi-
#f t
bém necessário encontrar maneiras de proteger a cida-
'dania contra abusos da autoridade que de modo algum
eram raros sob o regime imperial. Alguns governos liberais
ficado na realidade. Então, e somente então, seria possível tinham enfrentado essas questões de forma bastante bem-
perceber alguns dos elementos da situação que podiam ter t sucedida, embora certamente sem as limitações que se co-
favorecido a execução dessa política, assim como os obstá- , , I.:.' ~
locavam aos reformistas em 1918 e 1919. O esforço, quase
culos que se colocariam a ela. ~ com certeza, teria exigido partir do zero a fim de criar no-
Se os moderados do SPD tivessem que Se estabelecer, r vas organizações; ao mesmo tempo em que as antigas se-
sem depositar pesada confiança no exército e em outros pi- f riam desmanteladas. Não parece difícil concordar que era
lares da antiga ordem, eles deveriam ter adotado medidas f uma tarefa formidável. Mas também parece claro, a partir
econômicas capazes de conter os radicais â esquerda e de, ~ dos registros históricos, que o SPD praticamente nada fez
paralelamente, conseguir algum apoio dos moderados â sua
direita. Isso significava fazer funcionar as engrenagens da
mh (8) Um episódio das negociações-de 9 de novembro de 1918, entre líderes
.'.' '. t'·o'
economia, numa situação de derrota e desorganização, com ( do SPD e o governo do (ütimo chanceler imperial, Max von Baden, sobre a trans~
os aliados assomando rio fundo da cena e controlando al-
gumas das chaves decisivas para o futuro do país, ao lado
." r .
ferência de poder ao SPD, demonstra vivamente como era pequena a inclinação
dos dirigentes reformistas a levar a cabo a questão. A certa altura, Philipp Schei~
detnann afirmou que uma das condições da transferência deveria ser a garantia do
' de um governo revolucionário na Rússia que naquele mo- 12 posto de ministro da Guerra a um social~democrata. Scheüch, ministro da Guerra
mento exercia imenso poder de atração. Ê necessário con- ~ de Max von Baden, recusou de imediato, alegando que tinha de permanecer em
seu posto para cuidar das negociações relativas ao armistício. Isto bastou para
~
ceber, de início, que os obstáculos a qualquer política desse " encerrar a discussão. Nem Ebert nem Scheidemann insistiram. Segundo uma ver~
tipo eram enormes e que qualquer governo, não importa .~ .. são sobre o falo, Ebert chegou mesmo a agradecer ao ministro da Guerra por sua
quão capaz, criativo e enérgico ele fosse, encontraria difi- disposição em continuar no cargo. Ver Matlhias. Regierullg der Volksbeauftrag~
, fen, I, 6, 12 (documentos la e 1c). Embora tal registro seja impreciso, não restam
culdades para superá-los. ~'-
dúvidas sobre a essência da negociação.
N a execução dessa estratégia geral, o governo deveria, (9) Para um relato minucioso do ocorrido, ver Matthias, introdução a Re~
em minha perspectiva, ter tomado as seguintes medidas. gierung der Volksbeauftragten, I, LXVII~LXXII. O resultado foi proteger os bu~
1°'
rocn.\las tradicionais da interferência dos intrusos (os conselhos de trabalha,dores e
Teria sido preciso intervir decididamente nos assuntos do soldados), uma política com relação à qual parece ter existido um acordo tácito de
exército e da burocracia, colocando homens de confiança todas as p::\rtcs, inclusive dos representantes do USPD.

--_.-~-~_ .. _--, -----.-- ------------------


530 PERSPÉCTIVAS GERAIS INJUST1ÇA 531

quanto a esses problemas (na verdade, mal chegou a perce- Ebert e seus companheiros. A, revolta espontânea que se
ber que o problema existia) e que a sua incapacidade em agir propagou a partir de Kiel e a solicitação do armistício por
vigorosamente contribuiu em importante medida para as parte do 'exército 'abalaram os esteios da antiga ordem. Os
suspeitas e desilusões entre os trabalhadores industriais. Se oficiais do exército queixavam-se amargamente da falta de
tal fracasso não criou o radicalislTIO nesses setor:es, sem dúvi- energia das classes médias, queixas que continuariam atra-
da intensificou aquele estado de espírito até um ponto em vés do ano de 1919. Se tivesse sido tentada com vigor, desde
que o SPD somente poderia controlar a situação pela força. o princípio, uma política que seguisse as linhas acima esbo-
No plano das políticas econômica e social, teria sido çadas, dificilmente teriam despertado um risco maior de
necessário que o governo assumisse o controle de alguns provocar um golpe contra-revolucionário da direita. O pró-
setores fundamentais da economia (a mineração era um prio exército, como mostram os acontecimentos anterior-
candidato óbvio, desde que a promessa de que isso podia mente relatados, era, nessa altm:a, um tigre de papel: os sol-
acontecer foi suficiente para acalmar temporariamente os dados não obedeceriam a ordens contra-revolucionárias. li
mineiros no ápice de uma tempestade radical) e concedesse Sem efetivo apoio militar, nenhuma contra-revolução podia
aos trabalhadores uma influência maior sobre as condições alimentar esperanças de sucesso. Com suas políticas, Ebert
nos poços e nas linhas de produção. Arrisco sugerir que e seus colegas criaram nos Ji'reikorps e em setores do velho
não teria sido preciso dar aos trabalhadores o direito de exército o instrumento necessário para a contra-revolução
opinar sobre as decisões básicas relativas aos investimentos do antigo modelo pré-fascista (vale dizer, sem apoio das
e à comercialização, na linha do controle operário pleno. O massas populares), entregando-o à direita numa bandeja de
governo, presumivelmente sensível às pressões populares, prata. Pelo menos alguns dos líderes sindicais da velha es-
poderia manter algumas alavancas de poder nessa área, e cola, como Karl Legien, compreenderam isso à época do
os trabalhadores teriam ganho influência indireta também Putsch de Kapp, quandojá era demasiado tarde.
sobre essas decisões, facilitando que fizessem o mesmo Assim, a velha ordem estava temporariamente fora de
quanto às condições de trabalho. Há inúmeros indícios de combate. Em sua maior parte, os membros "respeitáveis"
que tais políticas, esboçadas aqui na forma mais simples da sociedade procuraram manter-se fora de visão e levar a
possível, teriam colaborado grandemente para conter o vida-uma da.s maneiras que encontraram para aguardar e
apoio a uma solução radical. 10 sobreviver. As classes médias pareciam ter desaparecido da
Na situação da época, em que os social-democratas em arena política até a realização das eleições à Assembléia
parte aceitaram e em parte tomaram b poder, havia diver- Nacional, em janeiro de 1919, ao passo que OS trabalha-
sos fatores favoráveis a tal política, ou que pelo menos pro- dores e suas disputas invadiam o centro do cenário histó-
piciavam mais espaço para manobra que o explorado por rico. Esta é certamente, em parte, uma ilusão de ótica que a
pesquisa recente vem se encarregando de corrigir. Nos cír-
culos de classe média, havia um sentimento bastante gene-
(lO) Todo aquele que pense que as soluções radicais ou revolucionárias
para os problemas da sociedade capitalista foram e são as ünicas desejáveis verá
essas observações como a forma mais grosseira de manipulação sugerida. Há dois
pontos que se pode apresentar em resposta. 'Em primeiro lugar, todas as formas (11) o Alto Comando tinha consciência disso. MesmO antes da abdicaçiiu
de comportamento social, inclusive a revolução, exigem manipulação de algum do imperador. ele chegara à conclusão de que as tropas da linha de frente também
tipo, e a alegação de que a revolução traz melhores resultados está longe de ser não servirialll para reprimir as desordens domésticas e não mais apoiavam o Kai-
provada. Em segundo e mais importante a este respeito, o que está em debate é se ;' ~~. ser, Ver sobre este ponto Matthfas, Regierung der Volksbeauftragten. I, 13 (do-
uma política liberal de esquerda podia terencontl'udo sucesso. Saber se se admira cumento le), Evidentemente, o Alto Comando necessitava dos sodal-rlem~H:ratas
ou detesta tal política não tem sentido em tal avaliação, mais ainda que estes daquele.

==~",===~=~========~---------~:;'(~~~::':;;;.,.
1

532 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTiÇA 533

I
ralizado de que modificações estruturais agudas na ordem havia claros limites à· socialização da indústria - admiti-
social e econômica eram inevitáveis, e que estas deveriam elamente uma condição muito difícil de estabelecer à luz elo
ocorrer no sentido geral de conferirem maior poder às que os socialistas vinham dizendo há bastante tempo - era
classes mais baixas. Embora muitas pessoas dessas ca- provável que houvesse uma tolerância relutante ao novo
madas talvez tenham temido tal perspectiva, existia um se- regime em alguns setores da classe média, e apoio conside-
tór substancial para o qual ela parecia desejável. Nas pri-
meiras semanas que se seguiram à proclamação da repú-
1 rável em outros. Segmentos influentes das profissões libe-
rais, da indústria leve e do cUlnércio de exportação esta-
blica, um grande número de líderes burgueses influentes - vam, como vimos, inclinados a sustentar o novo regime, por
na maioria profissionais liberais mas contando com perso- oposição aoS traços autocráticos do império derrotado, ao
nalidades dos altos negócios, da importância de Hjalmar passo que oS grandes empresál"Íos mostravam propensão a
Schacht - impressionados pela sustentação do novo re- encontrar um acordo, temendo que correntes mais radicais
gime à propriedade, à legalidade e às liberdades civis, ganhassem preponderância. Certamente, haveria lutas in-
expressaram publicamente· sua aceitação da nova ordem e tensas num segundo momento. Mas tal aconteceu de qual-
mesmo da socialização como apropriadas ao setor monopo- quer forma e um governo com uma política vigorosa desde o
lizado da economia. 12 Sem dúvida, tais declarações exigem princípio estaria numa posição muito mais forte para lidar
um desconto considerável, como uma manifestação da con- com elas eficazmente.
fusão e da euforia que amiúde aparece nos estágios iniciais A principal fonte de apoio teria sido os trabalhadores
de uma sublevação revolucionária. Não obstante, elas tam- industriais. Não pode haver dúvidas ·que estes receberiam
bém fazem parte da fluidez geral de tais situações que uma d~ bom grado medidas à esquerda das que foram realmente
liderança política aguda e determinada pode utilizar em tentadas. O Congresso de Conselhos de Trabalhadores e
benefício de importantes decisões. De tal modo, essa evi- Soldados, realizado em Berlim, entre 16 e 21 de dezembro
dência fortalece ainda mais o ponto de vista de que Ebert e de 1918, com caráter essencialmente moderado, aprovou
seus companheiros reformistas tinham um espaço de ma- resoluções sobre temas militares que se situavam nitida··
nobra maior do que aquele que usaram ou quiseram usar. mente à esquerda das aqui sugeridas como viáveis. l3 Ebert
Uma politica vigorosa que. seguisse as linhas acima submeteu à eutanásia essas proposições, através de suces-
indicadas podia ter cont;:tdo com apoio suficiente no seio sivos adiamentos. Ê fácil inferir que mesmo os trabalha-
das classes médias para lhe dar uma chance de vitória. dores bastante moderados perderam a confiança no socia-
Estas nada teriam a perder com a criação· de. uma nova lismo reformista. Como se apontou nos dois capítulos pre-
força miiitar e policial; ao contrário, só teriam a ganhar, cedentes, as políticas governamentais debilitaram grave-
pois isso significaria o afastamento dos Junkers. Ainda que mente seu trunfo mais poderoso: a .autoridade moral com
as classes médias alemãs tivessem demasiado temor da aris- que contava junto aos operários industriais.
tocracia para desempenhar essa tarefa histórica "burguesa" Com uma estratégia menos conservadora que a ado-
por sua própria conta, elas podiam não se opor - e nessa tada por Ebert e seus colegas, o radicalismo .revolucionário
altura nao tinham condições de se opor - efetivamente se podia nunca ter adquirido a ressonância que de fato al-
os trabalhadores a realizassem em seu nome. Uma vez que cançou. Na ausência do impulso radical, a extrema direita
teria perdido sua principal desculpa para existir. Por jus-
(12) Ver Matthias, introduçflO a Regierung der Volksbeauftragten, I,
CXXV. e para mais detalhes Lothar Albertin, Liberalismus und Demokrutie am (13) Allgemeiner KOllgress der Arbeiter- und Soldalenrà'te Deutschlands
Anfangang der Weimarer Republik, pp. 25-32, 54-59. ." SteTlographische Bcrichtc, pp. 181-182.
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SJ4 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 535

tiça aos rnoderac1os, é necessário salientar que eles não cria- com que seu lnandato alcançasse toda a Alernanha, ele te-
"j
ram o radicalismo de esquerda do imaginário: a guerra ria de desafiar abertamente as tradições federalistas e parti-
gerou as condições sociais em que ele pode florescer. Há t" cularistas eom raízes nos interesses econômicos locais. (O
razões para crer que a questão estava colocada memso an- 1~ movimento separatista bávaro podia, com certa justiça, ser
considerado uma iniciativa prematura e mal orientada pela
tes do governo ter assumido o poder, estando a ameaça ra-
dical inevitavelmente presente no debate. O que está fora libertação nacional, sem atenção suficiente aos interesses
CU111polleses.) Acirna de tudo, um tal governo teria de supe-
de discussão é que o impulso radical realmente poderoso, ~. rar os escrúpulos quanto a colocar a Assembléia Nacional
·que contava com sustentação das massas, não teve início
senão depois que o governo estava no poder por cerca de
dois meses. Ele não chegou a alcançar seu ponto mais
r
,.f.-
diante de uma série defaits accomplis, o que uma política
de firme controle sobre o exército e de socialização limitada
ameaçador até a revolta armada no Ruhr, na primavera de ,
1 da economia certamente teria feito.
Em todo caso, o significado desses escrúpulos liberais e
1920. As políticas do governo foram diretamente respon-
sáveis por esse levante; mais precisamente, foi a falta de r
1~
legalistas está aberto a sérias dúvidas. Não é um problema
de julgar intenções ou de investigar as profundezas da mente
uma política, e especialmente a ausência de uma política
militar independentte, que colaborou grandemente para
l}:: de Ebert, pelo menos não unicamente. Ê também um pro-
r"
blema de perceber o que realmente aconteceu. A decisão de
criar a revolta radical. confiar no exército e, em seguida, nos Freikorps, assim co-
Enfoquemos agora os obstáculos e as dificuldades que Ií mo a .de adiar a socialização, colocou efetivamente a Assem
.~,
uma política como essa teria necessariamente de enfrentar ,
l"- bléia Nacional diante defaits accomplis. Noske não demons-
devido às circunstâncias da época. Teriam os aliados tole- L trou escrúpulos ao fuzilar os trabalhadores em revolta pela
rado qualquer passo no sentido da criação de um exército ,i.'
defesa da democracia liberal. Todos os desvios de uma con-
regular antes da assinatura do tratado de paz, mesmo se· tal 1 cepção purista e provavelmente impossível de liberalismo,
um conceito que buscasse a resolução de todos os conflitos
exército estivesse sob fortes controles democráticos? Teri';'m
eles tolerado mesmo um grau mínimo de socialização em
f sociais por meio da dissuasão e da persuasão racional, eram
uma atmosfera onde o comunismo ainda não tinha revelado
seu potencial mais ameaçador e exercia uma intensa atra-
í.
,
[~
desvios à direita. Os líderes reformistas mostravam quase
nenhuma consciência da consideração de que a fim de dar à
ção popular? A simples colocação dessas questões é sufi- democracia e ao governo constitucional uma chance de so- !.i'
ciente para sugerir alguns dos obstáculos mais formidáveis. brevivência (mesmo como um prelúdio necessário ao socia-
Ainda que a situação interna da Alemanha fosse altamente lismo) seria necessário fazer alguma coisa quanto ao poder
favorável, o que não acontecia, uma política mais à·esquer- r daqueles grupos e instituições cujo comportamento há mui-
to lhes tinham provado ser inimigos convictos e efetivos
da podia facilmente ter malogrado em vista dessas razões. j
1,' de tais princípios. Isso é estranho mesmo para o marxista
Se os problemas internacionais tivessem se revelado
mais inocente.
solucionáveis, resta a questão de saber se um novo governo I:
alemiio, com as políticas acima esboçadas, poderia ter con- ',I .. Por que essa política não foi tentada?
tado com o restante do país. A classe operária industrial era

i;~.
ainda uma minoria da população trabalhadora e o governo " A análise revelou várias razões para se concluir quc a
dificilrnente poderia contar com seu apoio unânime. Para situação, quando Ebert tomou o poder, não era tão com-
sobrc\river e conseguir eficácia, ele teria de buscar aliados à pulsória como muitas vezes se tenta demonstrar. A fim de
sua direita e manter inativa a extrema direita. Para fazer caminhar para uma democracia liberal mais estável, como
com Cjlle seu mandado alcançasse toda a Alemanha, ele te- ,.' :-' :i~~:h,":'~J~'~: sugeri, o governo deveria ter posto mãos à obra imediata-

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536 PERSPECTIVAS GERAIS 1 INJUSTIÇA 537

mente com o objetivo de assumir o controle das forças ar- país em seu conjunto. Com tais evidências eUl m,ãos, a hipó-
madas, da burocracia administrativa e do judiciário, remo- tese de que os líderes do SPD podiam adotar ou executar
delando-os como intrumentos leais à república. Ele deve- uma política como essa não se revela de certo modo socio-
ria ter adotado uma política econômica que incluísse um
certo grau de controle governamental sobre algumas áreas lógica e historicamente ingênua?
da indústria pesada, com concessões aos trabalhadores Não eram tais a própria estrutura e dinâmica do SPD,
quanto às condições de trabalho na produção. Ao tomar bem como seu lugar na sociedade aleluã, que se tornava
essas_ medidas, o governo estaria tentando antecipar-se à quase certa a produção de líderes muito semelhantes a
Assembléia Nacional, assumindo uma série de decisões es- Ebert e seus companheiros? É realista esperar que eles ti-
sencialmente irreversíveis, necessárias como fundamentos vessem pensado em uma política fundamentalmente dife-
de uma versão liberal e democrática de capitalismo. Uma rente daquela que realmente seguiram? O que Ebert e os
tal política podia ter fracassado. Para os propósitos da pre- outros fizeram não é perfeitamente explicável como uma
sente discussão, isso não tem realmente muita relevância. O I conseqüência de tendências históricas na classe operária
que importa é que ela não foi-sequer tentada. Por quê? A alemã: as organizações sindicais e políticas que surgiram e
busca de uma resposta satisfatória nos leva de volta não criaram raízes durante os anos do pré-guerra, as experiên-
apenas à história alemã, mas aos princípios gerais da aná- \ cias que esses líderes viveram e o selo de tais vivências sobre
lise históricá. II eles? Como observou um analista sagaz, o governo de Ebert
Uma resposta que logo vem à mente é que fazer todas procurou dirigir a Alemanha como um grande sindicato.
essascoisas seria praticamente dizer que os membros domi- , Deste ponto de vista, toda a história cpmeça a asseme-
nantes do novo governo teriam de ter deixado de ser polí- lhar-se a uma confirmação do ditado segundo o qual nada
ticos social-democratas, passando a ser algo diferente. Tal cai tão rápido como o sucesso. O fracasso da oposição de
objeção é relevante e merece ser explorada para verificar esquerda e o do imp~lso radical têm igualmente suas causas
onde ela poderia nos conduzir. históricas e sociológicas. Mas a questão extrapola a história
A política de reforma militar e de sociaiízação limitada da classe operária. A falência da classe trabalhadora nesse
da indústria, aqui sugerida como alternativa possível ao que ponto da história alemã - se é que podemos caracterizá-la
Ebert efetivamente fez, não é muito diferente daquilo que a assim ~ não teria constituído uma conseqüência estrutural
ala moderada do USPD desejava." Trata-se de um fato não apenas da experiência e da história das diferentes par-
importante a partir de dois pontos de vista. Ele demonstra celas da classe operária industrial como da sociedade alemã
que as idéias discutidas na seção precedente constituíam, como um todo: o escasso desenvolvimento político das clas-
na verdade, moeda corrente intelectual, que não era de for- ses médias, o fracasso do liberalismo, a sobrevivência da
ma alguma historicamente "demasiado cedo" para sua burocracia e da aristocracia, um complexo de forças que
existência. Em segundo lugar, sabem-os o que aconteceu à gerou tanto a guerra como a derrota?
ala moderada do USPD, como foi limitado o apoio que con- Nesta altura, essa linha -de raciocínio pode despertar
seguiu reunir, nilo somente entre os trabalhadores como no dúvidas, se estas não surgirtifm antes.-Obviamente, é impos-
sível parar na sociedade alemã enquanto tal. Especialmente
nesse ponto da história, é necessário considerar a situação
(14) Ver o relatório de Dittmann ao Congresso de Conselhos de Tnlbalha-
alemã no cenário internàeional. Mas este não era impor-
dores e Soldados, realizado em 16 de dezembro de 1918, em KOllgress. pp. 19-24, tante apenas em 1918: foi um elemento crucial nas políticas-
cals. 37-4S, onde Ditlmann, falando como membro do governo de Ebe:-t, clura- de Bismarck, no fracasso do liberalismo e todos os outros as-
mente toma as proposições de reforma militar e socialização bastante a sério.
pectosda história alemã que já mencionamos. Se seguirmos
538 PERSPEC'TIVAS GERAIS INJUSTIÇA 539

esse tipo de raciocínio, logo será necessário recorrer a toda ram porque sua experiência histórica os tinha tornado in-
a história mundial, simplesmente para explicar o compor- cap azes de fazê-lo.
tamento de alguns líderes operários medíocres. O dito de Não se trata de urna conclusão nova, embora pareça
Weber sobre o determinismo corno não sendo um táxi vem mais aplicável à alternativa do socialismo revolucionário
à mente outra vez. Essa espécie de determinismo histórico que à variante liberal. Nem é essa conclusão satisfatória.
em grande escala não proporciona uma pista segura para a Ela teln de colcoar um grande peso nas forças de integração
compreensão de diferentes formas e graus de causalidade. elo SPD à ordem social. Aqui é importante lembrar que tais
Ao pretender explicar tudo, acabamos por não compreen- forças puderam operar livremente apenas por um breve pe-
der nada. ríodo ele tempo, entre 1890 e 1914. Antes disso, o partido
Parece muito mais sensatá adotar a posição de que era ilegal, embora tolerado. Mesmo após a sua legalização,
nem todos os elos em urna cadeia de causalidade histórica ele esteve sujeito a diversas formas de rejeição e ·suspeita.
têm a mesma solidez. Urna vez que cada um deles é, na Avaliar esses impulsos contraditórios não é nossa tarefa
prática, uma disputa entre forças opostas, seria inclusive aqui, especialmente porque foram o foco da atenção de um
melhor deixar de lado a metáfora dos elos em busca de uma bom número de estudos acadêmicos. 15 Basta observar que a
melhor. Urna série de pontos de desvios com forças que im- impossibilidade sociológica de produzir uma liderança sa-
pelem em várias direções seria uma imagem que transmite gaz e vigorosa está longe de ser provada. O predomínio de
melhor a situação real. A força relativa das forças em ope- Ebert, ou o de líderes como ele, não parece inevitável. Em
ração também varia de situação para situação. Os seres llU- algum lugar, e de algum modo, a classe trabalhadora alemã
lTIanos reagem às circunstâncias, lnas a maneira como eles podia concebivelmente ter alçado líderes mais críticos ao
reagem faz diferença, às vezes urna diferença fundamental. topo, ainda que um Ebert, não é difícil concordar, estivesse
Nesta perspectiva, a vontade política e a inteligência polí- destinado a ser um candidato poderoso.
tica podem fazer uma diferença poderosa no resultado, Essas considerações indicam que .devemos nos voltar
mesmo se, comojá se salientou, esse grau de influência tem outra' vez para a luta no interior da classe trabalhadora.
a Sua própria série de causas. Uma compreensã.o acurada Talvez tal luta tenha uma dinâmica própria que seja alta-
dessas causas pode contribuir para a eficácia da vontade e mente relevante para o resultado final. Se a resposta (ou pelo
da inteligência políticas no futuro, ao passo que uma com- menos urna parte importante dela) se situa em algum ponto
preensão imprecisa pode perpetuar e mesmo intensificar a nessa área, isso implica um deslocamento no tipo de causa-
estupidificaç5.o. lidade e de métodos explicativos que relacionamos à ques-
Para onde nos leva essa breve excursão de aproxima- tão. Como primeiro passo na direção dessa linha de pen-
ção e recuo em relação a uma explicação sociológica geral sarnento, parece fundamental inserir a luta no interior da
para a falência da alternativa liberal? Se não há necessi-
dade de abandonar o conceito de alternativas históricas su- (15) o estudo básico mais recente é o de Dieter Groh. Negative bitegration
primidas, continua a existir a obrigação de identificar quem elnbora n:io apresente informações muito ricas
Illld"revo[utiolliirer Attentismus,
suprimiu esta possibilidade particular e por quê. Urna sobre os trabalhadores comuns. As obras mais próximas de nosso problema com-
preendem Vcrnon L. Lidtke, The Outlawed Parly: Social Democracy in Germany,
resposta plausível neste estágio da discussão poderia ser: 1878-1890; Guenter Rath, The Social Democrats in Imperial Germany; Gerhard
Ebert e seus companheiros mais próximos o fizeram porque A. Ritter, Die Arbeiterbewegullg im Wilhelminischcll Reich; e Hcdwig Wachen-
eram produtos característicos do SPD nessa época. Os so- hcim, Dje deutsche ArbeiterbeweguflR 1844 bis 1914. Como exemplo de história
analíticu, Curl F. Schorske, German Social Democracy 1905-1917, é de tal ma-
cial-democratas tiveram, em 1918, uma opção e urna opor- neira importunte que me deixa constrangido por ter chegado a conclusões de certa
tunidade. Eles não a perceberam e tampouco a aproveita- forma diferentes.
540 PER5PECl'IVAS GERAIS
, ,I
, I INJUSTIÇA 541

classe trabalhadora num contexto histórico muito mais I desse fazer alguma coisa quanto a eles ou pudesse tê-los
amplo. f usado de uma maneira diferente.
Nas fases mais agudas da longa série de conflitos que J Outros fatores na situação eram de uma natureza mais
fizeram parte do estabelecimento da sociedade liberal _ a
Revolta dos Países Baixos, a Revolução Puritana, a Revo- t contingente, no sentido de que derivavam mais dos atos e
lução Francesa e a Guerra Civil Americana _ os impul- I
1
personalidades dos líderes individuais. Um dos mais impor-
tantes foi a relativa facilidade da transf()rmação do Império
sos radicais amparados pelas massas efetuaram uma boa I
parcela do trabalho sujo de tornar os regimes liberais um
~
em República. Se as velhas elites tivessem optado por uma
fato possível, graças. aos danos que infligiram às insti-
-I maior resistência desde o princípio, as disputas no interior
tuições e representantes da antiga ordem. O regicídio, nas i da esquerda teriam sido menos graves. A este respeito é,
revoluções puritana e francesa, foi apenas o aspecto mais ,t sem dúvida, relevante que o estilhaçamento da esquerda,
espetacular de todo esse complicado processo o qual, quan- r um processo revolucionário característico, tivesse já atin-
f
do examinado mais detidamente, não fornece muita sus-
tentação aos mitos mais estimulantes, seja dos moderados
ou dos radicais. Houve ai demasiada brutalidade e derra-
.,
~
gido um estágio avançado durante a guerra e, portanto,
bem antes do colapso do regime imperial. Com os líderes da
classe trabalhadora justificadamente suspeitosos uns dos
mamento de sangue. Na Revolução Alemã de 1918 a 1920, , ~ oútros devido à experiência do período de guerra, e sem ne-
embora tenha ocorrido bastante brutalidade e sangue, o nhum inimigo poderoso evidente a ser enfrentado no campo
impulso radical vindo de baixo (nessa altura, derivado mais ~ da direita, as lutas e a polarização puderam ganhar ímpeto
dos trabalhadores industriais que de jornaleiros, artesãos e I até prejudicar de forma fatal o conjunto da esquerda, tor-
camponeses) não realizou nada de semelhante. ~ nando impotentes aqueles que se situavam entre Ebert e os
Isso é ainda mais surpreendente visto que, se a análise ~ espartaquistas. De tal modo, a antiga ordem nessa revo-

~
precedente se aproxima do ponto, não havia muito trabalho lução amplamente abortada foi- capaz de confiar nos mode-
sujo a fazer. O impacto da derrota parece ter feito o sufi- rados "responsáveis" para fazer o seu trabalho sujo: o de
ciente. Na euforia do desastre, boa parte da velha ordem suprimir o radicalismo. Modificações relativamente super-
estava pronta para "manter-se no terreno dos fatos", como ficiais no tempo e nas táticas nessa situação fluida podiam,
disseram muitos membros das classes respeitáveis à época em minha perspectiva, ter ocasionado c()nseqüênciasbas-
ou, em outras palavras, simplesmente "se submeter". tante diversas. Com ligeiras alterações nas lideranças e nas
Uma combinação de razões, nenhuma das quais sufi- táticas gerais, não é muito difícil visualizar uma situação
ciente isoladamente, e cuja conseqüência através do tempo em que moderados bem menos "responsáveis" que Ebert
é importante, pode ser responsabilizada pelo caráter e con- tivessem extraído concessões bem mais amplas das velhas
seqüências diferentes do impulso radical na Revolução Ale- elites, recorrendo a ameaças de que, se as concessões não
mã. Havia apenas bolsões de sustentação de massa a uma fossem asseguradas, os radicais revolucionários podiam to-
transformação revolucionária, e estes não se tornaram bas- mar o poder. Se isso tivesse ocorrido, não somente a Ale-
tante grandes a não ser quando provocados. Além disso, manha como o restante do mundo poderia ter poupado
tais !Jolsões situavam-se nos pontos errados, isto é, não na enormes tragédias.
capital (exceto por um chamamento próximo nos primeiros Essa forma de explicação retém a noção da responsa-
momentos), mas naregião do Ruhr e em outras manchas bilidade moral de Ebert mas a situa em um contexto dife-
industriais no mapa da Alemanha. Tais aspectos se deviam, , rente de forma a torná-Ia muito menos a conseqüência de
em grande parte, às tendências históricas analis.adas com tendências de longo term'o na sociedade alemã e muito mais
algum cuidado neste livro. Ê improvável que alguém pu- o resultado de uma dinâmica política específica que uma

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542 PERSPECTIVAS GERAIS

1
vez iniciada acarretou o seu próprio ímpeto. Da mesma
forma, esse modo de explicação distribui a responsabili-
dade entre Ebert e seus rivais. Mas não são os juízos morais
que estão em jogo aqui e sim a pertinácia da análise. Uma
refutação poelia assumir a forma ele demonstrar mais clara-
mente as limitações sobre o comportamento dos vários ato- CAPITULO 12
res impostas pelo legado do passado e de salientar as falhas
na análise ela dinâmica de polarização, demonstrando que
as mudanças na liderança ou nas táticas que sugerimos Aspectotil repressJivoBl
eram improváveis.
Outra vítima da constelação de circunstâncias e ações
da hldiignaçã~ moraI:
mencionadas foi a alternativa socialista. Eu não a explorei
porque o impulso subjacente era muito mais débil e as for-
o exemplo nazista
ças reunidas contra ela muito mais poderosas nessa conjun-
tura particular. Há também a razão de que, na prática, a
alternativa socialista revolucionária revelou ser uma alter-
nativa humana. Uma vez que a liberal dificilmente mostrou o tema
ter um efeito atrativo a este respeito, é correto mencionar
brevemente algumas razões para se pensar que a supressão Até este ponto, o estudo se centrou quase que exclusi-
da alternativa socialista também constituiu uma das tragé- vamente nos aspectos libertadores e humanos das con-
dias da Revolução -Alemã. Elas envolvem um obstáculo cepções populares e das classes baixas sobre injustiça. Esta.
especulativo ainda mais perigoso e menos controlado pela ênfase foi fruto de uma opção deliberada na colocação das
evidência possível que qualquer uma arriscada até então. questões centrais a este livro: sob quais circusntâncias os
Na verdade, é justo perguntar o que podia ter acontecido no seres humanos aceitaram, ou às vezes escolheram, vidas
mundo em geral se uma revolução socialista tivesse ocorrido marcadas pela miséria e opressão? E sob quais circunstân-
na Alemanha logo após a derrota. Teria ,o socialismo, ao cias as pessoas chegaram a uma rejeição moral da miséria,
mesmo tempo na Rússia e na Alemanha, aliviado aspres- acolhendo formas de comportamento novas para elas, em
sões sobre a modernização socialista, de forma tal a afastar seus esforços para resistir e transformar a ordem social?
os horrores do stalinismo? Os aliados teriam se mostrado Mas, chegados aqui, precisamos considerar outro con-
dispostos e capazes de deter sua marcha triunfante? junto de fatos históricos que nos forçarão a aprofundar e
Também isso jamais saberemos. Em vez disso, conhece- obscurecer a forma como devemos colocar e tentar res-
mos o que realmente aconteceu. Na Alemanha, os obstácu- ponder às nossas questões centrais. O período nazista na
los institncionais à democracia parlamentar e capitalista su- Alemanha, e em escala mais ampla o fenômeno mundial do
cumbiram no devido momento às sucessivas investidas de fascismo do século XX, demonstra para além ele qualquer
Adolf Hitler, da Segunda Guerra Mundial.e ela ocupação so- dúvida que os movimentos populares podem ter, e efeti-
viética dos domínios dos Junkers. À medida que esses even- vamente o têm certas vezes, um componente muito repres-
tos se desenrolavam, não houve ninguém para perguntar às sivo e cruel. Na verdade, o fascismo fez reviver a antiga
vítimas Se os resultados podiam valer os custos, tradição conservadora que vê na demagogia e nas massas
em geral a ameaça central à liberdade e à ordem social hu-
'.-"~: '
544 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 545

mana. Não levar esta questão em consideração seria falsi- exatamente o oposto dos objetivos libertadores e humanos
ficar toda a análise apresentada. dos movimentos revolucionários de massa. O fato de que
Em contraposição a essa tradição conservadora que ambos os tipos recorrem à violência nada significa, visto
remonta a Platão, os autores modernos à esquerda cons- que a violência dirigida contra o opressor por parte de suas
truíram uma defesa dos movimentos populares que se ba- vítimas é uma coisa bastante diferente da violência do
seia numa diversidade de considerações empíricas e teó- opressor voltada contra as vítimas.
ricas. Vários estudos sobre movimentos populares mostra- O mundo em que vivemos seria pelo menos muito mais
ram que as bases de apoio para as correntes autoritárias suportável se este argumento fosse completamente convin-
provêm principalmente dos elementos "respeitáveis" e con- cente e as distinções que ele traça na teoria mais óbvias na
servadores nas sociedades industriais modernas, enquanto prática. Desafortunadamente, a violência dos oprimidos
oS movimentos das classes baixas e trabalhadoras em geral tornou-se amiúde a violência do opressor, e o momento da
assumiram a forma de respostas racionais para legitimar transição de uma para outI-a tem sido, ao mesmo tempo,
reivindicações econômicas. 1 Embora essas investigações. fugaz e difícil de detectar. Os objetivos declarados dos mo-
tenha apontado para algumas concepções equivocadas dos vimentos políticos têm tão pouco a ver com seu comporta-
modernos movimentos de massa, elas não fizeram com que mento e conseqüências reais como ocorre com os indiví-
o problema desaparecesse. Não há maneira de negar o fato duos. O Sermão da Montanha pode ser um passo no ca-
evidente de que os movimentos fascistas contaram com (ou minho para a lnquisição, e o sonho de um mundo sem
criaram) apoio popular suficiente para torná-los terrivel- opressão pode se tornar uma justificação para uma policia
mente perigosos. Como veremos, a base popular do fas- secreta terrorista. Embora a relação não seja necessaria-
cismo incluía apenas uma frágil parcela dos trabalhadores mente inevitável, negar sua existência não ajudará os seres
industriais; Não obstante, entre todos os movimentos do humanos a evitar a.repetição de tais experiências em sua
gênero, o fascismo alemão foi quase certamente o que go- contínua busca de um mundo com menos crueldade e o-
zou de apoio popular mais amplo e entusiasta. Justamente pressão. Assim, os sentimentos de ira moral face às injus-
por essa razão ele configurou a manifestação mais perigosa tiças vividas foi também um poderoso componente da sus-
de uma tendência mundial. tentação de massa aos movimentos fascistas. Enfim, e de
Um argumento mais geral e teórico talvez justificasse, forma mais significativa, mesmo se essa linha de raciocínio
se isto fosse possível, a exclusão dos movimentos fascistas fosse convincente, ela nada revelaria sobre as causas dos
do tema de qualquer livro que pretendesse tratar da indig- ~, movimentos populares com um forte elemento de crueldade
nação moral e do sentido de injustiça, seja popular ou não. e opressão.
Deste ponto de vista, as crenças e os sentimentos fascistas c~!
nada têm a ver com moralidade e justiça. Os objetivos po- "'1
ê.:t-
" "$_::
Quem eraIn os nazistas?
líticos e sociais do fascismo são agressivos e opressores,
-;:~\
A primeira interrogação a ser levantada sobre tal mo-

l
vimento refere-se a que tipo de pessoas aderiu a ele. Mais
(1) Ver Michael Paul Rogin, The 11lte/{eetuals und McCarthy; Richard F.
Hamilton, Affluellce a"d lhe French Worker in lhe Fourth Republic. Maurice precisamente, pretendemos saber o que for possível sobre
Zeitlin, Revolutiollary Poiitics and lhe Cuban Worlcing Class, oferece informações as circunstâncias de suas vidas cotidianas que ajudaram a
valiosas sobre a atitude dos trabalhadores cubanos em geral, favorável diante das produzir o selvagem ressentimento contra o mundo circun-
liberdades civis durante os anos 60, ,embora uma lu:!. mais sombria apareça em \.1 dante tão característico dos nazistas. As circunstâncias
Carmelo Mesa-Lago, Cuba in lhe 19705.

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54(1 PERSPECTIVAS GERAIS
INJUSTIÇA 547
imediatas, isoladamente, não explicarão de forma adequada
esta altura os nazistas não pareciam ter interferido seria-
seus sentimentos e comportamento. Será também neces-
mente com os serviços centrais de estatística responsáveis
sário compreender, o mais amplamente possível, os mo-
pelo censo, que tinham atrás de si uma longa e renomada
elos pelos quais as pessoas que eranl ou se tornaram nazis-
tas '/iarn e interpretavam suas próprias circunstâncias, mo- tradição burocrática. O censo é bastante completo e minu-
cioso, desprovido de jargão nazista, redigido e executado à
dos estes que eram em grande medida devido à marca e ao
maneira dos recenseamentos precedentes. Onde há au-
resíduo de experiências passadas. Estas incluíam a derrota
e 8. agitação de 1918 e dos anos subseqüentes, a inflação sência de informação, ela se deve aos mesmos motivos pre-
sentes nos trabalhos anteriores, Assim, uma lista completa
catastrófica de 1923, os enganosos anos de prosperidade e
de profissões femininas deixa de lado as prostitutas e, de
em seguida a Grande Depressão, que teve início em 1929, e
forma ainda mais significativa, é ainda difícil distinguir,
ainda se fazia sentir como uma epidemia quando Hitler to-
como o próprio censo aponta, um grande industrial do pro-
rnou o poder, em 1933. Voltaremos depois a estes pontos,
prietário de uma pequena loja. Ambos caem na velha cate-
após tentar um esboço do movimento nazista em seu cená-
rio social. goria dos "proprietários independentes".
Para este propósito, existe um par de fontes que até Não obstante, torna-se possível basear-se no censo e na
onde pude discernir ainda não foram cuidadosamente ex- Parteistatistik para determinar a proporção de membros do
ploradas, ou pelo menos não o foram conjuntamente, e NSDAP em diversos dos principais agrupamentos profis-
que consideradas simultaneamente revelam muita coisa.. útil sionais da sociedade alemã, mais ou menos à época da de-
sobre o movimento nazista e a atração que exercia em dife- colagem nazista, Ao mesmo tempo, vem à luz bastante
rentes segmentos da população alemã. Uma delas é um es- informação sobre as variações na suscetibilidade ao apelo
tudo.da composição social do partido nazista (NSDAP, das nazista. J Uma vez que o NSDAP era, sobretudo, um par-
iniciais alemãs de Partido Nacional Socialista dos Traba- tido masculino ~ 94,5 por cento dos filiados eram homens ..
lhadores Alemães), efetuado em segredo pela liderança do - e visto que o alvo básico de seus esforços de recrutamento
partido em 1935, e que se tornou disponível após o término
da Segunda Guerra Mundial. Em primeiro lugar, este do-
, eram quase exclusivamente os homens, procurei, quando
possível, localizar o número deles em cada categoria pro-
cumento, a Parteistatistik, 2 nos permite ver com conside- fissional.
rável precisão a extensão em que o NSDAP era um partido Tal aspecto tem importância significativa sobre a in-
dos trabalhadores e a extensão em que ele recorreu a outras terpretação das estatísticas. De tal modo, o NSDAP tem
fontes, como aquelas que são amiúde designados como de sido, com freqüência, definido como tendo um especial
baixa classe média. A outra fonte é um censo profissional apelo para os trabalhadores de colarinho branco gerados
realizado ao mesmo tempo que um recenseamento geral,
em junho de 1933, ou cerca de cinco meses após a ascç:nsão
de Hitler ao poder (30 de janeiro de 1933). Ao menos até (3) Os mapas eleitorais também fornecem informação valiosa. Sua inter-
pretaçiio é quase sempre muito difícil, no entanto, lima vez que eles se refercm
apenas a unid,-ldes geogrúficas e é necessário efetuar a c'lractcrização social ck
cada uma delaS. Além disso. para os problemas aqui discutidos é mais import<\nte
identificar que tipo de pessoas ingressava no partido e não quem votav,-\ nele.
(2) Parteütalistik, Stand I: Jallllur 1935, cditnd(l pelo Reichsorgnnü;u-
Deixei, portanto, os mapas eleitorais para segundo plano. Para interpretações va-
tiollslei ter do NSDAP. Os três volumes fornm impressos em letra de máquina,
riúveis desses dados ver Seymour Martin Lipset, Political Man, pp. 131-15:2; Hu-
com uma nota de que a informação aí contida não deveria ser divulgada sem
dolf Hcberle, Socialll"'Ol'ements, pp. 222-237; c Richard Hamilton. The /Jnsc.\" of
autorização escrita, a não ser pnra a equipe interna do departamento do Reichs- .1 NaliollUI Socialis,.-n.
leite", e que os volumes deviam ser guardados em lugar seguro.
<I (4) Parteistatistik. I, p. 41.

