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“Traços caboclos”, gestão e trabalho gerencial no setor público brasileiro:

problematização, evidências e prosposta de análise

Autores: Gelson Silva Junquilho e Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo

Resumo
O presente artigo trata da temática do trabalho gerencial na administração publica, sugerindo
um modelo de análise para pesquisas futuras. Parte-se do argumento central de que é
necessário o atrelamento a um contexto macrossocial onde se situam as organizações, sem o
qual não não se torna satisfatoriamente explicativo o trabalho gerencial nos cotidianos
organizacionais, seja na gestão pública ou na privada. Nesse sentido, é proposto o uso da
Teoria da Estruturação, concebida por Anthony Giddens que, através do conceito básico de
dualidade estrutural, permite vincular a ação gerencial às chamadas propriedades estruturais
de nível macro da sociedade brasileira, enriquecendo sobremaneira as análises, colocando a
natureza do trabalho gerencial como um processo de re/produção de um cenário específico e
institucionalizado, onde se situa a gestão na administração pública em nosso País.

1 – Introdução
Os estudos que tratam a temática do trabalho gerencial devem estar sempre atrelados a um
contexto macrossocial onde se situam as organizações, sem o qual não se tornam
satisfatoriamente explicativos do que vai nos cotidianos organizacionais (WILLMOTT,
1984;1987; WHITTINGTON, 1992). Nesse sentido, é preciso vincular as análises às
transformações no sistema capitalista de produção mundial, desde o fim dos anos 60 e que
passam a afetar enormemente o mundo do trabalho (MELO, 1996). No entender de
TAVARES & FIORI (1996) o que está por trás desse processo é uma dinâmica de ajuste em
nível mundial, iniciada a partir dos choques do petróleo já a partir dos anos 70, juntamente
com a crise do padrão monetário internacional e o reordenamento simultâneo das relações
entre os países de centro e periferia da economia capitalista. Soma-se a tudo isso, a derrocada
do denominado “mundo socialista”, provocando a propagação de políticas de cunho
neoliberal junto aos países periféricos, incluídos aí a América Latina, África e Leste Europeu.
Segundo ainda os mesmos autores, é inaugurada uma onda de “reformas estruturais” que
passa pela recomendação de desregulamentação de mercados e abertura comercial/financeira,
bem como privatização das organizações estatais e redução/redefinição do Estado. Esse
cenário global é o pano de fundo para as iniciativas às quais se aplicam as chamadas novas
tecnologias de gestão organizacionais caracterizadas pela flexibilização dos processos de
produção, agregando à “ordem do dia” a busca da qualidade total, da terceirização, do
trabalho polivalente e da multiqualificação do trabalhador, entre outras (MELO, op.cit). Na
América Latina, no que diz respeito aos impactos para a administração pública, os reflexos
desse cenário são a desestruturação e crise de um modelo de Estado desenvolvimentista, em
voga desde os anos 30 e que entra em falência na década de 80 (MUNIZ, 1992).

No Brasil, em particular, essa conjuntura global refletiu na configuração de uma crise do


Estado, baseada em quatro aspectos, a saber (BRESSER PEREIRA, 1998a;b): a) fiscal ou
financeiro; b) modo de intervenção na economia; c) forma de administração do Estado no
molde burocrático weberiano; d) político. As respostas à essa crise começam a surgir a partir
de 1990, via processos de privatização estatal, abertura comercial e a busca da estabilização
econômica, através do Plano Real no governo do Presidente Itamar Franco. No que tange

1
especificamente à gestão da máquinas estatais, a marca foi a reestruturação do Estado,
incluindo-se aí, reformas de cunho administrativo, previdenciário e político (BRESSER
PEREIRA, op.cit). No plano da reestruturação administrativa, foi sendo adotada, desde 1995,
a proposta da Administração Pública Gerencial, em contraposição ao modelo esgotado e
ineficiente do Estado Social Burocrático, na busca da implantação do Estado Social-Liberal1
protetor dos diretos sociais, promotor e não agente econômico do desenvolvimento, capaz de
realizar serviços sociais através de estruturas organizacionais flexíveis públicas mas não
estatais, processo esse denominado de “reconstrução” do Estado. A Administração Pública
Gerencial não é invenção brasileira, mas sim reflete a tendência à adoção de princípios de
gestão empresarial nas máquinas estatais de vários países, em busca de soluções para a crise
do Estado, configurando o que a literatura internacional denominou de Nova Gestão Pública2
e que, no entender de FERLIE et al (1997), não é um modelo único, podendo assumir,
aspectos distintos em cada país, de acordo com suas raízes históricas, culturais e políticas.

No centro das propostas da Administração Pública Gerencial encontra-se um desafio para os