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--~';';;'-ii,-'--"i:Âi~,
548 PERSPECl'IVAS GERAIS INJUSTIÇA 549

pela sociedade industrial adiantada, graças à posição inse- As eleições de 14 de setembro de 1930 foram as pri-
gura desses trabalhadores como tão dependentes da admi- meiras em que os nazistas aumentaram seus votos até um
nistração quanto a seus salários como os operários da pro- ponto em que parecia haver urna boa oportunidade de se
dução. No entanto, ao mesmo tempo, os trabalhadores de tornarem um partido vitorioso, seja dentro ou fora da lei.
colarinho branco efetualn funções "limpas" ou não-ma- Os filiados que se inscreveram antes desta data dificilmente
nuais em um escritório, o que os deixa mais próximos da o fizeram por razões oportunistas. A Parteistatistik fornece
administração e encoraja a tendência a olharem os operá- dados sobre sua distribuição profissional bem como a do
rios com desprezo, sem deixarem de temê-los. Na década de conjunto dos melnbros, em 1935. Uma comparação da
trinta, como hoje, uma ampla proporção dos trabalhadores porcentagem de todos os filiados ao partido em profissões
de . colarinho branco era constituída de mulheres empre- diferentes revela uma diferença surpreendentemente pe-
gadas como estenógrafas, datilógrafas, etc. Se se inclui as quena. A proporção de trabalhadores industriais e de tra-
mulheres, a proporção de filiados do NSDAP entre os tra- balhadores rurais (não diferenciados para essa estimativa
balhadores de colarinho branco o transformaria num dos no NSDAP) subiu cerca de 4 por cento; a dos trabalha-
estratos menos nazificados das profissões não-manuais. Ã dores de colarinho branco caiu em 4,6 por cento. Todas as
primeira vista, ci resultado parece uma surpresa que con- outras categorias profissionais mostram modificações me-
tradiz a interpretação dominante do nacional-socialismo, e nos importantes. 5
do fascismo em geral, como um revolta da pequena bur- Ao interpretar o Quadro 13, o primeiro ponto a ser
guesia. Este aspecto exigirá maior análise. Neste ponto é levado em consideração é o fato de que, como um partido
apenas necessário notar que o paradoxo se desvanece quan- 'supernacionalista, o NSDAP procurou recrutar alemães de
do se consideram apenas os trabalhadores de colarinho todos os segmentos da população. Em sua propaganda eles
branco do sexo maSculino como alvo do recrutamento do fizeram largo usü da noção de uma "comunidade do povo"
NSDAP. Então, essa categoria profissional coloca-se em ter- e da obliteração dos delineamentos de classe. O número
ceiro lugar em termos de proporção de filiados nazistas, mas total de membros do partido (2.493.890) ascende a 7,7 por
constitui numericamente o setor mais extenso do Grupo 1 t
cento da força de trabalho (Erwerbspersonen), que chegava
do Quadro 13 abaixo, uma distinção que fica clara na ta- a 32.296.496 pessoas. Destas, pouco menos de dois terços
bela, onde classifiquei os grupos profissionais pela pro- (20.817.033) eram homens. 6 Considerando os homens co-
porção de filiados nazistas neles. mo o principal alvo de recrutamento nazista, pode-se esti-
Um leitor atento poderia se perguntar neste ponto seos mar que os filiados ao partido representavam cerca de 12
resultados não sofreriam a distorção do fenômeno do opor- por cento da força de trabalho. Portanto, se o quadro de
tunismo. A composição social do partido não podia ter mu-
dado acentuadamente dois anos depois da chegada de Hi-
(5) Ver Parteistatistik, 1, quadro da p. 70. Uma vez 'que o número de
tler ao poder? Felizmente, os líderes partidários estavam adeptos de primeira hora era tão pequeno a ponto de não render mais que frações
bastante preocupados com essa' possibilidade. Em várias de porcentagem, na maioria dos casos, recorri ao quadro de filiados de 1935 para
passagens, a Parteistatistik emprega a expressão Konjunk- a comparação com o censo. Embora o quadro nazista lambém forneça dados
sobre os membros menos incondicionais que aderiram ao pnrlido, entre 15 de. se-
turritter (literalmente, cavaleiros de um mercado ascen- tembro de 1930 e 30 de janeiro de 1933, podemos nos permitir deixar de lado estes
dente) para caracterizaras oportunistas, Parece altamente dados. Portanto, se ignorarmos qualquer diferença de menos de 5 por cento, um
provável que era essa a principal razão do partido ter com- procedimento aconselhável devido a outraS prováveis fontes de erro, podemos uti-
lizar o Quadro 13 como uma primeira aproximação a um estabelecimento do
pilado os dados, que incluem informação suficiente para apoio popular nazista junto a diferentes agrupamentos profissionais.
caracterizar essa objeção corno de pouca importância, (6) As cifras do censo estão em SDR, Band 453, Heft 2, 6.
QUADRO 13
Cla~sificaçio de grupos profissionais escolhidos de acordo com a proporção de membros do NSDAP, com base nas cifras do partido e nos relatórios do censo o{ici:u
O
'"'"
(em milhares)

N? de membros Número total em Número de Taxa de desemprego para Proporção de na7.istas parn
do NSDAP em Profissão homens em
Profissão Homens Profissilo Homens Profissão
Sub· Grupo Sub· Grupo Sub· Grupo Sub- Grupo Sub· Grupo Sub· Grupo
grupo grupo grupo grupo grupo grupo

GRUPO r
1. Professores 84 307 212 AO
2. Pequehos 188 1000 750 .25
comerciantes (est.) (est.) ",
3. Empregados de
I 11',
!;tI
colarinho branco I
(total) dos quais 484 3916 2385 .24 .22 .20 '""Otr:
a) técnicos e
outros 197 1 203 817 .23 .20 ..,C)
.24
b) vendas,
escritório 287 2713 1568 .24 .21
:::
.18 >
4, Estudantl's 34 33' 187 18 '"p
5. Funcionârio<; 223 1464 1336 .17 OI
6. Artesãos
independentes 208 1279
I .16 ~
7. Camponeses 2S5 2005 I 805 14 v:
8. Profissões liberais 79 716 622 entre .13
.03 c
.61
GRUPO II
9. Trabalhadoresna
indústria e ofícios
(tota!) dos quais 662 9939 7982 .42 .39 .08
a) metalúrgicos
qualificados 155 2 22>2 2 156 .39 .07
b) outros "
trabalhadores
qualificados 322

c) não qualifl.
cados 162
d) mineiros 22 446 446 .37 .OS
10. Trabalhadores
rurais 94 2530 1672 .15 .12 .06
GRUPOIIl
11. Rentiers e
pensionistas 38 5822 2876 .01
12. Dona.~-de-casa 65 9901 .ü)6

Fontes: A Frtir da Parteistatislik nazista, I, 55, 68. 70, 72, podem·se computar cifras separadas para a maior parte dos grupos profi~siorrais, embora esta íon te agrupe
membros den:ro de uma mesma categoria (rer Arbeiler), escondendo assim certos aspectos sociais. Os principais dados para o número de pessoas nas categorias profissi~nais
'es~o em S(atistik des Deutschen Reichs (SDR), Bd. 453, Heft 2,22.24,52: sobre o número de desempregados ibid" 9, 12·13, 15, 25·26. As porcentllgens para os desempre.
gados e a proporção de nazistas em cada profissão foram por mim calculadas. Além disso, para profissões específicas, recorri a SOR, Bd. 458, 459 e 461: também Swtis·
tisches Jahrbuchfür das Deutsc!!e Reich (1934); e Dos Orasse 8rockhaus (l5~ edição) para as definiç~s dos grupos profissionais. As fontes utili7.adas para cada um dos grupos
do Quadro 13 são enumeradas abaixo" .
(1) Professores: SDR, Bd. 453, Heft 2, 23 onde somei os indivíduos das categorias do censo n?s 356·360.
(2) Pequenos "comerciantes: SDR, Bd. 458, 35, onde somei os indivíduos das categorias Wz 414,442, '411, 451, totalizando 1133000 pessoas. Ã fim de excluir proprietários
de grandes lojas de departamentos, etc., simplesmente reduzi essa soma para 1 milhão. Tal estimativa é· provavelmente baixa, uma vez que as tJadarias. alfaiatarias. etc., ~
que. produzem e ao mesmo tempo vendem mercadorias, aparecem no censo como artesãos independentes (S'DR, Bd. 453, Heft 2,' i7). Visto que 3/4 dos 'pequenos comer· C
ciantes eram homens, apenas para estes apresentei uma estinlatiy!1. de 750 mil (ver ibid., 52). "l
.,
(3) Trabalhadores de colarinho branco: SDR, Bd. 453, Refi 2, 52, onde somei os empregados nãn-administrativos das categorias W. - Abt. V3, 4 e 5. Empregados domésticos
e rurais estão excluídos. i2
(4) Estudantes: Sta/istisches Jahrbuch (1934), 529·535, onde somei indiyiduos dos 10 a 12 anos de edl1cação elementar, escola secundâria e universidades.
(5) Funcionários: SO'R, Bd. 453, Hef! 2,14·15,52.
(6) ArtesãosindependenU!s: SDR. Bd. 453, Heft 2,16,17.
(7) Camponeses: a cifra para os camponeses no total da população fornedda por Parteisrutistik, T, 53 é de 6699000, um número aUamente inflado, mais prol'avelrncnte
porque inclui membros das famílias dos trabalhadores;' cf. SOR, Bd. 453, Heft 2, 52. Pode·se estimar uma cifra mais realista para os camponeses que possuem elou trabalham
a terra definindo camponês eomo aquele que trabalha entre 2 e 100 hectares de terra, com 90 por cento deles proprietários·operadores. Ver SOR, Bd. 459. Heft l. 54, 55. Nesse
âmbito, outro volume do censo dá um total de 20050<Xllnhabu ou possuidores, que podiam ser proprietários, arrendatários ou. outras formas de posse. Ver SOR, Bd. 461.
HeI! 1, 12. Se então consideramos como proprietários-camponeses 90 por cento desses lnhaber, temos um total de 1805000 - ou 27 por cento da estimativa tolal nazista.
(8) Profissões liberais; u definição alemã para/reie Serufe é mais ampla que a empregada no inglês; para uma definição, recorri a Der Orosse Brokh{1tls (!5~ edição), VaI. VIl:
100, J. v. "Gdstesarbeiter", e Vol. VI, 563, s. v. "Freie Beruie". A esta base acrescentei as calegorias censitárias n~s 167, 171,271. 361·365, 370, 373. 381. 383-.184
(engenheiros e técnicos, químicos, art";uitetos e mestres·de.obras, editores e escritores, artistas, advogados, advogados de patentes, consultores jurídicos, cantores e professores
de canto, atores, mé.dicos, cirurgiões.dentistas, dentistas e protéticos), em SDR, Bd. Hef!, 2, 22·24.
(9) Trabalhadores: SDR, Bd. 453, Heft2, 52. Em ibid., 22, para os metalúrgicos qualificados somei homens das categorias 141-166, subtraindo os proprietários e as mulheres.
Mineiros: ibid, 22, onde não aparecem mulheres, embora com certeza elas existissem como trabalhadoras da superfície.
(10) Trabalhadores Rurais: ibid., 52; "er também 22,12,19,
(lI) '"Remiers" epensionislas: SDR. Bd. 453, Hef!, 2, 5,6.
(12) DonaS'de-casa: 50R, Bd. 453, Heft2, 5,6. ~
'"'"
552 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 553

membros do partido fosse distribuído igualmente entre as nas empresas e no governo. Os professores, a ocupação com
várias profissões, a "quota" nazista seria grosso modo de 12 a maior proporção de membros do NSDAP, pertencem a tal
por cento em cada uma delas. categoria. Muitos dos filiados ao partido eram provavel-
Em vez disso, o Quadro 13 decompõe-se naturalmente mente professores primários. Existem indícios de uma vin-
em três tipos de profissões. O Grupo 1 abrange basica- culação aqui entre um grau limitado de educação, isto é,
mente uma série de ocupações de classe média baixa, um uma capacidade mental adquirida com algum esforço e cu-
termo que será analisado com mais atenção logo à frente. jos resultados não eram imediatamente reconhecidos no
Neste conjunto, o poder de atração do NSDAP variava de mercado e a força de atração do partido. Entre os empre-
um pouco mais que a "quota" a mais de três vezes essa gados de colarinho branco, a proporção de membros do
soma. O Grupo 2 compreende os trabalhadores manuais NSDAP no setor técnico era substanCialmente mais elevada
nas cidades e no campo. Com relação a estes, o apelo do que nos setores de vendas e escritório, embora as taxas de
NSDAP caía para uma proporção entre dois terços e metade desemprego fossem quase idênticas. O mesmo vale para as
de sua "quota". Os membros do Grupo 3 estavam essen- profissões liberais. Enquanto categoria do censo alemão, o
cialmente fora da economia. A atração que o nazismo exer- termo freie Berufe incluía segmentos tanto da velha classe
cia em seu seio era mínima. Examinaremos agora cada seg- média, como advogados e médicos, quanto da nova, como
ment;.o mais detidamente. engenheiros e uma variedade de técnicos. Tratava-se de um
No Grupo 1 encontramos um amplo contingente de grupo heterogêneo unido pela necessidade de encontrar não
pequenos proprietários que se deparavam com dificuldades apenas um espaço no mercado, como algum grau de reco·
na colocação de seus produtos no mercado. Há os pequenos ,nhecimento soCial pelas habilidades adquiridas. O grau de
comerciantes varejistas na classe 2 que enfrentavam a con- incapacidade para encontrar esse espaço, conforme medido
corrência das lojas que vendiam pelo reembolso postal. En- pelas estatísticas de desemprego, variava enormemente de
quanto proprietários rurais, muitos camponeses viam-se uma profissão para outra. Era de 16 por cento para os quí-
perante problemas de dívidas por hipoteca, bem como de micos, 33 por cento para os engenheiros e para os técnicos
comercialização de suas mercadorias. Os artesãos indepen- em metalurgia, 61 por cento para os atores e menos de 3 por
dentes, como os carpinteiros, fabricantes de sapatos e de cento para os médicos. Portanto, a proporção geral de
relógios, possuíam ofícios duramente aprendidos para os membros do NSDAP, 13 por cento ou aproximadamente a
quais o mercado, de certa forma, parecia não prover ne- "quota" nesse setor, deve esconder amplas variações de
nhuma demanda, num mundo que estava fora dos eixos. uma profissão para outra.
Considerados em conjunto, esses possuidores de proprie- No todo, as características sociais do Grupo 1 confir·
dade limitada ou de habilidades manuais constituem o que mam a tese familiar, embora intermitentemente questio·
é, em geral, conhecido como a velha classe média, o preci- nada, de que o NSDAP exercia maior atração sobre as clas-
pitado histórico de uma fase anterior do capitalismo. É tal· 'ses médias baixas. Os ressentimentos que, de acordo com
vez demasiado dizer que eles estavam destinados à extinção tais evidências, alimentaram o movimento nazista eram
sob o capitalismo adiantado. Mas, na Alemanha tomada aqueles do "homem comum" (little man) irado face às in·
pela depressão, estes indivíduos estavam efetivamente nu- justiças de uma ordem social que ameaçava ou não conse-
ma situação problemática. guia recompensar as virtudes do trabalho árduo e da abne-
A nova classe média era o resultado da ascensão do gação à medida que esses esforços pessoais tornavam-se
grande governo e da grande indústria. Seus elementos prin- cristalizados na loja do comerciante, no lote do camponês,
cipais eram os empregados e administradores assalariados na habilidade manual do artesão, no emprego de colarinho

i;~il ==
554 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 555

branco e nos dons do técnico ou do jornalista. Estava aí um estavam repletos ele ressentimento bastante desamparado.
resultado possível da teoria do valor trabalho. Se é assim, e eu realmente penso que é, este deve ter sido
Ainda que se note uma nítida queda na proporção de um tipo de ressentimento muito diferente do encontrado no
nazistas no Grupo 2, composto de trabalhadores manuais, Grupo 1. Enquanto os indivíduos deste grupo contribuíam
ela não é suficiente para dar sustentação à tese de que os pelo lnenos COIn sua "quota" de nlenlbros nazistas, essa
trabalhadores industriais, apesar da taxa de desemprego forma de ressentimento marginal serviu para produzir ape-
verdadeiramente catastrófica, estavam imunes ao apelo na- nas UU1 doze-avos da "quota" entre os rentiers e pensio-
zista. Com 12 por cento (mais exatamente, 11,7) como sua nistas e ainda menos entre as donas-de-casa.
"quota", o NSDAP aparentemente foi capaz, com uma ta- As diferenças entre os grupos podem ser atribuídas ao
xa de recrutamento de 8 por cento, de atrair algo como esforço frustrado ou não recompensado. Em diversas pas-
dois terços de sua "quota" esperada no setor dos operários sagens pudemos observar o ressentimento que o trabalho
industriais. Mesmo deixando uma margem para a incon- árduo sem recompensa pode produzir. Todos os indivíduos
fiabilidade das estatísticas e uma parcela incerta de mem- do Grupo 1 estavam, de uma forma ou de outra, sujeitos a
bros nominais, o seu sucesso aí representa um desempenho esse tipo de experiência frustrante. Os do Grupo 3, por
eficaz e sinistro. Os trabalhadores metalúrgicos qualifi- seu lado, encontravam-se em posições sociais que os dis-
cados, como o leitor deve se lembrar, constituíam uma for- pensavam da obrigação de trabalhar. Os trabalhadores do
ça fundamental do impulso militante e mesmo revolucio- Grupo 2 estavam numa situação ainda diversa: amplas
nário ele 1918. Embora os dados demonstrem que eles não parcelas deles não podiam encontrar trabalho.
afluíram em grande número ao nazismo a não ser em 1935, í Até onde possa haver alguma explicação-chave para a
os nazistas mostraram-se capazes de fazer incursões nessa forma fascista de ressentimento que esses dados sugerem,
área até mais da metade ele sua "quota". A taxa entre o~ ela parece repousar nas diferentes formas de indignação
mineiros - o mais próximo que podemos chegar de um moral que são geradas por seres humanos frustrados clis-
segmento do proletariado industrial "puro" a partir das in- postos e capazes de trabalhar arduamente. Uma vigorosa
forma.ções disponíveis - revela-se, por outro lado, a mais ética do trabalho talvez seja a precursora história neces-
baixa de todos os grupos de traba.lhadores manuais. sária desse tipo de movimento popular cruel e reacionário.
Os membros do Grupo 3 compartilham a caracterís- Eis uma pista que merece ser seguida. 7 .
tica comum de estarem numa posição social que é marginal E com relação à composição social do próprio NSDAP?
ou externa à economia e, em grande medida, ao restante Enquanto um partido altamente organizado e disciplinado,
das instituições da sociedade. Ele era marginal e externo :j
ao mesmo tempo núcleo ·e inspiração do tipo de ressenti-
num sentido diferente do desemprego, ainda que para os mento e indignação moral sob discussão, ele tinha uma vida
pensionistas o efeito econômico pudesse ser o mesmo em própria. Analisarei este aspecto apenas tangencialmente, à
muitos casos, senão mais desesperançado. Uma dona-de- medida que verificarmos seu efeito sobre os membros co-
;.:j'.'.
casa podia evidentemente conseguir um emprego se conse-
guisse encontrar um numa época de desenlprego desas- ij,,'
(7) No caso do Japão esta sugestão parece fazer sentido, com base nas li-
troso. Embora tanto os beneficiários de pensões como as do- mitadas informações de que disponho. O fascismo italiano talvez tenha sido uma
nas-de-casa tivessem condiçÕes sociais aceitáveis, muitos combinação de ética de trabalho frustrada e de uma tentativa de impor uma tal
deles deveriam estar economicamente sem alternativas e ética. Nesta cultura mediterrânea "tomar o trem para continuar a historia" tinha
alguns dos aspectos do que os marxistas encaram como o disciplinamento da força
desprovidos de dinheiro. Considerações "objetivas" podiam •...>;{;':' de trabalho, um processo histórico realizado na Rílssia pelo Partido Comunista.
facilmente conduzir à conclusão de que tais grupos também • ·);;1,11;; H{I, aqui, um campo fascinante para pesquisa .

.)i~~~i{~t~;· . _
INJUSTIÇA 557
556 PERSPECTIVAS GERAIS
QUADRO 14
muns. E neste ponto estamos interessados somente naquilo Composiçfw social do NSDAP em 1935
que podemos aprender das fontes estatísticas sobre que tipo (em milhares)
de pessoas eles eram. O Quadro ·14 apresenta os filiados N.o de membros em Porcentagr:m do quadro
Profissões
divididos de acordo com certas distinções contemporâneas de filiados total
sociais familiares mas valiosas. Urna delas é entre o tra- do NSDAPem
balho manual e não-manual. No interior da. categoria do categoria profissão categoria
profissão
trabalho não-manual há a distinção adicional entre os em- social social
pregados de colarinho branco no desempenho de tarefas de
rotina ao lado do comerciante varejista, por um lado, e os -1. Manuais
Trabalhadores em
grandes proprietáriós 8 , médicos, advogados, administra- indústrias e minas 662 26,5
dores e funcionários governamentais, por outro. As pessoas Trabalhadores rurais 94 3,8
dessas camadas exercem, em geral, considerãvel controle e Camponesés
(Erbhofbauern
influência sobre as vidas de outras pessoas. Em benefício da e outros) 255 10,2
conveniência podemos nos referir a esses três agrupamentos 1011 40,5
Total
principais corno classe operária, classe média baixa e classe
2. Manuais, classe média
média alta, embora no quadro eu prefira utilizar o termo baixa
mais neutro de categoria social, um artifício que permite Artesãos
208 208 8,3 8,3
urna variedade de combinações para estabelecer estimativas independentes
sobre a composição do partido em termos de classe social. 3. Não-manuais, classe
Com os dados disponíveis não há grande dificuldade média baixa
em distinguir os trabalhadores manuais e alguns dos prin- Empregados de
19,4
colarinho branco 484
cipais componentes da classe média baixa. Mas as dificul- Pequenos
dades aumentam ao especificar que proporção do NSDAP comerciantes 188 7,5
672 26,9
provém da classe média alta. Onde, por exemplo, situar os Total
professores? A fim de tornar possível tanto uma estimativa 4. Mistas de classe média
míi::tima como máxima do componente de classe média baixa baixa e alta
223 8,9
no NSDAP, coloquei todos os possíveis membros da classe Funcionários
3,3
Professores 84
. média alta na categoria "mista" n? 4. Mas, inicialmente, Profissões liberais 79 3,2
procuremos encetar uma perspectiva geral dos resultados. 387 15,5
Total
Num sentido rudimentar e preliminar, a composição 80 3,2 3,2
5. Diversos 80
social do NSDAP no Quadro 14 apresenta um padrão que é
urna imagem especular .daquela revelada pela ordenação em 6. Sem ocupação
38 1,5
classes das profissões nazificadas apresentadas no Quadro Rentiers, pensionistas
2,6
Donas-de-casa 65
13. Agrupando os que trabalhavam com suas mãos nas Estudantes 34 1,3
categorias 1 e 2 temos um total de 1.219.000, represen- 34 136 5,5
Total -- 100
Total Geral (1 a 6) 2494 2494 100

(8) Estes não são identificáveis, seja nas estatísticas do censo, seja naque- Fonte: Parteistatistik. I, pp. 55. 63, 64, 68, 70.
las do NSDAP. Não procurei adivinhar sua proporção no partido, pois nossa preo- Nota: As discrepâncias devem-se à rotatividade.
cupação central são os movimentos populares e plebeus_
..'
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. .
77'P"WW
558 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 5S9

sentando 48,8 por cento, praticamente metade -do quadro dente de que a principal expressão organizacional dos res-
ele filiados ao partido. Aqueles que pertencem nitidamente à sentimentos da classe média baixa provavelmente extraía
baixa classe média, categoria '3, chegam a um pouco mais não mais que metade de seus filiados deste estrato. Por ou-
de um quarto, ou 26,9 por cento. Nessa interpretação, o tro lado, tratava-se do grupo mais amplo do partido, com
NSDAP consistia basicamente de indivíduo's para os quais o os trabalhadores industriais fonrwnc!o pouco mais de um
partido exercia um mínimo de atração. Em outras palavras, ~
quarto. Esta descoberta ajuda a explicar a flexibilidade da
a área mais fraca do can1po l11agnético nazista atraía o cstratégia nazista. Não é este, entretanto, o seu sentido
maior número de membros devido à estrutura demográfica mais importante. Nem os movimentos políticos democrá-
específica da sociedade alemã, na qual os trabalhadores ticos, nem os autoritários são passíveis ou capazes de per-
manuais superavam em número os empregados de cola- seguir consistentemente objetivos daqueles cujos interesses
rinho branco. Em 1933, estes últimos, ao lado dos funcio- e aspirações eles reivindicam incorporar. Ao contrário, o
nários, chegavam a 17,1 por cento da força de trabalho e os achado sugere que, na busca do principal cenário estru-
trabalhadores (incluindo os agrícolas) a 45,3 por cento. 9 A tural e dos contornos do Nacional-socialismo, nós levamos
seguir procurarei apresentar uma interpretação diferente. um certo tipo de investigação o mais longe que pode ir,
Mas é necessário concordar em que a atração do partido continuando a gerar resultados. Não há dose de ingenui-
cruzava efetivamente as fronteiras de classe e que se tratava dade na manipulação de dados e cifras dos censos relativos
de um partido popular ou populista, composto principal- aos' quadros partidários que possa revelar como as pessoas
mente de "gente comum". Bem mais de três quartos de realmente se sentiam e se comportavam: seus temores, sua
~I
seus filiados pertenciam a esta categoria fluida, mas mesmo . ira e suas explicações do mundo. Forçar o fascismo alemão
assim significativa. para dentro da camisa-de-força sociológica do mero ressen-
Observando com mais atenção o Quadro 14, pode- timento da classe média baixa seria enganador e, no final,
mos ·verificar que os trabalhadores em indústria e mine- não levaria a nada. Os dados estruturais podem fornecer
ração, com 26,5 por cento dos membros do NSDAP e que informações indispensáveis sobre que gênero de pessoas era
os elementos mais nitidamente de classe média baixa, na passível de possuir certos sentimentos, quantas destas pes-
categoria 3, com 26,9 por cento, constituíam, conjunta- soas poderia haver num momento determinado e seu lugar
mente, pouco mais da metade (53,4 por cento) do total de numa complicada e mutante rede de relacionamentos so-
filiados. Entretanto, parece óbvio que a categoria 3 repre- ciais. Mas isso não basta. Para achar o que os seres hu-
senta uma concepção demasiado restrita da classe média manos sentia)ll como injustiça e o que eles tentavam fazer
baixa. Há membros dela aglomerados em outras catego- quanto à sua concepção particular de injustiça é necessário
rias. Qual o seu número, é uma questão de julgamento. Aos voltar a atenção para uma espécie de evidência completa-
26,9 por cento na categoria 3, proponho adicionar: 1) todos mente diferente.
os artesãos independentes da categoria 2, ou 8,3 por cento;
2) da categoria 4, um pouco mais da metade, ou 8 por ce11-
to; 3) dos que não tinham ocupação na categoria 6, ou- Formas e font,e:s da indignação moral nazista
tros 2 por cento. O total destes ainda assim não ultrapassa a
metade (45,2 por cento) do NSDAP. o fato do NSDAP conter tantos trabalhadores indus-
Desta maneira, chegamos à conclusão algo surpreen- triais ou ao menos trabalhadores urbanos constituía uma
val1tagem política particular. Ainda que a atração do par-
(9) SDR. Band453, Heft2, p. 7. tido fosse mais efetiva entre as classes médias baixas, tal

..'-.~
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_______..' ..b..
~~riil'~·:·"' i"~~.......;______________
560 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTiçA 561

fato c ..mfere alguma coloração de verdade à alegação dos mem de família como receita para uma vida comedida e
nazistas de que falavam em nome de todos os alemães, ou útil. As autobiografias geralmente descrevem os pais de
melhor, de todos os patriotas alemães. Após terem conquis- uma forma idealizada ao longo dessas linhas, mesmo no.
tado o poder, suas políticas de conquista e pilhagem trou- caso de famílias de classe trabalhadora, onde o pai era um
xeram, de fato, benefícios para a maioria dos alemães - social-democrata. Em tais exemplos, entretanto, pode ha-
enquanto tiveram sucesso. O rearmamento pôs fim ao fla- 1 ver indícios de diferenças entre o pai e a mãe quanto à reli-
gelo do desemprego e ajudou a gerar lucros para as em- gião. Embora a atmosfera pareça rígida, há espaço para a
presas. Após a guerra, havia um bom número de alemães indulgência de travessuras e exuberância infantis. Essa in-
que notavam amargamente que Hitler cometera somente dulgência é coerente com a estrita demarcação de papéis
um erro: perder a guerra. Também é necessário recordar sociais e com a ênfase nas virtudes da virilidade, também
que em qualquer país o apelo nacionalista tem certa base bastante presente nos relatos.
real, que em meio ao torvelinho dos últimos anos da Repú- Tal moralidade é comum a homens de origens profis-
blica, em certo sentido, os alemães partilhavam um legado sionais muito diferentes e não parece ser específica a ne-
histórico comum e estavam no mesmo barco porque eram nhuma classe social particular. Ela representa o precipi-
habitantes do mesmo Estado. tado de várias influências históricas convergentes. Em cer-
Ainda que com graus variáveis de sucesso, portanto, tas passagens ressaltam fortes ecos do zelo moral simples
os nazistas podiam e efetivamente conseguiram atrair pra- que constituía uma corrente manifesta entre os artesãos em
ticamente todas as camadas da população. Onde conse- tempos tão remotos como 1848, sem, no entanto, as fortes
guiram sucesso, eles, com efeito, foram capazes de 'desco- .j tonalidades religiosas. Ê também fácil reconhecer todo esse
brir ressonâncias entre indivíduos com um certo conjunto complexo de virtudes como os ideais do capitalismo concor-
de experiências partilhadas e um certo feitio mental, ou pe- rencial dos primeiros tempos.
lo menos uma série de inclinações prévias. Tanto as expe- Esse complexo institucional, por outro llido, nunca
riências como as maneiras de interpretá-las eram elas pró- encontrou raízes muito sólidas na Alemanha: a Concurrenz
prias produtos históricos e sociais que precisamos agora in- (concorrência), na forma como a conhecemos, era conside-
vestigar. Para tal propósito, os relatos autobiográficos de J rada um mal. Portanto, como ficará mais claro depois,
nazistas comuns, coletados por Theodore Abel, em 1934, existem contradições: do indivíduo se espera que trace seu
fornecem informação valiosa. 10 próprio caminho na vida através de seu próprio esforço,
Um traço notável nas autobiografias são a moralidade mas de forma a não competir com os outros. Então, há
e o ponto de vista convencionais face à vida que esses indi- diversas influências identificáveis que são muito mais re-
víduos relatam como conseqüência de sua educação. Há centes e se resumem na doutrinação pelas classes superiores
uma ênfase recorrente no trabalho árduo, na honestidade, no patriotismo e na obediência., O sistema educacional, o
na obediência leal à autoridade convenientemente consti- exército, as experiências cotidianas de contato com os de-
tuída,l1 no patriotismo e nas virtudes de ser um bom ho- tentores da autoridade evidentemente faziam sua parte so-
bre uma porção substancial da população subordinada. O
(lO) Ver Abel, The' Naz'i Movement: Why Hitler Came to Power. Para conjunto total é convencional, representando uma marca de
uma análise estatística dos dados fornecidos por Abel ver PeterH. Merkl, PoUtieal experiências históricas específicas e um amálgama destas.
Violence under the Swastika: 581 Early Nazis. Ê pequeno-burguesa ao invés de burguesa (e dificilmente
(11) Merkl, Politica/ Violence, pp. 489-491, 691, entretanto, relata e ana-
lisa m; 76 casos em 581 que exibiam uma hostilidade generalizada a qualquer tipo patrícia: não existe o senso de estar acostumado a receber
de autoridade. deferência) com uma forte cobertura de traços ao mesmo
I
j
;1
----------- - -----'-'--
.- _._----
= --------- ._---_._.------
562 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 563

tempo burocráticos e mesmo feudais. Os burocráticos to- honlens que, por quatro anos e meio, tinham desafiado o
mam a forma de ênfase na importância de desempenhar nlundo em armas, que tinhanl arriscado suas vidas eln inu-
uma tarefa limitada de uma maneira disciplinada; os feu- lneráveis combates, com o único desejo ele proteger o país
contra este horror.
dais aparecem como o senso de honra pessoal e de difusa Pela prin1cira vez, passei a sentir um ódio ardente por
lealdade aos superiores. Como tal, a combinação resultante essa escória hUHlana que esmagava aos seus pés tudo o que
é especificamente alemã. 12 Ainda assim, seria um erro su- havia de puro e limpo". 14
pervalorizar os aspectos puramente gennânicos. O fas-
cismo, como argumentei em outro ponto, constituiu um fe- Outros, que também se tornariam nazistas, referiam-se a
nômeno histórico de dimensões mundiais, mesmo que te- experiências similares como uma "bofetada na face de todo
nha atingido sua forma mais virulentamente destrutiva na alemão decente", uma situação onde "o heroísmo tinha-se
Alemanha. Causas em geral semelhantes, incluindo uma transformado em covardia, a verdade em mentira, a leal-
moralidade e uma visão similares perante a vida, existiram dadeera recompensada com a pusilanimidade". Um deles,
como tendências dominantes ou subordinadas em muitas demasiado jovem para lutar, conta sobre o dia em que, por-
partes do globo. 13 tando um gorro monarquista vermelho, branco e negro dos
Munidos com essa maneira de perceber e julgar o estudantes de canto, andava pelas ruas de Berlim no dia da
mundo, uma maneira bastante comum mas de forma al- revolução. Dois homens aproximaram-se dele, arranca-
guma universal na Alemanha após 1918, esses jovens pas- ram-lhe o boné da cabeça e deram-lhe tapas no ouvido.
saram por uma série de experiências decepcionantes e amea- "Continuei meu caminho em lágrimas", narra ele em se-
çadoras. Para muitos soldados, o retorno à terra natal revo- guida, "não tanto porque perdera meu gorro, mas porque
lucionária de 1918 constituiu um choque amargo e um de- esses camaradas tinham sido suficientemente vis a ponto de
safio aos quais eles respond~ram de modo punitivo, da for- atacar uma criança. O amargo ressentimento dessa ocasião
ma narrada por um deles: deixou em mim uma impressão duradoura". 15
Choques ainda mais agudos atingiram muitos homens
"As tropas mais uma vez estavam de volta à Pátria e,
todavia, uma visão lamentãvel as esperava. Rapazes imber- que descobriram que as virtudes tradicionais da parcimônia
bes, desertores dissolutos e prostitutas arrancavam as om- e do trabalho árduo - ou pelo menos suas tentativas de
breiras de nossos lutadores da linha de frente e davam tapas colocar tais virtudes em prática - não constituíam uma via
em seus uniformes cinzas de batalha. Ao meSlTIO tempo, para o contentamento e a segurança econômica na Alema-
murmuravam alguma coisa sobre liberdade, igualdade e nha do pós-guerra. Muitos dos relatos falam ou do fato da
fraternidade. Pobre povo iludido! Era isso a liberdade e a trajetória descendente no mundo ou do doloroso temor face
fraternidade? Gente que nunca vira um campo de batalha, a essa perspectiva. O que despertava o ressentimento mais
nunca ouvira o gemido de uma bala, insultada abertamente intenso era que outras pessoas, especialmente os judeus,
pareciam alcançar sucesso sem investir no trabalho árduo
e, na verdade, em modos que aos olhos desses alemães pa-
(12) Para um excelente estudo histórico da interaçflo entre traços feudais e
burocráticos ver Hans Rosenberg, Bureaucracy, Aristocracy and Autocracy: The reciam parasitários. Desse modo, o tabu bastante difun-
Prussian E'r.:perience, 1660-1815. Este autor mostra que certas formas de obediên- dido do cão na lnanjedoura, analisado num capítulo ante-
cia cega e a~noral, que- alguns teóricos consideram um produto da sociedade in-
dustrial adiantada, apareceram em pleno viço na Alemanha muito ant~s da revo-
lução industrial. .
(3) Ver Social Origins of Dicla/orslzip alui Democracy, cap. VIII. (H{l (14) Abel, NaZI /v]ol'('melll, p. 24.
edição brasileira, N, T.) (15) Abel, Nazi Al"')'l'menl, pp. 25-27.

I
,}
565
INJUSTIÇA
564 PERSPECTIVAS GERAIS

rior, faz seu reaparecimento de uma forma sinistra. Assim cela decente da população travaram um combate desampa-
rado contra es~a imundície. O parlamentarismo celebrava
também o ressentimento diante do esforço sem recompensa. verdadeiras orgias. Cerca de trinta e cinco partidos surgi-
Eis um relato característico: ram para confundir ° povo, Uln verdadeiro sabá das bruxas.
Desprovido de educação política, doente de corpo e alma,
"Minha tarefa mais urgente em 1919 era fazer meu o povo alemão vacilou atordoado diante da determinação
negócio voltar a funcionar outra vez. Isto era b lnais dificil,
das pequenas". 17
uma vez que durante os longos anos da guerra ninguém ti-
nha tido tempo para se preocupar com tais coisas. Como muitos outros, esse homem percebera um problema
Depois de muito empenho consegui finalmente garan- econômico em termos morais e reagira sentindo uma cons-
tir alguns pedidos. Todas as minhas esperanças foram, po- piração imoral que formava uma fonte de poluição e que
rém, destroçadas. A inflação pôs um fim aos meuS esforços.
( ... ) A fome e as privações dominaram mais uma vez o meu devia ser extirpada. Trata-se de uma forma antiga de rea-
lar. Amaldiçoei o governo que sancionava tal miséria. Eu ção ao desastre econômico. Era uma reação que também
estava convencido a essa época de que a inflação não era incluía hostilidade às classes dominantes, e de forma al-
necessãria na escala em que fora levada. Mas ela servira a guma apenas aos novos ricos, mas igualmente às classes
seu propósito: a classe média, que ainda tinha alguns fun- dominantes tradicionais devido ao seu aparente alheamen-
dos e que se opusera imediatamente ao marxismo sem real- to, à sua segurança e indisposição para ajudar. Ao lado dos
mente combatê-lo, 'fora completamente eliminada. sentimentos anticapitalistas, essa corrente de hostilidade de
(Este homem continua para dizer que declinara o classe conferiu ao movimento nazista um verniz radical an-
convite de amigos para ingressar num dos numerosos movi-
tes da tomada do poder.
mentos reacionários da época) pois ali também eu seria um Numa das aJ1tobiografias reproduzidas na íntegra, o
deslocado. O único caminho de saida para nossa miséria era filho de um pedreiro recorda a amarga impressão deixada
encontrar um homem que pudesse ter sucesso eUl unir todos
os alemães que ainda tinham algum apreço pela honra" . 16
por seu contato com as classes superiores durante seu tempo
I
i de escola:
A inflação atingira proporções astronômicas em 1923 e o I, "Nós íamos à escola descalços. Embora nossas roupas
desaparecimento das economias em dinheiro configurou fossem limpas e inteiras, oS filhos das famílias de classe mé-
para muitos uma experiência traumática. Dessa forma, um dia apareciam com colarinhos e sapatos. Logo percebi que
homem que vagou de emprego em emprego até se tornar esse fato lhes conferia uma vantagem, embora tal superio-
um funcionário público via a situação em retrospectiva: ridade não se justificasse por realizações ou capacidades". 18

"Momentaneamente, houve o falso boom da inflação, Quando cresceu, ele


o maior embuste jamais perpetrado sobre um povo decente
e parcimonioso. O mundo ficou de pernas para o. ar. A dili- "( ... ) logo observou o homem trabalhador e honesto
gência foi penalizada, enquanto os especuladores torna- sendo explorado pelos defensores do capitalismo. Senti-me
ram-se ricos. Casas públicas repletas de meretrizes brota- I mais amargurado diante da forma pela qual oS empolados
ram por todas as partes. Todas as comportas da indecência ) burgueses não levavam em conta oS outros alelnães, simples
foram escancaradas. O lutádor'da frente de batalha e a par- I
i (17) Abel, Nazi MovemerJt, pp. 123-124.

:1
(18) Abel, Nazi Movemeflt, p. 247.
(16) Abel, Nazi Movement, p. 122.

~-~--- . ~.,.------.------
---
PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 567
566

trabalhadores COIn gestos triviais. Minha própria visão de branco com o Deutschnationale Volkspartei, um partido
mundo e nlinhas observações conduziram-zne a sentir que a monárquico reacionário que extraía seu apoio dos Junkers
luta de classe não era uma condição criada pelo grupo dos e da grande indústria. Sua solução para o problema do de-
trabalhadores. A classe lnédia criava os pré-requisitos para semprego, na visão deste homem, era a melhoria geral das
ela, enquanto no outro lado falsos profetas achavam dema- condições econômicas para absorver os desempregados.
siado fácil inserir-se em l.neio ao povo alemão". 19 Essa política, como ele via, implicava

Após uma série de altos e baixos, e a perda total da herança "( ... ) anos de donlÍnio das baionetas, a finl de enfren-
de sua jovem esposa devido à inflação,· este homem alistou- ta~'
o desespero que estava destinado a se seguir. Quão dife-
se na SS. Ali, ele alega ter encontrado aquilo que estava rente disso era a audaciosa proposição que brotara do cora-
buscando - na verdade, uma ressurreição das antigas vir- . ção calidamente sünpático de Hitler! Sua idéia não era usar
tudes - "a expressão da firmeza, da virilidade, da hones- os recursos do Estado para auxiliar os industriais e os pro-
tidade, simplicidade e modéstia". Nas últimas linhas da prietários de terra, luas tirar vantagem destes imediata-
autobiografia, ele se refere ao Expurgo Sangrento de 1934, Inente CQJU o intuito de aliviar a nliséria de lnilhões de ale-
lllães desenlpregados!" 22
o fim do "radicalismo" nazista, quando Hitler ordenou à
SS que executasse Roehm, o líder dos camisas-marrons da
SA, e outros rivais em potencial. "Vimos chegar o dia 30 de A observação revela outro lado das correntes emocionais no
junho de 1934. Mais uma vez, o destino resumira a cons- seio das classes menos afortunadas: um desejo de ter os
ciência de vida em um fórmula final: O Líder está cha- benefícios ela revolução sem os custos em conflito e sofri-
mando, armas às mãos. E todo o resto desaparece". 20 mento. Essa esperança os nazistas partilharam com muitas
Em sua mistura de ressentimento de classe e abdicação formas de libeqJismo estatista, a partir de Franklin Roose-
da razão, mascarada de virilidade que culmina em assassi- velt. Mas existe uma diferença significativa. Mesmo a ver-
nato, essa carreira epitomiza o componente radical no Na- são estatista do liberalismo pressupõe a continuidade do
cional-socialismo e no fascismo em geral. Outros relatos conflito de grupos, enquanto a visão nazista buscava a dis-
fornecem variações e amplificações sobre temas similares. solução do conflito dentro das fronteiras da "comunidade
Um deles fala em termos mais afetados e estereotipados dos do povo", como parte de uma luta intensificada numa es-
Junkers que usavam seus.chicotes sobre os homens que tra- cala internacional contra o liberalismo e o marxismo.
balhavam em seus domínios, dos empresários cortando ta- Neste ponto, espero, deve estar suficientemente claro
lões e fazendo "essa experiência terrena tão agradável que os nazistas efetivamente gozavam de apoio de pessoas
quanto possível para sua 'dama' e seu mimado filho único", que se sentiam moralmente indignadas pela ordem social
do desprezo dos grandes negócios pelos trabalhadores, para que as circundava. 23 Elas viam-se como as vítimas perse-
concluir com uma explosão de retórica sobre a comunidade . ,
do povo que deveria colocar um fim em tais hostilidades." (22) A heI. Nazi MOl'ement, p. 129.
Uma última narrativa digna de menção descreve bre- '~I (23) O estudo estatístico de Merkl conclui que, para uma maioria dos Cl1-
·1 trcvistudos de Abel, as experiências de companheirismo nas trincheiras, bem
vemente o desencantamento do trabalhador de colarinho \, como as de derrota, revoluç-ão, exposiç-ão à ocupaç-ão estrangeira e a situaç-ão nas
áreas de fronteh'u parecem tcr sido decisivas como fatores prel:ipiladores de sua
adesi10 ao nazismo. A estes ele agrega como fator crucial e dbtinto a revolta polí-
tica juvenil de uma geração mais jovem "que conferiu ao ITIm'imento motivado
(19) Abel. Nazi MOl'ement. p. 248. pela guerra a forç-a de permanência para triunfar em 1933". Ver Political Vio-
(20) Abel, Nazi Movement. pp. 259, 262.
lence, p. 711. Para essa geração mais moça, a c<llllarndagctll na luta, corporifi-
(21) Abel, Nazi Movement, pp. 140-141.

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-I

I,
I
568 PERSPECTIVAS GERAIS

guidas da República liberal e capitalista de Weimar. Quan- ~ INJUSTIÇA 569

do nada, esse senso de perseguição crescia para aqueles que econômica concreta em Seu diagnóstico popular da ordem
davam o passo de aderir ao Partido Nazista. De acordo com social. Ao contrário, há um penetrante sentido de maldade
Abel, várias centenas de nacional-socialistas foram apedre- e poluição. Extirpe a poluição de uma forma basicamente
jados, baleados ou esfaqueados até a morte em rixas de rua "antiquada" e os não-poluídos poderão viver felizes para
com grupos organizados de esquerda, entre 1930 e 1932. 24 sempre em uma "comunidade. do povo". Tais eram os ele-
Embora os tribunais fossem geralmente bastante condes- mentos essenciais neste diagnóstico e nesta solução popu.
cendentes com os nazistás e outros direitistas que recorriam lares para o sofrimento. 26 .
') A concepção nazista de comunidade do povo 27 foi urna
à violência, as forças policiais locais de vez em quando
caíam sobre as Tropas de Assalto com severidade. 2S O efei- resposta a experiências e frustrações bastante variadas. O
to da perseguição física foi simpksmente intensificar a leal- conteúdo principal da noção encontra suas raízes numa re.
dade a Hitler e à causa. cordação idealizada da vida nas trincheiras, contrastada
As fileiras nazistas, evidentemente, percebiam e expli- com os desapontamentos da existência civil. A vida nas
cavam os choques que recebiam nas mãos de uma socie- trincheiras fora alegadamente de camaradagem e auxílio
dade em sublevação em termos morais muito simplificados. mútuo, e não de anonimato e competição individual sem
Uma vez que a maioria dos membros se via como estrita- tréguas. Através de um movimento de algum modo contra.
mente moral e trabalhadora, as catástrofes e as ameaças de ditório da lembrança, um homem nas trincheiras era jul.
catástrofe em suas próprias vidas tinham que vir de uma gado, segundo eles pensavam, pelo que realmente era e po.
font.e externa que fosse maligna. Se o esforço não levava à dia ff!zer. Portanto, apenas o desempenho é que conta.
recompensa do modo tradicionalmente esperado, algo de-
via estar radicalmente errado e moralmente incorreto. (Em
! va, como ocorre nas situações competitivas. Mas, suposta.
mente, nenhuma qualidade "externa" entrava aí: um ho-
outros tempos e lugares os seres humanos podem ser trei-
nados e com efeito o foram para não esperar muita recom- (26) Em Mein Kampf Hitler afirmou com freqüência que a luta teria de
continuar numa escala internacional após a conquista do poder pelo NSDAP na
pensa.) Esse algo era em parte conspiração e em parte um Alemanha. Mas, nas longas citações extraídas das autobiografias de Abel há pou-
defeito radical na ordem social global. Os nazistas das bai- cas referências sobre uma luta internacional iminente. Em minha visão, a moti-
xas fileiras generalizavam. Quando nada, generalizavam vação anti-semita também parece apagada em comparação com a propaganda
oficiãt de Hitler. Abel, Nazi Movement, p. 164 e nota 14, relata que 60 por cento
em demasia. Não há praticamente nenhuma análise social e dos entrevistados não fez' qualquer menção que permitisse inferir atitudes anti-
semitas, as quais, entretanto, podiam existir tacitamente, em graus variados em
todos aqueles que aderiram ao NSDAP. Utilizando as mesmas autobiografias,
cada na noção do VolksgemeiTlschaft. parece ter sido importante por seus pró- Merkl. Political Violence, p. 499, encontrou apenas 25 por cento sem qualquer
prios méritos'. Embora a parcela mais jovem de tal contingente não pareça ter sido evidência de anti~semitismo. Sem acesso aos documentos, devemos questionar a
afetada diretamen te pela depre~são, quando adolescentes eles presenciaram o que confiabilidade de medições estatísticas como estas, onde resultados de homens ho-
a geração mais velha experimentou de forma mais direta. Sobre estes aspectos, ver nestos mostram tamanha discrepância. É necessário, portanto, tratar com reser~
Political Violence, pp. 413, 420. 423-424,443. vas um dos achados mais sugestivos de Merkl: que aqueles que revelam agres~
(24) Nazi Movement. p. 105. sividade fisica mostram o mínimo de preconceito-verbal (pp. 466, 489). Essa re~
(25) Para alguns exemplos, na visão dos nazistas. ver Abel, Nazi Move- lação inversa, proppe Merk1, pode refletir uma equivalência na função psicológica
ment. pp. 95-110. Algumas vezes, o tom dos relatos levanta a suspeita de que seus entre ação violenta e discurso simbolicamente violento. Como se sabe, entretanto,
autores estavam enfatizando suas virtudes enquanto antigos Iutadc)res pela causa as conseqüências para outras pessoas são muito diferentes. Além disso, a lingua-
de Hitler, em contraposição a outros que apenas procuraram e encontraram po- gem e as f;,mtasias violentas podem constituir uma preparação psicológica para o
sições confortáveis. um tema candente à época do Expurgo Sangrento, que teve comportamento destrutivo.
lugar na mesma época em que foram coletadas as autobiografin·s. Portanto, o (27) Para uma abordagem um pouco diferente deste tema, ver Merld. Po-
tema da lealdade robustecida através da luta talvez esteja supcrdime.l1sionado. -litical Violellce, pp. 96-118. Concordamos nos pontos essenciais: que este era um
Por outro lado. parece claro que esta síndrome ineg~velmente existia. conceito-chave para os membros do partido (p. 101), derivado em grande medida

J da experiência de companheirismo nas trinche~ras (p. 98).

:)1)dhf;.
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!
S70 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 571
>
luem era o que era, independentemente da educação e da fiantes e verdadeiros. Trata-se de um sonho humano muito
origem social. E os laços que se formavam entre homens antigo e provavelmente perpétuo. 28
reduzidos à sua essência, em face do perigo compartilhado, Nem os ddensores nazistas, nem os advogados moder-
eram vistos como de certo modo mais profundos e mais ge- nos da comunidade mostram muita consciência de que nas
nuínos. Neste sentido, a noção de comunidade constituía comunidades reais, 29 tal como estas existiram nas aldeias
um instrumento igualitário contra as distinções de classe -
? camponesas ou na maioria das sociedades não letradas, es-
novas e antigas - que ulceraram e supuraram sob a Repú- t1\.O presentes sanções sufocantes contra o desvio das nor-
blica de Weimar. A vida devia ser uma permanente viagem mas da comunidade. Na prática, esses pequenos agrupa-
de acampamento depois da chegada de Der Trag. mentos são dominados pela coq du paroisse, ou uma pe-
Esta utopia aparece principalmente como uma viagem quena oligarquia. Sob forma masculina ou feminina, Mrs.
apenas para homens, tal como a vida nas trincheiras. Com Grundy* é geralmente o poder real por trás do trono no
suas tonalidades de ritual e renascimento e de igualdade equivalente a uma pequena autocracia, onde dificilmente
diante de um ambiente hostil, a comunidade do povo, como existe um refúgio do olhar desaprovador dos guardiães da
o próprio Partido Nazista, revela semelhanças significativas tradição. Não há lugar para aqueles que realmente "querem
com as Miirmerbünde, organizações de homens adultos que fazer as coisas de seu jeito" , outra tendência que parece pan-
os antropólogos encontraram em muitas soCiedades não-le- humana se significa simplesmente satisfazer os próprios
tradas. desejos onde quer e quando quer que eles ocorram. Isso
Mas não' parece necessário ir tão longe a fim de reco- também é, em última instância, impossível. Mas aqueles
nhecer na concepção de comunidade do povo o reflexo de 'que procuram mudar as barreiras freqüentemente indefen-
penas e desejos que têm lugar em muitas outras sociedades, sáveis entre os seres humanos nunla sociedade moderna fa-
inclusive a nossa, e que na verdade podem ser quase pan- riam bem em considerar a possibilidade ele que, em geral, a
humanos.- Numa forma idealizada e não muito velada, a destruição da comunidade talvez represente a mais valiosa
comunidade do povo equivale a um retorno imaginário à realização da civilização industrial moderna.
segurança da família, da infância, senão do próprio ventre 1
materno. Uma fonte óbvia desta fantasia é o temor das ten-
dências atomizadoras e egoístas (que podem ser notadas
I,
"Direita" e "'Esquerda": similaridades
i
nos relatos sobre os campos de concentração) que podem e difm'ençasenfre dois radicalismos
agir quando quer que os bens e serviços costumeiros se tor.-
nam escassos e os indivíduos começam a lutar por eles em Com a discussão sobre a comunidade, inauguramos já
detrÍlnento uns dos outros. A vigorosa reafirmação do vín- o tema das similaridades e diferenças entre a variante na-
culo social é uma defesa comum e mais ou menos natural
contra essa tendência. Como a ordem capitalista constitui
uma tentativa de enfatizar e institucionalizar a competição, (28) Para um estudo geral bastante instrutivo, ver Roger MucchicIli, Le
/'vIythe di> la Cité ldéale. '
todos os seus críticos salientaram alguma concepção de co- (29) Podemos definir comunidade como um grupo de pessoas relativa-
munidade ou tentaram inventar uma nova. Na comunidade mente autônomo e suficientemente pequeno para que todos os indivíduos se conhe-
ideal todas as querelas, penas e incertezas que formam par- çam uns aos outros, mas suficientemente amplo para dar conta da maior parte
das necessidades econômicas do grupo, com uma divisão de trabalho simples.
te da vida em qualquer sociedade que tenha deixado regis- (*) Trata-se de uma referência à comédia de Thomas Morton, Speed the
tro deverão, segundo se espera, desaparecer para serem PlolIgh (1798), cujas personagens perguntam freqüentemente: "Que dirá Mrs.
substituídas pela camaradagem dos relacionamentos con- Grllndy?". (N. '1'.)

I
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------------------------------
?,"·1··

fu;1
574 INJUSTIÇA
PERSPECTIVAS GERAIS
J
\;
575

~I
malignos e como uma fonte de poluição que precisa ser des- para tornar suas reivindicações uma força libertadora alta-
truída, ainda que possivelmente haja uma tendência de mente suspeita.
certa forma mais poderosa na esquerda de acreditar na pos- ~\
'. Existem então diferenças qualitativas agudas? Eu su-
sibilidade de regenerar opositores por meio de um trata- ~I giro as seguintes: a ira dos movimentos de esquerda encon-
mento adequado. Mais ainda, existe em ambos os lados ,I tra sua expressão em termos de princípios supostamente
uma firme crença na existência de um núcleo irreconciliável aplicáveis a toda a humanidade. Fraternidade, . solidarie-
de oposição que terá de ser destruído antes da vitória final e i dade, companheirismo e igualdade são pelo menos poten-
da introdução de uma nova ordem na sociedade. Entre eles
próprios existe, tanto na esquerda como na direita, o mes-
mo ethos de camaradagem e a mesma hostilidade à privaci-
I cialmente abertos a todos os seres humanos na mesma si-
tuação de opressão. Isto não significa ignorar que o que
confere a muitos movimentos de oposição a sua permanên-
dade como uma fonte potencial de desvio e apostasia. Tais
características são especialmente proeminentes nos movi-
1 cia no poder é a obstinada perseguição de objetivos de grupo
consideravelmente estreitos e reivindicações do mesmo gê-
mentos comunistas, mas existiriam também entre os sans- 1 nero. Os mineiros de carvão da Alemanha fornecem. um
culottes.
Na atitude diante dos líderes começam a aparecer as 1 exemplo mais do que adequado às nossas necessidades.
Tampouco queremos negar o fato de que os interesses de
diferenças ao lado de algumas similaridades surpr.eenden-
teso Em alguns movimentos de esquerda existe a mesma
I
:1
grupos entre os menos afortunados amiúde colidem inten-
samente. A hostilidade de inúmeros trabalhadores à con-
demanda por uma auto1'idade suprema única para retificar :1 corrência dos imigrantes estrangeiros basta aqui como
o mundo que ocorreu entre os nazistas. A fonte fundamen-
tal é provavelmente a mesma em ambos os casos: um sen-
tido de impotência individual e de incapacidade para con-
,~
'j
, exemplo. O máximo que se pode dizer, portanto, é que
muitas expressões espontâneas da ira das classes baixas efe-
tivamente assumem uma forma nítida de princípios generi-
trolar o mundo que parece maligno e opressivo. Por outro •• camente aplicáveis - em parte a partir de uma percepção
lado, os anarquistas rejeitam completamente tal atitude.
Há também razões para duvidar se a afeição e mesmo a
adoração por um líder que acontece nos movimentos oposi-
1 do destino compartilhado e da necessidade de alianças. O
objetivo é uma nova ordem social para o mundo como um
todo e não uma "Nova Alemanha". Mesmo depois dos mo-
cionistas de esquerda contêm o meSlno grau de autodegra-
dação e de abdicação da razão exibido pelos nazistas. Em
•I vimentos de esquerda terem chegado ao poder, o apelo uni-
versal pode persistir como um instrumento útil no arsenal
geral, a esquerda tenta mobilizar-se em torno de um pro- diplomático e mesmo militar do novo regime. Isto ficou su-
grama de mudanças específicas nas instituições sociais e de, ficientemente claro nos exemplos da China e da União So-
no mínimo, um apelo a alguma forma de auto-interesse, [.·.··1·· viética; é uma verdade desde a época de Napoleão.
especialmente na fase que precede a tomada do poder. Eu Existem também distinções discerníveis entre movi-
arriscaria a generalização de que na esquerda é somente
após a captura do poder que tem ocorrido o mesmo tipo de
N mentos populares de direita e esquerda na atitude tomada
frente ao uso da violência e da força, ou nas atitudes puni-
autodegradação, que ocupa lugar tão proeminente no movi- l"1
" '
tivas de modo geral. Trata-se de um terreno bastante difícil
mento nazista. Assim, como no caso de Stalin e Mao, a des- que exigiria um outro livro para ser apropriadamente inves-
'li,
peito de suas diferenças bastante significativas, o culto do li·
tigado. Ainda uma vez, poderei apresentar apenas um reco-
líder é organi~.a(!o a partir do topo, principalmente como 'I, nhecimento muito preliminar. À primeira vista, parece ten-
uma arma nas disputas políticas internas. Também neste
ponto, a esquerda modificou suficientemente seu caráter
t
~~ .
tador afirmar que, para os movimentos de esquerda, tanto
as posturas diante da violência como as metas diferem agu-
.~~
; ."
,~}~
;-i1r'
,; .(, PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 577

damente dos movimentos populares de direita como o na- rios, ao passo que algo parecido ao iaverso tem ocorrido
zismo. Para a esquerda, pode-se alegar,. a violência não é freqüentemente. Urna vez que os Massaçres de Setembro
geralmente um fim em si, mas principalmente algo neces- atraíram a atenção de reputados historiadores e revelam al-
sário para atingir objetivos políticos e sociais. A ira de es·· guns elos processos essenciais, será útil examinar mais aten-
querda não é, em geral, dirigida contra os fracos e os des- tamente as evidências disponíveis sobre este episódio.
providos de poder. Seu alvo não são os judeus ou os ciganos Num sentido bastante livre é correto que o alvo ela mul-
dos nazistas, nem os desamparados negros das coléricas tidão naqueles acontecimentos foi um conjunto de figuras
multidões linchadoras nos Estados Unidos. Seu método não que tinham detido a autoridade. O elemento desencadea-
é o pogrom. Em vez disso, a ira popular de esquerda es- dor do levante foi um boato no sentido de que a partida
colhe como metas os símbolos e a corporificação do poder massiva de bons revolucionários em armas para o front es-
opressivo: reis, aristocrat'as, funcionários ·do governo, ho- vaziaria Pal'is dos sustentáculos da revolução, fornecendo
mens de poder e importância. assim a ocasião para uma sublevação contra-revolucioná-
Seria também muito mais tentador acreditar nessas ria, cujo epicentro seriam as prisões. Várias destas estavam
asserções se elas realmente constituíssem a verdade. Elas tão repletas de pessoas do lado derrotado da defesa das
são demasiado reconfortantes, pelo menos para aqueles qne Tulherias em 10 de. agosto de 1792, ocasião em que o rei
se colocam à esquerda, para serem tão verdadeiras. No má- ordenou à Guarda Suíça a suspensão do fogo. Mas o fato
ximo, elas representam - como a alegação dos regimes li- evidente é que as turbas errantes massacraram no curso de
beriis de serem capazes de resolver os conflitos na sociedade vários dias ma.is de mil prisioneiros desamparados. 31
pacifica e imparcialmente - um ideal e uma tendência que Jules lVIichelet, escrevendo na década de 1850 e com
em mais de uma ocasião foram aproximados na prática. As acesso a arquivos, alguns dos quais foram destruídos em
alegações da esquerda estão mais próximas da verdade ao 1871, apresenta ·0 relato mais detalhado e valioso que fui
caracterizar seu inimigo, os movimentos fascistas. Estes, de capaz ele encontrar. Apenas duas das quarenta e oito seções
fato, glorificam a violência e a força, embora seja necessá- nas quais a "gente comum" de Paris tinha se organizado
rio introduzir certas qualificações e distinções a este res- votara.m realmente a favor do massacre." Essa limitação,
peito logo à frente, e com efeito exibem uma forte tendência entretan to, dificilmente produziu algum efeito prático.
para selecionar alvos fracos - ou, numa linguagem mais Houve gente irada e inquieta em nútnero suficiente para
direta, para destruir os débeis e desamparados. desempenhar estes atos horríveis. Entre eles, estavam pre··
Entretanto, um breve exame do famoso episódio dos sentes os boutiquiers, pequenos conlerciantes forçados à fa-
Massacres de Setembro durante a Revolução Francesa será iência devido à confusão e às mudanças da época. Os co-
suficiente para eliminar a ilusão de que tais alegações pos- , mentários de h-1ichelet sobre eles lançam uma luz interes-
sam ser parte de alguma caracterização geral dos levantes ,I sante sobre sua afinidade histórica com os nazistas, ainda
populares. Como mostra este exemplo, ao lado de vários "., que ele se equÍYoque quando considera sua atitude uma
outros, os surtos de indignação moral popular podem assu- ;'1
'o,':
'k~ cara.cterística estáünnente francesa:
mir formas libertadoras ou opressivas e podem passar rapi-
damente de uma forma a outra, dependendo das circuns-
'I
tâncias. Onde tal transformação efetivamente ocorre, ela se %!
dá, até onde tenho conhecimento, apenas em uma direção: ?~ (31) Piene Caron, Les massacres de seplembre, p. 95, com base na evi-
dência dt~ arquivo ainda di$pOllíve!'estima o número de vitimas como entre 1090 e
no sentido elo comportamento vingativo e opressor. As mul- .,'·1'.
1395. .
tidões linchadoras não se tornam movimentos revoiucioniÍ- .',~lii (32) Jule~ Michclct, llistoire de la Ré~'olutioJl Française, V, p. 52.
.r,
,~:>',

.~~
INJUSTIÇA 579
578 PERSPECTIVAS GERAIS

"L'ouvrier supporte sQuvent rnleux la faim que le aristocratas mortos. No dia seguinte, o assassinato tornou-
boutiquier la faillite. Cela tient à bien des causes, à une se um prazer. 36 O pior episódio teve lugar em 4 de setem-
surtout dont il faut tenir compte; c'est qu'en France la bro. A turba dirigiu-se ao ataque do castelo de Bicêtre,'
faUlite n' est pas un simple n,alheur (com me en Angleterre um imenso depósito de mantimentos do antigo regime des-
et en Alnérigue), mais la perte de l'honneur. Paire honneur tinado aos mais diversos refugos sociais e desafortunados,
à se. . . affaires est nu
proverbe français et qui Jl'existe gu'en incluindo lunáticos, órfãos, aprendizes abandonados e ser-
France. Le boutiquier en faillite, íci, devient tres-féroce." 33 vidores presos a uma palavra de seus senhores. Bicêtre
era semelhante à Bastilha, exceto pelo fato de que, des-
Os bOlltiquiers ganharam a adesão de toda a sorte de apren- ta vez, o castelo estava repleto e a multidão veio para ma-
dizes, meninos cleaçougue e a população flutuante da qual tar e não para libertar. Apenas um número relativamen-
Paris é tão rica. Conforme cada prisioneiro deixava a porta te pequeno chegou até aí porque muitos na multidão pa-
da prisão, a multidão se atirava à vítima com lanças. raram no meio do caminho para atacar o castelo de Sal-
Aqui e ali, a multidão chegou a empregar julgamentos pêtriêre, uma instituição semelhante destinada a mulheres,
sumários na escolha das vitimas, poupando às vezes, por inclusive prostitutas. Nesse local foram mortas umas trinta
exemplo, os que tinham sido presos por dívidas, ou aqueles e cinco mulheres, trinta delas p:rostitutas. Em Bicêtre, a
que por algum motivo caíam em suas graças. 34 Resta ainda multidão de alguma forma topou com um grupo de meni-
alguma dúvida sobre os atos de mutilação e de agressão nos abandonados e maltratados e matou cerca de trinta
sexual aos corpos das vítimas femininas."' Com essas ressal- deles. Um pouco mais tarde, outra multidão chacinou pes-
vas e exceções menores, as multidões comportaram-se com soas condenadas às galés em outra prisão, Bernardins·. 37
fúria e brutalidade indiscriminadas. Durante a chacina, os líderes da revolução não esbo-
A partir do relato de Michelet, fica claro que houve um çaram nenhum esforço sério de intervir ou colocar término
progressivo relaxamento das inibições à agressão. Quando· a ela. Tanto Danton como Robespierre utilizaram a ocasião
irrompeu a carnificina, em 2 de setembro de 1792, as mas- para fazer avançar seus interesses faccionais. Na opinião de
sas mostravam alguns indícios de hesitação. As pessoas des- alguns historiadores modernos, Danton, através de astuta
calças ainda não se dispunham a atirar-se aos sapatos dos inação, tem pesada responsabilidade no fato. Embora Ma-
rat usasse uma linguagem sanguinolenta à época, é duvi-
(33) Michelet, Révo/utiOTl Française, V, p. 63 (os grifos estão no originaI).
doso que tenha tido alguma influência ou contribuição sig-.
(O trabalhador, muitas vezes, suporta melhor a fome que o comerciante a falên~ nificativa no movimento. 38 A opinião revolucionária con-
cia. Isso se deve a muitos motivos, principalmente u um que se deve ter em conta: :i! temporânea, até onde pode ser percebida nos jornais e nos
é que na França a falência não é um simples infortúnio (como na Inglaterra ou nos :! fragmentos de correspondência que sobreviveram, foi em
Estados Unidos), màs a perda da honra. Fazer honra a seús negócios~ é um prôvér~
bio francês que existe só na França. Assim, o comerciante em estado de falência ',,' geral favorâvel ou apologética. Críticas agudas nâo vieram
torria~se terrivelmente feroz.) à tona por cerca de três semanas, embora possam ter sido
(34) Este aspecr.o aparece no relato deJe;:Ul Jaures, Ris/oire socialiste de la
Révolutiotl Française, IV, pp. 232-243. Ã p. 234 laures mostra que não estava
"1
surpreso: "le n'aime P"'-S les plaidoyers hypocrites des contemporains qui s'exta- :1 (36) Michelet, Révolution française. V, p. 88.
sient SUl' 'l'esprit de jw;tice' du peuple parce gu'i! a epargné ct élargi lcs prisoll-
niers pour dettes". j! (37) Michelet, Révolutiollfrançaise, V, pp. 108-112. Caroll, Massacres de
septembre. pp. 6-7, 148-150, confirma de modo geral as asserções de MiChelet e
(35) Mencionados por Jaures, mas ver Curon, Massacres de septembre, /.;;\
pp. 61-62, 65. Tal tipo de compol'Íumento efetivamente acontece, no entanto. e "I
.:.~:
'.
acrescenta o caso dos condenados às galés.
(38) Quanto a estes aspectos, ver o relato de Jaures. Histoire socialiste, IV.
não é produto de imaginação lasciva. Para um exemplo, ver os relatos sobre um
pp. 251-255, 262. e Louis R. Gottschalk, Jean Paul lv/ara!: A Srudy in Radica-
'festim orgiástico de vitóda entre os habitantes d<ls terras altas d::l Nova Guiné em -:;';.
Rona.fd M .. Berndt, Excess ulld Restraint, pp. 282-284. .i;> Iism. pp. 124-128.
;~,.<

~-_._-
580 PERSPECTIV AS GERAIS INJUSTIÇA 581

sentidas antes disto. Depois disto, através de boa parte do cuja intenção é mobilizar e criar um sentido ao tnesmo
século XIX, o epíteto septembriseur, colocado em circula- tempo de desespero e esperança num setor da população
o ção pela propaganda contra-revolucionária, ganhou amplo subordinada. Sem esse sentido de desesperança, que pode
uso como expressão do lado brutal do exü'emismo revolu- advir de sentimentos hustrados de identidade nacional,
cionário. 39 Para a sensibilidade moderna, seu aspecto pior reivindicações ecopômicas e sociais, ou unla c0111binação
foi ;:-t chacina de pessoas indefesas. destes fatores, a organização terrorista é incapaz de fincar
A té este pon to, temos analisado os movimentos popula- raízes e p~.ssíve1 de desaparecer. Algumas vezes, como no
res de massa que são ou amplamente espontâneos e sem lide- caso da OAS na Argélia, a organização terrorista pode tam-
rança ou, quando organizados·- como o movitnento nazista bém contar com um grau de tolerância tácita entre seg-
certamente o era - têm uma massa efetiva de seguidores. mentos dos que detêm o poder, que tentam usá-la como
Existem vários outros tipos de situações em que as atitudes instrumento em suas próprias lutas internas. Esse fator po-
de grandes números de pessoas face à força e à crueldade de ajudar o grupo a conseguir uma autoridade mais ou me-
vêm à superfí.cie em uma forma que torna possível algumas nos legítima, ou pelo menos um grau de respeitabilidade
comparações adicionais entre movimentosradicais e reacio- política, como ocorreu com o NSDAP, na Alemanha. De-
nários. 40 Um tipo importante é o movimento terrorista que vido em parte ao uso que fez das diferenças entre os países
goza de amplo apoio entre a população. Os movimentos de árabes, a OLP alcançou, em 1974, a oportunidade de ter
guerrilha em seus primeiros estágios pertencem a esta cate- seu porta-voz discursando na ONU, marca característica de
goria. Tanto os movimentos terroristas como os de guerri- ao menos uma respeitabilidade política parcial.
lha podem, evidentemente, carecer ou deixar de conquistar Uma tribuna nas Nações Unidas é, por sua vez, difi-
qualquer apoio por parte da população. Estes podem ser cilmente equivalente à Chancelaria alemã e, como o de-
deixados de lado para os problemas em questão. Exemplos monstra o destino da OAS, uma organização terrorista po-
concretos contemporâneos e Fecentes deste tipo são os ban- de desaparecer se seus principais oponentes acertarem suas
dos nacionalistas que proliferaram e efetuaram inúmero,~ diferenças às suas custas e de seus seguidores. Embora os
assassinatos sob a República de Weirnar, a OAS na Argélia regimes liberais possam pagar um preço alto no enfrenta-
e na França, o Exército Republicano Irlandês, a Organi- menta de uma oposição terrorista, uma vez que não podem
zaça.o pela Libertação da Palestina, e outros. recorrer a medidas policiais efetivas sem minar sua pró-
O propósito desta forma de terror não é tomar o poder, pria legitimidade e dar mais expressão às reivindicações,
I.,
pelo menos não a curto prazo. l'·lcste sentido, ela difere da :,1 eles não são necessariamente impotentes. Os terroristas po-
conspiração armada. Seu propósito é antes desorganizar o dem alienar o seu próprio apoio e despertar a firme opo-
governo existente. solapar sua legitimidade e a aparente sição de outros segmentos da população através de equí-
inevitabilidade de sua autoridade e fazer propaganda de vocos estratégicos e táticos. Os governos podem recorrer a
reivindicaçõcs - sempre através de atos de t.error como <"ir combinações eficazes de força e concessões. A fórmula li-
:;,;
assassinatos e explosão de bOInbas. São atos extrcnlistas beral simplificada de ceder completamente a toda demanda
social, simplesmente porque é expressa em retórica audível
(39) Caro11, kfassacresdeseptembre. pp. 8,121-153, ló7-168.
r' e parece ele alguma forma justificada, provavelmente não
(40) COIn_O no caso da dir,oita e da esquerda, a atitude frente à igualdade:" ~ funcionaria, se fosse tentada. Emoções desesperadas geral-
~1
soei .. 1 fornece um critério tÍtil para a distinção entre movimentos radicai::. c reacio- :~ mente resistem àsatisfação e existe um tipo de apetite polí-
nários. Um pogrom é c1aram.::nte reacionário. Ulna vez que busca perpetuar c 1":1- ?-

tCtlsificar uma desigualdade existente. ou mesmo eliminar completamente ~;l),-\1i tico que aumenta com a alimentação. Pode também existir
\'
vitimas da sociedade humana. algo COITlQ UIna escala defensável de pr10ddudes sociais que
··~I;~
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---'._~----------------=--------..........~-----
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"

582 PERSPECTIVAS GERAIS ,~


j, INJUSTiÇA 583

~, esta região do mundo. O exemplo mais antigo que conheço


mereça amplo apoio público e pelo menos uma tosca alo-
cação racional dos recursos limitados de uma sociedade
,, de tal forma indiscriminada de terrorismo ocorreu em 1894.
Nesse ano, um jovem intelectual anarquista, Êmile Henry,
para a perseguição de tais objetivos. Onde esta situação
prevalece, o terrorismo dificilmente passará de um pro- 1 colocou uma bomba num café próximo à estação Saint-
Lazare, onde uma grande multidão 'de modestos comer-
blema policial insignificante.
dantes, funcionários de escritório e trabalhadores postava-
De forma bastante característica, o ten·orismo de es-
querda teln sido dirigido contra figuras ,de avíoridades, se-
1
1 se tranqüilamente a bebe,. e a ouvir uma banda. A explosão
jam as locais no próprio lugar - como parece ser mais •
"j causou muito dano, ferindo vinte pessoas, das quais uma
característico das modernas guerrilhas camponesas - se- j morreu. Quando foi condenado por matar pessoas inocen-
jam as simbólicas do centro que parecem ser favoritas dos j tes, Êmile Henry simplesmente replicou: 'TI n'y a pas
movimentos mais românticos com muito menos apoio. 41 A j d'innocents".42 Com isto aparentemente queria dizer que
diferença aqui é que os movimentos direitistas selecionam i qualquer um que vivesse como um ddadão comum, pa-
j
como vítimas proeminentes figuras que simbolizam a opo- gando impostos, dispondo de um emprego, etc., na sode-
sição às suas políticas, ao mesmo tempo, entre os deten- ~ dade burguesa que ele odiava de modo tão apaixonado,
contribuía necessariamente para o funcionamento ordi-
tores da autoridade e os líderes potenciais da esquerda. As-
sim, as vítimas do terror de direita na República de Weimar 1 ~
j
nário desta sociedade e, portanto, compartilhava a culpa
geral. Trata-se, obviamente, de um ponto de vista que,
ir.tcluíram -- para mencionar apenas as mais famosas -
Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, por um lado, Walter 1 através de seu rígido determinismo, apaga ao mesmo tempo
Rathenau e Matthias Erzberger, por outro. J toda concepção possível de graus de responsabilidade mo-
Como salientou Michael Walzer, que está atualmente "'1 ral e ás distinções factuais perfeitamente nítidas nos graus
1 de influência e controle sobre as decisões sociais e políticas.
engajado em investigações sobre o terrorismo, em Ulna con-
versa que teve comigo, esse tipo de distinção pode estar i Em si, esta perspectiva não é nem nova, nem de es-
luindo com o surgimento de ataques indiscriminados a I querda. Ê possível encontrá-li,! já no apelo de "Carthago
indivíduos e grupos que têm pouca ou nenhuma ligação 1 delenda est" do superpatriota Catão. Ela passou para nosso
l idioma no termo "paz cartaginesa" para descrever políticas
com as medidas governamentais que são fonte de reclamos, I
e certamente nenhuma responsabilidade pela criação ou ;! deliberadas de destruição total. Catão, entretanto, era
i membro de uma elite dominante. Temos muito pouca in-
execução destas medidas. Eles são os "civis" deste tipo de
guerra e muitos no público geral aparecem simplesmente
I formação confiável sobre como os simpatizantes comuns
como espectadores inocentes. Vários destes exemplos têm :j dos movimentos terroristas se sentem quanto às políticas de
sido relatados nas reportagens da imprensa sobre a luta. na i chacina indiscriminada. No estudo de Peter Merkl, de 581
Irlanda do Norte mas de modo algum eles se confinam a nazistas das fileiras m;lÍs baixas, ele encontrou 155 auto-
li'
'! biografias que revelavam a aceitação romântica ou realista
da violência com ou sem envolvimento real, e 187 relatos de
(41) Agora que o Vietcong venceu no Vietnã, é interessante recordar que ··1
,
envolvimento efetivo em ações violentas. 43 Ainda que seja
eles efetivamente utilizaram o terror sistemático, ainda que as conseqüências do
terror no.tte·americano tenham sido piores e empregadas em benefício de um re~ j impossível tomar essas cifras por seu valor nominal, ela são
gime corrupto e reacionário. Para uma análise sóbria baseada parcialmente em "

observações de primeira mão, ver Douglas Pike, Viet Cong, espec. pp. 244·2.'<:;2, e. "~l suficientes para revelar uma boa quantidade de senti-
Robert L. Sallsoin, The Economics of Illsu.rgellcy in lhe Mekong Delta of Viet~
Ilam, pp. 238·245. A análise de Sansom'é, em meu JUÍzo, muito superior porque
J
.. i~
situa o uso do h!rroi· em seu contexto social e econômico de agravos populares. 1 (42) JamesJpll, TheAllarchist~. p.137.
.,:.1
;., (43) Merkl, Political Viol.ence, p. 542.
Mas os fatos do terror em si são semelhantes em ambos os relatos.
I
.t
58··~ i:"'ERSPECTIVAS GERAIS

Incntos latentes que podialn ser voltados para propósitos


!l1flssivamente destrutivos. Por outro lado, há o rato bem
, ~~
~
1
~
INJUSTIÇA

central na indústria do entretenimento nos Estados Unidos,


ao lado da preocupação com os desastres de massas. En-
585

conhecido de que os líderes nazistas consideraram neces- 1 quanto estado de espírito, não tem nenhum conteúdo polí-
sário esconder suas políticas e maquinaria genocidas da I
~
tico específico e pode se voltar tanto para a direita como
massa da população alemã. Ao final, entretanto, estas dis- 1 para a esquerda. A trajetória de Mussolini, de militante de
tinções dificihl1ente impOrÜtITL .Ê. deluasiado f teU encontrar 4
pessoas suficientes, dispostas a executar políticas m~­
a • esquerda a lider fascista, exemplifica a guinada de uma
para outra de forma adequada.
donhas, ainda que elas não tenham tais inclinações agres-
sivas para dar a partida. Para aqueles que não estão dis-
postos a executá-las, uma vez o regime terrorista no poder,
praticamente nada resta além do suicídio, por mais audazes
,t
.~

1
Mas a este respeito, também, é preciso fazer distinções
cuidadosas. A ira ante a ragularidade e o filistinismo ela
sociedade burguesa não era uma característica geral elas fi ..
leiras baixas do nacional-socialismo. As evidências apresen-
que sejam os indivíduos ou grupos. J tadas na obra de Abel mostram' o NSDAP como uma su-
O entusiasmo pelo ato de violência, como algo que
cura e redime tanto a vítima como a soeiedade vitimada,
não parece ser uma corrente expressiva entre os membros I blevação desfigurada a favor da restauração das virtudes
burguesas tradiciomüs, de modo que o trabalho árduo e o
controle global dos impulsos pudessem receber outra vez

j·. · ~· I
comuns de grupos subordinados ou oprimidos. 44 Há um sua merecida recompensa no novo eontexto coletivo da co-
motivo óbvio: isto é, em geral. demasiado perigoso. Em munidade do povo. A propaganda e a arte nazistas eram
segundo lugar, pode trazer represálias para o conjunto do cornpletamente "saudáveis", acolTIodadas e reconfortantes.
grupo. Comojá foi sali.entado anteriormente, o grupo, com .~ Este impulso em favor da restauraç1í.o das virtudes tradicio-
freqüência, tende a se proteger punindo o membro que pro- nais distingue marcadarnente o movilnento nazista· das re-
testa. Evidentemente, tais sanções nem sempre funcionam. j beliões estudantis e do levante da CUltlll'a juvenil durante os
De vez em quando, os escravos matavam seus senhores no anos 60. Os movimentos socialistas revolucionários nos paí-
Sul dos Estados Unidos. Para os senhores de escravos, o ses atrasados salientam, igualmente, as virtudes do traba-
padrãoe a motivação de tais atos individuais parece ter sido lho árduo em um contexto coletivo e tentam estigmatizar os
inexplicável. 4S Ações individuais desta sorte, independente interesses sociais HnAórbidos" e as preocupações indivi-
de suas motivações, não são a mesma coisa que um clima duais. Eles procuram forr'nas artísticas tão "saudáveis",
cultural e moral que enfatiza as virtudes da violência e os reconfortantes e banais como as nazistas. Neste aspecto a
atos contrários à ordem social. Um clima assim, que atinge distinção entre socialismo revolucionário e fascismo não pa-
uma manifestação extrema nos experimentos com a idéia rece tão óbvia à primeirR vista. Ambos são bastante "qua-
do assassinato sem motivos, aparece principalmente como drados" e convencionais, mora] e culturalmente. Ainda
brinquedo de intelectuais rejeitados e entediados com a uma vez, a diferença encontrayse no contexto dentro do qual
aparente regularidade, monotonia e filistinisl110 da socie- o controle geral sobre· os impulsos e a concentração da
dade burguesa. 46 Nos anos recentes, tornou-se uni tema .',::.;,
;,~ agressã.o eln objetivos coletivos têm luga.r. Os nlovimentos

: "~~'B~~I··i
socialistas i.êrn efetuado extensos esforços para retificar suas
(44) A violência COlHO terapia perspassa os escritos de Georges Sorel c, em instituíçõ\:)s sociais e políticas, a fÍln de reduzir as desigual-
tempos mais recentes, é apresentada em Frantz Fanon, Les Danmés de 1(/ Terre, dades sociais e as fontes institucionais de agressão. Aó fazê-
com seu prefácio .1.provndor de Jean-Paul Sartrc. (Há tradução brasileir3, N. '1'.) :j\.~ 10, alguns dele' envolveram-se em crueldades de grande es-
(45) Ver El.lgcnc D. Genovcse, Rol!, Jordan. RoU, pp. 361-363. ,:::t~;
cala. Saber se " resultado final será uma eventual trl)llsfor..

ti,
(46) Como um testemunho do perene interesse do homem pelo sadismo e
sua exprcssllo art:ístíclt, V0r i\tlario Praz, The Romantic Agony. mação históri,;a no sentido de dispositivos sociais mais h\1··
586 INJUSTIÇA 587
PERSPECTIVAS GERAIS

manos não me parece de forma alguma uma tarefa fácil, a intensificação de quaisquer que fossem as agressões con-
apesar da opinião dos revolucionários e de seus simpatizan- finadas existentes no seio da população, devido ao levanta-
tes. Não obstante, eles fizeram a tentativa e ainda estão ment0 da proibição à sua expressão e sua substituição pela
engajados nela. Portanto, o propósito e a função social do luxúria da agressão socialmente sancionada. Esse nível
revivescimento do controle cios impulsos generalizados e da será, por sua vez, o resultado de condições bastante especí-
autodisciplina são bastante diferentes na esquerda e na di- ficas ao lado das heranç.as da história recente. Não há razão
reita. para supor que o resultado será sempre igualmente horrí-
As tentativas de traçar uma distinção, ao que parece, vel. Por outro lado, este tipo de "liberação" é muito passí-
caem continuamente em algum aspecto das intenções, espe- vel de ocorrer em circunstâncias favoráveis. O segundo tra-
ranças e possibilidades para"o futuro. Ainda aqui o argu- ço é a concorrência severa por bens escassos e mesmo pela
mento pode encontrar base mais firme até onde ele enfatize própria vida que pode acontecer com a retirada temporária
as capacidades institucionais, as tendências e as direções ou o colapso da autoridade, especialmente quando esta era
históricas mais do que os programas, as doutrinas e as espe- impopular. Por si só, esse tipo de competição pode trans-
ranças individuais. A afirmativa "de que o fascismo possivel- formar os seres humanos mais civilizados em selvagens
mente não podia ter-se desenvolvido em um sentido hu- quase instantaneamente. As pessoas livram-se do verniz,
mano, que sua violência tinha de ser puramente destrutiva, das restrições e das inibições adquiridas e reforçadas pela
parece totalmente sustentável. A alegação de que as formas vida numa sociedade organizada para atiral·em-se umas
esquerdistas de destruição são parte de algum processo his- contra as outras em busca de urna vantagem tênue mas cru-
tórico criativo somente pode ser demonstrada pelo futuro. 'cial, contanto que não percebam ou definam a situação
As evidências j á disponíveis no século XX estão longe de como totalmente sem esperanças. A situação atinge o pior
serem encorajadoras. onde não existe nenhuma forma regular e disponível de alo-
Dois outros tipos gerais de situação merecem atenção car o que as pessoas procuram - como uma saída - e o
neste reconhecimento preliminar das atitudes e do compor- suprimento é inadequado. Se as vítimas são capazes de im-
tamento populares a respeito da força e da violência, espe- provisar o seu próprio sistema de alocação, pode haver
cialmente a violência contra os relativamente fracos e de- muito menos vingança, competição e mesmo carnificina.
samparados. O priineiro é uma situação de ruptura geral Uma situação semi-anárquica não parece ter caracte-
da autoridade política e social, um sauve-qui-peut, tal como rísticas que a identificariRm com qualquer parte do espec-
se registrou no Vietnã do Sul, pouco antes da captura de tro político tradicional. Frente a este tipo'de ruptura os ter-
Saigon pelas tropas norte-vietnamitas. Um segundo tipo é a mos esquerda,' moderado, conservador e reacionário não
suspensão deliberada e temporária de algum aspecto da lançam muita luz. Embora até aqui ela seja rara, tal situa-
autoridade governamental, como no encorajamento oficial ção pode ocorrer sob qualquer forma de regime. 48
a umpogrom, ou na faulOsa chacina dos protestantes fran- No pólo da escala oposto ao sauve-qui-peut da quase
ceses nos Massacres do Dia de São Bartolomeu. 47 Este pro- anarquia fica o terror instrumental de um regime que busca
duz resultados semelhantes e talvez piores. Os traços bá-
sicos parecem ser dois: um deles seria a liberação e mesmo (48) o múximo que se pode 'diz.er é que um regime libeml firmemente
comprometido com o domínio da lei seria menos passível de explorar isto em seu
pl"óprio benefício suspendendo a proibição à agressão. Mas qtHtntos regimes libe-
rais podem permanecer ~ ou com efeito permanecem - comprometidos com o
(47) Sobre este evento e fatos semelhantes, ver a análise de Natalie Zemon
domínio da lei quando são defrontados com uma crise que ameaça unia ruptura
Pavis, "The Rites of Violence: Religious Riot in Sixteenth-Century Fwuce", pp.
51-91. social geral?
Xf{f'
589
588 PERSPECTIVAS GERAIS ,1\ INJUSTIÇA