gerentes públicos à medida em que através de sua implantação é pensada a transposição do
arquétipo clássico do administrador burocrático pelo do gerente empreendedor, eficaz e atento
a resultados nos moldes definidos por PETERS & WATERMAN (1984), conforme fica
implícito no Plano Diretor de Reforma do Estado no tocante à dimensões cultural e de gestão
do Estado (MARE, 1995). É exatamente nesse ponto que se encontra a sua problemática a ser
analisada, ou seja, a idéia de que há um hiato entre o arquétipo do burocrata weberiano
voltado a valores ligados à regras impessoais, à tomada de decisão racional, ao seguimento de
procedimentos rígidos previstos em legislações e o ator social empírico concreto, aquele que
exerce função de chefia no setor público, no sentido de que o trabalho gerencial por ele
exercido é uma construção social que se dá ao longo do tempo e do espaço, constituindo-se
numa prática complexa e distinta que depende, dentre outros fatores, da maneira particular
como cada gerente apreende papéis a ele designados, da relação com outras pessoas e do
potencial de recursos de poder aí envolvidos, bem como dos contextos culturais nos quais os
gerentes estão inseridos (WHITLEY, 1989; STEWART, 1989). Dito de outra maneira, é de
fundamental importância que se compreenda a forma como o arquétipo do burocrata
weberiano clássico ligado a regras e valores racionais/impessoais foi e continua sendo
construído, pelo ocupante de cargo de chefia no setor público, afim de que se possa saber o
quanto aquele ator sociológico empírico concreto, se aproxima dos arquétipos ou não. Trata-
se de compreender como se caracteriza o trabalho gerencial exercido por esse ator social no
dia-a-dia, no sentido de que se possa identificar possíveis transformações às quais esse mesmo
trabalho estará sujeito, a partir do conjunto de mudanças inerentes à reconstrução do Estado.

2 – Trabalho gerencial na administração pública brasileira: a integração necessária entre


os níveis micro e macro de análise
2.1 – A natureza do trabalho gerencial
Ao novo perfil do gerente desejado para o Estado Social Liberal é necessário agregar a
discussão da diversidade do trabalho gerencial, bem como os condicionantes macrossociais
aos quais está sujeito, em busca de sua melhor compreensão, imprescindível para qualquer
processo de mudança via novos modelos de gestão. É possível afirmar-se que o trabalho
função gerencial comporta lógicas contraditórias de ação e se dá num contexto que comporta
tanto formas convencionais de manutenção como de rupturas de práticas organizacionais. Do
mesmo modo, os gerentes experimentam especificidades, advindas de sua vivência em

1
Expressão definida por BRESSER PEREIRA (1998b).
2
O termo “Nova Gestão Pública” é tradução livre da denominação inglesa: “New Public Management”.
2
universos complexos e contraditórios, não sendo possível identificá-los como grupos
homogêneos, mas sim como atores sociais dotados de vontades e ações próprias, ora como
agentes passivos ou ativos, em relação à definição de ações no cotidiano organizacional
(MELO 1995; 1996).

No Brasil, na administração pública direta ou setor governo3, essas especificidades são ainda
mais relevantes, dada a forma de acesso ao cargo gerencial. Em primeiro lugar, deve-se ter em
mente que a função gerencial nem sempre se constitui em carreira específica a ser perseguida
por um “servidor público estatutário”4. Isto porque, na maioria dos casos, as funções de chefia
são destinadas aos ocupantes dos chamados cargos em comissão. Para o exercício desses
cargos, criados por lei, podem ser nomeados trabalhadores pertencentes ou não à uma
determinada carreira na organização. Em segundo lugar, não há, necessariamente, nos casos
de nomeação, vinculação a critérios de competência técnico-científica ou de uma trajetória de
ascensão profissional na organização, ainda que a Constituição Federal brasileira sugira que
deva ser dada preferência a servidores de carreira técnico-científica. Assim, um cargo
gerencial pode ser preenchido por critérios bastante distintos como filiação partidária,
compromissos de campanha, competência técnica, conhecimento pessoal, entre outros. Daí
que os ocupantes de função gerencial podem ou não apresentar experiência profissional
anterior como gerentes e nem sempre são originários de uma carreira gerencial sujeita a
normas de avaliação de desempenho ou avaliação de resultados, reafirmando-se uma não
homogeneidade quanto à trajetórias profissionais e compromissos organizacionais. Fica
evidenciado, a partir daí, que o trabalho gerencial na administração pública brasileira, se dá
num contexto organizacional difícil de ser identificado, a priori, como aquele onde a
burocracia “é definida como um organização com estrutura rígida e centralizada, voltada para o
cumprimento dos regulamentos e procedimentos administrativos e em que o desempenho é avaliado
apenas com referência á observância das normas legais e éticas” (ABRUCIO, 1998:182-183).

Assim, é importante considerar, como fazem HARROW & WILLCOKS (1990), que o
trabalho gerencial na administração pública, considerando a gestão como uma construção
social, deve ser examinado à luz de contextos institucionais - fatores sociais e políticos
internos e externos - que ajudem a explicar a forma como os gerentes executam suas
atividades e mostrar o porquê do trabalho gerencial ser executado de uma maneira específica.
Dito de outra maneira, é necessário ampliar o escopo de análise no que diz respeito ao estudo
do trabalho gerencial nas organizações, capaz ultrapassar o dualismo entre a estrutura e a
ação (REED, 1989), já que grande parte da literatura que versa sobre essa temática não leva
em consideração a análise dos processos histórico-sociais que são subjacentes aos
comportamentos dos gerentes. Outros autores, entre eles WILLMOTT (1984; 1987);
WHITLEY (1989), reafirmam essa tendência no sentido de que por esse viés muitos desses
estudos5 deixam muito a desejar, pois tendem a separar o trabalho gerencial do seu contexto
histórico-social, privilegiando, de maneira geral, aspectos comportamentais em flagrante
desconsideração do seu aspecto político ou, quando muito identificando o político como
habilidades e estratégias utilizadas pelos gerentes para o alcance de seus objetivos. Em suma,
não mostram as bases institucionais do trabalho gerencial. Em sua apreciação crítica à obras
clássicas sobre o trabalho gerencial WILLMOTT (1987) identifica três correntes
preponderantes: a) a abordagem unitária: nela as relações sociais na organização são