estabelecer ou consolidar uma autoridade abalada. O dis-


<,I
,.~~- f;obrevivência". 1"..furna nota de rodapé unl pouco ln~)..is
;óf
curso comum faz distinção entre um terror vermelho e um adiante ele aponta, no entanto, que a eliminação da autori-
terror branco, com a implicação de que os terrores brancos dade propo"sta pelos anarquistas não constitui, de rorma al-
guma, uma solução. 50 Mas a escolha não se dá enü'e a anar-
constituíram tentativas de restaurações monarquistas con-
tra-revolucionárias. Isso não é verdade. Uma das manifes- quia e a obediência irracional, ~ sim entre formas mais ou
tações mais sangrentas do terror branco teve lugar na su- menos racionais de autoridade. Não há nada de errado em
pressão da Comuna de Paris e nos primeiros tempos da Ter- obedecer a UIna autoridade que persegue objetivos hunlanos
ceira República. 49 Parece razoável inferir que umB. maioria e apresenta competência ou habilidades especiais na busca
de cidadãos franceses, nessa época ainda pequenos proprie- de tais objetivos. A humanidade já tem problemas suficien-
tários da cidade e do carnpo, aprovou calorosamente a cha- tes para precisar criar dilemas apocalípticos. No final, a op-
ção entre esquerda e direita revela-se menos importante que
cina.
aquela entre formas mais ou menos racionais de autoridade.
O grau e o tipo de sustentação de massa ao terror ver-
melho ou branco, por outro lado, dificilmente constitui a
questão mais importante. Tampouco faz muito sentido con-
tabilizar.o número de vitimas de uma ou de outra forma, a
fim de decidir qual delas foi a pior. Esse tipo de aritmética
riloral é de certa forma obh!sa. Há algo de errado com uma
pessoa que possa sentir satisfação com os totais de um dos
lados da coluna, não importando quais eles sejam. Além
disso, eles não provariam nada sobre a natureza dos senti-
nlentos populares. Tais sentimentos oferecem apenas parte
do impulso original por trás do terrOl" oficial, vermelho e
branco. Então, o oficialismo, de uma forma ou de outra,
assume o comando conl seus ficl~ários e categorias de ví-
timas. As proscrições mais antigas talvez tenham dispen-
sado os fichários, mas ainda trabalhavam com categorias.
O aspecto mais terrível aqui é a capacidade humana para
obedecer a ordens que se acreditam justas e adequadas. Os
experimentos de Stanley MilgJ"a11l, discutidos antedormen··
te, demonstram perJeitamente tal capacidade, e também
revelam algumas das' condições sob as quais ela se rompe.
Perto do final de seu livro, lvíilgram tece o seguinte
cOluentál'io sobr,e esta capacidade para a obediência: "E
uma falha fatal que a natureza nos destinou e que a longo (50) Stanley MHgram, Obediellce to AtitllOrity, pp. 188, 212 (nota 30).
ternl0 dá a nossa espécie apenas luna rnodesta chance de A\g\!Hlas pessoas podem inclinar-se e afirmar que não precisávamos de demons-
trações desta tenível capacidade; a história recente já nos fornece casoS suficien-
tes. Mas um bom número de leigos e especialistas presumivelmente inteligentes,
quando inquiridos a avaliar o grau de obediência que os experimentos podiam re-
(49) Ver Frank Jellinek, The Paris Commune 0/1871, pp. 338-387. Para ve\al',_subestimaram grandemente os resultados, que deixaram atônitos os pró-
uma análise 111ats recente ver Henri Lefe!)vre, La Proclolllafion de la Commune:
26 de mars 1871, espec. parte IV, pp. 173-233. prios experimentadol'cS. Sobre este ponto. ver capítulo 3.
.i:
'.~;
<~
INJUSTIÇA 591
~:~
<; Com o desaparecimento das certezas tradicionais e a
falência das novas, muitas pessoas vieram a duvidar de que
11 ',{i
houvesse ou pudesse haver algo como o julgamento moral
correto. Esse é um significado possível, embora extremo, de
_í!
)f relativismo moral. Elaborando-o ligeiramente: é impos-
'.,t
;j
. sível fazer distinções nlo.t'ais c julgamentos morais válidos
porque é presumivelmente impossível estabelecer qualquer.
CAPITULO 13 1,I distinção válida ou critério independente que nos permita
fazer esses julgamentos. Os fascistas têm seus códigos mo-
Relativismo lnnol"al -:1 rais próprios, os liberais e radicais também, e isso é tudo.
Eis o lado avaliativo do relativismo moral.
'I
';~r
Há também um lado puramente descritivo ou factua!
no relativismo moral. Esse ponto de vista apenas enfatiza a
'I
~~~'I enorme variedade de códigos morais que os seres humanos,
Aspectos descritivos e avaHiativos -':-t em difer~ntes épocas e locais, defenderam apaixonada-

Apenas recentemente, um número bastante grande de


~o , I
mente, e afirma a impossibilidade de relacionar essa varie-
dade com quaisquer generalizações proveitosas. Códigos
morais diferentes constituem modos diferentes através dos
pessoas cultas veio a perceber que não há nem pode haver
qualquer fonte de autoridade moral que não os próprios ~.·'-.:r-.l qüais oS seres humanos tentaram viver juntos em uma am-
seres humanos. Contudo, mesnlO entre as pessoas cultas, ~ pla variedade de circunstâncias descritas por antropólogos,
essa percepção está longe de ser universal. Com o declínio ~ historiadores e outros cientistas sociais. A explicação da re-
~
das sanções divinas, alguns pensadores influentes tenta- :~l lação entre um dado código moral e um conjunto específico
-~,
de circunstâncias é tudo que uma pessoa inteligente pode
ram, por algum tempo, substitnir as reificações coletivas
por um desvio teleológico, tal como a Lei Natural, a His- ] querer dessa variante descritiva do relativismo moral.
Não há, no meu entender, razão lógica para que as
.~.~I!.·I!
tória e o Progresso. Estes também foram incapazes de for- ,
necer um padrão objetivo· de aprovação e condenação mo-
;
formas descritivas e avaliativas do relativismo moral apa-
raI. ~ reçam juntas, embora isso geralmente aconteça. 1 Por
'~f exemplo, seria possível reivindicar que os códigos de mora-
Uma análise histórica e social pode possibilitar visões .~
o
esclarecedoras quanto aos tipos de moralidade prováveis e ~I
lidade passados e existentes, com exceção do nosso, não
eram realmente morais. ·Esse é, em grande parte, o chauvi-
possíveis em circunstâncias específicas. Tal análise pode j nismo e provincianismo moral de homens e mulheres co-
também nos mostrar os custos de sofrimento humano de
diferentes tipos de moralidade, e quem paga esses custos. muns, contra que o relativismo moral constituiu uma rea-
~~ ção. No seu relativismohistoricizado, a posição marxista
Esse conhecimento é indispensável ao julgamento moral -:',',
fundamentado. Porém não é, em si, garantia de julgamento mostra um chauvismo similar: toelas as moralidades pas-
moral correto. Ele pode facilmente se transformar numa .,
01>' •
~. sadas são necessárias para e suplantadas pela moralidade
,.-:t:'
combinação de conselhos para navegar a favor das corren-
~#J
tezas da história com uma justificativa de toda crueldade
por ela registrada. j~
.;_~I
(1) A tensão entre elas ê bastante evidente em pelo menos um dos grandes
clássicos do relativismo moral, Folkways, de William Graham Sumner.

;1[~
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592 PERSPECTIV AS GERAIS ']
3*, INJUSTIÇA 593
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revolucionária que levará à libertação. A moralidade que .sl permanecerem vivos. A sobrevivência, por outro lado, é não
justifica todos os crimes, inclusive o stalinismo, perde todo °1{
,{f.
mais que um pré-requisito absolutamente mínimo para ou-
o direito de ser levada a sério. No Ocidente, de qualquer ,··~i_i tros propósitos coletivos servidos pelas regras morais. Afora
forma, essa combinação de lilna .consciência da variedade :,! esses propósitos e a eficácia ou ineficácia que um código
j){'
de códigos morais e a adesão a um único padrão de julga- moral possa ter para sekdoná-los e mantê-los, não vejo ou-
mento telTI sido bastante rara. /j,;o.·s variedades mais influ- .·\i tro critério para se julgar qualquer forma dada de mora-
entes de relativismo moral têm enfatizado, ao mesmo tem-
po, a variedade de comportamentos morais e a futilidade ou
provincianismo moral dos esforços para julgar essas dife-
renças do exterior. "Cada país tem o campo de concen-
;, lidade.
Entretanto, esse critério de unir proporcionalmente
uma série de necessidades biológicas e imperativos sociais,
e seus respectivos conflitos, pode produzir um método de
tração que merece" seria um epítome satírico, mas de for- julgamento superior aos decadentes absolutismos morais e
ma alguma incorreto, do relativismo moral que governou a às formas predominantes de relativismo. E um tema digno
'_i'_~
maioria (se não os mais sérios) dos escritos sobre as relações de ser explorado, em parte com base no assunto coberto por
humanas durante a maior parte do século XX. c1F
.~ este livro, em parte com a ajuda de considerações que ainda
Tal como, e, até certo ponto, junto com o marxismo, ',~
não vieram à tona. Antes de irmos mais adiante com a dis-
essa forma de relativismo moral tem a seu crédito reali- ;.~

:) cussão do aspecto avaliativo do relativismo moral, será me-


zações efetivas na libertação da mente humana de ilusões lhor voltarmos aos aspectos descritivos e factuais. Embora
.'~<
perigosas e limitadoras. E, outra vez, tal como e junto com :~I
os julgamentos morais, e, mais especialmente, os julga-
o marxismo, ela pode deixar resíduos de suas próprias ilu- mentos da mOl'alidade das outras pessoas, sejam a origem
sões perigosas. Durante o século XX, houve tanto uma rá- de pa.ixões vitais que desempenham um papel imensamente
pida desintegração dos padrões morais tr.adicionais, como importante nas relações humanas - tanto o capitalismo
uma aguda intensificação de conflitos que têm um forte como o socialismo vieram ao mundo nas grandes marés de
componente moral. A muitas pessoas prudentes, as formas revolta contra a ordem social existente --, o despertar da
convencionais de relativismo moral parecem uma posição paixão moral é um trabalho relativamente leve comparado
um tanto inadequada de onde enfrentar tais questões. Al- "h
à descrição acurada e à análise causal.
gumas das tentativas de encontrar novas bases para o jul- ,:~'.
Há miríades de propósitos coletivos possíveis. Alguns
gamento moral são fugas da razão. Ocasionalmente, elas se deles são bastante triviais no 5'entido de que pouco têm a ver
mostram assim.de forma bastante explícita. Na medida em com a sobrevivência humana, a felicidade ou infelicidade.
que o terreno familiar e seguro desaparece, as pessoas trope- ,
Em tais casos, o elemento de julgamento moral nas regras
çam e se debatem numa busca angustiada pelei direito de ' '1 que as pessoas criam pode ser bastante leve, embora prova-

:1~1
obedecer a formas de autoridade que não podem possivel- velmente haja um toque dele em qualquer esforço coletivo.
mente existir. As regras que regem o pôquer, o bridge e outros jogos não
Em todo e qualquer caso, a moralidade e a ética se têm qualquer outro propósito que não proporcionar prazer
resumem em regras que seres humanos específicos criaram, através da habilidade e da sorte. As regras poderiam ser
persuadiram ou forçaram os outros a aceitar para que pu- difeI'entes; inventam-se novos jogos e variações para. os ve-
dessem trabalhar e viver juntos. Mal equipados para sobre-
viver por seus dotes meramente .biológicos, com a decisiva
exceção do cérebro, os seres humanos são constituídos de
tal forma que têm de cooperar de algum modo apenas para I
;,;{(;J

''1
;:11
lhos intermitentemente. Não obstante, há uma considerável
indignação moral contra aqueles que trapaceiam nas cartas
ou deliberadamente violam as regras de qual'quer jOgo.
No outro lado da balança, há as regras morais que são
"'::~~:":

594 PERSI'ECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 595

essenCIaIS, ou que são consideradas essenCIaIS, para a so- mada dominante tem lnais espaço e recursos para variar o
brevivência do grupo ou para a busca de objetivos que o conteúdo de sua vida. 3
grupo possa considerar corno mais importantes que a sobre- Ao se buscarem tendências recorrentes, é melhor ini-
vivência. Esses propósitos coletivos são em si objetivos éti- -:-F ciar, como se chamou a atenção no capítulo 1, procurando
cos, tais corno honra, independência, salvação. Nesse as- ';-.1
alguns problemas universais que as sociedades humanas têm
pecto há, obviamente, urna grande variação. d de resolver para existir e se perpetuar. Entre essas questões·
Nessa junção, entretanto, encontramos a questão fac-
tual que está no íl.mago do relativismo moral. Que acordo ~t estão aquelas referentes à B.utoridade e à distribuição de
bens e serviços. Para o propósito imediato, podemos consi-

· ;.·~\ 'I
observável existe, se existe, nos princípios de justiça social? derar esse conjunto como um único problema: a divisão de
Até que ponto há variação, corno certamente há, e quais trabalho ou, mais precisamente, a coordenação das várias
são as causas? Como observação preliminar, é necessário atividades que cada indivíduo desempenha para fazer desse
.' .
salientar que nenhum estudioso e, na verdade, nem mesmo -".~
agregado de indivíduos uma sociedade. Sem tal cOOl'de-
vários estudiosos trabalhando juntos podem conhecer to- ü nação não há sociedade. A divisão de trabalho normalmente
dos os vários códigos morais que os seres humanos estabe-
leceram para si em diferentes épocas. Portanto, com cer-
teza surgirão exceções que refutarão mesmo as proposições
~l envolve a extração de um excedente econômico pelos grupos
ou indivíduos dominantes para a criação de certos bens e
serviços, embora em sociedades sem cultura escrita o exce-
mais universais sobre a idéia humana de justiça. Em algum
canto remoto do mundo algum antropólogo poderá ainda se "\]I
'_0, dente possa ser bem pequeno e o elemento de dominação
mínimo. Quaisquer que sejam os arranjos, há fortes san-
deparar com formas de moralidade que levam ao suicídio ções morais por detrás deles. Por outro lado, o grau em que
coletivo. 2 Pôr de lado tais descobertas corno simples curio- essas sanções serão aceitas por uma população subordinada
sidades seria um erro sério, porque tais variações extremas variará consideravelmente. Além disso, pelo menos alguns
freqüentemente revelam muito da natureza de tipos simi- "j:
aspectos detalhados da divisão de trabalho estarão sujeitos
lares, porém mais difundidos, de moralidade. Não é neces- a uma renegociação contínua, e até mesmo diária, na me-
sário grande erudição para reconhecer que um código mo- dida em que as pessoas decidem entre elas como empreen-
ral adequado a um conjunto de circunstâncias históricas 'ir:, der o dia de trabalho. Eis o contrato social informal a seu
pode se tornar suicida ou, pelo menos, totalmente inade- nível mínimo. Há também sanções morais por detrás desse
quado a um .conjunto de circunstâncias posteriores. Don I contrato, embora não sejam tão poderosas e distintas como
':f. :__!
Quixote é um paradigma dessa espécie de transformação. aquelas que governam o padrão geral da divisão de traba-
Portanto, o máximo que 'uma generalização poderia esperar ,.1 lho de uma sociedade.
p~1
estabelecer seria a existência de tendências mais ampla- O primeiro capítulo chamou a atenção para vários tra-
mente recorrentes. ços recorrentes na resolução dessas questões, que não repe-
Tais tendências têm maior probabilidade de surgir a tirei aqui. Se os seres humanos tivessem sido capazes de
partir de experiências desagradáveis partilhadas pela ca- /1 produzir apenas um tipo de sociedade e um código moral,
mada mais baixa de muitas formas de sociedade humana '·-;;~r
'.:·.1· a espécie teria se extinguido rapidamente. A variabilidade é
que das experiências da camada dominante, porque a ca- ',X! um elemento essencial à adaptação a circunstâncias dife-
rentes e variáveis. Mais uma vez, uma fonte de variabili-
;~t\

._ _._ ._ _ .__~_._._ ~_ _~~ ~__~L,_____________


(2) Para tal caso ver Jules Hellry, Jungle People, pp. 59, 108-110. (3) Há também perceptíveis traços recorrentes entre elas: arte, intriga eró-
tica e técnicas cerimoniais para a expressão de solidariedade e agress~o social.
596 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 597

dade é biológica: a capacidade humana de suportar dor e são, num estágio bastante primitivo do desenvolvimento tec-
sofrimento. Não é necessário ensinar as pessoas a sentir nológico, cligamos, na época em que aprenderam a contro-
dor. Mas é possível - e para um produto sensível moderno lar o fogo e a fazer alguns implementos simples para a caça
da cultura ocidental parece ser assustadoramente fácil - e a colheita. Se definirmos uma sociedade decente corno
ensinar os seres humanos a suportar e até a ignorar a pró- aquela sem esses flagelos, a humanidade atingiu a capaci-
pria dor e sofritnento. As pe8S0as podem suportar, e supor- dade de criar sociedades decentes quase na alvorada da his-
tam, quase tudo, embora sem dúvida haja amplas diferen- tória. Mas, exceto ei11 partes isoladas do globo_. os seres hu-
ças nessa capacidade. São duas as principais razões. Ou manos não a atingiram. A competição com as sociedades os
elas são incapazes de conceber uma forma diferente de vida impediu, encorajando e sancionando qualidades agressivas
ou, caso imaginem uma, são incapazes de concretizá-la. No e predatórias que, caso não sejam instintivas, são contudo
geral, as duas razões operam simultaneamente. Há duas assustadoramente fáceis de ser suscitadas. Há também al-
fontes principais de variação e mudança moral e social. guns indícios na evidência antropológica contemporânea
Uma é a escolha, voluntária ou imposta, que se fez entre as que sugerem que os Seres humanos podem não ter sido par-
soluções recíprocas e predatórias para divisão de trabalho. ticularmente felizes naquilo que denominei uma sociedade
Essa questão ocorre em todos os estágios históricos e toma decente. Afora as queixas intermitentes sobre a sorte, que
formas um tanto diferentes em cada estágio. A outra fonte pod<;>m ser avaliadas como nada mais que queixas inevitá-
vem da capacidade historicamente evolutiva de resolver os veis de qualquer forma ou grau de frustração, há sinais de
problemas de escassez, trabalho árduo e doença. Está, pois, que essas pessoas são facilmeilte tentadas pelos frutos da
intimamente relacionada com a escolha entre soluções pre- cÍvilização e, de vez em quando, OS obtêm por métodos mais
datórias e recíprocas. rápidos que o trabalho árduo - tal como o roubo, por
Essa capacidade tem dois componentes principais. Um exemplo. 4 Portanto, tanto os imperativos produzidos pela
é a tecnologia, ou ferramentas pan\ controlar o meio na- competição com outras sociedades quanto as tentações da
tural e conhecimento de como usar essas ferramentas. No civilização "mais adiantada" impulsionaram as sociedades
que Se refere a esse componente, a história humana oferece humanas para longe das fOi·mas recíprocas de organização
clara evidência de progresso, elubora nfto certamente pro- SOcial e em direção às predatórias. Esse tem sido o caso
gresso ininterrupto. A evidência está presente em toda a constante, apesar de todo o crescimento da capacidade hu-
história, até onde o registro arqueológiCo possibilita ver·. Se mana de controlar e compreender o meio físico e social.
o progresso pode ou irá ·continuaJ' é uma outra questão,
para a qual não temos resposta certa. O outro componente
é social e cultural. Consiste dos acordos sociais e do corpo Autoridade racional e lnedatóxia
de conhecimento através de e com o qual os seres humanos
fazem uso de mudanças tecnológicas, distribuindo os bene- Falaremos em breve sobre soluções predatórias. Antes,
fícios entre si. Se por progresso nessa área entendemos uma atentemos para um aspecto de relações recíprocas, a autori-
redução da mi.séria socialmente produzida, a evidência de dade racional, a fim de distingui-la da autoridade predató-
sua existência é pateticamente reduzida. A julgar pelo que ria ou da dominação. Há razão para se fazer isto, pois tem
sabemos sobre algumas tribos primitivas isoladas e disper- havido uma sensível tendência, recentemente, de se consi-
sas, os seres hlunanos tinhaln a capacidade de se suprir
com alimento e abrigo suficientes para viver em certos meios
favoráveis, sem os flagelos da guerra, fome, doença e opres·· (4) CoUn M. Turnbull, l-Vaywurd Servants, pp. 40, 42~43.

------ --~----,------------------ ---


------------------------------------._----, ~'----.-
598 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 599

derar quaisquer formas de autoridade como algo irracional cutir no momento, mas eu gostaria de enfatizar que ela de-
e ilegítimo. Em qualquer sociedade complexa, com uma di- veria levar em conta os custos humanos e psicológicos.
visão de trabalho complicada onde nem todos podem fazer Quanto a valores e fins, não tem sentido considerar as for-
absolutamenteíudo - em outras palavras, qualquer socie- mas mais cruéis de sofrimento, tais como fome, doença e
dade que pretenda ser civilizada - , muitas formas de auto- feridas - ou qualquer forma de dor e sofrimento -- como
ridade são inevitáveis. E é melhor que tal autoridade seja -f1n~ pr\'l
...........................
c;
W' ...
'!YO""C' .............. ...
........ v ........... V'~.

racional do que irracional e opressiva. A autoridade racio- Em algumas formas de autoridade racional, a habili-
nal é eqüitativa ainda que por vezes dolorosa. Mas como é dade na execução de uma tarefa difícil é o traço mais im-
possível dizer se uma sociedade é realmente racional? portante, enquanto dar ordens a outras pessoas é apenas
. A afirmação de que uma autoridade puramente racio- incidental. Isso vale para o médico e o piloto de avião, em-
nal jamais existiu é bastante plausível. Entretanto, há sufi- bora valha a pena notar que onde haja vidas alheias em
cientes elementos racionais em tais formas familiares de jogo, os códigos morais dão a essa forma de autoridade o
autoridade quanto há na de um médico competente, de um direito de esperar obediência imediata. Essa forma de auto-
piloto de avião, do comandante do exército revolucionário, ridade racional é limitada a atividades e relaçpes sociais es-
e mesmo naquela do administrador capaz de uma empresa tritamente definidas, mesmo que na prática, mais notada-
industrial arrojada, para nos permitir discernir os traços mente no caso da autoridade médica, ela tenda a extrapolar
básicos. A autoridade-racional é um modo de promover o para outras áreas. Há Qutras formas de autoridade racional
objetivo coletivo e individual, assegurando a certas .pessoas onde o elemento principal é simplesmente dizer a outras
o direito, e, em alguns casos, mesmo a obrigação, de exe- pessoas o que fazer. A torre de controle num aeroporto mo-
cutar tarefas específicas e dar ordens a outras pessoas du- vimentado é um bom exemplo dessa variedade. Em tais si-
rante a execução dessas tarefas. Para que tal autoridade tuações, o propósito de se outorgar autoridade é coordenar
seja racional, os objetivos individuais e coletivos devem, eles' a ação de um grande número de pessoas de forma qüe cada
próprios ser racionais.
1 um possa atingir seu objetivo com um mínimo de risco e
Definirei como racional qualquer forma de atividade inconveniência. Não importa quais sejam os detentores da
para a qual, em um dado estado de conhecimento, haja autoridade. Em casos onde seja necessária pouca ou ne-
boas razões. para supor que ela diminuirá o sofrimento hu- nhuma habilidade, assim como um guarda de trânsito em
mano ou contribuirá para a felicidade humana sem preju- uma cidade movimentada, a autoridade pode ser transfe-
dicar outros seres humanos. Essa última condição é neces- rida para máquinas. Em um mundo cada vez mais cheio de
sária para excluir formas' predatórias de autoridade, que
são freqüentemente bastante racionais do ponto de vista da- j gente, é provável que vejamos mais e mais esse tipo de áuto-
ridade, o que é uma perspectiva nada agradável. Contudo,
queles que delas tiram proveito, mas não são absolutamente não estamos afirmando aqui que a autoridade racional seja
racionais do ponto de vista das vitimas. Segundo uma tra- . . J.. sempre agradável - apenas que ela é menos desagradável
dição intelectual eminen te, é impossível aplicar-se o termo < que a desordem ou a autoridade irracional.
racional a propósitos humanos extremos. Desse ponto de ..-1 Creio ser impossível argumentar que a autoridade ra-
vista, pode-se apenas falar em racionalidade ligada a meios cional sempre tenha de ser autoridade escolhida livremente,
e métodos. Não aci-edito que seja necessário entrar nesse pois pode haver, de tempos em tempos, situações onde a
debate, embora ele possa evitar alguma confusão desneces- obediência imediata seja absolutamente essencial e onde
sária para indicar mais explicitamente a posição aqui to- '.~:

'-'I: alguns indivíduos possam ser relutantes ou lentos em obe-


mada. Sobre racionalidade instrumental, há pouco. que dis- -0,-" decer por ignorância, desatenção momentânea ou pura im-
.<~'

__ o ~__ ~ __ _
601
600 PERSPECTIV AS GERAiS INJUSTiÇA

pertinência. Quando o capitão de um cruzador, durante mas de realizar essas atividades; 3) acima de tudo, a com-
uma tem.pestade, tera de ordenar que as escotilhas sejam petência de cedos indivíduos para desempenhar papéis de
fechadas ou proibir a entrada no convés, não se pode espe~ mando na l'ealização dessas atividades.
ra1' que ele passe uma hora tentando convencer um passa- Aqui, alguns dos principais obstáculos à extensão da
geiro teimoso da necessidade da ordem. Ele tcm outras coi- autoridade racional aparecem claramente. Quanto mais
sas a fa.zer. Reconhecidamente, esta é uma situação de complexa a sociedade, quanto mais diferenciadas as ativida-
eluergência e, não por isso, nlenos importante. Esse tipo de des que realiza, nlenos provável que cada cidadão adulto
situação, por outro lado, não é limitado a emergências. Em possa saber o suficiente para fazer um julgamento inteli-
qualquer grande sociedade que seja menos que perfeita, gente sobre esses assuntos. Os membros de cada proIissão
deverá haver pelo menos alguns adultos que não podem ou provavelmente vão considerar sua própria contribuição co-
não querenl ouvir a razão, que insistem em fUlnar na cama mo algo indispensável, e farão mais reivindicações às custas
ou jogar o lixo em bueiros, e que consideram regulamentos de todos os outros. Isso não é uma situação recente. Mas
contra tais práticas como manifestações de tirania. nos meados da década de 1970, era muito perceptível em
Para generalizar ainda nlais o assunto, nem toda for- sociedades formalmente abertas. Era também bastante vi-
ma de autoridade racional pode ser adequada a todos. Deve sível, não muito abaixo da superfície, em sociedades for-
haver um elemento de compulsão. Portanto, para aqueles malmente mobilizadas e autoritárias, tais como a China.
·sujeitos a ela, deve sempre haver meios de reconhecer o que Não pretendo saber como esse obstáculo pode ser superado,
exatamente é a autoridade racional. Caso contrário, a auto- caso realmente o possa ser. O lazer crescente pode ou não
ridade racional se transforma em dominação. Este é um dar bases para compreender melhor como a sociedade fun-
problema eterno, cujo caráter muda continuamente com o ciona _._ e porque tão freqüentemente não funciona. Com a
desenvolvimento da capacidade humana de resolver as especialização crescente, a delegação da autoridade para
questões e criar novas. A autoridade racional é uma coisa cima em formas pseudodemocráticas tais como o centra··
entre grupos livres de caçadores, outra, numa sociedade lismo democrático comunista (ou, espera-se, variantes mais
agrária estabelecida e algo muito distinto numa sociedade genuinas) é também inevitável.
industrial avançada. Se a autoridade racional não pode, de Uma última observação. Os efeitos negativos do cres··
todo, ser livremente escolhida, o elemento de submissão de- cente saber e especialização, embora suficientemente reais,
liberado, livre, racional, tem de ser claramente predomi- são freqüentemente exagerados de tal forma a esconder
nante nesta forma de autoridade. questões inevitáveis. Hoje, o saber necessário para uma po-
O que pode, então, ser a base ou o critério que leva um lítica humana e social é bem maior em termos de qualida··
ser humano inteligente a decidir obedecer às ordens ou su- de e qnantidade e mais acessível que nos tempos de um
gestões de outra pessoa? Se os elementos de tensão, perigo e Colbert. A autoridade incompetente e perversa não é sim-
urgência estiverem ausentes, a autoridade racional pode e plesmente questão de ignorância.
deve, num certo lnomento, tomar a forma de discussão e ChegamoS à hora de examinar mais de perto o elernen-
sugestão ao invés de comando. Em qualquer dos tipos de to chave da autoridade racional: oS julgamentos de compe-
situação as cOllsiderações racionais por detrás da submissão :;C_'"
tência. Parece bastante claro que o caráter de tais julga-
e obediêncin envolvem julgamentos sobre: 1) a importância mentos no geral variará historicamente segundo o estado
social da Dtividade a ser realizada -- assim como prover das artes produtivas e do saber social. Do mesmo modo, o
assistência médica ou quaisquer conjuntos de bens e servi- caráter dos problemas a serem enfrentados variará no tem-
ços, de pJJ'.""; a alfinetes de segurança; 2) as melhores for- po. E nesse sentido que a racionalidade é um conceito es-

;;....,
602 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 603

sencialmente histórico e limitado pelo tempo. Não se po- estímulos para adquirir essas habilidades. :E, contudo, difí-
dem considerar irracionais atos tais como danças para fazer cil determinar esse ponto. Não há necessidade de recom-
chover ou crescerem as plantações se efetuados quando as pensar em demasia pessoas pela casualidade de talentos
ciências da meteorologia e da agronomia ainda não exis- inatos que usariam e desenvolveriam mesmo sem recom-
tiam. Eram inúteis para o que se propunham, embora bas- pensas. As recompensas psicológicas do respeito e honra
tante úteis para o estado de espírito. Tudo isso é bastante social são provavelmente mais eficazes para esse propósito
óbvio. ,....."c.
'-:lU..., n.C'
,~'" ..""'~--'+Q.,.-i~1C
~-'- ..... "' ........ ............. .,..

O problema real ao estabelecer formas racionais de O elitismo injustificado existe onde quer que ativida-
autoridade é encontrar os meios de testar a competência des nocivas sejam prestigiadas, e onde quer que o prestígio
daqueles que exercem a autoridade, de forma ao mesmo se baseie em critérios falsos e inapropriados. O esnobismo
tempo eficaz e justa. De modo geral, o único meio acessível intelectual baseado no saber secreto é um deles. Outro é o
ao cidadão comum éjulgar os resultados. Aviões que caem, louvor conferido ao artista ou ao atleta que meramente ser-
médicos cujos pacientes morrem, e máquinas de lavar que vem de instrumentos para prejudicar o público. O esnobe
quebram dois dias depois de expirar a garantia são clara- intelectual desdenha ambos, porém não é mais digno de
mente inferiores aos produtos e serviços que não apresen- louvor que eles. Todos os critérios de excelência mudam
tam essas características. Sem dúvida os vínculos entre re- com o tempo e com as exigências da ordem social em que se
sultados e causas são freqüentelnente numerosos, comple- inserem. O mandarim chinês pode ter sido útil ao manter a
xos e obscuros. Além disso, eles mudam continuamente. paz e a ordem. Por volta da metade do século XIX, ele e a
Contudo, essas conexões não são absolutamente de todo sociedade a que pertencia tornaram-se obsoletos. Habili-
misteriosas. Com a desintegração geral e bastante justifica- dades literárias clássicas, combinadas com sagacidade polí-
da dos adornos místicos e xamanísticos nas sociedades mo- tica de uma variedade um tanto tradicional e limitada fo-
dernas, o modo como as coisas funcionam ou não se faz ram insuficientes no limiar de uma era industrial onde for-
realmente acessível a aqueles com energia, criatividade e ças predatórias ansiavam por extrair o que pudessem da
uma dose de ávida curiosidade. Suas conclusões são então China. Embora tenham sido nocivos em muitos casos, só se
passadas aos outros, e se transfonnam, no decurso do de- pode afirmar serem irracionais a autoridade e o prestígio
bate com outras interpretações, parte da opinião pública . dos padres e mágicos quando se demonstrou serem truques
influente. O processo funciona muito imperfeitamente seus rituais. Mas acreditar, hoje, nessas coisas, ou mesmo
mesmo em sociedades abertas. Mas é apenas em sociedades buscar as formas mais estranhas e exóticas de culto é cla-
abertas que as credenciais e a competência da autoridade ramente irracional. Se os termos patologia moral e patolo-
podem ser postas à prova. Donde se conclui que a autori- I gia cultural são mais que epítetos etnocêntricos, como creio
dade racional só é possívef- no grau que é possível - em que são, eles se aplicam a tais abdicações deliberadas da
sociedades abertas e informadas.
Alguns comentários sobre o elitismo servirão para con-
I razão humana.
Assim como o saber humano e (I poder de distinguir e
cluir essa breve discussão sobre a autoridade racional. Há
formas justificadas e injustificadas de elitismo. Elas depen-
I I
julgar racionalmente progrediram com o tempo - jamais
. de forma estável - , também progrediram a complexidade
dem do critério no qual as distinções se baseiam. Uma elite da divisão de trabalho e as questões que a razão humana
baseada no saber e nas habilidades que são úteis à socieda- teve de enfrentar. Não é, pois,de se admirar que a racio-
de, e que são difíceis de adquiri. e praticar, é perfeitamente nalidade humana tenha apresentado um crescimento ape-
justificada até o ponto em que as distinções servem como nas franzino. Embora seja a únic" forma eqüitativa de
."~;
.;'~,

'7!n-.~:~~~:,.::; _____ _~:-'~_-~,~é~~-~-,--· ""-:"",-.,.,--,-,, ="''''?'·c .• _-~,,-':


604 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 605

au.toridade, por se basear na troca de bens e serviços equi- também que, na história humana, a pobreza e a anarquia
valentes, há, é claro, muitas outras formas de autoridade. têm constituído a linha base de onde começou a evolução
Pretendo discutir aqui somente a autoridade predatória. social 5 - com muita repetição de experiência passada.
Há, basicamente, três modos dos seres humanos obte- Portanto, uma elite verdadeiramente predatória é aquela
rem os bens e serviços que querem (serviços aqui incluem a que poucos serviços presta à população subordinada, e ex-
satisfação de necessidades e carências psicológicas). Em trai para seus próprios fins um excedente grande o suficien-
primeiro lugar, as pessoas podem produzir por si próprias te para gerar pobreza em escala maciça, que não existiria
os bens por elas desejados, individual ou coletivamente. E caso a população subordinada fosse deixada a seus próprios
claro que as pessoas não podenl "produzir" admiração e recursos. A escravidão nas grandes plantações é um exem-
distinção sozinhas. Outras têm de concedê-las. lYlas isso é plo bem claro. Em outros casos, uma série de líderes enér ..
possível, em bases racionais, numa variedade de empreen- gicos e, às vezes, cruéis pode criar ilhas de relativa paz e
dimentos coletivos. Os outros dois modos das pessoas obte- ordem em meio a um mar de miséria geral. Não se pode
rem o que querem é roubando ou forçando as outras pes- negar a considerável proporção de racionalidade em tais
soas a produzirem para elas. Quando qualquer um desses realizações. Esta foi, segundo se conta, a história do abso-
modos se torna uma forma regular de vida para um grupo lutismo real francês em vários momentos de seu desenvol-
de seres humanos, temos a dominação e a autoridade pre- vimento em direção a um sistema no qual, à época do rei-
datória. A rigor, a autoridade predatória só existe na ter- nado de Luís XIV, os aspectos predatórios realmente pre-
ceira situação, quando alguém força os outros a produzi- dominaram.
rem bens e serviços, e quando as vítimas aceitam essa rela- Essas considerações levam à conclusão de que há uma
ção como, pelo menos, parcialmente legítima e moral. Por distinção entre autoridade predatória e autoridade racio-
definição, roubar não é legítimo e sem legitimidade não nal, mesmo que !"ssa distinção não seja fácil de se fazer,
existe autoridade. Há apenás dominação. como algumas vezes nos querem fazer crer os criticos par-
Juntamente com a dominação, a autoddade predatória ciais de um dado sistema de autoridade. A distinção me
desempenhou, em muitos aspectos, um papel central em parece clara o suficiente para rejeitar qualquer tese de que
todas as civilizações do mundo, e não é de forma alguma as preferências políticas sejam nada mais que questões de
rara em sociedades sem cultura escrita. Obviamente, ela opinião, capricho subjetivo, ou valores pessoais. Parase co-
funciona. Tão obviamente quanto a racionalidade instru- locar em termos simples, tendo-se em vista a miséria que
mental é em grande parte responsável pelo seu funciona- podem causar, há moralidades melhores e piores, sistemas
mento. O governante predador que não mais fizer uso dos sociais e propósitos coletivos melhores e piores. Se são de-
métodos mais eficazes de controlar seus subordinados dei- nominados racionais OLl predatórios, isso não tem muita im-
xará de tê-los, mais cedo ou lnai, tarde, e, portanto, não portância.
mais será um governante e um predador. Essa observação Em outras palavras, a crítica moral significativa existe.
era clara para Tucídides quando escreveu o Diálogo Melia-
llO, embora cerca de dois mil anos mais tarde Maquiavel
(5) Quase nada sabemo:; sobre o ponto ou pontos de partida remotos. Al-
achasse necessário relembrar as pessoas disso. gumas das sociedades primitivas mais simples não sofrem nem de c-arêl1cia ma-
Em qualquer caso concreto, é essencial ter cuidado ao terial nem de desordem social. Muitas outras são seriamente afligidas por uma
determinar a extensão em que a elite realmente é ou foi delas ou por ambas. No meu entender, não há meio de dizer qual dessas duas
situações extremas predotilinou na alvorada da história, caso tenha nlguma delas
predatória. Em si mesma, a extração de um excedente não realmen te predominado. A histó-ria registrada, por ou tro lado, comprova perío~os
prova a existência da lei predatória. E importante lembrar repetidos de fome e desordem Südal disseminados.
606 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 607

o puro relativismo moral é uma posição insustentável caso essas questões, será melhor esclarecer breveluente o signifi-
se importe com o sofrimento humano. E não se pode pôr de cado de patologia.
lado as vítimas que extravasam os limites do condiciona- O conceito ele patologia implica um correspondente es-
mento possível. A crítica moral é também politicamente tado de saúde sujeito à observação empírica e à determina-
significativa, embora tenha limites que agora não mostra- ção objetiva. Para fazer sentido, o estado de saúde tem de
rei. Em qualquer transformaç8.o social e política significa- ser apropriado ao organislno em consideração. Um cavalo
tiva nestes duzentos anos, a velha ordem, como disse de sem asas não se encontra num estado patológico. Um pás-
Maistre, sofreu uma derrota moral e uln desgaste de sua saro sem asas, sim. A patologia é um processo ou condição
legitimação, antes que as mudanças políticas ocorressem. danosa de um organismo particular. As causas do processo
Isso valeu para o triunfo do cristianismo sobre o paganis- podem ser internas ou externas ao organismo, como no caso
mo. Vale também para os grandes movimentos revolucio- de um ferimento causado por bala. Algumas patologias
nários, a Revolta dos Países Baixos, a Revolução Puritana, com causas internas, tal como o envelhecimento, podem ser
a Revolução Francesa, a Guerra Civil Americana, as revo- normais a certos organismos. As sociedades humanas não
luções russa e chinesa. Em todos os casos, a velha ordem são organismos biológicos. Contudo, sofrem processos inter-
deixou de ter sentido para os setores influentes da popula- nos e externos que são danosos e destrutivos. A extensão em
ção antes de ser derrubada. As transformações econômicas que esse processo histórico de decadência pode se repetir de
e políticas podem ter feito a velha ordem perder o sentido modo a torná-lo acessível ao diagnóstico seguro é, parece
moral. Mas sem o desenvolvimento concomitante de novos claro, altamente problemática. Por outro lado, é razoavel-
padrões de condenação, de novos objetivos para o futuro, os mente certo que essa decadência ocorra mais cedo ou mais
resultados das transformações econômicas e outras teriam tarde. Além disso, a decadência não é a única forma de
sido bástante diferentes, e bem próximos do puro caos. Em processo danoso 'a que as sociedades humanas estão sujei-
todos os casos, também uma nova moralidade surgiu para tas. Nessa base, o conceito de patologia parece, de início,
expressar os sentimentos e aspirações de um segmento mais bastante promissor, até mesmo necessário. É possível que
amplo da humanidade. Houve mais que um toque de hipo- não o usemos porque ele possa revelar alguma coisa desa-
crisia em todas essas mudanças, na medida em que as novas gradável sobre nossa própria sociedade.
moralidades serviram para justificar a imposição de novas Urna reflexão mais aprofundada logo revela conside-
formas de crueldade e soJrimento, de modo algum comple- rações importantes que restringem a utilidade do conceito
tamente novas. E, no entanto, o mundo se moveu ... para a análise social. Uma das principais dificuldades con-
Essas considerações favorecem a conclusão de que mo- siste em determinar o estado original, saudável. Se um ani-
ralidades predatórias e sistemas sociais podem ser conside- mal predador sofre de uma doença que o impede de se com-
rados, num sentido objetivo, patológicos? Apesar da rejei- portar de forma predatória, pode-se concluir que sofre de
ção ao relativisnio moral, a resposta a esta perguntá pode uma patologia. Seria o mesmo argumento aplicável à socie-
permanecer ambígua. Em algumas situações políticas, con- dade humana predadora? Na medida em que ela tem êxito
quanto seja possível fazer um diagnóstico preciso da pato- corno predadora, não teríamos que admitir que ela é per-
logia, o diagnóstico não é nem necessário, nem útil. Em feitamente saudável'? Afinal, houve numerosas sociedades
outras situações, os julgamentos morais, com ou sem um guerreiras organizadas para fins predatórios.
julgamento d.a patologia, podem ser totalmente inadequa- Como já se disse anteriormente, seria possível respon-
dos porque eles implicam fazer perguntas inadequadas so- der a essa objeção e contornar essa dificuldade com argu-
bre a natureza e as causas da situação. Antes de explorar mentos empíricos, mostrando que as sociedades predató-
INJUSTIÇA 609
608 PERSPECTIVAS GERAIS
recorrente. É provável que a tentação permaneça forte en-
rias causaram muita miséria. Devemos. pois, concluir que quanto não houver uma solução universal satisfatória para
elas são em si uma forma de"patologia? Vamos supor por o problema da divisão de trabalho no interior de e entre as
um momento que o argumento é lógica e factualmente cor- sociedades humanas. Mesmo que tal solução fosse encon-
reto, embora eu daqui a pouco apresente razões para rejei- trada, há boas razões para suspeitar que não seria perma-
tá-lo. Que diferença faria? Suponhamos que alguém tivesse nente:; uma vez que diferentes partes do mundo provavel-
tentado dizer a Hitler e aos nazistas que sua lnoralidade era mente ainda a transformariam de modos e graus diversos.
patológica - como realmente sustentaram muitos críticos Caso se aceitem as tentações das providências sociais
do nacional-socialismo, explícita e implicitamente. O que predatórias e a conseqüente necessidade de defesa contra
poderia acontecer? Os líderes nazistas talvez estivessem in- elas como traços provavelmente permanentes da cena hu-
teressados apenas em saber se sua ética de guerra estava mana, torna-se difícil levar a sério a noção da moralidade
sofrendo um processo de decadência interna, contra a qual predatória como universalmente patológica. 6 Onde uma
um cientista poderia planejar terapias administrativas certa forma de comportamento é quase inevitável, é impos-
apropriadas. De fato, há várias indicações, inclusive o es- sível ser moralmente sério ao condená-la. Daí não ser su-
tudo secreto de seu próprio quadro de membros citado no ficiente afirmar que a humanidade é responsável por sua
capítulo anterior, que mostram que tais temores eram bas- própria moralidade e destino,-que o objetivo da autoridade
tante fortes. Mas qualquer tentativa de informar os nazistas racional tem de ser deliberadamente afirmado e escolhido.
de que sua moralidade era, no todo, patológica receberia Os seres humanos teriam também de criar as condições bá-
em troca apenas gargalhadas e palavrões. sicas que fazem a autoridade racional possível e tornam as
Caso se rejeite a redução da miséria e do sofrimento formas predatórias de autoridade antes um estado de coisas
como possível objetivo, não existe autoridade externa a patológico que normal.
quem se apelar para fazer com que uma pessoa, um grupo Há boas razões para duvidar que essa mudança possa
ou um Estado desistam de atos perigosos. Nem Deus, nem ocorrer ou ocorrerá numa escala global num futuro previsí-
as pretensas forças da história, nem qualquer estrutura pre- vel. A soberania nacional e, na realidade, todas as formas
sumivelmente racional do universo podem servir como ar- de egoísmo coletivo teriam de acabar. Há até razões melho-
. gumentos ou sanções eficazes. Mesmo que fosse possível res para se evitar o gasto de energias lamentando esse esta-
demonstrar com certeza matemática que certa forma de do de coisas .. O lamento transforma-se facilmente numa
moralidade e sociedade predatória poderiam levar toda a forma de auto-indulgência que desvia a atenção de outros
humanidade ao extermínio, um egoísta romântico e cruel problemas importantes. Não é necessário ter como objetivo
ainda poderia estalar os dedos com desdém e liderar a mar- a eliminação de todas as formas de sofrimento socialmente
cha ao Armagedão, acreditando firmemente que a humani·· produzido, ou mesmo todas as formas de autoridade pre-
dade merecia não mais que a destruição. Apenas a força datória. Os médicos não desistem de curar e prevenir dife-
pode conter tal loucura. E o uso da força, mesmo que seja rentes formas de doença só porque não podem prescrever
apenas para fins defensivos ou "socialmente construtivos", pílulas de imortalidade.
constitui um forte impulso para o estabelecimento de hábi-
to e instituições predatórias. (6) Talvez se devesse falar de· "patologia do normal". Mas isso me soa
É import.ante mostrar, num nível menos apocalíptico como afetação inteligente. Como tal, a frase não explica nada. Nem pode o con-
do discurso, que a tentação de indivíduos e grupos a faze- ceito de guerra justa s~rvir como fórmula geral para resolver o problema. Quanto
mais fácil pnrece aplicar o conceito, mais devemos suspeitar de racionalizações
rem uso de providências sociais predatórias e de moralida- úteis. Desnecessário dizer que algumas distinções são possíveis.
des predatórias para justificar essas providências é "forte e
610 PERSPECTIV AS GERAIS
INJUSTIÇA 611
Princípios d,e distribuição
oferta de bens é incerta, como entre as tribos caçadoras,
bem como entre grupos tais como os antigos cristãos, que
Pelas razões acima mencionadas, adiei a discussão so- buscavam escapar e se isolar das pressões sociais e morais
bre as atitudes populares quanto à distribuição do produto geradas pela sociedade ao redor. Essa solução é sancionada
social até que outras considerações importantes enlergis- pejo Novo Testamento, que aconselha as pessoas a busca-
sem. As noções sobre quem deva obter o que e por que são rem conforto naquelas Íonnas não humanas de vida, que
os aspectos mais importantes das concepções populares ele "não trabalham nem fiam". Tal como ontros principios,
justiça. O fato da evidência não mostrar qualquer conjunto essa soluç".o é adequada apenas a uma série limitada de
de princípios populares que pudessem servir como meios de circunstâncias.
resolver disputas em mais de uma sociedade, esta seria uma Intimamente relacionado ao artifício de minimizar to-
justificação para a forma mais extremada de relativismo da a questão acha-se o princípio de igualdade na distribui-
moral. Na sua forma mais significativa, o relativismo moral ção de bens e serviços. Desnecessário chamar a atenção pa-
não nega a possibilidade de se descobrirem recorrências e ra o fascínio recorrente que exerce. O princípio implica qúe
mesmo uniformidades. Ele sitnplesmente nega que qualquer aqueles que no momento nada têm obterão algo, o que é
uniformidade ou recorrência que exista ou possa existir suficiente para explicar o fascínio que exerce, mas insufi-
possa servir como base para resolver disputas. Como, por ciente para explicar a paixão moral por trás dele. O prin-
exemplo, argumentou Homans, os seres humanos não lu- cípio da igualdade é mais que um calmante demagógico
tam pelos princípios da justiça social. Eles lutam pela: apli- para a inveja, uma vez que se combina, freqüentemente,
cação desses princípios. com a idéia de que todos os seres humanos, por serem seres
A melhor maneira de começar é tentar registrar numa humanos, partilham de qualidades comuns e de um destino
certa ordem as principais formas pelas quais diferentes pes- comum. O princípio tem duas nítidas vantagens para a ma-
soas tentaram efetivamente lidar com a questão da distri- nutenção da existência de um grupo. E uma boa forma de
buição de bens e serviços. Ã medida que leio o registro, seguro social contra desastres que possam atingir membros
observo a existência de variação, e, conseqüentemente, a individuais do grupo. E também, na maioria das vezes,
possibilidade de desacordo e conflito quanto a que princí- isento de ambigüidade na sua aplicação. Sob o princípio da
pios aplicar e, em alguns casos, quanto a que devam os igualdade não se discute quanto uma pessoa merece ou por
princípios significar em casos concretos. Mas essa varieda- que merece. As participações são iguais, e pronto. As dis-
de não implica necessariamente que não existam soluções putas que podem surgir, conquanto haja concordância efe-
preferíveis ou que não haja qualque' possibilidade de so- tiva quanto ao princípio, referem-se aos bens ou serviços
lução. que, por sua natureza, são difíceis ou impossíveis de serem
Uma forma que aparece de vez em quando nos mate- divididos igualmente. Como pode um teatro ter poltronas
riais antropológicos, bem como em outros, é tentar mini- igualmente boas para todos os espectadores?
mizar e diluir toda a questão. "Não se preocupe, não dis- Até agora, nenhuma sociedade suficientemente com-
plexa para fazer uso da linguagem escrita, e bem poucas
cuta, não insista em demasia em obter aquilo que quer; no
final sua vez chegará. Então você obterá aquilo que quer das outras elegeram os princípios da igualdade ou de mini-
ou, pelo menos, aquilo de que precisa." Eis o que parece mização ele toda a questão como formas de organizar a dis-
ser a mensagem moral que alguns grupos tentam inculcar tribuição. Tal fato, em si, não prova que tais organizações
sejam impossíveis, embora prove a existência de fortes obs-
em seus membros. E uma solução apropriada quando a
táculos, um ponto que não necessita ser discutido aqui. To-
612 PERSPECTIVAS GERAIS
INJUSTIÇA 613
mando-se a linguagem escrita como um índice empínco
bruto da existência de organizações sociais denominadas' mente no status herdado e aqueles baseados no desempe-
civilização, podemos dizer que todas as sociedades civiliza- nho. A erosão dos sistemas de desigualdade baseados no
das, e muitas outras, se organizaram a partir de um ou status e na honra social, cujo grau de aceitação pela popu-
mais princípios de desigualdade social refletidos nas suas lação subordinada variou grandemente de caso para caso e,
formas de distribuição de bens e serviços. Para os propósi- quase certamente, nunca foi tão grande quanto aquele des-
tos da presente discussão, esses sistemas podem ser conden- crito pelas fontes que refletiam principalmente as preocu-
sados em dois tipos polares. Naquelas onde existe mobili- pações do estrato dominante, possibilitou que uma grande
dade social, a distribuição de bens e serviços (inclusive variedade de egoísmo de grupo viesse à superfície. As for-
apreço e distinção) depende de alguma forma do desempe- mas de egosísmo de grupo e a busca do interesse egoísta
nho real do indivíduo durante seu tempo de vida. Desem- nunca estão, de qualquer modo, muito abaixo da superfície
penhos legítimos são aqueles geralmente tidos como uma em qualquer sociedade de bom tamanho e moderadamente
contribuição, de alguma forma, para o bem social. Os ile- complexa - para não mencionar até mesmo as mais sim-
gítimos são tidos corno socialmente prejudiciais. Em qual- ples e menores. Mas o que de fato significa interesse egoís-
quer dos casos, é o desempenho que conta. Que desempe- ta? Na maioria dos discursos, ele apenas caracteriza a atua-
nhos recompensar, e que desempenhos penalizar, de que ção dos oponentes e competidores de alguém. Será então
formas e em que proporção são fonte óbvias de desacordo e não mais que um epíteto, um termo emotivo destituído de
conflito potenciais. Tal sociedade é inerentemente instável. conteúdo factual determinável? As bases para se afirmar
Mas a ênfase no desempenho implica que coisas são feitas. que essas palavras têm um componente factual genuíno
O que é feito pode variar, o tempo todo, de objetivos preda- 'são, creio eu, as que se seguem. Elas têm um significado
tórios a eqüitativos. O tipo oposto é aquele em que os prin- importante em toda a questão do relativismo moral.
cípios da distribuição dependem do status social herdado. Em qualquer dado caso concreto, é possível para um
Num certo sentido, eles representam o desempenho conge- observador razoavelmente distanciado avaliar e distinguir a
lado, ou o desempenho das gerações precedentes. Assim, o relativa contribuição para o bem-estar da ordem social -
parentesco e a descendência desempenham um papel deci- mais uma vez, nas suas circunstâncias concretas e imedia-
sivo nos funcionamentos dos princípios da distribuição, e a tas - de qualquer empreendimento coletivo específico,
unidade de consumo não é apenas individual. Por essa ra- desde, digamos, a coleta de lixo até a. assistência médica e a
zão também, atuam elementos outros que o simples consu- defesa comum. Não é necessário que esses cálculos e ava-
mo: a distribuição acontece de acordo com qualidades hu- liações sejam muito precisos para que o argumento se sus-
manas gerais imputadas, que se têm como características tente. Julgamentos aproximados das relativas ordens de
de castas éspecíficas ou de estados da ordem social, cada hierarquia e equivalentes bastam. Tampouco é necessário
um com sua própria função e forma de honra social ou, em para a validade do argumento haver um consenso universal
muitos casos, desonra social. Um princípio assim só seria quanto a esses julgamentos. Na verdade, caso se queira le-
possível numa. sociedade estática que vivesse num meio am- var a sério o argumento, é melhor aceitar a existência de um
biente estático. debate vivo e apaixonado sobre essas questões. Mas é ne-
Ao examinarmos com maior cuidado as fontes de desa- cessário aceitar que o debate pode ser inteligentemente con-
cordo e conflito, poderemos facilmente reconhecer a cone- duzido, e que existe e pode se chegar à uma conclusão ra-
xão entre a ascensão da indústria moderna e as lutas titâ- cional. Sem a possibilidade de algum padrão objetivo, não
nicas entre os princípios de participação baseados original- existe realmente nenhuma possibilidade de rotular qual-
quer comportamento coletivo de egoísta ou anti-social.
INJUSTIÇA 615
614 PERSPECTIVAS GERAIS
importância da racionalidade e quais suas conseqüências
o mero estabelecimento desses pré-requisitos é sufi- não é necessariamente o mais importante. Em si, o desa-
ciente para mostrar quão longe estão as sociedades moder- cordo quanto a essa questão fundamental não constitui
nas de atendê-los, sejam elas comunistas, capitalistas, ou absolutamente uma ameaça mortal para o empreendimento
qualquer outra coisa. Aqueles que argumentam que esses humano. Pelo contrário, pode ser um sinal de vitalidade e
pré-requisito:-; não püdeln ser atendidos sob quaisquer con- um preiúdio para o crescirnento e a descobei·ta. l"v1as pode
dições concebíveis, ou que as questões subjacentes à .distri- ser uma ameaça mortal, caso os seres humanos venham a
buição social são por natureza impossíveis de ser racional- acreditar que a racionalidade é, em si, uma ilusão, e desis-
mente resolvidas, têm uma hipótese plausível. A meu tam completamente de buscá-la.
ver, a melhor resposta faz as seguintes observações. Uma Qualquer que seja a posição adotada com respeito a
vez que a participação tem·de ocorrer, é melhor que ocorra essa questão de julgamento objetivo, é suficientemente fácil
em bases racionais na medida possível. Caso contrário, as de se ver que o principio de distribuição de bens e serviços
relações humanas jamais poderão ser outra coisa que não o para os membros de uma sociedade segundo seu desempe-
caos gerado pelo controle parcial do direito do mais forte, nho gera bem mais perplexidades que os principios de
baseado na força e na fraude. Alguma racionalidade é ob- igualdade, de participação segundo o status tradicional e. as
viamente possível: e quanto mais, melhor. Podemos esta- concepções de honra social, ou simplesmente se esquivar e
belecer distinções entre atividades coletivas com base na se calar sobre a questão.
quantidade de dano e sofrimento que causam em relação Mesmo consideravelmente minimizada, é provável que
aos benefícios que teoricamente produzem. A comida não .alguma espécie de conexão entre desempenho e participa-·
tem de ser venenosa (como de vez em quando é) e agências ção no produto social seja parte de uma prática real, quais-
de correio não têm de perder grandes quantidades de cor- quer que sejam os princípios de desigualdade. Como mos-
respondência a não ser que se possa demonstrar claramente tram os materiais históricos, particularmente no caso dos
que a entrega de correspondência no prazo e a produção de mineiros alemães, a transição do status de uma ordem que
alimentos isentos de veneno exigem custos socialmente ina- desfruta dos benefícios de uma considerável proteção pater-
ceitáveis da população geral. 7 Não há nenhuma razão nalista e de um considerável apreço social para um outro
a priori para se aceitar qualquer situação do jeito que é. baseado no desempenho individual cria toda a sorte de ten-
Finalmente, o significado da racionalidade social, apesar sões. Alguns benefícios e outras coisas se perdem frente à
de qualquer núcleo comum, varia no tempo frente às cir- nova organização. E necessário tempo e partilha de novas
eunstâncias históricas mutantes. experiências coletivas para se criar urna nova identidade
Essas considerações implicam que a sociedade neces- sob a forma de sindicatos e movimentos políticos. Tais arti-
sita de indivíduos competentes e realmente dotados, capa- fícios sociais representam uma adaptação relutante ao prin-
zes de explorar o significado e as aplicações da racionalida- cípio do desempenho, uma tentativa de experimentar o que
de sem estorvo ou obstáculo de tabus oficiais e não oficiais; ele tem ele válido, bem como de proteger os trabalhadores
A moderação nas relações humanas sempre enfrentou enor- contra os esforços dos patrões e gerentes ele virar a situação
mes obstáculos. O obstáculo intelectual de decidir qual a a seu favor. Nos primeiros estágios da industrialização, os
homens ele negócio tendiam a se inquietar ao detectar sinais
de que a força de trabalho estava aprendendo o princípio do
(7) Ê nece;;s[uoia bastante clareza ao se responder à pergunta: pmibitiyos
desempenho. Eles preferem um corpo elócil de trabalhado-
para quem e por que ra:t.ão? Caso contrúrio volta··se à luta entre os vários egoísmos res, que aceitem a importância elo trabalho árduo como um
de grupo.
616 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 617

aspecto da honra social, e que mllllmizem as recompensas ção de princípios que não se adaptam a uma espeCle par·
materiais e seculares - em outras palavras, certos tipos de ticular de atividade ou conjunto de circunstâncias. A histó-
grupos de status pré-industriais. Exceto no socialismo, ria da industrialização e da modernização está plena desses
onde a ética da construção revolucionária impõe atitudes conflitos morais. O princípio da recompensa segundo o mé-
semelhantes, essa espécie de força de trabalho está-se fa- rito, medido conforme o preço no mercado, entrou em con~
zendo cada vez mais rara. Tanto o socialismo como o capi- flito com o princípio da recompensa segundo o status so-
talismo constituem tentativas de mudar a definição social cial. O triunfo do princípio mais recente foi o da burgue-
aceita da relação entre desempenho coletivo e individual e sia e de sua forma de organizar as relações humanas. A
de participação no produto social. ira moral politicamente significativa provém, então, da
Haverá então qualquer núcleo de acordo significativo' aplicação de um novo princípio que prejudica um número
por trás das várias definições sociais de um sistema justo ou substancial de pessoas, e particularmente quando o novo
apropriado de distribuição? Ao se considerar essa questão, princípio os priva dos resultados do trabalho árduo. Não é o
é importante reconhecer que qualquer princípio de distri- sofrimento objetivo a causa principal da ira moral; é a
buição será desvantajoso para algumas pessoas por algum causa social aparente. Perceber as causas como humanas é
tempo. Os seres humanos de qualquer ~ociedade têm de ser o primeiro passo necessário para se fazer algo contra a mi-
treinados para tolerar tais conseqüências. isso é bastante séria e a injustiça.
possível, e até alarmantemente fácil.
E também bastante evidente que nenhum princípio
único pode constituir um arranjo adequado para todas as - Exploração
circunstâncias possíveis. Por outro lado, é igualmente cla-
ro que princípios diferentes são adequados a diferentes Todas as questões acima aparecem em conjunto com o
conjuntos de circunstâncias: adequados no sentido de que incômodo conceito de exploração. Até onde este termo pos-
sua operação minimiza a miséria socialmente produzida. sa ter um sentido objetivo, ele designa relações sociais não
Não dar importância à questão da distribuição, promover' a recíprocas. Algumas pessoas obtêm mais da relação do que
distribuição eqüitativa, ou favorecer a distribuição segundo sua contribuição permite, e outras menos. Portanto, o con-
o status social herdado são formas de criar um senso de ceito pressupõe a possibilidade de uma determinação obje-
segurança e abafar as rivalidades sociais. A distribuição se- tiva do valor das atividades sociais e da contribuição de
gundo o status social herdado exige bastante treinamento cada parte. Presumivelmente, os trabalhadores recebem
social e, pelo menos, uma oferta regular e certa de abrigo e salários aquém ele sua contribuição ao processo produtivo,
comida para ter resultado. Por outro lado, a distribuição enquanto os donos de fábricas levam para casa mais do
segundo o desempenho é um modo de realizar coisas, espe· que sua contribuição permite. Os padres forçam, pelo te-
cialmente coisas novas numa orden'; social'mutante. E tam- mor, a população a pagar dízimos sem oferecer serviços
bém o único modo pelo qual os indivíduos podem melhorar adequados em troca. Esta lista pode ser aumentada à von-
sua situação. Como enfatizou Marx, qualquer sistema de tade. A ausência de reciprocidade pode se referir às rela-
distribuição depende muitíssimo daquilo que os membros çqes sociais nas áreas institucionais de autoridade e distri-
de uma sociedade (não necessariamente todos) querem buição, produção e coordenação sociais ou, mais comu-
produzir. mente, em todas as três. Qualquer asserção de que a explo-
O que irrita os seres humanos é, pois, a mudança dos ração existe têm de levar em conta todas as trocas rele-
princípios sociais a que estavam acostumados, ou a aplica- 'vantes. Não é suficiente mostrar que a classe ou casta domi-
618 PERSPECT1VAS GERA1S INJUSTIÇA 619

nante consome mais bens materiais que produz. Ê também tados ao conflito militar. Ninguém pode ter uma medida
necessário mostrar que os outros serviços que fornece, tais absolutamente precisa das intenções e capacidades de opo-
como a coordenação das várias atividades econômicas e nentes militares potenciais. Uma vez que luna subesti-
não· econômicas da sociedade, a promoção da justiça e de- mação é mais perigosa que uma superestimnçfeo, grande
fesa contra ininügos, são serviços que não fornece adequa- parte da história hUlllana ten1 sido uma inevitável busca
damente, ou que as próprias funções sociais tornaram-se, malograda de Ulna lnargem de seguI'ança.
de alguma forma,. menos valiosas do que eram anterior- Num sentido tosco mas eficaz, os limites da certeza
. mente. coincidem com as fronteiras do controle social possível exis-
A validade de todos esses julgamentos depende da pos- tentes numa sociedade particular num ponto específico do
sibilidade de se criar critérios objetivos para avaliar o de- tempo. A capacidade das sociedades humanas de reconhe-
sempenho social. Não é necessário discutir às dificuldades cerem e fazerem algo contra as fontes da miséria humana
de se criar tais critérios, porque há outras limitações, e mais muda no tempo e ajuda a produzir mudanças nos princí-
importantes, quanto ao valor explicativo do conceitQ de ex- pios da igualdade social ou na avaliação de diferentes ta-
ploração que me levaram a fazer pouco uso dessa noção refas e funções sociais. Nesse sentido, a exploração é uma
neste livro. Essas limitações aparecerão logo. Mas é impor- categoria histórica e uma descoberta histórica recorrente.
tante notar que o mero fato dos desacordos humanos quan- Nasce quando os seres humanos se tornam capazes de e
to ao v.alor de certas atividades, e, por extensão, o valor das estão dispostos a fazer certas perguntas sobre sua própria
pessoas que realizam essas tarefas, não desquaJifica, por si sociedade: essa atividade social - a dos padres, guerreiros,
só, a exploração como um termo científico imparcial. Im- . lavradores, artesãos, etc. - é necessária? Necessária para
parcial, aliás, não significa neutro; um julgamento impar- quem e por quê? O que aconteceria se mudássemos ou
cial pode condenar alguém ou algo. A aceitação de uma parássemos com essa atividade? Que recursos materiais se-
estimativa baixa quanto ao valor do trapalho e a contri- riam necessários para ela, e quem deveria obtê-los? Cada
buição social geral de uma pessoa normalmente é, para gru- sociedade desenvolve respostas coletivas para essas per-
pos de status baixo, o resultado em larga escala de condi- guntas, cessem ou não seus membros de pensar sobre elas.
cionamento social. O próprio condicionamento social pode, Seria otimismo presunçoso afirmar a possibilidade de res-
portanto, ser um resultado de exploração, e a própria ex- postas não ambíguas, e mesmo tolo esperar que a existência
ploração é responsável por muitas variações nas avaliações de respostas claras colocaria por si um fim à violência, à
sociais. O fato de militos negros e mulheres aceitarem sem crueldade e à injustiça. For outro lado, sem respostas me-
questionar pagamentos mais baixos por trabalho idêntico lhores, sem o reconhecimento da exploração, é impossível
ao realizado por homens brancos, mal pode ser usado para mover-se nessa direção.
demonstrar que a exploração é uma noção puramente arbi- Além disso, a presença ou ausência da exploração se-
trária e subjetiva. gundo a determinação de um suposto observador imparcial
Ao mesmo tempo, há áreas onde as decisões são inevi- faz em si pouca diferença para os sentimentos e o compor-
táveis, e para as quais é impossível criar critérios que per- tamento humanos. f.,: sempre necessário descobrir como as
mitam decisões claras. Em qualquer caso concreto, quão próprias pessoas julgam sua situação. Rotular uma insti-
séria é a ameaça de inimigos estrangeiros? Pouquíssimas tuição social como "exploradora" pouco nos diz sobre como
sociedades humanas se deram ao luxo de poder ignorar as pessoas envolvidas reagirão. Eis a principal razão de eu
essas questões. A maioria delas têm de considerar quanta não ter feito um uso maior do conceito neste livro. Há mui-
ênfase atribuir às virtudes militares e aos recursos devo- tos .mecanismos sociais e psicológicos potef'.tes que podem
620 PERSPECTIVAS GERAIS

impedir os seres humanos não só de expressarem o abuso


moral de que são vítimas como até de senti-lo. Não há ga-
rantia de que a exploração, ou tão-somente a miséria hu-
mana, secretarão seu próprio antídoto.
Os seres humanos têm de criar seus próprios padrões
Inorais de condenação e suas próprias formas de ação cole-
tiva para mudar tais situações. Como já se observou ante- CAPITULO 14
riormente, nada há na estrutura do universo, ou na História
com H maiúsculo, que garanta o sucesso do esforço ou Inevitabilidade
mesmo que o esforço aconteça. Mas tais tentativas ocor-
reram repetidamente. No próximo capítulo, tentaremos e sentido de injustiça
desemaranhar os principais fatores que as produzem e sus-
tentam.

Observações introdutórias
Próximos da conclusão de uma longa jornada, gostaria
.de retornar juntamente com o leitor para as preocupações
que nos impeliram a fazer a viagem. O que é indignação
moral? Em que ,condições ocorre? Quando e por que não
ocorre? E algo natural áos seres humanos? Caso seja, qual
o real significado de "natural"? A ausência aparente de um
sentido de injustiça não é mais importante que seu apare-
cimento? Embora o livro tenha explorado estas questões,
seu autor não pretende ter fornecido respostas definitivas,
caso definitivo implique uma resposta quepersuada e satis-
faça a todos. Tampouco pretendo apresentar em forma re-
sumida convencional o que foi discutido extensivamente ao
longo do livro. Proponho, ao invés disso, explorar mais uma
vez quando surge o sentido de injustiça, baseando-me no
material que eu e o leitor cobrimos, e nas considerações com
que eu possa contribuir.
Comecemos perguntando se haveria alguns temas co-
muns entre os comportamentos dos intocáveis hindus e dos
operários das usinas siderúrgicas do Ruhr antes de 1914, a
incapacidade de Ulrich Brãker de se enraivecer com o pro-
tetor que o vendeu como mercenário aos exércitos de Fre-
derico, o Grande, o temor dos espartaquistas a selos e assi-
INJUSTIÇA 623
622 PERSPECTIV AS GERAIS

naturas, as torturas auto-infligidas dos ascetas e as reações nutria qualquer interesse, era presumivelmente tão com-
dos seres humanos a quem os nazistas infligiram o trauma preensível para um grego a três mil anos atrás conlO o é
dos campos de concentração. Em graus variados e modos hoje. O que era notável para o público de Homero, e para
diferentes, todas estas pessoas sentiram seus sofrimentos nós, é que Térsites teve a audácia de se insurgir contra
como inevitáveis. A algumas vítimas, tal sofrimento pa- Agamenon e dizer a seus companheiros: "Vamos voltar
receu num certo grau inevitável e legítimo. As pessoas ten- para casa em nossos navios e deixar esse 'homein por si só
dem a conferir legitimidade a qualquer coisa que seja, ou em Tróia ... ". Tal ousadia é, de fato, fora do comum.
pareça ser, inevitável, não importa quão dolorosa. Caso Essencialmente, nosso problema é estabelecer quais
contrário, a dor poderia ser intolerável. A conquista deste condições tornaram tal audácia possível - e efetiva. Con-
sentido de inevitabilidade é essencial para o desenvolvi- tudo, não podemos nem estar certos ao assumir que uma
mento da indignação moral politicamente efetiva'. Para isso pessoa no lugar de Térsites, ou de alguém como ele, sentiria
acontecer, as pessoas têm de perceber e definir sua situação cólera, quanto mais dizer o que ele pensa. A idéia de que
como conseqüência da injustiça humana: uma situação que existe em todos os seres humanos um indomável espírito de
não necessitam, não podem e não devem. suportar. É claro revolta é, devo temer, puro mito. Como mostram os regis-
que por si mesma tal percepção, seja ela um despertar re- tros sobre os campos de concentração, é possível destruir tal
cente ou o conteúdo de uma, tradição santificada, não é ga- espírito e até mesmo a vontade de sobreviver. Reconheci-
rantia de mudanças políticas e sociais futuras. Contudo, damente, este é um caso extremo, e nem todos os prisio-
sem uma vaga bastante considerável de ira moral, tais mu- neiros responderam desta forma. Contudo, a evidência é
danças não ocorrem .. 1 suficiente para mostrar que qualquer inclinação para a ira,
fi, tentador postular uma reação direta de dor e ira ante ou mesmo a capacidade de sentir clor, pode variar numa
os golpes infligidos pelo meio físico e social como o prin- ampla escala até o ponto da completa extinção.
cípio de todas as tentativas humanas de se "fazer alguma O máximo que se pode afirmar com considerável con-
coisa" contra qualquer fato que fira. Sem dúvida, a dor fiança é que o sofrimento sob as formas de fome, violência
existe, e é uma mola indispensável para a ação. Pode até física ou privação dos frutos do trabalho árduo é, de fato,
mesmo haver uma resposta irada quase automática que in- objetivamente doloroso para os seres humanos. Eles não
depende de quaisquer condicionamentos culturais ou pa- buscam o sofrimento como fim. Mesmo oS ascetas infligem
drões sociais que o indivíduo tenha adquirido. Alguém por sofrimentos a si próprios buscando outros objetivos, tais
acaso teve de dizer a Térsites que não era divertido servir a como a salvação, a libertação das obrigações sociais, ou o
Agamenon? Homero não julgou necessário explicar como controle do mundo. Na qualidade objetiva do sofrimento,
ele veio a se sentir assim. A reação de um pobre soldado de nossa pesquisa atinge um ponto que pode servil' como base
infantaria, arrastado para uma campanha pela qual não firme de partida. Se nenhuma cultura faz do sofrimento um
fim em si mesmo, e todas as culturas tratam certas formas
de sofrimento como inerentemente dolorosas, podemos
(1) Mesmo as fantasias de vingança e libertação podem ajudar- a preservar considerar a ausência da dor sentida como devida a certa
a dominação através da dissipaçflO das energias coletivas em um ritual c uma retó- forma de anestesia moral e psicológica. Nesta perspectiva, a
rica relativamente inofensivos. Para o grupo dominante, tal fenômeno tem a van-
tagem adicional de justificar a vigilância, de manter os instrumentos de repressão afirmação de que não existe espírito indomável de revolta
em boas condições de funcionamento. e seus auxiliares em guarda. Entre os lí- adquire novo sentido. Ela significa que, sob certas con-
deres, tanto dos opressores quanto dos oprimidos, pode haver um acordo tácito dições sociológicas e psicológicas especificáveis, a anestesia
quanto a ser este o modo do sistema funcionar, quanto a ser esta a forma que o
contrato social assume. pode ser terrivelmente eficaz.
624 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 625

De que forma a introdução de uma perspectiva histó- servir para ilustrar a espécie de ponto de partida que funda-
rica altera nossa compreensão da ·anestesia social? A aná- mentalmente nos interessa. De formas mais suaves, os
lise histórica põe em foco a importância de se aperfeiçoar a mesmos sentimentos e relações sociais são bastante claros
capacidade de controlar o meio social e natural em con- no caso de Ulrich Brãker, no caso dos operários das usinas
junto com a cadeia aparentemente interminável de novas siderúrgicas do Ruhr, e em inúmeros outros. Ao inspe-
causas de sofrimento humano que esse aperfeiçoamento cioná-ios e ao refletir mais detidamente sobre eles, deixam
produz, e as mudanças nos princípios de desigualdade so- de ser de qualquer forma bizarros. Pelo contrário, são
cial relacionadas. Será necessário voltar a estas questões. E exemplos de respostas a uma das experiências humanas
uma perspectiva que suscita a pergunta se podemos ou não mais antigas e ·comuns, a autoridade patriarcal generali-
falar legitimamente de formas historicamente necessárias zada. ·Nessa experiência prototípica, a pessoa jovem quer
de anestesia. Estas poderiam estar relacionadas a aspectos agradar ao pai, mesmo que o ódio também exista. Há uma
do sofrimento face aos quais a sociedade humana geral- troca de dependência, serviços e uma adoração infantil e
mente ainda não desenvolveu técnicas para controlar ou confiante, por cuidado, proteção e outro tipo de afeição. Na
eliminar. O controle de doenças parece ser o exemplo mais vida diária, pode-se ver a essência da relação no compor-
claro. Conseqüentemente, não há nada que os seres hu- tamento do cão para com o dono.
manos possam fazer contra as formas historicamente neces- Não sei se cães desenvolvem um sentido rudimentar de
sárias de sofrimento, exceto suportar a dor ou recorrer a injustiça caso seus donos os maltratem. Psicólogos experi-
formas de anestesia cultural, tais como a magia e a religião. mentais têm demonstrado ser isto possível. Os seres hu-
Em qualquer estágio dado do desenvolvimento humano, mimos, obviamente, podem e de fato desenvolvem este sen-
haveria também formas de sofrimento historicamente des- tido de injustiça. Neste processo de crescimento e emanci-
necessárias - ou historicamente fúteis - , isto é, aquelas pação, podem-se distinguir três processos distintos, porém
que as pessoas poderiam eliminar mas não conseguem, pre- relacionados. Ao nível da personalidade human·a indivi-
sumivelmente devido à oposição de interesses encobertos. dual, é necessário superar certas formas de dependências
Assim, em qualquer caso concreto, teríamos de perguntar: dos outros e adquirir ou fortalecer controles sobre os im-
historicamente necessário para quem e por quê? pulsos. Esta dependência e falta de controle, na medida em
Há armadilhas potencialmente perigosas no uso do que de fato exista e não seja apenas uma racionalização da
conceito de necessidade .histórica, algumas das quais apa- autoridade do estrato dominante, provavelmente é um
receram nos capítulos anteriores. Será melhor adiar as ou- aspecto da adaptação psicológica à subordinação e à impo-
tras para um contexto mais apropriado. Perguntando-se a tência.Com efeito, as pessoas têm que ser educadas.
quem a necessidade se aplica e quem obtém o quê de sua Elas também têm de superar a dependência ao nível da
aplicação, é possível evitarem-se as armadilhas e reter-se o organização social. Aqui o componente histórico se faz
cerne da verdade anti-utópica; nem tudo é possível ao mais óbvio, devido aos modos como as formas econômicas e
mesmo tempo. políticas (na Europa, por exemplo: cidade-estado, feuda-
Isto servirá como esboço preliminar dos riscos teóricos. lismo, absolutismo real, capitalismo, socialismo de estado)
A tarefa imediata é determinar como os seres humanos des- se sucederam umas às outras. Como parte do processo de
pertam da anestesia, como eles superam o sentido de inevi- superação de dependência, pode haver a criação de novas
tabilidade, e como o sentido de injustiça o substitui. A si- formas de solidarit:.dade e de novas redes de cooperação,
tuação dos intocáveis hindus, uma situação de máxima caso seja o grupo subordinado composto de unidades auto-
aceitação do status servil com um mínimo de força, pode mizadas. Por outro lado, caso fosse já uma unidade coesa
626 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 627

com um alto grau de cooperação interna e sentimentos de fome e da doença - com isso gerando novas questões - e
solidariedade, essa solidariedade pode exigir redireciona- as mudanças nos princípios da desigualdade social relacio-
mento. Ao invés de funciollar em cooperação com e apoiar nadas. Agora que o processo como um todo veio à luz, será
os grupos dominantes, será necessário descobrir formas de útil voltar para trás e analisar com maior profundidade os
usá-la conb:-a estes grupos. A.o invés da solidariedade na aspectos culturais, sociais e psicológicos.
adoção de gestos heróicos que coloquem o grupo em risco,
será necessário encontrar formas de apoiar a resistência efi-
ciente. Finalmente, ao nível de normas culturais e per- PeJriSonaUdadl! imlividual
cepções partilhadas, será necessário superar a ilusão de que
o presente estado de coisas é justo, permanente, e inevi- Começando com o ser humano individual, é fácil de se
tável. O componente histórico é também crucial nesta área. ver que é muito difícil o indivíduo não se sentir inkrior
Aquilo que é ilusão numa certa época não terá sido ilusão quando ele é inferior e quando quase todas as pressões so-
numa época antel'Íor. As tendências econômicas e sociais ciais o lembram disto. O caso dos intocáveis é apenas um
têm de se desenvolver até o ponto em que as possibilidades exemplo extremo do modo corno as pressões funcionam. É
mudem, até onde aquilo que era realidade Se transforme mais fácil suportar-se um status baixo, porém seguro, que a
numa ilusão. É muito mais fácil para os historiadores expli- total ausência de posição. Num status social baixo o indi-
carem convincentemente a ilusão após o evento, 2 que para víduo pode trocar obediência e lealdade por segurança,
os profeta~ sociais proclamarem convincentemente o evento caso tenha a relação um toque de justiça e afeição.
antes que aconteça. É ainda mais difícil dizer exatamente , Tanto a psicologia freudiana quanto as teorias do con-
qual dos dois raciocínios é correto. dicionamento desde Pavlov iluminaram consideravelmente
A conquista da ilusão da inevitabilidade não está con- corno surgem e são mantidas a submissão e a dependência,
finada a revoluções políticas dramáticas. Tem sido parte e como alguns elos podem ser rompidos. Elas mostram
de toda urna transformação que denominamos moderni- porque é tão difícil acreditár que a autoridade há muito
zação e industrialização, urna transformação que vem ocor- estabelecida não é essencialmente benevolente. Ela é a fon-
rendo desde a ascensão das cidades comerciais na última te de terror, consciência, recompensas, bem como de pu-
fase do feudalismo europeu. Houve urna arrancada anterior nições e frustrações. Segundo algumas indicações da psico-
em urna forma diferente, que começou antes dos pré-socrá- logia experimental, as recompensas erráticas são estímulos
ticos e esgofou .. se por época do reinado de Alexandre, o mais eficazes para o aprendizado que as consistentes, e,
Grande. Embora especialistas na história de outras· socie- daí, presumivelmente mais eficazes para a implantação de
dades e culturas contestem a afirmativa, vejo a conquista atitudes e até de sentimentos. Talvez seja esta a razão
da ilusão de inevitabilidade até a era recente corno um pro- por que' inferiores fão freqüentemente preferem as formas
cesso que ocorreu principalmente na cultura ocidental. Por pré-modernas de autoridade, aquelas que lhes parecem rís-
detrás deste processo, corno a perspectiva histórica nos per- pidas, imprevisíveis, porém protetoras de todas as suas
mite ver mais claramente, estão as mudanças na capaci- preocupações, às formas burocráticas modernas, com toda
dade da sociedade de l'esolver os problemas tradicionais da a sua consistência mecânica aplicada a um estreito seg-
mento da sociedade. Nas concepções populares, a justiça
(2) Quem pode da ter certeza de que a França de Luís XVI, ao auxiliar a
patriacal, cujo caráter errático contém um índice perpétuo.
Revolução Americana, estava mais próxima da ruína que a França na época da· de brechas. e até a perspectiva de alguma forma de regateio
morte de Luí~ XIV? por meio de súplicas, é preferível à justiça perfeita. Esta, tal
628 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 629

como a Nemesis, infunde medo. A autoridade racional difi. ter sido muito ambivalente, passando do ódio à depen-
cilmente é a primeira escolha do homem pobre. dência e até à afeição bastante rápido, segundo expecta-
Praticamente por definição, a autoridade implica aI. tivas e circunstâncias momentâneas.
gum grau de frustração para aqueles a ela sujeitos. Caso Sambo existiu, bem como o escravo que cortou a ca-
contrário, como poderia ser ela autoridade e como pode- beça de seu senhor durante a noite. Eles poderiam ser a
riam os indivíduos saber da sua existência? i~. idéia de liber- J~J.esma pessoa. Qual era máscara e qual era real'? Na me-
dade como a aceitação completamente livre da lei racional dida em que ocorre como resposta às incitações, lisonjas,
pela pessoa racional pode ou não ser boa filosofia. Porém é ameaças ou recompensas de outras pessoas, praticamente
oposta à observação comum e a toda psicologia e sociologia todo e qualquer comportamento é uma máscara. E é muito
que este escritor aprendeu. Onde l1á frustração há.também difícil usar uma máscara ou desempenhar um papel conti-
a possibilidade de ira. Por outro lado, o âmbito de variação nuamente sem adquirir as características que acompanham
quanto à quantidade e à forma da ira é bastante amplo. a máscara ou papel. Sabemos que isso vale para os opres-
Conseqüentemente, dizer que todas as atitudes para com a sores, que freqüentemente são, antes de tudo, pessoas bas-
autoridade são ambivalentes não ajuda muito. Numa socie- tante comuns, transformadas e marcadas pelas circuns-
dade onde o sistema de autoridade tem-se mantido inalte- tâncias. Ê difícil de se acreditar que o mesmo processo não
rado e suficientemente isolado para que os inferiores não ocorra com os oprimidos. 4
tenham possibilidade de aprender qualquer coisa distinta, Para a audácia realmente acontecer e se fazer eficaz -
parece ser possível se impor considerável frustração sem isto é, para ser algo mais que explosões ocasionais de ira
provocar muita ira. Mais uma vez os intocáveis vêm à me- inútil - são necessárias mudanças importantes no caráter
mória. Possivelmente a ira é direcionada para o interior do humano, produzidas pela probreza e pela opressão. Grosso
ser, sob formas auto destrutivas, embora isso me pareça modo, as mesmas mudanças parecem ser necessárias: 1)
duvidoso: as personalidades não são absolutamente tão pa· para a resistência política eficiente; 2) para a adaptação à
tológicas, qualquer que seja a definição do termo. nova disciplina da máquina; 3) para os esforços individuais
A espécie oposta de situação ocorre nos casos de con· para galgar um ou dois degraus da escala social. Elas levam
quista e escravidão. Em tais instâncias, os oprimidos tra- ao fortalecimento do ego à custa do id, à dominação dos
zem para a nova situação padrões de condenação sob a for- impulsos naturais, à postergação das gratificações pre-
ma de recordações do passado. Como se demonstrou, sentes em função ,Je um futuT<\ melhor.
mesmo a escravidão nas plantações não era uma instituição Certamente há um cheiro de hipocrisia em muito do
total como o campo de concentração. 3 Foi possível aos es- que se diz sobre personalidades características de pobres e
cravos criar e manter uma sub cultura e sub sociedade pró- oprimidos. Pregar a renúncia e a auto disciplina aos pobres
prias. Eis a razão provável da relação entre ,o senhor e es- pouco convém àqueles que maior proveito tiram da ordem
cravo conter tal potencial de ira. Este potencial não se devia social. Além do mais, há bastante evidência demonstrando
à privação e à degradação, ou melhor, 'não a elas isolada- que assim como as vítimas da o'rdem social serão relaxadas
mente, visto que podem matar a vontade de resistir. Com no emprego quando outros se apropriam dos resultados de
esta mistura de ira e dependência - e, muito provavel-
mente, também ira da dependência - , a rel,,-ção poderia
(4) Para uma boa discussão, que mostra a variedade de senhores e escra~
vos, ver John W. Blassingame, The S/ave Community, especialmente o capítulo
(3) o campo de concentração tampouco foi uma instituiçflO total. O termo 11. A ·variedade é um tema recorrente ao longo de todo o Rol/, Jordan, Roll, de
é um exagero, porém útil para certos fins. Eugene D. Genovese.
631
INJUSTIÇA
630 PERSPECTIVAS GERAIS
para o fracasso no sistema predominante? Isto também é
seu trabalho, elas trabalharão de uma forma bastante auto- verdade. Para avaliar o seu significado ter-se-ia de desco-
disciplinada nas tarefas que escolhem por conta própria, ou brir que proporção das classes baixas se esforçou de fato
naquelas que prometem ganhos pessoais. Escravos que eco- para ascender mas falhou, bem como as razões da falha.
nomizam e acumulam para comprar sua liberdade consti- Que eu saiba, não existem ainda estudos fidedignos deste
tuem um exemplo. Também constituem exemplo os fazen-
deiros cooperativistas no socialismo russo, que são produ- tipo.
Neste ínterinl, um aspecto significativo se sobressai
tores indiferentes nas fazendas coletivas porque o Estado como razoavelmente bem estabelecido. Para os negros, a
leva a maior parte dos lucros; todavia, nos seus pequenos relutância em trabalhar arduamente para os brancos é uma
lotes particulares, eles esbanjam energia e cuidados, a legado histórico. Sem dúvida, foi uma adaptação realista
ponto deste setor particular da economia ter a n11.üto se tor- para eles, e para muitos outros estratos oprimidoS e subor-
nado indispensável para o suprimento de comida no socia- dinados. 7 Superar este legado numa escala maciçá, estabe-
lismo. Similarmente, h'á muita evidência da extraordinária lecer um conjunto efetivo e fundamentalmente não coercivo
resistência e adaptabilidade dos indivíduos das classes bai- de incentivos que realmente funcionem é uma tarefa que
xas ao infortúnio esmagador, mesmo quando crêem ser nem o capitalismo nem a variante do socialismo russo re-
impossível organizar suas vidas de modo a impedir os in- solveu. A afirmação dos chineses de que a resolveram -
fortúnios de acontecerem. 5 partindo de uma situação onde uma ética de trabalho tradi-
Esta evidência também mostra que situações e pers- cional realmente existia - aguarda um escrutínio sério e
pectivas reais determinam em grande parte o comporta- imparciaL 8
mento - tanto das vítimas quanto dos beneficiários da or- Voltando agora ao ponto de partida, numa sociedade
dem social. Quanto às vítimas, o retardamento da gratifi- hierárquica, a dependência de alguma espécie é o principal
cação pode ser uma política irrealista, embora seja este um fato da vida para o estrato mais baixo, e a personalidade
assunto complicado, que exige uma investigação imparcial. humana se adapta a este fato. Esta ampla similaridade de
Em nossa própria sociedade, por exemplo, diz-se freqüen- situações ajuda a explicar porque as mesmas exortações à
temente que trabalhar duro e ser uma boa pessoa é Írrea- abstenção dos prazeres do mundo, o mesmo apelo ao auto-
lista porque a estrutura ocupacional contém, de qualquer controle, vêm tanto daqueles que buscam ajudar os opri-
modo, relativamente poucas tarefas gratificantes. Além midos e mudar a sua vida como daqueles que lucram com o
disto, nossa sociedade supostamente reserva a maioria das
tarefas gratificantes para pessoas de origem privilegiada, (7) Mas não para todos, Tanto os camponeses chineses como japoneses
através de uma série de recursos formais e informais.· Por têm, desde há muito tempo, a reputação de ser trabalhadores extremamente
outro lado, um número não insignificante de pessoas con- enérgicoS, enquanto os camponeses hindus são descritos como cultivadores indi-
ferentes. Embora tenha tentado dar conta destas diferenças em As Origens So-
segue ascender a trabalhos mais responsáveis através de es- ciais, toda a questão da distribuição cultural e das origens históricas da ética do
forço e disciplina. Seria, pois, a adaptação "realista" que trabalho permanece, ao meu ver, ainda muito aberta. Não é absolutamente claro
prefere a gratificação imediata ao trabalho árduo não mais se a famosa contribuição de Max Weber em A É'lica Protestante e o Espírito do
Capitalismo constitui uma brecha importante ou um beco sem saída.
que uma profecia de auto-realização, uma racionalização (8) Em 1975, um ponto importante ganhou evidência, As campanhas agi-
tadas para se estabelecer um nova conjunto de motivações socialistas, o Grande
Salto para a Frente e a Grande Revolução Cultural Proletária, foram também pe-
(5) Ver Oscar Lewis, La Vida: A Puerto Ricall Fami(v in lhe Cu/ture of ríodos de considerável deterioração do bem-estar, tanto de ope~'ários quanto de
Poveriy, uma matéria-prima valiosa para este aspecto. camponeses. Estes fatos são explorados com clareza no estudo bastante empático,
(6) Para alguns dados, ver Work in America, Relatório de uma Força-Ta- porém honesto, de Charles Hoffmann, The Chinese Warker, pp. 158"-162.
refa Especial para a Secretaria de Saúde, Educaçflo e Bem-Estar.

________.__-=..... ii2:lif2 ti ~
632 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 633

trabalho dos oprimidos. De São Paulo a Lênin, os temas e morais dos atenienses, e aceitar a cicuta oferecida com ex-
exortações são bastante semelhantes. As atitudes puritana e pressões de amor pela cidade de Atenas e respeito por suas
pudica da elite dos trabalhadores alemães para com o resto leis. 10 Para se compreender como energias psíquicas recém-
dos trabalhadores antes da Primeira Guerra Mundial são abordadas e, até mesmo, recém-criadas podem se trans-
faces da mesma moeda. Foram uma resposta ao mesmo formar ou, em outras palavras, ajudar a moldar a formação
problema de instilar uma nova moralidade naqueles a de novos padrões de condenação, é necessário ver além da
quem gratificações fugazes ajudavam a tornar suportável a que está ocorrendo na alma humana e, muito freqüente-
existência sombria. 9 Evidentemente o domínio racional dos mente, além do que está no momento acontecendo com os
impulsos e desejos requer muito mais que a mera pregação pobres e oprimidos.
burguesa. Ganhar controle sobre os próprios impulsos é Mais uma vez a perspectiva histórica é útil e salutar. A
parte do aprendizado humano de resistir à autoridade opressão não é absolutamente responsável por toda a po-
opressiva e lutar contra os aspectos físicos e morais de um breza. Afinal, a pobreza é o ponto de onde a humanidade
meio áspero e degradante. Ê parte do aprendizado resistir à partiu. Se definirmos, grosso modo, pobreza como uma
autoridade moral do opressor, dizer a si mesmo que as pu- oferta insuficiente e irregular de comida, combinada com
nições do opressor são injustas. A criação de novos padrões abrigo inadequado para proteger contra. severo desconforto
morais e sua incorporação à personalidade do oprimido são físico, o ponto de partida não tem mais de dois séculos para
parte de todo um processo. Como todos os revolucionários a maioria da população, mesmo nos países mais avançados
reconhecem, as vítimas têm de endurecer o coração. As tra- economicamente. Se existem ou não os recursos físicos para
gédias ocorrem quando os líderes revolucionários endu- eliminar este tipo de pobreza em um mundo habitado por
recem seus próprios corações ao exigir o sacrifício de seus mais de 2 bilhões de pessoas, é uma questão que não ten-
seguidores. tarei responder. Êsuficiente lembrarmo-nos de que as di-
Conforme vimos no capítulo 3, os psicólogos podem nos mensões e percepções da questão se alteraram a ponto de
dizer algo sobre como os corações endurecem, embora pro- não serem reconhecidas num breve período de tempo, e de
vavelmente poucos usarão esta linguagem. De qualquer uma forma que deve ter trazido uma variedade de novas
folt'ma, o endurecimento do coração não determina a di- forças a serem suportadas pelo sofredor. Apenas recente-
reção e as conseqüências de um movimento político. Ê ape- mente foi possível e necessário que novos padrões de conde-
nas um ingrediente necessário nas tendências políticas, nação e novos princípios de organização social se fixassem.
desde as mais revolucionárias até as mais repressivas (e po- Se eles se fixarão, é outro problema, especialmente porque
de ajudar a primeira a se transformar na segunda), in- mesmo pessoas muito inteligentes e bem informadas estão
cluindo os movimentos de auto-ajuda e ascensão social. em desacordo passional sobre o que deveriam ser estes pa-
Vale a pena lembrar que o coração endurecido de Sócrates, drões e princípios.
seu espírito guardião, conforme disse em Apologia, reco-
mendou-lhe resistir e questionar os padrões e julgamentos
Aspectos sociais
(9) De -modo geral, os estudantes rebeldes da década de 1960 foram os Enfoquemos agora, pois, os aspectos econômicos e so-
primeiros hedonistas revolucionários. De forma concebível, a mudança marca
uma nova partidã. histórica impossível até agora, um tema que pode ser adotado e
ciais de como uma ordem social que parece mais ou menos
intensifica-do em alguma época futura. Mas há 'fundamento para o ceticismo. As
revoltas dos estudantes não foram movimentos dos oprimidos e, em suas conse-
qüência~, nem mesmo para os oprimidos. (10) Ver Críton quanto a este ültimo aspecto.
INJUSTIÇA 635'
634 PERSPECTIV AS GEH.AIS

inevitável à população subordinada pode perder toda ou rão que sonhos e brinquedos intelectuais de um número li-
parte de sua aura. Mais uma vez, porém com a atenção mitado de pessoas. O mesmo pode não ser necessariamente
dirigida a diferentes variáveis e processos, a tarefa é com- verdadeiro para as noções repressivas de como intensificar a
preender como surgem os padrões de condenação e através sujeição e a submissão, embora nesta linha a tecnologia