3
Denominação cunhada por MARTINS (1985).
4
Aquele trabalhador vinculado, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil (1988) em
termos de regime de trabalho, à uma legislação específica na administração pública, denominada de estatuto.
5
Evidências desse tipo de abordagem podem ser demonstradas a partir de obras clássicas sobre o trabalho
gerencial: BARNARD (1938); TAYLOR (1960); FAYOL (1970); MINTZBERG (1973) e KOTTER (1982).
3
consideradas como racionais e giram em torno da eficiência e alcance de resultados
otimizados. O trabalho gerencial expressa a divisão do trabalho necessária ao atingimento de
objetivos da organização; b) a abordagem pluralista: a divisão do trabalho nas organizações
nada mais é do que a caracterização de grupos e coalizões que, em de interesses distintos,
lutam pelo poder; c) a abordagem radical : caracterizada por uma crítica às duas primeiras no
sentido de que elas não vinculam a natureza político-econômica da divisão do trabalho ao
papel dos gerentes. Em contraposição, essa corrente defende que os gerentes são
condicionados e defendem interesses exclusivos do sistema capitalista de produção. Tomando
essas abordagens como reducionistas, WILLMOTT (op.cit) afirma que o trabalho gerencial
deve ser classificado como político à medida em que os gerentes não só desenvolvem
habilidades interpessoais específicas para conseguirem que resultados sejam alcançados pela
ação de terceiros, mas também porque envolve a produção e reprodução de propriedades
institucionais que atuam como mediadoras na relação conflituosa entre capital e trabalho. Para
tanto, o autor sugere o uso teórico-metodológico da Teoria da Estruturação como instrumento
capaz de dar conta, mais apropriadamente, do estudo sobre a natureza do trabalho gerencial.

2.2 – “Dualidade da estrutura” e trabalho gerencial: a contribuição de Anthony Giddens


WHITTINGTON (1992) e SAHAY & WALSHAM (1997) são categóricos ao apontar a
utilidade da Teoria da Estruturação, concebida pelo sociólogo Anthony Giddens, como
ferramenta para o estudo sobre trabalho gerencial, dado que ela permite vincular a ação
cotidiana do gerente, em nível micro, à questão mais ampla das estruturas sociais de uma dada
realidade sem, entretanto, estabelecer determinismos entre ação e estrutura e vice-versa. Para
tanto, os conceitos de dualidade da estrutura e sistema social propostos por GIDDENS
(1979;1984) são uma alternativa ao dualismo relacionado ao sujeito e o objeto nas ciências
sociais, onde a estrutura é tomada como externa, suprema e limitadora à ação de indivíduos -
tradições funcionalista e estruturalista. Contrapondo-se à visão dicotômica dessas duas
correntes do pensamento social, GIDDENS (1984:377) propõe uma reconciliação ao afirmar
que existe uma relação de reciprocidade entre ação e estrutura, ou seja, não se pode pensá-las
uma sem a outra. Para tanto, seu conceito de estrutura (social) é definido com sendo o
conjunto de “regras e recursos, recursivamente implicados na reprodução dos sistemas sociais”. A
recursividade indica que as condutas humanas não são criadas pelos atores sociais, mas sim
recriadas por eles, através da próprias formas e meios utilizados para se expressarem como
atores. As regras representam convenções sociais onde o seu conhecimento, pelos atores,
inclui o conhecimento dos contextos onde se aplicam. Os recursos referem-se às capacidades
à disposição dos atores para fazerem as coisas acontecerem. A partir daí, a estrutura não é
vista como existindo exteriormente à ação humana, mas concebida como “virtual”, à medida
em que só se concretiza através da reprodução da vida social, isto é, ela não se viabiliza
independentemente à ação humana. Daí, que investigar “a estruturação das práticas sociais é
procurar explicar como é que a estrutura se produz através da ação e, reciprocamente, como é que a
ação é constituída estruturalmente” (GIDDENS, 1996: 183). A partir dessa noção de estrutura é
definida a idéia da “dualidade da estrutura”, buscando a demonstração de que a “estrutura
não deve ser equiparada à restrição, à coerção, mas é sempre, simultaneamente, restritiva e
facilitadora (GIDDENS, 1984:25). Através da dualidade da estrutura o autor demonstra que
propriedades institucionais dos sistemas sociais são criadas pela ação humana ao mesmo
tempo que servem de apoio para configurar (“shape”) essa ação. Logo, a ação humana pode
constituir (produzir) propriedades institucionais dos sistemas sociais, bem como pode ser
constituída (reproduzida) por essas mesmas propriedades, dado que
“cada ato que contribui para a reprodução da estrutura é também um ato de produção, um
novo empreendimento e, enquanto tal, pode iniciar a mudança pela alteração dessa

4
estrutura, ao mesmo tempo que a reproduz – assim como o significado das palavras muda no
e através do uso” (GIDDENS, 1996: 146).