de que tipos de organização social os seres humanos os fa- avançada tenha posto à disposição possibilidades novas e
zem funcionar. Concentrar-me-ei quase exclusivamente nas alarmantes.
populações urbanas, referindo-me apenas ocasionalmente a Entretanto, a posição marxista se expõe 8. criticas
experiências agrárias para fins de comparação. quando afirma, como l\l1arx ocasionalmente o fez, 11 que as
O primeiro ingrediente essencial para o processo é uma mudanças econômicas necessariamente causam as mu-
melhoria um tanto rápida da capacidade de uma sociedade danças sociais e intelectuais. Algumas vezes elas podem
em produzir bens e serviços, suficiente para fazer parecer causar, outras não, e a causalidade pode também ir na di-
possível "resolver" o problema da pobreza, como foi tradi- reção oposta. Freqüentemente adaptaram-se instituições
cionalmente definido. Pode-se ir mais além e afirmar que a econômicas a considerações militares, políticas, e até mes-
melhoria deve ser suficiente para fazer a pobreza aparecer mo religiosas. Sistemas de idéias e significados culturais
também exibem uma dinâmica de mudança bastante pró-
como um problema, e não como parte da ordem natural do
pria que pode ter conseqüências muito significativas para
universo. Seria bom enfatizar novamente que tal transfor-
mação ocorreu apenas uma vez nesta escala na história hu- as instituições econômicas. Afirmar que mudanças nos
mana, e apenas muito recentemente. ajustes econômicos são uma condição necessária para a
\Iludança bem sucedida, como da lei, moral e crenças reli-
E possível imaginar-se uma melhoria na capacidade da
giosas, não é o mesmo que afirmar que mudanças econô-
sociedade de produzir e trocar bens e serviços, ocorrendo de
micas sempre causam as últimas. Proposições. universais
tal forma que todos os setores da população ganhem igual-
sobre a primazia 'das mudanças econômicas devem ser rejei-
mente, e sem que haja, portanto, quaisquer pressões de
tadas de todo, mesmo quando qualificadas pela útil cláu-
mudanças institncionais. E concebível que esta mudança
ocorra em algum lugar no futuro. Todavia, ela ainda não sula que permite retratação, isto é, "a longo prazo".
Mesnlo que se aceite~ e até se enfatize, que idéias não
ocorreu em lugar nenhum, e é pouco provável que ocorra
podem se efetivar caso não haja mudanças econômicas (e
porque qualquer melhoria como esta certamente acarre-
outras), há ainda um ponto positivo importante a ser levan-
taria mudanças significativas na divisão de trabalho e, con-
tado. Sem sentimentos e indignação morais fortes, os seres
seqüentemente, nos sistemas de autoridade, bem como nos
humanos não agirão contra a ordem social. Neste sentido,
processos de distribuição de bens e serviços entre a popu-
as convicções morais se transformam num e1emente! igual-
lação. Eis uma das razões por que os marxistas consideram
as mudanças na estrutura econômica como as causas bá-
sicas de outras mudanças sociais, inclusive dos padrões
(11) Conferir os fmno$os comentários de Marx em A Miséria do. Filosofia
morais.
(p.355):
Há outra boa razão por detrás da posição marxista. As
. mudanças nas idéias e ideais só serão possíveis quando e "Ao adquirir novas forças produtivas, os homens mudam seu, modo de
produção; e, ao mudar s~~u nlOdo de produção, eles mudam seu inado
caso haja mudanças na capacidade de uma sociedade em de ganhar a vida -- eles mudam todas as suas relações sociais ... Os mes·
reduzir seu nível de miséria socialmente necessária, com mos homens que estabelecem. suas relações sociais em conformidade com
base no aumento da produtividade. Sem este aumento de sua produtividade material produzem também princípios, idéias e catego-
rias em conformidade com as suas relações sociais. "
potencial econômico, as idéias de libertação nada mais se-
636 PERSPECTIVAS GERAIS
,,;:~,t,- INJUSTIÇA 637

me"nte necessário pata mudança da ordem social, em con- ;),-!;'

junto com as alterações na"estrutura econômica. A história "S sável à esta capacidade. Outras coisas têm de acontecer, e
de toda luta política importante reflete o embate de pai- freqüentemente acontecem, para que o desejo de fazer uso
,-;~, .. deste potencial ou para que padrões de condenação surjam
xões, convicções e sistemas de crenças. Isto é claro até onde
o registro histórico nos permite observar, desde os profetas e se estabeleçam.
hebreus, desde até mesmo as lutas de Ikhnaton, onde o re- ;~~
o.;,: O ingrediente seguinte, que parece ser indispensável e
gistro começa a evanecer. As convicções são provavelmente "
-i"~ freqüentemente observado, é um marcado aumento do so-
também necessárias para a sociedade continuar funcio- frimento do estrato mais baixo. Para que os padrões de
nando nas linhas costumeiras, embora seja isto mais difícil ~t&' condenação se firmem, o sofrimento tem de crescer rápido
de se demonstrar. As pessoas podem ser capazes de con- o suficiente para que as pessoas não se acostumem a ele.
tinuar a se comportar conforme as rotinas familiares de - ,.';;~ Será necessário cobrir este aspecto de forma mais completa
uma forma cínica e enganosa, a partir de poucas suges- posteriormente. É importante que as causas do sofrimento
tões que recebam dos associados que lhes indiquem o que se sejam novas e não familiares, e atribuíveis aos atos de pes-
espera delas. Por outro lado, numa crise ou situação nova, ·:;c
soas concretas facilmente identificáveis. Desnecessário di-
suas reações tenderão a ser imprevisíveis, e, neste momen- zer que tais julgamentos têm sido freqüentemente equivo-
to, a ruína e o caos poderão se estabelecer. 12 cados. São as conseqüências que importam como ponto de
Pelas razões mencionadas há um momento, é alta- partida deste questionamento.
mente improvável que os benefícios de um crescimento da Nesta forma de sofrimento, a ruptura da organização
capacidade produtiva beneficiem igualmente todos os se- social é, provavelmente, mais significativa em suas conse-
tores da sociedade. Um crescimento da capacidade produ- qüências políticas que a franca privação material, por mais
tiva não é o mesmo que uma mudança na capacidade de dolorosa que esta seja. Paia o indivíduo, a ruptura significa
uma sociedade em resolver seus próprios problemas - ou, a ruína ou, pelo menos, o colapso parcial das rotinas diárias
repetindo agora de forma mais acurada, em fazer com que familiares. Artesãos e vendedores perdem seuS clientes; no-
causas de sofrimento humano duradouras se transformem vas formas de competição "injusta" aparecem; outros co-
em problemas. Ele é apenas uma contribuição indispen- meçam a acumular; torna-se difícil encontrar comida, ou se
pagar por ela caso se a encontre. Colheitas malogradas nu-
ma economia ainda vulnerável a eles podem intensificar
(12) Adoto a posição de Max Weber quanto à importância das convicções
morais. Um behaviorista rígido poderia argumentar que nada sabemos sobre os grandemente a ruptura.
sentimentos de outras pessoas; tudo que podemos observar é seu comportamento. Em si, a ruptura pode apenas causar apatia, confusão
Ê necessário admitir que não podemos observar os sentimentos das outras pes-
soas, e sim apenas o comportamento manifestado pela fala, gesto, expressão facial e desespero. Caso tenda a tornar a população mais maleá-
e muito mais. Há também o risco de se usar a introspecção para estabelecer como vel, ela pode torná-la maleável a formas de autoridade no-
as pessoas se sentem com base em tal evidência. Mas o risco não deve ser exage- vas e opressivas. Vimos isto acontecer no caso dos nazistas,
rado apenas para se preservar a castidade do método científico_ As respostas hu-
manas são suficientemente parecidas p,ara os observadores que não são social- e algo parecido aparentemente foi também responsável pela
mente sur"dos, mudos ou cegos serem capazes de dizer quando aqueles que obser- submissão dos operários das indústrias metalúrgicas e side-
varam estão irados, tristes ou felizes. Seja como for, a maioria da evidência his- rúrgicas alemães a sua sorte. A destruição da estrutura so-
tórica consiste de relatórios sobre o que as pessoas disseram 'e fizeram. Portanto,
os puristas podem limitar suas correlações, inferências e deduções a d'ldos estri- cial que apóia a moralidade e as expectativas tradicionais
tamente behavioristas, e omitir todas as referências a sentimentos, se assim o não quer dizer que outras melhoras automaticamente as
preferirem. Dificilmente as omissões farãO mais que empobrecer levemente quais- sucederão. Na verdade, a completa destruição das insti-
quer teses históricas ou políticas significativas_
tuições e hábitos de cooperação existentes pode tornar a
INJUSTIÇA 639
638 PERSPECTIVAS GERAIS
criam no curso da cooperação antagônica no local de tra-
resistência impossível, realmente impensável, uma vez que balho. O grito final do pobre Karl Fischer, "Não há ordem
destrói a base de onde ela pode começar. aqui!", vem à memória como um exemplo vívido e triste.
Outras coisas têm de acontecer para que as mudanças Para tais pessoas, o lllundo saiu do eixo - é um grito con-
que reduzem o sofrimento humano ocorram. A ruptura tem tra a injustiça essencia!.
de estender-se para a classe dominante, de forma que Para um grande número de pe,soas, o mundo real·
alianças entre elementos das classes dominante e domi- mente sai do eixo no sentido de que elas perdem qualquer
nada se possam fazer. Urna das razões por que a Revolução status regularmente respeitado e moderamente seguro nele,
de 1848 na Alemanha teve tão poucos resultados é que esse mesmo que seus serviços sob forma de força de trabalho
realinhamento não ocorreu. Ao mesmo tempo, para que os física bruta permaneçam necessários. Embora seja impor-
padrões de condenação tornem forma, alguns elementos da tante não romantizar a segurança das classes baixas nos
classe dominante devem aparecer corno parasitas para as tempos pré-modernos, não há razão para se duvidar que
classes baixas, como não contribuindo para o funciona- este processo de atomização e degradação ocorreú numa
mento da ordem social e, conseqüentemente, violando o escala bem ampla. Embora esse processo possa criar al-
contrato social implícito. Nessa conexão, seria iluminador guma matéria-prima para os tumultos urbanos, suas con-
investigar mais cuidadosamente o desenvolvimento histó' seqüências para a ordem social não parecem ser muito sig-
rico das atitudes populares para com o esforço - da-inten- nificativas por si mesmas. Tropas disciplinadas podem
sidade de trabalho ao invés do próprio trabalho - , para controlar tumultos facilmente. De fato, eu arriscaria a ge-
verificar se não houve até bem recentemente urna valori- neralização de que a formação de um grande corpo de semi·
zação estavelmente crescente desta qualidade'. forasteiros, ou o proletariado, constitui uma das formas de
Caso as causas da miséria apareçam aos sofredores co- miséria humana menos politicamente eficazes, bem como
rno devidas aos atos de superiores identificáveis, tais como possivelmente uma das mais dolorosas. Por certo a mera
empregadores ou oficiais proeminentes, estes atos, nos pri- presença deste tipo de proletariado pré-fábrica pode assus-
meiros estágios, provavelmente aparecerão como violações tar, e de fato assustou, as classes altas de toda a Europa nos
dos direitos e normas estabelecidos, corno uma quebra do primeiros estágios da industrialização. Tocquevil1e, em
contrato social estabelecido. Petições de reparações diri- Souvenirs, revela o horror e a revolta que muitos indi-
gidas a autoridades mais altas são, pois, uma primeira res- víduos das classes altas devem ter sentido diante desta apa-
posta característica. A autoridade suprema aparece como rição advinda das profundezas, durante o levante de 1848,
uma figura paternal benevolente que necessita apenas saber em Paris. Por outro lado, aquele le'Vante deu em nada, e o
da injustiça para corrigi· la. Esta reação foi amplamente di" general Cavaignac, talvez o primeiro de uma linhagem si·
fundida na Alemanha, mas não se restringe absolutamente nistra de modernos salvadores da civilização, brutalmente
a ela ou ao ambiente cultura!.'3 Em outras situações, pode extinguiu suas últimas chamas poucos meses depois. Após
haver explosões cegas de fúria frente à violação das normas 1848, o perigo deixara de existir. A Revolução Russa viria de
de conduta e recompensa que os seres humanos sempre uma constelação bastante distinta de forças: os desconten-
tamentos de camponeses desprovidos de terras e operários
de grandes fábricas em algumas cidades-chave.
(13) No capítulo 10, \i:lIOS a força das ingênuas crenças monarquistas no U ma vez que uma massa crítica de pessoas potencial-
forte apoio que padre Gapon obteve na sua marcha de 1905, que visava entregar ao
czar lima petição exigindo alívio dos sofrimentos dos trabalhadores. O Domingo
mente descontentes surgiu através da elaboração de forças
Sangrento constitui um severo golpe a estas crenças dada a resposta das tropas dó institucionais de larga escala, o palco está pronto para o
Czar.
640 PERSPECTIV AS GERAIS INJUSTIÇA 641

aparecimento dos "agitadores de fora". E importante reco- rações sindicais, mostram uma forte tendência a submeter-
nhecer o significado crucial de seu papel porque os críticos se aos status quo.
sociais tendem a minimizá-lo por medo de levar água dos Uma razão clara para este pendor disseminado para
moinhos do conservadorismo e da reação. Desde o tempo uma estratégia reformista e gradativa é a experiência da
dos apóstolos, e talvez antes, nenhum movimento social derrota dos levantes revolucionários. Progressão gradativa,
aconteceu sem que seu exército de pregadores e militantes reformismo, e as técnicas de oposição legítimas não surgem
espalhassem as boas novas de libertação das dores e males de processos internos de maturação ou mesmo de situações
deste mundo. E sempre uma minoria ativista que promove onde há tanto que discutir que a luta deixa de ser atraente
e promulga novos padrões de condenação. Eles são uma ou válida. Um aumento em tamanho do produto social a ser
causa indispensável, mesmo que insuficiente, de grandes dividido pode realmente ser um ingrediente útil para a
transformações sociais, pacificas e gradativas, assim como tranqüilidade doméstica. Mas o registro histórico mostra
violentas e revolucionárias. Geralmente eles são relativa- que mesmo na Inglaterra, e ainda mais no continente, a
mente jovens e livres de obrigações e laços sociais. Isto é supressão preparou o caminho para a negociação e a bar-
mais uma indicação da importância do espaço cultural e ganha. Para os constestadores mais fracos, a progressão
social, a ser discutida em breve. Muito freqüentemente eles gradual não foi virtude por si só, como se tornou para a
são estranhos à localidade onde agem. Sua tarefa é encon- classe dominante; ela foi uma virtude imposta pela neces-
trar e articuiar os descontentamentos latentes, desafiar a sidade.
mitologia dominante, organizar para um confronto com as Não quero com isso implicar que neste primeiro es-
forças dominantes em torno de si. Os agitadores de fora tágio de desenvolvimento havia entre os indivíduos de baixo
fazem o trabalho árduo de minar o velho sentido de inevita- estrato das cidades qualquer forte impulso revolucionário
I; bilidade. Nos assuntos humanos, é necessário um esforço que foi, de alguma forma, sufocado ou desviado. Tanto o
tremendo para produzir o inevitável, novo ou velho, e nin- modelo marxista como o modelo liberal de desenvolvimento
ri guém tem muita certeza de como será o novo até que ele já característico das classes trabalhadoras me parecem enga-
tenha acontecido. Mas aí é geralmente tarde demais.'· nosos porque são por demais esquemáticos e não apre-
A fraqueza de qualquer consciência coletiva e da orga- endem as variáveis mais importantes. Segundo a visão li-
nização social além dos limites estreitos de vizinhança" e berai, o trauma da industrialização na sua primeira fase
','
'I', ocupação na Paris de 1848 podem ter contribuído para o' tende a cria:c exigências radicais mais ou menos irracionais.
! fracasso daquele levante. 1,5 Seja como for, o ponto a ser enfa- Com a passagem do tempo e o crescimento da produtivi-
tizado é que novas formas de ação coletiva que crescem em ' dade, os trabalhadores aprendem a virtude da barganha
um contexto urbano, partidos revolucionários e corpo- coletiva e as táticas de pressão de grupo democráticas, e
i::
'! assim se incorporam pacificamente a um sistema de capi-
talismo liberal. Segue-se a transferência de ideologia. De
(14) A militância também pode ser uma fuga intermitente ao enfado e acordo com o esquema marxista, os trabalhadores geral-
obrigações rotil1eiras, tanto para líderes como para liderados. Para algumas
','I' gutas observações sobre este aspecto das greves do final do século XIX, ver Mi~
mente partem de uma situação de inércia, capazes no má-
I,);
" chelle PelTot, Les ollvriers en greve: Frallce 1871~1890, voI. 11, pp. S47~S68. Com ximo de atos ocasionais de revolta instintiva. Através da
sua polítka de pào e circo. os governantes romanos há muito reconheceram a irn:, experiência da industrialização, que os reúne em imensas
liL portnncia de se ter nas mãos o controle das formas de fuga ao enfado. Haverá
relação nega tiva entre feriados públicos e perturbações públicas? fábricas e lhes impõe um destino comum, eles adquirem
'li,:,1'
(15) Segundo Peter H. Amann, em Revo!utioll and Mass Democracy, uma consciência de classe Revolucionária. Esta forma de
,li
1
'1
principal te!llativa de organização foi um sombrio fracasso. consciência os leva à percepção de seu papel crucial em to-
L'
1:.'\
'I'"
I',"
ill I'
INJUSTIÇA 643
642 PERSPECTIVAS GERAIS
nente principal do apoio popular a outros movimentos re-
do o processo histórico, tal como percebeu e delineou Marx, volucionários. Na Revolução Russa, as exigências dos traba-
e à disposição de agir sobre essa percepção no momento lhadores que vieram à tona após a queda do czarismo foram
histórico crucial. Embora na variante de Lênin a percepção essencialmente defensivas: elas não eram exigências de uma
não viesse por si mas fosse trazida de fora por intelectuais nova ordem social, embOTa a tenham ajudado a surgir. E na
que se tornariam revolucionários profissionais, a expe- China, os comunistas tiveram de "baixar o volume" dos
riência da vida na fábrica sob o capitalismo era um pré- objetivos revolucionários e enfatizar as queixas limitadas
requisito necessário para as massas passarem por essaprise dos camponeses para mobilizar seu apoio. Estas eram obje-
de conscience com a ajuda dos intelectuais. l6 ções a "maus" proprietários, isto é. àqueles que não' se- .
O exemplo alemão tornou necessária a rejeição, tanto guiam os padrões patriarcais de comportamento e cobra-
da interpretação leninista como daquela que se direciona vam aluguéis que excediam as normas tradicionais. É pro-
para uma capacidade independente dos trabalhadores in- vável que os comunistas digam que as exigências mais radi-
dustriais de soluções gerais para os problemas da sociedade cais foram abafadas sob o peso da estrutura tradicional da
industrial. Na medida em que é possível discernir reações e vila, dominada por camponeses mais ricos. Mas isto é alta-
atitudes de massa, há pouca indicação de um desejo de to- mente duvidoso. De qualquer forma, é bobagem considerar
mar a dianteira da sociedade. Pode haver, às vezes, um os regimes revolucionários modernos como expressão dos
grande acúmulo de ira. Contudo, esta ira não se trans- sentimentos espontâneos da massa da população oprimida.
forma, necessariamente, como não se transformou na Ale- Tanto na Rússia como na China, a esmagadora maioria da
manha, num desejo de mudar o mundo, mesmo sobre a população era constituída, é claro, de camponeses. As mu-
forma de noções igualitárias bastante simples, ou de um 'danças realmente revolucionárias, a coletivização da agri-
desejo de fazer com que pobres e ricos troquem as posições. cultura, aconteceram contra a vontade desta massa. Neste
Com certeza não se transformou num apoio maciço ao so- aspecto, a diferença entre Rússia e China é de grau, e não
cialismo, mesmo no apogeu da revolta de 1920 no Ruhr. de qualidade. 17
No que se refere aos participantes comuns, a rev.olta do As noções gerais espontâneas que houve sobre a reor-
Ruhr foi primeiramente um violento esforço defensivo con- ganização da sociedade alemã brotaram principalmente
tra as forças de direita que estavam rapidamente revivendo. entre os artesãos de 1848. Entre o proletariado da época,
Este aspecto estritamente defensivo tem sido um compo- nada parece ter acontecido: eles eram inarticulados. Entre
os trabalhadores do último período do século XIX e até a
Primeira Guerra Mundial, as razões que deram para a ira e
(16) Será talvez conveniente mencionar que quando comecei cstl.\ pes·
os remédios que buscaram eram muito específicos de suas
quisa. considerava arúbas as abordagens por demais intelectuais. Especial~ próprias circunstâncias em indústrias específicas. Este ca-
mente no leninismo, lanto a atitude condescendente para com a capacidade dos ráter específico de indústria e algumas das suas razões ge·
trabalhadores de encontrar soluções próprias para os problemas, quanto a fé arro-
gante na capacidade dos intelectuais - apenas intelectuais bolcheviques, é claro
rais aparecem muito claramente no contraste entre as res·
- de encontrar as rcsposlas correta:,> para tudo, pareciam-me particularmente postas dos mineradores e as dos operários das usinas side-
repulsivas. Influeneiado pela obra de E. P. Thompson, até certo ponto espe- rúrgicas às experiências de industrialização. As experiên-
rava encontrar indicaçi."lcs de que os trabalhadores industriais en-ln1 capazes de
de:'>ellvolver, através de suas próprias experiências. seus próprios diagnósticos e
remédios para os maks que os nfligiam.- Esta- diagnose e remédio. pensava eu,
poderiam vir a ser mais sensíveis e prováveis do que afinnavam os intelectuais, (17) Ver o excelente estudo de Thomas Paul Bernstein, Leadership and
pmém os trabalhadores jamais tinham adquirido poder suficiente para experi- MobilizUlioll in lhe Colleclivization of Agriculture in Chinu and Uussia: A Com-
mentá-los. Parecia-me que aí poderia estar uma das alternativas eliminadas da parisoll .
história.
644 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 645

das foram muito semelhantes, as reações muito diferentes e tante compreensível. Ao mesmo tempo, estas considerações
dependentes da organização social no local de trabalho, e apontam para a necessidade de se ter cautela ao se falar em
das tradições referentes à natureza da autoridade. Os mi- termos de criação ou descoberta de novos padrões de con-
neradores·tinham seus Gedinge ti< seus Berggesetz e se tor- denação - nas massas ou pelas massas - , para não se
naram muito ativos. Carecendo das relações e normas de falar das revoluções de expectativas emergentes. O que é aí
cooperação que emergiam do trabalho em equipe no Ge· aparente é antes a emergência à superfície de padrões la-
dinge, e carecendo da fonte de legitimação tradicional para tentes. Alguns estão profundamente engastados numa ex-
suas queixas no Berggesetz, os operários das· usinas meta- periência histórica específica ou conjunto de instituições.
lúrgicas e siderúrgicas docilmente aceitaram a autoridade Outros parecem ser reações mais pan-humanas, que vêm à
dos empregadores. Os padrões de condenação que os tra- tona com a perspectiva de rompimento· de um sistema de
balhadores desenvolveram espontaneamente e os meios que dominação há muito conhecido. Estes padrões latentes são
usaram para pô-los em prática refletem, ao que parece a novos apenas no sentido de que os seres humanos recente-
partir desta evidência, a estrutura da cooperação ou sua mente tomaram ciência deles.
ausência no local de trabalho, junto com os padrões de legi- Em outros contextos, entretanto, a experiência pode
timação que também derivam da experiência, mas são con- levar a novas reações que significam novos padrões de con-
sideravelmente influenciados por fatores que operam fora denação. Por um certo período, um número substancial de
do próprio ambiente dos trabalhadores . trabalhadores alemães passou realmente pelos estágios que
. Resumindo provisoriamente, as concepções espontâ- interessam à autoridade paternalista, desde a organização
neas dos trabalhadores pré-fábrica, trabalhadores de fábri- para defender e fazer avançar seus interesses através de sin-
ca e camponeses revolucionários modernos têm consistido dicátos à participação em movimentos revolucionários. O
principalmente no olhar para trás. Foram tentativas de re- fator chave aí é antes claro desapontamento: na medida que
viver o contrato social que foi violado. Na maioria das ve- cada estratégia não trazia os resultados esperados, os tra-
zes, foram esforços para remediar queixas concretas e espe- balhadores mudavam a estratégia. Nesse ínterim, o contex-
cíficas de sua ocupação particular. A tremenda diversidade to no qual tinham de aplicar a estratégia também mudava,
nas formas da vida cotidiana criadas pela moderna indus- é claro. Há também mudanças de padrões que provêm da
trialização tem quase certamente constituído um obstáculo satisfação crescente. Os trabalhadores franceses do século
central para a ação coletiva de trabalhadores industriais, XIX não tinham a menor idéia de férias anuais pagas. Para
um obstáculo apenas raramente e brevemente superado nos eles, tal perspectiva estava além da imaginação. 18 Hoje, o
períodos de intensa crise, tais como a derrota na guerra, súbito cancelamento das férias pelos empregadores parece-
que rompem as rotinas cotidianas de toda uma população. ria o clímax da injustiça arbitrária. E que grupo de traba-
As concepções de justiça e injustiça aparecem como gene- lhadores da indústria capitalista moderna suportaria as
ralização da experiência cotidiana sem os traços que seriam longas jornadas, a disciplina arbitrária, a ausência de pro-
dolorosos para qualquer ser humano não continuamente cedimento para a expressão e estabelecimento de queixas, a
condicionado e recondicionado a suportá-los. E difícil de se ausência de previdências para os desempregados e outras
ver como pessoas que devotaram a maior parte de sua força formas de segurança social, todas lugares-comuns antes da
e de seu tempo a seu trabalho - e nesse aspecto a sociedade Primeira Guerra Mundial?
tem mudado e promete mudar ainda mais - poderiam de-
senvolver idéias muito diferentes. Sob essa luz, o forte com-
ponente defensivo na insuúeição e revolução se torna bas- (18) Perrot, Les ollvriers eu greve, voi. 1, p. 293.
:.\

646 PERSPECTIV AS GERAIS INJUSTIÇA 647


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As idéias de uma nova ordem social surgiram princi- com os militares e o apoio dos círculos de negócios de direi-
palmente entre os dissidentes intelectuais. Neste sentido, a ta, Neste sentido, as experiências da guerra realmente cria-
evidência, conforme a interpreto, confirma plenamente a ram, caso não nnl claro desejo de Ulna nova sociedade, U111a
tese leninista de que trabalhadores industriais por conta má vontade definitiva de retornar à velha. Os padrões de
própria nada crialu, exceto puro unionisrno de comércio. condenação tinham mudado, mas a mudança era, contudo,
Porém ela não confirma o corolário de que um partido de expressa principalmente de forma negativa: os trabalhado-
vanguarda baseado nos ü'abalhadores pode efetuar a revo- res sabiam aquilo que não queriam muito mais que aquilo
lução ou a libertação. Os intelectuais alemães de fato fun- que realmente queriam. Com exceção de um grau limitado
daram um partido revolucionário. Então a pressão dos tra- de socialização, as exigências dos trabalhadores comuns
balhadores o transformou num partido reformista. Confor- eram, na medida em que podem ser determinadas, prin-
me se mencionou anteriormente, isto em parte aconteceu cipalmente de caráter defensivo (tais como o desarmamen-
porque nada mais parecia possível. Mas aconteceu também to de Freilcorps) ou tinham a ver com queixas imediatas
porque não houve pressão, pelo menos nenhuma antes de e locais.
1914, do setor mais avançado do proletariado industrial Olhando o processo como um todo, podemos ver que
para torná-lo revolucionário. O industrialismo matou a es- os trabalhadores tomaram as idéias e a ajuda organizacio-
pécie de ímpeto revolucionário que existiu em 1848. Os mi- nal que quiseram dos intelectuais e as transformaram para
neiros eram bastante militantes, especialmente o setor não seus próprios fins. Os sindicatos começaram com ajuda ex-
organizado, mas tinham exigências muito concretas e es- terna. Por outro lado, se os sindicatos não servissem aos
sencialmente limitadas. Os operários das usinas siderúrgi- propósitos dos trabalhadores, eles logo definhavam e mor-
cas eram inertes. Com certeza, as origens do caráter refor- riam. Houve um processo de interação entre trabalhadores
mista dos outros sindicatos estão freqüentemente ligadas à e intelectuais, no qual as idéias dos intelectuais referentes à
sobrevivência das tradições e práticas do ofício, e à conser- mudança da ordem social como um todo se transformaram.
vádora atmosfera de pequena cidade que ainda caracteriza Os trabalhadores, no caso da mobilidade para ciIha nos sin-
muitíssimo ." indústria alemã, principalmente a iridústria dicatos e no Partido Socialista, tornaram-se intelectuais de
onde os siudicatos se firmaram. Todavia, a situação no" um novo tipo, políticos burocráticos essencialmente prag-
Rhur constitui uma evidência decisiva contra a tese de que máticos. Eles, de fato, desenvolveram uma visão da socie-
havia um l'eservatório substancial de descontentamento re-' dade consideravelmente mais ampla do que aquela dos tra-
volucionário à espera dos líderes certos para extraí-lo. balhadores nas bancadas. Ao mesmo tempo, este processo
Após a guerra, houve levantes de massa nas partes' de organização produziu uma cisão entre trabalhadores or-
mais industrializadas da Alemanha e na Baviera que, na ganizados e não organizados, sendo os últimos um perigo
superfície, realmente pareciam um apoio maciço ao socia- constante para os primeiros. No processo todo, houve um
lismo revolucionário. Certamente houve muitos porta-vo" forte elemento de franco egoísmo de grupo. Os interesses de
zes, inimigos e líderes deste movimento que afirmaram ser" . certos trabalhadores no interior de um corpo de trabalha-
este o caso. Contudo, a aparência se dissolve ante um exa' . dores voltados para um ramo ou ocupação particular ten-
me minucioso. Os levantes em ampla escala só começaram: c:"t2"i' ;'."lK diam a estabelecer o tom polltico, A estratégia política não
após janeiro de 1912, e foram em grande medida uma res- refletia o interesse de todos os lrabalhadores do ramo, cer-
posta dE;tensiva aos temores justificados de retorno aos ve- tamente não refletia o interesse de todos os trabalhadores
lhos tempos ruins, ou pior - um retorno ao velho regime, industriais e, com mais certeza ainda, não refletia o interes-
sob os auspícios dos líderes do SPD, numa colisão de fatb'> se da sociedade como um todo.
64R PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 649

Afirmar que os trabalhadores se apossaram e modifi- rizonte cultural mais amplo, os trabalhadores podem gerar
caram as idéias dos intelectuais não é minimizar o papel uma onda de espírito inventivo popular culminando numa
destes últimos. Ê difícil imaginar a existência do SPD e diagnose e remédio totalmente novos para os males sociais.
mesmo dos sindicatos sem a contribuição dos intelectuais. Durante os cem anos passados, trabalhadores e cida-
Estas organizações tiveram urna influência na vida das clas- dãos no geral criaram três alavancas para forçar as mudan-
ses-trabalhadoras muito maior do que os modos corno afe- ças que queriam: o sindicato, os partidos políticos "revolu-
taram os membros -contribuintes. Os intelectuais tiveram cionários", e a multidão ou turba revolucionária. Essa últi-
urna influência muito forte sobre os padrões de condenação ma é, é claro, mais antiga que a classe trabalhadora indus-
desenvolvidos no interior da classe trabalhadora e nos mo- trial. A contradição entre sindicato e partidos políticos "re-
dos corno estes padrões foram postos em prática, mesmo volucionários" tem sido assunto de muita discussão. Não
que essa influência tenha sido muito diferente do que se haverá também urna contradição inerente entre a natureza
esperava ou daquilo que os intelectuais algumas vezes a de um partido revolucionário e a de uma multidão revolu-
afirmaram ser. Foram os intelectuais que trouxeram aos cionária?
trabalhadores a concepção de que a sociedade tinha real- A essência de um partido revolucionário é ser o estra-
mente capacidade de resolver seus próprios problemas, e tegista e a vanguarda consciente de uma massa que se pre-
que sugeriram as principais formas de o fazer. Se os traba- sume ser ao menos potencialmente revolucionária. Numa
lhadores recusaram algumas das sugestões e -mostraram no sociedade que permite considerável liberdade para a for-
geral relutância em servir de bucha de canhão revolucioná- mação de organizações políticas de oposição, a vanguarda,
rio por idéias que não tinham criado a partir da própria come;:> todos sabem, tem de chegar a um acordo com os gru-
experiência, quem pode censurá-los? pos dominantes. Ao fazer isto, ela provavelmente perderá
O fato de que os trabalhadores até agora mostraram muito de seu compromisso com a revolução. Mesmo numa
pouca inclinação, ou talvez mesmo pouca capacidade, de sociedade autocrática, como demonstra a experiência russa
gerar respostas de largo alcance para os problemas que as- anterior a 1917, a mesma tendência existe, embora numa
solam a humanidade, tampouco significa que respostas, ou escala reduzida. Lênin teve de devotar uma quantidade for-
contribuições importantes para as resposta~, não possam midável de energia e papel para manter os socialistas ruSSOS
provir deste segmento. Os níveis educacionais estão cres- no curso revolucionário.
cendo em paralelo com .a exposição a outras correntes da Uma multidão revolucionária é uma coisa muito dis-
cultura moderna. Os trabalhadores podem se tornar urna tinta de um partido revolucionário. Enquanto o partido é
força conservadora semelhante aos camponeses da Europa duradouro, ou tenta ser, a multidão é efêmera. Enquanto o
Ocidental no século XIX, 19 apegando-se ansiosamente aos partido é firmemente organizado e disciplinado, a multidão
ganhos limitados que conquistaram a duras penas, e teme- revolucionária é organizada muito livremente. No geral,
rosos das forças do mundo moderno que os ameaçam. En- multidões são formas de comportamento humano coletivo
quanto o cap:italismo funcionar toleravelmente bem, .esta que surgem fora da estrutura institucional normal, fora do
pode ser a tendência predominante. Mas não há garantias elos usuais de obediência política, obrigações de trabalho e
de que o capitalismo continue a funcionar deste modo. Em coisas semelhantes. Elas são férias da sociedade normal.
resposta a pressões novas e severas, equipados com um ho- Tal como férias ou qualquer forma de euforia (ou de infe-
licidade aguda), não podem durar. Logo, os imperativos da
vida cotidiana, tais como obter comida, trocar ao menos
(19) Devo esta observação a meu aluno Mark Gould. alguns bens e serviços, se reafirmam. Numa sociedade ur-
650 PERSPECTIV AS GERAIS INJUSTIÇA 651

bana, é impossível para cada indivíduo cuidar das próprias imediato se denominaria democrática. Enquanto dura, a
necessidades sem a ajuda dos outros. Por esta razão, os multidão mostra um grau considerável de autonomia. Um
imperativos da cooperação se reafirmam rapidamente, e as lJ.der de fora, com uma percepção aguda para os sentimen-
férias chegam ao fim. Pode haver nesse ínterim mudanças tos da platéia, pode persuadir e influenciar uma multidão,
significativas: um governo derrubado e um novo instalado sugerir novos alvos, e coisas assinl (será lnais difícil persua-
no seu lugar. Como uma forma de comportamento coletivo dir uma multidão enraivecida a não atacar alvos seguros
lora das rotinas normais, a multidão constitui um recurso porém triviais, especialmente se o alvo tiver um valor sim_o
adaptativo muito importante para alterar algumas destas bólico). Por outro lado, tal líder poderoso geralmente tem
rotinas. 20 Caso a multidão não consiga efetuar mudanças de partilhar a maioria dos sentimentos da multidão e é,
decisivas durante seu breve período de existência, ter-se-á portanto, tanto seu líder quanto seu prisioneiro. Quanto
perdido uma oportunidade crucial de ruptura revolucioná- mais um partido revolucionário for capaz de a.gir em condi-
ria que tardará a se repetir, se vier a se repetir. ções legais, mais provavelmente haverá diferenças estraté-
O principal propósito do partido revolucionário é, é gicas e temperamentais entre os líderes da multidão e do
claro, servir como avant garde e.stratégica num momento de partido. Se o partido se burocratizar, quer como oposição,
crise, conduzir a multidão aos alvos estratégicos no mo- quer como lider de um regime pós-revolucionário, é prová-
mento certo. Mas é exatamente neste momento que as con- vel que tema levantes de massa. Isto aconteceu aos bo1che-
tradições estruturais inerentes entre partido e multidão pro- viques no governo de Stalin. Também aconteceu na China,
vavelmente virão à tona. Como uma forma de comporta- com a diferença significativa de que Mao valeu-se dos levan-
mento coletivo fora das instituições predominantes, a mul-. tes de massa na Revolução Cultural para se opor ao par-
tidão muito provavelmente criará seus próprios líderes. Os
tido.
estudos demonstram que o comportamento coletivo nas Para aqueles que conseguem acreditar num "instinto
multidões pode ser bastante racional. 21 As multidões aban-. revolucionário" das massas, sólido e infalível, o problema
donam seus próprios líderes, obtêm suas próprias informa- do curso desaparece. O partido revolucionário se torna su-
ções, decidem sobre suas ações, tudo de uma forma que de pérfluo no dia em que a revolução ÍlTompe, se não antes. Tal
crença tem tanto fundamento quanto a tese arrogantemen-
te elitista de que o partido revolucionário é inerentemente
(20) Há, é claro, outras cspécies de multidões que também tomam a forma infalivel devido a sua natureza de vanguarda de uma revo-
de férias da existência rotineira cotidiana e que servem p<lra apoiar a ordem social
existente. As festividades religiosas e patrióticas constituem o mais cl<lro exemplo.
lução historicamente inevitável. Tanto os partidos como asc
FE. perigoso, penso eu, enfatizar como Durklleim a função de tai!'; festividades de multidões estão sujeitos a percepções distorcidas das reali
rcafirmar os valores búsicos da socicdade, a não ser que se tenha cuidado em dades sociais devido a suas formas estruturais, mesmo que
explic<lr o que significa esta reafirmaçflo. Freqüentemente as festividades religio-,
sas c patrióticas significam a reafirmução e o apoio u· estes valores porque a massa.
as razões não sejam as mesmas em cada caso.
da populaçflo não pode viver a sua altura. mesmo que ainda queira acreditar Além disto, não há garantia de que a multidão revolu-
ncles. O simbolismo e a oratória reasscguram aos expectadores que os deuses e cionária fará sua aparição no momento certo - assumindo
objetivos de seus pais ainda existem. mas que existem num compartimento sepa- que seja possível determinar exatamente qual seja este mo-
rado e sagrado da existência, que não necessila p,-essionar indevidamente as ocu-
paç{Jt"~s <lu vida cotidiana. Tais exercício.s coletivos de auto-ilusão são, evidente- mento. Tanto os defensores quanto os oponentes da mu-
mente, ncccssfl,·ios para manter as sodcdaucs funcionando, bem como para dança revolucionária, bem como aqueles declaradamente
mudá-Ius. neutros, gastaram tempo, energia e papel analisando justa-
(21) Ver R<llph H. Turner, "Collccti"c Behavior"_ Em Handhook 01 Mo-
denJ :";oci%l-O', edi,flo de Roberl E. L. Faris, pp. 382-425, especialmente pp. 390- mente como e por que nasce um temperamento revolucio-
392 c 418-423. nário nas massas. As respostas vão desde expectativas
652 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 653

emergentes e privação relativa, até certos processos de pen- condições de desenvolver ajustes sociais distintos, tradições
samento que estejam funcionando na estrutura da socie- culturais e explicações para o mundo ao redor. O espaço
dade capitalista. Certamente, nem tudo deste trabalho foi social e cultural implica condições de experimentar cons-
desperdiçado. Contudo, no meu entender, ainda não houve truir o futuro. A cidade medieval forneceu este tipo de con-
uma percepção adequada da natureza breve e frágil das re- dições na sociedade militar e agrária. O uso do espaço so-
voltas revolucionárias, especialmente entre as populações cial não é somente uma questão de jogar com estilos de vida
urbanas, nem da variedade de circunstâncias que têm de se alternativos. Para que mudanças institucionais ocorram,
reunir para torná-las possíveis. Mesmo quando todas as cir- aqueles que habitam este espaço têm de acumular, tencional
cunstâncias "objetivas" são favoráveis, o levante pode não ou intencionalmente, força suficiente para desafiar a hege-
acontecer devido às memórias populares de uma derrota monia dominante. Este aspecto é suficientemente claro nos
recente. Levantes urbanos têm uma forma de irromper casos já mencionados, mas também em exemplos tão diver-
quando nem amigos, nem inimigos, esperam. Isto aconte- sos, como o cristianismo e os movimentos revolucionários
ceu em 1848, na Revolução de Fevereiro na Rússia (1917), ou de guerrilha. Nem todos os desafios envolvem violência,
para não citar os "eventos" de maio de 1968, na França. certamente não o tempo todo. Porém, cedo ou tarde, a dis-
Reciprocamente, levantes amplamente antecipados podem ,.. , .... , tribuição de poder se torna decisiva.
não ocorrer, como na Inglaterra de 1930, onde havia temo- Como mostrou Gaetano Mosca, 23 o traço significativo
res difundidos de uma repetição da reviravolta na França. responsável pelo triunfo das novas formas sociais não é sua
A contradição entre planejar uma revolução e efetivamente ; ;YSij(i capacidade de resistir à perseguição feroz, mas o caráter
fazer uma provavelmente permanecerá enquanto a própria rehitivamente frouxo e intermitente da perseguição que en-
revolução continuar a ser a principal forma de realinhar frentaram. Em nossos termos, os inovadores desfrutaram e
instituições sociais com capacidades sociais. l1s.aram espaço social. A perseguição intermitente criou
Para que qualquer transformação social e moral po-' mártires e mitos que serviram para fazer o movimento
nha-se a caminho, parece haver um pré-requisito que sub- avançar, ao invés de esmagá-lo. Onde a revolução termi-
jaz a todos aqueles citados anteriormente: o espaço social e ' nou e desfrutou de apoio popular, como Mosca mostrou
cultural dentro da ordem predominante. 22 Uma sociedade ser o caso da pe!'seguição japonesa aos cristãos no século
com espaço cultural e social fornece encraves mais ou me- XVII, ela conseguiu obliterar o desafio à autoridade. A
nos protegidos, onde grupos insatisfeitos ou oprimidos têm, noção de que a força jamais pode destruir uma idéia é nada
mais que um mito confortante. Os revolucionários freqüen-
temente proclamaram o mito antes de assumirem o poder.
(22) Porque caminhos alternativos para o mesmo objetivo são possíveis, e bepois, eles descartaram o mito nos seus esforços de esta-
porque a experiência tem tão freqüentemente revelado substitutos funcionais para belecer um sistema de virtude pré-fabricada, um esforço
ajustes sociais supostamente necessários, faço uso do termo "pré-requisito"
certa hesitação. Sobre este assunto, recomendo o arguto e iconoclasta ensaio de
que exigiu tanta crueldade quanto, ou até mais que, aquela
Albert O. Hirschman, Exil, Voice, anri Loyalty: Respollses to Decline in Firms, que os revolucionários sofreram. 24
Organizations. mld S/ales. Aí, por outro lado. o termo realmente parece apro-
priado, uma vez que não eleva uma seqüência particular de desenvolvimento h,s-
tórico ao nível da necessidade, e cobre umn extensão bastante ampla de
rjência hislórica. Comparadas às sociedades teocráticas do antigo Oriente (23) Tlze Rulit!g Clas ... , pp. 190-192.
ximo, por exemplo, as comunid'ldes gregas que cresceram com base na (24) Na China de Mao não havia figuras firmes ou oficiais disponíveis en·
tura, pirataria, comércio e lutas ofereceram muito espaço cultural e tre os mortos pela fome ou por sofrimento politicamente induzido nas cidades,
fato não "explica" a polis grega e suas realizações intelectuais, mas elas dificil-· ):\_~ campos d.e trabalho, etc., apesar do mundo saber que a violência tinha acom-
mente teriam sido possíveis ::;em ele. panhado eventos bem publicados como O Grande Salto para a Frente (1958-1960) e
INJUSTIÇA 655
654 PERSPECTIV AS GERAIS
liberadamente para o fim, esperando que a clarificação de
Nesta conexão, a distinção entre sociedades totalitárias outros aspectos do processo ajudasse à compreensão deste.
e não-totalitárias torna-se significativa. O termo "totalita- Nos tempos modernos, o nacionalismo tem sido o padrão
rismo" não emergiu como parte da mitologia que os ame- mais infiltrado e difundido pelo qual os seres humanos con-
ricanos criaram para servir a seus desígnios na guerra fria. denam ou aprovam seus arredores sociais.
Certamente, a distinção não é absoluta. Contudo, urna so- Se olharmos primeiramente para o aspecto negativo, o
ciedade totalitária é aquela onde urna pequena elite gover- nacionalismo que condena uma ou mais nações,-poderemos
nante controla os meios de coerção e persuasão e, em nome notar imediatamente que ele pode ser um traço proeminen-
.de algum ideal, usa a polícia e a propaganda para eliminar te dos . movimentos reacionários e dos revolucionários. O
dissidentes e reduzir o espaço cultural e social a um mínimo nacionalismo foi um componente importante do conserva-
a.bsoluto.25 Numa sociedade totalitária, não há literalmente dorismo monarquista na Prússia do século XIX e, numa
condições de experimentar com o futuro e, por esta razão, forma mais virulenta nos tempos modernos, do Nacional-
com o passado. A natureza, tanto do passado como do socialismo e de outras formas de fascismo. Contudo, o na-
presente, é definida através de decretos continuamente mu- cionalismo também possibilitou, como o fez na Revolução
tantes que, entretanto, mantém a experimentação não ofi- Francesa, muito do fervor emocional por detrás das lutas
cial como um tabu permanente. Temos ainda de ver se tais .revolucionárias na China, Vietnã do Norte, e de movimen-
sociedades, baseadas na permanente mobilização da popu- tos de libertação nacional, no geral em áreas economica-
lação subordinada, podem manter esta mobilização para mente atrasadas. Evidentemente, o estado-nação é um re-
além do período da vida dos líderes com experiência re;ll cipiente onde se· pode derramar conteúdos muito distintos.
das lutas revolucionárias que os formaram. Também sabemos que, apesar de proscrição oficial do Par-
tido Social Democrático como urna organização não-patrió-
tica e subversiva, uma proscrição que terminou oficialmen-
o problema da identidade nacional te em 1890 - mas permaneceu posteriormente como uma
premissa influente de políticosrespeitáveis - , os trabalha-
Resta um aspecto final da relação entre estruturas so- dores alemães de 1914 seguiram o comando daquele parti-
ciais e a formação de padrões de condenaçãO: o papel do do ao se juntar à carnificina. Finalmente, deve-se observar
nacionalismo. Devido a sua natureza protéica, deixei-o de- que os movimentos nacionalistas e separatistas fizeram su-
cesso neste últimos 50 anos, e que o número e o fervor
a Revolução Cultural (196S~1968). Para estimativas nào confirmadas e variadas de
daqueles que os apoiam é, provavelmen.te, muito maior do
estudiosos estrangeiros ver: Ezra F. Vagcl, C'antoll Under -C:omtmism. p. 254, que qne daqueles que apoiam movimentos baseados na cons-
fala sobre a fome em um condado pobre durante a Revdução Cultural; ]ürgen ciência da classe trabalhadora revolucionária. Eis aí, pois,
Domes, The InternaI Politics of China 1949-1972, p. 115, onde cita uma imensa
cifra de mortes em conseqüência do Grande Salto para a Frente. Sobre o sofri- fatos importantes e desconcertantes que clamam por expli-
mento chinês derante a fome, em 1952, ver Bernstein. Leadership alld Mobilizw cação. Usar o nacionalismo como uma explicação por si
tion in the Collectil.ization of Agricullllre, p. 293. e Bao Ruo-Wang e Rudolph mesmo não basta. Tal atitude equivale a um raciocínio cir-
Chelminski, Prisoner of Mao, pp. 10-11,22, 185, 192, 248, 272. para impressões