O conceito de propriedades institucionais ou estruturais tem a ver com o de instituições que


são definidas pelo autor como aqueles aspectos que são mais duradouros na vida social. Delas
são derivadas as propriedades estruturais que representam as características que se encontram
institucionalizadas nos sistemas sociais, garantindo-lhes “solidez” através do tempo e do
espaço (GIDDENS, 1984). É importante observar ainda, que a idéia de “dualidade” da
estrutura permite a superação do dualismo estrutura e ação como fenômenos isolados e
independentes, bem como a interpretação de que a estrutura não é determinante da ação
humana, mas sim sua condicionante. Assim entendida, é através da dualidade da estrutura que
se explica a possibilidade dos atores re/produzirem relações sociais ao longo do tempo e do
espaço. A estrutura por ser virtual, ou seja, não existir concretamente, torna-se uma
propriedade abstrata dos sistemas sociais que GIDDENS (1984: 377) define como sendo “a
padronização de relações sociais ao longo do tempo-espaço, entendidas como práticas
reproduzidas”. Esse conceito de sistema social é de fundamental importância, pois permite ao
seu autor afirmar que a estrutura
“está fora do tempo e do espaço, exceto em suas exemplificações e coordenação como traços
mnêmicos e é marcada por uma ‘ausência do sujeito’. Os sistemas sociais em que a estrutura
está recursivamente implicada, pelo contrário, compreendem as atividades localizadas de
agentes humanos, reproduzidas através do tempo e do espaço (GIDDENS, 1989:20).

Assim, os sistemas sociais não são estruturas, mas possuem propriedades estruturais
específicas a cada um deles. Logo, a estruturação de sistemas sociais compreende “estudar os
modos como tais sistemas, fundamentados nas atividades cognoscitivas de atores localizados que se
apoiam em regras e recursos na diversidade de contextos de ação, são produzidos e reproduzidos em
interação” (GIDDENS, op.cit:20). A busca da conciliação entre estrutura e a ação humana,
através da Teoria da Estruturação, passa também pela consideração do ator social como
cognoscitivo e reflexivo, ou seja, como um ator que é consciente e sabe se conduzir na vida
social cotidiana (ROULEAU, 1995; SARANSON, 1995). O ator social é visto, por princípio
de base, como dotado de “cognoscitividade”, entendida como “tudo que os atores sabem (crêem)
acerca das circunstâncias de sua ação e da de outros, apoiados na produção e reprodução dessa
ação, incluindo tanto o conhecimento tácito quanto o discursivamente disponível” (GIDDENS,
1984:375). Do mesmo modo, os atores sociais são capazes de entender um ato por eles
perpetrado ao mesmo tempo em que o produzem. Essa cognoscitividade é expressada através
do que Giddens define por “consciências prática e discursiva” e que encontram-se agregadas
uma à outra. A consciência prática corresponde a tudo aquilo que os atores conhecem de
maneira tácita e complexa, à respeito de regras e dos contextos onde interagem e que não,
necessariamente, são expostos em forma de discurso. Mas, os atores também são capazes de
explicarem, de maneira verdadeira ou falsa, as razões que os levam a agir de um determinado
modo, quando solicitados a descreverem uma ação - consciência discursiva. Essa competência
é que lhes permite produzir e reproduzir a vida social, compartilhando, reflexivamente,
saberes comuns. Na interpretação de ROULEAU (1995:29)
“o ator social competente possui um conhecimento das condições sociais nas quais ele atua
e, a partir da qual ele reconhece nos outros capacidades de racionalização da ação. É a
partir desse saber comum que ele obtém suas competências de ator social e dão um
significado às suas ações cotidianas”.

2.3 – Propriedades estruturais da sociedade brasileira


2.3.1- As relações Estado-sociedade

5
FAORO (1987), descrevendo a história da vida sócio-política do Brasil no período que vai do
descobrimento até à revolução de 1930, é taxativo ao afirmar a centralidade do Estado, ao
redor do qual foram sendo decididos nossos destinos econômicos, sociais e políticos. O
Estado assumiu aqui a característica patrimonialista estamental6, institucionalizando-se um
tipo de dominação tradicional definido pelos quadros administrativos estatais, pelo mando dos
fazendeiros dos senhores de engenho e dos coronéis. O patrimonialismo estamental foi
caracterizado pela formação de camadas políticas que sempre se colocaram como superiores e
autoritárias em relação à sociedade civil brasileira, esta última deixada à margem do processo
de decisão política. Essa estrutura de mando político-estatal, soube segundo o autor, adaptar-
se as mudanças contextuais, sobrevivendo ao longo do tempo e do espaço, mantendo a
“menoridade popular” e sobre ela governando. Assim, em nossa peculiaridade histórica,
“a camada dirigente atua em nome próprio, servida dos instrumentos políticos derivados de
sua posse do aparelhamento estatal. Ao receber o impacto de novas forças sociais, a
categoria estamental as amacia, domestica, embotando-lhe a agressividade transformadora,
para incorporá-las a valores próprios, muitas vezes mediante a adoção de uma ideologia
diversa, se compatível com o esquema de domínio (FAORO, op.cit: 745).

O autor afirma ainda que essa estrutura político-social moldou a ação do Estado no curso de
nossa história econômica, desde sua fase de capitalista politicamente orientada, “locus” da
aventura colonial, sobrevivendo e incorporando ainda o capitalismo industrial, na era Vargas,
num processo de extensão do patrimonialismo estatal que foi capaz se adaptar
“às transições, às mudanças, em caráter flexivelmente estabilizador do modelo externo,
concentrando no corpo estatal os mecanismos de intermediação, com suas manipulações
financeiras, monopolistas, de concessão pública de atividade, de controle do crédito, de
consumo, de produção privilegiada, numa gama que vai da gestão dieta á regulamentação
material da economia”. (FAORO, op.cit: 737).
Importa nessa última citação destacar que o Estado no Brasil continuou desempenhando um
papel central no campo do desenvolvimento econômico do País, re/criando práticas
institucionalizadas na sua relação com a sociedade. Um estudo que mostra como esse
processo foi estruturado, no período que vai de 1930 a 1960, é o realizado por NUNES (1997)
em que são estabelecidos quatro grandes padrões institucionais que disciplinam o
relacionamento entre o Estado e a sociedade, ou seja, quatro gramáticas7 conhecidas como:
clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos.
Nota-se que o padrão de desenvolvimento do capitalismo no País se identificava com o
processo de substituição de importações via industrialização. É importante ressaltar que, na
prática, essas gramáticas podem se combinar de formas diversas ao longo do tempo, ora
prevalecendo uma em detrimento e/ou em conjugação com as demais, servindo de base para a
ação dos aparelhos estatais junto à sociedade.

No início da década de 90, DINIZ (1997) evidenciando as práticas centralizadoras do governo


Collor, registra os traços da insularidade burocrática de agências governamentais e do
corporativismo via a inauguração das câmaras setoriais como mecanismo de acordo entre
elites estatais e setores representativos da iniciativa privada, retomando, segundo a autora,
experiências já utilizadas no passado, embora a estratégia de governo fosse de
“modernização” via liberalização da economia e de redução do Estado na atividade
econômica produtiva. Ressalta, ainda a autora, que a Reforma do Estado, iniciada no governo
Fernando Henrique em 1995, se dá num contexto democrático que obriga uma relação

6
Para a definição de patrimonialismo e estamento ver: WEBER (1984).
7
NUNES (1997:44) refere-se à gramáticas como a indicação da “existência de diferentes combinações culturais
e elementos dentro de uma mesma estrutura”.
6
Estado-sociedade distinta de uma prática de insulamento, tão comum no Brasil. Ou seja, o que
se entende é que além de uma reprodução sincrética dessas gramáticas (NUNES, 1997), Diniz
constata a possibilidade da produção de gramáticas distintas no Brasil do Real, em tempos de
reforma ou reconstrução do Estado, onde este último não assume mais o papel de agente
produtivo. BRESSER PEREIRA (1997), embora reconhecendo, por exemplo, que o
clientelismo e o universalismo de procedimentos estejam presentes nos dias atuais, alerta que
essas instituições não são mais as mesmas e que por isto é preciso identificá-las, bem como
compreender como se inter-relacionam. Assim, essas propriedades estruturais, relativas às
relações Estado-sociedade no Brasil, são re/produzidas, no sentido da Estruturação,
contribuindo para a contextualização do campo onde os gerentes públicos estão inseridos.

2.3.2 – Estado: gestão organizacional e influências da cultura brasileira


A forma como se define historicamente a gestão das organizações estatais brasileiras, em
particular aquelas do setor governo, pode ser analisada como refletindo propriedades
estruturais culturais8 de nossa sociedade. Alguns estudos demonstram como traços da cultura
nacional impactam a gestão organizacional9 no Brasil. Um exemplo é apontado no estudo de
BARROS & PRATES (1996), onde é definido um modelo chamado sistema de ação cultural
brasileiro, marcado pela concentração de poder, personalismo, paternalismo, impunidade,
formalismo, lealdade às pessoas, flexibilidade, postura de espectador e aversão a conflitos.
Segundo os autores esses traços se entrelaçam, integrando as relações entre líderes e
liderados, entre aquilo que é institucional e o que e pessoal, destacando-se aí o binômio casa e
rua, indivíduo e pessoa, tão bem demonstrados por Da MATTA (1993; 1990).

Mais especificamente em relação à gestão na administração pública , MARTINS (1997) traz


uma grande contribuição à medida em que busca vincular cultura brasileira e as diferentes
iniciativas de modernização dos aparatos estatais no País até o atual discurso da Reforma do
Estado do governo Fernando Henrique Cardoso. Para o autor, a re/produção do Estado
patrimonial português no Brasil atravessa os tempos desde a colônia até os dias atuais. Daí,
seu argumento que todo o percurso do que se chamou de modernização da administração
pública em nosso País, nada mais foi do que um somatório de tentativas para se substituir o
estilo de administração patrimonial do Estado pelo modelo burocrático, processos estes
caracterizados por uma “modernização dissociativa”, isto é, contraditórios, descontínuos e,
acima de tudo, pouco compatibilizados com a democracia, onde
“ora tentou-se consolidar uma burocracia, racionalizando-se funcionalmente a
administração, à revelia da Política e à custa da democracia, ora tentou-se descaracterizar o
caráter funcional da burocracia pública pretensamente até em nome da democracia; ora
obstaculizada, ora estimulada pelos agentes do Estado e da política nacional”
(MARTINS,op.cit:175).