pessoais de um prisioneiro de -campo de J::Pl1centração que presenciou de primeira cular, ou pior: ao recurso da espada mágica. Precisamos
mão algumas mortes. compreender por que estes sentimentos são poderosos.
(25) Ver Robert Jay Lifton, Thollghl I?eform aud the Psychology of Tota- Assim, corno qualquer grupo que sofre ou é oprimido
/ism, especialmente a parte 3, para os efeitos em intelectuais chineses_ A análise'·
geral de Lifton (parte 4) decifra os principais processos psicológicos e suas limi:: busca chegar a um acordo com a sua sorte, seus membros e,
tações que, segundo sugere, poderiam quase certamente aplicar-se a qualquer' mais especialmente, seus líderes e porta-vozes buscam
população.
656 PEH'sPECTIVAS GERAIS INIUSTIÇA 657

uma explicação para esta sorte. O Homo sapiens pode ser Com estas observações em mente, é válido parar e exa-
caracterizado como o mamífero explicador. No curso da minar as vantagens gerais do nacionalismo como uma ex-
busca desta explicação, o grupo se define em relação a seus plicação popular para o sofrimento. Em primeiro lugar, é
inimigos. Assim, o inimigo estrangeiro é parte da auto- simples, enquanto o marxismo certamente não o é. O na-
definição do grupo, que é alcançada através da. explicação cionalismo atribui a culpa por qualquer coisa que seja do-
de quem e quais são as causas de seu sofrimento. Por sua lorosa na sociedade diretamente a um grupo facilmente
vez, o caráter desta explicação dependerá das circunstân- identificável: os forasteiros, o inimigo estrangeiro. Não há
cias da vida cotidiana tais como interpretadas através do necessidade de nuances e complicados elos causais. A cons-
precipitado de experiência passadas que constituem a cul- ciência de classe, por outro lado, vai em direção oposta a
tura ou tradições do grupo. muitos fatos óbvios da vida cotidiana. É difícil colocar man-
Para o estrato baixo, os materiais disponíveis com os tenedores do poder doméstico na mesma categoria emocio-
quais elaborar uma explicação e autodefinição provavel- na:! e intelectua:! dos estrangeiros, quando os jornais falam
mente conterão alguns elementos das classes altas. Nem diariamente do conflito entre "nossos" líderes e aqueles de
todas estas idéias serão, é claro, aceitáveis, .e quão mais outros estados. Também não é fácil fazer um operário de
dura a lei daqueles nopoder, menos tradições da classe alta usina siderúrgica acreditar que tem muito em comum com
serão aceitas pela subordinada. Entretanto, exceto numa um operário de indústria de cerveja, caso o preço da cerveja
ruptura revolucionária, e talvez até mesmo aí, haverá sem- suba (na Alemanha, isto era uma questão às vezes espinho-
pre alguma influência de cima. Se em circunstâncias co- sa, porque as reuniões de trabalhadores aconteciam fre-
muns, livres de crises, e estrato dominante for racionalista e qüentemente em cervejarias). O inimigo estrangeiro é tam-
usar slogans patrióticos para fazer as classes baixas traba- bém um alvo relativamente mais seguro para agressão sim-
lharem mais, estas provavelmente desconfiarão. Isto acon- bólica diária. A retaliação é muito menos provável que Se-
teceu em grande parte na Alemanha antes de 1914. Muitos ria, caso se atacasse os mantenedores do poder locais. Por
operários que responderam ao interrogatório Levenstein de esta razão também, o ataque tem maiores probabilidades
1907-1911 expressaram aquilo que soa como ressentimento de atrair um apoio social diverso. Resumindo, o nacionalis-
espontâneo contra os apelos patrióticos dos empregadores. mo esconde as divisões e fraquezas das C)rdens - conser-
A não ser que eu tenha perdido alguma evidência, apesar vadoras ou radicais - e pode atrair uma coleção hetero-
de várias leituras, não há expressões da visão contrária. Os gênea de aliados que seriam repelidos por uma declaração
trabalhadores que Levenstein escolheu para citar eram re- franca de interesses.
lativamente "avançados"; eles, de alguma forma, ha.viam Como apelo, o nacionalismo funciona melhor nos es-
se aproximado do ponto de se definirem em oposição aos tados que sofreram derrota na guerra recentemente, espe-
capitalistas. As declarações da epoca do SPD estão cheias cialmente quando aocupação inimiga se segue à derrota.
de preocupàções para com a massa de trabalhadores que Contudo, é bastante útil em outras situações. Qualquer
ainda não havia chegado àquele ponto de autodefinição. percepção que o grupo tenha de si provém de suas relações
Elas incluem um bom número de queixas dispersas contra a com outros grupos. Ele cria sua identidade a p<trtir destas
presença de correntes chauvinistas entre os seus seguidores. relações, alguma coisa que existe acima e contra estes gru-
Nesta base, parece seguro inferir que havia, na Alemanha pos. A identidade tem fronteiras fluidas e incertas, na me-
anterior à Primeira Guerra, ,um grande corpo de trabalha- dida em que as relações sociais cotidianas são flutuantes 'e
dores que aceitava a autodefinição corrente no resto da so- ambíguas. Para o indivíduo, esta fluidez e incerteza são, fre-
ciedade. qüentemente, fonte de tensão e mesmo de ansiedade, talvez
.. -~--._._~ .------

658 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 659

especialmente em sociedades complexas modernas. O re- trabalhadores industriais será melhor darmos, no geral,
cém-chegado na vizinhança, ou local de trabalho, é um uma vista d'olhos na situação da França na última parte do
aliado ou uma ameaça? Em que grau e em que situações? século XIX. Havia dois contrastes importantes entre as
Estará ele a nosso favor ou contra, e, afinal, quem exata- duas situações. Na França, o legado da Revoluçào evidente-
mente.somos nós? Portanto, o nacionalismo como uma for- mente facilitou a identificação dos trabalhadores com a
ma de autodefinição é apenas uma faceta de um processo Terceira República, especialmente no início (a desilusão
social muito maior. É uma tentativa de fazer a auíodefini- com a república burguesa só se manife~tou mais tarde,
ção corresponder às fronteiras das unidades maiores de quando os trabalhadOl'es se depararam com a intransigên-
comportamento social pacifico contínuo que os seres hu- ciados patrões apoiada pelo Estado 26). Isto diferia muito
manos criaram até agora. da Alemanha guilhermina, um estado criado a partir da
Como outras identidades sociais, a identidade nacional derrota da sublevação popular de 1848, e contra a vontade
tem suas fronteiras fluidas e incertas. Para que ela continue de uma parte substancial da popv1ação. Em segundo lugar,
a existir, indivíduos concretos têm de criar e recriar esta na França havia grandes bolsões de imigração estrangeira,
identidade em circunstâncias históricas que mudam conti- onde trabalhadores estrangeiros competiam com os france-
nuamente. Se olharmos novamente para a situaçlío dos tra- ses nativos por empregos. Havia, como vimos, numerosos
balhadores industriais alemães,. pouco antes da Primeira trabalhadores estrangeiros no Ruhr também. Porém lá, o
Guerra Mundial, poderemos ver como o processo funciona, apetite voraz da mineração de carvão por mão-de-obra apa-
no tanto também alguns aspectos que a discussão ainda não rentemente barrou os antagonismos. Na França, os anta-
trouxe à tona com suficiente ênfase .. gonismos tornaram-se virulentos. Em resposta à ameaça a
Com a sabedoria da compreensão tardia, aquela inimi- seus empregos, uma forte corrente de xenofobia e chauvi-
ga insidiosa e inevitável da análise rigorosa, não é difícil nismo tomou conta dos trabalhadores industriais franceses.
.listar as forças que integravam os trabalhadores alemães à Em vão tentaram os socialistas franceses instilar sentimen-
sociedade maior. Havia uma linguagem comum e muitos tos internacionalistas e ignorar o simbolismo do passado
elementos de experiência nacional partilhada. Havia a forte revolucionário da França como burguês. Os trabalhadores
influência do sistema educacional e do serviço militar com- franceses comuns não se fizeram receptivos a isto. Pelo con-
pulsório. Havia as formas de seguro social providas pelo trário, eles mobilizaram por conta própria os recursos da
Estado, embora os sociais-democratas fizessem questão de história nacional francesa, a fim de defender seu direito de
manter as falhas da legislação às vistas do público. No fato trabalhar naquilo que viam como um mercado nacional li-
de que os empregadores tinham de prosperar para poder mitado. A defesa foi mais que simbólica. Houve numerosas
oferecer empregos, havia um grau óbvio de interesse co- erupções violentas contra os estrangeiros. Por volta de
mum. Por volta de 1890, as piores barreiras contra a ação 1884, um período de condições econômicas em depressão,
política e econômica dos trabàlhadores haviam caído. Ape- os trabalhadores franceses vieram a considerar o estrangei-
sar de algumas ameaças de uma reversão, havia a perspec- ro como a fonte de todos os problemas que os afligiam. 27
tiva de que a aplicação cuidadosa de táticas, cujas virtudes Desta forma, o nacionalismo tornou-se a diagnose e o remé-
a experiência havia demonstrado, continuaria a funcionar dio popular básicos para sua má situaç5.0, um nacionalismo
no futuro. Pelo menos foi isso o que muitos de seus líderes
disseram aos trabalhadores.
Para algunl esclarecimento comparativo sobre o que (26) Pcrrot, Les ouvriers en greve, voI. I, pp. 196~197.
estava ocorrendo com os trabalhadores alemães e com os (27) Perrot, Lesollvriersengreve, voI. I, pp. 170-174, 178-179.
660 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 661

espontâneo que emergiu contra a vontade dos líderes nomi- tes recompensas pela cooperação "sensível" dos líderes, a
nais da classe operária. força de uma opinião pública excitada, e sentimentos pa-
Portanto, divergentes experiências nacionais e situação trióticos que se espalhavam em outras classes. Para o lideI'
econômica enfrentadas pelos trabalhadores exerceram um da classe operária, em 1914, a escolha era entre seguir a
forte efeito no modo como eles perceberam seu próprio onda nacionalista ou arriscar a destruição de uma organi-
estado. Mas seria enganoso e infrutífero buscar urna ex- zação a quem ele devia seu status, e a quem havia devotado
plicação para o nacionalismo em termos estritamente eco- sua energia e inteligência desde a infância. Para o trabalha-
nômicos. Como já se disse anteriormente, uma noção he- dor comum, a escolha era entre ir para a cadeia ou aderir.
geliana da luta pela identidade, dentro e através de for- Para amigos, a decisão de resistir à excitação patriótica sig-
ças opostas, esclarece melhor os fatos do que uma anâ- nificava desgraça e ser insultado pelos companheiros; o
lise limitada da situação econômica. oposto significava ser aceito numa fraternidade eufórica,
Há sinais de um importante componente psicológico mesmo que efêmera. O sistema social a que os trabalhado-
neste jogo de forças opostas: o alívio e a segurança de per- res pertenciam _. e aí os fatores de integração recém-lista-
tencer a um grupo com uma causa. Pertencer a um grupo dos realmente fazem parte da explicação - , essencialmen-
pode salvar o individuo das ansiedades de cavar seu próprio te o partido e os sindicatos, não era nem forte o suficiente,
lugar significativo no mundo, especialmente quando as nem suficientemente inclusivo para garantir apoio social
chances reais de consegui-lo são pequenas. Além disto, há a efetivo para o i.ndivíduo que não quisesse sacudir bandei-
emoção de se ter um inimigo a quem se pode simultanea- ras. As fronteiras da sociedade da classe operária eram flui-
mente desprezar, temer e respeitar. Já houve fraternidade das e permeáveis, penetradas pelas raízes perscrutadoras
sem a ameaça de inimigos reais ou imaginários? 28 provenientes dos interesses partilhados com outras classes.
Voltando à situação alemã, seriam as forças integran- Um ato individual de desafio heróico significava perigo
tes já discutidas suficientes para explicar por que os líderes para o grupo como um todo e para todos que a ele perten-
do SPD votaram pelos créditos de guerra e os trabalhadores ciam (como nos campos de concentração e nas prisões). So-
aderiram em 1914 ao som de músicas marciais? Acredito mente durante e após a guerra, quando as vantagens de
que não, pelo menos não por si mesmas. Nada dissemos até pertencer ao SPD ou ao sindicato pareciam problemáticas,
agora sobre as classes dominantes controlarem as alavancas as perspectivas de resistência, maiores, e a ira para alimen-
do poder, sobre as sanções pesadas que elas podiam aplicar tá-la, mais forte, o desafio se tornaria comum.
sobre os trabalhadores comuns, junto com as deslumbran- Grosso modo, a valentia parece ter sido um fator de-
cisivo na adesão dos trabalhadores alemães ao nacionalis-
mo. Ê um aspecto significativo da criação de qualquer for-
(28) Os pigmeus, tal como descritos por Colin Turnbull em Wayward Ser- ma de lealdade e identidade de grupo. Sem dúvida, sua
vants. vêm à memória como um possível exemplo contrário. Eles não têm inimigos
humanos, e têm na. floresta tropical'um ambiente seguro que tratam com reverên- importância varia de caso para caso. Seu significado pode
cia. As relações sociais cooperativas são necessárias a sua forma de caça e per- escapar ao olhar do investigador nos casos em que se sente
meiam muito de suas vidas. Mas, como Turnbull repetidamente enfatiza, os ban- forte apoio moral, e parecer evidente naqueles em que Se
dos se desfazem e se organizam continuamente. Turnbull considera este processo
de divisão e fusão essencial para a manutenção de sua forma de vida. A cisão
sente forte aversão moral. Entretanto, a valentia pode ser
contínua tem uma base econômica. Caso contrário. os bandos se tornariam gran- um aspecto crucial na formação de lealdades quando o con-
des demais para se sustentar caçando. É também uma forma de evitar e escapar flito é sério e o risco de rejeição, alto, isto é, em qualquer
da formação explosiva de antagonismos pessoais. Esta sociedade é possível apenas
devido ao tamanho do território que habitam. Mais uma vez nos deparamos com a
luta significativa. Para as vitimas individuais, a valentia
importância do espaço social. não é necessariamente mais agradável lluma causa boa que
662 PERSPECTIVAS GERAIS
INJUSTIÇA 663
numa causa ruim. De fato, o rebelde pode levar a pior nos
dois casos, levando golpes da autoridade e recriminações, e segunda questão é mais Jundamental. Todas as culturas
mais golpes dos companheiros rebeldes. Não é de se admi- humanas têm a categoria do inevitável, mas a aplicam a
rar que tão poucos escolham este papel deliberadamente. coisas diferentes, dependendo de sua capacidade de lidar
com o seu meio ambiente natural e social? Ou o conceito de
inevitabilidade, com suas implicações de lei e regularidade,
J1)~,fí][\ições culturais d<o Rn<evitáv.el constitui alguma forma maior de ruptura histórica e desco-
berta cultural?
A esta altura, um leitor alerta terá notado que a dis- Tentando responder primeiro à segunda questão, to-
cussão extravasou seus diques conceituais, na medida em memos a fome e a doença como exemplos concretos de so-
que foi necessário referir-se às concepções culturais do inevi- frimento. Ocidentais modernos instruidos, que possuem
tável ao analisar aspectos da personalidade e da estrutura so- uma explicação e remédio seçulares para estes infortúnios e
cial. Quero aqui delinear algumas das transmutações da desastres, não se inclinam a tratá-los como inevitáveis. Cul-
noção geral de inevitabilidade. turas humanas antigas, até onde p'odemos fazer inferências
No mundo moderno, e afora qualquer significado que legitimas sobre elas a partir da evidência antropológica -
possa ter no discurso especializado filosófico e teológico, a algo que, neste aspecto, parece bastante seguro, embora
palavra "inevitável" geralmente caracteriza alguma coisa não o seja absolutamente - , inclinavam-se menos a usar
dolorosa ou desagradável, tal como a morte e os impostos, tais princípios pela. simples razão de terem muito menos
contra os quais os seres humanos pouco ou nada podem conhecimento e recursos a sua disposição. É claro que há
fazer. As pessoas suportam o inevitável o melhor que po- exp'licações seculares simples. As pessoas não instruídas,
dem, sacudindo os ombros, rangendo os dentes, ou se en- por exemplo, sabem que as colheitas não crescem sem o
durecendo para enfrentar um evento trágico. Quando plantio de sementes, e que animais que caçam como ali-
alguma coisa é definida como inevitável, tal como turnos mentos podem ser geralmente encontrados em alguns luga-
ocasionais de mau tempo, pode haver algllm sentido em res e raramente ou nunca em outros. Tais pessoas são, com
fazer pelo menos preparativos limitados e tomar algumas freqüência, extremamente argutas ao observar o ambiente
precauções. Ao mesmo tempo, a definição exclui qualquer natural e seu significado. Elas sabem que um ramo quebra-
luta séria, ou pelo menos qualquer luta séria com uma pers- do significa que a caça ou algum animal perigoso passou
pectiva de vitória. A noção da inevitabilidade implica a con- por este caminho recentemente, e podem fazer muitas infe-
cepção de um universo regido, ao menos em parte, por for- rências corretas desta espécie que escapam ao homem ins-
ças cegas do destino, basicamente não suscetíveis à vontade truido. Elas têm de fazer isso. Mas os recursos para a apli-
e à ação humanas. cação da racionalidade secular, mesmo em seu próprio
Esta tentativa de olhar imparcialmente nossa própria ambiente familiar, são escassos.
definição cultural de inevitabilidade gera dois problemas Na ausência deles, as pessoas não instruídas lançam
dignos de serem perseguidos aqui. Em primeiro lugar, é mão, como fazem os modernos, da magia, encanto e reli-
bastante claro que o conceito de inevitabilidade contém gião. A doença é conseqüência de bruxaria. Colheitas fra-
coisas diferentes, para pessoas diferentes, em momentos cassadas podem ser devidas à inadequação do governante.
diferentes da história. Quais têm sido, pois, as bases para Para tanto, conforme mostrou Fraser, pode ser necessário e
se classificar certas formas de sofrimento de inevitáveis, e legitimo matar o governante. Nestas circunstâncias, não há
como se alteraram estas bases e métodos de classificação? A razão para se duvidar que tais pessoas tenham um conceito
qualquer de inevitabilidade. Onde existe um remédio má-
'-'''._--''---.

664 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 66S

gico para tQdo infortúnio, é difícil ver como uma concepção o indivíduo merece, um destino que é justo e próprio. Numa
geral como inevitabilidade possa surgir. Embora possa sociedade estratificada, os princípios de desigualdade so-
haver ao menos noções rudimentares de causa e .efeito, o cial, geralmente sistematizados por padres, explicam e jus-
mundo parecerá sujeito a uma série de controles ad hoc. tificam as formas mais predominantes e rotineiras de sofri-
Caso um deles não funcione, haverá sempre a desculpa de mento. Uma vez que estes princípios também constituem
que alguma coisa saiu errado na tentativa de aplicar a má- os termos básicos do contrato social implicito e explícito,
gic.a, ou que alguém usou uma contra-mágica mais pode- haverá certas formas que tanto a classe dominante como a
rosa. classe dominada definiram como injustas e impróprias.
Portanto, parece que o conceito de inevitabilidade é, Mesmo nos casos onde a força e a fraude desempenharam
em si, o produto de uma longa evolução histórica. Embora um papel central na determinação dos papéis respectivos de
haja evidência de utna raiz de senso comum e secular num governante e governado, tal como a escravidão nas planta-
período posterior, o mito e a religião, conforme mostrou ções, há uma forte tendência do contrato social reaparecer
Alfred North Whitehead em Science and the Modem numa prática atual. Nestas situações há, portanto, um con-
World, deram antes uma contribuição indispensável. Deles siderável componente moral na explicação do sofrimento.
veio a idéia da atuação de forças esmagadoras por longos Desafiar esta moralidade e esta inevitabilidade se torna um
períodos de tenlpo, embora o aspecto inconstante não hou- ato poJitico maior. Como sugere a história dos operários das
vesse absolutamente desaparecido. Ã derivação de Whi- usinas siderúrgicas e metalúrgicas do Ruhr, em 1914, os
tehead do conceito de inevitabilidade da mitologia grega e seres humanos têm se ser instruídos quanto a seus direitos.
hebraica poder-se-ia adicionar que uma concepção de cau- Nesta perspectiva, a indignação moral se torna um gosto
salidade tanto fortalece como enfraquece as definições cul- historicamente adquirido, um gosto adquirido em lutas po-
turais de inevitabilidade: quando se pode aprender as cau- líticas difíceis. Tais lutas constituem o principal fato poli-
sas, surge a possibilidade se mudar e dominar tendências e tico dos tempos modernos. Conseqüentemente, vale a pena
eventos. O mito e a religião também parecem ter intensi- mais uma vez afastar-se dos detalhes para se perceber as
ficado a conexão entre noções de causalidade, inevitabili- feições principais.
dade e julgamentos morais. Aí, também, como nos casos da . No século XVIII, a desigualdade social na Europa e na
causalidade e da inevitabilidade, um elemento de tensão per- Ãsia assumiu a forma de estados ou ordens, alinhados de
maneceu, na medida em que a condenação moral implicou acordo com a estima ou honra social atribuídas à função
a possibilidade de um ator humano poder agir de forma social dos homens. Havia, é claro, muitas variações. Usual-
contrária e, portanto, escapar de alguma forma à corrente mente os guerreiros e padres eram os únicos demarcados de
da causalidade. Estas perplexidades permanecem até hoje, forma. distinta. O resto era principalmente uma categoria
e a noção de inevitabilidade ainda carrega implicações mo- residual ou sérias de categorias residuais, embora o alinha-
rais. De formas difet'entes, tanto conservadores quanto re- mento pudesse ser distinto novamente na base, como entre
volucionários usaram a noção para fortalecer suas próprias os expulsos da casta no Japão. Apenas na índia houve uma
esperanças do futuro. tentativa dos padres de ordenar toda a sociedade em clas-
Nas civilizações pré-industriais, o aspecto moral sem- ses.
pre foi decisivo. O sofrimento comum de um tipo crônico, A prática não correspondeu e esta teoria; em todos os
aquela espécie de sofrimento a que os seres humanos bus- lugares da Europa e Ãsia a classe era hereditária, quer na
cam aprender a se adaptar porque ele parece inevitável, teoria, quer na prática. Também era possível, em todos os
provavelmente parecerá em tais sociedades um destino que lugares, um certo grau de mobilidade. Na China, o manda-
666 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 667

rinato era teol-icamente aberto e os indivíduos podiam nele tabilidacle. As elites antigas, é claro, se apropriaram da ri-
ingressar passando nos exames. Na prática, barreiras eco- queza de vftrios modos. Mas onde os novos métodos se fi-
nômicas ao aprendizado fizeram do mandarinato um estra- zeram possíveis --- no início, principalmente no comércio -
to hereditário. Na Europa, o indivíduo nascia membro da eles possibilitaram que novos ricos pusessem os antigos
Igreja, luas se tornava UlTI bispo, ou' rnes 111 o Ull1 padre de acordos em curto-circuito. Os novos ricos puderam sim-
paróquia. Lá também as barreiras econômicas à educação plesmente COUlprar os pré-requisitos necessários à forma de
limitaram o acesso às classes mais altas. Para cada estado existência que fora o privilégio do estrato dominante. Na
havia um estilo de vida prescrito, indicado por regras de eti- medida em que a modernização ganhou impulso e se direcio-
queta, vestuário e outros meios. A finalidade da atividade 'nou para a revolução industrial, os antigos princípios, em
econômica era moral: possibilitar cada estado viver deacor- alguns lugares, desintegraram-se em meio ao fogo e à fu-
do com seu estilo apropriado. As ordens baixas deviam for- maça da revolução. Os princípios e práticas da desigual-
necer às altas os meios de assim viver, ao mesmo tempo em dade, que antes pareciam necessários e inevitáveis, se tor-
que deviam reter de seus esforços o suficiente para manter naram objeto de franca zombaria, primeiro entre os inte-
sua própria honra social. Ê duvidoso que isto acontecesse lectuais, depois entre amplos segmentos da sociedade. Nu-
muito freqüentemente, e a definição do que os camponeses, ma passagem famosa, Tocqueville captou o significado po-
a esmagadora maioria da população, deveriam ter era, no lítico desta metamorfose da inevitabilidade, numa série de
mínimo, ambígua. abusos:
Para cada estado ou ordem, o estilo de vida prescrito
especificava um código moral apropriado e distinto e, em "Apenas um grande gênio poderia salvar um gover-
muitos casos, um tipo específico de personalidade. O guer- nante que aliviasse seuS subordinados após uma longa
reiro deveria ser bravo e habitualmente generoso; o padre, opressão. O mal sofrido pacientemente como .inevitável pa-
rece insuportável logo que se concebe a idéia de se escapar
gentil; o artesão, diligente. Naturalmente havia na prática dele. Todos os abusos que foram removidos parecem apenas
muitos desvios tanto da personalidade como da moralidade delinear Inelhor aqueles que permaneceram e tornar os sen-
ideal de cada ordem. Por outro lado, havia também fortes timentos mais amargos. O mal. é verdade, diminui, mas a
sanções sociais para impedir os indivíduos de adotarem um . sensibilidade se fez mais aguda." 29
modo de vida inapropriado a seu estado, quer por ser alto,
quer por ser baixo. A moral era explicitamente socialmente Os emergentes líderes comerciais e industriais das ci-
determinada, e embora estes sistemas não fossem, em abso- dades não fizeram a série de ondas revolucionárias que,
luto, inflexíveis, um ar de permanência e inevitabilidade os começando com a Revoltados Países Baixos, destruíram as
permeava de fato. A ira moral surgia principalmente das antigas concepções do inevitável. Os setores economica-
violações do contrato social, particularmente dirigida a in- mente ativos da burguesia estavam por demais ocupados
divíduos que não agiam de acordo como os requisitos de seu em ganhar dinheiro, freqüentemente de uma forma para-
estado. Mas aqui e ali, especialmente nos movimentos he- sita nos interstícios dos velhos regimes, para "fazer" a re-
réticos europeus que se baseavam em memórias reais Ou volução que, de fato, com freqüência assustava a maioria
supostas de igualdade entre os primeiros cristãos, havia deles. No geral, eles se conteritavam em deixar os outros
agitações de dúvida quanto aos termos do próprio contrato. lutarem e pensarem por eles. Quando a poeira baixou, eles
. Onde fez-se possível adquirir riqueza de uma forma
nova, houve um conseqüente abalamento dos antigos prin-
cípios de diferença social e das antigas assunções de inevi- (29) Aflcien Regime et la Révvlution, p. 223.
S!r

668 PERSPECTIVAS GERAIS

foram os maiuT<'" beneficiários das mudanças políticas re-


INJUSTIÇA

No famoso princípio "a cada um, segundo suas neces-


669
~):'1',
;':
\n~'

sidades" e "de cada um, segundo suas habilidades", o


sultantes destas revoluções. Além disto, os interesses manu- marxismo ainda admite as desigualdades humanas. Mas é tf\'
fatureiros e comerciais foram os principais agentes das mu- 'I~!,U
um princípio que rejeita por completo o mercado como um
danças econômicas, sem as quais teria sido inlposslvel pôr meio de medir o valor humano. Até agora, é claro, ne- ti'
as novas idéias em prática. nhuma socieda'de ·atingiu este objetivo, e há muitas razões Il,
Os novos princípios eram igualitários apenas no sen- para se continuar cético sobre sua possibilidade. H'
~~
tido de que eranl dirigidos contra as antigas formas de Sob pressão de seus seguidores, que buscavam bene- íj
privilégio. Tanto na intenção, quanto nas conseqüências, fícios mais imediatos, os movimentos trabalhistas euro- ~;
eles eram ainda princípios de desigualdade social. As re- peus, e não apenas aqueles da Alemanha, eliminaram este
compensas da sociedade deveriam ser distribuídas de acor- objetivo de seus princípios de trabalho, se não o eliminaram
do com o "mérito", principalmemte o mérito demonstrado para sempre de sua retórica sobre o futuro. Mas eles real-
pelo sucesso no mercado. Não mais poderia um indivíduo mente levaram para seus principias de trabalho pelo menos
ou grupo contar com um calço econômico seguro apro- parte deste objetivo, na medida em que rejeitaram o elo entre
priado à função que desempenhava na e para a ordem so- mérito e mercado como o único determinante do valor hu-
cial". Teoricamente, a corrida era de velocidade, mas poucos mano. A própria experiência dos trabalhadores foi talvez
se preocupavam com o alinhamento dos contendores na um componente mais importante nesta rejeição do que
partida. Marx tinha para dizer, embora o marxismo possa ter ins-
Durante o séculu XIX, os novos princípios se espa- tilaélo fé e calor naquilo que os trabalhadores queriam acre-
lharam de forma desigual pela Europa, do Ocidente ao ditar por outras razões. Também os conservadores tinham
Oriente, encontrando a resistência das velhas elites, bem rejeitado esta ligação por conta própria e por razões bas-
como a resistência daqueles que foram retirados de seus tante diferentes. Eles, contudo, provaram ser aliados raros
nichos e colocados numa ordem social inferior. Juntas, as e indignos da confiança dos trabalhadores. Com a ajuda de
mudanças econômicas e morais criaram novas classes e no- alguns dissidentes intelectuais, os trabalhadores criaram
vos conflitos cujos pesos cada uma fazia variar nos pratos suas próprias organizações de defesa coletiva contra as ope-
da balança da Justiça, uma deusa que, sob a forma de Con-
curren.z ou operações automáticas do mercado, freqüente- rações libertas do mercado.
A direção geral das pressões do movimento traba-
mente se mostrava mais cega que nunca. lhista, uma vez que elas foram moldadas pelos obstáculos
Na Alemanha, como já se mencionou, os trabalha- que encontraram, era ainda para uma sociedade organi-
dores industriais não criaram, a partir de sua própria expe- zada no e através do mercado, is,to é, ainda uma sociedade
riência, quaisquer novos princípios de igualdade ou desi- capitalista. Entl"ementes, mesmo antes daPrirrteira Guerra
gualdade social com os quais combater os princípios recém- Mundial, o mercado havia começado a mostrar sintomas
estabelecidos. Foram os intelectuais que trouxeram para os sugerindo que ele poderia não ser o recurso versátil mais
trabalhadores industriais diagnósticos para seus males e satisfatório para a organização da sociedade humana. Mes-
sugeriram os remédios. Marx foi apenas um deles, e suas mo no seu apogeu, ele não tinha conseguido, na prática, a
idéias, por muito tempo, progrediram lentamente contra os fidelidade universal daqueles que tinham como tarefa
produtos rivais. Por mais que seu. nome viesse a dominar· o observar os governos que realmente funcionavam e perma-
cenário intelectual para os trabalhadores alemães no final neciam no poder. Após a guerra, os problemas pioraram ao
do século XIX, os princípios e estratégia de trabalho do invés de melhorarem, e as pressões para se revisar o con-
movimento trabalhista alemão não eram apenas seus.

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670 PERSPECTIV AS GERAIS INJUSTIÇA 671

trato social, Íftnto na teoria quanto na prática, se tornara.m justo ou injusto, e com o que os seres humanos sentem que
mais .fortc~:;. E:~tas pressões vinham, de- lnuitas fontes das podem fazer contra a injustiça. O esboço não pretende co-
classes trabalhadoras industriais e convergiam para um brir todos os aspectos significativos. Sua estrutura deixa
pouto: a sociedade tinha uma responsabilidade definitiva duas questões importantes no escuro. Uma questão surge
para com o bem-estar do indivíduo. lvl'ais concretamente; do moelo como a própria passagem do tempo pode, aparen-
havia uma obrigação na sociedade de se encontrar modos temente, conferir a algumas providências humanas um
de proteger o indivíduo contra as de1'astações da m~lo invi- l1ünbo ele justiça e autoridade. IV1uitas instituições enl teul-
sível do destino operando através do mercado. pos e lugares diversos receberam sua sanção do suposto fato
Os modos pelos quais diferentes sociedades tentaram de que elas têm a sanção dos ancestrais, e existiram desde
responder a este novo imperativo, as classes e grupos que um tempo imemorial ou, ao menos, desde quando se lem-
tentaram proteger, e as novas sobre quem atiraram-se os bram os habitantes mais velhos. Uma expressão irônica do
custos da proteção, variaram enormemente neste meio sé- mesmo corpo de fatos é que "o tempo apaga todos os cri-
culo passado e variam ainda mais desde que a questão se mes". Ora, o tempo em si nada faz; as pessoas fazem. O
tornou crítica. Democracia capitalista liberal, fascismo, que elas estão fazendo, e por quê?
comunismo, movimentos de libertação nacional em países Na segunda questão, o tempo, por assim dizer, penetra
atrasados, todos foram respostas a esta questão. Nos seus os julgamentos morais racionais de modo a fazê-los pare-
conflitos internos e conflitos uns com os outros, eles são cerem insolúveis. Neste sentido, o efeito do tempo é o opos-
tentativas de estabelecer os termos de um novo contrato so- to do caso da primeira questão, porque é tempojutw:o. Um
cial, que se fez necessário devido à liberação de tremendas dilema com que se deparam todos os revolucionários sérios
novas forças produtivas. Entrementes, a humanidade usou é quantos sacrifícios se pode impor, caso seja lícito se impor
destas forças para destnlÍr numa escala sem paralelos na qualquer sacrifício,' aos seres humanos vivos em nome de
história humana. Ao tornar o estado responsável pelo bem- outros que ainda nem nasceram. O dilema, nesta forma, é
estar humano, parecemos retornar à atitude de matar o rei apenas uma versão extrema de uma escolha que todas as
intencionalmente. Isto, grosso modo, é a violência revolu- pessoas inevitavelmente fazem, uma vez que o mero fato de
cionária. Mas os reis antigos e novos não se sujeitam a seus viver, do modo que vivemos, inevitavelmente impõe alguns
vassalos. Eles matam seus próprios vassalos, matam os vas- sacrifícios às gerações futuras.
salos alheios e, de vez em quando, uns aos outros. E farão A ilusão de que a mera passagem do tempo pode jus-
isto em nome do "interesse público", de um nben1-estar" tificar formas de comportamento humano apresenta, creio,
sobre o qual não há qualquer acordo e que ameaça se trans- um problema mais complexo. Ê inteiramente uma ilusão?
formar num pesadelo. Pode-se apenas esperar que o pró- Afinal, aquilo que satisfez ao menos algumas pessoàs no
prio pesadelo seja parte da ilusão universal de um presente passado muito provavelmente os satisfará novamente. Os
permanente. receptáculos do tributo mal podem fazer objeção a recebê-
los em intervalos regulares. E os seres humanos realmente
esquecem-se da base original de onde se exigiu o tributo. A
Tempo e sentido de injustiça estabilidade e a predicabilidade nas relações humanas. têm
algumas vantagens, mesmo para os prejudicados. Se hou-
Este esboço das definições culturais mutantes do ine- ver uma tentativa de se aumentar o tributo, de se adicionar
vitável revela, espel"O, aspectos significativos do que tem às obrigações do corvée, aqueles sujeitos á ele poderão ob-
acontecido na passagem do tempo com o sentido do que é jetar que o aumento viola o costume estabelecido desde os

. ------------ --_.. _----- --_"7~~==- .~-'_,. .. -~--.- - - --- - __ __________


PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTiÇA 673
672

tempos imemoriais. Finalmente, se os subordinados não ti- por meio das quais um conjunto de pessoas têm ganhos
verem quaisquer outras experiêncías que possam sugerir enormes e outras sofrem perdas severas. Isto aconteceu fre-
diferentes padrões ou fornecer padrões de condenação, isto qüentemente na medida em que o capitalismo se espalhou
é, se a relação for fechada e isolada, em que bases poderiam pelo mundo e forneceu aos modernos socialistas um de seus
eles mudá-la? argumentos mais eficazes. Mas a dificuldade jaz na insti-
Tanto a psicologia freudiana como a neopavloviana tuição do mercado ou é algo mais profundo? Tanto a tran-
iluminaram consideravelmente os rnecanismos por meio sição para o industrialismo como uma sociedade industrial
dos quais a mera passagem do tempo em condições sociais moderna envolvem mudança continua e rápida, quer a
estáveis aparentemente justifica relações sociais predomi- coordenação ocorra principalmente através do mercado,
nantes. Pais educam filhos de modo a fazer os valotes e quer através de controle burocrático centralizado, isto é, o
julgamentos morais da geração precederite sereln, numa socialismo. O registro deste último impressiona mal, mes-
extensão importante, os valores e julgamentos da geração mo tendo os aspectos traumáticos sido consideravelmente
posterior. O superego é a internalização do passado. Por menores na China que na União Soviética. Contú.do, é inge-
sua vez, a série de recompensas e sanções que os seres hu- nuidade esperar que burocratas comprometidos e impie-
manos impõem uns aos outros na vida social pode ensinar dosos sejam 'demasiado sensiveis com as vitimas daquilo
as pessoas a aceitarem e a valorizarem as relações sociais que consideram progresso. Enquanto ocorrer mudança na
existentes de tal modo que, uma vez condicionados, os seres sociedade humana, parece ser provável haver grandes ,<
I;
humanos terão uma forte tendência a perpetuar estas re- quantidades de sofrimento derivado de injustiças sentidas e
reais ' - e razões que impelem a protestar contra estas in- li
lações. I:
A noção de preço justo vem à memória nesta conexão. justiças.
As pessoas hoje ainda fazem julgamentos morais seme- Estas considerações nos levam às questões do tempo
lhantes sobre preços. As idéias populares hoje podem não futurQ e dos futuros sofrimentos. Segundo algumas teorias
ser muito diferentes do que foram na Idade lVlédia, uma revolucionárias .de mudança social, o conceito de necessi-
questão sobre a qual pouco sabemos. O que as pessoas dade histórica liga o passado aos sofrimentos futuros. 30 As
querem dizer quando falam, por exemplo, que a carne cus- lutas dolorosas de cada estágio histórico são uma parte ne-
ta "muito"? Certamente grande parte deste sentido é que a cessária do progresso da humanidade para um estágio mais ,.li
carne custa mais do que costumava custar. O preço justo é avançado. Escravidão, sofrimento, disciplina de trabalho
forçado no capitalismo da primeira fase foram pré-requi- :r
realmente o preço usual, urna vez que as pessoas se acos- 'f·
tumam a ele e investem esta troca social particular com sitos necessários para o grau de libertação do sofrimento
uma aura de legitimidade. Uma moderna economia de que a sociedade capitalista atingiu. Os sofrimentos das lu-
mercado, onde mudanças de preços refletem continuamente tas revolucionárias contemporâneas e daquelas do futuro
flutuações na oferta e na procura, perturba perpetuamente são igualmente necessários. Eles incluem não só as vitimas
o sistema de trocas a que as pessoas se acostumam e tendem provenientes das fileiras revolucionárias como também as
a considerar como justo. Esta é uma das principais razões i:
por que a difusão das relações de mercado nas economias (30) Na tradição marxista, estes temas são controversos e não procurarei
tradicionais tem geralmente criado um protesto contra seus desemaranhá-los. O problema em questão não pertence à história intelectual. Em
vez disto, trata-se de analisar uma posição teórica. Portanto, deixa de ser impor-
efeitos inlorais. tante saber quem defendeu a posição ou se alguém expressou tal ponto de vista
Segundo os padrões discutidos no capítulo precedente, exatmnente desta maneira, embora estes temas. possam ser importantes em outros
os efeitos são imorais quando produzem e sustentam trocas contextos. :i.,
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"".··.1..
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I
I
674 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 675

vítimas da própria revolução vitoriosa. As vítimas suscitam


a CJuestão mais espinhosa. Baseado em que direito pode um i SOClalS são insolúveis tomando-se como base um território
pequeno, porque aquilo que as pessoas fazelll numa área
pode ter efeitos opostos nos habitantes de outras áreas. Es-
lídel' revolucionário exterminar e destruir vidas da gel'ação
presente em nome de benefícios futuros? Mas, haverá me- quemas de irrigação e poluição industrial são agora exem-
nos sofrimento se a responsabilidade pelas decisões (e pelos
soIrimentos que causam) se difundir entre as miríades de
rip,·1...:np.,;: intliv-i{hl~i~ í11l?
_._~-,~~~- ~----,------ -.1.-- oC'.oríp.m no mel'carlo?
- - - - - - --- --- ------ - -- - -
Ê bastante improvável que haja soluções para tais pro-
I,
plos bem familiares. Ê perfeitamente razoável insistir em e
realmente impor saCTifícios quando há razões fortes para se
prever benefícios grandes e amplamente distribuídos num
futu~{'o razoavelmente próxilno. 'Todos os tipos de sociedade
blemas que eliminem todo o sofrimento. ]\lIas isso não é ra-
zão para se deixar de buscar modos de reduzir a dor e o
sofrimentp, inclusive novas formas de pensamento. Repe-
I fizeram e continuarão a fazer estas coisas em questões
grandes ou pequenas. Não é tirania impedir que alguém
acenda um fósforo quando há evaporação de gasolina. O
tindo, a ciência inédica não abandona a busca de formas de problema é que não fomos capazes de criar modos de conter
prevenir e curar uma doença específica apenas porque não perigos bem mais sérios. Da mesma forma, não é sempre
há perspectiva de imortalidade. Dúvidas quanto a soluções possível aplicar-se a regra que as pessoas mais afetadas pe-
perfeitas podem também ser o ponto de partida para a sa- las mudanças propostas são aquelas que mais teriam a di-
bedoria nas ciências sociais, conquanto não sejam usadas zer sobre elas. Afora as questões de interesses materiais
como justificativa para um empirismo estreitamente com- disfarçados - e quanto menor o risco, mais tenazmente e
placente que se confina a trivialidades. cruelmente os seres humanos a ele se apegarão - , há mé-
Dirigindo-se primeiro à tradição radical, vimos já que rito-na argumentação radical de que todas as escolhas su-
este uso do conceito de necessidade histói'Íca implica a visão postamente livres são enodoadas por quaisquer irracionali-
determinista, que é insustentável e desnecessária porque dades e formas de sofrimento embutidas que existam na
implica onisciência. A história do século XX ofereceu müito ordem dominante. O problema real é ter-se a certeza de não
mais evidência trágica de sofrimento que as reivindicações' à se obter o pior.
onisciência podem produzir. Numa sociedade mais ou me- Ao se tentar obter uma perspectiva teórica sobre tais
nos racionalmente ordenada, nenhuma pessoa ou grupo assuntos, e ver como as diferentes partes da sociedade hu-
pode ter o poder ou a autoridade de impor imensos sacri- mana permaneceram juntas, faríamos bem em deixar de
fícios à população subordinada, em nome de benefícios' fu- lado quaisquer suposições deterministas sobre o que devam
turos incertos dos quais a.s vitimas não participarão. Quan- ser as conexões. Nesta juntura., a reserva cética me parece
to mais incertos forem os benefícios, e quanto mais dis- ser a postura mais apropriada para o determinismq econô-
tantes estiverem no tempo, mais fraca é a justificativa para mico, o determinismo idealista, em termos de valores, re-
se os impor, lações funcionais, necessidade histórica, e tudo o mais, 'Se-
Por outro lado, é necessário chamar a atenção para as ria útil pormos de lado todas e quaisquer noções determi-
formidáveis inconsistências e obstáculos nos argumentos nistas e tentarmos pensar principalmente em termos das
para uma abordagem descentralizada e com a máxima par- forças contraditórias que produzem situações específicas.
ticipação popular na resolução de questões importantes. Não há muito tempo, ir para a. lua e ir para o outro la-
Estes argumentos, vale a pena notar, partem de premissas do da lua eram metáforas comuns para o inerentemente
que vão do reacionarismo ao liberalismo, do liberalismo ao impossível, para alguma coisa governada por princípios de-
neo-anarqulsmo. O que elas têm em comum é a hostilidade terministas. A experiência ensinou o oposto. Nos casos so-
à burocracia e ao mercado. Muitos problemas econômicos e ciais, quando dizemos ser alguma coisa possível ou impos-
.. ",-!~
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676 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 677

sível, provável ou improvável, temos de especificar tão cui- moral visceral pode ser mais rara e mais difícil de ser ex-
dadosamente quanto pudermos as forças relevantes em pressa do que o foi há poucas gerações; parcialmente por-
funcionamento, as possibilidades de intervenção inteli- que para qualquer indivíduo isolado sua expressão pode
gente, e os custos de sofrimento humano. Esta libertação parecer um tanto fútil. Ao invés disto, líderes de opinião de
intelectual do inevitável pode ser um dos passos futuros vários tipos ligam e desligam a corrente moral, de acordo
mai~ importantes que tenhamos de dar. com considerações mais vastas, ou farejam as corrente mu-
tantes de sentimentos públicos como forças que podem usar
para impelir seus produtos comexciais e intelectuais na di-
A expropriação da indignação moral reção de maior lucro e influência. Os levantes dos últimos
anos sessenta e setenta, tanto na China como no Ocidente,
Embora não pretendesse concluir esta discussão adi- foram esforços para recolocar as reações viscerais numa
cionando uma elegia a mais ao declínio da espontaneidade posição de honra, esforços que o aparato social dominante
na sociedade contemporânea, parece realmente haver mu- na sua maioria conseguiu absorver ou desviar.
danças estruturais importantes que afetaram os senti- As transformações produzidas pelo crescimento da
mentos e a expressão moral. Podemos denominá-las a desa- burocracia e indústria modernas absolutamente não redu-
propriação da indignação moral em analogia com a desa- ziram em todos os lugares a liberdade individual de ex-
propriação dos bens de produção que ocorreu nas socie- pressar gostos e desgostos morais. Para o setor moderada-
dades capitalistas e socialistas. Certamente o fenômeno não mente próspero nas sociedades ocidentais, pode mesmo ha-
é nem completamente novo, nem limitado às sociedades in- ver um aumento considerável na liberdade de escolhas mo-
dustriais modernas. Por séculos, a Igreja Católica teve con- rais e um decréscimo substancial na quantidade de ansie-
siderável sucesso na desapropriação da culpa. Ela o conse- dade ao se fazer estas escolhas. Escolhendo entre as notícias
guiu ajudando a criar o sentido de culpa e depois forne- publicadas pela imprensa diária, pode-se decidir expressar
cendo os mecanismos burocráticos que a aliviassem. Como ou não indignação moral diante dos prisioneiros políticos
diria um economista, "a Igreja Católica conseguiu criar no Chile ou na União Soviética; diante dos negros e latino-
muito da procura e a maioria da oferta" . americanos; diante da situação dos trabalhadores das fa-
Mas culpa não é o mesmo que indignação moral, mes- zendas na Califórnia ou das baleias no Oceano Pacífico. E'
mo que an1.bas mostrenl, às vezes, uma conexão íntitna. até possível avaliar bem a intensidade da indignação moral
Além disto, com a ascensão da produção em massa, do de alguém pelo tamanho do cheque. E também possível se-
mercado de maSsa nas sociedades capitalistas, do controle lecionar a cor compatível no espectro político, escolhendo-
governamental da economia nas sociedades socialistas, e de se uma organização dentre as várias, promovendo a mesma
burocracias imensas e poderosas em ambas, mudou todo o causa geral como senC/o o grupo a quem se enviará o che-
contexto no qual a ira moral poderia surgir e encontrar ex- que. O sistema distribui o estoque de indignação moral da
pressão. A estes elementos da moderna situação é neces- sociedade exatamente do mesmo modo que O mercado dis-
sário adicionar aquele dos puros números. Quanto mais tribui a oferta de sucos de fruta ou de batatas enlatadas.
pessoas houver,tnenos conta qualquer sentimento do indi- Aqueles que mais necessitam do produto podem não obtê-
víduo isolado, mesmo que possa haver um maior poder so- lo porque carecem dos recursos de expressão no mecanismo
cial devido a uma' divisão mais complexa de trabalho. A do mercado, e novos fornecedores podem ter dificuldades
conseqüência foi, creio, a produção de uma qualidade sin- de entrar num mercado congestionado. Mas esses obstá c