Assim, analisando desde as mudanças promovidas nos anos 30 até o governo Collor, o autor
identifica práticas patrimonialistas, clientelistas e insulamento burocrático, onde o “moderno”
sempre conviveu com as práticas ditas “atrasadas” que queria combater, re/produzindo-se
historicamente. Nos tempos atuais da era da administração gerencial ou pós-burocrática,
Martins chama atenção para a importância de se estudar até que ponto esse conjunto de
iniciativas não estará reproduzindo, mais uma vez essa dissociação da Política. Quanto a
questão mais específica do modelo de gestão burocrático aplicado à administração pública
brasileira é importante observar que aqui ele foi historicamente marcado pelo que RAMOS
(1983) denominou de formalismo, ou seja, a discrepância entre aquilo que está prescrito em

8
Cultura aqui entendida como um produto histórico-social, conforme MELO (1974); SODRÉ (1989)
9
Ver : MOTTA & CALDAS (1997); MOTTA (1996); MOTTA & ALCAPADINI (1999).
7
leis, decretos e normas e o que realmente acontece na realidade cotidiana. Esse conceito é
típico daquilo que o autor chama de processo crioulo dominante nos países latino-americanos.
Dessa raiz formalista, nasce o jeitinho como uma processo estratégico de se “contornar uma
dificuldade a despeito da lei e até mesmo contra ela” (RAMOS, op.cit: 288), ressaltando-se
aí, o predomínio das relações pessoais, familiares e clânicas. Segundo o mesmo autor, o
jeitinho estaria condenado ao desaparecimento à medida em que o avanço do
desenvolvimento econômico e social levaria à adoção de legislações condizentes com a
realidade. No Brasil, em particular, o seu ingresso na economia industrial tenderia a levar ao
desuso o jeitinho, tendo em vista seria crescente o emprego da impessoalidade nas relações
sociais. Criticando Ramos, BARBOSA (1992) considera que não é bem assim, isto é, no seu
entender as relações pessoais são fatores estruturais do nosso universo social que se mantêm
ao longo do tempo em sintonia com a impessoalidade e da racionalidade do mundo
contemporâneo. Especificamente quanto à dinâmica do modelo burocrático, tido como
antídoto às relações pessoais, bem como aos imperativos de laços familiares na gestão
organizacional a autora deixa claro que
“no Brasil o que se verifica não é exatamente isso. O que a realidade tem demonstrado é que
o sistema burocrático impessoal, calcado na racionalidade é, a todo momento, vazado pela
atuação de variáveis exógenas a esses domínios, baseadas em critérios diversos, mas que tem
a uni-las as relações com valores que se colocam no eixo oposto ao da racionalidade e do
econômico. Uma regra universalizante pode deixar de ser acionada e exigida, caso o
requerente seja uma moça simpática, uma velhinha maternal ou um deputado (BARBOSA,
op.cit: 13).

Da MATTA (1990; 1993) também destaca as relações pessoais como um elemento estrutural
marcante em nossa sociedade. Segundo esse autor, no Brasil destaca-se uma dualidade entre
o indivíduo e a pessoa, isto é a convivência conflituosa entre o domínio do indivíduo
caracterizado pelo mundo da rua, do aparato impessoal legal, dos regulamentos e o domínio
da pessoa, aquele relativo ao mundo da casa, das relações familiares, da proteção e da
hierarquia. Os dois domínios convivem lado a lado nas relações sociais no Brasil,
sobrevivendo através de sua história, não sendo simplesmente marcas do passado a serem
ultrapassadas pela modernidade, mas sim, como fatores estruturais, re/produzidos ao longo do
tempo e do espaço, revelando uma
“complexa convivência de um forte sistema de relações pessoais, embaraçado a um sistema
legal, universalmente estabelecido e altamente racional [...] Aqui temos a prova de que o
sistema legal (importado e aplicado como toda força) pode ser sistematicamente deformado
pela moralidade pessoal, de modo que sua aplicação não se faz num vazio,, mas num
verdadeiro cadinho de valores e ideologia” (Da MATTA, 1990: 203).

Também HOLANDA (1997) salienta que a gestão pública brasileira só excepcionalmente se


caracteriza pela impessoalidade, predominando mais as vontades e objetivos particulares dos
seus quadros administrativos, imperando o mundo da família. No seu entender a amabilidade,
e a generosidade marcam traços definidores do caráter brasileiro, onde o indivíduo perde a sua
supremacia em prol da pessoa, do estabelecimento de “intimidades” nas relações sociais em
detrimento da manifestação de respeito aos limites do outro, definindo o homem cordial.

3 – Evidências empíricas da re/produção10 de propriedades estruturais na administração


pública e sugestão de modelo de análise para estudo do trabalho gerencial
3.1 – Algumas evidências empíricas

10
O termo re/produção, proposto por ROULEAU (1995), expressa o que GIDDENS (1996) define como o
caráter dual da ação, ou seja, que toda conduta humana comporta reprodução e produção de estruturas sociais.
8
“Existe muita integração também no trabalho que a gente faz e desenvolve... realmente a
gente funciona como se fosse, realmente uma família, um grupo integrado” (Gerente
entrevistado).
“é fácil o relacionamento, entendeu? As pessoas já te conhecem, muito tempo dentro de casa,
aquele negócio todinho... então é tranqüilo , isso é uma coisa boa” (Gerente entrevistado).
Em pesquisa realizada, junto a uma Secretaria de Estado no Espírito Santo11, em agosto de
1997, com vistas a levantar impactos do processo de modernização organizacional junto ao
exercício da função gerencial, evidências de re/produção de propriedades estruturais puderam
ser identificadas, ainda que não fosse esse o objeto do estudo realizado a partir de entrevistas
semi-estruturadas, a dezenove servidores públicos ocupantes de cargos gerenciais junto ao
Governo do Estado do Espirito Santo. Os resultados dessas enquetes, foram transcritos e
tabulados e analisados em meados de 1998. A amostra apresentou as seguintes características:
. Tempo de exercício da função gerencial e estabilidade no cargo – no que tange ao tempo de
exercício de cargos de gerência somente dez, dentre os dezenove, ocupava a posição há dois
anos e meio, desde o início do governo em 1995, demonstrando a tendência a
descontinuidades administrativas, bem como instabilidade quanto à permanência em funções
gerenciais, tendo em vista que os demais estavam no cargo a menos de dois anos. Nota-se que
a Secretaria já havia trocado um Secretário antes do que estava no cargo à época do
levantamento de dados. É interessante notar ainda que o organograma dessa organização
contava com um número de sessenta cargos de gerência somente no prédio sede,
desconsideradas as chefias externas espalhadas pelo Estado, para um conjunto de quinhentos e
cinqüenta e três servidores estatutários12 no total. Chega-se então a número de nove
servidores, em média, para cada gerente, demonstrando a tendência ao poder altamente
concentrado.
. Faixa salarial – 31,5% dos entrevistados recebiam remuneração na faixa de R$ 1000,00 a
R$ 3000,00; 31,57% entre R$ 3000,00 a R$ 5000,00; 26,31% entre R$ 5000,00 e R$ 7000,00
e 10,52% entre R$ 7000,00 a R$ 9000,00.
. Formação profissional – 89,4% dos gerentes entrevistados tinham formação de nível
superior nas áreas das ciências econômicas e jurídicas, ou seja, administração de empresas
(26,3%); economia (36,8%); contabilidade (15,78%) e direito (15,78%). Desse total 26,3%
tem uma segunda graduação em direito, comunicação social, engenharia química, engenharia
civil, tecnologia mecânica e engenharia elétrica, respectivamente. Somente dois (5,4%) fogem
à essa tendência pois têm formação na área de engenharia civil e biblioteconomia,
respectivamente.
. Gênero – a grande maioria dos entrevistados é composta por gerentes do sexo masculino
63,15%, cabendo ao sexo feminino 36,85%.

Os resultados da pesquisa demonstram evidências de re/produção de propriedades estruturais


da sociedade brasileira, identificadas pelos autores aqui citados anteriormente, impregnadas
em certos comportamentos e práticas organizacionais. São evidências dessa constatação as
respostas que apontam que o exercício da função gerencial atende expectativas de
relacionamento afetivo ou da vida em família e o uso do cargo para benefícios pessoais – os
traços da pessoalidade e do mundo da casa; as ingerências políticas externas e internas, a
descontinuidade administrativa, os critérios políticos, a aproximação aos que detêm o poder
político ou o fato de ser conhecido dos superiores como um dos critérios que contam para o
acesso aos cargos gerenciais – traços inerentes à concentração do poder, ao paternalismo e

11
Este estudo faz parte do Projeto Integrado de Pesquisa financiado pelo CNPq “Novos Processos
Organizacionais e seus Impactos na Categoria dos Gerentes e na Função Gerencial – Um Estudo em
Organizações Privadas, Públicas e ONG’s”
12
Fonte: Grupo de Recursos Humanos Setorial da Secretaria.
9
patrimonialismo, bem como o uso do “jeitinho” como estratégias para o convívio com o
excesso de normas e regras. Por outro lado, muitas das respostas apontavam também para o
fato dos gerentes da organização estarem atentos à percepções das mudanças pela qual a
função gerencial estaria passando , ligadas às exigências de maior dinamismo, capacitação,
delegação de autoridade e participação, frutos das discussões a respeito do início das
discussões da implantação do programa de modernização, evidenciando, desse modo, uma
possibilidade de transformação de algumas das propriedades estruturais levantadas na
pesquisa, confirmando o caráter re/produtivo da ação humana argumentada por GIDDENS
(1984), ou seja, o pressuposto de que as estruturas sociais tanto restringem como podem
habilitar a ação, possível de manter ou transformar aquelas.

3.2 – Enquadramento metodológico e modelo de análise para o trabalho gerencial


A partir do exposto até aqui, resta agora sugerir um modelo de análise para o estudo do
trabalho gerencial na administração pública no Brasil, a partir do conceitos básicos da
dualidade estrutural, sistemas sociais e propriedades estruturais, agregando a ação humana às
estruturas sociais, tornando mais poderosa a compreensão das realidades organizacionais. O
primeiro ponto a considerar é o que diz respeito ao enquadramento metodológico quando de
um estudo baseado na Teoria da Estruturação, ou seja: a análise institucional e a análise da
conduta estratégica. A primeira trata as propriedades estruturais como características dos
sistemas sociais que são reproduzidas de forma crônica: o foco é a estrutura. A segunda, tem a
ver com o modo pelo qual os atores sociais monitoram reflexivamente seus atos, apoiando-se
em propriedades estruturais na constituição de relações sociais: o foco é a ação humana,
assumindo-se, metodologicamente, as propriedades estruturais como supostamente “dadas”.
Ao mesmo tempo em que propõe essa diferença entre esses dois tipos, GIDDENS (1989)
reafirma que não há uma linha estabelecida que os divide nitidamente, mas sim uma
complementaridade, significando dizer que para o entendimento da ação humana em um
arranjo social qualquer, faz-se necessário os dois tipos de análise que são apenas
diferenciados metodologicamente como forma de melhor operacionalizar a pesquisa empírica.
Tomando como pano de fundo o princípio da dualidade da estrutura,
“tratar as propriedades estruturais como metodologicamente dadas não é afirmar que elas
não são produzidas e reproduzidas através da agência humana. É concentrar a análise nas
atividades contextualmente situadas de grupos definidos de atores” (GIDDENS, op.cit: 235).