tética e indireta na indigna;;ão moral. Atualmente, a ira culos podem ser exagerados em conexão com uma merca-

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678 PERSPECTIVAS GERAIS


I INJUSTIÇA 679

doria tal como a indignação moral. As causas para a ex- dução e a distribuição desta mercadoria quase da mesma
pressão de tais sentimentos vêm e vão sem cessar na medida i forma que decide a produção e a distribuição de aço e ele-
em que o mercado distribui, rápida e impessoalmente, re- I tricidade (uma vez que as sociedades socialistas não pro-
cursos, crescimento e fama par;-" alguns produtores e uma duzem muitos itens relativamente fúteis e dispendiosos, co-
extinção lenta para outros. mo sucos de frutas e batatas enlatadas, é melhor usar exem-
Para os trabalhadores, como este livro deixou claro em plos diferentes). Deste modo, é possível, segundo dizem al-
muitos momentos, a desapropriação e a racionalização da gumas autoridades, determinar com alguma precisão as
indignação moral foi uma parte crucial da experiência ca- prioridades da sociedade quanto à indignação moral, e exa-
pitalista. Na fase primeira da industrializ(lção na Europa tamente quão irado deve ficar o corpo de cidadãos diante de
ocidental, o protesto dos trabalhadores tomou duas formas cada ofensa contra a moralidade socialista, que representa,
principais. Uma foi o rápido clarão sob a forma de uma segundo estas autoridades, um grau mais avançado de de-
greve frente a alguma injustiça aparente do empregador: a senvolvimento histórico que a sociedade burguesa. Logo
súbita notificação de um corte nos salários ou a demissão que os planejadores chegam a um acordo quanto à lista de
de um companheiro. A outra foi a participação em con- inimigos das pessoas apropriada à configuração política,
junto com artífices, artesãos, alguns peqúenos proprietários social e econômica do momento, eles puxam as alavancas
e mesmo, às vezes, camponeses, em movimentos de mu- que acionam o enorme mecanismo do Estado socialista.
dança social imperfeitamente organizados. Estes movi- As organizações do povo, porta-vozes, jornais, a polí-
mentos vão. desde os cartistas na Inglaterra aos levantes cia secreta, as cortes, todos se põem em movimento e a
populares na Europa, em 1848. Em seguida veio a revoc campanha começa. Uma pessoa razoavelmente inteligente,
lução organizacional, quando oS trabalhadores adquiriram particularmente o produto educado da civilização chinesa
maior autodisciplina, as técnicas de organização em sindi- que por séculos enfatizou as nuances da indignação moral
catos e greves de duração cuidadosamente planejada que num cenário de intriga e controle burocrático,32 saberá de
resultariam em aumento de salário. Em seu estudo compa- imediato como ajustar as expressões faciais e o tom de voz
rativo da história da classe operária, P.eter Stearns enfa- para expressar o grau correto de indignação de cada grau
tizou o grau em que a aceitação dos imperativos organiza- no conjunto de prioridades, que incluem todas as varie~
cionais deixou nos trabalhadores um grande resíduo de. dades possíveis do comportamento execrável dos inimigos
queixas que emergiram da situação de trabalho. 31 do povo. Não se pode esperar que um camponês pobre ou
No socialismo, essas questões foram organizadas de um operãrio se saia tão bem. Pior ainda, um camponês ou
forma bastante diferente, mesmo que os resultados aca- operário pode ter dificuldades em compreender por que os
bassem por ser similares. Ao invés de depender dos capri- inimigos do povo deste ano incluem alguns heróis do ano
chos do mercado para sua oferta de indignação moral e os anterior, e por que é necessãrio ter outracampanha exaus-
usos a que ela se prestará, uma sociedade planeja a pro- tiva tão cedo, se a (lItima foi tão bem sucedida como todos
disseram. l'yias, uma vez que o socialismo é um estado de
operários e camponeses que pertence ao povo, hã inúmeras
(31) Pctcr N. Stearns. Lives of Labor, pp. 300. 310, 322-323, 349. ~ possí-
pessoas para explicar tais questões aos camponeses e ope-
vel encontrar-em Perrot, Les ouvriers ell gnl~'e. relatos esparsos e observações agu- {d
das sobre os contrastes entre a greve do velho tipo ("espontânea") _ que amiúde
i!1cluía uma boa dose de planejamento informal secreto e de discussão sigilosa e (32) Para: um estudo valioso desta configuração durante a dinastia Tang,
prévia entre os trabalhadores - e a greve e a manifestação pública modernas ver Howard J. Wechsler, Mirror to the SOIl 01 Heaven: Wei Chellg at the Court of
cuidadosamente orquestrada!). T'ang T'ai-t.sung. .
'~-

681
INJUSTIÇA
PERSPECTIVAS GERAIS
680 Mais Sábio, mas também seus rivais e potenciais suces-
ra1'lOs e, na verdade, a quem quiser ouvir. Além do mais, sores. A política que é apresentada ao público, como resul-
tado de discussão racional, é realmente muito o produto de .i
quase todos devem ouvir. Pobre daquele que teimosamente :i,
se recusa a ouvir os ruídos corretos, ou tenta fazer os ruídos um sistema de rivalidades, hostilidades e relações mutantes i'.

corretos no socialismo, visto ser o Estado socialista bastante de "panelinha" entre estas figuras no ápice do sistema e
eficiente na distribuição de recurSos materiais e humanos. seus partidários institucionais lá embaixo, nas hierarquias
Ele envia os seres humanos que preferem a paz, a quietude burocráticas competidoras .. Quando o Homem Mais Sábio
e o pensamento independente para que ouçam e façam os do Mundo morre, como evidentemente acontece de tempOS i:-,

em tempos, a rivalidade se faz mais intensa do que nunca. ,.


ruídos corretos em campos reformatórios de trabalho for-
As decisões sobre o que produzir e contra o que se irar são j':!::
çado. tão armas de intrigas burocráticas bizantinas quanto são as
Tudo isto parece uma forma muito eficiente de lidar u
com a necessidade de indignação e ira morais. Pelo menos exigências de uma situação mais ampla. i~
aos estrangeiros empáticos que observam o desfile de parti- Na importância das rivalidades pessoais e burocrá- I:'

cipantes entusiastas, marchando na grande praça da capi- ticas, os sistemas capitalistas, socialistas e liberais se apro-
tal e carregando uma série de slogans cuidadose,mente es- ximam um do outro. Falar da desapropriação da indig-
critos para a ocasião - e que nunca viram os campos de nação moral sob estas condições não significa, é claro, con-
trabalho forçado - , tudo isto parece mais eficiente, justo tar toda a história da transformação que ocorreu nos tem-
e moralmente inspirador do que as operações do mercado e pos .modernos. Mas a noção pode revelar tendências e dife-
os debates políticos ou pseudodebates do capitalismo li- renças históricas significativas. Em qualquer evento, a si-
beral. Mas, será ela realmente mais eficiente e mais justa tuação atual dificilmente é aquela na qual Ulrich Briiker
no sentido de enfocar a ira moral de maneiras )TIais eficazes não podia nem se indignar com o nobre protetor que o ven-
para toda a sociedade e mais satisfatórias para o indivíduo deu aos exércitos de Frederico, o Grande, ou na qual o po-
envolvido? 33 A sociedade socialista, apesar ele seus efeitos bre Karl'Fischer finalmente disse, em altos brados, o que
colaterais' obviamente asfixiantes, poderia realmente levar pensava do diretor da fábrica, que demitiu operários que
vantagem nesta contagem de pontos, caso aqueles que fOl·· nem mesmo conhecia. Ambos não sabiam o que fazer com
massem suas prioridades morais procedessem da maneira o seu sentido de indignação e injustiça. Mas eles não sa-
mais racional e informada possível, ouvindo atenta e empa- biam, e provavelmente nem poderiam saber por razões his-
ticamente as queixas de seu corpo de cidadãos; Mas isto di- tóricas que diferiam muito em ambos os casos e eram, mais
ficilmente é o que acontece. As prioridades morais 34 são uma vez, muito distintas daquelas que hoje predominam.
formadas intermitentemente pelo Homem Mais Sábio do Contúdo, o historiador que tenta evitar tanto a nostalgia do
Mundo e refletem principalmente o pensamento do'Homem pas~ado quanto o otimismo barato para com o futuro talvez
Mais Sábio do Mundo. Ele toma as decisões na sua capaci- contemple, perturbado; o modo éomo causas históricas dis-
dade ele presidente de um comitê dos Segundos Homens tintas podem produzir tais formas semelhantes de impo-
Mais Sábios do l'vlundo. Os Segundos Homens Mais Sábios tência e infelicidade humanas.
do Mundo são os conselheiros e ajudantes leais do Homem

(33) Parece improvável que estes dois critérios sejam compatíveis em al-.
guma sociedade, No entan to, toda sociedade onde eles sejam totalmente incompa-
tíveis está fadada a ter problemas.
(34) As prioridades ec"nômicas são também prioridades morais.

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INJUSTIÇA 683

sociedade. Mais precisamente: eles, com freqüência, que-


rem para si e para seus associados imediatos uma situação
melhor que a reciprocidade poderia produzir. Outros, é
claro, aprendem a viver com menos.
Visto de forma um tanto diferente, o que estou ten-
CAPITULO 15 tand'o provar é que a reciprocidade e 'a cooperação social no
geral não fluem inexoravelmente de alguma tendência inata
da natureza humana. Vimos anteriormente que as regras
EpHogo1! li'ecipl'Ocidad® morais cuja violação provoca uma ira que parece quase ins-
tintiva não se,devem necessariamente à frustl'ação de ten-
COlilnlO f2ío, ideologia e ideal dências humanas inatas por providências sociais injüstas e
opressivas. As regras são, antes, a conseqüência da natu-
reza humana numa situação social dolorosamente cons-
trangedora; colocando-se a questão de forma um tanto cí-
Sem o conceito de reciprocidade - ou melhor, obri- nica, a conseqüência de um esforço de tornar melhor uma
gação mútua, um termo que não implica igualdade de res- situação ruim com considerável ira contra aqueles cuja apa-
ponsabilidade ou obrigações ~ torna-se impossível inter- rente falta de controle ameaça tornar asituação ainda pior.
pretar a sociedade humana como a conseqüência de outra A reciprocidade e a cooperação não se desenvolvem es-
coisa que não a força e a fraude perpétuas. Por maior que pontaneamente, exceto, talvez, de forma limitada entre
tenha sido a importância destas forças gêmeas, ao longo de grupos pequenos de contato pessoal bastante contínuo. Ca-
todo o registro da história humana, tal interpretação seria so contrário, há uma' tendência contínua' à erupção dos in-
um exagero manifesto. ' teressesegoístas do indivíduo e do grupo. Segundo a ideo-
Se a reciprocidade perfeita e,xistisse, a sociedade hu- logia mais ou menos' oficial, as corporações de artesãos de-,
mana seria mantida por uma série de obrigações relacio- veriam servir à cidade; o propósito de suas regras era asse'
nadas, cujos desempenhos seriam iguais em valor, segundo gurar a qualidade do produto. Na prática, porém, as regras
um critério universalmente aceito. Aqueles no exercício da eram usadas, e distorcidas, para promover oS interesses
autoridade desempenhariam certas tarefas de coordenação egoístas dos membros da corporação em detrimento'dos in-
social, cujo valor seria igual às obrigações dos subordinados teresses da cidade como um todo e, é claro, daqueles das
de lealdade, obediência, impostos, serviço militar, etc. A outras corporações. Podem-se, encontrar tendências seme-
divisão do trabalho e a distribuição de bens e serviços na lhantes nas burocracias, onde subdivisões lutam contra os
sociedade também ocorreriam através da troca de bens e interesses da burocracia como um todo; nas organizações
serviços, cujos valores seriam equivalentes. Ê óbvio que ne- militares e eclesiásticas; interesses regionais numa comuni-
nhuma sociedade funcio!!a deste modo, e nem parece haver dade mais ampla, e inúmeros outros casos. Estas tendên-
probabilidade de alguma vir a funcionar assim. Afora a difi- cias fissíparas existem em todas as sociedades e culturas,
culdade evidente de se concordar com um critério para ava- seja qual for o tamanho.' Qualquer coisa que exista no
liar cada tipo de contibuição, uma dificuldade que creio ter
sido um tanto exagerada (não é tão dificil de se perceber (1) Seria, portanto, nonsense romântico atribuí-los à alienuçiió dos seres
quando se é prejudicado), há um obstáculo a mais: os 'seres humanos uns frente aos outros, produzida supostamente ·pela sociedade capita-
humanos, segundo farta evidência, não querem este tipo de lista OH industrial móderna em geral.
664 PERSPECTIVAS GERAIS INJUSTIÇA 66S

sentido de coordenação e cooperação social (das quais a re- as outras tribos da península e os forçaram à submissão.
ciprocidade é apenas uma forma) estará sob a alneaça Também não foi alguma espécie de reciprocidade esponta-
constante de tais tendências. Onde existir cooperação, ela ..'~ neamente desenvolvida que levou mulheres e criancas aos
terá de ser criada e recôada continuamente. Seres humanos moinhos enfumaçados e barulhentos do século XIX, e ago-
especificos e identificáveis terão de desempenhar este ato de ra leva homens a trabalhar sob o sol escaldante ou num
criação e recriação. E isto vale para até mesmo um meca- buraco escuro de mina para que homens e mulheres apre-
nismo tão impessoal como o moderno mercado capitalista ciem um café ou um gble de cerveja em lata.
comp<;otitivo. Por outro lado, reis, homens de estado, procônsules,
Conceber a regra da reciprocidade como alguma espé- capitães de indústrias e outros que criam novas formas de
cie de tendência automática para a restauração do equilíbrio dominação e divisão de trabalho, geralmente justificam
social baseado na troca justa seria uma idealização gros- seus atos na linguagem da reciprocidade. Os reis chamam
seira do que realmente ocorre. Na prática, as violações da seus vassalos de "meu" povo, ou unosso" povo. Que gover-
reciprocidade são lugar-comum em todos os Hníveis" de civi- nante alguma vez negou ter como obrigação servir e pro-
lização. Há sociedades sobre as quais parece justo dizer que teger seu povo? O imperialismo encontra a justificativa nos
as próprias instituições sociais são por demais fracas para encargos e responsabilidades do poder de criar uma divisão
forçar a reciprocidade; não há sanções efetivas. Ou nada de trabalho mais "eficiente" entre as áreas metropolitanas
acontece quando o indivíduo se recusa a desempenhar sua e dependentes. No geral, governantes e grupos dominantes
parte recíproca, ou um individuo prejudicado se enraivece falam em termos de reciprocidade (embora possam não
em 'vão, especialmente se a outra pesscia tiver um status usar,esta expressão) para enfatizar sua contribuição às uni-
mais alto. Em tais casos, padrões de reciprocidade podem dades sociais que dirigem, e para louvar as virtudes e neces-
realmente acionar o conflito ao suscitar expectativas não sidades de relações sociais harmônicas aí. Desta forma, a
correspondidas. 2 Nas sociedades com sistemas de autori-/-: . noção de reciprocidade rapidamente se transforma numa
da de bem desenvolvidos, màs absolutamente não apenas forma de mistificação, num revestimento ideológico da ex-
nelas, o direito do mais forte prevalece por mais tempo em ploração. 4 No entanto, o mero fato de seu uso como retó-
prática, e a parte prejudicada tem de engolir sua indig- rica ideológica constitui evidência significativa de seu papel
nação. 3 Contudo, o que importa para os nossos propósitos;· central no código universal. Como diz um dito bem conhe-
é que sinais de indignação ocorrem de forma bastante am- cido, a hipocrisia éo tributo que o vício paga à virtude. O
pla. uso retórico e ideológico do conceito de reciprocidade teste-
Coerção, fraude e força desempenham um papel cru- munha seu apelo generalizado, seu possível papel como a
cial em todo este processo. Os cidadãos de Roma não se idéia fundamental por detrás de concepções populares de,
sentaram e escreveram um pacto social de como os habi- justiça e injustiça, igualdade e desigualdade.
tantes da Itália poderiam viver juntos. Eles conquistara:tÍl. Em muitos lugares e épocas diferentes, a critica po-
pular à autoridade foi que ela não cOlTespondia a sua obri'
gação de cuidar dos subordinados, " que oprimia e espo- ri
(2) Morto!! H. Fried, Evo/utiOll o/ Political Society. pp. 7"2-75. investiga liava quando deveria ter acarinhado e protegido. A objeção :i
oi
uma variedade de reações colhidas na literatura antropológica.
(3) Leopold Pospisil, Kapauku Papuuns and their Law, pp. 178, 180, 183.
184, apresenta exemplos concretos de uma sociedade com muito pOllca autori (4) Como sustentei antes, defendo que eX!-'toração pode ser um. termo ob-
dade organizada, mas que dispunha de um conjunto"de "normas" reconhecidas jetivo para descrever qualquer .relação que dá a um ou mais participantes. siste-
quanto à propriedade. ' mática e continuamente, vantagens e benefícios maiores que a outros.

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INJUSTIÇA 687
PERSPECTIVAS GERAIS
686
passaram por esta experiência. Ela foi também um compo-
clássica à divisüo de trabalho e à distribuição dos recursos e nente, embora menor, da Revolução Fl·ancesa. A ira contra
produtos da sociedade sustentou que "julgamentos deso- a autoridade que'não cumpre suas obrigações, que não sus-
nestos" permitiram aoS poderosos evita,' trabalhar ardua- tenta sua palavra e a fé dos subordinados, pode ser uma das
mente e manter para si os melhoreS frutos da terra. Em emoções humanas mais potentes c pode derrubar monarcas.
uma palaV1"3, eles exploram, porque recebem sem da:r. Não Ao mesmo tempo, há limitações inerentes nas exten-
quero com isso irnplicar que concepções pop,ulares de reci- sões subversivas que esta forma de crítica tradicionalista
procidade funcionam elTI tel"ill0S de equivalências exatas alcança. Essencialmente, eía aceita a existência da hierar-
retribuídas uniformemente à moda de um economista de quia e da autoridade ao mesmo tempo que tenta fazê-las se
Manchester. Em muitas sociedades sem cultura escrita, o conformarem a um padrão idealizado de como deveriam se
caso é bem o contrário: a obrigação de retribuir um equi- comportar. Aceitam-se as obrigações, mas elas deveriam ser
valente é freqüeíüemente temperada por aquilo que, aos de natureza recíproca. Para as obrigações do subordinado
olhos de um ocidental moderno, parece uma compaixão in- deveria haver obrigações correspondentes para o governan-
devida pelas fraquezas humanas. A noção de quantidade te, e o todo deveria redundar no benefício da comunidade.
pode ser vaga; a do tempo, imprecisa e, até certo ponto, a Esta parece ser a forma mais comum e difundida que a con-
intenção pode substituir o ato. 5 Outras formas de troca são cepção de reciprocidade assume.
exatas e detalhadas - talvez após a bar'ganha, eomo no A forma de crítica realmente subversiva tem início
caso do preço da noiva ou dote - ao ponto da rneticulo- quando as pessoas perguntam se uma função social especí-
sidade. Isto, contudo, é a exatidão do rituale o ajuste deli- fica necessita realmente ser desempenhada, se reis, padres,
cado do status de um indivíduo ao outro. Ê uma exatidão capitalistas e mesmo burocratas revolucionários não seriam
mais próxima do protocolo diplomático do século XVIII desnecessários à sociedade humana. Esta forma de crítica
que dos cálculos de um escritório de contabilidade. Por de- tem uma linhagem muito antiga na história humana, em-
trás destas variações, entretanto, é possível se perceber um bora, pelo que estudei, não ocorra em sociedades de cultura.
projeto fundanlental geral, uma concepção de como de- não escrita. 6 Com esta forma de crítica, poder-se-ia alegar
veriam ser as relações sociais. Ê uma concepção que abso- que uma forma "pura" de reciprocidade - e, conseqüen-
lutamente não exclui a hierarquia e a autoridade, onde temente, do código universal - surgiu, uma vez que a úni-
qualidades e defeitos excepcionais podem ser fonte de ca base da sociedade humana poderia ter obrigações recí-
enorme admiração e temor. Ao mesmo tempo, é uma con- procas livremente aceitas, já que todas as formas de auto-
cepção onde se espera idealisticamente que serviços e fa- ridade foram removidas. Isto, todavia; é também "pura"
vores, confiança e afeição, encontrem algum equilíbrio ru- especulação. Na história humana até hoje houve simples-
dimentar. mente sucessão de formas de autoridade; novas formas
Em circunstâncias apropriadas, estas concepções po- substituíram, de maneira bastante eficaz, outras que se tor-
dem ter, e realmente têm, arestas cortantes. O rei falhou na naram historicamente obsoletas. Se haverá algum grande
sua obrigação de proteção, a relação entre esse soberano e salto qualitativo para um futuro muito diferente, é uma
seus vassalos chegou a um término temporariamente. Na- questão que uma inquirição empírica como esta fará me-
ções e culturas tão diferentes quanto China e Inglaterra lhor se no momento a deixar de lado.

(5) Eileen J. l<rige e J. O. Krige. The Realm of a Roi" Queen: A Study of (6) Uma análise detalhada das initologias não literárias talvez revelasse
lhe Paltem of Lovcclu .\Odet)' , pp. 56. 182. 184, 288.293, 297. Ver também traços desta perspectiva.
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Índice Remis§ivo

Apóstolos, os Doz.e, 342, 640


A
Aquiles,5S
Arbeiterverein, 242, 243
Abel. Theodore. 560, 563, 567 e n. 23, Aristóteles, 35
~69 n. 26, 585 Aronfreed, Justin, 158
"Abraham, Karl, 191 n. 8, 19211. 9 Asch, S. E., 138, 139n. 8,148
Adelmann, Gerhard, 326 n. 5, 332 Ashton, Patricia Teague, 159 n. 36
n. 14, 342 n. 32, 349 n. 46, 350 Àsia, 34,·59, 493, 665
n. 49, 354 n. 56 Assembléia Constituinte (Rússia,
AdIcr. Hans Günther, 107 1917),410,421,506
Adorno, T. W.,157n. 28 Assembléia de Frankfurt (1848), 207,
Ãfrica, africanos, 43 n. 11, 59. 63, 72, 210,235,236,239,243
104 n. 40, 156 n. 27 Assembléia Nacional Alemã (1919"
Agamenon, 622 416,417,427,430,433, 437, 445,
Albertin, Lotlia"r, 532 n. 12 531,535,536
Alemanha, alemães, 45 n. 13, 105. Atenas (antiga), 31, 300 n. 73,632-633
106, 113-115, 118, 120, 135, 143, Áustria, 189,241,389,526
165,173,174,176 n. 2, 181, 182 e Austrália, 147 n. 17
segs., 246 e segs., 316 e segs., 381 e
segs., 435 e segs., 489 e segs., 515 B
e segs., 543 e segs., 615, 638, 642,
643, 644, 645, 655, 656, 657, 658, Baden, Max von, 432, 529 n. 8
659, 660, 661, 668, 669, 678 n. 31 Baden, 234
Alemanha Central, 447. 448 Badia, Gilbert, 425 n. S4
Alexandre, o Grande, 626 Baku, 492
Argélia, 580. 581 Banto,44
/\llgemeiner Kongress der .Abeiter~ Bao Ruo-Wang, 654 n. 24
Ilud Soldatenriite Deutschlallds. Barmen, 362 n. 64,480
Ver Congresso dos Conselhos de
Barotse, 40 n. 9, 43"n. 11, 46 n. 15,50
Trabalhadores e Soldados. n. 18, 61 n. 2S
Amann. Peter H., 640 n. 15 Barth, Emit, 407
Americanos. Ver Estados Unidos. Bauemkrieg, 231 n. 61
704 lNDlCE REMISSIVO INJUSTiÇA 705

Baviera, 270, 277, 390, 403, 429, 481, C 477,479 n. 51, 482, 513, 534, 574, Daniels, Robert" V., Sl1 nn. 45, 47,
484, 526-527 n. 7,535,646 . Cahn, Edmolld, 67 601,643 512
Bebel, August, 259 e n. 14, 268-269 . Califórnia, 677 Comunistas chineses e Revolução chi- Dante, 297 n. 69
n. 23, 279 n. 37, 295, 311 Carlos I, da Inglaterra, 42 nesa, 245, 513, 606, 643, 651, 653- Danton, ~79
Bélgica, belgas, 458, 526 Caron, pjerre, 577!1. 31, 579 n. 37 654 nn. 24 e 25,655,673,677, 679 Daumig, Ernst, 411 n. 32
Berlim, 191, 193 e n. 10, 198, 199, Carsten, F. L., 424 e n. 52, 434, 526 e Comunistas russos, 245, 510, "555 n. 7
213, 220, 223, 227, 229, 231, 233, Confederação da Classe Trabalhadora David, rei de Israel, 51
n. 6 Delegados de Fábrica Revolucionários,
235, 254, 275, 292, 393, 403, 405, Cartistas, 678 Alemã, 431
413, 414 e n. 38, 415, 418, 420, COilgresso de Artesãos Alemães (1848), 396, 397-398, 399, 405, 411 n. 32,
Castas ordenadas, 89 n. 16,97,99. Ver 422,423,440
422, 423, 425, 428, 429, 430, 432, também Intocáveis. 207, 208- 209
435, 461, 464, 465, 468, 470, 475, Congresso de Berlim (agosto, 1848), Dentan, Robert Knox, 37 n. 7
Castro, Fidel, 342
479,481,482,484 Catão, 583 230 n. 60, 234 n. 70 Der Alte Verballd, 342-343, 354
Bernays, Marie, 282 n. 44, 290 n. 56, Católicos, ISO, 257, 320, 335, 341, Congresso dos Conselhos de Trabalha- Deus, 204, 276, 287, 465, 608
292 n. 59, 296 n. 68 343, 344, 345 n_ 39, 354, 361 e dores e Soldados (Alemanha, Deutscll1iatiOllole Volkspartei, 567
Berndl, Ronald M., 578 n. 35 n.63 1918), 409 n. 28, 411 n. 32, 415- Dias de Março de 1848,231,233
Bernstein, Thomas Paul, 654 n. 24 Cavaignac, Louis Eugêne, 639 417, 418, 433, 437, 445, 533, 536 Dieterici, F. W. c., 190, 191 nn. 8 e
Besscmer.374 Chagnon, Napoléon, 124 n. 1 n.14 9, 193 n. 10, 194 e n. 12, 198, 199
Betsabá,51 Chamares, 90, 91 n. 19 Congresso dos Social-Democratas 200 e n. 22, 216 n. 39
Bettelheim, Bruno, 106, 109, 112, 113, Chelminski, Rudolph, 65411.24 (1913),281,303 n. 76 Dinamarca, 240
114,116,117 Chemnitz, 235, 236, 237 n. 78, 243, Congresso dos Sovietes, 510 n. 43, 512 Dinastia Tsin, 44 n, 12
Bicêtre, 579 275, 312, 403, 415 n.48 Dinastia Ming, 48 n. 17
Bielefeld,481 Chesneaux, Jean, 45 n. 13 Congresso dos Trabalhadores Alemães Dinastia Sung, 49, 51
Bismarck, Qtto von, 309. 311, 537 Chile. 677 (1848),212,213 e n. 32 Dinastia T'ang, 679 n. 32
Blassingame. John W., 629 n. 4 China, 34, 42, 44 n. 12,45 n. 13, n. 17, Conselho Central (Zentralrat), 417, Dittmann, Wilhelm. 419, 536n. 14
BochulIl, 362 n. 64 49, 50-52, 53, 59, 575, 603, 631 e 419, 422. 433, Ver também Con- Dohna, Herrmann Graf zu, 202, 203,
Boêmia, 312 nn. 7 e 8, 643, 665, 687 gresso dos Conselhos de Trabalha- _204,205
Bolchevique, Bolchevismo. 406, 412, CJzristlicher Gewerkvereill, 354 dores e Soldados. . Domes, Jürgen, 654 n. 24
419. 495, 498 e n. 16, 501, 502, Christlicher Metallarbeiter- Verband, Conselho Executivo (Vollzugsrat), 405 Domingo Sangrento (Rússia, 1905),
504, 505, 508, 509, 510, 511, 512, 361 n. 63, Ver também Sindicato n. 23, 433, 477 496, 638 n_ 13
513,514,642 n. 16, 651 dos MetalÍ1rgicos Alemães. . Conselho dos Representantes do Povo Dore, Ronald, 360 n. 60
Bonnel1, Victoria E" 497 n. 15, 498 Circus Busch (Assembléia), 404-407 e (Alemanha, 1918), 405 e n. 23, Dortmund, 327, 362 n. 64, 451, 459 n.
n.16 n. 23,414, 415,432 419,432-433,526 n. 6 23,466 n. 36,477, 480,482
Born. Stephan, 213, 216, 220-221, Clemenceau, Georges, 409 Constituição de Weimar, 427, 429 Dreckmeier, Charles, 40 n. 9
226,227,494 Cohen, Elie Aron, 102 n. 36, 103 n. 38, Conze, Werner, 197 n. 16, 200, 309 Dresden, 236, 254,403,415, 430
Borsig, 397 104en.40 n.84 Droz, Jacques, 232 ll. 66
Brâmanes, 69, 91, 97 Cohen, Max, 409 n. 28, 416 n. 42 Corcira, 394 n. 9 Duisberg, 478 n. 49
Brãker, Ulrich, 174-181, 465, 621, Colbert, Jean·Baptiste, 601 Coréia, 116 Duma, 497 n. 15,502
625,681 Cole, Michael, ·159 n. 37 Cossacos, 493 Durkheim, Emire, 51 n. 18, 206, 650
Braun. RudoU, 175 n. 1 Coles, Robert, 163-164 e n. 44; 165, ·Craig, Gordon A., 413-414 n. 38 n.20
Bremen, 415,425,428 166, 167, 168,169 Cristianismo, cristão, 83, 84, 85, 86, Düsseldorf, 236, 262 e n. 64, 457 n. 21,
Brepohl, Wilhelm, 37711. 91 Colm, Gerhard, 472 n. 42, .476-477 n. 87 e n. 14,245,257,466,477,606, 479
Brest-Litovsk,400 47,478 611,653,666. Ver também Católi- Ebert, Friedrich, 403. 404, 405, 406,
Briggs, GeorgeW., 91 n.19 Colônia, 231, 236 cos; Protestantismo. 407,408,409, 412, 413, 414 e n.
Britânicos. Ver Grã·Bretanha. Comitê Revolucionário (Berlim, 1919), Croon, Helmut, 376!l. 89 38, 418, 419, 420, 430, 431, 432,
Brome, Moritz Th. ·W., 279 n. 37, 282 423 Cuba, 514, 544 n. 1 433, 435, 467, 468, 479, 484, 522,
n. 42, 305 n. 77,310 Comitê da População Mineira Unida Czaristas, 490, 491, 493, 495, 497 n. 525,526,527,529 n. 8, 531,532,
Bruner, Jerome S., 159 n. 37 do Essen e Vizinhança, 336 15,498,499,500,504,505 533,535, 536 n. 14,537, 539, 541
Bry, Gerhard, 251 n. 4 Comuna de Paris, 309 e n. 84, 311, Eichhorri, Emil, 422
Buchenwald, 106, 110 344,588 D Eisner, K urt, 402
Budismo, 40 n. 9 Comunismo, comunistas, 108, 109, Daimler (fábrica), 289. 403 Elberfeld, 236, 262 n. 64, 480
Burdzhalov, E. N., 499 n. 18 112, 115, 150, 222, 422, 432, 439, Daomé,59 Elkins. Stanlcy, 10111.35

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_.-._--------------_.~_.-.-
INJUSTIÇA 707

lNDlCE REMISSIVO
706 )'
Gould, Mark, 648 n. 19 Heitor, 55
Field, Daniel, 496 n. 12 Governo Provisório da Rússia (fev-out. Hclsingfors (Helsink1), 510
El'nitskii, A., 49} n. 15 Henry, Emiie, 583
Firth, Raymond, 29 n. 3 1917),491,506,512,513
Engels, Friedrich, 259 e n. 14. 308 n. HesÍodo,62
.Fischer, Frantz Louis, 279 n. 37, 284 Grã-Bretanha, britânicos. 245, 318,
83 n. 46, 349 n. 47 . Heymann, Bruno, 459 n. 23
329,402. Ver também Inglaterra.
Erasmo, 161 n. 39 Fischer, Karl, 264 n. 17, 279, 284 nn. Hilferding, Rudolf, 409 n. 28
Erger, Johannes, 469 n. 39 Grande Depressão, 281, 546 Hilger, Dietrich, 194 n. 11
46 e 47,236-288, 297, 310, 639, 681
Erikson, Erik H., 162 Fischer, Wolfram, 17511.1. 202n. 23, :: Grande Muralha da Chíml, 44 n. 12 Hindenburg, Paul von, 406, 407, 431
Erzbergcr, Matthias, 582 Grande Revolução Cultural Proletária Hinduísmo, hindus, 40 n. 9, 61, 82,
348 n. 45, 376 n. 89 (China), 631 n. 8, 65L 483-484 n.
EspaI}lm., espanhóis, 4S n. 13, 88 Ftirst, Waltcr, 376 n. 89 84,85,86 e n. 11,90 e n. 17,91,
Esparta, 31, 98 24 93,97,98,99,120,121,164 n. 46,
Florença, 129
Espartaquistas. 395-396; 397-398,413, Força de Defesa Republicana, 412 Grande Salto para a Frente (China), 621, 624, 627. Ver também Into-
415, 418, 420, 421-422, 426, 428, França, franceses, 45, -182, 185, 189, 631 n. 8, 653 n. 24 cáveis.
435, 436, 438, 446, 448, 484, 541, 214, 218, 222, 223-224, 229, 231, Grécia (antiga), 31, 35, 40 n. 9, 59, 71, Hirsch-Duncker (Sindicatos), 257, 361
621 246, 296, 307 n. 82, 310, 425 n. 53, 132,300 n. 73, 623, 652 n. 22, 664 en.63
Esquimó,63 436,526,578, n. 33, 580, 586, 588, Groener, Wilhelm, 304,407, 412, 419 Hirschman, Albert 0.,652 n. 22
Essen, 336, 362 n. 64, 425, 451, 457, 605, 626 n. 2, 645, 652, 659 . .ver Groh, Dieter, 262 quadro. 309 n. 84, Hitler, Adolf, 114, 161 n. 39, 246, 382,
466n. 36, 473, 479, 480 também Revolução Francesa. 539 n. 15 430, 520, 542, 546, 548, 560, 566,
Estados Unidos, americanos, 21, 44, Grupo Rosa Branca, 161 n. 39 566 e n. 25, 569 n. 26, 608
53,54,55, 59, 67, 68, 81, 104, 113, Francisco de Assis, São. 87 Guarda Militar Republicana, 424 Hobokcn, 329 n. 13
Frank, Anne, 106
116, 122, 131, 138, 149, 165, 204, Guarda Suíça, 577 Hobsbaw~. Eric I., 45-46 n. 13, 264
Frankfurt, 207, 212, 239, 240, 241,
211, 245, 327, 329 e n. 13, 436,' Guarda Vermelha (Rússia), 512 n.18
441, 507, 539, 576, 578 e -no 33, 425 Guerra Civil Americana, 539, 606 Hoffmann, Charles, 631 n. 8
Frederico lI, o Grande, 175, 176, 179,
582 n. 41, 584, 585, 606, 626 n. 2, Guerra Franco-Pnlssiana. 309 n. 84, Hofstadtcr, Richard, 329 n. 13
181, 621, 681 Hohenzollcrns, 231 n. 61, 311
654,677 Frederico Guilherme IV, 231, 235-236 310,311,327
Eta, 90n. 17 Guerra Fria, 654 Homans, George C., 74, 76, 573
Freikorps, 420, 425-426, 428, 430,
Eumaios. S9 431, 435, 443, 446 e n_ 14, 466, 475, Guerras Napoleônicas, 188 Homero, 40 n. 9, 55, 59, 623
Europa, europeus, .34, 45 n. 13, 47 n. Guerra do Peloponeso. 394·n. 9 Hue, OHo, 332 n. 14, 344, 345, 358-
527,531,535,647
16, 49, 59, 72, 73, 175, 182, 215, Guerra Russo-J aponesa. 496 359
242, 244, 245, 254, 258, 318, 346, Freud, Anna, 8211. 1 Guerra dos Trinta Anos, 49. 350, 525 Huftot1, Olwen H., 504 n. 30
Freud, freudiano, 25, 153, e n. 24.
363, 375, 382, 493, 495, 573, 625, Guevara, Ernesto "Che". 342
154, 160, 161, 627, 672
526,639,665,668,669,678 Guilherme I. rei da Prússia, 336
Freudenberg, Karl, 459 n. 23
Europa Central, 182 Guilherme lI, Kaiser alemão. 237, 279
Fried, MOl"ton H., 61 n. 25. 684 n. 2 Igreja Católic<,l, 666, 676
Europa Ocidental, 182, 495, 648 n. 37, 309, 311, 312, 341, 400, 401,
Fricdlander, Ludwig, 71 n. 40 403, 406, 420, 437, 469 n. 39, 531 Ikhnaton, 636
Europa Oriel1 tal. 327, 377
Iks, 156 n. 27
Exército Alemão, 383. 406, 407, 412- n.11
G Ilhas Trobriand, 29
413,418,523,526-427,529,531 n. Haase, Hugo, 304, 419 Império Alemão, 195, 196, 24~, 305 n.
11. Ver também Reichswehr Gapon, padre, 495, 638 n. 13 Haenisch, Konrad, 315 n. 96 77, 308-315, 341, 432, 522, 529 e
Exército do Povo (Volkswehr) , 414, Gelsenkirchen, 362 n. 64 Hagen, 472 n_ 42, 474, 476, 480 n. 8, 540-541. Ver tambént Ale-
418 Genovese, EugeneD., 629 n. 4 Haimson, Leopold. 229 n. 58, 498 n.
manha.
Exército Republicano Irlandês (IRA), Gestapo, 115 17 Império Austro-Htmguro, 122
580 G~werkverein christilicher Bergarbei- Hamburgo, 254, 415, 418, 419, 428,
Império Britânico, 245
Exército Vennelho (Ruhr), 316, 432, ter, 342, 343, 345 439
Gewerkverein der delltschell Maschi- Império Napolcônico, 245
451 e n. 20, 475, 476 n. 47, 478, Harijans, 89 n. 16. Ver também Into-
nenbau tlnd Metallarbeiter, 361 n. Incas, 59
480,481 cáveis. Índia, 34, 40 n. -9, 64, 69, 71, 83-86
Expurgo Sangrento de 1934 (Alema- 63 Harper, Edward B., 96 n. 28 e n_ 12, 89-91, 92-95, 96, 97, 98,
nha), 566, 568 n. 25 Gitm'mann, Valentin, 501 n. 22 Hasenklever, capitão, 475 99,631 n. 7. Ver também Hinduís~
':".i-'. '
Glarus.178 Hastings, lames, 93 n. 23
Gluckman, Max, 40 n. 9, 43 n. 11. 46 mo.
F Hauptmann, Gerhard, 271
Indra,86
Fang-La,52
n. 15, 50 n. 18, 61 n. 25
Goffmatl, Erving, 102-n. 37, 108 n. 53 ··!'<,;W\;:(", Huzari, 91 n. 19,94 e n. 26, 95, 96
Hebl'eus, 636, 664
Inglaterra, ingleses, 42. 59, 71, 83,
152, 189, 192, 196, 223, 240, 246,
FanoD, Frantz, 584 n. 44 Gühre, Paul. 275, 284 n. 46, 285 e n.
Feldman, Gerald D., 459 n. 23
Ferro, Mare, 505, 506
48, 289 n. 55, 290, 312 i:i.;\:;: ,\ Heine, Heínl'ich, 271

·j~1i!II;tiÍi';:"·'''··...,....___....._::=::== "~,'~'~O_~·_

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•• __ ••
708 lNDICE REMISSIVO INJUSTIÇA 709

318,355,436,517,578 n. 33, 641, Kogon, Eugen, 102 n. 36, 103 n. 39. Lovedu. 44, 63, 74 Mencheviques, 495,497. 498, 50S, 509
652, 678. 687. Ver também Grã- 109 Lucas, Erhard, 451 n. 20, 460 n. 25, Merkl, Peter H., 560 nu. 10 e 11, 567
Bretanha. Kohlberg, Lawrence, 153-154 e nn. 24 466 nn. 3·5 e 36, 472 n. 42, 480 e n. n. 23. 569.nn. 26e27, 583
Inquisição, 545 25,155 n. 26, 158-159 53 Miche\et, Jules, 577, 578 n. 33, 579 n.
Instituto Smolny, 512 n. 48, 513 Kolb, Eberhard, 405 11. 23, 433-434, LudendorH, Erich Friedrich Wilhelm. 37
Intocáveis, 61, 82, 83, 89-100, 119, 526 n. 6 406,420, 431, 459 n. 23 Milgram, Stanley, 140 e n. 9, 142 e n.
I64n.46, 621, 624,628 Kolenda, Paulinc Mahar, 96 n. 28 Luís XIV, 60S, 626 n. 2 11,144,146.147 e n. 17, 148,588,
lrianàa do Norie, 582 KornUov, L. G., 512 Luís XVI, 577, 626 n, 2 58gen.50
Irlandeses, 329 KPD. Ver Comunistas Alemães Luís Filipe, 223 Moltke, Helmuth von, 311
Isaacs, Harold R" 97, 99 Krige, Eileen I., 63 n. 26 Lutero, Martinho, 137 Mosca, Gaetano, 127 n. 2, 653
Iserlohn, 236 Krige, J. O., 63 n. 26 Lüttwitz, Walther von, 475 Moscou. 492, 497 e n. 15,509,514
Itaca (antiga), 59 Krupp (empresa), 360 e n. 60, 367, Lützow, general von, 465~466 Mucchiel1i, Roger, 571 n. 28
Itália, italianos, 329 n. 13, 555 n. 7, 372,457, 479 Luxemburg, Rosa, 345, 381, 396, 415. Mülheim, 357 n. 58
684-685 420,422,423,426,427,582 Müller, Richard. 397, 403 n. 22, 405,
L 406
J M Munique, 147 n. 17, 254, 281, 400,
Jacobinos, 132 Lamp'l, Walter, 418 Macaulay. Thomas, 225 402, 429
Jantke. CmI, 194 n. 11, 20211.23, 334 Landes, David S., 375 n. 87, 376 n. 89 Macrckcl', Georg, 449 Münzer, Thomas, 218
n. 16 Landtmann, Gunnar, 29 n. 3 McGuil'c. William J., 150 n. 20 Mussolini, Benito, 585
Japão, japoneses, 90 n. 17, 103 n. 38, Lane, Robert E., 150 n. 20 Maistre, Ioseph Marie de, 606
134, 360 n. 60, 555 n. 7, 631 n. 7, Lassalle, Ferdinand, 311 Malinovsky, Roman, 162 n. 41 N
653. 665 Le Bon, Gustav, 477 n. 47 Malinowski, Bronislaw, 128
Legien, Car!o 401, 431, 531 Nações Unidas, 581
laures, Jean, 578 n. 34 Malmo. Armistício de, 242, 243 n. 89
Jena, 321 Leinert, Robert, 526 n. 6 Nagel, Peter, 87 n. 14
Manifestação da Porta de Branden~
Leipzig, 243, 254, 403, 461 Napoleão, 575
Jesus Cristo. 137 burgo, 422
Leis de Manu, 83, 85, 93 n. 23 National Cash Register COl'poration,
Jó. 48 Mahtell, David Mark, 157 n. 28
Leis socialistas (1878-1890), 309 360 n. 60
Judeus, 105, 106, 113, 114. 178, 220, Manu. Ver leis de Manu'-
Lenin. V. 1., 162 e n. 41, 409 n. 28, Nazismo (Nacional Socialismo), nazis-
230,563,576 Maori.66
410,421,425 n. 53, 493, 495, 508- tas, 40, 100, 101,' 108, 113-114,
Junkers. 189.231 n. 61, 313, 381, 436, Mao Tse-tung, 342, 574, 651, 6S3~654
511,512 n. 48, 513, 632, 642, 649 117, 135, 143, 157 n. 28, 422, 439
532,542,566 n.24
Leninismo, 238, 510 n. 43,642 e n. 16, n. 5, 483, 485, 517, 543 e segs.,
Maquet, 47 n. 16
646 . Maquiavel, 604 . 608, 622, 637, 655
K New Deal, 130. 211
Le Play, Pierre Guillaume Frédéric, Marat, Iean~Paul, 579
Kamenev, L. B .• Sl1 232 n. 65, 324 Nicolau li, czar, 496 e n. 12.502,506.
Marx, Karl, 27, 125. 194, 221, 230,
Kant. Immanuel, 518n. Lequis, Arnold, 413-414 e n. 38 638n.13
250 n. 3, 308 n. 83, 311, 489, 616,
Kapauku (papuas), 53-54. 63. 67 n. Leuna, 447 Noruega, 75-76, 104 n. 42
635 e n. 11,642; 669 Noske, Gustave, 425, 426, 428, 431,
33.69 Levenstein, Adolf. 272. 273. 274 e n. Marxismo, marxistas, 125, 127 n. 3,
Kapp. Putsch de. 430. 432. 451, 463, 29, 276, 283 e n. 44, 289-290, 291, 435,437,443,479,535
213, 222, 250 n. 3, 258, 271, 288,
464, 465, 467, 468, 469 e n. 39, 292 e n. 59, 297 e n. 1, 298, 300, Nova Guiné, 578 n. 35
314 n. 94, 345, 410, 444, 456, 494,
479,482.531 JOl,656 Nova Iorque, 329 n. 13
495, 496 n. 12, 497, 517, 535, 555
Kautsky,.Karl,345 Lex. Barbara, 108 n. 52 Noyes, P. H .• 228, 230 e n. 60, 236
n. 7, 564, 567, 591, 592, 634-635,
Keep, John L. H" 49011.1 Licbknecht. Karl, 311, 396, 399, 403, 641,657,669,673 n. 30
Keniston. Kenneth, 163 n. 44 415, 420, 423, 424 e n_ 52, 426, Massacre do Dia de São Bal'tolomeu, o
Kennedy, Johl1 F., 149 431,582 586 OA5 (Argélia), 580, 581
Kerenski, Alexander Feodorovich, 512 Liebow, ElIiot, 270 n. 24 Massacres·de Setembro, 578-580 Obcrhausen, 362 n. 64
Kiel. 401, 402, 417. 428, 435, 443, 462, LUtou. Robert J., 654 n. 25 Mathiesen, Thomas. 104 n. 42 Ocidente, ocidental, 245, 298, 402,
531 Liga dos Soldados Vermelhos, 413, 418 Mathiez, Albert, 72 n. 43 497,592,596,626,663,677,686
Kiev, 492 Li Tzu-chcng, 48 n. 17 Mattheier, Klaus J., 361 n ..64, .372 n. Odessa, .492
Koch. Max Jürgcn, 328 quadro, 337 IL Lloyd George, David, 409 83,377 n. 91 Oertzen, Peter von, 445 n. 11,448
20,341 nn. 30 e 31, 345 n. 39, 346, Lobositz, 180 Mecklcnburg-Schwerin, 234 Oman, John Campbell, 84
350,366 n. 71 Losche, Pc ter, 410 n. 30 Meel'warth, Rudolf, 385 quadro ONU. Ver Nações Unidas.

711
INJUSTIÇA

Salpêtriere, 579
lNDICE REMISSIVO Revolução Cultural (China). Ver Sansoll1, Robert L., 582 n. 41
710 Grande Revolução Cultural Prole-
Sào Petcrsburgo, 494
Polnischer Berufsverein, 354, 377 e n. tária. Sl.Irtre. Jean-Paul, '584 n. 44
Opel, Fritz. 397 n. 13 Revolução de Fevereiro (Rússia, 1917),
91 490, 491, 500-506, 507. 512, 652. Sass, Friedrich, 193 n. lO, 216 n. 39
Oriente Médio, 49:~ Polônia, poloneses, 327-328, 458, 496,
Oriente Próximo, 652 n. 22 Ver também Revo1uçfto Russa de Saxônia, 225, 226, 349 n. 47, 403, 484
498-499 n. 17
Organização para Libertação da Pales-
Part Arthur, 496 1917. Schacht, Hjalmul', 532
tina(OLP), 580, 581 Pospisil, Leopold, 43 n. 11, 54, 67 n. Revolução Francesa, 72, 132, 178, 189, Schapiro. Leonard, 510 n. 43. 511 n.
33, 70 e n. 38, 684 n. 3 220 n. 40, 242,245,296 n. 69, '425 45
p n. 53. 504 n. 30. 539, 576-580, 606, Scheidemann, Philipp, 303 n. 76, 309
Prater, 240
Praz, Mario, 584 n. 46 655. 687 n. 85, 404, 420, 529 n. 8
Papado. 245 Revolução de Outubro (Bolchevique),
Primeira Guerra Mundial, 132, 174, Sche'üch, Heinrich, 529 n. 8
Papuas. Ver Kapauku 507, 510. Ver também Revolução
246, 248, 251, 256, 260, 265, 272 Schillel', Friedrich von. 271
Paris. 220 n. 40. 223, 227, 233, 344, Russa de 1917 -'
n. 25. 304, 316,375,381,457.460, Schleswig-Holstcin. 240, 245
577_578.639.640 491, 499, 520, 632, 643, 645, 656, Revol,ução puritana, 242. 539, 573,
Partido do Cen'tro (Alemanha), 320 e SchHestedt, Heinrich, 445
658,669 606 Schorske, Carl F., 539 n. 15
quadro, 335, 481 Princeton, 147 n. 17 Revolução Russa de 1905, 489, 490,
Schurz., Curl. 232 n. 66, 236
Partido do Congresso (lndia), 97 Protestantism~, ·protestantes., 272, 275, 497 Sch\varz, Solomon M., 496 n. 12, 497
Partido Comunista Alemão (KPD), Revolução Russa de 1917. 229 n. 58,
586 n.14
409. 423, 425. 473, 476, 480. Ver Prússia, prussianos, 179·180, 184 n. 2, 489 e segs., 606, 639, 643. Ver tam-
bém Revolução Bo1chevique, Revo- Seott, John Fi111ey, 151 n. 22
também Comunismo. 189.190,191.197.199,217 n. 39, Sears, David 0.,15011,20
Partido Nacional Socialista dos Traba- 222. 223. 231. 235-236, 240. 241, luçflO de Fevereil'o Sedan, 307 n. 82, 311
lhadores Alemães (NSDAP), 546- 313, 326, 335, 374, 459 n. 23, 655 Riga.492 Segunda Guerra Mundial, 542, 546
559. 568. 569 n. 26. 570 Prússia Oriental, 327 Robespierre, Maximilien de, 425 n. 53,
Seidm ann , Peter, 161 n. 39
Partido Social-Democrata da Alema- Putilov, 500, 501 n. 22 579 Semais, 65. 80
nha (SPD) e Social-Democratas, Roehm, Ernst. 566 Serviço de Inspeção Fabril, 248, 251,
248. 256-260. 266, 271-281, 285, Q
Rohrscheidt, Kurt von, 190 n . .5 252 quadro, 383 n. 1, 384 e 385'
289. 295-321. 335, 342-346, 354, ROlna(antiga), 51, 71 ri: 40,640 n. 14,
Quarto Estado, 193 quadros, 388 n. 3, 392, 458
359.364 n. 67. 382. 387, 388, 393- 684 Severing, Curl. 306, 307 e n. 82, 311,
431. 433. 436 e n. 1, 437, 466 n. Quixote, Dom, 594 Roma (moderna), 147 n. 17 377.446.466.468.474,479.480.
36. 468. 469 n. 39. 473, 476, 479. Roosevelt. Franklin, 567
R Rosenberg, Hans, 184 n. 2, 562 n. 12 482
481,484,494,500,520,522-527 e n.
Shaka. 128
8. 530. 531 n. 11. 536. 538. 561. Rabinowitch, Alexander, 490 n. 1 Rostm'.492 Shakespeare, 101
646. 655. 656. 658-661 Hadin, Paul, 29 n. 3 Ruanda, 47 n. 16 Shih-Hllang-Ti, 44 n. 12
PartidO Socialista Independente da Rainwater, Lee, 270 n. 24 Ruhr, 174, 253, 261, 265, 307 n. 81.
316 e segs" 425, 428-429. 431-432, Siva,83
. Alemanha (USPD), 381. 396, 398, Rannlf. Svend. 63 n. 27
436.440,444, 445, 448, 451 e segs., Sibéria, 496
399.400.402.404. 405. 407. 415. Rathenau. Walther. 582 Sic:lterheitspolizei (Sipo), 466, 468, 480
416.417.419.420. 421. 422. 423 .. Rcdl. Fritz, ISS 484,498 n. 17, 534, 540, 621, 625.
Siemens, 397
425.427.431. 433. 443. 466 n. 36. Reformas de Stcin-Hardcnberg, 401 642.646,659,665
Siemens-Martin, 374
473. 476. 480.529n. 9,536 Reichsbunk.430 Rürup. Rcinhard. 433. 526 n. 6
Rússia. ruSSOS, 73, 134,229 n. 58, 240. SUésia, 206,- 225
Pátroc1o.55 Reichstag, 259 n. 14. 310. 320, 321, Simmel. Geol'g, 477 n. 47
245,313 n. 94, 400.402,405,409 n_
Paulo. SflO, 632 397 Sing er Sewing Machines, 307
Reichswehr. 430. 482 28. 411, 425 n. 53, 432, 450, 458.
Pavlov. Ivan Petrovich, 627 Sindicato dos Metal(lrgicos. Ver Chris-
Peck. Robert F., 153 n. 24, 154 n. 25, Renânia. 231. 232. 233 n. 66. 277. 320, 485, 494, 498 n. 17, 528. 542, 555 tficher Melallarbeiter- Verband,
32l. 339. 342. Ver também RuIu. n. 7, 630, 631, 643, 649. Ver tam- Sindicato dos metalúrgicos ale-
156. 157 n. 28
Pecqueur, Constantin, 25011.3 República de Weimar, 135, 184-185, bém União Soviética.
mães.
Peníusulu da Malásia, 65 403. 417. 430. 467, 517. 532. 535. Ryder, A. 1., 434 Sindicato do m.etatúrgico s alemães,
Péricles. 71 568.570.580.582 265 n. 19, 268, 357 e n. 58. 358,
Perrot. Michelle, 640 n. 14, 678 n. 31 Revolta dos Países Baixos. 539, 606, S 361.365.366.367,368,369,370,
Petrogrado. 490 n. 1. 492, 500, 501, 667 SA(Sturm a bteiJullg), 566. 568 371,372,373,445
503.505.507.509.510.511.512 Revolução Americana, 626 n. 2
Saigon, 586
Piaget. Jean. 153 e n. 24,158,159 Revolução Bolcheviquc (Outubro),
Pike, Douglus. 582 n. 41 507, 510. Ver também Revoluçflo
Platão. platônico, 39. 544 de Fevereiro.
712 lNDlCE REMISSIVO INJUSTIÇA 713

Sindicato dos metalúrgicos de Berlim, Tratado de Versalhes, 429, 430 Wallace, Michael, 329 n. ,13 Wineman, David, 155
396 Tróia (antiga), 55,623 Winkler, Heinrich August. 190 n. 5
Walter, Eugene Victor, 128, 149 n. 19
Sionistas. lOS Tropas de assalto. Ver SA Wolfe, Bertram, 162 n. 41
Sirionos, 66 Trotsky, Leon, 425 n. 53, 477, 509, Walzer, Michael, 582
Wolfenstein, E. Victor, 160·n. 33, 162.
Smith, AdaOl, 128, 185, 194 n. 12 510 n. 43, 511, 512 Washington, George, 477
n.41
Soboul, Albert, 220 Il. 40, 573 n. 30 Tsaristas, 490, 491, 493, 495, 497 n. Watter, Oskar von, 468, 475, 481
Wolff, Robert Paul. 518 n. 1
Social-democratas russos, 496-497 15,498,499,500,504,505 Wattwill, 175, 176 n. 2, 177, 178, 180
Wolff, Wilhelm, 207 n. 27
Sócrates, 161 11. 39, 632 Tsaritsin, 492 Weber, Alfred. 274, 282
Wrangel. Friedrich von, 235
Solomon, Richard H., 16311.44 Tucídides, 394 ll. 9, 604 Weber, Max, 476 n. 47, 517. 537, 631
'vVürttemberg, 403, 481
SareI. Georg~s, 584 n. 44 Tumulto Antiitaiiano (Nova Orléans), n. 7,636 n. 12
329 n. 13 Wechsler, Howard l., 679 n. 32
Spandau.425
Wciss, Walter, 149 n. 20
z
SPD. Ver Partido Social-Democrata Tumulto de Louisville, 329 ll. 13
da Alemanha. Tumulto de Pentecostes (Hoboken), Weissberg, Alexander, 106 n. 46 Zeitlin, Maurke, 54411. 1
Spenccr. Elaine Flovka, 333 n.15 329 n. 13 Weitling, Wilhelm, 221 Zimmer, Heinrich, 86 n. 12
Spencer, Herbcrt, 19-20, 128 Tumultos Nativistas de Filadélfia, 329 Wels, Otto, 412 Zimmermann, Waldemal', 250 n. 2,
Spcngler, Oswald, 254 ll. 13 Westermarck, Edward, 61 n. 25 385 tabela
Spethmann, Hans, 451 n. 20, 466 11. Tumultos Orange, 329 n. 13 Westfãlische Stahlwerke, 357 n. 58 Zinoviev, G. E., 511
36,470 Turnbull, Colin M., 104 n. 40 Wetter, 475 Zola, Emite, 271
Springer, August, 270-272 e 11. 25, Whitehead, Alfred North, 664 Zollverein, 197
280,284 n. 46, 289, 296 n. 69, 311, u Whyte, William Foote, 270 n. 24 Zulus, 128
315 Wilson, Woodrow, 409 Zurique, 175
Ulisses, 59
5S (Sclwtzstaffel), 101, 103, 104, 106, União Soviética, 106 n. 46, 150. 446 n.
109,110-117,131,566
14, 542, 575, 673, 677. Ver tam-
Stadelmalll1. Rudolf. 17511. 1, 221 11. bém Rússia.
43
União para a Proteção e Progresso dos
Stalin, stalinismo, 48, 307, SlO n. 43,
Interesses dos Mi.neiros. Ver Der
542,574,592,651
Alte Verband.
Stearns, Petcr N., 678
Uniões Sindicais Livres, 257-259
Stinnes, Hugo. 401, 468
USPD. Ver Partido Socialista Inde-
Stinnes-Legicll, acordo, 401-402, 407 pendente da Alemanha.
StnlUsS, Rudolf, 200 11. 22, 237 n. 78,
244 n. 90
V
Stuttgart. 314, 315, 430
Sudras, 85 Valcntin, Veit, 241 e n. 84
Suécia. 130 Varsóvia, 100
Suíça. suíços; 174-175, 181, 222, 465 Veblen, Thorstein, 68, 129
Sukhanov, N. N., 513 n. 51 Veneza, 129
SUOlller, William Graham, 31-32, 128, Verbriiderullg, 220, 226, 230
591 n.1 Vestfália, 321, 342, 481
Viborg, 500
T Viena, 233, 240
Vielcong, 582 n. 41
Tchecoslovacos. 105, 312
Vietnã, 514, 582 n. 41, 586, 655
Terceira República Francesa, 588, 659
Vietnã do Norte, 586, 655·
Térsites, 622-623
V ictnà do Sul, 586
Testemunhas deleová. 108 Vogel, Ezra F .. 654 n. 24
Theresienstadt. 105, 106
Vollzugsrat. Ver Conselho Executho.
Thompson, E. P., 519 n. 2, 642 n. 16
Timm, loh, 281 n. 41 w
Tockenburg, 175
Tocqueville, Alexis de, 639, 667 Wachenheim. Hedwig, 315 ll. 96
Tradição greco-judaica, 51 Walker, Mack, 197,225
SOCIEDADE E ESTADO Ni1,.F1LOSOFIA POLÍTICA
\ JÍI0DERNA . . . .
'looMl,iollO-'''O
!,,=,U,)'o:=tLC:>,oq'-I\"""
Norberto Bobbio/Michelangelo Bovero -
184pp. .
SocieÕilde C O resultado de u.m longo estudo sobre os
. E,lado 1Ii1
Filosufia . principais pensadores políticos da .moderní~
poiith:a dade: Hobbes, Espínosa, Locke, Rousseau,
Moderna Kant, Hegel e Marx. U.mlívro indispensável
~1~~~~=
para todos os que pensa.m a política.
~of.''''~ ,,'Q'~""'~

A DEMOLlÇAO DO HOMEM - Crítica à falsa l'e'ugião do progresso


Sobre o autor
Barrington Maore Jr. nasceu eln 1913 noS Estados Unidos. Konrad Lorenz - 228 pp. -
Atualmente é professor e pesquisador elo Centro de Pesquisa Russa Biólogo, .médico e Prê.mio Nobel de Medici-
da Universidade de Harvard. Entre suas obras traduzidas para o na de 1973, Konrad Lorenz de.monstra nesta
português. destacam "se As Origens Sociais da Ditadura e da Delno- crítica que o exter.mínio do meio a.mbiente e
cracia-:. Senhores e CaltlponeSes na construção do Prlllndo 11loderno a "decadência" da.cultura ca.minham lado a
(Ed. Martins Fontes _ Portugal), Poder Político e Teoria Social (Ed. lado. Analisa de .maneira clara e objetiva aS
Cultrix) e Reflexões sobre as Causas da Miséria HUlnana e sobre razões do declínio da civilização ocidental.
Certos Propósitos ]Jara Elinliná-las (Zahar Editores).

~ IDtIA DE UMA HISTÓRIA UNIVERSAL DE UM PONTO DE


~ VISTA COSMOPOLITA
•,
• -~~ffiÇ~~ 1.m.manuel Kant - 152 pp

1
~
IDÉIA DE lJM,\
HI~iTÓW/>. UNIVERS.-\!.
DE UM pütHO DE
VIS"rA COSMOI'OL'Ti\.
Escrito e.m 1784, este é o texto inaugural da
escola filosófica ale.mã. Em u.ma edição bi-
\ ro
c
o
língüe, o original em ale.mão, a tradução e
.mais três ensaios sobre o pensa.mento kantia-
w
w no, assinados por Gérard Lebrun, José Ar-
~ thur Giannoffi e Ricardo R. Terra.
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