Graficamente essa complementaridade metodológica é representada pelo gráfico 1 a seguir:

ANÁLISE INSTITUCIONAL: sistemas sociais e propriedades estruturais


Contexto Organizacional
( Administração Publica gerencial )

Os gerentes e a re/produção de traços


caboclos: o trabalho gerencial

(ANÁLISE DA CONDUTA
ESTRATÉGICA)

Contexto Organizacional
( Administração Pública Gerencial )

ANÁLISE INSTITUCIONAL: sistemas sociais e propriedades estruturais

10
GRÁFICO 1: Enquadramento metodológico – análise institucional e conduta estratégica

Partindo do esquema acima, é possível a construção de um modelo da análise da conduta


estratégica dos gerentes públicos no Brasil, tomando, como pano de fundo, a análise
institucional, ou seja, certas propriedades estruturais da sociedade brasileira que são
re/produzidas através de sua ação. A idéia é desenhar três sistemas sociais e suas propriedades
estruturais que, através do conceito da dualidade estrutural, ora restringem, ora habilitam a
ação dos gerentes, definindo a natureza do trabalho gerencial num contexto de “reconstrução”
do Estado que, no plano organizacional, é traduzido pela busca da Administração Pública
Gerencial. O gráfico 2 do anexo 1, demonstra o modelo de pesquisa proposto.

4 – Considerações finais
A proposta de transposição do arquétipo do administrador público burocrático pela figura do
gerente, um dos pilares da atual processo de reconstrução do Estado brasileiro, faz parte de
um esforço maior que visa entre outras coisas, o combate à propriedades estruturais de nossa
sociedade que insistem em continuar presentes na administração pública como o
patrimonialismo e o clientelismo (BRESSER PEREIRA,1999b). Entretanto, riscar do mapa
aquele arquétipo implica em admitir que o modelo burocrático weberiano, buscado desde a
implantação do DASP no primeiro governo Vargas, não foi capaz, por si só, de garantir a
eficiência, a racionalidade e a impessoalidade na administração pública, evidenciando as
influências histórico-sociais da constituição de nossa sociedade, demonstrando que a
burocracia cabocla sofreu a miscigenação de um conjunto de práticas sociais que se
re/produzem, caracterizando o que GIDDENS (1984) denominou de dualidade estrutural. Daí,
se pode deduzir que um modelo de gestão, muito mais do que somente um conjunto técnico
de conceitos, pressupõe a interpretação destes pelos atores organizacionais, através de um
processo de construção e reconstrução que inclui a ação desses últimos situada no tempo e no
espaço. Logo, para se transformar o arquétipo do burocrata caboclo, necessário se faz
compreender a sua construção social, investigando-se os atores sociais empíricos concretos,
verificando-se, a partir daí, o quanto eles se aproximam ou se afastam dos moldes
burocráticos clássicos, para então tornar-se mais possível a reconstrução não do ator em si,
mas das bases sob as quais se fundam o trabalho gerencial no setor público.

Logo, a introdução da Administração Pública Gerencial, tomada como um novo modelo de


gestão, pode não ser suficiente, por si só, para garantir mudanças nas práticas dos que
exercem função gerencial, sem que seja considerada a re/produção de propriedades
estruturais caboclas presentes na sociedade brasileira e que são refletidas na administração
pública e mais especificamente na natureza do trabalho gerencial. As evidências da pesquisa
realizada em uma Secretaria de Estado mostram que, o exercício da função gerencial não pode
estar desvinculado de características específicas de nossa sociedade e de sua administração
pública brasileira, principalmente quando da implantação de novas tecnologias de gestão.
Daí, mais que justificável que o trabalho gerencial seja desvendado em suas práticas
cotidianas para que se possa, inclusive, transformá-las. Dito de outro modo, é preciso
contextualizar histórica e socialmente o trabalho gerencial em paralelo à aplicação de novos
modelos de gestão, dentre eles a proposta mais ampla da Administração Pública Gerencial.

11
Anexo 1 - Gráfico 2: Sistemas sociais e propriedades estruturais para o estudo do trabalho gerencial na administração pública brasileira

ESTRUTURAÇÃO DE PRÁTICAS DE GESTÃO

Propriedades estruturais
Regras Básicas:
Paternalismo; Personalismo;
A extensão das relações familiares ao
meio do trabalho – a afetividade

Recursos Básicos
Concentração da autoridade:
patriarcalismo; a dualidade indíviduo-
Pessoa;
Sistemas Sociais A cordialidade
SETOR GOVERNO
(crise do Estado)
DOMÉSTICO Regras Básicas:
Centralidade do Estado: o papel no
desenvolvimento econômico – agente TRABALHO
Dualidade
econômico regulador E “AÇÃO”
Estrutural
Recursos Básicos: GERENCIAL
ESTADO - SOCIEDADE Clientelismo; corporativismo;
insulamento burocrático; universalismo Estrutural
de procedimentos O CONTEXTO DA
GESTÃO ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ORGANIZACIONAL GERENCIAL
PÚBLICA Regras Básicas:
Formalismo; patrimonialismo;
descontinuidade administrativa
Recursos Básicos:
O jeitinho; a não distinção entre o
público e o privado; a centralização do
poder
13

12
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